cumprimento e não cumprimento das obrigações - casos práticos
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CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES
ANO LECTIVO 2011/2012
TODAS AS TURMAS – PROF. JOÃO TIAGO ANTUNES
HIPÓTESES PRÁTICAS
I
Américo vendeu a Benedito, maior, um tractor com reboque pelo preço de 10.000 €.
Américo comprometeu-se a entregar o tractor e o reboque, mediante o pagamento
simultâneo do preço acordado, no dia 31 de Agosto de 2006.
Na data estipulada para o cumprimento do contrato, Américo entregou a Benedito
o tractor e disse-lhe que o reboque só poderia ser entregue daí a 15 dias. Estará
Benedito obrigado a aceitar o tractor sem o reboque?
De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1 CC), o cumprimento deve coincidir
ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. Resulta
como corolário deste princípio, o Princípio da Integralidade (art. 763º) segundo o qual o
devedor deve realizar a prestação integralmente e não por partes, não podendo o credor ser
obrigado a aceitar o cumprimento parcial. Pretendendo o devedor efectuar uma parte apenas da
prestação e recusando-se o credor a recebe-la não existe mora do credor (art. 813º - existe uma
causa legal justificativa), mas existe mora do devedor, a partir da data do vencimento da
prestação, relativamente a toda a prestação e não apenas quanto à parte que não cumpriu (art.
804º). Pode ainda existir excepção do não cumprimento do contrato, operando em relação a toda
a prestação a que está adstrito (art. 428º), na medida em que as obrigações emergentes são
sinalagmáticas.
Importa ainda salientar que o Princípio da Integralidade poderá apresentar excepções legais
(obrigações incorporadas em letras e cheques; regime da imputação do cumprimento;
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pluralidade de fiadores que gozem do benefício da divisão – art. 649º; compensação com dívida
de menor montante – art. 847º/2); resultantes da boa fé ou dos usos.
1) Se Benedito fosse interdito por anomalia psíquica, a quem é que
Américo estaria obrigado a entregar o tractor e o reboque?
Se o contrato de compra e venda também tivesse sido celebrado pelo interdito, o
contrato era anulável por incapacidade de exercício e assim mesmo que a coisa fosse
entregue ao representante legal, o cumprimento estava padecido de um vício, podendo-
se exigir a repetição do indevido.
Considerando que Benedito tinha capacidade para celebrar ou considerado que o
contrato foi celebrado pelo seu representante, este seria válido.
Nos termos do art. 769º do CC, a prestação deve ser realizada ao credor ou ao seu
representante. Uma vez que o credor, Benedito, era interdito por anomalia psíquica,
Américo encontrar-se-ia obrigado a entregar o tractor e o reboque ao representante legal
de Américo.
Nos termos do art. 764º, o cumprimento feito a um incapaz é em princípio um
cumprimento anulável e sujeito o devedor a um novo cumprimento, segundo a regra
clássica de que quem paga mal paga duas vezes. Contudo, esta regra admite duas
excepções previstas no nº2 do art. 764º. Uma é a de a prestação feita ao incapaz chegar
ao poder do seu representante; outra é a de o património do incapaz ter enriquecido com
a prestação. No primeiro caso, considera-se eficaz o cumprimento; no segundo caso
considera-se eficaz na medida do enriquecimento. Não há motivo, na verdade, nestes
casos, para a anulação total do cumprimento.
Em suma, Américo estaria obrigado a entregar o tractor e o reboque ao representante de
Benedito, podendo ainda assim entrega-los ao próprio Benedito correndo todavia o risco
que esse cumprimento seja anulado, excepto se se enquadrar numa das duas excepções
em cima enunciados.
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2) Suponha que Américo, em vez de entregar o tractor e o reboque a
Benedito, o fez ao pai deste, Carolino. No dia seguinte, Benedito
morreu num acidente de viação. Poder-se-á considerar que
Américo cumpriu o contrato celebrado com Benedito? E se
Benedito não tivesse morrido, a solução seria a mesma?
A prestação pode e deve ser feita ao credor ou ao seu sucessor, a título universal ou a
título particular nos termos do art. 769º, 138º e 764º/2. Caso Benedito fosse maior e
incapaz para receber a prestação, quem a deveria receber seria o seu pai na medida em
que seria o seu representante legal. No entanto não foi o que sucedeu, pois Américo era
maior e perfeitamente capaz pelo que em princípio a prestação feita a terceiro foi mal
feita.
Nos termos do art. 770º, a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação sendo
ineficaz perante o credor, podendo no entanto o autor da prestação exigir a sua
restituição com fundamento no enriquecimento por prestação. Há todavia casos em que
a prestação feita a terceiro extingue o vínculo obrigacional, liberando o devedor, como
se fosse feita ao próprio credor.
Aplicar-se-ia a al. c) do art. 770º à primeira parte do caso, na medida em que Carolino
adquiriu o crédito mortis causa. O cumprimento não deixou, em tal hipótese, de ser
mal feito, desde que a aquisição do crédito é posterior ao acto solutório. Contudo,
não seria razoável nem conveniente que se anulasse a prestação efectuada a
terceiro, forçando o devedor a cumprir de novo perante o antigo credor, para que
este, por seu turno, efectuasse nova prestação a quem dela foi privado.
Caso Benedito não tivesse falecido, o contrato só poderia considerar-se celebrado,
se tal tivesse sido estipulado ou consentido pelo credor (art. 770º al. a)); se o
credor o ratificasse (art. 770º al. b)), ou se o credor não tivesse interesse em um
novo cumprimento da obrigação, o que sucederia se ele viesse a aproveitar-se do
cumprimento (art. 770º al. d)).
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3) Imagine, agora, que, depois de ter concluído o contrato com
Benedito, Américo se lembrou que o tractor e o reboque lhe faziam
falta para as vindimas. Na data estipulada para o cumprimento do
contrato, Américo entregou a Benedito uma furgoneta, avaliada
em 12.500 €. Quid iuris?
De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1 CC), o cumprimento deve coincidir
ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. Como
consequência deste princípio resulta o facto de o obrigado não se poder desonerar, sem o
consentimento do credor, mediante prestação diversa da que é devida, ainda que a prestação
efectuada seja de valor equivalente ou até superior, excepto se o credor aceitar sendo que nesse
caso a situação já não é de cumprimento mas antes de dação em cumprimento.
A dação em cumprimento (art. 837º) sendo uma forma de extinção das obrigações
consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida com o fim de
mediante acordo do credor extinguir imediatamente a obrigação. É necessário um
acordo das partes uma vez que envolvendo a realização de uma prestação diferente da
devida ela só extinguirá o crédito se o credor der o seu assentimento (tácito ou expresso)
no momento em que a dação se realiza. Da dação em cumprimento consagrada no art.
847º distingue-se a dação em função do cumprimento. Esta, consagrada no art. 840º, tal
como a dação em cumprimento também necessita do assentimento do credor, mas difere
da mencionada na medida em que não consiste num meio de extinguir a obrigação, mas
sim de facilitar a sua extinção.
Deste modo, será sempre necessário interpretar a intenção do devedor, ou seja se
pretendeu extinguir imediatamente a obrigação ou se apenas pretendeu facilitar o seu
cumprimento.
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II
Diogo emprestou 5.000 € a Eduardo. O empréstimo foi garantido através da
constituição de uma hipoteca sobre um imóvel pertencente a Eduardo e seguro na
Seguradora Sinceridade, S.A.
1) Poderá Diogo pagar o prémio de seguro em atraso?
Em princípio é sobre o titular passivo da relação obrigatória que recai o dever de
prestar. A lei admite no art. 767º que a prestação possa ser feita pelo devedor (pode não
ser o devedor originário, tendo-se em vista o devedor à data do cumprimento) ou
representante legal, e ainda por terceiro, embora o credor se lhe possa opor quando a
prestação não seja fungível. Deste modo, embora o credor só possa exigir a prestação do
devedor, ela pode em princípio ser realizada por terceiro, sem que o credor a tal se possa
opor.
Nos termos do art. 767º/2, o terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a
prestação tiver caracter infungível (por natureza ou por convenção das partes), ou seja
quando se encontre directamente relacionada com a pessoa do devedor, por atender às
qualidades ou à situação especial deste, na medida em que substituição do devedor por
outrem prejudicaria o credor. Caso a prestação seja infungível, o credor não poderá ser
constrangido a receber de terceiro a prestação, podendo por conseguinte recusá-la e
exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor.
No presente caso, uma vez que estamos perante uma obrigação pecuniária que é
naturalmente fungível e ainda pelo facto de não haver convenção em contrario, Diogo,
embora terceiro, pode pagar o premio à seguradora.
Razão de ser: se um terceiro cumprir a obrigação todos em rigor ficam satisfeitos – o
credor vê o seu interesse realizado, não por intermédio do seu devedor mas por
intermédio de um terceiro; mas o próprio devedor também não fica prejudicado pois na
pior das hipóteses terá de pagar ao terceiro aquilo que devia ao credor.
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2) Caso Eduardo se oponha a que Diogo pague o prémio de seguro, pode a
Seguradora Sinceridade, S.A. recusar-se a receber o pagamento do
prémio?
No presente caso já se verificou que o terceiro tem legitimidade para cumprir a
prestação, pelo que à partida o credor não pode recusar a prestação por ele oferecida, e
se o fizer incorre em mora como resulta da conjugação do art. 768º/1 e art. 813º.
A lei (art. 768º/2) apenas admite a recusa por parte do credor se o devedor também se
opuser ao cumprimento, desde que o terceiro não tenha interesse directo na satisfação
do crédito, por ter garantido a obrigação ou por qualquer outra causa. A existência de
interesse directo corresponde às situações em que a não realização da prestação lhe
acarreta prejuízos patrimoniais próprios, independentes das consequências do
incumprimento para o devedor.
No presente caso, o credor (Seguradora) não pode recusar-se a receber a prestação,
independentemente da oposição do devedor (Eduardo), na medida em que existe uma
sub-rogação legal (art. 592º) em que o terceiro (Diogo) é directamente interessado na
satisfação do crédito, sendo titular de um direito real de garantia sobre a coisa objecto
da obrigação.
3) Se Diogo pagar o prémio de seguro, poderá exigir a Eduardo o valor
pago?
Nos termos do art. 593º/1 Diogo poderá existir a Eduardo o valor pago na medida em
que existe uma transmissão do crédito.
Caso não estivéssemos perante um caso de sub-rogação (art. 591º a 599º) coloca-se a
questão de saber que direitos teria o terceiro que cumpre e que não está sub-rogado.
Neste caso, tal dependeria da relação interna entre o terceiro e o devedor: poderia ter
actuado enquanto gestor de negócios (art. 464º a 472º); poderia ter actuado enquanto
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mandatário; poderia estar a efectuar uma liberalidade (doação); poderia existir lugar ao
enriquecimento sem causa, por exemplo.
III
Fernando e Guilherme venderam a Helena um carro por 5.000 €. No contrato
foi estipulado que Helena só teria de pagar o preço no dia 1 de Janeiro de 2011. O
pagamento da quantia em dívida foi garantido pessoalmente por Isabel. Fernando
teve conhecimento de que Helena se encontra insolvente. Poderá Fernando exigir
hoje de Helena o pagamento dos 5.000 €?
O momento em que a obrigação deve ser cumprida pode ser fixado por convenção das
partes ou por disposição legal. No presente caso é claro que os interessados estipularam
um prazo, a data em que a obrigação se vencia, ou seja o momento a partir do qual a
obrigação podia ser exigida.
As obrigações podem ser classificadas, tendo em conta o tempo do seu vencimento, em
dois grupos: obrigações puras (aquelas cujo cumprimento pode ser exigido ou realizado
a todo o tempo) e obrigações a prazo ou a termo (aquelas cujo cumprimento não pode
ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou chegada certa
data; o prazo marca a data antes da qual o credor não pode exigir a prestação, se o
devedor ainda não a tiver efectuada ou não pode ser forçado a recebe-la).
O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não
se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente. Uma vez que nada
nos é dito na hipótese presume-se que o prazo foi estabelecido a favor do devedor, ou
seja enquanto o prazo não findar a dívida é pagável mas não é exigível pelo credor.
No presente caso, a fixação do prazo não envolve a necessária caducidade do negócio
mas apenas a faculdade de o credor, vencido o prazo sem que a obrigação seja cumprida
resolver o negócio ou exigir uma indemnização pelo dano moratório, pelo que estamos
perante um negócio fixo relativo ou simples, e não perante um negócio fixo absoluto.
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Existem contudo situações que determinam o vencimento imediato da obrigação, por
caducidade do prazo estabelecido, apesar de a obrigação ser a prazo e de este ser
estabelecido em benefício exclusivo ou conjunto do devedor. Nestes casos, o credor
pode exigir o pagamento antes do fim do prazo existindo uma antecipação da
exigibilidade nos termos do art. 780º.
Uma das situações que importa a perda do benefício do prazo nos termos do art. 780º é
a insolvência. A Insolvência consiste na situação em que se encontra o devedor, que por
carência de meios próprios e por falta de credito, se mostre impossibilitado de cumprir
pontualmente as suas obrigações vencidas, quando o activo seja manifestamente
superior ao passivo. Logo que tal se verifique, a obrigação a prazo torna-se
imediatamente exigível a medida em que se deixa de justificar a confiança do credor
que está na base da concessão do prazo, não sendo necessária para o efeito a declaração
judicial previa da insolvência do devedor. Após a sentença de declaração de insolvência
não ocorre apenas a perda do benefício do prazo, verificando-se antes o vencimento
antecipado de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição
suspensiva, independentemente da interpelação. Actualmente, a lei exige a verificação
de uma efectiva situação de insolvência não bastando o justo receio da mesma, na
medida em que a lei considera que essa solução permitiria uma reacção excessiva dos
credores capaz de levar efectivamente o devedor à insolvência.
De acordo com o exposto, o credor (Fernando) poderia exigir hoje ao devedor (Helena)
o pagamento da quantia.
Nos termos do art. 782º, a perda do benefício do prazo não afecta a terceiros que tenham
garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação, sendo que como a lei não
distingue entre garantias pessoais (fiador) e reais (hipoteca, penhor ou consignação de
rendimentos) aplica-se a disposição a ambos. Em qualquer caso, só ao devedor que deu
causa ao vencimento imediato da obrigação pode ser exigido o cumprimento (total ou
parcial) antes de terminar o prazo.
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IV
Em Maio de 2005, António, residente no Porto, vendeu a Bernardo,
residente em Coimbra, uma mota de água, que se encontrava depositada num
armazém, propriedade de Carlos, em Sines. O contrato foi formalizado em Leiria,
tendo as partes acordado (i) que o preço de 20.000 € seria pago em quatro
prestações mensais de igual valor, que se venceriam no primeiro dia útil de cada
mês e, bem assim, (ii) que a 1.ª prestação seria paga no dia 1 de Junho de 2005,
data em que o bem seria entregue.
Mais tarde, em Agosto de 2005, Bernardo vendeu a António, por escritura
pública lavrada num Cartório Notarial da cidade de Coimbra, um imóvel de que
aquele era proprietário nessa cidade, pelo preço de 200.000 €, tendo ficando
António devedor de metade do preço. Daniel, amigo de António, constituiu uma
hipoteca sobre um andar de que era dono para garantir a dívida de António.
Pergunta-se:
1) Em 1 de Junho de 2005, Bernardo quer pagar 5.000 €. Qual o local
apropriado para o fazer? Onde deve, por seu turno, António entregar a
mota de água?
Conforme resulta do art. 772º/1, e em obediência ao Princípio da Pontualidade, a
determinação do lugar do cumprimento cabe em princípio as partes, resultando assim de
convenção entre elas, a qual pode ser inclusivamente tácita (art. 217º), derivando da
própria natureza das prestações.
Não havendo convenção das partes a estabelecer o lugar do cumprimento a regra geral é
que ele deve ser realizado no domicílio do devedor, na medida em que se está perante
uma obrigação de colocação (art. 772º/1), sendo esta todavia uma regra meramente
supletiva.
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Se a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa móvel (mota de água), nos
termos do art. 773º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a
coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio (armazém em Sines de Carlos).
Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro (preço da mota de água), nos
termos do art. 774º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no domicílio que o
credor tiver ao tempo do cumprimento. Estando face a uma obrigação de entrega, tal
deriva da facilidade que actualmente o devedor possui de proceder à transferência de
quantias em dinheiro e de a solução oposta poder ser particularmente onerosa para o
credor que seria obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio do devedor.
Porém estas regras cedem em certos casos particulares, como por exemplo o previsto no
art. 885º que estabelece que o lugar do cumprimento da obrigação de pagar o preço da
venda é o mesmo da obrigação de entrega da coisa vendida, só se aplicando a regra
geral do art. 774º se o prazo do cumprimento das duas obrigações não for coincidente.
Para se invocar a excepção de não cumprimento constante no art. 885º, a obrigação de
pagar o preço no momento e no lugar da entrega da coisa constitui um nítido
afloramento do caracter sinalagmático do contrato no momento da execução da venda –
sinalagma funcional – podendo o devedor recusar a entrega da coisa enquanto o preço
não lhe for pago.
Nos termos do art. 885º/2, a 2º prestação devera ser realizada no domicílio que o credor
tiver ao tempo do cumprimento, na medida em que a cláusula de pagamento em
momento diferente da entrega funciona em regra no interesse do comprador sendo justo
por isso o benefício que em contrapartida se estabelece a favor do vendedor.
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2) Em 1 de Junho, Bernardo cumpriu, contra a entrega do bem, a sua
obrigação de pagamento. Porém, em 1 de Julho, invocando “passar por
sérias dificuldades financeiras resultantes de um despedimento de que tinha
sido vítima”, Bernardo falha o pagamento da 2ª prestação. Quid iuris?
De acordo com o Princípio da Pontualidade (art. 406º/1), o cumprimento deve coincidir
ponto por ponto em toda a linha com a prestação a que o devedor se encontra adstrito. O
devedor não goza do chamado beneficium competentiae, ou seja não pode exigir a
redução da prestação estipulada com fundamento da precária situação económica em
que o cumprimento o deixaria. A regra constante do art. 601º e 604º é ade que mesmo
em caso de insuficiência o património do devedor continua a responder integralmente
pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo de penhora certos bens que se destinem à
satisfação de necessidades imprescindíveis (art. 822º e 824º-A CPC), existindo como
excepção a obrigação de alimentos (art. 2004º e 2012º) e a indemnização em renda (art.
567º).
Uma vez que não existe uma alteração anormal das circunstâncias, ou seja uma vez que
a situação invocada encontra-se prevista nos riscos próprios da contratação não se
poderia invocar o regime do art. 437º.
Nos termos do art. 781º encontram-se abrangidas as situações de venda a prestações,
sendo que nas dívidas a prestações caso o devedor falte ao pagamento de uma das
prestações admite-se a perda do benefício do prazo. O presente artigo só se aplica às
prestações instantâneas fraccionadas em que o objecto se encontra fixado desde a
constituição da dívida, não se aplicando deste modo às prestações periódicas.
Afim de saber o momento em que existe mora em relação as prestações é necessário
apurar se a referida norma consagra uma situação de antecipação da exigibilidade ou de
antecipação do vencimento.
Em relação à segunda prestação não existe dúvidas que no momento em que vence a
prestação existe mora, colocando-se a questão em relação às restantes prestações.
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No entendimento do Prof. Antunes Varela, à semelhança do que sucede no art. 780º, o
art. 781º constitui uma situação de antecipação da exigibilidade na medida em que o
vencimento imediato das prestações cujo o prazo ainda não se vencera constitui um
benefício que a lei concede ao credor, não prescindido consequentemente da
interpelação do devedor, sendo que esta constitui uma manifestação da vontade do
credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. Importa ainda referir que caso
estivéssemos perante uma situação de antecipação do vencimento tal poderia conduzir a
uma insolvência do credor. Deste modo, só existirá mora a partir do momento em que o
credor exige e o devedor não paga.
No entendimento do Prof. Almeida Costa, a norma do art. 781º refere-se a uma
situação de antecipação do vencimento, sendo que existirá mora no próprio dia em que
se vence a segunda prestação (art. 805º/2 e art. 806º). Na medida em que é a própria
letra da lei que se refere a vencimento, o Prof. João Tiago Antunes entende que neste
caso dever-se-á seguir a solução de antecipação do vencimento.
Com o não cumprimento da segunda prestação do preço, o credor passou a ser credor de
uma segunda prestação em falta com juros de mora, e na medida em que se venceram as
restantes prestação (antecipação do vencimento) terá o direito aos juros de mora das
prestações restantes. O art. 886º não se poderá aplicar neste caso uma vez que a referida
norma implica a reunião de dois requisitos cumulativos para não se poder resolver o
contrato – (1) Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela; (2) feita a sua
entrega – traditio – e no presente caso uma vez que tais requisitos se encontram
verificados não é possível a resolução.
Estando perante uma venda a prestação é ainda necessário ter em consideração a norma
do art. 934º que exige a verificação de cinco requisitos cumulativos que impedem a
resolução do contrato ou a perda do benefício do prazo: (1) vendida a coisa a prestação;
(2) reserva de propriedade (irrelevante para a questão da perda do benefício do prazo);
(3) feita a sua entrega ao comprador; (4) falta de pagamento de uma só prestação; (5)
que não exceda a oitava parte do preço. No presente caso, sendo a prestação em falta no
valor de 5mil€ excedendo, deste modo, 1/8 do preço, António poderia resolver o
contrato ou ocorrer a perda do benefício do prazo por parte de Bernardo.
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3) Suponha, agora, que Bernardo efectua o pagamento da 2ª, 3ª e 4ª prestações
do preço a Carlos, convencido de que este adquirira o referido crédito a
António por contrato de cessão de créditos que, afinal, não chegou nunca a
ser celebrado. Considera estes pagamentos válidos? Justifique.
Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de
crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o
credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.
Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes
requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou
de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa
transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à
pessoa do devedor.
No ordenamento jurídico português, o cumprimento efectuado ao credor aparente não se
considera eficaz, salvo em certos casos excepcionais em que por atenção à boa fé do
devedor a lei reconhece como tal. Uma primeira situação consiste na prestação
efectuada pelo devedor ao cedente, antes de aquele ter conhecimento da cessão (art.
583º/1 e 2); uma segunda situação consiste na realização da prestação ao antigo credor,
por erro, depois de o fiador haver cumprido a obrigação mas não ter avisado o devedor
(art. 645º/1). Nos restantes casos, a prestação efectuada a terceiro (leia-se credor
aparente) não goza de eficácia liberatória, sendo que o devedor pode repetir a prestação
(art. 476º/2), ou seja terá de efectuar uma nova prestação perante o credor.
Em suma, uma vez que não existe uma cessão de créditos e não se enquadrando a
hipótese em nenhuma das excepções referidas, os pagamentos realizados por Bernardo a
Carlos não se consideram válidos pelo que poderá ter de efectuar uma nova prestação
face a António.
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4) Admita, ainda, que a dívida referenciada no segundo parágrafo do texto se
vencia em 30 de Outubro de 2005, e que nessa mesma data António (que
deveria proceder ao pagamento do remanescente do preço) pede a dita
soma emprestada a Bernardo, que aceita tal pedido, tendo ambos declarado
que consideravam extinta a dívida primitiva e que António passaria a dever
a mesma quantia, não já na qualidade de comprador, mas na de mutuário.
Suponha, também, que as partes acordaram que a soma mutuada deveria
ser restituída, de uma só vez, a 31 de Novembro de 2005, tendo António
falhado esse prazo. Face a esta situação, Bernardo reage intentando uma
acção com vista a promover a execução judicial da hipoteca, ao que Daniel
responde alegando, em síntese, que se extinguiu, em 30 de Outubro de 2005,
a obrigação que garantira com a hipoteca do seu imóvel. Quem tem razão?
(extraído do exame final de CNCO de 30 de Janeiro de 2006)
Na presente hipótese coloca-se a questão de saber se ocorreu uma novação ou uma
modificação da causa.
