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UFMT coopera com municípios: desenvolvimento de novos saberes e práticas na
gestão do Sistema Único de Saúde em Mato Grosso
UFMT cooperates with municipalities: development of new knowledge and practices in
the management of the National Health System in Mato Grosso
Júlio Strubing Müller Neto 1
Fátima Ticianel Schrader 2
Aline Paula Motta 3
1 Professor do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso
(ISC/UFMT); doutorando em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ).
2 Enfermeira do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS/UFMT); Mestre em saúde
coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso
(ISC/UFMT).
3 Estagiaria no Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS/UFMT); Discente em
Direito do Centro Universitário da Várzea Grande (UNIVAG).
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RESUMO Este artigo apresenta a experiência do Curso de Desenvolvimento
Gerencial do Sistema Único de Saúde realizado em oito municípios de Mato Grosso
com objetivo de capacitar gerentes e profissionais das Secretarias de Saúde, numa
iniciativa de ensino e serviço. Coordenada pelo Núcleo de Desenvolvimento em Saúde
do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT) em
parceria com o COSEMS/MT, a proposta fundamenta-se no quadro teórico sobre
processos de trabalho e na teoria do agir comunicativo. Foram certificados 221 alunos,
cujos perfis evidenciaram o predomínio de uma força de trabalho jovem, com nível
superior e do sexo feminino, com tempo recente de vinculação às instituições. O curso
cumpriu o objetivo de despertar os profissionais para o potencial de cada um no
processo de construção do SUS com qualidade, integralidade, trabalho em equipe a
favor do usuário e da comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento gerencial do SUS; Trabalho em equipe;
Prática de gestão e do cuidado em saúde.
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ABSTRACT This article presents the experience of the Management Development
Course of the National Health System (SUS in Brazil), performed in eight municipalities
of Mato Grosso, in order to train managers and professionals from Health
Departments, an initiative related to teaching and to service. Coordinated by the Center
for Health Development (ISC/UFMT) in association with COSEMS/MT, the proposal is
based on theoretical framework on work processes and the theory of communicative
action. Two hundred and twenty one students were certified, whose profiles showed the
predominance of a young labor force, with academic graduation, and female
predominance with a recent time of attachment to the institutions. The course was
performed with the purpose of awakening the professionals to the potential of each one
of them in the construction of SUS with quality and completeness, teamwork for the
user, favoring the community.
KEYWORDS: Development management of SUS; Teamwork; Practice management
and health care.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta a experiência do Curso de Desenvolvimento Gerencial
do Sistema Único de Saúde (CDG-SUS) realizado em oito municípios de Mato Grosso e
que capacitou 221 gerentes e profissionais das Secretarias de Saúde, contribuindo para o
fortalecimento do SUS, em uma iniciativa inovadora de ensino e serviço. É uma
iniciativa do Núcleo de Desenvolvimento em Saúde (NDS) que integra o Instituto de
Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em parceria
com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS/MT) e as Secretarias
Municipais de Saúde beneficiadas.
A qualificação dos gerentes e profissionais da saúde é uma demanda crescente
do SUS, em função da complexidade crescente do sistema, da diversidade de atores e de
processos de trabalho em espaços da gestão e da prestação dos serviços, o que requer a
superação do modelo de planejamento e gestão normativo e pouco participativo, ainda
predominante nas instituições. Nesse sentido, o CDG-SUS traz como proposta teórica
metodológica o desenvolvimento das pessoas e das práticas de gestão e do cuidado em
saúde, numa perspectiva ética e da integralidade da atenção, na construção do perfil e
das competências desejadas para os gerentes dos serviços municipais de saúde, tendo
como eixo o direito à saúde e às necessidades de saúde da população e dos cidadãos.
Essa proposta é fundamentada no quadro teórico adotado por Peduzzi (2007, p.
