currÍculo, ambientalizaÇÃo curricular e histÓrias de vida … · entre educação ambiental,...
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CURRÍCULO, AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR E HISTÓRIAS DE VIDA:
PROBLEMATIZAÇÕES EM ESPAÇOS ESCOLARES DA EDUCAÇÃO
BÁSICA
O painel tem como objetivo tematizar especificidades em educação que retratam os
espaços e as políticas públicas que determinam as ações e discussões mais amplas no
campo de ensino deixando um vácuo no que tange às análises que buscam democratizar
o acesso ao conhecimento. Reúnem-se nesse painel resultados de três projetos de
pesquisas que trilham movimentos e diálogos com as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Básica (2013) e com o campo do currículo multicultural e da
ambientalização curricular da educação nacional. O primeiro estudo contempla a
discussão a respeito das questões relacionadas à Base Nacional Comum e as Diretrizes
Curriculares Nacionais que envolvem ampla discussão a respeito da multiculturalidade.
Como as discussões estão acontecendo nos contextos escolares com foco em um
currículo multicultural? O segundo artigo apresenta por meio das narrativas orais o
propósito de homens e mulheres da EJA no desenvolvimento pessoal e profissional a
partir dos princípios presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica: Quem são essas pessoas? O que desejam conquistar com a EJA? Como
vivenciam as dimensões de um currículo multicultural e com a ambientalização
curricular? O terceiro trabalho tem o propósito de discutir, a partir narrativas
autobiográficas das professoras, a ambientalização curricular na educação básica. Para
tanto, foi necessário investigar o Desenvolvimento Profissional e Pessoal de Professores
sobre educação ambiental. Assim, este painel versa sobre as problemáticas presentes no
cenário educativo que envolvem o currículo multicultural, a ambientalização curricular
na educação básica e a proposta da Base Nacional Comum. Os Artigos confluem para a
ideia de que a educação escolar carece de ações efetivas que permitam a atuação da
universidade junto à educação básica a fim de que essas ações possam ser ícones de
diferenciação e movimentação social, como previsto nos mais diversos documentos em
prol da qualidade das aprendizagens. Ao mesmo tempo, reconhece-se que os processos
reflexivos propostos para este painel colaboram para a proposição de perspectivas
comuns entre os temas.
Palavras-chave: Currículo Multicultural. Ambientalização Curricular. Base
Nacional Comum.
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AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR: O DESENVOLVIMENTO PESSOAL E
PROFISSIONAL DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Dra. Marina Patrício de Arruda/UNIPLAC 1
Dra. Lucia Cecatto de Lima/UNIPLAC 2
RESUMO A Universidade como instituição formadora de professores apresenta-se como espaço
importante na consolidação de outra proposição pedagógica de Educação ambiental,
processo que poderia incluir as dimensões do desenvolvimento pessoal e profissional de
professores da Educação Básica. Buscando criar possibilidades para uma reforma do
pensamento de professores de um Centro de Educação Infantil Municipal, uma
experiência de pesquisação foi desenvolvida com o objetivo de ampliar o debate sobre a
Educação Ambiental e a Ambientalização nos currículos da Educação Básica. As
histórias de vida orais obtidas indicaram a escola como espaço de formação não só para
os alunos, mas, também para os professores sobre a questão ambiental. Concluímos
provisoriamente que os encontros pedagógicos promoveram a compreensão da relação
entre Educação Ambiental, Ambientalização e Educação para a Inteireza contribuindo
para com o processo de desenvolvimento pessoal e profissional daqueles professores. E
nessa aventura reflexiva, os professores puderam pensar num outro modelo de formação
integral capaz de privilegiar o reconhecimento do caráter multidimensional do humano.
Palavras-chave: Desenvolvimento Profissional e Pessoal. Educação Ambiental.
Ambientalização curricular. Professores da Educação Básica.
1.INTRODUÇÃO
Com o propósito de ampliar o debate sobre a Educação Ambiental e a
Ambientalização dos currículos da Educação Básica um projeto de pesquisa e extensão
intitulado: ―Educação para Inteireza: desenvolvimento profissional e pessoal dos
professores da educação básica” foi desenvolvido junto a professores de um Centro de
Educação Infantil Municipal (CEIM). Os encontros alternaram estratégias de Educação
Permanente (EP) e de Educação Continuada (EC)3
que associadas à discussão sobre
Educação ambiental visaram ampliar as possibilidades de compreensão dos professores
sobre a necessidade dessa formação tendo como base a relação do homem e meio
ambiente. Essa ação, vinculada ao Grupo de Pesquisa em Educação Saúde e Qualidade
de Vida – GEPESVIDA objetivou discutir também as possibilidades de uma Educação
para Inteireza cujas reflexões resultam dos estudos de Wilber (2007).
A relevância dos aspectos da experiência, dos contornos da consciência,
―disponíveis na própria concepção de cada um e que necessitam ser explorados,
estudados, compreendidos para que possam nos auxiliar a nos conhecermos
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(autoconhecimento)‖ (PORTAL, 2007, p. 290) indica a necessidade de nos
compreendermos como seres de inteireza. Esse desafio nos coloca frente a urgência em
se oferecer pontos de referência que contribuam com Programas informais e formais em
nível de graduação e pós-graduação que discutam a importância do desenvolvimento de
diferentes dimensões – físico, emocional, intelectual e espiritual do docente. Nesse
sentido, identificamos na experiência com os professores da Educação Básica reflexões
que retroalimentam nosso pensamento rumo à Ambientalização curricular e educação
ambiental.
A pesquisação, aqui mencionada, foi adotada para o estudo por pressupor,
segundo Thiollent (1997, p. 36), uma concepção de ação, que ―requer, no mínimo, a
definição de vários elementos: um agente (ou ator), um objeto sobre o qual se aplica a
ação, um evento ou ato, um objetivo, um ou vários meios, um campo ou domínio
delimitado‖. Uma pesq1uisa participativa realizada em estreita associação entre
pesquisador e participantes, sob uma ação coletiva cooperativa e emancipatória.
Essas estratégias metodológicas criaram possibilidades para uma mudança e
reforma de pensamento (MORIN, 2010) de professores de um Centro de Educação
Infantil Municipal da cidade de Lages SC. Essa proposta demandou um esforço de
complexidade pessoal e profissional de professores universitários e de todos
profissionais da Educação que lá se encontravam buscando pensar outro modelo de
formação profissional capaz de privilegiar o reconhecimento do caráter
multidimensional da sociedade e do humano.
2. DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL DE PROFESSORES
A questão da educação ambiental surge como uma ação estratégica para a
educação capaz de ―reformar o pensamento‖ das pessoas para o cuidado consigo, com o
outro e com a natureza. Para Morin, ―Este novo casamento entre a natureza e a
humanidade necessitará, sem dúvida, como acabamos de dizer, de uma superação da
técnica atual que por sua vez necessita de uma superação do modo de pensar atual,
inclusive, científico.‖ (2001, p. 94). Assim, convém destacar que a crise ambiental
compreendida como uma crise da racionalidade instrumental (LEFF, 2001) segue
espalhando seus efeitos sobre o ambiente natural, em relação à preservação da vida e da
biodiversidade, ameaçadas pelo modelo capitalista de produção, consumo e descarte.
Desse modo, a Universidade como instituição promotora e formadora de professores,
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apresenta-se como espaço importante na consolidação de outra proposição pedagógica
de cuidado ambiental. Esse processo, conforme aponta Zabalza (2004), deveria incluir o
desenvolvimento pessoal, principalmente aqueles com possibilidade de recuperação da
auto-estima bem como o enriquecimento das experiências vivenciadas. Assim, a
formação continuada de professores também envolveria diferentes cenários que
contemplariam as dimensões: pessoais, sociais e profissionais.
No processo de formação de professores as licenciaturas e/ou os cursos de
Pedagogia carecem de caminhos para formar professores dentro de uma perspectiva que
alie teoria e a prática. Segundo Behrens (1996, p.124):
Elas precisam interpenetrar-se, interligar-se, possibilitando ao profissional
conhecimento e atuação numa realidade concreta. O compromisso visado é o
profissional envolvido com a práxis, que acredite na investigação como um
caminho ininterrupto a ser conquistado na busca da competência docente, e
na predisposição para a transformação da prática à luz da teoria.
Com essa perspectiva, docência dentro de uma visão complexa articula teoria e a
prática numa ação transformadora cuja prática pedagógica contempla aprendizagens
para vida.
Considerar o desenvolvimento pessoal e profissional de professores, pelo
entendimento de Porto (2000, p.14), se dá quando o ―fazer, entendido como uma
atividade alheia à experiência e ao conhecimento do professor cede lugar ao saber fazer
reflexivo, entendido como autoformação‖, caminho que mostra a indissociabilidade
entre teoria e prática.
Com a Resolução de Nº 2/2012 do Conselho Nacional de Educação (CNEA
Conselho Pleno) entra em vigor as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação
Ambiental (EA). Essas Diretrizes determinam que aos sistemas de ensino promovam
condições para que suas instituições educacionais se constituam em:
[...] espaços educadores sustentáveis, com a intencionalidade de educar para a
sustentabilidade socioambiental de suas comunidades, integrando currículos,
gestão e edificações, em relação equilibrada com o meio ambiente e
tornando-se referência para seu território (BRASIL, CNE, 2012, p. 7).
Mas, como promover conhecimentos concernentes à EA nos currículos da
educação básica considerando que os professores ainda não se encontram preparados
para esse compromisso? Como reformar o pensamento dos professores para a
Ambientalização Curricular?
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A ambientalização Curricular é um conhecimento novo e desafiador. "Segundo a
Política Nacional de Educação Ambiental, no ensino superior é facultada a criação de
disciplinas nas áreas voltadas aos aspectos metodológicos da Educação Ambiental (EA),
nos cursos de pós-graduação e de extensão" (ZUIN et al, 2009). Essa política
asseguraria um caminho para essa implementação, mas como tema transversal e
interdisciplinar essa proposta depende também de discussões mais amplas sobre os
currículos da educação básica e superior incluindo a formação dos professores. A
ambientalização nos desafia a exercitar a Educação Ambiental dentro dos curriculos/
disciplinas.
Em acordo com Kitzmann & Amus (2012, p. 270): "Ambientalização curricular
surge para institucionalizar a educação ambiental (EA) no ensino superior". Essa
indicação nos faz refletir a importância do educar-se por inteiro integrando disciplinas
que conjuguem esse conhecimento no debate sobre a Ambientalização nos currículos da
Educação Básica.
Ambientalização Curricular seria como um processo contínuo de produção
cultural ―(...) voltado à formação de profissionais comprometidos com a busca
permanente das melhores relações possíveis entre a sociedade e a natureza, atendendo
aos valores da justiça, solidariedade e da equidade [...] (REDE ACES, 2000).
