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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
LEONIDAS ZEFERINO FERNADES LIMA
A SOLIDARIEDADE NO DIREITO INTERNACIONAL: ENTRE
“LEX FERENDA” E “LEX LATA”
NATAL/RN
2017
LEONIDAS ZEFERINO FERNADES LIMA
A SOLIDARIEDADE NO DIREITO INTERNACIONAL: ENTRE “LEX
FERENDA” E “LEX LATA”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito, sob
orientação da Profa. Dra. Yara Maria Pereira
Gurgel.
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Lima, Leonidas Zeferino Fernandes.
A solidariedade no direito internacional: entre “lex ferenda” e “lex lata”/
Leonidas Zeferino Fernandes Lima. - Natal, 2017.
329f.
Orientador: Profa. Dra. Yara Maria Pereira Gurgel.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em
Direito.
1. Direito internacional - Dissertação. 2. Solidariedade Internacional -
Dissertação. 3. Direitos Humanos - Solidariedade - Dissertação. 4.
Constitucionalismo Global - Dissertação. I. Gurgel, Yara Maria Pereira. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 341:347.414
DEDICATÓRIA
Ich widme diese Masterarbeit Thomas Lex,
meinem besten Freund und geliebten Partner.
Danke für deine Hilfe, deine Aufmerksamkeit,
Zuneigung und Liebe während der Entstehung
dieser Arbeit. Vielen lieben Dank, Thomas,
ohne dich an meiner Seite wäre vieles
mühsamer und anstrengender gewesen.
Danke für alles.
AGRADECIMENTOS
A Deus.
À minha amada Mãe, Maria Elza Lima, por todo o incondicional e inesgotável
amor a mim dedicado, desde sempre. Amor este que é fonte primeira de toda a
minha força, segurança e esperança nesta jornada da vida.
Ao meu amado Thomas Lex que esteve ao meu lado, desde o primeiro passo,
durante essa jornada; dedicando-me todo o amor, carinho, ajuda, atenção,
companheirismo e incentivo que foram tão importantes e imprescidíveis para a
elaboração deste trabalho. Agradeço, também, ao meu fiel companheiro Faun.
Às minhas amadas, queridas e maravilhosas irmãs, Laudenides Brito Fernandes
Sobrinha e Laura Caroline Fernandes Lima Gomes.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela
concessão da bolsa durante boa parte do período de realização do mestrado.
À família Schmitt que me recebeu na Alemanha, com todo carinho e amizade,
durante os meses de pesquisa para a elaboração deste trabalho.
Ao Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law que
me permitiu o acesso e uso da sua renomada biblioteca durante minha estadia
na cidade de Heidelberg, na Alemanha, onde desenvolvi uma das partes mais
importantes de pesquisa para este trabalho.
À professora Dra. Yara Maria Pereira Gurgel por ter acreditado no potencial da
minha pesquisa, orientado-me com dedicação e muito carinho.
Aos demais professores e amigos do Mestrado em Direito da UFRN.
Agradeço, por fim, a todos, que direta ou indiretamente, contribuiram para a
elaboração deste trabalho.
“Pourquoi nous haïr? Nous sommes
solidaires, emportés par la même planête,
équipage d'un même navire. Et s'il est bon que
des civilisations s'opposent pour favoriser des
synthèses nouvelles, il est monstrueux qu'elles
s'entre-dévorent. Puisqu'il suffit, pour nous
délivrer, de nous aider à prendre conscience
d'un but qui nous relie les uns aux autres,
autant le chercher là où il nous unit tous."
(Antoine de Saint-Exupéry: Terre des hommes,
Cap. VIII. Gallimard, France, 1939.)
RESUMO
Este trabalho tem a intenção de estudar a humanização do direito internacional,
e consequentemente a ascensão de um constitucionalismo global na defesa dos
direitos humanos, em um contexto onde a solidariedade internacional se
apresenta como promissora protagonista para que se alcancem as mudanças
conceituais necessárias em direção à concretização dos chamados “direitos
humanos de solidariedade” ou de “um direito humano à solidariedade
internacional”, que instam a um repensar e redefinir conceitualmente o Estado,
o Direito e a Justiça. Ressalta que o imaginário jurídico de humanização do
direito internacional e constitucionalismo global, encontram na concretização dos
direitos humanos de solidariedade a resposta jurídica que garantiria a
supremacia dos valores comuns compartilhados pela humanidade, como
dignidade humana e solidariedade, nos domínios da validade dos atos jurídicos
(inclusive, relacionando tais direitos às normas “jus cogens” e às obrigações
“erga ommes”). E entendendo que a solidariedade no direito internacional
encontra-se em uma zona confusa entre “lex ferenda” (um ideal do que o direito
deveria ser/ possibilidade iminente) e “lex lata” (direito reconhecidamente
estabelecido/realidade), argumenta que, entre uma menor irrefutabilidade da
solidariedade internacional como "lex ferenda" e as incertezas teóricas e
práticas da sua transformação em sólida "lex lata", as extensões e as dinâmicas
entre essas duas esferas (lex ferenda/lex lata) apontam para uma irreversível
tendência do reconhecimento da solidariedade internacional tanto como valor e
princípio, quanto como um direito humano (ou seja, como uma via concreta de
justiça global e promoção da dignidade humana), em função dos desafios e
necessidades sui generis da humanidade. Conclui, propondo que o atual esboço
do Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e Indivíduos à Solidariedade
Internacional das Nações Unidas, surge como ferramenta para aclarar a zona
cinzenta (lex obscura) entre “lex ferenda” e “lex lata” onde a solidariedade
internacional se encontra, porque pretende desenvolver uma teoria jurídica da
solidariedade de íntima ligação com o Direito Internacional dos Direitos Humanos
e o princípio supremo da dignidade humana, por meio de viáveis, exigíveis e
factíveis direitos e responsabilidades compartilhadas.
Palavras-chaves: Solidariedade Internacional, Direitos Humanos de
Solidariedade, Constitucionalismo Global.
ABSTRACT
This work intends to study the humanization of international law, and
consequently the rise of a global constitutionalism in the defense of human rights,
in a context where international solidarity presents itself as a promising
protagonist in order to achieve the necessary conceptual changes towards
concretization of the so-called "human rights of solidarity" or "a human right to
international solidarity", which call for a rethinking and conceptual redefinition of
the State, Law and Justice. Emphasizes that the legal imaginary of humanization
of international law and global constitutionalism find in the realization of the
human rights of solidarity the legal response that would guarantee the supremacy
of the common values shared by humanity, such as human dignity, in the
domains of validity of legal acts (including by relating such rights to jus cogens
norms and erga ommes obligations). So, understanding that solidarity in
international law lies in a confused zone between "lex ferenda" (an ideal of what
law should be / imminent possibility) and "lex lata" (law admittedly established /
reality), argues that, between a less irrefutability of international solidarity as "lex
ferenda" and the theoretical and practical uncertainties of its transformation into
a solid "lex lata", the extensions and dynamics between these two spheres (lex
ferenda/lex lata) point to an irreversible tendency towards the recognition of
international solidarity as both value and principle, and also as a human right (that
is, as a concrete way of global justice and promotion of human dignity), according
to the sui generis challenges and needs of mankind. It concludes by proposing
that the current draft of the Declaration on the Right of Peoples and Individuals
to International Solidarity by the United Nations appears as a tool to clarify the
gray área (lex obscura) between "lex ferenda" and "lex lata" where solidarity is,
because it intends to develop a legal theory of solidarity closely linked with
international human rights law and the supreme principle of human dignity
through viable, enforceable and feasible shared rights and responsibilities.
Keywords: International Solidarity, Human Rights of Solidarity, Global
Constitutionalism.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................10
2 A TRAJETÓRIA DE AFIRMAÇÃO DA SOLIDARIEDADE COMO
PRINCÍPIO DO DIREITO INTERNACIONAL.....................................................20
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SOLIDARIEDADE………20
2.2 A SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO DO DIREITO
INTERNACIONAL…………………………………………………………...……….62
3 DIMENSÕES CONSTITUCIONAIS DE AFIRMAÇÃO DA
SOLIDARIEDADE ………………………………………………………………….107
3.1 SOLIDARIEDADE SOCIAL: SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DO DIREITO BRASILEIRO E DE OUTRAS
SOCIEDADES.……………………………………………………………………...115
3.2 DESENVOLVIMENTOS REGIONAIS DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE……………………………………………………….………….133
3.2.1 Solidariedade no Sistema Interamericano………………….…………135
3.2.2 Solidariedade na União Africana………………………………….…….147
3.2.3 Solidariedade na União Europeia………………………...……………..152
3.3 SOLIDARIEDADE COMO EMERGENTE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
INTERNACIONAL………………………………………………………..…………184
3.3.1 Solidariedade e Segurança Coletiva…………………………………….193
3.3.2 Solidariedade e Direito Internacional ao Desenvolvimento…………198
3.3.3 Solidariedade e Direito Ambiental Internacional………………………211
4 A SOLIDARIEDADE E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS ESSENCIAIS DO
SER HUMANO NO PLANO INTERNACIONAL…………………………………234
4.1 SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL
DOS DIREITOS HUMANOS………………………………………………..….….235
4.1.1 A solidariedade como um direito humano: direitos de
solidariedade……………………………………………………………….…..….240
4.1.2 A natureza, titularidade e os destinatários dos direitos humanos de
solidariedade……………………………….…………………………..………….254
4.1.3 O Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e Indivíduos à
Solidariedade Internacional ………………………………………………..……267
4.2 SOLIDARIEDADE E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO……281
4.3 SOLIDARIEDADE E DIREITO INTERNACIONAL DOS
REFUGIADOS…………………………………………………………………..…..287
4.4 SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE DE PROTEGER…………293
5 CONCLUSÃO………………………………………………………….……305
REFERÊNCIAS……………………………………………………………………..313
10
1 INTRODUÇÃO
A humanização do direito internacional, e consequentemente a ascensão
de um direito universal ou global, vem ganhando gradualmente mais força e
reconhecimento mundial, criando um contexto em que a solidariedade se apresenta
como promissora protagonista para que se alcance as mudanças conceituais
necessárias na direção de um verdadeiro direito internacional para o século XXI,
capaz de fazer frente aos desafios e problemas sociais, políticos, ambientais e
econômicos em todo o mundo, numa era onde aos velhos e insolúveis problemas da
humanidade, somam-se novas questões que instam a comunidade internacional a um
repensar e redefinir conceitualmente o Estado, o Direito e a Justiça, por meio de
argumentos solidários, e com base na emergência de um constitucionalismo global
comprometido com a proteção efetiva de todos os direitos humanos de todos os seres
humanos, desta e das futuras gerações.
Ora, tal paradigma se impõe porque, apesar de estarmos no início do
século XXI, a humanidade ainda vive amarrada a convencionalismos e ideologias
(políticas, sociais, econômicas e jurídicas) caducas, que contrastam gritantemente
com as exigências dos problemas atuais, em virtude de suas dimensões
incomensuráveis e amplitudes diversas, a exigir um nível de consciência jurídica
global preparada para gerir novas, plurais, sólidas e rápidas soluções.
É interessante observar que estes complexos desafios globais (porque não
transnacionais) têm intima relação com o rol dos direitos humanos de solidariedade
proposto por Karel Vasak há quase meio século (manutenção da paz, segurança
coletiva, meio ambiente saudável, direito ao desenvolvimento e desenvolvimento
humano sustentável), ligados a várias temáticas, dentre as quais podemos citar
direitos intergeracionais, justiça global, erradicação da pobreza, crime organizado
transnacional, corrupção, terrorismo, minorias éticas e sociais, refugiados, migrantes,
apátridas, provimento de serviços básicos, acesso à internet para todos,
questionamentos quanto a uma maior democratização e reforma na estrutura das
várias instituições internacionais, especialmente das Nações Unidas.
11
Observadas tais circunstâncias, é possível afirmar que se impõe a
necessidade de uma reavaliação do conceito de solidariedade no âmbito do direito
internacional, à luz de uma ponderação realista sobre os múltiplos desafios impostos
pelos estratégicos temas que desafiam o direito internacional na atualidade e cujo
enfrentamento não depende da boa vontade de um único Estado, de um grupo de
Estados ou até mesmo da contrapartida articulada de todos os Estados do globo
terrestre.
A questão da contemporaneidade (que é transmoderna,
transconstitucional, transnacional) envolve uma condição sui generis: a iniciativa para
a solução dos desafios atuais exige um verdadeiro esforço coletivo de toda a
humanidade, ou seja, tanto dos Estados, como das Organizações Internacionais, das
empresas públicas e privadas, das corporações multi e transnacionais, das
organizações não-governamentais da sociedade civil internacional(ONGs), etc., e de
cada um dos indivíduos viventes deste planeta, sendo, exatamente, essa condição
singular que coloca a questão no centro de intensos debates.
Nesse caminho, o universalismo crítico parece ser a teoria mais apta para
enfrentar tamanha demanda, por se mostrar engajado com a harmonização entre as
exigências, diferenças e particularidades étnicas, nacionais, regionais, bem como a
articulação entre os vários atores relevantes do sistema internacional atual, na busca
da solidariedade como meta progressiva e ampla para a eficaz proteção de
importantes valores da humanidade como a dignidade humana, a tolerância, a
interculturalidade e convivência pacífica, dirimindo os diversos interesses da
comunidade internacional contemporânea.
Dentro deste contexto complexo e hodierno, a solidariedade, facilmente
aceita como um valor moral fundamental da humanidade, avança no desempenho,
também, de outros importantes papéis no contexto internacional com vista a uma
definitiva transição do direito internacional aos novos tempos.
Desta feita, a solidariedade surge sendo reconhecida por alguns, como
“princípio fundamental ou estrutural do direito internacional” e por outros, dentro de
um contexto emergente de constitucionalização do direito internacional, como um
“princípio constitucional do direito internacional”.
12
Em outra mão, numa direção mais avançada e atual, alguns doutrinadores,
e inclusive as Nações Unidas, propõem o seu reconhecimento como um direito, pelas
vias do direito internacional dos direitos humanos, que implicaria a implementação de
direitos e deveres, responsabilidades e obrigações vinculantes a todos os atores da
comunidade internacional (inclusive os indivíduos), na figura dos “direitos de
solidariedade” ou de um “direito humano à solidariedade internacional”.
Assim, diante deste status incerto e polêmico da solidariedade dentro do
direito internacional, gerador de acalorados debates acadêmicos, o escopo deste
trabalho é apresentar uma reflexão sobre a função real ou possível da solidariedade
dentro da prática jurídica internacional, tendo o objetivo geral descritivo de vislumbrar
a evolução jurídica deste conceito dentro do direito internacional, para revelar
possibilidades de compreensão e concretização do ideal solidarista no direito
internacional contemporâneo, sob uma perspectiva interdisciplinar.
A intenção, ou objetivo específico do trabalho, é identificar o lugar (ou os
lugares) da solidariedade dentro do direito internacional contemporâneo, na tentativa
de responder aos seguintes questionamentos: (1) Qual é o "conteúdo central" da
noção de solidariedade?; (2) Qual a diferença entre cooperação e solidariedade?; (3)
A solidariedade realmente se tornou um princípio normativo orientador do direito
internacional?; (4) Tendo em conta as dimensões constitucionais da afirmação da
solidariedade em níveis nacional, regional e internacional, é possível afirmar, dentro
de um contexto de constitucionalização do direito internacional na proteção dos
direitos humanos, que a solidariedade é um princípio constitucional do direito
internacional?; e (5) É a solidariedade é um direito humano?
Destarte, a metodologia empregada para a exposição do tema, e tentativa
de resposta aos questionamentos supra levantados, inclui a abordagem de diferentes
posições doutrinárias nacionais e internacionais sobre solidariedade internacional.
Proceder-se-á, igualmente, ao levantamento e apreciação de Constituições de
Estados que versem sobre solidariedade. Serão analisadas, também, e com maior
enfoque, as fontes primárias do Direito Internacional, tais como Convenções, Tratados
e Declarações, que demostrem a interdependência ou mesmo a sobreposição do
conceito de solidariedade nas mais diversas esferas internacionais. A análise
jurisprudencial será, identicamente, levada em conta, no propósito de melhor
13
conhecer o enfoque dado pelos tribunais internacionais no que tange à solidariedade
internacional.
Para tanto, após esta introdução, parte-se para o segundo capítulo que tem
duas partes: a primeira direcionada à evolução histórica do conceito de solidariedade
que remonta à Grécia e Roma antiga, atravessa a Idade Média, a Revolução
Francesa, até chegar a Idade Contemporânea; e a segunda que analisa o trajeto de
afirmação da solidariedade como princípio do direito internacional.
A evolução histórica do conceito de solidariedade surge da tentativa de
seguir o rastro da mudança do significado da palavra em virtude das várias
singularidades históricas da evolução da humanidade. Assim, o compromisso é de
tentar colocar alguma luz sobre a penumbra conceitual que paira sobre o termo
solidariedade. Será apresentada a origem do termo solidariedade nos contextos da
amizade cívica greco-romana (solidariedade cívica), na qual se apresentará que a
palavra solidariedade tem origem latina, referindo-se a um conhecido conceito legal
do direito civil romano; depois será abordada as origens da ideia de solidariedade na
fraternidade da tradição judaico-cristã (solidariedade fraterna); passando pela idade
média e chegando a ideia moderna de solidariedade que teria se originado nas
revoluções constitucionais do século XVIII, quando o ideal da cidadania democrática
foi acrescentado ao conceito de solidariedade pela influência da Revolução Francesa
de 1789, expresso no terceiro elemento da tríade lema do levante: “liberté, egalité,
fraternité”.
Ainda na primeira parte do segundo capítulo, a reinterpretação do conceito
de solidariedade, feita por filósofos e sociólogos como Claude Henri de Saint-Simon,
Charles Fourier, Pierre Leroux, Emile Durkheim, Léon Bourgeois, Léon Duguit, e
Georges Scelle (que trouxe a abordagem da solidariedade para o direito
internacional), será discutida em função da importância das contribuições para o
reflorescimento da idéia de solidariedade, já que foram estes os responsáveis pelas
primeiras elaborações teóricas modernas sobre o tema, bem como para a formação
da base necessária para o desenvolvimento da ideia pela comunidade internacional.
Uma breve menção sobre o entendimento de Max Weber, Karl Marx e Ferdinand
Lassalle sobre solidariedade também está presente neste capítulo. Mais ainda, neste
capítulo, se encontra a abordagem da solidariedade segundo a visão da filosofia social
14
contemporânea de autores importantes como Jügen Habermas e Hauke Brunkhorst,
Michael Hechter, dentre outros autores, que estão contribuindo sobremaneira para um
melhor entendimento do complexo estágio atual de relações sociais que reforçam a
dimensão global e transnacional da solidariedade.
Na sequência, na segunda parte do segundo capítulo, será abordada a
transformação da solidariedade em princípio do direito internacional, no que
contribuíram de maneira decisiva a doutrina dos chamados fundadores do direito
internacional: Francisco de Vitoria, Hugo Grotius, Emer de Vattel, F. Suárez, A. Gentili,
C. Bynkershoek, Samuel von Pufendorf e Christian Wolff. Nesta parte se apresentará
a importância do pós-guerra do século XX para a transformação da solidariedade em
um valor internacional, no contexto de criação da Organização das Nações Unidas
(por meio da Carta das Nações Unidas) e a Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948. Assim sendo, serão apresentados os argumentos jurídicos e
doutrinários fundamentadores da consolidação da solidariedade como princípio do
direito internacional, na busca da paz mundial como uma meta absoluta de uma
cidadania cosmopolita baseada no valor polarizador da dignidade humana, por meio
inclusive do desenvolvimento do conceito de normas gerais imperativas de direito
internacional “jus cogens” e das obrigações “erga ommes”, que visam garantir a
supremacia dos valores comuns compartilhados pela humanidade nos domínios da
validade dos atos jurídicos.
O desenvolvimento desse capítulo se dá fundamentado nos marcos de
referências tácitas e expressas à solidariedade dentro do direito internacional (por
meio de Convenções, Declarações e Resoluções), especialmente dentro do Direito
Onusiano.
Dentre as várias referências apresentada, será dado enfoque aos
documentos internacionais que diretamente mencionam a solidariedade como, por
exemplo, a Declaração das Nações Unidas sobre o Asilo Territorial de 14 de dezembro
de 1967; a Convenção da União Africana sobre os Aspectos específicos dos
Problemas dos Refugiados na África, de 10 de setembro de 1969; a Declaração sobre
o Direito dos Povos à Paz de 12 de novembro de 1984; a Declaração e Programa de
Ação de Viena de 1993; a Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos
Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África de
15
1994; a Declaração do Milênio de 2000; as Resoluções da Assembleia Geral das
Nações Unidas nº 56/151 de 19 de Dezembro de 2001, nº 57/213 de 18 de dezembro
de 2002 e nº 59/193 de 18 de março de 2005, todas estas denominadas “Promoção
de uma Ordem Internacional Democrática e Equitativa”; e a Resolução 60/119 de 8
de Dezembro de 2005, denominada “Implementação da Declaração sobre a
Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais”.
O desenvolvimento deste capítulo tem ainda o reforço de uma abordagem
da doutrina jurídica a respeito da solidariedade como um princípio do direito
internacional, exposta por meio do pensamento, em meio a alguns outros, de
internacionalistas como Michel Virally, responsável por lançar as bases conceituais
para a evolução e desenvolvimento da solidariedade no direito internacional público,
identificando que a solidariedade passou de uma noção simples para um conceito
político e, finalmente, se tornou um princípio jurídico em direito internacional público;
Rüdiger Wolfrum que usa o termo "Princípio Estrutural" para definir o princípio da
solidariedade; Ronald St. John Macdonald que se refere à solidariedade como um
princípio “tout court”; Iris Marion Young que argumenta ter sido a solidariedade
reconceitualizada e ligada à ideia de injustiça como motivação intrínseca para que se
assumam responsabilidades comuns; Anne-Marie Slaughter que define solidariedade
como a possibilidade de limitar a soberania Estatal, na criação de uma
responsabilidade de longo alcance para proteger todos os indivíduos; e Karel Wellens
que define solidariedade como "Princípio Constitucional", em íntima relação com a
teoria da constitucionalização do direito internacional desenvolvida por autores como
Jan Klabbers, Anne Peters, Geir Ulfstein, Laurence Tribe, Thomas Fleiner e Lidija R.
Basta Fleiner.
No terceiro capítulo serão analisadas as dimensões constitucionais da
afirmação da solidariedade nos níveis nacional, regional e internacional, o que faz o
capítulo ser dividido em três partes.
Desta maneira é analisada, primeiramente, a Solidariedade Social, ou seja
a solidariedade dentro do ordenamento constitucional das sociedades modernas,
revelando que o princípio da solidariedade internacional adentra nos ordenamentos
jurídicos nacionais, notadamente nas Constituições, dando vez ao surgimento do que
se vem denominando “Estado Constitucional Solidarista”, confirmando a existência de
16
um mínimo de concordância global da solidariedade como um valor constitucional
presente em várias ordens jurídicas constitucionais, a exemplo das Constituições
brasileira, italiana, francesa, suíça, austríaca, portuguesa, espanhola, cubana, grega,
indiana e da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha.
Em seguida, na segunda parte no terceiro capítulo, é estudado o papel
desenvolvido pelo princípio da solidariedade no processo de constitucionalização das
relações regionais entre Estados por meio de tratados regionais que versam sobre
solidariedade, cooperação e integração regional; especialmente na América, África e
Europa.
Nesse contexto, serão analisados, no que tange ao continente americano,
dentre outros documentos internacionais, a Carta da Organização dos Estados
Americanos (OEA), firmada em 30 de abril de 1948; o Tratado de Montevidéu que
criou a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), firmado em 12 de agosto
de 1980; o Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL),
firmado em Brasília, em 23 de maio de 2008, e a Carta Democrática Interamericana,
aprovada pela Organização dos Estados Americanos em 11 de setembro de 2001.
No que se refere ao continente africano, serão analisados, especialmente,
o Ato constitutivo da União Africana (UA), adotado em dia 11 de julho de 2000, e a
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, também conhecida como Carta
de Banjul, adotada em 28 de junho de 1981, e exemplo para o mundo no que tange a
abordagem vanguardista dada à solidariedade internacional.
Sobre o sistema jurídico da União Europeia far-se-á uma investigação mais
extensa, em função de o mesmo ter sido inspirado e fundado com atenção a um ideal
de “solidariedade de fato” desde os seus primórdios, ou seja, no período posterior à
Segunda Guerra Mundial, fato que tornou o princípio da solidariedade um princípio
fundamental da União Europeia. Nesse contexto será dada ênfase ao Tratado de
Lisboa de 01 de dezembro de 2009, onde o princípio da solidariedade se apresenta
em todos os documentos que constituem a base jurídica da União Europeia: Tratado
da União Europeia (TUE), Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
17
Para se finalizar a análise das dimensões constitucionais da afirmação da
solidariedade, será abordada na última parte do terceiro capítulo, a dimensão
constitucional universalista da solidariedade, ou seja, a teoria e a prática de uma
solidariedade internacional fundamentada no ideal de um constitucionalismo global
em defesa de um núcleo mínimo de direitos internacionalmente protegidos, porque
representada de alguma forma no preâmbulo de praticamente todos os instrumentos
internacionais constitutivos de Organizações Internacionais, bem como em Tratados
e Declarações internacionais associadas aos direitos humanos. Desta forma, a
solidariedade será diagnosticada como emergente Princípio Constitucional do Direito
Internacional por meio de uma abordagem do papel desenvolvido em áreas
estratégicas e fundamentais para as relações internacionais contemporâneas:
Segurança Coletiva, Direito ao Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Assim, ao se tratar da relação entre segurança coletiva e solidariedade, se
observará que o princípio da solidariedade é base política e jurídica do sistema de
segurança coletiva estabelecido pela Carta das Nações Unidas.
Em se estudando a ligação entre solidariedade e Direito Internacional ao
Desenvolvimento, refletir-se-á sobre as aspirações éticas, morais, jurídicas e
econômicas da solidariedade, na procura de possibilitar a distribuição equitativa e
equilibrada dos benefícios e bens materiais produzidos internacionalmente como
propósito de mudanças na ordem econômica mundial, por meio das relações
econômicas e comerciais entre os Estados, na construção de um progresso social e
o bem-estar coletivo sólido para toda a humanidade.
E, ao se abordar as conexões entre solidariedade e Direito Ambiental
Internacional, será levantada a obrigação sólida, de longo termo, incondicional e
inescusável de todos em preservar o meio ambiente para o bem da própria existência
da humanidade sobre a Terra.
No quarto capítulo, ainda sob o viés da teoria de uma constitucionalização
do direito internacional, será apresentado o papel desenvolvido pela solidariedade na
proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional. Desta feita,
analisar-se-á o papel da solidariedade internacional no Direito Internacional dos
Direitos Humanos, oportunidade em que será analisada a pertinência de uma “nova
18
categoria de direitos humanos”, os tão falados “direitos de solidariedade” propostos
por Karel Vasak e Kéba M´Baye, dando-se enfoque à possível natureza, titularidade
e os destinatários de tais direitos de solidariedade como direitos humanos, na trilha
dos ensinamentos de Sven Peterke sobre os direitos humanos de solidariedade; de
Sally Scholz, que aborda a solidariedade como um direito humano negativo; e de Kate
Cook, que aborda a solidariedade como base para os direitos humanos.
Aprofundando-se o debate como a relevante crítica feita a tais direitos por autores
como Carl Wellman, Kersting e Di Fabio, no que se refere às suas qualidades jurídicas
de validade na teoria normativa do direito.
A solidariedade como ferramenta para o porvir de um sistema de
governança global que respeita a dignidade humana em todos os seus aspectos,
também, será abordada neste capítulo.
Como parte complementar desse contexto, será discutido, por sua
significativa e multifacetada relevância, o projeto de “Declaração sobre o direito dos
povos e indivíduos à solidariedade internacional”, em andamento nas Nações Unidas,
que amplia a aspiração do imaginário jurídico internacional de solidariedade ao
expressar-lo por meio de obrigações legais vinculantes.
Ainda no quarto capítulo, serão analisadas as relações entre solidariedade
e Direito Internacional Humanitário, corpo jurídico que representa a solidariedade
internacional por excelência, na medida em que se aplica, em teoria, sem distinção, à
proteção de toda a humanidade, oportunidade em que se faz uma breve abordagem
sobre o Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional, talvez, o exemplo
mais sistemático de solidariedade internacional em sentido positivo; solidariedade e
Direito Internacional dos Refugiados, em função da solidariedade operar como um
corolário funcional imprescindível, na tentativa de maximizar os seus aspectos
operacionais para uma partilha dos encargos oriundos dos movimentos de refugiados
que hoje atingem escalas globais, de que somos testemunhas oculares; e a relação
entre solidariedade e Responsabilidade de proteger, ou seja a responsabilidade da
comunidade internacional em tomar medidas oportunas, de acordo com a Carta das
Nações Unidas, nos casos em que os Estados manifestamente não conseguem mais
proteger a sua população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes
contra a humanidade.
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Na conclusão, que representa o quinto capítulo, apresenta-se um
posicionamento crítico sobre a consolidação da solidariedade como um princípio do
direito internacional e sobre a afirmação do direito humano à solidariedade, bem como
se abordará o horizonte que se vislumbra diante do esboço do projeto de Declaração
sobre os Direitos Humanos de Solidariedade das Nações Unidas.
Em suma, a hipótese do trabalho é de que, entre uma menor irrefutabilidade
da solidariedade internacional como uma “lex ferenda” (ideal do que o direito deveria
ser) e incertezas teóricas e práticas que levantam severas críticas da sua
transformação em sólida "lex lata" (direito reconhecidamente estabelecido), as
extensões e as dinâmicas da realidade (lex lata) e da possibilidade iminente (lex
ferenda) revelam que a solidariedade internacional já se encontra presente em vários
ramos do direito internacional, como um valor fundamental e princípio-norma, e diante
do atual estágio de interdependência global (a forçar um crescente ímpeto de
mudanças paradigmáticas no direito internacional), descortina-se uma irreversível
tendência de reconhecimento da solidariedade internacional, também, como um
direito humano, ou seja, como uma via concreta de justiça global e promoção da
dignidade humana. Tentar pontuar as consequências práticas dessas constatações
será o desafio maior do presente trabalho.
20
2 A TRAJETÓRIA DE AFIRMAÇÃO DA SOLIDARIEDADE COMO
PRINCÍPIO DO DIREITO INTERNACIONAL
A trajetória de afirmação da solidariedade como um princípio1 do direito
internacional tem origens remotas, justificando um estudo da evolução histórica do
conceito de solidariedade, que se desenvolveu e modificou bastante junto com a
própria evolução do direito na sociedade humana, até chegar a ser inserido no
contexto do direito internacional, onde sofreu (e ainda sofre) mudanças conceituais.
Assim, através de uma longa história onde serviu às causas mais diversas,
a noção jurídica de solidariedade forjada no direito romano, conheceu um
renascimento no período medieval na aspiração de uma communne ius, se integrou
ao brado revolucionário Francês de 1798, e vem experimentando grande debate
desde o final do século XIX, até os dias atuais; sempre marcando presença e
ocupando lugar singular dentro do desenvolvimento do direito internacional.
Convém, desta forma, um breve retrospecto das bases iniciais de formação
e consolidação da solidariedade e de suas bases teórico-pragmáticas dentro do direito
internacional.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE SOLIDARIEDADE
Apesar das reconhecidas diferenças culturais e das várias formas de
organização social, política e jurídica conhecidas, a ideia de solidariedade é presente
1 “Princípios são proposições ideais, fundamentos normativos, bases sedimentadas que oferecem inspiração ao operador do Direito, como bússola que norteia todo e qualquer ato jurídico, proporcionado a integração das Normas-Regras. Assim, nenhuma Norma-Regra pode ser contrária à Norma-Princípio.” GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 30
21
em todas as sociedades do planeta2, tendo passado por um elaborado e longo
processo histórico evolutivo até que viesse a atingir o seu significado atual3 associado
aos ideais de igualdade e democracia. Com efeito, a noção de solidariedade se
confunde com a própria história social da humanidade4, desde as suas primeiras
origens e por meio dos vínculos que uniram os seus membros mais longínquos, até o
atual estágio de relações sociais mais complexas que deram ao termo dimensão
global e transnacional5, a exigir que se responda de maneira adequada às violações
dos direitos humanos.
A palavra solidariedade6 é de origem latina, e tem seu significado ligado ao
termo do direito civil romano “obligatio in solidum”: uma obrigação de responsabilidade
geral, uma dívida comum, dever de solidariedade, obrigação solidária,7
corresponsabilidade, correalidade em vínculo jurídico onde todos os obrigados
assumem a responsabilidade por quem não possa pagar a sua dívida, sendo este
igualmente responsável por todos os outros. Remetendo, desta forma, ao que é sólido
[Solidus], denso e firme, sendo os vínculos de uma obrigação em solidariedade
salientados por esta solidez da mesma.8 Nessa perspectiva, em razão da noção
2 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013. Apud MORALES, Patrícia M.C. UNESCO´s philosophy of “intellectual and moral solidarity” in attaing Peace. Geneva: UNESCO, 2007. 3 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge University Press, 2010. Pág.02. 4 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 243-244 Apud FUR, Louis le. La Théorie du Droit Naturel. Recueil des Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 18, 1927. p. 338-339. 5 Ibid., p. 243-244 apud BRIÈRE, Yves-Marie Leróy. Évoluction de la Doctrine et de la Pratique em Matière de Représailes. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 22, t. II, 1928. p. 253. 6 “SOLIDARIEDADE. 1. Na linguagem jurídica em geral: a) qualidade de solidário; b) estado em que duas ou mais pessoas assumem igualmente as responsabilidades de uma empresa ou negócio, obrigando-se todas por uma ou uma por todas; c) mutualidade de interesses; d) por inteiro; e) dependência recíproca. 2. Sociologia geral. a) Condição grupal que resulta da comunhão de atitudes, fazendo com que o grupo seja sólido e resistente às forças exteriores; b) dever moral de assistência entre os membros de uma mesma sociedade, enquanto considerados como um todo”. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3ª ed. Ver., atual. E aum. – São Paulo: Saraiva, 2008. p. 490.; “SOLIDARIEDADE. Apoio a terceiros em estado de necessidade ou sofrimento. Entendida no âmbito institucional e político, a solidariedade como sentimento e ação expressos em diversos textos legais após o Iluminismo, alcançou o constitucionalismo social e dirigente após a Segunda Guerra Mundial. (Martonio Mont´Alverne Barreto Lima)”. DIMOULIS, Dimitri (Cord.). Dicionário brasileiro de direito constitucional. 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 390 7 Em alemão, termos corrspondentes seriam: Gesamthaftung e Haftungsgenossenschaft. BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. p. 1 e 2. 8 Ibid., p. 1 e 2.
22
jurídica de solidariedade no direito romano9, podemos qualificá-la como um conceito
jurídico, desde suas origens mais ancestrais.10
Na opinião de Hauke Brunkhorst, diversos11 contextos históricos, ao longo
da caminhada evolutiva humana, contribuíram para modelar a atual definição
igualitária e democrática de solidariedade12, encontrando pegadas de suas origens na
amizade cívica greco13-romana14 (solidariedade cívica) e na fraternidade da tradição
9 SUPIOT, Alain. Sur le principe de solidarité. p. 67. In: FÖGEN, Marie Theres (org.) RECHT GESCHICHTE (Rg 6). Zeitschrift des Max-Plank-Instituts für europäische Rechtsgeschichte: Frankfurt am Main, 2005. 10 Como registra o Digesto (Digesta o Pandectae) em vários de seus livros, segundo Fredys Orlando Sorto, no Livro VI do Digesto se encontra o seguinte exemplo: “Si possessor fundi ante iudicium acceptum duobus heredibus relictis decesserit et ad altero ex his, qui totum fundum possidebat, totus petitus fuerit, quin in solidum condemnari debeat, dubitare non oportet”.SORTO, Fredys Orlando. La compleja noción de solidaridad como valor y como derecho: La conduta de Brasil em relación a ciertos Estados menos favorecidos. p. 97-127. In: LOSANO, Mario G. (Ed.). Solidaridad y derechos humanos em tempos de crisis. Cuadernos “BARTOLOMÉ DE LAS CASAS”, 50. Traducciones de Luis Lloredo Alix y Carlos Lema Añón. Madrid: Dykinson, 2011. p. 98. Apud Digesto 6.1.55; Iulianus 55 Digesto. 11 Curioso salientar que na China, Confúcio, 551 anos antes de Cristo, já ensinava sobre benevolência,
associando-a ao respeito, à tolerância, à coerência com as próprias palavras, à rapidez e à generosidade. CONFÚCIO. Os anacletos. Trad. CHANG, Caroline. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 148. 12 A semântica do conceito de solidariedade proposto por Brunkhost alimenta-se de várias fontes na história da Europa, além do direito romano, da harmonia pagã-republicana (Gr. harmonia, Lat, concordia) e da amizade cívica (Gr. philia, Lat. amiticia), o outro de fraternidade cristã (fraternitas) e amor ao próximo (caritas). BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. páginas 1-3. 13 A exemplo da história da Guerra do Peloponeso sobre a resposta do delegado mélio ao delegado ateniense: “De qualquer modo, acreditamos ser conveniente (somos compelidos a falar em conveniência, pois estabelecestes o critério de deixar de lado o direito para falar de vantages) que não elimineis o princípio do bem comum; deveis proporcionar sempre àqueles que estão em perigo o respeito normal aos seus direitos, pois ainda que seus argumentos não sejam ótimos, poderão ser de alguma utilidade para convencer-vos. Isto não vos interessa menos que a nós, pois se alguma vez sofrerdes um revés, incorrereis num castigo mais severo, pois alegarão contra vós o exemplo que vós mesmos destes.” Resposta à seguinte afirmação do delegado ateniense: “Deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem.” BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional humanitário. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. p. 199. Apud TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: IPRI/UnB, 1987. p 348. 14 Brunkhorst afirma que a “amizade cívica” entre iguais formaria a contribuição greco-romana do conceito contemporâneo de solidariedade. A amizade é, portanto, neste contexto tomada em seu viés jurídico, ao estilo Aristótélico de que amizade e justiça seriam a mesma coisa ou quase a mesma coisa, representando a lei e a justiça, já que amizade pressupõe igualdade. Apesar de sua suposta contribuição para o conceito atual de solidariedade, o contexto hierárquico e segregacionista grego não dá qualquer margem a uma idéia de solidariedade fundamentada em direitos humanos, já que a amizade cívica grega estava restrita a uma comunidade cívica republicana, representada por uma classe favorecida de poucos homens e centrada na polis. Tais noções de amizade cívica estendia a lealdade para além sangue ou do clã, mas excluía de tais laços todos aqueles não eram os cidadãos, incluindo os escravos, mulheres e estrangeiros. BRUNKHOST, Op. Cit. p. 11, 18 e 22.
23
judaico15-cristã16 (solidariedade fraterna). Essas duas primeiras contribuições para o
conceito de solidariedade estariam associadas ao que, segundo José Luiz Borges
Horta17, representaria o legado clássico universal18: a noção romana de direitos
universais, a noção grega de igualdade e a noção cristã de pessoa humana digna19.
Hauke Brunkhorst, também, detecta nos vínculos sociais feudais,
presentes nos burgos medievais europeus, alguma herança no caminho evolutivo do
conceito de solidariedade20. Ao passo que, Marie Bouriche identifica no pensamento
de Voltaire passagens que ilustrariam solidariedade, durante o iluminismo.21
15 O conceito judaico de fraternidade, que para Brunkhorst representaria a segunda contribuição para o conceito de solidariedade, teria acrescentado ao conceito de solidariedade as primeiras ideias de igualdade, liberdade e mesmo de direitos humanos. Tal conceito apresenta pontos chaves para a compreensão normativa da solidariedade democrática moderna: o estrangeiro, o estranho, o escravo, ou o pobre é sempre um irmão, em uma relação entre sujeitos de iguais direitos. BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. p. 32-34. 16 Salientando que a contribuição evolutiva dos ideais cristãos transformou o direito romano em um sistema de princípios jurídicos universais, refletindo nas várias constituições e nos tratados de direitos humanos de hoje, fator que exarcerba a sua contribuição para o conceito moderno de solidariedade. BRUNKHORST, op. Cit., p. 51.; O cristianismo com o amor ao próximo, ou caritas, radicaliza a sua contribuição ao conceito de solidariedade ao incluir não apenas o amor aos estranhos, mas também aos inimigos, pecadores e criminosos. Ou seja, a realmente todos os indivíduos, podendo mesmo ser entendida como uma meta política. Neste ponto, pela primeira vez, o conceito de ser humano teria se unificado a um sentido radicalmente igualitário e universal de humanidade. Ibid., p. 23.; Segundo Alejandro Rosillo Martínez, o princípio da solidariedade no cristianismo primitivo não é, uma solidariedade sectária fechada que apenas lida com um determinado grupo. É uma solidariedade universal aberta, considerando-se todas as pessoas como indivíduos autênticos, livres e iguais que constroem um projeto comum com base na solidariedade como um requisito intrínseco e não apenas uma exceção moral de pessoas extraordinárias. MARTÍNEZ, Alejandro Rosillo. SOLIDARIDAD Y DERECHOS HUMANOS: EL CASO DE LA PATRÍSTICA Y EL CRISTIANISMO PRIMITIVO. In: DUFOUR, Francisco de Icaza; FENOCHIO, Jaime del Arenal; AMAD, Fauzi Hamdan; MÜGGENBURG, Carlos; SAID, Gisela Oscós (editores). REVISTA DE INVESTIGACIONES JURÍDICAS. Escuela Libre de Derecho, Número 30: México, 2006. p. 399. 17 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 246. 18 Para José Luiz Borges Horta: “Na verdade, o Ocidente nunca conseguiu não ser universalista. O grego estava pensando na essência universal das coisas, o romano queria produzir um Direito universal que pudesse ser aplicado a todos os povos, o cristão pensava em um valor universal, aliás Kathólikos. (A Igreja Católica proclama-se uma Igreja universal, voltada para todas as gentes.) HORTA, loc. Cit. 19 Ibid., p. 243. 20 BRUNKHORST, op. Cit, p. 51-56. 21 “A solidariedade foi também emprestada ao Iluminismo, e tornou-se um valor moral, que Voltaire ilustra na sua frase: ‘c’est n’être bon à rien de n’être bon qu’à soi’.” BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 18. Apud VOLTAIRE. DISCOURS EN VERS SUR L'HOMME , 1734.; Voltaire também escreveu, em 1763, um “Tratado sobre a tolerância” que em seu capítulo XXII discorre sobre a tolerância universal e apela de forma eloquente pela convivência tolerante entre todos os homens da terra. Nesta linda passagem da literatura universal, Voltaire afirma que independente de nacionalidade ou credos temos o dever tolerar uns aos outros. VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância: por ocasião da morte de Jean Calas (1763). Tradução de William Lagos. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 109.
24
Sob tal perspectiva histórico-evolutiva, o conceito de solidariedade como
valor moral de coexistência pacífica em sociedade pode ser, similarmente, associado
à teoria do contrato social de Jean-Jacques Rousseau22, que em o “Contrato Social”,
publicado em 1762, fundiu a idéia republicana da solidariedade auto organizada de
cidadãos livres com a fraternidade cristã na formação de um princípio de convivência
basilar para um entendimento mais universal do conceito de solidariedade23,
discorrido da seguinte maneira: "Enfim, cada qual, dando-se a todos, não se dá a
ninguém, e, como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo
direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e maior força
para conservar o que se tem".24
Vale dizer que, Rousseau já incluía em sua teoria social indícios da
solidariedade conectada com o respeito tácito aos direitos humanos (representado no
respeito à liberdade de cada indivíduo) como valor a ser defendido pela coletividade.
Ora, a solução do contrato social estabelece entre os cidadãos uma igualdade em que
todos se comprometem sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos
direitos.25 Assim, a proposta de Rousseau já apresenta a solidariedade como um
direito, e não um sentimento. É um direito à solidariedade que se encontra enraizado
na filosofia política do filósofo, no reconhecimento mútuo e recíproco de um direito
semelhante compartilhado por todos os outros26: a solidariedade cívica abstrata global
com cada um sob a proteção de todos.27
Já a idéia moderna de solidariedade só teria se originado nas revoluções
constitucionais do século XVIII, quando se adicionou um ideal de cidadania
22 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 247 Apud ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006. 23 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. p. 2. Apud ROUSSEAU, Jean-Jacques. “On the Social Contract”, Bk. 3, Ch. 14, 197. 24 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 50. 25 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 51. Apud Rousseau, Social Contract and Other Political Writings, ed. By Victor Gourevitch. 1997, p. 64. 26 Ibid., p. 62. Ninguém iria desistir de seus direitos a todos os outros, sem a expectativa de que a estrutura social seria organizada de tal forma que ele ou ela não seria indevidamente sujeitos a vulnerabilidades criadas por essa estrutura. Ibid., p. 58. 27 BRUNKHORST, op. Cit., p.3 e 21.
25
democrática ao conceito de solidariedade, durante a Revolução Francesa de 178928,
expresso no terceiro elemento da tríade lema da revolução: “liberté, egalité,
fraternité”.29
Observe-se ainda que, malgrado o slogan da Revolução Francesa
mencionar “fraternité”, foi o termo solidariedade que despontou no cenário político e
social no decorrer do século XIX, a ponto de substitui aquele completamente; embora
ambos os conceitos coexistiam30 até hoje, a despeito de terem passado por vários
redimensionamentos31 conceituais.
Entretanto, apesar do impacto histórico do lema da Revolução Francesa,
propositor de que tudo o que é verdadeiro e válido sobre a liberdade e a igualdade,
deveria sê-lo para a fraternidade (ou, melhor para a solidariedade), apenas aqueles
dois primeiros elementos se desenvolveram plenamente no centro do discurso sobre
direitos humanos. Muito disso se deve ao fato da solidariedade ainda não desfrutar de
uma terminologia legal consistente no que tange a tais direitos32, desafiando a
linguagem do direito e da justiça, diferentemente dos outros dois componentes párias
da tríade revolucionária que, por isso, se agigantaram dentro do pensamento jurídico-
político moderno e contemporâneo.33
28 Para Häberle, o conceito de solidariedade, sem dúvida remonta ao lema programático da Revolução Francesa "Liberté, Égalité, Fraternité".; KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 68. Apud P. Häberle, 1789 als Teil Geschichte, Gegenwart und Zukunft des Verfassungsstaates, JöR 37 (1990), pp. 35 and subsequente. 29 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction vii. 30 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 193. Segundo José Luiz Borges Horta, “os autores utilizam os dois termos em sentido equivalente; no entanto fraternidade tem direta conexão com o brado Liberté, Egalité, Fraternité, ou la Mort, forjado no alvorecer do Estado de Direito, enquanto a noção de solidariedade já terá gerado o solidarismo”. Ibid., p. 193 apud ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 918. 31 Após a Revolução Europeia de 1848, e em razão da influência dos primeiros socialistas franceses e do movimento dos trabalhadores. MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 256 apud DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. 32 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 03. 33 BRUNKHORST, op. Cit., Translator´s Introduction vii.
26
Jonh Rawls discorre sobre isso quando se refere ao eclipse sofrido pela
fraternidade, fazendo notar a relativa negligência dada ao conceito34, preterido na
teoria democrática, se comparada à liberdade e à igualdade.35 Lawrence Wilde e Kurt
Bayertz, filiam-se a essa ideia, igualmente argumentando que o conceito de
solidariedade foi subteorizado.36 Alejandro Rosillo Martínez37, é outro que observa que
na modernidade, a solidariedade encontra-se muitas vezes reduzida a um sentimento
moral, ao contrário dos conceitos de liberdade e igualdade que foram aplicados em
maior medida para estabelecer requisitos legais.38 José Fernando de Castro Farias,
também fala do esquecimento em relação a um ‘discurso solidarista’ que seria uma
espécie de recalque em larga escala da sociedade contemporânea, que ignora a
pulsante discussão dos atuais pontos essenciais da sociedade, do direito e do Estado,
conectados à lei social da solidariedade.39
Mesmo assim, desde 1789, o horizonte normativo da solidariedade tem
resistido bravamente, lentamente transformando antigas ideias de solidariedade em
um projeto de respeito à dignidade humana, promovendo a não diferenciação jurídica
dos indivíduos, inclusive estrangeiros. Com efeito, as Declarações Francesas de
1789, 1791 e 1793, já consideravam que todas as pessoas devem ser reconhecidas
como concidadãos; e todos aqueles que ainda não o fossem, deveriam se tornar. Tais
concepções republicanas e democráticas de direitos de todos os homens tiveram a
34 Talvez Jonh Rawls se preocupe com isso porque defende seu “princípio da justiça distributiva” ou “princípio da diferença igualitária” como correspondente de um sentido natural de fraternidade: ou seja, a ideia de não se esperar por maiores vantagens, a menos que isso seja para o benefício de outras pessoas que estão menos abastadas, dando a este princípio engajamento com da justiça social, que envolve tratar a capacidade de cada um como parte dos recursos mantidos em conjunto para o benefício da sociedade como um todo, o que, portanto, pressupõe um elevado grau de solidariedade entre os participantes. BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. p. 105, 106 e 303, Apud RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1971. 35 Ibid., p. 105, Apud RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1971. 36 AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! in: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p. 97. Apud L. Wilde, A “Radical Humanist” Approach to Solidarity, Political Studies, 2004, 52(1), pp. 162-178.; K. Bayertz (ed.), Solidarität: Begriff und Problem. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1988. 37 MARTÍNEZ, Alejandro Rosillo. SOLIDARIDAD Y DERECHOS HUMANOS: EL CASO DE LA PATRÍSTICA Y EL CRISTIANISMO PRIMITIVO. In: REVISTA DE INVESTIGACIONES JURÍDICAS. Escuela Libre de Derecho, Número 30: México, 2006. 38 Ibid., p. 399. 39 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 03.
27
novidade de acrescentar ao conceito de solidariedade a ideia de uma comunidade em
gradual expansão de maneira a incluir todos os indivíduos, mesmo os estrangeiros.40
Ressalte-se que, os reflexos da evolução social do conceito de
solidariedade já se confirmariam em 178941 com o advento da primeira Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão42.
Como resultante, a primeira Constituição da Francesa43, no ano de 1791,
já protegia a todos, falando em nome de “todos os homens”. Aliás, o artigo terceiro,
dessa constituição fala de solidariamente para criação e organização de “um
estabelecimento geral de socorros públicos para criar as crianças expostas, aliviar os
pobres enfermos e prover trabalho aos pobres que não o consigam”.44 A envergadura
social da solidariedade, em uma sincronia cívica com a sociedade e o direito, é
esposada ao final do mesmo artigo, onde referendou-se: “Serão estabelecidas festas
nacionais para conservar a lembrança da Revolução Francesa, manter a fraternidade
entre os cidadãos, e ligá-los à Constituição, à Pátria e à lei.”45
Segundo Brunkhorst, em 1 de Abril de 1793, Danton teria declarado à
convenção nacional: "Estamos todos em solidariedade através da identidade do nosso
comportamento".46 Assim é que a Constituição revolucionária francesa de 21 de junho
de 179347, surge com a ideia de solidariedade generalizada e maximizada pelo
princípio republicano da vida pública, no qual a queda de um cidadão representaria
um prejuízo a todos os demais. Vaticinando o Artigo 34º: "Há opressão contra o corpo
social quando um único dos seus membros é oprimido", e "Há opressão contra cada
membro quando o corpo social é oprimido", unindo à solidariedade republicana
40 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 76. 41 Foi neste contexto que, segundo Brunkhorst, em 28 de Outubro de 1789, Mirabeau falou para a Assembleia Nacional francesa da importância de uma moral de solidariedade - solidarité - ser formada entre a fé pública e privada. Ibid., p. 01 42 Ibid., p. 55-60. 43 ARNAUT, Luiz. Constituição Francesa de 1791. UFMG. Disponível em português em: <http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/const91.pdf>. Acesso em 20 de dezembro de 2016. 44 Ibid., 45 Ibid., 46 BRUNKHORST, op. Cit., p. 01. 47 Constitución francesa de 21 de Junio de 1793. Disponível e: <http://www.diputados.gob.mx/biblioteca/bibdig/const_mex/const_fra.pdf>. Acesso em 01 de novembro de 2016.; BRUNKHORST, op. Cit., p. 1-2.
28
clássica a luta pelos direitos humanos (contra qualquer autoridade heterônoma ou
opressão).48
Menção à solidariedade também está presente no famoso Código de
Napoleão, o Código Civil Francês de 1804, relativa à responsabilidade comum de um
grupo de pessoas para com uma obrigação solidária, como seguridade ao pagamento
uma dívida, bem ao estilo de seu remoto significado no direito romano.49
Essas primeiras elaborações institucionalizadas da solidariedade no
conceito republicano de Estado-nação na forma de solidariedade igualitária e
democrática entre cidadãos, viria mais tarde a ser absorvida e posta de forma mais
ampla e concreta no Estado de bem-estar social.50
Assim é que, a partir do século XIX, a solidariedade será gradualmente
elevada ao posto de princípio através das ciências humanas e sociais51, por meio dos
filósofos e sociólogos franceses da teoria social, econômica e política daquele
período, que a transformaram em “termo chave, palavra/força52”, ou seja, conceito
científico sociológico, lançando as primeiras sementes da redescoberta dos aspectos
normativos e legais da solidariedade53, a representar, dentro de uma sociedade
igualitária e democrática, um novo imaginário jurídico-político, operador de uma
reformulação do fundamento e do conteúdo da teoria do Estado e do Direito.54
48Constitución francesa de 21 de Junio de 1793. Disponível e: <http://www.diputados.gob.mx/biblioteca/bibdig/const_mex/const_fra.pdf>. Acesso em 01 de novembro de 2016.; BRUNKHORST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 2. 49 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 26. Neste sentido, também: PETERS, Rebecca Todd. SOLIDARITY ETHICS: Transformation in a globalized world. Minneapolis: Fortress Press, 2014. p. 19. 50 Ibid., 51 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. 52 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 14. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. Cf. Léon Bourgeois, Solidarité, 3 ième ed. (first ed.: 1897), 1902, pp. 5 et seq.; BLAIS, Marie-Claude. LA SOLIDARITÉ: Histoire d’une idée. Paris: Éditions Gallimard, 2007. p. 10. 53 Ibid., p. 24. 54 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
29
Desta feita, esse período testemunha o renascimento da ideia jurídica de
solidariedade, quando todas as suas origens antigas se mesclam aos ideais políticos
propostos durante a revolução francesa, em uma combinação dos direitos e
liberdades individuais com os ideais de coesão social, comunidade e solidariedade55:
ou seja, a refundação da solidariedade como lei da vida em sociedade56.
Tais ideias construíram sistemas teóricos em resposta aos problemas
criados pelas mudanças sociais, provocadas pelo fim do Estado Antigo e o início da
industrialização, que obrigaram a uma reformulação do discurso jurídico, rumo ao
desenvolvimento e legitimação de um novo tipo de Estado: o Estado de solidariedade
democrática.57
Nesse contexto, é que a solidariedade foi reinterpretada inicialmente por
Claude Henri de Saint-Simon, Charles Fourier e Pierre Leroux, autores considerados
os responsáveis pelo renascimento da idéia de solidariedade em suas elaborações
teóricas modernas.58
Claude Henri de Saint-Simon, considerado o pai da doutrina da
solidariedade, estudou a solidariedade como fato social na busca de entender e criar
mecanismos para melhorar a vida da classe mais numerosa e pobre.59
O conceito político de solidariedade em Charles Fourier é encontrado em
sua obra “Théorie de l’Unité Universelle” de 1821, onde ele afirma que todos os
homens formam uma família pela lei da solidariedade. Para ilustrar sua teoria,
descreve uma utopia60 - O Phalanx – um lugar onde 1500 a 1600 pessoas vivem e
55 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 26. 56 BLAIS, Marie-Claude. LA SOLIDARITÉ: Histoire d’une idée. Paris: Éditions Gallimard, 2007. p. 65. 57 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 8. 58 BLAIS, op. Cit., p. 50. 59 Ibid., loc. Cit., 60 Segundo Stjernø, devido a tal utopia, ele é considerado por alguns estudiosos o precursor do socialismo. No entanto, Fourier ao reconhecer, na mesma obra, a tensão existente entre a organização coletiva e a liberdade individual, cria o motivo para a sua desqualificação como precursor do socialismo porque assegura que a sua harmoniosa Phalanx permitiria a liberdade individual, sendo garantido aos seus membros o direito à propriedade e ao estoque, direito que deveria ser usado como base para a liberdade de escolha, demonstrando que em sua utopia as diferenças de classe ainda persistiriam. STJERNØ, op. Cit., p. 27. Apud FOURIER, Charles. Théorie de l’Unité Universelle. Deuxième Volume. Paris. 1822.
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trabalham juntas em harmonia e compartilhando moradias61, mas onde mesmo assim
a liberdade individual, o direito à propriedade, o direito à liberdade de escolha e as
diferenças de classes existiriam. A solução dada por Fourier para o equilíbrio entre
tais diferenças sociais se encontra na solidariedade da introdução da garantia de um
rendimento mínimo público de apoio às famílias e aos trabalhadores masculinos em
necessidade, denominado: “la garantie familiale solidaire”.62
Com Pierre Leroux, a solidariedade encontra o caminho para a esfera
pública, por meio da abordagem sociológica positivista63, emergente àquele período.
Em sua obra “L’humanité”64 de 1840, ele transformou a caridade cristã na
solidariedade secular. Assim, a assistência social, a obrigação de ajuda aos
necessitados, deixa de ser um ato religioso guiado por Deus, e passa a se tornar um
ato de boa cidadania, um humanismo cívico resultado de um interesse genuíno de
vida em comunidade com os outros.65 Sua teoria abriu caminho para a transformação
da solidariedade em um conceito social. Nesse ponto é importante salientar,
entretanto, que Leroux, concebe a solidariedade primordialmente como uma relação
muito mais social do que política; e apesar de seu apelo por inclusão social, não
credita à solidariedade dever para constituir quaisquer direitos aos cidadãos, ou força
para influenciar as decisões ou atividades do Estado.66
61 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 27. Apud FOURIER, Charles. Théorie de l’Unité Universelle. Deuxième Volume. Paris. 1822. 62 Ibid., p. 28. Apud FOURIER, Charles. Théorie de l’Unité Universelle. Troisième Volume. Paris. 1822. Pierre Leroux foi o primeiro a elabore-te no conceito de solidariedade de uma forma sistemática, quando ele publicou “De l’Humanité”, 1840. 63 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 11. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 64 STJERNØ, op. Cit., p. 28. Apud LEROUX, P. De l’humanité. Paris: Fayard. 1840 (1985). 65 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 11. Apud P. LEROUX citado por C. GIDE, La solidarité, Cours au Collège de France 1927-1928, PUF, Paris, 1932, p. 32.; No mesmo sentido: SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 49. (nota n. 4). 66 STJERNØ, op. Cit., p. 28-29. Steinar observa, no entanto, que Leroux critica a caridade cristã por considerar o amor ao próximo uma obrigação, e não o resultado de um interesse genuíno em comunidade com os outros. denunciando a concepção orgânica da cristã de caridade social porque temia que tal imposição tornaria a vida social em um autoritarismo. Ibid.; De acordo com Steinar Stjernø, Leroux, reivindica em seu texto “La Grève de Samarez (1859)” o mérido de ter sido quem introduziu o conceito de solidariedade na filosofia. Ibid., p. 28. Apud LEROUX, P. La Grève de Samarez. Tome I. Paris: Editions Klincksieck. 1859 (1979).
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Por seu turno, é com Auguste Comte, Emile Durkheim e Charles Renouvier
que definitivamente o conceito de solidariedade se consolidou na sociologia, na busca
pela restauração da harmonia e da integração em social.67
Auguste Comte em o seu “Discour sur l’esprit positif” menciona um
“sentimento íntimo de solidariedade social”, estendido a todos os momentos e em
todos os lugares.68 A apologia à solidariedade de Comte faz oposição à crescente
influência das concepções individualista no contexto social, contida na ideologia
economica do laissez-faire. Assim, Comte formularia uma "religião da humanidade"
com um sistema altruísta de disciplina capaz de domar os instintos egoístas, por meio
de três diferentes modos de solidariedade: obediência, união e proteção. Cada um
destes correspondentes às três características do instinto altruísta: veneração, apego
e benevolência. A teoria solidária de Comte tinha seu valor ligado aos conceitos de
continuidade e complexa interdependência69, mas sem pretender sacrificar a
individualidade, embora proponha que esta deveria se subordinar às preocupações
sociais promoventes do desenvolvimento social, através de mecanismos de
integração e coesão da sociedade, como o senso de continuidade que seria a
característica especial da sociedade humana, fundada na razão da solidariedade
intergeracional.70
Para Emile Durkheim, autor da mais famosa e provavelmente mais
referenciada obra da sociologia clássica sobre solidariedade “De la division du travail
social” publicado em 1893, solidariedade diz respeito a normas sociais e valores
67 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. 68 BLAIS, Marie-Claude. LA SOLIDARITÉ: Histoire d’une idée. Paris: Éditions Gallimard, 2007. p. 70. Apud COMTE, Auguste. Discours sur l’esprit positif (1844), Paris: Vrin, 1995. p. 184. 69 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 30-33; AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! in: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p. 98 apud (B. Prainsack, A. Buyx. Solidarity, Reflections on na emerging concept in bioethics, 2011, p. 7. 70 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 508 Apud Karl Metz, “Solidarity and History: Institutions and Social Concepts in 19th Century Western Europe”, in Bayertz, Solidarity (Philosophical Studies in Contemporary Cultyre, Vl. V, 1999, p. 194; STJERNØ, op. Cit., loc. Cit.;
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compartilhados, sendo um dos mecanismos normativos de integração social.71
Durkheim diferencia duas formas de solidariedade: a solidariedade mecânica ou por
similitudes72 e a solidariedade orgânica ou devida à divisão do trabalho73. Enquanto
a solidariedade mecânica implica indivíduos semelhantes; a solidariedade orgânica,
em oposição, pressupõe a diferenciação dos mesmos.74
Tal diferença entre os dois tipos de solidariedade, fizeram Durkheim se
preocupar com a variante de que o processo de enfraquecimento da solidariedade
mecânica viesse a deixar um vácuo moral que não seria automaticamente preenchido
pela solidariedade orgânica, criando um problema, já que para ele a moral é a fonte
da solidariedade. Em virtude disso, propõe que a solidariedade orgânica para se
desenvolver de forma condizente aos anseios sociais deveria garantir que a
distribuição de funções e deveres sociais respeitasse às capacidades naturais dos
indivíduos, não criando nenhum obstáculo que viesse a impedi-los de obter uma
posição compatível com seu talento.
71 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 33-35. Apud DURKHEIM, Emile. The Division of Labour in Society. London: Macmillan. 1893 (1984). 72 A solidariedade mecânica seria característica da sociedade tradicional, onde as pessoas são e pensam mais ou menos da mesma forma, em um conjunto organizado de crenças e de sentimentos comuns a todos os membros do grupo, que se fortalece na medida em que as idéias e as tendências comuns a todos os membros da sociedade ultrapassem em número e em intensidade as que pertencem a cada indivíduo em sua unidade. Em outras palavras, a solidariedade mecãnica não pode, portanto, aumentar senão na razão inversa da personalidade e vice-versa, ou seja, atinge seu ápice quando a consciência coletiva recobre totalmente a consciência individual, coincidindo em todos as características com ela: momento em que a individualidade é completamente anulada, porque o indivíduo já não é ele mesmo, mas o ser coletivo. Existe nesse processo, no entato, duas forças contrárias, uma centrípeta e outra centrífuga, que não se conciliam para o crescimento mútuo em virtude de os sentidos serem totalmente opostos. DURKHEIM, Emile. A DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL. Vol I. 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 1984. p. 150-153. 73 De maneira diversa, a solidariedade orgânica se refere à interdependência complexa na sociedade moderna de diferentes atividades entre os produtores, só sendo possível quando cada pessoa tem uma esfera de ação própria e diferenciada, consequentemente, uma personalidade ímpar, em um sistema de diferenciamento de funções que liga relações pré-definidas, desta forma, cada indivíduo depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais especializada for a divisão do trabalho. Desta feita, a solidariedade do grupo é diretamente proporcional à individuação dos indivíduos que o compõem. Ibid., loc. Cit., 74 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p.p. 11-12. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. Apud Émile Durkheim, De la division du travail sociel, 1893. p. 57 et seq. Ver também COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 508; DURKHEIM, loc. Cit.;
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E como para ele “o direito reproduz as principais formas de solidariedade
social”75 esta era uma questão de justiça. Pois, acreditava que "justiça é o necessário
acompanhamento a qualquer tipo de solidariedade"76, enfatizando, como outrora
havia feito Rousseau, que a codificação inadvertida ou intencional da desigualdade
social no texto da lei rompe ou destrói o valor da justiça e da solidariedade em uma
sociedade.77 Como Stjernø argumenta, as contribuições de Durkheim para o conceito
de solidariedade trouxe à baila uma série de questionamentos que até hoje continuam
a ser discutidos por vários teóricos: a solidariedade como força integrativa e sua
relação com a igualdade, a justiça e o direito.78
Para Alfred Fouillée, solidariedade é uma ideia-força, associada à justiça
reparática em função das exigências sociais de fraternidade.79
A Charles Gide se deve o mérito de introduzir a solidariedade na teoria
econômica como um fator objetivo da natureza das coisas, a servir primeiramente ao
interesse público e só em segundo plano aos interesses individuais.80
Léon Bourgeois com seu livro “Solidarité” de 1896, inaugura o conceito de
solidariedade na esfera política. Através desta obra, o conceito de solidariedade
adquire um novo viés: político, científico e legal,81 marcando a concretização da
75 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 13. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. Apud DURKHEIM, Emile. De la division du travail social, 1893. p. 71. 76 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 33-35. Apud DURKHEIM, Emile. The Division of Labour in Society. London: Macmillan. 1893 (1984). 77 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 55. 78 Temas presentes nas discussões de vários teóricos sociais como Habermas, Luhmann, Giddens e outros. Estando alguns elementos de suas teorias, perto inclusive do conceito social-democrata de solidariedade que Bernstein viria a formular apenas no século XX. STJERNØ, op. Cit., p. 35. 79 BLAIS, Marie-Claude. LA SOLIDARITÉ: Histoire d’une idée. Paris: Éditions Gallimard, 2007. p.31. Apud FOUILLÉE, Alfred. La Science sociale contemporaine, Paris, hachette, 1880, pp. 357-358. 80 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 13. Segundo Marie Bouriche, o conceito de econômico de solidariedade de Gide, é, no entanto, aparentemente contraditório; pois, usa a ideologia de livre mercado para explicar a concorrência como intrisecamente ligada com fenômenos naturais de solidariedade. 81 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. Apud Léon Bourgeois, Solidarité, Presse universitaires du septentrion: Villeneuve d’Ascq, 1998. p. 111.
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solidariedade como palavra de ordem82 e criando uma nova doutrina em torno deste
princípio, o “Solidarismo83”. Essa doutrina sugere que todos os membros da sociedade
são unidos por estreitos laços de solidariedade, e assim devem permanecer; sendo
compelido aos mais favorecidos o dever de provisionar em favor dos mais pobres,
devido inquestionável dívida de justiça social, por meio de toda uma série de
instituições e serviços públicos destinados a reverter os efeitos nocivos dos mais
danosos riscos sociais.84 Dessa maneira, os membros da sociedade, encontrar-se-
iam em uma relação de interdependência e troca de contribuições em favor da
coletividade, implicando o fortalecimento de padrões morais de desenvolvimento do
funcionamento da sociedade, por meio do sentimento de solidariedade. Ou, em suas
próprias palavras: "Então, os homens estão entre eles colocados e mantidos por
dependências recíprocas, assim como todos os seres e todos os corpos em todos os
pontos do espaço e do tempo. A solidariedade é a lei universal85”.86
Na esfera jurídica, o princípio da solidariedade foi introduzido no direito
público por Léon Duguit, para quem a lei como um todo é baseada na solidariedade e
82 BLAIS, Marie-Claude. LA SOLIDARITÉ: Histoire d’une idée. Paris: Éditions Gallimard, 2007. p. 12 83 Leon Bourgeois torna a solidariedade objeto político, já que o solidarismo coletivo deve prevalecer sobre o interesse individual. Desta deita, o solidarismo torna-se legítimo, não só porque é baseado em um fato da natureza, mas também porque é moral. Estes são os dois elementos marcantes do conceito de solidariedade de Léon Bourgeois, segundo Marie Bouriche: o fato natural do grupo social, justificador e legitimador de uma política para aumentar o vínculo social; e a moralidade, o valor secular de solidariedade, que transforma a dimensão filosófica do conceito de solidariedade. BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 17 apud L. BOURGEOIS, Solidarité, Presse universitaire du Septentrion, Arras, réédité en 1998(1912), p. 15; e também: L. BOURGEOIS, Essai d’une philosophie de la solidarité, Alcan, Paris, 1907. p. 13. 84DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. Apud Léon Bourgeois, Solidarité, Presse universitaires du septentrion: Villeneuve d’Ascq, 1998. p. 111. 85 De tal maneira que a lei solidária universal se manifesta nas ações solidárias entre os indivíduos, grupos e as sociedades humanas, com a mesma caracteristica presente em entre outros organismos vivos, ou seja, “não como causa de restrição, mas como uma condição de desenvolvimento; não como uma arbitrariedade externamente, mas como um ato de organização interna necessária à vida; não como uma escravidão, mas como um meio de libertação". BOURICHE, op. Cit., loc. Cit., apud L. BOURGEOIS, Solidarité, Presse universitaire du Septentrion, Arras, réédité en 1998(1912), p. 28. 86 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 12. (note 11) In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. Apud Léon Bourgeois, Solidarité, 3ième ed., 1902, pp. 50 et seq.
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na interdependência social87, ou seja, no “Solidarismo Jurídico”88. Assim, o chefe da
escola de Bordeaux, incorpora os pressupostos de Emile Durkheim no quadro teórico
do direito constitucional, ao defender que o “grande fato de solidariedade" ou
"interdependência social" é um primeiro passo para o reconhecimento social de uma
norma correspondente a ser cumpridas por todos os indivíduos.89 Desta feita, a
solidariedade é baseada no reconhecimento mútuo tanto da autonomia individual
como da consciência da interdependência entre os membros de uma determinada
comunidade.90
Leon Duguit, desta maneira, reconhece a obrigação de solidariedade como
baseada em um princípio que faz os indivíduos confiarem que a solidariedade, além
de ser um fato, é uma lei natural que sempre existiu, transcendendo os homens e
vinculando-os todos.91 Solidariedade mantém a integração social vital para todos,
sendo, assim, base da lei, e cumulativamente fonte do direito. Por isso, em função do
princípio da solidariedade, o Estado estaria obrigado a sancionar medidas legislativas
concretizadora deste princípio92, com ênfase na assistência mútua, ou seja, nos
direitos sociais.93 E mais ainda, para Leon Duguit, a norma jurídica, criada pela norma
social, seria baseada em dois elementos: a solidariedade (ou a sensação de
87 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. Apud Léon Duguit, Manuel de droit constitutionnel, Editions Panthéon-Assas: Paris, 2007. p. 7 e seguintes. 88 “SOLIDARISMO JURÍDICO. Filosofia do direito. Sociologismo jurídico de León Duguit, que distingue três espécies de normas sociais, decorrentes de necessidades da vida humana em sociedade: as normas econômicas, as morais e as jurídicas. A passagem das normas econômicas e morais às normas jurídicas decorre da convicção social de que o seu não-cumprimento afeta os sentimentos de solidariedade social e justiça. O conteúdo e fundamento da norma jurídica não se baseia na vontade de um indivíduo impondo-se à de outro, mas na interdependência social que caracteriza toda a sociedade e se manifesta como solidariedade social.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3ª ed. Ver., atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2008. p. 491. 89 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014., p. 13. Apud Léon Duguit, Traité de droit constitutionnel, vol. 1, 2nd ed., 1921, p. 20 et seq. 90 Ibid., p. 10. Apud Léon Duguit, Traité de droit constitutionnel, vol. 1, 2nd ed., 1921, p. 22. 91 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 35. Apud DUGUIT, Léon. Souveraineté et liberté, Leçons faites à l’Université de Columbia (New York), 1920-1921, La mémoire du droit, Paris; 2002. pp. 144-145. 92 SOMMERMANN, Op. cit., p. 14. Apud Léon Duguit, Traité de droit constitutionnel, vol. 3, 2nd ed., 1923, pp. 595 et seq.; Tal obrigação estatal, leva a associar o princípio da solidariedade ou da “interdependência social" com o conceito de serviço público, para o qual cujo Duguit contribuíu de maneira essencial. Ibid., p. 14, Cf. Léon Duguit, Les transformations du droit public, 1913, em particular pp. 33 et seq. 93 Ibid., p.16.
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sociabilidade) e a justiça (ou senso de justiça).94 E, por essa razão afirma: "Onde quer
que haja solidariedade, associação estatal, forma-se imediatamente uma lei objetiva
que fundamenta e mensura essa solidariedade."95 A consequência mais notável dessa
afirmação para este trabalho é a seguinte: se cada solidariedade corresponde a uma
lei objetiva que a deve mensurar, quando os laços de solidariedade são formados
entre os indivíduos pertencentes a grupos sociais diferentes, forma-se imediatamente
um contexto intersocial que seria o embrião de um direito internacional de
solidariedade.96
No campo do direito internacional, a ideia de solidariedade foi introduzida
por Georges Scelle, ao afirmar que o objetivo final perseguido pelo direito sendo a paz
prescinde da solidariedade.97 Para Georges Scelle, como para Léon Duguit, a
solidariedade é a base da sociedade e, portanto, a base do direito. Dessa forma,
estende a teoria solidária do direito público de Duguit para o contexto do direito
internacional e seus componentes intersociais (ou universais), teorizando sobre a
multiplicidade de grupos sociais e as diversas formas de solidariedade por eles
formadas, todas tendo em sua esfera os seus respectivos direitos.98 A teoria de
Georges Scelle junto a de Léon Duguit formariam, assim, a base necessária para o
desenvolvimento da ideia de comunidade internacional99, reforçando que a
solidariedade é o cimento inabalável da sociedade humana e a própria base para a
existência dos Estados.100
94 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 35. Apud L. DUGUIT, Traité de droit constitutionnel, t. II <<La théorie générale de l’État>>, Boccard, Paris, 1923. p.411. 95 Ibid., 96 Ibid., p. 35. Apud DUGUIT, Léon. Traité de droit constitutionnel, t. I <<La règle de droit>>, Boccard, Paris, 1923. p.101. 97 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 235 e 236. 98 BOURICHE, op. Cit., p. 36. 99 Ibid., p. 33. Léon Duguit associava solidariedade a uma sensação de sociabilidade; e Georges Scelle a uma necessidade legal do fato social. Ibid. 100 para o bem comum da humanidade com o objetivo de garantir a sobrevivência do homem por meio da integração internacional, ao modo de Georges Scelle, estabelecimento de uma forma de federalismo mundial apoiado pelo príncipio de solidariedade. DETAIS, op. Cit., p. 252 apud SCELLE, Georges, Manuel de droit international public, Montchrestien: Paris, 1948. p. 7; Importante verificar que G. Scelle é forte crítico do domínio estatal no direito internacional, pois desconhecer o Estado como entidade jurídica e defende que o Estado soberano seria uma ficção legal, sendo os indivíduos a base e a finalidade da solidariedade e da lei. BOURICHE, op. Cit., p. 36 e37.
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Pode-se inferir, no que concerne a colaboração da doutrina social francesa
para o conceito de solidariedade, que a mesma contribuiu de forma definitiva para a
(re)judicialização do princípio da solidariedade. Ou seja, o antigo princípio do direito
civil romano, foi novamente restaurado ao seu posto de conceito jurídico, agora como
princípio promotor e garantidor da integração social.101
Algumas primeiras contribuições alemãs significativas para a ideia de
solidariedade foram disseminadas pela interpretação da teoria social de Max Weber e
Karl Marx.
Max Weber coloca a base da solidariedade nos interesses, normas e
obrigações de grupos na busca de realizar interesses recíprocos, num relacionamento
social baseado na solidariedade em diferentes níveis de expectativas que misturariam
elementos instrumentais e normativos. Por isso, a ideia de solidariedade em Weber
está vinculada à sua discussão sobre a relação entre Vergesellschaftung
(Socialização) e Vergemeinschaftung (Comunitarização).102
Karl Marx103 tinha duas idéias diferentes de solidariedade. A primeira, que
veio a ser conhecida como o conceito clássico de solidariedade da classe trabalhadora
sob o capitalismo, que ele descreveria usando termos como unidade, fraternidade,
etc. E a segunda, a ideia de solidariedade na sociedade pós-capitalista (ou
comunista), a solidariedade ideal. A verdadeira importância teórica de Marx no que se
refere ao conceito de solidariedade se deve não ao que ele escreveu sobre o tema,
mas sobre as duas teorias sobre solidariedade que emergiram do estudo de sua obra.
Em uma mão, a concepção da relação entre a estrutura social e de solidariedade, ou
seja, que a solidariedade seria contingente em estruturas econômicas e sociais
101 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 13. 102 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 37 e 41. Apud OORSCHOT, W. v. and KOMTER, A. ‘What is it that ties? Theoretical perspectives on social bond’, Tÿdschrift Sociale Wetenschappen, 41 (3),1998.; BENDIX, R. Max Weber. An Intellectual Portrait. New York: Doubleday & Company, 1960. 103 Ibid., Karl Marx, não era de todo afeito ao termo solidariedade, quase não sendo tal palavra presente em seu vocabulário doutrinário, o que explica a existência de um certo dualismo no seu conceito de solidariedade. Nos escritos deste a palavra solidariedade quase não aparece, sendo geralmente representada por termos mais ou menos equivalentes, como Gemeinschaft (Comunidade), Gemeinwesen (Unidade/Associação), sentimentos fraternos e fraternidade ocorrem com mais frequentemente. STJERNØ, op. Cit., p. 43-47.
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específicas. E em outra mão, a concepção de que solidariedade seria o resultado de
formas específicas da prática política.104
Nessa dinâmica, o grande revisionista do marxismo, Eduard Bernstein105,
prestou contribuição influente para o desenvolvimento da idéia moderna de
solidariedade, especialmente na parte norte da Europa, lançando a concepção social-
democrática de solidariedade. De acordo com Bernstein, a ética socialista
democrática consistiria de três ideias fundamentais: a idéia de igualdade; a ideia
equilibrada e contrabalançada de liberdade ou autonomia106; e a ideia de comunidade
ou de solidariedade.107
A visão de Ferdinand Lassalle sobre solidariedade é concebida em duas
formas de solidariedade: solidariedade corporativista e solidariedade humana.
Corporativista seria aquela desenvolvida na esfera do trabalho, que por ser muito
restrita deveria ser universalizada em uma solidariedade humana geral.108
O conceito de solidariedade, como conhecido atualmente, também tem
origens no ativismo social e político do movimento trabalhista, segundo Kate Cook,
que faz uma diferenciação entre a forma de solidariedade estatal direcionada "de
cima", sob a forma de regulação e taxação, e da solidariedade "de baixo", que é
expressa por movimentos sociais e políticos, em particular o movimento trabalhista.109
104 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 43-47. 105 Eduard Bernstein, esteve atento à discussão sobre solidariedade de Karl Kautsky, que citando o Manifesto de Marx elaborou extensivamente sobre a ideia de solidariedade que depois dele se desenvolveria em duas distintas e divergentes direções: democracia social e leninismo. Ibid., p. 49-52. 106 Nesta aspecto o conceito de solidariedade de Bernstein estaria mais perto do Durkheim do que de Marx, ao enfatizar os valores da relação entre solidariedade e individualidade. Ibid., loc. Cit., 107 Ibid., p. 49-52. Eduard Bernstein enfatiza o aspecto ético do conceito de solidariedade, muito mais perto da teoria de Durkheim do que da teoria de Marx, ao enfatizar os valores da relação entre solidariedade e individualidade. Ibid., loc. Cit., 108 STJERNØ, op. Cit., p. 42. Apud ZOLL, R. Was ist Solidarität heute? Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 2000. 109 Kate Cook afirma, também, que ainda em 1790 o movimento trabalhista usando emprestado o princípio político da fraternidade teria implantado salários mínimos subsidiados e uma garantia de subsistência, ambos pelo Estado Francês, conquistas atribuídas ao aspecto fraterno do impulso revolucionário. Estas primeiras políticas estatais solidárias teriam imposto obrigações sobre os indivíduos e sobre o Estados no interesse de grupos vulneráveis, ou pelo menos no interesse social mais amplo. Impulso esse que teria continuando com a consolidação da ligação entre solidariedade e provisão social até os dias de hoje, a ponto de muitos sistemas jurídicos nacionais basear uma série de disposições de assistência social explicitamente com base na solidariedade.COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p.p. 504-508.
39
"A solidariedade de baixo" estaria ligada ao sentimento de solidariedade que se
instrumentaliza partindo da união de pessoas relativamente sem poder que
coletivamente lutam contra a exploração e a opressão, e que historicamente, tem
garantido muitas das liberdades sociais e políticas. Kate Cook, esclarece que a
relação entre essas duas formas de solidariedade é de suma importância, pois foi
devido às lutas da "solidariedade de baixo" que os estados modernos impuseram aos
seus cidadãos “a solidariedade de cima” representada pelo dever de pagar pelo bem-
estar social, bem como de uma miríade de outras políticas públicas.110
David Featherstone, também, associa solidariedade como as lutas sociais
engajadas, que buscam desafiar formas de opressão e qualifica a importância de se
pensar sobre a relação entre contestação social e solidariedade.111 Steinar Stjernø,
também defende que o movimento trabalhista deve ser computado nas premissas da
evolução do conceito de solidariedade.112
Desta maneira, relevante contribuição do movimento trabalhista para o
conceito moderno de solidariedade estaria no fato daquele estar, direta ou
indiretamente, atrelado ao desenvolvimento e a promoção dos valores dos direitos
humanos,113 demonstrada na ligação de ações do movimento operário com
transformações sociais, que sobre a égide da solidariedade, impulsionaram ganhos
sociais para toda a sociedade.114 Como Kate Cook observa, a solidariedade se
encontra emergindo como princípio de direito internacional, justificando a atuação do
Estado em várias dimensões, e por isso os elementos que são comuns ao princípio
da solidariedade internacional e à dita "solidariedade a partir de baixo” devem ser
investigados, para que se possa entender de forma completa o que a solidariedade
significa no contexto contemporâneo dos direitos humanos.115 Lembremos da
repercussão internacional em 1989 do movimento sindicalista polaco chamado
Solidarność (Solidariedade em polonês), luta cívica que reverberou no imaginário
110 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p.p. 504-508. 111 FEATHERSTONE, David. SOLIDARITY: Hidden Histories and Geografies of Internationalism. London/New York: Zed Books, 2012. p. 5. 112 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 308. 113 COOK, op. Cit., p. 654 – 655. 114 Ibid., p. 654 – 655. 115 Ibid., loc. Cit.,
40
global116 e reuniu aspectos de emancipação social e igualdade política, demonstrando
a força da solidariedade no movimento operário e sua estreita ligação universal com
queixas de todos os trabalhadores e indivíduos do mundo117, ao expor contradições
políticas, sociais e históricas, demonstrando que a solidariedade é fundamental para
a luta coletiva de justiça laboral; mas também, para além dela, em várias
dimensões.118
O caminho aberto pela teoria social moderna deu impulso à continuação da
discussão sobre a solidariedade na filosofia social contemporânea, que ocorre por
meio de vários autores, dentre os quais podemos citar: Jügen Habermas, Ulrich Beck,
Anthony Giddens, Hauke Brunkhorst, Richard Rorty, Hans Küng, Jürgen Moltmann,
Niklas Luhmann, Talcott Parsons, Michael Hechter, Peter Baldwin, Alastair MacIntyre,
Amitai Etzioni, Richard Bellah e David Featherstone.119
Já a problematização e a relevância da temática da solidariedade, sob a
perspectiva jurídica, é abordada por autores como Jonh Rawls, Karel Vasak, Karel
Wellens, Michel Virally, Ronald St. Jonh Macdonald, Rüdiger Wolfrum, Steinar Stjernø,
Anne-Marie Slaughter, Anja Seibert-Fohr, Kurt Bayertz, Steven Lukes, Kate Cook,
Kalypso Nicolaïdis, Juri Viehoff, Julien Detais, Philipp Dann, Richard Rorty, Ulrich K.
Preuß, Barbara Prainsack, Alena Buyx, Rebecca Peters, Karl-Peter Sommermann,
Laurence Boisson de Chazournes, Holger P. Hestermeyer, Markus Tobias Kotzur,
Kirsten Schmalenbach, Abdul G. Koroma, Marie Bouriche, Iris Marion Young, Rudi
Muhammad Rizki, Virgínia Dandan, Jean Salmon, Manuel Alejandro Jofré, Javier de
116 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 3. 117 Em 2006, A Constituição da Confederação Sindical Internacional, aprovada em Congresso em Viena, têm uma declaração de princípios que afirma: "A Confederação existe para unir e mobilizar as forças democráticas e independentes do sindicalismo mundial em dar representação eficaz para as pessoas que trabalham, onde quer que eles trabalham e em quaisquer condições. cometeu-se para prestar solidariedade concreta a todos os que dela necessitam, e para confrontar as estratégias globais de capital, com estratégias globais do trabalho.” Para Kate Cook, esta Declaração da Confederação Sindical Internacional não só reafirma a importância da solidariedade como princípio operacional do movimento operário internacional, mas também confirma a importância dos direitos humanos para a proteção das pessoas que trabalham. COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 656.; Constitution of the International Trade Union Confederation, Adopted at the Founding Congress (Vienna, November 2006) http://www.ituc-csi.org/IMG/pdf/Const-ENG-W.pdf 118 COOK, op. Cit., p. 505. 119 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 287-288.