161), com base nos estudos de processos de trabalho em saúde e na teoria do agir
comunicativo, desenvolvida por Habermas, que contribuem para o entendimento do
trabalho em equipe de saúde e para a compreensão e intervenção na realidade, com
vistas às mudanças das práticas, respeitadas as diferenças culturais e a vontade e opinião
política dos trabalhadores e usuários do sistema público de saúde. Conhecer e atuar
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sobre o mundo não são mais atividades individuais de um ator ou sujeito, mas uma
relação intersubjetiva linguisticamente mediada onde o sujeito, além de ter interesse em
atuar sobre o mundo, está interessado em entender-se com outros sujeitos sobre o
significado das questões (HABERMAS, 1987; 2003). É o paradigma da comunicação a
promover a ruptura com a velha moldura da relação sujeito versus objeto, substituindo-a
por uma relação intersubjetiva, onde se resgatam pretensões de validade. De acordo com
Siebeneichler (1989), para a razão centrada no sujeito, vale o critério de verdade no
conhecimento dos objetos e de domínio sobre as coisas, enquanto a razão centrada na
comunicação procura sua validade na argumentação. Nessa perspectiva, a intervenção
sobre a realidade social e sanitária dessa comunidade, ou seja, a implementação de uma
determinada política pública de saúde no âmbito local, por exemplo, também deve
obedecer às mesmas premissas. É importante ressaltar que as práticas correntes,
hegemônicas, de formulação e implementação de políticas de saúde no SUS partem do
universo cultural dos gestores e técnicos de saúde, sobretudo da área de planejamento
em direção ao universo cultural dos grupos demandantes, esquecendo-se, com
freqüência, que quando dois ou mais grupos pertencentes a diferentes mundos da vida
interagem para pensar uma ação conjunta, a decisão não pode ser tomada a partir dos
valores e normas de um só grupo. Os atores sociais e os trabalhadores de saúde devem
ser reconhecidos como sujeitos portadores de valores, crenças, direitos e competências
para agir comunicativamente e participar de um discurso racional (ARTMANN, 2001;
RIVERA; ARTMANN, 2006).
Para a teoria do agir comunicativo, os sujeitos partilham uma tradição cultural na
medida em que se entendem mutuamente e concordam sobre sua condição; quando
coordenam suas ações por meio de normas intersubjetivamente reconhecidas, os sujeitos
agem como membros de um grupo social solidário; os indivíduos que crescem no
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interior de uma tradição cultural e participam da vida de um grupo social, além de
desenvolverem identidades individuais e coletivas, processos esses mediados pela
interação intersubjetiva propiciada pela linguagem. Os sujeitos em relação intersubjetiva
são, ao mesmo tempo, produto e produtores do contexto em que estão inseridos, pois a
ação comunicativa tem a função de realizar a reprodução cultural, garantir integração
social e solidariedade e promover processos de socialização.
Na leitura habermasiana da realidade social, há uma relação dialética entre o
mundo da vida, mediado pela linguagem e pela cultura e representado pela razão
comunicativa, e o sistema, mediado pelo poder e pelo dinheiro e representado pela razão
instrumental. O mundo da vida não esgota todos os aspectos da vida social e a
reprodução material da sociedade é desempenhada pelo sistema, no qual as ações são
orientadas para o êxito. O sistema é resultante da diferenciação dentro do mundo da
vida, dos subsistemas de ação especializados, sistema econômico e sistema
administrativo (SIEBENEICHLER,1989).
Apoiando-se nessas referências teórico-metodológicas, o curso foi desenvolvido
à luz da política nacional de educação permanente e incorporou a participação dos
gestores e técnicos municipais de saúde na sua formulação, execução e avaliação, como
forma de fortalecer as parcerias entre as instituições de ensino e pesquisa e os serviços
de saúde locais. Nesse sentido, responde a antiga demanda dos gestores municipais de
saúde ao estreitar os laços de cooperação entre as instituições formadoras e os serviços,
fortalecendo a gestão municipal e os processos de mudança das práticas de trabalho no
cuidado e na docência (BRASIL, 2005).
O CDG-SUS teve como objetivo geral contribuir para a qualificação das práticas
de gestão e do cuidado em saúde no município, além de fortalecer a relação entre as
instituições de ensino e pesquisa e a gestão municipal do SUS na implementação da
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educação permanente em saúde. Foram desenvolvidos instrumentais teóricos e
metodológicos com foco na realidade do município, incluindo um conjunto de textos e
informações que possibilitam reflexão, avaliação e construção coletiva do
conhecimento.
Desenvolvimento do projeto do curso
O NDS foi responsável pela formulação e implantação do projeto e contou com
a assessoria especial da Doutora Roseni Pinheiro e com a equipe do Centro de Estudos e
Pesquisa em Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(CEPESC/UERJ/LAPPIS) e docentes da UFMT. A coordenação contou, também, com a
cooperação do Colegiado de Gestão do Curso, constituída por profissionais das
instituições parceiras. O financiamento ocorreu com recursos do Ministério da Saúde,
Organização Pan-Americana da Saúde, cabendo a administração financeira à Fundação
UNISELVA de apoio à UFMT. O certificado do aluno foi expedido pela Pró-Reitoria de
Vivência Acadêmica e Estudantil da UFMT (PROVIVAS).