A novação, sendo uma forma de extinção das obrigações, consiste na convenção pela
qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação.
A novação pode ser subjectiva (art. 858º), envolvendo a vinculação do devedor perante
um novo credor ou traduzindo-se na substituição do obrigado exonerado pelo credor por
um novo devedor extinguindo a obrigação anterior, ou pode ser objectiva (art. 857º),
podendo existir uma substituição do objecto como uma simples mudança da causa ou da
fonte da mesma prestação, ocorrendo sempre que a nova obrigação se constitui entre o
mesmo credor e o devedor da obrigação antiga.
No presente caso a fim de descobrir se estamos perante uma novação objectiva teremos
de interpretar a vontade das partes declarada, sendo necessária a existência de uma
declaração expressa com a intenção de constituir uma nova obrigação que vá extinguir a
antiga, não existindo relevância jurídica da declaração tácita. A referida necessidade da
existência de declaração expressa encontra-se consagrada no art. 859º, sendo que a
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declaração expressa aqui referida deve ser interpretada como a declaração que visa
extinguir a obrigação primitiva e não como a declaração relativa à contracção de nova
obrigação. Deste modo terá sempre de existir a intenção das partes em extinguir a
obrigação anterior criando uma nova em sua substituição.
No presente caso diz-se ‘’expressamente’’ que ambas as partes declaram extinta a
obrigação anterior, pelo que estaremos perante uma novação objectiva.
Deste modo, da existência da novação objectiva resulta a consequência de eliminação
das garantias e acessórios pelo que Daniel teria razão.
Caso estivéssemos perante uma modificação do conteúdo da obrigação as garantias
mantinham-se.
Para finalizar cabe referir que o Prof. Vaz Serra defendia que, uma vez que é de
imensa dificuldade interpretar a vontade das partes, seria lícito presumir que existia a
intenção de novar quando a relação obrigação se apresentasse economicamente
diferente como uma relação por completo diferente da que existia.
V
Em 10 de Janeiro de 2006, António celebrou com Bento um contrato de compra
e venda de um iate pertencente a este último, sujeito às condições seguintes:
(i) O preço era de 200.000 €, a pagar em 10 prestações mensais e
iguais, vencendo-se a primeira no dia 1 de Fevereiro de 2006,
contra a entrega do iate, e as seguintes no primeiro dia de
cada um dos meses subsequentes;
(ii) Para assegurar o cumprimento, António constituiu uma
hipoteca a favor de Bento, sobre uma vivenda que possuía no
Algarve e que estava avaliada em 250.000 €.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 16
Pergunta-se:
1) Se as partes nada tiverem estipulado a esse respeito, onde deverá
ser entregue o iate? E onde devem ser pagas as prestações do
preço?
Conforme resulta do art. 772º/1, e em obediência ao Princípio da Pontualidade, a
determinação do lugar do cumprimento cabe em princípio as partes, resultando assim de
convenção entre elas, a qual pode ser inclusivamente tácita (art. 217º), derivando da
própria natureza das prestações.
Não havendo convenção das partes a estabelecer o lugar do cumprimento a regra geral é
que ele deve ser realizado no domicílio do devedor, na medida em que se está perante
uma obrigação de colocação (art. 772º/1), sendo esta todavia uma regra meramente
supletiva.
Se a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa móvel (iate), nos termos do art.
773º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se
encontrava ao tempo da conclusão do negócio.
Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro (preço do iate), nos termos do
art. 774º a regra é a de que a obrigação deve ser cumprida no domicílio que o credor
tiver ao tempo do cumprimento. Estando face a uma obrigação de entrega, tal deriva da
facilidade que actualmente o devedor possui de proceder à transferência de quantias em
dinheiro e de a solução oposta poder ser particularmente onerosa para o credor que seria
obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio do devedor.
Porém estas regras cedem em certos casos particulares, como por exemplo o previsto no
art. 885º que estabelece que o lugar do cumprimento da obrigação de pagar o preço da
venda é o mesmo da obrigação de entrega da coisa vendida, só se aplicando a regra
geral do art. 774º se o prazo do cumprimento das duas obrigações não for coincidente.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 17
Para se invocar a excepção de não cumprimento constante no art. 885º, a obrigação de
pagar o preço no momento e no lugar da entrega da coisa constitui um nítido
afloramento do caracter sinalagmático do contrato no momento da execução da venda –
sinalagma funcional – podendo o devedor recusar a entrega da coisa enquanto o preço
não lhe for pago.
Nos termos do art. 885º/2 e do art. 774º, a 2º prestação devera ser realizada no domicílio
que o credor tiver ao tempo do cumprimento, na medida em que a cláusula de
pagamento em momento diferente da entrega funciona em regra no interesse do
comprador sendo justo por isso o benefício que em contrapartida se estabelece a favor
do vendedor.
2) Caso Bento fosse menor e o contrato tivesse sido celebrado pelo
seu representante legal, seria válida a entrega do barco feita por
Bento, na data aprazada?
Nos termos do art. 764º/1, a lei ao exigir a capacidade do devedor para cumprir a
obrigação, supõe que a prestação tenha por conteúdo um acto de disposição. Entende-se
por acto de disposição aquele que incidindo directamente sobre um direito existente, se
destina a transmiti-lo, revoga-lo ou alterar de qualquer modo o seu conteúdo. Tratando-
se de um mero facto material, como a prestação de um serviço ou na omissão não é
exigível a capacidade do adimplens.
Tendo sido validamente celebrado o negócio jurídico, a prestação poderá normalmente
ser realizada pelo devedor incapaz, na medida em que se está perante um acto material
uma vez que a transferência da propriedade ocorreu no momento da celebração do
contrato por força do art. 408º/1.
Em suma, uma vez que estamos face a um acto material não existe qualquer problema
de a entrega do iate ser realizada pelo menor em cumprimento de uma obrigação
emergente de um contrato de compra e venda.
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3) Se, após terem sido pagas as duas primeiras prestações do preço,
António causar inadvertidamente um incêndio na vivenda que
hipotecou, provocando uma diminuição do seu valor em 30.000 €
poderá Bento fazer alguma coisa? E se o incêndio tiver sido
intencionalmente causado por Cardoso, conhecido piromaníaco
que fugira do hospital psiquiátrico onde se encontrava internado?
O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não
se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente. Uma vez que nada
nos é dito na hipótese presume-se que o prazo foi estabelecido a favor do devedor, ou
seja enquanto o prazo não findar a dívida é pagável mas não é exigível pelo credor. O
fundamento subjacente ao regime da referida norma assenta na ideia de confiança do
credor no devedor, sendo que tal desaparece a partir do momento em que o devedor
pratica um acto que diminui as garantias desaparecendo a confiança que o credor
depositou no devedor, ainda que as garantias diminuídas continuem ainda a ser
suficientes.
Existem contudo situações que determinam o vencimento imediato da obrigação, por
caducidade do prazo estabelecido, apesar de a obrigação ser a prazo e de este ser
estabelecido em benefício exclusivo ou conjunto do devedor. Nestes casos, o credor
pode exigir o pagamento antes do fim do prazo existindo uma antecipação da
exigibilidade nos termos do art. 780º.
Uma das situações que importa a perda do benefício do prazo nos termos do art. 780º é
a da diminuição das garantias do crédito por causa imputável ao devedor, ainda que a
garantia não se tenha tornado insuficiente.
Deste modo, de acordo com a antecipação da exigibilidade, Bento poderá pedir as
restantes prestações, sendo que se estas não forem pagas existirão juros de mora.
Nos termos do art. 780º/2, Bento poderá, em lugar do cumprimento imediato da
obrigação, pedir a substituição ou o reforço das garantias na medida em que estas
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 19
sofreram uma diminuição. Esta norma refere-se a uma situação de diminuição da
garantia prestada, não se exigindo a insuficiência desta.
Caso a diminuição das garantias ocorra devido a Carlos, piromaníaco que havia fugido
do hospital psiquiátrico onde se encontrava internado, não ocorria a perda do benefício
do prazo por parte de António na medida em que este não praticou nenhum acto que
importe a mesma, não de podendo deste modo aplicar o regime do art. 780º.
O art. 701º estabelece um regime especial de perda do benefício do prazo, exigindo que
a diminuição das garantias deva ser de tal forma grave que ameace o cumprimento da
obrigação, e se tal efectivamente acontecer o credor poderá exigir o reforço das
garantias (ao contrário do que sucede no art. 780º em que para além do reforço das
garantias é possível exigir o cumprimento imediato da obrigação).
No presente caso, não seria possível aplicar o art. 701º na medida em que a diminuição
das garantias foi no montante de 3mil€, não se tornando estas insuficientes. Por sua vez,
o art. 692º só se aplica aos casos em que a coisa hipotecada seja destruída, havendo uma
diminuição do seu valor e o proprietário tenha sido indemnizado. Nestes casos, o credor
continua a ter preferência sobre todos os credores.
Nos termos do art. 489º e 491º que consagram o regime da responsabilidade civil por
factos ilícitos, o princípio geral é o de que existe obrigação de indemnizar no caso de os
incapazes causarem prejuízos a terceiros. Neste caso, quem iria suportar os danos seria
o Hospital, presumindo-se que incumpriu o seu dever de vigilância, a menos que nos
termos do art. 489º por algum motivo o Hospital não garantisse o pagamento da
obrigação, sendo o incapaz a suportar o valor da indemnização.
Deste modo abrangendo o direito do credor hipotecário a indemnização devida por
terceiro (a qual ocupa a sub-rogação o lugar da coisa hipoteca) deve entender-se que ao
credor é legítimo agir directamente contra o devedor da indemnização. O credor ira
manter a garantia e não há perda do benefício do prazo – há a manutenção da garantia
através de sub-rogação legal.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 20
4) Imagine agora que Bento reservou a propriedade do iate até ao
pagamento integral do preço e que, após ter liquidado as
primeiras oito prestações, António falha o pagamento da nona
(vencida em 1 de Outubro de 2006). Em consequência disso, Bento
enviou a António uma carta a resolver o contrato, exigindo a
imediata restituição do iate. Quid iuris?
A nossa lei estabelece um regime segundo o qual a transferência da propriedade se dá
no momento da celebração do contrato nos termos do art. 408º/1. Deste modo, os
contratos que implicam a constituição ou a transmissão de direitos reais sobre certas e
determinadas produzem em regra por si mesmo essa consequência, sem necessidade de
qualquer acto posterior.
Todavia a nossa lei não consagra em termos absolutos o Princípio da Transferência de
domínio por força do contrato, estabelecendo-o como simples regra supletiva e desde
logo estabelece o nº2 do mesmo artigo algumas excepções a este regime. É ainda lícito
às partes afastar este regime supletivo através de uma cláusula de reserva de
propriedade prevista no art. 409º. Esta cláusula permite que os interessados estipulem
que a transferência da propriedade se opera apenas com o cumprimento total ou parcial
das obrigações do adquirente, com a entrega efectiva da coisa ou com a verificação de
qualquer outro evento. Tal cláusula visa salvaguardar o direito de propriedade, tendo
função de garantia.
No presente caso, estamos face a uma compra e venda a prestação de um bem móvel
não sujeito a registo, compra e venda esta que foi registada com uma cláusula de reserva
de propriedade pelo que à partida se o comprador não pagar o preço o vendedor pode
resolver o contrato, caso haja incumprimento definitivo nos termos do art. 801º. Para
além deste direito o credor tem ainda direito a exigir judicialmente o pagamento do
preço nos termos do art. 817º, os juros de mora nos termos do art. 804º e 806º e a exigir
automaticamente o pagamento antecipado das restantes prestações nos termos do art.
781º. Contudo, é necessário chamar à colação um outro artigo que se relaciona com o
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 21
art. 408º/1 e o art. 801º/1: o art. 886º. Este artigo apresenta-se como norma excepcional
ao regime do art. 408º/1 uma vez que havendo transferência da propriedade e a entrega
da coisa, o credor perde o direito à resolução, pelo que o vendedor não poderia resolver
este contrato. Porém temos de ter em conta que existe uma cláusula de reserva de
propriedade, pelo que embora tenha havido entrega da coisa não houve transmissão da
propriedade e sendo estes dois requisitos cumulativos, não se verificando um deles, não
impede portanto a resolução do contrato. Assim ao se aplicar o art. 409º aplica-se o art.
801º e não o art. 886º.
Todavia, uma vez que estamos face a uma compra e venda a prestações é necessário
considerar o art. 934º que estabelece que não pode ocorrer a resolução do contrato
quando: (1) venda a prestações; (2) com reserva de propriedade; (3) feita a entrega ao
comprador; (4) falte ao pagamento de uma só prestações; (5) prestação essa que não
exceda a oitava parte do preço.
Ora no caso em apreço estão preenchidos todos os requisitos cumulativos pelo que o
vendedor se vê assim impedido de resolver o contrato, podendo apenas: (1) exigir
judicialmente o pagamento do preço da prestação em falta nos termos do art. 817º; (2)
exigir os juros de mora nos termos do art. 804º e 806º; (3) poderia exigir o pagamento
antecipado das restantes prestações como prevê o art. 781º, porem o art. 934º impede
este artigo de funcionar uma vez que não importa a perda do benefício do prazo.
5) Dada a recusa de Bento em receber as prestações de Outubro e
Novembro, António depositou-as num banco, em conta à ordem
daquele. Terá ficado liberado da dívida?
(extraído do exame final de Direito das Obrigações de 29 de Junho de 2000)
Nos termos do art. 841º/1, a consignação em depósito, sendo uma causa de extinção das
obrigações, consiste na possibilidade reconhecida ao devedor nas obrigações de
prestação de coisa de extinguir a obrigação através do depósito judicial de coisa devida
(é um processo judicial), sempre que não possa realizar a prestação com segurança por
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 22
qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor ou quando o credor se encontra em
mora (art. 813º).
A lei não considera justo que nestes casos o devedor fique indefinidamente vinculado ao
cumprimento, apenas em virtude de o credor não prestar a colaboração necessária para
esse cumprimento, pelo que confere ao devedor um meio de produzir a extinção da
obrigação sem colaboração com o credor.
Nos termos do art. 841º/2 Trata-se de uma faculdade do devedor que o devedor não é
obrigado de exercer pelo que é lícita a actuação do devedor não realizar a prestação nas
hipóteses referidas no art. 841º.
Na presente hipótese teremos de apurar se existe efectivamente consignação em
depósito e isso depende da verificação dos pressupostos a que esta se encontra adstrita:
(1) terá de existir mora do credor nos termos do art. 813º o que efectivamente se
encontra verificado; (2) sendo a consignação um processo judicial este tem de ser feito
nos precisos termos correntes da lei; (3) a consignação tem de ser realizada na Caixa
Geral de Depósitos, na medida em que esta é o Banco do Estado.
No presente caso o devedor entregou as prestações em causa a ‘’um banco’’ pelo que se
coloca a questão de saber se ficou ou não liberado. Para ter ficado liberado tal depende
da aceitação ou não da consignação pelo credor, não obstante todas as consequências
jurídicas que ocorrem da mora do credor (o risco corre por conta do credor). Além de
tal, o banco referido na hipótese teria de ser a Caixa Geral de Depósitos pela razão já
referida anteriormente.
VI
Amílcar deve a Benedita 1.000 €, vencendo-se a obrigação de pagamento em
31 de Outubro de 2002.
Considere as seguintes hipóteses:
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1) Em Junho de 2002, Amílcar apresenta-se junto de Benedita propondo-lhe a
cessão de um crédito que tem sobre Cardoso, com vista à total extinção do
seu débito. Benedita aceita o negócio proposto. Poucos dias depois, Benedita
informa Amílcar de que a sua dívida para consigo se mantém, uma vez que,
ao tentar cobrar o crédito a Cardoso, este invocara, justificadamente, a
prescrição. Amílcar sustenta, porém, que nada deve a Benedita. Quid iuris?
Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de
crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o
credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.
Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes
requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou
de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa
transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à
pessoa do devedor.
Na presente hipótese será necessário interpretar a vontade das partes para saber se
estamos perante uma dação em cumprimento ou uma dação em função do cumprimento.
O art. 840º/2 estabelece a presunção que quando existe uma cessão de créditos esta é
feita com o intuito de facilitar o seu cumprimento, pelo que a exoneração do cedente só
se verifica quando o cessionário obtenha a cobrança do crédito devido, ou seja existe a
presunção de que quando estamos perante um caso de cessão de créditos esta é realizada
pró solvendo. Contudo, esta presunção pode ser ilidida nos termos do art. 350º/2,
podendo ser demonstrado que as partes quiserem com a cessão de créditos extinguir
imediatamente a obrigação, pelo que nesse caso estaríamos perante uma dação em
cumprimento nos termos do art. 837º.
O crédito a que o cessionário fica investido é o mesmo que pertencia ao cedente, pelo
que as vicissitudes da relação creditória, que podem enfraquecer ou destruir o crédito
(as excepções oponíveis ao cedente) são transmitidas ao cessionário. Não pode em
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 24
princípio o devedor ser colocado perante o cessionário numa situação inferior àquela em
que se encontrava diante o cedente.
Nos termos do art. 837º, a Dação em Cumprimento, sendo uma forma de extinção da
obrigação, consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim
de mediante acordo do credor extinguir imediatamente a obrigação. É necessário um
acordo das partes uma vez envolvendo a realização de uma prestação diferente da
devida, ela só extinguirá o crédito se o credor der o seu assentimento (no momento em
que a dação se realiza).
Por sua vez, a dação em função do cumprimento, tal como a dação em cumprimento,
também necessita do assentimento do credor, mas difere-se da referida na medida em
que não consiste num meio de extinguir a obrigação, mas sim de facilitar a sua extinção,
sendo que a dívida se mantém ate o credor conseguir com o bem extinguir a obrigação.
Como no caso não nos são fornecidos elementos para podermos interpretar a vontade
das partes é necessário abrir as duas hipóteses.
No caso de estarmos perante uma dação pro solvendo, na medida em que se presume
que a cessão de créditos é feita pro solvendo (art. 840º/2), como a obrigação não foi
extinta, pelo art. 585º e art. 578º Cardoso pode opor a Benedita o meio de defesa da
prescrição pelo que a obrigação não é cumprida, mantendo-se válida a obrigação
primitiva: Amílcar não extinguiu a sua dívida para com Benedita, continuando a dever-
lhe 1 000€.
No caso de estarmos perante uma dação em cumprimento, admitindo que se fez prova
em contrário da presunção do art. 840º/2, com a cessão de créditos extinguiu-se por
completo a obrigação. Neste caso é necessário ainda referir que o art. 587º estabelece
que quem cede o crédito tem de garantir a existência e a exigibilidade (qualidade do
crédito que pode ser exigido judicialmente) deste: estando o crédito prescrito este não é
exigível.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 25
Deste modo, o credor (Amílcar) violou esta obrigação nos termos do art. 587º. Na
medida em que a cessão de créditos aqui presente é onerosa aplicam-se as regras
relativas ao contrato de compra e venda, pelo que nos termos do art. 838º o credor tem
de possuir a garantia da coisa ou do direito transmitido, sendo que neste caso de acordo
com o regime do contrato de compra e venda tem o direito a ser indemnizado dos
prejuízos resultantes da dação em cumprimento irregular, podendo optar pela prestação
primitiva e reparação dos danos sofridos (1 000€ acrescidos dos juros e mora).
2) Imagine que o crédito não tinha prescrito, mas que Cardoso era pai de
Benedita. Se Cardoso morrer, pode Amílcar considerar que a sua dívida
para com Benedita se extinguiu nesse momento?
O caso sub Júdice remete-nos para a matéria da cessão de créditos e da confusão.
Como já foi demonstrado na hipótese anterior, quando estamos perante uma cessão de
créditos esta pode ser uma dação em cumprimento ou uma dação em função do
cumprimento, resultante esta da presunção que consta do art. 840º/2.
Contudo, o presente caso levanta também a possibilidade de podermos estar perante a
confusão.
A confusão (art. 863º) consiste na extinção simultânea do crédito e da dívida em
consequência da reunião, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor.
Para podermos estar perante este instituto é necessário que se encontrem
observados alguns requisitos: (1) reunião na mesma pessoa das qualidades de
credor e devedor, o que efectivamente sucede; (2) inexistência de prejuízo para os
direitos de terceiro (art. 871º/1): a confusão justifica-se por não existir
necessidade jurídica de manter a obrigação, como instrumento de colaboração
inter-subjectiva, a partir do momento em que se verifica a reunião das posições do
credor e do devedor na mesma pessoa; (3) não pertença do credito e da divida a
patrimónios separados: no caso de o credito e a divida pertencerem a patrimónios
separados determina o art. 872º a não verificação da confusão. A consequência que
decorre deste último requisito assenta na impossibilidade de verificação da
confusão uma vez que esta a ocorrer poria em causa essa mesma separação ao
fazer desaparecer os valores activos de um património em benefício da extinção de
responsabilidade de outro património. Se a confusão se verificar em consequência
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 26
de o devedor adquirir o credito por herança, continua ele a responder pela sua
obrigação até à liquidação e partilha (art. 2074º/1 + 2070 – pelo menos durante
5anos-mesmo que uma pessoa seja o único herdeiro para assegurar a realização
das preferências – findo os 5anos pode acontecer que ainda seja a herança não
tiver sido partilhada), altura em que se extingue a separação de patrimónios (ate à
liquidação integral – herança jacente – pressupõe que existem vários herdeiros).
Ora, no presente caso, este último requisito (não pertença do crédito e da dívida a
patrimónios separados) não se encontra verificado uma vez que a herança é um
património autónomo que não se confunde com o património pessoal do herdeiro.
Poderíamos ainda levar a questão da herança deficitária: só se pode dizer que uma
determinada dívida se extingue quando se entende que Benedita (credor e devedor
simultâneo) tem interesse em considerar a sua dívida paga através da cessão de
créditos. Sendo a herança deficitária Benedita como herdeira do seu pai iria pagar
alguma coisa – e assim sendo em rigor o credito dele não iria ser pago. Deste modo
a divida Amílcar e Benedita não se extingue, na medida em que o devedor nunca
iria pagar nada a Amílcar (herança enquanto património autónomo só responde
pelas suas dividas e só ele responde por elas) logo ela tem todo o interesse em
cobrar o que Amílcar deve a Benedita. Uma vez que com a confusão a dívida não se
extingue, pode acontecer conjugar-se as regras da confusão com a da dação pro
solvendo (presunção do art. 840º/2 no âmbito da cessão de créditos).
Em suma, não existindo confusão, a dívida de Amílcar par com Benedita mantém-
se; se pelo contrario se tivesse existido confusão, e sendo o activo superior ao
passivo na herança de Cardoso a dívida de Amílcar para com Benedita seria
extinta: Benedita teria interesse em tal uma vez que não teria de pagar o que devia
enquanto herdeira de Cardoso. Havendo confusão e sendo a herança deficitária a
dívida de Amílcar para com Benedita não se extinguiria, e Benedita, enquanto
herdeira de Cardoso, não teria de pagar nada a Amílcar, tendo interesse em cobrar
dinheiro a este.
3) Suponha, agora, que em Novembro de 2002, Benedita escreve a Amílcar
lembrando-o de que a obrigação de pagamento (dos 1.000 €) se vencera em
31 de Outubro de 2002, e que, nessa medida, iria avançar com uma acção
em tribunal a reclamar o pagamento da dita quantia, acrescida dos
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respectivos juros de mora. Em resposta, Amílcar alega ser credor de
Benedita em 2.000 € e respectivos juros, contados desde Outubro de 2001,
mês em que sofrera prejuízos no seu bom nome e honra, em resultado de
uma notícia, falsa, posta a circular por Benedita no jornal “24 Horas” nos
termos da qual se dizia que “A era arguido num processo criminal por
suspeitas de burlas telefónicas cometidas no verão de 2000”. Quid iuris?