41
Lucas, José Manuel Pureza, José Fernando de Castro Farias, Wagner Menezes,
Eurico Bitencourt Neto, Leandro Sequeiros, José Luiz Borges Horta, Arthur Diniz,
Pedro Paulo Christovam dos Santos, Alysson Leandro Mascaro, Valdir Ferreira de
Oliveira Junior, Alenilton da Silva Cardoso, Fernanda Cristina Oliveira Franco, Márcio
Pereira Pinto Garcia, Grazieli Schuch Mayer, Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa e
Sven Peterke, dentre outros, além do já citado Hauke Brunkhorst.
Essa crescente atenção dada à solidariedade na atualidade tem, no
entanto, alguns desafios. Primeiramente, o termo que sempre foi bastante abstrato,
pode ter perdido um significado concreto no caldeirão das teorias que influenciaram a
sua evolução, criando uma intricada problemática para a sua definição
contemporânea em dois pontos principais: o primeiro diz respeito a identificar o seu
núcleo ‘ineliminável’, que ajudaria a clarificar o conceito; e o segundo refere-se ao fato
do significado de solidariedade apresentar variantes dependendo de que outros
“valores-chave” sociais ela se relaciona.120 De qualquer forma, as teorias sobre
solidariedade na filosofia política, social e jurídica contemporânea, se mostram
bastante frutíferas. Assim é que em uma tentativa de identificar os elementos
essenciais ou irredutíveis do conceito de solidariedade contemporâneo, e seus
reflexos no mundo jurídico e nas teorias normativas121, buscamos um maior
conhecimento possível da visão dos mais destacados autores sobre o tema.
Para Talcott Parsons122 solidariedade desenvolve o papel de expectativa e
meios de orientação institucionalizada coletiva, a dizer, a solidariedade representaria
a internalização de valores e de normas comuns que constituem a base para a ordem
social, orientando o indivíduo a agir variavelmente123 de acordo com as expectativas
120 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 287. 121 Teorias normativas de solidariedade estão preocupados com a integração social das sociedades modernas e como a solidariedade pode conseguir essa integração que encontram na solidariedade o caminho para a obrigação de cumprir as normas do grupo. Tais teorias podem ser encontradas na tradição da sociologia clássica do sistema social de Talcott Parsons e Niklas Luhmann, por exemplo. E seguem a trilha das teorias já conhecidas sobre a interação, socialização e integração social. Ibid., p. 288. 122 Ibid., p. 288-289, 291. Com referências as seguintes obras: PARSONS, T. The Social System. Glencoe: The FreebPress of Glencoe. 1951; PARSONS, T. Politics and the Social Structure. New York/London: The Free Press/Collier-Macmillan, 1969; PARSONS, T. The System of Modern Societies. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall., 1971. 123 Tal orientação é variável de obrigação, já que grande parte dos indivíduos são membros de muitos e diferentes sistemas de interação e desempenhando vários papéis em cada um deles de acordo com
42
dos demais. Assim, para Parsons, solidariedade está ligada ao sistema de interação
e à idéia da função integrativa do direito124.
Já para Niklas Luhmann, solidariedade dialeticamente combina opostos,
contradições e diferenças. A diferença, a heterogeneidade e a fragmentação são
critérios de solidariedade, que silenciosamente agem em conjunto, satisfazendo a
necessidade social por crescentes interconexões [Verknüpfungsbedarf]125, gerando
diferenciação e diversos subsistemas autônomos que se socorrem do sistema legal
[das Recht] para uma unificação da estrutura dos valores. O sistema legal seria, então,
base da integração social e vetor para a criação de expectativas recíprocas estáveis,
e a solidariedade pertenceria a uma presença dentro de tal sistema de interação.126
De acordo com Steven Lukes, solidariedade significa aceitar conviver com
a diversidade e as diferenças.127
Conforme assinala Kate Cook, a solidariedade é refletida no
reconhecimento da responsabilidade social compartilhada e na ação coletiva, visando
garantir objetivos sociais e políticos.128
Michael Hechter propõe ser a solidariedade o resultado de uma busca
racional e individual por autonomia. Em " Principles of Group Solidarity”, Hechter se
propõe a desenvolver uma teoria de solidariedade com base no fundamento da
escolha individual racional129 que representaria o grau de preparação e de ação dos
as expectativas e normas da coletividade. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 288-289, 291. 124 Ibid., p. 288-289, 291.; Parsons, segundo Stjernø pegou essa idéia de Durkheim. A função integrativa do direito também é discutida nas teorias de Luhmann e Habermas. Ibid., p. 288-289, 291. 125 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 5. Apud LUHMANN, Niklas. “Durkheim on Morality and the Division of Labor”, in The Differentiation of Society (New York: Columbia University Press, 1982), p. 8. 126 STJERNØ, op. Cit., p. 290-292. Apud LUHMANN, N. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1993. Para Luhmann sem presença não existe solidariedade, chegando mesmo a fazer um comentario irônico de que o conceito de solidariedade tem sido elevado a um tal valor norma geral, porque pode se ouvir falar dele constantemente na televisão, caso contrário não teríamos conhecimento do mesmo. Ibid., loc. Cit.,. Apud LUHMANN, N. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1993 127 Ibid., p. 307. Apud LUKES, Steven. ‘Solidarität und Bürgerrecht’, in: Solidarität: Begriff und Problem / Kurt Bayertz (ed.) Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998. 128 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 505. 129 A teoria da escolha racional, segundo Stjernø , está contida na tradição de Mancur Olson e James Coleman. Tais autores seriam, então, referência para o desenvolvimento do conceito de solidariedade
43
indivíduos para utilização de recursos privados para fins coletivos, em outras palavras,
solidariedade por meio de atitudes individuais conscientes direcionadas à
coletividade.130
Peter Baldwin, igualmente, associando elementos da teoria da escolha
racional em seu estudo comparativo131 sobre a solidariedade: “The Politics of Social
Solidarity”, fornece significativa contribuição para a teoria social, sobre os mecanismos
de interdependência que levam à solidariedade. Baldwin aplica na sua teoria da
solidariedade a doutrina da escolha individual racional, mas o faz transcendendo-a,
ao vinculá-la a uma identidade coletiva onde elementos normativos são incluídos,
demonstrando que a busca racional individual é intrinsecamente parte de um quadro
mais amplo e exterior que a condiciona: a interdependência.132
Anthony Giddens sugere uma “terceira via” para a solidariedade. Em tal
caminho, a coesão social danificada deveria ser reparada e conciliada à autonomia
individual em função da interdependência coletiva frente os desafios atuais da
sociedade. Solidariedade, neste contexto, dependeria da confiança ativa de todos em
um compromisso recíproco e de uma renovação da responsabilidade pessoal com a
solidariedade social que equilibre os direitos e as obrigações individuais em um
Estado de bem-estar social não paternalista133 e sim capacitador de uma cultura cívica
solidária.134
Samuel A. Butler propõe que parcialidade, igualdade e reciprocidade são
fundamentais para o conceito de solidariedade, argumentando que o sentido de
de Hechter. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 288, 291, 292. 130 Ibid., p. 288, 291, 292. Apud HECHTER, Michael. Principles of Group Solidarity. Berkeley: Californis University Press, 1987. 131 Entre Escandinavia, França, Reino Unido e Alemanha. 132 STJERNØ, op. Cit., p. 294-295. Apud BALDWIN, Peter. The Politics of Social Solidarity. New York: Cambridge University Press, 1990. 133 Segundo Kurt Bayertz solidariedade social ligada à dialética da Verstaatlichung (ato de transformar algo numa responsabilidade pública) transforma o comportamento com base na participação moral e de solidariedade no ato burocrático de pagamento de impostos em benefício do estado de bem-estar social. Ibid., p. 339. Apud BAYERTZ, K. (ed.) Politik und Ethik. Stuttgart: Philipp Reclam jun, 1996. 134 Ibid., p. 301-302. Apud GIDDENS, A. Beyond Left and Right. The Future of Radical Politics. Cambridge: Polity Press, 1994.
44
solidariedade mudou ao longo do tempo a partir de uma espécie de “obrigação interna”
para uma ferramenta do funcionamento social.135
Kalypso Nicolaïdis e Juri Viehoff136, também veem ligação entre
solidariedade e reciprocidade. E confrontando solidariedade com obrigações políticas
exequíveis e altruísmo, concluem que o conceito de solidariedade abrangeria
obrigações legais e políticas, apesar de incluir elementos de escolha.137
Para Julien Detais, solidariedade define-se pelos vínculos entre membros
de um grupo, conscientes dos seus interesses comuns, por meio do reconhecimento
de obrigações recíprocas.138
Na opinião de Alastair MacIntyre, o fundador do comunitarismo moderno, o
significado de princípios como igualdade, justiça e solidariedade são estritamente
ligados a um contexto específico, não apresentando, portanto, validade universal.139
Ou seja, o conceito de solidariedade de MacIntyre é desenvolvido dentro de uma teoria
social relativista, que é ponto de apoio, também, da teoria sobre solidariedade de
Richard Rorty.
Richard Rorty, desenvolve seu pensamento sobre solidariedade baseando-
se em sentimentos de compaixão com as pessoas que são 'como nós' e não em uma
razão universal ou uma teoria sobre o que é comum a todos os seres humanos, a
dizer, de uma concepção geral do valor supremo da dignidade humana. Este "nós" é
135 AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! in: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p. 97. Apud BUTLER, S. A dialectic of cooperation and competition: solidarity and universal helth care provision. Bioethics, 2012, 26(7), p. 252. 136 NICOLAÏDIS; Kalypso; VIEHOFF, Juri. The Choice for Sustainable Solidarity in Post-Crisis Europe, Europe in Dialogue, 2012/01, pp. 23-43. Disponível online em: <https://www.ucl.ac.uk/european-institute/docs/Solidarity_Nicolaidis_Viehoff.pdf>. Acesso em 17 de outubro de 2016. 137 Observam que a caridade pura decorrente de um sentimento de bom samaritano não se qualificaria como solidariedade. Afirmam, também, que da justaposição recíproca entre interesse próprio e os interesses da comunidade, surgiria a ideia da perfeita união solidária: onde todo mundo está para os interesses de todos os outros todos, e, assim, o interesse individual se torna indistinguível do interesse coletivo. AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Op. Cit., p. 100 apud NICOLAÏDIS; Kalypso; VIEHOFF, Juri. Op. Cit., pp. 23-43. Cf. nota 141. 138 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 234 e 235. 139 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 295. Apud MACINTYRE, Alastair. After Virtue. A study in moral theory. London: Duckworth, 2000 (1982).
45
algo menor e mais local do que a humanidade, sendo o sentimento de solidariedade
nutrido das semelhanças e diferenças que determinam quem somos "nós" e quem são
"eles"140. A solidariedade é, portanto, algo que experimentamos apenas porque somos
sensíveis à dor em concreto da humilhação que os nossos semelhantes estão
experimentando141 e não baseada no reconhecimento de um núcleo essencial de
valores comuns à toda humanidade.142 Para Richard Rorty, solidariedade é, na
realidade, uma questão de quais semelhanças e diferenças são determinantes da
contingência que articula a solidariedade, sempre parcial, limitada e situada em um
dado contexto comunitário143. Entretanto, felizmente salienta que um ideal político
fundamental deveria ser o de criação de um sentido mais amplo de solidariedade do
que o realmente existente, tendo em perspectiva abarcar os indivíduos
marginalizados, aquelas pessoas que instintivamente são pensadas como "eles".144
Segundo, David Featherstone, esta conclusão ideal de Rorty é importante por sugerir
que apesar da realidade relativista da solidariedade, devemos desenvolver formas
mais expansivas daquela.145
Em caminho diverso do relativista, Ulrich K. Preuß, conceitua solidariedade
como representado não apenas de um senso de comunidade, mas um elemento
imanente da sociedade como um todo, sendo alimentada pelas fontes da vida no
140 Steinar Stjernø, também verifica que a solidariedade implica relações entre o ‘eu’ e suas identificações com 'nós', e entre 'nós' e 'eles'. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 1, 2,16 e 17. 141 Ibid., p. 309-311. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. 142 FEATHERSTONE, David. SOLIDARITY: Hidden Histories and Geografies of Internationalism. London/New York: Zed Books, 2012. p. 19. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press. p. 192.; Assim, Rorty contesta o entendimento de Kant de solidariedade como uma expressão racional de um "núcleo comum da humanidade". Ibid., p. 19. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press. p. 192.; E, também, por extensão, contesta Habermas em seu objetivo de estabelecer uma validade universal da solidariedade. STJERNØ, op. Cit., p. 309-311. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. 143 Marie Bouriche, também identifica no conceito de solidariedade, especialmente em direito público, uma dimensão comunitária por meio das relações com o interesse geral e o bem comum, bem como a interdependência dos cidadãos justificadas por causa de pertencerem à organização de um Estado. BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 24 e 25. 144 No entanto, Rorty cria uma nova tensão ao sugerir que precisamos para expandir uma concepção de solidariedade abarcar aqueles que vemos como diferentes, baseados no reconhecimento de semelhanças entre “nós” e “eles”, ou seja, ainda dentro do binário redutor de similaridade e de dissimilaridade. FEATHERSTONE, op. Cit., p. 22-23. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press. p. 192-196. 145 Ibid., p. 22-23. Apud RORTY, Richard. Contingency, Irony and Solidarity. Cambridge: Cambridge University Press. p. 192-196.
46
mundo e realizada através dos principais meios de integração do sistema social, ou
seja, a burocracia e o direito, o que a qualificaria como conceito compatível com o
modelo estatista da comunidade política internacional.146
Nesta mesma trilha, para Barbara Prainsack e Alena Buyx, a solidariedade
significa práticas compartilhadas que refletem um compromisso coletivo para
sustentar custos dos outros, sejam eles financeiros, sociais ou de outras formas,
compreendendo vários três níveis: um primeiro nível seria interpessoal (quando os
indivíduos desenvolvem disposições práticas para manter os custos de manutenção
para ajudar outras pessoas); um segundo nível seria representado pelas práticas de
grupo (desenvolvidas quando as práticas individuais se tornam parte de uma esperada
boa conduta social) que transformam a solidariedade em um compromisso coletivo
não contestado; e um terceiro nível representado por manifestações contratuais e
legais de solidariedade (alcançada com práticas solidificadas em normas que guiam
o comportamento para patamares mais elevados de solidariedade). Este último nível
de solidariedade estaria relacionado a responsabilidade, altruísmo e reciprocidade: a
responsabilidade estaria interligada às consequências de prestação de contas ou
reparação que possam surgir da inação; o altruísmo em não pedir nada em troca; e a
reciprocidade está ligado a uma atividade simétrica, já que a solidariedade se
endereça quase sempre ao coletivo.147
Richard Bellah ao combater o individualismo exacerbado, destruidor dos
valores e das instituições sociais, apresenta um conceito de solidariedade
universalista regido por um senso de interconexão, destino compartilhado e
responsabilidade mútua que deve abraçar todos os seres humanos, inclusive aqueles
de outras nações; remetendo a um compromisso com a comunidade global onde os
privilegiados deveriam se conscientizar de que os seres humanos são
interdependentes, rejeitando o individualismo e aceitando que enormes recursos
146 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. Páginas 4 e 5. Apud PREUß, Ulrich K. “Solidarität unter Bedingungen von Vielfalt”. p. 130. 147 AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! in: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p. 99 apud PRAINSACK, Barbara; BUYX, Alena. Solidarity in contemporary bioethics – towards a new approach. Bioethics, 2012, 26 (7), p. 343-350.
47
devem ser utilizados para reduzir a desigualdade, melhorando as condições das
classes e países menos favorecidos148.
Para Rebecca Peters, solidariedade está relacionada à capacidade de
desenvolver uma transformação radical da mente, do coração e da alma na busca de
criar literalmente uma novo indivíduo capaz de refletir e incorporar verdadeiramente
os conceitos de solidariedade, justiça, diversidade e interdependência, criando
relações que realmente demonstrem o respeito pela dignidade humana, cuidado pelo
planeta e meios de uma participação democrática de ampla base e representação de
todos os indivíduos no sistema político e econômico global149. Solidariedade seria,
portanto, a ideia de união em uma causa comum, apesar do reconhecimento das
grandes diferenças que marcam as nossas identidades.150
Por seu turno, Steinar Stjernø defende que a solidariedade significa a
prontidão para a ação coletiva e uma vontade de institucionalizá-la através de direitos
e cidadania, pois não existia verdadeira solidariedade que não seja a institucionalizada
como um meio para a coesão social, integração e interdependência. Nesse propósito,
a solidariedade, em um mundo complexo como o atual, deve ser institucionalizada por
direitos e obrigações compartilhadas por todos para que seja eficaz, implicando que
deve ser incorporada em todas as atividades sociais, sejam privadas ou públicas,
nacionais ou internacionais, para melhorar a situação de todos os indivíduos em todos
os rincões do mundo. Tal ideal deve ser buscado por meio da globalização, do direito
à justiça social, dos valores globais democráticos, de uma ética global, dos direitos
humanos universais, em suma, através da globalização da solidariedade
transnacional.151
De acordo com Laurence Boisson de Chazournes, os elementos essenciais
da definição de solidariedade pode ser resumido da seguinte forma: solidariedade diz
148 Para tanto seria necessário o que ele chama de uma atitude de “conversão do pensamento”. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 297 Apud BELLAH, Richard. Et al. (eds.) ‘Introduction’, in Habits of the Heart. Individualism and Commitment in American Life. Berkeley: University of California Press, 1996. 149 Dessa forma solidariedade estaria ligada à experiência da "Metanoia": capacidade de desenvolver uma transformação radical da mente, do coração e da alma na busca de criar literalmente um novo indivíduo capaz de refletir e incorporar verdadeiramente o conceito de solidariedade. PETERS, Rebecca Todd. SOLIDARITY ETHICS: Transformation in a globalized world. Minneapolis: Fortress Press, 2014. p. 13, 61-63. 150 Ibid., loc. Cit., 151 STJERNØ, op. Cit., p. 1, 2,16,17, 308, 326, 349.
48
respeito à ajuda dada a fim de prestar assistência para que o beneficiado alcance um
objetivo ou para se recuperar de uma situação crítica152; solidariedade só seria
possível dentro de um sistema de valores compartilhados a nível de uma determinada
comunidade, seja ela nacional ou internacional; solidariedade implica um valor, ou
seja, a obrigação moral de ter em conta os interesses dos outros e o dever de prestar-
lhes assistência quando necessário, podendo tal obrigação ser acompanhada de uma
obrigação juridicamente vinculativa em função de expressão de uma obrigação legal
específica, que no plano internacional pode ser oriunda do direito internacional
consuetudinário ou estabelecida pela vontade dos Estados através de um tratado; e
por fim, esta obrigação moral de solidariedade seria devida por alguns membros da
comunidade internacional em benefício a outros membros desta comunidade de forma
variável em cada caso específico,153 não podendo pretender em nenhum destes casos
qualquer benefício direto e concreto ao provedor da solidariedade.154
Wagner Menezes, reconhece a solidariedade como um vínculo recíproco
de responsabilidade, consciente e profundo entre sujeitos ou grupos, ou seja, uma
corresponsabilidade155, no sentido de cumprir uma obrigação oriunda de dever
assumido por ocasião de um pacto, sobre determinada questão e no intuito de ajudar
o outro, mediante a concordância de todos os sujeitos partes na ação solidária, por
uma força natural ou em função de valores compartilhados, sem exigir nada em troca,
mesmo que a ação encerre custos ou benefícios.156
Segundo Felipe de Melo Fonte, o princípio da solidariedade “demanda o
reconhecimento da responsabilidade mútua entre as pessoas, i.e., umas pelas outras
e de cada uma delas por todas as demais, inclusive pelas gerações futuras”.157
152 Auxílio que no plano internacional pode ocorrer de várias formas: dentro do contexto binomial da relação Estado-Estado ou fornecida por um Estado, ou um grupo de Estados, para a população de outro Estado, por exemplo. BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 95, 102-103. 153 Ibid., loc. Cit., 154 Ibid., p. 102-104. 155 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 244. 156 Ibid., p. 244 Apud KRAUS, Herbert. La Morale Internacionale. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 18, 1927. p. 338-339. 157 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do
controle jurisdicional de políticas públicas no estado democrático de direito. – São Paulo: Saraiva, 2013. p. 275. Observa o autor, na mesma página citada: “Vale mencionar também que a ideia de
49
Para Eurico Bitencourt Neto, a solidariedade supõe, não a responsabilidade
de alguns abastados, mas de todos os indivíduos da sociedade. Portanto, o
reconhecimento das dificuldades sociais de um indivíduo deve ser tomado como uma
dificuldade coletiva dos membros da sociedade, pelo que a todos cabe o dever de
contribuir para sua superação.158
Leandro Sequeiros afirma que a palavra solidariedade remete ao
desenvolvimento pessoal e em grupo de uma série de valores que fazem com que o
indivíduo e sociedades se aproximem não só intelectualmente, mas principalmente de
maneira prática, de situações humanas desfavoráveis, com disposição para ajudar a
superá-las. Essa ajuda não é beneficente, mas uma ajuda que atacará as raízes que
geram injustiça. Essa ajuda não é voluntarista, mas inserida em projetos de
solidariedade bem-planejados e acordado por todas as partes. Essa ajuda, também,
não é individual, mas promovida, organizada e avaliada por grupos, associações e
organizações.
Segundo Marie Bouriche, solidariedade é, antes de qualquer coisa, um
conceito multidisciplinar, de forma que um conceito jurídico de solidariedade só pode
se desenvolver por meio da intersecção das diferentes nuances das abordagem feitas
especialmente pela economia, sociologia, política e pela filosofia159, que encorajam
Estados soberanos a aceitar algum tipo de integração160 como uma alternativa ao livre
comércio, baseada na idéia de justiça moral para restabelecer o equilíbrio, tanto social
quanto econômico, dentro de uma comunidade (como na União Europeia, por
exemplo).161
Axel Honneth utiliza a solidariedade em sua teoria social baseada no
reconhecimento. Em seu livro “The Struggle for Recognition: The Moral Grammar of
solidariedade permeia os chamados direitos fundamentais ditos de terceira geração (ou dimensão), os quais envolvem a proteção do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural e dos direitos difusos de maneira geral”. 158 BITENCOURT NETO, Eurico. O Direito ao Mínimo para uma existência Digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p.108. 159 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 11 e 12. 160 Ibid., p. 20. 161 Ibid., p. 14. apud A. RANCUREL, Le commerce équitable entre l’Europe et l’Amérique latine: vers un nouveau droit des relations Nord-Sud, Préface de Th. GARCIA, L’Harmattan, Paris, 2006, p. 15.
50
Social Conflicts”162, afirma que todos devem se envolver na ação coletiva para que
cada indivíduo possa adquirir a liberdade externa e interna que o possibilite alcançar
seus objetivos pessoais de vida sem coerção. E por isso, argumenta que é possível
distinguir três formas distintas de reconhecimento, que são interdependentes e
interconectadas: o amor, o direito e a solidariedade. O 'amor', fornece a base para o
desenvolvimento de relações sociais mais complexas; o que por sua vez chama o
‘direito’ para envolver tais relações de forma cognitiva, dando aos indivíduos
reconhecimento de sua autonomia, mas também de suas obrigações morais, no
reconhecimento recíproco de respeito entre todos e da igual dignidade aos olhos do
direito, na contribuição concreta de cada indivíduo para o bem-estar de toda a
coletividade; que por sua vez leva a auto compreensão do reconhecimento social da
‘solidariedade’163 , hibrido do amor e do direito, e que dá maior valor tanto ao indivíduo
como à sociedade.
Para Philipp Dann, solidariedade é garantia da autonomia de cada pessoa
como cidadão, ou seja, como um membro de uma sociedade comum. Desta feita, em
contraste com a noção vertical de caridade ou filantropia, em que o doador sente pena;
o conceito de solidariedade é baseado em uma relação horizontal de igualdade e
respeito à dignidade humana. No conceito de solidariedade, a ajuda não é um ato de
misericórdia, mas um direito de cada cidadão guiado pela ideia de que "Eu compartilho
com você porque eu o reconheço como um cidadão igual de uma política comum, e
não porque você é pobre e eu sinto compaixão".164
Marie Bouriche, igualmente vê, o princípio da igualdade intimamente ligado
ao princípio da solidariedade na correção de situações de desigualdade165, ao
162 HONNETH, Axel. The Struggle for Recognition: The Moral Grammar of Social Conflicts. trans. Joel Anderson, Cambridge: Police Press: 1995. Para a citada autora, mais raros são os contextos em que solidariedade significa reparação a ponto de existir um conceito capaz de designar uma solidariedade cuja finalidade não é a maximização do lucro, mas a resposta às necessidades tanto de caráter social e ambiental ou pelo mal gerenciamento do mercado ou dos governos de medidas de proteção dos direitos humanos 163 DEWS, Peter. Law, Solidarity and the Tasks of Philosophy. In: SÁVIC, Obrad (ed.) The Politics of Human Rights. Verso: London/NewYork, 1999. p. 89-91 apud Axel Honneth, The Struggle for Recognition: The Moral Grammar of Social Conflicts. trans. Joel Anderson, Cambridge: Police Press: 1995. p. 106-174. 164 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development. p. 57. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 165 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 25.
51
restaurar o equilíbrio de interesses com equidade e proporcionalidade.166 A
interdependência entre igualdade, liberdade e solidariedade está presente, segundo
José Luiz Borges Horta, também, nas reflexões de Arthur Diniz167 e Pedro Paulo
Christovam dos Santos, que segundo aquele, propõem o equilíbrio entre liberdade,
igualdade e solidariedade.168 Dentro desse mesmo contexto, Karl-Heinz
Sommermann vê a solidariedade como base do reconhecimento mútuo da autonomia
individual, por um lado, e a consciência da dependência mútua entre os membros de
uma determinada comunidade, dentro de uma sociedade, por outro.169 Ou seja, para
Karl-Peter Sommermann, solidariedade diz respeito não só aos interesses coletivos,
mas também a proteção das liberdades individuais. Já que não existiria sociedade
sem a interdependência dos seus membros com respeito à liberdade e à
solidariedade.170
Nessa mesma direção, Luís Roberto Barroso e Carmen Tibúrcio171,
encontram ao lado do valor intrínseco e da autonomia, um terceiro elemento da
dignidade da pessoa humana: o valor comunitário, ou seja, o elemento social da
dignidade. Nesta dimensão, os contornos da dignidade humana são lapidados pelas
relações do indivíduo com o mundo ao seu redor (outros indivíduos, sociedade, meio
ambiente, etc.). A expressão valor comunitário pressupõe, portanto, duas forças
externas diferentes que agem sobre a individualidade: compromissos e valores
compartilhados e normas impostas pelo Estado.172
O valor comunitário da dignidade acentua, por sua vez, o papel do Estado
e da comunidade no estabelecimento de metas coletivas e de restrições sobre direitos
166 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 29. 167 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 194 Apud DINIZ, Arthur José Almeida. Reflexões sobre a Liberdade e a Solidariedade. Revista da Faculdade de Direito, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, n. 38, p. 75-90, 2000. 168 Ibid., apud SANTOS, Pedro Paulo Christovam dos. Teoria dos Direitos Humanos; discurso ontológico sobre os direitos humanos. Revista Jurídica, Ouro Preto, Universidade Federal de Ouro Preto, a.I, v.1, n.1, 2000, p. 90. 169 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 15 et seq. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 170 Ibid., p. 20. 171 TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 100 e 101. 172 Ibid., loc. Cit.,
52
e liberdades individuais justificadas por um ideal de justiça que possa ser
compartilhado pela maioria da sociedade. A dignidade como valor comunitário,
portanto, “como uma restrição sobre a autonomia pessoal, busca sua legitimidade na
realização da proteção dos direitos e da dignidade de terceiros; da proteção dos
direitos e da dignidade do próprio indivíduo; e da proteção de valores sociais
compartilhados”.173 Desta forma, a dignidade humana como valor comunitário procura
o equilíbrio entre a dignidade humana como empoderamento (direitos) e dignidade
humana como restrição (deveres e responsabilidades) e a balança para tal seria a de
um ‘consenso sobreposto’174 para que não se criem conflitos entre ambas as esferas
da dignidade humana.175 Podemos inferir que no contexto social, político e jurídico
atual, tal consenso só pode ser um “consenso solidário”.
Tal entendimento se coaduna com o pensamento de Jürgen Habermas,
para quem, no discurso institucionalizado de uma comunidade jurídica democrática, o
indivíduo se vê forçado a sacrificar sua autonomia por um sistema coletivo baseado
na solidariedade.176 Também este é o pensamento de Steinar Stjernø, ao observa que
muitos exemplos de solidariedade implicam uma consideração da relação entre a
liberdade e autonomia do indivíduo e a preparação para subordinar-las a um grupo.177
Na mesma linha segue Anne-Marie Slaughter, para quem solidariedade como um
“valor-restrição”, associado à interdependência do mundo globalizado, é o mantra da
contemporaneidade.178 Por seu turno, Alysson Leandro Mascaro em sua obra “Utopia
e Direito”, onde aborda Ernst Bloch e a ontologia jurídica da utopia e afirma que o
pensamento jurídico de Bloch propõe “o renascer dos juristas, como políticos dos
tempos da solidariedade”, onde a dignidade é postulado da ação e da coordenação
173 TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 100 e 101. 174 Segundo os autores citados, “Consenso sobreposto” é uma expressão cunhada por Jonh Rawls que identifica as ideias básicas de justiça capazes de ser compartilhadas por defensores de diferentes doutrinas abrangentes, sejam religiosas, políticas ou morais. Cf.: TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto. Opus citatum, p. 101. Apud Jonh Rawls. The Idea of Overlapping Consensus. Oxford Journal of Legal Studies, n. 7, 1987. p. 1. 175 Ibid., p. 101. 176 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 76-77. Apud HABERMAS, Jügen. “Justice and Solidarity”, in The Moral Domain, ed. Thomas E. Wren, Cambridge, Mass.: MIT Press, 1990. p. 245. 177 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 17-18. 178 SLAUGHTER, Anne-Marie. Security, Solidarity, and Sovereignty: The Grand Themes of UN Reform. In: DAWS, Sam; SAMARASINGHE, Natalie. (editores). THE UNITED NATIONS: A UN for the 21 st Century. Volume IV, SAGE Publications: Los Angeles/London/New Delhi/Singapore/Washington DC/Boston: 2015. p. 7.
53
social humanista que dirige à solidariedade179, ajudando a descontruir o pensamento
de que solidariedade e direito são ideias adversárias. Em verdade, em sentido
contrário, há quem chegue à conclusão oposta: solidariedade é nada mais do que
justiça.180
No conceito sócio-teórico de Habermas, solidariedade representa
recurso181 a partir do qual “as sociedades modernas satisfazem suas necessidades
de integração e de regulação”.182 Desta maneira, apesar da sua fraqueza, a
solidariedade desempenha um papel central, que seria algo como um consenso de
fundo prévio relativo a valores compartilhados intersubjetivamente segundo os quais
os atores sociais se orientam. Ela nasce em um contexto ético de hábitos, lealdades
e confiança recíproca, com base no qual podem ser solucionados os conflitos que
surgem em contextos de interação.183 Por outro lado, a crescente complexidade da
sociedade torna impossível dispor de um potencial solidário sócio integrativo suficiente
para todas as demandas, criando uma “lacuna de solidariedade”. Em função disso, o
direito recebe a função de assegurar a solidariedade social, que jurisdifica os
contextos de interação onde os conflitos antes eram resolvidos de forma ética, na base
do costume, da lealdade ou da confiança. Em outras palavras, o déficit ou lacuna de
solidariedade levam os conflitos a serem resolvidos por procedimentos regulados
juridicamente. A solidariedade se coloca, então, formalizada em uma espécie de
lealdade procedimental que supera a fraqueza motivacional dominante nas modernas
179 MASCARO, Alysson Leandro. Utopia e Direito: Ernst Bloch e a Ontoligia Jurídica da Utopia. – São Paulo: Quertier Latin, 2008. p. 175 e 196. 180 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 49. (ver nota 4) 181 Para Jürgen Habermas, existem três forças de integração macro-sociais: o sistema econômico, o sistema administrativo e a solidariedade. 182 PINZANI, Alessandro. HABERMAS. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 146. Apud (Facticidade e Validade página 363). A tensão entre facticidade e validade perpassa o conceito de solidariedade em Habermas, em função das tensões presentes entre a idealidade e irrelizabilidade prática do conteúdo normativo das regras do discurso. Além disso existe interdependência entre os conceitos de facticidade e validade: os pressupostos da comunicação ideal possuem sempre também natureza fática. A tensão em questão não é somente uma contraposição, mas ao mesmo tempo um encontro, um misturar-se dos dois conceitos. Daí, segundo Habermas, ao direito cabe, portanto a típlice função de mediação entre facticidade e validade, meio de integração social entre mundo da vida e sistemas parciais, e meio de integração social que já não pode ser alcançada por forças morais. Ibid., p. 144-145. 183 Ibid., p. 146.
54
sociedades secularizadas.184 Em suma, para Habermas, solidariedade é o outro lado
da justiça.185
Com efeito, Habermas defende que a solidariedade deve ser reintroduzida
na esfera do direito, inclusive porque serve para preservar suas estruturas legais186,
até porque o direito não se baseia apenas nas sanções por parte do Estado, mas
também na solidariedade que se desenvolve a partir da ação comunicativa e
deliberativa187 da sociedade civil188. Habermas, na tentativa de criar uma ponte entre
a autonomia individual e a justiça da tradição kantiana, no estabelecimento de uma
ética filosófica de validade universal, onde justiça e solidariedade são os conceitos
chave189, entende esta última como bidirecional, porque engloba tanto uma
184 PINZANI, Alessandro. HABERMAS. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 146-147. 185 SCHOLZ, op. Cit., p. 49. Apud J. Habermas, Justice and Solidarity: On the Discussion Concerning Stage 6. In: Hermeneuties and Critical Theory in Ethics and Politics, edited by M. Kelly, 1990; STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 302-307. A partir desta perspectiva, justiça e solidariedade são, também, duas dimensões correlacionadas de uma mesma forma fundamental de consciência irrenunciável, advinda da certeza de que pertencermos todos a um contexto de vida comum e de que pertencermos a uma comunidade ideal de comunicação. DEWS, Peter. Law, Solidarity and the Tasks of Philosophy. In: SÁVIC, Obrad (ed.) The Politics of Human Rights. Verso: London/NewYork, 1999. p. 86. apud Jürgen Habermas. Gerechtigkeit und Solidarität: Zur Diskussion über “Stufe 6”, in: Erläuterungen zur Diskursethik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991. p. 72. No entanto, segundo Peter Dews, Habermas não é explícito e diz muito pouco sobre os tipos de solidariedade que poderiam incentivar tal consciência e participação comunicativa, preferindo, em vez disso, por sua confiança no potencial espontâneo da sociedade civil, sugerindo que os indivíduos devem aprender a cria formas solidárias de vida mais socialmente integradas, e dos movimentos sociais para responder aos perigos impostos pela dinâmica autônoma dos sistemas sociais, uma vez que omite qualquer consideração sobre a necessidade de uma orientação ética comum (implícita no própria conceito de Habermas de solidariedade) como fundamento da conscientização de partilha de tal forma de vida coletiva. DEWS, Peter. Law, Solidarity and the Tasks of Philosophy. In: SÁVIC, Obrad (ed.) The Politics of Human Rights. Verso: London/NewYork, 1999. p. 88. 186 DEWS, op. Cit., p. 87. Apud HABERMAS, Jürgen. Facticidade e Validade (p.12) 187 Assim, quando um indivíduo enfrenta uma situação onde há conflitos de interesses, deve transcender seu contexto concreto particular e olhar a partir da perspectiva de todos aqueles que podem ser afetados pela decisão na busca de solucionar a lide. Ou seja, o conflito deve ser discutido em um discurso inclusivo, não-coercitivo e público entre os individuos livres e iguais. No entanto, tal solidariedade é contigente a duas características que estes indivíduos devem possuir: capacidade de reflexão abstrata com conceitualização de princípios gerais; e empatia. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 302-307. Apud HABERMAS, Jügen. ‘Gerechtigkeit und Solidarität. Eine Stellungnahme zur Diskussion über “Stufe 6”, in Edelstein and Nummer Winklar (eds.), 1984.; HABERMAS, Jürgen. Justification and Application. Remarks on Discourse Ethics. Cambridge, MA: MIT Press, 1995.; HABERMAS, Jügen. ‘Reflections on a Remark of Max Horkheimer’, in Habermas (ed.), 1995. 188 STJERNØ, op. Cit., p. 304. Apud HABERMAS, Jürgen. Between Facts and Norms. Contribution to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge, MA: MIT Press, 1996. 189 Ibid., p. 302-307. Neste sentido é também: REHG, William. Insight and Solidarity: A Study in the Discourse Ethics of Jürgen Habermas. Berkeley/Los Angeles/London: University of California Press: 1994. p. 107-108.
55
preocupação com o bem comum (mundo da vida) como uma preocupação para com
o indivíduo.190
A solidariedade em Habermas é, portanto, um princípio ético191 que
significa preocupação e responsabilidade recíproca, o que a diferencia da caridade192,
porque consociada ao interesse da integridade do contexto de vida compartilhado193;
sendo, portanto, um princípio do bem-estar de todos em uma forma intersubjetiva e
comum de vida [Lebensform],194 onde a preocupação com a vulnerabilidade do
indivíduo implicar uma preocupação para as comunidades a que eles pertencem e
que tornam possíveis conexões e relações interpessoais compartilhadas.195 Como o
próprio Habermas, adverte: “A expansão supracional da solidariedade civil depende
de processos de aprendizagem que, como a crise atual permite esperar, podem ser
estimulados pela percepção das necessidades econômicas e políticas.”196
Javier de Lucas, ao resgatar a noção original de solidariedade como um
princípio jurídico e político, admite que ela é a causa do Estado social de Direito, onde
cada cidadão reconhece como seu os interesses dos outros, surgindo, assim, “uma
responsabilidade de todos e cada um”. Solidariedade, é, portanto, uma ideia
constituída a partir de uma “consciência conjunta de direitos e obrigações, que surgiria
da existência de necessidades comuns, semelhanças (reconhecimento de
190 REHG, William. Insight and Solidarity: A Study in the Discourse Ethics of Jürgen Habermas. Berkeley/Los Angeles/London: University of California Press: 1994. p. 107-108. 191 A solidariedade em Habermas é mais um princípio ético do que político, embora também tenha implicações políticas, já que tal solidariedade deve se desenvolver por meio de uma ação discussiva, comunicativa e deliberativa que possa ser cada vez mais ampla a ponto de dissolver todos as fronteiras socias até o ponto de incluir todos os seres humanos em uma comunidade universal de comunicação, por meio da solidariedade universal onde ninguém seria excluído. O resultado de tal ideal seria uma maior solidariedade entre indivíduos autônomos e livres, reconciliando justiça e solidariedade. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 302-307. Apud HABERMAS, Jügen. ‘Gerechtigkeit und Solidarität. Eine Stellungnahme zur Diskussion über “Stufe 6”, in Edelstein and Nummer Winklar (eds.), 1984.; Conferir: HABERMAS, Jürgen. Justification and Application. Remarks on Discourse Ethics. Cambridge, MA: MIT Press, 1995.; HABERMAS, Jügen. ‘Reflections on a Remark of Max Horkheimer’, in Habermas (ed.), 1995. 192 Para Habermas, esta reciprocidade distingue solidariedade de caridade. STJERNØ, op. Cit., p. 302-307. 193 REHG, op. Cit., p. 107-108. 194 STJERNØ, op. Cit., p. 302-307. 195 DEWS, Peter. Law, Solidarity and the Tasks of Philosophy. In: SÁVIC, Obrad (ed.) The Politics of Human Rights. Verso: London/NewYork, 1999. p. 86. apud Jürgen Habermas. Gerechtigkeit und Solidarität: Zur Diskussion über “Stufe 6”, in: Erläuterungen zur Diskursethik, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1991. p. 69. 196 HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa: um ensaio. Tradução Denilson Luis Werle,
Luiz Repa e Rúrion Melo. – São Paulo: Ed. Unesp, 2012. p. 84.
56
identidade), precedendo às diferenças sem pretender seu desconhecimento”.197 O
que implicaria o compromisso de não poupam nem esforços, nem os meios para a
aplicação de um remédio para ajudar um necessitado, especialmente se feito como
ato de justiça e reconhecimento de um direito natural.198
Para, Valdir Ferreira de Oliveira Junior, “o legítimo fundamento do Estado
encontra-se na solidariedade, tendo a dignidade humana como valor fonte e finalidade
última de sua atuação”199, alcançando o que ele denomina “Estado Constitucional
Solidarista” que seria a base para o cumprimento dos objetivos fundamentais dos
ideais plurissignificativos da solidariedade. “Ser solidário é assumir responsabilidades
comuns para com o outro e desse para conosco, num vigiar constante e recíproco
entre parceiros da sociedade”.200
Kurt Bayertz especula que a solidariedade poderia simplesmente significar
justiça distributiva201, ligado a um agir identificado em alcançar "uma unidade de
propósito". Desta maneira, o surgimento da solidariedade universal sustentaria a
197 KOEKE, Andreza Franzoi. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, A SOLIDARIEDADE E A TOLERÂNCIA COMO VALORES ESSENCIAIS DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS. REVISTA DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS (UNIFAFIBE). ISSN 2318-5732 – VO L . 1, N. 2 , 2013. Apud LUCAS, Javier de. Solidaridad y Derechos Humanos. P. 158. In 10 Palabras clave sobre derechos humanos. J.J. Tamayo (Director). Pp. 149-194. Apud LÓRA ALARCON, Pietro de Jesús. Valores constitucionais e Lei 9.474 de 1997. Reflexões sobre a dignidade da pessoa humana, a tolerância e a solidariedade como fundamentos constitucionais da proteção e integração dos refugiados no Brasil. p. 125. In: 60 anos de ACNUR: Perspectivas de futuro / André de Carvalho Ramos, Gilberto Rodrigues e Guilherme Assis de Almeida, (orgs.). — São Paulo: Editora CL-A Cultural, 2011. Disponível em: http://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/download/10/pdf_6 198 BONELLI, M. Renzo. DROITS DE SOLIDARITÉ ET DROITS DE PARTICIPATION. In: DROIT DE SOLIDARITÉ, DROIT DES PEUPLES. Colloque International d’Experts sous le haut patronage de leurs Excellences les Capitaines Regents organisé par le Secrétariat d’Etat aux Affaires Etrangères et par la Commission Nationale de Saint-Marin pour l’UNESCO en collaboration avec l’UNESCO. Secrétariat d’Etat aux Affaires Etrangères et par la Commission Nationale de Saint-Marin our l’UNESCO: Saint-Marin, 1982. p. 113 199 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 59. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 200Ibid., p. 64. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. Em tal agir solidário cada tarefa cumprida no interesse de servir ao próximo faz parte da edificação democrática e pluralista do estado Constitucional Solidarista. 201 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 49. Apud Kurt Bayertz, Four Uses of “Solidarity”. In: Solidarity, edited by Kurt Bayertz, 1999, p. 23
57
evolução de um universalismo ético, baseado na ideia de uma fraternidade de todos
os seres humanos.202
Para José Luiz Borges Horta, a solidariedade, tomada em termos jurídicos,
indica corresponsabilidade, e tal assertiva é corroborada pelo momento histórico,
social, político e econômico atual de globalização.203
Hauke Brunkhorst, argumenta que o processo de diferenciação funcional
da atual sociedade neo-capitalista levou a dois problemas estruturais de exclusão: a
"de-socialização do indivíduo" (como resultado da crescente individualização, que fez
surgir indivíduos isolados e separados da sociedade); e a exclusão de segmentos
inteiros da população das realizações dos ganhos da sociedade moderna como um
todo (gerando uma população global periférica que é completamente excluída
econômica, social e legalmente). Em tal cenário faz-se necessário o desenvolvimento
(revolucionário/evolutivo) do recurso normativo da solidariedade democrática para a
reintegração do indivíduo à sociedade, reconciliando a liberdade individual com a
ordem social; além da realização política inclusiva dos direitos sociais de todos os
indivíduos.204
Repensar a solidariedade é, como vemos, um vasto projeto na busca de
todo tipo de ligação que permita a integração solidária da sociedade, como expressão
de um novo contrato social.205 E Sabendo que o direito é a base da coesão social,
“ubi societas, ibi jus”, buscar por justiça, é de certa forma, buscar por solidariedade,
que é o fundamento da lei ou do direito; mas, também o objetivo destes, e portanto,
garantidora da continuidade da coesão social.206 Por isso, a solidariedade é um
conceito que combina ingredientes de ordem moral (equidade), jurídica (igualdade),
202 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 658 apud Kurt Bayertz (ed.) ‘Four Uses of “Solidarity”’. Solidarity (Philosophical Studies in Contemporary Culture) 1999, p. 5-9. 203 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. 204 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community como inicio da globalização da solidariedade cívica através da linguagem dos direitos humanos.Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction, xvii e xix. 205 PAUGAM, Serge. Conclusion: Vers um nouveau contrat social? p. 978. In: PAUGAM, Serge (Org.). Repenser la solidarité. 1ª edição. Quadrige/PUF: 2011. 206 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 37 e 38.
58
material (interesses comuns) e naturais (interdependência)207 a promover a
autonomização da sociedade, em uma via de mão dupla onde o Estado e a sociedade
civil alcançam maior emancipação e coexistem em harmonia e prosperidade,208
deixando evidente que o dever cidadão de solidariedade toca a cada um de nós, tanto
individual como coletivamente.209 Como salienta Noam Chomsky “quanto mais a
solidariedade se espalha, mais coisas se pode fazer a seu respeito”.210
Principalmente, quando se constata, como o faz Ulrich Beck, que na atual
‘sociedade de risco’ houve uma transformação da qualidade da solidariedade: a
“solidariedade da carência” está sendo substituída pela “solidariedade do medo” que
ganha cada vez mais força política211 e incita a hipótese do choque de civilizações.212
Ora, tal mudança não segue uma ótica racional, e como leciona Antônio Augusto
Cançado Trindade, “as culturas não são pedras no caminho da universalização dos
direitos humanos, mas sim elementos essenciais ao alcance desta última”. Assim,
levantando-se contra a falácia da contraposição dos “particularismos” à universalidade
dos Direitos Humanos, Cançado Trindade salienta que “a diversidade cultural há de
ser vista, em perspectiva adequada, como um elemento constitutivo da própria
universalidade dos direitos humanos, e não como um obstáculo a esta”. Por isso o
discurso do choque de civilizações vai contra o fato de que as diversas culturas não
207 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 31 e 32. Apud Claude NIGOUL et Maurice TORRELLI, Les mystifications du nouvel ordre international. PUF: Paris, 1984. pp. 57-58. 208 Neste sentido, Cf.: FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. 209 GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Refugiado: o dever de solidariedade. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. p. 81 e 153. 210 “Of course, the more solidarity spreads, the more you can do things about that, but that´s not easy.” CHOMSKY, Noam. OCCUPY: Reflections on class war, rebelion ans solidarity. 2ª edição. Westfield/New Jersey: Zuccotti Park Press. 2013. p. 166 211 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nasciemento. 2ª edição. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 59-60. Para Ulrich Beck a força motriz da sociedade resumida na frase: “tenho fome!” Está sendo substituida, com a emergência da sociedade de risco, pela afirmação: “tenho medo!”. O modelo da sociedade de risco marca, nesse sentido, uma época social na qual a solidariedade por medo emerge e torna-se uma força política. 212 Talvez, como bem observa Octavio Ianni, a hipótese do choque de civilizações pode ser uma nova versão do fundamentalismo ocidentalista. Ou, talvez, também, seja um sintoma da preocupação, ou aflição, com o fato de que o ocidentalismo está em declínio, inclusive em sua versão norte-americana, em face de outras e novas manifestações de orientalismo e outros processos civilizatórios que se afirmam e se recriam no mesmo contraponto com os mais diversos elementos do ocidentalismo. IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 83
59
são inteiramente impenetráveis ou herméticas, existindo entre eles um inquestionável
denominador comum: “todas revelam conhecimento da dignidade humana”213.
A vocação universal da dignidade humana inclusive vem auxiliando a
solidariedade a despontar - tanto explícita, quanto implicitamente - em vários
documentos internacionais que tratam de direitos humanos desde o final do século XX
e início do século XXI.214
Entretanto, tais documentos, ao mesmo tempo que descolam o conceito de
solidariedade do significado de fraternidade e irmandade, frequentemente a tomam
como sinônimo de cooperação. Fato que torna importante a diferenciação de
solidariedade e cooperação, especialmente na esfera do direito internacional, onde o
Princípio da Solidariedade vem sendo comumente apresentado como sinônimo do
Princípio da Cooperação.
Assim é que, segundo Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa, cooperação é
um princípio que informaria, no contexto do desenvolvimento, as relações econômicas
em nível internacional; ao passo que o princípio da solidariedade fundamentaria e
estrutura as relações humanitárias.215 Enquanto Marie Bouriche, sustenta que a
cooperação na maioria das vezes visa apenas a satisfação de interesses recíprocos,
e por isso, não se pode confundir com solidariedade.216 Nesse mesma direção é o
entendimento de Wagner Menezes, para quem a distinção entre ambos os princípios,
está no fato de que a solidariedade pressupõe vínculos de irmandade mais profundos,
com conteúdo ético e moral de origens sociais, culturais e históricas em função da
consciência de coletividade, mas que não presume reciprocidade; ao passo que a
213 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, volume III, Porto Alegre: Sergio Antonio Frabis Editor, 2003. p. 335-336. 214 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p.p. 506-507. 215 FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer. Direitos econômicos do desenvolvimento e direitos humanos ao desenvolvimento. Limites e confrontações. p. 236. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013. 216 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 43. Interessante salientar que Marie Bouriche, apesar de fazer tal diferenciação entre solidariedade e cooperação, acredita que a cooperação, que não é um fenômeno de solidariedade em si, em função de sua finalidade e técnica, pode em alguns casos ter caráter solidário.
60
cooperação seria um princípio motivador de um ideal de ação baseado na amizade, e
frequentemente fundamentada na reciprocidade.217
Já Laurence Boisson de Chazournes afirma que a solidariedade pode ser
distinguida de cooperação pelo fato de todos os atores envolvidos em um esforço
cooperativo partilharem da expectativa de se beneficiar de uma forma direta e
concreta da cooperação, enquanto a solidariedade não se alimenta diretamente deste
objetivo. É que a solidariedade só deve fornecer benefícios diretos e concretos para
os beneficiados da ação solidária. Qualquer benefício central dirigido aos solidaristas
em função de seus atos solidários deve estar relacionado apenas à defesa dos
interesses morais, éticos ou legais do agir em nome da solidariedade.218 Não obstante,
o autor nada menciona a respeito dos benefícios indiretos aos solidaristas em
resultado do ato solidário; detalhe que não passa despercebido por Hanspeter
Neuhold, que defende a possibilidade da solidariedade não excluir benefícios indiretos
oriundos da atividade solidária àqueles que fornecem ajuda de forma unilateral;
existindo, na realidade, uma miríade de vantagens indiretas aos atores ativos da ação
solidária, especialmente, em um sistema internacional globalizado como o atual.219
Nota-se desse confronto, que a solidariedade (propondo solidificar
conteúdos éticos, morais ou legais, associados a valores universais compartilhados
com responsabilidade e interdependência) não implica necessária reciprocidade e não
deve garantir benefícios diretos e concretos a todos os entes envolvidos no ato
solidário, apesar de permitir benefícios indiretos; ao passo que a cooperação implica
um esforço conjunto para a realização de algo na espera de benefícios recíprocos
diretos e concretos por todos os sujeitos envolvidos no ato cooperativo.
Tal percurso histórico, demonstra que, desde suas origens até hoje, o
conceito de solidariedade sofreu mudanças evolutivas radicais, e atualmente busca
maior autonomia conceitual, embora não sem a ajuda de conceitos outros como
igualdade, liberdade, interdependência, mutualismo, democracia e dignidade
217 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 246-247. 218 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? p. 95-96. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 219 NEUHOLD, Hanspeter. Common Security: The Litmus Test of International Solidarity. p. 195. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010.
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humana220, que em concórdia com a primazia dos direitos humanos abrem as
fronteiras da comunidade internacional para a solidariedade, na busca de uma
democracia da humanidade, ou seja, de uma solidariedade cívica global221, que
apesar das muitas divergências, já é esboçada, de alguma maneira explicita ou
tacitamente, nos textos de várias constituições e de pactos internacionais de direitos
humanos222, bem como de outros importantes documentos internacionais, parte de
um processo evolutivo cultural, político, histórico e jurídico223, ainda inconcluso,
porque inovador, complexo e desafiador.
Após estas análises, pode-se dizer que a solidariedade em sua concepção
contemporânea não é caridade, porque exige igualdade entre os participantes; não é
fraternidade ou irmandade, porque exige um pensamento universalista e não apenas
nacional, grupal ou comunitário; não cabe inteira na teoria relativista, porque presa
por uma identificação universal com a proteção dos direitos humanos (pela ajuda tanto
aos marginalizados quanto aos estrangeiros); e não se confunde com cooperação
porque não pode ser fim para a obtenção de benefícios224 diretos e concretos ao
sujeito ativo da ação solidária.
Sem grandiloquência, a solidariedade, encorajada por exigências urgentes
de justiça, equidade, paz, desenvolvimento, sustentabilidade e coexistência, se
apresenta como ferramenta capaz para a tarefa de ser meio multiplicador das
dinâmicas, conexões e convergências, na direção das mudanças e transfigurações
sociais, econômicas, políticas e jurídicas que o mundo globalizado precisa para
harmonizar os contrapontos entre “eu”, “nós” e “eles”.
220 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction viii. 221 Ibid., p. 55-60. 222 Ibid., p. 01 223 Wagner Menezes observa que a solidariedade o longo da sua evolução histórica “foi objeto de reflexão de pensadores e doutrinas das mais variadas partes do mundo. Foi inclusive um dos pilares do pensamento da Revolução Francesa subdividida no triedo liberdade, igualdade e fraternidade, que influenciaram profundamente a constituição e a perspectiva normativa e organizacional dos Estados contemporâneos.” MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 247. Apud MAKOWSKI, Julián. L´organisation actuale de l´arbitrage internacional. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 36, t. II, 1931. P. 373. 224 Entretanto, como já explicado, é possível a existência de solidariedade com benefícios indiretos, sem que isso a confunda com cooperação, já que na primeira os benefícios não são os atores principais da ação, quando na cooperação os benefícios recíprocos fazem parte da cena principal do ato.
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Solidariedade, nos dias atuais, é um conceito que trilha o caminho de uma
catarse metamorfósica do pensar e do agir humano ao combinar ingredientes
divergentes e polêmicos na busca da verdadeira universalidade. Essa é a
solidariedade ideal, que sem afastar a sua complexidade própria, se apoia na
diversidade em procura por um consenso mínimo na defesa dos direitos humanos,
combinando múltiplos ingredientes, mesmo aqueles contraditórios e ambíguos, para
a elaboração de uma solução social racional, sustentável e humana para os
problemas enfrentados pela aldeia global.
Consideradas as premissas até agora anunciadas, e tendo em vista as
justificações expostas, importa reconhecer que a solidariedade remete ao desejo
benéfico de se buscar a construção de um mundo possível a todos, por meio de uma
justiça social global informada pela dignidade humana, em sua capacidade de
enunciar direitos, deveres e responsabilidades dirigidos a todos, ou seja, dotados de
alto grau de humanismo e universalidade.
2.2 A SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO DO DIREITO
INTERNACIONAL
No direito internacional, o conceito de solidariedade encontra-se misturado
à doutrina dos chamados fundadores do direito internacional: Francisco de Vitoria,
Hugo Grotius, Emer de Vattel225, F. Suárez, A. Gentili, C. Bynkershoek, Samuel von
225 Mencionou-se, a este respeito Emer de Vattel em seu livro: Le Droit des Gens ou Principes de la Loi Naturelle (1.758). RANGEL, Vicente Marotta. THE SOLIDARITY PRINCIPLE, FRANCISCO DE VITORIA AND THE PROTECTION OF INDIGENOUS PEOPLES. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 131. Apud R. Wolfrum, Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law, 49 Indian Journal of International Law, 20 (2009). p. 10-11.
63
Pufendorf226, Christian Wolff227, dentre outros228, que fizeram referências diretas e
indiretas à solidariedade, demonstrando que sua abordagem não é um fato recente,
uma vez que vem sendo discutida doutrinariamente desde o século XVI por eminentes
juristas.229
Verifica-se, assim, que no século XVI, o teólogo e frade dominicano
Francisco de Vitória, considerado fundador do moderno direito internacional230, por
meio da Escola de Salamanca da qual foi um dos fundadores, dirigiu atenção ao
princípio da solidariedade por meio de sua "percepção de universalidade com base
em valores cristãos", especialmente no que diz respeito à sua obra "Os Índios e o
Direito da Guerra"231, que trata da colonização espanhola nas Américas e tem como
tema central a liberdade natural dos indígenas e a questão da guerra justa.
Constatando que às vezes faltam elementos da jurisprudência para responder a
questões novas que se colocam (a esse tempo o tratamento humanitário e justo dos
seres humanos diferentes, ou seja, os índios) dizendo respeito não à conformidade
de textos, mas à conformidade com princípios racionais; sendo preciso voltar então à
moral, ao bom e ao justo, como meio para atingir a felicidade humana geral e não
apenas individual.232 A doutrina de Francisco de Vitória, é desta forma, um clássico
exemplo do princípio da solidariedade reconhecido e proclamado já desde o início da
Idade Moderna.233 Principalmente porque defendia a existência de um “direito natural
226 Segundo Marotta Vicente Rangel, mencionou-se a este respeito Samuel von Pufendorf em seu livro: De Officio Hominis et Civis (1673). RANGEL, Vicente Marotta. THE SOLIDARITY PRINCIPLE, FRANCISCO DE VITORIA AND THE PROTECTION OF INDIGENOUS PEOPLES. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 131. Apud R. Wolfrum, Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law, 49 Indian Journal of International Law, 20 (2009). p. 10-11. 227 Ainda segundo Marotta Vicente Rangel, Christian Wolff também fez menção a este respeito em seu livro: Gentium Methodo Scientifica Pertractatum (1794). Ibid., p. 131. Apud R. Wolfrum, Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law, 49 Indian Journal of International Law, 20 (2009). p. 10-11. 228 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. páginas. 7-8. Apud P. Guggenheim, “Contribution à l’ histoire des sources du droit des gens”, 94 Recueil des Cours de l’ Académie de Droit Internanational de La Haye (1958) pp. 21-23 e 25.; 229 RANGEL, op. Cit., p. 131. Apud R. Wolfrum, Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law, 49 Indian Journal of International Law, 20 (2009). p. 10-11. 230 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 173. 231 Cf. VITÓRIA, Francisco de Vitória. Os Índios e o Direito da Guerra. Coleção "Clássicos do Direito Internacional". Unijuí, 2006. 232 LOPES, op. Cit., p. 173. 233 RANGEL, op. Cit., p. 132. Apud R. Wolfrum, The Protection of Indigenous Peoples in International Law, 59 Zeitschrift für ausländisches öff entliches Recht und Völkerrecht 369, at 370 (1999). Vitória ao tratar dos povos indígenas no direito internacional, tenta fornecer uma proposta de proteção adequada
64
de solidariedade” que permitiria a interferência para a defesa de inocentes oprimidos,
argumento que transformaria no direito à intervenção humanitária no sistema
internacional.234
Assim, já no século XVI, para Francisco de Vitoria, bem como para
Francisco Suárez, o Estado não era sujeito exclusivo do direito das gentes, que
abarcava, igualmente, os povos e os indivíduos.235
No século XVII, Hugo Grotius, influenciado pelo humanismo tolerante e
pacifista de Tiago Arminius236, tomou em conta primeiramente a humanidade, e
apenas em segundo lugar os Estados.237 O nascimento do direito internacional
moderno tem constante associação com o seu tratado “De Iure Belli ac Pacis”, escrito
em reação à destrutiva e bárbara Guerra dos Trinta Anos, e no qual enfatiza que a
doutrina da guerra justa formaria uma parte essencial do direito internacional,
presumindo a imposição de limites ao comportamento do Estado soberano, mesmo
sob condições de guerra.238 Além disso, ao visualizar a ordem jurídica internacional
como necessária ao invés de voluntária, acudiu-se Grotius à “recta ratio”239, princípio
aos povos sugerindo que os princípios jurídicos dos povos indígenas tinham de ser respeitados, pois eram povos que já tinham perdido os direitos relativos à terra que tradicionalmente ocupam, sendo importante levar em consideração a preservação da comunidade dentro de seus próprios valores, caso contrário os nativos corriam o risco de perderem a sua própria identidade, ou, no mínimo, enfrentariam grandes dificuldades para ajustar seus valores e costumes à novas condições de vida imposta pela colonização européia. Ibid., 234 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 175. Segundo Lopes, Francisco de Vitória defendia: “Em primeiro lugar, o direito natural de comunicação entre os homens. Os espanhóis poderiam ir e voltar das Índias e ali morar. Uma vez alí, que respeitassem os índios e suas instituições. Se fossem atacados poderiam defender-se, com moderação. Em segundo lugar, o direito de evangelização: certamente, não poderiam obrigar os indíos a receber a fé, mas poderiam falar dela e defender os missionários. Em terceiro lugar, poderiam defender os convertidos. Em quarto lugar, acrescenta, há um direito natural de convivência entre os homens. Em quinto, podem interferir para defender os inocentes oprimidos, pois existe um direito natural de solidariedade. Este argumento virá a ser conhecido como o direito de intervenção humanitária no sistema internacional. Em sexto lugar, se houvesse escolhe livre dos indíos, se os indíos se submetessem livremente ao imperador, ou se se convertessem livremente, sem constrangimento, a presença espanhola seria legítima.” Ibid., 235 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 8. Apud S. Laghmani, Histoire du droit des gens – du jus gentium impérial au jus publicum europaeum, Paris, Pédone, 2003, pp. 90-94. 236 LOPES, op. Cit., p. 179. Lopes observa que Grócio foi perseguido por suas posições teológicas e políticas mais tolerantes, e viu-se obrigado a fugir para o exílio na França e, mais tarde, para a Suécia. Ibid., 237 Ibid., p. 8. Apud S. Laghmani, Histoire du droit des gens – du jus gentium impérial au jus publicum europaeum, Paris, Pédone, 2003. p. 90-94. 238 FALK, Richard A. Human Right Horizons: the pursuit of justice in a globalizing world. Routledge. New York, 2000. pp. 15-16. 239 CANÇADO TRINDADE, op. Cit., p. 8. Apud S. Laghmani, Histoire du droit des gens – du jus gentium impérial au jus publicum europaeum, Paris, Pédone, 2003. p. 90-94.
65
cogente que emana da consciência humana, segundo o qual cada sujeito do direito
deve comportar-se com justiça, boa-fé e benevolência, ou seja, em relação inelutável
entre o direito e a ética240, que credibiliza a ideia de uma comunidade internacional
que poderia, com o tempo, estabelecer uma verdadeira sociedade internacional. No
De Iure Belli ac Pacis, Grotius inclusive reconhece a sociabilidade como traço
intrínseco dos homens no desejo “não de qualquer convivência, mas pacífica e
organizada, na medida de sua inteligência, com os seus semelhantes”, de forma que
não o medo ou a própria segurança legitimariam o Estado, mas sim o appetitus socialis
(apetite para a sociabilidade)241. Tal argumento serve de fundamento para uma teoria
da solidariedade em direção um direito internacional defensor dos direitos humanos,
na transição de um mundo estatista a algum tipo de aldeia global emergente242,
presente na famosa questão humanitária e solidária formulada por Grotius: “Se um
Busiris, um Phalaris ou um qualquer Diómedes de Trácia inflingirem aos seus súditos
maus tratos que revoltem todo o mundo, ficará paralisado o direito de ação da
sociedade humana? ”243.
Neste contínuo histórico, importante salientar, que a solidariedade foi
postulada como um princípio geral de direito internacional e como um dever
humanitário pela primeira vez por Emer de Vattel em meados do século XVIII, em uma
passagem de 1758 de sua obra “Le Droit des Gens ou Principes de la
Souveraineté”244, onde é implicitamente destacada a solidariedade como princípio
240 CANÇADO TRINDADE, op. Cit., p. 8. Apud S. Laghmani, Histoire du droit des gens – du jus gentium impérial au jus publicum europaeum, Paris, Pédone, 2003. p. 7. 241 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 180. 242 FALK, Richard A. Human Right Horizons: the pursuit of justice in a globalizing world. Routledge. New York, 2000. pp. 15-16. No entanto, o Estado ganhou tanta força e capacidade, que a noção de algum tipo de solidariedade com base em um fundo cultural ou religioso compartilhado desapareceu, e noções mais absolutas de soberania prevaleceram. Mesmo assim, a perspectiva grociana ainda hoje é debatida, especialmente a respeito da solidariedade que poderia ser efetivamente estabelecida nas relações entre os Estados e se os mesmos podem operar com êxito somente se aceitar algumas restrição à sua soberaria para um avanço firme em direção a uma comunidade internacional bem ordenada, premissa para a implementação supranacional dos direitos humanos (inerentemente intervencionistas), a proibição da guerra, e a responsabilidade dos líderes. Ibid., loc. Cit., 243 PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. p. 83. 244 Cf. Emer de Vattel, LE DROIT DES GENS OU PRINCIPES DE LA SOUVERAINETÉ, 1758, reprint Geneva, (1958) Preliminaires ss. 1-16; Livre II, Chapitre I, ss. 11-20. Esta obra, também, se encontra disponível on line no link: <http://www.mindserpent.com/American_History/books/Vattel/1916_vattel_le_droit_des_gens_vol_02.pdf>. Acesso em: 21 de outubro de 2016.
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fundamental da humanidade245, um dever moral de solidariedade246. A passagem em
questão sugere que toda nação deve prestar ajuda, tanto quanto possa sem correr
grandes riscos, a outras nações, salvando-as do desastre e da ruína. Assim, “se uma
nação está sofrendo de fome, todos aqueles que têm disposições de sobra deve
ajudar na necessidade, sem, no entanto, expor-se a escassez”, já que prestar
assistência em situação tão precária é ato instintivo porque calçado em humanidade,
sendo que nenhuma nação civilizada deveria se recusar absolutamente a fazê-lo,
principalmente, quando qualquer que seja a calamidade que afete a nação socorrista,
a mesma ajuda seria devida.247
Tal regra moral demonstra que, ainda no século XVIII, Vattel já vislumbrava
a solidariedade como algo essencial, e embora baseado em um voluntarismo
estatal248 de assistência mútua249 ou responsabilidades compartilhadas, considerava-
a como condição básica obrigatória (lei natural), um "ato de humanidade" instintivo250;
numa concepção que assemelha a sua interpretação da solidariedade, portanto, a
245 MATZ-LÜCK, Nele. SOLIDARITÄT, SOUVERÄNITÄT UND VÖLKERRECHT: GRUNDZÜGE EINER INTERNATIONALEN SOLIDARGEMEINSCHAFT ZUR HILFE BEI NATURKATASTROPHEN. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 145-149. Apud E. de Vattel, The Law of Nations or the Principles of Natural Law Applied to the Conduct and to the Aff airs of Nations and Sovereigns, Bd. III, 114 (1916) 246 Assim, embora Vattel tenha concebido a solidariedade como princípio fundamental do direito internacional, ele considerou as obrigações oriundas do mesmo como de natureza moral e não legal. 247 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 6. Apud O. Kimminich, “Die Genfer Flüchtlingskonvention als Ausdruck globaler Solidarität, AdV 29 (1991), 261 et seq. (265); ao citar o famoso escrito de Vattel, Wellens diz que se lê nesta passagem: “…when the occasion arises, every Nation should give its aid to further the advancement of other Nations and save them from disaster and ruin, so far as it can do so without running too great a risk… if a Nation is suffering from famine, all those who have provisions to spare should assist in need, without, however, exposing themselves to scarcity… To give assistance in such dire straits is so instinctive an act of humanity that hardly any civilized Nations is to be found which would refuse absolutely to do so… Whatever be the calamity affecting a Nation, the same helps is due to it” como citado pelo relator especial Eduardo Valencia-Ospina, em seu Relatório preliminar sobre a Proteção das Pessoas em caso de catástrofes, Doc. A/CN.4/598 of may 2008, para.14.” 248 DOROTHY V. JONES, CODE OF PEACE: ETHICS AND SECURITY IN THE WORLD OF THE WARLORD STATES (1991). MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 260-262. 249 CHRISTIAN WOLFF, Jus GENTIUM METHODO SCIENTIFICA PERTRACTATUM §§ 12, 156-172 (Joseph H. Drake trans., 1934) (1764). 250 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 69. Apud E. de Vattel, Le droit des gens ou principles de la loi naturelle, Book II, Chapter 1, paras 4-5, quoted by C. Focarelli, Duty to Protect in Cases of Natural Disasters, in: MPEIL (2012), para 1.
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uma norma de jus cogens, ou seja, uma norma essencial à preservação de valores
supremos da comunidade internacional, presente no seguinte ensinamento: "A
primeira lei geral que descobrimos é que cada nação deve contribuir para a felicidade
e perfeição das demais".251
No entanto, a introdução da solidariedade no direito internacional não foi
um processo tão automático e simples252. Apesar do jus gentium, a partir dos séculos
XVI e XVII, ter associado à própria humanidade o empenho em assegurar unidade às
suas necessidades e aspirações253 universalistas254, desde a adoção do Tratado de
Westphalia em 1648, o direito internacional constitui-se basicamente em uma
justaposição voluntária da soberania dos Estados.
Além do mais, qualquer impulso que havia para conciliar a tensão entre os
interesses individuais dos Estados e os interesses coletivos da comunidade global foi
sufocado pelo imperialismo do século XIX e pelo positivismo que no mesmo período
serviu de base para a fundamentação de que a criação de obrigações para os Estados
contra a sua vontade era problemática e nada palatável,255 tendo, então, a teoria e a
prática da soberania absoluta256 dos Estados adquirido proeminência na comunidade
internacional. Assistiu-se, dessa forma, a soberania absoluta estatal
progressivamente substituir o ideal de solidariedade internacional, de tal forma que,
251 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 45-46. Apud E. de Vattel, Le Droit des gens ou principes de la loi naturelle appliqués à la conduite et aux aff aires des nations et des souverains, at Préliminaires § 13 (1838); A. Dempf, Christliche Staatsphilosophie in Spanien, at 46 et seq. (1937); J. Délos, La société internationale et les principes du droit public, at 185 et seq. (2nd ed. 1950). 252 HESTERMEYER, op. Cit., loc. Cit., apud L. Henkin, International Law: Politics, Values and Functions, 216 Receuil des Cours 9, at 45 (1989); P. Weil, Towards Relative Normativity in International Law?, 77 American Journal of International Law 413, at 420 (1983). 253 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. páginas. 7-8. J. Moreau-Reibel, “Le droit de société interhumaine et le ‘jus gentium’: Essai sur les origines et le développement des notions jusqu’à Grotius”, 77 Recueil des Cours de l’ Académie de Droit International de La Haye (1950), pp. 500-501, 504 e 506-510. 254 Ibid., páginas. 7-8. Apud A. Miele, La Comunitá Internazionale, vol. I, 3a. ed., Torino, Giappichelli, 2000, pp. 75, 77-78, 80 e 89. 255 HESTERMEYER, op. Cit., loc. Cit., apud C. Tomuschat, Obligations Arising for States without or against Their Will, 241RdC 195–374 (1993) 256 Neste ponto, interessante frisar a opinião de CELSO RIBEIRO BASTOS, para quem: “A soberania
absoluta, na verdade, nunca existiu. Um Estado sempre teve que limitar-se a situações políticas, geográficas, econômicas que sua realidade impunha. BASTOS, Celso Ribeiro. ESTADO DO FUTURO. Capítulo 13. páginas 164-173. In: O Estado do Futuro. MARTINS, Ives Granda da Silva (Coord.). revisão Fausto Alves Barreira Filho. – São Paulo: Pioneira: Associação Internacional de Direito e Economia, 1998. p. 170.
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nas décadas finais do século XIX, a solidariedade chegaria a ser usada como
justificativa para a dominação colonial: a responsabilidade solidária entre os Estados
se transfiguraria na "missão civilizadora" dos Estados europeus representada pelo
neocolonialismo sobre as populações de outros estados,257 especialmente africanos,
tendo sido essa “solidariedade entre nações civilizadas" marcante no direito
internacional do século XIX, em que uma minoria de nações privilegiadas se
favoreciam da dominação de outros povos em todo o mundo.258
Como resposta a tal cenário, as construções da ideia de solidariedade dos
primórdios da história do pensamento, das utopias renascentistas e pré-liberais,
baseadas em uma dimensão ética e religiosa, a chamada “solidariedade dos
antigos”259 foi sucedida pela ideia de solidariedade construída no contexto da
secularização do pensamento, das declarações de direitos, das teorias econômicas
liberais e da generalização dos direitos fundamentais e dos pensamentos socialistas
e anarquistas, transportando a noção de solidariedade do campo moral para o jurídico,
por meio da “solidariedade dos modernos”260, onde se presencia a solidariedade ser
(re)construída, em um dimensão mais sólida, essencialmente como uma noção
jurídica261, a desafiar a soberania estatal absoluta, o individualismo radical e os
regimes autoritários ou totalitários, postulando tolerância e pluralismo.262
Era o (re-)surgimento do discurso solidarista (e antipositivista) que havia
sido posto de lado pelo inebriante discurso de poder que a soberania absoluta estatal
e o positivismo oitocentista haviam alimentado e que resultara na perda do ideal
solidário da civitas maxima com fundamento em uma “imperfeição primordial” da
257 DOROTHY V. JONES, CODE OF PEACE: ETHICS AND SECURITY IN THE WORLD OF THE WARLORD STATES (1991). MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 260-262. 258 JAZAÏRY, Idriss. LE CONCEPT DE SOLIDARITÉ INTERNATIONALE POUR LE DÉVELOPPEMENT. Conferences Publiques. Institut International d´Etudes Sociales Genève. Genebra, 1977. p. 24. 259 BITENCOURT NETO, Eurico. O Direito ao Mínimo para uma existência Digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P.107-108. Apud PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Lecciones de derechos fundamentales, p. 174. 260 Ibid., Apud PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Lecciones de derechos fundamentales, p. 175-176. 261 Ibid., Apud NABAIS, José Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade, p. 135. Frise-se que tal se deu sem negar ou excluir a influência de componentes morais, religiosos ou culturais da solidariedade. 262 Ibid., Apud PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Lecciones de derechos fundamentales, p. 176-178.
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solidariedade: a não juridicidade do dever de solidariedade.263 Assim, nas primeiras
três décadas do século XX, a consciência jurídica internacional foi convidada a
fomentar a reconstrução de um sólido significado jurídico para a solidariedade
internacional264, levando a pensar o direito internacional como um sistema global,
desafiando radicalmente a soberania e o voluntarismo dos Estados.265
Nesse sentido, Manuel Alejandro Álvarez Jofré, juiz da Corte Internacional
de Justiça entre 1946-1955, afirmava, lá em 1912, que os Estados "tinham que se
comportar de forma mais cooperativa, baseada na solidariedade"266.
Entretanto, a primeira metade267 do século XX não foi tão favorável nem
para o princípio da solidariedade, nem para o direito internacional e muito menos para
o mundo, que presenciou duas grandes guerras. O tema só voltaria à pauta
internacional após o final da Segunda Guerra Mundial268, exatamente a 26 de junho
de 1945, quando os Estados optam pela criação da Organização das Nações Unidas
263 Tal “imperfeição” – não juridicidade – já havia sido identificada por Vattel no dever de solidariedade. PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. p. 117 264 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. La Nueve Dimensión de las Necesidades de Protección del ser Humano em el Início del Siglo XXI. 4 ed. San José, C.R.: Impresora Gossestra Internacional, 2006. p. 82 265 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 233-234.; Segundo Marie Bouriche, Duguit e Scelle desafiaram radicalmente a soberania dos Estados, para eles os estados não são soberanos,são apenas intermediários entre o direito internacional e os particulares aos quais se aplica. BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 38 e 39., onde faz referência às seguintes autores e obras: L. DUGUIT, Traité de droit constitutionnel, t. I <<La règle de droit>>, Boccard, Paris, 1923. p. 558.; G. SCELLE, Précis de droit des gens, CNRS: Paris, 1932. p. 11; Léon DUGUIT, Souveraineté et liberté, Leçons faites à l’Université de Columbia (New York), 1920-1921, La mémoire du droit, Paris; 2002. p. 75; Léon DUGUIT, Leçons de Droit public général, faites à la faculté de droit égyptienne, Boccard: Paris, 1926. pp. 114 e 149. 266 Em sua famosa monografia, La codificação du droit international, publicado em 1912. Segundo Karel Wellens, as noções de solidariedade e interdependência entre os Estados foram os pilares da teoria jurídica de Manuel Alejandro Álvarez Jofré, que mais tarde também transpareceria em seu trabalho perante a Corte Internacional de Justiça. WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 6 Apud K. Zobel, “Judge Alejandro Alvarez at the International Court of Justice (1946-1955): His Theory of a ‘New International Law’ and Judicial Lawmaking”, LJIL 19 (2006), 1017 et seq. (1038). 267 Durante a breve existência da Liga das Nações, o Artigo 22º de seus Pacto constitutivo, mencionava a "confiança sagrada" como a base para o sistema da Liga das Nações. 268 DOROTHY V. JONES, CODE OF PEACE: ETHICS AND SECURITY IN THE WORLD OF THE WARLORD STATES (1991). MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 260-262.
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(ONU), passo decisivo na restruturação da importância da solidariedade no direito
internacional.
A Carta das Nações Unidas representa um inigualável esforço solidário
mundial a propor a paz mundial como uma meta absoluta, além de ser marco
fundamental para o princípio da solidariedade internacional269, ideia presente desde
os trabalhos preparatórios da Carta,270 e que particularmente ilumina o preâmbulo da
mesma271, germe da emergência de uma nova cidadania mundial, portadora de novos
deveres e responsabilidades para todos os povos das Nações Unidas.272
Neste momento, é significativo ressaltar a patente proximidade entre o
pensamento kantiano de uma “paz perpétua”273 e o espírito da Carta das Nações
Unidas que visa estabelecer uma paz mundial duradoura274 advinda da necessária
solidariedade para organizar a interdependência entre os Estados.275
É nesse sentido que, mesmo não estando o termo “solidariedade"
explicitamente grafado na Carta das Nações Unidas, as metas do preâmbulo "de
praticar a tolerância, viver em paz uns com os outros e unir forças para manter paz e
269 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 356 e 357. 270 Por ocasião da Conferência de São Francisco, o governo norueguês e expressou a opinião de que, a nível institucional, o Secretário-Geral das Nações Unidas deve ser "promotor ativo deste verdadeiro espírito de solidariedade internacional, essencial para qualquer organização nova”. DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. páginas. 238 e 239. Apud G / 7 (n), 2 de maio de 1945, p. 662. Da mesma forma, a Colômbia um proposta de alteração ao preâmbulo Dumbarton Oask que afirma que "as Altas Partes Contratantes constataient seu acordo sobre o carácter necessário das seguintes opções: [...] XI. Para proclamar os princípios de solidariedade e de cooperação internacionais são incorpoés no documento conhecido como a Carta do Atlântico, assinado 14 de agosto de 1941 [...] constituem as normas mínimas de conduta que cada estado civilizado deve observar e respeito”. Ibid. páginas. 238 e 239. Apud UNCIO, o volume 4, pp. 841 e 842 271 Ibid., páginas. 238 e 239.; Daí o desejo de René Cassin de apor, diante da Declaração, a sentença “Nós povos das Nações Unidas”. GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito Internacional dos Direitos Humanos: Nova Mentalidade Emergente Pós-1945. Curitiba: Juruá, 2006. p. 172-173. 272 GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito Internacional dos Direitos Humanos: Nova Mentalidade Emergente Pós-1945. Curitiba: Juruá, 2006. p.172-173. Nas próprias palavras de René Cassin: “Pour la sauvegarde des Droits de l´homme, il ne faut pas simplement des Nation Unis, il faut surtout des Hommes Unis!”. GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito Internacional dos Direitos Humanos: Nova Mentalidade Emergente Pós-1945. Curitiba: Juruá, 2006. páginas 171-172. 273 KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. Tradução Marco Antonio de A. Zingano. São Paulo/Porto Alegre: L&PM Editores, 1989. 274 DETAIS, op. Cit., p. 240. 275 Ibid., páginas 237 e 238.
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segurança internacionais"276, refletem tacitamente a institucionalização da
solidariedade internacional entre os Estados. Tanto que para Julien Detais, a
abordagem ideal deve ser a de que a solidariedade internacional é inerente aos
princípios e objetivos fundamentais que estão definidos ao longo de todo a Carta.
Defendendo inclusive que o princípio da solidariedade, por ser tão significativo ao
contexto geral da Carta, a transcende, em função de seu compromisso inquestionável
para atender às necessidades de todos os seres humanos.277 Assim é que, em função
dos preceitos gerais da Carta das Nações unidas, não se pode refutar a existência do
princípio da solidariedade a nível internacional, embora possam existir discordâncias
sobre a natureza jurídica deste princípio.278
Tal discernimento é reforçado, particularmente, pela prestação de
cooperação e assistência internacional previstas nos Artigos 55º e 56º e pelo regime
de manutenção da paz e segurança coletiva prevista no Capítulo VII da Carta das
Nações Unidas279, que, de acordo com Karel Wellens, representaria o mais alto grau
de constitucionalização da princípio da solidariedade no direito internacional.280
276 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. P. 103-104. 277 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 236. 278 Para MacDonald alguns argumentam que o princípio da solidariedade não cria obrigações extra-legais, que só podem surgir de tratados e outros acordos internacionais juridicamente vinculativos; enquanto outros acreditam que o princípio da solidariedade implica uma obrigação extra-legal por parte dos países desenvolvidos para ajudar os países menos desenvolvidos ou, no mínimo, para não interferir com os interesses de outros estados; e uma terceira corrente acredita que a solidariedade é princípio informador de todo o sistema jurídico internacional, sustentando que a solidariedade representa uma direção na qual o direito internacional está viajando. MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 262-263. GEORG DAHM, ET AL., I/ VOLKERRECHT, p. 222, 2d ed. 1988; Alexandre Charles Kiss, Les resources naturelles et le droit international; Conclusions, 45-56 ANNUAIRE DE L'A.A.A. 263, 271 (1984-86); MILAN BULAJIC, PRINCIPLES OF INTERNATIONAL DEVELOPMENT LAW, 236 (1986); Paul de Waart, The Right to Development: Utopian or Real?, in RESTRUCTURING THE INTERNATIONAL ECONOMIC ORDER: THE ROLE OF LAW AND LAWYERS, 99 (Pieter van Djk et al. eds., 1987); PIETER VERLOREN VAN THEMAAT, THE CHANGING STRUCTURE OF INTERNATIONAL ECONOMIC LAW, 194 (1981); Ulrich Scheuner, Solidaritat unter den Nationen als Grundsatz in der gegenwartigen internationalen Gemeinschaft, in RECHT IM DIENSTE DES FRIEDENS, FEsTscHRiFr FOR EBERHARD MENZEL (Jost Delbruck et al. eds., 1975); Mbaye, Art. 2, 1, in Cot/Pellet, La Charte des Nations Unies, 87 (1985). 279 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 511. 280 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of
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Outro importante marco para a solidariedade como valor central da
humanidade surgiu em 10 de dezembro de 1948: a Declaração Universal dos Direitos
do Homem, que reafirmando vários artigos da Carta das Nações Unidas, é, também
expressão da solidariedade na defesa dos direitos humanos, inaugurando “uma nova
era histórica: a era da cidadania mundial”281, quando a solidariedade passa a ser o
valor polarizador do Estado democrático de Direito.282
Também inserida neste contexto, a Declaração sobre os Fundamentos da
Paz, aprovada em 1 de Dezembro de 1949283, é outro documento importante, pois
nela se declara que a Carta das Nações Unidas é o mais solene pacto de paz na
história, impelindo todos os membros das Nações Unidas para que ajam de acordo
com os princípios da Carta, no espírito de cooperação e solidariedade em que a ONU
foi fundada, ao mesmo tempo que chama todas as nações para promover o respeito
pelos direitos fundamentais expressos na Declaração Universal dos direitos
Humanos.284
Ainda em 1949, a solidariedade internacional se manifesta na obrigação de
respeitar e garantir o respeito do direito internacional humanitário em quaisquer
circunstâncias, consagrado no Artigo 1º comum às Quatro Convenções de Genebra
de 1949: “As Altas Partes Contratantes comprometem-se a respeitar e fazer respeitar,
em todas as circunstâncias, a presente Convenção”285. Esta é de acordo com
Laurence Boisson de Chazournes, uma das manifestações de solidariedade jurídica,
tomada como obrigação incondicional e não sujeita às restrições de reciprocidade.286
International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 4. (See note 9) 281 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação. Histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 55. 282 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 245. 283 GA Res. 290 (IV), da ONU. Doc. A / Res / 290 (1949), ESSENTIALS OF PEACE. Disponível em inglês:<https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/051/09/IMG/NR005109.pdf?OpenElement>. Acesso em 21 de junho de 2016. 284 Ibid., 285 BRASIL, DECRETO Nº 42.121, DE 21 DE AGOSTO DE 1957: Promulga as convenções concluídas em Genebra a 12 de agosto de 1949, destinadas a proteger vítimas de defesa. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-42121-21-agosto-1957-457253-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 23 de agosto de 2016. 286 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity?. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. pp. 105-107.