Isto posto, torna-se oportuno e necessário aprofundar essa discussão para
contribuir no desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes tendo em vista
processos educativos das crianças, especialmente aqueles vinculados à educação
ambiental, contexto que nos coloca em meio a vários questionamentos, afinal como
promover conhecimentos e experiências concernentes à Educação Ambiental e a
Ambientalização Currícular dos professores da Educação Básica? Como prepará-los e
apoiá-los para esse compromisso?
O GEPESVida como grupo de investigação e reflexão investiu num processo
cuja ―aprendizagem passa a ter foco na visão complexa do universo e na educação para
vida‖ (BEHRENS, 2006, p.14), por acreditar na formação de sociedades mais justas e
ecologicamente equilibradas, e no professor como elemento de decisão para uma
Educação para Inteireza. Esse termo utilizado por Morin (2003), Portal (2006), Wilber
(2007) e Andrade (2011) diz respeito à ―Qualidade do que é inteiro‖ e considera que a
educação não pode mais seguir fragmentada produzindo consciências reducionistas e
desprezando as mais variadas dimensões humanas em nome de uma ciência que
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priorizou a parte em detrimento do todo. Nesse sentido, a ambientalização Curricular
surge como um novo paradigma de Educação.
2. ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS
A partir das histórias de vida orais dos professores do CEIM onde foi
realizado o estudo emergiram dois eixos de análise: Experiências da
infância e Atitudes conscientes sobre educação ambiental.
2.1 EXPERIÊNCIAS DA INFÂNCIA
Nessa categoria, a que chamamos de eixo, optamos em analisar as memórias das
experiências da infância dos educadores do CEIM resgatando as influências na trajetória
de vida e os momentos cruciais que parecem relacionados à Educação Ambiental. As
histórias de vida orais elencadas mostram que os professores relembraram suas histórias
e tentaram detectar nelas os fatos marcantes que promoveram seu interesse pela questão
ambiental, como é possível perceber a seguir:
―[...] memórias da minha infância [...] Lembro-me perfeitamente das suas atitudes relacionadas a
economia da água, o cuidado com os objetos jogados no campo, [...] ele tinha a sabedoria para cuidar do
espaço, defender a natureza nas diferentes situações‖ (P1)
―Desde criança percebo que minha família não está ligada a preservação da natureza, separação de
resíduos ou por exemplo: economizar água.‖ (P3)
"Na minha infância não existia preocupação com o meio ambiente, brincávamos livres em contato com a
natureza e todos as belezas nela contida‖. (P7)
―Meus familiares principalmente avós me incentivavam a plantar flores, a limpar o terreno, cuidar dos
animais, esteja onde eu estiver. Ficava feliz quando viajava e observava os campos verdes e animais
pastando. Ou até mesmo quando ia visitar o sítio do meu vô. Dentro de casa minha mãe sempre plantava
em vasos folhagens e flores. Do lado de fora, no terreno cuidava do lindo gramado com vários pés de
roseiras, já meu pai não posso falar a mesma coisa. Até hoje ele não é muito afim‖. (P9)
O desenvolvimento pessoal e profissional dos professores emerge das histórias
de vida orais entrelaçadas e marcadas por uma processualidade desde a infância até a
vida adulta com espaços e tempos influenciados em defesa do ambiente e suas
particularidades narradas, que se conta a sua visão sobre a sua história vivida (NÓVOA,
2007; GOODSON, 2007; MOITA, 2007; JOSSO, 2010).
Nesse sentido, como Nóvoa (2007) e demais defensores da História Oral de
Vida, fundamentam suas abordagens nas pesquisas (auto)biográficas como
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possibilidade de identificar nesse professor características de desenvolvimento
profissional e pessoal. Assim, as histórias orais de vida das professoras entrevistadas
expunham uma linha tênue entre passado e presente. A história oral de vida é cheia de
detalhes e significados construídos pelos mesmos a cerca de suas experiências.
As narrativas de histórias orais pessoais e a profissionais, nem sempre claras
misturam passado e presente. O que se pensa hoje sobre Educação Ambiental e o tempo
vivido junto à família. Ao desvelarem suas histórias, revivem conceitos e práticas
estabelecendo sua própria escuta para uma reflexão. As histórias de vida orais a seguir
elucidam e relacionam a questão da Educação Ambiental ;
―Eu sempre soube que tinha que cuidar do Meio Ambiente. Quando era criança via fazerem as queimadas
para a nova plantação, aquela fumaça se perdia no ar, aquilo era triste, eu ouvia os mais velhos falarem
que no mês de agosto é um mês triste, talvez seja por isso, a natureza fica triste.‖ (P10)
―A Educação Ambiental entrou na vida muito cedo, desde criança meus pais me mostraram o que é certo
e errado, em relação ao ambiente em que vivemos, cresci em uma sociedade em que o aquecimento global
e ações causadas pelo homem era uma questão muito forte, foi então que procurei estudar e compreender
mais sobre o assunto‖ (P13)
Essas duas histórias de vida orais revelam ensinamentos fundamentais advindos
da infância e sinalizam algumas semelhanças que nos parecem ser relevantes para a
compreensão da necessidade de se retomar histórias orais sobre os aspectos ―familiares
e da infância‖ dos educadores. O tempo de queimar os campos como uma prática
natural e ao mesmo tempo triste, os ensinamentos, a necessidade se aprofundar seus
conhecimentos. Para Bosi (2003, p. 62), ―[...] quando se trata de história recente, feliz o
pesquisador que se pode amparar em testemunhos vivos e reconstruir atitudes e sensibilidades de uma
época!‖
Maturana (1986) também amplia nossa compreensão quando sinaliza
possibilidades para que cada sujeito possa ser reconhecido por suas capacidades e
processo de aprendizagem contínuo registrado por sua história e circunstância. Essa
postura é interessante especialmente quando nos referimos à questão ambiental,
Carvalho (2001, p. 30-31) afirma que:
[...] uma maneira produtiva de compreender a experiência do educador
ambiental seria tomá-lo como um intérprete de seu contexto, ao mesmo
tempo em que é um sujeito interpretado. [...] Diferentemente de um sujeito-
observador, situado fora do tempo histórico, perseguindo os sentidos
verdadeiros, reais, permanentes e inequívocos, o sujeito-intérprete estaria
diante de um mundo-texto, mergulhado na polissemia e na aventura de
produzir sentido a partir de seu horizonte histórico.
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As histórias de vida orais dos professores revelam que essas vivências da
infância influenciaram suas atitudes e ações atuais instigando-os a compreender mais
sobre o assunto, dando sentido a sua história social, cultural e ambiental.
[...] A tradição ambiental constitui um território simbólico, uma trama de
sentidos e temporalidades sempre reencontrados e recriados nos
autoposicionamentos dos sujeitos em suas trajetórias de vida. O auto-relato,
nesse sentido, é o locus desse encontro entre a vida íntima do indivíduo e sua
inscrição numa história social, ambiental e cultural (CARVALHO, 2001, p.
71 (grifo nosso).
As histórias de vida orais revelados nas vivências dos professores, mostram a
força da reflexão e as possibilidades do auto-conhecimento, eles não narram as coisas
conforme aconteceram, mas como as significam e como as percebem.
―O tempo passa e as marcas positivas permanecem comigo desde a idade mais tenra. Assim sendo
percebo a importância de trabalharmos tais valores com nossas crianças, para que no futuro sejam
melhores e preparados para cuidar da natureza que Deus nos deu.‖ (P1)
Essas marcas positivas podem dar pistas sobre o processo de compreensão da
temática ambiental de cada um dos participantes do projeto. A história de vida como
estratégia de revisão de suas escolhas e de decisões que foram sendo tomadas. A
metodologia da história oral valoriza a memória como fonte de produção de
conhecimento ―A verdade ou o real nada mais é que uma construção cultural‖
(SILVEIRA, 2005, p. 2). Assim, todas as participantes da pesquisação têm a
possibilidade de ao rever sua história de vida, resgatar uma influência que marcou suas
atitudes e relação com o ambiente no qual viveram.
2.2 ATITUDES CONSCIENTES SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Nessa categoria de análise, eixo reflexivo, apresentamos o resgate de algumas
histórias de vida orais dos professores que mostram as atitudes atuais que perpassaram o
cotidiano escolar e familiar. No ato de narrar à experiência de vida e de lidar com o
tempo e espaços vivenciados no passado e presentes no cotidiano os professores têm a
possibilidade de se humanizarem deixando de ser objetos de uma dada história para se
converterem em sujeitos que contam e fazem suas próprias histórias (ABREU, 2000).
As histórias de vida orais a seguir revelam a necessidade de tomada de
consciência e uma possível identidade de adesão e defesa pela educação ambiental:
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―Eu acho que as pessoas tinham que ter mais consciência, e reciclar mais o lixo, iria diminuir bastante.
Fico triste em ver tanta sujeira jogadas por aí, imagino o que passa pela cabeça dessas pessoas, pois há
divulgação nas propagandas de TV, nas rádios, na internet, e em todos os lugares, e se cada um fizesse
sua parte iria ser bem melhor.‖ (P2)
Para Nóvoa (2007) o processo identitário dos professores compreendem três
eixos: a adesão - que se potencializa com a reflexão sobre a educação ambiental do
trabalho docente) -; a ação - (que são as escolhas dos professores pela prática
ambiental) -; e, a autoconsciência (momento reflexivo da sua ação).
[...] Porque também aqui, na escolha das melhores maneiras de agir, se jogam
decisões de foro profissional e de foro pessoal. Todos sabemos que certas
técnicas e métodos ―colam‖ melhor com a nossa maneira de ser do que
outros. Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experiências
―marcam‖ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com
esta ou com aquela maneira de trabalhar em sala de aula (NÓVOA, 2007, p.
16).
A adesão, a ação e a autoconsciência nos impulsionam a perceber as professoras
participantes como agentes ambientais que carregam, desde suas infâncias, a gênese da
ambientalização curricular. As histórias de vida orais a seguir revelam que a educação
ambiental é um experiência pessoal e profissional e que se constitui num processo.