O CDG-SUS foi realizado nos seguintes municípios de Mato Grosso: Alta
Floresta, Barra do Garças, Campo Verde, Diamantino, Jaciara, Lucas do Rio Verde,
Nossa Senhora do Livramento e Sinop. Para adesão ao curso, o gestor municipal
assinou um termo de parceria com o NDS, que foi homologado pelo Conselho
Municipal de Saúde, definindo-se as responsabilidades das instituições envolvidas,
sendo contrapartida do município a logística para a realização das atividades
presenciais, incluindo salas de aula, acesso à internet, lanches, cópias dos documentos
do município para subsidiar o trabalho dos grupos e disponibilidade do monitor local.
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A clientela foi constituída por servidor com cargo de gerente ou responsável
técnico em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e especializada, assim como gerente ou
responsável em unidade administrativa/apoio nas áreas de recursos humanos,
orçamento, financiamento, material, almoxarifado, farmácia, serviços gerais etc. A
seleção dos alunos foi realizada sob responsabilidade do Secretário Municipal de Saúde
e da equipe gestora de saúde do município, sendo que duas vagas foram destinadas a
representantes dos usuários no Conselho Municipal de Saúde.
Os pré-requisitos para seleção e participação do aluno no curso foram: fazer
parte do sistema municipal, ter, preferencialmente, curso superior completo e contar
com ficha de inscrição autorizada pelo gestor local. Para obter certificado, o aluno
deveria teve frequência obrigatória de 70% do total da carga horária presencial, além de
realizar trabalho individual ou em grupo e o trabalho de campo programado a partir da
primeira unidade.
Para sua realização, selecionaram-se docentes universitários do ISC/UFMT,
assessores do COSEMS/MT, integrantes da Rede de Apoio ao SUS1 e monitores do
próprio município, esses últimos responsáveis pela organização local e apoio às
atividades acadêmicas e de dispersão. A capacitação dos monitores ocorreu em três
oficinas de trabalho, totalizando 76 horas, sendo que na primeira houve a participação
de 34 profissionais de todo o estado com potencial para assumir a monitoria do curso.
As demais oficinas priorizaram a preparação do curso, sendo que a terceira ocorreu após
o curso piloto no município de Sinop, onde se validou a metodologia e o conteúdo. Ao
término dos cursos, foram realizadas duas reuniões com os monitores centrais para
1 A Rede de Apoio ao SUS é coordenada pelo COSEMS/MT com apoio de instituições parceiras. Tem
abrangência estadual com pontos de conexão e integração de gestores, profissionais e conselheiros em todas as
16 regiões do Estado, favorecendo a articulação nas principais áreas de atuação do Conselho e o fortalecimento
do papel do município na regionalização e implementação do Pacto pela Saúde.
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elaboração dos relatórios por município. A execução do curso foi feita por treze desses
monitores, sendo oito ligados a gestão municipal.
O projeto do CDG-SUS foi coordenado pelo Professor Júlio Müller e pela
Enfermeira Mestre Fátima Ticianel Schrader, com apoio da técnica e estagiária Aline
Paula Motta. A coordenação do projeto foi responsável pela formulação do conteúdo, da
metodologia, da grade curricular do curso e pela elaboração do material pedagógico
para capacitação dos monitores e do material instrucional distribuído aos alunos,
incluindo: um caderno de informações sobre a situação de saúde de cada município, o
programa do curso, textos e aulas em CD, reprodução de DVD de filme sobre o SUS e
sobre o Pacto pela Saúde.
Estrutura e metodologia do curso
A estrutura do curso foi organizada em duas unidades que totalizaram 80 horas.
O conteúdo baseou-se em noções / conceitos de política, planejamento e gestão da saúde
e no processo de trabalho das equipes, tendo a integralidade, o direito à saúde e à
educação permanente como eixos que permearam todas as etapas do processo de
ensino-aprendizagem (PINHEIRO; MATTOS, 2006).