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Em 23 de março de 1964, solidariedade é mencionada expressamente pelo
Ato Final287 da primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (CNUCED), quando na segunda estrofe do Preâmbulo observa-se
que os Estados Partes, em concordância com o Preâmbulo da Carta das Nações
Unidas288, reconhecem que a paz e a prosperidade universal estão intrinsecamente
ligados ao crescimento econômico dos países em desenvolvimento, e cientes dos
perigos que um fosso cada vez maior nos padrões de vida entre os povos pode gerar,
pugnam pelos benefícios da cooperação internacional com vista a ajudar os países
em desenvolvimento para alcançar um padrão mais elevado de vida, “em um sentido
de solidariedade humana, na busca do progresso econômico e social de todos os
povos”.289 Julien Detais, afirma que neste Ato Final da primeira Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, o Princípio da Solidariedade
surge como base do direito ao desenvolvimento, repousando sobre: "i) a
interdependência de toda a economia mundial; ii) o dever universal imposto a todos
os Estados para alavancar uma economia internacional pautada no desenvolvimento
de todos os países; e iii) a preservação da espécie humana".290
Em 1966, os defensores da solidariedade internacional argumentariam que
os preâmbulos291 e várias obrigações no âmbito do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos292, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e do Pacto Internacional sobre Direitos
287 UNCTAD, Disponível em: <http://unctad.org/en/Docs/econf46d141vol1_en.pdf>. Acesso em 12.06.2016. 288 Ibid., 289 Ibid., 290 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. Apud Alain Pellet, <<L’article 55>>, in Jean-Pierre Cot, Alain Pellet, Mathias Forteau (dir.), La Charte des Nations Unies. Commentaire article par article, Economica, Paris, 2005. p. 1451. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 244. 291 Nos preâmbulos dos Pactos de 1966 se fala em “conformidade com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas”, “relacionamento da dignidade inerente a todos os membros da família humana”, “justiça e da paz no mundo”, “O ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria”, que “não pode ser realizado a menos que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos”, “impõe aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem” e “compreendendo que o indivíduo, por ter deveres para com seus semelhantes e para com a coletividade a que pertence, tem a obrigação de lutar pela promoção e observância dos direitos reconhecidos no presente Pacto”. BRASIL, DECRETO Nº 591, DE 6 DE JULHO DE 1992: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em 26 de junho de 2016. 292 BRASIL, DECRETO Nº 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em 26 de junho de 2016.
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Econômicos, Sociais e Culturais293, adotado na mesma Sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, no dia 19 de dezembro de 1966, fazem referências indiretas ao
princípio da solidariedade; especialmente, porque as obrigações de ambos os pactos
deveriam ser completadas por outras de ordem geral em virtude da interdependência
global que conecta o pleno desenvolvimento de todas as pessoas a um necessário
projeto de toda a humanidade (visto que exigem um meio ambiente compartilhado
sadio, a preservação da paz mundial e o avanço na criação de uma nova ordem
internacional, através de um aparato de instituições internacionais, que impõem
obrigações conjuntas a todos os Estados). Ou seja, apenas uma ação coletiva, em
espírito de solidariedade a humanidade, e levando em conta a indivisibilidade dos
direitos humanos, poderia garantir a possibilidade de continuarmos avançando para
alcançarmos a implementação dos direitos propostos nos dois Pactos de 1966.294
Curiosamente, se juntarmos todas as referências indiretas à solidariedade
presentes nos preâmbulos dos dois pactos internacionais de 1966, podemos formar
um conceito de solidariedade bem orientado: solidariedade seria conferida pelos
princípios proclamados na Carta das Nações Unidas em o relacionamento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana na busca pela justiça e paz
no mundo onde o ideal do ser humano livre, liberto do temor e da miséria só pode ser
realizado por meio da criação de condições que permitam a cada um gozar de seus
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; o que impõe aos Estados a
obrigação de promover o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do
homem, e aos indivíduos, deveres para com seus semelhantes e para com a
coletividade a que pertence, na luta obrigatória de todos pela promoção e observância
dos direitos humanos que também promovem, por sua indivisibilidade e
interdependência, os direitos da humanidade, ou seja, os direitos humanos de
solidariedade.
Assim, a solidariedade entre os membros da sociedade que outrora
emanava da necessidade de tratar coletivamente as ameaças comuns, deu lugar, aos
poucos, à consciência de um interesse comum de toda a sociedade que deveria ser
293 BRASIL, DECRETO Nº 591, DE 6 DE JULHO DE 1992: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em 26 de junho de 2016. 294 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 651.
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protegido, levando o direito internacional a desenvolver do conceito de normas
imperativas de direito internacional geral, ou seja, normas de “jus cogens”, “regras que
proíbem condutas tidas como fundamentalmente inaceitáveis pela sociedade
internacional dos Estados, formando parte de um corpo permanente de normas que
têm o mais alto destaque no direito internacional”295, e das obrigações “erga ommes”
que visam garantir a supremacia dos valores comuns compartilhados nos domínios
de validade dos atos jurídicos.296 Assim, o conceito de solidariedade encontra
expressão tanto nas normas de jus cogens, como nas obrigação erga omnes297.
295 FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DO ENCONTRO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO. p. 162. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013. 296 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 246 Apud Robert Kolb, Ius contra bellum. Le droit international relative au maintien de la paix, Bruylant: Bruxelles, 2003. p. 25. 297 Obrigações erga omnes tiveram seu reconhecimento sancionado em conceito definido, pela sentença da Corte Internacional de Justiça no caso Barcelona Traction de 1970, que, nos parágrafos 33-34, diz: Parágrafo 33: “(…) Em particular, uma distinção essencial deve ser feita entre as obrigações de um Estado para o internacional comunidade como um todo, e dos decorrentes vis-à-vis outro Estado no domínio da protecção diplomática. Pela sua própria natureza os primeiros são a preocupação do todos os Estados. Em vista da importância dos direitos envolvidos, todos Estados podem ser considerados para ter um interesse jurídico na sua protecção; elas são obrigações erga omnes.” Parágrafo 34: “Essas obrigações decorrem, por exemplo, no direito internacional contemporânea, da proibição de atos de agressão e de genocídio, como também dos princípios e regras relativas aos direitos básicos do pessoa humana, incluindo a protecção contra a escravidão e discriminação racial. Alguns dos correspondentes direitos de protecção entraram no Corpo de direito internacional geral (Reservas à Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, Opinião Consultiva, I.C.J. Relatórios 1951, p. 23); outros são conferidos por instrumentos internacionais de caráter universal ou quase universal.” Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited, Judgment, I.C.J. Reports 1970. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/50/5387.pdf>. Acesso em 25 de maio de 2016. A natureza incidivelmente comunitária dos bens jurídicos protegidos pelos princípios e regras apontados na sentença do caso Barcelona Traction determina a estrutura não bilaterizável das obrigações que se lhes referem, pois tratam-se de obrigações erga omnes, cujo traço característico fundamental é justamente o de ser tratar de obrigações para com a comunidade internacional no seu conjunto: o rátio é a proteção de um interesse comunitário; a sua beneficiária é a comunidade de Estados; corresponde-lhes um jus standi alargado. PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. pp. 98.; Neste sentido ver, também: BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. páginas 340, 341, 349 e 350.; e DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 246. Apud Robert Kolb, Ius contra bellum. Le droit international relative au maintien de la paix, Bruylant: Bruxelles, 2003. p. 29 e 30.; MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 262-263.
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A consagração positiva do jus cogens se deu nos Artigos 53º298 e 64º299 da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de maio de 1969300, que criou
uma nova fonte do Direito Internacional por meio da consagração de valores comuns
solidários imperativos do direito internacional geral, “uma norma aceita e reconhecida
pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual
nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de
Direito Internacional geral da mesma natureza”, sendo que “qualquer tratado existente
que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se”.301
Em consequência, as normas de jus cogens, simbolizando os valores
fundamentais legalmente compartilhados por todos, para a coesão da comunidade
internacional, é dos exemplos mais poderosos de solidariedade internacional por
estarem no topo da ordem jurídica mundial302, como expressão de preocupações
comuns da humanidade que transcendem aos interesses estatais.303
Em outros termos, as normas de jus cogens materializam a solidez da
solidariedade internacional como uma ferramenta propulsora de coerência jurídica
global304, ao ponto de se aceitar, inclusive, que os Estados tenham a sua soberania
limitada pela necessidade de proteger os direitos cogentes expressos pelas normas
imperativas do direito internacional geral,305 tendo sidas estas expressamente aceitas
por tratado, ou quer tacitamente aceitas pelo costume internacional, como necessárias
298 O Artigo 53. Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens): É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza. BRASIL. Decreto Nº 7.030, de 14 de dezembro De 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em: 15.07. 2016. 299 Artigo 64. Superveniência de uma Nova Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens): Se sobrevier uma nova norma imperativa de Direito Internacional geral, qualquer tratado existente que estiver em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.Ibid., 300 Ibid., 301 Ibid., 302 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 322. 303 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 247. 304 BOURICHE, op. Cit., p. 327. As normas jus cogens, naturalmente, têm uma função primária na ordem jurídica internacional. Este função é claramente determinada pela superioridade teórica das normas jus cogens. Ibid., p. 323. 305 DETAIS, op. Cit., p. 246.
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à proteção dos interesses públicos da sociedade como um todo, demonstrando que o
Direito Internacional contemporâneo não repousa mais apenas sobre a vontade dos
Estados, antes existem normas que prevalecem incondicionalmente sobre o
voluntarismo estatal.306
Tal painel confirma um novo paradigma estruturante do direito internacional
contemporâneo: o da ordem pública solidária na comunidade internacional, em
crescente processo de afirmação e com deveres incontornáveis, onde as normas de
jus cogens representam a projeção normativa dos valores solidários básicos
daquela307, por meio de valores que não surgem apenas dos mecanismos de
solidariedade estabelecidos pelos Estados voluntariamente, mas também da
consciência, uma intuição do dever moral global, que tornando-se habitual ou
convencional, resulta em direito cogente308, balizado por um princípio geral de direito
internacional.309
Neste mesmo cenário, as obrigações erga omnes envolvem um grande
número de regras do direito internacional humanitário e do direito internacional dos
direitos humanos associadas total ou parcialmente às normas jus cogens. Ou seja,
normas jus cogens são objeto de proteção erga omnes310: a natureza erga omnes de
uma obrigação significa o que é devido a todos, e portanto, a comunidade
internacional e seus membros teem interesse de proteger, em conformidade com o
reconhecido nas normas de jus cogens.311
Vale reinterar que tal posicionamento só pode existir dentro de um contexto
de solidariedade e cooperação jurídica, pois implica que os Estados reconheçam a
existência de normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens), ou seja,
de certos princípios-norma como superiores aos interesses nacionais de cada Estado.
306 PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. pp. 99. 307 Ibid., p. 117. 308 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. pp. 40 e 41. 309 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 117. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013. 310 BOURICHE, op. Cit., páginas. 348-349. 311 Ibid., páginas. 340, 341, 349 e 350.
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Outra distinção relevante que deve ser feita é entre as obrigações erga
omnes partes e as obrigações erga omnes omnium.312 É possível dizer em primeiro
lugar que as obrigações erga omnes partes existem geralmente como parte de uma
convenção multilateral, por um princípio da "solidariedade comunitária" de proteção
dos interesses coletivos de um grupo de Estados, se aplicado, portanto, apenas entre
as partes na prática do acordo, ou seja, entre um pequeno círculo da comunidade
internacional.313 Já as obrigações erga omnes omnium existem sob os auspícios dos
princípios gerais do direito ou o costume universal (a exemplo de muitos princípios do
direito internacional humanitário, da não-agressão e da proibição de genocídio). As
obrigações erga omnes omnium são, desta forma, títulos de natureza convencional
ou costumeiro aplicados a todos os Estados, tendo, portanto, natureza universal, pois
baseiam-se em princípios gerais cogentes.314
Neste sentido, vale conferir a opinião em separado do juiz Ranjeva em 26
de Fevereiro de 2007, na sentença relativa à aplicação da Convenção para a
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio no caso Bósnia e Herzegovina contra
Sérvia e Montenegro, onde leciona que existe a responsabilidade internacional de um
Estado por omissão na obrigação de prevenir o crime de genocídio, o que constitui
uma obrigação erga omnes, “para alcançar a solidariedade internacional que constitui
a base de vigilância constante e necessária num contexto de cooperação
multilateral.”315
Com efeito, a natureza solidária das obrigações erga omnes, se deve ao
fato se serem obrigações que não demandam nenhuma referência a reciprocidade,
existem independentemente de sua execução por outras partes, em função de serem
oriundas da obediência às normas de jus cogens316, que tornam inderrogáveis as
obrigações erga omnes de proteção dos valores supremos da comunidade
312 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 344. 313 Ibid., páginas 344-347. Apud S. VILLALPANDO, L’émergence de la communauté internationale dans la responsabilité des États, PUF: Paris, 2005. p. 249. 314 Ibid., páginas 344-347. 315 ICJ, (2007). Annex to Summary of the Judgment of 26 February 2007. Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Bosnia and Herzegovina v. Serbia and Montenegro). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/?sum=667&code=bhy&p1=3&p2=2&case=91&k=f4&p3=5>. Acesso em 15 de setembro de 2016. 316 BOURICHE, op. Cit., p. 343 Apud P. M. DUPUY. L’unité de l’ordre juridique international. In RCA-DI, vol. 297, 2002. p. 138.
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internacional como um todo, em benefício de todos os seres humanos por meio do
direito internacional317 na proteção do núcleo mínimo de direitos humanos, no
tratamento não discriminatório aos estrangeiros, na cooperação com os vizinhos, na
prevenção de danos a uma comunidade adjacente, etc.; ou seja, em todas as
obrigações internacionais que representam por sua própria natureza, aquelas
obrigações que todos os Estados têm a preocupação e o interesse em seu respeito e
aplicação.318
Assim, a noção de solidariedade vem se tornando uma força motriz
fundamental no direito internacional e, em 1970, foi evidenciada em um compromisso
concreto da Assembleia Geral por meio da Resolução nº 2626 de 24 de outubro de
1970, parágrafo 43319, onde os Estados desenvolvidos se comprometem a contribuir
com 0,7 por cento do seu produto interno bruto em assistência oficial ao
desenvolvimento, em sólido exemplo de solidariedade positiva.
Dentre os documentos das Nações Unidas que devem ser reunidos no
corpo dos documentos globais que têm relação com a solidariedade internacional
deve ser citada, também, a Resolução nº 2625, tomada pela Assembleia Geral
durante a sua vigésima quinta sessão, em 24 de outubro de 1970, Declaração sobre
os Princípios do Direito Internacional relativos às relações amistosas e de cooperação
entre os Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas320. Tal declaração
reafirmando os termos da Carta das Nações Unidas, acrescenta que a expansão das
relações de amizade e de cooperação entre as nações, independentemente dos seus
sistemas políticos, econômicos, sociais ou dos níveis de desenvolvimento, estão entre
os objetivos fundamentais das Nações Unidas, considerando a importância de manter
317 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. La Nueve Dimensión de las Necesidades de Protección del ser Humano em el Início del Siglo XXI. 4 ed. San José, C.R.: Impresora Gossestra Internacional, 2006. p. 92. 318 SUCHARITKUL, Sompong. State Responsibility and International Liability Under International Law. (página 821 a 839). In: TOWNSEND, Gregory; CHRISOPOULOS, Paul J.; DERR, Jadene M. W; TELERANT, Niva (editores). LOYOLA OF LOS ANGELES INTERNATIONAL AND COMPARATIVE LAW JOURNAL. Volume 18, Number 1. Los Angeles: Loyola law Schol Press, 1995. p. 836-837. 319 UNITED NATIONS, GA Res. 2626 of 24 October 1970, para. 43. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/348/91/IMG/NR034891.pdf?OpenElement>. Acesso em 18 de julho de 2016. 320 UNITED NATIONS, UN Doc. A/RES/25/2625, Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às relações amistosas e de cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a25r2625.htm>. Acesso em 14 de maio de 2016.
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e fortalecer a paz e segurança internacional, baseado em liberdade, igualdade, justiça
e respeito dos direitos humanos fundamentais.321
Vale observar, igualmente, que com base nos princípios adotados na
Resolução da Assembleia Geral nº 2749 (XXV) de 17 de dezembro de 1970,
Declaração de princípios sobre o fundo do mar e do fundo do oceano, e do subsolo
além dos limites da jurisdição nacional 322, especialmente seus Artigos 30, 31 e 32, a
exploração da área o fundo do mar e do fundo do oceano, e do subsolo além dos
limites da jurisdição nacional serão realizadas exclusivamente para fins pacíficos e
para obter informações para benefício equitativo de todos os Estados, tendo em conta,
especialmente, os interesses e as necessidades específicas dos países em
desenvolvimento. Assim, as atividades desenvolvidas nestas áreas devem visar a
busca de proteger, preservar e melhorar o meio ambiente para a presente e para as
futuras gerações, como meta de responsabilidade de todos os Estados, promovendo
conjuntamente o desenvolvimento equilibrado da economia mundial, tendo em conta
o fato de que o bem-estar dos países desenvolvidos e o crescimento e
desenvolvimento dos países em desenvolvimento devem estar intimamente ligados,
como meta de prosperidade da comunidade internacional como um todo.323
Já a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 3281 adotada
na Vigésima Nona Sessão de dezembro de 1974, “Carta dos Direitos e Deveres
Econômicos dos Estados”324, proclama a necessidade de uma nova ordem
econômica, por meio do direito ao desenvolvimento e da cooperação internacional. É
321 UNITED NATIONS, UN Doc. A/RES/25/2625, Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às relações amistosas e de cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a25r2625.htm>. Acesso em 16 de maio de 2016. 322 UNITED NATIONS, DECLARATION OF PRINCIPLES GOVERNING THE SEA-BED AND THE OCEAN FLOOR, AND THE SUBSOIL THEREOF, BEYOND THE LIMITS OF NATIONAL JURISDICTION. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/350/14/IMG/NR035014.pdf?OpenElement>. Acesso em 16 de maio de 2016. 323 Ibid., 324 NAÇÕES UNIDAS, Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 3281 adotada na Vigésima Nona Sessão de dezembro de 1974, “Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/738/83/IMG/NR073883.pdf?OpenElement>. Acesso em 28 de agosto de 2016.
81
digno de nota o fato de que este documento demonstra, em muitos de seus artigos325,
verdadeira referência a algo mais condizente com a solidariedade internacional.
325 Dentre estes podemos citar os Artigos: 14º, 15º, 16º, 18º, 19º, 22º, 24º, 26º, 29º, 30º, 31º e 32º. Assim, o Artigo 14. “os Estados devem empreender esforços coordenados para uma solução justa problemas comerciais de todos os países, tendo em conta os problemas específicos do comércio países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os Estados devem tomar medidas para garantir mais benefícios para o comércio internacional dos países em desenvolvimento, a fim de alcançar um aumento substancial das suas receitas em divisas, diversificar suas exportações, acelerar o crescimento do seu comércio, de acordo com suas necessidades de desenvolvimento, aumentar oportunidades para esses países a participar da expansão do comércio mundial e mais favorável para os países em desenvolvimento a participar em benefício de expansão do comércio através de, na medida do possível, significativa melhorar o acesso ao mercado de produtos de interesse para nos países em desenvolvimento, e, se necessário, pelas medidas de o estabelecimento de um preços estáveis, equitativos e remuneradores para commodities.” Artigo 15. “Artigo 15. Todos Membros são obrigados a contribuir para a implementação de desarmamento geral e completo sob controle internacional eficaz e utilizar os recursos liberados como resultado das medidas de desarmamento eficaz, económica e social países em desenvolvimento, a atribuição de uma porção significativa de tais recursos como fundos adicionais para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento.” Artigo 16. 1. O direito e o dever de todos os Estados, individual e coletivamente, para eliminar como pré-requisito para o desenvolvimento do colonialismo, apartheid, racial discriminação, neo-colonialismo e todas as formas de agressão estrangeira, ocupação e dominação e as consequências económicas e sociais que se seguiram. Membros que aplicaram essa política de coerção, não?? Ut econômica responsabilidade para os estados, territórios e povos da restituição e cheia e reduzindo o uso de pagamento e quaisquer outros recursos naturais dessas Medo, territórios e povos, e os danos causados a esses recursos. Obrigação de todos os Estados -. Para expandir a assistência. 2. Nenhum Estado tem o direito de promover ou encorajar investimentos que podem constituir um obstáculo à libertação territórios ocupados pela força.” “Artigo 18. Desenvolvido os países devem se expandir, melhorar e fortalecer o sistema de general preferências tarifárias não-recíprocas e não discriminatórias para os países em desenvolvimento, compatível com todas as conclusões relevantes aprovadas e decisões relevantes adoptadas neste domínio, através da competente organizações internacionais. Os países desenvolvidos devem também dar grave a atenção para a adoção de outras medidas diferenciadas nas áreas em que é possível e apropriado, e de maneiras que irão fornecer especial e mais tratamento favorável, a fim de atender às necessidades dos países em desenvolvimento comércio e desenvolvimento. Nas relações econômicas internacionais desenvolvidos países devem procurar evitar, tomar medidas de forma adversa influência sobre o desenvolvimento das economias nacionais dos países em desenvolvimento, incentivados preferências tarifárias universais e outras geralmente reconhecido diferenciado medidas em seu favor.” Artigo 19. “Em para acelerar o crescimento econômico dos países em desenvolvimento e para superar fosso econômico entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento desenvolveram países devem fornecer aos países em desenvolvimento, com preferencial universal, tratamento não recíproco e não discriminatório nas áreas de internacional cooperação económica, em que isso é possível.” Artigo 22. 1. Todos os Estados devem responder ao geralmente reconhecidos ou mutuamente necessidades e objetivos dos países em desenvolvimento, promovendo um maior fluxos líquidos de recursos reais de todas as origens em países em desenvolvimento sujeita a quaisquer obrigações assumidas pelos Estados em causa, por complementar os esforços dos países em desenvolvimento para acelerar a sua desenvolvimento econômico e social. 2. Neste contexto, de acordo com os objetivos acima e objetivos no que diz respeito os compromissos assumidos, a este respeito, devem procurar a aumentar fluxos financeiros líquidos provenientes de fontes oficiais para o desenvolvimento país e melhorar as suas condições. 3. Fluxo de recursos, que são a assistência ao desenvolvimento deve incluir assistência económica e técnica. Artigo 24.Todos Membros são obrigados a basear as suas relações econômicas mútuas de tal forma levar em conta os interesses de outros países. Em particular, todos os Estados devem para evitar danos aos interesses dos países em desenvolvimento. Artigo 26. Todos Os Estados têm o dever de conviver em tolerância ao outro e vivem em mundo, independentemente das diferenças de política, económica, social e sistemas culturais, e para facilitar o comércio entre os países com diferentes sistemas econômicos e sociais. Comércio internacional aplica-se sem prejuízo da geral não discriminatória e não recíproco preferências em favor dos países em desenvolvimento, com base no benefício mútuo, justo
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Nesse contexto, não se pode olvidar, que exemplos de solidariedade
negativa estão presentes, também, nos acordos do GATT, e de forma ainda mais
evidente no regime da OMC.326
A Declaração sobre a preparação das sociedades para a vida em Paz327,
Resolução nº 33/73, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de
dezembro de 1978, é outra determinação proclamada pelas Nações Unidas que tem
estreita relação com a solidariedade internacional, pois recorda que um dos objetivos
fundamentais das Nações Unidas é manter a paz e a segurança internacional,
afirmando de forma paradigmática que “viver em paz é direito tanto dos indivíduos,
dos Estados, como de toda a humanidade”. Desta forma, os Estados, no espírito da
amizade e das relações de boa vizinhança, têm o dever de promover tal direito em
cooperação política, econômica, social e cultural de forma recíproca e equitativa com
todos os outros Estados, criando condições de compreensão e respeito mútuos da
identidade e da diversidade de todos os povos, ou seja, no dever de empreender
ações conducentes à promoção dos ideais de paz, humanismo e liberdade.328
Em 1979, em um giro transmoderno do pensamento solidário, o conceito
de solidariedade sofreria uma grande reviravolta, quando Karel Vasak lança, em sua
e benefícios mútuos de tratamento. Capítulo III. A responsabilidade global da comunidade internacional. Artigo 29. O fundo mares e oceanos, e suas subsolo, para além dos limites da jurisdição nacional, os recursos da área são o patrimônio comum da humanidade. NAÇÕES UNIDAS, Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 3281 adotada na Vigésima Nona Sessão de dezembro de 1974, “Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/738/83/IMG/NR073883.pdf?OpenElement>. Acesso em 28 de agosto de 2016. 326 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117. 327 UNITED NATIONS, Doc ONU. GA / Res 33/73, Declaration on the Preparation of Societies for Life in Peace. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a33r73.htm>. Acesso em 29 de agosto de 2016. 328 “Por isso é papel essencial dos governos, bem como das organizações governamentais e não governamentais, nacionais e internacionais, a promoção dos ideais de paz e compreensão entre as nações em função de ser a paz entre as nações um valor supremo da humanidade que prepara as sociedades e criar condições para sua existência e cooperação comuns em paz, igualdade, confiança mútua e compreensão. Por isso, cada nação e cada ser humano, independentemente de raça, consciência, língua ou sexo, tem o direito inerente à vida em paz. O respeito a esse direito, assim como aos outros direitos humanos, é do interesse comum de toda a humanidade e de uma condição indispensável para o progresso de todas as nações, grandes e pequenas, em todos os campos.” UNITED NATIONS, Doc ONU. GA / Res 33/73, Declaration on the Preparation of Societies for Life in Peace. Disponível em: <http://www.un-documents.net/a33r73.htm>. Acesso em 29 de agosto de 2016.
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aula inaugural no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo329, uma
nova categoria de direitos fruto de uma terceira geração de direitos humanos: os
direitos de solidariedade.
Tal ideia é contemporânea à do florecimento de um direito ao
desenvolvimento criada por Keba M'baye330. Karel Vasak, também foi entre 1976 e
1980, Diretor da Divisão de Direitos Humanos e Paz da UNESCO, o que talvez
explique o fato da validade das terminologias "terceira geração de direitos" e "direitos
de solidariedade” estarem entre os assuntos discutidos pela UNESCO no Colóquio
sobre os novos direitos humanos: "os direitos de solidariedade"331, realizado na cidade
do México de 12 a 15 agosto de 1980.
Karel Vasak procurou associar as três gerações de Direitos humanos com
os famosos princípios da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e
fraternidade, alegando que a primeira geração de direitos civis e políticos basearam-
se no princípio da Liberdade; a segunda geração de direitos econômicos, sociais e
culturais no princípio da igualdade; e a terceira geração de direitos de solidariedade
se baseariam no princípio da fraternidade332, como resultado da interdependência
global, sendo portanto direitos coletivos (de grupos ou povos), em contraste com os
direitos pertencentes à primeira e segunda gerações, que eram direitos individuais por
natureza. Outra característica diferencial era que os direitos de solidariedade só
poderiam ser realizados "pelos esforços combinados de todos os atores sociais:
329 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 108-110. Apud VASAK, Karel. Pour une troisième generation des droits de l’homme, in: C. Swinarski (ed.), Studies and Essays on International Humanitarian Law and Red Cross Principles, at 837 (1984); S. P. Marks, Emerging Human Rights: A New Generation for the 1990s?, 33 Rutgers Law Review 435, at 441 (1981). 330 Kéba M'baye é reconhecido por ter lançado a teoria do direito ao desenvolvimento. Ele usou o “Direito ao Desenvolvimento” como tema de seu seminário no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo. Cf. M’BAYE, Kéba. “Le Droit du Développement comme un droit de l’Homme”. Revue des Droits de l’Homme 5 (1972), páginas 503-534. 331 UNESCO (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION). "Colloquium on the new human rights: "the rights of solidarity". SS-8O/CONF. 306/4. Cidade do México city, 12 a 15 de agosto 1980. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0004/000453/045394eo.pdf>. Acesso em 23/10/2016. 332 ALGAN, Bülent. Rethinking "Third Generation" Human Rights. pp. 121-155. Ankara Law Review Vol: l, No: l (Summer: 2004). p. 124. Disponível em: <http://dergiler.ankara.edu.tr/dergiler/64/1536/16863.pdf>. Acesso em 19/12/2016.
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Indivíduos, Estados, organizações internacionais públicas e privadas e organizações
não-governamentais".333
Há também que se considerar que a Convenção das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de
1982334, ao reforçar os princípios consagrados na Resolução nº 2749 (XXV) de 17 de
dezembro de 1970, representa uma Convenção internacional eivada de espirito de
solidariedade e cooperação entre os Estados “para a manutenção da paz, da justiça
e do progresso de todos os povos do mundo” por meio da “uma ordem jurídica para
os mares e oceanos que facilite as comunicações internacionais”, além de promover
os usos pacíficos, a utilização equitativa e eficiente dos recursos, a conservação e o
estudo, a proteção e a preservação do meio marinho, contribuindo “para o
estabelecimento de uma ordem econômica internacional justa e equitativa”, que
“tenha em conta os interesses e as necessidades da humanidade em geral e, em
particular, os interesses e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento,
quer costeiros quer sem litoral”, fortalecendo a paz, a segurança, a cooperação e as
relações de amizade entre todas as nações, em conformidade com os princípios de
justiça e igualdade de direitos e promovendo “o progresso econômico e social de todos
os povos do mundo, de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas,
tais como enunciados na Carta”.335
Ora, o reconhecimento de tais obrigações para com a comunidade
internacional como um todo pressupõe a existência da propriedade comunal universal,
considerada digna de proteção legal internacional, argumento suficiente para validar
a tese de existência de uma solidariedade a nível universal.336
333 ALGAN, Bülent. Rethinking "Third Generation" Human Rights. pp. 121-155. Ankara Law Review Vol: l, No: l (Summer: 2004). p. 124. Apud Karel VASAK, "Les différentes catégories des droits de l'homme" in Lapeyre, de Tinguy and Vasak (eds.), Les dimensions universelles des droits de l'homme, Vol. I, 1990, 303, cited from and translated by Jack DONNELLY, "Third Generation Rights" in Catherine BRÖLMANN, René LEFEBER & Marjoleine ZIECK, Peoples and Minorities in International Law, Martinus Nijhoff, Dordrecht, Boston, London. 1993, pp. 119-150, at p. 122, note 13. Disponível em: <http://dergiler.ankara.edu.tr/dergiler/64/1536/16863.pdf>. Acesso em 19/12/2016.Ibid., p. 124. 334 BRASIL, DECRETO Nº 1.530, DE 22 DE JUNHO DE 1995. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1995/decreto-1530-22-junho-1995-435606-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 26 de julho de 2016. 335 Ibid., 336 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 315. Apud S. VILLALPANDO, L’émergence de la communauté internationale dans la responsabilité des États, PUF: Paris, 2005. p. 104.
85
A Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz337, aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução 39/1 em 12 de
novembro de 1984, proclama que a paz como um direito sagrado dos povos de nosso
planeta, colocando como obrigação fundamental de todos os Estados proteger e
promover esse direito dos povos de viver em paz. Desta maneira, “tanto os Estados
quanto as organizações internacionais devem contribuir, por todos os meios e
medidas pertinentes, nos planos nacional e internacional, para assegurar o exercício
do direito dos povos à paz”. Tal esforço é fruto de uma consciência de que o propósito
principal das Nações Unidas é a manutenção da paz e da segurança internacional,
segundo os princípios fundamentais do direito internacional estabelecidos na Carta
das Nações Unidas, “expressando uma verdadeira aspiração solidária de todos os
povos” em eliminar a guerra da face da humanidade como requisito para o bem-estar
material de todos, para o progresso dos países e realização total dos direitos e das
liberdades fundamentais dos seres humanos, já que o estabelecimento de uma paz
duradoura sobre a Terra constitui a condição primordial para preservar a civilização
humana e a sua existência.338
Efetivamente, o marco de referência expressa à solidariedade, no contexto
internacional, é a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993339, aprovada na
Conferência Mundial dos Direitos Humanos, em 25 de junho de 1993, cujo preâmbulo
afirma a determinação para “tomar novas medidas em relação ao compromisso da
comunidade internacional de promover avanços substanciais na área dos direitos
humanos mediante esforços renovados e continuados de cooperação e solidariedade
internacionais”340.
Com base nisso, é possível afirmar que é em direção à proteção da
dignidade do ser humano que se direciona a principal faceta da menção à
337 UNITED NATIONS, ONU Doc. A / Res / 39/11 (1984). Disponível em: <http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r011.htm>. Acesso em 23/10/2016. 338 Os Estados também devem ter sua política orientada à eliminação da ameaça de guerra, especialmente da guerra nuclear, renúnciando ao uso da força nas relações internacionais e procurando acordos por meios pacíficos para a solução das controvérsias internacionais. Ibid., 339 UNITED NATIONS, ONU Doc. A/CONF.157/23 (1993). Disponível em: <http://www.un-documents.net/ac157-23.htm>. Acesso em: 23/10/2016.; “A Declaração e Programa de Ação de Viena, compõe o sistema protetivo de direitos humanos ao afirmar que a proteção dos direitos humanos constitui uma prioridade da comunidade internacional”. CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2015. p. 482. 340 Ibid.,
86
solidariedade no preâmbulo deste importante documento internacional. Além disso,
os artigos 1º e 5º da Declaração observam que a natureza universal, indivisível,
interdependente e interrelacional de todos os direitos humano são inquestionáveis.
A Declaração, igualmente, apresenta uma seção em que trata do direito ao
desenvolvimento como um direito humano universal e inalienável, endossando a
Declaração das Nações Unidas de 1986 sobre o Direito ao Desenvolvimento, ao
mesmo tempo em que conclama à realização deste direito de modo a atender
equitativamente as “necessidades desenvolvimentistas e ambientais das gerações
presentes e futuras” (parágrafos 10 e 11). Além disso, chama a comunidade
internacional para que dirija esforços em diminuir o fardo da dívida externa341 dos
países em desenvolvimento, como maneira de contribuir para a plena realização dos
direitos econômicos, sociais e culturais de todos.342
Como bem atesta Kate Cook, a Declaração e Programa de Ação de Viena
de 1993, também se refere expressamente à solidariedade em relação à
implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança e no contexto da proteção
internacional de refugiados.343
Assim é que, o Artigo 21 ao tratar da Convenção sobre os Direitos da
Criança determina que “A cooperação e a solidariedade internacionais deverão ser
promovidas, com vista a apoiar a aplicação da Convenção, e os direitos da criança
341 Agenor Brighenti, ao tratar de uma nova ordem internacional para um desenvolvimento solidário, observa que: “a situação da dívida externa traz à tona, com realismo e crueldade, um determinado modelo econômico, que criou a atual “ordem internacional”, herdeira do sistema colonialista, que se perpetua por meio da globalização pela via do mercado total. Trata-se de um darwinismo social, que exalta os mais bem dotados e capacitados para a competição econômica, em nome de um “progresso” que, com pretexto de construir um céu na terra, condena dois terços da humanidade a um inferno de pobreza e miserabilidade, verdadeiros órfãos do atual processo de globalização”. De maneira que a “radiografia da dívida externa – suas origens, causas, seus efeitos socioeconômicos e o modo como se tem tratado a questão até então – é uma clara atestação da vigência de uma cultura da insolidariedade, reinante na civilização ocidental, sobretudo em seu pólo hegemônico colonizador”. BRIGHENTI, Agenor. Dívida externa e neocolonialismo: por uma globalização da solidariedade. – São Paulo: Paulinas, 2000. p. 99 e 101. 342 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 4. Ed, rev. atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 539. Apud CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I, 2ª ed., Porto Alegre: S.A. Fabris ed., 2003. p. 244-246. 343 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 514.
87
deverão constituir uma prioridade no âmbito da ação alargada do sistema das Nações
Unidas na área dos Direitos Humanos. ”
Já o artigo 23, ao se referir aos direitos dos refugiados assinala que “face
às complexidades da crise global de refugiados e em conformidade à Carta das
Nações Unidas, aos relevantes instrumentos internacionais e à solidariedade
internacional, e num espírito de partilha de responsabilidades” se impõe uma
abordagem global por parte da comunidade internacional da questão dos refugiados
em coordenação e cooperação com os países afetados e com as organizações
relevantes.344
Por essas razões, Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993,
como um todo, representa um brado por solidariedade ao tratar dos mais diversos
344 23. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que todos, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito de procurar e obter, noutros países, asilo contra as perseguições de que sejam alvo, bem como o direito de regressar ao seu próprio país. A este respeito, realça a importância da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados e seu Protocolo de 1967, e de instrumentos de âmbito regional. Exprime o seu reconhecimento aos Estados que continuam a aceitar e a acolher um elevado número de refugiados nos seus territórios, e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados pela dedicação demonstrada no cumprimento da sua missão. Expressa, igualmente, o seu apreço à Agência de Obras Públicas e Assistência aos Refugiados Palestinos no Próximo Oriente. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que as violações graves dos Direitos Humanos, nomeadamente em casos de conflito armado, se encontram entre os múltiplos ecomplexos fatores que conduzem à deslocação de pessoas. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que, face às complexidades da crise global de refugiados e conformemente à Carta das Nações Unidas, aos relevantes instrumentos internacionais e à solidariedade internacional, e num espírito de partilha de responsabilidades, se torna necessária uma abordagem global por parte da comunidade internacional, em coordenação e cooperação com os países afetados e com as organizações relevantes, tendo presente o mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Tal deverá incluir o desenvolvimento de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das movimentações de refugiados e outras pessoas deslocadas, o reforço de mecanismos de alerta e resposta em caso de emergência, a disponibilização de proteção e assistência efetivas, tendo presentes as necessidades especiais das mulheres e crianças, bem como a obtenção de soluções duradouras, primeiramente através da solução preferível do repatriamento voluntário dignificante e seguro, e incluindo soluções tais como as adotadas pelas conferências internacionais sobre refugiados. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos sublinha as responsabilidades dos Estados, particularmente as que se relacionam com os países de origem. À luz da abordagem global, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realça a importância de se dar especial atenção, inclusivamente através de organizações intergovernamentais e humanitárias, e de se encontrarem soluções duradouras para as questões relacionadas com pessoas internamente deslocadas, incluindo o seu regresso voluntário e seguro e a sua reabilitação. Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e os princípios de Direito Humanitário, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realça ainda a importância e a necessidade da assistência humanitária às vítimas de todas as catástrofes, quer naturais quer causadas pelo ser humano. UNITED NATIONS, ONU Doc. A/CONF.157/23 (1993). Disponível em: <http://www.un-documents.net/ac157-23.htm>. Acesso em 22 de agosto de 2016.
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interesses individuais e coletivos, principalmente no que se refere à paz, ao meio
ambiente e ao direito ao desenvolvimento.345 346
Em 1994, a noção de solidariedade aparece nas partes dispositivas da
Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca
Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África347. O Artigo 3º, alínea b, ao tratar
dos princípios que guiarão a consecução para se atingir os objetivos da Convenção,
salienta que as Partes deverão, “num espírito de solidariedade internacional e de
parceria, melhorar a cooperação e a coordenação aos níveis sub-regional, regional e
internacional”, além de concentrar os recursos financeiros, humanos, organizacionais
e técnicos onde eles forem mais necessários”348.
Em 18 de setembro de 2000, surge a Declaração do Milênio349
(A/RES/55/2) como a um divisor de águas para uma teoria da solidariedade como
princípio do direito internacional. Por meio do seu parágrafo 6º, pela primeira vez a
345 Como exemplo, entre muitos outros: 3. “Devem ser adotadas medidas internacionais eficazes para garantir e monitorar a aplicação de normas de direitos humanos a povos submetidos a ocupação estrangeira, bem como medidas jurídicas eficazes contra a violação de seus direitos humanos, de acordo com as normas dos direitos humanos e o direito internacional, particularmente a Convenção de Genebra sobre Proteção de Civis em Tempo de Guerra, de 14 de agosto de 1949, e outras normas aplicáveis do direito humanitário.” 11.” O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer equitativamente as necessidades ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e futuras”. “Todas as pessoas têm o direito de desfrutar dos benefícios do progresso científico e de suas aplicações’. “A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos observa que determinados avanços, principalmente na área das ciências biomédicas e biológicas, podem ter consequências potencialmente adversas para a integridade, dignidade e os direitos humanos do indivíduo e solicita a cooperação internacional para que se garanta pleno respeito aos direitos humanos e à dignidade nessa área de interesse universal”. 12. “A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos apela à comunidade internacional no sentido de que a mesma empreenda todos os esforços necessários para ajudar a aliviar a carga da dívida externa dos países em desenvolvimento, visando complementar os esforços dos Governos desses países para garantir plenamente os direitos econômicos, sociais e culturais de seus povos”. UNITED NATIONS, ONU Doc. A/CONF.157/23 (1993). Disponível em: <http://www.un-documents.net/ac157-23.htm>. Acesso em 23/08/2016. 346 E a despeito da noção de solidariedade ser utilizada sem uma definição (o que não colabora para
uma determinação clara dos contornos dessa solidariedade dentro do direito internacional), repetindo o mesmo equívoco de outros documentos e instrumentos internacionais que ao fazer referência à noção de solidariedade a usa sem o acompanhamento de uma definição expressa. BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? p. 93-94. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 347 BRASIL, DECRETO Nº 2.741, DE 20 DE AGOSTO DE 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2741.htm>. Acesso em 23/08/2016. 348 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 48-49.; BRASIL, DECRETO Nº 2.741, DE 20 DE AGOSTO DE 1998. Op. Cit., 349 UNITED NATIONS, ONU Doc. A/RES/55/2 de 18 September 2000. Disponível em <http://www.un.org/millennium/declaration/ares552e.pdf>. Acesso em 25 de agosto de 2016.
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solidariedade não é apenas mencionada, mas tem seu conceito definido em um
instrumento internacional350, sendo apontada como um dos valores fundamentais
essenciais para as relações internacionais no século XXI. O parágrafo 6º da
Declaração do Milênio ao discorrer sobre os valores essenciais para as relações
internacionais no século XXI, inclui entre estes a solidariedade, ressaltando que os
desafios globais devem ser geridos de maneira a distribuir os custos e
responsabilidades de forma justa, e de acordo com os princípios básicos de equidade
e justiça social; de forma que os que sofrem mais e são menos beneficiados merecem
a ajuda dos mais abastados.351
Em 2001 a Resolução nº 56/151 da Assembleia Geral das Nações Unidas,
de 19 de Dezembro de 2001, denominada “Promoção de uma ordem internacional
democrática e equitativa”, afirma em seu preâmbulo que consideradas as mudanças
em andamento no cenário internacional é desejo de todos os povos uma ordem
internacional baseada nos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas de
respeito e promoção dos direitos humanos, liberdades fundamentais, igualdade de
direitos, autodeterminação dos povos, paz, democracia, justiça, igualdade, Estado de
direito, pluralismo, desenvolvimento, melhores padrões de vida e de solidariedade.
Além disso, o parágrafo 3º (f) desta resolução, visivelmente se referenciando à
Declaração do Milênio, anuncia: “A solidariedade, como um valor fundamental, em
virtude do qual os desafios globais devem ser geridos de uma forma que distribui os
custos e responsabilidades justamente de acordo com os princípios básicos de
equidade e de justiça social”, igualmente assegurando que aqueles que sofrem mais
ou que se beneficiam menos devam receber ajuda dos mais beneficiados.352
350 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 64. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 351“6. We consider certain fundamental values to be essential to international relations in the twenty-first century. These include: Solidarity. Global challenges must be managed in a way that distributes the costs and burdens fairly in accordance with basic principles of equity and social justice. Those who suffer or who benefit least deserve help from those who benefit most“. UNITED NATIONS, A/RES/55/2 de 18 September 2000. Disponível em: <http://www.un.org/millennium/declaration/ares552e.pdf>. Acesso em 25/08/2016. 352 UNITED NATIONS, GA Res. 56/151, de 19 de Dezembro de 2001. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=a/56/49[Vol.I](SUPP)>. Acesso em 25/08/2016. p. 341 e seguintes.
90
Em 2002, a Resolução da Assembleia Geral nº 57/213353 de 18 de
dezembro de 2002, resolução quase gêmea da GA Res. 56/151 de 19 de Dezembro
de 2001, e também denominada “Promoção de uma ordem internacional democrática
e equitativa”, também destacou em seu preâmbulo a importância da solidariedade
como princípio consagrado na Carta das Nações Unidas, além de repetir sem
quaisquer modificações no seu parágrafo 4º (f)354, os termos do mencionado parágrafo
3º (f) da Resolução 56/151 de 2001. Ambas resoluções merecem destaque, por
afirmarem que a solidariedade é um valor fundamental de equidade e justiça social355,
bem como um princípio que, além de importante para uma ordem internacional
democrática e equitativa, é consagrado na Carta das Nações Unidas,.356
Em 2004, uma dimensão multilateral da solidariedade pode ser inferida da
articulação presente na Resolução nº 59/204357 da Assembleia Geral das Nações
Unidas de 23 de março de 2004, em respeito aos propósitos e princípios contidos na
Carta das Nações Unidas para conseguir a cooperação internacional promover e
estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como
na solução internacional de problemas de caráter humanitário.358
353 UNITED NATIONS, GA Res. 57/213 de 18 de dezembro de 2002. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=a/57/49(Vol.I)(SUPP)>. Acesso em 25/08/2016. p. 413 e sequintes 354 “4. Affirms that a democratic and equitable international order requires, inter alia, the realization of the following: (f) Solidarity, as a fundamental value, by virtue of which global challenges must be managed in a way that distributes costs and burdens fairly, in accordance with basic principles of equity and social justice, and ensures that those who suffer or benefit the least receive help from those who benefit the most;”. Ibid., 355 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? p. 93-94. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 356 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. P. 103-104. 357 UNITED NATIONS, (2004). A/RES/59/204 de 23 de Março de 2004. Respect for the purposes and principles contained in the Charter of the United Nations to achieve international cooperation in promoting and encouraging respect for human rights and for fundamental freedoms and in solving international problems of a humanitarian character. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=a/59/49(Vol.I)(SUPP)>. Acesso em 25/08/2016. p. 405 e seguintes. 358 Em seu preâmbulo: “Reconhecendo que a comunidade internacional deve encontrar formas e meios para remover os obstáculos atuais e enfrentar os desafios para a plena realização de todos os direitos humanos e para impedir a continuação das violações dos direitos humanos daí resultantes em todo o mundo, e deve continuar a prestar atenção à importância de cooperação mútua, a compreensão e o diálogo no sentido de garantir a promoção e proteção de todos os direitos humanos”. E no seu parágrafo n.º 4, “Reafirma também que a responsabilidade pela gestão do desenvolvimento económico e social em todo o mundo, a promoção e proteção dos direitos humanos e ameaças à paz e segurança internacionais deve ser partilhada entre as nações do mundo e ser exercida multilateralmente e que,
91
Em 2005 uma outra Resolução nº 59/193 da Assembleia Geral das Nações
unidas, também, sobre a Promoção de uma ordem internacional democrática e
equitativa359, de 18 de março daquele ano, afirma que uma nova ordem internacional
exige a realização da solidariedade como um valor universal. E em seu parágrafo 4
(f), repete as mesmas palavras sobre solidariedade já conhecidas das duas
resoluções anteriores360 sobre o mesmo tema. Entretanto, vale salientar, que algo
novo é exposto em seu parágrafo 4 (o), onde se acrescenta a responsabilidade
partilhada entre as nações do mundo para a gestão do desenvolvimento econômico e
social em todo o mundo, bem como as ameaças à paz internacional e segurança
coletiva que devem ser geridas multilateralmente.361
A Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução nº 60/119 de 8
de Dezembro de 2005: “Implementação da Declaração sobre a Concessão de
Independência aos Países e Povos Coloniais”, faz direta menção à solidariedade
direcionada aos território "cujo povo ainda não tenham atingido a plena capacidade
de autogoverno", de forma que se tomem medidas eficazes para salvaguardar e
garantir os direitos inalienáveis destes povos, protegendo os seus direitos de
propriedade desses territórios e de seus recursos naturais, como meio para se
como o mais universal e mais organização representativa do mundo, as Nações Unidas devem desempenhar o papel central”. UNITED NATIONS, (2004). A/RES/59/204 de 23 de março de 2004. Respect for the purposes and principles contained in the Charter of the United Nations to achieve international cooperation in promoting and encouraging respect for human rights and for fundamental freedoms and in solving international problems of a humanitarian character. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=a/59/49(Vol.I)(SUPP)>. Acesso em 25/08/2016. p. 405 e seguintes. 359 UNITED NATIONS, A/RES/59/193, de 18 de março de 2005. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=a/59/49(Vol.I)(SUPP)>. Acesso 21/09/2016. p. 380 e seguintes. 360 Resolução da Assembléia Geral nº 56/151 de 19 de Dezembro de 2001 e Resolução da Assembléia Geral nº 57/213 de 18 de dezembro de 2002. “4. Affirms that a democratic and equitable international order requires, inter alia, the realization of the following: (f) Solidarity, as a fundamental value, by virtue of which global challenges must be managed in a way that distributes costs and burdens fairly, in accordance with basic principles of equity and social justice, and ensures that those who suffer or benefit the least receive help from those who benefit the most. Ibid., 361 “4 (o) The shared responsibility of the nations of the world for managing worldwide economic and social development as well as threats to international peace and security that should be exercised multilaterally”; Ibid., p. 380 e seguintes. Neste sentido ver WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-) Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 6.
92
estabelecer e manter o controle sobre o desenvolvimento futuro desses recursos pelos
mesmos.362
Mais recentemente, os Princípios de Maastricht363 de 28 de setembro de
2011, sobre as Obrigações extraterritoriais dos Estados em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais364, atestam a existência de obrigações
extraterritoriais (“obrigação de respeitar”, ou seja, abster-se de prejudicar os direitos
humanos; “obrigação de proteger” ou proibir que terceiros prejudiquem o gozo de
direitos humanos; e “obrigação de cumprir” os direitos humanos, que significaria
estabelecer um ambiente propício para a realização dos direitos humanos) dos
Estados, e de outros influentes atores internacionais, em forte correlação com a
solidariedade internacional, frente a natureza universal, indivisível, interdependente e
interrelacional dos direitos humanos e a emergente primazia do estabelecimento de
uma ambiente propício para a realização destes com auxílio do direito internacional.
Ao mesmo tempo, tais princípios visam clarificar os parâmetros daquelas obrigações
extraterritoriais, além de incentivar prestação de assistência financeira ou técnica
entre Estados.365
É também digno de nota o fato de que um jus novum se manifesta no direito
internacional, um pluralismo jurídico transnacional, em um contexto onde
362 UNITED NATIONS, Doc. ONU: A/RES/60/119. Implementation of the Declaration on the Granting of Independence to Colonial Countries and Peoples. Disponível em: <http://www.dgvn.de/fileadmin/user_upload/DOKUMENTE/UN-Dokumente_zB_Resolutionen/UNGA_Solidarity_non-self-governing.pdf>. Acesso em 22/09/2016. O parágrafo 8º desta Declaração solicita a Comissão Especial a continuar a procurar meios adequados para a aplicação imediata e integral da Declaração e para a realização das acções aprovadas pela Assembléia Geral Em relação à Década Internacional para a Erradicação do Colonialismo e da Segunda Década Internacional para a Erradicação da colonialismo em todos os territórios ainda não que tem exercido o seu direito à autodeterminação, incluindo a independência e, em particular: “(h) para observar anualmente a Semana de Solidariedade com os Povos de não-autônomos Territórios;“. 363 ILSA, Maastricht Principles on Extraterritorial Obligations of States in the Area of Economic, Social and Cultural Rights. FIAN INTERNATIONAL. Heidelberg, Germany, January 2013. Disponível em: <https://www.ilsa.org/jessup/jessup17/Batch%202/Maastricht%20Principles%20on%20Extraterritorial%20Obligations%20of%20States%20in%20the%20Area%20of%20Economic,%20Social%20and%20Cultural%20Rights.pdf>. Acesso em 21 de dezembro de 2016. 364 Adotados em um encontro convocado pela Universidade de Maastricht e pela Comissão Internacional de Juristas, que reuniu um grupo de especialistas em direito internacional e direitos humanos de universidades e organizações localizadas em todas as regiões do mundo, incluindo membros atuais e ex-membros de órgãos internacionais de direitos humanos, órgãos regionais de direitos humanos e ex-relatores atuais do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, com base em pesquisas jurídicas realizadas durante um período superior a uma década. ILSA, Maastricht Principles on Extraterritorial Obligations of States in the Area of Economic, Social and Cultural Rights. Ibid., 365 Ibid.,
93
organizações e agências internacionais, organizações não-governamentais de caráter
supranacional, grandes empresas transnacionais, instituições financeiras mundiais,
fundos de pensão, escritórios multinacionais de auditoria, associações corporativas e
movimentos representativos da comunidade internacional, que transnacionalizaram
os processos de poder e decisão, forjando, assim, novas, alternativas e sistêmicas
formas jurídicas de estabelecer limites à soberania e intervenções dos Estados.366
Apesar de tudo, não se pode desconsiderar que a defesa da relevância da
solidariedade no direito internacional é um laborioso desafio, frente ao generalizado
ceticismo em relação à sua cogência, já que está geralmente associada às normas de
soft law, atas e decisões tomadas durante congressos internacionais e conferências
de instituições intergovernamentais.
Cumpre anotar, porém, que existem doutrinadores, como Antônio Augusto
Cançado Trindade, que faz apelo para que a doutrina jurídica do século XXI dedique
mais atenção à doutrina jurídica dedicada ao longo do século passado, sobre os novos
fundamentos da validade do direito internacional, ao invés de repetir a atitude de
referenciar-se apenas às fontes consagradas em artigo 38º do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, que para ele são totalmente anacrônicas, mero fruto do seu
tempo367, expressando o ultrapassado paradigma estatocêntrico368.
Como salienta Cançado Trindade, todos esses documentos internacionais
demonstram que a comunidade internacional tem concentrado atenção nas
necessidades particulares de grupos vulneráveis, países em desenvolvimento e
segmentos mais pobres e carentes da população mundial, bem como na capacitação
destes para o exercício de todos os seus direitos369.
366 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do Futuro. 2ª ed. (ano 2007), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2010. p. 132-133. 367 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. La Nueve Dimensión de las Necesidades de Protección del ser Humano em el Início del Siglo XXI. 4 ed. San José, C.R.: Impresora Gossestra Internacional, 2006. p. 78. 368 PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. pp. 95. 369 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 4. Ed, rev. atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 541. Apud CANÇADO TRINDADE, A. A. Sustainable Human Development and Conditions of Life as a matter of Legitimate International Concern: The Legacy of the U.N. World Conferences. In: Japan and International Law – Past, Present and Future (International Symposium to Mark the Centennial of the Japanese Association of International Law), The Hague, Kluwer, 1999. p. 285-309.
94
Estas convenções, declarações e resoluções ao associarem solidariedade
internacional à proteção do meio ambiente, ao direito a paz e ao direito ao
desenvolvimento, demonstram que a solidariedade internacional tende em primeiro
lugar a reparar as injustiças da dominação política e econômica oriundas da
exploração colonial e neocolonial impostas aos países em desenvolvimento, dirigindo
a tais países novas solidariedades contra as estruturas operacionais que os
marginalizaram (a dizer, isolando todas as falsas formas de solidariedade370), de
forma que todos os Estados possam tomar iguais responsabilidades para expandir a
solidariedade, transformando-a em verdadeira solidariedade universal371, tudo em
reconhecimento do princípio da jurisdição universal que sugere um novo primado que
vem desbancar a razão do Estado: a razão de humanidade.372
Sem a pretensão de esgotar, por óbvio, o assunto, importa conhecer no
que se refere à solidariedade no direito internacional que alguns autores a identificam
como um "principio" em sentido coloquial373, outros fazem uso de qualificadores como
"estrutural" e "constitucional", e outros até a anunciam como um princípio geral do
direito de valor juridicamente vinculativo374. Quanto a esta última abordagem, ou seja,
ao fato de a solidariedade vir se consolidando como princípio juridicamente
vinculativo, põe-se necessário admitir que se deve burcar maior esforço dos Estados
para que a solidariedade realmente funcione como uma norma legal aplicável, de
forma a se consolidar como um princípio/norma juridicamente vinculativo375. Talvez o
370 “Estamos, pois, dentro de um sistema colonizador até do ético-cultural. Baseado no “mito do
progresso econômico”, ele faz do dinheiro e do lucro o motor da história, mais propriamente de uma história desumana”. “Trata-se de uma lógica, que deriva de uma “ética de mercado”, ou mais propriamente de uma antiética, antagônica à promoção da solidariedade”. BRIGHENTI, Agenor. Dívida externa e neocolonialismo: por uma globalização da solidariedade. – São Paulo: Paulinas, 2000. p. 102 e 104. 371 JAZAÏRY, Idriss. LE CONCEPT DE SOLIDARITÉ INTERNATIONALE POUR LE DÉVELOPPEMENT. Conferences Publiques. Institut International d´Etudes Sociales Genève. Genebra, 1977. p. 25. 372 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 4. Ed, rev. atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 541. Apud CANÇADO TRINDADE, A. A. “A Emancipação do Ser Humano como Sujeito do Direito Internacional e os Limites da Razão de Estado”. In: 6/7 Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1998-1999). p. 425-434. 373 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 47-48. Apud Hilpold (note 11), at 213; Riemer (note 11), at 352. 374 MACDONALD, R. St. J. “Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law”, 8 Pace International Law Review, Volume VII, Number I. Pace University School of Law. White Plains, New York: 1996. Disponível em: http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1 375 Ibid., loc. Cit.,
95
caminho para que se alcance isso passe por uma análise principiológica dos
problemas sociais, decorrente da axiologia jurídica de reconhecimento teórico da
positividade dos princípios que anuncia que o futuro do direito internacional376
caminha para formação de uma propedêutica dos valores da comunidade
internacional, a dizer, uma “a positividade do direito em todas as suas dimensões de
valor e em todos os seus graus de eficácia”.377
Com efeito, a sociedade internacional caminha para a consolidação da
idéia de uma aldeia global, onde o sentimento de solidariedade se converte em
princípio jurídico internacional a direcionar a ação dos indivíduos, dos Estados, das
organizações internacionais e demais atores da comunidade internacional (entre eles
as instituições privadas transnacionais), levantando novos temas para debate
mundial, e inclusive forçando a refutação ou derrogação de regras positivas do direito
internacional (a exemplo, no Direito do Comércio Internacional, do importante caso da
quebra de patentes dos remédios contra a Aids, em caso de epidemia).378
Desta maneira é que, Abdul G. Koroma, em função das diferentes ocasiões
e contextos em que a solidariedade vem sendo afirmada como um "valor fundamental"
e como um “princípio” consagrado na Carta das Nações unidas, acredita na
formalização da evolução do conceito de solidariedade de uma mera noção geral de
"boa vizinhança", para um emergente princípio estrutural do direito internacional,
criando inclusive obrigações negativas para os Estados (de não desenvolver
determinadas atividades), além de obrigações positivas (realizar determinadas
medidas para o bem comum), especialmente no que se trata de segurança coletiva,
do direito humanitário, dos direitos humanos, do direito ambiental, do desenvolvimento
internacional, do direito dos refugiados, da responsabilidade de proteger e da
responsabilidade internacional dos Estados.379
376 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 208 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p.17-8. 377 Ibid., p. 209 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p.256. 378 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 265. 379 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. P. 103-104.
96
Geralmente quando se pensa nos princípios como fonte de direito
internacional nos remetemos aos termos do art. 38 (1) (c) do Estatuto da CIJ. No
entanto, para Holger P. Hestermeyer, a solidariedade como princípio do direito
internacional teria fundamentos tanto nos princípios gerais do direito internacional,
como em parte do direito consuetudinário.380 Por esse motivo, vale reinterar, que a
interdependência cada vez mais crescente da sociedade internacional força o direito
internacional a se comprometer com a concretização de metas valorativas
determinadas, colocando-se como antecipador de profundas transformações que
implicam modificações no processo genético da norma consuetudinária, fazendo
surgir o que José Manuel Pureza denomina de “costume selvagem”: aquele onde o
elemento espiritual passa a preceder o material, por convicção de que tal atitude se
impõe como concretização de uma vontade política, inspirada em critérios de justiça
material e de participação democrática, trazida à baila pelo opinio juris, em uma
anterioridade da consciência sobre o fato que forja o surgimento súbito de costume
acelerador do tempo, alimentado por vontades que denunciam a inadequação e a
impostura dos costumes tradicionais.381
Nessa dinâmica, Michel Virally é o autor responsável por lançar as bases
conceituais para a evolução e desenvolvimento da solidariedade no direito
internacional público, identificando que a solidariedade passou de uma noção simples
para um conceito político e, finalmente, se tornou um princípio jurídico em direito
internacional público382 que confirma, modifica e influencia aspectos importantes da
380 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 47-48. Apud P.-M. Dupuy / Y. Kerbrat, Droit international public, at 372–381 (10th ed. 2010); I. Brownlie, Principles of Public International Law, at 15–19 (6th ed. 2003); G. Gaja, General Principles of Law, in: R. Wolfrum (ed.), Max Planck EPIL (4th ed. 2010); H. Lauterpacht, Private Law Sources and Analogies of International Law with Special Reference to Arbitration (1927). 381 Na era da instantaneidade da comunicação, perde sentido a exigência de um interminável intervalo de teste ao enraizamento do mito social no comportamento dos sujeitos de direito. A anterioridade da consciência da obrigatoriedade face o fato é portadora de um outro conceito de tempo, o da duração “bergsoniana” do tempo interior dos povos para quem o futuro não é aquilo que há-de chegar com o tempo, mas algo que imprime urgência aos gestos do presente. PUREZA, José Manuel. O Patrimônio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. pp. 96 e 97. 382 Virally ao analisar o papel dos princípios no desenvolvimento do direito internacional, estabeleceu uma série de considerações importantes para determinar o que faz um conceito particular tornar-se um princípio legal. Segundo ele, será princípio o componente que tem o efeito de criar, remover, alterar ou confirmar direitos e obrigações em vigor na ordem jurídica internacional, em benefício ou desvantagem dessa ordem legal, só então temos um princípio legal. Caso contrário, temos um princípio puramente político. WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some
97
legislação internacional e da ação coletiva na proteção dos direitos humanos, bem
como a interpretação de tais direitos. E por esse motivo, segundo Virally, a
solidariedade estaria no centro do debate internacional que busca estender aspectos
atuais da legislação internacional sobre questões referentes à responsabilidade
extraterritorial de defesa dos direitos humanos por parte dos Estados e de outros entes
da comunidade internacional, o que se daria em razão de o princípio da solidariedade
desempenhar um duplo papel em vários ramos do direito internacional: ajuda a
responder a perigos ou eventualidades (além de representar obrigação de abster-se
de qualquer ação que prejudique a solidariedade internacional383, entendida como
solidariedade negativa); e cria direitos e obrigações conjuntas ou coletivas
(solidariedade positiva)384 representada por direitos e obrigações mútuas acordadas,
a fim para alcançar um objetivo comum385.
Como se pode imaginar, a solidariedade negativa é até bem recepcionada
internacionalmente; enquanto a solidariedade positiva representa algo bem mais
desafiador para a comunidade internacional, especialmente porque abre as portas
inclusive para a defesa da existência de um dever de solidariedade preventiva.
Rüdiger Wolfrum usa o termo "Princípio Estrutural" para definir a
solidariedade no direito internacional, e o faz com fundamento no fato de ser esta
mencionada em declarações de organizações internacionais e regionais, bem como
Further Reflections. p. 3-4. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud M. Virally, “Le rôle des ‘principes‘ dans le développment du droit international”, in: M.Batelli/P. Guggenheim (eds), Recueil d´études de droit international en hommage à Paul Guggenheim, 1968, 531 et seq. (542-543).; Virally, como Cançado Trindade, considera também que existem várias rotas pelas quais os princípios entram no ordenamento jurídico, que não se restringe apenas àqueles caminhos presentes no Artigo 38 (1) (c) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. 383 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 317. Citando C. WOLFF referenciado em G. GIDEL, Droits et devoirs des nations, la théorie des droits fondamentaux des États, p. 576, in RCADI, 1925-V, vol. 10, pp. 537-597. 384 Corroborando com Michel Virally, Karel Wellens, também acredita que como um princípio jurídico, a solidariedade tem um predominante caráter negativo (resposta a certos perigos ou eventos), e outro positivo, solidariedade positiva (que dá origem a direitos e obrigações conjuntas). WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitutional Principle: Some Further Refl ections, in: R. Wolfrum / C. Kojima (eds.), Solidarity: A Structural Principle of International Law, 2009. p. 3-4 apud VIRALLY, M., “Le rôle des ‘principes‘ dans le développment du droit international”, in: M.Batelli/P. Guggenheim (eds), Recueil d´études de droit international en hommage à Paul Guggenheim, 1968, 531 et seq. (542-543). 385 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 89-90.
98
por assim ser reconhecida por vários doutrinadores.386 Desta feita, a Solidariedade
seria um princípio estrutural do direito internacional por derivar diretamente de
relações jurídicas internacionais (a exemplo da assistência humanitária que ele
reconhece como uma forma de solidariedade), baseadas em valores comuns da
comunidade internacional, ou seja, por ser um princípio orientador e transformador do
direito internacional em um direito baseado em valores de uma ordem jurídica
cosmopolita.387 Em outras palavras, a solidariedade seria um princípio estrutural da
evolução do direito internacional388 por sua multifuncionalidade em uma ordem jurídica
internacional baseada em valores universais.389 Entretanto, Rüdiger Wolfrum
reconhece que as regras processuais necessárias para implementar obrigações e
responsabilidades solidárias ainda enfrentarão uma longa e árdua jornada até seu
total desenvolvimento.390
Por seu turno, e de mãos dadas com a teoria da constitucionalização do
direito internacional391, Karel Wellens define solidariedade como um "Princípio
386 WOLFRUM, Rüdiger. Concluding Remarks. p. 224-228. In: R. Wolfrum / C. Kojima (eds.), Solidarity: A Structural Principle of International Law, 2009. p. 225. 387 KOTZUR et al., op. Cit., p. 69 Apud R. WOLFRUM, Solidarity: a Structural Principle of international Law, 2010. And R. WOLFRUM, Solidarity among States: Na Emerging Structural Principle of Public International Law, in: P.-M. Dupuy (ed.) Völkerrecht als Weltordnung. Festschrift für Christian Tomuschat, 2006, pp. 1087 et seq. 388 Rüdiger Wolfrum, no entanto, propõe uma compreensão mais jurídica do termo, ou seja afastado de uma consideração puramente moral. MATZ-LÜCK, Nele. SOLIDARITÄT, SOUVERÄNITÄT UND VÖLKERRECHT: GRUNDZÜGE EINER INTERNATIONALEN SOLIDARGEMEINSCHAFT ZUR HILFE BEI NATURKATASTROPHEN. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 145-149. Apud R. Wolfrum, Concluding Remarks, in: R. Wolfrum / C. Kojima (Hrsg.), Solidarity: a Structural Principle of International Law (2010). p. 228. 389 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 13. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud WOLFRUM, Rüdiger, “Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law”, in: P. -M. Dupuy (ed.), Völkerrecht als Weltordnung. Festschirift für Christian Tomuschat, 2006, 1087 et seq. (1087). 390 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 46-47. Apud R. Wolfrum, Solidarity amongst States: An Emerging Structural Principle of International Law, 49 Indian Journal of International Law, 20 (2009) 391 Desenvolvida por autores como Jan Klabbers, Anne Peters, Geir Ulfstein , Laurence Tribe , Thomas Fleiner e Lidija R. Basta Fleiner. Tal teoria clama por dar visibilidade da existência tácita de uma “constituição da comunidade internacional” confirmada na medida que o sistema jurídico internacional têm características constitucionais comparável ao que encontramos nas legislações dos Estados, bem como pelo estabelecimento de novos tribunais e instituições internacionais para tratar de questões internacionais. Conferir: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. TRIBE, Laurence H. The Invisible Constitution (OUP Oxford 2008). Citado por KLABBERS, Jan. Setting the Scene. p. 1-44. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law.
99
Constitucional"392. Segundo ele, isto se dá em função da solidariedade pretender
alcançar objetivos comuns que, por vezes, impõem obrigações comuns e
responsabilidades compartilhadas; além de apresentar elementos processuais,
operacionais, materiais e normativos, bem como valores e obrigações legais,
executando uma função constitucional na ordem jurídica internacional em diversos
ramos do direito internacional público393 (citando, por exemplo, o direito internacional
humanitário, o direito internacional dos direitos humanos, os direitos dos desastres
naturais, o direito dos refugiados394). Em síntese, para Karel Wellens, o princípio da
solidariedade é um elemento multifuncional do conceito de justiça na ordem jurídica
internacional, que no direito internacional executa uma função constitucional ímpar.395
Ronald St. John Macdonald refere-se à solidariedade como um princípio
“tout court”, um princípio basilar sólido do direito internacional que identifica como os
objetivos da ação conjunta dos Estados para o benefício de todos, o que se
confirmaria pela sua presença em um número significativo de textos legais
internacionais que usam o princípio de solidariedade como vetor de busca de uma
nova ordem econômica mundial, responsabilidade global, solidariedade ambiental (a
exemplo de acordos como o Protocolo de Montreal e a Convenção sobre Mudança do
Clima) e pela convergência da opinião de doutrinadores qualificados que reconhecem
sua importância no ordenamento jurídico internacional contemporânea para além do
conceito de um estado de bem-estar global ao reforçar a idéia mais ampla de uma
comunidade mundial de estados interdependentes que defendem o princípio da
solidariedade baseando-se na interpretação da Carta das Nações Unidas no que
concerne à cooperação internacional, paz, segurança coletiva, desenvolvimento e
Oxford University Press: Oxford etc., 2009. p. 4.; FLEINER, Thomas; BASTA FLEINER, Lidija R. Constitutional Democracy in a Multicultural and Globalised World. English translation from German 3rd revised edition “Allgemeine Staatslehre: Über die konstitutionelle Demokratie in einer multikulturellen globalisierten Welt” by Katy Le Roy. Springer: Berlin/Heidelberg, 2009. 392 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitutional Principle: Some Further Refl ections, in: R. Wolfrum / C. Kojima (eds.), Solidarity: A Structural Principle of International Law, 2009. p. 3 393 Ibid., páginas 3-13. 394 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 47. Apud K. WELLENS, “Solidarity as a constitutional principle: its expanding role and inherent limitations”, in Towards world constitutionalism: issues in the legal ordering of the world community, compiled and edited by R. St. J. MACDONALD and D. M. JOHNSTON, Martinus Nijhoff Publishers, Leiden, 2005, pp. 775-807. 395 WELLENS, op. Cit., páginas 7-11.
100
direitos humanos. Macdonald defende, também, ser a solidariedade um direito
fundamental.396
Para Marie Bouriche, a solidariedade é fonte e expressão do direito
internacional397, sendo a base do direito, que é por sua vez um instrumento de controle
da solidariedade social.398 Afirma, similarmente, que dois ramos do direito
internacional são expressões legítimas de solidariedade internacional: o direito
internacional humanitário (expressão da solidariedade de urgência) e o direito
internacional ao desenvolvimento (expressão de uma solidariedade mais ampla e que
influencia diversas outras áreas do direito internacional).399 Salienta, igualmente, que
solidariedade como princípio jurídico internacional não é, entretanto, essencialmente
altruísta, já que orienta ações para a proteção dos direitos da humanidade com base
em "interesses idênticos"400, que contribuem para o desenvolvimento da comunidade
internacional, sendo própria expressão da solidariedade401 na proteção destes
interesses coletivos, bem como para a compensação de desequilíbrios.402
Segundo Wagner Menezes, o Princípio da Solidariedade tem o mérito de
ser importante para a próprio discernimento do que seja o Direito Internacional como
sistema jurídico, ao refutar o discurso hegemônico, em elogio ao multilateralismo e ao
voluntarismo estatal compromissado com uma coexistência pacífica e fraterna que
promove a paz na humanidade e com o florescimento de uma consciência cívica
universal403, por ação de organizações internacionais (tão necessárias para a própria
396 MACDONALD, R. St. J. SOLIDARITY IN THE PRACTICE AND DISCOURSE OF PUBLIC INTERNATIONAL LAW. In: Pace International Law Review, Volume VII, Number I. Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 259. (Recommended Citation: R. St. J. MacDonald, Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law, 8 Pace Int'l L. Rev. 259 (1996) Available at: http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1; BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 47 apud R. St. J. MACDONALD, Principle of solidarity in public international law, p. 301, in Etudes de droit international en l’honneur de Pierre LALIVE, Ed. H&L, Bâle, 1995. pp. 275-307]. BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 47. 397 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 47. 398 Ibid., páginas 32 e 33. 399 Ibid., páginas 47 e 48. Para Marie Bouriche, a solidariedade também estaria ligada a uma moralidade coletiva enraizada na comunidade internacional. 400 Ibid., p. 46 apud H. KRAUS, La morale internationale, p. 489 e 490. in RCADI, 1927-I, vol. 16, pp. 389-537. 401 Ibid., p. 315. 402 Ibid., p. 61. 403 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p.244. Apud RANGEL, Vicente Marotta. L´avis consultatif du 9 juillet 2004 et l´antinomie entre voluntarisme et
101
convivência internacional dos Estados, por serem veículos e expressão da
solidariedade internacional404) e de organismos internacionais especializados (FAO e
a OMS, etc.), bem como de organizações não-governamentais internacionais (Cruz
Vermelha Internacional, a Médico Sem Fronteiras etc.).405 Assim, ao se fortalecer
como um princípio do Direito Internacional, a solidariedade orientaria todo o sistema
normativo internacional para uma perspectiva de coexistência que ultrapassa a mera
cooperação e onde os Estados passam a se articular guiados por uma aliança mais
sólida e profunda, que por sua vez, gera a edificação de uma sociedade internacional
verdadeiramente multilateral e solidária.406
Iris Marion Young argumenta que a solidariedade foi reconceitualizada e
reconectada à justiça como meio de imprimir responsabilidade, no que ela chama de
"solidariedade diferenciada": esforços para garantir justiça para os povos oprimidos
em todo o mundo onde um modelo global de solidariedade (diferenciada) criaria um
papel fundamental para as instituições de governança407 global, como a Organização
das Nações Unidas, ao buscarem mecanismos de inclusão.408
Para o internacionalista Jean Salmon, o conceito de solidariedade na
Sociedade Internacional pode ser identificado como sendo: “compromisso pelo qual
duas ou mais pessoas se obrigam umas pelas outras e cada uma por todas”.409
De acordo com David Featherstone, o potencial transformador da
solidariedade pode reconfigurar as relações entre solidariedade e universalidade, ao
solidarisme. In: International law and the use of force at the turn of centuries: essayes in honour of V. Djuro Degan, Rijeka: Faculty of Law, Univ. of Rijeka, 2005, cap. 10, p. 199-205 404 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 4. Ed, rev. atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 533 405 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 265. Principalmente porque os Estados passaram a necessitar das Organizações Internacionais para a sua própria convivência internacional, e nelas visualizam um veículo apropriado de expressão da solidariedade internacional. 406 Ibid., p. 263. Apud SPIROPOULOSA, Jean. L´individu et lê Droit International. Recueil dês Cours. Paris: Boulevar Saint-Germain, v. 30. 1929. p. 196-197. 407 Gary Marks e Liesbet Hooghe definem governança como tomada de decisão vinculativa feita na esfera pública. MARKS, Gary; HOOGHE, Liesbet. Contrasting Visions of Multi-level Governance. p. 15-30 (p.15). In: BACHE, Ian; FLINDERS, Matthew. Multi-level Governance. Oxford: Oxford University Press, 2010. 408 YOUNG, Iris Marion. Inclusion and Democracy. Oxford: Oxford University Press. 2000. 409 MENEZES, op. Cit., p. 244. Apud SALMON, Jean. Dictionnaire de Droit International Public. Bruxeles: Bryland Auf, 2001. P. 1.039.
102
destacar o aspecto progressista dessa relação que tem sido muitas vezes
eclipsado.410
Para Philipp Dann, a proposta de uma noção significativa de solidariedade
internacional deve ter base em três elementos essenciais: solidariedade implica uma
obrigação de prestar ajuda uns aos outros a fim de avançar um objetivo comum
(solidum), com base no reconhecimento da igualdade dos parceiros envolvidos, e, na
reciprocidade de obrigações.411
Rudi Muhammad Rizki, primeiro Perito Independente sobre solidariedade
internacional das Nações Unidas, definiu solidariedade internacional como uma
coesão social desenvolvida dentro da sociedade internacional para estabelecer
interesses e objetivos comuns, alicerçados na interdependência dos Estados, visando
manter a ordem e garantir a própria sobrevivência da sociedade internacional por meio
de ação coletiva com intenção de alcançar objetivos comuns.412
Markus Tobias Kotzur e Kirsten Schmalenbach, acreditam que a
solidariedade e os direitos humanos constituiriam o fundamento básico da própria
ordem jurídica transnacional por se dirigirem às necessidades e aspirações da
humanidade e, portanto, levariam à "humanização do Direito Internacional"413, ideia
que vai ao encontro do pensamento desenvolvido por Antônio Augusto Cançado
Trindade.414
Para Julien Detais, o reconhecimento de um direito comum da humanidade
com base no princípio da solidariedade é uma aspiração de toda a humanidade e foi
410 FEATHERSTONE, David. SOLIDARITY: Hidden Histories and Geografies of Internationalism. London/New York: Zed Books, 2012. p. 37. 411 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 61. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 412 RIZKI, R. M. Report former independent expert on human rights and solidarity: Human Rights and International Solidarity, ONU doc. A/HRC/4/8. 7 february 2007, par. 12, p. 5. Disponível em: < https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G07/106/75/PDF/G0710675.pdf?OpenElement>. Acesso em 22/01/2015. 413 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 69 Apud C. W. Jenks, The Common Law of Mankind, London, 1958; e mais recente TRINDADE, Antônio A. Cançado, International Law for Humankind: Towards a New Jus Gentium. The Hague Academy of International Law Monographs. Martinus Nijhoff, 2010. 414 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
103
germinado por meio de instrumentos jurídicos de solidariedade como a Carta das
Nações Unidas415. Ou seja, o autor, reconhecendo o valor indispensável da
solidariedade para o direito internacional416 - pelo fato de a própria ideia de
comunidade internacional estar alicerçada na existência de solidariedade entre a
humanidade que trabalha por objetivos comuns e contra ameaças comuns – defende
ser óbvio o lugar essencial ocupado pelo princípio da solidariedade na ordem jurídica
internacional, 417 que para o bem ou para o mal, seria uma lei universal da
humanidade.418
Anne-Marie Slaughter define solidariedade como a possibilidade de limitar
a soberania estatal, na criação de uma responsabilidade da comunidade internacional
de longo alcance para proteger a humanidade, além de uma responsabilidade de
proteger vinda especialmente de países desenvolvidos para evitar riscos que afetem
a vida dos países em desenvolvimento.419 Portanto, para Anne-Marie Slaughter,
solidariedade internacional implica uma redefinição do conceito de soberania, já que
permitiria a intervenção humanitária com vista a prevenir a perda de vidas humanas,
para proteger graves violações dos direitos humanos420 ou para a assistência às
vítimas de desastres naturais.421 No entanto, a solidariedade internacional, por poder
possibilitar uma intervenção "intrusiva" nos assuntos de outros Estados, deve ser
observada e questionada em todos os seus efeitos, inclusive os de agravar a situação
ou semear problemas mais sérios para o futuro do Estado que sofre intervenção com
415 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, D EVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 251 416 Ibid., p. 92 et seq., 233. 417 Ibid., p. 246. 418 Ibid., p. 145. 419 SLAUGHTER, Anne-Marie. Security, Solidarity, and Sovereignty: The Grand Themes of UN Reform. páginas 1-19. In: DAWS, Sam; SAMARASINGHE, Natalie. (Editores). THE UNITED NATIONS: A UN for the 21 st Century. Volume IV, SAGE Publications: Los Angeles/London/New Delhi/Singapore/Washington DC/Boston: 2015. O texto também pode ser encontrado em: SLAUGHTER, Anne-Marie. Security, Solidarity, and Sovereignty: The Grand Themes of UN Reform, 99 American Journal of Law International, (2005). p. 625. Disponível em: <http://moodle.stoa.usp.br/mod/resource/view.php?id=28343>. Acesso em 30/05/2016. 420 MATZ-LÜCK, Nele. SOLIDARITÄT, SOUVERÄNITÄT UND VÖLKERRECHT: GRUNDZÜGE EINER INTERNATIONALEN SOLIDARGEMEINSCHAFT ZUR HILFE BEI NATURKATASTROPHEN. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 165. 421 Ibid., páginas 145-149.
104
base na solidariedade, já que sob nenhuma circunstância deve a solidariedade
internacional ser um meio para quaisquer fins egoístas.422
Com base no que foi apresentado, deve-se admitir que apesar de existir
uma grande quantidade de autores que defendam a solidariedade como princípio do
direito internacional, existem aqueles que encontram sérias dúvidas neste
posicionamento, contestando-a por não conseguirem conciliar a idéia coletivista de
solidariedade com a de soberania estatal.423
Uma resposta rápida a tal contestação poderia ser a de que embora a
solidariedade de fato permita colocar certas barreiras à soberania absoluta dos
Estados, as regras da solidariedade internacional continuariam sempre a ser
emanação da voluntariedade dos Estados.424
Além disso, diante da incontestável interdependência mundial promovida
pela globalização, se em certa medida o princípio da solidariedade ameaça o princípio
da soberania estatal, por outro lado é vetor relevante para a evolução da ordem
jurídica internacional425, ao dirimir os interesses dos Estados426 transcendendo as
suas oposições particulares427. Assim, a solidariedade força que todos os Estados
vejam o interesse da comunidade internacional como de seu próprio e mais valioso
interesse428, alavancando a evolução do direito internacional,429 limitando a “razão do
422 KVITSINTSKY, Juli. INTERNATIONAL SOLIDARITY AND NATIONAL SOVEREIGNTY: A FEW REMARKS. In: PICCO, Giandomenico; DELLI ZOTTI, Giovanni (editores). INTERNATIONAL SOLIDARITY AND NATIONAL SOVEREIGNTY: SOLIDARIETÀ INTERNAZIONALE E SOVRANITÀ NAZIONALE. Grafica Gorizia: Gorizia, 1995. p. 98. 423 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 57-58. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 424 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 56. 425 Ibid., p. 315. 426 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 7. 427 BOURICHE, op. Cit., p. 314. Apud J. SALMON, Dictionnaire de Droit international public, Bruylant/AUF, Bruxelles, 2001. p. 206. 428 Ibid., p. 314. Apud SALMON, J. Dictionnaire de Droit international public, Bruylant/AUF, Bruxelles, 2001. p. 206. Apud MACDONALD, R. St. J. “Principle of solidarity in public international law”, p. 301, in Etudes de droit international en l’honneur de Pierra Lavile, H&L, Bâle, 1995. pp. 275-307. 429 Ibid., p. 314. Apud SCELLE, G. Règles générales du droit de la paix, pp. 358-359, in RCADI, 1933-IV, vol. 46, pp. 331-703.
105
Estado”430, e promovendo a “razão da humanidade” de forma que o direito
internacional voluntarista vai se impregnando de uma visão do direito internacional
como consciência jurídica coletiva em resposta às necessidades solidárias globais431,
tornando evidente que os fundamentos de validade do direito internacional devem
residir na consciência jurídica universal e na afirmação da ideia de justiça objetiva,
conectada com o processo de humanização do Direito Internacional, por meio da
identificação e implementação de valores e objetivos comuns mais elevados.432
Com base em tudo o que foi observado até aqui, o que o princípio da
solidariedade internacional parece propor é uma contribuição para a adaptação dos
valores e princípios já tutelados pelo Direito Internacional clássico na transição para o
advento de um desejado Direito Internacional realmente do século XXI. Em suma, não
pretende forçar o abandono dos princípios sobre os quais se baseia o direito
internacional, de maneira diversa, busca-se promover a revisão e transformação
destes princípios, de modo que alcancem aos novos valores de justiça social
internacional que passaram a compor o clamor de uma sociedade globalizada
hiperconectada e interdependente433, para o estabelecimento de uma relação
evolutica circular - e não apenas de coexistência – entre soberania estatal e
comunidade internacional.434
Como bem coloca Leandro Sequeiros: “o principal problema da
solidariedade é a sua prática e, principalmente, a prática da solidariedade
internacional”.435 Por esse motivo, é necessário um aperfeiçoamento do conceito de
solidariedade internacional para que se consiga dialogar com todas as vertentes
430 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. La Nueve Dimensión de las Necesidades de Protección del ser Humano em el Início del Siglo XXI. 4 ed. San José, C.R.: Impresora Gossestra Internacional, 2006. p. 74 apud A.A. Cançado Trindade, “Introdução à Edição em Língua Portuguesa”, do livro de Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. pp. IX-XX. 431 BOURICHE, op. Cit., p. 315-316. Apud Juge M. BEDJAOUI, Déclaration, Licéité de la menace ou de l’emploi des armes nucléaires, avis consultatif du 8 juillet 1996, par. 13, pp. 270-271. 432 CANÇADO TRINDADE, et al., op. Cit., p. 91. 433 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 265 Apud QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público. Lisboa: Almedina, 1991. p. 400. 434 PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. p. 284. 435 GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Refugiado: o dever de solidariedade. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. p. 81 e 153.