―Ter um cuidado com o outro, nos momentos que interagimos as ações do meio ambiente promovem o
bem estar das crianças e as suas experiências do coletivo no espaço escolar‖. (P4)
―[...] tenho consciência que Educação Ambiental é processual e permanente. Deve estar presente sempre
em nosso cotidiano e não ―trabalhada‖ como um projeto com data definida, para cumprir um dos temas
transversais, ou para observar a obrigatoriedade da Lei‖. (P6)
Assim, priorizar as histórias de vida orais, significou também produzir narrativas
de identidade, à medida que o sujeito revela como vê o mundo e a si mesmo. A história
de vida dos professores do CEIM é vista como transformadora e reconstituinte, na
medida em que eles tomaram consciência de seus percursos, podendo ressignificar suas
experiências, situando-se como agente individual e social do cotidiano escolar. Os
participantes da pesquisa são agentes de construção social da questão ambiental e se
sentem corresponsáveis pela educação ambiental, como é possível perceber nas histórias
de vida orais que seguem:
―[...] começamos a por em prática em minha casa, onde ajudo a separar tudo que se pode aproveitar,
desde cascas de frutas e verduras para adubar a lavoura, óleos para fazer sabão, papeis e garrafas pet a
serem vendidos para reciclagem, tudo tem seu proveito se soubermos separar, tirando assim do meio em
que vivemos tudo aquilo que ajuda a destruir com o meio ambiente‖. (P6)
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―Mas com o aumento da população e a falta de conscientização do povo o planeta terra teve grandes
transformações, vindo ocasionar muitos danos a natureza. Obrigando com que as pessoas tenham a
preocupação em dar o destino certo do grande acúmulo de lixo pela falta do destino correto, criando
projetos de Educação ambiental, reciclagem, compostagem, preservações da natureza, plantios e a
preservação da água e seus cuidados. etc... evitando as grandes catástrofes ocorridas na natureza causadas
pelo ser humano como retorno dos seus erros cometidos em suas atitudes‖. (p7)
Ao narrar a história coletiva e a sua história sente-se inserido na problemática
ambiental, cada um a seu modo, após reflexão mostra o desejo de defesa da Educação
ambiental. Ao retomarem o passado passam a problematizar o futuro e sua profissão. A
Educação Ambiental nem sempre esteve presente na escola, é preciso contruir essa
relação.
É nítido que os discursos dos professores participantes vêm carregados da
ideologia do grupo ao qual pertencem e que revelam o cotidiano no CEIM:
―E quando cheguei aqui no CEIM e vi o trabalho maravilhosos que as mulheres tanto da cozinha quanto
da limpeza fazem, tudo é aproveitado as cascas de frutas e verduras tudo vai para a compostagem elas
reciclam tudo mesmo, e muito pouco vai para o lixo. Seria bom demais que tivessem em todas as escolas,
pois o CEIM (...) pode ser escola modelo, pois está de parabéns.‖ (P2)
―Minhas primeiras experiências sobre esse assunto foram nas escolas em que estudei e no meu local de
trabalho, [...] com fortes influências a economizar, preservar e proteger o meio ambiente, usando de
atividades voltadas a conscientização‖. (P3)
―Na escola separamos as pilhas e o óleo de cozinha e as famílias da comunidade trazem para a escola que
é entregue para cooperativa.‖ (P5)
―Há 3 anos e meio comecei a trabalhar no CEIM (...) e como a escola faz esse trabalho maravilhoso, com
o propósito que é a separação dos resíduos sólidos e orgânicos, comecei à me interessar mais,
envolvendo-me ativamente com a separação dos mesmos‖. (P8)
As histórias de vida orais indicam a escola como espaço de formação não só
para os alunos como também para os professores sobre a questão ambiental. Torna-se
fundamental alertar para o fato de que a compreensão sobre a Educação Ambiental e seu
significado para a vida de cada professor do CEIM, vem respaldado pela proposta
pedagógica assegurada pelo cotidiano da escola.
―Em sala de aula tenho enriquecido minha experiência com as crianças, onde fazemos semanalmente a
separação dos resíduos sólidos nas respectivas lixeira, reforçando sempre as cores das mesmas.
Realizamos trabalhos pedagógicos com o objetivo de conscientizar nossos pequenos a importância de
cuidarmos da natureza, do planeta e mantermos um ambiente adequado para a qualidade de vida.‖ (P3)
―A vivencias ambientais estão presentes no nosso cotidiano com situações investigativas: atividades como
horta, compostagem e separação do lixo‖. (P4)
Podemos considerar que ―[...] apesar de todas as fragilidades e ambiguidades, é
inegável que as histórias de vida têm dado origem a práticas e reflexões extremamente
estimulantes, fertilizadas pelo recurso a uma grande variedade de enquadramentos
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conceptuais e metodológicos [...]‖ (NÓVOA, 2007, p. 19), especialmente na área da
educação ambiental. As histórias de vida orais acima mostram que não foi necessário
criar um espaço para disciplina de educação ambiental(EA), esta é uma questão que
emerge da prática cotidiana do CEIM. Aos poucos conceitos foram sendo trabalhados
na horta, do lanche, da higiene pessoal das crianças etc. Sinal de que essa compreensão
e relação com o ambiente foram sendo construídas.
O CEIM estaria se tornando um espaço ambientalizado? A inclusão do meio
ambiente como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais não pode ser
entendida como novo conjunto de informações a serem ―transmitidos‖, a prática
cotidiana vai mostrando caminhos para ambientalizar a partir da EA e vice e versa
conforme orienta o pensamento complexo.
―Quando vim para o CEIM, aprendi a fazer a coisa certa, cascas de frutas e vegetais vão para a
compostagem para adubar a horta e as embalagens dos produtos são separadas para o reciclado, que o
carro vem pegar uma vez por semana. O lixo aqui no CEIM é bem pouco‖. (P11)
―Por influência das ações ambientais desenvolvidas no CEIM, estimuladas pela gestora, passei a trazer os
resíduos para a escola e começamos a separar com as crianças, pois todas as salas têm as sacolas de TNT
nas cores da coleta seletiva. Comecei a solicitar aos alunos, como tarefa que trouxessem os resíduos
recicláveis para a separação em sala de aula, e isso se tornou prática permanente em meu planejamento‖.
(P12)
Essas escolhas pedagógicas foram essenciais para a tomada de posição
consciente em relação ao ambiente. Assim, os professores desvelam por sua narrativa
um lugar que indicava atenção, disponibilidade para aprender e cuidar do espaço de
trabalho. ―[...] É evidente que a pessoa que mais sabe de uma dada trajetória
profissional é a pessoa que a viveu. Do mesmo modo, a maneira como essa pessoa
define as situações com que viu confrontada desempenha um papel primordial na
explicação do que se passou‖. (HUBERMAN, 2007, p. 55). O processo educacional
sofre modificação e favorecem o desenvolvimento profissional porque aprendemos uns
com os outros. Numa mesma medida, o desenvolvimento pessoal é nutrido pelas
relações que se estabelecem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisação funcionou como uma prática pedagógica ao promover momentos
diferenciados e complementares de reflexões sobre a prática e de conteúdos para a
renovação da prática e dos desafios cotidianos. A história de vida oral retomada pelos
professores do CEIM , promoveu discussões e reflexões necessárias à Educação
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Ambiental de forma articulada à Educação para a Inteireza contribuindo com o processo
de desenvolvimento pessoal e profissional daqueles professores.
A importância desse estudo está na compreensão de que que o processo de
Ambientalização Curricular nas escolas depende de um espaço relacional, de vivência,
de troca de experiências, de histórias orais de vidas compartilhadas para que se possa
construir um verdadeiro aprendizado sobre a relação do homem com o ambiente.
Incentivar reflexões sobre o tema no CEIM, de forma intencional, possibilitou
aos professores a revisão de seus próprios caminhos e a compreensão de que o
aprendizado é contínuo rumo a uma consciência de que ―todo ato de conhecer produz
um mundo‖ (MATURANA; VARELLA, 1995, p. 60), tendo em vista a
inseparabilidade entre ação e experiência, entre conhecer e fazer.
Consideramos provisoriamente que os encontros pedagógicos promoveram a
compreensão da relação entre Educação Ambiental, Ambientalização e Educação para a
Inteireza contribuindo para com o processo de desenvolvimento pessoal e profissional
daqueles professores. E nessa aventura reflexiva, os professores puderam pensar num
outro modelo de formação integral capaz de privilegiar o reconhecimento do caráter
multidimensional do humano.
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1 Professora e pesquisadora dos Programas de Pos-graduação em Educação (PPGE) e Ambiente e Saúde
(PPGAS) da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC.
1 Professora e pesquisadora dos Programas de Pos-graduação em Educação (PPGE) e Ambiente e Saúde
(PPGAS) da Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC.
2. A Educação Permanente se apresenta como uma ―estratégia de ação‖ e a Educação Continuada como
―programa ou espaço de retomada de conteúdos, conceitos importantes para a retroalimentação‖ da
prática. Ver discussão desenvolvida por Arruda et all, 2008.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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HISTÓRIAS DE VIDA ORAIS: PROPÓSITO DE HOMENS E MULHERES DA
EJA NO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL
Izabel Cristina Feijó de Andrade/USJ/UNIPLAC1
Wanderlea Pereira Damásio Maurício/USJ1
RESUMO:
O presente artigo tem como propósito analisar as histórias de vida orais de homens e
mulheres da EJA a partir de alguns questionamentos importantes: Quem são essas
pessoas que frequentam EJA? O que desejam conquistar? Como vivenciam as
dimensões de um currículo multicultural e com a ambientalização curricular? Para essa
pesquisa, utilizamos a Pesquisa participante com a inclusão no ano de 2015 de vinte
estagiários do curso de Pedagogia do USJ na modalidade EJA, em uma instituição
situada no Município de São José/Santa Catarina. Os participantes, além dos 20 alunos
do USJ, são duas turmas de EJA composta por 18 alunos com idades entre 16 a 45 anos.
A prática pedagógica dos estágios mostrou que as histórias de vida orais dos alunos da
EJA estavam repletas de histórias vividas. Dessa forma, consideramos que ao trabalhar
com os sujeitos da EJA, devemos também orientá-los para os conhecimentos e
mudanças que estão cada vez mais presentes na sociedade, especialmente aquelas
relacionadas com a multiculturalidade e a educação ambiental. É importante que nós
como professores, abrimos possibilidades de mudança em nossas práticas, para
podermos beneficiar os sujeitos que estão presentes na EJA, que buscam formas de
estarem inseridos também nas mudanças que acontecem rapidamente na sociedade, e
uma delas é retomar as questões relacionadas com a multiculturalidade e a educação
ambiental para a sala de aula. Mas, não basta só querer é preciso buscar estratégias de
mudanças que possam intervir para mudar e a formar sujeitos críticos.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Multiculturalismo. Histórias de vida
Orais. Educação Ambiental.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como propósito analisar as histórias de vida orais de
homens e mulheres da EJA a partir de alguns questionamentos importantes: Quem são
essas pessoas que frequentam EJA? O que desejam conquistar? Como vivenciam as
dimensões de um currículo multicultural e com a ambientalização curricular? Nesta
pesquisa, optamos pela abordagem qualitativa e utilizamos as histórias de vida orais
como instrumento de investigação, visando compreender às significações multiculturais
que os alunos da EJA atribuem à suas aprendizagens na área da educação ambiental.