Nos termos do art. 847º a compensação consiste numa forma de extinção da obrigação
que permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar
coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações sejam
extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou
pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte. A compensação
apresenta como vantagens o facto de produzir a extinção das obrigações dispensando a
efectiva realização das prestações – facilitação de pagamentos; e de permitir ao
declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de
receber o seu próprio credito por insolvência do seu devedor – garantia (atípica) dos
créditos. A compensação pode revestir um de duas modalidades: ou ser legal (requisitos
positivos do art. 847º e requisitos negativos do art. 853º), ou ser convencional (segundo
o Prof. Antunes Varela a lei prescinde dos requisitos do art. 847º, mas as partes não
podem derrogar a aplicação dos requisitos do art. 853º). No presente caso, parece claro
que estamos perante um caso de compensação legal, pelo que desta forma teremos de
analisar se os requisitos positivos (art. 847º) e os requisitos negativos (art. 853º) se
encontram preenchidos. Verifiquemos primeiro os requisitos positivos. O primeiro
requisito positivo assenta na Reciprocidade de créditos: é essencial que o devedor, seja
por outro lado credor do seu credor, sendo que o credito com o qual o declarante
extingue a sua dívida se chama crédito activo (aquele que é invocado depois para
contrapor/extinguir o crédito que é pedido, ou seja é o credito de quem invoca a
compensação). O crédito passivo representa aquele contra o qual a compensação opera.
Parece claro que este primeiro requisito se encontra verificado. O segundo requisito
positivo assenta na Validade, Exigibilidade e Exequibilidade do contracrédito (do
compensante), do crédito activo: é necessário que o crédito do compensante seja
judicialmente exigível e que o devedor não lhe possa opor qualquer excepção,
peremptória ou dilatória, de direito material (art. 847º/1 al. a)). Só podem assim ser
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 28
compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter
a realização coactiva da prestação. Deste modo não podem ser compensados créditos de
obrigações naturais com dívidas respeitantes a uma obrigação civil. E também não pode
ser efectuada a compensação se o crédito ainda não estiver vencido (art. 849º) ou a outra
parte puder recusar o cumprimento (invocação da excepção de não cumprimento (art.
428º), da prescrição (art. 300º), nulidade e anulabilidade -em relação a esta ultima
exige-se que ela tenha ocorrido antes do momento em que se verificou a
compensabilidade dos créditos (art. 850º)). Em suma, o crédito activo não pode ser um
credito não vencido ou natural. Este segundo requisito também se encontra verificado.
O terceiro requisito assenta na fungibilidade do objecto das obrigações: cabendo a uma
das partes determinar o objecto da prestação só se poderá recorrer à compensação se a
escolha implicar prestações de coisas fungíveis homogéneas para ambos os créditos. O
requisito da homogeneidade é corolário do principio de que ninguém pode receber uma
coisa diversa da devida. Contudo já não é necessário que a quantidade das coisas
objecto da prestação seja idêntica. O facto de as dividas não serem de igual montante
determina apenas que a compensação seja parcial em relação à divida de montante
superior (847/2). Por outro lado, o facto de ainda não estar determinada a quantidade
devida não impede que se opere imediatamente a compensação (art. 847/2)
averiguando-se posteriormente o montante em que ela ocorreu. Este requisito também
parece verificado. Por fim, o último requisito positivo assenta na existência e validade
do crédito principal/passivo: o declaratário tem que ser titular de um crédito valido, sem
o que o compensante nunca poderia operar, já que o declarante nem sequer seria
devedor. Esse crédito do declaratário tem que estar na situação de poder ser cumprido
pelo devedor. Não pode assim o declarante pretender compensar uma divida sua ainda
não vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em beneficio do credor. Já não constitui
condição para a compensação operar que o declaratário esteja em condições de poder
exigir judicialmente o cumprimento, pelo que nada impede o declarante de compensar
dividas ainda não vencidas se o prazo correr em seu beneficio. Pode igualmente o
declarante utilizar a compensação para extinguir dividas naturais suas com créditos civis
que tenha sobre o declaratário uma vez que em relação a elas se verifica a possibilidade
de cumprimento, ao qual a lei atribui causa jurídica quando espontaneamente realizado
(art. 817º). Mais uma vez, o requisito também se encontra verificado. Uma vez
verificados todos os requisitos positivos, será necessário atender às especificações do
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 29
art. 583º (requisitos negativos). O art. 583º/1 al. a) considera como causa de exclusão da
compensação os créditos provenientes de factos ilícitos culposos. Resulta da lei reprimir
este tipo de comportamentos e retirar os benefícios que dele poderiam resultar. Contudo,
o Prof. Antunes Varela interpreta esta norma num sentido diferente em que nada
impede que lesado venha invocar a compensação para extinguir a sua dívida, sendo que
quem não pode invocar a compensação neste caso seria o devedor da obrigação de
indemnizar pela pratica de factos ilícitos dolosos. A compensação também não poderia
operar se ambos os créditos respeitassem a factos ilícitos culposos. Tal deriva do facto
de a compensação visar simplificar os pagamentos e de ser garante da obrigação de
forma atípica (não se encontra prevista no art. 604º).
4) Suponha, ainda, que a obrigação de Amílcar para com Benedita resultava de
um contrato de compra e venda de um computador portátil e estava
garantida com um penhor de uma jóia pertencente a Cardoso. Suponha,
ainda, que em 31 de Outubro de 2002, data em que Amílcar deveria
proceder ao pagamento do preço, este “pediu a dita soma emprestada a
Benedita, que aceitou, passando, assim, aquele a detê-la a título de mutuário”,
tendo ficado acordado entre as partes que a referida soma deveria ser
entregue, o mais tardar, até ao dia 31 de Outubro de 2003. Nessa mesma
data, Amílcar falha o pagamento, tendo, nessa medida, Benedita interpelado
Cardoso, na sua qualidade de garante, para o fazer. Cardoso, contudo,
recusa-se a fazê-lo, alegando, em síntese, que “a dívida garantida se
extinguira com o novo acordo celebrado em 31 de Outubro de 2002” e que
“ainda que assim não se entendesse, nada devia a Benedita, pois esta estava,
por sua vez, obrigada a devolver-lhe 1.500 € na semana seguinte, em virtude
de um contrato de mútuo celebrado entre ambos”. Quid iuris?
No caso sub Júdice, na sua primeira parte, estamos perante a questão de saber se
ocorreu uma novação (objectiva) ou se ocorreu uma modificação da causa
A novação (forma de extinção das obrigações) consiste na convenção pela qual as parte
extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação.
A novação pode ser subjectiva (art. 858º), envolvendo a vinculação do devedor perante
um novo credor ou traduzindo-se na substituição do obrigado exonerado pelo credor por
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 30
um novo devedor extinguindo a obrigação anterior, ou pode ser objectiva (art. 857º),
podendo existir uma substituição do objecto como uma simples mudança da causa ou da
fonte da mesma prestação, ocorrendo sempre que a nova obrigação se constitui entre o
mesmo credor e o devedor da obrigação antiga.
No presente caso afim de descobrir se estamos perante uma novação objectiva teremos
de interpretar a vontade das partes declarada, sendo necessária a existência de uma
declaração expressa com a intenção de constituir uma nova obrigação que vá extinguir a
antiga, não existindo relevância jurídica da declaração tácita. A referida necessidade da
existência de declaração expressa encontra-se consagrada no art. 859º, sendo que a
declaração expressa aqui referida deve ser interpretada como a declaração que visa
extinguir a obrigação primitiva e não como a declaração relativa à contracção de nova
obrigação. Deste modo terá sempre de existir a intenção das partes em extinguir a
obrigação anterior criando uma nova em sua substituição.
Ora o presente caso parece sugerir que estamos perante uma modificação da causa da
obrigação, pelo que não houve constituição de uma nova obrigação e não se extingui a
antiga pelo que as garantias permanecem.
O Prof. Vaz Serra defendia que, uma vez que é de imensa dificuldade interpretar a
vontade das partes, seria lícito presumir que existia a intenção de novar quando a
relação obrigação se apresentasse economicamente diferente como uma relação por
completo diferente da que existia.
No caso sub Júdice, a segunda parte deste, remete-nos para a questão de apurar se
estamos perante uma compensação.
A compensação (art. 847º) consiste numa forma de extinção da obrigação que
permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar
coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações
sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas
prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra
parte. A compensação apresenta como vantagens o facto de produzir a extinção das
obrigações dispensando a efectiva realização das prestações – facilitação de
pagamentos; e de permitir ao declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que não
tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio credito por insolvência do
seu devedor – garantia (atípica) dos créditos. A compensação pode revestir um de
duas modalidades: ou ser legal (requisitos positivos do art. 847º e requisitos
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 31
negativos do art. 853º), ou ser convencional (segundo o Prof. Antunes Varela a lei
prescinde dos requisitos do art. 847º, mas as partes não podem derrogar a
aplicação dos requisitos do art. 853º). No presente caso, parece claro que estamos
perante um caso de compensação legal, pelo que desta forma teremos de analisar
se os requisitos positivos (art. 847º) e os requisitos negativos (art. 853º) se
encontram preenchidos. Verifiquemos primeiro os requisitos positivos, sendo eles:
(1) reciprocidade de créditos; (2) validade, exigibilidade e exequibilidade do
contracrédito; (3) fungibilidade do objecto das obrigações; (4) existência e
validade do crédito principal/passivo. Daqui resultam dois pontos a salientar que
podem impedir a existência de compensação. O primeiro refere-se ao requisito da
reciprocidade de créditos: o art. 851º/1 consagra uma excepção na medida em que
sendo o declarante terceiro estaria a invocar um credito de terceiro (devedor de
devedor). Contudo, a parte final do mesmo artigo, consagra a hipótese de tal
acontecer uma vez que ele é titular de um direito real de garantia (é garante de um
penhor). O segundo ponto a salientar refere-se ao requisito da existência,
exigibilidade e validade do crédito activo na medida em que o crédito ainda não é
exigível pelo que este requisito não se verifica e consequentemente a compensação
não pode operar.
5) Em 31 de Julho de 2002, tomando conhecimento de um conjunto de graves
fatalidades que se abateram sobre a pessoa de Amílcar, Benedita escreve a
àquele uma carta onde, em síntese, “lhe propôs o perdão da dívida”. Amílcar
nunca respondeu a esta carta. Entretanto, e como a referida dívida fora
igualmente assumida por Cardoso, possuidor de uma vasta fortuna pessoal,
Benedita exigiu, na data do vencimento da dívida, que a mesma fosse paga,
por inteiro, por Cardoso. Este recusa-se a pagar, invocando, a conselho do
seu advogado, que “houve um perdão de dívida que o beneficia como devedor
solidário”. Quid iuris?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 32
No caso sub Júdice estamos perante a possibilidade de existir uma remissão. A remissão
da dívida (art. 863º) assenta na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita
com a aquiescência da contraparte. A remissão na existência de uma prévia obrigação e
da existência de um contrato entre o credor e o devedor pelo qual aquele abdique de
receber a prestação devida (caracter contratual).
A doutrina discute se a renúncia deve ou não ser tratada como um contrato. Neste
sentido, o Prof. Vaz Serra defendia que a remissão poderia ser feita por contrato, ou
quando fosse gratuita mediante declaração unilateral do credor, embora o efeito
extintivo da renúncia pudesse ser destruído nesse caso pela declaração de recusa do
devedor. Por sua vez, o Prof. Antunes Varela: considera que em qualquer das situações
do art. 863º a remissão tem de ser um contrato, na medida em que a renúncia do credor
constitui uma forma de enriquecimento patrimonial do devedor, que se liberta da
obrigação que onerava o seu património não podendo ser imposta ao titular passivo da
relação creditória. Deste modo, não basta a declaração abdicativa ou renunciativa do
credor, na medida em que esse efeito só resulta do acordo ente os dois titulares da
relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova de aceitação do
devedor (art. 234º). É na ideia de que o obrigado não deve ser beneficiado se não quiser
que se funda a solução da essencialidade do consentimento do devedor para o
enriquecimento imediatamente criado no seu património com a liberação do débito.
Contudo existe ainda quem defenda, como o Prof. Menezes Leitão que a regra geral é os
direitos extinguirem-se por acto unilateral e se no caso do direito de crédito justifica-se
tomar em consideração a posição do devedor, ate por força o invito benefictum non
datur não se vê razão para a exigência do contrato no instituto da remissão bastando
atribuir-lhe a possibilidade de rejeitar o beneficio, à semelhança do que sucede no
contrato a favor de terceiro (art. 447º/1). Na grande maioria dos casos o credor não
espera resposta á declaração de perdão da divida, nem o devedor vê necessidade de a ele
responder, o que pode tornar problemática a verificação do contrato, exigido pelo art.
863º/1. Sendo a obrigação uma relação complexa, a extinção do vínculo obrigacional
por meio da remissão não envolve apenas uma perda definitiva do poder de exigir,
implicando do mesmo modo um enriquecimento do devedor, traduzido na supressão de
um elemento negativo. O facto de a remissão ter de ser considerada como um negocio
bilateral não impede que se reconheça o papel preponderante do credor, no caso da
remissão a titulo gratuito. Deste modo, poder-se-á dizer que a remissão é no seu cerne
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uma renuncia ao direito do credito. Deste modo, uma vez que Amílcar nunca chegou a
responder é crucial a posição que tomamos para saber se existiu remissão ou não. De
acordo com a posição do Prof. Antunes Varela, defendo a necessidade de existência de
contrato, então neste caso não estaríamos perante um caso de remissão pelo que
Benedita e Cardoso continuavam obrigados (obrigação solidária). Por outro lado, de
acordo com aqueles que defendam que que não é necessário a existência de contrato
então a remissão teria efectivamente se verificado. Quais as consequências que
resultariam da admissão da remissão? O efeito imediato seria a perda definitiva do
crédito e a liberação do débito. Uma vez extinta a obrigação, com ela se extinguem os
acessórios e garantias pessoais ou reais sem necessidade da intervenção de terceiros que
as tenham prestado (interpretação do 866/1). De seguida será necessário verificar se a
remissão é in rem ou in personam, ou seja se era concedida a todos os devedores ou
apenas a um dos devedores. A remissão in rem traduz-se no facto de o credor renunciar
ao poder de exigir a prestação a qualquer um dos devedores, sendo que deste modo
beneficiaria Benedita e Cardoso. Se a remissão for in personam, aplicava-se o regime do
art. 864º, sendo que Cardoso assumiria a dívida como devedor solidário: assunção
cumulativa (art. 595º). Cabe ainda referir o âmbito de aplicação do art. 864º: se a
remissão é in personam, a regra é a de que a remissão exonera o devedor apenas na sua
quota parte (nº1); se a remissão apenas produz efeitos nas relações externas o credor
exige os 1 000€ a Cardoso e este depois exerce o direito de regresso contra Benedita
(nº2)
VII
Abel, Bernardo e Carlos celebraram com Duarte um contrato de compra e
venda em virtude do qual ficaram solidariamente obrigados a pagar a Duarte 900
€.
Supondo que Bernardo detém um crédito de 300 € sobre Duarte e que Carlos se
encontra insolvente, pergunta-se:
a) A quem pode Duarte dirigir-se para obter o cumprimento da prestação
devida?
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Nos termos do art. 512º e do art. 519º/1, estamos perante um caso de solidariedade
passiva, na medida em que existem vários devedores adstritos à mesma prestação e um
só credor, podendo este exigir o cumprimento da prestação devida a Abel, Bernardo e a
Carlos.
O credor poderá exigir 900euros a um dos três devedores (existindo depois direito de
regresso entre eles) ou pode exigir de qualquer dos obrigados uma parte apenas da
prestação, desde que tal não exceda no conjunto das execuções o montante do seu
crédito. Tal representa uma faculdade estabelecida no interesse do credor.
b) Suponha que Duarte se dirige a Abel e este:
(i) Mostra-se disposto a pagar apenas a sua parte;
Nos termos do art. 518º, se o credor interpelar um dos devedores para cumprir em tudo,
o devedor solidário não goza do direito de apenas cumprir a sua parte (exclusão do
direito à divisão), mesmo que chame os co-devedores.
A razão de ser do art. 518º prende-se com o facto de sendo demandado pela totalidade
da prestação, ou por uma parte dela superior à quota que lhe compete nas relações
internas, o devedor tem a faculdade de chamar todos os outros à demanda para com ele
se defenderem. Embora não se exima do dever de efectuar toda a prestação, o
demandado terá interesse em utilizar este meio, não só para que os outros colaborem
com ele na defesa, como para se munir desde logo com o título executivo capaz de lhe
assegurar e facilitar a realização do direito de regresso contra os condevedores.
Em suma, Abel, enquanto devedor solidário demandado pelo credor para cumprir
integralmente a prestação, terá que fazê-lo gozando depois de direito de regresso em
relação a Bernardo e a Carlos nos termos do art. 524º.
(ii) Recusa-se a pagar.
Se a prestação debitória se tornar impossível por causa não imputável a nenhum dos
devedores, a obrigação solidária extinguir-se-á em relação a todos eles, sem prejuízo do
‘’Commodum’’ de representação (art. 794º) de que goza o credor, na hipótese da
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 35
impossibilidade da prestação proporcionar ao devedor algum direito sobre certa coisa ou
contra terceiro.
Se a prestação debitória se tornar impossível por causa imputável a um ou a alguns dos
devedores, há que distinguir quanto à indemnização entre a parte desta, correspondente
ao valor da prestação devida e a parte excedente que corresponda ao dano do credor.
Quanto à primeira parte, nos termos do art. 520º, mantém-se a responsabilidade
solidária de todos os devedores, sendo que quanto à segunda parte só responde por ela o
devedor ou devedores a quem o facto é imputável.
O art. 520º estabelece um princípio geral relativo à impossibilidade da prestação,
impossibilidade está absoluta definitiva e total de cumprimento da prestação que deve
ser entendida no sentido de responsabilidade contratual. O Prof. Antunes Varela
entende que este artigo poder-se-á ainda aplicar aos casos de simples mora. Neste artigo
fundam-se as soluções no princípio de que os acontecimentos relativos a cada um dos
devedores solidários não devem beneficiar nem prejudicar os outros.
Em suma, Abel encontra-se obrigado ao pagamento integral da prestação mais juros de
mora, tendo direito de regresso em relação a Bernardo e a Carlos no tocante à prestação
integral apenas.
c) E se for Carlos quem se recusa a pagar em virtude da sua situação de
insolvência?
Nos termos do art. 526º/1, a quota parte do insolvente é repartida proporcionalmente
entre os demais. Deste modo, se Carlos for insolvente Duarte terá de exigir a prestação a
Bernardo ou a Abel. Quando um dos devedores cumprir na totalidade a prestação
surgem dois factos: (1) o interesse do credor, Duarte, satisfaz-se e a obrigação extingue-
se em relação a todos nos termos do art. 523º; (2) o devedor que satisfaz o cumprimento
da obrigação fica com direito de regresso em relação aos demais devedores nos termos
do art. 524º, presumindo-se que comparticipam em partes iguais na dívida nos termos
do art. 516º.
Deste modo, caso Abel ou Bernardo cumpra integralmente o cumprimento da prestação
fica com direito de regresso no valor de 450€.
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Cálculos Auxiliares
Valor Total da Prestação: 900€
3 devedores com uma prestação de 300€ cada
Um devedor insolvente pelo que nos termos do art. 526º a sua quota-parte é
distribuída em termos proporcionais pelos demais devedores. Logo,
300€:2=150€
Cada um dos dois devedores (Abel e Bernardo) tinha uma prestação de 300€ à
qual acresce a quantia de 150€ = 450€
Nota: Nos termos do art. 526º, caso o devedor demandado tenha demorado a exercer o
seu direito de regresso contra o devedor que veio a tornar-se insolvente ou não
relacionou o seu crédito, e se em virtude de tal resultou a impossibilidade de cobrar a
prestação, a responsabilidade do devedor que pagou incide exclusivamente sobre ele,
pelo que não poderá exercer o seu direito de regresso no que respeita à quota do
insolvente.
Querela Doutrinal sobre o art. 516º
Segundo o Prof. João Tiago Antunes, nos termos do art. 516º, presume-se que quer os
credores solidários quer os devedores solidários participem em partes iguais no crédito.
Tal entronca na assunção de dívida, que possui dois efeitos sendo ou cumulativo ou
liberatória. O novo devedor passa a ser solidário com o antigo se a assunção for
cumulativa, o que corresponde a uma obrigação solidária.
O Prof. Antunes Varela entende que nestes casos não existe em rigor entre os dois
devedores uma perfeita solidária na medida em que não se aplica a norma do art. 526º.
Na assunção cumulativa de dívida, o assuntor cumprindo não poderá exigir o direito de
regresso pois tal violaria a assunção. Existindo quem entenda que podendo ser a
assunção cumprida pelo assuntor e sendo tal verdade, é igualmente verdade que não
estaremos perante uma verdadeira solidariedade passiva na medida em que o que
caracteriza tal é o credor poder exigir a um dos devedores toda a prestação. Não
existindo direito de regresso tal não desqualifica a obrigação como solidaria, até porque
segundo o art. 516º presumem-se nas relações internas que os devedores respondem em
termos iguais, mas que pode não existir direito de regresso.
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Segundo o Prof. Januário Gomes da Costa, o simples facto de não existir direito de
regresso não significa que não estejamos perante uma obrigação solidária.
d) Suponha, agora, que Duarte acciona Bernardo. Poderá este invocar algum
meio de defesa?
O Prof. Antunes Varela indica a existência de três meios de defesa
Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,
beneficiando todos os devedores do ponto de vista das relações externas, tal
como a compensação por exemplo.
Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,
não só não beneficiando os outros devedores nas relações externas como
prejudicando os mesmos nas relações internas, tal como a menoridade por
exemplo.
Meios de defesa que apenas podem ser invocados pelo devedor a que respeitam,
não produzindo nenhuma consequência pratica nas relações internas e externas,
tal como a prescrição por exemplo.
No presente caso, de acordo com o primeiro meio de defesa mencionado anteriormente,
Duarte exigindo a Bernardo o cumprimento da totalidade da prestação conduz a que
Bernardo possa invocar em defesa um crédito que possui no valor de 300€ sobre ele.
Deste modo, Bernardo pagaria a Duarte apenas 600€ (900€-300€). Nos termos do art.
523º, o interesse de Duarte encontrar-se-ia satisfeito.
Tendo Bernardo pago 600€ e compensado 300€ goza de um direito de regresso no valor
de 600€, ou seja 300€ de cada um dos restantes devedores (Abel e Carlos).
VIII
António e Berta, que vivem em economia comum numa casa de que são
comproprietários, contrataram com Carlos e David a pintura da sua casa, em data
do mês de Agosto a fixar pelos proprietários e com as cores por estes escolhidas.
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Considere as seguintes hipóteses, isoladamente:
1) Durante o mês de Agosto, António e Berta exigem a pintura da casa a Carlos
e a David. Carlos comunica-lhes que David se ausentou para férias, pelo que a casa
só poderá ser pintada em Setembro. António e Berta pretendem que Carlos lhes
pinte a casa, sozinho.
a) Podem reclamar a pintura de toda a casa apenas a Carlos?
No presente caso estamos face a uma obrigação indivisível, uma vez que a prestação foi
assumida por duas pessoas não podendo ser realizada por partes sem que se prejudique
o seu valor económico global.
Nos termos do art. 535º, a obrigação indivisível considera-se conjunta, salvo se a
solidariedade tiver sido estipulada pelas partes ou resultar de lei. Deste modo, nada nos
dizendo que a obrigação indivisível é solidária, presume-se que é conjunta pelo que o
seu cumprimento só poderá ser exigido a todos os devedores simultaneamente, neste
caso a Carlos e David.
Nota: poder-se-ia colocar a questão de saber se se poderia aplicar o regime do art. 537º.