106
ligadas (favoráveis e contrárias) à sua aplicabilidade na esfera jurídica internacional,
por ser de manifesto interesse de todos que a união das forças de integração
internacional e a transformação paradigmática do direito internacional436 se
estabeleçam, em inafastável reconhecimento do vínculo transnacional indivisível entre
tudo e todos, e a despeito de quaisquer diferenças, em atendimento à tendência global
pela perpetuação de uma coexistência pacífica (paz duradoura) e solidária437, que a
própria noção jurídica de solidariedade internacional justifica, à medida que se baseia
no fortalecimento dos direitos humanos e de uma identidade mínima entre pessoas e
povos de toda humanidade, fundamentada na dignidade humana.438
Não é por acaso que o princípio da solidariedade é fortemente colacionado
a muitos ramos do direito internacional, como o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, Direito Internacional Humanitário, Direito Internacional ao
Desenvolvimento, Direito Ambiental Internacional, auxílio em desastres, Direito dos
Refugiados, Trabalho, Comércio e Governança internacional439, onde desempenha,
pelo menos à primeira vista, um papel de destaque440, assumindo-se como princípio
informador de um direito da comunidade global, que por meio da humanização do
direito internacional, se torna um poderoso instrumento de defesa da dignidade da
pessoa humana e da própria universalização da solidariedade internacional.
436 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 316. 437 “Assim, a distribuição gratuita de mantimentos e doações financeiras para reconstrução de Estados vítimas de catástrofes naturais; o fornecimento de remédios e a autorização para a quebra de patentes de certos medicamentos em caso de epidemias; a adoção conjunta de ações no sentido de reduzir os gases poluentes que destroem a camada de ozônio; o perdão de dívidas internacionais em razão da debilidade econômica e pobreza das nações devedoras; a adoção de uma aliança econômica e a divisão dos ganhos e dos prejuízos nos processos de trocas comerciais e integração econômica; a elaboração conjunta de soluções para problemas sociais enfrentados; o socorro operacional em caso de algum tipo de problema estrutural ocorrido em um Estado.” MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 246. 438 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 246. Apud RAWLS, Jonh. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 103 e ss. 439 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 72. Ver também COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 509. 440 Ibid., p. 70.; Cf. MYRDAL, Sara; RHINARD, Mark.The European Union´s Solidarity Clause: Empty Letter or Effective Tool? UI Occasional Papers n. 2, 2010. p.1. Disponível em: <https://www.ui.se/globalassets/ui.se-eng/publications/ui-publications/the-european-unions-solidarity-clause-empty-letter-or-effective-tool-min.pdf>. Acesso 08/08/2016.
107
3 DIMENSÕES CONSTITUCIONAIS DE AFIRMAÇÃO DA
SOLIDARIEDADE
A solidariedade é um conceito fundamental da ciência social e filosofia
política que através da literatura constitucional de diferentes países é tratada na
maioria das vezes ligada a altruísmo, fraternidade, responsabilidade social,
assistência social, direitos sociais, estado social, etc.441
No que tange às dimensões legais de solidariedade, Karl-Peter
Sommermann identifica que num primeiro estágio a solidariedade é representada pela
solidariedade social praticada entre os cidadãos, enfatizando o caráter social da
Constituição e da ordem jurídica de uma sociedade (das leis que a concretizam), bem
ao modo da tradição de Durkheim e Duguit. Ou seja, da responsabilidade de
efetivação do princípio da solidariedade pelas Constituições nacionais (em alguns
casos com mais ênfase no reconhecimento mútuo da autonomia individual e em outros
mais sobre a assistência mútua).
De acordo com isso, é permitinda a afirmação de que, sob a égide dos
princípios sociais do direito constitucional das nações, a solidariedade social foi
legalmente institucionalizada nas sociedades democráticas modernas, ficando
delegando, em primeira instância, aos Estado (por comando de uma “solidariedade
de cima”) as obrigações decorrentes da aplicação do princípio da solidariedade.442
De outro ângulo, a globalização levou ao surgimento de esboços de um
constitucionalismo solidário a níveis regionais e universal, resultado da
desnacionalização do segmento da solidariedade (referente à proteção de direitos
humanos e direitos coletivos) que agora se conferem de validade a nível
transnacional, possibilitando inclusive a proposição da existência de “novos direitos
441 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 10. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 442 Ibid., p. 15 et seq.
108
humanos” ou “direitos internacionais de solidariedade”, promovidos
internacionalmente.443
Tal ocorre porque os princípios do Estado de Direito, da proteção dos
direitos humanos, da democracia e da solidariedade, em níveis regionais e universal,
forçaram a instituição de um conjunto de mecanismos que buscam garantir e
implementar estes princípios através de direitos hábeis para salvaguardar e promover,
tanto quanto possível, o bem-estar das relações pactuadas por meio de um
constitucionalismo regional e universal, que vem criando parâmetros que inspiram
estratégias de um sistema de governança para a melhoria da legitimidade de uma
ordem jurídica internacional baseada no respeito da dignidade da pessoa humana em
todas as suas dimensões.444
É nesse sentido que vários conceitos relacionados com a solidariedade já
estão bem estabelecidos em algumas partes dos sistemas judiciais regionais, o que
deve ser tomado como um facilitador do desenvolvimento do princípio da
solidariedade a nível universal445, posto que, no plano internacional os Estados, em
diversas ações, estão sendo levados a proclamar e a desenvolver a solidariedade e
suas dimensões de aplicação (pelas mais diferentes justificativas: fatores históricos,
políticos, geográficos, econômicos), com base em uma consciência holística de
evolução da própria humanidade.446
Além disso, as organizações internacionais crescem em seu poder de
ingerência e capacidade em tomar decisões que afetam, direta e indiretamente, os
Estados e os indivíduos, fato que põe necessário um controle mais constitucional
daquelas entidades, a nível internacional, como forma de solidariedade
443 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p.146. 444 PETERS, Anne. The Encyclopedia of Political Thought, First Edition. Edited by Michael T. Gibbons. John Wiley & Sons, Ltd. 2015. Disponível em: <http://www.mpil.de/files/pdf4/Peters_Global_Constitutionalism3.pdf>. Acesso em 17/03/2016. 445 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 446 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 257.
109
internacional447, que confirma os vários fatores que tornam a integração solidária dos
Estados, a nível regional e universal, mais que nunca, extensa e inevitável.448
Desta forma, em um nível global, o constitucionalismo se apresenta como
uma agenda de aplicação do princípio da solidariedade na esfera jurídica
internacional, a fim de promover eficácia e a equidade, por meio do desenvolvimento
gradual de responsabilidades coletivas internacionais em áreas especiais do direito
internacional.449
Oportuno salientar, que com a emergência de um constitucionalismo
internacional (em níveis regional e universal) de proteção dos direitos humanos, o
princípio da soberania absoluta vem sendo relativamente enfraquecido, em sua
posição como um Letztbegründung (Princípio primordial) do direito internacional, por
não mais se sustentar como um fim em si mesmo, já que hoje condiciona-se ao
respeito dos direitos humanos e dos interesses coletivos, em um sistema de
governança em vários níveis450, dentro de um processo de humanização da soberania
estatal; ou em outras palavras, na transformação do direito internacional em um
447 ULFSTEIN, Geir. Institutions and Competences. p. 80. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. 448 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p.147 449 Inclusive suscetível de compensar os déficits constitucionais a nível nacional, como dispositivo hermenêutico. PETERS, Anne. "The Merits of Global Constitutionalism," Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 16: Iss. 2, Article 2. 2009. páginas 397-398. Disponível em: <http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol16/iss2/2>. Acesso em 08/08/2016.; sobre o mesmo tema: CASALI, Guilherme Machado. A NECESSIDADE DE UM CONSTITUCIONALISMO GLOBAL. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/4155.pdf>. Acesso em 09/08/2016. 450 Governança em vários níveis “Multi-level Governance” é tema abordado em esclarecedor livro editado por Ian Bache e Matthew Flinders o qual indicamos leitura: BACHE, Ian; FLINDERS, Matthew. Multi-level Governance. Oxford: Oxford University Press, 2010. A obra levanta questões importantes sobre a governança global vir tornando-se organizada através de múltiplas jurisdições; não podendo ser entendida como um monopólio estatal central, em função da dispersão da autoridade do governo central tanto verticalmente (para atores localizados em outros níveis) como horizontalmente (para atores não estatais) em um mundo pós-westfaliano. Além do reconhecimento de uma explosão de novas formas de governança, à proliferação de novos conjuntos de regras e mecanismos de direção para alcançar os resultados desejados pelos cidadãos (ex: a experiência na governança multinível representada pela União Europeia); que refletem tanto o declínio do monopólio do Estado, quanto a crescente dissociação de alguns aspectos territoriais e funcionais do Estado do Estado-nação centralizado a nível supranacional. A autoridade formal tem sido dispersada dos Estados tanto para instituições supranacionais (internacionais, regionais, transnacionais) como para as jurisdições especializadas (a exemplos de casos de disputas comérciais internacionais).
110
sistema que se desenvolve centrado na dignidade do ser humano e elabora novos
princípios como o da “responsabilidade de proteger451”.
É nessa dinâmica, que José Joaquim Gomes Canotilho acredita ter
chegado o momento em que se pode traçar o início de uma compreensão/explicação
de um novo paradigma emergente no direito: o constitucionalismo global452, que
superando o paradigma hobbesiano/westfaliano, encontra justificação razoável por
meio das normas de jus cogens e da consolidação da proteção dos direitos humanos
– na parte ainda não abarcada pelo jus cogens - a padrão jurídico de comportamento
da política interna e externa dos Estados, em “tendencial elevação da dignidade
humana a pressuposto ineliminável de todos os constitucionalismos”.453
Outra questão relevante e polêmica, ligada à solidariedade internacional,
diz respeito ao voluntarismo estatal, que em função daquela inclinaria o consentimento
do Estado a ser parcialmente guiado por uma vontade majoritária na tomada de
decisões que afetem a todos, em defesa de certos valores fundamentais da
comunidade internacional de aceitação generalizada como a proteção dos direitos
humanos, a paz, o meio ambiente e clima equilibrado.454
Tal poderia ser constatado na ratificação universal de tratados multilaterais
relevantes nestas matérias, que demonstram existir um consenso mínimo de
aceitação internacional formal de valores universais que confirmam o início de uma
constitucionalização do direito internacional, além do fato que a resolução de litígios
internacionais passa a ser cada vez mais institucionalizada através do
estabelecimento de tribunais internacionais com jurisdição quase obrigatória, a dizer,
451 O princípio da Responsabilidade de Proteger e suas relações com a solidariedade internacional são
apresentados no ítem 4.4 deste trabalho, nominado: SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE DE PROTEGER. 452 Segundo J. J. Gomes Canotilho, os traços caracterizadores do Constitucionalismo Global são os seguintes:”(1) alicerçamento do sistema jurídico-político internacional não apenas no clássico paradigma das relações horizontais entre estados (paradigma hobbesiano/westfalliano, na tradição ocidental) mas no novo paradigma centrado nas relações entre Estado/povo (as populações dos próprios estados); (2) emergência de um jus cogens internacional materialmente informado por valores, princípios e regras universais progressivamente plasmados em declarações e documentos internacionais; (3) tendencial elevação da dignidade humana a pressuposto ineliminável de todos os constitucionalismos. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed., 9 reimp. Edições Almedina: Coimbra, 2003. p. 1370. 453 Ibid., p. 1370. 454 PETERS, Anne. "The Merits of Global Constitutionalism," Indiana Journal of Global Legal Studies:
Vol. 16: Iss. 2, Article 2. 2009. p. 398-400. Disponível em: <http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol16/iss2/2>. Acesso em 08/08/2016.
111
uma juridificação455 solidária que pode, à primeira vista, parecer ser apenas uma mera
manifestação da legalização das relações internacionais, mas que, em verdade,
estabelecem aspectos específicos constitucionalistas que remetem à própria
consolidação da solidez jurídica da solidariedade internacional.456
Nesse passo, trata-se de levar em conta uma nova racionalidade jurídica
que clama por solidariedade e traz para o atual debate internacional uma profunda
reflexão sobre o Estado, o Direito e a Justiça, sobretudo, na constatação da
relativização da soberania estatal e da ruptura do imaginário jurídico-político liberal
voluntarista457, por exigência de uma nova maneira de pensar o direito internacional
frente às novas dinâmicas e desafios da sociedade contemporânea.458
Entretanto, vale ressaltar, quanto ao aspecto sistémico, que ao mesmo
tempo em que as sistematização regionais e universal da solidariedade exigem uma
flexibilidade da soberania dos Estados, a fim de que se alcance propósitos solidários,
tal flexibilização não propõe o fim da soberania dos Estados,459 posto que a idéia de
uma solidariedade universal entre os Estados se desenvolve na consciência da
irremediável necessidade de coexistência de todos em função da interdependência
global, que leva tudo hoje em dia a ser ao mesmo tempo nacional/transnacional,
regional e global.460
Desta forma, o ideal de solidariedade diz muito a respeito da promoção
internacional dos direitos humanos por meio de cartas constitucionais de organizações
regionais e internacionais (esboço de um constitucionalismo global), bem como da
455 Termo Alemão introduzido por Otto Kirchheimer e que significa o processo de expansão e adensamento do direito positivo na sociedade contemporânea. 456 PETERS, Anne. "The Merits of Global Constitutionalism," Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 16: Iss. 2, Article 2. 2009. p. 398-400. Disponível em: <http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol16/iss2/2>. Acesso em 08/08/2016. 457 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 4. Apud EWALD, François. L´État Providence. Paris, Bernard Grasset, 1986. p. 531. 458 Ibid., p. 4. 459 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 15 – jan./jun. 2010 páginas 250-251. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-15/RBDC-15-245-Paulo_Ferreira_da_Cunha_(Do_Constitucionalismo_Global).pdf>. Acesso 10/08/2016. 460 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p.244 Apud PELLA, Vespasian. La Repression des Crimes Contre la Personalité de l´etat. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 33, t. III, 1930. p. 788-789.; MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p.244. Apud RAUCHBERG, Heirrinch. Les Obligations Juridiques des Mebres de la Société des Nations pour le maintien de la Paix. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 37, 1931, p.90-91.
112
recepção dos direitos humanos promulgados em tratados internacionais através de
cláusulas de abertura das constituições nacionais461. Iniciativas que enaltecem um
novo paradigma estatal: o “Estado Constitucional Solidarista”462, sedimentado no
princípio da solidariedade, na capacidade máxima de servir, mínimo existencial,
pluralismo, multiculturalismo, tolerância, cidadania multidimensional, democracia
inclusiva e cosmopolita, cooperação, interdependência, interconstitucionalidade,
interculturalidade e cidadania supranacional.463
Como bem coloca Alexandre Coutinho Pagliarini, ou o mundo se
conscientiza de que chegou o momento da partilha solidária da ideia de soberania,
democracia, desenvolvimento, direitos humanos e de normas jus cogens em níveis
jamais alcançados (mundiais) ou encontrará a falência de sua própria existência.464
Em função desta tripla dimensão nacional, regional e universal, a
solidariedade é, portanto, transnacional em função dos recortes existente entre esses
níveis do constitucionalismo global. Tal fato exacerba o sentido hermenêutico da
solidariedade como fonte inesgotável de sincronismos e novos paradigmas, que
rompendo e se reconciliando com velhos dogmas do direito internacional visa
461 No caso brasileiro o art. 5º, § 2º e 3º da CF: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 462 Segundo Oliveira Júnior, O Estado Constitucional Solidarista não é apenas a possível forma (futura) de desenvolvimento do tipo “Estado Constitucional”, ele já assumiu conformação na realidade e é, a forma necessária de estatalidade legítima do amanhã, de práticas de afirmação da justiça social, do pluralismo, da cidadania multidimensional, voltadas para a concretização dos direitos fundamentais e humanos. OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 56 e 59. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 463 Ibid., p. 55. Para Oliveira Junior, o neoliberalismo jamais vencerá o constitucionalismo, pois é na constituição que reside a última trincheira de resistência à política econômica neoliberal e o fracasso social que ela representa. Ibid. p. 89. 464 PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. TEORIA GERAL E CRÍTICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. p. 48. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri. (Coords.) Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
113
modernizar o Estado, os indivíduos e a sociedade internacional, ou seja, a
humanidade.465
A proposição de um novo modelo hermenêutico-interpretativo mais
amigável com fundamento no princípio da solidariedade, proporciona mecanismos
mais frutíferos de evolução do direito internacional, na defesa de uma ontologia
jurídica internacional em permanente construção e reconstrução do seu próprio
processo de interpretação e aplicação. A concreção da solidariedade internacional, é
assim, um fato ontológico hermenêutico, não se limitando apenas em interpretar o
sentido da legislação internacional, mas criando novas possibilidades de fazer justiça
na concretização de todos os direitos humanos (civis, sociais, econômicos, políticos e
culturais)466 recolocando o direito internacional em sua função social de construção
do ideal de uma comunidade internacional propícia ao desenvolvimento humano em
todas as suas possibilidades467, por meio de um condicionamento reciproco, fator de
concretização de um programa solidário como meta comum a ser efetivada.
Desta maneira, a solidariedade se cristaliza no sistema jurídico
internacional, em respeito aos interesses individuais e difusos, os direitos
intergeracionais e o desenvolvimento econômico sustentável, aperfeiçoadores da
justiça social, através de implementação de uma justiça distributiva internacional que
guia a humanidade para um futuro vívido e prospero a todos.
Além disso, o princípio da solidariedade, também orienta a hermenêutica
jurídica internacional com um sentido de valor, que em reconhecimento da dignidade
da pessoa humana, é uma forma de preservação de preceitos que constituem a base
fundamental do direito internacional como vetor de evolução da consciência da
comunidade internacional em sentido difuso, que posiciona a solidariedade como
critério hermenêutico que interconecta o destino de todos os indivíduos, colocando-os
465 CARDOSO, Alenilton da Silva. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL SOLIDÁRIA. Revista Direito e Humanidades. n. 24 (2013). Apud STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 4ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 297. Disponível em: <http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/download/2203/1446>. Acesso em 29/10/2016. 466 MAYER. Grazieli Schuch. A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE COMO MECANISMOS DE FORTALECIMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Seminário Nacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na sociedade Comtemporânea. EDUNISC. ISSN 2447-2829. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/snpp/article/view/14281/2732>. Acesso em 29/10/2016. 467 CARDOSO, op. Cit., loc Cit.
114
em uma perspectiva de responsabilidade com os hipossuficientes, os cidadãos de
outros países e até mesmo com os que ainda nascerão468.
Assim, o “valor-fonte”/“princípio-norma” da solidariedade, a partir da
perspectiva que lhe é dada pela dignidade da pessoa humana, evoca uma prática
urgente de justiça internacional, forçando os Estados e demais as instituições jurídicas
internacionais a atenderem esse apelo, seja por meio de uma nova interpretação da
legislação vigente, seja pela proposta de novas leis, tratados, acordos, declarações e
até mesmos “novos direitos”.469
Tudo isso se apoia na ideia de que o direito internacional, analisado sob
um prisma constitucionalista, deve tender mais para a substância, do que apenas para
a categoria formal das normas, em uma abordagem flexível e holística que se qualifica
a corresponder, da melhor forma possível, ao atual estágio de integração jurídica e
interdependência global, particularmente no que tange à defesa dos direitos
humanos470, principalmente, nos contextos regional e internacional, descritos como
parte de uma ordem constitucional internacional emergente.471
E por isso, como bem salienta Flávia Piovesan, “os sistemas global e
regional não são dicotômicos, mas complementares”, já que compõem o universo
instrumental da proteção dos direitos humanos que interagem em benefício de todos
os indivíduos protegidos com a finalidade precípua de propiciar a maior efetividade
possível na tutela e promoção dos direitos humanos.472
468 CARDOSO, Alenilton da Silva. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL SOLIDÁRIA. Revista Direito e Humanidades. n. 24 (2013). Disponível em: <http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/download/2203/1446>. Acesso em 29/10/2016. 469 Ibid., apud REALE, Miguel. A pessoa: valor-fonte fundamental do Direito. In: Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990. 470 PETERS, Anne. "The Merits of Global Constitutionalism," Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 16: Iss. 2, Article 2. 2009. p. 405-406. Disponível em: <http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol16/iss2/2>. Acesso em 12/12/2016. 471 ULFSTEIN, Geir. Institutions and Competences. p. 77. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. Apud DE WET, Erica. The Emergence of International and Regional Value System as a manifestation of the Emerging International Constitutional Order. (19) Leiden Journal of International Law, 2006. p. 611-632. 472 PIOVESAN, Flávia. DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS DA ORDEM INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA. p. 19. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.) Direitos Humanos. 1ª ed. 4ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2011.
115
Ao fim e a cabo, o que a evolução do princípio da solidariedade parece
propor para a contemporaneidade é uma forma transconstitucionalismo entre as
várias dimensões do direito (nacional, regional e universal) na promoção e na defesa
dos direitos humanos e dos valores e interesses comuns de toda a humanidade. A fim
de aprofundar esta proposição, a dimensões sociais (nacionais), regionais e
universais da solidariedade serão analisadas, em suas características constitucionais,
nos três tópicos seguintes do desenvolvimento do presente capítulo.
3.1 SOLIDARIEDADE SOCIAL: SOLIDARIEDADE COMO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO BRASILEIRO E DE OUTRAS
SOCIEDADES
O direito constitucional alcança o século XXI ciente de que qualquer esforço
para revelar novas possibilidades de concretização dos direitos fundamentais e
compreender o fenômeno constitucional prescinde da consciente aceitação de que,
como bem salienta Valdir Ferreira de Oliveira Junior, “a solidariedade constitui a
identidade e principal fundamento do direito no terceiro milênio”.473
Assim, o ideal de solidariedade se anuncia atualmente como o mais árduo
desafio da ciência do direito, como paradigma científico a ser trilhado na busca da
reaproximação entre o programa progressista normativo da lex ferenda474 e o domínio
normativo da lex lata475, dentro do compromisso social de efetivação do Estado
473 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 56 e 59. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 54. 474 “Lex ferenda” é uma expressão latina que significa "o que a lei deveria ser", “a lei futura”, “"para uma
futura reforma da lei" ou"com vista à futura lei"; também conhecida como “de lege ferenda”. 475 “Lex lata” é uma expressão em latim que significa “segundo a lei existente”, "a lei como ela existe",
“lei promulgada” ou "a lei atual", também conhecida como “de lege lata". Ou seja, “um direito estabelecido e com existência reconhecida”. FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DO ENCONTRO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO. p. 163. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013 apud CRAWFORD, J. The Right of self-
116
Constitucional Solidarista476 para a realização dos direitos fundamentais e humanos
através da solidariedade, como caminho mais viável para concretizar integralmente o
respeito à dignidade da pessoa humana.477
É nesse contexto, que a solidariedade social478 precisa, dentro das nações,
seguir parâmetros e condições gerais articuladas internacionalmente, para a boa
governabilidade de todas as sociedades, possibilitando direcionamentos guiados
segundo valores compartilhados coincidentes e/ou permanentes, a dizer, valores
comunitários ou universais, que assumem a qualidade de princípios-normas
(fundamentais/axiológicos).479
Em outras palavras, as constituições nacionais, ao promoverem a
solidariedade acabaram por concretizar os desejos latentes do imaginário de uma
constituição global, especialmente no que tange ao anelo civilizacional de nossa era:
o paradigma dos direitos humanos. Este fato revela que o princípio da solidariedade
internacional adentrando os ordenamentos jurídicos nacionais, notadamente as
constituições, confirma a existência de um mínimo de concordância mundial a respeito
de ser a solidariedade um valor constitucional internacional, mormente, quando
observado que a base de todas as constituições modernas são quase as mesmas480,
ou seja, no formato geral das Constituições “a valorização do ser humano,
independentemente de gênero, credo, ou nacionalidade, passou a tomar espaço em
todos os comandos legais e a ter aplicação em todas as relações intersubjetivas”481.
determination in international Law: Its development and future. In: ALSTON, P. (Ed.) Peoples´ Rights. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 10 476 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 56 e 59. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 56 e 59. 477 Ibid., p. 55-56. Oliveira Junior, salienta ainda que: “A universalidade através dos direitos fundamentais e humanos constitui a possibilidade de realização do sonho kantiano de uma ética universal”. Ibid., loc. Cit. 478 “A solidariedade e a construção de uma sociedade “justa e solidária” só podem encontrar espaço normativo positivo num texto constitucional que incorpore a igualdade.” DIMOULIS, Dimitri (Cord.). Dicionário brasileiro de direito constitucional. 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 390. 479 BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 403-404. 480 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. DO CONSTITUCIONALISMO GLOBAL. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 15 – jan./jun. 2010. P. 245-255. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-15/RBDC-15-245-Paulo_Ferreira_da_Cunha_(Do_Constitucionalismo_Global).pdf>. Acesso em 13/12/2016. 481 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 31.
117
Ademais, no que concerne ao ordenamento interno dos Estados, os direitos
fundamentais coexistem numa dinâmica onde predomina a solidariedade objetiva (a
negação de um determinado direito fundamental acarreta a negativa ou impedimento
de outros direitos, ou até todos os outros direitos fundamentais) e a solidariedade
subjetiva (negar a qualquer indivíduo a frugal possibilidade de vida com dignidade ou
negar acesso a qualquer direito fundamental, é negar a sua própria condição
humana).482
Assim sendo, um estudo do valor jurídico do princípio da solidariedade
implica primeiramente uma abordagem comparativa sobre a expressão desse
princípio nas várias ordens jurídicas democráticas constitucionais483, a constatar um
projeto de solidariedade democrática484 com base em uma promessa constitucional
de auxílio, proteção e suporte485 que é reflexo de uma gama de contribuições da
ordem internacional a influenciar um “constitucionalismo estatal solidarista” que tem
fortes vínculos com o fenômeno do “constitucionalismo multinível/transnacional” do
qual a interconstitucionalidade (teoria que estuda as relações de convergência entre
as diversas constituições dentro do mesmo espaço político) e a interculturalidade
põem-se presentes486.
Coerentemente a esta visão, pode-se seguramente afirmar que a República
Federativa do Brasil propõe um Estado Constitucional Solidarista. Tal afirmação é
confirmada pelo Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 que delineia em termos
gerais um verdadeiro compromisso solidário constitucional ao observar que o Brasil é
“uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
482 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 56 e 59. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 483 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editio ns A. Pedone: Paris, 2011. p. 248. 484 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction viii. 485 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part Two: “Pratical Solidarity”. In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 671 Apud Erhard Denninger. “Constitutional Law and Solidarity”, in Bayertz (ed.), Solidarity (Philosophical Studies in Contemporary Culture) (1999), Vol. V. p. 223. 486 OLIVEIRA JUNIOR, op. Cit., p. 85-86.
118
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias”.487
Além disso, o reconhecimento, presente no preâmbulo da Constituição, de
ser o Brasil “uma sociedade fraterna”, tem, segundo a doutrina constitucionalista, “a
função de diretriz interpretativa do texto constitucional, por auxiliar na identificação dos
princípios e valores primordiais que orientam o constituinte originário na sua
elaboração”.488
Segundo Oliveira Junior, “a solidariedade a ser concretizada no texto
constitucional demonstra infinitas possibilidades de aplicação, afinal, a nossa
Constituição é texto vivo, aberto e plural, reflexivo de uma sociedade atualmente em
crise”.489
Oportuno salientar que na trajetória de elaboração de uma proposta de
Declaração dos Direitos Humanos de Solidariedade, em andamento nas Nações
Unidas, o Brasil teve uma participação especial: o Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas escolheu o Brasil para missão de estudo da especialista independente
em Direitos Humanos e Solidariedade Internacional, realizada em junho de 2012,
tendo como objetivo a troca de idéias com o governo brasileiro e outros atores
nacionais, para a coleta de informações sobre a experiência e o jeito brasileiro de
promover solidariedade internacional.
A pertinência direta e imediata do trabalho desenvolvido pela especialista
independente em direitos humanos e solidariedade internacional, Virgínia B. Dandan,
e o sistema constitucional brasileiro se deu, justamente, pelo de fato da Constituição
Federal do Brasil em seu preâmbulo fazer referência à solidariedade como princípio a
487 PREÂMBULO: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” 488 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 12. Ed. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 35. 489 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 67. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010.
119
ser defendido pela sociedade brasileira. Em seu relatório, sobre esta missão de
estudos, Virginia Dandan salientou: “A Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, no seu preâmbulo encapsula o compromisso do povo brasileiro com a
solidariedade”.490
Também significativo, é o fato da Constituição Brasileira de 1988491
apregoar a solidariedade como um dos objetivos fundamentais do nosso ordenamento
jurídico, um valor supremo, consagrando no Artigo 3º, I, da Constituição da República
Federativa do Brasil, onde encontramos entre os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária”492. Isso implica
dizer que a sociedade brasileira se fundamenta na convicção de que a solidariedade
é uma construção cívica e política, por excelência, na intenção de propiciar a todos o
gozo da liberdade, da igualdade e da justiça por meio das leis, das instituições públicas
e da colaboração de toda a sociedade.
Ademais, segundo Daniel Sarmento, é possível afirmar que quando a
Constituição normatiza como um dos objetivos fundamentais da Nação brasileira a
construção de uma sociedade solidária, ela não está apenas informando uma diretriz
política sem qualquer eficácia normativa, mas sim expressando “um princípio jurídico,
que, apesar de sua abertura e indeterminação semântica, é dotado de algum grau de
eficácia imediata e que pode atuar, no mínimo, como vetor interpretativo da ordem
jurídica como um todo”.493
490 DANDAN, Virgínia B. Constitutional principles governing Brazil’s foreign policy. IV- 24. A/HRC/23/45/Add.1. Human Righs Council – Twenty-third session. United Nations, 2013. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G13/118/26/PDF/G1311826.pdf?OpenElement>. Acesso em 01/02/2015. 491 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 04/06/2016. O Preâmbulo da Constituição Brasileira menciona:”Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” 492 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. 493 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. Ed., 3 tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 295.
120
Tal utilidade da solidariedade como forma de instrumentalizar a
interpretação da lei pode ser identificada em acórdão de STF, HABEAS CORPUS nº
94163494, onde o voto do relator, o senhor Ministro Carlos Ayres Britto, no parágrafo
15, às páginas 863 do julgado, afirma que “a prevalência de mecanismos de reinclusão
social (e não de exclusão do sujeito apenado)” é forma de interpretar a LEP em mais
conformidade com Constituição Federal, “que tem por objetivos fundamentais
erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I
e II do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o
preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como “fraterna”.495 Segundo Ingo Sarlet,
neste julgado foi invocada a solidariedade tanto como valor, como enunciado no
Preâmbulo da Constituição, quanto como princípio objetivo da construção de uma
sociedade solidária e fraterna, no âmbito da interpretação e aplicação do direito, como
reforço argumentativo para justificar a decisão, com uso de uma leitura articulada e
sistemática em consonância com preceitos normativos de solidariedade presentes no
texto constitucional.496
Neste mesmo sentido, se direciona Maria Celina Bodin de Moraes, que
afirma ser a solidariedade “um princípio jurídico inovador em nosso ordenamento, a
ser levado em conta não só no momento de elaboração da legislação ordinária e na
execução das políticas públicas, mas também nos momentos de interpretação-
aplicação do Direito”. Neste sentido, salienta ainda que “de todos estes campos do
direito civil, contudo, aquele em que mais claramente se percebe o notável incremento
das exigências de solidariedade é o da responsabilidade civil”.497
De forma semelhante, a sociedade solidária constitui, na concepção de
Oliveira Junior, o centro de gravidade de desenvolvimento e efetividade do direito (em
estreita relação com liberdade e justiça) que se constrói pela percepção de que os
494 STF, HABEAS CORPUS 94. 163-0. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604586>. Acesso em 27/12/2016. 495 Ibid., 496 SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 67. 497 MORAES, Maria Celina Bodin de. “O Princípio da Solidariedade”. p. 157-176. In. PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; FILHO, Firly Nascimento (Orgs.). Os Princípios Constitucionais da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 169. “A propagação da responsabilidade objetiva no século XX, através da adoção da teoria do risco, comprova a decadência das concepções do individualismo jurídico para regular os problemas sociais”. Ibid., loc. Cit.,
121
vínculos de solidariedade que a mantêm é que determina o seu grau de
desenvolvimento e, consequentemente, o fortalecimento do seu subsistema social,
político, jurídico, econômico, cultural, psicológico, filosófico e científico. Desta
maneira, “a busca pelo equilíbrio entre justiça, liberdade e solidariedade é essencial
para a concretização do projeto constitucional de sociedade estabelecido no Artigo 3º
da Constituição Federal brasileira”498, ou seja, na concretização do Estado
Constitucional Solidarista que confirma a solidariedade como a nova possibilidade de
afirmação da dignidade humana.499
Assim sendo, tal projeto político solidário fundamental é dever de toda a
sociedade (de todas as instituições sociais e cada indivíduo) com fim a concretizar, na
forma de participação política reivindicatória de políticas públicas, que se garantam
condições básicas de vida digna para todos, por meio do acesso de todos aos bens e
serviços indispensáveis ao mínimo existencial, em atenção à dignidade da pessoa
humana.500
Por sua vez, tais objetivos são reforçados por outros princípios
fundamentais de interdependência solidária, orientadores das relações do Brasil na
ordem internacional (indicados no Artigo. 4º, II, VI, VII, VIII e IX da Constituição Federal
de 1998), a saber: prevalência dos direitos humanos; defesa da paz; solução pacífica
dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; e cooperação entre os povos para
o progresso da humanidade501. Tais dispositivos trazem a interconstitucionalidade, a
498 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 67. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 499 Ibid., p. 67. Para o autor é preciso solidarizar a nossa Democracia, nossa República, nossa Federação. Ibid., loc. Cit. 500 Ibid., p. 68 e 77. 501 Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz;
122
interculturalidade, a abertura cooperativa para o mundo e a solidariedade para o
contexto do ordenamento jurídico constitucional brasileiro, na defesa dos direitos
humanos e dos interesses fundamentais globais.502 De forma que, não havendo
limites à aplicação da solidariedade na Constituição Federal brasileira, tanto o apoio
às vítimas de tragédias naturais (no Brasil ou for a dele), como o auxílio a países em
guerra, encontram respaldo no texto constitucional, sem a necessidade de que
eventuais comportamentos solidários do Estado brasileiro estejam vinculados ao
enfrentamento prévio de problemas internos de igual natureza – como as constantes
calamidades nacionais no sistema público de segurança, saúde e educação.503
O fenômeno da solidariedade ligada à interconstitucionalidade, também,
pode ser verificado no objetivo especial a ser perseguido pelo Brasil no plano
internacional, qual seja: “a integração econômica, política, social e cultural dos povos
da América Latina visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações”504, presente no Artigo 4º, parágrafo único, da Constituição Brasileira.
A concretização do pensamento solidarista na ordem interna é
expressamente encontrado no caráter “contributivo e solidário” do regime
previdenciário brasileiro, presente nas linhas do Artigo 40505 da Constituição Federal
de 1988. É, também, expresso na responsabilidade solidária existente entre os
VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. 502 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 69 e 77. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 503 DIMOULIS, Dimitri (Cord.). Dicionário brasileiro de direito constitucional. 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 390. 504 “Art. 4º. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política,
social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. 505 “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”.
123
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário do sistema de controle interno de
irregularidades ou ilegalidades que devem ser comunicadas ao Tribunal de Contas da
União, segundo o Artigo 74506 da Constituição Brasileira.
Em verdade, o princípio da solidariedade encontra-se tacitamente presente
em toda a Constituição Brasileira, servindo como mecanismo de interpretação ou
reafirmação de outros princípios e como fundamento da própria ordem constitucional,
tanto que vários dispositivos constitucionais têm redação intimamente relacionada, em
seu significado e aplicação, ao princípio da solidariedade, dentre os quais podemos
exemplificar: os Artigos 194 e 195 que tratam da seguridade social e compreendem
um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade -
já que a seguridade social é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta
- destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social; o Artigo 196, que determina ser a saúde direito de todos e dever do Estado507,
garantido mediante políticas públicas sociais e econômicas direcionadas à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação; o Artigo 203508, que trata da
assistência social; o Artigo 205509, que trata da educação como direito de todos e
dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração
506 “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: § 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.” 507 O que diretamente conduz o debate sobre tal solidariedade na saúde a esbarrar nas limitações materiais do Estado, ligando-a a temas como o mínimo existencial e a reserva do possível. 508 “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” 509 “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
124
da sociedade; o Artigo 227510, que trata dos deveres da família, da sociedade e do
Estado para com as à criança, adolescentes e jovens; e, por fim, o Artigo 230511, que
trata dos deveres da família, da sociedade e do Estado em amparar as pessoas
idosas.
Todas essas referências diretas e indiretas à solidariedade no
constitucionalismo brasileiro revelam que a realização concreta da solidariedade se
coloca como um dos principais esforços do Estado e do povo brasileiro, sempre na
busca de novas propostas e dinâmicas de concretização dos direitos fundamentais e
humanos pela via solidarista com a finalidade de possibilitar a emergência do ideal de
um Estado Constitucional Solidarista no Brasil.
Já a Constituição austríaca, aprovada em 1920 e restaurada em 1945,
declara que a solidariedade é um dos valores elementares da educação, assim nos
termos do Artigo 14, parágrafo 5º512, encontramos que a democracia, a humanidade,
a solidariedade, a paz e justiça, bem como a abertura e tolerância para com as
pessoas são os valores elementares da escola, com base na qual se assegura a toda
a população, independente da origem, situação social ou financeira, educação em os
níveis de qualidade mais altos possíveis, de forma permanente. Tamanha dedicação
à solidariedade educacional austríaca tem evidente fundamento cosmopolita e
intergeracional na busca do desenvolvimento de seres humanos orientados,
talentosos e criativos capazes de assumir a responsabilidade solidária proposta
constitucionalmente de terem uma educação que os preparem para serem
responsáveis por si mesmos, pelos outros seres humanos, pelo meio ambiente e pelas
as gerações seguintes.
É com esse escopo que, constitucionalmente, se proclama na Áustria uma
educação baseada na solidariedade tem o condão de proporcionar a qualquer
510 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” 511 “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” 512 Constituição da Áustria (Aprovada em 1920 e reintegrada em 1945). Disponível em: <https://www.constituteproject.org/constitution/Austria_2009.pdf>. Acesso em 26/06/2016.
125
estudante, de acordo com o seu desenvolvimento, um julgamento independente que
demonstre compreensão social e mente aberta ao pensamento político, religioso e
ideológico dos outros indivíduos, tornando-se, assim, capaz para participar da vida
cultural e econômica na Áustria, da Europa e do mundo (nas tarefas comuns da
humanidade), com amor pela liberdade e pela paz.513
A Constituição Italiana de 1948 prega em seu artigo segundo o princípio-
dever de solidariedade política, econômica e social, ao vaticinar: “A República
reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, como indivíduo, e nos grupos
sociais onde ele expressa sua personalidade, e exige o cumprimento dos deveres
obrigatórios de solidariedade política, econômica e social”514. Interessante, também,
é a redação do Artigo 3º da Constituição Italiana, que segundo Oliveira Júnior, nos
ajuda a compreender o papel do Estado na construção deste dever de solidariedade
multidimensional, visto que assevera: “É tarefa da República remover os obstáculos
de ordem econômica e social que, limitando de fato, a liberdade e a igualdade dos
cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana (...)”. 515
Examinando-se a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha516,
“Das Grundgesetz” (que faz as vezes de “Constituição Alemã”), se verifica que ela é
513 Constituição da Áustria (Aprovada em 1920 e reintegrada em 1945). Disponível em: <https://www.constituteproject.org/constitution/Austria_2009.pdf>. Acesso em 26/06/2016. 514 “Art. 2. La Repubblica riconosce e garantisce i diritti inviolabili dell’uomo, sia come singolo, sia nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalità, e richiede l’adempimento dei doveri inderogabili di solidarietà politica, economica e sociale. Disponível em: <http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf>. Acesso em 27/12/2016. Neste mesmo sentido, Cf. OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 65. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 515 OLIVEIRA JUNIOR, op. Cit., p. 54-107. 516 Aprovada em 8 de Maio de 1949 e reformada em 1990 (especialmente no seu preâmbulo), devido
ao processo de reunificação Alemã.
126
muito relutante em anunciar explicitamente517 o princípio da solidariedade518, sendo
importante ter em mente, na busca pela solidariedade social alemã, que esta está
basicamente incorporada às obrigações de solidariedade vinculadas à situação
histórica muito especial da reunificação daquele país, que exigiu (e ainda exige) um
esforço de solidariedade, cooperação mútua, lealdade e assistência519, fundamentado
na cláusula constitucional de que a Alemanha é um "Estado social", sendo tal esforço
modelo base de sistema de segurança social dos mais eficazes da Europa.520
Assim, o processo político de negociações para a reunificação da
Alemanha deram origem a um “Pacto de Solidariedade" [Solidarpakt] firmado por lei
aprovada em 1993 (chamado de Pacto de Solidariedade I) para implementar um
Programa de Consolidação Federativo, por meio de um compromisso federal de
solidariedade e cooperação entre as regiões abastadas do Oeste dirigidos às regiões
do Leste pelo período de 1995 a 2004, um impulso financeiro para promover
gradualmente uma aproximação econômica e social com o oeste e o leste. Tendo o
Pacto de Solidariedade I expirado em 2004, foi firmado o “Pacto de Solidariedade II”,
estabelecido para vigorar de 2005 a 2019, em continuidade ao projeto de aproximação
gradual de igualdade das condições de vida em todos os estados alemães,
promovendo, portanto, a solidificação da unidade alemã.521 Portanto, é no contexto
que diz respeito ao Pacto de Solidariedade522, à repartição de despesas, ao sistema
517 A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha em seu Artigo 1 ao tratar da Dignidade da pessoa humana promove solidariedade por meio de um reconhecimento irrestrito dos direitos humanos e da vinculação jurídica dos direitos fundamentais, ao garantir que: “(2) O povo alemão reconhece, por isto, os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana como fundamento de toda comunidade humana, da paz e da justiça no mundo.” A Lei Fundamental alemã também se compromete com a igualdade jurídica de todos os seres humanos, o Artigo 3º, seção 1, diz: “Todas as pessoas são iguais perante a lei.” Lei Fundamental da República Federal da Alemanha . Disponível em: https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf. A Lei Fundamental alemã, desta forma, explicitamente vincula-se com o reconhecimento dos direitos humanos válidos no costume internacional e nos tratados de direito internacional de modo que, no caso de alguma violação a tais direitos, a lei nacional entra diretamente em jogo. BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p.147. 518 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p.16. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 519 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 520 SOMMERMANN, op. Cit., loc. Cit., 521 Conferir em: <http://www.haushaltssteuerung.de/lexikon-solidarpakt-i.html>. Acesso em 05/10/2016. 522 Compensações pela abolição de tarefas comuns. Artigo 143 c (3): A Federação e os Estados verificarão até o final de 2013, até que ponto os recursos financeiros destinados aos Estados, segundo o §1, ainda são adequados e necessários para o cumprimento das tarefas dos Estados. A partir de 1º
127
financeiro523 e ao regime orçamentário524, que a Lei Fundamental Alemã faz
referências expressas à solidariedade.
Tais Pactos de Solidariedade possuem relação direta com o princípio
"Bundestreue" que tem uma longa história no direito constitucional alemão e pode ser
traduzido como um princípio de "fidelidade à federação". Este dever de lealdade para
com a federação, representado no ideal de solidariedade entre o governo federal e os
Estados, tem influenciando a interpretação e a aplicação da letra da Lei Fundamental
pelo Tribunal Constitucional Alemão que, em vários casos concernentes à
solidariedade financeira no contexto nacional alemão525, tem informado a importância
de janeiro de 2014, será suprimida a vinculação de finalidades, prevista no §2, alínea 2, para as contribuições previstas no §1; permanece a vinculação do volume médio a fi ns de investimento. Os acordos do Pacto de Solidariedade II não são afetados. Regras transitórias no âmbito das ajudas de consolidação. Artigo 143d (2): “Aos Estados Berlim, Bremen, Sarre, Saxônia-Anhalt e Schleswig-Holstein podem ser concedidos recursos de consolidação do orçamento da Federação no período de 2011até 2019, num valor total de 800 milhões de euros anuais, como ajuda para a observância das disposições do artigo 109 §3 a partir de 1º de janeiro de 2020. Desse montante cabem 300 milhões de euros a Bremen, 260 milhões de euros ao Sarre e 80 milhões de euros respectivamente a Berlim, Saxônia-Anhalt e Schleswig-Holstein. As ajudas serão concedidas com base num acordo administrativo regulamentado por uma lei federal, com a aprovação do Conselho Federal. A concessão das ajudas está condicionada a uma completa redução dos défi cits de financiamento até o fim do ano de 2020. Os pormenores, em especial as etapas anuais de redução dos déficits de financiamento, a fiscalização da redução dos déficits de financiamento através do Conselho de Estabilidade, bem como as consequências no caso da inobservância das etapas de redução, serão regulamentados através de lei federal com a aprovação do Conselho Federal e através de acordo administrativo. Fica proibida a concessão simultânea de ajudas de consolidação e ajudas de saneamento, em razão de emergência orçamentária extrema. LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. Tradutor: Assis Mendonça, Aachen. Revisor jurídico: Urbano Carvelli, Bonn. 2011. Disponível em: <https://www.btg-bestellservice.de/pdf/80208000.pdf>. Acesso em: 02/11/2016. 523 Repartição de despesas – Sistema financeiro – Responsabilidade. Artigo 104a (6): “A Federação e os Estados assumem, de acordo com a sua distribuição interna de competências e tarefas, os encargos de uma violação das obrigações supranacionais ou do direito internacional público da Alemanha. Nos casos de correções financeiras da União Europeia, que afetem mais de um Estado, a Federação e os Estados assumem tais encargos numa relação de 15 e 85 por cento. O conjunto dos Estados assume solidariamente, nestes casos, 35 por cento dos encargos totais, conforme uma fórmula geral; 50 por cento dos encargos totais são assumidos pelos Estados que causaram estas despesas, proporcionalmente ao montante dos recursos recebidos. A matéria será regulamentada por lei federal, que necessita de aprovação pelo Conselho Federal. Ibid., 524 Regime orçamentário da Federação e dos Estados. Artigo 109 (5): “As medidas de sanção da Comunidade Europeia, no contexto das determinações do artigo 104 do tratado de fundação da Comunidade Europeia para o cumprimento da disciplina orçamentária, são cumpridas conjuntamente pela Federação e os Estados numa proporção de 65 e 35 por cento. Os Estados no seu todo assumem solidariamente 35 por cento da sobrecarga que lhes compete, repartidos conforme o seu número de habitantes; 65 por cento da sobrecarga atribuída aos Estados são assumidos pelos Estados de acordo com a sua responsabilidade causal. A matéria será regulamentada por uma lei federal que requer a aprovação pelo Conselho Federal. Ibid., 525 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016.
128
do princípio federativo de assistência mútua, ou seja, o espírito federal de uma
comunidade em solidariedade [bundesstaatlicher Gedanke der
Solidargemeinschaft].526
A Constituição da Índia de 1950 salienta em seu preâmbulo que
"FRATERNIDADE assegura a dignidade do indivíduo e a [unidade e integridade da
Nação]"527. Ou seja, para os indianos, fraternidade é um valor que comunica a
dignidade humana e ao mesmo tempo assegura a unidade e a integridade do país.
A Constituição da França de 1958 proclama o seu compromisso com os
direitos humanos e os princípios da soberania nacional, conforme definido na
Declaração de 1789, o que se confirma e completa constitucionalmente pelo
Preâmbulo da Constituição de 1946528 onde o princípio da solidariedade social domina
a cena (e daí, talvez, o porquê ainda ser parte vigente do direito constitucional
francês), anunciando uma série de direitos e princípios sociais, além de explicitamente
invocar solidariedade529 em seu parágrafo 12: "A Nação proclama a solidariedade e a
igualdade de todos os franceses em desafios resultantes de calamidades
nacionais"530. Mais ainda, a Constituição Francesa de 1958 também menciona
solidariedade em seu artigo 87 no que tange à sua política de solidariedade com aos
territórios ultramarinos e países francófonos estabelecendo o seguinte propósito: “A
526KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p.p. 4-5. 527 “FRATERNITY assuring the dignity of the individual and the [unity and integrity of the Nation]”. Subs. By the Constitution (Forty-second Amendment) Act, 1976, sec.2, for “unity of the Nation”. THE CONSTITUTION OF INDIA. With selective comments by P.M. Bakshi. UNIVERSAL LAW PUBLISHING CO. PVT. LTD. , 2002. p.1 528 Lei Francesa: Lei 77-732 de 7 de Julho 1977, que autoriza a aprovação do Acordo Constitutivo do Fundo de Solidariedade Africano, definir um cronograma, assinado em Paris em 21 de dezembro de 1976. ION 91-1401 31 de dezembro 1991 que autoriza a aprovação de alterações ao acordo que estabelece o Fundo de solidariedade Africano. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichSarde.do?reprise=true&page=1&idSarde=SARDOBJT000007115736&ordre=null&nature=null&g=ls>. Acesso em 10/04/2016. 529 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p.16. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 530 Parágrafo 12 do Preâmbulo da Constituição Francesa de 1946. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/Droit-francais/Constitution/Preambule-de-la-Constitution-du-27-octobre-1946. Acesso em 18/04/2016.
129
República participa no desenvolvimento da solidariedade e da cooperação entre os
Estados e os povos que partilham da língua francesa”.531
A Constituição Grega de 1975 em seu artigo 25, que trata da proteção e do
exercício dos direitos fundamentais, no §4º afirma que "O Estado tem o direito de
exigir de todos os cidadãos o cumprimento do dever de solidariedade social e
nacional."532
A Constituição Cubana, proclamada em 24 de fevereiro de 1976, afirma em
seu Artigo 12 que “A República de Cuba faz seus os princípios do internacionalismo
proletário e da solidariedade combativa dos povos” e “desenvolve relações fraternais
e de colaboração com os países que mantém posições anti-imperialistas e
progressistas”(12º, h), bem como “mantém relações amistosas com os países que,
tendo um regime político, social e econômico diferente, respeitam sua soberania,
observam as normas de convivência entre os Estados, (...)” (12º, i).533
A Constituição Portuguesa de 1976534 trata de solidariedade em seus
dispositivos sobre segurança social, meio ambiente e qualidade de vida, cidadãos
portadores de deficiência, educação, cultura e ciência, solidariedade governamental,
e no regime político-administrativo das regiões autônomas dos Açores e da Madeira.
Desta forma, é que o Artigo 63 da Constituição Portuguesa, ao abordar
segurança social e solidariedade, afirma que todos têm direito à segurança social,
incumbindo-se ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança
social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de
outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações
representativas dos demais beneficiários. Esse sistema visa proteger os cidadãos na
531FRANÇA. Constituição Francesa de 1958. Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/root/bank_mm/portugais/constitution_portugais.pdf>. Acesso em 26/01/2016. 532 THE CONSTITUTION OF GREECE. Disponível em: <http://www.hri.org/docs/syntagma/>. Acesso em 23/01/2017. 533 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE CUBA. Proclamada em 24 de fevereiro de 1976. Edições Trabalhistas S/A: Rio de Janeiro, 1987. 534 Em seu Preâmbulo fala a Constituição Portuguesa em “estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”. CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em 23/01/2017.
130
doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas
as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade
para o trabalho.535
Ainda segundo o Artigo mencionado, fica a cargo do Estado apoiar e
fiscalizar, também, a atividade e o funcionamento das instituições particulares de
solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter
lucrativo, com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social
consignados536.537 Nesse sentido, o Artigo 82, § 4. (d) da Constituição Portuguesa, ao
definir o setor cooperativo e social, diz que este compreende especificamente os
meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo,
que tenham como principal objetivo a solidariedade social, sendo designadamente
entidades de natureza mutualista.538
Já o Artigo 66 que versa sobre meio ambiente e qualidade de vida, no
parágrafo 2º alínea 2 (d), afirma que para assegurar o direito a um meio ambiente
saudável, por meio do desenvolvimento sustentável, incumbe-se ao Estado, por meio
de seus organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos,
“promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua
capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da
solidariedade entre gerações.”539
Por seu turno, o Artigo 71, que trata dos cidadãos portadores de deficiência,
observa em seu parágrafo 2º, que o Estado se obriga a realizar uma política nacional
de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de
deficiência, bem como de apoio às suas famílias, desenvolvendo uma pedagogia
535CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976. Disponível em:
<https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em 23/01/2017. 536 O mesmo artigo salienta que tais objetivos consignados encontram-se nomeados, no próprio artigo 63º, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º. Ibid., 537 Ibid., 538 Ibid., 539 Ibid.,
131
social que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade
para com aqueles.540
É também digno de apreciação o fato de que a Constituição Portuguesa ao
discorrer sobre educação, cultura e ciência no Artigo 73, § 2, encarrega o Estado de
promover a democratização da educação, contribuindo para uma maior igualdade de
oportunidades, e para a superação das desigualdades econômicas, sociais e culturais,
na busca do “desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de
compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social
e para a participação democrática na vida coletiva”.541 Segundo Oliveira Junior, tais
práticas educacionais solidaristas confirmam o compromisso português com a
cidadania solidária multidimensional.542
Uma solidariedade dita governamental, surge no Artigo 189 da Constituição
de Portugal, tal solidariedade surgiria entre os membros governamentais vinculados
ao programa do Governo e às deliberações tomadas em Conselho de Ministros.543
Ao tratar de suas regiões autônomas, a Constituição Portuguesa no Artigo
225, § 2, afirma que o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira visa a
autonomia das regiões e a participação democrática dos cidadãos por meio do
desenvolvimento econômico e social e da promoção e defesa dos interesses
regionais, como meio de reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade
entre todos os portugueses.544 Reforçando isso, o Artigo 227, §1 (j), ao tratar dos
poderes das regiões autónomas, assegura que elas podem dispor, “nos termos dos
estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, de uma participação nas
receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure
a efetiva solidariedade nacional”.545
540 Ibid., 541 Ibid., 542 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 66. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 543CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em 23/01/2017. 544 Ibid., 545 Ibid.,
132
A Constituição da Espanha de 1978 enfatiza no seu Artigo 2º que se baseia
na unidade indissolúvel da nação espanhola, reconhecendo e garantindo o direito à
autonomia das nacionalidades e regiões que a integram e da solidariedade entre todas
elas.546 Esse elemento da Constituição Espanhola é um intrigante exemplo do uso do
princípio da solidariedade no que concerne a pacificar as relações entre um Estado
central e suas comunidades autónomas, por meio de uma assistência mútua que
mediatizada o diálogo e a solidariedade, mesmo diante do reconhecimento da
autonomia política.547
Não é demais destacar que chama atenção, no que tange à
interconstitucionalidade, que as Constituições Francesa, Portuguesa e Espanhola
tenham quase as mesmas diretrizes no que se referem às suas respectivas regiões
autônomas. Nesse contexto, também se pontua a solidariedade educacional
presentes nas Constituições Portuguesa e Austríaca.
A Constituição Federal da Confederação Suíça, reformada em 18 de abril
de 1999, consagra em seu Preâmbulo o esforço “para fortalecer a liberdade e a
democracia, a independência e a paz, em solidariedade e sinceridade perante o
mundo”.548
De todo o exposto, pode-se afirmar que disposições solidárias expressas
ou tácitas estão presentes em os mais diversos textos constitucionais ao redor do
globo, o que evidencia o fato de que as constituições nacionais, seja como for,
representem em grande medida a concretização de um imaginário constitucional
solidário global.549 Tal constatação reforça a teoria de que o direito constitucional ao
546 “Artículo 2º. La Constitución se fundamenta em la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos los españoles, y reconoce y garantiza el derecho a la autonomía de las nacionalidades y regiones que la integran y la solidaridad entre todas ellas”. CONSTITUCIÓN ESPAÑOLA. Edición preparada por LUIS LÓPEZ GUERRA. Séptima Edición. Editorial Tecnos, 1995. p. 32. 547 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p.19. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 548 OLIVEIRA JUNIOR, Valdir Ferreira de. O ESTADO CONSTITUCIONAL SOLIDARISTA: ESTRATÉGIAS PARA SUA EFETIVAÇÃO. p. 65. In: MARTINS, Ives Granda da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (Coords.). Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. 549 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 15 – jan./jun. 2010 p. 245-246. Disponível em: http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-15/RBDC-15-245-Paulo_Ferreira_da_Cunha_(Do_Constitucionalismo_Global).pdf
133
estabelecer a tradição de conceber a solidariedade como um programa de ação e/ou
princípio jurídico, recebeu essa incumbência de uma consciência universal humanista,
que vem abrindo o caminho para mudar o paradigma de solidariedade deste o plano
doméstico até o plano regional e global, e vice-versa.550
3.2 DESENVOLVIMENTOS REGIONAIS DO PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE
No Direito Internacional contemporâneo o princípio da solidariedade é
invocado no âmbito de diversos organismos internacionais regionais, motivando a
adoção de um novo conceito de aliança entre os Estados baseada em uma “integração
solidária” para a defesa de valores compartilhados. Como exemplos mais destacados
dessa integração solidária podemos citar os sistemas regionais de proteção dos
direitos humanos interamericano, africano e europeu, já que antes da criação de tais
sistemas essas regiões passaram por um processo de constitucionalização das suas
relações por meio de tratados regionais de solidariedade, cooperação e integração,
em acontecimento que também reverberou no ordenamento universal de proteção dos
direitos humanos.
Esta integração regional, constitucionalizada por meio de tratados
constitutivos de organizações internacionais regionais, demonstra que a visão de
mundo totalmente ligada às excepcionalidades das diversas constituições nacionais
está definitivamente ultrapassada, principalmente no que tange àqueles Estados que
se submetem aos regimes regionais e universais de proteção dos direitos humanos
550 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 70. Apud K. Wellens, Solidarity as a Constitutional Principle: Its Expanding Role and Inherent Limitations, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds.), Towards world Constitutionalism. Issues in the Legal Ordering of the World Community, 2005, p. 775.
134
que forçam mudanças qualitativas na proteção desses direitos e geram situação de
questionamentos dos atos estatais contrários aos mesmos.551
Além disso, existe hoje quem acredite na existência de constituições
supranacionais, como, por exemplo, o Tratado de Lisboa que estabelece relações
governamentais regionais cada vez mais articuladas e integradas pelo princípio da
solidariedade dentro da União Européia.
Ora, cabe registrar, que até no contexto do mundo árabe (e apesar das suas
particularidades) existe menção a “os princípios eternos de irmandade e igualdade
entre todos os seres humanos”, presente no preâmbulo da Carta Árabe de Direitos
Humanos de 1994.
Por tais motivos, não seria excesso afirmar que certamente direcionamo-
nos para o reconhecimento da supremacia do direito internacional (regional e
universal), visto que os tribunais nacionais a cada dia mais invocam preceitos
regionais e internacionais quanto nacionais, e as novas gerações começam a
vislumbrar o florescimento de um constitucionalismo global que venha a diluir as
barreiras psicossociais dos nacionalismos extremos, apegados a uma velha noção de
soberania estatal absoluta, que para alguns é hoje, em boa parte, apenas histórica e
alegórica. Neste pensar, o caminho da compreensão e consolidação da teoria de
constitucionalismo global passa pelo exemplo da iniciativa constitucional dos sistemas
jurídicos regionais552, até porque a heterogeneidade da sociedade internacional força
o direito internacional a buscar seus progressos mais importantes no campo regional,
551 Exemplo: o Acordão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que decidiu que o Estado brasileiro violou a Convenção Americana de Direitos Humanos por não haver processado e julgado os autores dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver de mais 60 pessoas, na chamada Guerrilha do Araguaia e por ter o Supremo Tribunal Federal interpretado a lei de anistia de 1979 como tendo apagado os crimes de homicídio, tortura e estupro cometidos durante a ditadura militar brasileira. CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS, CASO GOMES LUND Y OTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. SENTENCIA DE 24 DE NOVIEMBRE DE 2010. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf>. Acesso em 03/01/2017; RESOLUCIÓN DE LA CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS DE 17 DE OCTUBRE DE 2014 CASO GOMES LUND Y OTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. SUPERVISIÓN DE CUMPLIMIENTO DE SENTENCIA. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf>. Acesso também em 03/01/2017. 552 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 15 – jan./jun. 2010. p. 245-247. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-15/RBDC-15-245-Paulo_Ferreira_da_Cunha_(Do_Constitucionalismo_Global).pdf>. Acesso em 17/11/2016.
135
onde a solidariedade é mais fácil de organizar, em razão da presença de Estados mais
homogêneos com uma percepção mais clara da existência de interesses comuns.553
Neste contexto, a solidariedade desempenha papel distinto de solidificar o
compromisso e a responsabilidade de uma maior integração social, que os sistemas
integrativos regionais são vetores, ocasionando tanto efeito nos Estados nacionais,
como na consciência jurídica universal de defesa e promoção dos direitos humanos.
3.2.1 Solidariedade no Sistema Interamericano
Uma abordagem do Direito Internacional no continente americano não pode
ser feita sem que se analise o papel desenvolvido pelo princípio da solidariedade,
frequentemente mencionado no conjunto normativo das relações entre os Estados,554
fato que revela a razão da significativa uniformidade jurídica e política, especialmente
dos Estados latino americanos.555
Nesse condão, é inclusive proposto doutrinariamente que o Princípio da
Solidariedade é na essência um princípio de Direito Internacional com origem genuína
nas relações regionais latino-americanas que teriam dado propulsão para a
solidariedade assumir uma visualidade maior na ordem jurídica internacional
universal.556
553 CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2015. p. 25. 554 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 249. 555 Ibid., p. 253 Apud CISNEROS, César Diaz. Derecho internacional público. 2. ed. Buenos Aires: Tipográfica Editora Argentina, 1966. p. 177-182; GARCIA, Carlos Arellano. Segundo curso de derecho internacional público. 2. ed. México: Porrúa, 1998. Os Estados latino americanos tiveram um percurso histórico comum com início nas lutas pela emancipação política das metrópoles europeias, passando pelas tentativas de criação de uma confederação entre os novos Estados criados, pelos ciclos dos congressos jurídicos sul-americanos, e por fim, com a entrada dos Estados sul-americanos na Sociedade das Nações. Ibid., p. 249. Apud GUANI, Albert. La solidarité internationale: dans L´Amérique Latine. Recueil dês Cours. Paris: Boulevard Saint-Germain, v. 8, 1925. p. 207-208. 556 Ibid., p. 266.
136
Em outros termos, se defende que a partir do modelo de solidariedade
praticada pelos Estados da América Latina (reiteradamente reconhecida por meio de
tratados regionais como um princípio ou valor do direito internacional nas relações
interestatais regionais), se promoveu o reconhecimento da solidariedade que com o
tempo, também, passou a ser proclamada como princípio geral do direito
internacional, reconhecido em tratados e demais documentos normativos de aplicação
universal.557
Assim é que na Carta da Jamaica, de 1815, Simon Bolívar já idealizava
estabelecer uma “união espiritual” entre os novos Estados criados, por meio de um
vínculo que unisse todos os Estados com base em um sentimento de irmandade.558
No entanto, o ponto de partida oficial para a consolidação do Princípio da
Solidariedade na América Latina foi o Congresso do Panamá ocorrido 1826, e que
resultou no “Tratado de Liga e Confederação Perpétua”, que se fundamenta em
interesses comuns de defesa e contra qualquer forma de dominação estrangeira,559
fonte de elementos significativos para a gênese contemporânea do princípio da
solidariedade560, bem como de outros princípios baseados na coexistência pacífica
comum e solidária entre Estados561 , em aliança maquinada em fundamentos políticos,
históricos, culturais e geográficos, reforçando a solidariedade como princípio relevante
do Direito Internacional a pautar e redimensionar as relações entre os Estados562,
princípios estes que seriam referendados no século XX tanto pelo sistema
interamericano como pelo sistema onusiano563.
Desta feita, o Congresso do Panamá, primeira forma de institucionalização
da solidariedade interamericana, acabou por originar um novo paradigma na tratativa
557 Ibid., p. 258 – 259. 558 Ibid., p. 247. Apud BOLIVAR, Simón. Obras Completas I. 2.ed. Havana, 1950. P.169. 559 Ibid., p. 248. Segundo este Wagner Menezes, tal forma de solidariedade fica mais explicita no art. 3º do mencioando Tratado, que dispõe: “As partes contratantes se obrigam e comprometem a defender-se mutuamente de todo ataque que ponha em risco sua existência política, e empregar, contra os inimigos da independência de todas ou parte delas, toda sua influência, recursos e forças marítimas e terrestres, segundo os contingentes com que cada um está obrigado, por convenção separada, desta referida data, a defender a sustentação da causa comum”. Ibid., loc. Cit. 560 Ibid., p. 247. 561 Ibid.,p. 261. 562 MENEZES, op. Cit. p. 261. 563 ALEIXO, José Carlos Brandi. O Brasil e o Congresso Anfictiônico do Panamá. Rev. Bras. Polít. Int. 43 (2): 170-191 [2000]. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v43n2/v43n2a08.pdf>. Acesso em 05/05/2015.
137
de pactos entre os Estados no cenário internacional, que passaram a ser pautados na
solidariedade e busca pela manutenção da paz (diversamente dos Congressos de
Vestefália de 1648 e de Viena de 1815, que foram forjados respectivamente em função
da Guerras dos Trinta Anos e da queda de Napoleão, representando claro exemplo
de tratados entre vencedores e vencidos).564
Ora, o Congresso do Panamá, foi celebrado em período de paz e procurou
estabelecer os instrumentos solidários de perpetuação desta565, como já dito,
antecipando uma visão de mundo que viria a ser proposta pelas grandes organizações
internacionais que viriam a ser criadas, como a Sociedade das Nações566 e a ONU.
As Nações Unidas, em especial afirmam que “o Congresso Anfictiônico do Panamá
representa o mais relevante ensaio unionista no plano internacional do século XIX,
com características ecumênicas, antecipando, por coincidência, os objetivos do
sistema das Nações Unidas”567. Desde então, a partir do anelo solidarista latino-
americano representado no Congresso do Panamá, se deu o nascimento de uma
consciência interestatal não mais condicionada apenas à cooperação para a
coexistência das soberanias, mas um paradigma internacional da necessidade de
vínculos solidários para a conquista de objetivos comuns568 entre os Estados do
mundo inteiro.569
564 ALEIXO, José Carlos Brandi. O Brasil e o Congresso Anfictiônico do Panamá. Rev. Bras. Polít. Int.
43 (2)., 2000. p. 171. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v43n2/v43n2a08.pdf>. Acesso em 05/05/2015. 565 Ibid., 566 Segundo José Carlos Brandi Aleixo, Jesus María Yepes demonstra como o Presidente Woodrow Wilson se inspirou no Tratado de 1826, para seu projeto da Sociedade das Nações6 , inclusive com a cópia de alguns de seus artigos. Yepes sintetiza assim as idéias do Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua do Panamá:“manutenção da paz, segurança coletiva, defesa recíproca e mútua ajuda contra o agressor; garantia da independência política e da integridade territorial dos estados membros; solução pacífica das controvérsias internacionais, quaisquer que sejam suas naturezas e origens; codificação do Direito Internacional; enfim, emprego da força justa para assegurar o reinado do direito”. Ibid., loc. Cit., apud YEPES, Jesus Maria. Del Congresso de Panamá a la Conferência de Caracas. 1826-1954. Caracas. Oficina Central de Informação, 1976, p. 75-76. 567 A importância do Congresso do Panamá é reconhecida pela Organização das Nações Unidas por meio da Resolução Resolução 31/42 que diz: ““Reconhecer que o Congresso Anfictiônico do Panamá representa o mais relevante e denodado ensaio unionista no plano internacional do século XIX, com caracteres ecumênicos, em antecipação e coincidência com os objetivos do sistema das Nações Unidas”. Ibid., p. 173 apud ILLUECA, Aníbal. “El Congresso Anfictiônico de 1826”. Lotería, Panamá, mar. abr. 1992, p. 43. 568 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 248. Neste sentido, YEPES, Jesus Maria. Philosophie du Panaméricanisme et Organization de La Paix. Suiça: Éditions de l Baconnière, 1945. p. 56-60. 569 Ibid., p. 249.
138
De fato, ao longo da história posterior ao Congresso do Panamá, o princípio
da solidariedade foi consagrado na maioria dos textos produzidos nas relações entre
os Estados da América Latina, sendo em alguns casos celebrados apenas para
reafirmar a importância deste princípio.570
Dessa forma, o preâmbulo da Declaração de Princípios de Solidariedade e
Cooperação Interamericana, aprovada em 21 de dezembro de 1936, resultado da
Conferência Interamericana para a Consolidação da Paz, realizada em Buenos Aires,
fala “que a existência de interesses continentais obriga a manter uma solidariedade
de princípios, como fundamento da vida da relação de todas e cada uma das Nações
Americanas”. Salientando, também, “que é necessário consagrar o princípio da
solidariedade americana em todos os conflitos extracontinentais”.571
Em 1938, a Declaração dos Princípios de Solidariedade da América572,
fruto da 8ª Conferência Interamericana, também conhecida como Declaração de Lima,
afirma a qualificação dos povos americanos para a solidariedade, a paz, a
humanidade e a tolerância, em adesão incondicionada aos princípios do direito
internacional, e em prol da concórdia universal, afirmando: “que o respeito à
personalidade, soberania e independência de cada Estado americano é a essência
da ordem internacional sustentada pela solidariedade continental, que se manifesta
historicamente sendo sustentada por declarações e tratados em vigor.” Além disso,
mencionando a Declaração de Princípios sobre Solidariedade Interamericana e
Cooperação de 1936, declara que os Governos dos Estados Americanos “reafirmam
a sua solidariedade continental e sua finalidade de colaborar na manutenção dos
princípios em que essa solidariedade se baseia”.573
Por seu turno, no ano 1939, foi firmada a Declaração conjunta de
solidariedade continental574, aprovada em 3 de outubro no Panamá, que confirma um
570 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 250. 571 Ibid., p. 250 apud FERREIRA DE MELLO, Rubens. Textos de direito internacional e de história diplomática. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1950. 572 DECLARACIÓN DE LOS PRINCIPIOS DE LA SOLIDARIDAD DE AMÉRICA (Octava Conferencia Internacional Americana, Lima – 1938). Disponível em: <http://www.dipublico.org/15744/declaracion-de-los-principios-de-la-solidaridad-de-america-octava-conferencia-internacional-americana-lima-1938/>. Acesso em 25/05/2015. 573 Ibid.; neste mesmo sentido Cf. MENEZES, op. Cit., p. 250-251 apud CASTILLA, José Joaquim Caicedo. El panamericanismo. Buenos Aires: Roque Depalma, 1961, p. 59-60. 574 DECLARACIÓN CONJUNTA DE SOLIDARIDAD CONTINENTAL (Primera Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores, Panamá – 1939). Disponível em:
139
espírito democrático americano e reafirma a solidariedade pela a paz nas Américas e
em todo o mundo, proclamada na Oitava Conferência Internacional de Lima, no ano
anterior, como esforço de solidariedade desligado de qualquer propósito egoísta de
isolamento, e inspirado por um alto senso de cooperação universal, espiritual, moral
e econômica da humanidade, por um mundo de paz e justiça.575
Já em 1940, em Havana foi aprovada a Resolução XII sobre a Promoção
da Solidariedade Continental576, que defende, em seu breve preâmbulo, o sentimento
de solidariedade entre as Repúblicas Americanas como uma verdadeira força de
defesa continental, devendo contribuir para uma cooperação que remova todo
obstáculo que possa comprometer aquele princípio de direito público americano, na
busca da realização do ideal de solidariedade tanto no aspecto político como no
econômico.577
Nesse compasso, em 1945, no México, foi redigida a Ata de
Chapultepec578, de assistência recíproca e solidariedade americana, resultado da
Conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz, que em seu
preâmbulo afirma: “os povos americanos, animados de profundo amor à justiça,
continuam sinceramente dedicados aos princípios do Direito Internacional”, no
desidério que tais princípios proclamados mais de uma vez nas Conferências
Interamericanas “prevaleçam ainda com mais força nas futuras relações
internacionais”, visto que “a nova situação mundial, torna cada vez mais imperiosa a
<http://www.dipublico.org/15794/declaracion-conjunta-de-solidaridad-continental-primera-reunion-de-consulta-de-ministros-de-relaciones-exteriores-panama-1939/>. Acesso em 25/05/2015. 575 DECLARACIÓN CONJUNTA DE SOLIDARIDAD CONTINENTAL (Primera Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores, Panamá – 1939). Op. Cit.; MENEZES, op. Cit., p. 250 apud FERREIRA DE MELLO, Rubens. Textos de direito internacional e de história diplomática. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1950. p. 529 e ss. 576 PROMOCIÓN DE LA SOLIDARIDAD CONTINENTAL (Segunda Reunión de Consulta de Ministros de Relaciones Exteriores, La Habana – 1940). Disponível em: <http://www.dipublico.org/15948/promocion-de-la-solidaridad-continental-segunda-reunion-de-consulta-de-ministros-de-relaciones-exteriores-la-habana-1940/>. Acesso em 26/05/2015. 577 “O sentimento de solidariedade entre as Repúblicas Americanas é uma verdadeira força de defesa continental, à qual todos devem contribuir sem reservas a máxima cooperação, a remoção de todos os obstáculos que possam comprometer o princípio do direito público americano para que nenhum Estado deste continente parece constrangido a oferecer o seu pleno e decidido contestar a execução, tanto política quanto economicamente, desse ideal.” PROMOCIÓN DE LA SOLIDARIDAD CONTINENTAL, op. Cit.; MENEZES, op. Cit., Wagner. p. 251 578 ATO DE CHAPULTEPEC: ASSISTÊNCIA RECÍPROCA E SOLIDARIEDADE AMERICANA. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/multilaterais/tratado-do-atlantico-norte/>. Acesso em 27/05/2015.
140
união e a solidariedade dos povos americanos para a defesa dos seus direitos e a
preservação da paz internacional”.579
Nesta orientação, a 2 de setembro de 1947, o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca580 (TIAR) firmado na Conferência do Rio de Janeiro, por
ocasião da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança
no Continente Americano, estabeleceu diretrizes para prevenir e reprimir as ameaças
e os atos de agressão contra qualquer país americano (ou seja, em ato invocado
dentro da idéia de uma aliança contra a agressão externa581), consolidando de forma
permanente as afirmações de solidariedade hemisférica estabelecidas em encontros
interamericanos anteriores, especialmente na Conferência do México de1945582,
reafirmando que os Estados “renovam sua adesão aos princípios de solidariedade e
cooperação interamericanas e especialmente aos princípios enunciados nos
considerandos e declarações do Ato de Chapultepec”583 e que todos os princípios,
entre os quais a solidariedade, “devem ser tidos por aceitos como normas de suas
relações mútuas e como base jurídica do Sistema Interamericano”584.
O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca representa, portanto,
um ato formal de solidariedade para a segurança recíproca, considerando que “um
ataque armado por qualquer Estado contra um Estado americano será considerado
como um ataque contra todos os Estados americanos”. O contexto solidário
obrigatório do Tratado demonstra que falamos, neste caso, de uma solidariedade
positiva, confirmada no Preâmbulo que aduz: “a obrigação de auxílio mútuo e de
defesa comum das Repúblicas Americanas se acha essencialmente ligada a seus
579 ATO DE CHAPULTEPEC: ASSISTÊNCIA RECÍPROCA E SOLIDARIEDADE AMERICANA. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/multilaterais/tratado-do-atlantico-norte/>. Acesso em 27/05/2015. 580 TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Disponível no site da OEA, em espanhol e inglês, pelo link: <http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-29.html>. Acesso em 28/12/2016. EsteTratado entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro por meio do DECRETO Nº 26.428, DE 9 DE MARÇO DE 1949. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/segurancapublica/tratado_interamericano_assistencia_reciproca_riodejaneiro.pdf. Acesso em: 28/12/2016. 581 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 252. 582 FGV, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tratado-interamericano-de-assistencia-reciproca-tiar>. Acesso em 11/11/2016. 583 TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Op. Cit., 584 Ibid.,
141
ideais democráticos e à sua vontade de permanente cooperação para realizar os
princípios e propósitos de uma política de paz”585.
Ademais, o Artigo 3º § 2 acrescenta que por solicitação do Estado ou dos
Estados diretamente atacados, enquanto pendente de decisão do órgão de consulta
do Sistema Interamericano, cada uma das Partes Contratantes poderá determinar as
medidas imediatas no exercício do direito imanente de legítima defesa individual ou
coletiva reconhecida pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, e “de acordo com o
princípio da solidariedade continental”586. Tal solidariedade positiva toma proporções
constitucionais ao ser vaticinada no Artigo 26 do TIAR onde se lê que “os princípios e
as disposições fundamentais deste Tratado serão incorporados ao Pacto Constitutivo
do Sistema Interamericano”.587 Assim, como consequência da solidariedade
continental firmada no TIAR, o sistema interamericano formalizou-se mais
concretamente no ano seguinte, na Conferência de Bogotá, de onde emergiu a
Organização dos Estados Americanos (OEA), e também se instituiu o Conselho de
Defesa Interamericano.588
A Carta da Organização dos Estados Americanos589, firmada em Bogotá, a
30 de abril de 1948590, desde o seu Preâmbulo já faz referências expressas à
585 TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Disponível no site da OEA, em espanhol e inglês, pelo link: <http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-29.html>. Acesso em 28/12/2016. EsteTratado entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro por meio do DECRETO Nº 26.428, DE 9 DE MARÇO DE 1949. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/segurancapublica/tratado_interamericano_assistencia_reciproca_riodejaneiro.pdf. Acesso em: 28/12/2016. 586 Ibid., 587 Ibid., 588 FGV, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tratado-interamericano-de-assistencia-reciproca-tiar>. Acesso em 11/11/2016. 589CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (A-41). Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.pdf>. Acesso em 01/01/2015; a Carta foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 30544/1952. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-30544-14-fevereiro-1952-340000-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso 01/01/2015. 590 A Carta da OEA foi reformada pelo Protocolo de Reforma da Carta da Organização dos Estados
Americanos "Protocolo de Buenos Aires", assinado em 27 de fevereiro de 1967, na Terceira Conferencia Interamericana Extraordinária. pelo Protocolo de Reforma da Carta da Organização dos Estados Americanos "Protocolo de Cartagena das Índias", assinado em 5 de dezembro de 1985, no Décimo Quarto período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral, pelo Protocolo de Reforma da Carta da Organização dos Estados Americanos "Protocolo de Washington", assinado em 14 de dezembro de 1992, no Décimo Sexto período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral, e pelo Protocolo de Reforma da Carta da Organização dos Estados Americanos "Protocolo de Manágua",
142
solidariedade, mencionando que um “verdadeiro sentido da solidariedade americana
e da boa vizinhança” não poderia ser outro senão o de consolidar no continente
americano “dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade
individual e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do
Homem”591. Pontuemos que só este enunciado do preâmbulo já seria suficiente para
confirmar o destaque do Princípio da Solidariedade como princípio fundamental de
direito nas relações internacionais entre os Estados americanos.592
Mais ainda, a Carta Constitutiva da Organização dos Estados Americanos
sustenta no seu Artigo 1º, referindo-se à sua própria natureza e propósitos que os
Estados americanos a consagraram “para conseguir uma ordem de paz e de justiça,
para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua
soberania, sua integridade territorial e sua independência. (...)”.593
Vale destacar, também, o Artigo 3º (d), onde se salienta que os Estados
americanos reafirmam os seguintes princípios: “A solidariedade dos Estados
americanos e os altos fins a que ela visa requerem a organização política dos
mesmos, com base no exercício efetivo da democracia representativa”.594
É igualmente digno de nota que ao tratar de Segurança Coletiva (Capítulo
VI), determina a Carta da OEA, no seu artigo 29, que quando a inviolabilidade, a
integridade do território, a soberania e a independência política de qualquer Estado
americano forem atingidas por um ataque armado, agressão que não seja ataque
armado, conflito extracontinental, conflito entre dois ou mais Estados americanos, ou
por qualquer outro fato ou situação que possa pôr em perigo a paz no Continente
Americano: “os Estados americanos, em obediência aos princípios de solidariedade
assinado em 10 de junho de 1993, no Décimo Nono Período Extraordinário de Sessões da Assembléia Geral. 591CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (A-41). Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.pdf>. Acesso em 01/01/2015; promulgada no Brasil pelo Decreto nº 30544/1952. 592 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 252. 593 CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (A-41), op. Cit., 594 Ibid.,
143
continental, ou de legítima defesa coletiva, aplicarão as medidas e processos
estabelecidos nos tratados especiais existentes sobre a matéria.”595
Nesse contexto argumentativo, um compromisso solidário para o
desenvolvimento de todos os Estados Americanos é registrado no Artigo 30 da Carta
da OEA, onde reza-se que: “Os Estados membros, inspirados nos princípios de
solidariedade e cooperação interamericanas” comprometem-se com a justiça social
internacional em suas relações para que seus povos alcancem um desenvolvimento
integral, condição indispensável para a paz e a segurança, por abranger campos
estratégicos como o econômico, o social, o educacional, o cultural, o científico e o
tecnológico.596
Cumpre anotar que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos597
(Pacto de São José da Costa Rica), assinada na Conferência Especializada
Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de
novembro de 1969, contém no o Artigo 22 (7 e 8)598 manifestação do espírito de
solidariedade internacional relativa à questão dos requerentes de asilo e refugiados.
No que tange às organizações econômicas regionais, o Tratado de
Montevidéu599 de 1980 que criou a Associação Latino-Americana de Integração
(ALADI), fala em seu preâmbulo “do propósito de fortalecer os laços de amizade e
595CARTA DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (A-41). Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.pdf>. Acesso em 01/01/2015; promulgada no Brasil pelo Decreto nº 30544/1952. 596 Ibid., 597OEA, Convenção Americana Sobre Direitos Humano. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em 01/01/2015. 598 Artigo 22 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos: (7). Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com os convênios internacionais. (8). Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas. 599TRATADO DE MONTEVIDEO 1980. Disponível em espanhol: <http://www.aladi.org/sitioAladi/normativaInstTM80.html>. Acesso em 02/01/2015. O Tratado de Montevidéu foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 66, de 16 de novembro de 1981. O DECRETO LEGISLATIVO nº 66 de 1981 está disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1980-1987/decretolegislativo-66-16-novembro-1981-361276-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 02/01/2015.
144
solidariedade entre seus povos”600. Menciona, também, uma vontade para “impulsar
o desenvolvimento de vínculos de solidariedade e cooperação com outros países e
áreas de integração da América Latina, com o propósito de promover um processo
convergente que conduza ao estabelecimento de um mercado comum regional.”601
Outra menção à solidariedade ocorre no Artigo 26 deste documento, ao se afirmar que
“os países-membros realizarão as ações necessárias para estabelecer e desenvolver
vínculos de solidariedade e cooperação com outras áreas de integração fora da
América Latina”602, devendo tal objetivo ser alcançado através da participação da
ALADI nos programas que forem realizados a nível internacional em matéria de
cooperação horizontal, bem como na execução dos princípios normativos e
compromissos assumidos por motivo da Declaração e Plano de Ação para a obtenção
de uma Nova Ordem Econômica Internacional e da Carta dos Direitos e Deveres
Econômicos dos Estados.603
A Declaração de Cusco604, Assinada no dia 8 de dezembro de 2004, que
criou a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA), salienta que tal comunidade
formou-se levando em conta “a história compartilhada e solidária de nossas nações”,
que desde a independência enfrentam desafios internos e externos comuns,
demonstrando que os países da região “possuem potencialidades ainda não
aproveitadas tanto para utilizar melhor suas aptidões regionais quanto para fortalecer
as capacidades de negociação e projeção internacionais”.605 Oportuno salientar que
na 1ª Cúpula Energética Sul-americana, realizada na Ilha de Margarita, na Venezuela,
em 16 de abril de 2007, a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA) foi
rebatizada de União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).