Essa pesquisa está vinculada ao Estágio em EJA desenvolvido pelo curso de Pedagogia
do USJ que em 2015 enviou vinte estagiários na modalidade EJA para desenvolver a
pesquisa: ―EJA no contexto dos Estágios do curso de Pedagogia do USJ: Desafios e
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Perspectivas” numa instituição situada no Município de São José/Santa Catarina. Os
participantes, in locus, foram duas turmas de EJA composta por 18 alunos com idades
entre 16 a 45 anos. Essa diversidade de interesses e de idades tornaram o ambiente
investigado rico e diferente. Para Schwartz (2010, p.13), quando assinala que ―as classes
da EJA também acolhem [...] sujeitos com nível cultural e educacional diferenciado, o
que faz do espaço de sala de aula um ambiente rico e marcado pela diversidade‖ em que
o foco está nas práticas comprometidas com a igualdade, solidariedade, e
sustentabilidade:
[...] com base em práticas comprometidas com a construção de sociedades
justas e sustentáveis, fundadas nos valores da liberdade, igualdade,
solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade, sustentabilidade e
educação como direito de todos e todas, são princípios da Educação
Ambiental:[...] VI – respeito à pluralidade e à diversidade, seja individual,
seja coletiva, étnica, racial, social e cultural, disseminando os direitos de
existência e permanência e o valor da multiculturalidade e plurietnicidade
do país e do desenvolvimento da cidadania planetária. (BRASIL, 2013,
p.550)
As histórias de vida orais revelam a realidade da aprendizagem dos alunos e as
vozes dos estagiários da Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando que os
contextos social/pessoal/profissional desses dois grupos (alunos da EJA e estagiários),
representam suas possibilidades reais de aprendizagens, bem como suas relações com a
sala de aula, a educação ambiental e a multiculturalidade. Toda revelação explicitada
pelos 18 alunos da EJA e dos 20 estagiários apresentou em seus percursos, uma história,
um relato de experiência e uma reflexão.
Ao utilizarmos as histórias de vida orais como instrumento de investigação
pudemos perceber como os participantes estão narrando suas experiências e suas
aprendizagens, seus percursos de formação e suas histórias de desenvolvimento pessoal
e profissional.
Para Mizukami et al. (2002) as histórias de vida orais ou narrativas enquanto
estratégia reflexiva e investigativa servem para compreender os processos de
aprendizagem, o que vem ao encontro de Monteiro (2003) quando afirma que as
histórias de vida orais servem de base para a reflexão e a investigação da compreensão
dos processos de desenvolvimento pessoal e profissional. Entendemos que o
desenvolvimento pessoal e profissional, resulta de escolhas conscientes voltadas à
satisfação das necessidades conscientes e que compõem a história de vida dos sujeitos.
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Para Josso (2004, p. 78), as histórias de vida orais, voltadas para o
desenvolvimento pessoal e profissional ―evidenciam a extrema variabilidade do tempo
necessário, das condições psicossomáticas requeridas, dos recursos que estão em jogo e,
finalmente, dos tipos de resistência ou problemas encontrados [...]‖. Nesse sentido,
homens e mulheres aprendem pelas relações sociais, organizam suas experiências e
principalmente formam as histórias de vida orais. Assim criam-se as histórias, as
desculpas, as razões para fazer ou não fazer (GALVÃO, 2005).
Analisamos as histórias de vida orais dos investigados e nos deparamos com o
conjunto de características que foram compondo o contexto do processo de
aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos, revelando também as dimensões que
compoem o desenvolvimento pessoal e profissional. Concordamos com Mizukami (et
al. 2002) quando afirma que esse contexto emerge no instante da história de vida oral,
por um motivo especial, que fizeram com que eles fossem lembrados no lugar de outros.
Nesse sentido, analisamos as histórias de vida orais dos alunos da EJA e dos
estagiários, confirmando nelas os elementos que justificam nossas teorizações acerca
das dimensões multiculturais e ambientais e que nos possibilitam traçar os processos de
desenvolvimento pessoal e profissional desses sujeitos.
HOMENS E MULHERES DA EJA: OS ESTAGIÁRIOS EM AÇÃO
A educação de jovens e adultos – EJA é uma modalidade de ensino que atende
educandos que por algum motivo não estudaram ou não completaram em tempo regular
o ensino fundamental e médio. Ao falar da EJA é necessário fazer referência a realidade
dos educandos: suas histórias de vida e suas especificidades no contexto em que estão
inseridos, para então construir uma metodologia que atenda o educando de modo
singular. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013, p.
40) deixa explicitado que:
A instituição da Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido considerada
como instância em que o Brasil procura saldar uma dívida social que tem
para com o cidadão que não estudou na idade própria. Destina-se, portanto,
aos que se situam na faixa etária superior à considerada própria, no nível de
conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
É bastante encorajador, pensarmos em possibilidade de construir uma nova
história, basta que o sujeito da EJA tenha oportunidades e acesso à uma educação de
qualidade, o que vai ao encontro do pensamento de Freire (2005, p.8):
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Talvez seja este o sentido mais exato da alfabetização: aprender a escrever a
sua vida, como autor e como testemunha de sua história, isto é, biografar-se,
existenciar-se, historicizar-se. Por isto, a pedagogia de Paulo Freire, sendo
método de alfabetização, tem como ideia animadora toda a amplitude
humana da ―educação como prática da liberdade‖, o que, em regime de
dominação, só se pode produzir e desenvolver na dinâmica de uma
―pedagogia do oprimido‖.
Os sujeitos da EJA voltam a estudar para conquistar algo, que sempre sonharam.
Percebemos que muitos alunos tinham objetivos para realizar, como ter um emprego
melhor ou ter um diploma para fazer faculdade. É o objetivo desejado que os
impulsiona a continuar a conquista de um ideal como meta de vida. Isso corrobora com
o que Freire sensibiliza o leitor quando destaca que:
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem ―tratar‖ sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem
esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência,
sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível. (FREIRE,
1996, p. 58).
Em concordância com o autor citado, acreditamos que é preciso que o sujeito
valorize sua história, narre sua experiência, tomando consciência de sua existência e
que sua realidade não o torne inferior a ninguém, e tão pouco seja motivo de vergonha
para os que o cerca.
A carência escolar de adultos e jovens que ultrapassaram essa idade tem
graus variáveis, desde a total falta de alfabetização, passando pelo
analfabetismo funcional, até a incompleta escolarização nas etapas do Ensino
Fundamental e do Médio. Essa defasagem educacional mantém e reforça a
exclusão social, privando largas parcelas da população ao direito de
participar dos bens culturais, de integrar-se na vida produtiva e de exercer sua
cidadania. Esse resgate não pode ser tratado emergencialmente, mas, sim, de
forma sistemática e continuada, uma vez que jovens e adultos continuam
alimentando o contingente com defasagem escolar, seja por não ingressarem
na escola, seja por dela se evadirem por múltiplas razões. (BRASIL, 2013. p.
40)
Por terem pouca escolaridade algumas pessoas se sujeitam a fazer trabalhos
pesados, recebendo salários que são insuficientes para contribuir com as despesas da
casa, tornando sua sobrevivência bastante difícil. Porém é importante ressaltar que nem
sempre acontece desta forma com todos os sujeitos da EJA, algumas retomam seus
estudos para realizar um desejo pessoal ou para se apropriar de conhecimentos
necessários para viver em sociedade.
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Registre-se a oportunidade política do Estado brasileiro no sentido de
resgatar parte da dívida histórica que possui com adolescentes, jovens e
adultos que não possuem escolaridade básica, por meio de normas vitais para
que sua educação seja compreendida como Direito e, portanto, universal e de
qualidade. (BRASIL, 2013, p. 362)
Neste contexto Gadotti (2009, p. 17) nos instiga a fazer uma reflexão:
Quando falamos de eucação já não discutimos se ela é ou não necessária.
Parece óbvio, para todos, que ela é necessária para a conquista da liberdade
de cada um e o seu exercício da cidadania, para o trabalho, para tornar as
pessoas mais autônomas e mais felizes. A educação é necessária para a
sobrevivência do ser humano. Para que ele não precise inventar tudo de novo,
necessita apropriar-se da cultura, do que a humanidade já produziu. Se isso
era importante no passado, hoje é mais decisivo, numa sociedade baseada no
conhecimento.
Essa ideia de uma reflexão sobre sua própria história vivenciada na educação
emergiu das histórias de vida orais vinculadas ao exercício da docência em EJA dos
estagiários do USJ que elencaram pontos fundamentais como: os saberes necessários, o
currículo proposto e os sujeitos- alunos da EJA. Com relação às aprendizagens
construídas no contexto da EJA, emergem relatos que apresentam as imagens de aulas
com as quais esses estagiários trabalharam e perceberam o saber dos alunos da EJA,
suas reações, suas expectativas, seus problemas de compreensão, dentre eles
destacamos:
[...] é uma pena termos o estágio de EJA somente no final do curso, pois me apaixonei pelos alunos da
EJA e acredito que tenho muito a ensiná-los e para aprender sobre essa modalidade de ensino (E1)
Estava com medo de fazer estágio em EJA, mas agora, percebo que é uma modalidade de ensino que
precisa de um profissional com formação e dedicação. (E16)
Minha reação foi de admiração pelas pessoas que estavam na EJA. Jovens e idosos compartilhando suas
experiências e desejos. (E4)
As turmas de EJA que fiz estágio são maravilhosas, fiz amizades com eles e eles se esforçaram nas
minhas aulas . (E4)
Agora, sei o quanto a EJA é importante para a nossa formação. Não podemos infantilizar a EJA, são
adultos. Eles têm histórias de vidas que encantam a todos. A experiência vivida, como estagiária, foi
muito gratificante e desafiadora, pois sou professora da Educação Infantil. Tenho muito a aprender. (E8)
Assim, as histórias de vida orais dos estagiários pesquisados evidenciam a
percepção deles sobre a atuação na EJA e com isso construíram e reconstruíram suas
aprendizagens nesse contexto específico. Suas expectativas, suas significações e suas
interações são narradas oralmente nas aulas presenciais:
[...] posso considerar que alguns professores da EJA ainda permanece a visão tradicional. O que dificulta
a interação entre eles e os alunos. (E 5)
O que me deu segurança foi a presença do professor regente e da supervisora de estágio durante nossa
atuação. Mas, isso ocorreu porque tinhamos afinidade e integração dos trabalhos. (E 9)
O acompanhamento da supervisora faz a diferença. (E19)
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O trabalho por projetos torna a prática mais significativa e os resultados são positivos. Todos os alunos
da EJA se envolveram com as produções multiculturais e com as pesquisas acerca da Educação
Ambiental, tornando o nosso trabalho de estagiário mais significativo. (E 15)
Percebi um grande número de alunos com dificuldades de aprendizagem e isso gerou muito expectativa e
desejo que fazer algo por eles. (E.13)
Desta forma Freire nos direciona a pensar sobre nossas capacidades com relação
ao aprendizado dos alunos da EJA, fortalecendo a ideia de que somos capazes de
aprender:
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos
tornamos capazes de aprender é uma aventura criadora, algo, por isso
mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender
para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem
abertura ao risco e à aventura do espírito. Creio poder afirmar, na altura
destas considerações, que toda prática educativa demanda a existência de
sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o
seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados
e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica,
em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua
politicidade, qualidade que tem prática educativa de ser política, de não poder
ser neutra. (FREIRE, 1996, p.69-70).
É preciso que nos aventuremos rumo ao desconhecido, pois somente desta forma
nos será possível o enriquecimento do aprendizado e dos benefícios que os
conhecimentos adquiridos irão nos proporcionar a cada conquista realizada.
