cultura e literatura africana e indigena online
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Claudia Amorim
Mariana Paladino
Cultura e Literatura
Africanae Indgena
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IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200Batel Curitiba PR0800 708 88 88 www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
2010 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizaopor escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images
A524 Amorim, Cla
udia ; Paladino, Mariana / Cultura e literatura africana eIndgena. / Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010.180 p.
ISBN: 978-85-387-0965-7
1. Literatura africana 2. Cultura africana 3. Indgenas Cultura
4. Literatura Africana (Portugus) Histria e Crtica I. Ttulo II. Paladino,Mariana.
CDD 896
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Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ). Mestre em Letras Vernculas pela Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em
Letras Portugus Literaturas de Lngua Portuguesa pela UFRJ.
Claudia Amorim
Doutora em Antropologia pelo Programa de Ps-Graduao em AntropologiaSocial, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/UFRJ).Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFRJ. Licenciada em Antropologia
pela Universidad Nacional de La Plata, Argentina.
Mariana Paladino
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Sumrio
A frica lusfona: um pouco de histria ..........................11
Breve panorama histrico da frica lusfona ........................ .......................... ............... 12
A colonizao das ilhas do Atlntico e da Costa Africana .......................................... 14O Imprio Colonial Portugus nas ilhas e nas terras africanas ................................. 14
A independncia dos cinco pases africanos lusfonos ...................... ........................ 16
Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonose na Guin-Bissau ..................................................................... 29
Cabo Verde: histria, cultura e literatura ......................... .......................... ........................ 31
So Tom e Prncipe: histria, cultura e literatura .............................................. ........... 34
Guin-Bissau: histria, cultura e literatura .......................... ......................... .................... 37
Cultura e literatura em Angola ............................................ 45
Angola: histria, cultura e literatura ......................... ......................... .......................... ....... 46
Cultura e literatura em Moambique ............................... 59
Moambique: histria, cultura e literatura .......................... ......................... .................... 61
frica lusfona e Brasil: laos e letras ................................ 77
Os africanos no Brasil: um pouco de histria ......................... .......................... ............... 77
Estudos afro-brasileiros na contemporaneidade ........................................... ............... 90
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Apresentao
Muito bem-vindos aos estudos de cultura, histria e literatura africana e indge-na. Esses estudos visam proporcionar a vocs, alunos dos cursos de graduao emLetras, slidos subsdios para o conhecimento das culturas e literaturas africanas delngua portuguesa e da cultura, histria e literatura indgena, a fim de que esses co-nhecimentos ampliem a compreenso da diversidade da cultura brasileira na qualnos inserimos.
Alm disso, a obrigatoriedade de abordar nos currculos das escolas pblicase privadas contedos da frica e dos descendentes de africanos no Brasil (Lei10.639/2003) e da histria indgena e a cultura desses povos (Lei 11.465/2005)propiciou a demanda por esses conhecimentos. Tambm a homologao doAcordo Ortogrfico, que unificou a grafia do portugus, estimulou uma aproxi-
mao entre as culturas irms de Angola, Cabo Verde, Guin-Bissau, Moambiquee So Tom e Prncipe, que constituem a frica de lngua portuguesa, e o Brasil.
Resumir em alguns captulos a cultura e a literatura de cada um dos pases afri-canos de lngua portuguesa e a cultura, a histria e a literatura indgena no Brasilno foi tarefa fcil. No primeiro caso devido necessidade de nos remetermos histria e cultura secular dos pases africanos referidos. No segundo caso, peladiversidade de formas de vida, cultura e organizao social dos povos indgenasexistentes hoje no pas, o que torna complexa a composio de um quadro geral.
Privilegiamos em primeiro lugar as informaes histricas para, em segui-da, focalizarmos a cultura e a literatura africana e indgena, uma vez que sem um
conhecimento prvio da histria dos povos da frica de lngua portuguesa, dospovos indgenas e de como os portugueses, nos sculos XV e XVI, provocaram essaligao entre regies to distantes, por meio das navegaes, qualquer estudo queestabelea associaes entre essas culturas no ser completo. No caso dos indge-nas tambm se privilegiou a compreenso dos processos de mudana ocorridosa partir da Constituio de 1988, quando o Estado reconheceu sua condio depovos e o direito posse dos territrios tradicionalmente ocupados por eles. Decor-rente desses processos situa-se a produo de uma literatura indgena que procuraexpressar, por meio da escrita, uma diversidade de conhecimentos e relatos orais,de modo que possam ser conhecidos pela sociedade no indgena.
Assim, com o intuito de facilitar as informaes, dividimos o contedo destecurso em 8 captulos, dedicando os cinco primeiros aos estudos da histria, da cul-tura e da literatura dos cinco pases africanos de lngua portuguesa, os chamadosPalop (Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa), e os 3 captulos restantespara os estudos sobre a histria, a cultura e os modos de vida contemporneosdos povos indgenas no Brasil.
Esperamos, ento, que vocs faam uma boa leitura dos captulos que orase apresentam e descubram, nesses estudos, a presena africana e indgena aolongo da histria do Brasil e a relevncia atual que suas culturas possuem, enri-quecendo a diversidade de nosso pas.
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Claudia AmorimO objetivo deste captulo apresentar um breve panorama da ocupa-
o portuguesa, na frica, que se iniciou na segunda dcada do sculo XV(1415), com a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, e se finalizouna segunda metade do sculo XX, com a independncia dos cinco pasesafricanos colonizados pelos portugueses.
Durante esses cinco sculos de ocupao portuguesa na frica, a cul-tura do colonizador se misturou, ainda que timidamente, com a do coloni-
zado, malgrado os esforos dos europeus em impor a cultura dominante.Antes da chegada do europeu na frica, quase nada se sabia sobre o modode vida ou sobre a organizao dos grupos tnicos que l viviam, porm inegvel que a cultura secular e grafa desses povos permaneceu e sedifundiu por outros territrios ocupados pela nao lusa, como o Brasil,por exemplo, que recebeu um grande nmero de escravos provenientesda frica, especialmente do Congo, da Guin e de Angola (grupo tnicobanto) e da Nigria, Daom e Costa do Marfim (grupo tnico sudans).
No Brasil colonial, a cultura portuguesa do colonizador, a cultura africana ea cultura indgena foram os pilares da constituio do carter brasileiro, aindaque o colonizador europeu, branco, tenha subjugado o negro e o ndio e suasculturas no crists e, por isso, naquela poca, consideradas inferiores.
Contemporaneamente, os laos culturais que aproximam a cultura bra-sileira da frica lusfona so inmeros e passam, entre outras coisas, pelamsica, pelas crenas religiosas, pela culinria e pela literatura que se ex-pressa em portugus.
Assim, para falarmos da cultura e da literatura africana, e de seus inegveislaos com o Brasil, precisamos voltar no tempo e observar que, sem os empre-endimentos martimos dos portugueses que os levaram a algumas regies dafrica, e tambm ao nosso territrio, essa histria seria bem diferente.
Comecemos, ento, por estudar a frica lusfona, ou seja, a frica doscinco pases que falam hoje o portugus (Cabo Verde, So Tom e Prn-cipe, Guin-Bissau, Angola e Moambique), focalizando primeiramente achegada do portugus a essas regies.
A frica lusfona: um pouco de histria
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Territriosocupadospelosportugueseserotadasnavega
eslusasnossculosXVeXVI.Ob
servequeoterritrioportugusnaAmricadelimita-
dopeloTratadodeTordesilhas12,assinadoem1
494entre
PortugaleEspanha.
2OtratadodeTordesilhas,assinad
opelasCoroasdePortugaledaEspanha,em1
494paradividirasterrasdescobertas,ouadescobrir,poramabasasCoroas,
delimitavaumalinhaimaginria
a370lguasaoestedaslinhas
deCaboVerde.
Asterrasaoestedessemeridianopertenciam
Espanhaeasterrasale
stadessalinhaseriamp
ortuguesas.
IESDE Brasil S.A. Adaptado.
Fontedisponvelem:.
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A frica lusfona: um pouco de histria
A colonizao das ilhasdo Atlntico e da Costa Africana
Nos anos seguintes tomada de Ceuta, os navegadores portugueses empre-
enderam seu movimento para o sul, chegando em 1418 ilha de Porto Santo,
em 1419 Ilha da Madeira, em 1427 aos Aores, em 1460 s ilhas de Cabo Verde
e em 1470 s ilhas de So Tom e Prncipe, todas desabitadas. Nos primeiros
arquiplagos Porto Santo, Madeira e Aores o clima favorecia a ocupao e
o trabalho na terra, e ali se estabeleceram, ento, as primeiras colnias de po-
voamento. Nos demais arquiplagos Cabo Verde e So Tom e Prncipe , os
portugueses fundaram colnias de plantao, no se preocupando com o povo-
amento da regio.
Nas terras continentais, no ano de 1446, os portugueses alcanaram a Guin-
-Bissau (a que colonizaram com o nome de Guin Portuguesa), em 1483 che-
garam regio que hoje se conhece como Angola e, aps a viagem de Barto-
lomeu Dias, que venceu o Cabo das Tormentas (renomeado para Cabo da Boa
Esperana, devido ao sucesso da empreitada), Vasco da Gama pde preparar sua
armada para uma viagem at a ndia. Em 1488, Gama partiu da Praia do Restelo
em Lisboa, onde est atualmente a Torre de Belm, avanando para o sul at
alcanar o Oceano ndico. Antes que o propsito de sua viagem se conclusse, as
caravelas portuguesas aportaram em Moambique no ano de 1489.
Em cada lugar em que as caravelas portuguesas aportavam, um padro depedra com as armas e o braso portugus era fincado. O padro simbolizava a
posse oficial do territrio. Essa medida da Coroa Portuguesa visava a desencora-
jar intrusos e reforar o senhorio sobre as terras ocupadas.
O Imprio Colonial Portugus
nas ilhas e nas terras africanasA extenso do Imprio Portugus no Oriente e no Extremo Oriente obrigoua Coroa Portuguesa fragmentao das possesses portuguesas na frica. O
alto custo da manuteno em algumas cidades do Marrocos fez com que a
Coroa abandonasse essa regio. Os gastos numerosos com a defesa da Costa
da frica, especialmente com os ataques de corsrios e comerciantes de outros
pases europeus, enfraqueceram a Coroa Portuguesa. Porm, mesmo com esses
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revezes, nos sculos seguintes, o Imprio Colonial Portugus se sustentou e as
colnias portuguesas na frica continuaram a ser sistematicamente exploradas.