A primeira unidade, com 30 horas presenciais, enfatiza a área de política,
planejamento e gestão da saúde no município e é concluída com 20 horas de atividades
de campo, durante as quais o aluno realiza leitura e fichamento de textos, entrevistas
com usuários e trabalhadores e observação das unidades de saúde, com ênfase na
organização/gerenciamento dos serviços e satisfação do usuário. Após 30 dias da
Unidade I, é realizada a segunda unidade, com 30 horas de aula presencial, enfocando a
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área de organização da atenção e do cuidado, os serviços, o processo de trabalho, a
relação em equipe e a participação do usuário.
A metodologia utiliza técnicas participativas como estudo dirigido, pequenos
grupos e plenárias, mosaico, memória viva, estudo de casos, construção de agenda, etc.
Enfatiza a relação entre o conteúdo temático na constituição de novos sujeitos no
sistema municipal, a formação de coletivos como estratégia de educação permanente, e
corresponsabilidade na condução do SUS (BRASIL, 2005).
Para o estudo da realidade do município, foi elaborado o Caderno de Informação
do Município, com dados sobre a situação social, econômica, sanitária e de saúde local
(MATO GROSSO, 2008). Utilizou-se, também, o resultado da pesquisa produzido pelo
Grupo de Saúde Popular e NDS sobre a incorporação das demandas populares à política
de saúde nesses municípios (MÜLLER NETO et al., 2006; GRUPO DE SAÚDE POPULAR,
2007).
Conteúdo
Os conteúdos da unidade I, Política, Planejamento e Gestão do SUS, foram
organizados em quatro módulos:
1. Contextualização e análise da saúde pública no Brasil e em Mato Grosso
(CUNHA; CUNHA, 2001);
2. Contextualização e análise da saúde pública no Município: história e
aspectos político-institucionais, estrutura e organização da Secretaria de
Saúde e a gestão do sistema, planejamento, financiamento, recursos humanos
e controle social (BRASIL, 2007; GRUPO DE SAÚDE POPULAR, 2007);
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3. Informação e planejamento em saúde: a importância e o papel da informação
em saúde, diagnóstico sociodemográfico e de saúde do município,
gerenciamento de informações, Planeja SUS, papel da gestão e do controle
social no planejamento, principais instrumentos de planejamento e gestão do
SUS (ANDRADE; SOARES, 2001; BRASIL, 2007; DE’SETA, 2002);
4. Trabalho de campo: orientações sobre leitura dos textos selecionados;
entrevista com usuários e trabalhadores de unidades de saúde, com enfoque
na organização da rede e dos serviços, fluxo dos usuários,
acesso/acessibilidade, vínculo, acolhimento, trabalho das equipes e
gerenciamento de materiais.
A Unidade II abordou Gerenciamento e a organização do sistema e serviços de
saúde: integralidade e direito à saúde, enfatizando o trabalho em equipe na saúde e o
processo de trabalho, e o agir comunicativo (PEDUZZI, 2007).
1. Modelos assistenciais em saúde e a estratégia da saúde da família: rede
de serviços e organização do cuidado em saúde (SILVA JUNIOR;
MASCARENHAS, 2005);
2. Integralidade do cuidado, trabalho em equipe, educação permanente e
participação do usuário: análise do trabalho em equipe na saúde,
processo de trabalho em saúde e papel da equipe (BONALDI et al., 2007;
PEDUZZI, 2007);
3. Gerência de recursos na unidade (MANDELLI, 1997);
4. Pactuação da agenda mínima de educação permanente para
fortalecimento gerencial: informações necessárias para construção dessa
agenda no Município.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil dos alunos do CDG-SUS
O perfil descrito a seguir foi elaborado com base nos dados contidos na ficha de
inscrição dos 280 alunos do curso. Do total, 221 concluíram com a frequência exigida
(70% de presença), 41 tiveram frequência insuficiente e 18 não terminaram o curso. O
Gráfico 1 indica que 40,55% dos alunos inscritos apresentavam idade entre 30 e 39
anos, 31,1% entre 20 e 29 anos e 20,08% entre 40 e 49 anos, sendo 78,82% do total de
alunos do sexo feminino.
GRÁFICO 1 – Percentual dos alunos inscritos no CDG-SUS, segundo faixa etária, Cuiabá (2008)
Fonte: CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT (2008).
