cultura e consciências coletiva_ ensaios de sociologia_ jacob lumier

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Economia

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  • CULTURA E CONSCINCIA

    COLETIVA

    Ensaio de Sociologia

    Jacob (J.) Lumier

  • CULTURA E CONSCINCIA COLETIVA:

    Leituras Saint-simonianas de Teoria Sociolgica 2007 by Jacob (J.) Lumier. 2

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    Indicaes para

    FICHA CATALOGRFICA

    Lumier, Jacob (J.) (1948 -...): CULTURA E CONSCINCIA COLETIVA:

    Leituras Saint-simonianas de Teoria Sociolgica

    Internet, E-book Monogrfico, 209 pgs. dezembro 2007, Com bibliografia e ndices remissivo e analtico eletrnico.

    (com Anexos) ISBN...

    1. Comunicao Social 2. Teoria Sociolgica - Metodologia

    I. Ttulo. II. Srie

    ***

    JotaInserted Text

    This work is licensed under the Creative Commons Attribution 2.5 Brazil License. To view a copy of this license, visit http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/br/ or send a letter to Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, California, 94105, USA.

    JotaNoteMarked set by Jota

    DeboraFernandaCarimbo

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    CULTURA E CONSCINCIA COLETIVA:

    Leituras Saint-Simonianas de Teoria Sociolgica

    Ensaio de Sociologia

    Por

    JACOB (J.) LUMIER

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    Rio de Janeiro, Dezembro 2007.

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    Leituras Saint-simonianas de Teoria Sociolgica Jacob (J.) Lumier

    AGRADECIMENTO

    Deixo aqui meu reconhecimento para com o programa de publicao Sala de Lectura CTS+I de la OEI, a iniciativa da Se-cretara General de la Organizacin de Estados Iberoamericanos para la educaci-n, la ciencia y la cultura-OEI que tiene por objeto elaborar una biblioteca vir-tual sobre Ciencia, Tecnologa, Sociedad e Innovacin (CTS+I) onde tenho pu-

    blicado meus ensaios de sociologia.

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    Jacob (J.) Lumier

    APRESENTAO

    Ao comunicar sobre a sociologia o socilogo faz algo mais do que um paper de universidade. Sua aproximao da matria inclui a mais do carter de-sinteressado do conhecimento cientfico uma mirada vinculada prtica profissio-nal. Desta sorte produz textos sociolgicos, elaboraes sobre a realidade social que aportam no s os resultados da sociologia que faz, mas igualmente revelam os procedimentos em vias de fazer.

    H uma indispensabilidade em produzir texto sociolgico para a prtica do socilogo, na qual os resultados levam aos procedimentos e vice-versa ultrapassando a sugesto epistemolgica de estabelecer um hiato entre contexto da descoberta e contexto da justificao.

    Esta obra mostra que o estudo histrico da sociologia revela-se uma pesquisa de sociologia dos quadros operativos da teoria sociolgica e cons-titui a continuao do nosso e-book Leitura da Teoria de Comunicao desde o ponto de vista da Sociologia do Conhecimento, publicado na Biblioteca Virtu-al de Ciencia, Tecnologa, Sociedad e Innovacin, junto ao Programa Sala de Lectura CTS+I, da O.E.I.

    Elaboramos pela revalorizao pedaggica da colocao do conhecimento em perspectiva sociolgica, orientao esta atualmente solicitada para contrarrestar a filosofia abstrata das cincias cognitivas: para o socilogo no h comunicao sem o psiquismo coletivo 1.

    1 Se o mundo como significado foi transposto pela modernizao a uma distncia muito vaga das vidas das pessoas no se pode deixar a passar inteiramente despercebido que a autonomia do significado em relao ao significante em contexto de dependncia de um grupo, classe ou sociedade global configura a criao de liga-es com o prprio significado autnomo, expressando no o Outro imaginrio do entendimento abstrato da alteridade, mas desde o ponto de vista do contexto de realidade social expressando as relaes com outrem.

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    Entendendo que a linguagem humana exige uma unio prvia, seguimos o realismo de Georges Gurvitch em relao ao interesse, alcance e espe-cificidade da teoria sociolgica distinguindo sem separar os elementos histricos e os elementos pouco ou no-histricos da realidade social. Desta sorte, aprofun-damos a sociologia diferencial e a dialtica acentuando o ponto de vista da auto-nomia relativa dos grupos em relao s classes e s sociedades globais por desen-volvimento da microssociologia e do pluralismo social efetivo. Entende-se, por-tanto, que o subttulo deste ensaio como Leituras Saint-Simonianas visa acentuar que a sociologia cincia dos determinismos sociais e que suas razes esto plantadas na sociedade industrial.

    Quanto ao nosso estilo, contrariando as sugestes editoriais de que os escritos com disciplina cientfica devem ser impessoais, utilizamos a primei-ra pessoa do plural para afirmar a vontade de valor ou de verdade 2.

    ***

    2 Repelimos o paradoxo em se ignorar nos seres do passado a vontade de valor ou de verdade, lembrando que Raymond Aron sublinha a separao radical do fato e dos valores em Max Weber como limitando erroneamente a compreenso da conduta individual unicamente na referncia das idias de valor. Por contra, criando hermenu-tica weberiana em um dos seus primeiros ensaios marcantes, sustenta esse estudioso que se tal concepo ex-cluindo a vontade de valor ou de verdade fosse admitida no se teria o critrio para diferenciar entre uma obra de filosofia como a Crtica da Razo Pura de Kant e as imaginaes delirantes de um paranico, j que ambas seriam colocadas no mesmo plano. Ver Aron, Raymond: Introduction la Philosophie de lHistoire (Paris, Gallimard).

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    S U M R I O

    Introduo: Aspectos da explicao em sociologia: Teoria diferencial e teoria sistemtica. pg. 09 Primeira Parte Cultura e Objetividade: Notas sobre Max Weber e Wilhelm Dilthey pg. 57 Segunda Parte Culturalismo e Sociologia: Notas para um estudo dos quadros sociolgicos da sociologia da compreenso interpretativa desenvolvida por Max Weber pg. 81 Terceira Parte O Problema da Conscincia Coletiva na Sociologia da Vida Moral: Notas sobre a anlise crtica da sociologia de mile Durkheim pg. 93 Quarta Parte Introduo ao Estudo Sociolgico da Variabilidade na Vida Moral pg.109 Artigo anexo Arte e Funo Simblica: Notas para a revalorizao dos estudos da Renascena. pg. 143 Bibliografia pg. 188 Guia dos termos sociolgicos e Autores comentados pg. 194 ndice Analtico pg. 197 Sobre o Autor pg. 203

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    por

    Jacob (J.) Lumier

    INTRODUO

    Aspectos da explicao em sociologia:

    Teoria sistemtica, teoria diferencial e

    O problema da possibilidade da estrutura.

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    Introduo Aspectos da explicao em sociologia:

    Teoria sistemtica, teoria diferencial e o problema da possibilidade da estrutura.

    PRIMEIRA PARTE

    O estudioso que tenha lido os ensaios de Ralf Dahrendorf nos anos 70/80 ter notado com certeza as profundas implicaes da condio de publicidade do trabalho cientfico sobre o conhecimento. Ter visto que grande parte dos mal-entendidos a respeito de certas obras ou teorias cientficas tem muito a ver com o fato de sua exposio a todos os tipos de pblicos, muitas vezes composto no s de leigos, mas de gente alheia formao nas cincias humanas. Assim, por exemplo, tornou-se extremamente difcil esperar que o pblico no profissional acolha a distino metodolgica entre, (a) por um lado as proposies testveis ou formulaes irrealistas dos socilogos cientficos, feitas no interesse da boa teoria cientfica como o postulado do comportamento que se conforma aos papis sociais; e (b) por outro lado as a-firmaes de valor sobre a natureza do homem, que sejam atribudas como decor-rentes ou implcitas naquelas proposies teorticas. Dahrendorf reconhece3 por trs desta atribui-o indevida de valor, tida por uma espcie de reificao dos postulados, que o pblico geral no compreende a distino sutil entre as afirmaes entendidas realisticamente e os postula-dos deliberadamente irrealsticos. Haja vista estes postulados teorticos implicarem uma divergncia fundamental aos olhos do mundo do senso comum, divergncia que est no cerne da contradio entre esse mundo do senso comum e a cincia.

    3 Dahrendorf, Ralf: Ensaios de Teoria da Sociedade, trad. Regina Morel, reviso e notas Evaristo de Moraes Filho, Rio de Janeiro, Zahar-Editora da Universidade de So Paulo (Edusp), 1974, 335pp. (1edio em Ingls, Stanford, EUA, 1968). pp.114 a 117.

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    Por sua vez, a lgica da pesquisa cientfica sendo especi-ficamente baseada na incerteza fundamental do conhecimento humano, a cincia acolhe a ina-dequabilidade de um argumento puramente lgico. Todavia, ao mesmo tempo desse acolhimento, a cincia atual afirma-se vinculada a sua publicidade. Quer dizer, se a condio de publicidade ine-rente ou no ao modo de produo cientfico ou se esta questo deve ou no ser restringida aos estudiosos um tema que extrapola o domnio do pensamento ci-entfico para lanar-se no mbito da comunicao social, j que a obra impressa e com o advento da Internet o livro eletrnico (e-book) so produtos culturais dos quais a atividade cientfica no saberia distanciar-se. Alvo da epistemologia, o trabalho cientfico se realiza igualmente como documento escrito e comunicado enlaando experimen-tao e comunicao: tal a verdade que no pode ser disfarada. Se os membros leigos da sociedade fazem aos postulados da sociologia a objeo de que seus achados no lhes dizem nada alm do que j sabem preciso reconhecer por trs desse apelo do leigo ao socilogo a oposio entre o nvel terico e o nvel pragmtico da cultura. Segundo Anthony Giddens, na reinterpretao sociolgica h um desvio contnuo dos conceitos construdos pela sociologia, atravs do que eles so apropriados por aqueles cuja conduta eles foram originalmente cunhados para analisar 4. Quer dizer a duplicidade entre o socilogo e o leigo re-vela em realidade a aplicao da reciprocidade de perspectivas e, por esse via, nada mais faz que confirmar a existncia de correlaes funcionais entre os quadros so-ciais e o conhecimento, que constitui exatamente um objeto especial de estudos da sociologia, negando o suposto carter exclusivamente causal dessa disciplina, mas afirmando sua constituio como disciplina determinista.