Para garantir as terras na frica, a Coroa Portuguesa concedia as terras, por um
perodo de tempo limitado (cerca de trs geraes), aos colonos que desejassem
explor-las. Ao fim desse perodo, a concesso deveria ser renovada. Os colonos
tinham como tarefa defender os interesses portugueses nas terras do alm-mar
e pagar por essa concesso com o produto dos territrios que lhes eram confia-
dos. No entanto, gradativamente, o mundo dos senhores ia se misturando com
o dos africanos e indianos locais, alterando as relaes de poder.
Nesse perodo, outro negcio comeou a ganhar fora o trfico negreiro.
Por volta de 1648, os portugueses ocuparam os locais estratgicos no comrcio
de escravos, que se tornou indispensvel a todas as colnias da Amrica. A eco-
nomia de plantao especialmente na Amrica demandava uma maior ex-
portao de escravos africanos que se tornou sistemtica. Entre os anos de 1502
e 1860, 9,5 milhes de africanos foram deportados para o continente americano,
e no sculo XVIII, com a descoberta do ouro em Minas Gerais e a necessidade de
extra-lo, muitos negros da regio de Angola foram enviados ao Brasil.
A Guin Portuguesa foi inicialmente a principal fornecedora de mo de obra
escrava para o continente americano, sendo depois substituda por Angola, pas
que manteve essa posio at o sculo XVIII. Nos fins desse mesmo sculo e du-
rante o sculo XIX a regio do Golfo da Guin3ocupou a supremacia do trfico
negreiro, que havia sido de Angola no sculo anterior, e a feitoria de So Jorge da
Mina4, em Gana, foi o principal porto de escoamento de escravos para a Amrica.
O incio do sculo XIX trouxe mudanas significativas para a situao da frica
portuguesa. Com a independncia do Brasil, em 1822, Portugal se viu pressio-
nado a enfrentar as demais potncias europeias para assegurar seus direitos
sobre os territrios africanos ocupados.
Pressionado pela poltica europeia, Portugal extingue o trfico negreiro no
Imprio em 1842, e em 1869 declara o fim da escravido, embora esse trfico
continuasse a ser feito durante os anos seguintes. Nas colnias, a poltica de ex-plorao das riquezas tinha seguimento e, para tanto, Portugal precisou instituir
uma legislao trabalhista que obrigava o nativo ao trabalho forado nas planta-
es de algodo ou nas obras pblicas.
3Golfo da Guin uma reentrncia prxima s Ilhas de So Tom e Prncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigria,
Camares, Guin Equatorial e a parte norte do Gabo.4
A feitoria de So Jorge da Mina, em Gana, a construo europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara.
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Paralelamente s presses externas, ao longo do sculo XIX, a vida nos ter-
ritrios africanos mudava lentamente. A essa altura, uma populao mestia e
burguesa, ainda que em nmero reduzido, vai se formando nas colnias do ultra-
mar, reivindicando melhores condies para essas terras. Aparecem os primeiros
assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de portugue-
ses, geralmente mestios, nascidos na frica, que recebiam uma educao mais
formal. Nessa poca, alguns poucos jornais circulavam pelas mais importantes
cidades da frica portuguesa, instaurando a necessidade de uma educao nas
regies mais importantes do ultramar.
As demais naes europeias, interessadas em repartir a frica, pressionaram
Portugal a abrir mo de alguns de seus territrios. Na Conferncia de Berlim,
de 1885, Portugal perdeu o Congo e teve que se contentar com o enclave de
Cabinda, regio prxima a Angola. No entanto, apesar desse recuo, Portugal ,
no fim do sculo XIX, senhor de dois milhes de quilmetros quadradros no
territrio africano.
A independncia doscinco pases africanos lusfonos
A Guerra Colonial durou treze anos de 1961 a 1974 e ps fim ocupao
portuguesa no territrio africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os
portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da frica. Entre os povos dos
territrios ocupados duas denominaes foram adotadas: Guerra de Libertao
Nacional e Guerra pela Independncia.
Ao longo desses cinco sculos de domnio portugus nas colnias da frica,
houve muitas tentativas de resistncia dos povos locais, mas a supremacia blica
dos portugueses, aliada s disputas polticas entre as diversas etnias das regi-
es ocupadas, favoreceram o domnio lusitano, dando lugar ao Imprio Colonial
Portugus que abrangia no s territrios na frica, mas tambm na Amrica do
Sul, com o Brasil, e, ainda, na ndia e na sia.
Como afirma Kabengele Munanga (1986), quando os primeiros europeus
desembarcaram nas terras africanas, encontraram estados organizados politica-
mente, mas essa organizao no foi capaz de reverter a ocupao europeia,
pois o desenvolvimento tcnico dos estados africanos, includa a tecnologia de
guerra, era inferior ao dos portugueses.
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A Repblica Portuguesae o golpe militar de 1926
No incio do sculo XX, a situao das colnias africanas lusfonas no se al-
terou muito em relao ao sculo anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para
Portugal, como para as outras potncias europeias, a colonizao supe a con-
quista, o desenvolvimento de uma economia de exportao e a submisso da
mo de obra indgena para o trabalho e para o imposto. Com isso, o trabalho
de explorao das terras africanas, sem nenhum investimento econmico, conti-
nuou e se agravou com o incio das duas grandes guerras mundiais.
A curta vida da Repblica Portuguesa, que surgiu em 1910 e foi derrubada
pelo golpe militar de 1926, pe fim s pretenses dos republicanos, inauguran-
do um longo perodo ditatorial marcado por perseguies de toda ordem, re-trocesso poltico e econmico, com reflexos graves nas colnias do ultramar. Em
1928, Antnio de Oliveira Salazar um professor de Coimbra foi convidado a
assumir a Pasta das Finanas do pas e a partir dessa data inaugurou-se um pe-
rodo difcil da histria de Portugal. o incio da ditadura salazarista, nome pelo
qual ficou conhecido o regime ditatorial em Portugal, que teve incio em 1926 e
s terminou em 1974, com a Revoluo dos Cravos.
Como observa Jos Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista
[...] um projeto econmico-social se integra organicamente represso antipo-pular e antidemocrtica. Trata-se, explcita e nitidamente, do projeto fascista do
grande capital, de que Salazar se fez um funcionrio coerente, lcido e pertinaz.
Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministrios das Finanas e das Col-
nias, e com mo de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposio.
Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forado para os na-
tivos das colnias, obrigando a populao negra a servir por um determinado
perodo de sua vida ao Estado ou a um patro europeu. Esse Ato Colonial era, na
verdade, uma reedio do trabalho forado institudo no sculo XIX pela CoroaPortuguesa aos nativos dos territrios africanos ocupados. Alm disso, a dita-
dura salazarista criou a polcia poltica portuguesa PVDE (Polcia de Vigilncia
e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polcia Internacional de
Defesa do Estado), que tambm teve sua rea de atuao nas colnias do ultra-
mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande
revolta nas colnias contra a poltica da Metrpole.
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Alm do trabalho forado nas colnias africanas, institudo pelo Ato Colonial,
o regime portugus continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial-
mente algodo, cana-de-acar, caf, petrleo, entre outros produtos. Os lucros
obtidos com essa explorao eram revertidos para a Metrpole, ao passo que as
colnias amargavam uma situao de penria e ausncia de perspectiva.
O descontentamento com essa poltica de explorao aumentou visivelmen-
te na dcada de 1950 e, durante essa mesma poca, disseminaram-se na frica
as ideias do Movimento da Negritude, criado em 1934, em Paris, por um grupo de
poetas e intelectuais negros. O Movimento da Negritude defendia uma revolu-
o na linguagem e na literatura, a fim de reverter o sentido pejorativo da pala-
vra negro e dela extrair um sentido positivo. Em 1939, o poeta negro martinica-
no Aim Csaire o utilizou pela primeira vez em um trecho do Cahier dun Retour
au Pays Natal (Caderno de um Regresso ao Pas Natal), poema que se tornou a
obra fundadora da Negritude. Inspirados pela luta dos negros norte-americanos,que combatia a discriminao racial e a intolerncia, os adeptos do Movimento
da Negritude defendiam o respeito diferena e a valorizao das caractersticas
prprias da cultura negra.
Nesse nterim, a situao de alguns dos territrios africanos colonizados
por franceses ou ingleses, por exemplo, ganhava outro estatuto. Alguns novos
pases independentes surgiam na frica acelerando o processo de descoloniza-
o. Todas essas lutas eram estimuladas pela ao do Movimento da Negritude
que defendia a valorizao dos negros e da sua cultura e pelas lutas dos negrosnorte-americanos contra o racismo.
Desse modo, a grande insatisfao com a poltica salazarista para as col-
nias, a disseminao das ideias do Movimento da Negritude, a luta dos negros
norte-americanos contra o racismo e a independncia de pases africanos co-
lonizados pela Frana e pela Inglaterra foram os propulsores dos movimentos
independentistas nas provncias ultramarinas portuguesas.
A criao dos movimentos pelaindependncia das colnias na frica Portuguesa
Na esteira desses acontecimentos, em meados da dcada de 1950, surgia,
na Guin Portuguesa, o PAIGC (Partido Africano para a Independncia da Guin
e Cabo Verde), cujo lder era Amlcar Cabral, e em Angola o MPLA (Movimento
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Popular de Libertao de Angola), sob a liderana do poeta Agostinho Neto. Na
dcada seguinte, em 1962, um ano aps o incio da guerra pela independncia
em Angola, surgia em Moambique a FRELIMO (Frente Nacional de Libertao
de Moambique), sob o comando de Eduardo Mondlane.