Tal, como o artigo 520º, pressupõe um incumprimento definitivo o que por consequente
pressupõe uma tomada de posição sobre a impossibilidade (definitiva e absoluta) e a
própria obrigação. O facto de Daniel se ter ausentado em Agosto não faz com que a
prestação se torne definitiva e absolutamente impossível, o que é pressuposto da
aplicação deste artigo. Diferente seria o caso de os credores pretenderem vender a casa
em Setembro, tratando-se neste caso de uma obrigação com termo absolutamente
essencial segundo o Prof. Baptista Machado. Neste último caso, estaríamos no âmbito
de aplicação do art. 537º e Carlos ficaria desonerado. Contudo, não sendo este o caso
tudo indica para que estejamos face a uma situação de simples mora. Posteriormente
ocorrerá a fixação de um novo prazo, mas como entretanto correm juros de mora nos
termos do art. 804º, quem os irá suportar será o devedor que teve culpa neste caso David
sendo que tal resulta da interpretação do art. 537º com o art. 520º.
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b) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, que direitos lhe
assistem em face de David?
Nas relações entre os vários credores vigora o princípio de que cada um dos obrigados
responde apenas pela quota que lhe pertence ao débito comum. Se algum dos devedores
realiza a prestação indivisível devida sem o concurso dos outros terá o direito de exigir
de cada um deles o que lhe compete na responsabilidade comum. No plano das relações
externas, o solvens poderá exigir dos demais devedores a sua quota-parte na
responsabilidade comum.
Nota: o risco da insolvência corre integralmente por conta do devedor da obrigação que,
renunciado à garantia do art. 535º, opta por cumprir a prestação perante o credor.
c) Se Carlos aceitar, voluntariamente, pintar a casa sozinho, pode exigir o
pagamento integral do preço convencionado a António e a Berta?
No presente caso, o pagamento da prestação constitui uma obrigação divisível, na
medida em que o seu fraccionamento é possível sem prejuízo.
Nos termos do art. 534º trata-se de uma obrigação conjunta pelo que Carlos terá apenas
direito ao crédito da sua parte, que se presume igual à parte de David. Relativamente a
essa metade, poderá pedir ¼ do preço a cada um dos devedores.
Nota: caso António e Berta fossem casados aplicar-se-ia o regime da solidariedade
consagrado no art. 1691º e 1695; caso fossem casados com separação de bens não
existiria solidariedade nos termos do art. 1695º/2. Caso António decidisse pagar a
prestação integralmente não estaríamos perante um caso de solidariedade, mas sim de
prestação efectuada por terceiro (interessado ou não), não sendo um caso de sub-
rogação legal nos termos do art. 592º, dependendo portante da relação entre este e Berta
(gestão, enriquecimento sem causa, mandato, doação, etc.)
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2) Durante o mês de Agosto, encontrando-se Berta ausente no estrangeiro e
incontactável, António exige de Carlos e David a pintura integral da casa a “preto”,
para fazer uma surpresa a Berta. Carlos e David, receosos de que Berta não venha a
gostar da cor escolhida, recusam-se a pintar a casa enquanto esta não regressar.
Existe fundamento legal para essa recusa?
Nos termos do art. 538º, a lei optou pela solução de dar a qualquer dos credores o
direito de por si só exigir a prestação inteiro, sendo que o devedor enquanto não for
citado judicialmente só poderá exonerar-se efectuando a prestação a todos os credores
caso contrário poderá ter de cumprir de novo perante qualquer um dos outros credores.
O regime do art. 538º significa que a citação judicial do devedor por um dos credores
transforma a obrigação conjunta em solidária.
Nota: a lei não refere neste caso a possibilidade de extinção da obrigação em relação a
algum ou alguns dos credores, mas parece que neste caso a solução não pode ser
diferente da consagrada no art. 536º. Deste modo, os restantes credores só podem exigir
a prestação do devedor se lhe entregarem o valor da parte que cabia à parte do crédito
que se extingui.
IX
António e Bernardo estavam obrigados a entregar a Carlos e Daniel cinco
toneladas de bananas que estes lhes tinham comprado no dia 7 de Agosto. As
bananas foram colhidas na propriedade de António no dia 10, pesadas por
Bernardo no porto do Funchal no dia 11, carregadas no navio do transportador
Eduardo no dia 12 e descarregadas em Lisboa no dia 21 do mesmo mês.
1) Por via de uma ruptura no navio de Eduardo, ocorrida durante uma
tempestade na viagem, as bananas ficaram inundadas e estragaram-se.
Carlos e Daniel têm de pagar o preço acordado a António e Bernardo?
Compra e Venda das Cinco Toneladas de Bananas: 7 de Agosto
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Colheita das Bananas: 10 de Agosto
Pesagem das Bananas: 11 de Agosto, Porto do Funchal
Carregadas no Navio: 12 de Agosto
Descarregadas do Navio: 21 de Agosto, Lisboa
No presente caso, estamos perante uma obrigação genérica, ou seja o objecto encontra-
se determinado em função do seu género (bananas) e pela sua quantidade (5 Toneladas).
Uma vez que nada na hipótese indica que os adquirentes, Carlos e Daniel, compraram as
únicas bananas existentes, não sendo deste modo o objecto mediato e indivisível ou
concretamente fixado, não se pode considerar que estejamos perante uma obrigação
específica.
A regra constante no art. 796º é que o risco corre por conta do proprietário,
independentemente da entrega já se ter realizado ou não.
A regra geral constante no art. 408º/1 é a de que a transferência da propriedade se dá por
mero efeito do contrato, o que no presente caso seria dia 7 de Agosto. Contudo, o nº2 do
referido artigo contém uma excepção consagrando que quando a coisa seja
indeterminável a transferência ocorrerá apenas no momento da sua determinação. Ao
referido regime excepcionam-se ainda as obrigações genéricas pelo que a transferência
ocorre apenas no momento da concentração da obrigação.
Nos termos do art. 541º, a regra é a de que a concentração ocorre no momento do
cumprimento, pelo que neste caso seria dia 21 de Agosto.
Existem contudo situações em que a concentração ocorre antes do cumprimento,
passando de obrigação genérica a específica, estando estas situações previstas no art.
541º:
Acordo das Partes: a escolha na falta de estipulação em contrário compete ao
devedor nos termos do art. 539º. Contudo, as partes tem a faculdade de confiá-la
a qualquer uma delas ou a terceiros nos termos do art. 400º/1, sendo que para ser
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 42
eficaz a escolha precisa de ser notificada ao devedor quando realizada pelo
credor.
Extinção Parcial do Género: para que ocorra a concentração, nem sempre será
necessário que do género reste apenas uma das coisas nele compreendidas,
bastando que reste uma quantidade igual ou inferior à que é devida deixando de
existir margem de escolha do objecto da prestação debitória.
Quando o credor incorra em mora: na falta de acordo, mesmo que se trate de
uma prestação que deva ser levada ao credor, há-de o devedor oferecer a
prestação por inteiro da coisa escolhida ao credor, recusando-se este a recebê-la
ou a dar a respectiva quitação, tendo-se a obrigação por concentrada a partir do
momento da oferta da prestação.
Entrega ao transportador, expedidor ou receptor da coisa nos termos do art. 797º:
tratando-se de coisa que deva ser enviada por local diferente do cumprimento, a
concentração ocorre logo com a entrega antes por conseguinte da chegada da
coisa ao local de destino
No presente caso é necessário saber por quem corre o prejuízo resultante do
perecimento da coisa devido a caso fortuito ou de força maior, sendo que para o efeito é
necessário abrir duas hipóteses.
Se considerarmos que não se insere em nenhuma das excepções previstas no art. 541º o
risco corre por conta do alienante, sendo que o perecimento da coisa ocorre antes da
concentração o prejuízo corre por conta do devedor, quer ele continue ainda vinculado
quer fique exonerado por ter desaparecido todo o género em que a prestação deveria ser
concretizada. Deste modo, António e Bernardo de efectuar um novo cumprimento
(entregar novas bananas).
Contudo, nos termos do art. 773º, a entrega das bananas deveria fazer-se na Madeira
mas existindo um acordo em que a entrega deve ser realizada em Lisboa poder-se-á
concluir pela existência de uma dívida de envio nos termos do art. 779º. Deste modo, a
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 43
concentração da obrigação ocorre antes da entrega da coisa no dia 12 de Agosto,
ocorrendo em tal dia a transferência da propriedade. Se o perecimento da coisa é
posterior à concentração, ou seja sendo o momento em que a obrigação genérica se
converte numa verdadeira obrigação específica o prejuízo corre por conta do credor
(adquirente) que não poderá exigir a restituição do preço ou terá de pagá-lo se ainda não
o tiver feito. Deste modo, Carlos e Daniel continuariam vinculados à prestação,
continuando obrigados a pagar o valor acordado e a não receber novas bananas (norma
de natureza supletiva).
Nota: O Prof. Almeida Costa coloca a questão de saber se o art. 541º não deverá ser
interpretado em consonância com o regime do art. 408º/2. Se a lei exige no art. 408º/2 o
conhecimento de ambas as partes não deverá haver esse conhecimento para existir a
transferência do risco e da propriedade nos casos previstos pelo art. 541º? O autor
impõe a conclusão segundo a qual a concentração da obrigação que ocorra antes do
cumprimento não pode ocorrer independentemente do conhecimento das partes. Se a
concentração se der nos casos do art. 541º sem o conhecimento das partes só se poderá
dizer que ocorrer a transferência da propriedade e do risco quando tiver ocorrido o
conhecimento de ambas as partes. Esta tese releva especialmente para os casos de
destruição parcial do género em que as partes, ou só o adquirente vêm a ter
conhecimento dessa destruição mais tarde: nestes casos a transferência da propriedade
só ocorre quando for do conhecimento de ambas as partes.
2) António e Bernardo são credores de Carlos e Daniel da quantia de 60.000 €.
Quanto é que o credor António pode exigir ao devedor Carlos?
No presente caso estamos perante uma obrigação divisível, na medida em que o seu
fraccionamento é possível sem prejuízo. É uma obrigação conjunta, na medida em que a
solidariedade só existe quando resulte de disposição legal ou de vontade das partes, nos
termos do art. 513º.
Sendo que cada credor só pode exigir a cada um dos devedores metade da sua prestação,
cada credor pode exigir a cada um dos devedores ¼ do valor da sua prestação, pelo que
no presente caso António poderia exigir a Carlos 15625€.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 44
Sendo um contrato comercial, quer para os compradores, quer para os vendedores o
regime seria o das obrigações solidárias nos termos do art. 100º do Código Comercial.
3) Distinga uma prestação de coisa fungível de uma prestação fungível, dando
exemplos com base nos elementos constantes da hipótese.
Prestação de Coisa Fungível: prestação que tem por objecto uma coisa que pode ser
substituída por outra da mesma espécie sem causar qualquer prejuízo ao credor nos
termos do art. 207. Exemplo: venda de bananas.
Prestação Fungível: prestação que pode ser realizada por pessoa diferente do devedor
uma vez que as qualidades deste não revelam para o credor, sendo que a substituição
daquele não prejudica o interesse deste. Exemplo: entrega das bananas ou pagamento do
preço.
X
António reservou no hotel “Serra Natura Spa” a suite com vista de
montanha do primeiro ou segundo andar. O hotel tem sete andares, e uma suite
com vista de montanha por andar.
A) Chegado ao hotel, António fica descontente por lhe ter sido destinada a
suite do segundo andar, invocando “ter medo de alturas”. Exige ficar na suite do
primeiro andar, que está ocupada.
1) Pode fazê-lo?
No presente caso, estamos perante uma obrigação composta na medida em que o seu
conteúdo é múltiplo e não uno. Deparamo-nos com uma subcategoria de obrigações
compostas, as obrigações alternativas nos termos do art. 543º, devendo-se tal ao facto de
a determinação do objecto depender de uma escolha feita pelo devedor neste caso: o
Hotel obrigou-se a hospedar António na suite com vista de montanha do primeiro ou do
segundo andar. A escolha é o acto de opção ou selecção por meio do qual se opera em
regra a concentração da obrigação. Numa das prestações em alternativa a que o devedor
se encontra adstrito é colocado termo à indeterminação.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 45
Nos termos do art. 543º/2, na falta de convenção ou disposição legal em contrario é ao
devedor a quem cabe a escolha, ou seja é ao Hotel que cabe decidir em qual das suite
com vista para a montanha António fica, sendo que se este recusar a aceitar a prestação
incorre em mora, uma vez que não existe causa justificativa.
2) A sua resposta seria a mesma se António, após a reserva, tivesse
recebido um fax do hotel a comunicar-lhe que ficaria instalado na suite
do primeiro andar?
Embora o art. 549º se refira apenas à escolha efectuada pelo credor ou por terceiro, o
Prof. Antunes Varela entende que nos casos em que a escolha da obrigação alternativa
compete ao devedor não há motivo nenhum para não considerar que uma vez efectuada
essa escolha pelo devedor e sendo esta declarada ao credor não fique sujeita ao art. 542º
e seja irrevogável. Ou seja, embora não se possa aplicar directamente o art. 549º nestes
casos existe a remissão para o art. 542º.
Em suma, se o Hotel quiser oferecer outra suite o credor já pode recusar sem entrar em
mora nos termos do art. 813º na medida em que existe uma causa justificativa.
Nota: nas obrigações genéricas a solução é distinta, na medida em que estas só se
tornam em princípio específicas no cumprimento e se a escolha for feita pelo devedor
antes do cumprimento não produz efeitos a não ser que o credor tenha dado o seu
consentimento.
B) Admita que ocorreu um incêndio na suite com vista de montanha do
primeiro andar.
1) Pode o hotel recusar-se a alojar António na suite do segundo andar?
Caso a impossibilidade incida apenas sobre uma ou alguma das prestações, não sendo
no presente caso o incêndio imputável as partes, e como na hipótese nada se diz
presumimos que é o caso, a obrigação considera-se limitada às prestações ainda
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 46
possíveis nos termos do art. 545º. Deste modo, restando apenas uma prestação a
obrigação irá se concentrar nessa única, na medida que o devedor tem de prestar aquilo
que é objectivamente possível. Caso se recuse a fazer, ou seja a instalar António na suite
do segundo andar, o Hotel incorre em mora que pode vir a transformar-se em
incumprimento definitivo.
Em suma, o Hotel terá de hospedar António na suite que sobreviveu ao incêndio, a suite
no 2ºandar.
Nota: a lei não se ocupa expressamente da impossibilidade originária ou da ilicitude de
uma ou de varias prestações, hipóteses em que tendo a obrigação a sua origem num
negócio jurídico vigoram as normas gerais relativas à nulidade parcial deste nos termos
do art. 280º e 292º. Em princípio a escolha fica limitada às restantes prestações ou
substituindo apenas uma, a obrigação torna-se simples. Só não será assim de acordo
com as regras de redução quando se mostre, com base na vontade real ou hipotética das
contraentes que estes não celebrariam o negócio sem a parte viciada. Além disso pode
suceder que o vício atinja todo o negócio e ele resulte inteiramente nulo.
A impossibilidade superveniente consiste na impossibilidade que ocorra entre a
constituição do vínculo obrigacional e a escolha, encontrando o seu regime no art. 545º
a 547º. A escolha constitui a transformação da obrigação em específica e
consequentemente à impossibilidade que venha a verificar-se aplicar-se-á o regime do
art. 790º.
Não se prevê o caso da impossibilidade total por causa imputável às partes, sendo
necessário aplicar as regras gerais. Se a culpa é o devedor a obrigação extingue-se nos
termos do art. 790º e ss; se a culpa é do devedor este é responsável como se faltasse
culposamente ao cumprimento da obrigação nos termos do art. 801º.
2) Se tivesse sido acordado que caberia a António escolher em que suite
ficaria alojado, a sua resposta à alínea anterior seria a mesma, caso o
incêndio fosse imputável ao hotel?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 47
Sendo a impossibilidade imputável ao devedor (Hotel), é necessário distinguir se a
escolha lhe pertencia ou não. Nos termos do art. 546º, 1ª parte se a escolha pertencesse
ao Hotel ele deveria efectuar uma das prestações possíveis; na 2ª parte da norma caso a
escolha coubesse ao credor, este poderia exigir uma das prestações possíveis ou pedir a
indemnização pelos danos provenientes de não ter sido efectuada a prestação que se
tornou impossível ou ainda resolver o contrato nos termos gerais pelo interesse
contratual negativo.
3) E se tivesse sido acordado que caberia a Beatriz, noiva de António,
escolher entre uma das duas suites?
Se a escolha pertencer a terceiro e tornando-se uma ou algumas das prestações
impossíveis por facto imputável às partes existe uma lacuna na lei na medida em que
não existem normas expressas. Contudo o Prof. Antunes Varela e o Prof. Almeida
Costa entendem que:
Não sendo a impossibilidade da prestação imputável a nenhuma das partes
aplica-se o regime do art. 545º
Sendo a impossibilidade imputável ao devedor, o terceiro pode optar por uma
das prestações possíveis ou pela indemnização dos danos resultantes do não
cumprimento da prestação que se tornou impossível nos termos do art. 546º.
Afigura-se que a opção pela resolução do contrato em virtude do seu caracter
pessoal compete apenas ao credor, sendo o terceiro apenas parte.
Sendo a impossibilidade imputável ao credor considera-se cumprida a
obrigação. Ressalva-se todavia a faculdade de o terceiro optar ela prestação
possível com indemnização dos danos que o devedor tenha sofrido nos termos
do art. 547º.
C) Suponha que António marcou no hotel a suite com vista de montanha do
primeiro andar, mas o hotel reservou a faculdade de o alojar na suite com vista de
piscina do mesmo andar.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 48
1) Pode António exigir ficar alojado na suite com vista de montanha se o
hotel o alojar na suite com vista de piscina?
No presente caso estamos face a uma obrigação com faculdade alternativa. Tais
caracterizam-se por terem por objecto uma só prestação mas o devedor tem a faculdade
de se desonerar mediante uma outra prestação ou o credor tem direito de exigir uma
prestação diferente da devida: poder de substituição. O regime jurídico não é o das
obrigações alternativas mas sim o das obrigações específicas, não existindo lugar a
nenhuma escolha sendo essa a única prestação que o credor tem direito de exigir e
podendo faze-lo logo que a obrigação se vença. O credor não pode exigir a prestação
alternativa, mas terá de aceitá-la, se o devedor optar por ela sob pena de incorrer em
mora.
No caso em análise, tendo o Hotel reservado a faculdade de alojar António numa suite
com vista para a piscina, o credor terá de aceitar a situação que resultar da escolha feita
pelo Hotel, caso contrário incorre em mora nos termos do art. 813º.
2) Suponha agora que houve um incêndio na suite com vista de montanha
reservada. António exige ficar alojado na suite com vista de piscina. O
hotel recusa, invocando estar ocupada. Quid iuris?
No presente caso, sendo a impossibilidade superveniente a obrigação extinguir-se-á
quando respeitar à prestação devida, em que com este fundamento se extingue a
obrigação simples nos termos do art. 790º.
É necessário saber quem a quem a impossibilidade da prestação é imputável. Se o facto
é imputável ao devedor, neste caso o Hotel, aplicar-se-ia o regime do art. 798º e do art.
801º. Se o facto é imputável a terceiro, a caso fortuito ou de força maior aplicar-se-ia o
regime do art. 790º, ficando o devedor exonerado e do art. 795º podendo exigir de volta
a contraprestação. A obrigação manter-se-á enquanto a impossibilidade afectar apenas a
segunda prestação.
XI
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 49
1. António, credor de Berta por 10.000 €, cedeu o seu crédito a Carla. Berta,
que não foi notificada da cessão, pagou a António o referido montante. Que
direitos assistem a Carla?
Nos termos do art. 577º, a cessão de créditos consiste numa forma de transmissão de
crédito que opera por virtude de um negócio jurídico, normalmente um contrato entre o
credor e terceiro, independentemente do consentimento do devedor.
Para que ocorra uma situação de cessão de créditos é necessária a reunião dos seguintes
requisitos cumulativos: (1) negócio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou
de parte do crédito; (2) inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa
transmissão; (3) não ligação do crédito em virtude da própria natureza da prestação à
pessoa do devedor.
No ordenamento jurídico português, o cumprimento efectuado ao credor aparente não se
considera eficaz, salvo em certos casos excepcionais em que por atenção à boa fé do
devedor a lei reconhece como tal. Um desses casos consiste na prestação efectuada pelo
devedor ao cedente, antes de aquele ter conhecimento da cessão (art. 583º/1 e 2).
Nos termos do art. 583º/1, embora a cessão de créditos não pressuponha um acordo do
devedor, este tem de ser notificado e caso não o seja e nem saiba da cessão o
cumprimento realizado ao credor aparente será oponível ao cessionário, tendo o
pagamento eficácia liberatória nos termos do art. 770º al. f).
Para que o cumprimento realizado ao credor aparente não seja oponível ao cessionário é
necessário, nos termos do art. 583º/2, que este prove que o devedor conhecia a cessão.
Neste caso, o empobrecido irá agir contra o credor que recebeu o dinheiro de acordo
com as regras do enriquecimento sem causa.
2. Suponha, agora, que quando Carla exige de Berta o pagamento dos 10.000
€, esta não paga em virtude da sua situação de insolvência. Poderá Carla
exigir a António o pagamento do referido montante?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 50
Nos termos do art. 587º/2 é necessário apurar se no momento em que é constituída a
cessão de créditos António garantiu a Carla a solvência do devedor, ou seja de Berta.
Caso tenha garantido estamos face a um incumprimento do contrato pelo que Carla terá
direito a ser indemnizada. Caso não tenha garantido, por aplicação do regime supletivo,
quem irá suportar os danos será Carla, cessionária.
3. António, que tinha um crédito de 10.000 € sobre Berta, cedeu parcialmente
esse crédito, no valor de 7.000 € a Carla e sub-rogou Dário no montante
restante.
Se Berta apenas possuir 5.000 € para cumprimento da dívida, como se opera
a satisfação dos créditos?
Nos termos do art. 593º/2, existindo confronto entre o cessionário e o credor sub-rogado
quem prevalece será o cessionário, salvo se existir convenção em contrário. No presente
caso, nada nos dizendo sobre a existência de convenção em contrário prevalece Carla,
cessionária.
XII
António e Benilde Santos devem 200.000 € ao Banco X e 100.000 € ao Banco
Y. Em face das dificuldades económicas sentidas no último ano, António e Benilde
decidiram vender o único imóvel de que eram proprietários ao seu filho Carlos,
residente em Madrid.
Uma vez que, para garantir o cumprimento da dívida contraída junto do
Banco Y, tinham constituído uma hipoteca sobre o referido imóvel e do contrato
constava uma cláusula de acordo com a qual, em caso de incumprimento, o Banco
se tornaria proprietário da fracção autónoma, António e Benilde decidiram pagar
os 100.000 €, na data de vencimento da obrigação.
1) Pronuncie-se sobre a validade da cláusula inserida no contrato
celebrado entre António, Benilde e o Banco Y.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 51
A cláusula inserida no referido constrato é nula na medida em que substancia um Pacto
Comissório nos termos do art. 694º. Por Pacto Comissório entende-se a convenção
através da qual o credor garantido através de uma hipoteca, penhor ou de outro direito
real de garantia se atribui a ele próprio o direito de ficar com a coisa dada em garantia
caso o devedor não cumpra a obrigação.
A razão que levou o legislador a proibir este tipo de cláusulas é não só a de evitar
situações de usura (devedor fraco e credor forte, como é o caso do banco sendo que tal
seria uma situação em que se estipularia com sanção da anulabilidade e não a nulidade,
uma vez que é essa a sanção para os casos de usura), mas também de tutelar os demais
credores, uma vez que uma cláusula destas pode criar uma situação de vantagem para
certos credores (interesses de natureza pública), sendo que o art. 604º consagra a
igualdade de credores. Em suma, estamos face a uma razão complexa que incide sobre
três grandes focos de interesse: (1) proteger o devedor de situações de usura; (2)
interesses gerais do comércio jurídico; (3) interesses de outros credores que devem ser
pagos numa posição de igualdade e não numa posição de preferência.