    Em teoria sociolgica a explicao, a formulao de enunciados determinsticos, no deve nunca na primeira instncia ir mais alm do estabelecimento: (a) de correlaes funcionais, (b) de regularidades tendenciais e (c)

    de integrao direta nos quadros sociais.

    4 Giddens, Anthony: As Novas Regras do Mtodo Sociolgico: uma crtica positiva das sociologias compreensivas, trad. Ma. Jos Lindoso, reviso Eurico Figueiredo, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, 181pp. (1edio em Ingls, Londres, 1976). Pg. 15.

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    Alis, esse tema da objeo dos leigos uma vez lem-brado aos epistemlogos, nos serve como refutao para outra objeo, no caso, uma questo metodolgica, onde certos especialistas sustentam contra os socilo-gos que os atos de juzo seriam individuais porque ligados tanto reflexo quanto s palavras. Ora, a objeo dos leigos um tema coletivo e mos-tra que a ao de refletir debater o pr e o contra, confrontar argumentos, participar em um dilogo, em uma discusso, em um debate. Ento, os conjuntos dos argumentos que so confrontados em um dilogo ao invs de serem arrolados em um mundo de produtos tornados independentes dos homens como nos props Karl Popper 5 formam em realidade a experincia coletiva. Da Georges Gurvitch 6 di-zer que na reflexo pessoal figuram distintos Eu que discutem entre eles e que se trata de uma projeo do coletivo no individual, haja vista a histria das civilizaes como tes-temunha da existncia de conhecimentos coletivos. Sem embargo, o socilogo no deve colocar o problema da validade e do valor dos signos, smbolos, conceitos, idias, juzos que encontra na realidade social estudada, mas deve apenas constatar o efeito de sua pre-sena, de sua combinao e de seu funcionamento efetivo, visando pr em relevo as corre-laes funcionais entre os quadros sociais e as obras de civilizao. Isto porque a sociologia concentra seus esforos nas classes do conhecimento mais profunda-mente implicadas na realidade social e na engrenagem de suas estruturas, nos seus determinismos sociolgicos (por distino dos determinismos sociais). Tanto mais que em teoria sociolgica a explicao ultrapassa a suposio do determinismo nico. Com efeito, para fins de contraste expositivo, podemos considerar neste ponto a questo da pressuposio fundamental da teo-ria marxista, a frmula do seu determinismo nico que por ser tal, por ser ni-co, um determinismo verificado por leis causais, as quais neste caso ficaram co-nhecidas (a) - como a lei da queda tendencial da taxa de juros, tornando na eco-nomia capitalista as crises como suposies necessrias e inevitveis, e igualmen-

    5 Popper, Karl: Conhecimento Objetivo: uma abordagem evolucionria, traduo Milton Amado, So Paulo/Belo Horizonte, EDUSP/editora Itatiaia, 1975, 394 pp, traduzido da edio inglesa corrigida de 1973 (1edio em Ingls: Londres, Oxford University Press, 1972).

    6 Gurvitch, Georges: Problemas de Sociologia do Conhecimento, in Gurvitch et al.: Tratado de Sociologia-vol.2, trad.: Ma. Jos Marinho, reviso: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, pp.145 a 189 (1edio em Francs: Paris, PUF,1960).

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    te (b) - a lei do desenvolvimento desigual e combinado, que serve de reforo primeira. Na frmula deste determinismo nico susten-ta-se que as foras produtivas e as relaes de produo por constiturem em todo o tipo de sociedade a base material, teriam o poder de determinar no s a es-trutura, mas a diviso em classes, a conscincia, a ideologia e a cultura; pressuposi-o essa que por gerar hiptese com aplicao nas sociedades de tipo capitalista concorrencial viu-se projetada para toda a histria como se valesse para as cidades-estados antigas, para as sociedades de tipo feudal, as sociedades de tipo patriarcal, ou mesmo para os outros tipos de sociedades capitalistas em que a livre concor-rncia cedeu lugar aos mecanismos regulatrios. Trata-se de uma concepo de causalidade gene-ralizada e impregnada de filosofia da histria e cientificismo, tentando reduzir o pluralismo efetivo da realidade social a um projetado determinismo nico que seria imposto sociologia por fora de identificao ao modelo cientfico da fsica new-toniana, com as leis causais de explicao. Contra essa concepo dogmtica argumenta-se que: (1) normalmente toda a classe de conhecimento e todo o sistema cognitivo formam parte da engrenagem de um quadro social como aspecto, escalonamento ou elemento do fenmeno social total e de sua estrutura (isto , formam parte das regulamentaes ou controles sociais em um grupo, classe, sociedade global); (2) as dialticas de polarizao, ambigidade ou complementaridade podem aparecer entre quadro social e saber em situaes tendentes ao desacordo entre esses ter-mos; (3) geralmente, quadro social e saber se encontram em relaes de implicao mtua ou de reciprocidade de perspectivas; (4) estas duas ltimas relaes so i-gualmente dialticas podem se apresentar como simetrias frgeis que se pode quebrar, que se pode converter em termos opostos; (5) por essa razo, Gurvitch observa que os desencontros ou desacordos entre realidade social e saber so me-lhor estudados pelos procedimentos emprico-dialticos do item 2.

    A explicao sociolgica por causalidade singular s se aplica em segunda instncia e ser limitada aos casos particulares.

    Todavia, este autor admite (6) que somente nos casos em que a situao se torna em patente desacordo entre realidade e saber que se faz possvel a interveno da causalidade entre os termos; (7) nada obstan-

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    te, Gurvitch contesta a aplicao de leis causais dizendo-nos que nestes casos do item 6 se trata de causalidade singular e no leis causais e que tal explicao so-ciolgica por causalidade singular s se aplica em segunda instncia e ser limitada aos casos particulares como nos seguintes exemplos: (7.1) casos da existncia de um sistema de conhecimentos avanados que pode ser a causa do avano durvel, que pode for-necer uma explicao causal do por qu uma estrutura social retardada em relao ao seu fenmeno social total consegue resistir e no quebrar caso das Cidades-Estados da Grcia antiga; caso do antigo regime na Frana dos sculos XVII e XVIII; caso da Rssia do sculo XIX e princpios do XX; (7.2) sob outro aspecto de casos de causalidade singular, temos a situao em que os prprios conhecimentos avanados podem ser causa de retardo e assim favorecer a quebra da estrutura, da mesma maneira em que, reciprocamente, a estrutura pode se converter em causa de uma orienta-o abstrata do saber e de sua limitao s elites, favorecendo igualmente a quebra (caso do Egito antigo); (7.3) Gurvitch nota ainda o caso oposto: uma estrutura social avan-ada em relao ao sistema do saber, a qual pode ser a causa da mudana de orientao desse saber caso da antiga URSS depois da revoluo de 1917 ou o caso encontrado nos EUA sob regime de capitalismo organizado, que coloca o conhecimento tc-nico por cima das demais classes do saber. Segundo Gurvitch, sem falsear e sem desacreditar um conhecimento em sua coerncia relativa no se pode afirmar que seja uma simples projeo ou epifenmeno da realidade social, como se afirma na aplicao da causalidade levando ao mito do determinismo nico em sociologia. Em teoria sociolgica diferencial de que Gur-vitch foi o incentivador se articula uma viso de conjuntos para o problema das variaes do saber de tal sorte que a explicao, a formulao de enunciados de-terminsticos, no deve nunca na primeira instancia ir mais alm do estabeleci-mento: (a) de correlaes funcionais, (b) de regularidades tendenciais e (c) de integrao direta nos quadros sociais. A colaborao da epistemologia com a sociolo-gia passa pelo esforo de circunscrever o conhecimento como fato social distinto de outros fatos sociais. A epistemologia ajuda a sociologia a formular o problema de circunscrever o conhecimento em termos de correlaes funcionais, fa-cultando-lhe a colocao em perspectiva sociolgica do conhecimento a qual, jus-tamente, abre o acesso intermediao pelas correlaes funcionais. Mas no tudo. Por meio dos conceitos de totali-dade, infinito, multiplicidade, pluralidade, perspectivas, quadros sociais, assim como atravs da noo de generalidade limitada aos prprios quadros sociais a epistemologia 7 abre o ca-

    7 Ver em especial as obras de Gastn Bachelar referidas na bibliografia.

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    minho para uma explicao sociolgica das orientaes do conhecimento, tendo em conta que a afirmao pela sociologia do coeficiente humano e social do co-nhecimento neutraliza pela tomada de conscincia as possveis distores na expli-cao. No h distoro no procedimento especial da teoria sociolgica efe-tuando a colocao em perspectiva sociolgica do conhecimento 8.