Todos esses movimentos africanos pela independncia tm entre seus lde-
res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigosestudantes da Casa do Estudante do Imprio (CEI), em Lisboa (havia uma em
Coimbra tambm). Essas casas funcionavam como um ponto de reunio de
jovens estudantes oriundos de vrios territrios do ultramar, especialmente dos
pases africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local
estratgico e decisivo para a tomada de conscincia e organizao dos jovens
estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes
e intelectuais portugueses contrrios ao regime fascista. Centro de articulao
poltica e resistncia, a CEI de Lisboa tambm funcionou como um espao para
o surgimento de uma literatura de valorizao das razes africanas.
Como observa Manuel Ferreira (1977, p. 34):
A partir do incio da dcada de 1960 a vida literria (e cultural, de certo modo) de Angolas poder ser apreendida na totalidade se estivermos atentos ao que se desenrola na Casados Estudantes do Imprio, em Lisboa. Alis tambm em Coimbra onde tiveram lugar vriasiniciativas, a partir da dcada de 1950. A Casa dos Estudantes do Imprio transforma-se nocentro aglutinador dos estudantes e intelectuais africanos. Mas a predominncia da suacomposio angolana, como predominantemente angolana a sua atividade editorial.
Na entrada dos anos 1960, a situao nas colnias portuguesas do ultramarse torna mais difcil, forando-as luta armada pela conquista da independncia.
Nesse momento, exceo de So Tom e Prncipe e de Cabo Verde, cuja contri-
buio para os movimentos de independncia consistiu em enviar guerrilheiros
para engrossarem a luta armada das outras colnias, Angola, Guin Portuguesa
e Moambique iniciam sua guerra pela independncia.
O movimento armado deflagrado em Angola quando no norte do pas um
grupo de agricultores protesta violentamente contra a poltica de plantao com-
pulsiva de algodo, queimando armazns de algodo e escorraando os compra-dores. O regime salazarista responde revolta com violncia e como reao a isso,
em fevereiro de 1961, em Luanda, capital de Angola, um grupo organizado do
MPLA toma de assalto a priso da cidade para libertar os lderes do movimento.
Munidos de catanas5 e algumas poucas armas automticas, o movimento no
logra bons resultados e a represso que a ele se segue extremamente dura.
5Catana um tipo de faco usado para cortar mato.
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Em razo desses acontecimentos, alguns antigos colonos e brancos que
haviam chegado recentemente a Angola conseguem permisso do regime para
invadir os bairros nos quais moravam os negros (os musseques) e ali atacar qual-
quer um que considerassem suspeito. Desse episdio resultaram muitas mortes,
em sua maioria de jovens assimilados que so justamente aqueles que se
aculturaram, deixando suas razes negras para frequentar as escolas de brancos.
Reagindo a essa matana, os movimentos organizados em Angola respondem
com a luta armada que ir se disseminar tambm por outras regies da chamada
frica lusfona como a Guin Portuguesa (1963) e Moambique (1964). o incio
da Guerra Colonial.
A Guerra Colonial durou 13 anos em Angola (19611974), 11 anos na
Guin (19631974) e 10 anos em Moambique (19641974). Durante essa
poca, cerca de 800 mil jovens portugueses foram mobilizados para a guerra
na frica, onde permaneceriam em mdia 29 meses, ou seja, quase 10% da
populao portuguesa e 90% da juventude masculina da poca estiveram
diretamente envolvidas com os conflitos na frica. Do lado africano, a mo-
bilizao do contingente masculino foi massiva. Muitos se envolveram na
guerra por motivaes poltico-ideolgicas, outros se aliaram s guerrilhas
aliciados pelas necessidades que se criaram em razo especialmente da falta
de mantimentos. Essa guerra tambm propiciou que, em Portugal, as foras
contrrias ao regime Salazar/Caetano6se unissem aos oficiais especialmen-
te tenentes e capites do Movimento das Foras Armadas (MFA), que inicia-
ram na madrugada do dia 25 de abril de 1974 uma revoluo para derrubar oregime ditatorial e por fim guerra na frica. Esse movimento ficou conheci-
do como Revoluo dos Cravos.
A guerra na frica marcou o incio do fim do Imprio Colonial Portugus e
foi um dos fatores que propiciou a queda da ditadura salazarista. No entanto,
um legado cultural, para alm da lngua portuguesa oficialmente adota-
da pelos pases africanos j independentes, consolidou-se nos cinco pases
do PALOP (Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa). Certos traos da
cultura portuguesa e a adoo e o uso da lngua portuguesa nesses pases,ainda que modificada e enriquecida pelas diversas lnguas locais, so exem-
plos de como a cultura portuguesa enraizou-se nos territrios africanos an-
teriormente ocupados.
6Marcello Caetano (19061980) substituiu, em 1968, Antnio de Oliveira Salazar (18891970) que ocupava o cargo de Presidente do Conselho
de Ministros em Portugal. Caetano, embora menos rigoroso que Salazar, levou adiante a poltica salazarista at o fim da ditadura em 25 de abrilde 1974, quando o Movimento das Foras Armadas Portuguesas, apoiado pelas foras progressistas da sociedade portuguesa, ps fim longaditadura que vigorava desde 1926 em Portugal.
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Texto complementar
O poema que voc vai ler, do santomense Francisco Jos Tenreiro (1921
1963), trata da saga africana, que se inicia com a chegada dos europeus
frica. interessante notar que, ao contrrio da epopeia camoniana, OsLusadas(1572), de Lus Vaz de Cames, a faanha heroica aqui abordada
no a faanha lusa, mas a faanha heroica dos negros que buscaram re-
sistir dominao branca, porm acabaram sendo levados como escravos
para outras terras. O poema mostra, ainda, a saga do negro nessas terras,
lutando para fazer existir a sua cultura e termina evocando-o luta pela
dignidade com novas armas, novas azagaias1.
Epopeia(TENREIRO, Francisco Jos inANDRADE, 1975, p. 137-139)
No mais a frica
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
No mais a frica
de rios tumultuosos
veias entumecidas dum corpo em sangue!
Os brancos abriram clareiras
a tiros de carabina.
Nas clareiras fogos
arroxeando a noite tropical.
Fogos!Milhes de fogos
num terreno em brasa!
1Azagaia uma espcie de lana curta usada pelos africanos, especialmente na frica do Sul.
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A frica lusfona: um pouco de histria
Noite de grande lua
e um cntico subindo
do poro do navio.
O som das grilhetas
marcando o compasso!
Noite de grande lua
e destino ignorado!...
Foste o homem perdido
em terras estranhas!...
No Brasil
ganhaste calo nas costasnas vastas plantaes do caf!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantaes do fumo!
Na calma do descanso nocturno
s a saudade da terra
que ficou do outro lado...
s as canes bem soluadas
dum ritmo estranho!...
Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!
Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
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A frica lusfona: um pouco de histria
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to grandes
que tudo foi um despropsito!...
Os homens do norte
os mais lcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedao para viveres...
Libria! Libria
Ah!
Os homens nas ruas da Libria
sodollarsamericanos
ritmicamente deslizando...
Quando cantas nos cabars
fazendo brilhar o marfim da tua boca
a frica que est chegando!
Quando nas Olimpadas
corres veloz
a frica que est chegando!
Segue em frente
irmo!
Que a tua msica
seja o ritmo de uma conquista!
E que o teu ritmo
seja a cadncia de uma vida nova!
... para que a tua gargalhada
de novo venha estraalhar os ares
como gritos de azagaia!
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A frica lusfona: um pouco de histria
Dicas de estudoHistria da frica Lusfona , de Armelle Enders, Editorial Inqurito.
Essa obra da historiadora francesa Armelle Enders, da Universidade Paris-
IV- Sorbonne, aborda a histria da frica de lngua portuguesa, focalizandodesde a chegada dos portugueses a Ceuta at o fim do Imprio Colonial
Portugus com a sada dos portugueses da frica, aps o fim da Guerra
Colonial.
Negritude: usos e sentidos , de Kabengele Munanga, Editora tica.
Essa obra do antroplogo Kabengele Munanga, professor titular da Facul-
dade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP, nascido no Zaire,
bastante interessante para quem quer iniciar seus estudos sobre cultura
negra e negritude.
Capites de Abril . Direo: Maria de Medeiros. Elenco: Stefano Accorsi, Ma-
ria de Medeiros, Joaquim de Almeida, Frdric Pierrot. Lusomundo Audio-
visuais S.A., 2000.
Esse filme, dirigido pela portuguesa Maria de Medeiros, ilustra bem o
momento em que, ao som de Grndola, Vila Morena, deflagrado em
Portugal o movimento de revolta dos capites das foras armadas contra
os rumos da poltica de Marcello Caetano na frica. Esse movimento, que
depois ficou conhecido como Revoluo dos Cravos, devolveu a liberdade
poltica ao pas que viveu sob a ditadura desde 1926 at o dia 25 de abril
de 1974.
Estudos literrios
1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratgica para aempreitada portuguesa pelos mares do ocidente. Por que motivos partiram
os portugueses at Ceuta? E por que quando l chegaram abandonaram a
ideia da ocupao dos territrios ao longo do Mar Mediterrneo?
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A frica lusfona: um pouco de histria
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2. Como se desenvolveu a poltica de explorao das colnias na frica?
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A frica lusfona: um pouco de histria
3. Qual a importncia dos encontros de jovens estudantes na Casa do Estudan-
te do Imprio?
4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das
colnias contra o regime fascista de Salazar?
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Cultura e literatura nos arquiplagoslusfonos e na Guin-Bissau
Claudia Amorim
O objetivo deste captulo apresentar as caractersticas histricas,
culturais e literrias de dois arquiplagos, Cabo Verde e So Tom e Prn-
cipe, e da Guin-Bissau, territrios africanos colonizados por Portugal
no sculo XV e tornados independentes a partir de 1975. Aps a inde-
pendncia, essas trs ex-colnias portuguesas adotaram oficialmente
a lngua portuguesa, mas quase todos os cidados desses pases falam,
paralelamente ao portugus, um crioulo1como lngua materna.
Os arquiplagos de Cabo Verde e de So Tom e Prncipe, assim
como a Guin-Bissau (que foi colonizada com o nome de Guin Portu-
guesa), localizam-se na Costa Ocidental da frica e foram descobertos
pelos portugueses no sculo XV. A partir dessa poca, fizeram parte
do chamado Imprio Colonial Portugus at 1975, quando a Revolu-
o dos Cravos, ocorrida em Portugal, ps fim ao domnio imperial dos
portugueses na frica.