2. O QUE OS SUJEITOS DA EJA ESPERAM?
A prática pedagógica dos estágios mostrou que as narrativas orais dos alunos da
EJA estavam repletas de histórias vividas. Ao trabalharmos com projetos as dimensões
multiculturais e ambientais foi possível estimular o desenvolvimento da sensibilidade
para as questões da realidade dos alunos da EJA e, consequentemente nos despertou
para uma postura investigativa, para uma reflexão sobre esses sujeitos e as intervenções
pedagógicas necessárias. Desse modo, o estágio realizado por meio de projetos
possibilitou aos estagiários a experiência real em todo o processo, o qual foi desde o
diagnóstico da realidade da turma, até a ação de intervenção pedagógica. Para Pimenta
(2004, p. 229), [...] o ―projeto é o elemento mobilizador; é ele que harmoniza o conjunto
de ações dos indivíduos com as necessidades do coletivo numa comunidade escolar‖.
Isso nos deu abertura para dentrar nas histórias de vida dos alunos da EJA de modo não
invasivo.
Desta forma, a finalidade da prática educativa na EJA pela ação dos estagiários
foi de provocar aprendizagem significativa acerca da multiculturalidade e das questões
ambientais nos alunos e incentivá-los a narrar de forma oral suas histórias.
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Nas histórias de vida orais dos alunos da EJA, foi possível perceber que voltar a
estudar não é uma tarefa tão simples assim. Os sujeitos ao decidirem voltar para sala de
aula precisam enfrentar seus próprios ―tabus‖, como a vergonha, pois, não se acham
capazes, ou como alguns dizem ―já passaram da idade‖, ou ainda, sentem receio de
mudar sua rotina. É muito comum encontrarmos esses tipos de barreiras nos alunos da
EJA que tentaram o caminho da escola. Eles precisam fazer algumas mudanças como
dedicar tempo ao estudo e isso acaba afetando alguns de seus hábitos e sua vida
familiar. Segundo Schwartz (2010, p.67):
Conscientemente, os jovens e adultos analfabetos podem até saber que seria
vantajoso essa aprendizagem, mais inconscientemente, desenvolvem
mecanismos de defesa para não construí-la por medo do desconhecido, ou
por não se sentirem capazes, por exemplo.
Após enfrentarem a sala de aula logo aparecem novos desafios na busca pelo
conhecimento, sobretudo o desafio de aprender. Vão se inserir em um novo mundo,
fazer novas descobertas e encontrar outras maneiras de resolver algumas situações
rotineiras que os impedia de um acesso mais fácil ao mundo em que vivem como
expressado nas histórias de vida orais a seguir:
Sei que no início vai ser difícil, terei que mudar meus hábitos… tem minha família...coisa e tal… mas
tenho que persistir se desejo fazer alguma coisa por mim. (Aluno D) [...] vejo quanto o estudo é importante para mim. Às vezes, olho para mim mesmo e me pergunto. Será
que a culpa foi dos meus pais ou preguiça minha de estudar? Agora chegou a hora, vou até o fim. (Aluno
Q) Eu aprendi não só a ler e escrever, mas também aprendi a me relacionar melhor com as pessoas. Sou uma
pessoa nova. É por isso, que aqui eu me sinto bem e me empolgo. Quero crescer e ser capaz como
pessoa. (Aluno R) Sou privilegiada em estudar na EJA, especialmente pelo acolhimento e o carisma e competência dos
estagiários que ensinam. (Aluno E) Na sala de aula todos se respeitam, tem um pouco de bagunça, mas existe muita amizade. Na hora de
aula, quando o professor está passando matéria, eu presto. Se uma pessoa não entende, o estagiário tenta
ajudá-lo. (Aluno F)
Durante o estágio, no acompanhamento dos alunos se presenciou muitas
histórias de vida orais que nos deram indícios dos caminhos que os conduziram até a
escola e que revelaram que a dimensão multicultural estava sendo um entrave na vida
deles, como apresentamos nos depoimentos a seguir:
Quando os estagiários nos alertaram que as questões multiculturais e ambientais eram importantes para o
nosso desenvolvimento, percebi que o que me afastou da escola foi porque nunca fui aceito por causa de
minha sexualidade. (Aluno A)
Sou negra, sofri bulling, deixei a escola. Agora adulta e sem medo, voltei (Aluna G)
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Sou catadora. Pensei que não seria aceita entre meus amigos, mas discutir as questões ambientais me
percebi importante no grupo, pois sei do que os estagiários estão falando (Aluna M)
Segundo o aluno ―A‖ o seu objetivo ao ingressar na EJA era para crescer
profissionalmente e ter boas oportunidades no mercado de trabalho‖. Em outro
momento tivemos novos relatos como de outros alunos dizendo que: ―quero terminar os
estudos, para poder entrar na faculdade‖ (Aluno B). Alguns alunos da EJA, no princípio
do estágio são tímidos, mas após alguns encontros passam a interagir com uma grande
frequência com os estagiários participando das atividades, originando assim muitas
conversa e debates, gerados a partir dos temas e assuntos propostos: Multiculturalidade
e Educação Ambiental. Conforme Schwartz (2010, p.64-65):
No dia a dia é possível perceber que apenas querer fazer alguma coisa não é o
suficiente para fazê-la. Exemplos para isso não faltam: dieta, parar de fumar,
fazer exercícios. Parece que existem razões que a própria razão desconhece.
Esta sempre procurou explicar, a si mesma, as ações e pensamentos dos
sujeitos. E o que descobre? Descobre que na base de tudo está o prazer que é,
de fato, o que move cada sujeito na busca do atendimento às suas
necessidades. No caso da aprendizagem da leitura e da escrita, uma
possibilidade desse sentimento do prazer seria o de perceber que está
aprendendo e, consequentemente, de que é um ser capaz.
Percebemos que são inúmeros os objetivos para voltar a estudar, que os levam
em busca da realização tanto pessoal como profissional. A aluna ―C‖, entre outros que
se fazem presentes na turma, possuía como objetivo maior era ter um diploma como
mostramos a seguir:
Quero ter um diploma para mostrar para minha família que consegui terminar o curso. Eles não acreditam
muito em mim. (aluna C)
Quando entrar na faculdade, quero que minha experiência de catadora seja, um exemplo de vida (Aluna
M)
Sei ao entrar na faculdade, as coisas vão melhorar para meu lado. Acredito que as discussões sobre raça
e étnica podem ser discutidas com mais força. (Aluna G)
Além de tanta vontade de aprender, o caminho para essa realização tem que ser
de acordo com o contexto de cada aluno. A EJA leva esses estudantes a alcançar seus
objetivos, trazendo métodos que estão de acordo com a realidade desses sujeitos. O
docente precisa buscar métodos para a compreensão maior do grupo, e tentar trabalhar
assuntos presentes no dia-a-dia como as dimensões multiculturais e ambientais. Como
destaca Schwartz ―Embora cada sujeito seja uma singularidade, todos têm
características em comuns, bem como os processos de ensino e de aprendizagem. A
partir dessas características comuns o professor promoverá as situações de ensino e de
aprendizagem. (SCHWARTZ, 2010, p.67).‖
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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O envolvimento dos alunos com a escola e, principalmente, esse contato
afetuoso com o professor é muito importante para que eles permaneçam nas aulas e não
desistam de aprender e se envolverem com as questões sociais e políticas. É esse
envolvimento mais amplo e satisfatório que os conduz a outros caminhos, ou seja,
levam os alunos da EJA e os estagiários do USJ a seguirem em frente e buscarem outros
objetivos além daqueles que almejavam quando iniciaram o curso, pois percebem que
são cidadãos com direitos e deveres.
A educação segundo a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 208, é um
direito de todos. Nesse sentido, o Parecer CNE/CEB nº 6/2010 resolve no Art. 2º:
Para o melhor desenvolvimento da EJA, cabe a institucionalização de um
sistema educacional público de Educação Básica de jovens e adultos, como
política pública de Estado e não apenas de governo, assumindo a gestão
democrática, contemplando a diversidade de sujeitos aprendizes,
proporcionando a conjugação de políticas públicas setoriais e fortalecendo
sua vocação como instrumento para a educação ao longo da vida. (BRASIL,
2013, p. 369)
Ela proporciona ao sujeito jovem ou adulto possibilidades para que o mesmo
tenha condições de mostrar suas habilidades, seu potencial, resgatando sua dignidade e
autoestima, provando assim que tem competência, pois este traz consigo muitas
experiências que por ele foram vividas fora do contexto escolar.
Apesar da aparente exaustão da temática, esta é uma questão nunca
suficientemente problematizada, as discussões sobre currículo abordada nesta
modalidade de ensino, ou qualquer nível da educação serão, sempre útil e necessário
para pensarmos sobre o currículo, objetivos e finalidades do Ensino Fundamental,
voltado para a EJA, destacando a alfabetização.
O processo de alfabetização de jovens e adultos permite que o sujeito tenha
condições de superar os desafios cotidianos durante seu tempo de aprendizagem,
oportunizando ao mesmo mais condições para desenvolver seu crescimento pessoal e
profissional. A busca pelo conhecimento gera expectativas, instigando no sujeito o
desejo de superar novos desafios.
Após conhecer um pouco da trajetória de vida dos alunos da EJA e conquistar a
confiança dos mesmos, elaboramos um projeto de intervenção que envolveu a
multiculturalidade e a educação ambiental, apresentando a possibilidade de uma
intervenção mais consistente e dinâmica para a vida deles. A modalidade de ensino
EJA não é apenas uma compensação para os alunos que, por diversos motivos, não
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obtiveram sucesso em se alfabetizar, por isso há a necessidade de um planejamento e
currículo adequados. Essa perspectiva é claramente explicitada por Thompson (2002, p.
13), quando afirma:
O que é diferente acerca do estudante adulto é a experiência que ele traz para
a relação. A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo o processo educacional; influencia os métodos de ensino,
a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e do currículo, podendo até
mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas
tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo.
Ainda em consonância com este pensamento, de experiência de vida, podemos
encontrar a seguinte afirmação na proposta curricular apresentada pelo MEC (BRASIL,
2001, p.167).
Jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolaridade anterior detêm uma
grande quantidade de conhecimentos sobre fenômenos naturais e sobre
dinâmica social, econômica, politica e cultural do mundo contemporâneo.
Elaboram esses conhecimentos ao longo de suas experiências de vida e de
trabalho, tendo já desenvolvido estratégias que orientam suas condutas e
hipóteses interpretativas relacionadas aos mais diferentes aspectos da
realidade.