    No cabe opor a mudana inercial caracterstica do sistema contra a teoria sociolgica diferencial como se a dinmica complexa dos conjuntos prticos atendesse ao choque de posies e no dependesse das atitudes coleti-

    vas, do espontneo coletivo propriamente dito, que j tocado pela liberdade humana em algum grau. Utilizando os resultados das anlises diferenciais, as teorias sistemticas desenvolvem a coerncia dos tipos de sociedades histricas acentuando as regularidades tendenciais como critrio de explicao sociolgica. A teoria sociolgica diferencial por sua vez de-senvolve-se com profundidade indispensvel j que elabora sobre a realidade soci-al tomada em escalas, como a realidade da condio humana regida pelo determi-nismo cientfico. especialmente orientada para pr em relevo as correlaes fun-cionais entre os quadros sociais e as obras de civilizao. O campo em que se de-senvolve a teoria sociolgica diferencial descoberto em meio s atitudes coleti-vas. Quer dizer, so as atitudes coletivas que criam os ambientes sociais onde se cotejam as diferenas sociais e se afirmam as estruturas sociais. Compreendidos sob a noo de Gestalt como conjuntos ou configura-

    8 Qualquer debate sobre a validade da perspectivao sociolgica do conhecimento inaceitvel. Trata-se de uma questo de fatos. Ou seja, a colocao do conhecimento em perspectiva sociolgica sendo questo de fa-tos no pode ser tomada como inveno do ceticismo e do nihilismo para invalidar todo o saber ou diminuir seu valor. Ver Gurvitch, Georges: Los Marcos Sociales del Conocimiento, traduo Mrio Giacchino, Caracas, Monte Avila, 1969, 289pp (1edio em Francs: Paris, PUF, 1966). Ademais, a faticidade que possi-bilita as equaes de incerteza de Heisenberg em microfsica e corrobora a impossibilidade de medir simulta-neamente a posio e a velocidade dos corpsculos a colocao em perspectiva sociolgica do conhecimen-to. Alis, como mostrou Gurvitch a apreenso desta faticidade bem notada no apelo dialtica sustentado pelos fsicos na revista Dialectique de 1947 - apud Gurvitch, Georges: Dialectique et Sociologie, Paris, Flammarion, 1962, 312 pp., col. Science, ver em especial a p.24 e as pgs.246 sq.

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    es virtuais ou atuais, esses ambientes implicam um quadro social referenciando os smbolos que se manifestam no seu seio e as escalas particulares de valores, que no seu seio so aceites ou rejeitadas, isto , as chamadas dinmicas coletivas de a-valiao favorecendo a tomada de conscincia dos temas coletivos reais. Em sua expresso dialtica, estes ambientes cria-dores manifestam-se nas trs escalas de realidade social: a dos Ns (escala micros-social), a dos grupos e classes (escalas parciais), a das sociedades globais e suas es-truturas. Em aparente paradoxo (s aparente) podem ser detectados experimen-talmente nos coeficientes de discordncia entre as opinies exprimidas nas sonda-gens ditas de opinio pblica e as atitudes reais dos grupos 9. Mas no tudo. A dialtica sociolgica estuda-da em modo diferencial e descoberta com anterioridade em relao expresso: descoberta no prprio ser social. Desse modo se mostrar, ento, uma dialtica complexa e pluralista que est em medida de expressar a prpria multiplicidade dos tempos sociais gerados pelas estruturas em estado de mudana interior. Quer dizer, se esta mudana interior torna frag-mentada em multiplicidade a tenso entre posio e movimento teremos uma vari-edade de procedimentos dialticos de intermediao entre as manifestaes dico-tmicas, sejam apenas opostos ou mais do que isso sejam contrrios, contradit-rios,etc. Ainda que no se enquadre na desejada racionali-dade do processus histrico, a dialtica complexa revela seu alcance realista em sentido ontolgico na medida em que ligada sociologia diferencial dos agrupa-mentos sociais particulares e microssociologia corroborando a constatao de Gurvitch sobre as hierarquias dos agrupamentos particulares como no absorvidas e conflitantes com as hierarquias das classes sociais. Alis, na teoria sociolgica di-ferencial a partir da constatao dessa diferena especfica aos agrupamentos so-ciais particulares que se chega percepo da mudana no interior das estruturas. Alm disso, tampouco pode ser classificada po-sitivista a descrio e a anlise gurvitcheana dos determinismos sociais como ope-raes de integrao dos fatos ou manifestaes particulares nos planos de conjun-tos prticos. Se os determinismos so operadores no sentido usual do termo em anlise matemtica, isto , so smbolos de uma operao (no caso, o esforo cole-tivo de unificao) que se efetua sobre uma varivel ou sobre uma funo, a quali-

    9 Incluindo as opinies coletivas, as representaes, as conceituaes, note-se em favor desta constatao experimental (experimental porque provocada pelas prprias sondagens de opinio) que o nvel mental estudado na teoria sociolgica diferencial como sendo apenas um aspecto do conjunto, tanto mais incerto quanto os indivduos mudam de atitude em funo dos grupos ou os personagens que os papis sociais encarnam mudam segundo os crculos a que pertencem.

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    ficao positivista incabvel porque se trata de funo dialtica (no caso, os quadros sociais) e no apenas lgica, como dialtico o esforo coletivo de unifi-cao. Na teoria sociolgica diferencial, a integrao dos fatos e a unificao nas estruturas se verificam a posteriori passando pelos temas co-letivos reais (percebidos ou no) porque os grupos, as classes, as sociedades so a-firmados tais na medida em que pronunciam e reconhecem, eles prprios, os Ns, os grupos, as classes e as sociedades que pertencem reciprocamente e respectiva-mente aos grupos, s classes, s sociedades. No cabe opor a mudana inercial caracterstica do sistema contra a teoria sociolgica diferencial como se a dinmica complexa dos conjuntos prticos atendesse ao choque de posies e no dependesse das ati-tudes coletivas, do espontneo coletivo propriamente dito, que j tocado pela li-berdade humana em algum grau. Prova disto o fato, j mencionado e bsico na sociologia diferencial de que os agrupamentos particulares mudam de carter e no apenas de posies, assumem identidades e diferenas no assumidas em tipos ou subtipos de sociedades diferentes. Na medida em que participam da mudana em e-ficcia que se opera no interior das estruturas, mais do que se deslocarem confor-me trajetrias apenas exteriores, os grupos se movem nos tempos sociais acentu-ando a variabilidade. Tanto assim que um refinado historiador e cr-tico das anlises e da teoria sociolgica de Gurvitch como o Fernand Braudel, portanto habituado variedade dos conjuntos de fatos, no deixou escapar a re-flexo de que a tenso entre posio e movimento recolhida nas chamadas equaes de incerteza de Heisenberg em teoria microfsica uma tenso que se fragmenta na multiplicidade dos tempos de que fazemos a experincia na vida social e histrica, tendo Braudel debatido, inclusive, a formulao de Gurvitch a este respeito, sobre-tudo a compreenso sociolgica de que a multiplicidade dos tempos sociais se descreve como a coordenao dos movimentos que persistem na sucesso e se sucedem na du-rao 10. Com efeito, como mencionado, a realidade que a teoria sociolgica diferencial estuda a condio humana considerada debaixo de

    10 Braudel, Fernand: Histria e Cincias Sociais, traduo dos artigos originais em Francs por Carlos Braga e Incia Canelas, Lisboa, editorial presena, 1972, 261 pp.

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    uma luz particular e tornando-se objeto de um mtodo especfico cuja aplicao pe em relevo, no dizer de Gurvitch, os "fenmenos sociais totais", ou seja, as totalidades social-humanas presentes no s metodologicamente, mas sobretudo ontologicamente antes de todas as suas expresses, manifestaes e cristalizaes - no permitindo, portanto a alienao total na objetivao das obras de civilizao (Arte, Religio, Direito, Conhecimento, Moral, Educao, etc.). Os grupos e as classes e as sociedades globais, embora integrados, no so em maneira alguma meros rgos executivos nem do sistema, nem de uma rea de civilizao, como o desejariam alguns antroplogos. pelas totalidades social-humanas e nelas que os fatos sociais so postos em vias de criao e de modificao do ser social, bem como os Ns, os grupos, as classes e sociedades so tomados em conjuntos. Segundo Gurvitch, o tornar-se objeto da condi-o humana ela prpria, o recompor o todo pela aplicao do mtodo dialtico emprico realista sobretudo pela aplicao da reciprocidade de perspectivas en-tre o Eu e o objeto significa aceitar a evidncia no trabalho intelectual de que o compromisso inelutvel de qualquer existncia em situaes sociais mltiplas e an-tinmicas no pode ser posto em relevo, no pode ascender percepo ou to-mada de conscincia seno graas aos procedimentos dialticos operativos da reciprocidade de perspectivas implicando no insucesso a tomada do risco de enveredar por portas j abertas na realizao da obra novadora do conhecimento.

    A equao existencial no pode mais ser vista como a origem das iluses e dos erros que poderiam ser evitados.

    Como mencionado, a realidade da condio hu-mana regida pelo determinismo cientfico implicado nos seres e coisas simples-mente existentes. Em teoria sociolgica diferencial o determinismo cientfico si-tuado sem atribuio prvia de qualidades, tendo na linguagem relacional seu pr-prio suporte. Em poucas palavras: o determinismo cientfico tem por nico pres-suposto a afirmao dos universos reais e concretos existentes como viabilizando o aces-so aos fatos sociais, isto : o acesso aos microdeterminismos das manifestaes da sociabilidade e aos determinismos das unidades coletivas reais (incluindo os gru-pos, as classes e as sociedades). Como ensina Gurvitch o determinismo cientfico no pode ser reduzido a nenhum gnero de necessidade nem metafsica, nem lgica, nem trans-cendental, nem matemtica pois que representa um compromisso entre uma contingncia e uma coerncia relativas: essas duas relatividades que concorrem no determinismo se

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    acham ligadas ao setor da realidade que lhes servem de plano de referncia s experincias moral, jurdica, religiosa ou cognitiva. No se pode afirmar que a necessi-dade ou a contingncia pura sejam fundamentos do determinismo ou da liberdade humana, estes fundamentos se encontram inerentes realidade emprica e desse modo colocados numa esfera in-termediria de tenso e de passagem entre o qualitativo e o quantitativo, o descontnuo e o cont-nuo, o mutvel e o estvel, o irreversvel e o reversvel, o momento e a durao, esfera essa que ca-racteriza toda temporalidade efetiva ou, mais exatamente, a multiplicidade dos tempos 11. Alm disso, se no h antagonismo negativo, mas intermediao entre sociabilidade (quadros sociais), atividade (obra de civilizao) e funcionalidade (interpretao), como graus do esforo a que se ligam os setores referidos, temos o homem como um construtor de smbolos, temos a relatividade da oposio do arcaico e do histrico, sendo os mitos e os smbolos sociais ento revelados como intermedirios positivos indispensveis ao conhecimento de sorte que a equao existencial no pode mais ser vista como a origem das iluses e dos erros que poderiam ser evitados (Freud, Marx) como costuma acontecer quando se impe um antagonismo excludente entre infra e superestrutura ou uma relao de causa e efeito opondo necessariamente os quadros sociais e o conhecimento. Sem dvida, o coeficiente humano do conheci-mento embora trazendo uma limitao social do campo de viso revela ao mesmo tempo aspectos ou setores desconhecidos da realidade e da verdade, na sua varie-dade infinita. a tomada de conscincia do papel que desempenha no conheci-mento a equao existencial que pode fazer avanar os critrios precisos de anlise e explicao sociolgica, e a forma dessa conscincia complexa em segundo grau a teoria sociolgica 12. De fato, no h dvida de que na sociologia dife-rencial os procedimentos dialticos compreendendo as complementaridades, as compensaes, as ambigidades, as ambivalncias, as polaridades e a reciprocidade de perspectiva constituem as descries pelas quais se chega a desocultar os tem-pos, a eficcia ou a permanncia das mudanas que esto a ocorrer no mago da realidade social.