Essa Revoluo foi consequncia, entre outras coisas, da Guerra Co-
lonial que desde 1961 mobilizou trs das colnias africanas portugue-
sas Angola, Guin Portuguesa e Moambique contra a ditadura de
Antnio de Oliveira Salazar e Marcello Caetano2. Os arquiplagos de
Cabo Verde e de So Tom e Prncipe no participaram diretamente
dos conflitos armados, tentando por via diplomtica sua independn-
cia. No entanto, muitos cabo-verdianos e santomenses se deslocaramat os territrios em guerra no continente africano para reforar a luta
dos povos locais pela independncia.
1O crioulo a lngua materna das regies colonizadas e uma lngua que evoluiu do pidgin, uma espcie de sistema verbal com que
dois povos no usurios de um idioma comum se comunicam. O pidginnasce geralmente da necessidade de uma comunicao comer-cial e, quando alcana a condio de lngua materna de um grupo de indivduos, ele se torna um crioulo.
2Antnio de Oliveira Salazar assumiu em Portugal a Pasta das Finanas e das Colnias em 1928, dois anos aps o golpe militar que
derrubou a Repblica, e deixou o cargo de Presidente do Conselho de Ministros somente em 1968, sendo substitudo nessa funo porMarcello Caetano que ficou no posto at a Revoluo dos Cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1975.
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Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonos e na Guin-Bissau
A seguir, no mapa da frica, podemos visualizar esses territrios e perce-
ber como foram estratgicos s naus portuguesas avanando pelo Oceano
Atlntico em direo ao sul.
Fonte: Temtica Cartografia.
IESDEBrasilS.A.
Adapta
do.
0 420Km
Escala grfica aproximada
MAPA POLTICO DA FRICA
Nos sculos seguintes, a Coroa Portuguesa explorou os territrios ocupados
de modo mais ou menos similar. Mas, cada um desses territrios apresentoutambm as suas particularidades.
Para conhecer-nos melhor essas trs ex-colnias portuguesas na frica, pas-
semos a focalizar cada uma delas, comeando, em primeiro lugar, a mostrar as
caractersticas histricas, culturais e literrias do arquiplago de Cabo Verde, em
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Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonos e na Guin-Bissau
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segundo lugar, as do arquiplago de So Tom e Prncipe e, finalmente, focalizare-
mos a histria, a cultura e a literatura da Guin-Bissau, antiga Guin Portuguesa.
Cabo Verde: histria, cultura e literaturaPara comearmos a conhecer Cabo Verde, segue o mapa das dez ilhas que
compem esse arquiplago.
IE
SDEBrasilS.A.
Adaptado.
MAPA DE CABO VERDE
0 40 Km
Escala grfica aproximada
Fonte: Temtica Cartografia.
O arquiplago de Cabo Verde, composto por um conjunto de dez ilhas Ilha
de Santo Anto, Ilha de So Vicente, Ilha de Santa Luzia, Ilha de So Nicolau,
Ilha do Sal, Ilha da Boa Vista, Ilha do Maio, Ilha de So Tiago, Ilha do Fogo, IlhaBrava , numa extenso de 4 033 quilmetros quadrados, foi descoberto pelos
portugueses por volta do ano de 14603e, na poca, todas as suas ilhas estavam
3A data de 1460 controversa, embora seja adotada por muitos historiadores portugueses como Antnio Srgio, por exemplo. Para outros estu-
diosos, como Armelle Enders, os portugueses aportaram nas ilhas de Cabo Verde entre 1456 e 1462.
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Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonos e na Guin-Bissau
desabitadas. Dispersos pelas ilhas, a estimativa de que o arquiplago contenhaem 2009 aproximadamente 423 263 habitantes, segundo a pgina oficial do Go-verno de Cabo Verde4.
Quando os europeus l aportaram, perceberam que o clima da regio favo-recia a agricultura e, por conta da explorao agrcola, iniciaram o processo de
colonizao das ilhas atravs do sistema de capitanias hereditrias. Porm, senos Aores e na Madeira a colonizao foi feita por imigrantes vindos de Portu-gal, nas ilhas de Cabo Verde o povoamento se realizou com os negros trazidosdo continente africano, especialmente da Guin. Os africanos trazidos do con-tinente destinavam-se especialmente s plantaes de algodo. Artesos afri-canos tambm foram trazidos da frica para ensinar aos demais as tcnicas detecelagem. Logo, uma indstria txtil, alimentada pela mo de obra africana,tornou-se capaz de se perpetuar de modo autnomo.
A produo txtil que teve lugar nas ilhas de Cabo Verde era de grande impor-tncia para a Metrpole. Segundo Birmingham (2003, p. 29), Portugal tinha quasetanta falta de txteis como tinha de trigo. Nas ilhas foram estabelecidas plantaesde algodo para tecer e tingir. Porm, logo um outro negcio concorria com aproduo de algodo nas ilhas: a plantao de cana-de-acar, que tambm tevelugar no arquiplago de So Tom e Prncipe e depois se estendeu ao Brasil.
Paralelamente a essa produo, nos sculos seguintes, as ilhas de Cabo Verdeocuparam posio estratgica nas rotas de caravelas de Portugal ao Brasil e aorestante da frica. As ilhas serviam de entreposto comercial e de aprovisiona-
mento para as naus de passagem.
Com a entrada dos africanos nas ilhas de Cabo Verde, a mestiagem tornou-secomum e formou-se nas ilhas uma populao de cabo-verdianos descendentede portugueses e africanos. Essa miscigenao tambm resultou na criao deuma lngua crioula que se enraizou em Cabo Verde. Hoje, a lngua oficial dessepas o portugus, no entanto, o crioulo cabo-verdiano usualmente faladopela populao, paralelamente ao portugus.
Durante os sculos de explorao colonial, a situao nas ilhas no se modifi-
cou. No entanto, nos fins do sculo XIX, j possvel assistir nas ilhas a uma tmidamanifestao cultural. A publicao do romance O Escravo, do portugus Jos Eva-risto de Almeida, habitante durante muitos anos do arquiplago, vista por algunscomo o marco inicial da literatura de fico de Cabo Verde. Alguns escritores quese destacaram nesse perodo foram Pedro Cardoso e Eugnio Tavares.
Porm, com a revista Claridade, lanada em 1936 por intelectuais cabo-ver-dianos em sua maioria mestios, que se pode falar de uma literatura de ruptura.
4A pgina oficial do Governo de Cabo Verde encontra-se disponvel no endereo: .
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Com o lanamento dessa revista nas ilhas de Cabo Verde inicia-se o primeiro
movimento cultural-literrio nativista da frica lusfona. Entre os nomes impor-
tantes desse movimento destacam-se Baltasar Lopes da Silva, Jorge Barbosa,
Manuel Lopes, entre outros.
O movimento da revista Claridadereivindicava o respeito aos valores cabo-
verdianos, a valorizao da lngua crioula e uma sociedade cabo-verdiana biol-gica e naturalmente hbrida em sua formao. No campo literrio, os poetas rei-
vindicavam uma literatura nascida do prprio hmus, com uma poesia telrica e
social de raiz e de renovao esttica.
O nativismo do movimento que lanou a revista Claridadetambm se mani-
festou nos modelos aos quais os poetas vo seguir. Abandonando a referncia
literria e cultural do colonizador portugus, os claridosos vo buscar na lite-
ratura brasileira com Manuel Bandeira, Jorge Amado, Jos Lins do Rego, entre
outros, as identidades possveis, especialmente no que diz respeito culturamestia que Cabo Verde e Brasil apresentam e que resultante de um percurso
histrico marcado pelo processo de colonizao.
Manuel Lopes, um dos fundadores da revista Claridade, j afirmara que era ne-
cessrio fincar os ps na terra para escrever e pensar naquilo que os ps pisavam.
Essa conscincia para com a terra no dispensar um cuidado com a renovao
esttica. A gerao da Claridadetinha o propsito de fincar os ps na terra para
representar a imagem mais prxima da realidade antropolgica, social e cultural
crioula. Essa imagem se configuraria a partir de uma ruptura literria com rela-o a tudo que anteriormente havia sido feito.
Alguns crticos consideram a existncia de trs fases na literatura cabo-verdia-
na. A primeira seria constituda dos nativistas (gerao pr-claridosa), a segunda
seria formada pela gerao em torno da revista Claridade (gerao claridosa) e,
finalmente, a terceira, chamada de ps-claridosa, constituda pelos escritores e
poetas que iniciaram sua atuao por volta de 1960 e que at a presente data
continuam a produzir.
Em fins da dcada de 1950 at meados de 1960, a poesia cabo-verdiana in-
tensificou a associao entre a cabo-verdianidade e a negritude. Nesse tempo,
as ideias do Movimento da Negritude, criado na dcada de 1930 por Aim Csai-
re (Martinica/Antilhas), Lopold Sdar Senghor (Senegal) e Lon Damas (Guiana
Francesa), que preconizava a valorizao do negro e da negritude, j haviam se
disseminado tambm pela frica de lngua portuguesa.
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Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonos e na Guin-Bissau
Nos anos seguintes, a literatura cabo-verdiana sublinhou a sua insularidade,
caracterizada pelas imagens do mar e de um modo de ser prprio dos povos
das ilhas. Alm disso, enveredou, no campo da fico, por caminhos prprios,
inspirada pelo realismo mgico. Dina Salstio um dos nomes dessa nova feio
da literatura cabo-verdiana e sua obra nos permite conhecer um pouco mais do
modus vivendidos homens e mulheres do arquiplago.
So Tom e Prncipe:histria, cultura e literatura
Para melhor conhecer o arquiplago de So Tom e Prncipe, segue abaixo
um mapa de suas duas ilhas principais e das ilhotas que lhes so prximas.
IESDEBrasilS.A.
Adaptado.
0 40 Km
Escala grfica aproximada
MAPA DE SO TOM E PRNCIPE
Fonte: Temtica Cartografia.