600 BRASIL, DECRETO LEGISLATIVO nº 66 de 1981. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1980-1987/decretolegislativo-66-16-novembro-1981-361276-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em 02/01/2015. 601 Ibid.; Neste sentido: MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 252-253. 602 DECRETO LEGISLATIVO nº 66 de 1981, op. Cit. 603 Ibid., 604 DECLARAÇÃO DE CUSCO SOBRE A COMUNIDADE SUL-AMERICANA DE NAÇÕES. Disponível
em: <http://www.isags-unasur.org/uploads/biblioteca/1/bb[610]ling[1]anx[1824].pdf.>. Acesso em 26/04/2016. 605 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 252-253; DECLARAÇÃO DE CUSCO SOBRE A COMUNIDADE SUL-AMERICANA DE NAÇÕES. Op. Cit.,
145
Não é demais destacar que o Tratado Constitutivo da União das Nações
Sul-Americanas (UNASUL)606, firmado em Brasília, em 23 de maio de 2008, observa
em seu preâmbulo que as Nações Sul-Americanas criaram a UNASUL “apoiadas na
história compartilhada e solidária de nossas nações, multiétnicas, plurilíngues e
multiculturais” “em favor dessa união e da construção de um futuro comum”.607 A
posição central do princípio da solidariedade na integração da união sul-americanas
é verificada no fato de estar enumerada entre os princípios basilares fundadores da
UNASUL.608 A solidariedade também é objetivo específico diretamente mencionado
no Artigo 3º(d) do Tratado visando “a integração energética para o aproveitamento
integral, sustentável e solidário dos recursos da região.”609
Mais recentemente, A Carta Democrática Interamericana, aprovada pela
Organização dos Estados Americanos em 11 de setembro de 2001, afirma que o
caráter participativo da democracia nos países americanos “nos diferentes âmbitos da
atividade pública contribui para a consolidação dos valores democráticos e para a
liberdade e a solidariedade no Hemisfério”.610
Cumpre anotar, também, que em novembro 2004, na cidade do México, os
governos dos países de América Latina, estudiosos e diferentes setores da
sociedade civil se reuniram para avaliar coletivamente os principais desafios que
enfrenta a proteção dos refugiados e outras pessoas que necessitam proteção
internacional na América Latina, na busca de se propor linhas de ação em
assistência aos países de asilo, dentro do espírito pragmático dos princípios
encontrados na Declaração de Cartagena de 1984. Nesta oportunidade foi assinada
a “Declaração e Plano de Ação do México para Fortalecer a Proteção Internacional
606 BRASIL, DECRETO nº 7.667, de 11 de janeiro de 2012 que promulgou o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, firmado em Brasília, em 23 de maio de 2008. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/cCivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7667.htm>. Acesso em 03/01/2015. 607 Ibid., 608 Os princípios são: “irrestrito respeito à soberania, integridade e inviolabilidade territorial dos Estados; autodeterminação dos povos; solidariedade; cooperação; paz; democracia, participação cidadã e pluralismo; direitos humanos universais, indivisíveis e interdependentes; redução das assimetrias e harmonia com a natureza para um desenvolvimento sustentável”. Ibid., 609 BRASIL, DECRETO nº 7.667, de 11 de janeiro de 2012, op. Cit., 610 OEA, CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA. Disponível em: <http://www.oas.org/OASpage/esp/Publicaciones/CartaDemocratica_spa.pdf>. Acesso em 09/09/2016.
146
dos Refugiados na América Latina611”, que define um conjunto de medidas voltadas
para a busca de soluções duradouras e inovadoras para o caso dos refugiados da
América Latina: Programa de Autossuficiência e Integração Local: Cidades
Solidárias612; Fronteiras Solidárias613 e Reassentamento Solidário614.615
A partir do exposto, verifica-se a plausibilidade do raciocínio que defende a
relevância dos Estados Latino-Americanos no despertar do interesse internacional
pelo princípio da solidariedade internacional,616 posto que, como confirmando, o
princípio da solidariedade internacional tem uma forte influência na construção das
relações regionais da América Latina, tendo essa influência reverberado pelos foros
universais617, fazendo avançar o Direito Internacional.618
611 DECLARAÇÃO E PLANO DE AÇÃO DO MÉXICO PARA FORTALECER A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS NA AMÉRICA LATINA. Disponível em: <http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Declaracao_e_Plano_de_Acao_do_Mexico>. Acesso em 23/12/2016. 612 O “Programa de Auto-suficiência e Integração Local: Cidades Solidárias” pretende uma proteção mais efetiva que abarque os direitos e obrigações sociais, econômicas e culturais do refugiado e da execução de políticas públicas nesse sentido, dentro de uma estratégia social integral, com a cooperação técnica das Nações Unidas e das organizações da sociedade civil e o apoio financeiro da comunidade internacional. 613 Já o programa “Fronteiras Solidárias” surge do caráter de porosidade das fronteiras na América Latina, promovendo uma resposta humanitária a favor daqueles que requerem e merecem proteção internacional, no atendimento às necessidades básicas de infra-estrutura e de acesso a serviços comunitários, em particular em matéria de saúde e educação, facilitando a geração de fontes de emprego e projetos produtivos, propiciando o desenvolvimento fronteiriço através da consolidação da presença das instituições do Estado, e de investimentos e projetos concretos da comunidade internacional. 614 Esse mecanismo foi proposto pelo Brasil como responsabilidade humanitária efetiva em resposta a conflitos na região e suas consequências nos países vizinhos que recebem o maior número de refugiados. De criação de um programa de reassentamento regional para refugiados latino-americanos, marcado pelos princípios de solidariedade internacional e responsabilidade compartilhada aos refugiados que continuam ameaçados ou não conseguem integrar-se no primeiro país de refúgio, como um dever de solidariedade internacional, e reitera-se a necessidade de contar com cooperação técnica e financeira da comunidade internacional para seu fortalecimento e consolidação. 615 DECLARAÇÃO E PLANO DE AÇÃO DO MÉXICO PARA FORTALECER A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS NA AMÉRICA LATINA, op. Cit., 616 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 249. 617 Ibid., p. 263. 618 COHEN-JONATHAN, Gérard. Les droit de l’homme, une valeur internationale. In: TOUSCOZ, Johannis-Andreae: Amicorum discipulorumque opus. DROIT INTERNATIONAL ET COOPÉRATION INTERNATIONALE: Hommage à Jean-André TOUSCOZ. Nice: Europe éditions, 2007. p. 171. Apud Antônio Cançado Trindade. El derecho internacional de los derechos humanos em el siglo XXI, Universidad Nacional de La Plata – Faculdade de ciências jurídicas y sociales: La Plata, 1997. p. 417.
147
3.2.2 Solidariedade na União Africana
O Ato constitutivo da União Africana (UA)619, adotado em Lomé, Togo, no
dia 11 de julho de 2000, mas que, no entanto, só entrou em vigor em 2002, observa
em seu preâmbulo que os Estados constituintes foram "inspirado pelos nobres ideais
que guiaram os fundadores da Organização continental e gerações de Pan-
africanistas em sua determinação de promover a unidade, solidariedade, coesão e
cooperação entre os povos da África e os Estados africanos".
O Ato Constitutivo afirma em seu Artigo 3º que a solidariedade é um dos
objetivos da União Africana, nos seguintes termos: “Os objetivos da União serão os
seguintes: a) alcançar uma maior unidade e solidariedade entre os países africanos e
os povos da África”.620
Importante mencionar que a União Africana foi criada em substituição à
antiga Organização da Unidade Africana (OUA) de 1963, que igualmente mencionava
a solidariedade dentre os objetivos de uma união dos Estados Africanos e que se
propunha a promover a unidade e a solidariedade dos Estados africanos, em seu
Artigo 2º (1) (a) e (b).621
A solidariedade também é explicitamente mencionada na Carta Africana
dos Direitos do Homem e dos Povos622, também conhecida como Carta de Banjul,
adotada em 28 de junho de 1981, em Nairóbi, mas que em conformidade com o
disposto no seu artigo 63, só entrou em vigor em vigor em 1986. A Carta Africana,
segundo Benjamin Elias Winks, manifestamente consagrou um direito continental à
619 AFRICA UNION. CONSTITUTIVE ACT OF THE AFRICAN UNION. Disponível em: <http://www.au.int/en/sites/default/files/ConstitutiveAct_EN.pdf>. Acesso em 03/06/2016. 620 Ibid., 621 Artigo 2(1)(a) e (b) da Carta da Organização da Unidade Africana de 25 de Maio de 25 de 1963 (OAU). THE AFRICAN UNION COMMISSION AND NEW ZEALAND MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS AND TRADE/MANAT AORERE. African Union Handbook 2016: A Guide for those working with And within The African Union. First edition. African Union Commission and New Zealand Crown Copyright Reserved, 2016. p. 10-11. Disponível em: <http://www.au.int/en/sites/default/files/auhb-2016-english-pdf-final-january-2016.pdf>. Acesso em 03/06/2016. 622 UNIÃO AFRICANA. CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS DE 1981. Disponível em: <http://www.achpr.org/files/instruments/achpr/achpr_instr_charter_por.pdf>. Acesso em 03/06/2016.
148
necessária e importante solidariedade, conhecida a realidade social e histórica dos
povos daquela região do mundo.623
Vale destacar, que o reconhecimento da solidariedade e de “direitos de
solidariedade” na Carta Africana baseia-se em duas razões singulares, uma histórica
e outra filosófica, do mundo africano. A razão histórica remete à experiência africana
com violações dos direitos humanos, que foi em grande parte, violações generalizadas
e sistemáticas dos direitos de povos inteiros (através da escravidão, do colonialismo
e do apartheid) e não apenas de indivíduos específicos. Na África colonizada, o
Estado era em si uma noção em tensão e conflito com a de povo, assim a
solidariedade entre os povos se colocava necessária para quebrar os laços da
opressão estatal, em solidariedade inclusive entre os povos diversos e além das
fronteiras.624 Por sua vez, a razão filosófica é reflexo da teoria social africana, onde a
pessoa "não é um indivíduo isolado e abstrato, mas um membro integral de um grupo
animado por um espírito de solidariedade".625 Essa razão filosófica é representada
pelo sinônimo africano de solidariedade representado no conceito ético da palavra
"Ubuntu"626, cujo significado é apresentado no provérbio zulu "umuntu ngumuntu
ngabantu" (uma pessoa é uma pessoa através das outras pessoas).627
Em consequência, uma série de referências à solidariedade feitas na Carta
Africana de 1981 surgem trazendo uma evolução para o significado de direitos
623 WINKS, Benjamin Elias. A covenant of compassion: African humanism and the rights of solidarity in the African Charter on Human and Peoples’ Rights. AFRICAN HUMAN RIGHTS LAW JOURNAL. Vol. 11, nº 2: AHRLJ, 2011. p. 454. Disponível em: <http://www.ahrlj.up.ac.za/images/ahrlj/2011/ahrlj_vol11_no2_2011_benjamin_e_winks.pdf>. Acesso em 13/05/2016. 624 Ibid., 625 Ibid., 626 Em um acórdão do Tribunal Constitucional Sul Africano relativo à liberdade de religião, se discutiu ubuntu como uma teoria social africana, como segue: “A noção de que "não somos ilhas para nós mesmos" é central para a compreensão do indivíduo no pensamento africano. É freqüentemente expressa na frase "umuntu ngumuntu ngabantu", que enfatiza a "comunalidade ea interdependência dos membros de uma comunidade" e que cada indivíduo é uma extensão dos outros. De acordo com Gyekye, "uma pessoa humana individual não pode desenvolver e alcançar a plenitude de seu potencial sem o ato concreto de se relacionar com outras pessoas individuais". Este pensamento enfatiza a importância da comunidade para a identidade individual e, portanto, para a dignidade humana. Dignidade e identidade estão inseparavelmente ligadas, uma vez que o sentido de auto-estima é definido pela própria identidade. A identidade cultural é uma das partes mais importantes da identidade de uma pessoa precisamente porque ela flui de pertencer a uma comunidade e não de escolha pessoal ou realização. E pertencer envolve mais do que simples associação; Inclui a participação ea expressão das práticas e tradições da comunidade.” MEC for Education: KwaZulu-Natal & Others v Pillay 2008 1 SA 474 (CC) para 53. WINKS, op. Cit., p.456. 627 Ibid.,
149
humanos e de solidariedade; particularmente, porque pela primeira vez em um
documento internacional solidariedade, direitos humanos individuais e direitos
coletivos são visto em uma perspectiva unificada e interdependente.
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ao ser adotada, deu
ao continente africano o instrumento internacional de direitos humanos mais
abrangente e progressista que o mundo já produziu. A Carta Africana é o primeiro e
único instrumento internacional vinculante que reconhece diretamente os direitos de
solidariedade dos povos: existência, igualdade, autodeterminação, soberania sobre
os recursos naturais, paz, desenvolvimento e meio ambiente, elencados entre os
Artigos 19 e 24 da Carta Banjul.628 Em outros termos, a Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos, foi o primeiro instrumento internacional a reconhecer a
solidariedade tanto como um princípio jurídico fundamental, quanto como um direito
humano.629
Não é demais salientar, que embora o discurso sobre os direitos de
solidariedade ou de "terceira geração" geralmente se posicionem em torno dos direitos
à paz, desenvolvimento e meio ambiente, esses direitos não são os únicos direitos de
solidariedade. E a teoria da solididariedade africana segue, justamente, este
direcionamento. Assim, todos os direitos reconhecidos como direitos dos povos na
Carta Africana são direitos de solidariedade e a proteção destes interesses
(juntamente com os tradicionais direitos de solidariedade mencionados: paz,
desenvolvimento e o ambiente) exige a colaboração de todos.630
O Artigo 21, (4), da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos fala
que “Os Estados Partes na presente Carta se comprometem, tanto individual como
coletivamente, a exercer o direito de livre disposição das suas riquezas e dos seus
recursos naturais com vistas a reforçar a unidade e a solidariedade africanas”.
628 WINKS, Benjamin Elias. A covenant of compassion: African humanism and the rights of solidarity in the African Charter on Human and Peoples’ Rights. AFRICAN HUMAN RIGHTS LAW JOURNAL. Vol. 11, nº 2: AHRLJ, 2011. p. 453. Disponível em: <http://www.ahrlj.up.ac.za/images/ahrlj/2011/ahrlj_vol11_no2_2011_benjamin_e_winks.pdf>. Acesso em 13/05/2016. 629 SUPIOT, Alain. Sur le principe de solidarité. p. 67. In: FÖGEN, Marie Theres (org.) RECHT GESCHICHTE (Rg 6). Zeitschrift des Max-Plank-Instituts für europäische Rechtsgeschichte: Frankfurt am Main, 2005. 630 WINKS, op. Cit., p. 454.
150
Mais ainda, a primeira parte do Artigo 23, da Carta de Banjul ao se referir à
solidariedade afirma que os povos têm direito à paz e à segurança, tanto no plano
nacional como no plano internacional, e assim: “o princípio da solidariedade e das
relações amistosas implicitamente afirmado na Carta da Organização das Nações
Unidas e reafirmado na Carta da Organização da Unidade Africana deve dirigir as
relações entre os Estados”. Na segunda parte do mesmo Artigo a solidariedade é
novamente abordada “com o fim de reforçar a paz, a solidariedade e as relações
amistosas”.
Devemos, ainda, mencionar que os Estados Partes da Carta Banjul se
comprometem a proibir que uma pessoa que goze do direito de asilo, nos termos do
artigo 12 deste instrumento legal, empreenda qualquer atividade subversiva contra o
seu país de origem ou contra qualquer outro Estado Parte da Carta Africana. Proíbe
da mesma forma “que os seus territórios sejam utilizados como base de partida de
atividades subversivas ou terroristas dirigidas contra o povo de qualquer outro Estado
Parte na presente Carta”.631 Segundo Kate Cook, esta abordagem da solidariedade
condiz com a "solidariedade de cima", concentrando obrigações impostas aos Estados
para agir em solidariedade uns com os outros, além de impor aos indivíduo um agir
de modo a reforçar a solidariedade social (nacional) e regional632, como se confirma
pelo disposto nos Artigos 28 e 29(§4) da Carta.
O Artigo 28 assevera que “cada indivíduo tem o dever de respeitar e de
considerar os seus semelhantes sem nenhuma discriminação e de manter com eles
relações que permitam promover, salvaguardar e reforçar o respeito e a tolerância
recíprocos”. Este dispositivo é complementado pelo Artigo 29 (§4), onde se afirma que
o indivíduo tem ainda o dever: “De preservar e reforçar a solidariedade social e
nacional, particularmente quando esta é ameaçada”. O que, por sua vez, remete ao
631 UNIÃO AFRICANA. CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS DE 1981. Disponível em: <http://www.achpr.org/files/instruments/achpr/achpr_instr_charter_por.pdf>. Acesso em 03/06/2016. 632 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 514 (ver em especial nota n. 64.
151
Artigo 9º, (2): “Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação sob
reserva da obrigação de solidariedade prevista no artigo 29”.633
Por derradeiro, importa destacar que a Carta Africana dos Direitos dos
Homens e dos Povos serviu como fundamento para a argumentação duas ações
judiciais contra o Estado da Nigéria, por organizações não governamentais, com vistas
a fazer cessar os danos crescentes causados em especial ao povo Ogoni, alegando
os danos incalculáveis que a indústria petroleira causava para os povos nativos de
uma região do país (particularmente aos Ogoni, tradicionalmente habitantes do delta
do Nilo): esgotamento dos solos e de reservas aquíferas na região de Ogoniland. Tais
efeitos nefastos eram provocados pela exploração de petróleo na região, em atividade
conduzida pelo consórcio de companhias nigerianas e a multinacional holandesa Shell
International. Desta feita, a Comissão Africana de Direitos Humanos decidiu, em maio
de 2002, que o Estado nigeriano havia violado os direitos à saúde (artigo 16 da Carta
Africana) e ao meio ambiente sadio (artigo 24), apelando para que todas as
providências fossem tomadas no sentido de fazer cessar os crimes ambientais
alegados.634
Em síntese, a solidariedade, como um valor, um princípio e um direito
humano dos indivíduos e dos povos, tem sido um pilar fundamental do direito
internacional africano, visando alcançar e reforçar uma maior unidade, coesão e
solidariedade entre os povos da Àfrica. A dizer, a solidariedade africana "exige uma
compreensão e aceitação por parte de todos (indivíduos, povos e Estados) em
conscientemente conceber os seus próprios interesses como sendo interdependentes
dos interesses de todos os demais".635
633 UNIÃO AFRICANA. CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS DE 1981. Disponível em: <http://www.achpr.org/files/instruments/achpr/achpr_instr_charter_por.pdf>. Acesso em 03/06/2016. 634 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. Apud BEYERLIN, Ulrich. Umweltschutz und Menschenrechte. In: Zeitschrift für öffentliches Recht und Völlkerecht, Heidelberg, v. 65., 2005. p. 527. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: Avanços e Impasses. Curitiba: Appris, 2013. p. 110-111. 635 WINKS, Benjamin Elias. A covenant of compassion: African humanism and the rights of solidarity in the African Charter on Human and Peoples’ Rights. AFRICAN HUMAN RIGHTS LAW JOURNAL. Vol. 11, nº 2: AHRLJ, 2011. p. 455. Disponível em: <http://www.ahrlj.up.ac.za/images/ahrlj/2011/ahrlj_vol11_no2_2011_benjamin_e_winks.pdf>. Acesso em 13/05/2016.
152
Tal constatação, tanto no Ato Constitutivo da União Africano, bem como a
na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, demonstra que princípio da
solidariedade na União Africana encena papel estratégico para se alcançar todos os
objetivos dos países e povos africanos636, já que para um continente historicamente
tão oprimido, somente a promoção de uma cultura fincada na solidariedade
continental poderá verdadeiramente perseguir a realização dos direitos humanos de
todos os africanos.637
3.2.3 Solidariedade na União Europeia
Todo o sistema jurídico da União Europeia, desde seus primórdios, foi
inspirado e fundado com atenção ao ideal e ao princípio da solidariedade, ou seja, no
período posterior à Segunda Guerra Mundial.
A pedra inaugural da construção da União Europeia foi lançada pelo então
ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, através da famosa
Declaração de 9 de maio 1950638: “Europe ne se fera pas d'un coup ni dans une
construction d'ensemble: elle se fera pour des réalisations concrètes, créant d'aboard
une solidarité de fait”639.
636 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 48-49. 637 WINKS, Benjamin Elias. A covenant of compassion: African humanism and the rights of solidarity in the African Charter on Human and Peoples’ Rights. AFRICAN HUMAN RIGHTS LAW JOURNAL. Vol. 11, nº 2: AHRLJ, 2011. Páginas. 455-456. Disponível em: <http://www.ahrlj.up.ac.za/images/ahrlj/2011/ahrlj_vol11_no2_2011_benjamin_e_winks.pdf>. Acesso em 13/05/2016. 638 BORCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC do Direito da União Europeia: pelo professor Klaus-Dieter Borchardt. Luxemburgo: Serviço de Publicações da União Europeia, 2011. Disponível em: <http://europedirect.aigmadeira.com/cms/wp-content/uploads/2013/04/O-ABC-do-direito-da-UE.pdf>. Acesso em 21/10/2016. 639 "A Europa não se fará de uma só vez, ou em um único plano: Ela se fará por realizações concretas, criando verdadeiramente uma solidariedade de fato". HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27,
153
Tal discurso que demonstra a importância da solidariedade nos momentos
iniciais da construção de uma ideal social, institucional e legal de união para a Europa.
Em consonância com os pressupostos de Durkheim, Robert Schuman colocou no
centro do conceito de integração europeia a meta de uma "solidariedade de fato”,
necessária para reconstruir economicamente o continente europeu e assegurar uma
paz duradoura.
Assim, a criação de institutos europeus comuns, o estabelecimento de
procedimentos concretos de cooperação e mais tarde um mercado comum criaram,
passo a passo, um sentimento de solidariedade entre os povos da Europa, ou seja,
de uma sociedade europeia unida640. Isto se deu, principalmente, porque o conceito
de solidariedade europeia não foi construído em detrimento do pluralismo social de
culturas e línguas que compõem a Europa.
A bem da verdade, o plano de Schuman, apesar das duras penas (a
exemplo da sinalização do Reino Unido de abandonar a União Europeia) continua
funcionando para boa parte da Europa. Parte desse sucesso também se dá ao fato
de que a solidariedade, no contexto europeu, está ligada ao dever de obedecer às
regras e cumprir obrigações, não sendo, portanto, vinculada apenas a atos de
generosidade.641 Desta forma, pode-se tranquilamente afirmar que a solidariedade é
parte essencial das raízes e valores da União Europeia, sendo meta explícita dos
idealizadores da União que acreditavam que uma solidariedade “de facto”, uma união
real de interesses, evitaria uma nova guerra na Europa.642
2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 640 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 11. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 641 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 8. 642 TRICHET, Jean-Claude. President of the ECB at the conference “20 years after the collapse of the socialist economy: transformation, economic growth and convergence in Poland and other central and eastern European countries” organised by the National Bank of Poland, Warsaw, 5 June 2009. Disponível em: <http://www.ecb.europa.eu/press/key/date/2009/html/sp090605.en.html>. Acesso em 23/10/2016.
154
A fórmula do plano de Robert Schuman tornou-se realidade quando foi
elaborado o “Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(CECA)643”, assinado em Paris, em 18 de Abril de 1951644, primeira organização
comunitária europeia surgida após a Segunda Guerra Mundial, que em seu
considerando nº 4 do preâmbulo afirma estarem os Estados Membros conscientes “de
que a Europa só se construirá por meio de realizações concretas que criem, antes de
mais nada, uma solidariedade efetiva e por meio do estabelecimento de bases
comuns de desenvolvimento econômico”645. Desta forma, em solidariedade, nasceu o
esforço de unir a produção francesa e alemã de carvão e de aço, as duas matérias-
primas constituintes da base estratégica da indústria e do poderio franco-alemão,
representando o nascimento de uma ideal de consolidação da solidariedade que
evitaria novas guerras e inauguraria abertura de uma via para a integração europeia
como um todo.
A Solidariedade é também invocada no preâmbulo do Tratado que institui
a Comunidade Econômica Europeia (CEE)646, o Tratado de Roma de 1957647, que
entre as suas disposições preambulares salienta que os Países Membros decidiram
criar uma comunidade europeia “PRETENDENDO confirmar a solidariedade que liga
a Europa e os países ultramarinos, e desejando assegurar o desenvolvimento da
prosperidade destes, em conformidade com os princípios da Carta das Nações
643 BORCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC do Direito da União Europeia: pelo professor Klaus-Dieter Borchardt. Luxemburgo: Serviço de Publicações da União Europeia, 2011. Disponível em: <http://europedirect.aigmadeira.com/cms/wp-content/uploads/2013/04/O-ABC-do-direito-da-UE.pdf>. Acesso em 21/10/2016.; UNIÃO EUROPÉIA. TRATADO QUE INSTITUI A COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO (CECA). Disponível em: <http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/np_MA_4528.pdf>. Acesso em 21/10/2016. 644 O Tratado entrou em vigor em 23 de Julho de 1952, com uma vigência limitada a 50 anos. O mercado comum que o Tratado preconizava teve início em 10 de Fevereiro de 1953, para o carvão, o minério de ferro e a sucata, e em 1 de Maio de 1953, para o aço. O Tratado caducou em 23 de Julho de 2002. Informação disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=URISERV%3Axy0022>. Acesso em 21/10/2016. 645 "Conscients that L'europe Ne se construira that par des RÉALISATIONS concretos créant d'abord une Solidarité de fait, et par l'établissement de bases comunga de développemnt économique". SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 19. (nota 46) In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014.; UNIÃO EUROPÉIA. TRATADO QUE INSTITUI A COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO (CECA). Op. Cit., 646 SOMMERMANN, op. Cit., 647 UNIÃO EUROPÉIA. VERSÃO COMPILADA DO TRATADO QUE INSTITUI A COMUNIDADE EUROPEIA. Disponível em: <https://infoeuropa.eurocid.pt/files/web/documentos/ue/2002/2002_tratadoCE_compil.pdf>. Acesso em 11/04/2016.
155
Unidas”.648 Ademais, entres os princípios da Comunidade Europeia está instituída o
da solidariedade, nos termos do Artigo 2º, que determina que a Comunidade tem como
missão649, dentre outras: “o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão
econômica e social e a solidariedade entre os Estados-Membros.”650
O Tratado de Maastricht651, ou seja, o Tratado sobre a União Europeia
(TUE), assinado em Maastricht em 7 de fevereiro de 1992, e entrou em vigor em 1 de
novembro de 1993, inaugurou uma nova etapa no processo de unificação entre os
povos europeus, incluindo o princípio da solidariedade nas suas referências
preambulares, afirmando que os Estados Membros decidiram instituir a União
Europeia “DESEJANDO aprofundar a solidariedade entre os seus povos, respeitando
a sua História, cultura e tradições”652.
Aliás, a parte final de seu Artigo 1º observa que “A União tem por missão
organizar de forma coerente e solidária as relações entre os Estados-membros e entre
os respectivos povos”653. Tal dispositivo é usado como uma cláusula para a proteção
dos países menores e mais pobres da União Europeia, reforçando a ideia de que o
princípio da solidariedade é, inquestionavelmente, a base jurídica da União654, como
princípio capaz de efeito legal e como regra substancial de equidade, já que a União
648 UNIÃO EUROPÉIA. VERSÃO COMPILADA DO TRATADO QUE INSTITUI A COMUNIDADE EUROPEIA. Disponível em: <https://infoeuropa.eurocid.pt/files/web/documentos/ue/2002/2002_tratadoCE_compil.pdf>. Acesso em 11/04/2016. 649 Segundo Peter Hilpold, Na jurisprudência da Corte Européia de Justiça (Tribunal de Justiça da União Europeia-TJUE) uma primeira declaração ousada quanto à importância primordial da solidariedade referente à legislação do Tratado de Roma, pode ser encontrado em “C-6 and 11/69, Commission v. France, 10 December 1969”, parágrafo 16: "A solidariedade está na base destas obrigações como do conjunto do sistema comunitário de acordo com o compromisso previsto no artigo 5º do Tratado [...]". HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, p. 02. Nota de rodapé nº 1. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 650 UNIÃO EUROPÉIA. VERSÃO COMPILADA DO TRATADO QUE INSTITUI A COMUNIDADE EUROPEIA. op. Cit., 651 UNIÃO EUROPÉIA. TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <https://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000037603&line_number=0002&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA>. Acesso em 11/04/2016. 652 Ibid., 653 UNIÃO EUROPÉIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <https://infoeuropa.eurocid.pt/opac/?func=service&doc_library=CIE01&doc_number=000037603&line_number=0002&func_code=WEB-FULL&service_type=MEDIA>. Acesso em 11/04/2016. 654 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016.
156
é preservada através da solidariedade655, sendo, portanto, esse caráter legal que
viabiliza a solidariedade ativa656, que, por sua vez, implica um dever de boa-fé e
lealdade, como síntese matricial de todos os demais princípios fundamentais da União
Europeia.657
Nesse compasso, a União Europeia deu um novo passo rumo à meta de
uma maior integração com os Tratados de Amsterdã e Nice, que entraram em vigor,
respectivamente, em 1 de maio de 1999 e em 1 de fevereiro de 2003, e levaram a que
se iniciasse um debate sobre o futuro da União Europeia e a sua configuração
institucional, resultando na aprovação de uma “Declaração sobre o futuro da União
Europeia pelos chefes de Estado e de Governo”, a 5 de dezembro de 2001, em Lake
(no original Laeken).
Com a famosa como Declaração de Laeken, a União Europeia se
comprometeu a tornar-se mais democrática, transparente, eficiente e se abria para o
pensamento de que uma “Constituição Europeia” poderia ser elaborada, com a
finalidade de alcançar tais objetivos, por meio de uma união verdadeira, maximizando
a coesão, a inclusão e respeitando plenamente a diversidade e atenta às
necessidades reais, sobre um modelo de solidariedade658 que implicaria a coesão
(social e territorial), e a lealdade para manter e suportar a unidade política da União
Europeia,659 promovendo os seus valores, entre eles a solidariedade, para o resto do
mundo, ou seja, se delineou um projeto de União Europeia que contribuisse para "a
solidariedade e o respeito mútuo entre os povos".660
Com tal Constituição, se pretendia que a União Europeia e a Comunidade
Europeia, dessem lugar a uma nova e unificada União Europeia que se assentasse
655 XUEREB, Peter G. The future of Europe: solidarity and constitutionalism. Towards a solidarity model. In: ARNULL, Anthony; WHITE, Robin C. A. (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 27. London: Sweet & Maxwell, 2002. p. 652. 656 Ibid.,p. 653. 657 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 31 apud P. HERTSCH, “Emergence des valeurs morales dans la jurisprudence de la CJCE”. p. 552, in RTDE, 1982, páginas. 553-554. 658 XUEREB, op. Cit., p. 643. 659CREMONA, Marise. EU enlargement: solidarity and conditionality. In: ARNULL, Anthony; CHALMERS, Damian (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 30. Nº 1, February. Durham City, THOMSON/Sweet & Maxwell: 2005. p. 6. 660 Ibid., p. 7.
157
em um único Tratado Constitucional661 que reforçaria a solidariedade um dos valore
que a União Europeia promoveria – internamente, bem como externamente -
predicado de um equilíbrio entre a igualdade e pluralismo, sustentada por
procedimentos abertos e inclusivos662, posto que o princípio da solidariedade
presente em todos os outros Tratados importantes da União Europeia não poderia ser
esquecido nessa nova empreitada,663 já que a solidariedade elevada a um Princípio
Constitucional Europeu seria a consagração do plano dos primeiros idealizadores da
União Europeia, por sua aptidão para dirimir as tensões que surgissem no processo
de tomada de decisões da União que sempre deveria buscar ser orientada por
sincronia, consenso e inclusão664 de direitos e deveres decorrentes de um sistema
com base em interesses comuns665.
Assim a solidariedade, como valor e princípio-norma, estava incluída no
Artigo I-2º666 do Tratado Constitucional da União Europeia, firmado pelos Chefes de
Estado e de Governo dos 25 Estados-Membros em 29 de outubro de 2004, em Roma,
no que seria o resultado de um longo processo de integração e aprofundamento da
integração Europeia.
No entanto, tal projeto não vigou, já que o Tratado que estabeleceu a
Constituição Europeia deveria, como requisito para sua vigência, ter sido ratificado
por todos os Estados-Membros, de acordo com as respectivas normas constitucionais
de cada país (ou por ratificação parlamentar ou por referendo), o que não se logrou
em função da sua rejeição por referendo na França e na Holanda667. Assim, em uma
661 BORCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC do Direito da União Europeia: pelo professor Klaus-Dieter Borchardt. Luxemburgo: Serviço de Publicações da União Europeia, 2011. p. 13. Disponível em: <http://europedirect.aigmadeira.com/cms/wp-content/uploads/2013/04/O-ABC-do-direito-da-UE.pdf>. Acesso em 21/10/2016. 662 Ibid., p. 21. 663 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 30 apud CJCE, Benzine en Petroleum Handelsmaatschappij BV c. Commission des Communautés européennes, arrêt du 29 juin 1978, Aff. 77/77, Rec. 1978, p. 1513, considérant 15. 664 XUEREB, Peter G. The future of Europe: solidarity and constitutionalism. Towards a solidarity model. In: ARNULL, Anthony; WHITE, Robin C. A. (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 27. London: Sweet & Maxwell, 2002. p. 647 e 648. 665 BOURICHE, op. Cit., p. 30, apud P. HERTSCH, “Emergence des valeurs morales dans la jurisprudence de la CJCE”. p. 552, in RTDE, 1982, pp. 511-555. 666 CREMONA, op. Cit., p. 3.; Solidariedade se encontra em meio a outros valores, que são enunciados no artigo I-2.° do Tratado Constitucional da União Européia: pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, igualdade entre mulheres e homens, e solidariedade. 667 Depois de ter obtido votações inicialmente positivas em 13 dos 25 Estados-Membros, o Tratado Constitucional da União Europeia foi rejeitado nos referendos realizados em França (54,68% de votos contra, com uma participação de 69,34%) e nos Países Baixos (61,7% de votos contra, com uma
158
análise formal, mesmo tendo sido aprovada, e sendo, portanto, existente e válida
desde a sua aprovação, a Constituição Europeia em função da falta de ratificação
geral (requisito de eficácia), não vigora.668
Todo o imbróglio das dificuldades de ratificação do Tratado Constitucional
da União Europeia resultou em um período de reflexão que posteriormente dirigiu os
Estados europeus a adotar, ao invés de uma Constituição Europeia, um tratado
reformador do direito europeu, materializado no Tratado de Lisboa, assinado pelos
Estados-Membros, a 13 de dezembro de 2007.
Assim, em 1 de dezembro de 2009, o Tratado de Lisboa669 surge para
reformar o funcionamento da União Europeia, com os seguintes objetivos:
complementar o processo lançado pelos Tratados de Amsterdã (1997) e de Nice
(2001); e emendar o Tratado da União Europeia (TUE, o Tratado de Maastricht de
1992) e o Tratado que estabelece a Comunidade Europeia (TCE, Tratado de Roma
de 1957), que foi rebatizado de Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE).
O Tratado de Lisboa também teve, em matéria de direitos humanos, o
condão de tornar juridicamente vinculativa a Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia.
Várias disposições do Tratado de Lisboa, referem-se direta ou tacitamente
ao princípio da solidariedade; de forma que, por meio daquele, o princípio está
ricamente presente no que se constitui a base jurídica da União Europeia: Tratado da
União Europeia (TUE), Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e
na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Assim, a presença do
participação de 63%). BORCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC do Direito da União Europeia: pelo professor Klaus-Dieter Borchardt. Luxemburgo: Serviço de Publicações da União Europeia, 2011. p. 13. Disponível em: <http://europedirect.aigmadeira.com/cms/wp-content/uploads/2013/04/O-ABC-do-direito-da-UE.pdf>. Acesso em 21/10/2016. 668 BORGES, José Souto Maior. Curso de direito comunitário: instituições de direito comunitário comparado: União Européia e Mercosul. 2 ed. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 672.; GRANILLO OCAMPO, Raúl. Direito Internacional público da integração. Tradução de Sérgio Duarte; revisão técnica de José Carlos Hora e Silva; prólogo de Julio María Sanguinetti. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 171 e seguintes. 669 UNIÃO EUROPÉIA, TRATADO DE LISBOA – VERSÃO CONSOLIDADA. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/europa/Documents/Tratado_Versao_Consolidada.pdf>. Acesso em 01/02/2016.
159
princípio da solidariedade nestes Tratados reforçam a importância fundamental do
princípio na União Europeia.670
O Tratado da União Europeia (TUE), em sua sexta disposição preambular
refere-se ao objetivo de aprofundar a solidariedade entre os povos da Europa671,
observando que os Estados-Membros manifestam o desejo de "aprofundar a
solidariedade entre os seus povos, respeitando a sua história, sua cultura e suas
tradições"672. Solidariedade é, neste contexto, uma noção crucial que implica a partilha
de responsabilidades e encargos relacionados com a compreensão das preocupações
vitais dos outros, respeitando-se o espírito e os termos do tratado.673
Já no Art. 1º do TUE pode-se inferir que a solidariedade, no contexto da
União Europeia, aplica-se não só entre os Estados, mas também entre as pessoas674,
que “assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais
estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma
tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos”.675
Por seu turno, o Artigo 2º alavanca a solidariedade a um valor fundamental
da União Europeia676, ao afirmar que a União funda-se nos valores da dignidade
670 UNIÃO EUROPÉIA, TRATADO DE LISBOA – VERSÃO CONSOLIDADA. Disponível em: <https://www.parlamento.pt/europa/Documents/Tratado_Versao_Consolidada.pdf>. Acesso em 01/02/2016. No entanto, a solidariedade por ser tão “sobre usada" no Tratado de Lisboa se torna ambígua quanto ao conteúdo: é "orientação moral" de natureza pré-legal, é "dever legal", pode ser usado de uma forma puramente descritivo, e pode programaticamente ser usada como meio de formulação de políticas de construção, constituição e engenharia social. KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p.p. 70-71. 671 CREMONA, Marise. EU enlargement: solidarity and conditionality. In: ARNULL, Anthony; CHALMERS, Damian (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 30. Nº 1, February. Durham City, THOMSON/Sweet&Maxwell: 2005. p. 4. 672 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016.; HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015. páginas. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 673 CREMONA, Marise. EU enlargement: solidarity and conditionality. In: ARNULL, Anthony; CHALMERS, Damian (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 30. Nº 1, February. Durham City, THOMSON/Sweet&Maxwell: 2005. p. 18 apud High Representative Solana, submission to Working Group VII of the Convention on the Future of Europe, Working Document Nº 8, October 15, 2002. 674 Ibid., p. 4. 675 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Op. Cit., 676 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp.
160
humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito
pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias,
acrescentando que “estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa
sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça,
a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.”677 Essa declaração
ontológica à respeito da solidariedade européia é reafirmada, acima de tudo, na Carta
Europeia dos Direitos Fundamentais.678
Continuando, de acordo com os parágrafos 3 e 5 do Artigo 3º do TEU a
União Europeia visa promover a solidariedade entre os Estados-Membros e o resto
do mundo. O parágrafo terceiro salienta que: “A União combate à exclusão social e as
discriminações e promove a justiça e a proteção sociais, a igualdade entre homens e
mulheres, a solidariedade entre as gerações e a proteção dos direitos da criança”, e
“promove a coesão econômica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-
Membros”679. A solidariedade entre as gerações, é ponto chave deste dispositivo680.
Já o parágrafo 5 do mesmo Artigo 3º, observa-se que nas suas relações com o resto
do mundo, a União Europeia deve afirmar e promover os seus valores e interesses,
além de contribuir para a proteção dos seus cidadãos, de forma que “contribui para a
paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o
respeito mútuo entre os povos”681.
257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 677 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. 678 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 23. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 679 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE), op. Cit., 680 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 681 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Op. Cit., contribuindo igualmente para um “comércio livre e equitativo, engajada na erradicação da pobreza e na proteção dos direitos humanos, em especial os da criança, além da “rigorosa observância e o desenvolvimento do direito internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas”. Ibid.,
161
Entre os princípios fundamentais da legislação da União Europeia, há dois
que estão intimamente relacionados com o princípio da solidariedade: o “princípio da
lealdade” e do “princípio da subsidiariedade”.
O princípio da lealdade é previsto no artigo 4º (§3) do Tratado da União
Europeia (da versão resultante do Tratado de Lisboa682) e tem conexão com a
solidariedade, em termos de implementação da legislação da União Europeia, como
uma obrigação legal concreta decorrente da relação da solidariedade como um
princípio de assistência mútua.683
Já o princípio da subsidiariedade é encontrado no artigo 5.º (§3) do TUE, e
tem relacionamento com o princípio da solidariedade porque contribui para reforçar o
efeito integrador desta, dando critérios para a atribuição de competências; a dizer,
indicando que as comunidades solidariamente irão apoiar a realização de tarefas
comuns específicas no mais alto grau possível de interdependência e sentimento de
solidariedade. Ou, em outras palavras, com uma aceitação suficiente dos deveres de
solidariedade, resultante de uma identificação das pessoas com esta comunidade.684
Outras referências contextuais implícitas ao princípio da solidariedade são
encontradas nos propósitos do Artigo 5º do TUE (§2º), em virtude do “princípio da
atribuição, assim: “a União atua unicamente dentro dos limites das competências que
os Estados-Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos
682 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 22-23. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 683 Ibid.,. p. 19.; “ARTIGO 4.º, 3. Em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados. Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União. Os Estados-Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.” UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE), op. Cit., 684 SOMMERMANN, op. Cit., páginas. 22-23. Karl-Peter Sommermann orienta que se confira o artigo de Roland Bieber e Francesco Maiani, entitulado: Sans solidarité point d´Union européenn, in: Revue trimestrielle de droit européen vol.48, 2012. p. 298. Onde afirma: “Il doit ainsi exister em permanence um raport d´adéquation entre le niveau d´ambìtíon des missions attribués à l´Union, l´intensité de la solidarité, et les moyens mis à disposition de l´Union pour garantir la décharge des responsabilité communes et la protection de l´intérêt commun.”
162
fixados por estes últimos. As competências que não sejam atribuídas à União nos
Tratados pertencem aos Estados-Membros”685.
Desse modo, mesmo sendo reconhecida a solidariedade como princípio
geral do direito da União Europeia, isto não significa que tal princípio possa servir de
forma autônoma como base jurídica para a dedução de obrigações concretas não
fixadas pelos Estados-Membros. A melhor interpretação deve ser de que, em se
considerando os princípios da solidariedade e da atribuição entre todos os Estados-
Membros, os direitos e obrigações da União Europeia devem estar previstos na
legislação da União, não sendo admissível a criação, derivada do princípio da
solidariedade, de nova obrigações ou novos direitos. Afinal, por prudência e até como
medida de solidariedade a todos os membros, a atuação da União Europeia se dará
sempre baseada apenas nas competências específicas previstas por Tratados.686
Ao desenvolver o princípio de solidariedade, a Corte de Justiça Europeia
abordou principalmente a dimensão comum entre solidariedade e lealdade, sendo
óbvio que a lealdade sem um grau mínimo de solidariedade, teoricamente, seria
inconcebível e praticamente impossível.687 Convém esclarecer que a "solidariedade-
lealdade" “solidarité-loyauté” contrasta com o princípio de "solidariedade-benefício”
“solidarité-prestation”.688
A relação entre os princípios da solidariedade e da lealdade foi abordado
pelo Tribunal de Justiça Europeu, no exemplo paradigmático do caso do “Prêmios de
abate de vacas”689, Processo 39/72, da Comissão das Comunidades Europeias contra
a República Italiana, com julgamento de 01 de fevereiro de 1973, que demonstra que
685 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. 686 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 20. (ver especialmente a nota n. 47) In: BRUHA, Thoma s. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 687 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 74. 688 SOMMERMANN, p. 22 (cf. nota 53). Apud Roland Bieber/ Francesco Maiani, Sans solidarité point d´Union européenn, in: Revue trimestrielle de droit européen vol.48 (2012), pp. 295, 296. 689 TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. Processo 39/72: Caso “Prêmios de abate de vacas. Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. Julgamento de 7 de Fevereiro de 1973. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61972CJ0039&from=EN>. Acesso 29/07/2016.
163
a solidariedade foi desde cedo reconhecida pelo Tribunal como princípio fundamental
entre Estados-Membros da União Europeia.
O mencionado processo teve por objeto obter a declaração de que a
República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do
Regulamento (CEE) n.º 1975/ 69 e do Regulamento (CEE) n.º 2195/69 da Comissão
Européia.690 O Tribunal decidiu neste caso que o princípio de lealdade, por constituir
uma forma particular e até mesmo fundamental da solidariedade, que se baseia em
uma combinação do reconhecimento mútuo da autonomia individual e assistência
mútua a implicar que as obrigações que foram livremente e reciprocamente assumidas
têm de ser cumpridas,691 reconhecendo a obrigação dos Estados-Membros a não
atuar de forma unilateral e contrariamente aos Tratados; não podendo, portanto, um
Estado quebrar, de acordo com a sua própria concepção de interesse nacional, o
equilíbrio entre as vantagens e as obrigações decorrentes da adesão à Comunidade,
não sendo, por fim, permitida a falha no dever de solidariedade, posto que fere a base
fundamental da ordem jurídica comunitária.692
A solidariedade é ainda citada no capítulo do TUE referente às disposições
gerais relativas à ação externa da União Europeia. Assim, na primeira parte do Artigo
21 é afirmado que a ação da União na cena internacional se assenta nos princípios
que deve promover em todo o mundo; quais sejam, os princípios que presidiram à sua
criação, o seu desenvolvimento e o seu alargamento: “democracia, Estado de direito,
universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
690 Regulamento (CEE) n.º 1975/ 69 do Conselho, de 6 de Outubro de 1969, que institui um regime de prémios de abate de vacas e de prémios de não comercialização de leite e produtos lácteos, e do Regulamento (CEE) n.º 2195/69 da Comissão, de 4 de Novembro de 1969, que estabelece as modalidades de aplicação relativas ao regime de prémios ao abate de vacas e de prémios de não comercialização de leite e produtos lácteos. Ibid., 691 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 22-23. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 692 Conferir especialmente os parágrafos 21, 24 e 25. Ao final, assim decidiu o Tribunal: “Ao não adotar as medidas necessárias para permitir, no seu território, a aplicação efetiva e no prazo adequado do regime de prémios de abate de vacas leiteiras e de prémios de não comercialização de leite e produtos lácteos, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento (CEE) n.°1975/69 do Conselho, de 6 de Outubro de 1969, e do Regulamento (CEE) n.°2195/69 da Comissão, de 4 de Novembro de 1969”. TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. Processo 39/72: Caso “Prêmios de abate de vacas. Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. Julgamento de 7 de Fevereiro de 1973. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:61972CJ0039&from=EN>. Acesso 29/07/2016.
164
respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade, solidariedade e respeito
pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.”693 Nesta
intensão, a União deverá procurar desenvolver relações e constituir parcerias com
países de fora do bloco e com as organizações internacionais, regionais ou mundiais
que partilhem dos mesmos princípio, para a promoção de soluções multilaterais dos
problemas internacionais, particularmente no âmbito das Nações Unidas.694 Uma
interpretação solidária do Artigo 21 do Tratado da União Europeia, também, confirma
o acerto da apresentada decisão do Tribunal de Justiça Europeu no caso “Prêmios de
abate de vacas”.695
No contexto das disposições específicas relativas à política externa e de
segurança comum do TUE, a solidariedade é mencionada como princípio e objetivo
da ação exterior da União Europeia, especificamente no Artigo 24 (§ 2 e 3). O
Parágrafo 2 do Artigo 24 diz que a União executará uma política externa e de
segurança comum “baseada no desenvolvimento da solidariedade política mútua
entre os Estados-Membros, na identificação das questões de interesse geral e na
realização de um grau de convergência crescente das ações dos Estados-
Membros”696. Tal abordagem principiológica e objetiva da solidariedade segue no
parágrafo 3 do mesmo Artigo, onde se afirma que: “Os Estados-Membros apoiarão,
ativamente e sem reservas, a política externa e de segurança da União, num espírito
693 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. Artigo 21 (2). A União define e prossegue políticas comuns e acções e diligencia no sentido de assegurar um elevado grau de cooperação em todos os domínios das relações internacionais, a fim de: a) Salvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade; b) Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional; c) Preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objetivos e os princípios da Carta das Nações Unidas, com os princípios da Ata Final de Helsínquia e com os objetivos da Carta de Paris, incluindo os respeitantes às fronteiras externas; d) Apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos econômico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objectivo erradicar a pobreza; e) Incentivar a integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional; f) Contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais à escala mundial, a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável; g) Prestar assistência a populações, países e regiões confrontados com catástrofes naturais ou de origem humana; e h) Promover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial. 694 Ibid., 695 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 20. (ver especialmente a nota n. 47 e 48) In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 696 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Op. Cit.,
165
de lealdade e de solidariedade mútua, respeitando a ação da União neste domínio”697;
e, também “atuarão de forma articulada a fim de reforçar e desenvolver a solidariedade
política mútua”698. Além disso, os Estados-Membros não podem empreender
quaisquer ações que sejam contrárias aos interesses da União ou susceptíveis de
prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais.699
Esse mesmo espírito de lealdade solidária à União Europeia é encontrado
no Artigo 31 (§1) do TUE, onde se determinou que decisões relativas à Política
Externa e de Segurança Comum serão tomadas pelo Conselho Europeu e pelo
Conselho da União Europeia (ou apenas“Conselho”), deliberando por unanimidade,
salvo em caso de disposição em contrário. Qualquer membro do Conselho que venha
a se abster numa votação pode fazer acompanhar à sua abstenção de uma
declaração formal, devendo os demais Estados respeitar a posição do Estado que se
abstiver. Neste caso não é este Estado obrigado a aplicar a decisão em seu país700,
mas deve reconhecer que a decisão vincula a União. Sem deixar de atentar ainda
para o fato de que “num espírito de solidariedade mútua, esse Estado-Membro deve
abster-se de qualquer atuação susceptível de colidir com a ação da União baseada
na referida decisão ou de a dificultar”.701
Esse esforço de solidariedade entre os Estados-Membros nas relações
exteriores da União Europeia é reforçado pelo Artigo 32 do TUE onde os Estados-
Membros se comprometem pela convergência e coerência, de modo a definir uma
abordagem comum, no âmbito do Conselho Europeu e do Conselho (Conselho da
União Europeia) sobre todas as questões de política externa e de segurança que se
revistam de interesse geral. E mais, antes de empreender qualquer ação no plano
internacional ou de assumir qualquer compromisso que possa afetar os interesses da
União, cada Estado-Membro deve consultar os outros no Conselho Europeu ou no
Conselho, assegurando, desta forma, através da convergência das suas ações, que
697 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. 698 Ibid., 699 Cabe ao Conselho e o Alto Representante assegurarem a observância destes princípios. Ibid., 700 Ainda segundo o no Artigo 31º parágrafo 1 do TUE: “Se os membros do Conselho que façam acompanhar a sua abstenção da citada declaração representarem, no mínimo, um terço dos Estados-Membros que reúna, no mínimo, um terço da população da União, a decisão não é adotada”. Ibid., 701 Ibid.,
166
a União possa defender os seus interesses e os seus valores no plano internacional702,
dentre estes o valor fundamental da solidariedade que é reiterado no Artigo 32, nos
seguintes termos: “Os Estados-Membros são solidários entre si”.703
Tal forma de solidariedade (baseada em lealadade, convergência e
coerência) também tem reflexo nas disposições relativas à política comum de
segurança e defesa da União Europeia, que apesar de não mencionarem
expressamente a solidariedade, apresenta no Artigo 42, parágrafo 7º, um carga
acentuada do significado daquele princípio, ao dizer: “se um Estado-Membro vier a
ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem
prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade
com o artigo 51 da Carta das Nações Unidas”.704
Como já foi dito, várias disposições no Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia (TFUE)705, igualmente, referem-se de forma expressa ou indireta ao
princípio da solidariedade, reforçando a importância deste na União Européia.
O Preâmbulo do TFUE afirma que os Países-Membros acordam sobre tal
tratado “PRETENDENDO confirmar a solidariedade que liga a Europa e os países
ultramarinos, e desejando assegurar o desenvolvimento da prosperidade destes, em
conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas”.706
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ao discorrer sobre
espaço de liberdade, segurança e justiça afirma em seu Artigo 67, parágrafo 2º, que
a União Europeia não deve fazer controle de pessoas nas suas fronteiras internas707,
702 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. 703 Ibid., 704 Na íntegra o parágrafo 7º do Artigo 42º do TUE diz: “Se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51.º da Carta das Nações Unidas. Tal não afecta o carácter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-Membros. Os compromissos e a cooperação neste domínio respeitam os compromissos assumidos no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que, para os Estados que são membros desta organização, continua a ser o fundamento da sua defesa colectiva e a instância apropriada para a concretizar.Ibid., 705 Ibid., 706 Idid., 707 Oportuno pontuar que como parte da resposta da União Europeia a onda de refugiados e imigrantes
que chegaram à Europa em 2015, a União Européia permitiu controle no espaço Schengen. Entretanto
167
e deverá ter “uma política comum em matéria de asilo, imigração e controle das
fronteiras externas que se baseia na solidariedade entre Estados-Membros e
equitativa em relação aos nacionais de países terceiros”708. Salientando que para
estes efeitos “os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros”.709
Esta solidariedade entre os Estados-Membros para uma partilha equitativa
de responsabilidades, como um princípio orientador das políticas relativas aos
controles nas fronteiras, ao asilo e à imigração, é corroborada pelo Artigo 80 do TFUE,
que reza que as políticas da União relativas aos controles nas fronteiras, ao asilo e à
imigração e a sua execução “são regidas pelo princípio da solidariedade e da partilha
equitativa de responsabilidades entre os Estados-Membros, inclusive no plano
financeiro”. Acrescentando ainda que, sempre que necessário, os atos da União
adotados em tais matérias conterão medidas adequadas para a aplicação do princípio
da solidariedade.710
Outra problemática importantíssima onde existe menção à solidariedade
diz respeito à política econômica comum da União Europeia. Nesse contexto especial,
os Estados devem conduzir as suas políticas econômicas num espírito de
solidariedade, que também orienta as ações do Conselho (Conselho da União
Europeia) em caso de dificuldades econômicas graves.711 É o que se expressa no
Artigo 122, parágrafo 1º, ao se dizer que, sem prejuízo de outros procedimentos
quaisquer previstos nos Tratados, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode
decidir “num espírito de solidariedade entre os Estados-Membros, das medidas
adequadas à situação econômica, nomeadamente em caso de dificuldades graves no
aprovisionamento de certos produtos, designadamente no domínio da energia”.712
a Europa parece dar sinais de que irá regressar gradualmente a um funcionamento normal do espaço Schengen, símbolo de livre circulação no bloco. 708 UNIÃO EUROPEIA, TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA (TUE). Versão consolidada. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2008:115:0013:0045:pt:PDF>. Acesso em 02/02/2016. 709 Ibid., 710 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016. 711 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 3. 712 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE), op. Cit.,
168
Ainda nesta problemática, dentre as Disposições Transitórias do TFUE, o
Artigo 143, Parágrafo 1º, faz inferir a existência de uma solidariedade financeira na
União Europeia dirigida ao Estado-Membro que se encontrar em dificuldades, ou sob
grave ameaça de dificuldades relativamente à sua balança de pagamentos (se tais
dificuldades forem suscetíveis de comprometer o funcionamento do mercado interno
ou a realização da sua política comercial comum; quando, então a Comissão
procederá imediatamente à análise da situação desse Estado, da ação que
empreendeu ou pode empreender para reverter a situação, nos termos dos Tratados,
“recorrendo a todos os meios de que dispõe”).713
Um espírito de solidariedade também pode ser inferido no que tange à
política social da União Europeia, no ideal de desenvolvimento de cidadania europeia,
por meio de instrumentos de direitos sociais da União que indicam esta tendência714,
como por exemplo o enunciado do Artigo 151 do TFUE que faz referências aos
“direitos sociais fundamentais, tal como os enunciam a Carta Social Europeia,
assinada em Turim, em 18 de outubro de 1961 e a Carta Comunitária dos Direitos
Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989”715; tendo por objetivos a promoção
do emprego; a melhoria e a harmonização das condições de vida e de trabalho na
União Europeia, que devem ser asseguradas simultaneamente por uma proteção
social adequada; diálogo entre parceiros sociais e o desenvolvimento dos recursos
humanos, em vista de um nível de oferecimento elevado e duradouro de empregos; a
713 O Artigo 143º, Parágrafo 1º, na íntegra diz: “Se algum Estado-Membro que beneficia de uma derrogação se encontrar em dificuldades, ou sob grave ameaça de dificuldades relativamente à sua balança de pagamentos, quer estas resultem de um desequilíbrio global da sua balança quer do tipo de divisas de que dispõe, e se tais dificuldades forem susceptíveis de, designadamente, comprometer o funcionamento do mercado interno ou a realização da sua política comercial comum, a Comissão procederá imediatamente à análise da situação desse Estado, bem como da acção que ele empreendeu ou pode empreender, nos termos dos Tratados, recorrendo a todos os meios de que dispõe. A Comissão indicará as medidas cuja adopção recomenda ao Estado em causa. Se a acção empreendida por um Estado-Membro que beneficia de uma derrogação e as medidas sugeridas pela Comissão não se afigurarem suficientes para remover as dificuldades ou ameaças de dificuldades existentes, a Comissão recomendará ao Conselho, após consulta do Comité Econômico e Financeiro, a concessão de assistência mútua e os métodos adequados para o efeito. A Comissão manterá o Conselho regularmente informado da situação e da maneira como esta evolui”. UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016. 714 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 21. (ver especialmente a nota n. 47) In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 715 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Op. Cit.,
169
luta contra as exclusões, favorecendo a harmonização dos sistemas sociais, dos
processos previstos nos Tratados; e da aproximação das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas.716
Ainda na conta das virtudes econômicas do princípio da solidariedade
também deve ser computado o Artigo 176717 que ao tratar sobre a coesão econômica,
social e territorial, capacita o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional com o
objetivo de contribuir para “a correção dos principais desequilíbrios regionais na União
através de uma participação no desenvolvimento e no ajustamento estrutural das
regiões menos desenvolvidas e na reconversão das regiões industriais em
declínio”.718
A solidariedade aparece mais uma vez, expressamente mencionada, no
Artigo 194, parágrafo 1º do TFUE, ao se abordar a política energética da União
Europeia. Assim, está determinado que no âmbito do estabelecimento ou do
funcionamento do mercado interno e levando em consideração a exigência de
preservação e melhoria do meio ambiente, a política da União Europeia no que se
refere à energia “tem por objetivos, num espírito de solidariedade entre os Estados-
Membros”719: assegurar o funcionamento do mercado da energia e da segurança do
aprovisionamento energético da União; promover a eficiência energética e as
716 ARTIGO 151.º: “A União e os Estados-Membros, tendo presentes os direitos sociais fundamentais, tal como os enunciam a Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961 e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, terão por objetivos a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma protecção social adequada, o diálogo entre parceiros sociais, o desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões. Para o efeito, a União e os Estados-Membros desenvolverão acções que tenham em conta a diversidade das práticas nacionais, em especial no domínio das relações contratuais, e a necessidade de manter a capacidade concorrencial da economia da União. A União e os Estados-Membros consideram que esse desenvolvimento decorrerá não apenas do funcionamento do mercado interno, que favorecerá a harmonização dos sistemas sociais, mas igualmente dos processos previstos nos Tratados e da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativa”. UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016. 717 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 31. 718 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Op. Cit., 719 Ibid.,
170
economias de energia, o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e
promover a interconexão das redes de energia.720
A ordem jurídica Europeia sugere, no art. 196721 do TFUE, um senso de
solidariedade ao tratar da proteção civil e “a fim de reforçar a eficácia dos sistemas de
prevenção das catástrofes naturais ou de origem humana e de proteção contra as
mesmas”722, com base firme na lei, e no que a doutrina nomeou "solidariedade
desastre", como um projeto de solidariedade em vários níveis, dentro e fora da
Europa.723
A solidariedade é, também, indiretamente referenciada no Artigo 214 (§ 1º)
do TFUE, dispositivo que trata da ajuda humanitária. Nesse sentido, determina-se que
“as ações da União no domínio da ajuda humanitária são desenvolvidas de acordo
com os princípios e objetivos da ação externa da União”. Ora, dentre os objetivos da
ação externa da União Europeia está a solidariedade724. Assim, a solidariedade é
princípio que deve ser observado nas ações que têm por objetivo prestar assistência,
socorro e proteção às populações de outros países vítimas de catástrofes naturais ou
de origem humana, devendo as ações da União e dos Estados-Membros se completar
e reforçar de forma mútua.725
Cumpre destacar, no entanto, que o ápice da consagração da relevância
do princípio da solidariedade na União Europeia, é representado pelo Título VII da
720 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016. 721 Artigo 196 (1). A União incentiva a cooperação entre os Estados-Membros a fim de reforçar a eficácia dos sistemas de prevenção das catástrofes naturais ou de origem humana e de proteção contra as mesmas. A ação da União tem por objetivos: a) Apoiar e completar a ação dos Estados-Membros ao nível nacional, regional e local em matéria de prevenção de riscos, de preparação dos intervenientes na proteção civil nos Estados-Membros e de intervenção em caso de catástrofe natural ou de origem humana na União; b) Promover uma cooperação operacional rápida e eficaz na União entre os serviços nacionais de proteção civil; c) Favorecer a coerência das ações empreendidas ao nível internacional em matéria de proteção civil. Ibid., 722 Ibid., 723 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 6. 724 Como se pode ver no mencionado Artigo 24, parágrafos 2 e 3 do TFUE. 725 UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Op. Cit.,
171
Parte V do TFUE, Artigo 222726, intitulado de forma epígrafa “Cláusula de
Solidariedade”, que literalmente salienta a dimensão da sua importância.727
Esta cláusula impõe aos Estados-Membros uma obrigação positiva de
solidariedade, quando o Estado vítima a solicitar, em caso de ataque terrorista ou de
catástrofe natural ou feita pelo homem, sendo, portanto, um verdadeiro direito positivo
à solidariedade e à assistência oponível aos Estados-Membros da União Europeia
pelo Estado membro da União Europeia em necessidade urgente.728
Assim, segundo o Artigo 222729, se um Estado-Membro for alvo de um
ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana, a União
Europeia e os seus Estados-Membros deverão atuar conjuntamente, em espírito de
solidariedade, ou seja: mobilizar todos os instrumentos disponíveis, incluindo os meios
726 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 20. (ver especialmente a nota n. 47) In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 727 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 74. 728 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 31. 729 Parte V, TÍTULO VII: Cláusula de Solidariedade. ARTIGO 222.º : 1. A União e os seus Estados-Membros atuarão em conjunto, num espírito de solidariedade, se um Estado-Membro for alvo de um ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana. A União mobiliza todos os instrumentos ao seu dispor, incluindo os meios militares disponibilizados pelos Estados-Membros, para: a) – Prevenir a ameaça terrorista no território dos Estados-Membros; – proteger as instituições democráticas e a população civil de um eventual ataque terrorista; – prestar assistência a um Estado-Membro no seu território, a pedido das suas autoridades políticas, em caso de ataque terrorista; b) Prestar assistência a um Estado-Membro no seu território, a pedido das suas autoridades políticas, em caso de catástrofe natural ou de origem humana. 2. Se um Estado-Membro for alvo de um ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana, os outros Estados-Membros prestam-lhe assistência a pedido das autoridades políticas do Estado-Membro afetado. Para o efeito, os Estados-Membros coordenam-se no Conselho. 3. As regras de execução, pela União, da presente cláusula de solidariedade são definidas por uma decisão adoptada pelo Conselho, sob proposta conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Quando a decisão tenha implicações no domínio da defesa, o Conselho delibera nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Tratado da União Europeia. O Parlamento Europeu é informado. No âmbito do presente número e sem prejuízo do artigo 240.º, o Conselho é assistido pelo Comité Político e de Segurança, com o apoio das estruturas desenvolvidas no âmbito da política comum de segurança e defesa, e pelo Comité referido no artigo 71.º, que lhe apresentam, se for caso disso, pareceres conjuntos. 4. Para que a União e os seus Estados-Membros possam agir de modo eficaz, o Conselho Europeu procede a uma avaliação periódica das ameaças com as quais a União se confronta. UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016.
172
militares, na prevenção de ameaça terrorista no território dos Estados-Membros; na
proteção das instituições democráticas e da população civil de um eventual ataque
terrorista; na assistência a um Estado-Membro no seu território, em caso de ataque
terrorista, de catástrofe natural ou de origem humana, sempre a pedido das
autoridades políticas do Estado-Membro afetado.730
Por sua vez, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia731, que
completa a tríade que constitui a base jurídica fundamental da União Europeia (junto
ao TUE e ao TFUE), também traz expressas referências à solidariedade, tanto no seu
Preâmbulo; como em todo o Capítulo IV, intitulado de “Solidariedade”.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi originalmente
elaborada em Nice, na data de 07 de dezembro de 2000, como parte do Tratado da
Constituição Europeia, que como já salientado, por não ter entrado em vigor
prejudicou a vigência também da Carta. Entretanto, ocorreu que, em 12 de dezembro
de 2007 a Carta foi assinada e proclamada solenemente (à véspera da assinatura do
Tratado de Lisboa que a menciona, conferindo-lhe força jurídica vinculativa), tendo,
portanto, entrado em vigor, simultaneamente ao Tratado de Lisboa na data de 1 de
dezembro de 2009.
No Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia a
solidariedade é anunciada como um valor supremo. Desta maneira, a Carta
fundamenta que os povos da Europa, estabelecendo entre si uma união cada vez
mais estreita, decidiram partilhar um futuro de paz, assente em valores comuns, na
busca de instituir a cidadania da União, criando um espaço de liberdade, segurança e
de justiça que coloca o ser humano no cerne da sua ação, e assim732 “consciente do
seu património espiritual e moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e
730 Além disso, de modo que a União e os seus Estados-Membros possam agir eficazmente em tais situações, o Conselho Europeu procede a uma avaliação regular e periódica das ameaças com as quais a União Europeia se confronta. UNIÃO EUROPEIA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE). Versão Consolidada disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=PT>. Acesso em 02/02/2016. 731 UNIÃO EUROPEIA. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em 02/02/2016. 732 Ibid.,
173
universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade;
assentados nos princípios da democracia e do Estado de direito.”733
Já o Capítulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
nomeado “Solidariedade” (Capítulo IV que se estende do artigo 27 ao 38) tem 12
artigos totalmente direcionados às diversas garantias sociais vinculadas ao princípio
da solidariedade. Este trecho da Carta enumera uma lista de garantias sociais, que
por força do enunciado do capitular são, portanto, solidárias; a saber: Direito à
informação e à consulta dos trabalhadores na empresa734; Direito de negociação e de
ação coletiva735; Direito de acesso aos serviços de emprego736; Proteção em caso de
despedimento sem justa causa737; Condições de trabalho justas e equitativas738;
Proibição do trabalho infantil e proteção dos jovens no trabalho739; Vida familiar e vida
733 UNIÃO EUROPEIA. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em 02/02/2016. 734 Artigo 27. Direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa. Deve ser garantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e nas condições previstos pelo direito comunitário e pelas legislações e práticas nacionais. 735 Artigo 28. Direito de negociação e de ação coletiva. Os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organizaçıes, têm, de acordo com o direito comunitário e as legislaçıes e práticas nacionais, o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas, aos níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a ações coletivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve. 736 Artigo 29. Direito de acesso aos serviços de emprego. Todas as pessoas têm direito de acesso gratuito a um serviço de emprego. 737 Artigo 30. Proteção em caso de despedimento sem justa causa. Todos os trabalhadores têm direito a proteção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito comunitário e as legislaçıes e práticas nacionais. 738 Artigo 31. Condições de trabalho justas e equitativas 1. Todos os trabalhadores têm direito a condiçıes de trabalho saudáveis, seguras e dignas. 2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas. 739 Artigo 32. Proibição do trabalho infantil e proteção dos jovens no trabalho. É proibido o trabalho infantil. A idade mínima de admissão ao trabalho não pode ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória, sem prejuízo de disposiçıes mais favoráveis aos jovens e salvo derrogações bem delimitadas. Os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condiçıes de trabalho adaptadas à sua idade e de uma proteção contra a exploração econômica e contra todas as actividades susceptíveis de prejudicar a sua segurança, saœde ou desenvolvimento físico, mental, moral ou social, ou ainda de pôr em causa a sua educação.
174
profissional740; Segurança social e assistência social741; Proteção da saúde742; Acesso
a serviços de interesse econômico geral743; Proteção do ambiente744 e Defesa dos
consumidores745.746
Diante da crise financeira que solapa a Europa, e nas tentativas para
superar os desafios atuais do bloco, estes dispositivos representam a dimensão da
solidariedade que mais se sobressai; embora todas as dimensões da solidariedade
na União Europeia, ao final, estejam intimamente interconectadas.747 Ora, o
desenvolvimento da solidariedade suportado pelos cidadãos da União Europeia é a
chave para a integração do bloco748, visto que a solidariedade cívica, como
consagrada na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não é
simplesmente a obrigação social dos Estados para atender as necessidades básicas
740 Artigo 33. Vida familiar e vida profissional. 1. É assegurada a proteção da família nos planos jurídico, econômico e social. 2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a proteção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho. 741 Artigo 34. Segurança social e assistência social. 1. A União reconhece e respeita o direito de acesso às prestaçıes de segurança social e aos serviços sociais que concedem protecçªo em casos como a maternidade, doença, acidentes de trabalho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de emprego, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. 2. Todas as pessoas que residam e que se desloquem legalmente no interior da União têm direito às prestações de segurança social e às regalias sociais nos termos do direito comunitário e das legislaçıes e práticas nacionais. 3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. 742 Artigo 35. Proteção da saúde. Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e ações da União, será assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana. 743 Artigo 36. Acesso a serviços de interesse econômico geral. A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse econômico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União. 744 Artigo 37. Proteção do ambiente. Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável. Ibid., 745 Artigo 38. Defesa dos consumidores. As políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores. 746 UNIÃO EUROPEIA. CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA. Disponível
em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em 02/02/2016. 747 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 748 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 23-24. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014.
175
dos cidadãos europeus durante toda a vida (do pré-natal à segurança social na
velhice); representa antes uma identificação humanista de vida, valores, convivência
e futuro compartilhados.
Tal se dá, igualmente, porque todo o Capítulo IV aborda deveres de
solidariedade definidos no contexto de várias áreas políticas e que, direta ou
indiretamente, são de interesse econômico geral da União Europeia; principalmente,
porque a solidariedade que ali se anuncia não se destina apenas ao nível das relações
entre os Estados, mas traz consequências uniformizadoras inclusive no que diz
respeito aos deveres dos Estados para com os seus cidadãos.749
O direito à solidariedade garantido na Carta, é também o direito de não ser
prejudicado por vulnerabilidades sociais, o que implica justiça e solidariedade entre os
indivíduos, em outras palavras, o respeito ao direito individual à solidariedade de cada
pessoa humana750, que pressupõe, concomitantemente, um consenso de apoio mútuo
geral e coletivo entre as gerações.751 Tais direitos sociais solidários são atribuídos aos
cidadãos da União, a fim de promover o maior desenvolvimento possível da legislação
do bloco, melhorando a migração dentro do bloco; e deste modo, gerando mais força
e coesão para as finalidades e os princípios da União Europeia.
Em consequência, esses direitos de solidariedade reforçam a ordem
jurídica da União Europeia como um todo, já que são destinados a impulsionar uma
redistribuição social mais ampla, na busca de se alcançar a plena igualdade entre
todos os cidadãos da União Europeia, o que lhe confere distinta legitimidade.752 No
contexto de integração da União Europeia, solidariedade e legitimidade apresentam-
se inseparavelmente entrelaçadas. Ora, não é por menos, já que a integração bem
749 CREMONA, Marise. EU enlargement: solidarity and conditionality. In: ARNULL, Anthony; CHALMERS, Damian (editores). EUROPEAN LAW REVIEW. Volume 30. Nº 1, February. Durham City, THOMSON/Sweet&Maxwell: 2005. p. 4. 750 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 58. 751 CHATTON. Gregor T. L´interdépendance des droits de l´Homme. Stämpfli Editions, Berne: 2012. p. 146-147. 752 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016.
176
sucedida de qualquer política, nacional, regional ou global depende de uma
legitimidade social solidária, crucial para o processo de integração.753
Verifica-se, também, que com fundamento no Capítulo IV da Carta
Europeia de Direitos Humanos, a Corte Europeia vem deduzindo obrigações
concretas em casos de evidente incumprimento dos deveres de solidariedade
garantidos dentro das competências reguladoras da União, criando a verdadeira
solidariedade de fato pretendida pela criação do bloco, que evoca maior integração e
avanço da interdependência entre os Estados-Membros para o bem de todos os
cidadãos da União, em um contexto complexo de coordenação da assistência mútua
no sistema europeu, que vem transformado o direito reconhecido em obrigações
juridicamente exigíveis.754
Tal se dá por influência direta da Carta dos Direitos Humanos da União
Europeia, que fez a subjetividade individual emergir como protagonista no processo
de integração do bloco europeu, forçando a acentuação do grau de solidariedade
entre cidadãos e entre os Estados Membros.
É nesse sentido, que em geral, o núcleo de solidariedade na União
Europeia, não se reduz a questões econômicas, prescinde antes de uma legitimidade
democrática forte o suficiente para proteger os direitos individuais dos cidadãos de
eventuais danos econômicos, implicando uma evolução da sociedade e
transformação da percepção mútua dos cidadãos europeus de um sentimento mais
aprofundado de pertencimento a uma mesma comunidade solidária europeia755,
reflexo do reconhecimento da solidariedade como um valor fundamental para a
formação da lei comunitária, bem como um princípio jurídico756 consagrado pelas
753 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 74. Apud J. H. H. Weiler, The Transformation of Europe, Yale law Journal 100 (1991), pp. 2403 at 2471. 754 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 23-24. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 755 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 9. 756 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 30.
177
interpretação do judiciário comunitário, fazendo surgir a adequada aplicação dos
valores comunitários compartilhados.757
Não se deve esquecer, contudo, que embora a abordagem da
solidariedade feita pela Tribunal de Justiça Europeu (Corte Europeia de Justiça /ECJ)
se dê para muito além de meras obrigações morais que os indivíduos possam ter uns
com os outros, ou os governos entre si, em casos de necessidade/emergência; as
decisões feitas pelos juízes da Corte Europeia de Justiça (ECJ) sobre solidariedade
não necessariamente informam uma abertura descontrolada para a solidariedade
financeira comum.
Assim, é que desde o caso Grzelczyk (Rudy Grzelczyk vs. Centre public
d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve)758, o Tribunal de Justiça Europeu tem
sido consistente em repetir que apenas um "certo grau" de solidariedade seja
permitido. E apesar da dificuldade em quantificar exatamente o grau de solidariedade
devida por um Estado Membro aos cidadãos da União, torna-se evidente que os
limites são diversos e quantificados caso a caso.759
Assim, no caso Rude Grzelczyk, em 1995 um nacional francês, iniciou
estudos universitários na Bélgica, passando, em função disso a residir naquele país.
Tendo durante a maior parte dos anos de estudos sustentado por sua própria conta
as despesas com o seu sustento, alojamento e estudos, exercendo pequenos
trabalhos assalariados. Entretanto, no início do seu quarto e último ano de estudos
(ano académico mais exigente que os anteriores), requereu ao Centre public d'aide
757 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 78. 758 TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. Acórdão do Tribunal De Justiça Europeu de 20 de Setembro de 2001. EMENTA: Rudy Grzelczyk vs. Centre public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve. Pedido de decisão prejudicial: Tribunal du travail de Nivelles - Bélgica. Artigos 6.º, 8.º e 8.º-A do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.º CE, 17.º CE e 18.º CE) - Directiva 93/96/CEE do Conselho - Direito de residência dos estudantes - Legislação nacional que garante um mínimo de meios de subsistência, designado 'minimex, unicamente aos nacionais, às pessoas que beneficiam da aplicação do Regulamento (CEE) n.º 1612/68, aos apátridas e aos refugiados - Estudante estrangeiro que trabalhou para o seu sustento durante os primeiros anos dos estudos. Processo C-184/99. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=46599&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=83726>. Acesso em 15/11/2016. 759 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016.
178
sociale de Ottignies-Louvain-la-Neuve (CPAS), o pagamento do «minimex», benefício
assistencial belga de um valor mínimo de subsistência. Tal benefício foi concedido
pelo CPAS, mas quando o CPAS solicitou ao Estado belga o reembolso do montante
do «minimex» pago a R. Grzelczyk, o ministério federal competente se recusou a
proceder ao referido reembolso salientando que não haviam sido preenchidas as
condições legais exigidas para a concessão do benafício.760 Por esta razão, o CPAS,
revogou o benefício do «minimex» de R. Grzelczyk que por sua vez impugnou esta
decisão no Tribunal do trabalho de Nivelles e este órgão jurisdicional, tendo em conta
a urgência da situação em que se encontrava R. Grzelczyk, por um lado, reconheceu
o direito a um auxílio social sob a forma de auxílio material fixo por mês, durante 6
meses, e, por outro, decidiu submeter o caso ao Tribunal de Justiça Europeu que se
pronunciou sobre a questão declarando, dentre outras coisas, que a legislação
Europeia (Diretiva 93/96, e as Diretivas 90/354 e 90/365), admite sim uma
determinada solidariedade financeira dos nacionais de um Estado-Membro com os
dos outros Estados-Membros, designadamente se as dificuldades com que depara o
beneficiário do direito de residência são de natureza temporária.761
A solidariedade na União Europeia já foi até, inclusive, tomada para
determinar o alcance da proteção dos direitos sociais para desencadear uma ação
trabalhista coletiva, como no caso “International Transport Workers’ Federation and
760 Especialmente a condição da nacionalidade, não estarem reunidas, dado que a sua condição de estudante não permite que seja considerado como trabalhador e a sua residência na Bélgica não resulta da aplicação do princípio da livre circulação dos trabalhadores. 761 TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. Acórdão do Tribunal De Justiça Europeu de 20 de setembro de 2001. Rudy Grzelczyk contra Centre public d'aide sociale d'Ottignies-Louvain-la-Neuve. Processo C-184/99. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=46599&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=83726>. Acesso em 15/11/2016. O parágrafo 44º da decisão diz: “É certo que o artigo 4.° da Directiva 93/96 dispõe que o direito de residência continua a existir enquanto os beneficiários do mesmo preencherem os requisitos previstos no artigo 1.° da referida directiva. Todavia, resulta do sexto considerando da mesma que os beneficiários do direito de residência não devem tornar-se uma sobrecarga «injustificada» para as finanças públicas do Estado-Membro de acolhimento. A Diretiva 93/96, aliás como as Directivas 90/354 e 90/365, admite, assim, uma determinada solidariedade financeira dos nacionais desse Estado-Membro com os dos outros Estados-Membros, designadamente se as dificuldades com que depara o beneficiário do direito de residência são de natureza temporária.”; Neste sentido também: KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 69 Apud U. haltern, Finalität, in: v. Bogdandy/Bast, Europäisches Verfassungsrecht, 2nd ed. 2009, pp. 279 at 323 with reference to ECJ, case C-184/99 – Grzelczyk, ididem para 44.
179
Finnish Seamen’s Union vs. Viking Line ABP and OÜ Viking Line Eesti”762 (Caso C-
438/05 com julgamento de 11 de dezembro 2007).763
Há também que se considerar, que a despeito dos temores causados pela
dependência excessiva dos cidadãos da União Europeia, com base no princípio de
solidariedade; o Tribunal de Justiça Europeu tem demonstrado ser muito perspicaz a
estes medos e necessidades e, portanto, tem evitado qualquer sobrecarga aos
Estados Membros da União Europeia764 neste sentido. É inclusive comum, no direito
da União Europeia, que a interpretação da legislação se dê com nexo entre a
solidariedade e outros princípios do ordenamento jurídico também relevantes e
paradigmáticos765, na busca de se atingir a consagração de um interesse geral do
princípio da solidariedade, conciliando-o aos princípios formais de igualdade e
762TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EUROPEU DE 11. 12. 2007 — PROCESSO C-438/05. “International Transport Workers’ Federation and Finnish Seamen’s Union contra Viking Line ABP e OÜ Viking Line Eesti”. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d0f130d6befa65a6026f43a6b5abe2a141873de5.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4PaheNe0?text=&docid=71495&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=473660>. Acesso em 05/01/2017. 763 Onde o Tribunal de Justiça Europeu considerou que o direito da Federação dos Trabalhadores dos Transportes Internacional de desencadear uma ação coletiva, derivando do princípio da solidariedade, o direito à greve como um direito fundamental do direito comunitário, fazendo referência a diversos instrumentos internacionais. COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part Two: “Pratical Solidarity”. In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 664-665. Tal dimensão de solidariedade primeiramente se desenvolveu como elemento social apartado do direito comunitário e à esquerda no domínio soberano dos Estados. Foi, em particular, a liberdade de movimento que trouxe os direitos sociais para o domínio do direito da União Européia e como esta liberdade foi exercida por trabalhadores pode-se argumentar que os direitos sociais associados foram nada mais do que os direitos decorrentes de um estatuto da situação de trabalho real dos direitos sociais dos trabalhadores migrantes do bloco, que era parte integrante de um pacote econômico bastante equilibrado de direitos e deveres entre o trabalhador migrante em um lado e seus patrões e do Estado de hóspedes do outro, sem haver expressa menção ao elemento de solidariedade nesta relação. No entanto, esta situação alterou-se, inicialmente, quase inadvertidamente, de uma forma radical quando a cidadania da União Européia foi introduzida pelo Tratado de Maastricht de 1992, que também invocou a "solidariedade" entre os "povos" em seu Preâmbulo. E o desenvolvimento da conexão entre a cidadania europeia e o dever de solidariedade pode ser visto como uma criação da jurisprudência. KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 764 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016. 765 KOTZUR, op. Cit., p. 74.
180
liberdade, em um equilíbrio de interesses, que observa equidade e
proporcionalidade.766
Já na perspectiva da Comissão Europeia, a solidariedade entre os Estados-
Membros da União e a solidariedade social em cada nação estão intimamente
relacionados. Isto torna-se particularmente claro na comunicação da Comissão
Europeia ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Econômico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões intitulado “Agenda Social Renovada:
Oportunidades, Acesso e Solidariedade na Europa do Século XXI - COM (2008) 412
final”767. Comunicação da Comissão que, além de elaborar um quadro para uma
"agenda social renovada", contém igualmente orientações conceituais relevantes para
a concretização do Princípio da Solidariedade768, afirmando que não se poderá
restringir a atuação da União Europeia aos tradicionais domínios sociais, tendo esta
atuação de ser transversal e pluridimensional, abarcando áreas importantes de
coesão do bloco, que se estendem desde as políticas do mercado de trabalho à
educação, à saúde, à imigração até o diálogo intercultural, na busca de se inovar os
modelos de elaboração de quadros estratégicos e até mesmo a legislação.
Tal agenda social renovada é, por conseguinte, “também um instrumento
de solidariedade, no âmbito do qual são intensificados os esforços de combate à
pobreza e à exclusão social, onde se exploram novas formas de ajudar os indivíduos
a adaptarem-se à globalização e à evolução tecnológica”769, com fim a atingir três
importantes objetivos interligados: Criar oportunidades, assegurar a acessibilidade e
demonstrar solidariedade, reforçando os meios como estes objetivos podem ser
traduzidos em ações concretas.770
766 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 29. No mesmo sentido: BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 29. Apud M. FALLON, Droit matériel général de l’Union européenne, 2ème édition, Bruylant, Louvain-la neuve, 2002. p. 70. 767 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. “Comunicação da Comissão Européia ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Econômico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Agenda Social Renovada: Oportunidades, Acesso e Solidariedade na Europa Do Século XXI”. COM (2008) 412 final, p. 4. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52008DC0412&from=EN>. Acesso em 19/06/2016. 768 SOMMERMANN, Karl-Peter. Some Reflections on the Concept of Solidarity and its Transformation into Legal Principle. p. 21. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. 769 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, COM (2008) 412 final, op. Cit, loc. Cit., 770 Ibid., p. 7 e 21. Neste sentido ver especialmente o ítem 5.6 da página 21.
181
Sobre este último objetivo lê-se no comunicado: “Demonstrar
solidariedade: Os Europeus partilham um compromisso de solidariedade social: entre
as gerações, as regiões, os mais e os menos favorecidos, os Estados-Membros mais
ricos e os mais pobres”. Assim, “a solidariedade faz parte integrante do funcionamento
da sociedade europeia e da forma como a Europa interage com o resto do mundo. A
efetiva igualdade de oportunidades depende, simultaneamente, do acesso e da
solidariedade”. O comunidado acrescenta ainda que “a solidariedade implica a adoção
de medidas para ajudar os mais desfavorecidos, isto é, todos aqueles que não
conseguem usufruir das vantagens de uma sociedade aberta e em rápida mutação”.
Desta maneira, o comunicado significa a promoção da inclusão social, da integração,
da participação, do diálogo e do combate à pobreza no apoio solidário da União
Europeia às pessoas expostas a tais problemas sociais, em decorrência da
globalização e da evolução tecnológica.771
Nesse ponto, cumpre salientar que, de todo o exposto, se identificam três
dimensões legais principais de solidariedade na União Europeia: solidariedade entre
os Estados-Membros, solidariedade entre os Estados-Membros e os indivíduos, e
solidariedade entre as gerações.772
Importante observar, também, que no contexto da solidariedade europeia,
os doutrinadores são das opiniões as mais diversas.