    11 Gurvitch, Georges: Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direo ao estudo sociolgico dos caminhos da liberdade, trad. Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361 pp, traduzido da 2edio francesa de 1963. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1955), pgs. XIV e XV, op.cit.

    12 Gurvitch, Georges: A Vocao Actual da Sociologia - vol. I: na senda da sociologia diferencial, traduo da 4 edio francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587 pp. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1950), p.113 sq.

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    Neste sentido, a mumificao do conceitual ou dis-cursivo adquire um estatuto metodolgico mais especfico, passando de obstculo percepo para obstculo verificao da mudana, j que o plano discursivo negado em modo sociolgico ( um dos aspectos da colocao em perspectiva so-ciolgica) pelas variaes factuais do saber e a mumificao do conceitual bloqueia este conhecimento. Cabe acrescentar, enfim, no dizer de Gurvitch, que a verificao dos nveis da dialtica, sobretudo a clarificao das trs escalas ou dimenses do microssocial, do grupal, do global uma orientao bem circunstan-ciada que se compreende do ponto de vista do avano da perspectivao sociol-gica do conhecimento acentuada no sculo XX, nos anos 50 e 60, (a) - pela busca de coerncia entre teoria cientfica e pesquisa favorecendo o reencontro das dife-rentes interpretaes da dialtica e do empirismo pluralista efetivo, corroborados no mbito das cincias da natureza com a teoria fsica, (b) - pela afirmao da mul-tiplicidade dos quadros de referncia operativos. Como j o dissemos a respeito dos determinis-mos propriamente sociolgicos de que depende a formao das estruturas sociais, o esforo coletivo de unificao dos determinismos sociais j historiado, de tal sorte que a estrutura social se coloca como um processus permanente compreen-dido num movimento de desestruturao e reestruturao. A estrutura sendo obra de civilizao no pode, pois, subsistir um instante sem a interveno dos atos co-letivos, num esforo de unificao e orientao a recomear sempre. Gurvitch insiste que o problema da estrutura so-cial s se pe na escala macrossociolgica e em relao s unidades coletivas reais, nunca em geral: no h uma anlise estrutural separada de uma anlise dos agru-pamentos particulares, classes sociais, ou sociedades globais, sejam estas tribos, ci-dades, Estados, imprios, naes, sociedades internacionais.

    Do ponto de vista sociolgico, improdutivo discutir problemas de estrutura social sem levar em conta a ntida conscincia coletiva da hierarquia especfica e referencial de uma unidade coletiva real, como o a hierarquia das relaes com os outros grupos e com a sociedade global, ou, designada de modo mais amplo, hierarquia das

    manifestaes da sociabilidade, hierarquia esta que se verifica unicamente nos agrupamentos estruturados.

    Na teoria sociolgica em cuja percepo diferen-cial os grupos so sempre especficos a anlise da passagem de um agrupamento no-estruturado mas estruturvel como o todo o agrupamento particular para chegar

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    condio de agrupamento estruturado distingue os seguintes momentos: 1) - a diferenciao entre categoria ou estrato, como simples coleo de indivduos que se encontram numa situao mais ou menos idntica, por um lado, e por ou-tro lado os verdadeiros grupos reais; 2) - a oposio de grupo e de estrutura; 3) - a passagem propriamente dita de um agrupamento no-estruturado para agrupa-mento estruturado 13. Seja como for, no estudo da reestruturao desde o ponto de vista da teoria sociolgica diferencial importa reter que em cada unida-de coletiva real as manifestaes da sociabilidade configuram em sua diferena es-pecfica os quadros microssociais que ali se diferenciam em maneira espontnea (Ns, relaes com outrem), mas que so utilizados pelas unidades coletivas para se estruturarem e desse modo as manifestaes da sociabilidade so hierarquizadas do exterior, de fora para dentro: o grupal e o global imprimem a sua racionalidade histrica e a sua ligao estrutural a essas manifestaes microscpicas da vida social que lhe do consistncia e densidade 14.

    ***

    SEGUNDA PARTE

    Utilizando os resultados das anlises diferenciais, as teorias sistemticas desenvolvem a coerncia dos tipos de sociedades histricas acentuando as regularidades tendenciais como critrio de explicao sociolgica.

    13 Gurvitch, Georges: A Vocao Actual da Sociologia - vol. I: na senda da sociologia diferencial, traduo da 4 edio francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587pp. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1950). Pgs. 496 a 500.

    14 Malgrado os adeptos do psicodrama e dos diversos psicologismos muito projetados nas chamadas dinmicas de grupo os elementos microssociais integram a dialtica das escalas do parcial e do global e no tm absolutamente nada a ver com o individualismo, o atomismo e o formalismo sociais, mas criam inclusive referncias objetivas para o mundo dos valores.

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    Em relao s teorias sistemticas nos defronta-mos ao problema da coerncia como critrio dos determinismos propriamente sociolgicos dos tipos de sociedades globais e suas estruturas. A construo dessa tipologia sociolgica constitui o pr-requisito das teorias sistemticas bem como expressa a produo para onde elas desembocam. Desta sorte, antes de surgir co-mo desafio para a elaborao e na elaborao das teorias sistemticas elas mesmas, a coerncia revela-se o problema metodolgico prvio da construo tipolgica que se equaciona no mbito da dialtica complexa. Quer dizer, para equacionar o problema da coe-rncia de que so elaboradas as teorias sistemticas foi preciso estabelecer uma re-ferncia dialtica e dialetizadora capaz de introduzir nos quadros operativos da so-ciologia no somente a constatao da insuficincia do pensamento conceitual pa-ra conter nos conceitos a manifestao do todo ele mesmo, mas, sobretudo, foi preciso estabelecer uma referncia dialtica e dialetizadora capaz de introduzir o procedimento determinstico voltado para dar expresso ambivalncia dialtica assim apreendida na insuficincia do conceitual 15. O pensamento sociolgico tem clareza do relati-vismo que permeia a noo de coerncia e alimenta-se na observao de que (a)-cada esfe-ra do real, (b)-cada gnero de determinismo(c)-cada procedimento operativo para constat-lo se encontra situado no somente em outro grau de compromisso en-tre o qualitativo e o quantitativo, o contnuo e o descontnuo, o contingente e o coerente, mas tambm em outra temporalidade. A temporalidade cientfica no pode ser destaca-da da temporalidade real sobre a qual se funda, assim como o construdo no pode ser isolado do vivido, enfatizando que assim porque esses dois elementos se en-contram ligados por uma dialtica de passagem16. Este pluralismo descontinuista aparece como desdobramento da teoria da relatividade geral de Einstein. Da falar-se de vrios tempos na fsica que mantm diferentes relaes, tanto que G.Bachelard dir o seguinte: Se o tempo do fsico pde aparecer, at nossos

    15 Segundo Gurvitch, embora no seja explicao, a dialtica (anlise sociolgica) prepara a explicao mediante a descrio. Isto significa que, igual a todo o conceito sociolgico relativista e realista assimilando a aplicao das teorias de conscincia aberta, a conscincia coletiva requer a aplicao dos procedimentos dialticos de complementaridade, implicao mtua, ambigidade, polarizao e reciprocidade de perspectiva para ser adequadamente descrita em sua realidade irredutvel diante da conscincia individual, diante das obras de civilizao (moral, direito, conhecimento, religio, educao, etc.) e das outras conscincias coletivas. Cf. Dialectique et Sociologie, op.cit.

    16 Ver Gurvitch, Georges: Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direo ao estudo sociolgico dos caminhos da liberdade, trad. Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361 pp, traduzido da 2edio francesa de 1963. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1955), op. cit. p. 26.