O arquiplago de So Tom e Prncipe, localizado no Golfo da Guin, forma-
do por duas ilhas principais: Ilha de So Tom e Ilha de Prncipe (ilhas vulcnicas)
e por alguns ilhus, alguns dos quais desabitados. O arquiplago contava, em
2005, segundo a pgina oficial do Governo de So Tom e Prncipe5, com uma5
A pgina oficial do Governo de So Tom e Prncipe encontra-se disponvel no endereo: .
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populao de aproximadamente 169 000 habitantes distribudos em uma rea
de mais ou menos 1 001 quilmetros quadrados. Essas ilhas eram desabitadas
quando os portugueses l aportaram em fins de 1470 ou incio de 1471.
A condio favorvel do solo e a chuva abundante propiciaram a introdu-
o da plantao de cana-de-acar no arquiplago e, para empreender essa
plantao, em 1493 teve incio o povoamento do arquiplago com portuguesesoriundos da Ilha da Madeira e degradados vindos da Metrpole. Na indstria
aucareira, a mo de obra foi trazida dos reinos vizinhos da Guin, do Benin, do
Gabo e do Congo. Nesse arquiplago, a plantao da cana-de-acar prospe-
rou e o negcio com o acar foi estendido para outras colnias portuguesas,
especialmente para o Nordeste do Brasil.
Em razo da necessidade de mo de obra escrava, muitos negros do con-
tinente foram levados s ilhas desse arquiplago. Segundo Enders (1997), por
volta de 1560, So Tom tinha cerca de 4 000 habitantes, sendo que a metadedeles era composta de escravos. Por conta da escassez de mulheres brancas nas
ilhas, africanas escravizadas foram levadas para So Tom e Prncipe para ge-
rarem filhos dos portugueses que l viviam, a fim de povoarem o territrio. Os
filhos gerados dessa unio receberam carta de alforria e mais tarde se tornaram
os forros (corruptela de alforros), um dos grupos tnicos mais representativos na
regio.
No entanto, a produo de cana-de-acar no Brasil, mais produtiva que a do
arquiplago africano, e as constantes revoltas dos negros nas ilhas propiciaramum decrscimo na produo aucareira. Essa decadncia da economia das ilhas
acabou por transform-las em entrepostos do comrcio de escravos.
Somente no sculo XIX, com as presses externas pela extino do trfico
negreiro, Portugal investiu em outro tipo de produo nas ilhas, incentivando
nelas o cultivo do caf e do cacau.
No incio do sculo XX, a situao poltico-econmica do arquiplago de So
Tom e Prncipe no diferiu muito da que se encontrava em Cabo Verde ou na
Guin Portuguesa. exceo de Cabo Verde, em cuja ilha de So Nicolau h
um Liceu desde o ano de 1866, as demais colnias no tm como propiciar aos
jovens uma escolarizao. No entanto, o discurso colonial valorizava a poltica de
assimilao, cobrando da populao das colnias comportamentos europeus e
o uso da lngua portuguesa em detrimento do crioulo. O ndice de analfabetis-
mo era grande nas trs regies e a pobreza grassava nas colnias, pois a explora-
o das matrias-primas no as beneficiava.
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O arquiplago de So Tom e Prncipe no ficou imune aos movimentos de
valorizao da cultura negra, especialmente em meados do sculo XX, quando
os jovens da Casa dos Estudantes do Imprio6divulgaram as ideias do Movimen-
to da Negritude.
Assim como nas outras colnias de Portugal, a difuso das ideias do Movi-
mento da Negritude, a insatisfao dos santomenses com as pssimas condi-es de vida no arquiplago e a represso poltica da ditadura salazarista, exten-
siva s colnias, desencadearam a formao do Movimento pela Libertao de
So Tom e Prncipe (MLSTP) que, por vias diplomticas, conseguiu negociar a
independncia do arquiplago em fins de 1974.
Mesmo em terreno adverso, uma prtica jornalstica e uma literatura nativista
comeam a ganhar fora na primeira metade do sculo XX. O mais importante
nome na literatura desse momento o de Francisco Jos Tenreiro (19211963).
Natural de So Tom, o poeta Francisco Jos Tenreiro, filho de um administra-
dor portugus com uma africana, ganha visibilidade em Lisboa como professor
universitrio e organiza em 1953 com Mrio Pinto de Andrade, poeta e militante
angolano, a primeira antologia de poesia africana. O Caderno da Poesia Negra de
Expresso Portuguesa7, publicado na Metrpole e nas colnias, reuniu uma srie
de poemas em que se observava a valorizao da terra africana e do negro.
Aps a morte de Tenreiro, Alda do Esprito Santo, Maria Manuela Margarido e
Tomaz Medeiros, todos ex-estudantes da CEI de Lisboa, so alguns dos escritores
que revitalizam a literatura santomense.
A poesia de Alda do Esprito Santo tem um lugar especial entre as demais.
Em sua poesia se inscreve a afirmao identitria santomense, pois em sua obra
notvel sua forte ligao com a histria de seu pas, deixando um legado ine-
gvel aos poetas santomenses mais jovens. Entre esses mais novos, destaca-se
Conceio Lima que tambm desenha em suas obras as questes abordadas por
Alda do Esprito Santo, mas vivendo uma outra poca, a poesia de Conceio
Lima adquire um vis de crtica ao contexto em que a poesia emerge.
6A Casa do Estudante do Imprio (CEI) de Lisboa reunia por volta dos anos 1950 um grupo de jovens estudantes oriundos de todos os territrios
colonizados pelos portugueses, em sua maioria da frica. Na Casa, os estudantes se organizaram politicamente contra a poltica portuguesa nafrica e tambm escreveram poemas e outros textos literrios que estabeleceram as bases de uma nova literatura que buscava explicitar a situaodo negro nas colnias, utilizando formas poticas que valorizassem a africanidade tambm na lngua.
7Note-se que o ttulo da coletnea organizada por Tenreiro e Andrade remete conhecida obra de Aim Csaire Cahier dun Retour au Pays Natal
(Caderno de um Regresso ao Pas Natal) no qual Csaire usou pela primeira vez o termo negritude.
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Guin-Bissau: histria, cultura e literaturaPara localizarmos a Guin-Bissau na frica de lngua portuguesa, vejamos o
seu mapa a seguir.
Fonte: Temtica Cartografia.
IESDEBrasilS.A.
Adaptado.
0 38 Km
Escala grfica aproximada
MAPA DA GUIN-BISSAU
O territrio da Guin-Bissau, no ocidente da frica, com suas fronteiras atuais
tem hoje aproximadamente 36 125 quilmetros quadrados e em 2005, segundo
a pgina oficial do Governo da Guin-Bissau8, possua cerca de 1 442 029 ha-
bitantes. Porm, antes da chegada dos portugueses, a Guin-Bissau era parte
de uma extensa regio conhecida como Terra da Guin, pertencente ao Reino
de Mali. Em 1446, os portugueses aportaram na regio e a nomearam Guin
Portuguesa. Embora o litoral da regio tenha sido explorado desde essa poca,
somente em 1630 estabeleceu-se no territrio a Capitania Geral da Guin Portu-
guesa, que visava administrao da regio, embora a Guin Portuguesa conti-
nuasse administrativamente ligada s ilhas de Cabo Verde.
8A pgina oficial do Governo da Guin-Bissau encontra-se disponvel no endereo: .
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Cultura e literatura nos arquiplagos lusfonos e na Guin-Bissau
Em 1697, devido ameaa de ocupao da regio, especialmente por parte
dos franceses e ingleses, a Coroa Portuguesa fundou nessa regio uma vila,
Bissau, que cresceu e se constituiu num importante posto fornecedor de escra-
vos, especialmente para o continente americano nos sculos seguintes.
Porm, no sculo XIX, com a abolio da escravatura, a Guin Portugue-
sa, sem qualquer recurso para sobrevivncia material, passou por uma crise
econmica e para sair dela investiu na produo de novas culturas como a da
borracha e a da mancarra (amendoim).
As condies extremamente pobres da regio fizeram com que os povos
locais se rebelassem contra o governo portugus que reagiu imediatamente,
enviando militares Guin para sufocar as revoltas populares. Para inibir os
conflitos, o governo portugus incentivou a explorao agrcola da regio por
parte de colonos portugueses ou de seus descendentes que iniciaram a pro-duo da mancarra.
J no incio do sculo XX, as foras coloniais reprimiram fortemente as re-
belies locais e objetivavam eliminar os africanos mais combativos, impor o
pagamento de impostos administrao colonial e controlar os recursos eco-
nmicos no territrio.
Em meados do sculo XX, a Guin Portuguesa amargou uma situao de
extrema pobreza, com um grande ndice de analfabetos. Nessa mesma poca,as ideias independentistas se difundiram especialmente nos meios urbanos.
A difuso dessas ideias e a independncia de outros pases da frica, colo-
nizados por outras naes europeias, estimularam a fundao, em 1956, do
Partido Africano da Independncia da Guin e Cabo Verde (PAIGC), criado por
Amlcar Cabral (19241973). Em suas constantes viagens a Cabo Verde, Guin e
Portugal, onde se graduou em Agronomia, Amlcar Cabral tomou contato com
os poetas, escritores e estudantes dos outros pases africanos colonizados por
Portugal. Desse contato, nascer mais adiante um processo de luta dos pasesafricanos lusfonos pela independncia.
Devido s condies socioculturais da Guin-Bissau, a literatura guineense
s floresceu muito tardiamente em relao s literaturas das outras colnias
portuguesas na frica. O fato de a Guin ser basicamente uma colnia de ex-
plorao e tambm o fato de ter ficado, por um longo perodo, administrati-
vamente atrelada ao governo geral da colnia de Cabo Verde foram decisivos
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para que no houvesse, mesmo na capital Bissau, as condies necessrias
para uma produo literria e artstica.
A imprensa tambm chegou muito tarde Guin. Os jornais oficiais s apa-
receram na regio por volta de 1880, sendo que nas outras colnias africanas
j havia uma circulao de jornais desde 1843.
Os primeiros textos produzidos em territrio guineense tiveram lugar na
primeira metade do sculo XX. Em 1930, editado o primeiro jornal dirigi-
do por um guineense. Trata-se de O Comrcio da Guin, editado por Juvenal
Cabral, pai de Amlcar Cabral.