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No item escolaridade dos alunos, 73,23% possuíam ensino superior completo e
destes 63,98% eram pós-graduados. Em relação ao tempo de serviço dos profissionais
na Secretaria Municipal de Saúde, 51,37% dos alunos referiram trabalhar há um a cinco
anos na instituição, 16,08% entre seis a dez anos e 13,73% há mais de 11 anos. Quanto
ao vínculo empregatício, 69,41% eram estatutários, 14,12% contratos temporários,
1,18% celetistas e 15,29% não informaram.
O perfil dos alunos inscritos no curso evidenciou o predomínio de uma força de
trabalho jovem, com menos de 40 anos, com nível superior e do sexo feminino, sendo
que o tempo de vinculação às instituições era recente, inferior a dez anos. Destaca-se,
também, a alta proporção de trabalhadores estatutários, contrariando a noção muito
difundida da precariedade de vínculos da força de trabalho da saúde municipal. Esses
dados sinalizam a importância do investimento em processos de educação permanente
nos municípios como estratégia para o fortalecimento gerencial e qualificação do SUS.
Avaliação do CDG-SUS pelos alunos
A avaliação a seguir refere-se ao consolidado do instrumento aplicado junto aos
alunos presentes no final da segunda unidade, totalizando 193 fichas de avaliação. O
conteúdo do curso foi avaliado como muito bom por 82,90% dos alunos quanto à sua
adequação aos objetivos propostos. Para 79,79% dos alunos, a metodologia foi muito
boa, favorecendo a discussão sobre os temas propostos e para 74,87% a metodologia
estimulou a participação das pessoas no curso. O material didático foi disponibilizado
em quantidade suficiente e ofereceu subsídio para discussão dos temas, segundo 73,96%
dos alunos.
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Já a linguagem do material didático foi considerada acessível e de muito boa
compreensão dos temas estudados por 55,79% dos alunos e avaliada como boa por
40,53%. Para a maioria dos alunos (92,75%) os monitores tinham domínio do conteúdo
abordado e da metodologia adotada (89,58%). A estrutura física para realização do
curso foi avaliada como muito boa (adequada e confortável) para a realização do curso,
segundo 56,25% dos alunos e como boa para 39,06%.
A participação ativa do grupo nas atividades e discussões propostas durante o
curso foi avaliada como muito boa, segundo 66,32% dos alunos. A participação
individual de forma ativa nas atividades e discussões propostas foi avaliada como muito
boa por 51,83% e boa por 41,88% dos alunos. A contribuição do curso para ampliar os
conhecimentos sobre o SUS foi avaliada como muito boa por 89,12% dos alunos
(Gráfico 2).
GRÁFICO 2 – Avaliação dos alunos do CDG-SUS quanto à contribuição do curso para ampliar o
conhecimento sobre o SUS, Mato Grosso, 2008
Fonte: CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT (2008)
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No Gráfico 3 foram destacados os aspectos significativos considerados passíveis
de modificação nas práticas de trabalho e no gerenciamento do SUS municipal a partir
do curso: a educação permanente, o planejamento e o cuidado com o usuário, além de
outros temas.
GRÁFICO 3 – Avaliação dos alunos do CDG-SUS quanto às possibilidades do curso de
contribuir para mudanças das práticas de trabalho do SUS municipal, Mato Grosso, 2008
Fonte: CDG-SUS/NDS/ISC/UFMT (2008).
Desenvolvimento das pessoas e das práticas de gestão e do cuidado em saúde
Na avaliação final, os alunos responderam a duas questões abertas relacionadas
ao trabalho em equipe: 1) Mudanças no modo de trabalhar e se relacionar com a equipe;
2) Como trabalhar as novas práticas do cuidado à saúde e as práticas gerenciais na
unidade.
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As respostas dadas pelos participantes foram analisadas com base nas teorias já
citada aqui (HABERMAS, 1987, 2003; PINHEIRO; MATTOS, 2006; PEDUZZI, 2007),
procurando identificar e relacionar a apropriação dos conceitos-chaves de integralidade,
interdisciplinaridade e trabalho em equipe, educação permanente, participação social na
saúde e gestão comunicativa ou participativa.