Nota: o pacto comissório é extensivo a outros direitos reais de garantia, tais como o
penhor e a consignação de rendimentos. O Pacto Comissório pode revestir uma de duas
modalidades, sendo ambas proibidas pelo art. 694º: (1) pactos comissórios reais:
verificando-se o incumprimento da obrigação ocorre automaticamente a transmissão
para o credor; (2) pactos comissórios obrigacionais: o credor garantido tem o direito de
exigir a transmissão da coisa.
O Prof. Antunes Varela entende que a proibição consagrada no art. 694º é apenas
aplicável às convenções realizadas antes do incumprimento, considerando que as
convenções celebradas depois do incumprimento revestem o caracter de dação em
(função do) cumprimento. Contudo, o autor considera que caso o pacto tenha sido
acordado depois com o objectivo de o credor beneficiar de um novo prazo estar-se-á
novamente no âmbito de aplicação do art. 694º, uma vez que o pacto está a ser ajustado
antes do vencimento da obrigação.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 52
Figura prima do Pacto Comissório é o Pacto Marciano: este, consagrado no art. 11º da
Lei dos Novos Acordos da Autonomia Financeira, teve origem na reclamação efectuada
pelos bancos na medida em que as garantias financeiras eram insuficientes. Não se
verificando a restituição da garantia em dívida, o Banco ficaria com o crédito mas teria
de restituir o remanescente. Pacto Marciano, permitido apenas nas situações e garantia
financeira, distingue-se do anterior na medida em que o beneficiário da garantia
verificando o incumprimento do devedor pode fazer sua a coisa da em cumprimento
desde que restitua a diferença em relação ao crédito (problema da violação do princípio
da igualdade quanto aos outros credores; regra da igualdade do património do devedor).
Existe uma querela doutrina acerca do facto de saber se o Pacto Marciano será válido
fora do diploma específica e se poder-se-á fazer entre dois particulares. Ou seja,
segundo o art. 694º apenas o Pacto Comissório é nulo?
Segundo o Prof. João Tiago Antunes, sendo o art. 604º uma norma estrutural no
direito das garantias e não existindo causa legítima de preferência todos os credores se
encontram na mesma posição de igualdade, pelo que o Pacto Marciano apenas se poderá
aplicar aos casos previstos no diploma, sendo nulo nos termos do art. 694º, sob pena de
causar uma distorção no Princípio da Posição de Igualdade dos Credores.
Uma visão mais liberal considera que não se deve atender ao art. 604º, não existindo
verdadeira igualdade entre os credores.
2) O que pode fazer o Banco X para acautelar os seus direitos?
Nos termos do art. 615º/2, quando o pagamento é realizado ao Banco Y não poderá
existir impugnação pauliana, uma vez que o cumprimento da obrigação vencida não é
susceptível de ser atacado pela impugnação.
Embora o negócio jurídico simulado (venda realizada ao filho) seja nula, a lei considera
no art. 615º/1, que a simples circunstância de um acto ser nulo não impede que se possa
impugnar paulianamente o acto. Nos termos do art. 605º/2 o acto declarado nulo
regressa à esfera jurídica do devedor, ficando lá até ser atacado por aquele que invocou
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 53
nos termos do art. 616º/1. No entanto é necessário relembrar que provar a simulação por
vezes se torna bastante difícil uma vez que se encontram proibidas a prova testemunhal
e a prova documental.
Para se poder invocar a impugnação pauliana é necessário que se verifiquem os
requisitos elencados no art. 610º e 612º: (1) acto que envolva uma diminuição da
garantia patrimonial; (2) crédito anterior a esse mesmo acto; (3) sendo o acto posterior,
o acto terá de ter sido praticado com dolo; (4) desse mesmo acto resulte a
impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito; (5) sendo o
acto oneroso, o terceiro e o devedor se encontrarem de má fé.
Embora seja mais fácil requer a acção de nulidade na medida em que não é necessário
provar que o acto nulo agravou ou gerou a insolvência do devedor, é necessário
relembrar que provar a simulação por vezes se torna bastante difícil uma vez que se
encontram proibidas a prova testemunhal e a prova documental.
Nos termos do art. 611º, o ónus da prova cabe ao credor provar que não existiam mais
bens para cobrir a dívida e ao devedor provar que ainda conserva bens impenhoráveis
que satisfaçam o direito do credor, sendo mais fácil a prova de facto positivo pelo
devedor que a prova de facto negativo pelo credor.
Se se encontrarem verificados todos os requisitos, o Banco X poderá executar o imóvel
directamente ao património Carlos nos termos do art. 616º/1. Sendo a impugnação uma
garantia pessoal patrimonial, ela só aproveitará ao credor que impugnou tal como se
encontra consagrado no art. 616º/4. O credor tem o prazo de 5anos para impugnar o acto
de acordo com a regra contida no art. 618º.
3) A resposta anterior seria a mesma se, em vez de terem vendido o
imóvel ao seu filho Carlos, António e Benilde tivessem prometido
vender-lhe o referido andar, através de um contrato-promessa ao
qual tivessem atribuído eficácia real, e constasse da escritura
pública que o preço tinha sido integralmente pago nesse
momento?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 54
Coloca-se a questão de saber se pode exigir impugnação pauliana num contrato
promessa com eficácia real, nos termos do art. 413º, em que já houve pagamento
integral do preço.
Numa primeira posição, poder-se-ia dizer que não pode haver impugnação pauliana na
medida em que existe apenas um contrato promessa de compra e venda e ainda que já
tenha sido p pago o preço não houve a venda efectiva, logo a propriedade do bem ainda
se encontra na esfera jurídica do devedor pelo que ainda não ocorreu a diminuição das
garantias não se encontrando preenchido deste modo um dos requisitos do art. 610º. O
facto de Carlos ter na sua esfera jurídica um direito real de aquisição, segundo esta
posição não é relevante pois nada garante que ele não vá resolver o contrato ao invés de
recorrer à execução específica em caso de incumprimento.
Numa segunda posição, considera-se que efectivamente já houve uma diminuição das
garantias pois o preço já foi integralmente pago (ter em consideração que o dinheiro é
um bem material facilmente dissipável), pelo que é de admitir a impugnação pauliana
pois estamos perante um negócio de fraude à lei.
XIII
No dia 20 de Janeiro de 2004, Carlos celebrou com Daniel um contrato de
compra e venda de um apartamento, propriedade de Carlos, pelo preço de 250.000
€. Daniel, que não dispunha do referido montante, contraiu um empréstimo junto
do seu amigo Edgar. As partes acordaram que Daniel deveria restituir a quantia
mutuada no dia 30 de Outubro de 2004.
Para garantir a restituição da quantia mutuada, o Edgar celebrou com Joel
um contrato de fiança. Na data acordada, Daniel não restituiu a quantia mutuada.
1) Qual o valor da garantia prestada por Joel, se o contrato de mútuo
tivesse sido celebrado por documento escrito assinado pelo Daniel?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 55
Entende-se por fiança, o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga
pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito
de crédito deste sobre o devedor.
Nos termos do art. 628º, a declaração de fiança necessita de revestir a forma exigida
para a obrigação principal, não vigorando o Princípio da Liberdade de Forma constante
no art. 219º, mas sim o da equiparação à obrigação principal. Tal deriva do facto de a
dívida contraída pelo fiador ter em regra o mesmo conteúdo que a dívida principal. A lei
exige ainda que a declaração de vontade de prestar fiança seja expressa, ou seja a
vontade de cobrir a obrigação do devedor tem de resultar directamente da declaração do
fiador.
Nos termos do art. 1143º o contrato te mútuo seria nulo por inobservância de forma
(remissão para o art. 220º).
Nos termos do art. 632º/1 considera-se que a fiança não é valida se a obrigação
principal, neste caso o mútuo, não o for. Tal configura a característica da acessoriedade
enunciada no art. 627º/2 determinado que a obrigação do fiador se apresenta na
dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa
obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos.
Nota: se estivéssemos a falar de um contrato de mútuo entre comerciantes o contrato
não estaria sujeito a forma escrita nos termos do art. 396º do Código Comercial. Se o
contrato de mútuo fosse celebrado entre o particular e um banco nesse caso o contrato
seria válido desde que tenha sido celebrado por qualquer documento assinado pelo
mutuário.
2) Suponha que Edgar se dirige a Joel e que este não paga, alegando
que Daniel ainda tem bens que podem responder pela dívida. Quid
iuris?
Nos termos do art. 638º/1, de acordo com a característica da subsidiariedade, existe a
possibilidade de o fiador invocar o benefício da execussão impedindo o credor de
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 56
executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução
através do património do devedor. Deste modo, a razão assiste a Joel.
Nota: nos termos do art. 638º/2, o fiador pode recusar-se a pagar se foi por culpa do
credor que não pode pagar. Para além de tal o art. 639º refere que a subsidiariedade da
fiança opera mesmo existindo garantias reais constituídas por terceiro antes da fiança, já
que o fiador tem igualmente o direito de exigir a execussão prévia das coisas sobre que
recai a garantia real. O benefício da execussão é um meio pessoal de defesa que permite
limitar a obrigação assumida pelo fiador, sendo a fiança a última garantia a ser
chamada.
art. 641º/1: ónus de chamar o devedor à demanda, sendo que não chamar o fiador está a
renunciar a beneficio da execussão.
3) A solução seria diferente se Joel se tivesse constituído como fiador
e principal pagador?
Nos termos do art. 640º al a) a subsidiariedade da fiança constitui uma característica não
essencial uma vez que o fiador pode renunciar a ela.
4) Uma vez que o Edgar devia, por sua vez, 250.000 € a Daniel,
quando aquele interpelar Joel para cumprir a obrigação em
dívida, poderá este invocar a compensação entre o crédito de
Daniel contra Edgar e o seu débito, para extinguir a sua
obrigação?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 57
Nos termos do art. 847º, a compensação consiste numa forma de extinção da obrigação
que permite que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar
coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que as respectivas obrigações sejam
extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou
pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte. Para que se
verifique a compensação é necessário que se encontrem reunidos os requisitos positivos
do art. 847º e do art. 851º.
Nos termos do art. 642º é permitido ao fiador recusar o cumprimento enquanto o direito
do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou se este
tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma divida do credor, sendo ainda
lícito ao fiador recusar o cumprimento enquanto o devedor tiver a possibilidade de
impugnar o negócio.
Nos termos do art. 637º, o fiador pode exercer perante o credor para alem dos meios de
defesa que lhe são próprios as excepções que competem ao devedor, salvo se tais forem
incompatíveis com a sua obrigação. Deste modo, o fiador pode utilizar perante o credor
tanto as excepções respeitantes à relação de fiança como as excepções relativas à
própria obrigação do devedor, não produzindo a renúncia deste a essas excepções
qualquer efeito em relação ao fiador.
Existe uma querela doutrinal que assenta em saber se o fiador chamado a cumprir a
obrigação pelo credor, pode invocar a compensação com a sua obrigação de fiador com
um crédito que o seu devedor tenha para com o credor. Tal levante o problema do art.
651º/2, na medida em que segundo esta norma na compensação o compensante só pode
utilizar créditos seus, sendo o compensante o fiador e estando a utilizar créditos de uma
terceira pessoa, designadamente créditos do devedor afiançado para o com o credor.
Segundo o Prof. Antunes Varela, em princípio pelo art. 637º poderia existir
compensação contudo o art. 851º impede que assim seja. O âmbito de abrangência do
art. 851º assenta nas garantias reais, não incluindo a fiança. O art. 637º é uma norma
que consagra que nas relações entre o credor e o fiador este último possa exercer contra
o credor todos os meios de defesa que lhes sejam próprios e aqueles que competiam ao
devedor, só não podendo invocar os meios de defesa do devedor se estes forem
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 58
incompatíveis, parecendo que cabe na letra desta norma a compensação. Contudo,
optando por esta interpretação em que o art. 851º/2 nega a possibilidade de
compensação e em que o art. 637º afirma o extremo oposto, existe o art. 642º que
desempata ao afirmar que se o direito do credor puder ser satisfeito por compensação, o
fiador pode recusar-se a cumprir enquanto essa compensação seja possível. Em suma,
ao art. 642º não permite invocar a compensação mas permite recusar o cumprimento por
parte do fiador pelo que deve prevalecer sobre o art. 637º - norma especial prevalece. O
Prof. João Tiago Antunes afirma que face a uma recusa do cumprimento nunca
existiria reciprocidade de créditos.
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, no confronto entre o art. 637º e o art. 642º
prevalece o primeiro na medida em que, se por exemplo nesta hipótese, Edgar decidir
pagar a divida que tinha face ao seu devedor Daniel não é possível ao fiador recusar o
pagamento. O Prof. João Tiago Antunes não concorda com esta posição.
XIV
Análise do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001, de 23 de
Janeiro.
XV
Paulino, construtor civil, obteve um empréstimo do Banco X, mediante a
constituição de uma hipoteca sobre um edifício para habitação cuja construção
Paulino estava a realizar. Depois de concluído, o prédio foi constituído em
propriedade horizontal e Paulino celebrou seis contratos-promessa de compra e
venda com diferentes promitentes-compradores. Estes passaram desde logo a
habitar nos respectivos andares.
Ao fim de alguns meses, apurou-se que Paulino não dispunha de meios para
satisfazer as suas dívidas ao Fisco e à Segurança Social. Entretanto, o Banco X
pretende executar judicialmente a hipoteca constituída a seu favor sobre o edifício
construído, mas também os habitantes das seis fracções autónomas, bem como o
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 59
Estado consideram ser titulares de garantias especiais relativas à satisfação dos
respectivos créditos.
Quid iuris?
No presente caso, existe entre o Banco X e Paulino um contrato de mútuo e uma
hipoteca. Por sua vez, Paulino celebrou com seis promitentes-compradores seis
contratos de compra e venda acompanhados de traditio. Deste modo, os promitentes-
compradores possuem um direito de retenção sobre a hipoteca resultante da conjunção
do art. 755º/1 al f) com o art. 759º/2. Por fim, Paulino possui dívidas em relação à
Segurança Social e ao Fisco consubstanciando tal privilégios imobiliários gerais
(incidem sobre todos os imóveis).
Embora se entendesse antigamente que o Estado se encontrava em primeiro lugar, hoje
a hierarquia passa: (1) Direito de Retenção nos termos do art. 759º/2; (2) Hipoteca; (3)
Privilégios Creditórios nos termos do art. 751º (Estado) e do art. 749º
Razão de ser: O Código Civil em 1986 admitiu os privilégios imobiliários, quer os
gerais ou especiais. Entendia-se que os privilégios imobiliários seriam sempre especiais
até surgir a legislação ordinária em 1980 que consagrou a possibilidade de os referidos
também poderem ser gerais.
Colocou-se a questão de saber se os privilégios imobiliários gerais se encontravam
inseridos no âmbito de aplicação do art. 751º. Durante muito tempo acreditou-se que
sim, surgindo sempre o Estado à frente do Direito de Retenção e das hipotecas. Deste
modo, a hierarquia naquela altura seria: (1) Privilégio Imobiliário (especial ou geral);
(2) Direito de Retenção; (3) Hipoteca
Nota: nos termos do art. 733º, o privilégio tem como fonte a lei tendo por base a ideia
que este produz efeitos em relação a terceiros independentemente do registo. Segundo
os Acórdãos era extremamente injusto que um credor diligente procurasse alguma
garantia para tutelar uma dívida de que era titular e verificando que aquele imóvel não
tinha nenhum registo registava a sua hipoteca e posteriormente poderia ter de responder
por uma dívida do Estado. Segundo o Prof. Antunes Varela o credor diligente dever-
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 60
se-ia indagar junto daquela pessoa e averiguar se esta tinha ou não dívidas fiscais,
gerando tal um choque com o princípio da confidencialidade.
XVI
Análise dos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 362/2002 e nº 363/2002.
XVII
António, proprietário de uma garagem que se dedica à compra e venda e
reparação de automóveis, vendeu a Bento uma carrinha usada por 7.500 €. As
partes convencionaram que o preço seria pago em 10 prestações de 750 € cada,
mas que a carrinha seria entregue quando tivessem sido cumpridas as duas
primeiras prestações.
1) Pagas as cinco primeiras prestações, Bento encarrega António de
proceder à mudança de óleo no automóvel que lhe tinha comprado.
Poderá António recusar-se a entregar o automóvel até que o preço da
mudança de óleo seja pago?
No presente caso, num primeiro momento temos o facto de António vender o automóvel
a Bento e consequentemente ser credor do preço, e num segundo momento o facto de
existir um contrato de prestação de serviços pelo pagamento do preço do próprio serviço
de mudança de óleo. Deste modo, o crédito que António possui sobre Bento provém de
um contrato de prestação de serviços (mudança de óleo). Sabendo que Bento não paga o
serviço e que António pretende ficar com a carrinha enquanto o preço não for efectuado,
coloca-se a questão de saber se tal é possível.
Uma primeira hipótese seria existir nos termos do art. 428º uma excepção de não
cumprimento do contrato, sendo que tal aplica-se nas relações sinalagmáticas. Tal não
se aplica no presente caso uma vez que António já prestou o serviço, e a entrega do
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 61
carro é acessória à obrigação principal que é a reparação. Em suma, não existe
sinalagma entre a mudança de óleo e a entrega do carro.
Uma segunda opção seria existir nos termos do art. 754º e ss direito de retenção, sendo
que se António se encontra obrigado a entregar a coisa a Bento possui,
simultaneamente, um crédito. Para poder existir direito de retenção é necessária a
existência de uma conexão entre ambos: danos causados pela coisa e despesas feitas por
causa da mesma. No presente caso, a mudança de óleo consubstanciou a despesa pelo
que existe a conexão exigida pela norma podendo haver direito de retenção.
Nota: Enquanto o direito de retenção pressupõe que o devedor se encontre adstrito à
prestação que tenha por objecto a entrega da coisa, consubstanciando-se a dívida na
obrigação de entrega da coisa, a excepção de não cumprimento pode consubstanciar
uma obrigação facere. Por outro lado, a excepção de não cumprimento pressupõe um
nexo de sinalagma, ou seja que uma obrigação seja causa da outra. No direito de
retenção não se exige a referida conexão, mas sim e apenas a do art. 754º. A excepção
de não cumprimento pode ser afastada pelo regime do art. 428º/2 comparando com o
art. 756º se outra parte prestar garantias. O direito de retenção não funciona quando a
outra parte prestar caução suficiente.
Funções do Direito de Retenção:
Função de Garantia: será igual às outras garantias reais, ou seja se o direito de
retenção visa derrogar a regra da igualdade de credores, não criando problema
de preferência de credores, a maior garantia é a dada pelo direito de propriedade,
sendo este um direito real de garantia. Existindo um crédito e não sendo este
pago garante-se o respectivo credor com a possibilidade.
Função Compulsória: consubstancia-se na obrigação de cumprimento, ou seja
consiste na função máxima dada pela sanção pecuniária compulsória pelo que
por esta segunda função se deve admitir mesmo tendo como objecto coisas
próprias.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 62
Só há lugar ao direito de retenção quando se verifique:
Um caso do art. 755º - não sendo necessário analisar os requisitos positivos do
art. 754º nem os requisitos negativos do art. 756º.
Haja alguém que se encontre obrigado a entregar determinada coisa (devedor de
uma obrigação entrega), sendo o devedor simultaneamente credor da pessoa a
quem essa coisa deve ser entregue e possuindo um credito especifico (quer por
despesas feitas por conta da coisa ou por danos que essa coisa tenha causado).
Subhipotese: imaginando a hipótese igual mas com reserva de propriedade, por
exemplo que a propriedade só se transferiria com a última prestação estaríamos perante
um caso de retenção de uma coisa própria (proprietário).
2) Se Bento pagar a mudança do óleo, pode António recusar-se a entregar o
automóvel, invocando que o primeiro não pagou a última prestação do
preço do automóvel?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 63
Não existindo uma conexão material, ou seja uma vez que o crédito não resulta de
despesas realizadas por causa da coisa, falha um dos requisitos do art. 754º não podendo
deste modo existir direito de retenção.
Não existindo sinalagma entre as duas prestações, ou seja entre a que se pretende
cumprir e a que foi incumprida, sendo que a coisa seria entregue com as duas primeiras
prestações não se pode invocar a excepção de não cumprimento. Não existe sinalagma
na medida em eu a entrega da coisa já foi inicialmente feita antes do pagamento, sendo
as próprias partes a dizer que a entrega da coisa não tem a contrapartida de pagar o
preço, ou seja as próprias partes afastam o sinalagma, sendo que estar-se-ia perante um
venire contra factum próprio admitir a excepção de não cumprimento.
Em suma, António encontrava-se obrigado a entregar o automóvel a Bento.
Nota: coloca-se a questão de saber se existe direito de retenção sobre um bem
pertencente a terceiro. Imaginando que Bento, comprador com reserva de propriedade,
levou a arranjar a um terceiro o automóvel, e não pagando este o preço poderia o
terceiro reter a coisa? Segundo o Prof. Júlio Gomes é duvidoso que o direito de
retenção possa funcionar sobretudo quando não foi o terceiro proprietário da coisa
devida que deu origem ao crédito, sendo que à partida, nestas hipóteses, deve-se rejeitar
o direito de retenção.
XVII
Francisco contratou Michael, famoso tenista estrangeiro, para lhe dar uma
aula de ténis. Michael adoeceu gravemente ficando, assim, impossibilitado de dar a
aula a Francisco.
1) Terá Francisco de pagar a Michael o preço correspondente à aula de ténis?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 64
No presente caso existem duas obrigações: a do aluno pagar preço da aula se esta
ocorrer e a do professor dar a aula.
A presente hipótese refere-se a um incumprimento não imputável ao devedor
(professor), havendo nos termos do art. 790º e 797º um não cumprimento da aula,
tornando-se a prestação impossível por caso fortuito (abrange desde logo os casos em
que o devedor não cumpre a prestação porque está doente).
Considerando que a impossibilidade é temporário, ou seja admitindo que o professor irá
recuperar, aplicar-se-ia o art. 792º. Embora a impossibilidade temporária que o art. 792º
consagra seja uma norma gémea do regime jurídico da mora, a distinção passa pelo
facto de no regime da mora o devedor se encontrar obrigado a indemnizar o credor.
Nos termos do art. 792º, a impossibilidade temporária não conduz, em princípio, nem à
extinção da obrigação nem à mora do devedor. O cumprimento é apenas protelado para
um momento posterior (para quando for possível), sem consequências para o devedor.
Este fica exonerado apenas enquanto a impossibilidade se mantiver, não incorrendo em
mora por não cumprir durante o período do impedimento.
Deste modo, não sendo o devedor responsável pelo retardamento da prestação não terá
de indemnizar o credor desta prestação pelos prejuízos que haja sofrido, sendo o credor
que responde por estes prejuízos. Mantém-se a contraprestação, ou seja o professor de
ténis continua obrigado a dar a aula não se colocando deste modo nenhum problema de
risco de contraprestação.
Necessário será notar que de acordo com o art. 792º/2, a impossibilidade só é
verdadeiramente temporária enquanto o interesse do credor se mantiver pelo que existe
a possibilidade de transformar a impossibilidade temporária em definitiva.
Por outro lado, considerando que a impossibilidade é definitiva, uma vez que o
professor adoeceu gravemente é necessário apurar se o devedor fica exonerado e o que
sucedeu à contraprestação.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 65
A primeira questão a colocar é se a prestação em causa tem caracter fungível ou
infungível. Estar-se-á perante uma prestação infungível, no caso de a prestação pela sua
natureza, estipulação das partes ou disposição legal implicar que o devedor não possa
ser substituído por terceiro, bastando a impossibilidade subjectiva para a extinção da
obrigação (art. 791º). Se pelo contrário a prestação for fungível, só a impossibilidade
objectiva constitui causa extintiva do vínculo (art. 790º).