Entre os escritores e poetas, Fausto Duarte se destacou como romancista
e Maria Archer como poetisa. Joo Augusto Silva, ganhador de um prmio li-
terrio no perodo colonial, e Fernanda Castro so com Fausto Duarte e Maria
Archer os nomes mais importantes da literatura guineense que, nesse perodo,
no se afasta muito da referncia portuguesa.
Vale destacar ainda nesse perodo a produo de Marcelino Marques de
Barros que em sua obra Cantos, Canes e Parbolasrene um grupo de contos e
canes guineenses tradicionais e populares, valorizando a cultura da regio.
Depois de 1945, surge na Guin uma literatura de combate que denun-
ciava a dominao e a misria a que os negros estavam submetidos em suas
terras e os incitava libertao e valorizao da cultura negra. Entre os
escritores dessa poca, destacam-se Vasco Cabral, Antnio Batic Ferreira e
Amlcar Cabral.
Aps a independncia da Guin, a literatura guineense ganha novo vigor.
Nessa poca, surge um grupo de jovens poetas, cujas obras manifestam um ca-
rter social, focalizando a defesa da liberdade, a questo da identidade nacio-
nal, entre outras coisas. Agnelo Regalla, Antnio Soares Lopes (Tony Tcheca),
Jos Carlos Schwart, Francisco Conduto de Pina e Flix Sig so alguns dosautores mais significativos desse perodo.
Na dcada de 1990, novos autores se somam ao grupo atuante da Guin-
-Bissau, j independente, e uma escrita de cunho mais intimista se desenha
nesse momento. Entre os autores desse perodo destacam-se Helder Proena,
Tony Tcheca, Carlos Vieira e Odete Semedo. A utilizao da lngua crioula na
literatura ganha fora e valoriza a cultura mestia do arquiplago.
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Texto complementar
O poema a seguir, de Kaoberdiano Dambar, pseudnimo potico do
poeta e advogado cabo-verdiano Felisberto Vieira Lopes, foi escrito em
crioulo, e conclama os negros a lutarem pela justia na frica. Ao lado dopoema em crioulo, inclumos a verso em portugus extrada do livro Na
Noite Grvida de Punhais. Antologia temtica da poesia africana, organizado
pelo poeta e escritor angolano Mrio Pinto de Andrade.
Ora dja tchiga
Kaoberdiano Dambar
Labanta bo anda fidjo dAfrika
Labanta negro, obi gritu l Pobo:Afrika, Djustissa, Liberdadi
Obi gritul Povo na Sistensia, na
[funko,
na simiteri, na lugar sem tchuba,
na bariga torsedo di fomi
Dexa bo funko, dexa bo mai, bo[armun,
dexa tudo, pega na kunsiensia bo
[subi monti:
finka p na tchom bo pega
[narma.
Brandi fero riba l monti,
ko fomi o ko fartura, ko guerra o
[ko paz,
luta pa liberdadil bo tera!
Chegou a hora
Kaoberdiano Dambar
Ergue-te e caminha filho de frica
Ergue-te negro escuta o clamor do povo:frica, Justia, Liberdade.
Escuta o gritar do povo clamando na
[Assistncia Pblica, no funco1,
nos cemitrios, nos campos sem chuva,
nos ventres torcidos de fome.
Abandona funco, me, irmo tudotoma conscincia, sobe para as
[montanhas,
finca os ps na terra, pega em armas.
Brande o ferro no cimo dos montes,
com fome ou abundncia, guerra ou
[paz,
luta pla liberdade da tua terra!
1Funco uma espcie de habitao de formato cnico, construda com a utilizao de folha de sisal, bananeira ou colmo.
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Dicas de estudoLiteraturas Africanas de Expresso Portugus , de Pires Laranjeira, Editora
Universidade Aberta.
Esse livro uma obra primordial para o estudo das literaturas africanasdos pases lusfonos, pois o autor analisa as literaturas de Cabo Verde, So
Tom e Prncipe, Guin-Bissau, Angola e Moambique, desde a expresso
de uma literatura nativista at a contemporaneidade. Na obra, h ainda
os estudos de duas especialistas em literaturas africanas lusfonas: Elsa
Rodrigues dos Santos e Inocncia Mata.
Na Noite Grvida de Punhais. Antologia temtica da poesia africana , organi-
zado por Mrio Pinto de Andrade, Editora S da Costa.
Essa antologia rene a lrica de alguns dos mais representativos poetasdos pases africanos lusfonos e apresenta ainda uma pequena biografia
sobre cada um deles.
Estudos literrios1. De que maneira podemos afirmar que o lanamento da revista Claridade,
em 1936, em Cabo Verde, inaugura uma nova fase na literatura africana
de lngua portuguesa e na literatura cabo-verdiana?
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2. Na primeira metade do sculo XX, a literatura santomense ganha visibi-
lidade pela ao do seu maior representante nesse perodo Francisco
Jos Tenreiro. Qual foi o importante gesto de Tenreiro em prol da litera-
tura em sua poca?
3. Caracterize a produo literria guineense posterior independncia do
pas.
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Cultura e literatura em Angola
Claudia Amorim
O objetivo deste captulo apresentar as caractersticas histricas, culturais
e literrias de Angola, pas cujos limites foram estabelecidos aps a chegada
regio do navegador portugus Diogo Co por volta de 1483. Com a vinda
do colonizador branco, o territrio foi demarcado e as diversas etnias que
viviam na regio estiveram sob o jugo portugus at a independncia do pas
em 1975. Mesmo aps a independncia, o pas adotou oficialmente a lngua
portuguesa1, no entanto, em Angola, existem muitos dialetos e lnguas locais,
entre as quais se destacam o umbundo, falado pelo grupo Ovimbundu (parte
central do pas); o quicongo, falado pelos Bacongo, ao norte; e o chokwe-lunda
e o kioko-lunda, ambos correntes no nordeste do pas. H ainda o quimbundo,
falado pelos Mbundos, Mbakas, Ndongos e Mbondos, grupos aparentados,
que habitam o litoral de Luanda e arredores at o Rio Cuanza.
No sculo XX, a luta armada pela independncia das colnias portuguesas
na frica comeou em 1961, em Angola, e depois se disseminou pela Guin
Portuguesa (atual Guin-Bissau) em 1963 e chegou a Moambique em 1964.
Os arquiplagos de Cabo Verde e So Tom e Prncipe, que juntamente comos trs primeiros territrios aqui citados constituem a chamada frica Portu-
guesa, engrossaram a luta armada iniciada no continente, enviando guerri-
lheiros para as regies em conflito. Em Angola, a guerra foi mais longa e durou
exatamente 13 anos.
De todas as colnias portuguesas na frica, Angola foi a que mais recebeu
ateno de Portugal. Essa ateno foi bastante perniciosa, pois do seu territ-
rio muitas riquezas foram extradas, os povos locais foram submetidos escra-
vido e dispora at o sculo XIX, quando Portugal, por presses externas,foi obrigado a extinguir o trfico negreiro e a escravido. Em contrapartida,
a colnia portuguesa mais extensa na frica foi a que recebeu um nmero
maior de colonos e sua capital, Luanda, acabou por apresentar no sculo XIX
um estatuto que as outras cidades das colnias portuguesas no possuam.
1Kwame Appiah (1997, p. 20) observa que, mesmo [...] depois de uma brutal histria colonial e de quase duas dcadas de contnua
resistncia armada, a descolonizao da frica Portuguesa, em meados dos anos 1970, deixou atrs de si uma elite que redigiu as leise a literatura africanas em portugus. Segundo o estudioso, tal fato se deu pela necessidade de os escritores usarem a lngua europeiaem seus ofcios sob pena de, em isso no acontecendo, serem vistos como particularistas. Alm disso, o uso da lngua portuguesa uniaas diferentes etnias na difcil tarefa da construo nacional, o que se configuraria quase impossvel, caso os inmeros grupos tnicosusassem, ao invs de uma lngua comum, as suas lnguas de origem.
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No sculo XX, aps a conquista da independncia, Angola convocou eleiesgerais e com a vitria do candidato do MPLA (Movimento Popular de Libertaode Angola), o pas enfrentou, por cerca de duas dcadas, uma guerra internaentre os diversos grupos que rivalizavam pelo comando do pas.
Para melhor conhecer essa ex-colnia portuguesa, ser necessrio primeira-
mente visualizar sua localizao e extenso no continente africano.
Fonte: Temtica Cartografia.
IESDEBrasilS.A.
Adaptado.
0 420 Km
Escala grfica aproximada
MAPA POLTICO DA FRICA
Angola: histria, cultura e literaturaO territrio de Angola, no sudoeste da frica, possui aproximadamente 1 246 700
quilmetros quadrados e contava, em 2004, segundo a pgina oficial do Governo
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de Angola, com cerca de 14 767 655 habitantes2. Foi a mais extensa das colnias
portuguesas na frica e fazia parte de uma antiga regio conhecida no sculo
XV como Reino do Congo, quando os portugueses l chegaram. O nome Angola
oriundo da palavra banto ngola, nome com que se designava o governante de
uma regio que se localiza hoje a leste da capital Luanda.
A histria da colonizao de Angola comea em 1483, quando Diogo Co, umnavegador a servio da Coroa Portuguesa, chegou foz do Rio Zaire (o segundo
maior rio da frica), situado no Reino do Congo, e fixou no local um padro de
pedra com o braso portugus. O Reino do Congo era uma extensa regio que
compreendia os atuais territrios da Repblica do Congo, Cabinda, Repblica
Democrtica do Congo, o centro-sul do Gabo e o noroeste de Angola.
No Reino do Congo havia um chefe local, denominado Mani Congo, que gover-
nava os diversos grupos tnicos bantos da regio, especialmente os Bacongo. Aps
o contato com os portugueses, o monarca, Mani Congo, converteu-se ao catolicismoe a capital do reino, Mbanza Congo, recebeu o nome de So Salvador do Congo.
O Reino do Congo era uma regio com grandes mercados regionais, nos quais
se comercializavam produtos como sal, metais, tecidos e derivados de animais por
meio de escambo ou atravs de uma moeda local uma concha (nzimbu), coleta-
da na regio de Luanda.