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    dias, nico e absoluto, foi porque o fsico se situou primeiramente num plano experimental particular. Com a relatividade, surgiu o pluralismo temporal 17. Notando a partir desse pluralismo temporal o modo do realismo, em que o ontolgico precede o epistemolgico fazendo surgir a relao dialtica entre o mtodo dialtico e a realidade social e humana j dialti-ca nela mesma, podemos assinalar que a vertente de Saint-Simon e do jovem Marx acentuando desse modo a precedncia do ser social se traduz no pensamento de Gurvitch pelo alcance operativo, como conexo de efetividade, em que esse autor emprega a noo de fenmeno social total. Desta forma, no pensamento sociolgico de Gurvitch - e isto lhe valeu injustamente a classificao de positivista lgico" - o fenmeno do todo social verificado e tem efetividade como tal justamente na es-cala dos tempos sociais gerados na dinmica de reestruturao. Vale dizer, por diferena das metodologias abs-tratas muito utilizadas inclusive por estudiosos da histria das civilizaes, essa constatao do enlace entre o fenmeno do todo social e as duplas escalas dos tempos da reestruturao enlace este que Gurvitch designa fenmeno social to-tal resguarda a teoria sociolgica diferencial da arbitrariedade do corte temporal que leva construo do tipo de estrutura e de sociedade global. Isto porque a di-menso temporal vem a ser resgatada exatamente no emprego operativo da men-cionada noo de fenmeno social total, como veremos adiante, cabendo ante-cipar que, pela dialetizao, os tempos mltiplos em sociologia so mais do que apenas meios lgicos de variabilidade construdos por necessidade de compre-ender e explicar a reestruturao, antes disso so igualmente verificados em reali-dade como tempos reais. Da a ambivalncia dialtica 18. Desta sorte temos que a coerncia das teorias sistemticas relativa ao saber coletivo afirmado nos diversos tipos de sociedades globais histricas, e os graus de coerncia dependem da maior ou menos indispen-sabilidade desse saber coletivo para a unificao das sociedades e seus tipos de es-trutura. Ou seja, l onde o saber mantm-se perifrico e as correlaes funcionais no predominam a explicao sociolgica compreende o

    17 Sobre o pluralismo temporal ver Nota 01 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

    18 Ver Dialectique et Sociologie, op.cit.

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    esforo de unificao pela reestruturao como se fosse um determinismo nico e as teorias sistemticas alcanam o maior grau de coerncia, acentuando nessa cau-salidade singular uma realidade quase independente da tomada de conscincia.

    A pesquisa da causalidade singular sobressai como explicao na anlise em que as Cidades-Estados antigas tornando-se Imprios so comparadas por um lado s sociedades teocrtico-carismticas e s sociedades patri-

    arcais, e por outro lado s sociedades feudais. J vimos que a pesquisa da causalidade singular do quadro social sobre o saber pode conduzir a relaes de polarizao, de ambi-gidade, ou de complementaridade entre quadro social e sistema cognitivo. Cabe agora acentuar que essa mesma causalidade singular sobressai como explicao na anlise em que as Cidades-Estados antigas tornando-se Imprios so comparadas por um lado s sociedades teocrtico-carismticas e s sociedades patriarcais, e por outro lado s sociedades feudais. Com efeito, nas sociedades teocrtico-carismticas19 cujo exemplo histrico mais surpreendente o antigo Egito a estru-tura tende a reduzir-se a uma expresso oficiosa e limitada das tenses entre o Es-tado, a Igreja e as confrarias mgicas de tal sorte que, voltada para explicar a que-bra de estrutura que nessa tenso se anuncia, a coerncia buscada pela teoria sis-temtica vem a ser encontrada na influncia do racionalismo, do clculo econmi-co das trocas, do direito individual (de obrigao, de contrato, de prenda, de crdi-to), bem como na influncia da multiplicidade de grupos particulares laicos (gru-pos profissionais e as corporaes de ofcio). Portanto, so essas influncias vari-adas associadas influncia do racionalismo que explicam a freqncia das revolu-es surgidas diretamente dos fenmenos sociais totais 20 nas sociedades teocrti-co-carismticas. J no que concerne o tipo das sociedades globais patriarcais e ao contrrio de Max Weber, a anlise proposta por Gurvitch nega que as mesmas provenham de sociedades teocrtico-carismticas, afirmando que so

    19 As sociedades teocrtico-carismticas so caracterizadas por sua encarnao em reis-sacerdotes-magos-deuses vivos.

    20 Sobre o tipo sociolgico das sociedades teocrticas carismticas ver Nota 02 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

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    paralelas. Desta sorte, a anlise pe em relevo que a historicidade das sociedades patriarcais reduzida ao aspecto das lutas internas pelo poder, foco da coerncia buscada pelas teorias sistemticas. Ademais, as sociedades patriarcais aparecem bem retardadas em cotejo com as teocracias carismticas, no sendo possvel, po-rm, classific-las entre as sociedades arcaicas por causa de sua especificidade 21. Quanto ao problema suscitado pelas Cidades-Estados que se convertem em Imprios, Gurvitch admite duas solues para este problema: (1) na tipologia das sociedades globais estuda-se primeiro o que est mais distante de Ns, quer dizer: estudam-se as estruturas feudais antes das Cida-des-Estados antigas; (2) j do ponto de vista do conhecimento elaborado e ex-plcito, pelo contrrio, no permitido desconsiderar a herana das Cidades-Estados antigas para as sociedades que sucederam a antiguidade clssica, tanto mais que o primeiro desacordo entre quadro social e saber faz parte dessa herana encontrada nas sociedades feudais. A anlise sociolgica pe em relevo que nas Ci-dades-Estados antigas o desnvel entre o fenmeno social total atrasado e a estru-tura global adiantada introduz os conflitos entre os sistemas cognitivos de maneira mais acentuada do que se verifica nas Teocracias Carismticas, cuja interpenetra-o com a sociedade patriarcal engendrou exatamente a Cidade-Estado. Da resulta: (1) - um conhecimento filosfico que se separa completamente do saber mitolgico-cosmognico e, adquirindo inteira autonomia, logra um extraordinrio grau de desenvolvimento e expanso revelan-do-se um conhecimento de vanguarda que caracteriza melhor o milagre grego re-produzido depois em Roma; alm disso, grande parte de seu prestgio e seu atrati-vo advm de seu carter partidrio, dividido numa pluralidade de capelas em conflitos ressonantes. Ou seja, o conhecimento filosfico capaz de atrair para sua rbita de influncia tanto o conhecimento poltico quanto o conhecimento ci-entfico, cujo salto inicial considervel. Da mesma maneira, dos conflitos entre os siste-mas cognitivos resulta (2) - a disputa muito sria entre o conhecimento filosfico e o conhecimento perceptivo do mundo exterior, sendo este ltimo bem extenso ri-co e atrativo, com suas estruturas essencialmente extrovertidas, podendo-se falar no s em rivalidade manifesta mas at em hostilidade irredutvel, como no exem-

    21 Sobre o tipo sociolgico das sociedades patriarcais ver Nota 03 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

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    plo de Scrates opondo-se aos no-filsofos, a que Aristteles caber tentar a re-conciliao. Resulta igualmente dessas disputas cognitivas (3) - o fato de que na filosofia grega a tomada de conscincia do advento do futuro tenha sido conceituada, tanto quanto tenha sido posto em relevo o esforo huma-no para dominar tal tempo. Em concluso, apesar de ter sido realista no sentido de afirmar (a) a veracidade do conhecimento do mundo exterior, (b) a veracidade do porvir da sociedade, (c) a veracidade da justificao das cincias, (e) a veracidade dos ideais e das tticas de conhecimento poltico, a filosofia grega permaneceu alheia realidade social da qual surgiu.

    Nas Cidades-Estados antigas a coerncia do tipo de sociedades histricas liga-se ao fato de que a superiorida-de da cidade como grupo territorial especfico combinando o princpio de localidade e de vizinhana traz consigo

    uma tendncia laicidade e racionalidade favorecendo, por sua vez, o triunfo do natural em relao ao sobrenatural e se abrindo na democratizao da estrutura social e no individualismo greco-romano refreados,

    porm pelo prprio reforo do princpio territorial que acompanha a democratizao.

    Desta forma, a coerncia buscada pelas teorias sistemticas nas Cidades-Estados antigas liga-se ao fato de que a superioridade da ci-dade como grupo territorial especfico combinando o princpio de localidade e de vizinhana predominando sobre o parentesco, sobre a Igreja, sobre as famlias domstico-conjugais, sobre as confrarias artesanais, sobre as estratificaes eco-nmicas, etc. traz consigo uma tendncia laicidade e racionalidade favorecendo o triunfo do natural em relao ao sobrenatural e se abrindo na democratizao da estrutura social e no individualismo greco-romano os quais, entretanto cabe subli-nhar so refreados pelo prprio reforo do princpio territorial que acompanha a democratizao. Segundo Gurvitch, esse modo de operar ambiva-lente explica o seguinte: 1) - a rivalidade manifesta entre o conhecimento filosfico e o conhecimento perceptivo do mundo exterior; 2) - a ocorrncia dos regimes ti-rnicos em Grcia; 3) - o Principado e depois o Imprio, em Roma; 4) - bem co-mo a influncia do individualismo jurdico dando espao para a evoluo de uma

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    burocracia imperial, do centralismo e do absolutismo cesariano que minaram as bases dessa estrutura 22 das Cidades-Estados antigas.

    A respeito das sociedades feudais, a coerncia do tipo de sociedades histricas refere-se sobretudo evoluo das cidades livres caracterizando uma verdadeira revoluo municipal, que deu nascimento aos governos provis-

    rios. Segundo Gurvitch, indiscutvel que as cidades como centros da indstria e do comrcio so ao mesmo tempo (a) - os centros da inspirao intelectual e da ressurreio do direito romano; (b) - as sedes de onde parte o conhecimento perceptivo do mundo exterior e de onde partir, finalmente, o movimento da Renascena. Nas sociedades feudais, o saber como fato social fica enfraquecido e somente a Igreja romana, as cidades liberadas ou livres e a hie-rarquia dos grupos militares feudais esto em condies de fazer valer o conheci-mento elaborado em doutrinas ou em frmulas. Nas demais hierarquias s ocorre o conhecimento espontneo e difuso. que h um desacordo muito marcado en-tre o fenmeno social total global subjacente e a estrutura correspondente, mais acentuado ainda devido ao pluralismo excepcional da estrutura feudal em si, comportando vrias hierarquias de grupos, de regulamentaes, e das obras de civilizao. Alis, como remarca Gurvitch, por esse plura-lismo extremo acrescido das heranas greco-romana, germano-brbara e a dos mouros que se diferencia o feudalismo europeu dos correspondentes tipos japo-ns, chins, russo, etc., sendo o feudalismo europeu imbricado entre os sculos X e XIV (a Idade Mdia), cujas particularidades so estudadas pelos historiadores nos casos da Frana, da Inglaterra, Flandres e Alemanha 23 .