Nesse sentido, a ambientalização curricular e dimensão multicultural devem
explicitar o currículo e as alternativas de estruturação de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos da EJA, incluindo a organização do espaço físico-social.,
constituindo-se numa conjuntura de discussões, debates e fomento de possíveis
alternativas. Os conteúdos referenciais definidos para a ambientalização curricular e o
tratamento da multiculturalidade assumem papel relevante nas aulas de EJA, uma vez
que é basicamente na aprendizagem e no domínio desses conteúdos que se dá a
construção e a aquisição de competências. Nessa perspectiva, valorizamos uma
concepção de instituição educacional voltada para a construção de uma cidadania
crítica, reflexiva, étnica, criativa e ativa, de forma a possibilitar que os/as estudantes
consolidem suas bases culturais e ambientais permitindo identificar-se e posicionar-se
perante as transformações na vida produtiva e sociopolítica.
Diante do contexto vivido na EJA acerca da complexidade dos cenários
multicultural e ambiental percebemos a necessidade de uma práxis que invista nas
mudanças de práticas pedagógicas, repensando as lutas e conquistas [...] dos grupos
minoritários que chegam à escola no processo de inclusão (MOREIRA; CANDAU,
2003). O que deixamos de interesse no estágio é que o processo de apropriação
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10493ISSN 2177-336X
24
conceitual relativa multiculturalidade e Educação Ambiental apresentaram-se em três
etapas interdependentes e complementares: a) fundamentação teórica e produção de
material didático; b) observação para diagnosticar e reconhecer o contexto vivido e
relatado pelos alunos da EJA; e, c) a intervenção no contexto da sala de aula.
Nas intervenções, então, foi possível perceber os resultados alcançados quando
se incorporou a temática ambiental e multicultural no planejamento da prática de ensino
em EJA gerando subsídios para a ambientalização curricular nessa modalidade de
ensino e o intercâmbio de conhecimentos para formação cidadã e multicultural.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estágio na Educação de Jovens e Adultos proporcionou aos estagiários não só
uma nova experiência, para ser acrescentada no currículo, mas um novo conhecimento,
pois a cada observação e intervenção ficou perceptível que aqueles alunos da EJA
teriam muito mais a ensinar do que os estagiários a eles. A partir de cada história de
vida relatada por eles, notamos que são sujeitos que talvez não apresentassem muito
conhecimento científico, mas em compensação nos mostraram que aprender significa
muito mais do que aprender determinado conteúdo, mas que o conhecimento é, também,
algo transmitido a partir das multi relações.
Dessa forma, consideramos que ao trabalhar com os sujeitos da EJA, devemos
também orientá-los para os conhecimentos e mudanças que estão cada vez mais
presentes na sociedade. É importante que nós como professores, abrimos possibilidades
de mudança em nossas práticas, para podermos beneficiar os sujeitos que estão
presentes na EJA, que buscam formas de estarem inseridos também nas mudanças que
acontecem rapidamente na sociedade. Mas não basta só querer é preciso buscar
estratégias de mudanças que possam intervir para mudar e a formar sujeitos críticos.
E, nesse sentido, as discussões sobre educação ambiental e multiculturalidade
ampliou e significou para todos os envolvidos um desafio para o desenvolvimento
pessoal e profissional em que as melhores escolhas podem ser discutidas e retomadas a
qualquer tempo deixando de ser somente um ato de obediência à lei. Por isso que
durante as discussões emergiram valores como tolerância, generosidade, convivência;
respeito mútuo, acolhimento, diferença cuidados com todas as formas de vida
integrando na complexidade da vida dos alunos da EJA o meio ambiente e cultural
como um caminho necessário para a ambientalização curricular, via reforma do
pensamento e da mudança de atitudes.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10494ISSN 2177-336X
25
Para finalizar, esse artigo, salientamos que no decorrer dessa pesquisa,
percebemos que aprender realmente é um processo permanente e contínuo. Porém, as
situações vivenciadas, são significadas nas histórias de vida orais e o que direciona os
professores pesquisados por meio da reflexão e a tomada de consciência, para que se
transformem em experiências significativas em saberes contextualizados. Dessa forma,
acreditamos que essa pesquisa não termina aqui, ela se encerra em reticências por algum
momento, mas ainda busca outras histórias de vida para serem oralizadas e analisadas
nos estágios em EJA.
REFERÊNCIAS
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Dra em Educação pela PUCRS. Professor do USJ e Pós Doutoranda pela UNIPLAC.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10495ISSN 2177-336X
26
MULTICULTURALISMO: OLHARES NECESSÁRIOS AOS TERRITÓRIOS E
PROBLEMATIZAÇÕES DA CONSTRUÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM
Dra. Wanderléa Pereira Damásio Maurício1
Dra Izabel Cristina Feijó de Andrade2
RESUMO: O artigo ―Multiculturalismo: olhares necessários aos territórios e problematizações da
construção da Base Nacional Comum‖ apresenta uma discussão sobre o contexto de
um currículo multicultural, bem como explora conceitos relacionados a problemática:
quais os indicativos de um currículo multicultural estão presentes nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (2013) e que nos impulsionam para uma perspectiva de Base
Nacional Comum que vigore a respeito da pluralidade de valores e culturas no âmbito
educacional. Autores como MOREIRA (2010), (MOREIRA & CANDAU, 2008),
ANPED (2015), Apple (2006), Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional
Comum alicerçaram os estudos desse artigo. O objetivo desse estudo foi discutir o
significado de um currículo multicultural presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais
e explicitado na Base Nacional Comum. Para alcançar o objetivo proposto, a
metodologia adotada compreendeu análise documental das Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2013) e suas indicações para um currículo multicultural. A técnica
da pesquisa foi a análise de conteúdo. Resultados preliminares apontam que os
indicativos de um currículo multicultural presentes nas Diretrizes Curriculares
Nacionais (2013) e que nos impulsionam para uma perspectiva de Base Nacional
Comum precisa conceber o contexto da sala de aula, as implicações em seu entorno e
amplo debate de conhecimentos que compreendam e atue sobre a ―realidade Cultural
Contemporânea‖ (MOREIRA, 2010 p. 176) para que vigore o respeito e a pluralidade
de valores e culturas no âmbito educacional.
Palavras-chave: Multiculturalismo. Base Nacional Comum. Diretrizes Curriculares
Nacionais.
1 INTRODUÇÃO
Os estudos que envolvem a construção de uma Base Nacional Comum surge
com força relevante no final de 2014 e início de 2015, mas sua nomenclatura já foi
consolidada desde o ano de 1996 quando foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (9394/96). Nesse sentido, busca-se nesse artigo, discutir o significado de um
currículo multicultural presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais e
explicitado na Base Nacional Comum. Sustenta-se esse estudo nas teorias
curriculares crítica.
Essa perspectiva crítica do currículo se diferencia das teorias tradicionais, que
têm como pressuposto a neutralidade e cientificidade. O currículo com base nas teorias
tradicionais reduzem-se numa atividade meramente técnica, o que contribui para a
reprodução, pela educação, de desigualdades culturais e sociais. O desafio da
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10496ISSN 2177-336X
27
perspectiva crítica se consolida ao perceber que no contexto educacional existem as
conexões de poder entre o saber e a identidade dos sujeitos o que impulsiona o currículo
como uma construção social, histórica e política. Nesse viés rejeita-se, a discussão o
caráter prescritivo do currículo apontado pela perspectiva tradicional ou sua redução a
uma atividade essencialmente técnica, o que contribui para a reprodução das
desigualdades culturais e sociais. A defesa está em perceber a escola como um espaço
de construção de uma sociedade mais democrática e justa, em que não há neutralidade
nas ações ou decisões curriculares que são legitimadas pelas políticas públicas
brasileiras. Assim, discute-se aqui o significado de um currículo multicultural
presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais pois considera-se, que toda análise
relacionada ao currículo está referenciada aos contextos mais amplos que o envolvem.
Nesse contexto, emerge a questão provocadora: Quais os indicativos de um
currículo multicultural estão presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) e
que nos impulsionam para uma perspectiva de Base Nacional Comum que vigore a
respeito da pluralidade de valores e culturas no âmbito educacional? Assim, esse artigo
será dividido em categorias de estudo: Papel dialógico da Perspectiva Crítica de
Currículo e Perspectiva de Currículo presente na Base Nacional Comum.
A pesquisa foi desenvolvida em uma única etapa de análise documental das
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013) e suas indicações para um currículo
multicultural. E, para tanto, à técnica de análise de conteúdo foi utilizada. Essa análise
procurou evidenciar a frequência com que palavras ou conjunto de palavras
relacionadas ao multiculturalismo apareciam no documento e se privilegiou os aspectos
qualitativos dos textos, procurando os temas que davam significação ao documento
completo. As palavras pesquisadas nas DCNs inicialmente foram: Currículo
Multicultural. - Multiculturalidade - Multicultural - Multiculturalismo - Diversidade
Cultural - Pluralidade Cultural. Após a identificação das palavras relaciona-se as
palavras com as modalidade de ensino abordadas e em seguida, o que diziam as frases
em que essas palavras apareceram.
2. PAPEL DIALÓGICO DA PERSPECTIVA CRÍTICA DE CURRÍCULO
Entender o currículo dessa forma, significa, em primeiro lugar, reconhecer seu
papel ideológico (APPLE, 2006; MOREIRA, 2007; MOREIRA e CANDAU, 2010), já
que na perspectiva curricular crítica, o currículo está fortemente relacionado às
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10497ISSN 2177-336X
28
estruturas econômicas, sociais e políticas uma vez que nele estão corporificados os
resultados de uma seleção de interesses de classes e grupos determinados. Assim,
funciona como força legitimadora de desigualdades presentes no contexto, e não o
resultado de um processo neutro, como defendem as teorias tradicionais.
[...] as formas de conhecimento (tanto aberto quanto oculto) encontradas nas
escolas implicam noções de poder e de recursos e controle econômicos. A
própria escolha do conhecimento escolar, o ato de designar os ambientes
escolares, embora possam não ocorrer conscientemente, são com frequência
baseados em pressuposições ideológicas e econômicas que oferecem regras
do senso comum para o pensamento e a ação dos educadores (APPLE, 2006,
p. 84).
Para Apple (2006), tanto o currículo e quanto a escola são instrumentos
poderosos para a ―manutenção da hegemonia ideológica‖ das classes dominantes. Essa
hegemonia pode explicar como as condições econômicas controlam a atividade cultural
e dominam os valores e as ações vividas, constituindo uma realidade. Isso implica que
padrões fundamentais sejam mantidos e que operam como regras naturalizadas. Essa
perspectiva direciona o diálogo para um currículo que não é neutro, mas incorpora
compromissos econômicos e políticos de modo a produzir e ampliar as desigualdades.
A ampliação desse diálogo está em compreender como a valorização das identidades e
das diferenças são construídas no contexto educacional. Emerge dessa conjuntura
marcada por desigualdades e identidades a defesa de uma educação multicultural.
Canen e Moreira (2001, p. 30) apontam a existência de dois propósitos básicos para o
processo curricular, pensado à luz do multiculturalismo crítico: ―promover o respeito
pela diversidade e preparar os alunos para o trabalho coletivo em prol da justiça social‖.