Com a chegada dos portugueses, o comrcio regional se intensificou. E a
Coroa Portuguesa visava nesse comrcio o controle das minas e o negcio com
escravos que, alis, foi um dos mais rentveis para Portugal. A colnia de Angola
forneceu um grande nmero de escravos para a Amrica durante o sculo XVIII.
A regio apresentou tambm inmeras revoltas contra a invaso portuguesa,
todas reprimidas pelo poderio blico europeu. A primeira rebelio de que se
tem notcia ocorreu em 1491 e foi liderada por Panzo-a-Nginga, que se recusou a
receber o batismo e no aceitou as novas leis impostas pelos missionrios e con-
quistadores portugueses. A mais conhecida resistncia ao domnio portugus,
porm, foi a da rainha Jinga, que, no sculo XVII, resistiu ao domnio europeu,
comandando os povos da regio contra os invasores, com o auxlio tambm de
holandeses.
Aps a perda do Brasil no incio do sculo XIX, Angola se tornou a colnia
portuguesa mais importante para o reino portugus do ponto de vista econmi-
co. A ateno dispensada pela Metrpole maior colnia portuguesa na frica
2A pgina oficial do Governo de Angola encontra-se disponvel no endereo: .
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resultou, apesar da intensa explorao das riquezas, em importantes mu-
danas sociais no territrio, verificveis, sobretudo, na capital Luanda. Nessa
poca, a sociedade angolana j apresenta uma elite local, constituda por
funcionrios pblicos, juristas, jornalistas e alguns pequenos comerciantes,
quase todos mestios.
A populao europeia que no ltimo quartel do sculo XIX habitou a cidade era essencialmenteconstituda, diz-nos o historiador Jlio de Castro Lopo, por africanistas de permannciaincerta no territrio, aventureiros, colonos foradamente amarrados por necessidadeseconmicas e contrariedades diversas vida colonial, missionrios e clrigos, militares edegredados. Numericamente inferior um censo de 1889 d-nos conta de 5 000 europeuspara 23 000 africanos , [...], o portugus, dado o reduzido nmero de mulheres de sua raa [...]aproximou-se intimamente do agregado africano, com o qual se cruzou e constituiu famlia,determinando uma sociedade em que o mestio, no declinar do sculo, gozou duma certarelevncia. (ERVEDOSA, 1979, p. 23-24)
Com a crescente expanso da indstria europeia durante o sculo XIX, Portugal,
por presses externas, especialmente de pases como a Inglaterra, se viu obrigado
a extinguir o trfico negreiro em todas as colnias ultramarinas. Ainda sob pressoestrangeira, o pas estabeleceu uma data limite, 1878, para extinguir a escravatura.
No entanto, mesmo com essas medidas, uma forma de escravatura persistia nas
colnias africanas de lngua portuguesa sob a forma de trabalho forado.
Durante o sculo XIX, as colnias de Angola e So Tom e Prncipe sustenta-
ram a economia da Metrpole, fornecendo importantes produtos tropicais como
o caf e o cacau, que se transformaram em dividendos para a Coroa Portuguesa,
uma vez que ela exportava esses produtos para outros pases europeus.
A importncia de Angola para Portugal resultou necessariamente em algumas
modificaes na vida da colnia, especialmente na capital Luanda. Assim, na se-
gunda metade do sculo XIX, Angola j possua um pequeno grupo de africanos
que frequentava as poucas escolas criadas na regio. Com essa medida, Portugal
pretendia investir em uma ao civilizadora, tornando o africano um assimilado3.
A existncia desse grupo de africanos escolarizados e descendentes, em
geral, de portugueses, possibilitou o incremento de atividades jornalsticas na
capital de Angola. Na segunda metade do sculo XIX, alguns jornais circulavampela regio, como O Echo de Angolae o Jornal de Loanda, fundado por Alfredo
Troni, que j marca a transio de um jornalismo colonial para um jornalismo
que evidenciava as questes africanas.
No campo literrio, Joaquim Dias Cordeiro da Matta, colaborador dos jornais
da poca, aponta a necessidade de se perceber a diferena cultural em relao3
Assimilado era o termo usado para designar primeiramente os descendentes das grandes famlias crioulas do sculo XIX que estudavam emescolas catlicas responsveis pela educao formal e eram apadrinhados por brancos da elite colonial.
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ao colonizador e valorizar a cultura africana. Assim, Cordeiro da Matta escreve
seus poemas incluindo palavras em quimbundo. Alm disso, o escritor preparou
uma gramtica da lngua quimbundo e um dicionrio quimbundo-portugus.
No que diz respeito prosa, de modo similar ao que acontece com a poesia,
no sculo XIX, alguns escritores angolanos, sensveis ao sentimento nacional,
buscam uma escrita que procura se descolar da fico portuguesa. Um dos gran-des romancistas desse perodo foi Alfredo Troni que procurou introduzir em suas
obras palavras de origem angolana.
Essas primeiras manifestaes jornalsticas e literrias em Angola, reivindi-
cando as questes da terra, foram significativas, porm, no quadro geral, a col-
nia vivia uma precria situao de analfabetismo, por exemplo, que se prolon-
gou at a primeira metade do sculo XX. Essa situao se repetia drasticamente
nas outras colnias que Portugal possua na frica. Como destaca Enders (1997,
p. 89): Em 1950, a populao africana da Guin tem 99% de analfabetos, a deAngola 97%, a de Moambique 98%. verdade que, na mesma poca, a taxa de
analfabetismo na Metrpole eleva-se a 44%.
Malgrado as dificuldades, na primeira metade do sculo XX, Assis Jnior e
Castro Soromenho, esse ltimo moambicano de nascimento e angolano de vi-
vncia, assinalaram o arranque da fico angolana. E com Castro Soromenho,
observa-se uma profunda mudana no romance angolano.
Sofrendo significativas mudanas durante a primeira metade do sculo XX, a
sociedade angolana, por volta dos anos 1950, apresentava uma gerao de estu-
dantes angolanos, geralmente mestios, que deixava o pas para formalizar seus
estudos nas universidades portuguesas. Nessa poca, o contato dos estudantes
angolanos com estudantes portugueses, brasileiros e com estudantes de outros
pases africanos de lngua portuguesa foi decisivo para o despertar da conscin-
cia poltica e cultural dos jovens angolanos.
A partir de 1950, novos caminhos poltico-literrios se desenham em Angola.
Como afirma Laura Cavalcante Padilha (2007, p. 1718):
A segunda metade do sculo XX v acirrar-se em Angola um movimento de problematizaoe resistncia cultural pelo qual se procura reafirmar a diferena da angolanidade por tantotempo marginalizada pelos aparatos ideolgicos do colonizador e, naquele momento histrico,pensada como um absoluto. Nesse movimento mais amplo, cabe s produes literriaso papel fundamental de difundir e sedimentar essa busca de alteridade na cena simblicaangolana. Articula-se, ento, uma fala literria que tenta superar a fragmentao do dilaceradocorpo nacional, restabelecendo-se, assim, no uma unidade perdida, j que esta nunca existiu,mas uma espcie de unificao em torno de ideais comuns que movessem a engrenagem dahistria em outro sentido.
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Animados tambm pelas ideias do Movimento da Negritude que na dcada
de 1960 se engajava [...] na misso pela libertao das colnias africanas (BERND,
1988, p. 30) e pelos poemas dos grandes nomes do Movimento, como Aim
Csaire (Martinica), Lopold Sdar Senghor (Senegal) e Lon Damas (Guiana
Francesa), alguns jovens angolanos se organizaram e criaram o Movimento dos
Novos Intelectuais de Angola, e em 1951 foi publicada a revista Mensagem A
Voz dos Naturais de Angola, que pretendia ser o veculo de uma mensagem lite-
rria e ideolgica.
Nessa mesma poca em Angola, publicava-se aAntologia dos Novos Poetas de
Angola, coletnea potica na qual colaboraram Viriato da Cruz, Antnio Jacinto,
Llia da Fonseca entre outros. Essa antologia constituiu um [...] impulso do Mo-
vimento dos Novos Intelectuais de Angola, criado em 1948, que tinha por lema:
Vamos descobrir Angola! (FERREIRA, 1977, p. 18).
Paralelamente s movimentaes literrias de valorizao de uma escritaangolana, inicia-se em Angola um movimento poltico pela independncia, ins-
pirado na iniciativa dos intelectuais cabo-verdianos e guineenses que, com o
poeta Amlcar Cabral, haviam fundado o Partido Africano pela Independncia da
Guin e de Cabo Verde (PAIGC). Nos moldes do PAIGC, criado por intelectuais
e poetas angolanos o Movimento Popular de Libertao de Angola (MPLA), que
ser decisivo, mais tarde, para a deflagrao da luta armada na colnia.
A criao desses partidos na frica lusfona inspirada por sua vez nas lutas
pela independncia engendradas por pases da frica, colonizados outrora poroutros pases europeus como a Frana e a Inglaterra.
Desde a sua criao, o MPLA recebe pronta adeso do poeta Agostinho Neto,
na poca preso em Lisboa, por conta de sua luta contra a ditadura salazarista.
Preso de 1955 a 1957 pela Polcia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) em
Portugal, onde estudava Medicina, Agostinho Neto escolhido, no ano em que
sai da priso, o Prisioneiro Poltico do Ano pela Anistia Internacional. Sua liber-
dade, ainda no perodo ditatorial, consequncia, entre outras aes, da cam-
panha internacional que se articulou, sob a liderana de Jean-Paul Sartre, para aanistia dos presos polticos. Aps a independncia do pas, em 11 de novembro
de 1975, Agostinho Neto foi eleito o primeiro presidente do pas.
A dcada de 1960 foi para Angola um tempo de muitos problemas na rea
da criao literria e da cultura em geral. A represso se torna mais forte.
Alm do fechamento da Casa do Estudante do Imprio, o governo salaza-
rista probe a circulao da revista angolana Mensageme so amordaadas
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as Edies Imbondeiro4, que seriam responsveis, entre outras publicaes,
pela edio da Antologia Potica Angolana (1963). Alm disso, escritores e
intelectuais angolanos so perseguidos, presos e exilados.