    22 Sobre o tipo sociolgico das Cidades-Estados antigas ver Nota 04 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

    23 Sobre o tipo sociolgico das sociedades feudais ver Nota 05 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final

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    No se pode minimizar o papel do saber como fato social nesse e para esse

    tipo de estrutura das sociedades globais que do a luz ao capitalismo.

    Nas sociedades globais que do a luz ao capita-lismo o trao marcante aqui o despertar do Estado na forma da monarquia ab-soluta participando ativamente do desenvolvimento do capitalismo nascente e, nessa e por essa atividade, tratando todos os problemas polticos sob seu aspecto econmico. Da que os historiadores e os economistas caracterizam a organizao poltica dessa sociedade como despotismo esclarecido. Segundo Gurvitch, alm dessa vinculao ao Es-tado ressuscitadoo carter particular desse tipo de sociedade inclui os comeos do maquinismo, as primeiras fases da industrializao, a transformao do trabalho em mercadoria, a apario das classes sociais propriamente ditas (estrutura de clas-ses) e, na linguagem gurvitcheana, certa diminuio do desacordo entre a estrutura global e o fenmeno social total subjacente. Quer dizer, no se pode minimizar o papel do saber como fato social nesse e para esse tipo de estrutura devendo-se acentu-ar a reciprocidade de perspectivas que aqui se configura entre experincia e conhe-cimento para chegar explicao sociolgica. Como j tivemos a ocasio de notar, em sociolo-gia s possvel ir alm das explicaes por correlaes funcionais e buscar o m-ximo de coerncia do processus de reestruturao como fundado numa causalida-de singular deixando o fato social do saber como epifenmeno, somente quando se est perante um caso de desacordo preciso de quadro social e saber, como nas anlises de Karl Marx, em que o saber da Economia Poltica clssica est em desa-cordo com o quadro da sociedade de classes ao qual pertence. Nesses casos, se poder estabelecer uma deter-minada mudana social como a causa particular de que a estrutura o efeito, pola-rizao esta que, alis, muitos tentaram fazer apressadamente para este tipo de so-ciedade que d a luz ao capitalismo, atribuindo ao advento do maquinismo o papel de causa singular da mudana estrutural, o que excluiria equivocadamente o alcan-

    deste captulo.

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    ce ou a relevncia do saber como fato social para a reestruturao desse tipo glo-bal. Ao falar de diminuio do desacordo, Gur-vitch tem em vista uma comparao com as sociedades feudais, em cujo tipo nota-se um desacordo cuja intensidade um fato novo, a que se conjuga como vimos um "pluralismo excepcional" da estrutura em si. A explicao aqui assenta-se no fato singular que se produz ao fim do regime feudal, quando se efetua a aliana dos monarcas feudais com as cidades francas ou abertas, as quais compraram sua liberdade ao Estado territorial, reanimando-o. Assim a mudana social levando reanima-o do Estado, o qual recupera fora com a referida aliana, que constitui o ele-mento mximo de coerncia da teoria para as sociedades feudais, restando, ento, o saber como fato social em estado preponderantemente espontneo e difuso, sem que seja feito valer. Com efeito, tirado do seu sono por essa aliana singular, o Es-tado toma a forma da monarquia absoluta como dizamos constituindo na anlise gurvitcheana um trao caracterstico das sociedades globais que do a luz ao capi-talismo. Na Europa Ocidental, so os sculos XVII e XVIII os que correspon-dem a esse tipo de sociedade, j iniciada durante a segunda metade do sculo XVI, sobretudo na Gr-Bretanha. Segundo a descrio de Gurvitch, excluindo a equivocada atribuio do papel de causa singular para o advento do ma-quinismo e resgatando o alcance ou a relevncia do saber como fato social para a reestruturao desse tipo de sociedade global que d a luz ao capitalismo, nota-se: (1) - o predomnio do Estado territorial monrquico de grande envergadura, que atribui ao monarca o poder absoluto, e que se aliou com a burguesia das cidades e com a nobreza ligada burocracia, dita nobreza de toga; (2) - o Estado apia aos plebeus burgueses, aos capitalistas industriais das manufaturas, aos comerciantes de envergadura internacional e, muito particularmente, aos banqueiros, quem, en-riquecidos depois da descoberta do Novo Mundo, tornaram-se seus credores; (3) - e os apia contra a nobreza de espada, contra os operrios e os camponeses, subs-tituindo assim a antiga hierarquia das dependncias feudais por uma nova; (4) - no comeo, o Estado mantm as classes sociais bem controladas e considera a indus-trializao (notado progresso na metalurgia e nos txteis) e a promoo do capita-lismo como os meios de reforar seu prprio prestgio poltico, militar, financeiro e econmico, porm, logo desempenhar o que Gurvitch chama papel de apren-diz de feiticeiro e, em lugar de dominar as classes sociais, ser dominado por e-las. (5) - Nota-se certo descompasso entre, por um lado, o aperfeioamento incessante dos modelos tcnicos e econmicos, cuja im-

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    portncia aumenta nessa estrutura e, por outro lado, o fato de que a organizao da economia, prejudicada pelos vestgios das corporaes de ofcios (vestgios pr-capitalistas), e o movimento demogrfico, esto retardados a respeito das tcnicas, assim como as invenes e suas aplicaes no seguem uma curva de avano regu-lar. (6) - Nota-se que o fenmeno social total refreado pelo modo de operar dos estamentos no-produtivos e pelo marasmo do campo, que s se move por influ-ncia das cidades e do Estado; (7) - Nota-se tambm, prossegue Gurvitch, que es-se trao refreado do fenmeno social total global pesa sobre o impulso do desen-volvimento tcnico e industrial. (8) - Quanto diviso das classes sociais nascen-tes nessas sociedades globais que do a luz ao capitalismo nota-se, nessa anlise sociolgica gurvitcheana, os seguintes aspectos: (8.1) - que essa diviso, fazendo-lhes concorrncia e fustigando-lhes desde dentro, est em oposio: (a)- hierar-quia oficial dos corpos constitudos, formada pela nobreza, clero, estado sim-ples(plebeus burgueses), camponeses, estes pagando direitos ao senhorio e d-zimos; (b)- aos graus de nobreza; (c)-aos diferentes cargos, alguns dos quais se comprava. (8.2) - que as empresas econmicas novas de grande envergadura, ma-nufaturas, fbricas, sociedades de comrcio martimo, bancos, favorecidos pela monarquia, se lhe tornam finalmente hostis, no aprovando nem a poltica de guerra, nem a manuteno dos privilgios da nobreza. Prosseguindo nessa anlise sociolgica das socie-dades globais que do a luz ao capitalismo nota-se que (9) - Os grupos tradicionais como a Igreja por um lado e por outro lado a famlia conjugal-domstica comeam a perder sua importncia, apesar de sua resistncia. (10) - Verifica-se a acentuao das massas, favorecidas pela poltica absolutista de nivelao dos interesses com-binada com as ondas de populao que afluem para as grandes cidades e com a desagregao da estrutura senhorial-feudal; (11) - nota-se grande desenvolvimento das relaes com outrem ativo, favorecendo toda a classe de trocas e de pactos embora travados que estavam pelos restos do regime de privilgios, das barreiras entre ordens e corporaes, e pela ingerncia do absolutismo dito ilustrado na vida econmica; (12) - Quanto aos nveis em profundidade da rea-lidade social na sociedades globais que do a luz ao capitalismo, nota-se, em pri-meiro lugar - prossegue Gurvitch - duas classes de modelos: os modelos idnticos s regras jurdicas, tomados como regulamentao minuciosa feita de cima para baixo, e os modelos tcnicos, estes nascidos das fbricas, exatamente como um aspecto do transtorno da vida econmica, ambos inovadores; em segundo lugar, nota-se incluindo todo o mundo dos produtos, a base morfolgico-demogrfica como estando ligada necessidade de mo de obra e ao problema de seu recruta-mento; e em terceiro lugar, nota-se os aparelhos organizados de toda a classe, cuja burocratizao comea;

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    (13) - Nota-se igualmente nas sociedades globais que do a luz ao capitalismo que: (a) - a enorme impulso da diviso do trabalho tcnico, superando muito a diviso do trabalho social, sendo combinada ao ma-quinismo, tem por conseqncia uma produtividade sem precedentes em quanti-dade e em qualidade; (b) - a acumulao de riquezas, acelerada pelo descobrimento do Novo Mundo, alcana em tempo record grandes propores agravando os con-trastes entre a pobreza e a opulncia. (14) - Na hierarquia das regulamentaes so-ciais, o conhecimento e o direito esto na frente, e a educao em segundo lugar, liberando-se da tutela eclesistica; (15) - Se assiste, sublinha nosso autor, vitria do natural sobre o sobrenatural, da razo sobre toda a crena; bem como ao cres-cimento do individualismo em todos os campos, e ao nascimento da idia do progresso da conscincia, sendo a reter que a expresso mais completa da ci-vilizao e da mentalidade prpria dessa sociedade no seu apogeu a poca das luzes, que faz o homem confiar no seu xito e no das suas empresas tcnicas e indstrias. Quanto ao saber como fato social para este tipo de estrutura e de socie-dades globais que do a luz ao capitalismo, saber este cujo papel no se pode mi-nimizar, tendo em conta, conforme a linguagem gurvitcheana, a diminuio do de-sacordo entre a estrutura global e o fenmeno social total global favorecendo as correlaes funcionais, vemos Gurvitch notar que o primeiro lugar no sistema cognitivo compartilhado pelo conhecimento filosfico e o conhecimento cient-fico, que se completam mais do que competem 24 .