Por exemplo, Nicolaïdis e Viehof, em suas análises da governança
econômica europeia, apresentam a solidariedade como um conceito híbrido,
771 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. “Comunicação da Comissão Européia ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Econômico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Agenda Social Renovada: Oportunidades, Acesso e Solidariedade na Europa Do Século XXI”. COM (2008) 412 final, p. 7. (Sub 3). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52008DC0412&from=EN>. Acesso em 19/06/2016. 772 HILPOLD, Peter, Understanding Solidarity within EU Law: An Analysis of the 'Islands of Solidarity' with Particular Regard to Monetary Union (April 27, 2015). 34 Yearbook of European Law 2015, pp. 257-285. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2599725> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2599725>. Acesso em 21/10/2016.
182
representado graficamente como uma ''bússola da solidariedade773": a solidariedade
estaria localizada na interseção cartesiana (encruzilhada) de dois contínuos; um entre
o interesse próprio e o da comunidade, e outro entre altruísmo e obrigação.774
Já, para Erwin Stolz, em uma perspectiva sociológica, a solidariedade é
definida como atos de apoio, com base no afeto positivo e sentimento de obrigações
morais.775
Ao passo que Wydra e Pülzl, ao analisarem os debates parlamentares entre
2010 e 2013 na Alemanha e Áustria, mapearam os discursos parlamentares nos seus
aspectos de solidariedade e solidez (altruísmo vs. obrigações). Neste estudo,
detectaram que, especialmente no discurso alemão, a ligação entre solidariedade e
responsabilidade tem sido excepcional, tendo em considerações o choque entre os
interesses nacionais e comunitários. Descobriram, também, um forte foco em ambos
os parlamentos sobre os aspectos das obrigações, com base na legislação
comunitária (especialmente TFUE), e um desejo de obrigar os Estados membros a
adotar mais disciplina fiscal, indicando que a solidariedade só é possível em conexão
com solidez fiscal; devendo, portanto, a União Europeia levar os Estados membros
773 WYDRA, Doris; PÜLZL, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. März, 2014. p. 99. Apud K. Nicolaïdis, J. Viehoff, The Choice for Sustainable Solidarity in Post-Crisis Europe, Europe in Dialogue, 2012/01, pp. 23–43. 774 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 7. 775 Ibid., p. 8.
183
financeiramente irresponsáveis de volta para o caminho da política fiscal sólida e
balizada por rigorosas condicionalidades.776
Para Kargiannis, se pode distinguir dentro do direito europeu dois modos
de solidariedade: estático e dinâmico. De maneira que, no modo estático a
solidariedade pertence aos "valores e interesses" da sociedade europeia; e no modo
dinâmico "a solidariedade é algo que visa, algo que deve ser alcançado”.777
Solidariedade não pode, entretanto, ser compreendida como um ato de caridade para
com os outros ou simples generosidade do bom samaritano, e por isso a idéia básica
do direito europeu está assentada na solidariedade. Esta solidariedade de fato,
baseada no interesse comum, demonstra que o plano de Schuman, apesar das
dificuldades, ainda funciona, mesmo passado mais de 60 anos778, estando
intrinsecamente ligada ao direito da União, e sendo ao mesmo tempo seu fundamento
e objetivo, razão pela qual os Estados-Membros teriam o dever de assegurar sua
eficácia dentro da comunidade779 (se refletido em particular, pelo sacrifício de
interesses nacionais em benefício do interesse comunitário) como princípio inerente a
uma comunidade de direito, através de mecanismos institucionais de solidariedade
interestatal, bem como por meio da política regional de redistribuição780, um regime
de responsabilidade comunitária.781
Apesar de avançar como exemplo de solidariedade para o mundo, a União
Européia tem dificuldades na formação de uma esfera pública europeia maior, ou seja,
na complicação em fazer com que os europeus sejam capazes de se solidarizar para
o desenvolvimento de uma comunidade política estável e coesa com relação aos
cidadãos de outros países (fora da União Européia, extracomunitários); como se
776 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the special issue “Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach” IN: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 7. 777 BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p.p. 2-3. Apud Apud N. Karagiannis. Solidarity Within Europea/Solidarity Without Europe, European Societies, 9 (2007) pp. 3-21. 778 AWYDRA, Doria; PÜLZI, Helga. Solidarity Discourse in National Parliaments: The European Crisis Hits Home! in: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p. 108-110. 779 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 27. 780 Ibid., p. 28. Apud M. FALLON, Droit matériel général de l’Union européenne, 2ème édition, Bruylant, Louvain-la neuve, 2002. p. 78. 781 Ibid.,p. 32.
184
presencia atualmente na chamada “crise” de refugiados na Europa. No entanto, visto
que, em função da crise desenvolver problemas que atingem a todos, prescinde de
uma solução solidariamente comum.782
3.3 SOLIDARIEDADE COMO EMERGENTE PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL
A teoria e a prática de uma solidariedade internacional legalmente
fundamentada está em pleno desenvolvimento, indicando que o princípio da
solidariedade é bastante capaz de funcionar no âmbito do direito internacional onde
cresce em importância ao representar uma nova ferramenta legal para fortalecer as
obrigações comuns que promovem os interesses essenciais da comunidade humana,
que impulsiona o florescimento de uma solidariedade ligada à ideia de um
constitucionalismo global na defesa de um núcleo mínimo de direitos humanos
internacionalmente protegidos, em atenção à manifesta interdependência estrutural
mundial.783
Tal pode ser confirmado pelo fato de a solidariedade vir sendo largamente
utilizada como ideia geral representada pelo compromisso de trabalhar para o bem
comum, representada de alguma forma no preâmbulo de praticamente todos os
instrumentos internacionais constitutivos de importantes organizações internacionais,
782 PINZANI, Alessandro. Apresentação à edição brasileira, XXVIII. In: HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa: um ensaio. Tradução Denilson Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. – São Paulo: Ed. Unesp, 2012. p. 84. 783 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016.
185
convenções e tratados; bem como em declarações internacionais, associadas a novos
direitos e obrigações internacionais.784
Dentre os vários documentos que, direta ou indiretamente, salientam a
importância da solidariedade como um princípio constitucional do direito internacional,
os mais importantes em função de sua cogência são a Carta das Nações Unidas, os
Tratados da União Europeia, a Carta da Organização dos Estados Americanos, a
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (a Carta Banjul), a Declaração de
Viena e Programa de Ação de 1993, e a Declaração do Milénio da ONU de 2000.
Entretanto, existem muitos outros documentos internacionais de soft law (Declarações
da Assembleia Geral das Nações Unidas, principalmente), além do regime da
Organização Mundial do Comércio (OMC) que igualmente, explicita ou tacitamente,
versam sobre solidariedade785.
Desse modo, no caminho de consolidação dentro do direito internacional,
a solidariedade vem ampliando o seu significado por meio de uma abordagem
constitucionalista que se apresenta como uma alternativa jurídica com enorme
potencial crítico, construtivo e renovador do direito internacional786, por meio de
tratados e convenções internacionais que caminham abertamente para uma
internacionalização do direito constitucional e constitucionalização do direito
internacional.787
Ora, tal fato é perceptível, principalmente, diante da constatação de que
várias constituições já se abriram para recepcionar comandos do direito internacional
dos direitos humanos, reproduzindo um ideal comum, oriundo da conveniência de
valores constitucionais da comunidade global em elogio à uma dimensão
784 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. P. 103-104. 785 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 506-507. 786 PETERS, Anne. "The Merits of Global Constitutionalism," Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 16: Iss. 2, Article 2. 2009. p. 402-411. Available at: http://www.repository.law.indiana.edu/ijgls/vol16/iss2/2 787 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 217 Apud LAFER, Celso. Ordem, poder e consenso: caminhos da constitucionalização do direito internacional. In: VVAA. As tendências atuais do direito público; estudos em homenagem ao Prof. Afonso Arinos. Rio de Janeiro: Forense, 1976. P.89-110.
186
constitucional universalista da solidariedade.788 Convém relembrar que tal abordagem
não é, entretanto, recente, tendo origem no próprio nascimento do constitucionalismo
moderno com as importantes manifestações feitas pelas grandes Declarações de
Direitos, como a francesa de 1791, que, como visto, antes de serem textos nacionais,
eram textos propositores de direitos que tinham como destinatária toda
Humanidade.789
Em consequência, o fenômeno da globalização é perceptível na comunhão
dos valores constitucionais que, difundidos num cenário internacional, rompem as
tradicionais fronteiras dos Estados nacionais e criam um novo panorama para os
conceitos de soberania e cidadania. Assim, partindo de novos ideais (como cidadania
universal, pluralismo, tolerância, direito à diferença, integração e soberania
remodelada) surge o conceito de “poder constituinte supranacional”, destinado a
equacionar a emergência de uma Constituição supranacional legítima, com aptidão
para vincular toda a comunidade de Estados sujeita à sua ação normalizadora.790 A
idéia de um poder constituinte supranacional é defendido por Habermas na tese do
“patriotismo constitucional”791 da teoria discursiva. Tal visão de Habermas questiona
até quando os fundamentos da identidade cívica de uma determinada coletividade
permanecerão vinculados ao nacionalismo, ou seja, “se um dia seremos capazes de
se reconhecer no outro pelo simples fato de sermos todos indivíduos, isto é,
humanos?”792
788 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 258. 789 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 35. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud E. Jouannet, “What is the Use of International Law? International Law as 21st Century Guardian of Welfare”, Mich. J. Int. L. 28 (2008). p. 821 e 837. 790 Segundo Nathalia Masson, Maurício Andreiuolo define tal “Poder Constituinte Supranacional” da seguinte forma: “faz as vezes do poder constituinte porque cria uma ordem jurídica de cunho constitucional, na medida em que reorganiza a estrutura de cada um dos Estados que adere ao direito comunitário de viés supranacional por excelência, com capacidade inclusive, para submeter as diversas constituições nacionais ao seu poder supremo. Da mesma forma [...] é supranacional, porque se distingue do ordenamento positivo interno assim como do direito internacional ordinário”. MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2015. p. 113 apud RODRIGUES, Maurício Andreiuolo. Poder Constituinte supranacional: esse novo personagem. Porto Alegre: SERGIO FABRIS, 2000, p. 96. 791 conceito cunhado originalmente por Dolf Sternberger, jurista e cientista político alemão 792 Ibid., Apud SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Poder constituinte e patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2006, p. 73-74.
187
Habermas vê no patriotismo constitucional o ideal capaz de união entre
todos os cidadãos, independentemente de suas nacionalidades, antecedentes
culturais ou heranças étnicas, na busca do estabelecimento de vínculos de
solidariedade entre estranhos, imprimindo nos indivíduos uma lealdade constitucional
que, não podendo ser imposta juridicamente, deve ser internalizada nas motivações
e convicções de cada um dos cidadãos, enquanto integrantes de uma comunidade
transnacional de identificação com valores universalistas, de forma a direcionarmo-
nos a uma cidadania democrática universal e participativa que se fundamentará numa
cultura política comum de integração social global baseada em valores, normas e
mútuo acordo, e não no nacionalismo excludente e discriminatório contra o “outro”
(estrangeiro).793
Assim, o conceito de constitucionalismo global faz aliança com o princípio
da solidariedade por convergirem para o mesmo denominador: a proteção dos direitos
humanos (hoje defendidos com base nos valores da liberdade, da igualdade e,
também, da solidariedade). Desta maneira, o direito internacional ao buscar os
fundamentos constitucionais globais da solidariedade se torna um instrumento positivo
de regulamentação e reconhecimento794 da solidariedade como elemento nuclear de
um novo Direito Internacional795 em toda a sua complexidade e dinamicidade796, onde
as fronteiras claras entre o direito nacional, internacional e transnacional, privado e
público estão tão confusas que se tornaram indistinguíveis.797
Devido a isso, a solidariedade estaria gradualmente se tornando um dos
pilares e aliados do quadro normativo internacional de defesa do constitucionalismo
global798, por ser um agente catalisador que provoca tanto a normativa como a
793 MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª edição. Revisada, ampliada e atualizada. Salvador: Editora Jus PODIVM, 2015. p. 113 -115. 794 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 35. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud E. Jouannet, “What is the Use of International Law? International Law as 21st Century Guardian of Welfare”, Mich. J. Int. L. 28 (2008). p. 821 e 837. 795 MENEZES, op. Cit., p. 264. 796 FERREIRA DA CUNHA, Paulo. DO CONSTITUCIONALISMO GLOBAL. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 15 – jan./jun. 2010. p. 248-255. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-15/RBDC-15-245-Paulo_Ferreira_da_Cunha_(Do_Constitucionalismo_Global).pdf>. Acesso em 30/12/2016. 797 BRUNKHOST, Hauke. From Civic Friendship to a Global Legal Community. Translated by Jeffrey Flynn. The MIT Press, 2005. p. 131. 798 WELLENS, op. Cit., p. 34.
188
dinâmica operacional do direito internacional799 em razão de instrumentalizar os
direitos humanos dentro de uma nova dimensão que toma em conta as constantes
transformações sociais originadas pelo aprofundamento da globalização e das
descobertas científicas.800
Mais ainda, só o fato de o princípio da solidariedade está operando em
vários ramos do direito internacional, protegendo valores fundamentais da
comunidade internacional, já o qualificaria como dotado de um status constitucional801,
pelo fato de proteger valores fundamentais partilhados pela comunidade internacional
que asseguram a coesão e a coerência da ordem jurídica internacional em seus mais
vários ramos, e por operar como requisito virtual para um cumprimento razoável de
outras normas aplicáveis802, ao realizar uma combinação de funções, que
demonstram que o moderno direito internacional impõe o valor ético e a força
principiológica fundamental da solidariedade.803
Para que isso venha senso possível, é necessário, porém, que tais
desenvolvimentos modernos da solidariedade ocorram em nome da comunidade
internacional, o que nos distancia, cada vez mais, da antiga visão estatocêntrica do
ordenamento jurídico internacional. Tal se dá, principalmente, por se reconhecer que
os Estados dificilmente poderiam enfrentar e resolver unilateralmente as desafiantes
questões do mundo, que hoje dizem respeito à comunidade internacional como um
todo, e urgem por uma evolução rumo a um ordenamento jurídico internacional mais
institucionalizado e “constitucionalizado”.804
Diante de tais observações, a diferenciação feita por B. N. Hutchinson entre
solidariedade em sentido stricto e lato se põe enriquecedora. “Solidariedade stricto
sensu", ocorreria quando todos os membros de um acordo multilateral têm o direito
799 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 36. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 800 MENEZES, Wagner. Direito Internacional na América Latina. Curitiba: Juruá, 2007. p. 258. 801 WELLENS, op. Cit. p. 5. 802 Ibid., p. 34, apud J.-P.L. Fonteyne, “Burden-sharing: An Analysis of the Nature and Function of International Solidarity in Cases of Mass Influx of Refugees”. Australian Yearbook of International Law (1978-80), p. 171. 803 Ibid., p. 30-31. 804 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. 4. Ed, rev. atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 574.
189
de solicitar, quando de uma violação do direito internacional por um Estado, que este
cumpra as suas obrigações. “Solidariedade lato sensu”, por sua vez, permitiria que
todos os Estados, não apenas os membros de um Tratado ou Convenção, respondam
ao incumprimento de uma obrigação multilateral, por representar obrigação
universalmente aplicável pelo costume a toda comunidade internacional.805
Verifica-se, assim, no atual contexto das relações internacionais, que a
solidariedade passou a ser mais do que apenas um princípio inspirador (embora
também continue a ser isso) e passou a legitimamente reivindicar um status
constitucional, principalmente com base nos reflexos do alto grau de relevância que
adquiriu dentro da legislação das Nações Unidas sobre a manutenção da paz e da
segurança internacional, lugar onde se encontraria o seu mais alto grau de
institucionalização constitucional806 dentro da ordem jurídica global.
Assim se pudermos considerar a Carta das Nações Unidas como um ato
constitutivo e formador da comunidade mundial807, em razão da proteção da natureza
absoluta da paz mundial, somos obrigados a reconhecer também a dimensão do valor
constitucional mais elevada de todos os princípios por ela representados,808 dentre os
quais, obviamente, estaria a solidariedade internacional.
A Carta das Nações Unidas, distintamente do Estatuto da Corte Penal
Internacional, estabelece um segundo nível de legalidade internacional ao determinar
uma hierarquia entre as fontes convencionais do direito internacional, se colocando
no topo desta pirâmide da ordem jurídica internacional, e portanto, prevalecendo
constitucionalmente sobre todos os outros tratados que com ela tenham relação.809 É
o que se apreende do Artigo 103 da Carta das Nações Unidas; ao determinar que, no
caso de conflito entre as obrigações dos Membros em virtude da Carta das Nações
805 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 344 apud B. N. HUTCHINSON, Solidarity and breaches of multilateral treaties, in British YBIL, 1988. pp. 151-215. 806 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 72. 807 BOURICHE, op. Cit., apud G. BURDEAU, <<Débats>>, p. 109. 808 BOURICHE, op. Cit., p. 363. Apud M. FORTEAU, Le dépassement de l’effet relatif de la Charte. p. 159. in CHEMAIN, Regis; PELLET, Alain; La Charte des Nations unies, constitution mondiale? Paris : Editions Pedone, 2006. Pp. 121-159. 809 BOURICHE, op. Cit., loc. Cit., apud PELLET, Alain; propos introductifs, p. 176, in: La Charte des Nations unies, constitution mondiale? Paris : Editions Pedone, 2006. pp. 175-177.
190
Unidas e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
“prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”.810
Tal valor superior ou constitucional da Carta das Nações Unidas, tem o
objetivo de respeitá-la e defendê-la em todas as circunstâncias, assegurando que
prevaleça sobre quaisquer outras obrigações internacionais que surgirem em
contradição com ela,811 como garantia de uma ordem internacional real, evitando que
Estados justifiquem o não cumprimento de suas obrigações decorrentes da Carta com
base em outras obrigações que tenham, internacionalmente, assinado de boa-fé.812
Ora, em nome da humanidade os interesses dos Estados não podem se sobrepor ao
expresso na Carta das Nações Unidas, fato que manifestamente limita o voluntarismo
estatal.813
Todo esse painel, na medida em que reflete a proteção das necessidades
sociais essenciais da humanidade, fixando os valores básicos da comunidade
internacional, faz a Carta das Nações Unidas representar um passo no sentido de
uma “Constituição Mundial”, semelhante a um "Direito Constitucional Internacional
Substancial"814, com vocação e papel único na ordem jurídica internacional.815 Nesse
compasso, as teses que reconhecem uma dimensão constitucional à Carta das
Nações Unidas (como uma “Constituição da comunidade internacional”816) o fazem
com base no princípio da solidariedade, e em virtude da interdependência inerente a
810 BRASIL, DECRETO Nº 19.841, DE 22 DE OUTUBRO DE 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em 23/01/2017. 811 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 360. 812 Ibid., p. 363. 813 Ibid., p. 45 apud M. TORRELLI, L’ingérence humanitaire et le nouvel ordre mondial. p. 88, in Le nouvel ordre mondial, réalité ou illusion?, EDDIF, Casablanca, 1993, pp. 87-131. 814 Ibid., p. 363. Apud M. FORTEAU, Le dépassement de l’effet relatif de la Charte. p. 159. in CHEMAIN, Regis; PELLET, Alain; La Charte des Nations unies, constitution mondiale? Paris : Editions Pedone, 2006. Pp. 121-159. 815 Ibid., p. 365. No entanto, a maioria dos autores concorda em pensar que um tratado universal não providenciou uma constituição mundial, e que a ineficiência e ineficácia dos princípios materiais da Carta impede que podemos falar da Carta como uma constituição mundial. Ibid., p. 365. Apud L. CONDORELLI, “La Charte, sources des principes fondamentaux du droit international”, in CHEMAIN, Regis; PELLET, Alain; La Charte des Nations unies, constitution mondiale? Paris : Editions Pedone, 2006. p. 171 816 NEVES, MARCELO. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 85
191
todas as relações sociais, para alcançar o objetivo final do direito, ou seja, a paz entre
todos os homens.817
Inclusive, a tendência teórica paradigmática em defesa do surgimento de
um constitucionalismo internacional, ou governança supranacional no plano global818,
pode ser considerada que tenha sido forjada primeiramente pela Carta das Nações
Unidas, apresentando a solidariedade subjacente a todo o seu teor,819 e mesmo para
além da própria Carta.820
Assim, por óbvio e sem dissimulações, é patente que se está gerindo uma
constitucionalização solidária do direito internacional, que assume a condição
planetária de proteger o direito das pessoas e dos povos, transcendendo a mera
agregação de regulamentações bilaterais ou multilaterais entre Estados soberanos, e
criando uma dimensão constitucional ao Direito Internacional com novos padrões
jurídicos de inspiração transnacional e diacrônica, que põem em causa os consensos
estabelecidos em torno dos pilares do Direito Internacional clássico821, ao fazerem
referências a normas intocáveis (jus cogens) que não se originam do voluntarismo
egoísta dos Estados, mas da consciência coletiva da própria humanidade.822
A constitucionalização do direito internacional, através da criação,
promulgação, e endosso do conceito de normas jus cogens, se fundamenta em
valores comuns, universalmente compartilhados, e por isso, é manifestação de uma
unidade mínima de valores e interesses da sociedade mundial que possibilitaria a
defesa da existência de uma ordem constitucional internacional. Ora, até o Conselho
de Segurança das Nações Unidas é obrigado a respeitar as normas jus cogens, tal
817 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 254. De acordo com essa orientação, as existências do Estado correspondem apenas uma etapa na evolução da organização da sociedade internacional, o que naturalmente tende a ser ultrapassada pelo cada vez maior interpenetração dos povos. Ibid., 818 NEVES, MARCELO. Transconstitucionalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 85 819 WELLENS, op. Cit., p. 28 apud R. St. J. Macdonald, “The International Community as a Legal Community”, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds), Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, 2005. p. 861. 820 DETAIS, op. Cit., loc. Cit., 821 PUREZA, José Manuel. O Patromónio Comum da Humanidade: rumo a um Direito Internacional da Solidariedade? Edições Afrontamento: Porto, 1998. p. 284. 822 KLABBERS, Jan. Setting the Scene. Páginas. 1, 2, 11, 16, 25 e 26. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009.
192
fato se apresenta como mais do que suficiente para sugerir a existência de uma
unidade fundamental constitucional internacional, com base em valores comuns
compartilhados.823
No entanto, não se pode desconsiderar que as exigências sobre a
solidariedade em um contexto universal (especialmente constitucional global) seriam
diversas e com uma carga muito pesada, principalmente no que diz respeito ao
pluralismo cultural nas suas mais destoantes formas; posto que o dever de
legitimidade da solidariedade deve prevalecer em quaisquer condições, o que a
sobrecarrega seriamente com questões referentes à sua viabilidade e razoabilidade
no plano mundial.824
Diante destas conclusões, importa reconhecer que qualquer abordagem da
solidariedade internacional deve estar vinculada aos mais diversos ramos do direito
internacional onde o seu enfoque constitucional estaria presente na atualidade:
segurança coletiva, direito internacional ambiental, direito internacional ao
desenvolvimento, direito internacional dos direitos humanos, direito internacional
humanitário, direito internacional dos refugiados, e no recentemente criado conceito
de responsabilidade de proteger.825
823 KLABBERS, Jan. Setting the Scene. Páginas. 1, 2, 11, 16, 25 e 26. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. 824 Ibid., páginas. 43-44. 825 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 30-31. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010.
193
3.3.1 Solidariedade e Segurança Coletiva
O princípio da solidariedade faz parte da base política e jurídica do sistema
de segurança coletiva estabelecido pela Carta das Nações Unidas826. Sendo inclusive
considerada a “pedra angular”827 da era pós Segunda Guerra Mundial, de um novo
consenso de segurança coletiva a propor uma solidariedade global ampliada que
abarque todos os seres humanos, por meio da ação dos seus governos. Ora, sendo
a segurança humana direito natural de todos os indivíduos do mundo, a luta contra o
que lhe ameaça não se podem fechar dentro das fronteiras das nações.828
A noção de segurança coletiva das Nações Unidas é, talvez, a primeira
manifestação formal universal do princípio da solidariedade. Já que é um sistema de
segurança que depende da solidariedade coletiva de seus membros para assegurar
o seu próprio funcionamento, sabido que um Estado ao prestar seu apoio a outro
Estado que se tornou vítima de um ataque armado não persegue um interesse próprio,
executa, ao intervir para a proteção de outro Estado, um ato de solidariedade, fazendo
do caso de um Estado o seu próprio caso.829 Por tal motivo, e com lúcida razão, é
que Karel Wellens argumenta ser "no direito das Nações Unidas sobre a manutenção
da paz e da segurança internacionais que o princípio da solidariedade atingiu o seu
826 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 104 et seq. Apud WELLENS, K. Solidarity as a Constitutional Principle: Its Expanding Role and Inherent Limitations, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds.), Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, 775, at 779 (2005). 827 Ibid., p. 104-105. Apud B. Simma, From Bilateralism to Community Interest in International Law, Receuil des Cours de l’Académie de La Haye, Vol. 250, 217, at 236 (1994). O princípio da “responsabilidade de proteger”, que será analisado mais a frente, pode ser visto como outra importante manifestação de solidariedade internacional em segurança coletiva. NEUHOLD, Hanspeter. Common Security: The Litmus Test of International Solidarity. p. 204-207. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 828 SLAUGHTER, Anne-Marie. Security, Solidarity, and Sovereignty: The Grand Themes of UN Reform. In: DAWS, Sam; SAMARASINGHE, Natalie. (editores). THE UNITED NATIONS: A UN for the 21 st Century. Volume IV, SAGE Publications: Los Angeles/London/New Delhi/Singapore/Washington DC/Boston: 2015. p. 10 829 KOROMA, op. Cit., páginas. 104-105, apud R. Wolfrum, Solidarity Among States: An Emerging Structural Principle of International Law, in: P. M. Dupuy/B. Fassbender/M. N. Shaw/K. P. Sommermann (eds.), Völkerrecht als Wertordnung: Common Values in International Law: Festschrift für Christian Tomuschat, at 1087 (2006)
194
mais alto grau de constitucionalização", formando a base política e jurídica do sistema
de segurança coletiva gerado pela Carta das Nações Unidas.830
Em paralelo, dentro do sistema de segurança coletiva das Nações Unidas,
o princípio da solidariedade opera tanto em caráter negativo como em caráter e
positivo.
Na sua forma negativa, os Estados concordam em não cometer, aquiescer
ou dar suporte, direta ou indiretamente, a ações ou cursos de conduta que possam
constituir ou resultar em uma ameaça à paz e segurança internacional.831 O Artigo 2º
(4)832 da Carta das Nações Unidas, aduz que a motivação para a proibição do uso da
força por todos os Estados Membros, que deverão evitar em suas relações
internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a
dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com
os Propósitos das Nações Unidas, se fundamenta na solidariedade internacional.833
E em sua manifestação positiva, os Estados Membros das Nações Unidas
acordaram, nos termos da Carta, de colaborarem de múltiplas formas ativas com vista
à resolução de ameaças à paz e segurança internacionais834. Exemplo disso são as
830 Ibid., p. 104-105, apud WELLENS, K. Solidarity as a Constitutional Principle: Its Expanding Role and Inherent Limitations, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds.), Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, 775, at 779 (2005) 831 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. Apud K. Wellens, The UN Security Council and New Threats to the Peace: Back to the Future, in: Journal of Confl ict and Security Law, 15, at 54 (2003) 832 BRASIL, DECRETO Nº 19.841, DE 22 DE OUTUBRO DE 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em 23/01/2017. 833 KOROMA, op. Cit., páginas. 104-105. 834 Ibid., loc. Cit.,
195
obrigações previstas nos enunciados dos artigos 41 e 42835 correspondentes à faceta
mais substantiva da solidariedade no sistema das Nações Unidas.836
Desta forma, o principal objetivo das Nações Unidas, ou seja, a
manutenção da paz e da segurança internacionais deve ser alcançado por meio da
solidariedade tanto em caráter negativo como positivo, segundo os moldes do capítulo
VII da Carta da ONU, que se apresenta, portanto, como um dos meios e modelos para
a institucionalização da solidariedade no direito internacional.837
A Carta das Nações Unidas é o resultado de uma consciência coletiva de
que as guerras geram riscos susceptíveis de afetar todo o planeta,838 e por isso a carta
estabelece um sistema solidário de segurança coletiva onde cada um é o garante da
segurança de todos, e cada um é, simultaneamente, o beneficiário da garantia dada
por todos os outros membros.839 Ora, essa é a característica principal de uma
obrigação solidária, e aí repousa a evidência do princípio da solidariedade
internacional por trás do sistema de segurança coletiva das Nações unidas.840 Este
posicionamento pode ser confirmado pelas obrigações prevista no Artigo 43 e 45 da
835 Ibid., loc. Cit.; Os artigos 41 e 42 da Carta das Nações Unidas tem a seguinte redação: “Artigo 41. O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos , postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas. Artigo 42. No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas.” 836 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 28. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud WELLENS, Karel. Solidarity as a Constitutional Principle: Its Expanding Role and Inherent Limitations. p. 780. In: R. St. J. Macdonald, “The International Community as a Legal Community”, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds), Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, 2005. 837 NEUHOLD, Hanspeter. Common Security: The Litmus Test of International Solidarity. p. 196. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 838 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 241. 839 Ibid., loc. Cit., apud Michel Virally. Panorama du droit international contemporain. RCADI, tome 183, 1983-V. p. 36. 840 Ibid., p. loc. Cit.,
196
Carta841 determinando que em caso de uma ameaça contra a paz, ruptura da paz ou
ato de agressão842 existe a obrigação de colocar à disposição do Conselho de
Segurança e de uma ação coletiva as forças armadas dos Estados Membros.843
Já os Artigos 49 e 50 da Carta das Nações Unidas, representam o lado
processual do dever de solidariedade, refletindo o aspecto positivo concreto da
solidariedade no que tange à segurança coletiva.844 Ambos os artigos compartilham o
objetivo comum de maximizar o potencial de solidariedade no que diz respeito à
manutenção da paz e segurança internacionais.845
Segundo o Artigo 49 “Os Membros das Nações Unidas prestar-se-ão
assistência mútua para a execução das medidas determinadas pelo Conselho de
Segurança”. Esta obrigação de assistência mútua evidencia, portanto, a tangível e
concreta da importância da solidariedade no seio da Carta das Nações Unidas.846
841 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 104-105. 842 DETAIS, op. Cit., p. 241. 843 KOROMA, op. Cit.; Os Artigos 43º e 45º da Carta das nações Unidas tem a seguinte redação: “Artigo 43 (1). Todos os Membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais, se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e de conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais. (2). Tal acordo ou tais acordos determinarão o número e tipo das forças, seu grau de preparação e sua localização geral, bem como a natureza das facilidades e da assistência a serem proporcionadas. (3). O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão concluídos entre o Conselho de Segurança e Membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e grupos de Membros e submetidos à ratificação, pêlos Estados signatários, de conformidade com seus respectivos processos constitucionais.” “Artigo 45º. A fim de habilitar as Nações Unidas a tomarem medidas militares urgentes, os Membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente utilizáveis, contigentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma ação coercitiva internacional. A potência e o grau de preparação desses contingentes, como os planos de ação combinada, serão determinados pelo Conselho de Segurança com a assistência da Comissão de Estado-Maior, dentro dos limites estabelecidos no acordo ou acordos especiais a que se refere o Artigo 43.” 844 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 28. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud WELLENS, Karel. Solidarity as a Constitutional Principle: Its Expanding Role and Inherent Limitations. p. 780. In: R. St. J. Macdonald, “The International Community as a Legal Community”, in: R. St. J. Macdonald/D. M. Johnston (eds), Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, 2005. 845 Ibid., p. 28-29, apud KLEIN, P. “Article 49”, in: J-P. Cot/A. Pellet/M. Forthiau (eds), La Charte des Nations Unies: commentaire article par article, Third Edition, 2005. p. 1303 et seq. 846 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 104-105.
197
Por sua vez, o Artigo 50 determina que nos casos em que forem tomadas
medidas preventivas ou coercitivas contra um Estado pelo Conselho de Segurança,
qualquer outro Estado (Membro ou não das Nações unidas), “que se sinta em
presença de problemas especiais de natureza econômica, resultantes da execução
daquelas medidas, terá o direito de consultar o Conselho de Segurança a respeito da
solução de tais problemas”.
Desse modo, a solidariedade internacional, no contexto da segurança
coletiva, é entendida como a disponibilidade de um Estado para prestar assistência a
outro Estado e aceitar os custos resultantes (onde o grau de solidariedade se reflete
e pode ser medido pelos custos que o autor do ato está pronto para incorrer para a
sua implementação).847 A despeito disso, se examina que os Estados se encontram
cada vez mais propensos a praticar a solidariedade em função do sistema
internacional ultra globalizado vigente onde segurança coletiva está indivisivelmente
relacionado a interdependência política e econômica848.
Dentro deste contexto, Robert Kolb849 faz uma distinção entre "paz
negativa" e "paz positiva": a primeira diz respeito é uma estratégia de curto prazo; ao
passo que a segunda faz parte de uma lógica de longo prazo, na busca de uma paz
duradoura que ataque as causas profundas dos conflitos internacionais, quase
847 NEUHOLD, Hanspeter. Common Security: The Litmus Test of International Solidarity. p. 193-195. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 848 Assim, como já mencionado no início do trabalho, de acordo com Hanspeter Neuhold, a solidariedade não excluiria benefícios indiretos que também possam advir para aqueles que fornecem ajuda de forma unilateral. Assim, a parte que fornece assistência militar ou econômica, nesta situação, pode igualmente se beneficiar indiretamente dela, especialmente em uma perspectiva de médio ou longo prazo, já que o apoio militar também poderia proteger o Estado que oferece a ajuda de não se tornar a próxima vítima do agressor contra quem a ação conjunta é tomada. Os benefícios econômicos podem incluir o desenvolvimento de novos mercados para os produtos e investimentos, etc. NEUHOLD, Hanspeter. Common Security: The Litmus Test of International Solidarity. p. 195. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 849 O Capítulo VII, da Carta das Nações Unidas, segundo este autor, ao que tudo indica não visa apenas para manter a paz ou para restaurá-lo o mais rapidamente possível e um caso concreto, mas sim promover uma paz duradoura. DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 240. Apud Robert Kolb, Ius contra bellum. Le droit international relative au maintien de la paix, Bruylant: Bruxelles, 2003. p. 54
198
sempre ligados à pobreza, desigualdade social, opressão política850, doenças, fome,
analfabetismo, degradação ambiental, conflitos internos, etc.
Tais variáves do flagelo social de grande parte da humanidade, que nutrem
violações sistemáticas dos direitos humanos, colocam qualquer ação de decisão
sobre medidas mais drásticas para a manutenção da paz, na linha de frente com a
obrigação de prever as consequências dessa ação.851 Assim, qualquer medida séria
e responsável de solidariedade no contexto de manutenção da paz implica a
observância do direito internacional ao desenvolvimento, outro elemento essencial
para a evolução do conceito de solidariedade no direito internacional.
3.3.2 Solidariedade e Direito Internacional ao Desenvolvimento
A contribuição da solidariedade para o direito ao desenvolvimento envolve
ferramentas importantes que ajudam a lidar com os desafios impostos pelos novos
arranjos globais, políticos e econômicos, no sentido de humaniza-los, por meio da
ideia de uma comunhão entre Estados, almejando que todos desfrutem de certos bens
e valores comuns, ou seja, possam fruir de direitos relacionados à distribuição
equitativa e equilibrada dos benefícios e bens materiais produzidos (tanto
internacional como nacionalmente), garantindo o desenvolvimento como verdadeiro
exemplo de direito humano de solidariedade.
É fácil perceber por que o direito ao desenvolvimento é classificado por
muitos autores como um típico direito de solidariedade: são direitos que portam
grande inovação aos direitos humanos tradicionais na medida em que aludem à
dimensão coletiva da humanidade, no sentido de que para serem alcançados é
850 Ibid., loc. Cit., apud Robert Kolb, Ius contra bellum. Le droit international relative au maintien de la paix, Bruylant: Bruxelles, 2003. p. 52. 851 SLAUGHTER, Anne-Marie. Security, Solidarity, and Sovereignty: The Grand Themes of UN Reform. In: DAWS, Sam; SAMARASINGHE, Natalie. (editores). THE UNITED NATIONS: A UN for the 21 st Century. Volume IV, SAGE Publications: Los Angeles/London/New Delhi/Singapore/Washington DC/Boston: 2015.
199
imprescindível haver uma conjugação de esforços entre vários atores,
governamentais e não governamentais, sociedades, corporações e a comunidade
internacional.852 Em outros termos, “o direito ao desenvolvimento demanda uma
globalização ética e solidária”.853
Cabe lembrar, que solidariedade requer uma compreensão e aceitação por
todos os membros da comunidade de conscientemente conceberem seus próprios
interesses como sendo indissociáveis dos interesses de todos os demais. Desta
maneira, nenhum Estado pode optar por exercer a sua soberania de uma forma que
ameaçe gravemente a integridade do resto da comunidade internacional. Tal princípio
tem um impacto óbvio na lei econômica: os Estados maiores e mais poderosos (países
desenvolvidos), exportadores de capital, não poderiam colocar os seus próprios
interesses em primeiro lugar de modo a interferir significativamente com os interesses
e vulnerabilidades dos países menores ou mais pobres (países subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento).854
Coerentemente a esta visão, o direito internacional ao desenvolvimento
teve seu surgimento em grande parte inspirado por uma concepção solidária de justiça
aplicada às relações internacionais que, aos poucos, foi se transformando em
propósito de ordem social e vem forçando mudanças significativas nas relações
econômicas e comerciais entre os Estados, qualificando-se como exemplo próspero
de um direito de solidariedade, principalmente, devido suas direitas e fortes conexões
com os direitos humanos, o direito ambiental e o direito humanitário, direcionando a
finalidade do desenvolvimento econômico e comercial para o progresso social e o
bem-estar coletivo da humanidade, em respeito à dignidade humana.855
852 FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DO ENCONTRO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO. p. 139-170. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). – Curitiba: Appris, 2013. p. 157-159. 853 PIOVESAN, Flávia. DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS DA ORDEM INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA. p. 20. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.) Direitos Humanos. 1ª ed. 4ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2011. 854 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 855 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 48 apud M. VIRALLY, L’organisation mondiale, A. Colin, Paris, 1972. p. 314.
200
Vários importantes documentos internacionais evidenciam uma vontade de
estabelecer um novo sistema de desenvolvimento econômico e comercial informado
pelo princípio da solidariedade856. Por exemplo, a Carta das Nações Unidas no Artigo
55857 apresenta a dialética da paz através do direito ao desenvolvimento858; o mesmo
se averigua no contexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos; os Pactos de
1966 (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos) no Artigo 1º (1), comum a ambos os pactos,
afirmam que em virtude do direito de autodeterminação, todos os povos "perseguem
livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural"859, mas o direito ao
desenvolvimento impõe deveres aos Estados e aos indivíduos; o mesmo impulso é
observado na “Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às
relações amistosas e de cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta
das Nações Unidas”; um expressão de solidariedade positiva860 está presente na
Resolução nº 2626 da Assembleia Geral de 24 de outubro de 1970, “Declaração da
Nova Ordem Econômica Internacional – NOEI”; uma noção de solidariedade negativa
presente no GATT, sendo ainda mais evidente no regime da OMC861; também se
observa uma abordagem solidária do desenvolvimento na “Carta dos Direitos e
Deveres Econômicos dos Estados”862 e na Declaração do Milênio.
856 MACDONALD, op. Cit., 857 Artigo 55º. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião. 858 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 243. 859 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 645. 860 Segundo a qual todos os países desenvolvidos devem contribuír com um mínimo de 0,7 por cento do seu produto interno bruto em assistência oficial ao desenvolvimento. 861 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117. 862 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 63-64. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010.
201
Além disso, mesmo que nem todos os documentos e acordos
internacionais mencionem expressamente, certamente a maioria reflete o princípio de
solidariedade quando se trata do direito ao desenvolvimento.863
Afinal, a arquitetura da solidariedade internacional no que tange ao
desenvolvimento comercial e econômico, também, está, emaranhada em uma rede
de instituições internacionais de desenvolvimento através das qual acordos e ajudas
fluem, tais como as agências das Nações Unidas, nomeadamente o PNUD, o FMI e o
Banco Mundial que fornecem ajuda ao desenvolvimento e suporte, com base em
normas legais internacionais e orientações políticas que, de alguma forma,
representam mecanismos de solidariedade internacional institucionalizada.864
Assim, A noção de solidariedade é uma força motriz fundamental do direito
internacional ao desenvolvimento e da nova ordem econômica internacional, que se
evidencia no compromisso de solidariedade positiva, por parte dos Estados
desenvolvidos de contribuir com 0,7 por cento do seu produto interno bruto em
assistência oficial ao desenvolvimento; posto em termos concretos através de
Resolução da Assembleia Geral 2626 de 24 de outubro de 1970.865
Segundo Kimminich, a Declaração sobre o Estabelecimento de uma Nova
Ordem Econômica Internacional – NOEI (A / RES / 3202-3203) de 1 de maio de
1974)866, é ponto de virada, onde o individualismo estatal foi substituído pelo princípio
da solidariedade internacional.867
Com base na Declaração da NOEI podemos afirmar que o direito ao
desenvolvimento se tornou um dos exemplos mais plausíveis de um direito de
solidariedade, preenchendo as três características anunciadas por Karel Vasak como
863 DANN, op. Cit., loc. Cit., 864 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 84-85 865 UNITED NATIONS, GA Res. 2626 of 24 October 1970, parágrafo. 43. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/348/91/IMG/NR034891.pdf?OpenElement>. Acesso em 17/06/2016. 866 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 63-64. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 867 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Capítulo LXXIII - Direito Internacional Econômico. In Curso de Direito Internacional Público, Vol. II. p. 1692.
202
essenciais a qualquer direito solidariedade: impõe uma obrigação coletiva, em função
da interdependência; tais obrigações não são impostas apenas aos Estados, mas
também os seres humanos individuais868(Vasak insistia que os direitos de
solidariedade deveriam exigir o esforço de todos os atores na cena social); e por fim,
pressupõe um direito tanto dos indivíduos, como de grupos e dos povos.869
A Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados (A / RES / 3281 de
2 de dezembro 1974), em seu preâmbulo, chama para o estabelecimento de uma nova
ordem econômica internacional baseada na equidade, igualdade soberana,
interdependência e interesses comuns, como elementos essenciais da NOEI, para a
“promoção da justiça social internacional".
A referência mais forte ao princípio da solidariedade é encontrada no Artigo
18 daquela, ao se afirmar que na condução das relações econômicas internacionais,
os países desenvolvidos devem envidar esforços para evitar medidas que tenham um
efeito negativo sobre o desenvolvimento das economias nacionais dos países em
desenvolvimento, promovida pelas preferências generalizadas e outras medidas
diferenciais geralmente aceites em seu favor. Tal conteúdo é repetido, e formulado
como uma obrigação legal, no artigo 24 da Carta.870 A Carta, também, prevê em seu
Artigo 19º que "os países desenvolvidos devem conceder um tratamento preferencial,
não recíproco e não discriminatório generalizado aos países em desenvolvimento”.
Neste mesmo caminho, a Declaração de Seul de 1986, tentou estabular os
aspectos legais do NOEI, descrevendo a solidariedade como um princípio que,
embora careça de um reconhecimento mais generalizado, reflete a crescente
868 Os dois Pactos de 1966 confirmariam esse caracteristica. 869 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 645-646. 870 O princípio da solidariedade também se encontra subjacente ao artigo 3º da Carta, que estipula que, na exploração dos recursos naturais compartilhados por dois ou mais países, cada estado deve cooperar com base em um sistema de informação e de consulta prévia, a fim de conseguir uma utilização óptima dos tais recursos, sem prejuízo para os interesses legítimos de terceiros. Artigo 6 sublinha o dever dos Estados de contribuir para o desenvolvimento do comércio internacional, tendo em conta os interesses dos produtores e dos consumidores. De acordo com esse artigo, todos os estados partilham a responsabilidade de promover o fluxo regular de e acesso a todos os bens comerciais negociados a preços estáveis, remuneradores e equitativos e, assim, contribuir para o desenvolvimento equitativo da economia mundial, e leva em conta, em particular o desenvolvimento de interesses dos municípios. Os artigos 7, 8 e 9 referem-se às obrigações dos Estados para promover os direitos sociais, econômicos e culturais, para iniciar mudanças estruturais no sistema econômico internacional e cooperar no progresso social do mundo.
203
interdependência das políticas econômicas de desenvolvimento, no reconhecimento
de que os Estados devem ser responsáveis pelos efeitos externos das suas políticas
econômicas, por meio da consciência de que o subdesenvolvimento, ou
desenvolvimento errôneo das economias nacionais, também é prejudicial às outras
nações e põe em perigo a manutenção da paz.871
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (1947) – GATT, também oferece
um terreno fértil ao princípio da solidariedade, apesar de conter um conflito entre o
conceito de solidariedade com base na igualdade e outro com base na preferência,
como observa segundo R. St. J. Macdonald. A celeuma se apresenta em virtude de
três originais princípios informativos do Acordo Geral (liberdade, igualdade jurídica e
reciprocidade) terem, com o advento da NOEI, sofrido com as várias alterações feitas
nos artigos originais do sistema GATT com a finalidade de torná-lo mais atraente para
os países em desenvolvimento; de modo que o resultado é um documento que agora
se apresenta como um híbrido dos princípios clássicos do comércio internacional e os
princípios mais recentes do NOEI (como a proteção dos interesses econômicos dos
países menos desenvolvidos, tratamento preferencial e não reciprocidade).872
A introdução de tratamento preferencial e a não reciprocidade teve o efeito
esperado de atrair mais signatários entre os países menos desenvolvidos, mas não
diminuiu significativamente os efeitos do comércio liberal, o que parece indicar que
tais modificações do GATT, promulgadoras do princípio da solidariedade, não tiveram
871 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 872 Por exemplo, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) foi alterado em 1971, uma renúncia geral foi aprovada permitindo a países em desenvolvimento a aplicação do Sistema Generalizado de Preferências proporcionando-lhes preferências comerciais em uma base não recíproca. KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117. Apud General Agreement on Tariff s and Trade, Basic Instruments and Selected Documents, 18th Supp., 25 (1970/1971) E em 1979 as partes contratantes do GATT votou por unanimidade que os países em desenvolvimento devem ser sempre permitido tais preferências comerciais no âmbito do Sistema Geral de Preferências fosse estendida. Ibid., p. 113-117. Apud W. Verwey, Th e principle of solidarity as a legal cornerstone of a new international economic order, 12 North-South dialogue: a new international economic order. p. 495-496. (1982)
204
o sucesso esperado, sendo atualmente bastante sugerido que o conceito de
solidariedade como tratamento diferenciado e preferencial precisa ser repensado.873
A solidariedade também está presente no âmbito da Organização Mundial
do Comércio (OMC), já que seu acordo constitutivo, prevê uma Comissão Especial de
Comércio e Desenvolvimento designada no âmbito da sua Conferência Ministerial
para fornecer um fórum aos países em desenvolvimento no qual eles possam
monitorar os efeitos dos acordos da Rodada Uruguai sobre o seu desenvolvimento,
bem como para buscar medidas de execução e alterações no sistema para garantir
que suas necessidades não sejam negligenciadas.874
Mais ainda, no sistema da OMC, o fundamento de vários875 acordos levam
em conta o princípio da solidariedade tanto associado às necessidades dos países
em desenvolvimento, como também, no que concerne a promover os objetivos da
comunidade, ou seja, a melhoria do desenvolvimento econômico mundial; pontuando
873 Além do que, os países em desenvolvimento têm duas vantagens principais que não decorrem de um tratamento mais excepcional ou diferenciado, mas da aplicação efetiva dos princípios do GATT: Primeiro, a regulamentação restritiva do comércio de têxteis serão eliminadas. Em segundo lugar, o procedimento de resolução de litígios foi melhorado, o que é importante, dado que os países em desenvolvimento geralmente não estão em condições de utilizar a pressão econômica para coagir violadores das regras do GATT para cumprir as suas obrigações. MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 874 Ibid., loc. Cit., 875 Em 2010, o Secretariado da OMC identificou um total de 148 disposições dos acordos da OMC e 16 decisões que previam um regime especial e diferencial a favor do desenvolvimento e/ou dos países menos desenvolvidos, e distinguiu seis tipos de tais disposições: disposições para aumentar as oportunidades de comércio dos países membros em desenvolvimento; disposições segundo as quais os membros devem proteger os interesses dos países membros em desenvolvimento; disposições que prevêem a flexibilidade dos compromissos, de ação, e da utilização de instrumentos de política; disposições relativas à países menos desenvolvidos membros; períodos de transição; e, por fim, a assistência técnica. HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 59-62. Apud WTO Secretariat, Special and Differential Treatment Provisions in WTO Agreements and Decisions, TN/CTD/W/33 of 8 June 2010, paras 2–5. Na área da agricultura, medidas prevêm que os países em desenvolvimento estão a conceder tratamento diferenciado nos acordos relativos a créditos de exportação agrícola. Na área da propriedade intelectual, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio afirma que os direitos de propriedade intelectual deve ser "favorável ao bem-estar social e econômico" e prevê que os membros podem "adotar medidas necessárias para proteger a saúde pública e nutrição e para promover o interesse público em setores de importância vital para o seu desenvolvimento socio-econômico e tecnológico". Além disso, os países em desenvolvimento são dadas aumento do tempo de cumprir o acordo sob a forma de "períodos de transição". KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117.
205
que em qualquer caso o desenvolvimento deve ser, antes de tudo, interesse do próprio
país em desenvolvimento.876
Entretanto, o elemento significativo da representação da solidariedade
internacional dentro da OMC é o tratamento mais favorável do "Sistema Generalizado
de Preferências" (SGP), ou seja, o tratamento tarifário preferencial concedido pelos
países desenvolvidos aos produtos originários dos países em desenvolvimento. Sob
este regime, os países desenvolvidos podem (mas não são obrigados) impor tarifas
mais baixas do que a taxa aplicável a outros membros da OMC para os produtos
oriundos de países membros em desenvolvimento.877
Outra disposição importante dentro dos acordos da OMC que também
expressa o princípio da solidariedade no regime de comércio mundial878, está
expressa no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) que nas suas
"obrigações gerais" (Parte II do GATS) contêm disposição obrigatória a todos os
Estados Membros relativo ao conceito de “nação mais favorecida” (NMF).879 A
cláusula da nação mais favorecida é uma expressão permanente de solidariedade ao
nível das regras primárias, enquanto tratamento especial e diferenciado, concedido
aos países em desenvolvimento pelos membros desenvolvidos da OMC.880
Entretanto, se é possível dizer que a OMC é um motor para a criação de bem estar
global baseado em alguma solidariedade, também é correto afirmar que a organização
ainda confronta questões relevantes sobre a distribuição equitativa de seus
benefícios.881
A dinâmica do princípio da solidariedade nos instrumentos até aqui
discutidos demonstra que ele, dentro do contexto econômico e comercial, foi
876 HESTERMEYER, op. Cit.,p. 57- 59. 877 Ibid., p. 59-62. 878 KOROMA, op. Cit., p. 113-117. 879 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 880 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117. 881 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 21. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud TRACHTMAN, J. “The Constitution of the WTO”, EJIL 17 (2006). p. 641
206
concebido como uma obrigação por parte dos países desenvolvidos para com os
países em desenvolvimento. Argumenta-se, entretanto, que esta dinâmica foi
concebida com um erro substancial: a “obrigação unilateral de solidariedade” dos
países desenvolvidos direcionadas aos países em desenvolvimento tornou
indesejável que qualquer Estado desenvolvido, voluntariamente, viesse a querer
reconhecer uma obrigação legal geral de “um tratamento preferencial”.882
Tal fato influenciou a Declaração sobre a Cooperação Econômica
Internacional, em particular a Revitalização do Crescimento Econômico e do
Desenvolvimento dos Países em Desenvolvimento883, de 01 de maio 1990, que adota
uma abordagem diferente para as relações entre os países desenvolvidos e os
desenvolvimento, com foco nos direitos humanos e na proteção do meio ambiente, e
em veemente oposição às reivindicações unilaterais dos países em desenvolvimento.
A Declaração marca o reconhecimento, por parte dos Estados, de que
todos devem compartilhar a responsabilidade pelo bem-estar global. Esta é uma
afirmação importante baseada no conceito de obrigações erga omnes: as
reivindicações unilaterais dos países menos desenvolvidos foram temperadas pelo
reconhecimento de que eles, também, têm compromissos com a comunidade
internacional, bem como para o seu próprio desenvolvimento econômico.884
Em consequência, a Declaração indica que a solidariedade deve criar um
contexto em que os Estados reconhecem que eles têm obrigações para com a paz, a
prosperidade, a cultural e o meio ambiente da comunidade global. De acordo com
isso, em teoria, a solidariedade se estende para além das obrigações dos Estados
desenvolvidos para o bem-estar dos Estados em desenvolvimento, devendo ser
882 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 883 UNITED NATIONS, Declaration on International Economic Cooperation, in particular the Revitalization of Economic Growth and Development of the Developing Countries. A/RES/S-18/3. Disponível em: <http://www.un-documents.net/s18r3.htm>. Acesso em 21/07/2015. 884 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016.
207
concebida como o ímpeto genuíno por trás do esforço de todos os Estados na
concretização de fins solidários universais.885
Em seu estudo sobre o princípio da solidariedade no direito econômico
internacional, Raimund Schultz886, segundo R. St. J. Macdonald, identifica uma série
de reivindicações relacionadas com a ideia de solidariedade, tais como assistência
financeira, transferência de tecnologia, tratamento preferencial, não-reciprocidade e
receitas de exportação estável. Uma das conclusões centrais de seu trabalho é que a
prática do Estado e as práticas das organizações internacionais reconheceram
"direitos de solidariedade" apenas em situações em que existem obrigações de ambas
as partes.
De qualquer forma, o tipo de reciprocidade envolvido nesse ato nem
sempre implica obrigações iguais; em vez disso, a relação é entendida num sentido
mais amplo, a exibir um equilíbrio de interesses de longo prazo entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Embora seja evidente que os
Estados mais ricos estarão em uma posição mais favorável para oferecer assistência
aos estados mais pobres, isso não retira dos países em desenvolvimento as
correspondentes obrigações para com a comunidade internacional ou aos seus
próprios nacionais, em razão de uma economia baseada na interdependência global.
A palavra-chave para a solidariedade no direito ao desenvolvimento parece ser aquela
já preconizada muito antes por Vattel: assistência mútua887. Desta feita, como se
formula na Declaração sobre a cooperação econômica internacional de revitalização
do crescimento econômico e do desenvolvimento dos países em desenvolvimento,
885 Solidariedade, em suma, vai além de "nivelar o campo de jogo"; aplica-se a si mesmo para as regras do jogo. Recordando as palavras de Cingapura de 1990 na Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, a solidariedade muda as regras do jogo de soma zero "Para ganhar, alguém tem que perder", para "Ninguém ganha a não ser que todos ganhem." Ibid., páginas. 263-282. 886 Ibid., páginas. 263-282 apud SCHUTZ, Raimund. SOLIDARIAT IM WIRTSCHAFTSVOLKERRECHT, EINE BESTANDSAUFNAHME ZENTRALER ENTWICKLUNGSSPEZIFISCHER SOLIDARRECHTE UND SOLIDARPFLICHTEN IM VOLKERRECHT, 26 (1994). 887 A Declaração de Paris, aprovada em 2005 pela OCDE-CAD, contém 56 compromissos de parceria, onde mais de 100 países desenvolvidos e em desenvolvimento concordaram em mudar a maneira como fazem negócios e concordaram em unir esforços para melhorar a qualidade da ajuda mútua e seu impacto no desenvolvimento dos países, além de estabelecer indicadores de desempenho para avaliar o progresso por meio de um sistema de monitoramento internacional para garantir que os doadores e receptores são mutuamente responsáveis pelo resultado do desenvolvimento. OCDE. (2005), Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento (2005). Disponível em: <https://www.oecd.org/dac/effectiveness/38604403.pdf>. Acesso em 24/01/2017.
208
até se permite diferença na forma como os Estados cumprem as suas obrigações,
mas isso não afasta a obrigação de que todos os Estados no dever de colaborar para
os fins solidários que o desenvolvimento impõe888, posto que a solidariedade não pode
criar um estado de bem-estar global apenas se fundamentando em uma obrigação
equilibrada no tratamento preferencial aos países em desenvolvimento.889
A Declaração do Milênio890 é outro documento internacional que guarda
relação estreita entre o direito ao desenvolvimento e solidariedade. Ela foi adotada
por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2000 e
estabelece os valores e princípios da comunidade mundial.891
Cumpre pontuar que no parágrafo 6º da Declaração do Milênio, pela
primeira vez "solidariedade" foi além de mencionada, conceitualmente definida
internacionalmente, sendo apontada como um dos valores fundamentais essenciais
para as relações internacionais no século XXI892, nos seguintes termos: “A
solidariedade: Os problemas mundiais devem ser enfrentados de modo a que os
custos e as responsabilidades sejam distribuídos com justiça, de acordo com os
princípios fundamentais da equidade e da justiça social. Os que sofrem, ou os que
beneficiam menos, merecem a ajuda dos que beneficiam mais. ”893
888 Solidariedade, em suma, vai além de "nivelar o campo de jogo"; aplica-se a si mesmo para as regras do jogo. Recordando as palavras de Cingapura de 1990 na Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas, a solidariedade muda as regras do jogo de soma zero "Para ganhar, alguém tem que perder", para "Ninguém ganha a não ser que todos ganhem." Ibid., páginas. 263-282. 889 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016; SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 64. 890 ONU. (2000), United Nations Millennium Declaration, Resolution adopted by the General Assembly on September 2000, UN Doc: A/RES/55/2. Disponível em: <https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdf>. Acesso em 24/05/2015. 891 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. p. 63-64. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 892 DANN, Philipp. Solidarity and the Law of Development Cooperation. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 64. 893 ONU. (2000), United Nations Millennium Declaration, Resolution adopted by the General Assembly on September 2000, UN Doc: A/RES/55/2. Disponível em: <https://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdf>. Acesso em 24/05/2015.
209
Assim, a declaração vê o princípio da solidariedade, no sentido da justiça
distributiva894, apontando para o que é atualmente considerada a essência da
solidariedade internacional: assistência baseada na parceria mútua, prática moderna
do direito ao desenvolvimento; afastando a prática benevolente da simples caridade
interestatal.895
Nestes termos, a Declaração do Milênio contextualiza solidariedade com
equidade e justiça social, ou seja, um pré-requisito para a justiça e ao mesmo tempo
uma consequência desta. Por último, mas não menos importante, a solidariedade é
vista como uma lógica por trás de prevenção de riscos à comunidade humana.896
Tal ideal também se confirma pela consolidação cada vez maior do
conceito de comunidade internacional e de seus princípios normativos fundamentais
(como por exemplo o de normas jus cogens e obrigações erga omnes897), orientadores
de papel paradigmático desempenhado pela solidariedade, em associação aos
interesses mundiais no direito internacional898.
Para além disso, a Declaração do Milênio vem ajudando a redescobrir os
alicerces éticos899 do direito internacional público, por se a solidariedade um princípio
baseado em valores900 internacionais que atentam para o fato de que “qualquer perigo
894 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 113-117. 895 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 81. 896 Ibid., p. 74 Não é nada, mas "uma forma de racionalizar respostas coletivas para uma gama de novas ameaças". Ibid., loc. Cit., apud Th. Konstantinides, Civil protection in Europe and the Lisbon “solidarity clause”. A genuine legal concept or a paper exercise, Uppsala Faculty of law Working Paper n. 3, 2011, p.7. 897 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 9. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud A. Bianchi, “Human Rights and the Magic of Jus Cogens”, EJIL 19 (2008), 491 et seq. (495) 898 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 9. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010, apud De la Rasilla del Moral, I. “Nihil Novum Sub Sole since the South West Africa Cases? On ius standi, the ICJ and Community Interests”, ICLR 10 (2008), 171 et seq. (182). 899 Ibid., p. 5. apud E. de Wet, “The emergence of International and Regional Value Systems as a manifestation of the emerging International Constitutional Order”, LJIL 19 (2006), 491 et seq.(495). 900 Ibid., loc. Cit., apud A. Peters, Compensatoty Constitutionalism: The Function and Potential of Fundamental International Normas and Structures, Leiden Journal of International Law 19 (2006), pp. 579-601.
210
que seja compartilhado por todos membros da sociedade internacional é moralmente
coercitivo, mesmo que ainda não esteja presente em termos materiais para todos os
Estados”.901
A Resolução da Assembleia Geral nº 59/193 sobre a "Promoção de uma
ordem internacional democrática e equitativa", adotada em 20 de Dezembro de 2004,
afirma que uma ordem internacional democrática e equitativa exige a realização da
solidariedade, como um valor fundamental, em virtude do qual os desafios globais
devem ser geridos de forma a distribuir os custos e encargos adequadamente, em
conformidade com os princípios básicos de equidade e justiça social, garantindo
àqueles que sofrem mais e/ou se beneficiam menos a receber ajuda daqueles mais
beneficiados.902
Assim, hoje em dia, a solidariedade internacional, no contexto do direito
internacional ao desenvolvimento, acentua a necessidade de se prevenir, reconhecer
e corrigir as vulnerabilidades sociais criadas pelas estruturas das relações
internacionais e do capitalismo global.903 Ou seja, o direito internacional ao
desenvolvimento, reconhecido como um direito humano à solidariedade, deve ser um
direito social incansavelmente responsável, pois os desafios atuais da globalização
são constantes e mutantes o que faz necessário rever assiduamente as
vulnerabilidades sociais criadas para, portanto, repensar e modificar o direito
constituído.904
Esse reflexão também é importante para teorizar um Estado de Direito
solidário nas relações internacionais, que garanta que os Estados não sejam
prejudicados em sua capacidade de participar igualmente na democracia global em
função de vulnerabilidades estruturalmente provocadas pelas relações econômicas e
901 MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 227. Apud WALZER, Michael. Guerras justas e injustas: uma argumentação moral com exemplos históricos. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 404. 902 ONU. (2005), Onu doc. A/RES/59/193. Promotion of a democratic and equitable international order. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/59/193>. Acesso em 24/05/2016. 903 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 64. 904 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES
VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 65.
211
comerciais globais (a dizer, pelas amarras políticas reais), no desejo de se conceber
um sistema democrático global de desenvolvimento que equilibre a polarização do
poder político dos Estados mais ricos e poderosos na tomada de decisões políticas
que afetam toda a humanidade.905
Em suma, é evidente que há um longo caminho a percorrer até que
possamos reconhecer que o sistema econômico internacional incorporou o princípio
da solidariedade em um sentido real e abrangente, principalmente quando o
desenvolvimento deve remeter a uma solidariedade transversal, atrelada à idéia de
desenvolvimento sustentável906 e sua difícil conciliação com os interesses estatais
diversos, que chama atenção para outras áreas do direito, como o direito ambiental
internacional907.
3.3.3 Solidariedade e Direito Ambiental Internacional
Em direito ambiental internacional, responsabilidade mútua e equidade
intergeracional (que são os elementos fundamentais da noção de desenvolvimento
sustentável) guiam os mecanismos para o discernimento do princípio da
solidariedade908, por evocarem responsabilidade sólida e de longo termo com a
905 Ibid., loc. Cit., 906 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 245. 907 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 908 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 4. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. No seu modo de procedimento, o foco da solidariedade principle's é sobre as regras secundárias. responsabilidades diferenciadas foram encontrados para existir em ambiental internacional e do direito do comércio internacional. Ibid., p. 5.
212
obrigação incondicional e inescusável de todos em preservar a existência da
humanidade sobre a Terra.909
Vemos o despontar da consciência de uma responsabilidade com o
planeta, a ponto de a Corte Penal internacional hoje defender a existência do
“ecocídio” (crime contra a humanidade oriundo de graves crimes contra o meio
ambiente), em solidariedade para com o futuro de tudo e de todos, a exigir uma
cidadania ecológica que pressuponha deveres e direitos inéditos, em seu mais
verdadeiro impulso global.910
Ora, é fato de que as questões econômicas e ambientais estão
estreitamente interligadas, criando obrigações de solidariedade que recai sobre todos:
indivíduos, Estados, organizações internacionais,911 organizações não
governamentais, empresas públicas e privadas.
Assim, por meio do direito ambiental internacional, conseguimos ter acesso
a um conceito de solidariedade com objetivos mutualistas mais claramente fortes,
articulados e aceitos. Representa, portanto, o entendimento entre iguais que
formalmente se abstém (solidariedade negativa) de ações que possam interferir
significativamente na preservação do meio ambiente912, transformando a
solidariedade no corolário de um sistema internacional de proteção ambiental,
coordenado pelo interesse de todos; já que tanto a proteção como os danos ao meio
ambiente não obedecem a fronteiras artificiais.913
O desenvolvimento histórico do direito ambiental internacional evidencia
um crescimento acentuado no reconhecimento e aplicação do conceito de
909 LIPOVETSKY, Gilles (1944). A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor
dos novos tempos democráticos. Tradução Armando Braio Ara. Barueri, SP: Manole, 2005. pp. 192-195. 910 Ibid., loc. Cit., 911 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 912 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 913 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110.
213
solidariedade, seguindo o mesmo caminho composto em outras áreas do direito:
primeiro de obrigações negativas que, cada vez mais, se inclinam para
responsabilidades que forçam obrigações positivas.914
A Declaração de Estocolmo915 da Conferência das Nações Unidas sobre o
Ambiente Humano, de 16 de junho de 1972, representa o marco inicial na
conscientização política internacional direcionada ao meio ambiente, em clara
manifestação de que o direito internacional público da cooperação e solidariedade
substituía o direito internacional público da coexistência916, reconhecendo a inter-
relação do desenvolvimento econômico e ambiental; especificando as maneiras em
que a assistência deve ser dada aos países em desenvolvimento.
No Princípio 1º da Declaração se lê que o homem tem o direito fundamental
a desfrutar de condições de vida digna em um meio ambiente de qualidade suficiente,
ao mesmo em que tem a obrigação de proteger e melhorar este mesmo meio ambiente
para as gerações contemporâneas e futuras.917
Na mesma trilha, o Princípio 9º afirma que as deficiências do meio ambiente
provenientes de condições associadas ao subdesenvolvimento e os desastres
naturais representam graves problemas que devem ser sanados pelo
desenvolvimento acelerado, por meio da transferência de assistência financeira e
tecnológica em quantidades suficientes para que possam complementar os esforços
internos dos países em desenvolvimento e ajuda-los quando oportunamente
requererem.918
Posicionamento reafirmado pelo Princípio 12 da Declaração que salienta a
importância dos recursos destinados à preservação e aprimoramento do meio
ambiente, referente às circunstâncias e necessidades singulares dos países em
914 Ibid., loc. Cit., 915 ONU, (1972). DECLARATION OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON THE HUMAN ENVIRONMENT, Stockholm from 5 to 16 June 1972. Disponível em: <http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf>. Acesso em 21/09/2015. 916 MACDONALD, op. Cit., 917 ONU, (1972). DECLARATION OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON THE HUMAN ENVIRONMENT, op. Cit., 918 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016.
214
desenvolvimento, inclusive aqueles direcionados a gastos oriundos da inclusão de
medidas de conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem
como a necessidade de oferecer, quando solicitado, maior assistência técnica e
financeira internacional com esta finalidade.919
Demonstrando que desde o início a legislação internacional foi marcada
pela preocupação com objetivos comuns e consideração pelos Estados vizinhos920. O
Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, por exemplo, prevê que, em conformidade
com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, o direito
soberano dos Estados de explorar seus recursos naturais e aplicar sua política
ambiental autônoma dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, se condicionam à
obrigação maior de não prejudicar o meio ambiente de outros Estados ou de zonas
situadas fora da sua jurisdição.921 Este é claramente um conceito negativo de
solidariedade: os Estados devem evitar ações que que causem danos ao meio
ambiente, não só para si, mas também para os seus vizinhos.922
Em complemento a este direcionamento, o Princípio 22 determina que os
Estados devem cooperar para a continuidade do desenvolvimento do direito
internacional, no que concerne à responsabilidade e à indenização às vítimas da
poluição e de outros danos ambientais que as atividades tomadas dentro da jurisdição
de um Estado, ou sob o seu controle, causem a outros em zonas fora de sua
jurisdição.923
919 ONU, (1972). DECLARATION OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON THE HUMAN ENVIRONMENT, Stockholm from 5 to 16 June 1972. Disponível em: <http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf>. Acesso em 21/09/2015. 920 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53. 921 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110. Apud Stockholm Declaration on the Human Environment, document A/Conf. 48/14 (1972), Principle 21. 922 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113. 923 ONU, (1972). DECLARATION OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON THE HUMAN ENVIRONMENT, Stockholm from 5 to 16 June 1972. Disponível em: <http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf>. Acesso em 21/09/2015.
215
A responsabilização internacional dos Estados por danos ambientais
transfronteiriços, presente nos enunciados dos Princípios 21 e 22 da Declaração de
Estocolmo, demonstra direta influência do paradigmático “Trail Smelter Case”924, lide
internacional que teve início em função da poluição atmosférica e das águas limítrofes
entre Estados Unidos e Canadá.
A querela teve início quando o Governo dos Estados Unidos abriu processo
contra o Governo do Canadá, em virtude de poluição ambiental que se estendia por
áreas do território estadunidense, mais especificamente o estado de Washington,
causada por empresa Canadense (Consolidated Mining And Smelting Co. of Canada).
Como resultado, na sentença arbitral do caso, concluiu-se que nenhum Estado tem o
direito de usar ou permitir o uso de seu território, de tal forma a causar danos por
fumaça no território de outros Estados ou nas propriedades das pessoas que naquele
se encontrem, sendo tal caso de grave consequência e prejuízo.925
Quanto à real possibilidade de aplicação nos países em desenvolvimento
das leis ambientais válidas em países desenvolvidos, o Princípio 23 da Declaração de
Estocolmo observa solidariamente, que sem prejuízo dos critérios de consenso da
comunidade internacional e das normas que deverão ser definidas a nível nacional,
deve-se considerar os sistemas de valores predominantes em cada país, bem como
a aplicabilidade de normas que, “embora válidas para os países mais avançados,
possam ser inadequadas e de alto custo social para países em desenvolvimento”.926
A Organização para a Cooperação e Princípios de Desenvolvimento
(OCDE) anunciou em 11 de Maio de 1976, a Recomendação do Conselho sobre
Igualdade de Acesso em Matéria de Poluição Transfronteiriça927, conhecida como
924 ONU, (2006). REPORTS OF INTERNATIONAL ARBITRAL AWARD: Trail Smelter Case (United States, Canada). Decision of 11 March 1941. Disponível em: <http://legal.un.org/riaa/cases/vol_III/1905-1982.pdf>. Acesso em 24/01/2017. 925 KOROMA, op. Cit., p. 110. apud Trail Smelter Case (United States v Canada), Decision of 11 March 1941, 3 RIAA. 1938, at 1965.; ONU, (2006). REPORTS OF INTERNATIONAL ARBITRAL AWARD: Trail Smelter Case (United States, Canada), op. Cit., 926 ONU, (1972). DECLARATION OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON THE HUMAN ENVIRONMENT, Stockholm from 5 to 16 June 1972. Disponível em: <http://www.un-documents.net/aconf48-14r1.pdf>. Acesso em 21/09/2015. 927 OCDE,(1976). Recommendation of the Council on Equal Right of Access in Relation to Transfrontier Pollution. 11 May 1976 - C(76)55/FINAL. Disponível em: <http://acts.oecd.org/Instruments/ShowInstrumentView.aspx?InstrumentID=13&InstrumentPID=11&Lang=en>. Acesso em 24/01/2016.
216
Princípios sobre a Poluição Transfronteiriça928, que afirma em seu preâmbulo a
responsabilidade dos Governos dos Estados-Membros: "cooperarão na resolução dos
problemas de poluição Transfronteiriça num espírito de solidariedade e com a
intenção de continuar a desenvolver o direito internacional neste domínio".929
Este documento internacional demostra que a Declaração de Estocolmo
despertou o interesse dos países pela causa da poluição transfronteiriça, induzindo-
os a trabalhar mais estreitamente em solidariedade internacional para uma ação
articulada com objetivo de prevenir e controlar este tipo de poluição. Em função disso,
tem sido sugerido que os princípios ambientais de solidariedade da Declaração de
Estocolmo e do documento da OCDE são indicativos de costume no direito
internacional.930
A Carta Mundial da Natureza931, adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 28 de outubro de 1982, é outro instrumento internacional
importante para uma compreensão do espírito de solidariedade no direito ambiental
internacional, porque a interpretação de seus artigos faz reconhecer a necessidade
da cooperação e da solidariedade internacional na busca de medidas adequadas a
nível nacional e internacional para a proteção do meio ambiente.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar932, celebrada em
Montego Bay em 10 de dezembro de 1982, acentuou a carga de solidariedade que
deve reger as relações entre os Estados, no que se refere à preservação e uso do
meio ambiente.
928 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53. 929 OCDE,(1976). Recommendation of the Council on Equal Right of Access in Relation to Transfrontier Pollution, op. Cit., 930 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 931 ONU, (1982). G.A. Res. 37/7 (Annex) UN. Doc. A/37/51 (1982). World Charter for Nature. Disponível em:<http://www.un.org/documents/ga/res/37/a37r007.htm>. Acesso em 14/04/2016. 932 BRASIL, DECRETO Nº 99.165, DE 12 DE MARÇO DE 1990. Promulgou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 25/04/2016.
217
A Convenção esclarece em seu Preâmbulo que os Estados estão
conscientes de que os problemas do espaço oceânico são estreitamente inter-
relacionados e devem ser considerados como um todo, o que exige uma ordem
jurídica internacional que facilite as comunicações internacionais e promova os usos
pacíficos dos mares e oceanos, para a utilização equitativa e eficiente dos seus
recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a proteção e a preservação
do meio marinho.
Nestes termos, a Convenção contribui para o estabelecimento de uma
ordem econômica internacional justa e equitativa que leva em conta os interesses e
as necessidades de toda humanidade, em particular, dos países em desenvolvimento,
quer costeiros quer sem litoral, já que os fundos marinhos e oceânicos e o seu subsolo
para além dos limites de jurisdição nacional, e os seus respectivos recursos são
patrimônio comum da humanidade.
Portanto, a exploração e o aproveitamento de tais recursos devem ser
feitos em benefício de toda a humanidade, independentemente da situação geográfica
dos Estados; contribuindo para o fortalecimento da paz, da segurança, da cooperação
e das relações de amizade entre todas as nações, em conformidade com os princípios
de justiça e igualdade de direitos que promovem o progresso econômico e social de
todos os povos do mundo, de acordo com os Propósitos e Princípios enunciados na
Carta das Nações unidas e com as normas e princípios gerais do direito
internacional.933
933 BRASIL, DECRETO Nº 99.165, DE 12 DE MARÇO DE 1990. Promulgou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 25/04/2016.
218
A Convenção de Montego Bay, também demonstra um espírito de
solidariedade em seus Artigos 61º (3)934, 62º (2, 3)935, 82º (3, 4)936, 144º937, 202º938 e
203939.940
934 ARTIGO 61. Conservação dos recursos vivos. (3): Tais medidas devem ter também a finalidade de preservar ou restabelecer as populações das espécies capturadas a níveis que possam produzir o máximo rendimento constante, determinado a partir de fatores ecológicos e econômicos pertinentes, incluindo as necessidades econômicas das comunidades costeiras que vivem da pesca e as necessidades especiais dos Estados em desenvolvimento, e tendo em conta os métodos de pesca, a interdependência das populações e quaisquer outras normas mínimas internacionais geralmente recomendadas, sejam elas sub-regionais, regionais ou mundiais. 935 ARTIGO 62. Utilização dos recursos vivos: (2). O Estado costeiro deve determinar a sua capacidade de capturar os recursos vivos da zona econômica exclusiva. Quando o Estado costeiro não tiver capacidade para efetuar a totalidade da captura permissível deve dar a outros Estados acesso ao excedente desta captura, mediante acordos ou outros ajustes e de conformidade com as modalidades, condições e leis e regulamentos mencionados no parágrafo 4º, tendo particularmente em conta as disposições dos artigos 69 e 70, principalmente no que se refere aos Estados em desenvolvimento neles mencionados. (3). Ao dar a outros Estados acesso à sua zona econômica exclusiva nos termos do presente artigo, o Estado costeiro deve ter em conta todos os fatores pertinentes, incluindo, inter alia, a importância dos recursos vivos da zona para a economia do Estado costeiro correspondente e para os seus outros interesses nacionais, as disposições dos artigos 69 e 70, as necessidades dos países em desenvolvimento da sub-região ou região no que se refere à captura de parte dos excedentes, e a necessidade de reduzir ao mínimo a perturbação da economia dos Estados, cujos nacionais venham habitualmente pescando na zona ou venham fazendo esforços substanciais na investigação e identificação de populações. 936 ARTIGO 82. Pagamentos e contribuições relativos ao aproveitamento da plataforma continental além de 200 milhas marítimas: (3). Um Estado em desenvolvimento que seja importador substancial de um recurso mineral extraído da sua plataforma continental fica isento desses pagamentos ou contribuições em relação a esse recurso mineral. (4). Os pagamentos ou contribuições devem ser efetuados por intermédio da Autoridade, que os distribuirá entre os Estados Partes na presente Convenção na base de critérios de repartição equitativa, tendo em conta os interesses e necessidades dos Estados em desenvolvimento, particularmente entre eles, os menos desenvolvidos e os sem litoral. 937 ARTIGO 144. Transferência de tecnologia (1). De conformidade com a presente Convenção, a Autoridade deve tomar medidas para: b) promover e incentivar a transferência de tal tecnologia e conhecimentos científicos para os Estados em desenvolvimento, de modo a que todos os Estados Partes sejam beneficiados. (2). Para tal fim a Autoridade e os Estados Partes devem cooperar para promover a transferência de tecnologia, e conhecimentos científicos relativos às atividades realizadas na Área de modo a que a Empresa e todos os Estados Partes sejam beneficiados. Em particular, devem iniciar e promover: a) programas para a transferência de tecnologia para a Empresa e para os Estados em desenvolvimento no que se refere às atividades na Área, incluindo, inter alia, facilidades de acesso da Empresa e dos Estados em desenvolvimento à tecnologia pertinente em modalidades e condições equitativas e razoáveis; b) medidas destinadas a assegurar o progresso da tecnologia da Empresa e da tecnologia nacional dos Estados em desenvolvimento e em particular mediante a criação de oportunidades para a formação do pessoal da Empresa e dos Estados em desenvolvimento em matéria de ciência e tecnologia marinhas e para a sua plena participação nas atividades na Área. 938 ARTIGO 202. Assistência científica e técnica aos Estados em desenvolvimento. Os Estados, diretamente ou por intermédio das organizações internacionais competentes devem: a) promover programas de assistência científica, educativa, técnica e de outra índole, aos Estados em desenvolvimento para proteção e preservação do meio marinho e prevenção, redução e controle da poluição marinha. Essa assistência deve consistir, inter alia, em: i) formar pessoal científico e técnico; ii) facilitar a participação desse pessoal em programas internacionais pertinentes; iii) proporcionar-lhes o equipamento e as facilidades necessárias; iv) aumentar a sua capacidade para fabricar esse equipamento; v) fornecer serviços de assessoria e desenvolver meios materiais para os programas de investigação, controle sistemático, educação e outros; b) prestar assistência apropriada, especialmente aos Estados em desenvolvimento, para minimizar os efeitos dos acidentes importantes que possam provocar uma poluição grave do meio marinho; c) prestar assistência apropriada, especialmente, aos Estados em desenvolvimento, no que se refere à preparação de avaliações ecológicas.
219
Uma noção positiva de solidariedade no direito internacional ambiental, ou
seja, através de ações concretas dos Estados para proteger e preservar o meio
ambiente, tem um importante exemplo no Protocolo de Montreal sobre Substâncias
que Destroem a Camada de Ozônio941 de 16 de setembro de 1987, representação do
reconhecimento geral internacional da obrigação solidária em proteger a camada de
ozônio.
O Protocolo de Montreal é, até agora, o único acordo multilateral em
matéria ambiental com recepção universal, já que um grande número de países (197)
assumiram o compromisso de proteger a camada de ozônio942; concordando, pela
primeira vez, com um regime financeiro para auxiliar a inter-relação entre ambiente e
desenvolvimento, o que representou um verdadeiro ponto de virada crucial no
desenvolvimento do direito ambiental internacional.943
As expressões de solidariedade internacional presentes no Protocolo de
Montreal se direcionam, principalmente, à situação singular dos países em
desenvolvimento, por meio de um Fundo Multilateral para prover assistência técnica
e financeira a tais países com recursos provenientes dos países desenvolvidos, visa
igualmente a transferência de tecnologia (Artigos 5º, 10 e 10A944). O fundo é
financiado por contribuições incidentes sobre os países desenvolvidos, de acordo com
a escala de avaliação das Nações Unidas, e destina-se a cobrir os custos da
939 ARTIGO 203. Tratamento preferencial para os Estados em desenvolvimento. A fim de prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho ou minimizar os seus efeitos, as organizações internacionais devem dar um tratamento preferencial aos Estados em desenvolvimento no que se refere à: a) distribuição de fundos e assistência técnica apropriados; e b) utilização dos seus serviços especializados. Ibid., 940 BRASIL, DECRETO Nº 99.165, DE 12 DE MARÇO DE 1990. Promulgou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1990/decreto-99165-12-marco-1990-328535-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 25/04/2016; HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53. 941 ONU, (2000). The Montreal Protocol on Substances that Deplete the Ozone Layer. Disponível em: <http://unep.ch/ozone/pdf/Montreal-Protocol2000.pdf>. Acesso em 07/02/2016. O Protocolo de Montreal é acordo internacional, criado no âmbito da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio de 1985 assinada por dezenas de países, inclusive o Brasil. 942 Ibid., 943 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 944 HESTERMEYER, op. Cit., loc. Cit.,
220
implementação, nos países em desenvolvimento, de medidas para o cumprimento das
obrigações atinentes à assinatura do Protocolo de Montreal, como, por exemplo, o
custo de conversão de instalações de produção existentes, a fim de produzir
substitutos alternativos para as substâncias que prejudicam a camada de ozônio.945
Na década de 1990, passados vinte anos desde a promulgação da
Declaração de Estocolmo, uma nova série de convenções, reafirmaram a
continuidade e o progresso da importância em lidar com problemas ambientais (para
além da preocupação para os estados vizinhos), com o direcionamento a uma
verdadeira obrigação legal de todos os países com a preservação do meio ambiente
global946, demonstrando no amadurecimento dos direcionamentos da legislação
ambiental internacional, que entrou para uma segunda e importante fase do
desenvolvimento da noção positiva de solidariedade no direito internacional
ambiental.947
Assim, em uma consolidação do “princípio da responsabilidade comum,
mas diferenciada”, os países desenvolvidos passaram a ter uma certa
responsabilidade financeira para com os países em desenvolvimento, na promoção
do desenvolvimento sustentável, que beneficia todos os países e leva ao
reconhecimento da verdadeira interconectividade entre problemas ambientais e a
solidariedade internacional, na condensação de grande esforços, ou seja, na busca
945 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. A política global do fundo é determinada nas reuniões anuais das partes, que agem em cooperação com o Banco Mundial, o PNUMA e o PNUD. Ibid. 946 Ibid., 947 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113 apud R. St. J. Macdonald, Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law, 8 Pace International Law Review 259, at 284 (1996).
221
de um desenvolvimento que respeite a natureza e satisfaça solidariamente as
necessidades das gerações presentes e futuras948, sobre uma base de equidade.949
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima950,
assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992, dentre seus princípios anunciados no
Artigo 3º951, também, demonstram claro senso de solidariedade952.