Enquanto a ditadura salazarista em Portugal cerceava a liberdade e perseguia
os intelectuais de esquerda no seu pas, nas colnias a represso contnua e a
atuao da PIDE tornavam insustentvel a articulao poltica e literria dos inte-lectuais. No incio dos anos 1960, a situao colonial se agrava em todas as col-
nias, abrindo caminho para a luta armada, o que se efetiva no incio de 1961 em
Angola, quando colonos algodoeiros queimam plantaes de algodo no norte
do pas em protesto contra a poltica econmica portuguesa para as colnias.
Em represlia a essa atitude, o governo de Salazar age rapidamente, envian-
do soldados para Angola a fim de reprimir energicamente a revolta. Aps a ao
do governo portugus, membros do MPLA invadem a priso de Luanda para
libertar prisioneiros polticos detidos pela PIDE. Estoura a Guerra Colonial que seestende depois s colnias da Guin-Bissau (1963) e Moambique (1964).
A guerra pela independncia durou 13 anos em Angola e, como nas outras
colnias, resultou em muitas mortes e mutilaes tanto do lado portugus
quanto do lado africano, sendo que as perdas do lado africano foram significati-
vamente maiores.
A guerra nas colnias, a crise financeira portuguesa e a ausncia de apoio
internacional aceleram a queda do regime fascista portugus que se d no dia25 de abril de 1974, com o levante dos jovens oficiais (tenentes e capites do
Movimento das Foras Armadas).
Com a queda da ditadura em Portugal, abriu-se o caminho para a indepen-
dncia dos pases africanos colonizados por Portugal, o que ocorre logo a seguir.
Porm, em 1975, conquistada a independncia, Angola vive um curto perodo
de paz para, logo em seguida, mergulhar em outra guerra. Os conflitos no pas
passam a evidenciar a disputa pelo poder, travada pelas duas principais foras
polticas que se formaram durante a luta pela independncia: o Movimento Po-pular de Libertao de Angola (MPLA) e a Unio Nacional para a Independncia
Total de Angola (UNITA). Logo aps o processo de independncia, a ala de Agos-
tinho Neto do MPLA ganha as eleies, mas acaba formando com a UNITA um
governo de coalizo que fracassa em seguida. Em 1976, a UNITA trava uma luta
4A revista Mensagem, cuja apario data de 1951, foi um importante rgo de cultura que deu visibilidade a vrios escritores angolanos como
Antnio Jacinto, Mrio Pinto de Andrade, Humberto Sylvan, Viriato Cruz, entre outros, e estabeleceu as bases literrias da angolanidade. As eclticasEdies Imbondeiro, editadas e dirigidas por Garibaldino de Andrade e Leonel Cosme, entre os anos 19601965, resultaram da iniciativa culturalde escritores e artistas africanos que viviam em Lisboa, na Casa dos Estudantes do Imprio, e marcaram o aparecimento de um discurso nacionalna literatura de Angola.
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com o governo de Angola, cujos integrantes eram em sua maioria do MPLA, e
tem incio a guerra civil, que durou at 2002, com a morte de Jonas Savimbi, lder
da UNITA. Nesse ano, os comandantes das Foras Armadas de Angola e os guer-
rilheiros da UNITA assinaram um Acordo de Paz que prometia o fim da guerra e o
respeito aos termos de um Acordo anterior, firmado em 1994, mas abandonado
nos anos seguintes.
Aps a independncia de Angola, mesmo com as lutas internas no pas, a
literatura alcana repercusso internacional e surgem muitas obras relaciona-
das experincia da luta armada. Escritores como Mendes de Carvalho, Manuel
Pacavira, Manuel Rui, entre outros, trazem para a literatura textos produzidos,
inclusive, na priso em Tarrafal (Cabo Verde). Pepetela, que foi membro do MPLA
e tornou-se, aps a vitria do seu partido, vice-ministro da educao em Angola,
consagra-se na literatura com uma obra que tematiza a guerra pela independn-
cia, mas tambm se reporta histria e cultura ancestral de Angola.
Entre os grandes romancistas e poetas angolanos representativos desse pe-
rodo, destacam-se: Agostinho Neto, Luandino Vieira, Orlando Tvora (Antnio
Jacinto), Mrio Pinto de Andrade, Hlder Neto, Ernesto Lara Filho, Llia da Fon-
seca, Antnio Cardoso, Costa Andrade, Arnaldo Santos e Artur Carlos Maurcio
Pestana dos Santos (Pepetela).
O primeiro romance de Pepetela foi Muana Pu(1978), mas com Mayombe
(1980), escrito nos anos da guerra pela independncia, que chamou ateno da
crtica, exatamente no mesmo ano em que ganhava o Prmio Nacional Angola-no de Literatura.
Alm de Mayombe(1980) e Muana Pu(1978), escrito em 1969, Pepetela es-
creveu mais um romance durante a Guerra Colonial. Trata-se de As Aventuras de
Ngunga,escrito e publicado em 1973. Esse texto, porm, tinha, a princpio, uma
destinao no literria5.
Pepetela continuou publicando especialmente romances durante as dca-
das seguintes. Entre as suas principais obras, destacam-se: Yaka (1984), Lueji, o
Nascimento de um Imprio(1990)A Gerao da Utopia(1992), O Desejo de Kianda
(1995), Parbola do Cgado Velho(1996),A Gloriosa Famlia, o Tempo dos Flamen-
gos(1997),Jaime Bunda, o Agente Secreto(2001), Predadores(2005). Em 1997, foi
agraciado com o Prmio Cames, pelo conjunto de sua obra.
5As Aventuras de Ngunga, escrito por Pepetela em 1973, em plena guerra pela independncia, foi feito inicialmente para ser uma cartilha de for-
mao do guerrilheiro, sendo editado pelos rgos de cultura do MPLA. No entanto, ao finalizar o livro, Pepetela percebeu que o texto final haviaultrapassado o didatismo a que se propunha.
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O fato que escritores e poetas angolanos, vivendo o processo de descolo-
nizao, produziram e ainda produzem escritas que retomam as tradies cultu-
rais angolanas, as estrias africanas predominantemente grafas, valorizando o
processo de griotizao6na produo narrativa. atravs da literatura oral afri-
cana que ocorre a transmisso de conhecimentos de uma gerao para outra e
essa transmisso oral de estrias (oratura7) foi, durante muitos anos, considerada
de menor valor. A valorizao dessa literatura oral tem lugar ainda nas dcadas
de 1950/1960, antes da independncia, quando poetas angolanos tematizaram
em suas obras, entre outras coisas, as memrias ancestrais veiculadas pela lite-
ratura oral, pelos griots.
Outro importante escritor angolano Luandino Vieira, cuja produo literria
se torna conhecida a partir de 1957, com a revista Cultura. Nascido em Portu-
gal, Jos Mateus Vieira da Graa foi levado ainda criana para Angola com os
pais colonos. Morando nos bairros populares de Luanda, o jovem Jos Mateus
identificou-se tanto com o lugar que, ao iniciar-se na literatura, adotou o nome
Luandino Vieira a fim de homenagear a cidade em que viveu. O escritor, que
ficou 11 anos na priso por conta de suas atitudes anticolonialistas, escreveu
ainda no crcere o livro de contos Luuanda(1964) em que adota uma linguagem
africanizada para refletir o bilinguismo da capital de Angola, onde a populao
fala o portugus e o quimbundo.
Conquistada a independncia, a liberdade de expresso e os novos rumos
do pas encorajavam os escritores angolanos a buscar novas formas expressivas
para um contedo menos panfletrio. A produo literria amadurecia e cultiva-
vam-se novas formas de expresso.
Alm de Pepetela, que talvez seja o escritor angolano de maior visibilidade
fora de Angola, e Luandino Vieira, cuja obra tambm ultrapassou as fronteiras da
nao angolana, h outros nomes igualmente importantes na literatura angola-
na contempornea como Paula Tavares, Manuel Rui, Ruy Duarte de Carvalho, Bo-
aventura Cardoso, Joo Maimona, Adriano Botelho de Vasconcelos, Agostinho
Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu o nome quimbundo do autor), Jos Lus
Mendona, Joo Melo, Jos Eduardo Agualusa, entre outros.
As dcadas de 1980 e 1990 foram bastante produtivas para a fico angola-
na que enveredou pelo caminho da reformulao da histria a partir da fico.
6O griotera o contador tradicional de histrias africanas na frica. Alm da literatura oral (oratura), o griotdetinha as funes de poeta, cantor e
msico e, muitas vezes, exercia nos grupos sociais funes mgicas.
7Nessas culturas de predomnio oral, oratura compreende o emprego de provrbios, adivinhas, lendas e estrias transmitidas por meio de mtodos
mnemnicos que se utilizam de repeties ritmadas, a fim de perpetuar a memria coletiva atravs dos tempos e de geraes.
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Como produo literria nessa linha de reviso da histria, temos, por exem-
plo, Jos Eduardo Agualusa com A Conjura (1989), Henrique Abranches com
Misericrdia para o Reino do Kongo(1996) e Pepetela com A Gloriosa Famlia, o
Tempo dos Flamengos(1997).
Assim, a literatura ps-colonial vem se renovando em termos de contedo,
enveredando por caminhos imaginativos e reinventado novas formas de escritapela via do experimentalismo. Os novos escritores utilizam a lngua portuguesa,
mas continuam igualmente a expressar-se literariamente nas diversas lnguas
locais, especialmente quando enfatizam a oratura em suas obras.
Texto complementar
O fragmento abaixo, intitulado Invocao, o prembulo do romance Pa-
rbola do Cgado Velho, publicado, em 1996, pelo escritor angolano Artur
Carlos Maurcio Pestana dos Santos, mais conhecido pela alcunha de Pepe-
tela que quer dizer pestana, em umbundo, uma das muitas lnguas faladas
em Angola.
O texto Invocao naturalmente uma das lendas populares da gnese
do mundo e dos homens.
Invocao(PEPETELA, 1998, p. 9)
Suku-Nzambi criou aquele mundo. Aquele e outros, todos os mundos.
Suku-Nzambi, cansado, se ps a dormir. E os homens saram da Grande
Me Serpente, a que engole a prpria cauda.
Feti, o primeiro, no Centro foi gerado pela serpente de gua e da gua
saiu. Nambalisi