    ***

    TERCEIRA PARTE

    A pluridimensionalidade da realidade social e o problema da possibilidade da estrutura:

    Nota sobre o estudo dos nveis mltiplos e das hierarquias mltiplas em teoria sociolgica.

    24 Sobre o tipo sociolgico das sociedades globais que do a luz ao capitalismo ver Nota 06 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

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    Seja como for, sobressai que a coerncia buscada pelas teorias sociolgicas sistemticas de reestruturao das sociedades histricas alcana o grau mximo como pesquisa da causalidade singular unicamente nos ca-sos da anlise em que as Cidades-Estados antigas tornando-se Imprios so com-paradas por um lado s sociedades teocrtico-carismticas e s sociedades patriar-cais, e por outro lado s sociedades feudais. Como mencionado, tais so as situaes onde o saber mantm-se perifrico e as correlaes funcionais no predominam, de tal sorte que a explicao sociolgica compreende o esforo de unificao pela rees-truturao como se fosse um determinismo nico e as teorias sistemticas alcan-am o maior grau de coerncia, acentuando nessa causalidade singular uma realida-de quase independente da tomada de conscincia. Por contra, vimos que em teoria sociolgica dife-rencial de reestruturao a explicao, a formulao de enunciados deterministas, no deve nunca na primeira instncia ir mais alm do estabelecimento: (a) de cor-relaes funcionais, (b) de regularidades tendenciais e (c) de integrao direta nos quadros sociais. Isto quer dizer que, muitas vezes chamadas igualmente teorias sis-temticas ou teorias de desenvolvimento ou teorias de estrutura, a pesquisa de re-gularidades tendenciais pauta-se na exigncia comum de pr em relevo a coern-cia de um conhecimento como repelindo a afirmao de que seja uma projeo ou epifenmeno de um quadro social, mera superestrutura ideolgica. Trata-se, afinal, da procura de correlaes funcionais entre os quadros sociais e o conhecimento: um estudo explicativo que no levanta a questo do condicionamento de uns em relao ao outro, mas limita-se a verificar seu paralelismo. Sob esse paralelismo posto em destaque pelas correlaes funcionais podem surgir, segundo Gurvitch, ademais da dependncia ao mesmo fenmeno social total, as relaes entre o simbolizado e o simbolizante. Quer dizer, dessa dependncia configurando uma realidade particularmente quali-tativa e contingente em mudana decorre que a afirmao do significado em sua autonomia relativa a respeito do significante -ou do simbolizado a respeito do simbolizante- seja tambm a antecipao no presente de um tempo futuro, seja tambm um futuro atual. Portanto, a subjetividade coletiva (aspirao aos valo-res) reconhecida. Mas no tudo. Para alm de todo o cotejo s teorias sistemticas, sabe-se que a teoria sociolgica diferencial ela s e unicamente ela capaz de guardar o alcance e a aplicao de investigar e equacionar o pro-blema da possibilidade da estrutura. Neste ponto, podemos notar que o estudo da dialtica complexa das trs escalas - a escala do microssocial, a escala do parcial (a-grupamentos particulares e classes sociais) e a do global (sociedades globais) - dei-

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    xa bem estabelecida a percepo de que a realidade social do conjunto comporta uma pluralidade de modos atualizados. Alis, trata-se de uma aquisio da teoria sociol-gica na tradio de Saint-Simon e do jovem Marx, valorizada na sociologia de Gurvitch, a verificao de que a realidade em ato. Alm disso, do fato de que a conscincia faz parte das foras produtivas em sentido lato e desempenha um pa-pel constitutivo nos prprios quadros sociais, - seja como linguagem, seja pela in-terveno do conhecimento, seja ainda como direito espontneo decorre que a construo do objeto na teoria sociolgica se faz a partir dos quadros sociais como sendo os modos de ao comum atualizados nas manifestaes da sociabilidade, atualizados nos agrupamentos particulares, nas classes sociais e nas sociedades globais, notando-se ademais que os quadros sociais exercem um domnio, um en-volvimento sobre a produo material e espiritual que se manifesta em seu seio, a qual se prova mediante as correlaes funcionais. Notamos igualmente que, dessa forma, os qua-dros sociais e a conscincia real 25 revelando-se como produtos das foras produtivas strictu sensus podem por isso permanecer objetivados 26 dando lugar, por sua vez, dialtica dos nveis de realidade social. Se a teoria sociolgica na construo de tipologi-as tira dessa igualmente complexa dialtica dos nveis da realidade social ela pr-pria os procedimentos de complementaridade, compensao, implicao mtua, ambigidade, ambivalncia, reciprocidade de perspectiva e, at, polarizao, agora, neste ponto do estudo da reestruturao sobressai a compreenso de que as mani-festaes da sociabilidade, como fenmenos microssociolgicos so elementos anestruturais, portanto, incapazes por si prprios de formar as hierarquias dos patamares de realidade, hierarquias estas indispensveis s formaes de equilbrio que so as estruturas sociais. Ou seja, as formas da sociabilidade, embora no unifiquem - como vimos- atualizam no seu seio os degraus objetivados da realida-

    25 Conscincia real um termo da sociologia de Marx para designar que a conscincia faz parte das foras produtivas em sentido lato e desempenha um papel constitutivo nos prprios quadros sociais incluindo alm das obras ou controles acima mencionadas a religio, a famlia, o Estado, o Direito, a moral, a cincia.

    26 Sobre a objetivao da realidade social e o conceito sociolgico de alienao ver Nota 07 dentre as NOTAS COMPLEMENTARES no final deste captulo.

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    de, aos quais Gurvitch chamar nveis mltiplos, constatando que entre esses nveis se trata de relaes inteiramente variveis, alternando e combinando, por um lado, graus de cristalizao e, por outro lado, graus de espontaneidade, e assim constituindo foras dinmicas de mudana. Em palavras simples, a partir desses nveis assim compreendidos como nveis mltiplos, se afirma o conhecimento de que no e-xiste tipo de sociedade que alcance uma coeso sem choques; de que nada se re-solve nunca numa sociedade, pelo menos no definitivamente, s h graus de coe-so e de disparidade. Portanto, as hierarquias em que esses nveis mltiplos tomam parte so tambm hierarquias mltiplas, que variam em cada sociedade e em tal ou qual tipo de estrutura - seja estrutura parcial ou global - nas quais a descontinu-idade prevalece.

    O conceito de estrutura social na sociologia diferencial pe em relevo o fato de o conjunto social por mais complexo que seja preceder virtualmente ou atualmente

    a todos os equilbrios, hierarquias, escalas. O estudo desses nveis mltiplos e dessas hierar-quias mltiplas permite avanar na explicao sociolgica do que Gurvitch chama pluridimensionalidade da realidade social, suas ordens sobrepostas, e, se as camadas seccionadas podem se afirmar como sendo mais cristalizadas e oferecer um suporte mais slido estruturao do que jamais podero faz-lo as manifesta-es da sociabilidade, cabe sublinhar que tais camadas seccionadas nada represen-tam, e no passam de aspectos difusos da matria social dinmica, independentes do grau de valor e de realidade, somente limitadas aos graus de dificuldade para acess-las. Dessa maneira, a teoria sociolgica constri seu objeto na medida em que delimita a realidade social em nveis mais ou menos construdos para estabelecer conceitos ou quadros operativos eficazes em vista de dar contas da pluridimensionalidade da realidade social. Segundo Gurvitch, o estudo das combinaes mveis dessas camadas seccionadas somente tem lugar se for feito antes que intervenha sua unificao no determinismo sociolgico parcial regendo os agrupamentos particulares e as classes sociais. Note-se que, para esse autor, a anterioridade des-se estudo das camadas seccionadas se resguarda da arbitrariedade do chamado corte epistemolgico praticado nas metodologias abstratas exatamente por veri-ficar a dialtica dos nveis de realidade como combinada quela outra dialtica das trs escalas.

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    Deste modo, se poder diferenciar dez patamares em profundidade, seguintes: 1) - a superfcie morfolgica e ecolgica; 2) - os apa-relhos organizados; 3) - os modelos sociais; 4)- as condutas coletivas regulares; 5)- as tramas dos papis sociais; 6)- as atitudes coletivas; 7)- os smbolos sociais; 8)- as condutas coletivas inovadoras; 9)-as idias e valores coletivos; 10)- os estados mentais e atos psquicos coletivos -cabendo sublinhar que maior a dificuldade de acesso quanto mais profundo ou espontneo o nvel estudado.

    No interior de uma estrutura social as hierarquias mltiplas implicam uma formao de equilbrio dinmico conforme a escala dos tempos sociais da prpria estrutura, e acentuam a permanncia das mudanas funda-

    mentais ocorrentes no interior da estrutura que, pela variabilidade, alteram a formao de unidade do tipo de sociedade global, alteram a combinao das hierarquias que definem o tipo.