A maioria das respostas foi afirmativa no sentido de apontar a vontade
individual para implementação de novas medidas a serem incorporadas no trabalho
gerencial a partir do curso, que iam desde o melhor conhecimento acerca do
funcionamento e as atividades desenvolvidas pelas equipes e os setores da saúde; o
fomento da discussão entre as equipes de trabalho utilizando-se os subsídios do curso
(trocar e multiplicar conhecimento); iniciativas de realizar encontros mensais para a
abordagem de temas importantes para o desenvolvimento do trabalho e motivação dos
profissionais, visando à integração da equipe e a compreensão das limitações das
abordagens disciplinares tradicionais; gerenciar melhor os recursos da unidade e fazer o
planejamento local.
Na avaliação de um aluno pudemos observar o desenvolvimento da percepção
que o curso proporciona quanto à responsabilidade de cada um no processo de mudança
das práticas:
[...] Sim, porque a partir dessas discussões nós podemos melhorar as ações
em saúde na nossa unidade. Entendi que a mudança pode começar em
mim, então devo fazer minha parte (A1, CDG-SUS).
A construção de técnicas para melhorar o acolhimento ao usuário por parte dos
profissionais da rede foi abordado como um desafio, no sentido de aumentar o
comprometimento de cada um e a resolutividade das ações. Nesse caso, o cidadão teve
destaque como o centro do trabalho da equipe e a razão de ser do próprio trabalhador de
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saúde. A confiança, o interesse, a corresponsabilidade e a determinação na prática do
agir e conquistar as ações, promover a ação comunicativa (diálogo, escuta), colaboração
e interação entre equipes das unidades foram outros tópicos significativos que
emergiram na avaliação. Assim, comentou um aluno:
[...] Sendo mais flexível na minha conduta, dando mais chance à
comunicação tanto com a equipe como com usuários. Ter mais
espírito de coletividade e iniciar um processo para atuar visando ao
acolhimento, à responsabilização / vínculo, à qualidade da assistência,
ou seja, à integralidade (A2,CDG-SUS).
Destacou-se também a importância de valorizar o SUS no contexto do
município, a necessidade de participação na elaboração das leis, de construir redes em
que cada indivíduo se responsabilizasse por suas tarefas, atribuições e competências,
visando a um sistema mais humano, ético e acessível. Em relação às práticas de
integralidade que seriam implantadas nos serviços, destacaram-se: o vínculo, o
acolhimento, acesso e acessibilidade, responsabilidade e instersetorialidade. Alguns
comentários gerais dos alunos revelaram a importância do curso no contexto desses
municípios, no caso de Mato Grosso, de pequeno e médio porte:
[...] Recebemos esse curso como um presente muito esperado e então
a responsabilidade é nossa de sermos multiplicadores, para que nossa
equipe também tenha essas informações atualizadas a respeito da
reformulação das ações de saúde no SUS e da necessidade de adequá-
la à nossa realidade, às normas de organização da atenção básica de
saúde, levando em conta os princípios de humanização, acolhimento e
integralidade, que nada mais é do que a qualidade da atenção. (A3,
CDG-SUS).
[...] O curso foi muito bom, consegui ter uma visão mais ampla de
todos os setores e seus problemas e também que irei levar isso em
prática através do grupo (efetivação) da educação permanente. (A4,
CDG-SUS).
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[...] Este curso contribui em muito para meu aprendizado. Em relação
ao SUS, ampliou meus conhecimentos. O meu desejo é que todos
coloquem em prática o que aprendemos aqui e estaremos contribuindo
para que nossa sociedade melhore através de gestores comprometidos.
(A5, CDG-SUS).
[...] Antes de começar o curso não imaginava que fosse possível
aprender tanto em tão pouco tempo. A forma de aprendizado dinâmica
permitiu uma melhor memorização, estimulou-nos a realizar ações e
tentar resolver os problemas existentes. (A6, CDG-SUS).
[...] Sinto nossos servidores mal aproveitados; temos excelentes na
rede; pena que por questões políticas ou outras não são convocadas ou
solicitadas a colocar em prática sua experiência profissional. Às vezes
ele vem de locais onde tudo é destaque na área e ele já viveu isso.
Pena que por falta de investimento de recursos, de dar condições de
trabalho vamos embora; pois a sensação é que paramos no tempo.
(A7, CDG-SUS).
[...] O curso foi de extrema valia para o conhecimento, participação.
Foi realizado com uma didática muitíssimo boa. Fez enxergar
problemas que estão ao nosso lado e fez a gente saber que temos
subsídios para resolvê-los em planejamento, integração da equipe e
capacitação. (A 8, CDG-SUS).