Moreira e Candau também (2007, p. 30) exprimem o desejo de:
[...] intensificar a sensibilidade do(a) docente e do gestor para a pluralidade
de valores e universos culturais, para a necessidade de um maior intercâmbio
cultural no interior de cada sociedade e entre diferentes sociedades, para a
conveniência de resgatar manifestações culturais de determinados grupos
cujas identidades se encontram ameaçadas, para a importância da
participação de todos no esforço por tornar o mundo menos opressivo e
injusto, para a urgência de se reduzirem discriminações e preconceitos.
Esses autores direcionam o diálogo para a construção de uma sociedade mais
democrática e solidária, que contemplem no currículo, os elementos referentes à
promoção dos direitos humanos e a adoção da perspectiva multicultural dentro de uma
Base Nacional Comum que crie a possibilidade de dar voz e vez aos diferentes grupos e
que o conhecimento seja respaldado por uma discussão ampla sobre os diferentes
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10498ISSN 2177-336X
29
valores, crenças, modos de vida, que se calaram durante uma centena de anos em nome
da igualdade e neutralidade.
Ao evidenciar nesse artigo a articulação entre o multiculturalismo e teoria
curricular crítica (MOREIRA; SILVA, 2002), defende-se um posicionamento segundo o
qual o currículo não constitui um elemento neutro e vazio de representação, mas se
concretiza a partir das dimensões culturais, políticas e ideológicas, marcado por relações
assimétricas de poder.
Assim, o currículo aqui discutido é a ―peça do sistema cultural mais amplo e,
portanto, como campo de conflitos em torno da representação de vozes culturais e da
produção de significados‖ (CANEN; MOREIRA, 2001, p. 31). Isso revela uma
natureza contraditória em que o currículo, ao mesmo tempo, em que constitui um
instrumento de poder para a ―manutenção da hegemonia ideológica‖ como nos revela
Apple (2006), também é campo de conflito e resistência.
O diálogo travado nesse artigo, defende uma Base Nacional Comum que
propicie à formação de identidades sensíveis à diferença e comprometidas em desafiar
as relações de poder e as ideologias que reproduzem discriminações, desigualdades e
preconceitos indo ao encontro dos fundamentos que orientam a nação brasileira e que
estão definidos constitucionalmente no artigo 1º da Constituição Federal:
[...] que trata dos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da
pessoa humana, do pluralismo político, dos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa. Nessas bases, assentam-se os objetivos nacionais e, por
consequência, o projeto educacional brasileiro: construir uma sociedade livre,
justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o
bem de todos sem preconceitos.
Desse modo a defesa está em perceber que ao evidenciar as relações de
interdependência e de poder presentes nas diferentes culturas, a perspectiva
multicultural tem o potencial de conduzir a uma profunda transformação do currículo de
Base Nacional Comum. E, essa ideia diz respeito a todos, uma vez que ao se educar
numa ―sociedade multicultural e pluriétnica‖ (BRASIL, 2013, p. 512) direciona a
construção de uma nação democrática.
Muitas ações foram sendo construídas para que a educação estivesse sendo
qualificada e que foram compondo a educação nacional no Brasil, servindo como
desafio para a expansão da mesma. Moreira (2010) questiona ―o conhecimento que se
ensina e se aprende na escola‖ (p.61) e também traz importante discussão sobre o
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10499ISSN 2177-336X
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multiculturalismo apresentando algumas frentes que discutem essa temática as quais
refere-se:
Atitude a ser desenvolvida em relação à pluralidade cultural; meta a ser
alcançada em um determinado espaço social; estratégia política referente ao
reconhecimento da pluralidade cultural, corpo técnico de conhecimentos que
buscam entender a realidade cultural contemporânea; caráter atual das
sociedades (MOREIRA, 2010, p. 176).
É importante lançar algumas discussões a respeito da construção da Base Nacional
Comum com relação a compreensão ―da realidade cultural contemporânea‖
(MOREIRA, 2010, p. 176). Nas leituras de Moreira (2010), a multiculturalidade
compreende um campo de situações que envolvem refletir sobre qual sociedade tem-se
e de que forma esta se constitui. Implica em compreender a educação multicultural para
―integrar grupos que contestem valores e práticas dominantes‖ (2010, p. 177). E, não se
pode esquecer que o termo ―diferença‖ corrobora para a compreensão do
multiculturalismo e o que aponta Moreira (2010, p. 177) que esse termo refere-se ―mas
à distribuição desigual de pessoas na organização social, decorrente de aspectos que
centralmente as distinguem do que a ideia de grupos e indivíduos distintos partilhando
aspectos comuns a uma única raça: a humana‖.
3. PERSPECTIVA DE CURRÍCULO PRESENTE NA BASE NACIONAL
COMUM
No decorrer do ano de 2014 o Ministério da Educação vem enfatizando em seus
documentos oficiais a construção de uma Base Nacional Comum. A partir da aprovação
do Plano Nacional de Educação (PNE) para a década de 2014-2024 – por meio da Lei
13.005 de 25 de junho de 2014 – o Governo Federal tem exigido o cumprimento das
metas 2.2 e 3.3 do referido PNE. O perspectiva de uma Base Nacional Comum não é
novidade no Brasil. Em termos legais, essa ideia está presente na Constituição Federal
do Brasil (1988), em seu artigo 210 que exprime: ―serão fixados conteúdos mínimos
para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito
aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais‖. Além disso, está evidenciada
nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional Brasileira (LDB 9394/96) no seu artigo
26: ―os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em
cada estabelecimento escolar‖.
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10500ISSN 2177-336X
31
Esses dois documentos oficiais fundamentam a defesa de uma Base Nacional
Comum que está também presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de
(1997) e nas das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) de (1998) e de (2013).
Muitas críticas se fez a partir desses documentos, especialmente os alertas propostos
pela Anped sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) e sobre a Base Nacional
Comum em 2015 que, dentre tantas proposições, destaca a necessidade de que fossem
criados espaços para o debate coletivo para essas discussões já que muitas instituições:
Enquanto os PCN’s se constituíram como um referencial com um caráter não-
obrigatório, as DCN’s assumem a obrigatoriedade e, desde então, passaram por
reformulações com o objetivo de atender as demandas sociais, culturais e educacionais.
As DCN´s (2013) são elaboradas com a proposta de dar continuidade à sistematização
dos princípios contidos na Constituição Federal e na LDB 9394/96. O foco está
centrado em assegurar a formação básica comum nacional;
Entende-se por base nacional comum, na Educação Básica, os
conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas
políticas públicas e que são gerados nas instituições produtoras do
conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no
desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na
produção artística; nas formas diversas e exercício da cidadania; nos
movimentos sociais [...] (BRASIL, 2013, p. 31)
Nesse aspecto, a Base Nacional Comum
[...] denomina "estrutura do documento e de seus fundamentos", uma
descaracterização do estudante em sua condição de diferença, bem como da
desumanização do trabalho docente em sua condição criativa e
desconsideração da complexidade da vida na escola. A conversão do direito a
aprender dos estudantes numa lista de objetivos conteudinais a serem
aprendidos retira deste direito seu caráter social, democrático e humano.
(ANPED, 2015, p. 1)
Como defende-se nesse trabalho, o olhar multiculturalista converge sobre a sala
de aula, as diferenças culturais e as relações que se estabelecem no âmbito educacional.
Mas, isso não está sendo prioridade na Base Nacional Comum, porque sua lógica é
autoritária e vem a contramão do que está presente nas Diretrizes Curriculares
Nacionais de 2013 que prega uma perspectiva sistêmica de aprendizagem e respeito
pelas diferenças.
Lutamos contra algo que nos assusta, que é a defesa, a partir desta seleção de
conhecimentos disciplinares, da ideia de um currículo nacional,
desconsiderando a multiplicidade de conhecimentos decorrente da
pluralidade de modos de compreender o mundo e de nele intervir, de desejos
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32
e intenções, derivada de uma pluralidade também de atores sociais do país, na
escola e fora dela. (ANPED, 2015, p. 4)
Sonhos e lutas por escolas onde as conversas complicadas (Currículo)
incorporam às práticas em currículos e professores são reconhecidos por seu papel
principal de criadores do conhecimento e pensadas por Willian Pinnar (2009). Esse
autor também contribui para pensar e rever os percursos da escola, compreender as
relações que se estabelecem em seus contextos. Um olhar multiculturalista que propõe o
encontro e a compreensão das relações. Mas, para esse autor, há o cuidado com o
―multiculturalismo malicioso‖ (2009). O olhar desse autor para o multiculturalismo
passa pelos educadores. Salienta que ―como educadores, nosso papel é o de participar
na conversa complicada que é o currículo‖ (2009, p. 162).
A Base Nacional Comum no momento histórico que está sendo construída, nessa
―conversa complicada‖ (PINAR, 2009) de repensar as teorias e práticas pedagógicas no
contexto da escola acrescenta rupturas que ao longo dos anos foi intensificando, como a
abertura do debate em torno das especificidades dos conteúdos e seu conhecimento nos
mais diversos níveis de ensino
Esse entendimento vai permitir que o pensamento crítico e a concepção teórica
estejam imbricados nos contextos educativos e a perspectiva multicultural. Conforme a
BNC (2015), ―a identificação e a caracterização da área das Ciências Humanas ocorrem
a partir da compreensão das especificidades dos pensamentos filosóficos, históricos,
geográficos, sociológicos e antropológicos‖ e acontece em toda a Educação Básica.
Importante ainda salientar que os componentes básicos que fazem parte dessa área na
educação escolar são: ―História e Geografia, desde o Ensino Fundamental até o Ensino
Médio, e Sociologia e Filosofia, exclusivamente no Ensino Médio‖ integrados ainda o
Ensino Religioso ―dada sua proximidade de estudos com a área de Ciências Humanas, é
a ela integrado na Base Nacional Comum Curricular (BNC), realçando seu caráter
histórico e filosófico‖ (BNC, 2015 p. 257).
Correspondendo à base nacional comum, ao longo do processo básico de
escolarização, a criança, o adolescente, o jovem e o adulto devem ter
oportunidade de desenvolver, no mínimo, habilidades segundo as
especificidades de cada etapa do desenvolvimento humano, privilegiando-se
os aspectos intelectuais, afetivos, sociais e políticos que se desenvolvem de
forma entrelaçada, na unidade do processo didático. (BRASIL, 2013, p. 33)
Por isso que Moreira e Candau (2008), destacam suas inquietações relativas aos
conhecimentos que deveriam compor os currículos escolares e a revelância em se
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10502ISSN 2177-336X
33
discutir as relações entre currículo e cultura (s) evidenciando a questão da
pluralidade/diversidade cultural como dimensão central do currículo. Nesse sentido,
―elaborar currículos culturalmente orientados demanda uma nova postura, por parte da
comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. (STOER &
CORTESÃO, 1999 apud MOREIRA & CANDAU, 2008, p.31). Então um curriculo
de Base Nacional Comum defende o multiculturalismo como nos propõe Moreira&
Candau (2008, p. 20):
[...] é inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos e que se
manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas
escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade frequentemente acarreta
confrontos e conflitos, tornando cada vez mais agudos os desafios a serem
enfrentados pelos profissionais da educação. No entanto, essa mesma
pluralidade pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades
de atuação pedagógica.