    Para aclarar o arranjo dessas camadas subjacen-tes, suas combinaes mveis em hierarquias especficas mltiplas a sociologia leva em conta que as alteraes nesses planos de conjunto esto na origem das mudan-as fundamentais no interior das estruturas. Em conseqncia, igualmente a estas, as camadas subjacentes se movem nos tempos sociais, por meio dos quais admitem princpios de equilbrio, isto : admitem graus diversos de mediao entre o contnuo e o descontnuo, entre o quantitativo e o qualitativo, o reversvel e o irreversvel, cons-tituindo seqncias de microdeterminismos sociais que se combatem e sofrem de-sajustes nas cadncias dos seus movimentos. Nada obstante, essas seqncias de microdeter-minismos sociais em combatem chegam a arranjos em hierarquias mltiplas e vari-adas, por efeito da dialtica entre a escala do microssocial, a escala do parcial e a escala do global, de tal sorte que as hierarquias figuram como criaes do esforo de unificao. Temos, ento, para simplificar, que os princpios de equilbrio constituindo seqncias microssociolgicas esto na base das hierar-quias de que, por sua vez, as estruturas sociais configuram as dinmicas de forma-o de equilbrio ao darem nascimento aos tempos sociais. Com efeito, no interior de uma estrutura social as hierarquias mltiplas implicam uma formao de equilbrio dinmico conforme a escala dos tempos sociais da prpria estrutura, e acentuam a permanncia das mudanas fundamentais ocorrentes no interior da estrutura que, pela variabilidade,

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    alteram a formao de unidade do tipo de sociedade global, alteram a combinao das hierarquias que definem o tipo. Desta forma, acentuando a escala dos tempos so-ciais, o conceito de estrutura, na sociologia diferencial de Gurvitch, pe em relevo o fato de o conjunto social por mais complexo que seja preceder, virtualmente ou atualmente, todos os equilbrios, hierarquias, escalas, seguintes: (I) - A srie das hierarquias especficas e mltiplas com-preendendo as escalas ramificadas nas quais o elemento hierrquico assenta-se na distribuio e no na presso do conjunto; tais hierarquias mltiplas so as seguintes: (1) - a combina-o das manifestaes da sociabilidade, como atualizando-se no conjunto e nos agrupamentos particulares; (2)- a acentuao dos patamares em profundidade da realidade social, como atualizando-se no conjunto, na escala do parcial, e no mi-crossocial; (3)- a escala dos modos de diviso do trabalho e dos modos de acumu-lao, que tambm se atualizam nas classes sociais e no s nas sociedades globais; (4)- a hierarquia das regulamentaes sociais (tambm chamados controles soci-ais); (5) - a escala dos tempos sociais hierarquizando-se, combinando-se, interpe-netrando-se, entrechocando-se de diferentes maneiras, pois a durao de uma es-trutura social nunca um repouso, mas, no dizer de Gurvitch uma procisso atra-vs de vias tortuosas abertas pela multiplicidade dos tempos sociais. (II) - A srie das hierarquias em unificao com preemi-nncia do elemento de conteno: (1) - a hierarquia dos agrupamentos funcionais, s ve-zes em competio com a hierarquia das classes sociais e a das respectivas organi-zaes. Nota-se que essa competio lhe imprime um acentuado fator de variao, em virtude do que a hierarquia dos agrupamentos funcionais desfruta de um esta-tuto ambguo e pode ser considerada tambm entre as hierarquias mltiplas, j que ainda no constitui as formas particulares dos conjuntos; (2) - a combinao dos modelos, signos, sinais, smbolos, idias, valores, em breve, das obras de civiliza-o cimentando a estrutura social global, notando-se que essa hierarquia constitui o momento fundamental na formao de unidade; (3) - a hierarquia dos determi-nismos sociais, compreendendo a dialtica entre o microssocial, o parcial e o glo-bal, cuja unificao d a forma particular do determinismo sociolgico global. Do fato de o conjunto social preceder todas as hierarquias temos no somente que o problema chamado passagem do grupo histria releva da pluridimensionalidade da realidade social e se examina no mbi-to do estudo das camadas seccionadas, que, conforme dissemos, um estudo em-preendido antes que intervenha a unificao das mesmas nos determinismos so-ciolgicos parciais regendo os agrupamentos particulares e as classes sociais, mas, em conseqncia, temos tambm que as tendncias e os equilbrios que constitu-em o carter estruturvel de um grupo nem sempre so conseguidos e os grupos no chegam a se tornar estruturados, mostrando ser real o problema da possibili-dade da estrutura.

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    Na sociologia diferencial de Gurvitch, o carter estruturvel de um grupo tem trs provenincias, seguintes: (1) - o fato de que a unidade do grupo se realiza mediante o arranjo de uma coeso particular entre (1.a) - as manifestaes da sociabilidade, por um lado, e (1.b) - por outro lado, as atitudes coletivas, incluindo suas expresses nas condutas regulares; (2) - a existn-cia de um princpio de equilbrio entre as hierarquias mltiplas; (3) - o fato de que a insero do grupo em uma classe social ou em uma sociedade global tende a ma-nifestar-se por um arranjo (3.a) - de suas relaes com os outros grupos e (3.b) - do papel e do lugar que o grupo tem na hierarquia particular dos agrupamentos que caracterizam uma sociedade global dada. Em conseqncia da observao dessas proveni-ncias se pode formular a definio de que os agrupamentos so estruturveis porque: A) - manifestam tendncia para estabelecer um arranjo virtual das hierar-quias mltiplas, ou seja, uma ordem particular; B) - manifestem tendncia para pr em relevo a posio, o papel e as relaes do grupo com o exterior, ou seja, um esprito de corpo. Todavia, - como dizamos - do fato de o conjun-to social preceder todas as hierarquias, resulta que as tendncias e os equilbrios que constituem o carter estruturvel de um grupo e que viemos de enumerar nem sempre so conseguidos. Da que existam grupos estruturados, como os idosos, os grupos de juventude, certas profisses (embora estes grupos sejam habitualmente desorganizados tm expresso em diferentes organizaes), e existam tambm grupos apenas estruturveis, como os diferentes pblicos, as minorias tnicas, os produtores, os consumidores, as indstrias, os grupos de gerao. Nota Gurvitch que o nvel organizado em relao ao equilbrio da estrutura s uma questo de expresso, no indispensvel, ainda que todo o grupo organizadO seja ao mesmo tempo estruturado, j que em con-trapartida um grupo pode ser no somente estruturvel sem ser organizado, como pode tambm ser estruturado e no ter organizao prpria. Do ponto de vista do interesse na sociologia do conhecimento so os grupos estruturados que oferecem planos de referncia mais precisos 27. Tanto assim que, pela abordagem da anlise gurvitcheana, o conhe-cimento opera como um elemento cimentador da estrutura, fazendo com que os grupos estruturados sejam sedes especficas do conhecimento. Visando exatamen-

    27 Ver: Gurvitch, Georges (1894-1965): Los Marcos Sociales Del Conocimiento, Trad. Mrio Giacchino, Monte Avila, Caracas, 1969, 289 pp. (1edio em Francs: Paris, Puf, 1966). Op.cit.

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    te pr em relevo o carter especfico dessas sedes do conhecimento, a anlise gur-vitcheana d privilgio aos agrupamentos sociais particulares caracterizados no se-guinte: (I) - segundo seu modo de acesso seja aberto, condicionado, fechado; II) - segundo suas funes, destacando a famlia, os grupos de localidade de pequena envergadura, as fbricas; (III) - os blocos de grupos multifuncionais, como o Esta-do e a Igreja 28 .

    ***

    28 Ver minha exposio a respeito dos grupos estruturados como sedes do conhecimento em Lumier, Jacob (J.): Internet, e-book:, doc/zip: Aspectos da Sociologia do Conhecimento: Reflexo em torno s anlises Sociolgicas de Georges Gurvitch, 548 fls., 2005, bibliografia e ndices remissivo e analtico eletrnicos, (896kb.zip), especialmente as pgs.156 a 196; atravs de [email protected] ; ou pelo website Produo Leituras do Sculo XX, em http://www.leiturasjlumierautor.pro.br

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    Jacob (J.) Lumier

    Introduo Aspectos da explicao em sociologia:

    Teoria sistemtica, teoria diferencial e o problema da possibilidade da estrutura.

    BIBLIOGRAFIA COMENTADA MNIMA:

    Gurvitch, Georges: Los Marcos Sociales del Conocimiento, trad. Mrio Giac-

    chino, Caracas, Monte Avila, 1969, 289pp (1edio em Francs: Paris, PUF, 1966 Do mesmo autor: Determinismos Sociais e Liberdade Humana: em direo ao

    estudo sociolgico dos caminhos da liberdade, trad. Heribaldo Dias, Rio de Janeiro, Forense, 1968, 361 pp., traduzido da 2edio francesa de 1963. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1955).

    Do mesmo autor: tudes sur les Classes Sociales, Paris, Gonthier, 1966, 249

    pp., Col. Mdiations (1edio em Francs: Paris, Centre de Documentation Uni-versitaire-CDU, 1954).

    Do mesmo autor: Dialectique et Sociologie, Paris, Flammarion, 1962, 312 pp.,

    col. Science. Do mesmo autor: A Vocao Actual da Sociologia-vol.I : na senda da socio-

    logia diferencial, traduo da 4edio francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1979, 587pp. (1edio em Francs: Paris, PUF, 1950).

    Do mesmo autor: A Vocao Actual da Sociologia vol.II: antecedentes e pers-

    pectivas, traduo da 3edio francesa de 1968 por Orlando Daniel, Lisboa, Cosmos, 1986, 567 pp. (1edio em francs: Paris, PUF, 1957).

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    Do mesmo autor: Objeto e Mtodo da Sociologia, in Gurvitch et al.: Tratado de Sociologia-vol.1, trad. Ana Guerra, reviso: Alberto Ferreira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1964, pp.15 a 50, 2edio corrigida (1edio em Francs: Paris, PUF, 1957).

    Do mesmo autor: Breve Esboo da Histria da Sociologia, no mesmo Tra-

    tado de Sociologia-vol.1, trad. Rui Cabeadas, pp. 51 a 98. Do mesmo autor: Problemas de Sociologia Geral: sociologia em profundidade, microsso-

    ciologia, agrupamentos particulares e classes sociais, as estruturas sociais, as sociedades globais e os tipos de suas estruturas, as regras da explicao em sociologia: as variaes das frmulas do de-terminismo sociolgico; no mesmo Tratado de Sociologia - vol.1, traduo Alberto Ferreira, pp. 219 a 345.

    Do mesmo autor: Problemas de Sociologia do Conhecimento, in Gurvitch et

    al.: Tratado de Sociologia-vol.2, trad.: Ma. Jos Marinho, reviso: Alberto Fer-reira, Porto, Iniciativas Editoriais, 1968, pp.145 a 189 (1edio em Francs: Paris, PUF, 1960).

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