No presente caso, presume-se que a prestação seja infungível (‘’Michael, famoso tenista
estrangeiro’’), sendo que por aplicação do art. 791º a obrigação extingue-se ficando o
devedor exonerado. Ou seja, o credor perde o direito de exigir a prestação assim como
não tem direito à indemnização pelos danos provenientes do não cumprimento.
O risco da contraprestação encontra-se regulado no art. 795º, sendo este regime
aplicável a contratos bilaterais/sinalagmáticos. Por força do sinalagma a impossibilidade
deve afectar ambas as partes do contrato devido ao Princípio da Interdependência das
Prestações, impedindo que uma prestação seja efectuada sem que a outra o seja. Embora
a solução seja a extinção de ambas as prestações é necessário distinguir se a
impossibilidade é ou não imputável ao credor.
No presente caso, não sendo imputável ao credor, nos termos do art. 795º/1 o credor fica
desobrigado da sua contraprestação, se a prestação do devedor se tornou impossível. É o
corolário natural da chamada condição resolutiva tácita. Se já tiver realizado a sua
contraprestação, pode pedir a restituição dela nos termos prescritos paras o
enriquecimento sem causa. o aluno não terá de pagar o preço.
Em suma, caso estejamos perante um caso de impossibilidade definitiva nem o
professor se encontra obrigado a dar a aula de ténis, nem o aluno se encontra obrigado a
pagar o preço da aula.
2) Suponha, agora, que Michael não pôde dar a aula devido a um temporal
que ocasionou um corte de luz durante todo o período em que o famoso
professor esteve em Portugal. Terá Francisco de pagar o preço acordado?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 66
Nos termos do art. 790º, estamos perante um caso em que a impossibilidade é definitiva
(‘’temporal ocasionou um corte de luz durante todo o período em que o famoso
professor esteve em Portugal), não sendo esta imputável ao devedor na medida em que
se trata de um caso fortuito. Nos termos do referido artigo, o devedor fica exonerado e a
obrigação extingue-se.
Devendo-se a impossibilidade a um caso fortuito (‘’corte de luz’’), não imputável ao
devedor deste modo, nos termos do art. 795º/1 o credor fica desobrigado da sua
contraprestação, se a prestação do devedor se tornou impossível. É o corolário natural
da chamada condição resolutiva tácita. Se já tiver realizado a sua contraprestação, pode
pedir a restituição dela nos termos prescritos paras o enriquecimento sem causa. o aluno
não terá de pagar o preço.
3) Imagine que é Francisco quem adoece faltando, por isso, à aula de ténis.
Sabendo que Michael já se encontrava em Portugal, para onde se deslocou,
excepcionalmente, a fim de dar a referida aula, terá Francisco de pagar a
Michael o preço correspondente à aula de ténis?
A presente hipótese levanta o problema teórico de saber se existe efectivamente
impossibilidade. Tal depende da noção de prestação: se se entender que tal inclui o
interesse do credor existe impossibilidade; se por outro lado entender-se que tal não
inclui o interesse do credor, mas apenas a conduta devida, sendo a prestação
abstractamente possível, pressupondo a prestação a colaboração do credos e não sendo
nestes casos já essa colaboração viável então existirá igualmente impossibilidade.
É necessário distinguir três tipos de situações:
Frustração do Fim da Prestação: encontra-se relacionado com o efeito útil,
não podendo mais ser realizado – existem situações em que a impossibilidade
provém de um facto relativo ao credor mas sem que este possa ser assacada a
menor culpa na sua verificação. Exemplo: A contrato B, medico, para o operar
com vista a remover um tumor. Estando a operação marcada para o diz X, o
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 67
doente morre antes dessa doente. Nesta circunstância em que se contratou uma
prestação que não vai ser realizada pelo devedor porque existe uma situação
superveniente que se verificava no nascimento da obrigação, extingue-se a
obrigação na medida em que deixa de fazer sentido: a obrigação já não tem
objecto.
Realização da Prestação por outra via que não a realização da conduta
devida. Exemplo: o doente que contrata o médico para ser operado, antes da
operação cura-se – operação desnecessária. Obrigação é contratada mas depois
da sua contratação, verifica-se uma situação, em que de acordo com a finalidade
da operação esta deixa de fazer sentido. Em suma, a obrigação ainda tem objecto
mas já não tem interesse para o devedor.
Problemas jurídicos destas duas situações:
Problema Teórico: nos casos de frustração do fim da prestação e nos casos da
realização da prestação por uma via diferente do cumprimento ainda se pode
falar em impossibilidade? Exemplo: quando o doente morre ou se cura antes de
ser operado ainda estamos perante uma situação de impossibilidade de prestação
por parte do médico? Há quem entende que quando se fala em impossibilidade,
esta apenas ocorre quando a prestação do devedor se torna impossível de tal
forma que já não haverá impossibilidade nos casos em que a prestação ainda
pode ser realizada pelo devedor mesmo que nenhum interesse tenha para o
credor. O Prof. Antunes Varela entende que o médico pode operar um cadáver
ou uma pessoa que julgava doente, mas qual é o interesse que o devedor tem? A
resposta depende de saber se dentro do conceito de impossibilidade se
equacionam duas variáveis: se estiverem reunidos então são casos de
impossibilidade – nestes casos existe a falta de interesse do devedor.
Problema prático: o que acontece à contraprestação? Exemplo: um médico tem
direito a cobrar o dinheiro da cirurgia do doente que morreu ou que se curou?
Quem é o causador da impossibilidade? Aplica-se o art. art. 795º/1 ou o art.
795º/2? Segundo o Prof. Antunes Varela, na sequencia do Professor Vaz Serra e
Professor Baptista Machado e Professor Menezes Leitão tal são casos em que
rigor se não pode aplicar nem o nº1 nem o nº2 uma vez que pensando bem nas
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 68
duas hipóteses (doente que morre ou que se cura) a causa da impossibilidade
esta mais próxima do doente (credor) e tal levaria à aplicação do nº2. Contudo
como este problema não é em rigor de impossibilidade, e como tal também
poderia ser injusto na maioria dos casos, aplica-se o regime da gestão de
negócios, art. 468º do CC. O médico embora não tenha operado pode ter perdido
tempo na análise do caso, por exemplo, sendo justo uma indemnização –
indemnizado das despesas que fundadamente tenha considerado indispensáveis.
O risco da contraprestação é mitigado pagando o credor das despesas descritas
anteriormente.
Não exercício do credor do direito a uma prestação com termo
absolutamente fixo: estamos perante um caso de risco da prestação, que se
designa como ‘’a terra de ninguém’’ nas palavras do Prof. Baptista Machado.
Estamos perante casos de impossibilidade não imputável e de mora do credor,
ou seja de não exercício definitivo do direito por causa imputável ao credor. No
presente caso, o professor de ténis vinha de propósito a Portugal para dar a aula
de ténis e esta acabou por não se realizar devido a doença do aluno – a prestação
era possível no momento aprazado para o cumprimento da obrigação. Existe o
não exercício do direito no momento próprio, visto tratar-se de prestações com
termo absolutamente fixo.
Exemplo: compra de um bilhete de cinema para a sessão das 15h. Chegando
atrasada já não me deixam entrar. Casos de impossibilidade? Não só a obrigação
era possível de cumprir (chego atrasado porque quero) como o terá sido na
maior parte dos casos (no cinema o filme é exibido). A prestação do devedor é
teoricamente possível como a obrigação é inclusivamente cumprida por parte do
devedor – prestação com prazo absolutamente fixo que não é aceite por parte do
credor por um facto que lhe é imputável. Não sendo um tema de impossibilidade
na medida em que a obrigação cumpriu-se e extinguiu-se o problema prático
assenta em saber o risco da contraprestação.
Inicialmente, tendeu-se a classificar estas situações como casos de
impossibilidade não imputável ao credor (art. 790º ou 791º & art.
795º/1).
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 69
Surgiu alguma doutrina a clarificar estas situações como casos de mora
do credor, na medida em que tal pressupõe uma situação em que o credor
não aceita a prestação ou não pratica os actos necessários à realização da
prestação e a verdade é que não existe motivo justificado para o fazer. Só
se deve dizer que há impossibilidade não imputável quando a prestação
não é cumprida por um determinado facto relativo a pessoa do credor
mas mesmo que essa situação não existisse ainda assim a obrigação não
poderia ser cumprida. Exemplo: aluno que contrata um guia de
montanha e não comparece – pode ser impossibilidade não imputável
caso no dia em que o aluno não compareceu não se podia ir a montanha
por causa do tempo; caso o tempo fosse óptimo e não se tivesse realizado
porque ele não comparou então é mora do credor - só não sendo quando
exista um motivo justificado/legal, não incluindo em tal os casos de
doença do credor.
Prof. Baptista Machado: é um instituto cinzento que distingue os casos
de impossibilidade definitiva da mora do credor. Quando existe uma
causa para ‘’não ir ao cinema’’ ocorre a aplicação do art. 815º/2.
Prof. Antunes Varela: tais situações não se tratam de casos de mora do
credor nem de impossibilidade não imputável, mas sim de prestações
com prazo absolutamente fixo. Existia um prazo temporal muito curto
para que a prestação fosse aceite: o credor não aceita a prestação que lhe
é oferecida dentro daquele prazo, existindo o não exercício pelo credor
do direito a uma prestação, prestação essa que tem um prazo
absolutamente fixo. Não são casos de impossibilidade na medida em que
não só a prestação que o devedor assumiu é possível mas sem
colaboração do próprio devedor, como sucede na maior parte dos casos,
senão em todos foi realizada. É necessário distinguir entre risco da
prestação e risco da utilização da prestação que corre sempre por conta
do credor. O autor considera que nos casos de ‘’terra de ninguém’’ por
força do art. 795º/2 deve-se incidir o risco junto da pessoa do credor.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 70
Não sendo um caso de impossibilidade não se pode aplicar o art. 795º,
interpretando o autor o art. 813º. Em suma, no não exercício do credor de
uma prestação com prazo absolutamente fixo aplica-se analogicamente o
regime do art. 815º - situação em que há lugar à contraprestação
Prof. Maria de Lurdes Pereira & Prof. Menezes Leitão: nos casos de
‘’terra de ninguém’’ estamos perante uma situação de mora do credor. A
referida autora interpreta o art. 813º tendo em conta que o motivo
justificado é só em relação à primeira parte do artigo, só fazendo sentido
quando o credor não aceita a prestação. Deste modo, há mora do credor
quando se verifica (1) ele não aceita, ou (2) existe motivo justificado. A
referida, influenciada pelo pensamento da mora do credor do 813º
interpreta a doença como casos fortuitos que podiam ser entendidos
como motivos justificados. Quando é necessário ao credor praticar uma
serie de actos para realizar a prestação é irrelevante saber se existe ou
não motivo justificado.
No presente caso estamos perante uma situação de mora do credor nos termos do art.
813º: o credor que, sem motivo justificado, recusar a prestação ou não praticar os actos
necessários à realização da prestação incorre em mora. Alguma doutrina defende que o
motivo justificado só releva para a primeira parte da norma, sendo indiferente o facto de
o credor estar doente na medida em que existia uma parte da prestação que só poderia
ser realizada com a sua colaboração.
4) Caso Michael não fosse estrangeiro e a aula de ténis pudesse ter lugar num
dia diferente do acordado, poderia o professor recusar-se a dar aula num
dia diferente e simultaneamente receber o preço convencionado com
Francisco?
Embora o problema presente no caso seja semelhante ao da alínea anterior, coloca-se a
questão de estabelecer a diferença entre o regime da impossibilidade e o regime da mora
do credor, não se colocando na verdade um problema de ‘’terra de ninguém’’.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 71
A lei estabelece no 813º que o credor incorre em mora sempre que sem motivo
justificado não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os
actos necessários ao cumprimento da obrigação. Pressupostos: (1) recusa ou não
realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento; (2) ausência de
motivo justificado para essa recusa ou omissão
A fronteira entre a impossibilidade da prestação e a mora do credor constitui uma das
questões jurídicas mais controversas actualmente.
Tradicionalmente entendia-se que quando o credor estava impedido por uma causa
estranha de colaborar no cumprimento, se estaria perante uma situação de
impossibilidade não imputável, com a consequente exoneração do credor em relação à
realização da contraprestação 795º nº1.
Posteriormente passou-se porém a entender que o impedimento do credor para aceitar a
prestação ou colaborar no cumprimento não constitui impossibilidade, mas antes mora,
não ficando assim o credor exonerado do dever de efectuar a contraprestação. Só
haveria assim impossibilidade se mesmo com a colaboração do credor, fosse impossível
para o devedor realizar a contraprestação. Se a razão da não realização da prestação
reside apenas na falta da colaboração do credor, seja qual for o motivo porque esta não
ocorreu, há mora do credor, tendo este que continuar a realizar a contra prestação. Em
suma, tem de contraprestar a não ser que o credor alegue e prove que mesmo que ele
tivesse praticado os actos necessários ao cumprimento da prestação que a prestação não
se teria realizado – ex. o aluno estava doente logo não pode ir a aula mas mesmo que ele
não tivesse doente e mesmo que ele tivesse ido a aula teria havido um corte de luz e a
aula não poderia ser dada na mesma.
Segundo o Professor Antunes Varela este tipo de situações não se reconduz à
impossibilidade (porque os factos radicam próximos da pessoa do credor) mas também
não constitui mora (neste caso porque estar doente é um motivo justificado), o que estes
casos podem configurar é uma situação em que o credor não recebe uma prestação a que
tem direito num prazo absolutamente fixo – temos de distinguir o risco da prestação e o
risco da utilização da prestação e fazer incidir o risco no credor para o obrigar a
contraprestar, ou seja suportar todas as despesas que o devedor teve de fundadamente
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 72
suportar por conta dessa prestação – neste caso seria a viagem . Ao valor desta
indemnização vamos abater todas as vantagens e benefícios que o devedor tenha tido
com o facto de não ter realizado a prestação – se o professor não deu a aula aquele aluno
mas deu a outro aluno. Se por qualquer motivo a prestação se tornar impossível por
facto não imputável a nenhum das partes – ex. O professor morreu – aplicamos o 792º.
Aplicamos as normas jurídicas do regime da impossibilidade e da mora
Segundo o Prof Baptista Machado embora considere que a inutilização da prestação por
motivo atinente ao credor gravita na mesma esfera de problemas da mora do credor,
pois o risco está mais próximo do credor (temos de distinguir entre risco da utilização
da prestação e risco da prestação), não considera que esses casos se possam integrar sem
mais neste instituto, atento ao pressuposto da ausência de motivo justificativo. O autor
vem afirmar que não é mora é um caso de lacuna na lei – resolve dizendo que o 816º -
norma que contem um principio geral aplica-se mesmo que não haja mora do credor
por aplicação analógica do 808º - o devedor pode fixar um prazo ao credor para que ele
esteja disponível para ele cumprir – se não tivesse disponível o aluno na nova aula a
obrigação extingue-se
Segundo o Prof. Menezes Leitão deve ser aplicado o regime da morado credor e não o
da impossibilidade a todos os casos em que o credor omita a prática dos actos
necessários ao cumprimento independentemente do motivo por que o faz.
Efectivamente o devedor ao se obrigar a prestar não assume o risco de a sua prestação
não se realizar por ausência de colaboração do credor, mesmo que não derivada de
culpa deste. Não se justificaria por isso exonerar nestas situações o credor do dever de
efectuar a contraprestação, como resultaria da aplicação do regime da impossibilidade –
a prestação não se extingue, existindo mora porque interpreta o 813º “sem motivo
justificado” – só respeita á recusa da prestação – nesta tese 815º nº2 risco corre por
conta do credor + indemnização - 816º - não se pode recusar a dar a aula no dia
seguinte
XIX
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 73
António vendeu a Joaquim toda a sua produção de laranjas, por 5.000 €.
Ficou acordado que as laranjas seriam colhidas no mês seguinte. Quinze dias
depois e antes das laranjas serem colhidas, a poluição provocada por uma unidade
fabril provocou o apodrecimento de metade da fruta. Joaquim já tinha pago os
5.000 €.
1) Quem era o proprietário das laranjas, quando a poluição
provocada pela unidade fabril provocou o apodrecimento de
metade da fruta?
A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por
efeito do contrato. Contudo, uma vez que a presente hipótese respeita a frutos naturais,
no âmbito do art. 408º/2 a transferência da propriedade só ocorre no momento da
colheita ou da separação, pelo que o vendedor (António) é o proprietário. Nos termos do
art. 796º/1 o risco corre por conta do proprietário pelo que terá de devolver metade da
quantia recebida (2500euros), ou se não quiser devolver este valor terá de efectuar uma
nova (metade da) prestação.
2) Com que fundamento é que Joaquim pode pedir a restituição do
que havia pago a mais?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 74
Nos termos do art. 440º ocorreu uma antecipação da totalidade do cumprimento,
existindo entre a antecipação e a entrega da coisa um facto que provocada a destruição
de metade da produção.
Trata-se de um caso de impossibilidade parcial imputável a terceiro, pelo que nos
termos do art. 793º, fica extinta uma parte da obrigação por impossibilidade de
cumprimento o devedor cumprirá o que for possível.
Havendo lugar a um simples cumprimento parcial da obrigação, nos termos do art. 793º,
haverá igualmente lugar à redução proporcional da contra prestação a que a outra parte
estiver vinculada, sendo que daqui se conclui que o risco do preço, da contraprestação
ou da compensação corre por conta do devedor desonerado da prestação por
impossibilidade desta.
A redução da contraprestação é feita nos termos prescritos no art. 884º, sempre que se
se trate de um contrato oneroso de alienação de bens ou de estabelecimento de encargos
sobre eles, como resulta do art. 939º.
Em suma, nos termos do art. 796º o risco não corre por conta do comprados na medida
em que não é o proprietário das laranjas no momento em que ocorre a destruição de
metade destas. O devedor terá que entregar as laranjas que não foram destruídas, sendo
a contraprestação é proporcionalmente reduzida, ou seja só irá receber 2500euros
(correspondente a metade das laranjas) por força do art. 795º.
Nota: o regime do art. 795º (risco em contratos obrigacionais), no presente caso,
encontra-se em consonância com o regime do art. 796º (risco em contratos com eficácia
real). Caso ocorresse uma divergência aplicar-se-ia o artigo 796º.
3) Estará Joaquim obrigado a aceitar metade da fruta?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 75
Nos termos do art. 793º/2, não existindo interesse justificado, por parte do credor, no
cumprimento parcial, este pode resolver o negócio.
O Prof. Baptista Machado entende que o devedor pode obstar à resolução do contrato,
fundada na impossibilidade parcial da prestação, eliminando os defeitos da prestação ou
procedendo à substituição desta, dentro do prazo razoável ficado pelo credor, nos
termos do art. 808º/1. Dificilmente se concebe, no entanto, que uma prestação
verdadeiramente impossível (mesmo só em parte) possa ser corrigida ou substituída por
outra, a não ser por outro arranjo contratual livremente negociado por ambas as partes.
4) Se António tiver direito a receber 2.700 € pelos danos causados
pela unidade fabril, que poderá fazer Joaquim?
O ‘’Commodum’’ de representação ou Sub-Rogação Real Legal consagrada no art. 794º
é uma figura com muito pouca aplicação pratica no nosso ordenamento jurídico na
medida em que pressupõe a não transferência da propriedade. Ora, a regra no Direito
Português é a de que a transferência da propriedade das coisas ocorre por mero efeito do
contrato, nos termos do art. 408º/1, pelo que passam a pertencer ao credor, devendo ser
ele directamente o titular da indemnização sem necessidade de sub-rogação. O
‘’Commodum’’ de representação só se aplica nos casos do art. 408º/2 e nos casos do art.
409º.
Uma vez que a presente hipótese remete-nos para a matéria dos frutos naturais,
incluindo-se no âmbito do art. 408º/2, coloca-se a questão de saber como conciliar o
regime do ‘’Commodum’’ de representação, presente no art. 794º com o regime do art.
795º, referente aos contratos bilaterais.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 76
Trata-se de uma opção: o credor da obrigação recíproca terá que fazer uma escolha: ou
opta por exercer os direitos que decorrem do ‘’Commodum’’ de representação e, no
presente cabo, recebe 2700euros mas continua obrigado à contraprestação, ou opta pela
desoneração da contraprestação e recupera aquilo que prestou, ou seja os 2500euros.
Neste caso, a solução mais conveniente seria a que deriva do ‘’Commodum’’ de
representação na medida em que o valor é superior.
XX
No dia 10 de Março de 2006, António vendeu a Bento uma cómoda D. Maria
de pau-santo por 5.000 €. As partes convencionaram que António deveria entregar
a referida cómoda na casa de Bento, no dia 15 desse mesmo mês, contra o
pagamento do respectivo preço. A cómoda ficou destruída por um incêndio
fortuito ocorrido no armazém de António.
Para responder a cada uma das alíneas só deverá ter em conta em conta o
corpo da hipótese.
1) Se o incêndio tiver ocorrido no dia 14 de Março, terá Bento de
pagar o preço da cómoda a António?
A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por
efeito do contrato, pelo que Bento será o proprietário.
No presente caso, estamos perante uma impossibilidade objectiva não imputável a
nenhuma das partes, na medida em que a destruição da comoda ocorreu devido a um
incêndio. Ou seja, existe uma impossibilidade objectiva derivada de caso fortuito ou de
força maior, pelo que nos termos do art. 790º/1 o devedor ficaria desonerado de entregar
a cómoda.
Coloca-se a questão de saber quem suporta o risco da contraprestação. Nos termos do
art. 795º/1, Bento sendo o proprietário desde de dia 1 de Março não teria de pagar o
preço. Contudo, o referido artigo cede face ao art. 796º quando ocorra uma divergência.
Deste modo, nos contratos com efeitos reais em que se aplica o art. 796º este prevalece
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 77
face ao art. 795º devido a uma relação de especialidade. Nos termos do art. 796º/1 o
risco corre por conta do adquirente, sendo que quem irá suportar o risco será Bento,
encontrando-se obrigado a pagar o preço mas a não receber a cómoda.
Nunca se colocaria a questão de aplicação do ‘’Commodum’’ de representação (art.
794º) na medida em que a transferência da propriedade ocorreu com o contrato, pelo
que seria sempre Bento a receber a prestação.
2) A resposta à pergunta anterior seria a mesma se as partes
tivessem convencionado que a propriedade da cómoda só se
transferia para Bento quando este procedesse ao integral
pagamento do preço?
No presente caso existe uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º), pelo que nos
termos do art. 796º/3 é necessário apurar quem suporta o risco.
Existe uma divergência doutrinal acerca da natureza jurídica da cláusula da reserva de
propriedade, pelo que a solução irá sempre depender da posição adoptada.
Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof Pires de Lima é impossível afirmar que a
cláusula de reserva de propriedade é uma condição na medida em que incide sobre um
elemento essencial do negócio. No entanto, apesar de afirmarem tal entendem que
nestes casos se aplica analogicamente o regime do art. 796º/3, 2ªparte por uma razão de
bom sendo, na medida em que se a não transferência da propriedade até que o preço seja
pago visa proteger o vendedor, faz todo o sentido que o risco corra por conta dele.
Deste modo, segundo o Prof. Antunes Varela e a Jurisprudência a cláusula de reserva de
propriedade constitui uma cláusula suspensiva, consagrada no art. 796º/3, 2ªparte. Na
condição suspensiva o domínio ou o direito (real) sobre a coisa não se transfere ou não
se constitui enquanto o evento não se verificar, pelo que o risco durante a pendencia da
condição corre por conta do alienante; uma vez verificada a condição, o risco passa
naturalmente a correr por conta do credor (adquirente). Ou seja, enquanto não se
verificar o evento condicionante que pode ser o pagamento do preço, a propriedade fica
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 78
suspensa não ocorrendo a transferência da propriedade como se transferia nos termos do
art. 408º/1.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, a cláusula de reserva de propriedade constitui uma
condição resolutiva, pelo que nos termos do art. 796º/3, 1ªparte, a cláusula não impede o
efeito translativo (imediato) do contrato, sendo que o risco do perecimento da coisa
corre por conta do credor (adquirente), necessitando para tal que a coisa lhe tenha sido
entregue. Assenta na ideia da relação entre o art. 409º e o art. 886º que derrogam o art.