Entendemos que as perspectiva de currículo presente na Base Nacional Comum
da forma como foi organizada mesmo tendo seus princípios baseados nos Componentes
Curriculares Nacionais, sinaliza uma educação voltada apenas aos objetivos de
aprendizagem, o que caracteriza "o distanciamento entre a produção teórica e a
realidade vivida no cotidiano das escolas" (MOREIRA, 2010, 14 ).
2 ANÁLISE E TRATAMENTO DE DADOS
As palavras pesquisadas nas DCN’s inicialmente foram: Currículo Multicultural
- Multiculturalidade - Multicultural - Multiculturalismo - Diversidade Cultural -
Pluralidade Cultural. Após a identificação das palavras buscou-se em seguida, os
significados dessas palavras nos excertos do texto nas quais as palavras aparecem.
Nessa esteira, a partir das nossas leituras e análises das DCN’s (2013),
seleciona-se excertos que tratam dos temas acima destacados. Aseguir mostra a
quantidade dos temas que se relacionou com o currículo multicultural e que aparecem
nas diretrizes curriculares: Currículo Multicultural (00); Multiculturalidade (03);
Multicultural (09); Multiculturalismo (02); Diversidade Cultural (29); e, Pluralidade
Cultural (07). Ao analisarmos as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (2013), pode-se perceber muitos dos significados que estão
relacionados a uma base curricular nacional pautada na Multiculturalidade e na
pluralidade ou diversidade cultural.
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10503ISSN 2177-336X
34
Não obstante, essa análise revela que muitos aspectos presentes nas Diretrizes
Gerais são postos como condições para a elaboração de uma Base Nacional Comum.
Para a realização desse estudo, apresentaremos alguns excertos que compõe as DCNs.
Todavia, ressalta-se que este foi um modo particular de perceber as DCN’s, o qual,
―visto com outras lentes‖, poderá ter outros sentidos.
O tema multiculturalidade nas DCN’s (2013) estão muito presente nas diretrizes
da Educação Ambiental, da Educação de Campo por serem uma demanda da educação
novas, enfatizando necessidades básicas da ―convivência com os meios de
comunicação e a cultura letrada‖.(BRASIL, 2013, p.268) E, por ter como foco as
práticas comprometidas com a igualdade, solidariedade, e sustentabilidade:
[...] com base em práticas comprometidas com a construção de sociedades
justas e sustentáveis, fundadas nos valores da liberdade, igualdade,
solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade, sustentabilidade e
educação como direito de todos e todas, são princípios da Educação
Ambiental:[...] VI – respeito à pluralidade e à diversidade, seja individual,
seja coletiva, étnica, racial, social e cultural, disseminando os direitos de
existência e permanência e o valor da multiculturalidade e plurietnicidade
do país e do desenvolvimento da cidadania planetária. (BRASIL, 2013,
p.550)
Nessa mesma perspectiva, busca-se o conceito de Multicultural relacionado as
Diretrizes e encontra-se um relacionamento com o Ensino fundamental, Educação
Ambiental, Educação de Campo, Educação Quilombola e Educação para as Relacões
Étnico-raciais em que se propõe a compreensão das identidades e diferenças
―construídas determinando a valorização de uns e o desprestígio de outros. É, nesse
contexto, que emerge a defesa de uma educação multicultural”. (BRASIL, 2013, p.
105). Nesse cenário, o Multiculturalismo e as diferenças tornaram-se o centro das
discussões.
Muitas delas tendem a ser incluídas nas propostas curriculares pela adoção da
perspectiva multicultural. Entende-se, que os conhecimentos comuns do
currículo criam a possibilidade de dar voz a diferentes grupos como os
negros, indígenas, mulheres, crianças e adolescentes, homossexuais, pessoas
com deficiência. (BRASIL, 2013, p. 115)
Para Moreira (2002) o Multiculturalismo tem sido empregado para indicar o
caráter plural das sociedades de modo a incrementar o esforço de examinar as culturas
e questioná-las. Desse modo o autor, propõe um diálogo entre as diferentes culturas de
forma sob o olhar do Multiculturalismo, ―para que melhor se compreenda os processos
de construção das diferenças e de promoção de diálogo‖. (p.20). O que nos revela que a
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Base Nacional Comum com respaldo do mullticulturalismo defende a diferença que é
produto da História, da ideologia e das relações de poder.
A perspectiva multicultural no currículo leva, ainda, ao reconhecimento da
riqueza das produções culturais e à valorização das realizações de indivíduos
e grupos sociais e possibilita a construção de uma autoimagem positiva a
muitos alunos que vêm se defrontando constantemente com as condições de
fracasso escolar, agravadas pela discriminação manifesta ou escamoteada no
interior da escola. Além de evidenciar as relações de interdependência e de
poder na sociedade e entre as sociedades e culturas, a perspectiva
multicultural tem o potencial de conduzir a uma profunda transformação do
currículo comum. (BRASIL, 2013, p. 115).
Essas discussões estão presentes nas Diretrizes da Educação de Campo, da
Eduacação Quilombola e Educação das Relações Étnico-raciais o que revela que é
―possível aprender um novo tipo de relacionamento entre saberes e, portanto, entre
pessoas e grupos sociais. Poderá emergir daí um relacionamento mais igualitário e mais
justo que nos faça apreender o mundo de forma edificante, emancipatória e
multicultural.‖ (BRASIL, 2013, p. 467). O conceito de multiculturalismo presente nas
Diretrizes gerais das DCN’s (2013), revela em sua constituição as bases teóricas, como
o racismo, as discriminações, a intolerância, o preconceito, o estereótipo, a raça, a
etnia, a cultura, a classe social, a diversidade cultural e a diferença.
A escola de qualidade social adota como centralidade o diálogo, a
colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, o que pressupõe, sem dúvida,
atendimento a requisitos tais como: [...] II – consideração sobre a inclusão, a
valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade
cultural, resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e
coletivos e as várias manifestações de cada comunidade (p. 22)
Essa perspectiva está presente em todas as modalidade. A partir destes
fundamentos, aponta-se a questão da pluralidade/diversidade cultural como dimensão
central das DCN’s e consequentemente da Base Nacional Comum.
[...] legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se
saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos
indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de
entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos. Nessa hierarquia,
reforçam-se relações de poder favoráveis à manutenção das desigualdades e
das diferenças que caracterizam nossa estrutura social. (MOREIRA &
CANDAU, 2008, p. 25).
Nas DCN’s considera essencial que no currículo seja contemplado temas como
inclusão, valorização das diferenças e atendimento à pluralidade e ―diversidade
cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade‖. (p.
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65). Há indicação no Art. 16 que os componentes curriculares se articulem com
conteúdo da base nacional comum e da parte diversificada temas como: ―saúde,
sexualidade e gênero, vida familiar e social, assim como os direitos das crianças e
adolescentes, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente [...] preservação do
meio ambiente, educação para o consumo, educação fiscal, trabalho, ciência e
tecnologia, e diversidade cultural (BRASIL, 2013,p. 134)
A proposta educativa da unidade escolar, o papel socioeducativo, artístico,
cultural, ambiental,as questões de gênero, etnia e diversidade cultural que
compõem as ações educativas, a organização e a gestão curricular são
componentes integrantes do projeto político-pedagógico, devendo ser
previstas as prioridades institucionais que a identificam, definindo o conjunto
das ações educativas próprias das etapas da Educação Básica assumidas, de
acordo com as especificidades que lhes correspondam, preservando a sua
articulação sistêmica. (BRASIL, 2013, p. 177)
Nas DCNs (2013) a Pluralidade Cultural também está presente nas Diretrizes
Gerais que servem de base para todas as modalidades de ensino em que enfatiza ―à
relevância de um projeto político-pedagógico concebido e assumido coletivamente pela
comunidade educacional, respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade
cultural;‖ (BRASIL, 2O13, p. 23 e 65). Isso nos impulsiona a ―incorporação à
comunhão nacional, reconhece a pluralidade cultural e o Estado brasileiro como
pluriétnico‖. (BRASIL, 2O13,p. 378 ). Nas DCN (2013) enfatizam que ―a construção
de relações interétnicas orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo
reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas [...] como sujeitos de direitos.
(BRASIL, 2O13, p. 405).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Base Nacional Comum, já anunciada e legalizada na década de 90, apresenta
nesse momento de sua construção alguns elementos necessários que emergem
necessidades reais de discussão. Os indicativos de um currículo multicultural presentes
nas Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) e que nos impulsionam para uma
perspectiva de Base Nacional Comum precisa conceber o contexto da sala de aula, as
implicações em seu entorno e amplo debate de conhecimentos que compreendam e atue
sobre a ―realidade Cultural Contemporânea‖ (MOREIRA, 2010 p. 176) para que vigore
o respeito e a pluralidade de valores e culturas no âmbito educacional.
Sabe-se das mobilizações realizadas pelas escolas brasileiras a respeito do
movimento da BNC, mas entende-se que algumas lacunas não foram identificadas com
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o tempo necessário para essas mobilizações, a compreensão da geração do material que
deveriam imergir das comunidades escolares e as condições sociais de estabelecimento
de um Currículo que atenda uma perspectiva multicultural.
Quais propostas vem sendo construídas no movimento da BNC para enfrentar os
desafios decorrentes dessa realidade cultural contemporânea? Portanto, há de se instalar
no âmbito da escola um entrelaçamento de discussões que imperem para uma Base
Nacional Comum que extrapole os objetivos de aprendizagem dos documentos e
permeiem por uma ―experiência curricular multiculturalmente orientada‖ (MOREIRA,
2010 p. 186) a fim de rever as contradições e resistências no processo formativo tanto
dos professores quanto dos aluno e da comunidade em geral.
REFERÊNCIAS
APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. 3ª ed. Porto Alegre. Artmed, 2006.
BRASIL, Educação brasileira: indicadores e desafios: documentos de consulta /
Organizado pelo Fórum Nacional de Educação. -- Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria Executiva, Secretaria Executiva Adjunta, 2013. 95 p.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNC – Disponível em BRASIL.
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da
Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral.
Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/linha-
do-tempo. 2015
MOREIRA Antônio Flávio Barbosa. Indagações sobre currículo: currículo,
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Básica, 2007.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. A recente produção científica sobre currículo e
Multiculturalismo no Brasil. (1995-2000): Avanços, desafios e tensões. Revista
Brasileira de Educação, nº 18, 2001.
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa & CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e
cultura (s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação, nº 23, 2003
PINAR, Willian. Multiculturalismo malicioso. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2,
pp.149-168, Jul/Dez 2009
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1. Dra em Educação pela PUCRS. Professora do Centro Municipal de SJ/SC
2. Dra em Educação pela UNISSINOS. Professora do Centro Municipal de SJ/SC
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