[...] O curso atingiu seus objetivos nos seguintes aspectos: ampliar
nossa visão quanto aos problemas enfrentados no dia-a-dia e criou
nossa corresponsabilidade frente a soluções de problemas. (A1 9,
CDG-SUS).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como observado na avaliação dos alunos, o CDG-SUS cumpriu com seus
objetivos propostos, principalmente o de despertar os profissionais para o potencial de
cada um no processo de construção do SUS com qualidade e integralidade, indicando a
existência de excelentes profissionais no sistema e a falta de oportunidade para o
desenvolvimento da percepção em relação a si mesmo, do potencial do trabalho em
equipe a favor do usuário, da comunidade. O CDG-SUS foi uma pequena iniciativa que
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potencializou a apropriação das estratégias da educação permanente pelos atores que
fizeram as mudanças.
A experiência exitosa realizada em Mato Grosso foi apresentada em diversos
fóruns do COSEMS/MT e nos Colegiados de Gestão Regional (CGR) que apoiaram a
iniciativa e decidiram considerá-la uma das prioridades da política de educação
permanente no SUS estadual.
O papel da universidade no trabalho de extensão e docência voltada para as
necessidades de saúde da população e ao desenvolvimento de novas competências dos
gerentes do SUS foi amplamente reconhecido, não só pelos trabalhadores e gestores
municipais da saúde que aprovaram o projeto de continuidade, em CIB/Estadual, como
pelo Ministério da Saúde que assegurou o financiamento para execução desse novo
projeto dos cursos de desenvolvimento gerencial a serem realizados pela UFMT e seus
parceiros, em 2009 e 2010, em 45 municípios de Mato Grosso.
O efeito multiplicador do CDG-SUS, a integração UFMT, COSEMS/MT e
Secretariais de Saúde na formulação, execução e avaliação do curso, o foco na realidade
do município e nos problemas de saúde prioritários para a população, o enfoque na
integralidade da atenção e na interdisciplinaridade do trabalho em equipe, assim como a
construção da proposta de educação permanente para o fortalecimento gerencial do
SUS, contribuiu para a mobilização dos trabalhadores de saúde e o empoderamento dos
sujeitos coletivos nos municípios, na luta pela integralidade da atenção e na gestão do
cuidado como essenciais à garantia do direito à saúde.
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EQUIPE DE TRABALHO CDG-SUS
Coordenação e supervisão ISC/UFMT
Júlio Strubing Müller Neto
Maria Angélica dos Santos Spinelli
Fátima Ticianel Schrader
Aline Paula Motta
Monitores Centrais
Alba Regina Medeiros ISC/UFMT– Campo Verde e Barra do Garças
Geny Catarina (SES/MT/COSEMS/MT) Alta Floresta e Nossa Senhora do Livramento
Marina Atanaka dos Santos (ISC/UFMT) Diamantino
Miriam Tereza Vali Sole Rocha (SES/MT) Lucas do Rio Verde
Nereide Martinelli (SES/MT/COSEMS/MT) Sinop, Diamantino e Lucas do Rio Verde
(UI) Simone C. Charbel (SES/MT/NDS/ISC/UFMT) Jaciara e Alta Floresta
Monitores SMS
Alberto Kazunori Kinoshita – Sinop
Alice Dorothy Ligeiro Medeiros – Barra do Graças
Cristhiane Candido Duarte – Diamantino
Francisca Andréia Duarte – Jaciara
Geisa Alexandra de Proença – Nossa Senhora do Livramento
Marilei Fátima Simionato – Campo Verde
Colaboradores
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Alice Harumi Matsumoto – SMS de Cuiabá
Ana Paula Louzada dos Anjos – COSEMS/MT
Caroline Vilela Nascimento – Bolsista Medicina UFMT
Eliana Maria Siqueira Carvalho – SMS de Cuiabá
Ilva Félix do Nascimento – NDS/ISC
Isa Félix Adôrno – Bolsista Medicina UFMT
Joilson Santana de Campos – NDS/ISC
Larissa Miranda Xavier Vieira – Bolsista Medicina UFMT
Maria Salete Ribeiro – COSEMS/MT
Marília da Silva Garrote – Bolsista Medicina UFMT
Nina Rosa Ferreira Soares – NDS/ISC
Patrícia dos Santos Arruda – NDS/ISC
Rodolfo Bezerra Benevides – NDS/ISC
Vanja J. Bonna – SMS de Cuiabá