948 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113 apud R. Wolfrum, Solidarity Among States: An Emerging Structural Principle of International Law, in: P. M. Dupuy/B. Fassbender/M. N. Shaw/K. P. Sommermann (eds.),Völkerrecht als Wertordnung: Common Values in International Law: Festschrift für Christian Tomuschat, (2006) at 1094 (adopting the definition used in the Brundtland Report, Our Common Future, 1987). 949 Ibid., p. 110-113 apud R. St. J. Macdonald, Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law, 8 Pace International Law Review 259, at 284 (1996); e apud Wolfrum apud R. Wolfrum, Solidarity Among States: An Emerging Structural Principle of International Law, in: P. M. Dupuy/B. Fassbender/M. N. Shaw/K. P. Sommermann (eds.),Völkerrecht als Wertordnung: Common Values in International Law: Festschrift für Christian Tomuschat, (2006) at 1094–1095 (Citando Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, de 1992, artigo 3 (1). 950 BRASIL. DECRETO Nº 2.652, DE 1º DE JULHO DE 1998 que promulgou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2652.htm>. Acesso em 11/03/2016. 951 Artigo 3º Princípios. Em suas ações para alcançar o objetivo desta Convenção e implementar suas disposições, as Partes devem orientar-se inter alia , pelo seguinte: 1. As Partes devem proteger o sistema climático em beneficio das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos negativos. 2. Devem ser levadas em plena consideração as necessidades específicas e circunstâncias especiais das Partes países em desenvolvimento, em especial aqueles particularmente mais vulneráveis aos efeitos negativos da mudança do clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que tenham que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção. 3. As Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo possível. Para esse fim, essas políticas e medidas-devem levar em conta os diferentes contextos sócioeconômicos, ser abrangentes, cobrir todas as fontes, sumidouros e reservatórios significativos de gases de efeito estufa e adaptações, e abranger todos os setores econômicos. As Partes interessadas podem realizar esforços, em cooperação, para enfrentar a mudança do clima. 4. As Partes têm o direito ao desenvolvimento sustentável e devem promovê-lo. As políticas e medidas para proteger o sistema climático contra mudanças induzidas pelo homem devem ser adequadas às condições específicas de cada Parte e devem ser integradas aos programas nacionais de desenvolvimento, levando em conta que o desenvolvimento econômico é essencial à adoção de medidas para enfrentar a mudança do clima. 5. As Partes devem cooperar para promover um sistema econômico internacional favorável e aberto conducente ao crescimento e ao desenvolvimento econômico sustentáveis de todas as Partes, em especial das Partes países em desenvolvimento, possibilitando-lhes, assim, melhor enfrentar os problemas da mudança do clima. As medidas adotadas para combater a mudança do clima, inclusive as unilaterais, não devem constituir meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou restrição velada ao comércio internacional. Ibid., 952 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence,
222
Por sua vez, o Artigo 4º da Convenção lista os tipos de assistência,
incluindo as transferências financeiras, que se espera dos países desenvolvidos na
ajuda os países em desenvolvimento, particularmente vulneráveis aos efeitos
adversos da mudança climática.
Enquanto isso, com base no Artigo 11 da mesma Convenção, se
estabelece um mecanismo para a provisão de recursos financeiros a título de doação
ou em base concessional, inclusive para fins de transferência de tecnologia. De forma
que, ao abrigo do princípio da solidariedade, os países desenvolvidos se dispõem a
fornecer mais fundos os países em desenvolvimento que cumprirem os termos das
convenções, e quando os benefícios que tenham recebebido sejam vistos como tendo
sido utilizados de forma eficaz.953
A Declaração de Haia sobre o Meio Ambiente, de 11 de março de 1989,
também deve ser mencionada neste ínterim, por ter sido ato preparatório da
Conferência do Rio de Janeiro de 1992, apontando a importância da cooperação, e
de alguma forma, também da solidariedade internacional, nas questões ambientais.954
A Conferência do Rio de Janeiro é marco para a proteção do meio
ambiente, porque nela a comunidade internacional reconheceu que a proteção
ambiental do planeta e o desenvolvimento de todos os Estados é um objetivo comum
solidário formulado no princípio do desenvolvimento sustentável, desde então,
definitivamente colocado no centro das suas preocupações contemporâneas.955
Diante disso, a Convenção sobre a Diversidade Biológica956 assinada em
5 de junho de 1992 no Rio de janeiro, aborda em seu Preâmbulo a importância da
Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53. 953 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 954 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53. 955 MACDONALD, op. Cit., 956 BRASIL. DECRETO LEGISLATIVO N° 2, DE 1994. Aprovou o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica; assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na Cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de 1992.
223
diversidade biológica para a evolução e para a manutenção da vida na biosfera como
uma preocupação comum à humanidade; salientando que os Estados têm direitos
soberanos sobre os seus próprios recursos biológicos, mas que também são
responsáveis pela conservação e pela utilização sustentável dos mesmos.
Enfatizando, ainda, em função da necessidade de conservar e utilizar de
forma sustentável a diversidade biológica para benefício das gerações presentes e
futuras, a importância e a necessidade de promover a cooperação internacional,
regional e mundial entre os Estados e as organizações intergovenamentais e o setor
não-governamental para a conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes; mencionando inclusive que se espera que aportes
de recursos financeiros, novos e adicionais, e o acesso adequado às tecnologias
pertinentes possam modificar sensivelmente a capacidade mundial de enfrentar a
perda da diversidade biológica.
Ainda nesse aspecto, a Convenção, em clara intenção de um chamado à
solidariedade internacional, salienta que medidas especiais são necessárias para
atender às necessidades dos países em desenvolvimento, principalmente no que diz
respeito ao mencionado aporte de recursos financeiros, novos e adicionais, e o acesso
adequado às tecnologias pertinentes: “observando, enfim, que a conservação e a
utilização sustentável da diversidade biológica fortalecerão as relações de amizade
entre os Estados e contribuirão para a paz da humanidade”.957
Disponível em: <http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Decretos/1994.pdf>. Acesso em 17/03/2016. página 20 et seq. 957 Ibid.,
224
Verifica-se, também, que os Artigos 8º (m)958, 9º (e)959, 15 (7)960, 16 (2)961,
18 (2)962, 19963, 20964, 21965 e 29966 da Convenção, apresentam disposições sobre
958 Artigo 8º. Conservação in situ. Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: (m) Cooperar com o aporte de apoio frnanceiro e de outra natureza para a conselvação in situ a que se referem as alíneas a a l acima, particularmente aos países em desenvolvimento. 959 Artigo 9º. Conservação ex situ. Cada Parte Contratante deve na medida do possível e conforme o caso, e principalmente a fim de complementar medidas de conservação insitu: e) Cooperar com o aporte de apoio fmanceiro e de outra natureza para a conservação ex situ a que se referem as alíneas a a d acima; e com o estabelecimento e a manutenção de instalações de conservação ex silu em países em desenvolvimento. 960 Artigo 15º. Acesso a Recursos Genéticos: (7). Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo fmanceiro estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de forma justa e eqüitativa os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos genéticos e os beneficios derivados de sua utilização comercial e de outra natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha deve dar-se de comum acordo. 961 Artigo 16º. Acesso à Tecnologia e Transferência de Tecnologia: 2. O acesso a tecnologia e sua transferência a países em desenvolvimento, a que se refere o § 19: acima, devem ser permitidos e/ou facilitados em condições justas e as mais favoráveis, inclusive em condições concessionais e preferenciais quando de comum acordo, e, caso necessário, em confonnidade com o mecanismo fmanceiro estabelecido nos arts. 20 e 21. […] 962 Artigo 18º Cooperação Técnica e Científica; (2). Cada Parte Contratante deve, ao implementar esta Convenção, promover a cooperação técnica e científica com outras Partes Contratantes, em particular países em desenvolvimento, por meio. entre outros, da elaboração e implementação de políticas nacionais. Ao promover essa cooperação, deve ser dada especial atenção ao desenvolvimento e fortalecimento dos meios nacionais mediante a capacitação de recursos humanos e fortalecimento institucional. 963 Artigo 19º. Gestão da Biotecnologia e Distribuição de seus Benefícios: 1. Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, para permitir a participação efetiva, em atividades de pesquisa biotecnológica, das Partes Contratantes, especialmente países em desenvolvimento, que provêem os recursos genéticos para essa pesquisa, e se possível nessas Partes Contratantes. 2. Cada Parte Contratante deve adotar todas as medidas possíveis para. promover e antecipar acesso prioritário, em base justa e eqüitativa das Partes Contratantes, especialmente países em desenvolvimento, aos resultados e beneficios derivados de biotecnologias baseadas em recursos genéticos providos por essas Partes Contratantes. Esse acesso deve ser de comum acordo. 3. As Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada, no que respeita a transferência, manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. 4. Cada Parte Contratante deve proporcionar, diretamente ou por solicitação a qualquer pessoa física ou jurídica sob sua jurisdição provedora dos organismos a que se refere o § 3ª acima, à Parte Contratante em que esses organismos devam ser introduzidos, todas as informações disponíveis sobre a utilização e as normas de segurança exigidas por essa Parte Contratante para manipulação desses organismos, bem como todas as Informações disponíveis sobre os potenciais efeitos negativos desses organismos específicos. 964 O Artigo 20º Artigo. Recursos Financeiros: 1. Cada Parte Contratante compromete-se a proporcionar, de acordo com a sua capacidade, apoio fInanceiro e incentivos respectivos às atividades nacionais destinadas a alcançar os objetivos desta Convenção em confonnidade com seus planos, prioridades e programas nacionais. 2. As Partes países desenvolvidos devem prover recursos fInanceiros novos e adicionais para que as Partes países em desenvolvimento possam cobrir integralmente os custos adicionais por elas concordados decorrentes da implementação de medidas em cumprimento das obrigações desta Convenção, bem como para que se beneficiem de seus dispositivos. Estes custos devem ser determinados de comum acordo entre cada Parte país em desenvolvimento e o mecanismo institucional previsto no 3rt. 21, de acordo com políticas, estratégias, prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade. segundo uma lista indicativa de custos adicionais estabelecida pela Conferência das Partes. Outras Partes. inclusive países em transição para uma economia de mercado, podem assumir voluntariamente as obrigações das Partes países desenvolvidos. Para os fms deste artigo, a Conferência das Partes deve estabelecer. em sua primeira
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cooperação com grande carga de uma noção de solidariedade, em função das
disposições sobre transferência de tecnologia e disponibilização de recursos
financeiros aos países em desenvolvimento.967
sessão, uma lista de Partes países desenvolvidos e outras Partes que voluntariamente assumam as obrigações das Partes países desenvolvidos. A Conferência das Partes deve periodicamente revisar e. se necessário, alterar a lista. Contribuições voluntárias de outros países e fontes podem ser também estimuladas. para o cumprimento desses compromissos deve ser levada em conta a necessidade de que o fluxo de recursos seja adequado, previsível e oportuno, e a importância de distribuir os custos entre as Partes contribuintes incluídas na citada lista. 3. As Partes países desenvolvidos podem também prover recursos fInanceiros relativos à implementação desta Convenção por canais bilaterais, regionais e outros multilaterais. 4. O grau de efetivo cumprimento dos compromissos assumidos sob esta Convenção das Partes países em desenvolvimento dependerá do cumprimento efetivo dos compromissos assumidos sob esta Convenção pelas Partes países desenvolvidos. no que se refere a recursos frnanceiros e transferência de tecnologia, e levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as prioridades primordiais e absolutas das Partes países em desenvolvimento. 5. As Partes devem levar plenamente em conta as necessidades específicas e a situação especial dos países de menor desenvolvimento relativo em suas medidas relativas a fInanciamento e transferência de tecnologia. 6. As Partes Contratantes devem também levar em conta as condições especiais decorrentes da dependência da diversidade biológica, sua distribuição e localização nas Partes países em desenvolvimento. em particular os pequenos estados insulares. 7. Deve-se também levar em consideração a situação especial dos países em desenvolvimento, inclusive os que são ecologicamente mais vulneráveis, como os que possuem regiões áridas e semi-áridas, zonas costeiras e montanhosas. 965 Artigo 21º Mecanismos Financeiros (1). Deve ser estabelecido um mecanismo para prover, por meio de doação ou em bases concessionais, recursos financeiros para os fms desta Convenção, às Partes países em desenvolvimento, cujos elementos essenciais são descritos neste artigo. O mecanismo deve operar, para os fIns desta Convenção, sob a autoridade e a orientação da Conferência das Partes, e a ela responder. As operações do mecanismo devem ser realizadas por estrutura institucional a ser decidida pela Conferência das Partes em sua primeira sessão. A Conferência das Partes deve determinar, para os fms desta Convenção, políticas. estratégicas. prioridades programáticas e critérios de aceitabilidade relativos ao acesso e à utilização desses recursos. As Contribuições devem levar em conta a necessidade mencionada no Artigo 20 de que o fluxo de recursos seja previsível, adequado e oportuno, de acordo com o montante de recursos necessários, a ser decidido periodicamente pela Conferência das Partes, bem como a importância da distribuição de custos entre as partes contribJintes incluídas na lista a que se refere o parágrafo 2 do Artigo 20. Contribuições voluntárias podem também ser feitas pelas Partes países desenvolvidos e por outros países e fontes. O mecanismo deve operar sob um sistema de administração democrático e transparente. 2. Em confotmidade com os objetivos desta Convenção, a Conferência das partes deve determinar, em sua primeira sessão, políticas, estratégias e prioridades programáticas, bem como diretrizes e critérios detalhados de aceitabilidade para acesso e utilização dos recursos financeiros, inclusive O acompanhamento e a avaliação periódica de sua utilização. A Conferência das Partes deve decidir sobre as providências para a implementação do § 1 ~ acima após consulta à estrutura institucional encarregada da operação do mecanismo fmanceiro. 3. A Conferencia das Partes deve examinar a eficãcia do mecanismo estabelecido neste Artigo, inclusive os critérios e as diretrizes referidas no Parágrafo 2 acima, em não menos que dois anos da entrada em vigor desta Convenção, e a partir de então periodicamente. Com base nesse exame, deve, se necessário, tomar medidas adequadas para melhorar a efIcácia do mecanismo. 4. As Partes Contratantes devem estudar a possibilidade de fortalecer as instituições financeiras existentes para prover recursos financeiros para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica. 966 Artigo 29º. Emendas à Convenção ou Protocolos: (3). As Partes devem fazer todo o possível para chegar a acordo por consenso sobre as emendas propostas a esta Convenção ou a qualquer protocolo. […]; Cf. MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016. 967 BRASIL. DECRETO LEGISLATIVO N° 2, DE 1994. Aprovou o texto da Convenção sobre Diversidade
Biológica; assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
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Já o Artigo 17º (1)968 da Convenção sobre a Diversidade Biológica,
apresenta enunciado que confirmam a existência de uma preocupação solidária para
preservação da diversidade biológica do planeta, ao afirmar que no que os Estados
“devem proporcionar o intercâmbio de Informações pertinentes à conservação e a
utilização sustentável da diversidade biológica, “levando em conta as necessidades
especiais dos países em desenvolvimento”.969
Além disso, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento970 de 14 de junho de 1992, “com o objetivo de estabelecer uma nova
e justa parceria global e tendo em conta os interesses de todos na proteção da
“integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a
natureza integral e interdependente da Terra”, afirma em seu Princípio 4º que "a fim
de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte
integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente
deste."971
Já no princípio 7º da Declaração do Rio, encontramos a obrigação dos
Estados em cooperar, num espírito de parceria global (que pode ser igualmente
traduzido como um espírito de solidariedade global) conservando, protegendo e
restaurando a saúde e integridade do ecossistema do planeta e considerando, diante
das diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, e as
disparidades econômicas entre os países, que os Estados têm responsabilidades
comuns, porém diferenciadas. Desta maneira, caberia aos países desenvolvidos
reconhecerem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional para o
desenvolvimento sustentável tendo em vista as maiores pressões exercidas por suas
Desenvolvimento realizada na Cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de 1992. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/Decretos/1994.pdf>. Acesso em 17/03/2016. p. 20 et seq. 968 Artigo 17º. Intercâmbio de Informações: (1). As Partes Contratantes devem proporcionar o intercâmbio de Informações, de todas as fontes disponíveis do público, pertinentes à conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica. levando em conta as necessidades especiais dos países em desenvolvimento. BRASIL. DECRETO LEGISLATIVO N° 2, DE 1994, op. Cit., 969 Ibid., 970 ONU, (1992). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em 17/05/2016. 971 MACDONALD, R. St. J. Solidarity in the Practice and Discourse of Public International Law. In: Pace International Law Review, Volume VIII, Number I., Rev. 259, Pace University School of Law, White Plains, New York: 1996. p. 282-290.Disponível em: <http://digitalcommons.pace.edu/pilr/vol8/iss2/1>. Acesso em 15/03/2016; ONU, (1992). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em 17/05/2016.
227
sociedades sobre o meio ambiente global, bem como em função das tecnologias e
recursos financeiros que controlam.972
A Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países
afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África973, assinada
14 de outubro de 1996, observa em seu Preâmbulo “que a desertificação e a seca
afetam o desenvolvimento sustentável, através das suas inter-relações com
importantes problemas sociais e outros problemas ambientais de dimensão global
enfrentados pelas comunidades internacional e nacionais”.
E com o escopo de criar medidas no combate à desertificação, reconhece
a importância da necessidade de “cooperação internacional e de parceria no combate
à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca”, por meio de “medidas adequadas
ao combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca para benefício das
gerações presentes e futuras”; reafirmando, desta forma, os compromissos assumidos
pelos países desenvolvidos no número 13 do Capítulo 33 da Agenda 21, por meio da
“Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA)”.974
972 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53; ONU, (1992). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em 17/05/2016. 973 Segundo o Preâmbulo: “Recordando a resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas nº 47/188, em particular a prioridade que nela é atribuída à África, e todas as demais resoluções, decisões e programas pertinentes das Nações Unidas, bem como declarações que, a propósito, foram feitas por países Africanos e países de outras regiões”. BRASIL. DECRETO Nº 2.741, DE 20 DE AGOSTO DE 1998 que promulgou a Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2741.htm>. Acesso em 21/01/2015. 974“MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO. 33 (13). Em geral,o financiamento da implementação daAgenda 21 deve vir dos setores públicos e privados de cada país. Paraos países emdesenvolvimento, particulannente os países menos adiantados, a Assistência Oficial para o Desenvolvimento (ODA) é uma fonte importantedefmanciamentoextemo,e serão necessários substanciais fundos novos e adicionais para o desennvolvimento sustentável e implementação da Agenda 21. Os paíseS desenvolvidos reafirmam seu compromisso de alcançar ameta aceita pelas Nações Unidas de 0,7 por cento do PNB para a assistência oficial ao desenvolvimento e, na medida em que essa meta não tenha sido alcançada, estão de acordo acordo em aumentar seus programas de ajuda para alcançar essa meta o mais cedo possível e assegurar a implementação rápida e efetiva da Agenda 21. Alguns países decidiram ou combinaram alcançar essa meta até o ano 2000. Decidiu-se que a Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável examinaria e moIiitoraria regularmente os progressos realizados para alcançar essa meta. Esse processo de exame deve combinar de modo sistemático o moIiitoramento da implementação da Agenda 21. com um exame dos recursos financeiros disponíveis. Os países que já atingiram essa meta devem ser incentivados a continuar contribuindo ao esforço comum para tomar viável os substanciais recursos adicionais que devem ser mobilizados. Outros países desenvolvidos, em hamonia com seu apoio aos esforços reformadores dos países em desenvolvimento,aceitam fazer todos os esforços possíveis para aumentar seu nível de assistência oficial ao desenvolvimento. Nesse
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Como já mencionado, no segundo capítulo deste trabalho, a Convenção
Internacional de Combate à Desertificação apresenta uma referência expressa à
solidariedade no Artigo 3º (b), afirmando que os Estados Parte “deverão, num espírito
de solidariedade internacional e de parceria, melhorar a cooperação e a coordenação
aos níveis sub-regional, regional e internacional”, concentrando os recursos
financeiros, humanos, organizacionais e técnicos onde eles forem mais
necessários975.
Além disso, o Artigo 4º976, que trata das “Obrigações Gerais”,
especialmente no parágrafo 2(b) afirma que para se atingir o objetivo da Convenção,
as Partes deverão, dentro das organizações internacionais e regionais competentes,
dar a devida atenção a situação dos países Partes em desenvolvimento “afetados com
relação às trocas internacionais, aos acordos de comércio e à dívida, tendo em vista
criar um ambiente econômico internacional favorável à promoção de um
desenvolvimento sustentável”, demonstrando forte discurso solidário que é também
contexto, reconhece-se a importância da diStribuição eqüitativa dos encargos entre os países desenvolvidos. Outros países, entre eles o que experimentam o processo de transição para uma economia de mercado, poderão aumentar voluntariamente as contribuições dos países desenvolvidos.” BRASIL, (1995). Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados: AGENDA 21. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de acordo com a Resolução nº 44/228 da Assembléia Geral da ONU, de 22-12-89, estabelece uma abordagem equilibrada e integrada das questões relativas a meio ambiente e desenvolvimento: a Agenda 21 - Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1995. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/agenda21.pdf>. Acesso em 27/05/2016. 975 Artigo 3º. Princípios. Para atingir os objetivos da presente Convenção e aplicar as suas disposições, as Partes guiar-se-ão, entre outros, pelos seguintes princípios: d) As Partes deverão tomar plenamente em consideração as necessidades e as circunstâncias particulares dos países Partes em desenvolvimento afetados, em especial os países de menor desenvolvimento relativo. 976 Artigo 4º. Obrigações gerais. 1. As Partes cumprirão as obrigações contraídas ao abrigo da presente Convenção, individual ou conjuntamente, quer através de acordos bilaterais e multilaterais já existentes ou a celebrar, quer, sempre que apropriado, através da combinação de uns e de outros, enfatizando a necessidade de coordenar esforços e de desenvolver uma estratégia coerente de longo prazo em todos os níveis. 2. Para se atingir o objetivo da presente Convenção, as Partes deverão: a) Adotar uma abordagem integrada que tenha em conta os aspectos físicos, biológicos e sócio-econômicos dos processos de desertificação e seca; b) Dar a devida atenção, dentro das organizações internacionais e regionais competentes, a situação dos países Partes em desenvolvimento afetados com relação às trocas internacionais, aos acordos de comércio e à dívida, tendo em vista criar um ambiente econômico internacional favorável à promoção de um desenvolvimento sustentável; c) Integrar as estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca; d) Promover, entre os países Partes afetados, a cooperação em matéria de proteção ambiental e de conservação dos recursos em terra e hídricos, na medida da sua relação com a desertificação e a seca; e) Reforçar a cooperação subregional, regional e internacional; f) Cooperar com as organizações intergovernamentais competentes; g) Fazer intervir, quando for o caso, os mecanismos institucionais, tendo em conta a necessidade de evitar duplicações; e h) Promover a utilização dos mecanismos e acordos financeiros bilaterais e multilaterais já existentes suscetíveis de mobilizar e canalizar recursos financeiros substanciais para o combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca conduzidos pelos países Partes em desenvolvimento afetados. 3. Os países Partes em desenvolvimento afetados reúnem condições de elegibilidade para poder receber apoio na implementação da Convenção. Ibid.,
229
partilhado pelos enunciados dos artigos 6º977, 18978 e 20 (6)979, onde encontramos
que: “outras Partes são encorajadas a proporcionar aos países Partes em
977 Artigo 6º. Obrigações dos países Partes desenvolvidos. Além das obrigações que sobre eles recaem, de acordo com o disposto no artigo 4º da Convenção, os países Partes desenvolvidos comprometem-se a: a) Apoiar ativamente, de conformidade com o que tiverem acordado individual ou conjuntamente, os esforços dos países Partes em desenvolvimento afetados, particularmente os países africanos, e os de menor desenvolvimento relativo, que sejam dirigidos ao combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca; b) Proporcionar recursos financeiros substanciais e outras formas de apoio aos países Partes em desenvolvimento afetados, particularmente os africanos, de modo que eles possam elaborar e implementar eficazmente os seus próprios planos e estratégias de longo prazo no combate à desertificação e na mitigação dos efeitos da seca; c) Promover a mobilização de recursos financeiros novos e adicionais de conformidade com a alínea b ) do nº 2 do artigo 20º; d) Encorajar a mobilização de recursos financeiros oriundos do setor privado e de outras fontes não-governamentais; e e) Promover e facilitar o acesso dos países Partes afetados, particularmente aqueles em desenvolvimento, à tecnologia, aos conhecimentos gerais e aos conhecimentos técnicos adequados. 978 Artigo 18º. Transferência, aquisição, adaptação e desenvolvimento de tecnologia. 1. As Partes comprometem-se a promover, financiar e/ou ajudar a financiar, de conformidade com o que for mutuamente acordado e com as respectivas legislações e/ou políticas nacionais, a transferência, a aquisição, a adaptação e o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente adequadas, economicamente viáveis e socialmente aceitáveis para o combate à desertificação e/ou mitigação dos efeitos da seca, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento sustentável das zonas afetadas. Uma tal cooperação deverá ser conduzida bilateral ou multilateralmente, conforme apropriado, aproveitando plenamente os conhecimentos especializados das organizações intergovernamentais e não-govemamentais. As Partes deverão, em particular: a) Utilizar plenamente os sistemas de informação e centros de intercâmbio de dados nacionais, sub-regionais, regionais e internacionais relevantes existentes, com a finalidade de difundir informação sobre as tecnologias disponíveis, as respectivas fontes, os respectivos riscos ambientais e as condições genéricas em que podem ser adquiridas; b) Facilitar o acesso, particularmente por parte dos países Partes em desenvolvimento afetados, em condições favoráveis, inclusive condições concessionais e preferenciais, conforme for mutuamente acordado e tendo em conta a necessidade de proteger os direitos de propriedade intelectual, às tecnologias mais adequadas a uma aplicação prática que responda às necessidades específicas das populações locais, dando uma especial atenção aos efeitos sociais, culturais, econômicos e ambientais de tais tecnologias; c) Facilitar a cooperação tecnológica entre os países Partes afetados mediante assistência financeira ou qualquer outro meio adequado; d) Alargar a cooperação tecnológica com os países Partes em desenvolvimento afetados, incluindo, onde for relevante, iniciativas conjuntas, especialmente nos setores que contribuam para oferecer meios alternativos de subsistência; e e) Adotar medidas, adequadas à criação de condições de mercado interno e de incentivos fiscais ou de outro tipo, que permitam o desenvolvimento, a transferência, a aquisição e a adaptação de tecnologias, conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas adequados, incluindo medidas que garantam uma proteção adequada e efetiva dos direitos de propriedade intelectual. 2. De conformidade com as respectivas capacidades e sujeitas às respectivas legislações e/ou políticas nacionais, as Partes protegerão, promoverão e utilizarão, em particular, as tecnologias, os conhecimentos gerais, os conhecimentos técnicos e as práticas tradicionais e locais relevantes. Com esta finalidade, as Partes comprometem-se a: a) lnventariar tais tecnologias, conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas e as respectivas utilizações potenciais, com a participação das populações locais, e a difundir tal informação, sempre que oportuno, em cooperação com as organizações intergovernamentais e não-governamentais relevantes; b) Garantir que essas tecnologias, conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas serão adequadamente protegidos e que as populações locais beneficiarão diretamente, numa base eqüitativa e conforme mutuamente acordado, de qualqur utilização comercial que deles seja feita e de qualquer inovação tecnológica que deles resulte; c) Encorajar e apoiar ativamente a melhoria e a difusão de tais tecnologias, conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas, ou o desenvolvimento de novas tecnologias nelas baseadas; e d) Facilitar, se for o caso, a adaptação de tais tecnologias, conhecimentos gerais, conhecimentos técnicos e práticas a uma ampla utilização e, se necessário, a sua integração com as tecnologias modernas. Ibid., 979 Artigo 20º. Recursos financeiros: 1. Dada a importância central do financiamento para que sejam atingidos os objetivos da Convenção, as Partes, na medida das suas capacidades, farão todo esforço para assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para os programas de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca. (2). Para tal, os países Partes desenvolvidos,
230
desenvolvimento afetados, voluntariamente, conhecimentos gerais, experiência e
técnicas relacionadas com a desertificação e/ou recursos financeiros”.980
O Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança Climática de 10 de dezembro de 1997981, que estabelece compromissos
priorizando os países Partes africanos, afetados, mas sem negligenciar os países Partes em desenvolvimento afetados de outras regiões, em conformidade com o artigo 7º, comprometem-se a: a) Mobilizar recursos financeiros substanciais, incluindo doações e empréstimos em condições concessionais, para apoiar a implementação de programas de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos da seca; b) Promover a mobilização de recursos financeiros suficientes, em tempo oportuno e com previsibilidade, incluindo fundos novos e adicionais provenientes do Fundo Mundial para o Meio Ambiente para suporte dos custos incrementais acordados para aquelas atividades ligadas à desertificação que têm relação com as quatro áreas principais de atuação do Fundo, e de conformidade com as disposições pertinentes do Instrumento que criou aquele mesmo Fundo; c) Facilitar, através da cooperação internacional, a transferência de tecnologia, conhecimentos gerais e conhecimentos técnicos; e d) Estudar, em cooperação com os países Partes em desenvolvimento afetados, métodos inovadores e incentivos destinados a mobilizar e canalizar os recursos, incluindo os provenientes de fundações, organizações não-governamentais e outras entidades do setor privado, particularmente através de conversões de dívida - debt swaps - e de outros métodos inovadores que permitam aumentar os recursos financeiros através da redução da dívida externa dos países Partes em desenvolvimento afetados, em particular os africanos. (3). Os países Partes em desenvolvimento afetados, tendo em conta as suas capacidades, comprometem-se a mobilizar recursos financeiros suficientes para a aplicação dos seus programas de ação nacionais. (4). Ao mobilizar recursos financeiros, as Partes procurarão utilizar plenamente e melhorar qualitativamente todas as fontes e mecanismos de financiamento nacionais, bilaterais e multilaterais, usando consórcios, programas conjuntos e financiamento paralelo, e procurarão envolver fontes e mecanismos de financiamento privados, incluindo os das organizações não-governamentais. Com esta finalidade, as Partes deverão dar plena utilização aos mecanismos operativos criados de conformidade com o artigo 14º. (5). A fim de mobilizar os recursos financeiros necessários para que os países Partes em desenvolvimento afetados combatam a desertificação e mitiguem os efeitos da seca, as Partes deverão: a) Racionalizar e fortalecer a gestão dos recursos já alocados para o combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca, utilizando-os de forma mais eficaz e eficiente, avaliando os seus sucessos e limitações, eliminando os obstáculos que impeçam a sua efetiva utilização e reorientando, sempre que necessário, os programas à luz da abordagem de longo prazo adotada de acordo com a Convenção; b) Dar as devidas prioridade e atenção, no âmbito das estruturas dirigentes das instituições e serviços financeiros e fundos multilaterais, incluindo os bancos e fundos regionais de desenvolvimento ao apoio aos países Partes em desenvolvimento afetados, em particular os africanos, para que estes levem a cabo atividades que façam progredir a implementação da Convenção nomeadamente os programas de ação que estes países promovam no quadro dos anexos de implementação regional; e c) Examinar as formas, de reforçar a cooperação regional e sub-regional para apoio aos esforços desenvolvidos a nível nacional. (6). Outras Partes são encorajadas a proporcionar aos países Partes em desenvolvimento afetados, voluntariamente, conhecimentos gerais, experiência e técnicas relacionadas com a desertificação e/ou recursos financeiros. (7). A plena aplicação pelos países Partes em desenvolvimento afetados, especialmente os africanos, das obrigações decorrentes desta Convenção, será muito facilitada pelo cumprimento, por parte dos países Partes desenvolvidos, das respectivas obrigações à luz desta Convenção, particularmente aquelas referentes aos recursos financeiros e à transferência de tecnologia. Ao darem cumprimento às suas obrigações, os países Partes desenvolvidos deverão tomar plenamente em consideração que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são as principais prioridades dos países Partes em desenvolvimento afetados, em particular os africanos. 980 BRASIL. DECRETO Nº 2.741, DE 20 DE AGOSTO DE 1998 que promulgou a Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2741.htm>. Acesso em 21/01/2015. 981 BRASIL. DECRETO Nº 5.445, DE 12 DE MAIO DE 2005. Promulgou o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, aberto a assinaturas na cidade de
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juridicamente vinculativos para a redução dos gases de efeito estufa, fez a noção de
solidariedade atingir um novo nível no direito ambiental internacional.
Assim, além de uma obrigação negativa de simplesmente não prejudicar a
vizinhança imediata, é agora cada vez mais aceito que existe uma obrigação positiva
para com a comunidade internacional como um todo. Neste impulso, movendo-se para
além de mero idealismo, a noção de solidariedade no direito ambiental internacional
passa a manifestar-se em funções de responsabilidades concretas, por meio do
princípio da equidade intergeracional entre a geração atual e as futuras gerações.982
Neste pensar, o Artigo 10 do Protocolo de Quioto faz um chamado, levando
em conta responsabilidades comuns, “mas diferenciadas” e suas prioridades de
desenvolvimento, para a cooperação na promoção de modalidades efetivas para o
desenvolvimento, a aplicação e a difusão dos termos do Protocolo.
Ainda nesse sentido, é incentivada a solidariedade no que concerne a
“tomar todas as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar, conforme o
caso, a transferência ou o acesso a tecnologias, know-how, práticas e processos
ambientalmente seguros relativos à mudança do clima”, especialmente para os países
em desenvolvimento, incluindo neste ato solidário “a formulação de políticas e
programas para a transferência efetiva de tecnologias ambientalmente seguras, que
sejam de propriedade pública ou de domínio público”, bem como a criação, mesmo
no setor privado, “de um ambiente propício para promover e melhorar a transferência
de tecnologias ambientalmente seguras e o acesso a elas”.983
O mais recente exemplo de um engajamento solidário mundial pelo
desenvolvimento sustentável ocorreu na 21ª Conferência do Clima de Paris (COP21),
ocorrida entre 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015, onde os países Parte da
Quioto, Japão, em 11 de dezembro de 1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5445.htm>. Acesso em 21/07/2016. 982 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113.; 983 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION? –SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 52-53; BRASIL. DECRETO Nº 5.445, DE 12 DE MAIO DE 2005, op. Cit.;
232
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC -
the United Nations Framework Convention on Climate Change), adotaram “O Acordo
de Paris984” (aprovado pelos 195 países integrantes da UNFCCC), que representa um
compromisso mundial para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Assim, no contexto do desenvolvimento sustentável, e no sentido de manter
o aumento da temperatura média global menor de 2°C acima dos níveis pré-industriais
(envidando esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis
pré-industriais), almeja-se incrementar a resposta mundial no combate e na prevenção
das ameaças e dos possíveis impactos provenientes das mudanças climáticas.
De acordo com isso, por meio da cooperação e da solidariedade, em todos
os níveis, como uma preocupação comum da humanidade no combate às mudanças
climáticas, pretende-se respeitar, promover e considerar as obrigações comuns a
todos os Estados em matéria de direitos humanos, direito à saúde, direitos dos povos
indígenas, comunidades locais, migrantes, crianças, pessoas com deficiência e
pessoas em situação de vulnerabilidade, direito ao desenvolvimento, bem como a
igualdade de gênero, empoderamento das mulheres e a igualdade intergeracional, na
busca de uma “justiça climática”.985
Isso implica dizer que o princípio do desenvolvimento sustentável dá as
mãos ao princípio da solidariedade internacional, em virtude da necessidade de
preservar os recursos naturais ser posta em benefício das gerações vindouras de uma
forma racional, integrada em planos de políticas intergeracionais de
desenvolvimento.986
Diante disto importa reconhecer que os principais esforços que fazem os
elementos que compõem o desenvolvimento sustentável refletir uma noção de
984 ONU, (2015). ACORDO PARIS. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-
content/uploads/2016/04/Acordo-de-Paris.pdf>. Acesso 23/12.2016. 985 Ibid., 986 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113 apud R. Wolfrum, Solidarity Among States: An Emerging Structural Principle of International Law, in: P. M. Dupuy/B. Fassbender/M. N. Shaw/K. P. Sommermann (eds.),Völkerrecht als Wertordnung: Common Values in International Law: Festschrift für Christian Tomuschat, (2006). p. 1094 (adopting the definition used in the Brundtland Report, Our Common Future, 1987).
233
solidariedade internacional ambiental, diz respeito à equidade intergeracional e as
necessidades interdependentes de desenvolvimento dos Estados.987 Desta forma, em
nenhuma outra área do direito internacional os interesses comuns da humanidade e
as ameaças à própria existência desta são mais claras e óbvias do que no direito
ambiental internacional. As ameaças das mudanças climáticas, a degradação do meio
ambiente e o declínio da biodiversidade não deixam outra escolha à humanidade que
não seja a da preocupação com a preservação do meio ambiente como um objetivo
comum e solidário de todos, para garantir a sobrevivência da própria humanidade.988
Em suma, é cada dia mais evidente que “somos todos responsáveis por
tudo que diz respeito a todos”.989
987 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 110-113. 988 HESTERMEYER, Holger P. REALITY OR ASPIRATION?–SOLIDARITY IN INTERNATIONAL ENVIRONMENTAL AND WORLD TRADE LAW. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 51-52. 989 “Nous sommes tous responsables de tous à l'égard de tous”. COHEN-JONATHAN, Gérard. Les droit de l’homme, une valeur internationale. P. 178. In: TOUSCOZ, Johannis-Andreae: Amicorum discipulorumque opus. DROIT INTERNATIONAL ET COOPÉRATION INTERNATIONALE: Hommage à Jean-André TOUSCOZ. Nice: Europe éditions, 2007.
234
4 A SOLIDARIEDADE E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS ESSENCIAIS
DO SER HUMANO NO PLANO INTERNACIONAL
A proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional
recai em três sub-ramos específicos do Direito Internacional Público: o Direito
Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR), mais
específicos; e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), mais
abrangente.990
Em função da grande interação entre estes ramos do direito internacional,
alguns autores, como André de Carvalho Ramos, defendem que se deve evitar o
afastamento entre eles, já que precipuamente perseguem o objetivo de proteção do
ser humano. Sob esta perspectiva, a inter-relação entre esses ramos seria a seguinte:
o DIH e o DIR seriam lex specialis em relação ao DIDH, que seria, então, lex generalis,
aplicável subsidiariamente a todas as situações pertinentes, ou seja, quando ausente
qualquer previsão específica. Acrescenta-se, ainda, que além da relação de
especialidade, existe na interação, entre estes ramos do direito internacional,
comandos de identidade, convergência, complementaridade e influência recíproca.991
O mais antigo desses ramos é o Direito Internacional Humanitário,
direcionado originariamente aos meios e métodos da guerra, e que vem sendo
influenciado sobremaneira pela emergência do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, após o advento da Carta da organização das Nações Unidas e da
Declaração Universal de Direitos Humanos; seguido pelo Direito Internacional dos
Refugiados que apesar de possuir diplomas e órgãos anteriores à Carta das Nações
Unidas, apenas se consolidou e sistematizou depois da Declaração Universal
consagrar o direito ao asilo992, que tem relação com o instituto do refúgio, em seu
990 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 59-60. 991 Ibid., p. 60. 992 Ibid., p. 61.
235
Artigo XIV (1), garantindo que “toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de
procurar e de gozar asilo em outros países”.993
4.1 SOLIDARIEDADE E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é lex generalis internacional
porque a ele incumbe a proteção do ser humano em todos seus os aspectos,
englobando direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais994, além de ter
intima relação com outros ramos importantes do direito internacional como o Direito
Internacional ao Desenvolvimento, o Direito Ambiental Internacional, o Direito
Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Refugiados, o sistema de
Segurança Coletiva das Nações Unidas e o princípio da Responsabilidade de
Proteger, na busca de uma justiça global cosmopolita.
Ora, se o desenvolvimento do processo de constitucionalização do direito
internacional, por meio do conteúdo atinente aos direitos humanos, especialmente os
direitos humanos de solidariedade995, no caminho da implantação de um
constitucionalismo global altruísta996, representa o avanço evolutivo perseguido por
uma nova cultura mundial fomentada por um cosmopolitismo institucionalizado997 pela
globalização e pelo pluralismo cultural e étnico998, tal giro transmoderno do
993 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. p. 29. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. 994 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 60. 995 MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 221. Apud BOLZAN, José Luis de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos. p. 89. 996 Ibid., p. 221-222. Apud CARDUCCI, Michele. Por um direito constitucional altruísta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 11. 997 Ibid., p. 221. Apud PRONER, Carol. Os direitos humanos e seus paradoxos: análise do sistema americano de proteção. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 203-212. 998 Ibid., p. 221-222. Apud CARDUCCI, Michele. Por um direito constitucional altruísta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 11.
236
pensamento jurídico internacional necessita de uma abordagem legitimada pelo direito
internacional dos direitos humanos.
Neste sentido, levando em consideração a premissa de que os direitos
humanos são direitos constitucionais internacionais, a recente expansão de tais
direitos em várias dimensões do direito internacional seria uma manifestação
expressa do processo de constitucionalização do direito internacional.999
Ademais, se um povo é constituído por aqueles indivíduos sujeitos à lei, e
todos os moradores do mundo passaram a se sujeitar a diferentes manifestações de
um direito global, especialmente no que concerne aos direitos humanos (em um
verdadeiro "patriotismo aos direitos humanos"); então, nesse sentido, tácita e
inconscientemente constituimos um povo transnacional1000, altamente interconectado,
de pessoas além das fronteiras estatais, como defende Hauke Brunkhorst.1001 Ou
como diz Flávia Piovesan, no domínio do Direito Internacional, inicia-se a ser
demarcado o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos que
projeta a vertente de um constitucionalismo global que destaca o valor da dignidade
humana.1002
O primeiro aspecto da solidariedade no Direito Internacional dos Direitos
Humanos foi forjado após a Segunda Guerra Mundial, por meio do esforço de vários
países do mundo para promover a proteção universal dos direitos humanos; o que se
consolidou nos compromissos assumidos com a Carta das Nações Unidas e com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos1003, que reconhecem os direitos humanos
999 PETERS, Anne. Membership in the Global Constitutional Community. p.167. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. Apud GARDBAUM, Stephen. Human Rights as International Constitutional Rights. 19 EJIL, 2008. p. 749-768. 1000 Especialmente nos movimentos globais de protestos que seriam a vanguarda de um povo transnacional. 1001 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction, xi. 1002 PIOVESAN, Flávia. DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS DA ORDEM INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA. p. 17. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.) Direitos Humanos. 1ª ed. 4ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2011. 1003 René Cassin compara a Declaração Universal ao pórtico de um templo: O adro do templo, que configura a unidade da família humana, tem por elemento correspondente o preâmbulo da Declaração, cujos diferentes degraus permitem se elevar do reconhecimento da dignidade humana até a paz do mundo. O envasamento, os alicerces são constituídos pelos princípios gerais de liberdade, igualdade, de não discriminação e de fraternidade, proclamados nos arts. 1 e 2. GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito Internacional dos Direitos Humanos: Nova Mentalidade Emergente Pós-
237
como objetivo comum da humanidade e preocupação de toda a comunidade
internacional, como observa Anja Seibert-Fohr1004.
Tal fato colaborou para que se deixasse para trás o limitante formalismo
jurídico, essencialmente positivista, que até 1945 oferecia direitos apenas sob o
prisma da Norma-Regra, de forma que, como leciona Yara Maria Pereira Gurgel, “as
normas, para terem validade jurídica, devem ser harmonizadas com os pressupostos
de vida digna em sociedade”1005.
Direitos humanos e solidariedade fazem parte do contexto do Preâmbulo
da Carta das Nações Unidas, em particular na determinação de que os Estados
reafirmam a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa
humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres, das nações grandes e
pequenas, na procura de estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às
obrigações decorrentes de tratados e outras fontes do direito internacional possam
ser mantidos, promovendo o progresso social e melhores condições de vida para
todos os povos.1006
Nesse ponto, o compromisso de proteger o valor e a dignidade de cada
pessoa é em si um ato de solidariedade, que sustenta a noção de "família humana"
na qual a Declaração Internacional dos Direitos Humanos se baseia.1007
No entanto, porque o mundo está em eterna metamoforse, se modificam,
também, as ameaças potenciais aos direitos humanos, e inclusive os próprios direitos
humanos tendem a mudar ou novos direitos humanos emergir como resposta às
1945. Curitiba: Juruá, 2006. p.177. apud GANDINI, Jean-Jacques. Les Droits de l´Homme. Paris: Librio, 1998. p. 10. 1004 SEIBERT-FOHR, Anja.THE INTERNATIONAL COVENANT ON CIVIL AND POLITICAL RIGHTS: MOVING FROM COEXISTENCE TO COOPERATION AND SOLIDARITY. p. 521 e seguintes. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). “Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum”, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. 1005 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 30. 1006 ONU, (2000). Millennium Declaration. UN Doc. A/55/49 (2000), parágrafo 12. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 21/06/2016. 1007 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 513.
238
necessidades percebidas pela sensibilidade social modificada.1008 É neste cenário que
se firma a importância da solidariedade internacional como paradigma e referencial
ético a orientar a ordem jurídica global.
Como já exaustivamente exposto, existe uma grande manifestação coletiva
da solidariedade internacional expressa em vários compromissos e documentos
internacionais relativos aos direitos humanos: implicitamente na Carta das Nações
Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, nas Convenções de
1966 e na Declaração sobre o direito ao Desenvolvimento de 1986; e explicitamente
na Declaração de Viena e Programa de Ação em 1993 e na Declaração do Milênio de
2000.1009
Apesar disso, as referências à solidariedade nestes documentos
internacionais ainda não são suficientes para lhe conferir status legal de “lex lata”1010;
não obstante, têm relevância jurídica porque podem ser entendidas como
manifestação de opinio iuris, base probatória para o argumento da existência da
solidariedade como “lex ferenda”1011 no direito internacional dos direitos humanos1012,
já que a assinatura de todas estas declarações, convenções, pactos e demais
documentos internacionais, que assinalam a preocupação internacional de garantir a
defesa dos direitos humanos por meio da solidariedade, demonstra a existência de
1008 PETERS, Anne. Membership in the Global Constitutional Community. p.171. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. 1009 ONU, (2000). Millennium Declaration. UN Doc. A/55/49 (2000), parágrafo 12. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 21/06/2016. 1010 “Lex lata” é uma expressão em latim que significa “segundo a lei existente”, "a lei como ela existe", “lei promulgada” ou "a lei atual", também conhecida como “de lege lata". Ou seja, “um direito estabelecido e com existência reconhecida”. FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DO ENCONTRO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO. p. 163. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013 apud CRAWFORD, J. The Right of self-determination in international Law: Its development and Future. In: ALSTON, P. (Ed.) Peoples´ Rights. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 10 1011 “Lex ferenda” é uma expressão latina que significa "o que a lei deveria ser", “a lei futura”, “"para
uma futura reforma da lei" ou"com vista à futura lei"; também conhecida como “de lege ferenda”. 1012 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 510.
239
uma “consciência jurídica universal”, comum a todos os povos do planeta1013, ou seja,
um «international concern».1014
Temos com isso o início de uma nova fase na afirmação dos direitos
humanos1015 tomados em um plano solidário, que além dos direitos individuais do
homem, defende, também, direitos de grupos e de povos à autodeterminação, ao
desenvolvimento, à paz, à segurança e a um ambiente saudável.1016 Representando,
também, a consagração dos valores comuns como padrões gerais do direito
internacional e propositores incansáveis, de que onde quer que haja solidariedade, se
reconheça imediatamente um direito objetivo (lex lata) fundamentado e medido por
essa manifestação da solidariedade,1017 na busca de se institucionalizar e expandir os
princípios articulados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, e em outros relevantes documentos internacionais de direitos
humanos. 1018
Assim, pode-se afirmar que se o reconhecimento e a aplicação dos direitos
de solidariedade, ou de um direito humano à solidariedade internacional, continuam
controversos, ao menos o debate quanto ao seu conteúdo e status legal, na direção
de se tornar uma lex lata, vem crescendo e evoluindo.1019
1013 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3ªed. Almedina, 2004. p. 30. 1014 Ibid., páginas. 30-31. Nesse sentido, o Tribunal Internacional de Justiça cedo declarou como obrigação de cada Estado em face de todos os outros Estados (ao lado, por exemplo, da proibição do genocídio) o respeito pelos «princípios e regras relativos aos direitos fundamentais da pessoa humana». Nesta mesma linha a doutrina reconhece à Declaração Universal dos Direitos do Homem - não em si, que é uma mera resolução da Assembleia Geral sem força vinculativa, mas no seu conteúdo - o valor de costume internacional ou de princípios gerais de direito comuns às nações civilizadas, considerando-se até alguns dos seus preceitos como de «jus cogens». Ibid. 1015 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 221-222 Apud BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho. 11. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 30. 1016 VIEIRA DE ANDRADE, op. Cit., páginas. 34-35. 1017 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 321. Apud F. HARHOFF, La consécration de la notion de jus cogens dans la jurisprudence des tribunaux pénaux internationaux, p. 68, in Actualité de la jurisprudence pénale internationale: à l’heure de la mise em place de la Cour pénale internationale, sous la dir. de P. TAVERNIER, Bruylant, Bruxelles, 2004. pp. 65-80. 1018 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 52-53. 1019 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 515 Apud Philip Alston. “A third Generation of Solidarity Rights: Progressive Development or
240
Em suma, sem pretender esgotar o tema, a gama de referências em várias
resoluções das Nações Unidas, em Convenções internacionais e outros documentos
de importância estratégica para as relações internacionais entre os Estados, fornece
no mínimo uma base para se argumentar que existe um reconhecimento emergente
da importância da solidariedade internacional, na questão dos direitos humanos, como
uma lex ferenda.1020
4.1.1 A solidariedade como um direito humano: direitos de
solidariedade
Reclamar solidariedade através da dignidade humana, ou seja, reconhecer
a emergência de “direitos humanos de solidariedade” ou de um “direito humano à
solidariedade internacional” é hoje um dos desafios mais audaciosos do direito
internacional dos direitos humanos, especialmente em uma época de crise como a
atual, onde velhos fantasmas voltam a assustar a humanidade e tentam interditar a
evolução da solidariedade global que, em meio a vários impasses, luta por se afirmar
como meio de institucionalização de maior coerência jurídica internacional para o
progresso, a paz, a justiça e a defesa dos direitos humanos de todos os indivíduos.
À luz dos desafios históricos, a cada momento são necessárias novas
dimensões do alcance da dignidade humana, que podem levar tanto a uma maior
exploração do conteúdo normativo dos direitos humanos já assegurados, como a
emergência de novos direitos humanos1021, tanto com relação aos direitos humanos
individuais, como com relação aos direitos humanos coletivos “clássicos”, a exemplo
Obfuscation of International Human Rights Law? (1982) 29 Netherlands International Law Review. pp. 307-318. 1020 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 513. 1021 HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa: um ensaio. Tradução Denilson Luis Werle, Luiz Repa e Rúrion Melo. – São Paulo: Ed. Unesp, 2012. p. 14.
241
do direito à autodeterminação dos povos1022, os direitos das minorias e os direitos dos
povos indígenas, forçando o Direito Internacional dos Direitos Humanos a reconhecer
não só os indivíduos, mas também coletividades como titulares de direitos humanos.
Assim surgiu a figura dos “novos direitos humanos coletivos”, também
chamados de “direitos de terceira geração”, “direitos de terceira dimensão” ou de
“direitos de solidariedade”, focados em questões diferentes e mais complexas que
aquelas da discussão dos direitos coletivos “clássicos”1023, em razão da crescente
consciência da interdependência, política, ecológica, econômica e social mundial, que
vem consolidando, apesar de todas as polêmicas e controvérsias, a ideia de existência
de uma direito internacional à solidariedade.1024
A mais influente tentativa teórica de sistematizar estes novos direitos teve,
como já mencionado, suas origens na famosa teoria do “modelo de gerações de
direitos”1025 fundada por Karel Vasak, em aula inaugural no Instituto Internacional de
Direitos Humanos em 19791026 em Estrasburgo1027.
Segundo a teoria de Vasak, uma primeira geração de direitos garantiria os
direitos civis e políticos, uma segunda geração os direitos econômicos, sociais e
culturais, e uma terceira geração de direitos, ainda em processo de formação,
garantiria os direitos coletivos que só poderiam ser realizados através do esforço
orquestrado internacionalmente de todos os atores do sistema internacional.1028 Esta
1022 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. Curitiba: Appris, 2013. p. 31. “O único direito coletivo positivado é atualmente o direito à autodeterminação. Após o surgimento da discussão sobre os direitos humanos da “terceira geração” também o direito à autodeterminação foi classificado, por alguns autores, tal como Theodor Schilling. (Cf. SCHILLING, Theodor. Internationaler Menschenrechtsschutz. Tübingen: Mohr Siebeck, 2004. p. 213.). Ibid., loc. Cit., 1023 Ibid., loc. Cit., 1024 Ibid., p. 75-76. 1025 Ibid., p. 77-78. Apud VASAK, Karel. A 30-year Struggle. The UNESCO Courier, Nov. 1977, p. 29. 1026 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 639 apud Karel Vasak, A 30-year Struggle, The Unesco Courier, Nov. 1977, at 29. 1027 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 108-110. Apud VASAK, Karel. Pour une troisième generation des droits de l’homme, in: C. Swinarski (ed.), Studies and Essays on International Humanitarian Law and Red Cross Principles, at 837 (1984); S. P. Marks, Emerging Human Rights: A New Generation for the 1990s?, 33 Rutgers Law Review 435, at 441 (1981). 1028 PETERKE, op. Cit., p. 77-78.
242
terceira e inovadora dimensão de direitos, fundada na fraternidade e na solidariedade,
pretenderia ser capaz de extrapolar a compreensão exclusivamente centrada na
proteção dos direitos individuais, comum às duas primeiras gerações de direitos.1029
Vasak nomeou estes últimos direitos de “direitos de solidariedade’, ao
mesmo tempo em que apresentou uma lista de direitos com potencial de se
transformarem em direitos positivos de solidariedade: o direito ao desenvolvimento, o
direito a um meio ambiente sadio e o direito à paz.1030
Ou seja, Vasak acreditava que novos direitos (direitos de solidariedade)
eram necessários para superar uma deficiência da teoria tradicional dos direitos
humanos, refletida no individualismo excessivo, e até egoísta, da primeira e segunda
gerações1031 de direitos humanos, que criaram uma radical oposição entre o indivíduo
e a sociedade, ignorando o fato de que o indivíduo não pode prosperar sem a
colaboração da comunidade. Em outras palavras, liberdade e igualdade prescindiriam
de solidariedade, que Karel Vasak via como uma modalidade “sui generis” de direito
humano, porque não poderia ser realizado sem amadurecimento social de esforços
articulados de todos os intervenientes na cena social (os indivíduos, os Estados, os
grupos públicos e privados, ou seja, toda a comunidade internacional), impondo
obrigações que envolvem responsabilidades solidárias sobre todos como fator
principal para os direitos de solidariedade.1032
1029 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 89-138. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 100. Apud VASAK, Karel. A 30-year Struggle. The UNESCO Courier, Nov. 1977. 1030 Ibid., p. 78. 1031 A primeira geração de direitos humanos incluíram principalmente os definidos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. A segunda geração consistia principalmente nos direitos humanos especificadas no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 1032 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 642-643 apud Karel Vasak, Pour une troisième generation des droits de l’homme in STUDIES AND ESSAYS ON INTERNATIONAL HUMANITARIAN LAW AND RED CROSS PRINCIPLES, Christophe Swinarski ed., 1984. p. 838-839.
243
Vasak também sugere que as três gerações de direitos humanos
propostas corresponderiam, respectivamente, para os três ideais proclamados na
Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.1033
Nesse contexto, a grande contribuição do pensamento de Karel Vasak está
em afirmar que o direito internacional deve impor novas obrigações a todos os atores
da sociedade, por meio dos direitos humanos de solidariedade. Entretanto, existe
quem acredite, como Carl Wellman, que esse aspecto da solidariedade como
imposição de obrigações a todos os atores internacionais, pode ser alcançado sem a
emergência de uma terceira geração de direitos humanos.1034
Ainda segundo Karel Vasak, os direitos de solidariedade deveriam ter três
qualidades: impor obrigações conjuntas a todos os Estados; impor obrigações a todos
os atores na cena social internacional; e serem igualmente direitos dos povos, além
de direitos de todos os indivíduos em particular1035.
Sobreleva esclarecer, antes de mais, que tudo leva a crer que Vasak não
faz uso da expressão “solidariedade” de modo puramente desinteressado, a interação
entre as relações internacionais e domésticas estão no centro da proclamação desses
novos direitos, no objetivo de construir uma ordem jurídica baseada na solidariedade
entre os Estados. Tanto o é, que a edificação dessa ordem internacional, na qual todas
as liberdades e todos os direitos humanos estejam garantidos e promovidos, consiste
num dos maiores desafios do direito internacional do século XXI.1036
Considerando essa obrigação de interação completa entre todos os
agentes sociais, para sua execução e consolidação, o termo "direitos de
1033 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 639 apud Karel Vasak, Pour une troisième generation des droits de l’homme in STUDIES AND ESSAYS ON INTERNATIONAL HUMANITARIAN LAW AND RED CROSS PRINCIPLES, Christophe Swinarski ed., 1984. p. 837-839. 1034 Ibid., p. 652-653. Carl Wellman acredita que a solidariedade como imposição de obrigações a todos os atores internacionais, não prescinde de “direitos de solidariedade” e pode ser alcançado sem a emergência de uma terceira geração de direitos humanos. Ibid., loc. Cit., 1035 Ibid., p. 650. 1036 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 89-138. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 101. Apud SYMONIDES, Janusz. Novas dimensões, obstáculos e desafios para os direitos humanos: observações iniciais. In: SYMONIDES, Janusz. Direitos humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, 2003, p. 75.
244
solidariedade" é mais que apropriado para tal categoria de direitos. Tal
reposicionamento da solidariedade na teoria normativa do direito é útil para a
compreensão da complexidade da sociedade e da ordem jurídica atual, demonstrando
claramente a conexão entre os direitos de solidariedade com todos os direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais, ou seja, os direitos de solidariedade se
conectaria com todos os direitos humanos, sendo, portanto, igualmente um direito
humano.1037
Apesar da inovação e influência, o modelo de Vasak é bastante criticado
por conta das suas (hoje reconhecidas) imprecisões históricas e semânticas1038,
estando a doutrina a procurar entender, da melhor forma, a natureza e os âmbitos de
proteção dos direitos de solidariedade1039, estando, por isso, ainda longe de um
consenso.
Um ponto falho desta teoria é a contradição com a teoria da indivisibilidade
dos direitos humanos, no sentido de que nenhum subconjunto de direitos humanos
pode ser realizados em um mundo em que os outros subconjuntos estão ausentes ou
violados.1040
Tal incoerência recebe, ao menos no plano do Direito Internacional, as mais
profundas críticas de Antônio Augusto Cançado Trindade1041, que apesar de ser
defensor dos direitos de solidariedade, observa que entre as categorias de direitos só
pode haver complementariedade e não antinomia, “o que revela a artificialidade da
noção simplista da chamada ‘terceira geração’ de direitos humanos”, já que os
1037 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 643. 1038 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 78. Apud RIEDEL, Eibe. Menschenrechte der dritten Domension. Europäische Grundrechte-Zeitschrift, 1989, p. 9. 1039 Ibid., p. 78 apud RIEDEL, Eibe. Menschenrechte der dritten Domension. Europäische Grundrechte-Zeitschrift, 1989, p. 9. 1040 WELLMAN, op. Cit., p. 640-641. 1041 Além disso, a analogia da ‘sucessão generacional’ de direitos, do ponto de vista da evolução do direito internacional nesta área, sequer parece historicamente correta [...] Enquanto no direito interno (constitucional) o reconhecimento dos direitos sociais foi historicamente posterior ao dos direitos civis e políticos, no plano internacional ocorreu o contrário. HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 227 Apud, TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 41.
245
chamados direitos de solidariedade, historicamente mais recentes, no entendimento
de Cançado Trindade interagem de forma interdependente com os direitos individuais
e sociais, não os substituindo (diferentemente a sucessão de direitos na teoria da
gerações de direitos sugere).1042
Nesta mesma trilha, Philip Alston, citado por Kate Cook, salienta: "as
características distintivas dos direitos de terceira geração, têm a tendência a
obscurecer o fato de que a solidariedade é um ingrediente essencial na promoção e
realização de todos os direitos humanos, e não apenas aqueles da "terceira geração".
E inclusive, a comparação feita entre as três gerações de direitos e três lemas dos
revolucionários franceses do século XVIII - Liberté, egalité et fraternité – “embora
intrigante, nem por sua clareza, nem por seu apelo histórico supera a desvantagem
de associar cada geração de direitos com apenas um ou outro dos preceitos”.1043
Outra crítica é: se como Karel Vasak observava, a solidariedade também
está presente na primeira e segunda geração de direitos, como poderia a
solidariedade tornar os direitos de terceira geração essencialmente diferentes
daqueles já instituídos nas outras gerações?1044 Stephen Marca, jurista que tem
proporcionado uma das mais extensas interpretações da teoria de Vasak, respondeu
a este questionamento afirmando que se noção de solidariedade não é exclusiva para
a terceira geração de direitos humanos,1045 a diferença é uma simples questão de
grau: os direitos de terceira geração exigiriam mais solidariedade do que os direitos
humanos das gerações anteriores.1046
1042 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 227, apud TRINDADE, Antônio Cançado. A Questão da Implementação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Evolução e Tendências Atuais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 71, jul. 1990, p.20. 1043 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 515 Apud Philip Alston. “A third Generation of Solidarity Rights: Progressive Development or Obfuscation of International Human Rights Law? (1982) 29 Netherlands International Law Review. pp. 307-318. 1044 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 644 apud Marks, S.P., 'Emerging Human Rights: a New Generation for the 1980's?', 33/2 Rutgers L. Rev.,1981, pp. 435-441. 1045 Ibid., p. 644 apud Marks, S.P., 'Emerging Human Rights: a New Generation for the 1980's?', 33/2 Rutgers L. Rev.,1981, pp. 435-441. 1046 Ibid., loc. Cit.,
246
Mas, os indícios são de que, Karel Vasak parecia insinuar que a diferença
é qualitativa e não quantitativa, porque os direitos de solidariedade só pode ser
realizado por um esforço complexo de todos os atores da cena social, implicando não
só as diversas responsabilidades da espécie típica dos direitos humanos de primeira
e segunda geração, mas a responsabilidade conjunta global para a sua realização.1047
Assim, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os
direitos de solidariedade tendem a posicionar-se enquanto direitos destinados a todo
o gênero humano, num movimento expressivo de sua afirmação como valor supremo
ligado à concreta da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao
meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.1048
Isso se dá porque o sistema de proteção dos direitos humanos ainda não
está completo ou acabado, e muito menos hermeticamente fechado ao nascimento
de novos direitos, advindos da dinâmica entre valores novos e antigos em um
processo ininterrupto de transmutação evolutiva, resultado do atendimento às novas
expectativas e reinvindicações sociais da contemporaneidade.1049
Como bem coloca Bobbio, os direitos humanos são históricos ou
dinâmicos, emergem gradativamente das lutas que o homem trava por sua própria
emancipação, em uma complexa construção humana e, por isso, mutáveis e
suscetíveis de ampliação, ou seja, do advento de novas dimensões de tais direitos.1050
Tal assertiva é corroborada pelo pensamento de Danilo Zolo, para quem as
expectativas convertem-se em direitos subjetivos e coletivos – ou em “novos direitos”,
1047 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 644, apud Karel Vasak, Pour une troisième generation des droits de l’homme in STUDIES AND ESSAYS ON INTERNATIONAL HUMANITARIAN LAW AND RED CROSS PRINCIPLES, Christophe Swinarski ed., 1984. 1048 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 226 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 522-3. 1049 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 89-138. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 97. 1050 Ibid., p. 98 apud BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de janeiro: Campus, 1992. p. 32.
247
como resultado de fenômenos evolutivos que contradizem a ideia tradicional de que
os direitos humanos são um complexo normativo já completado, ou seja estático.1051
Também neste mesmo pensar, Sven Peterke, afirma que os direitos de
solidariedade são direitos não exaustivos, estando em constante e evolutivo
desenvolvimento, fator que ressalta a importância da doutrina e da jurisprudência para
seu reconhecimento e consolidação.1052
Por outro lado, segundo J. Merrils, a proliferação de novas categorias
jurídicas dos direitos representaria apenas a discórdia de uma sociedade beligerante,
que exige a multiplicação de direitos positivados para coexistir com a descrença de
valores comunitários de cooperação, generosidade e dever cívico. Além de que a
proliferação de novos direitos e titulares não somente multiplicaria as possibilidades
de conflito entre os titulares, mas também geraria um atrito entre os vários direitos.1053
Um terceiro caminho é proposto por aqueles que acreditam que o conteúdo
dos direitos de solidariedade poderia ser definido pelos direitos humanos já
consagrados e cuja implementação solidária teria impacto direto sobre a realização
de todos os demais direitos (como o desenvolvimento, a manutenção da paz e a
conservação do meio ambiente).1054
Apesar do intenso combate sofrido, Victor Ventura afirma que os direitos
de solidariedade parecem gozar grande aceitação pela doutrina internacional e
nacional, lecionando a posição de Cançado Trindade e Lador Yves que salientam a
importância da solidariedade, especialmente porque a humanidade ingressou no
1051 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 98, apud ZOLO, Danilo. Novos direitos e globalização. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar; TOSI, Giuseppe (Orgs.). Rumo ao Ocaso Global: os direitos humanos, o medo, a guerra. São Paulo: Conceito, 2010. 1052 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses.– Curitiba: Appris, 2013. p. 83. 1053 Ibid., p. 134 apud MERRILS, J. Environmental rights. In: BODANKSY, Daniel et al. (Coords.) The Oxford Handbook of International Environmental Law. Oxford: OUP, 2008. p. 669. 1054 VENTURA, op. Cit., páginas. 127-128.
248
século XXI com muitos mecanismos jurídicos do século XIX, demasiado obsoletos
para promover soluções dos intrincados problemas contemporâneos.1055
Em socorro a esta querela surge José Luiz Borges Horta, que em uma
síntese entre os dois pontos de vista, segundo ele, apenas aparentemente opostos,
reconhece a evolução histórica das categorias de direitos humanos que aceita a
imediata justaposição de cada categoria a um núcleo compacto, indivisível, constituído
por três camadas (cada um correspondendo a uma geração de direitos), em eterno
“giro” evolutivo que cria força centrípeta que atrai “novos” direitos, ao mesmo tempo
em que faz as três camadas do núcleo se amalgamam de modo inquebrantável1056, a
fim de se melhor capacitarem para promover as aspirações globais que competem
para realizar.1057
Os direitos de solidariedade (ou terceira geração de direitos) interagem,
desta forma, em coordenação equilibrada com as nuances solidárias presentes nas
outras categorias de direitos. Assim, destinam-se a respeitar e interagir com todas as
demais dimensões dos direitos humanos: civis, políticas, econômicas, sociais e
culturais.1058
Os Direitos de solidariedade1059 seriam, assim, direitos humanos de
categoria sui generis, por envolver um certo grupo de direitos que são verdadeiros
paradigmas1060, como o direito ao desenvolvimento, o direito a um meio ambiente
1055 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013, p. 135.; Cf. CANÇADO TRANDADE, Antônio Augusto. Os direitos humanos e o meio ambiente. In: SYMONIDES, Janusz (Coord.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003. p. 187.; Cf. LADOR, Yves. The challenges of human environmental rights. In: Proceedings of Geneva Environment Network Roundtable, United Nations Environmmental Programme, Geneva, 2004. p. 10. 1056 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. P.42. 1057 CHATTON. Gregor T. L´interdépendance des droits de l´Homme. Stämpfli Editions, Berne: 2012. p. 77-78. 1058 Ibid., loc. Cit.,. 1059 “Lembra Bobbio: “Jean Rivera inclui entre esses direitos os direitos de solidariedade, o direito ao desenvolvimento, à paz internacional, a um ambiente protegido, à comunicação [...] A. Ruiz Miguel [...] inclui entre esses direitos o direito à paz, os do consumidor, à qualidade de vida, à liberdade de informação, ligando o surgimento dos mesmos ao desenvolvimento de novas tecnologias”. HORTA, op. Cit., p. 224 Apud BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Trad. Carlos Nelson Coutinho. 11. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.12. 1060 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 108-110. Apud
249
saudável, direito à paz, etc.1061 Assim, diferente dos direitos humanos individuais
tradicionais que exigem uma satisfação apenas do Estado, os direitos de
solidariedade necessitam mais do que a participação do Estado para a sua
concretização, pois só podem se realizar com o esforço concentrado de todos os
atores na cena social, inclusive de cada um dos indivíduos.1062
Em outras palavras, os direitos de solidariedade remetem a interesses
transindividuais e transnacionais inter-relacionados, são direitos da coletividade como
um todo, que impõem obrigações conjuntas aos Estados e a todos os demais atores
sociais, a exemplo dos problemas ambientais, fluxos de refugiados, ameaças à paz e
segurança, etc.1063
De acordo com isso, os direitos de solidariedade apontam para uma
concepção que reforça mutuamente as relações entre pessoas, grupos e nações,
sustentando parcerias globais chaves para a erradicação da pobreza, como
componente indispensável dos esforços para realizar todos os direitos humanos.
Desta forma, a solidariedade internacional é um conceito amplo, não se limitando a
assistência e cooperação internacional, ajuda, caridade ou assistência humanitária,
visto que inclui sustentabilidade nas relações internacionais, coexistência pacífica de
todos os membros da comunidade internacional e a partilha equitativa dos benefícios
e encargos.1064
Assim, os desafios atuais da comunidade internacional exigem mais do que
iniciativas singulares de todos os governos, são necessários verdadeiros esforços
coletivos, orquestrados e coordenados, baseados em uma cooperação e
solidariedade internacional eficaz, fazendo interagir e integrando todos os Estados,
assim como as organizações internacionais criadas por estes, empresas públicas e
privadas, as corporações multi e transnacionais1065, as organizações da sociedade
J. Morgan-Foster, Third Generation Rights: What Islamic Law Can Teach the International Human Rights Movement, 8 Yale Human Rights & Development Law Journal 67, at 87–88 (2005). 1061 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual, and Human Rights, 22 Human Rights Quarterly, 2000. p. 639 e 648. 1062 KOROMA, op. Cit., páginas 108-110. Apud WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual, and Human Rights, 22 Human Rights Quarterly, 2000. p. 642-643. 1063 Ibid., loc. Cit., 1064 ONU, (2000) Millennium Declaration, parágrafo 32. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 22/02/2016. 1065 Transnacional significa “além de fronteiras nacionais”, mas refere-se, no conceito das Relações Internacionais, a processos ocorrendo no nível social, sem participação governamental, por exemplo
250
civil internacional (ONGs)1066 e os indivíduos em si, em estreita conexão com o
conceito de governança global.1067
Principalmente, quando se percebe, como ensina Luiz Fernando Coelho,
que existe na atualidade uma “emergência de novos centros de produção normativa,
paralelos ao Estado e dotados de um poder de coerção mais eficiente, centrados no
controle da economia”1068, e que compromete a ideia de que o direito posto é
puramente estatal, por meio do direito positivo (pensamento positivista). Ora, na
realidade atual, o que se percebe, no que se refere aos Estados, é a diminuição da
soberania, com a “emergência de novos centros de poder e decisão que não são
cooptados pelo direito positivo, mas pelo contrário, este é que tende a ser absorvido
pela juridicidade dimanada desses centros”.1069
Por este motivo, a tendência contemporânea para modificar o equilíbrio
entre o governo e a sociedade, se fundamenta em buscar maior ajuda do setor privado
em esforços conjuntos de partilha de tarefas e responsabilidades. Posto que, nenhum
dos atores da comunidade internacional de maneira isolada, seja do setor público ou
privado, tem todos os conhecimentos e informações necessários para resolver os
problemas complexos, dinâmicos e diversificados da sociedade; nem visão geral
suficiente para tornar efetiva a aplicação dos instrumentos necessários, e muito
menos potencial de ação suficiente para sobreviver unilateralmente ao mundo
envolvendo empresas multinacionais ou movimentos sociais; e internacionais são aquelas relações em que atores governamentais participam. PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 18, apud SIEDSCHLAG, Alexander; OPITZ, Anja; TROY, Jodok e KUPRIAN, Anita. Grundelemente der internationalen politik. Wien et al.: Böhlau Verlag 2007, p. 96. 1066 Ibid., loc. Cit., 1067 Ibid., loc. Cit., Peterke sugere uma discussão do conceito em HELD, David e MCGREW, Andrew. Introduction. In: HELD, David e MCGREW, Andrew. (eds.). Governing globalization: power, authority and global governance. Cambridge: Polity Press, 2003. P. 8. 1068 COELHO, Luiz Fernando. Saudade do Futuro. 2ª ed. (ano 2007), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2010. p. 131. O autor salienta ainda que “a ocupação dos espaços normativos por organizações marginais é a consequência mais perversa do emprobecimento das nações e da falência do Estado, no mundo global e transmoderno, [...] onde o pluralismo jurisdicional acha-se incrementado paralelamente ao desprestígio do poder judiciário [...] que tende a ser substituído por um judiciário paralelo formado por organizações dos mais diversos tipos, tais como, câmaras de comércio internacional, escritórios transnacionais de advocacia e auditoria, órgãos dedicados à estandardização e estabelecimento de padrões”. Ibid., p. 134-135. 1069 Ibid., loc. Cit., O autor, na mesma página, adverte ainda que essa “é uma produção normativa paralela ao Estado, que tem efeito de transmuta-lo em empresa, atribuir a grandes organizações empresariais mundiais o status de autêntico Estado”. Assim, “o Estado não pode ser mais definido em função de ser o detentor do monopólio da violência institucionalizada”.
251
contemporâneo, em função da crescente complexidade da globalização que força
interações estruturais de interdependência entre tudo e todos.1070
Desta maneira e sem dúvidas, a superação dos intricados desafios
impostos à comunidade internacional requer solidariedade internacional capaz de
transpor barreiras geográficas, psíquicas, culturais, econômicas e sociais; com
capacidade e vontade de restringir interesses particulares, sejam estatais,
corporativos ou individuais, em benefício da humanidade1071, no reconhecimento de
obrigações jurídicas internacionais sólidas e vinculantes, distinguíveis de
compromissos de natureza filantrópica ou retórica política.
Dentro desse frutífero debate, em 2005 a Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas, na resolução 2005/551072, decidiu iniciar um projeto de criação de
uma Declaração do direito dos povos e dos indivíduos à Solidariedade Internacional,
nomeando um especialista independente em direitos humanos e solidariedade
internacional para estudar a questão e preparar um projeto de declaração sobre o
direito dos povos à solidariedade internacional.1073
Mas, essa não vem sendo uma tarefa fácil, patente que o reconhecimento
de direitos e deveres de solidariedade não são de fácil defesa nem para aqueles que
defendem a sua conceituação mais branda, conciliadora, interdependente e
integrativa como o faz a atual Perita Independente para Direitos Humanos de
Solidariedade das Nações Unidas, Virgínia Dandan.
Assim, para atingir os direitos de solidariedade internacional, são
necessárias obrigações conjuntas além das várias obrigações normais já aceitas por
cada Estado de cooperar amigavelmente um com os outros. E como, infelizmente,
1070 KOOIMAN, Jan. SOCIAL-POLITICAL GOVERNANCE: INTRODUCTION. p. 1-6. In: KOOIMAN, Jan (ed.) MODERN GOVERNANCE: New Government-Society Interactions. London/Thousand Oaks/New Delhi: SAGE Publications, 1994. 1071 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 19. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. Peterke sugere para uma análise mais progunda do conceito de solidariedade como valor e como direito: SORTO, Fredys Orlando. La compleja noción de solidaridad como valor y como derecho: La conduta de Brasil em relación a ciertos Estados menos favorecidos. p. 97-127. In: LOSANO, Mario G. (Ed.). Solidaridad y derechos humanos em tempos de crisis. Madrid: Dykinson, 2011. 1072ONU. Human Rights Resolution nº 2005/55. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=E/CN.4/RES/2005/55>. Acesso em 01/10/2015. 1073 Ibid.,
252
nem todos os Estados estão dispostos a fazer espontaneamente a sua parte para
resolver as ameaças globais aos direitos humanos de solidariedade, se põe
necessário o reconhecimento de obrigações (negativas e positivas)1074 conjuntas para
que todos os Estados possam exigir uns dos outros que participem com o seu quinhão
em garantia de que se atinjam os objetivos desejados pela comunidade internacional
em geral.1075
Ora, se os direitos de solidariedade ou o direito à solidariedade ainda não
estão corretamente codificados em acordos universais, de forma a serem
considerados hard law; em caráter de soft law, vários órgãos internacionais já emitiram
inúmeras declarações em que governos afirmam seu compromisso político com tais
direitos, levantando inclusive a possibilidade de defesa de tais direitos como parte do
direito internacional costumeiro1076, ou seja, de que se pode criar Direito Internacional
através de soft law, gerando discussão em torno do valor jurídico das resoluções das
organizações internacionais, dos chamados “gentlemen’s agreements”, de algumas
atas finais, de comunicados conjuntos, códigos de conduta, dentre outros documentos
internacionais de soft law.10771078
1074 Segundo Peterke Sven, os direitos de solidariedade poderiam dar origem a obrigações negativas e positivas. Os deveres negativos, ou seja, de não fazer e respeitar que outros povos tenham os mesmos direitos de solidariedade. Por outro lado, deveres positivos obrigam, em primeiro lugar, a cooperar de boa-fé para realizar estes direitos no mundo inteiro. PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses.– Curitiba: Appris, 2013. p. 83.; Embora essa construção pareça ser uma solução dogmática viável, pois permite ampliar o conceito dos direitos humanos sem romper com suas raízes e seus elementos básicos, prevalece no plano político o medo dos Estados mais ricos de que estas garantias sejam interpretadas no sentido de estabelecer deveres financeiros em relação aos países mais pobres. Ibid., p. 83 apud METZ, Martina. Das Recht auf Entwicklung – Menschenrecht oder Hebel zu mehr Entwicklungshilfe? In: BAUM, Gerhard; RIEDEL, Eibe; SCHAEFER, Michael (Eds.). Menschenrechtsschutz in der Praxis der Vereinten Nationen. Baden-Baden: Nomos, 1998, p. 179. 1075 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 651. 1076 PETERKE, op. Cit., p. 78. 1077 NASSER, Salem Hikmat. Desenvolvimento, Costume Internacional e Soft Law. p. 214-215. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. (Org.) Direito internacional e desenvolvimento. Barueri, Sâo Paulo: Manole, 2005. 1078 Em sentido oposto a corrente dogmática tradicional, argumenta que os direitos de solidariedade não pertencem nem ao Direito dos Tratados [Vertragsrecht], nem ao Direito Consuetudinário [Gewohnheitsrecht], restando apenas a categoria de princípios, conforme o artigo 38º do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, já que tais direitos, não positivados em instrumentos de validade universal, teriam maior utilidade se considerados como princípios gerais do direito, dotados de função completiva. VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 128. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013.
253
Resultaria dessa abordagem que os instrumentos de soft law, por serem
resultado de laboriosa atividade diplomática dos Estados, seriam portadores de um
direito que ainda não é, um direito em gestação, ou seja, lex ferenda. E mesmo que
os Estados não tenham tido vontade de atribuir-lhes caráter vinculante de lex lata,
reconhecem que tais direitos já lutam bravamente no contexto internacional para vir a
serem reconhecidos lex lata; visto que, apesar de não obrigatórias tais normas de soft
law, fornecem algum grau de previsão sobre as condutas dos atores sociais, e até
mesmo, uma expectativa em relação a essas condutas.1079
De qualquer forma, o elemento mais criticado na estrutura legal dos direitos
de solidariedade é o conteúdo extremamente vago de suas metas abrangentes,
umbráticos obstáculos ao seu reconhecimento. Assim, com base nessa
indeterminação do seu conteúdo [Inhalt], os autores da corrente formalista
pragmática1080 questionam a própria noção de justiciabilidade, operacionalidade e
efetividade de tais direitos, colocando em xeque o reconhecimento de tais direitos,
principalmente em função da teia de interesses conflitantes no cenário global,
especialmente entre os países desenvolvidos e as nações em desenvolvimento.1081
1079 NASSER, Salem Hikmat. Desenvolvimento, Costume Internacional e Soft Law. p. 214-215. In: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. (Org.) Direito internacional e desenvolvimento. Barueri, Sâo Paulo: Manole, 2005. 1080 VENTURA, Victor Alencar Mayer Feitosa. DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE SADIO. AFIRMAÇÃO HISTÓRICA E CRÍTICA JURÍDICA. p. 130. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. Segundo Ventura, Tomuschat afirma que os direitos de solidariedade não conferem aos indivíduos nenhuma garantia tangível, exequível em juízo.; Ibid, loc. Cit., apud TOMUSCHAT, Christian. Human rights: between idealism and realism. 2. Ed. New York: Oxford University Press, 2008. p. 464.; “Sua formulação precária, somada à falta de características de pretensão (Anspruch) – ou exequibilidade em juízo- tornaria os direitos de solidariedade, inconcebíveis como normas positivadas. Segundo a visão dogmática, a fundamentação jurídica desses direitos os define como direitos ‘a tudo e a nada’, transmissivos apenas de simples apelo moral.” Ibid., p. 131. Apud NUSCHELER, F. op. cit., p. 315. 1081 Ibid., p. 134 apud MERRILS, J. Environmental rights. In: BODANKSY, Daniel et al. (Coords.) The Oxford Handbook of International Environmental Law. Oxford: OUP, 2008. p. 669.
254
4.1.2 A natureza, a titularidade e os destinatários dos direitos
humanos de solidariedade
Se existe, como demonstrado ao longo deste trabalho, um consenso
mínimo da doutrina majoritária de que solidariedade é mais do que uma obrigação
moral, sendo reconhecida como um princípio jurídico do Direito Internacional Público
que norteia as relações da comunidade internacional, quanto à afirmação da
solidariedade como um direito humano o cenário já não é o mesmo. No que se refere
ao reconhecimento dos “direitos de solidariedade” (ou de um direito internacional à
solidariedade), a doutrina não é pacífica, especialmente no que tange à natureza
jurídica destes novos direitos.1082
Este fato é documentado inclusive nos relatórios do ex-perito
independentes das Nações Unidas sobre direitos humanos e solidariedade
internacional, Rudi Muhammad Rizki.1083 Rizki, por exemplo, em um de seus relatórios
chegou a revelar a existência de sérias dúvidas no que se refere à afirmação da
solidariedade como uma obrigação jurídica em reconhecimento de novos direitos
humanos, ou seja, decorrentes dos direitos humanos de “terceira geração”.1084
Como a proteção de tais interesses internacionais públicos é um desafio,
cujo enfrentamento implica questionamentos altamente complexos, os direitos de
solidariedade são necessariamente caracterizados por um alto grau de abstração,
razão pela qual uma parte da doutrina, por exemplo Carl Wellman, Kersting e Di Fabio,
critica-os como sendo vagos demais para oferecer proteção jurídica adicional ou
diferente daquela que já pode ser diretamente deduzida dos direitos individuais
existentes. Tais autores não negam a existência de interesses internacionais públicos
e a necessidade da sua proteção e efetivação pelo direito internacional, mas se
recusam a considerar as questões jurídicas envolvidas sob a perspectiva dos direitos
1082 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 79. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses.– Curitiba: Appris, 2013. 1083 Ibid., loc. Cit., 1084 Ibid., loc. Cit., apud Report of the independente expert on human rights and international solidarity, Rudi Muhammad Rizki, UN Doc. A/HRC/15/32, 5 de julho de 2010, para. 6.
255
humanos, sustentando que não se podem confundir os interesses da humanidade
com os direitos humanos.1085
Outro ponto vulnerável dos direitos de solidariedade é visto na dificuldade
de determinar o seu conteúdo concreto, em função de seu alto grau de abstração,
justificando que alguns autores defendam a indeterminabilidade do seu conteúdo e
assim a impossibilidade de derivar deles obrigações suscetíveis de considerações da
justiça, de maneira que a atual proliferação de novos direitos humanos tenderia a
desvalorizar ou vulgarizar a teoria dos direitos humanos, no sentido que a atribuição
do rótulo de direitos humanos a todos os tipos de reivindicações promoveria
inadvertidamente a sua banalização jurídica.1086
Sobre a titularidade dos direitos de solidariedade há, ao menos, quatro
correntes sobre o tema. Alguns autores constroem os direitos de solidariedade como
direitos individuais1087, outros conceituam os direitos de solidariedade como direitos
coletivos1088, e alguns outros consideram o Estado como verdadeiro titular dos direitos
de solidariedade (se recusando a falar de solidariedade como um direito humano),1089
e uma quarta posição considera tanto o indivíduo e as coletividades como titulares de
tais direitos.1090 Essa última hipótese, da dupla titularidade (solidariedade como direito
1085 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses.– Curitiba: Appris, 2013. Apud DI FABIO, Udo. Menschenrechte in unterschiedlichen Kulturräumen. In: NOOKE, Günter; LOHMANN, Georg; WAHLERS, Gerhard (eds.) Gelten Menschenrechte universell? Begründungen und Infragestellungen. Freiburg im Breisgau et al.: Herder Verlag, 2008, p.77. 1086 PETERS, Anne. Membership in the Global Constitutional Community. p.171. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. 1087 PETERKE, op. Cit., p. 80. Há legislação internacional apoiando esta noção: o Protocolo de São Salvador garante que “toda pessoa tem o direito de viver em meio ambiente sadio”. Art. 11 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 1088 Ibid., p. 81. Peterke, salienta que o termo coletivo pode ser entendido como “grupos de indivíduos ou povos” ou num sentido mais amplo, sem nenhuma fixação. O primeiro entendimento enfrenta a dúvida: mas quais povos exatamente? O segundo entendimento é demasiado arriscado porque dá reconhecimento a um direito sem verdadeiro titular, puramente objetivo, mas não subjetivo. O que sob uma uma ótica dogmática, pode colocar em xeque sua qualidade como direito humano, dependendo do conceito aplicado. Conforme o artigo 2º, parágrafo 3º da Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento, são os Estados que têm o dever de formular políticas adequadas de desenvolvimento nacional com o objetivo à contínua promoção do bem-estar da população. Ibid., loc. Cit. 1089 Ibid., loc. Cit. 1090 O Artigo 2º (1) da Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento também identifica, como “sujeito central” de desnvolvimento o indivíduo. A mesma dicotomia (Estado/Indivíduo) se encontra também no princípio 1º da Declaração sobre a Preparação de Sociedades para uma vida em Paz. Ibid., loc. Cit.,
256
humano individual e coletivo), é majoritária e oferece uma perspectiva
interdependente e holística, da solidariedade tanto como direito humano quanto
princípio jurídico norteador da comunidade internacional.1091 Entretanto, tal argumento
é desafiado pela definição abstrata da “coletividade credora” dos direitos de
solidariedade1092, posto que é cansativo, imenso e complexo o trabalho de equilibrar
todos os interesses envolvidos na promoção dos direitos de solidariedade de uma
forma justa e transparente, diante da realidade dos embates entre interesses
pessoais, nacionais e coletivos.1093
Um aliado na trajetória da consolidação acadêmica dos direitos de
solidariedade está ligado ao advento da ideia de desenvolvimento como direito
humano do jurista senegalês Kéba M´Baye, primeiro presidente da Corte Suprema do
Senegal, que em aula magna proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos,
em 1972, teria defendido o direito ao desenvolvimento no conjunto dos direitos e das
liberdades públicas, constituindo-se, desse modo, como um direito humano.1094
Tal teoria deu azo, apesar de resistências e oposições, a aprovação da
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento1095, por meio da Resolução nº 41/128,
da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 4 de dezembro de 1986.