801º tornando-se resolúvel o contrato promessa. Deste modo, o risco já não corre por
conta do adquirente nessa mesma pendencia caso a coisa lhe tenha sido entregue.
Nota: segundo o Prof. João Tiago Antunes mesmo que se seguisse o entendimento que a
cláusula de reserva de propriedade consistia numa condição resolutiva, no presente caso
nunca se poderia aplicar o art. 796º/3, 1ªparte na medida em que tal pressupõe a entrega
da coisa, entrega essa que no presente caso não ocorreu.
3) Terá Bento de pagar o preço da cómoda, caso esta só pudesse ser
entregue no dia 15, porque António precisava dela até esse
momento?
No presente caso estamos perante uma compra e venda, em que a coisa não é entregue e
fica na posse do alienante durante certo período de tempo, período esse em que ocorreu
um incêndio não imputável a nenhuma das partes.
Nos termos do art. 796º/2, tendo a coisa ficado em poder do alienante, em consequência
de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere para o adquirente com o
vencimento do termo ou a entrega da coisa, salvo se houver mora do alienante (art.
807º), não bastando que a coisa seja colocada à disposição do adquirente.
Deste modo, o risco corre por conta de António ficando este sem a coisa e sem o valor
da comoda na medida em que Bento não é obrigado a pagar o preço.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 79
4) Imagine que o incêndio ocorreu no dia 16 de Março e que António
não tinha procedido ainda à entrega da cómoda, porque se
esqueceu que tinha combinado com Bento entregar a cómoda no
dia 15. Terá Bento de pagar o respectivo preço?
No presente caso, estamos perante uma situação em que existe mora do devedor uma
vez que a entrega da comoda deveria ter sido realizada no dia 15 de Março e não foi
(art. 798º, 801º, 804º e 805º/2).
A mora do devedor foi seguida de impossibilidade definitiva não imputável a nenhuma
das partes, ou seja presumindo-se o incêndio fortuito. A consequência prática da
impossibilidade objectiva definitiva não imputável a nenhuma das partes e posterior à
mora do devedor encontra-se consagrada no art. 807º/1.
O regime do art. 807º/1 constitui uma excepção ao regime consagrado no art. 790º,
sendo que a mora perpetua a obrigação. Da aplicação desta norma resulta que: (1) o
devedor ao incumprir terá de indemnizar os prejuízos causados pelo não cumprimento;
(2) o risco da contraprestação corre inteiramente pelo devedor em mora, pelo que o
credor não terá de contraprestar (art. 795º). Daqui resulta que António ficará sem a coisa
(a cómoda ficou destruída no incêndio), e sem o dinheiro, sendo ainda suspeito de um
caso de responsabilidade contratual tendo Bento direito a uma indemnização.
Nota: Segundo o Prof. Vaz Serra ‘’Parece razoável que, estando em mora o devedor, se
presuma que a impossibilidade da prestação devida a facto a ele não imputável se
verificou justamente por causa dessa mora. É de crer que, se a obrigação não tivesse
sido cumprida em tempo, tal impossibilidade se não teria dado.’’
Precisamente porque se trata de uma presunção – a da existência dum nexo de
causalidade entre a mora e a perda ou deterioração da coisa – o devedor é admitido a
provar que o credor teria sofrido igualmente o dano, se a obrigação tivesse sido
cumprida. É esta a doutrina do art. 807º/2, tratando-se de um caso de relevância
negativa da causa virtual do dano. A prova imposta ao devedor é difícil. Devem ocorrer
circunstancias muito especiais, para que possa considerar-se afastado o nexo de
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 80
causalidade pressuposto na lei. Mas, feita a prova, não há razão que possa justificar a
responsabilidade do devedor, devendo ele responder apenas pelos efeitos da mora.
5) Suponha, agora, que não foi António quem se esqueceu de
entregar a cómoda, mas foi Bento que não recebeu a cómoda, por
ter decidido aproveitar os primeiros dias soalheiros de 2006 e ir
para Vila Nova de Mil Fontes. Terá Bento de pagar o preço da
cómoda? A resposta seria a mesma se o incêndio se devesse a uma
imprudência indesculpável de António?
Relativamente à primeira parte do caso, existe uma situação de mora do credor nos
termos do art. 813º na medida em que não existe motivo justificado que leve Bento a
não aceitar a prestação. Os motivos que justificam o não recebimento na prestação
podem dizer respeito ao seu objecto ou à forma por que o devedor pretende cumprir a
obrigação. O motivo justificado que o credor pode invocar para não incorrer em mora
tem de ser um motivo que encontre a sua justificação na lei, ou seja um motivo
legítimo.
Nos termos do art. 815º/1 o risco corre por conta do credor (Bento), que apesar do
incêndio terá de pagar o valor da coisa (o devedor só responde se a impossibilidade
resultar de dolo, e não quando resulte de mera culpa – art. 795º/2).
Nos termos do art. 815º/2, 1ªparte o credor não se encontra exonerado da
contraprestação, pela extinção da obrigação do devedor, visando-se não prejudicar o
obrigado em consequência da mora accipiendi.
Nos termos do art. 815º/2, 2ªparte se o devedor retirar algum benefício com a extinção
da sua obrigação deve o valor de tal benefício ser descontado na contraprestação.
Relativamente à segunda parte do caso, coloca-se a questão de saber se se trata de um
caso de dolo eventual ou de negligência inconsciente.
Configurando uma situação de dolo eventual, o agente previu o resultado como
consequência da sua possível conduta, não se abstendo porem de a empreender e
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 81
conformando-se com a produção do resultado; configurando um situação de negligencio
consciente, o agente, admite, prevê como possível a realização do resultado típico, mas
confia podendo e devendo não confiar, em que o mesmo não se realiza ou mostrando-se
indiferente à sua produção.
Resulta da conjugação do art. 814º/1 com o art. 815º/1, que o risco corre por conta de
Bento. Contudo, uma vez que António entra em mora nos termos do art. 807º/1 ocorre
uma inversão do risco que passa a correr por conta do alienante.
Existe igualmente um agravamento do risco o que leva a responsabilidade contratual por
causa não imputável.
6) Se Bento não tivesse recebido a cómoda, porque se encontrava
hospitalizado por ter sofrido um ataque cardíaco, continuaria
obrigado a pagar os 5.000 € acordados?
No presente caso, não existe mora do credor nos termos do art. 813º uma vez que existe
uma causa justificativa. Tal consubstancia uma situação de difícil fronteira entre
impossibilidade por causa não imputável a nenhuma das partes e impossibilidade por
causa imputável ao credor.
Nos termos do art. 790º existe uma situação de impossibilidade objectiva ficando o
devedor desonerado, e nos termos do art. 792º existe uma situação de impossibilidade
temporária pelo que o devedor não vai responder pela mora.
A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por
efeito do contrato, pelo que de acordo com o art. 796º/1 será Bento quem suporta o
risco. Daqui resulta que Bento ficará sem a cómoda (cómoda destruída no incêndio) mas
terá de pagar o preço (5mil Euros).
Nota: aplica-se o art. 796º/1 ao invés do art. 815º/1, na medida em que este é mais
favorável a Bento que não terá de suportar a negligência.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 82
7) Caso as partes tivessem acordado que a propriedade da cómoda só
se transferiria para Bento quando este tivesse pago o preço,
estaria Bento obrigado a fazê-lo se o incêndio fortuito tivesse
ocorrido em sua casa, depois da cómoda lhe ter sido entregue, mas
antes dele ter liquidado o seu preço?
A regra constante do art. 408º/1 é a de que o direito de propriedade se transmite por
efeito do contrato, pelo que de acordo com o art. 796º/1 o risco corre por conta de Bento
independentemente da entrega da coisa.
Contudo, no caso em análise existe uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º)
pelo que não se encontram verificados todos os efeitos da compra e venda presente no
art. 879º: (1) transferência da propriedade – não; (2) entrega da coisa – sim; (3)
pagamento do preço – não.
Existe uma divergência doutrinal acerca da natureza jurídica da cláusula da reserva de
propriedade, pelo que a solução irá sempre depender da posição adoptada.
Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof Pires de Lima é impossível afirmar que a
cláusula de reserva de propriedade é uma condição na medida em que incide sobre um
elemento essencial do negócio. No entanto, apesar de afirmarem tal entendem que
nestes casos se aplica analogicamente o regime do art. 796º/3, 2ªparte por uma razão de
bom sendo, na medida em que se a não transferência da propriedade até que o preço seja
pago visa proteger o vendedor, faz todo o sentido que o risco corra por conta dele.
Deste modo, segundo o Prof. Antunes Varela e a Jurisprudência a cláusula de reserva de
propriedade constitui uma cláusula suspensiva, consagrada no art. 796º/3, 2ªparte. Na
condição suspensiva o domínio ou o direito (real) sobre a coisa não se transfere ou não
se constitui enquanto o evento não se verificar, pelo que o risco durante a pendencia da
condição corre por conta do alienante; uma vez verificada a condição, o risco passa
naturalmente a correr por conta do credor (adquirente). Ou seja, enquanto não se
verificar o evento condicionante que pode ser o pagamento do preço, a propriedade fica
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 83
suspensa não ocorrendo a transferência da propriedade como se transferia nos termos do
art. 408º/1.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, a cláusula de reserva de propriedade constitui uma
condição resolutiva, pelo que nos termos do art. 796º/3, 1ªparte, a cláusula não impede o
efeito translativo (imediato) do contrato, sendo que o risco do perecimento da coisa
corre por conta do credor (adquirente), necessitando para tal que a coisa lhe tenha sido
entregue. Assenta na ideia da relação entre o art. 409º e o art. 886º que derrogam o art.
801º tornando-se resolúvel o contrato promessa. Deste modo, o risco já não corre por
conta do adquirente nessa mesma pendencia caso a coisa lhe tenha sido entregue.
O problema coloca-se quando a coisa já foi entregue. Existe uma lacuna na lei, na
medida em que na condição resolutiva afirma-se que o risco só se transfere quando
ocorra a entrega, nada se dizendo quanto à condição suspensiva.
Uma interpretação literal do art. 796º/3, 2ªparte seria que o risco corre sempre por conta
do alienante. Contudo, o Prof. Antunes Varela, Galvão Telles e Pires de Lima fazem
uma interpretação sistemática da referida norma e defendem que, nos casos em que a
condição é suspensiva, o risco corre por conta do alienante na pendencia da condição,
mas se a coisa for transferida para o adquirente durante a pendencia da condição o risco
passa a correr por conta deste.
Nota: o Prof. Ferreira Pinto entende que a cláusula de reserva de propriedade é uma
condição suspensiva apenas quanto à transferência da propriedade.
8) Por último, suponha que, na data acordada, António se recusa a
entregar a cómoda, alegando que Bento ainda não lhe pagou o
preço de um relógio antigo que António lhe vendeu, em Janeiro
desse mesmo ano, pelo preço de 8.000 €. Quid iuris?
No presente caso, poderiam existir teoricamente duas opções para proteger Bento: (1)
excepção de não cumprimento nos termos do art. 428º. Contudo, neste caso não poderia
ser invocada uma vez que não existe sinalagma entre as duas obrigações em causa, e
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 84
alem disso são dois contratos diferentes; (2) direito de retenção nos termos do art. 754º.
Para existis pressupõe uma conexão material, ou seja o crédito tem que resultar de
despesas tidas com a cómoda ou danos por ela causados, coisa que aqui não acontece.
Nestes termos, António terá que entregar a cómoda e se não entregar sujeita-se a
incorrer em mora ou em incumprimento.
XXI
António, coleccionador de relógios antigos, encontrou no antiquário de
Bernardo um relógio Gray de 1765. António comprou o relógio a Bernardo por
4.500 €. Foi acordado que o preço só teria de ser pago 30 dias depois da celebração
do contrato.
Como o preço não foi pago, Bernardo pretende saber:
1) Se pode exigir a António os 4.500 € acrescidos de uma indemnização?
O art. 779º estipula que o prazo se tem por estabelecido a favor do devedor quando não
se mostre que foi a favor do credor, ou de um e outro conjuntamente.
Nos termos do art. 804º estamos perante um caso de mora do devedor, sendo que para
tal se encontram verificados os requisitos: para além da culpa verifica-se que está é
certa, liquida e exigível.
Presumindo-se que o retardamento da prestação é imputável ao devedor, nos termos do
art. 804º, o vendedor pode exigir os 4500euros.
Nos termos do art. 806º, uma vez que estamos no âmbito das obrigações pecuniárias o
vendedor tem direito a uma indemnização a partir do 30ºdia de atraso (desvio às normas
do art. 563º). Sendo uma obrigação civil, o juro civil é de 4%; se constituir uma
obrigação comercial, o juro comercial é regulado de 6 em 6 meses, sendo que
actualmente ronda à volta dos 9%.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 85
Nota: no caso em análise não se pode aplicar o art. 806º/3 na medida em que esta norma
não se aplica aos casos de responsabilidade civil contratual, mas tão só aos casos de
responsabilidade civil extracontratual. O Prof. Antunes Varela critica:
O critério geral fixado no art. 566º/2 para o cálculo da indemnização em
dinheiro devida pelo lesante, sempre que a restituição natural não proceda,
conduz em princípio ao resultado que o art. 506º/8 consagra, com o
inconveniente de sugerir que tal não possa ocorrer quando não haja mora do
lesante.
Dificilmente se concebe que, na prática, no âmbito da responsabilidade civil
extracontratual ou da responsabilidade fundada no risco, credor e devedor
possam ter convencionado qualquer juro compensatório ou um juro moratório
diferente do legal.
2) Se pode exigir a António a devolução do relógio?
António só poderia obter a devolução do relógio caso resolvesse o contrato. Para tal
resolução ocorrer tal teria de ser realizada nos termos do art. 808º através da
transformação da mora em incumprimento definitivo, ou seja realizando uma
interpelação admonitória.
Contudo, no caso em análise encontram-se verificados os pressupostos do art. 886º: (1)
Transferência da Propriedade – no momento da celebração do contrato por força do art.
408º/1; (2) Entrega da Coisa; pelo que não pode haver resolução do contrato impedindo
a devolução do relógio.
Se não tivesse ocorrido a entrega do relógio, poderia o credor transformar a mora em
incumprimento definitivo através dos mecanismos do art. 808º e do art. 801º o que
levaria à possibilidade de reaver o relógio.
3) No caso de lhe ser devolvido o relógio, se pode pedir uma indemnização
a António decorrente do facto de, depois de lhe ter vendido o relógio, ter
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 86
aparecido no seu antiquário outro coleccionador que estava disposto a
pagar 5.000 € por aquele relógio, mas que entretanto morreu?
Ao ocorrer a devolução do relógio ocorreu anteriormente a resolução do contrato por
aplicação do art. 801º/2.
No presente caso, o credor pede uma indemnização pelo interesse contratual negativo,
ou seja quer ficar colocado na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido
celebrado. Nos termos do art. 564º/1, in fine o lucro cessante seria de 500euros uma vez
que tal corresponde à diferença resultante da oportunidade perdida de vender o negócio
e o valor do contrato celebrado com António.
Coloca-se a questão de saber o credor pode cumular a resolução com a indemnização
por interesse contratual negativo.
Nos termos do art. 562º e ss sim, uma vez que a indemnização pedida resulta das regras
gerais dos referidos artigos pelo que em primeiro lugar deve-se atender à restituição
natural, e só não sendo possível esta restituição é que a indemnização é em dinheiro.
É de notar que esta indemnização abrange tanto os danos emergentes como os lucros
cessantes, tal como resulta do art. 564º.
Nota: coloca-se a questão de saber se na indemnização pode-se incluir os danos morais.
O Prof. Antunes Varela considera que não devido a razes de certeza e segurança
jurídica e para não aumentar a litigiosidade. Contudo, tal argumento é rebatível na
medida em que o art. 496º/1 refere os danos morais que pela sua gravidade merecem
tutela do direito (posição da doutrina e da jurisprudência).
Coloca-se ainda a questão de saber o art. 494º é ou não aplicável a responsabilidade
contratual. Embora o Prof. Menezes Leitão considere que sim, o Prof Antunes Varela
considera que não, na medida em tal artigo é uma norma excepcional e deste modo não
comporta interpretação analógica – lacuna da lei.
XXII
Faculdade de Direito da UCP
Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 87
António obrigou-se, por escrito particular, a vender a Bernardo uma
fracção autónoma de um edifício situado no concelho de Cascais. A título de sinal e
de princípio de pagamento, Bernardo entregou a António 100.000 €. Ficou,
igualmente, acordado que a escritura pública seria feita até ao final do ano de
2006. No dia 4 de Outubro, António telefonou a Bernardo, para lhe comunicar que
já não estava interessado em vender-lhe o andar. Em face deste comportamento,
Bernardo considera que tem direito a receber imediatamente 200.000 €.
1) Como qualifica a declaração telefónica de António?
Declaração Antecipatória Inequívoca: declaração através da qual o devedor, antes do
vencimento da obrigação, declara em termos claros e inequívocos que não vai cumprir a
obrigação.
Existe uma divergência doutrinária acerca da relevância da Declaração Antecipatória
Inequívoca.
Segundo o Prof. Antunes Varela, o Prof. Ribeiro de Faria e o Prof. Menezes
Cordeiro (numa primeira fase) existe um incumprimento definitivo da obrigação
imputável ao devedor, sendo que um incumprimento definitivo num contrato promessa
conduz à resolução do contrato ou à devolução do sinal em dobro ou à perda deste.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, o Prof. Galvão Telles e o Prof. Almeida Costa
existe uma situação de simples mora (art. 805º/2 al. a) e c)), pelo que embora existam
casos em que a interpelação admonitória deixa de fazer sentido, e mesmo sem
interpelação existe mora, neste caso faz sentido em que o devedor mediante declaração
afirme claramente que não vai cumprir. Ou seja, não faz sentido que o credor tenha de
interpelar o devedor nos casos em que este já disse que não vai cumprir. No contrato
promessa incumprido a simples mora já autoriza a resolução do contrato (condição
resolutiva tácita – art. 442º/3, in fine).
Segundo o Prof. Pessoa Jorge não se está perante um caso de incumprimento definitivo
da obrigação imputável ao devedor nem perante um caso de mora: não atribui qualquer
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 88
relevância jurídica dessa declaração, sendo que o credor só pode exercer os seus direitos
se se verificar o incumprimento uma vez que o devedor tem ate ao fim do prazo para
cumprir (está a recusar a um benefício que a lei lhe confere pelo que não se pode dizer
que declarando ele não vai cumprir).
2) Considera que Bernardo tem direito a receber imediatamente 200.000 €?
Nos termos do art. 442º, mesmo que se entenda que se trata de um caso de simples
mora, existe a possibilidade de receber o sinal em dobro.
XXIII
Ana, negociante de antiguidades e proprietária de um piano avaliado em
5.000 €, acorda com Benedita, pianista, trocá-lo por um vaso antigo pertencente a
esta, com valor de mercado de 6.000 €.
Antes da entrega do vaso este foi destruído, porque Benedita o deixou cair,
por descuido.
1) Poderá Ana recusar-se a entregar o piano e exigir que Benedita lhe
entregue 1.000 €?
No presente caso, estamos perante um incumprimento definitivo imputável ao devedor.
Coloca-se de saber se no âmbito dos direitos dos credores, se pode cumular o pedido de
resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo.
Segundo a posição clássica defendida pelo Prof. Antunes Varela, Prof. Galvão Telles,
Prof. Almeida Costa, Prof. Ribeiro de Faria e pela Jurisprudência quase na sua
totalidade a resolução opera-se por meio de declaração unilateral recíproca do credor
(art. 436º), tornando-se irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou dele é
conhecida (art. 224º/1 e art. 230º). Mesmo nos casos de resolução existe direito à
indemnização pelo interesse contratual negativo, ou seja pelo prejuízo que o credor teve
com o facto de celebrar o contrato, prejuízo que ele não sofreria se não tivesse celebrado
o contrato. Pelo interesse contratual negativo visa-se repor a situação de origem como se
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 89
o contrato nunca tivesse sido celebrado. Pretende-se a exoneração da obrigação que
assumiu e a reposição do seu património no estado em que se encontraria se não tivesse
sido celebrado o contrato. Argumentos a Favor:
Efeito Retroactivo da Resolução (art. 434º)
Equiparação dos efeitos da resolução aos efeitos da nulidade/anulabilidade (art.
433º)
Segundo o Prof. Vaz Serra, o Prof. Baptista Machado, a Prof. Ana Prata e o Prof.
Romano Martinez o credor pode optar pela indemnização quer seja a que resulta do
interesse contratual positivo quer seja a que resulta do interesse contratual negativo.
Verificando-se o incumprimento definitivo resolutivo, que tem por fonte um contrato
bilateral, o credor pode optar entre a Grande Indemnização (art. 801º/1) e a Pequena
Indemnização (art. 801º/2). A Grande Indemnização corresponde à totalidade do valor
da prestação incumprida, caso em que ele terá de cumprir a sua contraprestação. A
Pequena Indemnização corresponde ao credor pedir a diferença que resulta entre a
prestação incumprida por parte do devedor e o valor da sua própria contraprestação,
sendo que ele não se encontra obrigado a realizá-la, podendo utilizá-la com o intuito de
compensar o valor da prestação incumprida que lhe terá de ser indemnizada.
Argumentos a Favor:
Nem sempre ocorre o efeito retroactivo da resolução (art. 434º/1). Exemplo:
contratos de execução prolongada ou quando se mostre contrário à vontade das
partes.
A lei não distingue no art. 801º o tipo de indemnização em causa, pelo que pode
ser perfeitamente interpretado de maneira a conceber esta indemnização como
indemnização pelo interesse contratual positivo, ou seja colocando o credor na
situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.
De acordo com o art. 802º, num regime de impossibilidade parcial a lei consagra
que o credor pode resolver o contrato ou optar por manter em qualquer um dos
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 90
casos o direito à indemnização. Deste modo estar-se-ia a tutelar mais o credor
numa hipótese de impossibilidade parcial do que numa impossibilidade total.
Segundo o Prof. Menezes Leitão, tal como o Prof. Antunes Varela defende, não é
possível pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo se a prestação já
tiver sido efectuada. Contudo, numa hipótese em que o credor cujo crédito ficou
desfeito em termos finais e absolutos quer resolver o contrato para não ter de prestar, tal
como o Prof. Batista Machado defende, pode haver indemnização pelo interesse
contratual positivo, ou seja quando a prestação se torna impossível e o credor de tal
ainda não cumpriu. O Prof. Menezes Leitão apoia-se em duas teorias:
Teoria da Sub-rogação (Prof. Antunes Varela): existe a obrigação de entregar a
coisa para receber a indemnização, sendo que a prestação impossível passa a ser
substituída pelo seu valor expresso em dinheiro.
Teoria da Diferença (Prof. Batista Machado): não é necessário a entrega da
coisa, mas sim o seu abatimento.
Teoria da Diferença Atenuada: é o credor quem escolhe, podendo ter em alguns
casos um interesse ou não.
Em suma, segundo o Prof. Menezes Leitão é necessário distinguir duas situações
diferentes:
Se a obrigação incumprida foi por parte do devedor quando o credor já havia
contraprestado, a resolução do contrato tem de ser acompanhada pelo interesse
contratual negativo
Se à data em que se verifica o incumprimento o credor ainda não contraprestou
ele não tem de contraprestar e pode receber a diferença, ou seja pode ser
indemnizado pelo interesse contratual positivo.
Faculdade de Direito da UCP
Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 91
A tese mais adequada do ponto de vista do nosso ordenamento jurídico é a Teoria da
Diferença Atenuada, o que equivale a dizer que é a posição do Prof. Baptista
Machado.
O Prof. João Tiago Antunes entende que quando o art. 802º afirma ‘’ em qualquer dos
casos o credor mantém o direito à indemnização’’ tal será sempre realizada pelo
interesse contratual negativo devido à posição beneficia que o regime da
impossibilidade parcial constituiria face ao regime da impossibilidade total caso fosse
pelo interesse contratual positivo.
Deste modo, caso adoptássemos a posição clássica: (1) Ana poderia resolver o contrato
ficando com o piano, podendo pedir uma indemnização pelos danos que sofreu por ter
confiado na celebração do contrato (interesse contratual negativo: lucros cessantes e
danos emergentes), mas não podia exigir os 1000euros; (2) Ana poderia optar pela
manutenção do contrato, ou seja não o resolveria e cumpriria a sua prestação (entregaria
o piano) mas receberia 6mil euros.
Caso adoptássemos a posição moderna, nos termos da Grande Indemnização, Ana
poderia pedir os 6mil euros mas encontrar-se-ia obrigada a entregar o piano; nos termos
da Pequena Indemnização, Ana poderia pedir os mil euros resultantes da diferença entre
os 6mil euros (valor da prestação incumprida pelo devedor) e os 5mil euros (valor da
sua contraprestação).
Caso adoptássemos a posição do Prof. Menezes Leitão, de acordo com a Teoria da
Sub-Rogação, Ana para receber o valor do vaso teria de entregar o piano; de acordo
com a Teoria da Diferença Ana não precisa de entregar o piano na medida em que
tendo um crédito de um vaso e ele foi destruído passa a ter um crédito à indemnização.
2) Caso não tivesse celebrado o contrato com Benedita, Ana teria
vendido o piano a Carolina por 5.900 €. Por este motivo, poderá
Ana exigir que Benedita a indemnize pelos prejuízos sofridos?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 92
Da conjugação do art. 798º e 801º resulta que Ana poderá resolver o contrato e pedir
uma indemnização pelo interesse contratual negativo, que visa repor a situação que
existia antes da celebração do contrato. O valor do dano resulta da determinação do
valor do lucro cessante que neste caso seria 900euros resultantes da diferença entre a
situação hipotética em que se encontraria se não tivesse confiado na celebração do
contrato e a situação patrimonial actual
3) Suponha, agora, que Ana e Benedita tinham acordado trocar dois
pianos por dois vasos e que Benedita só partiu um dos vasos. Que
direitos assistem a Ana?
No presente caso estamos face a uma situação de impossibilidade parcial prevista no art.
802º, pelo que Ana poderá fazer uma de duas coisas: (1) resolver o contrato e pedir uma
indemnização pelo interesse contratual negativo, não tendo de entregar nenhum dos
pianos; (2) manter o contrato, entregar um dos pianos (redução da prestação), receber
um vaso e pedir uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
XXIV
António, pastor, vendeu a Bernardino, 10 ovelhas. Na data e lugar
acordados, António entregou a Bernardino as ovelhas. Por não terem sido feitas as
vacinas impostas por lei, as 10 ovelhas adoeceram e contagiaram o resto do
rebanho de Bernardino.
Que direitos assistem a Bernardino?
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 93
Nos termos do art. 913º, estamos face a uma situação de cumprimento defeituoso.
Os casos de cumprimento defeituoso só fazem sentido na ideia da relação jurídica
obrigacional complexa, uma vez que não correspondem à violação de um dever
principal mas sim de um dos deveres acessórios de conduta.
O que caracteriza o cumprimento defeituoso é o facto de ocasionar danos que não se
relacionam com o incumprimento definitivo nem com a mora: são danos atípicos.
Ao contrário do que sucede com o incumprimento definitivo e com a simples na mora,
não existe na lei nenhum regime específico do cumprimento defeituoso. Tal não implica
que este não exista e que não esteja sujeito a um regime jurídico próprio, sendo a prova
disso o facto e o art. 799º falar expressamente no cumprimento defeituoso.
O art. 799º estabelece uma presunção de culpa, existindo o direito a uma indemnização
tanto pelo interesse no cumprimento como pelos danos (ovelha doente) exteriores
causados com o cumprimento defeituoso. Tal gera direitos como o pedido de reparação,
a sua substituição ou a redução da contraprestação.
No caso em análise, António entregou a Bernardino 10ovelhas, tendo estas um defeito
havendo danos causados no próprio objecto da prestação: as ovelhas adoecem por não
terem levado a vacina (civic rem) ocorrendo responsabilidade contratual.
Contudo, ainda existem os danos causados a coisas que não eram objecto da prestação,
ou seja o contágio ao resto do rebanho (extra rem) ocorrendo responsabilidade
extracontratual.
Deste modo, existem dois tipos de responsabilidade, sendo que pela Teoria da Absorção
ou da Cumulação iremos aplicar a Terceira Via de Responsabilidade Civil.
Segundo o Prof. João Tiago Antunes, trata-se de um caso de responsabilidade
obrigacional na medida em que estamos perante um caso de incumprimento de uma
relação jurídica obrigacional complexa.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 94
XXV
A sociedade Auto China, Ch, sociedade de direito chinês, é fabricante de
veículos motorizados de quatro rodas e celebrou com a sociedade Carros Chineses,
- Comércio e Distribuição de Veículos Automóveis, SA, em Janeiro de 2005, por
prazo indeterminado, um contrato de distribuição, no território nacional, dos
veículos que produz sob a marca China Speed.
1) A sociedade Carros Chineses – Comércio e Distribuição de Veículos
Automóveis, SA vendeu a António um carro, em Julho de 2005, pelo preço
de € 50.000. António, no início de Novembro de 2007, reclamou junto da
sociedade vendedora por defeito de fabrico do carro que havia adquirido,
uma vez que o mesmo apresentava manifestos problemas de travagem. A
sociedade vendedora reconheceu que o carro apresentava um defeito de
origem mas exige a António a quantia de € 10.000, uma vez que se trata de
uma “reparação muito complexa”. Quid iuris?
No Código Civil, o art. 799º e o art. 813º regula o regime aplicável ao cumprimento
defeituoso da obrigação.
Contudo o Decreto-Lei nº67/2003, e seguidamente o Decreto-Lei nº84/2008 consagram
os termos da responsabilidade do produtos independentemente da culpa, ou seja
destinam-se à protecção do consumidor sendo um regime especial em relação à compra
e venda defeituosa.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº84/2008, que sucedeu ao Decreto-Lei
nº67/2003, o regime consagrado no Código Civil relativamente a esta matéria só se
aplica às compras e vendas defeituosas entre particulares que não estejam numa relação
comercial nem de adquirente/consumidor. Trata-se de um diploma residual que regula
todas as relações que se estabeleçam entre um profissional e um consumidor.
O Decreto-Lei nº84/2008 confere protecção aos adquirentes de bens comuns,
traduzindo-se esta protecção na presunção que eventuais defeitos que existam num
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 95
produto adquirido num prazo entre 2 a 5anos consideram-se defeitos de fabrico/origem,
estando latente, nos termos do art. 3º, que esse mesmo defeito só veio a produzir-se num
período de tempo posterior. Tal presunção consagra no art. 2º/1 a favor do consumidor
pode ser ilidida de acordo com uma incorrecta utilização do veículo por exemplo. O art.
3º/1 e 2 respeitante às garantias do consumidor, consagram o Princípio Geral de que a
presunção é de que os defeitos não se encontram relacionados com o uso que se deu à
coisa.
O art. 4º estabelece uma série de direitos do consumidor que podem ser exercidos sem
qualquer encargo para o devedor: (1) reparar; (2) substituir; (3) reduzir a
contraprestação; (4) resolução.
Nos termos do art. 5º/1 e do art. 5º-A encontra-se consagrado o regime da conjunção
dos prazos:
Os direitos previstos no art. 4º/1 só podem ser exercidos dentro de 2anos, no
caso dos bens móveis, ou de 5 anos no caso de bens imóveis a contar da entrega.
A partir do momento em que o defeito é detectado existe um ónus de denúncia
do mesmo que deve ser efectuada no prazo de 2 meses, no caso dos bens
móveis, ou no prazo de 1 ano, no caso dos bens imóveis, caso contrario os
direitos caducam.
↳ Em princípio estes dois meses estão quase sempre dentro do prazo dos dois
anos, mas imaginemos que o consumidor faz a denúncia no último dia do prazo dos dois
anos: nesse caso terá mais dois meses que já se encontrarão fora do prazo dos dois anos,
mas como a denúncia ainda foi feita dentro desse prazo não existe problema.
No entanto, pode acontecer que todos estes prazos sejam cumpridos mas que o devedor
nada faça colocando-se a questão de saber até quando ele poderá exercer judicialmente
estes mesmos direitos? Resulta da conjugação do art. 5º-A/3 e do art. 917º que poderá
exercer num prazo de dois anos. A jurisprudência entende que deve aplicar-se ao direito
de reparação, substituição e de redução da contraprestação.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 96
No presente caso:
Compra do automóvel (bem móvel): Julho de 2005
Denúncia: Novembro de 2007
Fim do Prazo de Dois anos: Julho de 2007
No presente caso, o direito que se pretende exercer é de reparação, mas partindo do
princípio que o automóvel foi entregue a António no momento da sua compra, ou seja
em Julho de 2005, o prazo legal de garantia teria terminado em Julho de 2007 uma vez
que já decorrera os 2anos.
Contudo, uma vez que o vendedor reconheceu que o defeito era de origem os direitos
podem ser exercidos de acordo com os prazos. Nos termos do art. 4º, não se pode exigir
o pagamento do preço.
2) Caso a sociedade vendedora houvesse prometido a António “total garantia”
por 3 anos António teria de custear a reparação?
Embora a garantia legal mínima seja de 1ano podem existir garantias adicionais. Resulta
do art. 1º-B al. g) e do art. 9º que pode existir o direito à reparação sem encargos.
3) Suponha que António havia adquirido o seu carro em Janeiro de 2007 e
reclamado junto da vendedora em Outubro de 2007, nos seguintes termos:
“o carro, desde o dia em que saiu do stand que não trava, pelo que exijo a
integral e gratuita reparação do mesmo”. A sua resposta seria a mesma?´
Compra do Automóvel: Janeiro de 2007
Denúncia: 2 meses a partir do momento em que se detecta o defeito
Fim do Prazo dos Dois Anos: Janeiro de 2009
Embora os direitos previstos no art. 4º/1 possam ser exercidos dentro de dois a contar da
entrega, ou seja no presente caso até Janeiro de 2009, o prazo para pedir a reparação do
defeito conta-se dois meses após a detecção do defeito.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 97
Na medida em que António afirmou que ‘’o carro desde que saiu do stand não trava’’,
tendo ocorrido tal em Janeiro de 2007 António só poderia exigir a reparação até Março
de 2007 pelo que o referido prazo já tinha caducado nos termos do art. 5º-A/2.
Nota: nos termos do art. 10º só se podem aumentar os prazos, nunca se podem diminuir.
4) Imagine agora que a mesma sociedade vendeu a Bernardo, no passado mês
de Agosto, um carro com idêntico problema. A sociedade vendedora oferece
a reparação gratuita do defeito de fabrico. Bernardo exige, todavia, a
devolução do seu dinheiro ou, pelo menos, um carro novo, uma vez que já
não tem “qualquer confiança” naquele carro. Quid iuris?
Coloca-se a questão de saber se existe no art. 4º e 5ç uma precedência logica de direitos
tal como existe no art. 914º em que os direitos que direitos legais são direitos com uma
sequencia logica: primeiro detectado o defeito pede-se a reparação, em seguida a
substituição, depois a redução da contraprestação e só por último a resolução.
O Decreto-Lei nº84/2008 possui uma norma que afasta a precedência lógica permitindo
exercer qualquer direito. O referido diploma tutela em maior medida o consumidor, não
impondo a este que para exercer um dos direitos tenha que ter exercido outro
anteriormente.
No entanto, estes direitos não podem ser exercidos caso sejam impossíveis ou
constituam abuso de direito em face das circunstâncias do caso concreto. Perante o caso
concreto, embora o comprador tivesse de pedir o carro novo é necessário saber se
aquela conduta não se afigura abusiva (pedir a resolução antes da reparação. O Prof.
João Tiago Antunes considera que em última análise o abuso de direito leva à mesma
solução que a regra da precedência lógica.
5) Prefigure ainda que Carlos havia adquirido um outro carro em Setembro
de 2005, o qual apresentava um problema na suspensão. Carlos reclama e a
vendedora oferece a reparação gratuita em Março de 2007. Reparada a
avaria, Carlos vem a ter um acidente em Outubro de 2007, em resultado do
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 98
qual fica paraplégico. Vem a descobrir-se que o acidente foi devido a um
defeito na suspensão entretanto substituída. Quid iuris?
Nos termos do art. 5º/6 a partir do momento da reparação, a nova peça beneficia de um
novo prazo de garantia ou seja possui os direitos consagrados no art. 4º em relação a
essa peça.
Uma vez que para além dos danos no automóvel o acidente causou danos no
consumidor, nos termos do art. 12º/1 Carlos pode pedir uma indemnização pelos danos
sofridos contra o vendedor (responsabilidade subjectiva), podendo ainda pedir uma
indemnização ao produtor por responsabilidade objectiva independentemente da culpa
(Decreto-Lei nº383/99, art. 1º e art. 8º quanto aos danos ressarcíveis – dano de morte;
dano pessoal; dano extra rem).
6) Na sequência do seu acidente, Carlos vem a constatar que a vendedora
“fechou as portas”, pelo que pretende exigir do fabricante, a sociedade Auto
China, Ch, a devolução do preço pago bem como de uma indemnização
pelos “danos irreparáveis” que sofreu. Pode fazê-lo?
Entende-se por produtos, nos termos do art. 1º-B al. d) não só quem fabrica mas
também quem importa.
Nos termos do art. 6º, existe responsabilidade directa do produtor apenas nos casos de
dano morte, lesão pessoal ou danos extra rem. Apenas nos referidos casos é possível
demandar directamente o fabricante, caso contrário o produtor é parte ilegítima.
O lesado pode demandar directamente o produtor nos referidos casos, mas tal só é
possível para pedidos de reparação e de substituição, não podendo ser demandado para
resolução ou redução da contraprestação. Deste modo, Carlos só pode exigir a
devolução do preço face ao vendedor.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 99
XXVI
Bento, que vende papel de parede, acorda com António, interessado em que
aquele se encarregue de aplicar o papel em sua casa, não se responsabilizar por
quaisquer prejuízos causados durante a aplicação ou por uma deficiente aplicação
do mesmo, ainda que em caso de dolo ou culpa grave do aplicador.
1) Sabendo que, durante a aplicação do papel, Bento destruiu, por
descuido, uma jarra de António no valor de 100 €, diga que
direitos assistem a António.
Uma primeira questão assenta em saber se existiu ou não cumprimento. Poderia ser
cumprimento defeituoso por violação de deveres laterais de conduta. Poderia ainda ser
considerado um caso de não cumprimento no âmbito da ideia da relação jurídico
complexa que impõe ao devedor deveres de conduta, que Bento terá incumprido.
Uma segunda questão assenta em saber se se aplica o art. 809º, e se tal inclui também os
casos de culpa leve.
A convenção disciplinar da responsabilidade civil pode ser:
Convenção de Exclusão da Responsabilidade Civil: acordos em que se
exclui a responsabilidade civil
Prof. Pinto Monteiro, Prof. Almeida Costa: em casos de culpa leve
estas cláusulas são válidas. Utiliza o argumento sistemático que resulta
do art. 18º al c) das CCG, ou seja a lei admite a exclusão da culpa leve
em casos de culpa levíssima, pelo se nestes (CCG) o problema está
resolvido, por maioria de razão deve admitir-se nos contratos celebrados
pelas partes a mesma solução.
Prof. Antunes Varela, Prof. Menezes Leitão e Prof. Ribeiro de Faria:
o art. 809º não permite qualquer cláusula de exclusão, não sendo
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 100
necessário fazer qualquer interpretação por maioria de razão, na medida
em que as CCG possuem um regime próprio, para além do facto de o
referido artigo ser uma norma positiva devendo ser interpretada
restritivamente. Admitindo as cláusulas deste género estaremos a
transformar uma obrigação civil em natural: o caracter coercivo
desaparece nas situações de incumprimento por negligência.
Nas situações de dolo ou de culpa grave não existe divergência, sendo a
cláusula nula.
A Jurisprudência tem seguido a posição do Prof. Pinto Monteiro e do
Prof. Almeida Costa, tendo sempre em consideração o Princípio da
Autonomia Privada.
No presente caso, estamos perante uma situação de descuido pelo que a culpa será leve
e a solução irá depender da posição adoptada.
Delimitação: limita-se a responsabilidade civil até um certo limite
Entende-se que a cláusula é válida em obediência ao Princípio da
Autonomia Privada, encontrando-se o seu regime no art. 602º
(diminuição das garantias patrimoniais).
Cláusula Penal (art. 810º): fixação antecipada do valor do dano.
Difere do regime do sinal: a função da cláusula penal assente em
determinar com objectividade e rigor o valor a indemnizar verificado o
incumprimento, sendo a função acessória do sinal ‘’constituir’’ com a
sua entrega um acto efectivo de comprimento da obrigação tendo uma
função confirmatória do negócio o que não existe na cláusula penal; o
sinal encontra-se relacionado aos contratos reais quod constitucionem
pressupondo este para a existência/validade a entrega da coisa, ou seja ao
contrário da cláusula penal o sinal é sempre entregue.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 101
Cláusula Penal duas posições:
Direito Anglo-Saxónico: estabelece o valor da indemnização
super ao valor do prejuízo eventual, sendo a principal função
garantir e punir o incumprimento. Em suma, o valor do dano é
inferior ao valor da cláusula penal.
Clássica dos Direitos Constituídos: o valor do dano é superior à
ao valor da cláusula penal. A cláusula penal funciona como
liquidação antecipada dos danos
Moratória:
Incumprimento Definitivos.
Existe uma divergência acerca da interpretação do art. 811º/3:
Embora o Direito Comparado distinga entre dois tipos de cláusulas
penais, o Código Civil só consagra a Cláusula Penal Clássica, ou seja a
que visa a liquidação antecipada dos danos nos termos do art. 811º/1 e
3. O art. 811º/3 visa apenas as cláusulas penais clássicas existindo o
problema de estas perderem a sua função e de não ocorrer a distinção
entre este regime e o do art. 812º, na medida em que o campo de
aplicação é o mesmo.
Prof. Galvão Telles, Prof. Calvão da Silva e Prof. Ana Prata:
sustenta que o art. 881º/3 não pode ser entendido nem como a
exigência de que o credor tenha que provar os danos, já que tal
representaria um menosprezo da cláusula penal, nem como admissão
da possibilidade de o devedor demonstrar que o credor não teve
prejuízos equivalentes aos da clausula penal para evitar a sua exigência
integral, uma vez que isso equivaleria a transformar a clausula penal
numa convenção de inversão do ónus da prova. Deste modo, o art.
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Maria Luísa Lobo – 2011/2012 Página 102
811º/3 apenas se refere à convenção de indemnização pelo prejuízo
excedente à cláusula penal, referida no art. 811º/2 impedindo que essa
convenção pudesse incluir um montante indemnizatório superior ao
incumprimento da obrigação principal.
Prof. Antunes Varela: considera que se fosse verdade o exposto
anteriormente o devedor ficaria muito mais favorecido se em vez de
aceitar a cláusula penal aceitasse a convenção por agravamento.
O Prof. Pinto Monteiro, com o qual o Prof. João Tiago Antunes
concorda em ser a mais equilibrada, considera que no Direito Civil
Português valem os dois tipos de cláusulas penais sendo que no caso da
punitiva não se aplica o art. 811º/3. Quando o valor da cláusula penal é
muito superior ao valor do dano aplica-se o art. 812º. A função clássica
da cláusula penal encontra-se consagrada no art. 812º e não no art.
811º/3.
2) A resposta seria a mesma se, em vez de Bento, tivesse sido Carlos,
que prestava serviços de aplicação de papel para vários
estabelecimentos, a destruir a jarra? E se Carlos fosse empregado
de Bento?
No presente caso, o dano é causado por terceiro pelo que é necessário apurar se tal é
independente (prestação de serviços) ou se é dependente (em nome do devedor).
No caso de o terceiro ser independente e autónomo, não se encontra ligado à pessoa do
devedor pelo que se causar um dano ao credor o devedor não responde.
No caso de o terceiro ser dependente, só existe lugar à exclusão da responsabilidade nos
casos em que o devedor poderia ficar exonerado da sua responsabilidade.
Nos termos do art. 800º/1 tal configura uma norma absolutamente excepcional que
consagra uma responsabilidade objectiva independentemente da culpa. Por sua vez, o
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art. 800º/2 admite que exista um acordo entre o devedor e o credor, podendo o devedor
fica desonerado. A doutrina entende que tal abrange os casos de dolo ou de culpa grave,
na medida em que é nesse ponto que se diferencia do art. 809º.
Segundo o Prof. Pinto Monteiro só se aplica o art. 800º/2 caso o terceiro seja
independente, ou seja se actuar com autonomia; sendo o terceiro dependente do devedor
tal não se aplica.
No presente caso o terceiro é um prestador de serviços autónomo, sendo que a cláusula
que exclui a responsabilidade civil prevista no contrato é válida uma vez que o art. 809º
consagra uma excepção ao art. 800º/2. Deste modo, quem irá responder será o terceiro e
não o devedor.
XXVII
A empresa Reparações Informáticas, Lda, celebrou com Alfredo um contrato
de prestação de serviços de manutenção do equipamento informático do atelier de
arquitectura deste último. As partes inseriram no contrato a seguinte cláusula:
“Em caso de incumprimento das obrigações por parte do 1º contratante
(Reparações Informáticas, Lda) o 2º contratante (Alfredo) terá direito a receber uma
compensação no montante de 2.000 €.”
Considere sucessivamente as seguintes hipóteses:
1) A empresa de informática não cumpre pontualmente as obrigações
assumidas e Alfredo exige-lhe o pagamento dos 2.000 €. Mas a empresa
entende que não tem de pagar mais do que os danos efectivamente
sofridos por Alfredo que são apenas de cerca de 500 €. Quid iuris?
A função que as partes quiseram alcançar com a cláusula foi a de fixação
antecipadamente o valor da indemnização pelo que aplicamos o 811º quer para a tese
tradicional quer para o Prof. Pinto Monteiro.
Âmbito de aplicação de 811º nº3 – este artigo é muito controverso e susceptível de
muitas criticas pois desvirtua a finalidade que as partes quiseram alcançar com a
cláusula penal de fixação antecipada do valor da indemnização. Esta solução é criticada
quase unanimemente pela doutrina mas ainda assim o Prof. Antunes Varela defende
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que tem que ser aplicada pelo que no caso em análise, o credor não poderia exigir 2 mil
euros mas apenas 500€ que era o valor dos danos efectivamente sofridos.
Já para o Prof. Pinto Monteiro devem ser feitas alguma restrições à sua aplicação pois
se se aplicar o nº3 do 811º o 812º deixa de fazer sentido, assim sendo, não tendo havido
a convenção não era aplicado o nº3 do 811 e por isso o credor poderia exigir o valor dos
2 mil fixado na cláusula penal – invocar o 812º
2) A empresa de informática falta ao cumprimento das suas obrigações,
mas uma vez que os danos de Alfredo foram avaliados em 3.500 €, agora
é este último que pretende exigir da devedora uma indemnização neste
montante. Quid iuris?
Sendo o valor dos danos (3500€) superior ao valor estipulado na cláusula penal (não
existe convenção pelo art. 811º/2) não poder-se-ia exigir uma indemnização de valor
superior ao fixado nesta. Ou seja o credor não tem direito a um aumento equitativo da
clausula penal na medida em que o art. 812º não o permite.