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento consagrou tal direito
como inalienável, na ideia que toda pessoa humana deve participar do
desenvolvimento econômico (art. 1º), estabelecendo os deveres dos Estados no
sentido de criar condições favoráveis ao exercício desse direito (art. 3º).1096
1091 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 82. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. 1092 Ibid., loc. Cit., 1093 Ibid., loc. Cit., 1094 FRANCO, Fernanda Cristina Oliveira. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO RESULTADO DO ENCONTRO ENTRE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO. p. 139-170. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). – Curitiba: Appris, 2013. p. 149. Apud M´BAYE, K. Le Droit au Developpement comme un Droit de l´Homme. Revue des Droits de l´Homme, v.5, 1972, p. 503-534. 1095 ONU, (1986). Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Resolução nº 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso em 10/10/2016. 1096 CARREAU, Dominique; BICHARA, Jahyr-Philippe. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2015. p. 482.
257
No que tange à solidariedade, é oportuno salientar que a Declaração
levantou delicado ponto sobre os destinatários dos direitos de solidariedade, em
demonstração explícita da afirmação internacional do papel dos Estados e dos
indivíduos como destinatários dos direitos de solidariedade.
Assim é que o Artigo 2º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
de 1986, afirma em seu inciso 1: “A pessoa humana é o sujeito central do
desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao
desenvolvimento”. O Arremate é dado no inciso 2 do mesmo artigo: “Todos os seres
humanos têm responsabilidade pelo desenvolvimento, individual e coletivamente”,
para tanto, “levando-se em conta a necessidade de pleno respeito aos seus direitos
humanos e liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a
comunidade [...]”.1097
Assim, os indivíduos não são apenas titulares, mas também destinatários
dos direitos de solidariedade. Tal situação é, para alguns autores, uma contradição
incompatível com o conceito de direitos humanos, enquanto para outros, representa
exatamente a exigência inafastável dos novos tempos1098, já consagrada na Carta
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, nos artigos 27 a 29, na Convenção das
Nações Unidas contra a Tortura de 1984, além de numerosas resoluções do Conselho
de Segurança que estipulam o terrorismo (cometido por particulares) como uma
ameaça à paz mundial nos termos do Artigo 39 da Carta das Nações Unidas:
Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas nº1368 (2001), 1377
(2001) e 1757 (2007), bem como nas disposições sobre o assunto no Estatuto do
1097 ONU, (1986). Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Resolução nº 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso em 10/10/2016. 1098 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 85. Apud MORGAN-FOSTER, Jason. Third generation rights: what islamic law can teach the international human rights movement. Yale Human Rights & Development Journal, v. 8, 2005, p. 67-116. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. Segundo o autor citado, uma série de outros atores não estatais, às vezes igualmente poderosos, empresas trans e multinacionais, por exemplo, que forçam à necessidade de se estender o debate sobre os destinatários dos deveres decorrentes de direitos humanos de solidariedade em um contexto mais amplo.
258
Tribunal Penal Internacional1099 para compensar as vítimas por violações do direito
internacional.1100
A complicação para boa parte da discordância doutrinária reside, portanto,
no conceito tradicional de direitos humanos, onde o Estado é o principal destinatário
desses direitos. Todavia, para que se atinja a paz, a proteção do meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável é, mais que nunca, necessário o esforço articulado da
“comunidade internacional”, ente “sem endereço e governo reconhecido”, isto é, sem
personalidade jurídica internacional, o que torna laborioso, ou até fantasioso para
alguns, impor-lhes deveres vinculantes.1101
Outro ponto espinhoso é fato de os direitos humanos de solidariedade
destinar efeitos de responsabilidade, pelo menos indireta, também aos atores privados
internacionais, mormente as empresas transnacionais.1102
No meio desse embate, Sven Peterke defende que o terreno mais
satisfatório para o desenvolvimento dos direitos de solidariedade é o sistema jurídico
do direito internacional dos direitos humanos, como “direitos-teto” da proteção da
dignidade humana que ressoa na teoria do constitucionalismo global e do
reconhecimento da solidariedade como um “princípio constitucional” do direito
internacional a equilibrar o individualismo e despertar as benesses dos interesses
coletivos, ou seja, dos interesses internacionais públicos1103, parabenizando uma
maior abertura por valores e interesses compartilhados que dependem de macro
1099 PETERS, Anne. Membership in the Global Constitutional Community. p.167, 174-177. In: KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. Oxford University Press: Oxford etc., 2009. 1100 PETERS, op. Cit., loc. Cit., 1101 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 82-83. Apud HERDEGEN, Matthias. Völkerrecht. 10. Ed. München: Beck-Verlag, 2011, p. 48. Neste contexto, formalizar as Nações Unidas como destinatária da responsabilidade atinente à comunidade internacional seria uma opção razoável, pois de fato, este é o principal órgão responsável pela solidariedade e cooperação internacional universal. Outra opção seria um modelo multidimensional de deveres horizontais internos, onde estaria a responsabilidade de cada Estado em relação ao seu povo e todas as pessoas sobre sua jurisdição, e verticais internacionais, em relação aos outros Estados (e/ou povos representados por eles). Sendo a responsabilidade primária a horizontal interna e a secundária a vertical internacional. Ibid., p. 82-83. Ademais, as Nações Unidas e as suas operações de manutenção da paz, estão obrigadas a respeitar os direitos humanos internacionais e o direito internacional humanitário. Ibid.; no mesmo sentido: PETERS, op. Cit., loc. Cit., 1102 PETERS, op. Cit., loc. Cit., 1103 PETERKE, op. Cit., p. 86.
259
condições, razão pela qual uma perspectiva holística do direito internacional se coloca
imprescindível.1104
A importância não apenas teórica, como também prática do
reconhecimento dessa nova dimensão dos direitos humanos é constatada por Paulo
Bonavides, para quem “um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta
historicamente aos da liberdade e da igualdade”. Assim, dotados de forte carga de
humanismo e universalidade, “os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se
no final do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à
proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado
Estado.1105
Outra contribuição importante para o entendimento da solidariedade como
um direito é dada por Henry Shue, defensor de que o direito à solidariedade se
manifesta no dever de não se criar vulnerabilidades sociais que impeçam outros
indivíduos de desenvolver sua capacidade de participação social como cidadão
(direito de não ser prejudicado na participação cidadã) e de ajudar aqueles que já se
encontram em situação de vulnerabilidade social, ou seja, que já estão com a sua
capacidade de usufruir dos seus direitos de cidadania diminuída.1106
Do que se apresentou até aqui, percebe-se que a afirmação dos direitos
humanos de solidariedade parece ser hoje mais imprescindível do que nunca, frente
à necessidade de medidas concretas e coordenadas para dirimir as vulnerabilidades
e ameaças aos direitos humanos decorrentes da irreversível interdependência entre
1104 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 87 apud TOMUSCHAT, Christian (Ed.). The modern law of self-determination. Dordrecht et al.: Martinus Nijhoff, 1993, p. 59. 1105 Ibid., p. 99 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 569-570. Existiriam também uma quarta e quinta dimensões dos direitos humanos. A quarta dimensão composta pelos direitos à democracia, à informação, ao pluralismo e à segurança genética, defendida por Paulo Bonavides, segundo o qual tais direitos seriam fruto da disseminação da globalização neoliberal pelo mundo na busca de concretizar a sociedade aberta para o futuro, fundada nos valores da participação política e da intervenção consciente no campo social, para o futuro da cidadania e o povir da liberdade de todos os povos. Ibid., loc. Cit., apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 571-572. 1106 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 59. Apud SHUE, Henry. Basic Rights: Subsistence, Affluence, and U.S. Foreign Policy, 1980.
260
os Estados.1107 Entretanto, a verificação formal de “novos” direitos humanos, para que
sejem plenamente justiciáveis, não se pode dar de maneira desenfreada e
irresponsável. Portanto, um sentido jurídico concreto destes direitos vai ao encontro
de conceitua-los em sintonia com os direitos já expressamente estabelecidos, para a
confirmação de que as reinvindicações e lutas que os direitos de solidariedade
exprimem são indubitavelmente legítimas e inafastáveis.1108
Por isso, é correta a associação dos direitos de solidariedade ao direito
internacional dos direitos humanos, uma das áreas mais dinâmicas do direito
internacional público, principalmente no que se refere à introdução de novos conceitos
com uma perspectiva menos estatocêntrica para o desenvolvimento das políticas
públicas internacionas de interesse da humanidade por inteiro, tomando a
justiciabilidade e todas as objeções à qualidade e ao peso jurídico dos direitos de
solidariedade com racionalidade.1109
Nesta trilha, Sally J. Scholz afirma que o direito à solidariedade implica
responsabilidade, razoabilidade, justiça e direito. Em seu artigo "Solidarity as a Human
Right"1110 defende que o direito à solidariedade como um direito humano pode ser
entendido como o direito negativo de não ser prejudicado por vulnerabilidades sociais
no exercício dos direitos de cidadania (solidariedade cívica no sentido do
reconhecimento mútuo). Assim, a solidariedade não só apoia ou sustenta outros
direitos, mas é em si também um direito humano.1111
Tal visão do direito à solidariedade como um direito negativo e não como
direito positivo à subsistência, já as medidas são destinadas a compensar os impactos
1107 WELLMAN, Carl. Solidarity, the Individual and Human Rights. In: HUMAN RIGHTS QUARTELY: A Comparative and International Journal of the Social Sciences, Humanities, and Law. Volume 22. Number 1. The Johns Hopkins University Press: February, 2000. p. 642. 1108 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). – Curitiba: Appris, 2013. p. 88. 1109 Ibid., p. 87-88. 1110 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES
VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 59. Apud SHUE, Henry. Basic Rights: Subsistence, Affluence, and U.S. Foreign Policy, 1980. 1111 Sally desenvolve tal argumento com base no idealismo alemão de Fichte e Hegel no sentido de
solidariedade como reconhecimento mútuo é uma condição prévia para os direitos humanos. Ibid.,
261
negativos de determinados desenvolvimentos sociais1112 de onde derivam um
conjunto de direitos protegidos pelo Estado, por organizações regionais, e organismos
internacionais1113, com estreita conexão com a equidade que faz o direito à
solidariedade ser ao mesmo tempo um direito individual e coletivo, justamente em
função das instituições, valores e estruturas da sociedade e demais padrões de
solidariedade social que representam uma forma de unidade que faz a mediação entre
o indivíduo e a comunidade.1114
Por este motivo as vulnerabilidades sociais estão diretamente associadas
à solidariedade, já que são frutos da própria estrutura da sociedade, principalmente
na complexa e interdependente sociedade globalizada atual, que, geralmente age
como instituição criadora de deficits sociais, já que os valores e condições sociais
colocam algumas pessoas em desvantagem a outras (em situações sociais
insensíveis ou injustas)1115, preconizando um dever de assistência recíproca entre
todos, em especial àqueles indivíduos, comunidades culturais e sociedades nacionais
menos favorecidas e que se encontram submetidos a circunstâncias precárias e
desfavoráveis ao seu pleno desenvolvimento humano, carecedores de uma justiça
social gerenciada pela comunidade global.1116
O reconhecimento ético-político dos direitos humanos fundado na ideia de
reciprocidade também encontra fundamentos propiciados pelos pressupostos teóricos
de Immanuel Kant e John Rawls1117, mediante o reconhecimento de fins e valores que
efetivamente orientam a comunidade humana a se associar em torno de um projeto
comum. Ou seja, o reconhecimento ético-político de fins e valores que figuram como
compartilhados por todos os seres humanos de modo a embasar a instituição dos
direitos de solidariedade e de estruturas burocrático-estatais capazes de dar conta da
1112 KIRSTE, Stephan; PUNTSCHER-RIEKMANN, Sonja; SCHMALENBACH, Kirsten; WYDRA, Doris: Introduction to the Special Issue “Transnational Solidarity – Na Interdisciplinary Approach” In: BRUHA, Thomas. et al. Archiv des Völkerrechts: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, Mohr Siebeck, Hamburg. März, 2014. p.p. 5-6. 1113 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 67. 1114 Ibid., páginas 54-59. 1115 Ibid., páginas 54-55. 1116 MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 214. Apud RAWLS, John. O liberalismo político. p. 53-58; RAWLS, John. O direito dos povos. p. 102-106. 1117 Ibid., p. 173-174.
262
sua efetivação.1118 No mesmo sentido, Bo Rothstein, em sua obra “Creating a
Sustainable Solidaristic Society: A Manual”, afirma que a solidariedade está
diretamente ligada à reciprocidade, que "é a orientação humana básica" na busca de
uma justiça solidária.1119
Em consequência, um direito à solidariedade protegeria os indivíduos de
serem excluídos da participação civil em função de vulnerabilidades resultantes do
sistema social a que estão sujeitos, mas sobre o qual ele não tem controle. Justiça
solidária é, portanto, baseada na crença de que todos os outros membros da
sociedade irão agir de maneira solidária, e confiança social é o ponto crucial de
manutenção da solidariedade.1120 Por outro lado, isso não significa que a sociedade
como um todo é responsável por garantir todos os caprichos individuais por
direitos1121, mas que deve se comprometer para reduzir, tanto quanto possível as
desigualdades sociais na ajuda principalmente àqueles que estão em situação mais
difícil.1122
Segundo Markus Tobias Kotzur e Kirsten Schmalenbach, o direito de não
ser prejudicado por vulnerabilidades sociais tem origem tanto na solidariedade entre
1118 MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 187-188. “A perspectiva de fundamentação dos direitos humanos que se erige em torno de pressupostos kantianos e rawlsianos supera, deste modo, insuficiências de fundamentos que afligem a composição normativa moderna e contemporânea destes direitos e que derivam de perspectivas jusnaturalistas tradicionais e juspositivistas, na medida em que considera o conteúdo substancial que se inscreve no cerne das instituições conformadas por uma sociedade política como resultado da mediação dinâmica e evolutiva que se dá entre a idealidade valorativa manifesta pelos indivíduos e a tradição intersubjetivamente e interculturalmente reconhecida no contexto associativo, confiando a tarefa reflexiva concernente à avaliação e à determinação da razoabilidade moral das (manifest)ações culturais de acordo com a aplicação de um critério objetivo que exige a manutenção da reciprocidade nas e pelas instituições politicamente constituídas e estruturadas, desde o âmbito cultural mais restrito até o âmbito cultural mais abrangente, mediante o reconhecimento de fins e valores que efetivamente orientam a agregação humana e a organização associativa em torno de um projeto comum. A proposição de fundamentação necessita, assim, do reconhecimento ético-político de fins e valores que possam ser compartilhados por todos os seres humanos de modo a dar azo à instituição de direitos condizentes e de estruturas burocrático-estatais capazes de dar conta de sua efetivação.” Ibid., loc Cit., 1119 ROTHSTEIN, Bo. Creating a Sustainable Solidaristic Society: A Manual. Social Europe Journal, 2011, 6:1(Summer/Autumn), pp. 22-32. Bo Rothstein, conclui que a maioria das pessoas estão dispostas a estabelecer uma relação solidária para objetivos comuns, mesmo que eles não venham a se beneficiar pessoalmente disto, só pelo fato de confiar que a maioria dos outros agentes em sua sociedade irão se comportar também de uma maneira confiável e solidária, em reciprocidade por uma justiça solidária, necessária em uma sociedade solidária. 1120 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 63. 1121 Ibid., p. 58. 1122 STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. 2004, p.35.
263
as pessoas (cidadãos), como entre os povos e as nações, em função de ser a
solidariedade um princípio estrutural do direito internacional.1123
No entanto, o direito de solidariedade, como um dos componentes da
cultura jurídica contemporânea, não pode ser reduzido nem ao direito moderno, nem
ao direito clássico, por traduzir uma positividade sui generis, intricada e flexível, a fim
de garantir a governabilidade da sociedade contemporânea.1124
Tal perspectiva de fundamentação ético-política1125 dos direitos humanos
fomenta a ideia de que os direitos humanos, permeados pela solidariedade, podem
se favorecer de maior afirmação no contexto global, elevando-se ao status de
paradigma político-jurídico qualificado para responder aos desafios da
contemporaneidade, mediante a adoção de parâmetro ético cívico objetivo que
prescinde reciprocidade e razoabilidade para a comunhão de interesses, bem como
1123 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 69, 111. 1124 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 5. Assim, o contemporâneo direito à solidariedade estaria em descontinuidade com relação ao direito moderno e ao direito clássico, e sua alimentaria de perspectivas jusnaturalistas tradicionais e juspositivistas dogmáticas. Segundo Josué Emilio Möller, tal conformação tem o condão de superar tanto a perspectiva comum de fundamentação adotada por pensadores jusnaturalistas, que se restringe a justificar os direitos humanos enquanto pretensos direitos naturais inatos pertencentes a todos os seres humanos, como a perspectiva de fundamentação adotada por pensadores juspositivistas, que se restringe a justificar os direitos humanos apenas enquanto direitos positivados. MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 174. 1125 “A perspectiva de fundamentação filosófica dos direitos humanos que espera promover a ruptura com o modelo de restrição epistemológica positivista e superar os subterfúgios, os obscurantismos e as insuficiências filosóficas – provavelmente bem intencionados – que permeiam clamores e defesas inflamadas que pugnam pela imediata implementação dos direitos humanos positivados no âmbito mundial, e que frequentemente se perdem em retórica vazia ao desconsiderar a importância constitutiva que argumentos éticos, políticos, jurídicos, teológicos, étnicos, e, sobretudo, culturais, possuem para a conformação de fundamentos que legitimem a sua institucionalização e normatização, deve adotar uma postura transdisciplinar apta para cooptar diferentes componentes e fatores que pareçam contribuir para a agregação humana em torno de fins e valores que viabilizem a coexistência e a convivência harmoniosa e pacífica de indivíduos e de comunidades culturais díspares em um amplo espeço comum que condiz com o tamanho do globo terrestre. A construção filosófica de um projeto comum que almeja fomentar a conformação de uma sociedade mundial atrelada ao reconhecimento dos direitos humanos deve enfrentar a problemática dicotomia, que também pode ser percebida como um paradoxo, que se instaura entre a pretensão ideal de obter-se um amplo reconhecimento destes direitos dotados de validade universal e de potência absoluta, e a detecção do contexto factual de relativismo cultural que denota a realidade de a institucionalização de direitos ocorrer a partir de interesses intersubjetivamente compartilhados capazes de dar azo a uma organização da comunidade sob a forma de sociedade.” MÖLLER, op. Cit., p. 181-182.
264
para a convergência de fins e valores fundamentais que devem estar presente em um
ordenamento jurídico global.1126
De igual opinião é José Fernando de Castro Farias, para quem o direito de
solidariedade é um paradigma jurídico, ou seja, ele expressa um tipo específico de
racionalidade jurídica, ele exprime uma forma sui generis da epistemologia do
direito.1127 Assim, o direito de solidariedade se apresenta como um conjunto valorativo,
normativo e cognitivo, no qual busca-se fazer interações entre o direito e o fato social
numa perspectiva de imanência e de estratégia cognitiva habilitada a permitir a
superação das diferenciações dogmáticas do direito (como exemplo: sujeito e objeto,
público e privado, coletivo e individual), para adotar-se uma relação de complexidade,
de interdependência, de complementaridade e de aberta comunicação, na busca da
racionalidade solidaria que se apresentar como um método de intermediação dos
conflitos sociais.1128
Desta feita, o direito de solidariedade teria a função de problematizar o
direito, com base na positividade jurídico-política do saber jurídico contemporâneo1129
e como parte de um esforço jurídico marcado por uma autopoiese: “o direito de
solidariedade seria uma hipótese de auto-referência, pois o saber jurídico é a maneira
pela qual o direito se oferece à sua própria reflexão”.1130 Ou, em outras palavras, “a
racionalidade jurídica do direito de solidariedade não procura sua “diretiva” em
critérios externos ou transcendentes, mas sim numa lógica de imanência”.1131
Assim sendo, os direitos humanos de solidariedade não restringem, mas
sim ampliam, aprimoram e fortalecem o corpus dos direitos humanos já reconhecidos,
revelando novas dimensões de implementação dos direitos humanos, e contribuindo
1126 MÖLLER, Josué Emilio. A Fundamentação Ético-Política dos Direitos Humanos. 1ª ed. (ano 2006), 4ª tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 171-172. 1127 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 5. 1128 Ibid., loc. Cit., 1129 Ibid., p. 7. 1130 Ibid., páginas 5-6. 1131 Ibid., p. 7.
265
para analisar e clarificar o contexto social contemporâneo que urge por um
aprimoramento no tratamento do conteúdo normativo desses ‘novos’ direitos.1132
Para Hauke Brunkhorst1133, em sua obra “Solidarity: From Civic Friendship
to a Global Legal Community”1134, solidariedade é também um direito, ou em suas
próprias palavras: “solidariedade não é misericórdia, mas um direito. A solidariedade
não é outra coisa que justiça”.1135
Assim, delineando uma concepção de solidariedade que combina história,
teoria normativa e sociologia política, Brunkhorst, utilizando temas centrais da
democracia constitucional moderna, desenvolve um conceito normativo de
"solidariedade democrática", universalista1136 e fundamentada na defesa dos direitos
humanos, como vínculo entre os cidadãos livres na realização democrática da
liberdade individual que reconhece a responsabilidade solidária original conjunta
[Solidarhaftung]1137 e equitativa, mas não por isso idêntica em todas as suas
características.1138
A Solidariedade em Brunkhorst representa uma ambição audaciosa na
busca de estabelecer um conceito normativo de solidariedade que repensa a relação
entre democracia, direito, globalização e solidariedade, capaz de fornecer a ponte
entre os diferentes modos de integração social e sistêmica da sociedade1139,
1132 HORTA, José Luiz Borges. HISTÓRIA DO ESTADO DE DIREITO. São Paulo: Alameda, 2011. p. 228 Apud, TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p.58. 1133 Hauke Brunkhorst, seguindo a trajetória de Emile Durkheim desenvolve a teoria de Luhmann sobre os sistemas sociais e diferenciação funcional e pluralismo na sociedade moderna, mas diferente de Luhmann acredita que solidariedade é um conceito bastante frutífero. Juntamente com Habermas, Brunkhorst compartilha uma preocupação sobre deliberações democráticas, justiça social e aspectos normativos da sociedade em um mundo globalizado. BRUNKHORST, Hauke. Solidarity: From civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction viii. 1134 Ibid., 1135 Ibid., p. 3. Além de ser, também, um conceito “frutífero”. 1136 Segundo Steinar Stjernø, A ambição universal do conceito democrático de direitos humanos seria, neste caso, seria uma solução normativa para globalizar a solidariedade igualitária, já que a solidariedade deve ser expressa nas instituições democráticas e balisada em um sistema legal de direitos. STJERNØ, Steinar. Solidarity in Europe: The History of an Idea. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 307-308, 326. Apud BRUNKHORST, Hauke. Solidarity – from civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. 1137 BRUNKHOST, op. Cit., páginas 60-66. 1138 Ibid., translator´s Introduction viii. 1139 Ibid., p. 5.
266
pressupondo que ninguém seja excluído, como um projeto prático que possa criar uma
solidariedade igualitária entre estranhos, todos cidadãos do mundo.1140
Já para Kate Cook, definir a solidariedade como um direito humano é dizer
que ela é necessária para se estar em uma comunidade humana1141 num quadro de
defesa proativa de todos os direitos humanos de todos os seres humanos. Este
aspecto relacional da solidariedade é elemento chave, ligado ao desejo de agir e,
como tal, contribuir para a concretização deste fim. A solidariedade é, portanto, valor
que dá vitalidade para todos os direitos humanos, sendo também um princípio
definidor geral da defesa dos direitos de todos os indivíduos, sem exclusão.1142
Desta forma, os direitos humanos abarcariam os direitos de solidariedade
que trabalham para a conformidade dos direitos de todos, em manifestação do
princípio da solidariedade.1143 Ou seja, abarcariam a incansável “busca da formação
de uma rede global pelos direitos humanos, perstistente diálogo para criar um valor
universal da humanidade”.1144
No momento atual, Virgínia Dandan corrente perita independente das
Nações Unidas sobre direitos humanos e solidariedade internacional, em continuidade
aos trabalhos de Rudi Muhammad Rizki, se diz convencida de que a solidariedade
está preparada para ser reconhecida como um direito humano, tanto que já propôs o
esboço da Declaração dos Direitos de Solidariedade, apresentado em vários
encontros regionais para especialistas de todo o mundo, e que atualmente está sendo
reconfiguranda e adequanda, seguindo recomendação do Secretário Geral das
Nações Unidas, em função de questões levantadas por experts em direitos humanos
de todo o mundo nas consultorias regionais sobre o assunto.
1140 BRUNKHORST, Hauke. Solidarity: From civic friendship to a global legal community. Tradução para o inglês de Jeffrey Flynn. Massachusetts: MIT Press, 2005. Translator´s Introduction viii. 1141 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 58. 1142 COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 672. 1143 COOK, op. Cit., p. 662-663. Apud W. Sweet. Philosophical Theory and the Universal Declaration of Human Rights. University of Ottawa, 2003. p. 227. 1144 ATHAYDE, Austregésilo de, 1898-1993. DIÁLOGO: Direitos Humanos no Século XXI. Austregésilo
de Athayde e Daisaku Ikeda; tradução de Masato Ninomiya – Rio de Janeiro: Record, 2000.
267
O entusiasmo de Virgínia Dandan tem respaldo na corrente dominante
sobre o tema, que tentando dar um sentido mais concreto à caracterização da
natureza jurídica dos direitos de solidariedade, os tratam como “direitos humanos
superiores” ou “tetos”, baseados nos direitos humanos individuais, mas enriquecidos
por interesses essenciais da humanidade como um todo, entre outros, a preservação
do meio ambiente, paz e desenvolvimento sustentável1145, que posicionam a
solidariedade como um componente imprescindível do direito internacional, um
verdadeiro direito humano que luta por reconhecimento e se manifesta com vistas a
garantir os direitos essenciais à vida e à dignidade humana, forçando os Estados, e
os demais entes poderosos e estratégicos da comunidade internacional, a fortificar a
importância da solidariedade, pelos vínculos do direito, na salvaguarda de todos os
direitos humanos de todos os seres humanos e influencia orientações interpretativas,
seja na ajuda de preencher as lacunas onde não existem regras específicas, como no
auxílio na interpretação das regras que dão origem a ambiguidades.1146
4.1.3 O Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e
Indivíduos à Solidariedade Internacional
A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, na resolução
2005/55, observando a existência que a crescente e insustentável disparidade entre
as economias desenvolvidas e em desenvolvimento impedem a realização dos
direitos humanos dos integrantes mais vulneráveis da comunidade internacional,
1145 PETERKE, Sven. OS DIREITOS HUMANOS COLETIVOS E A PROTEÇÃO DOS INTERESSES FUNDAMENTAIS DA HUMANIDADE: AVANÇOES E IMPASSES. p. 17-88. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer et al. (orgs.). Direitos Humanos de Solidariedade: avanços e impasses. – Curitiba: Appris, 2013. p. 79 apud RIEDEL, Eibe. Theorie der Menschenrechtsstandards. Funktion, Wirkungsweise und Begründung wirtschaftlicher und sozialer Menschenrechte mit exemplarischer Darstellung der Rechte auf Eigentum und Arbeit in verschiedenen Rechtsordnungen. Berlim: Duncker & Humblot, 1986, p. 311. 1146 PETERSEN, Niles. "Customary Law Without Custom? Rules, Principles, and the Role of State Practice in International Norm Creation." American University International Law Review 23, no.2 (2007): 275-310.; COOK, Kate. Solidarity as a Basis for Human Rights. Part One: Legal Principle or Mere Aspiration? In: COOPER, Jonathan (editor). European Human Rights Law Review. Volume 17, Sweet & Maxwell/Thomson Reuters: London, 2012. p. 513.
268
reconheceu a importância da solidariedade internacional como um componente vital
dos esforços dos países rumo à realização do direito ao desenvolvimento de todos os
povos, na promoção do pleno gozo dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais, e desta forma, decidiu iniciar os trabalhos para a elaboração de um projeto
de Declaração do direito dos povos e dos indivíduos à Solidariedade Internacional1147
como meio de qualificar a solidariedade como instrumento de atuação anti-
hegemônica frente os aspectos danosos, opressores e excludentes da globalização
mundial.
Para que isso seja possível, a Comissão de Direitos Humanos das Nações
Unidas, em um esforço de reafirmação dos direitos humanos em conformidade com
os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional
(especialmente do direito ao desenvolvimento e do direito internacional direitos
humanos), vem ressaltando a importância da solidariedade para as relações
internacionais no século XXI, e reconheceu que os chamados "direitos de
solidariedade" estreitamente relacionados entre si ao valor fundamental da
solidariedade precisariam de maior desenvolvimento dentro arcabouço dos
dispositivos onusianos de direitos humanos, a fim de ser capaz de responder aos
crescentes desafios mundiais neste domínio.
Por tais motivos, decidiu desenvolver novas orientações, normas e
princípios com vista a promover e proteger os direitos estreitamente relacionados ao
valor fundamental da solidariedade, nomeando um Perito Independente1148 sobre
1147 ONU, (2005). Human Rights Resolution 2005/55: Human rights and international solidarity. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=E/CN.4/RES/2005/55>. Acesso em 24/01/2017. Adotada por votação nominal de 37 votos a 15, com 1 abstenção.; DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1148 As tarefas do Perito Independente sobre Direitos Humanos e Solidariedade Internacional inclui a promoção a realização do direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional, através do desenvolvimento das diretrizes, normas e princípios que reforcem o gozo deste direito fundamental e da adoção de medidas a nível regional e internacional, para promover e consolidar a assistência internacional aos países em desenvolvimento na promoção de condições que tornam a plena realização de todos os direitos humanos possíveis. Assim, obter opiniões e contribuições de governos, agências das Nações Unidas e outras organizações internacionais relevantes e organizações não-governamentais são parte das tarefas do mandato do Perito Independente, tendo em conta os resultados de todas as principais cimeiras mundiais das Nações Unidas e outras reuniões ministeriais nos domínios econômico e social que o tornem apto para analisar as formas e os meios de superar os obstáculos existentes e emergentes para a realização do direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional. Fazer recomendações sobre possíveis medidas com vista a alcançar progressivamente
269
Direitos Humanos e Solidariedade Internacional, a quem foi solicitando estudar a
questão e preparar o mencionado projeto de Declaração sobre o direito humano à
solidariedade internacional.1149
O primeiro Especialista Independente sobre direitos humanos e
solidariedade internacional foi Rudi Muhammad Rizki, falecido em 2011, que deixou
como legado a seguinte definição:
“solidariedade Internacional não se limita a assistência e cooperação
internacional, ajuda, caridade ou assistência humanitária; é um conceito mais amplo e que inclui
o princípio da sustentabilidade nas relações internacionais e nas relações econômicas
internacionais, coexistência pacífica de todos os membros da comunidade internacional,
parcerias iguais, e a partilha equitativa dos benefícios e dos encargos; abstendo-se de fazer o
mal ou colocar obstáculos ao bem-estar dos outros, inclusive no sistema econômico
internacional e no nosso habitat ecológico comum, o qual todos são responsáveis.”1150
A atual Perita Independente sobre Direitos Humanos e Solidariedade
Internacional, Virginia Dandan1151, nomeada em junho de 2011, dando continuidade
ao trabalho de Rudi Rizki1152, passou a explorar e examinar questões, princípios,
a plena realização do direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional, e sugestões para enfrentar os desafios crescentes de cooperação internacional e trabalhar em estreita cooperação com todos os Estados e organizações intergovernamentais e não-governamentais, bem como com outros atores relevantes que representam o maior número possível de interesses e experiências, também esta incluída entra as atividades a serem desenvolvidas pelo Perito Independente, para integrar plenamente a efetiva realização do direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional nas atividades das Nações Unidas, além de ter o dever de participar e contribuir para relevantes conferências e eventos internacionais, com o objetivo de promover a realização do direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional. ONU, (2015). United Nations Human Rights Council. Independent Expert on Human Rights and International Solidarity. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/Issues/Solidarity/Pages/IESolidarityIndex.aspx> acesso em 01 de fevereiro de 2015. 1149 ONU, (2005). Human Rights Resolution 2005/55: Human rights and international solidarity. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=E/CN.4/RES/2005/55>. Acesso em 24/01/2017. Adotada por votação nominal de 37 votos a 15, com 1 abstenção. 1150 RISKI, Rudi Muhammad. ONU Doc. A/HRC/ 15/32. Human Righs Council - United Nations. Report of the independent expert on human rights and international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G10/149/14/PDF/G1014914.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1151 Em 2014, o mandato de Virgínia Dandan foi renovado por um período de mais três anos, ou seja até 2017. ONU, (2014) ONU Doc. A/HRC/RES/26/6. Resolution adopted by the Human Rights Council: Mandate of the Independent Expert on human rights and international solidarity. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/RES/26/6>. Acesso em 24/01/2017. 1152 Trabalho onde a solidariedade internacional tinha sido identificada como tendo várias formas, como uma concepção fundamental de reforço mútuo das relações entre as pessoas, grupos e nações, ou seja, um elemento de ligação essencial que vem sustentando parcerias globais como componente indispensável dos esforços para a realização de todos os direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento e os objetivos de desenvolvimento do milênio. ONU, United Nations Human Rights Council. Independent Expert on Human Rights and International Solidarity. Disponível em:
270
padrões e normas, relacionados à solidariedade internacional, por meio de visitas e
consultorias em vários Estados e outros entes internacionais interessados, além da
sociedade civil e experts no assunto, para a elaboração do Projeto de Declaração
sobre o direito dos povos e indivíduos a solidariedade internacional, a ser apresentado
à Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio do seu Conselho de Direitos
Humanos.1153
Em resultado, um texto preliminar do Projeto de Declaração sobre o Direito
dos Povos e Indivíduos a Solidariedade Internacional1154 foi divulgado através de nota
verbal aos Estados-Membros e outras partes pertinentes no final de 2013, com vista
a suscitar comentários e novas consultorias antes de sua efetiva finalização.
O texto preliminar do projeto de declaração sobre o direito dos povos e
indivíduos a solidariedade internacional, faz menção ao Preâmbulo da Carta das
Nações Unidas, em particular à determinação dos Estados em afirmar a fé nos direitos
humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de
direitos entre homens e mulheres, e entre as nações grandes e pequenas, para
estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes
de tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, promovendo
o progresso econômico e social de todos os povos. O texto também faz menção à
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, à Declaração e Programa de
Ação de Viena de 1993, à Declaração sobre o direito ao Desenvolvimento de 1986, e
à Declaração do Milênio em 2000.1155
<http://www.ohchr.org/EN/Issues/Solidarity/Pages/IESolidarityIndex.aspx> acesso em 01 de outubro de 2016. 1153 UN. United Nations Human Rights Council. Independent Expert on Human Rights and International Solidarity. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/Issues/Solidarity/Pages/IESolidarityIndex.aspx> acesso em 01 de outubro de 2016. 1154 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1155 O Projeto de Declaração em seu preâmbulo recorda o reconhecimento da solidariedade como valor fundamental para as relações internacionais no século XXI, como estabelecido na declaração adotada pelos chefes de Estado e de Governo na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, afirmando que: desafios globais devem ser geridos em uma forma que distribui os custos e encargos de forma justa, de acordo com os princípios básicos de equidade e justiça social; aqueles que se beneficiam menos, merecem a ajuda dos que beneficiam mais; a responsabilidade pela gestão do desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, bem como as ameaças à paz e à segurança internacionais, deve ser compartilhada entre as nações do mundo e ser exercida multilateralmente (United Nations
271
A esta altura, é oportuno notificar que Virgínia Dandan esclareceu que a
Declaração proposta não tem o condão de criar novas normas e obrigações, mas sim
procura dar um significado solidário às obrigações internacionais já existentes, com
vista a promover a aplicação e a prestação de contas do cumprimento, defesa e
promoção dos direitos humanos.1156
Millennium Declaration, UN Doc. A/55/49 (2000), para. 6.), além de suas responsabilidades separadas para as suas sociedades individuais, eles têm um coletivo responsabilidade de defender os princípios da dignidade humana, igualdade e equidade a nível global (United Nations Millennium Declaration, UN Doc. A/55/49 (2000), para. 2.), bem como a vontade de criar um ambiente - a nível nacional e mundial, - o que é propício ao desenvolvimento e à eliminação da pobreza (United Nations Millennium Declaration, UN Doc. A/55/49 (2000), para. 12.). Recordando ainda que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, onde Membros adoptaram a Declaração de Viena e Programa de Acção em Junho de 1993, contém várias referências a noções de solidariedade e cooperação internacional; Assim, no preâmbulo, o respeito pelos princípios de "paz, democracia, justiça, igualdade, Estado de direito, do pluralismo, desenvolvimento, melhores condições de vida e da solidariedade" é citada e reforçada pela determinação de "dar novos passos em frente na o compromisso da comunidade internacional com vista a alcançar progressos substanciais nos esforços de direitos humanos por um esforço maior e continuada de cooperação e solidariedade internacional ", Considerando que, em fóruns de desenvolvimento, Membros estão a desenvolver cada vez mais consenso em torno da noção de responsabilidade mútua (OHCHR & CESR. (2013) Who will be Accountable? Human Rights and the Post-2015 Development Agenda. New York and Geneva.) descrito no Fórum de Alto Nível de Busan sobre a Eficácia da Ajuda como a necessidade de prestação de contas aos beneficiários da nossa cooperação, bem como aos nossos respectivos cidadãos, organizações, componentes e acionistas." (Ver Busan Partnership for Effective Development Cooperation 2011 Outcome Document and the OECD-DAC “Action-oriented policy paper on human rights and development” at www.oecd.org.) Sublinhando que a solidariedade internacional é uma concepção fundamental de que se reforçam mutuamente relações entre pessoas, grupos e nações; como um elemento de ligação essencial que sustenta parcerias globais; uma abordagem chave para a erradicação da pobreza; e um componente indispensável dos esforços para realizar todos os direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento, e os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, Afirmando que a solidariedade internacional não se limita a assistência e cooperação internacional, ajuda, caridade ou assistência humanitária; que é um conceito mais amplo e princípio de que inclui sustentabilidade nas relações internacionais, as relações económicas especialmente internacionais, a coexistência pacífica de todos os membros da comunidade internacional, parcerias iguais e a partilha equitativa dos benefícios e encargos (A/HRC/RES/18/5.) Tendo em conta a repetida ênfase na importância da cooperação pela Assembleia Geral constante da resolução 60/251 e no preâmbulo reconhecendo que "a promoção e proteção dos direitos humanos deve basear-se nos princípios da cooperação e do diálogo genuíno e que visa fortalecer a capacidade dos Estados-Membros para cumprir as suas obrigações de direitos humanos para o benefício de todos os seres humanos ", Reiterando o compromisso dos Estados expressa no último parágrafo da Declaração do Milênio: "A ONU é a indispensável casa comum de toda a família humana, através do qual procuraremos realizar as nossas aspirações universais de paz, cooperação e desenvolvimento. Nós, portanto, juramos nosso apoio para estes objetivos comuns e nossa determinação para alcançá-los." (Millennium Declaration, para. 32.). DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1156 ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Note by the Secretary-General: Human rights and international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N16/246/99/PDF/N1624699.pdf?OpenElement>. Acesso 24/01/2017.
272
O texto preliminar do Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e
dos Indivíduos à Solidariedade Internacional é composto de 13 Artigos.
O Artigo 1º apresenta uma definição de solidariedade internacional, vista
como a união de interesses, propósitos e ações entre os povos, os indivíduos, os
Estados e as suas organizações internacionais, para preservar a ordem e a própria
sobrevivência da sociedade internacional, com a finalidade de alcançar objetivos
comuns que requerem a cooperação internacional e ação coletiva baseada no sistema
normativo internacional de obrigações, deveres e responsabilidades mútuas. De
acordo com isso, a solidariedade internacional implementaria a promoção da paz,
segurança, desenvolvimento e direitos humanos, em conformidade com a Carta das
Nações Unidas, demonstrando a sua importância nas ações coletivas dos Estados
que tenham um impacto sobre o exercício e gozo dos direitos dos povos e dos
indivíduos, dentro e fora dos seus respectivos territórios, especialmente em matéria
de comércio bilateral e multilateral, investimento, tributação, finanças, proteção
ambiental e cooperação para o desenvolvimento.1157
Assim, a solidariedade internacional responderia à necessidade de
transformação global ligada aos objetivos de equidade, sustentabilidade, segurança e
capacitação tecnológica; aplicáveis a todos os países, e não apenas os países em
1157 Tais ações incluem a ratificação pelos Estados Partes das Nações Unidas dos tratados internacionais de direitos humanos; acordos e compromissos adotados e acordado entre os Estados nos âmbitos intergovernamentais, regionais e internacionais; as medidas e políticas de cada Estado em relação às suas relações externas, incluindo as suas ações no âmbito das organizações internacionais; e suas medidas nacionais e políticas que surgem ou informam compromissos internacionais. DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017.
273
desenvolvimento.1158 Nesse condão, o objetivo1159 geral da solidariedade
internacional, seria o de criar um ambiente onde todos os direitos humanos, incluindo
o direito ao desenvolvimento, possam ser realizados progressivamente por todos os
povos e indivíduos, através de medidas multilaterais de solidariedade empreendida
pelos Estados e organizações internacionais, em parcerias com os povos e indivíduos,
com vista a prevenir e remover as causas das assimetrias e desigualdades entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, atacando os obstáculos estruturais que
geram a pobreza em todo o mundo e promovendo a justa e equitativa distribuição dos
benefícios em um mundo globalizado, através da proteção e promoção dos direitos
humanos.1160
O Artigo 2º trata da solidariedade preventiva que visa superar as causas da
pobreza, da desigualdade e do desequilíbrio de gênero. É portanto, um instrumento
para a realização tanto da solidariedade intergeracional como intrageracional, sendo
componente vital do dever dos Estados para fornecer e buscar a cooperação
internacional com fins de assistência na execução das suas obrigações de direitos
humanos, em particular para com os povos e indivíduos mais vulneráveis e
1158 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. Article 1 1. International solidarity is the union of interests, purposes and actions between and among peoples, individuals, States and their international organizations, to preserve the order and the very survival of international society, and to achieve common goals that require international cooperation and collective action based on the international normative system of obligations, duties and responsibilities, which they implement and practice to foster peace and security, development and human rights, in accordance with the Charter of the United Nations. 2. International solidarity is evident in the actions collectively undertaken by States, that have a positive impact on the exercise and enjoyment of human rights by peoples and individuals within and outside of their respective territories, particularly in matters pertaining inter alia to bilateral and multilateral trade, investment, taxation, finance, environmental protection, and development cooperation. 3. These actions include ratification by States of the United Nations international human rights treaties; the commitments, agreements and pledges adopted and agreed upon between and among States at the intergovernmental, regional and international levels; the measures and policies by each State in relation to its foreign relations including its actions within international organizations; and its domestic measures and policies that arise from, or that inform their international commitments. 4. International solidarity responds to the need for transformative change that encompasses the objectives of equity, sustainability, security and empowerment that are applicable to all countries, not only developing countries. 1159 O objetivo geral da solidariedade internacional está presente no Artigo 4º do projeto de Declaração. 1160 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Op. Cit.,
274
marginalizados, em respeito pleno ao cumprimento de suas obrigações internacionais
junto às Nações Unidas.1161
Por sua vez, o “direito à solidariedade internacional”, é definido no Artigo 5º
do Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e dos Indivíduos à Solidariedade
Internacional e englobaria complexas, mas conhecidas, reinvidicações do direito
internacional contemporâneo1162 que garantiriam aos povos e os indivíduos
(individualmente ou em associação com outros no mesmo território e para além das
fronteiras nacionais) o benefício do estrito cumprimento de acordos e compromissos
entre os Estados nos níveis bilateral, intergovernamentais, regionais e
internacionais.1163 Como pondera Antônio Carlos Esteves Torres: “Não há
1161 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1162 Assim, o direito à solidariedade internacional condicionaria ao cumprimento dos propósitos e
princípios da Carta das Nações Unidas no verdadeiro espírito de unidade e harmonia; adesão aos princípios de justiça, equidade, coexistência pacífica, não-interferência, a autodeterminação, respeito mútuo e responsabilidade nas relações internacionais; o direito ao desenvolvimento como uma preocupação comum da humanidade a ser realizado com base em parcerias e no reconhecimento mútuo da responsabilidade entre todos os entes da comunidade internacional; equilibradas, justas e corretas parcerias dos Estados com base na cooperação internacional e assistência internacional; ajuda oficial ao desenvolvimento, e outros acordos de cooperação internacional nas circunstâncias contemporâneas de globalização e crescente interdependência; o reconhecimento da permanente soberania de cada Estado sobre a sua própria riqueza natural e recursos naturais; o direito e a responsabilidade de cada Estado e seus povos para determinar livremente os seus próprios objetivos de desenvolvimento social (definindo suas prioridades, meios e os métodos para a sua realização, sem qualquer interferência externa, mas em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas); responsabilidades dos diversos entes não estatais no processo de desenvolvimento; responsabilidade primária dos Estados no cumprimento de suas respectivas obrigações nacionais com os direitos humanos, além da prestação de contas de todos os Estados aos seus cidadãos sobre a implementação de sua política externa, acordos e parcerias bilaterais, regionais e internacionais; a prestação de contas de todos os Estados ante as estruturas e mecanismos internacionais, com o objetivo de respeitar, proteger, promover e cumprir os direitos humanos, incluindo o respeito pela diversidade cultural e o direito à paz; obrigações extraterritoriais dos Estados, conjuntamente compartilhadas com outros Estados; as boas práticas de ação coletiva - seja entre indivíduos, povos ou Estados - que ajudem a avançar no respeito, proteção e cumprimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; o alcance da igualdade de gênero em todas as iniciativas de desenvolvimento sustentável, inclusive em áreas relacionadas com as alterações climáticas, a gestão da água, geração de energia renovável, o acesso a recursos, serviços, proteção social, educação e mercados; análise estrutural e consequente desmantelamento das causas que perpetuam a discriminação, a pobreza e a violação dos direitos humanos das mulheres; e, por fim, as parcerias globais destinadas a realização da Agenda de Desenvolvimento das Nações Unidas. DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Op. Cit., 1163 Por sua vez, o Artigo 7º do projeto de Declaração agasalha a ideia de que o direito dos povos e indivíduos à solidariedade internacional também incluiria: buscar, obter, receber e transmitir aos outros, informações sobre o seu direito de solidariedade internacional, e de ter acesso ao conhecimento sobre tal direito e às suas liberdades relacionadas, nos sistemas legislativos, judiciais ou administrativas nacionais e internacionais; estabelecer espaços políticos a nível nacional ou transnacional, em que os atores em diferentes situações e locais possam pacificamente compartilhar e divulgar informações,
275
propriamente novos direitos incidentes sobre novas circunstâncias”1164. Ou seja, no
arranjo feito pelo projeto de Declaração o que interessa é a contrubuição da
solidariedade como reforço para e efetivação de todos os direitos humanos já
reconhecidos internacionalmente.
Os titulares do direito à solidariedade são confirmados no Artigo 6º do
Projeto de Declaração proposto, sendo estes os povos e os indivíduos.1165 Com base
neste artigo, se anuncia que o direito à solidariedade internacional é um direito
humano fundamental que os povos e os indivíduos têm com fonte na liberdade,
igualdade, não-discriminação, bem como nas normas e princípios de direitos humanos
já codificados em instrumentos jurídicos internacionais1166.
Por conseguinte, o Artigo 6º da declaração, já antecipa o enunciado do
Artigo 8º ao evidenciar que o destinatário do direito à solidariedade internacional é o
Estado, referindo-se às obrigações dos Estados que estão estabelecidas em tratados
internacionais de direitos humanos, com a adição de responsabilidades comuns, mas
diferenciadas, decorrentes de interações nos vários domínios relevantes nos planos
nacional, regional e internacional.1167
A letra do Artigo 8º apregoa serem os Estados os destinatários diretos do
direito de solidariedade, ou seja, os detentores de obrigações internacionais principais
interagir uns com os outros com relação a interesses sociais, culturais e políticos, a fim de promover o respeito, a proteção e o cumprimento de todos os direitos humanos para todos; formar, interagir e participar de organizações, redes virtuais, ou grupos, nos níveis regional e internacional; buscar reparação ante os mecanismos nacionais e internacionais de direitos humanos, no caso de falha por parte dos Estados para cumprir os compromissos assumidos a nível regional e internacional que resulte em privação e / ou violações dos direitos humanos. ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Note by the Secretary-General: Human rights and international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N16/246/99/PDF/N1624699.pdf?OpenElement>. Acesso 24/01/2017.; DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1164 TORRES, Antônio Carlos Esteves. ASPECTOS DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E OS NOVOS
DIREITOS. p. 17 a 49. In: A essencialidade do conhecimento, da cidadania, da dignidade, da igualdade e da solidariedade como elementos para a construção de um Estado Democrático Constitucional de Direito na contemporaneidade brasileira. JÚNIOR, Mauro Nicolau (coordenador) [et al.]. Curitiba: Juruá, 2007. 1165 ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Note by the Secretary-General: Human rights and international solidarity. Op. Cit., 1166 Concernentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos civis e políticos,
além do direito ao desenvolvimento. 1167 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Op. Cit.,
276
para com a solidariedade. Seu enunciado também identifica e estabelece as
responsabilidades dos Estados em termos gerais,1168 notificando que quando algum
dos membros da comunidade internacional não dispor dos recursos necessários para
a plena realização dos direitos estabelecidos em tratados internacionais de direitos
humanos, os Estados em condições de fazê-lo devem fornecer a assistência
internacional necessária, atuando separadamente e em conjunto,contribuindo
solidariamente para o cumprimento dos direitos humanos em outros Estados, com
fulcro nos princípios fundamentais do direito internacional dos direitos humanos da
não-discriminação e igualdade (incluindo a igualdade de gênero), participação,
transparência e prestação de contas.1169
Já os artigos 9º a 12 delineiam as obrigações mais específicas relacionadas
ao direito à solidariedade internacional.1170
O Artigo 9º salienta que o direito à solidariedade internacional se direciona,
numa abordagem baseada nos direitos humanos, para a cooperação e parceria
internacional em resposta aos desafios globais1171, a fim de abordar as desigualdades
estruturais, tais como a desigualdade de gênero, na criação de um ambiente favorável
global para um desenvolvimento centrado nos indivíduos.1172
Coerentemente à esta abordagem, o Artigo 10º defende que o direito à
solidariedade internacional exige que a cooperação internacional deve ser baseada
em parceria, compromissos e obrigações recíprocas (o que implica responsabilidades
mútuas reforçadas através da transparência no uso de recursos de desenvolvimento
obtidos através da cooperação internacional); colocando os Estados parceiros
1168 ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Note by the Secretary-General: Human rights and international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N16/246/99/PDF/N1624699.pdf?OpenElement>. Acesso 24/01/2017. 1169 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1170 ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Op. Cit., 1171 Tais como as relativas à governança global, regulação e sustentabilidade nos domínios das
alterações climáticas, o ambiente, a assistência humanitária, comércio, finanças, tributação, o alívio de dívidas, tráfico humano, despejo de substâncias tóxicas resíduos, proteção social, cobertura de saúde universal, de saúde reprodutiva e sexual, segurança alimentar, gestão de recursos hídricos, recursos energéticos renováveis, padrões sociais, migração e trabalho e reforço da governança global participativa. 1172 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Op. Cit.,
277
responsáveis uns pelos outros, e cada qual por suas respectivas populações, a fim
dos melhores interesses destas, para que se alcance bons resultados das políticas,
estratégias e desempenho a níveis nacional, bilateral, regional e internacional,.1173
Neste pensar, o Artigo 11 propõe que os Estados devem se esforçar para
o cumprimento do direito à paz, na resolução pacífica dos conflitos internacionais, sem
recorrer a ameaças ou o uso da força. Afirma ainda que o direito à solidariedade
internacional mantém inviolável o direito de cada Estado e dos povos à
autodeterminação1174, mas em conformidade com os princípios da Carta das Nações
Unidas. Acrescenta ainda, que em virtude dos desafios comuns da humanidade no
mundo contemporâneo, a direito à solidariedade internacional exige que os Estados
atuem de forma comum e coletiva, mas com responsabilidades diferenciadas, tendo
em conta as vantagens históricas obtidas e as suas contribuições passadas para os
desafios que a humanidade enfrenta na atualidade.1175
O Artigo 12 pleiteia que, na elaboração e implementação1176 dos acordos
internacionais e normas afins, os Estados devem assegurar que os procedimentos e
os resultados serão totalmente compatíveis com as suas obrigações com os direitos
humanos, com vista à criação de um ambiente internacional propício para a realização
universal destes direitos, dentro e fora do seu território, ou seja, incluindo as suas
obrigações extraterritoriais. Para isso ter contornos concretos, seria também uma
responsabilidade dos Estados cooperar para a criação de mecanismos, nos níveis
nacional, regional e internacional, que venham a ser utilizados para responsabilizar
Estados, e entidades não estatais igualmente, por ações ou omissões que tenham
1173 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1174 Ou seja, de escolher livremente os seus próprios objetivos de desenvolvimento social, para definir
e decidir as suas próprias prioridades, os meios e os métodos de sua realização, sem qualquer interferência externa. 1175 Ora, é de conhecimento de toda a humanidade que o passado colonialista e neo-colonialista europeu está diretamente ligado ao legado de explotação, desigualdades e antagonismos sociais presentes em grande parte dos países em desenvolvimento ao redor do mundo. 1176 Incluindo as relativas ao comércio internacional, investimento, finanças, tributação, proteção
ambiental, cooperação para o desenvolvimento e segurança.
278
impacto negativo sobre o exercício e pleno gozo dos direitos humanos e liberdades
fundamentais.1177
Por fim, o Artigo 13 defende algumas outras responsabilidades estatais
concernentes ao ptriste cenário mundial de desigualdades e discriminações
(especialmente as baseadas nas questões de gênero). Assim, segundo este artigo,
os Estados devem respeitar e proteger a rica variedade e diversidade de culturas dos
povos e dos indivíduos; bem como o direito de participar, tanto local como
internacionalmente, na tomada de decisões, com acesso à comunicação e à livre troca
de informações sem restrições desnecessárias, garantido o direito individual à
privacidade. Os Estados devem assegurar também que haja uma representação
equilibrada dos dois sexos nas delegações dos Estados para fóruns de tomada de
decisões diplomáticas e internacionais, sobre todas as questões e níveis, e não
apenas sobre os direitos das mulheres. Além disso, os Estados devem cooperar em
conjunto, para abordar a discriminação baseada em gênero, a pobreza,
marginalização e violência. Os Estados deveriam levar em conta igualmente, as
ligações entre o tráfico de seres humanos e a corrupção, o terrorismo, o militarismo,
o comércio de armas pequenas e a violência baseada em questões de gênero.1178
Desta feita, o direito à solidariedade internacional exige que os Estados
envolvidos em ações de cooperação internacional se abstenham de impor
condicionalidades1179 que impeçam o pleno exercício e gozo dos direitos humanos
pelos povos e indivíduos.
1177 DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1178 Ibid., 1179 Nesta seara existem vários relatórios e artigos jurídicos de reconhecidos doutrinadores que
associam as políticas de condicionalidades para a obtenção de auxílios financeiros com a supressão de direitos humanos fundamentais. Conferir: HAVNEVIK, Kjell J. (ed). THE IMF AND THE WORLD BANK IN AFRICA: conditionality, impact and alternatives. Seminar Proceedings nº 18, Scandinavian
Institute of African Studies: Uppsala, 1987. Disponível na íntegra em inglês em: <https://www.diva-
portal.org/smash/get/diva2:277664/FULLTEXT01.pdf>. Acesso em 21/05/2016.; SPRAOS, John. ESSAYS IN INTERNATIONAL FINANCE. IMF CONDITIONALITY: INEFFECTUAL, INEFFICIENT, MISTARGETED. No. 166. Department of Economics Princeton University: Princeton/New Jersey, 1986. Disponível em: < https://www.princeton.edu/~ies/IES_Essays/E166.pdf>. Acesso 20/05/2016.; Eurodad Report, June 2006. World Bank and IMF conditionality: a development Injustice. Disponível em: <http://www.eurodad.org/uploadedfiles/whats_new/reports/eurodad_world_bank_and_imf_conditionality_report.pdf>. Acesso 21/05/2016.
279
Ademais, os Estados devem respeitar, proteger e promover as boas
práticas de ações coletivas pacíficas e produtivas - quer entre indivíduos, povos ou
entre os Estados - que dão origem a resultados comuns desejáveis na promoção dos
direitos humanos e liberdades fundamentais.1180
Ainda sob a égide do Artigo 13 é sustentado que o direito à solidariedade
internacional deverá impor aos Estados obrigações negativas específicas (que
incluiriam a não adoção de acordos de livre comércio que ponham em causa a
subsistência das pessoas ou outros direitos; não aumentar ou contribuir para o
aquecimento global, não causar o esgotamento ou danos irreparáveis aos recursos
naturais, não se envolver na negociação irregular de armas, e não impedir o acesso à
tecnologia da informação e comunicações), exigidas por instrumentos internacionais
de direitos humanos aplicáveis,.1181
Como informado, o texto preliminar do projeto de Declaração sobre o
Direito dos Povos e dos Indivíduos à Solidariedade Internacional passou por várias
consultorias1182 regionais onde se apanharam contribuições, esclarecimento, críticas
de especialistas das diversas regiões do mundo e foram levantando os seguintes
pontos a serem reavaliados: atualização do preâmbulo com vistas a amplificar o
quadro jurídico base da solidariedade internacional; articular a conceituação e a
natureza do direito à solidariedade internacional1183; dar maior ênfase sobre as
obrigações extraterritoriais dos Estados no projeto de declaração, levando em conta
1180 Nestes termos, os Estados devem respeitar e proteger o direito dos povos e indivíduos de exercer o seu direito de buscar, obter, receber e transmitir aos outros, informações sobre o direito de solidariedade internacional, inclusive como meio de dar efeito a este direito no espaço legislativo interno e internacional, nos sistemas judiciais e administrativos. Desta forma, os Estados também devem respeitar, proteger e garantir o direito dos povos e indivíduos aos remédios processuais através de mecanismos de direitos humanos nacionais e internacionais, quando da falha dos Estados para cumprir compromissos assumidos a níveis regional e internacional, resultarem privações e violações dos direitos humanos. DANDAN, Virginia. ONU Doc. A/HRC/26/34/Add.1. Human Righs Council - United Nations. Report of the Independent Expert on human rights and international solidarity: Preliminary text of a draft declaration on the right of peoples and individuals to international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/127/83/PDF/G1412783.pdf?OpenElement>. Acesso em 24/01/2017. 1181 Ibid., 1182 Segundo Virgínia Dandan, as cinco consultas regionais feitas sobre a Declaração proposta
confirmaram que os Estados já possuem as instituições e agências de trabalho necessárias para a implementação do direito à solidariedade internacional. 1183 Ou seja, as referências legais devem ser revistas, em especial as relativas ao direito costumeiro
internacional, a fim de reforçar o preâmbulo do projeto de declaração continuar na busca de se desenvolver um quadro legal bem fundamentado pelo direito de solidariedade internacional.
280
os direitos econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos1184; e identificar
explicitamente quais os entes não estatais estão sendo mencionados e
responsabilizados no projeto de declaração proposto, para que se possa elaborar
concretamente suas obrigações com o direito à solidariedade internacional, com
papéis e obrigações claramente articuladas.1185
Diante de tais observações, Virgínia Dandan foi orientada, pelo então
Secretário Geral das Nações Unidas1186, a reavaliar os mencionados pontos do
Projeto de Declaração sobre o Direito dos Povos e dos Indivíduos à Solidariedade
Internacional, para então apresenta-lo em versão final ao Conselho dos Direitos
Humanos das Nações Unidas em 2017.1187
O trabalho que está sendo desenvolvido pelas Nações Unidas, para se
forjar uma Declaração dos Direitos Humanos de Solidariedade, sinalizam para a
construção de um conceito de solidariedade internacional o mais desvinculado
possível de quaisquer utopias ou ficção acadêmica, e bem mais próximo da complexa
e intricada realidade jurídica, econômica e social mundial que vivemos na
contemporaneidade. As várias e profícuas consultas regionais com gabaritados
experts no assunto das diversas regiões do mundo confirmam o empenho e a
seriedade com que o tema vem sendo abordado pelas Nações Unidas.
1184 Ou em outros termos, alargar as obrigações extraterritoriais para cobrir os domínios da vida
econômica, social e cultural direitos e direitos civis e políticos, bem como os direitos humanos referentes às questões de clima e problemas ambientais. 1185 As referências aos entes não estatais e suas respectivas responsabilidades deve ser melhor específicadas, tal como a terminologia frouxamente aplicado a uma ampla gama de outros atores internacionais, incluindo entidades empresariais transnacionais, ONGs, grupos armados e organizações terroristas. ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Note by the Secretary-General: Human rights and international solidarity. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N16/246/99/PDF/N1624699.pdf?OpenElement>. Acesso 24/01/2017. 1186 Ao tempo Ban Ki-moon. 1187 ONU, (2016). General Assembly. UN Doc. A/71/280. Op. Cit.,
281
4.2 SOLIDARIEDADE E DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO
A ideia de uma comunidade internacional estabelecida por laços de
solidariedade e amizade acompanha o desenvolvimento da consciência humana ao
longo da história, sempre ligada ao sonho de pôr fim a guerras, ou pelo menos diminuir
a ocorrência de atrocidades cometidas durante os conflitos armados. Neste contexto,
o Direito Internacional Humanitário, procura, entre outras coisas, impor limites sobre
os excessos cometidos pelas partes envolvidas nos conflitos armados, sejam estes
internacionais ou não1188, para salvaguarda o mínimo de respeito à condição
humana.1189
Portanto, pode-se afirmar que o Direito Internacional Humanitário é o corpo
jurídico internacional que representa a solidariedade internacional por excelência, na
medida em que se aplica, em teoria, sem distinção, à proteção de toda a humanidade,
que torna inegável estar o o princípio da solidariedade refletido em numerosas
disposições do direito humanitário internacional.1190
Desta forma, nascido da compaixão e da moralidade, mas codificado com
base na solidariedade, o direito humanitário presta serviço à humanidade,
materializado na assistência e proteção de populações em situação de grave
sofrimento, por meio da intervenção humanitária.1191
Sob uma perspectiva jurídica, o direito das vítimas à assistência
humanitária estabelecido na legislação humanitária internacional representada pelas
Quatro Convenções de Genebra de 1949, está firmemente ligado aos ditames da
solidariedade internacional.
1188 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 60. 1189 LIMA JR., JAYME BENVENUTO. Los Derechos Humanos, Económico, Sociales y Culturales. Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo. Primera Edición em español, agosto de 2011. ISBN: 99905-0-142-4, p. 79. 1190 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 105-107. 1191 BOURICHE, Marie. Les Instruments de solidarité em droit international public. Connaissances et Savoirs, 2012. p. 50
282
Primeiro ponto a se destacar, nessa seara, é o de que as obrigações legais
de natureza humanitária não dependem de reciprocidade. É o que se infere do dever
anunciado pelo artigo 1º, comum às quatro Convenções de Genebra1192, expressão
de uma obrigação de solidariedade humanitária em caráter erga omnes, ou seja,
garantida a sua observação em relação a todos os Estados membros da comunidade
internacional, que pode ser exercida unilateralmente ou em cooperação com outros
Estados1193: “Artigo 1º. As Altas Partes Contratantes comprometem-se a respeitar e
fazer respeitar, em todas as circunstâncias, a presente Convenção”1194
Vale destacar também que a Terceira Convenção de Genebra de 1949 nos
seus Artigos 26 e 72 trata sobre deveres para com os prisioneiros de guerra.1195
Já o Artigo 38 (1) da Quarta Convenção de Genebra, estabelece que as
pessoas protegidas no território de um Estado parte de um conflito "deve ser habilitada
a receber ajuda individual ou coletiva que lhes puder ser enviada". Enquanto o Artigo
62, da mesma Convenção, afirma que “as pessoas protegidas nos territórios ocupados
serão autorizadas a receber as remessas de socorro individuais enviadas a eles." Ao
passo que o artigo 108, que versa sobre os deveres para com os internados, observa:
"devem ser autorizados a receber, por correio ou por qualquer outro meio, pacotes
individuais ou remessas coletivas contendo gêneros alimentícios, roupas, suprimentos
médicos, livros, objetos de devocão, educacionais ou de carácter recreativo".1196
O Primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949,
Protocolo I de 08 de junho de 1977 relativo à Proteção das Vítimas de conflitos
armados internacionais, contém disposições do direito internacional humanitário que
1192 Como já mencionado, expressão positiva da Responsabilidade de Proteger. WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 20-21. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud T. Rensmann, “Die Humanisierung des Völkerechts durch das ius in bello – Von der Martens’schen Klausel zur ‘Responsibility to Protect’ –“, ZaöRV 68, 2008. p. 111 et seq (128). 1193 Ibid., loc. Cit., 1194 BRASIL. DECRETO Nº 42.121, DE 21 DE AGOSTO DE 1957. Promulgou as convenções concluídas em Genebra a 12 de agosto de 1949, disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-42121-21-agosto-1957-457253-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso 23/03/2016. 1195 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 105-107. 1196 Ibid., loc. Cit. Ver também a IV Convenção de Genebra, de 1949, Artigos. 23, 59-61.
283
criam encargo para os Estados de prestar assistência humanitária às vítimas de
conflito armado no seu território ou em território sob o seu controle, como reza o Artigo
69 (1): "garantir o fornecimento de vestuário, roupa de cama, meios de abrigo, objetos
necessários para a adoração religiosa e outros suprimentos essenciais para a
sobrevivência da população civil do território ocupado"1197. Já o Artigo 70 (2)
estabelece que "se deve permitir e facilitar a passagem rápida e desimpedida de todo
o envio de remessas, equipamentos e do pessoal fornecido, mesmo se tal assistência
é destinada para a população civil da Parte adversa".
É também digno de nota o fato de que o Protocolo II Adicional às
Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo a obrigações para com a
população civil na conflitos armados não-internacionais, no artigo 18 (2), salientar que
se a população civil está sofrendo dificuldades indevidas devido à falta de suprimentos
essenciais para a sua sobrevivência1198, deve ser permitida a realização da ajuda de
natureza exclusivamente humanitária e imparcial, conduzidas sem qualquer
discriminação.
Neste mesmo pensar é que a Resolução da Assembleia Geral das Nações
Unidas nº 46/183 assevera que a assistência humanitária "deve ser oferecido em
conformidade com os princípios de humanidade, neutralidade e imparcialidade".1199
Nesse escopo, se infere que todos os Estados têm o dever de facilitar, com
o melhor de sua capacidade, a assistência humanitária prestada por outros Estados,
organizações intergovernamentais ou organizações não-governamentais, em função
da legislação e da prática do direito humanitário internacional.1200
1197 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 105-107. 1198 Como alimentos, suprimentos médicos e ações de socorro para a população civil. 1199 ONU, (1991). ONU Doc. A/RES/46/182. Strengthening of the coordination of humanitarian emergency assistance of the United Nations. Disponível em: <http://www.un.org/documents/ga/res/46/a46r182.htm>. Acesso em 24/01/2016. 1200 Ibid., loc. Cit., Abdul Koroma dá o exemplo da resolução 688 do Conselho de Segurança das Nações Unidas de 05 de abril de 1991 determinando que o Iraque permitisse o acesso imediato das organizações humanitárias internacionais a todos aqueles que necessitam de assistência em todas as partes do Iraque e tornar disponíveis todas as facilidades necessárias para suas operações. [ Conselho de Segurança das Nações Unidas, Res. 688 de 05 de abril de 1991, para. 3.]. Ibid.
284
Partindo de base legal sólida internacional, estabelecida pelo direito
internacional humanitário, o princípio da solidariedade foi, também, claramente
incluído no direito penal internacional moderno.1201
Sob tal prisma jurídico, com a criação do Tribunal Penal Internacional para
a ex-Iugoslávia em 1993, seguido em 1994 pela criação do Tribunal Penal
Internacional para o Ruanda, quando a comunidade internacional reafirmou seu
compromisso com a ação internacional conjunta para punir crimes atrozes no mundo,
assegurando que graves violações sejam suspensas e efetivamente punidas, exigindo
de todos os Estados solidariedade e cooperação plena com os Tribunais
Internacionais e os seus órgãos. Essa guinada da solidariedade no Direito
Internacional penal, se consolidou em 2002 com a entrada em vigor do Estatuto de
Roma que criou o Tribunal Penal Internacional, talvez, o exemplo mais sistemático e
marcante de solidariedade no sentido positivo.1202
Ponto delicado da regulamentação internacional do Direito Internacional
Humanitário diz respeito à ajuda humanitária em caso de desastres naturais,
composta por uma mistura1203 de deveres morais e obrigações legais (impostas por
normas de jus cogens, normas de soft law1204 e o embasamento do princípio da
1201 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 105-107. 1202 Ibid., 1203 Tal questão se apresenta complexa porque a legislação positiva existente é pouco clara, na verdade
praticamente existente em tratados internacionais, e a doutrina se encontra claramente dividida a respeito do tema, não existindo consenso sobre a questão no direito positivo a nível global. WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-) Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 17., apud UN Secretariat. Protection of Persons in the Event of Disasters. Memorandum prepared by the Secretariat, Doc. A/CN. 4/590, 11 December 2007. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 1204 O Instituto de Direito Internacional em resolução de 2004 sobre "Assistência Humanitária" claramente observou "que os grandes desastres, muitas vezes não atingem apenas um Estado individualmente, mas também vários Estados ou regiões inteiras, e, por isso, são um motivo de preocupação para a comunidade internacional como um todo". KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 76. Apud AIDI 70-2 (2004), 134 et subsequent, preamble para. 3.; Assim, apesar da falta de um tratado universal abrangente a respeito deste tema, o direito internacional de ajuda em caso de desastres desenvolveu-se rapidamente de outras maneiras: estima-se que existem mais de 150 tratados bilaterais e memorandos de entendimento relativos à assistência no caso de desastres. [Doc ONU. A / CN.4 / 590, anexo II.]; existem convenções multilaterais importantes, como a Convenção de Tampere sobre a Provisão de Recursos de Telecomunicações para a Mitigação de Desastres e Operações de Socorro de 1998, cobrem certos aspectos da ajuda em caso de desastres; vários acordos regionais significativos foram concluídos, incluindo o Acordo que cria a
285
responsabilidade de proteger), isto é, em um emaranhado entre “lex lata” e “lex
ferenda”1205, representando tanto o direito como o dever de prestar assistência
humanitária em situações de emergência1206, catástrofes naturais ou desastres
provocados pelo homem ao meio ambiente.1207 De qualquer forma, a ajuda
humanitária em caso de desastres parece se encaixar no conceito jurídico de
solidariedade internacional, tanto em sua acepção negativa como positiva.1208
O papel principal do Estado afetado pelo desastre natural, e o papel
subsidiário dos outros Estados e atores da comunidade internacional, já foram
enfatizados pela Assembleia Geral das Nações Unidas1209 como parte do suporte
global da cooperação e solidariedade internacional em caso de desastres naturais1210
Agência de Resposta de Emergência a Catástrofes do Caribe (1991) de 26 de fevereiro de 1991, a Convenção Interamericana para Facilitar a Assistência a Desastres de 7 de junho de 1991 e o Acordo ASEAN sobre a Gestão de Desastres e resposta de emergência, de 26 de julho de 2005; existe o Modelo de regras para Operações de Socorro em caso de desastres do United Nations Institute for Training and Research (UNITAR) de 1982 e a Resolução Internacional sobre Assistência Humanitária do Instituto de Direito Internacional, aprovada na sessão Bruges, em 2 de setembro de 2003 [Annuaire de l'Institut de Droit International, vol. 70-I, 2002-2003, em 399-576; Annuaire de l'Institut de Droit International, vol. 71-II de 2004, às 133-250], bem como as Diretrizes Operacionais do Comité Permanente Inter-Agências sobre Direitos Humanos e Desastres Naturais, finalizado em 9 de junho de 2006. KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 123-125. 1205 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 15. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud B. Vukas, Rapporteur, in: Resolution adopted by the Institute of International Law AIDI 70-2 (2004), 134 et seq. (150). 1206 Ibid., 1207 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 76. Apud M. -J. Domestici-Met, Humanitarian Action – A Scope for the Responsibility to Protect? Part I: Humanitarian Assistance Looking for a Legal Regime Allowing its Delivery to Those in Need under Any Circumstances, Goettingen Journal of International Law 1(2009), p. 397. 1208 Ibid., páginas 77, 87, 89 et seq. (Cf. D. Fisher, The Future of International Disaster Response Law, in: GYIL 55, 2012). 1209 Segundo a Assembléia Geral das Nações Unidas, a principal responsabilidade do Estado afetado por um desastre natural, se refere ao dever de cuidar das vítimas em seu território e, se necessário, buscar ajuda externa. A exemplo das resoluções: A/ RES/ 59/141, sobre o reforço da coordenação na assistência humanitária de emergência das Nações Unidas, aprovada em 15 de dezembro de 2004; A/RES/59/212, sobre a Cooperação Internacional sobre Assistência Humanitária na matéria de catástrofes naturais, adoptada em 20 de Dezembro de 2004, e, mais recentemente, A/RES/ 62/94 adotada em 17 de Dezembro de 2007. O Secretariado da ONU, em exposição sobre a Protecção de Pessoas em caso de catástrofes, reconheceu por meio de memorando, que existe "[uma tendência] no sentido de um maior reconhecimento de um dever positivo" de regulamentação de um direito internacional de assistência em caso de desastres naturais. [ONU Doc. A / CN. 4/590, 11 de dezembro de 2007]. WELLENS, op. Cit., p. 16. 1210 Ibid, loc. Cit.,
286
em resoluções importantes: Resolução nº 43/131 de 8 de dezembro de 19881211 e
Resolução nº 45/100 de 14 de dezembro de 19901212, ambas relativas à assistência
humanitária às vítimas de desastres naturais e situações de emergência semelhantes.
Enquanto ainda se aguarda um tratado multilateral sobre ajuda humanitária
em caso de desastres naturais os elementos do ideal de solidariedade para tais
situações encontram expoente internacional avançado no regime da União Europeia,
por meio do Tratado de Lisboa.1213
Apesar de tudo, talvez em nenhum outro ramo seja mais crescente a
importância da noção da solidariedade internacional do que no direito internacional
humanitário dos desastres naturais, pois envolve múltiplos atores internacionais em
colaboração solidária com o objetivo final de aliviar o sofrimento das vítimas de
desastres naturais.1214 Tal verificação vem consolidando a ideia de que existiria um
direito de receber assistência e uma obrigação de fornecê-la em caso de desastres
naturais.1215
Assim, em sua função exclusivamente humanitária, ou seja, em função do
caráter solidário da ação, a oferta de ajuda não pode ser considerada como uma
interferência ilegal nos assuntos internos do Estado afetado, e a recusa de forma
arbitrária ou injustificada a esta ajuda, em casos de desastres naturais, é
inadmissível1216; já que a conexão com o princípio da solidariedade impediria um
abuso do próprio direito pela parte afetada pelo desastre natural.1217 Caso recente que
ilustra tal assertiva, é o do enorme incêndio florestal ocorrido na região da cidade de
Haifa, ao norte de Israel, em novembro de 2016, em que o Estado da Palestina, a
1211 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 123-125. Apud UNGA Resolução nº 43/131, para. 5 e 6. 1212 Ibid., p. 123-125 apud UNGA Res. 45/100, paragráfos 3, 5 e 7. 1213 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p.77 1214 Ibid., loc. Cit., 1215 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 18. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. 1216 Ibid., p. 18 apud Resolution adopted by the Institute of International Law, AIDI 70-2 (2004) IV, 1 e VII,1. 1217 Ibid., loc. Cit.,
287
despeito do conhecido conflito com o Estado israelense, enviou significativa e
importante ajuda ao país vizinho para o combate às chamas, em clara e grandiosa
manifestação de solidariedade internacional em caso de desastre natural.
4.3 SOLIDARIEDADE E DIREITO INTERNACIONAL DOS
REFUGIADOS
O Direito Internacional dos Refugiados age na proteção do refugiado desde
a saída do seu local de residência (passando pelo trânsito de um país a outro) e a
concessão do refúgio no país de acolhimento, até o seu eventual término.1218 A
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 é o principal instrumento
internacional de proteção dos refugiados, e declara em seu preâmbulo direta
genealogia com a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, afirmando “que todos os Estados, reconhecendo o caráter social e
humanitário do problema dos refugiados, façam tudo o que estiver em seu poder para
evitar que esse problema se torne uma causa de tensão entre os Estados; [...]”.1219
Tal descendência direta com os principais documentos internacionais de
proteção dos direitos humanos, reforça que a proteção internacional dos refugiados
tem como fundamento a universalidade dos direitos humanos. Assim, os refugiados
são, titulares de direitos humanos que devem ser respeitados a todo momento,
circunstância e lugar, em função da sua dignidade humana, independentemente de
qualquer outro elemento.
Assim, a proteção internacional dos refugiados é fundamentada na
indivisibilidade dos direitos humanos e devem, portanto, ser concebidos como uma
1218 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 60. 1219 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. p. 39. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001.
288
unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, alcançando os direitos civis,
políticos, sociais, econômicos e culturais. Para isso, deve o direito internacional dos
refugiados ser interpretado em harmonia com a Carta das Nações Unidas e a
Declaração Universal de 1948, e com todos os principais tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos que lhe conferirem suporte e complemento1220, em
sintonia com o princípio da solidariedade e com a necessidade de compartilhar
responsabilidades (burden-sharing)1221.
Como uma obrigação de solidariedade que não para de crescer, em função
do crescimento considerável do contingente de deslocamento de refugiados em
devido os vários conflitos pelo mundo; se põe mais que importante uma partilha dos
encargos envolvidos na questão, condição sine qua non para o funcionamento eficaz
da obrigação de não-devolução (non-refoulement)1222, princípio basilar do direito
internacional de proteção dos refugiados1223, segundo o qual nenhum dos Estados
expulsará ou dará retorno ('refouler') a um refugiado para as fronteiras dos territórios
onde a sua vida ou liberdade sejam ameaçadas (em virtude da sua raça, religião,
nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política).1224
O caráter de jus cogens do princípio da não-devolução, incluindo não
rechaçar na fronteira, é consagrado no Artigo 33 da Convenção sobre o Estatuto dos
1220 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. p. 42. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Intolerãncia e Discriminação Racial baseadas em religião ou crenças, a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Étnicas, Religiosas e Linguísticas, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, em seu parágrafo 5º, dentre outros, são exemplos de intrumentos internacionais que devem ser observados para a interpretação do Direito Internacional dos Refugiados. Ibid. 1221 Ibid., p. 40. Dentro desta problemática, há que se destacar, também o parágrafo 23 da Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, que reforça a concepção de que a questão dos refugiados há de ser compreendida sob a perspectiva dos direitos humanos. Ibid. 1222 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 35. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud J.-P.L. Fonteyne, “Burden-sharing: An Analysis of the Nature and Function of International Solidarity in Cases of Mass Influx of Refugees”. Australian Yearbook of International Law (1978-80), p. 162 e seguintes (171, 175, 176,187). 1223PIOVESAN, op. Cit., p. 47. 1224 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 117-119. Apud Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, 28 de Julho de 1951, artigo 33 (1).
289
Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967. Este princípio é afirmado também no
Artigo 22 (8) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos1225, e no Artigo 3º da
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes.1226 Assim, o princípio do non-refoulement é um princípio geral comum
do Direito dos Refugiados e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, “devendo
ser reconhecido e respeitado como um princípio de jus cogens”1227.
Y. Saito, segundo Abdul Koroma, acredita que a estrita observância do
princípio de non-refoulement, não funcionaria adequadamente sem o apelo do
princípio da solidariedade internacional para a partilha de encargos (garantia para o
Estado que recolhe os refugiados de que a comunidade internacional vai prestar-lhe
assistência necessária no desenvolvimento desta obrigação), que incentiva políticas
generosas de admissões de refugiados em resposta global satisfatória no caso de
movimentos de refugiados em grande magnitude.1228
Já, segundo Guy Martin, também citado por Abdul Koroma, a solidariedade
é princípio básico do direito internacional dos refugiados porque estabelece ser o
refugiado um indivíduo que a comunidade internacional se preocupa em tratar com
dignidade, inclusive buscando estender sua obrigação de auxílio às pessoas forçadas
a fugir de perseguição ou grave violência; salientando a obrigação dos Estados de
compartilhar os encargos, na responsabilidade de encontrar soluções duradouras
para os refugiados.1229
A Declaração das Nações Unidas sobre o Asilo Territorial1230, adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1967, em seu
1225 Ver nota de rodapé nº 596. 1226 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. p. 47, nota 19. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. 1227 Ibid., p. 48. 1228 Ibid., p. 117-119 apud SAITO, Y. Refugee Rights, in: M. Bedjaoui, International Law: Achievements and Prospects, p. 1131 a1142. 1229 Ibid., p. 117-119 apud G. Martin, International Solidarity and Co-operation in Assistance to African Refugees: Burden-Sharing or Burden-Shifting?, International journal of refugee law, special issue summer 1995, (note 64), at 253. 1230 ONU, (1967). Declaração Das Nações Unidas sobre o Asilo Territorial, Assembleia Geral:Resolução N.º 2312 (XXII). Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/?tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bsort%5D=doctitle,sorting,uid&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bdownload%5D=yes&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bdownloadtyp%5D=stream&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Buid%5D=589&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bmode%5D=1&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bpointer%5D=0>. Acesso 24/01/2017.
290
preâmbulo afirma “que os propósitos proclamados na Carta das Nações Unidas são a
manutenção da paz e a segurança internacionais, o fomento de relações de amizade
entre todas as nações e a promoção da cooperação internacional na resolução de
problemas internacionais”.
Além disso, esta Declaração vaticina no seu Artigo 2º (2) que quando um
Estado encontrar dificuldades em conceder ou continuar a conceder asilo, os Estados,
individualmente ou em conjunto, ou por intermédio das Nações Unidas, “considerarão,
com espírito de solidariedade internacional, as medidas necessárias para aliviar a
oneração desse Estado”.
Assim, no Direito Internacional dos Refugiados1231, o princípio da
solidariedade opera como um corolário funcional imprescindível, na tentativa de
maximizar os aspectos operacionais de auxílio (como por exemplo, a repartição de
quotas de refugiados em função da capacidade de reassentamento de cada
Estado1232 e outros vários esforços1233 que sustentam a proteção dos refugiados do
mundo), frente um desafio, agora encarado como global, necessariamente exigindo
um engajamento mundial solidário.1234
A Convenção da União Africana sobre os Aspectos específicos dos Problemas
dos Refugiados na África, de 10 de setembro de 1969, menciona explicitamente a
solidariedade no seu Artigo 2(2), observando que quando um Estado-Membro verificar
dificuldade em continuar a conceder asilo aos refugiados, pode apelar diretamente
1231 Embora a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 não mencione diretamente o
termo solidariedade, vislumbra no seu Preâmbulo que a concessão de asilo pode resultar encargos indevidamente pesados em certos países, e uma solução satisfatória não pode ser alcançada sem cooperação internacional. O princípio da cooperação aqui parece tomar o papel de solidariedade, posto que em virtude dos grandes encargos, se reconhece a grandiosidade do problema e o dever de soluciona-lo coletivamente. 1232 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 35. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud J.-P.L. Fonteyne, “Burden-sharing: An Analysis of the Nature and Function of International Solidarity in Cases of Mass Influx of Refugees”. Australian Yearbook of International Law (1978-80), p. 162 e seguintes (171, 175, 176,187). 1233 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 117-119 apud UNGA Res. 2312 (XXII) of 14 December 1967, Article 2(2). 1234 Ibid., p. 117-119 apud A. Grahl-Madsen, International Solidarity and the Protection of Refugees, 19 AWR Bulletin 4 (1981); J.-P. L. Fonteyne, Burden-Sharing: An Analysis of the Nature and Function of International Solidarity in cases of Mass Infl ux of Refugees, 8 Australian Yearbook of International Law 162, at 179–180 (1978–1979).
291
para outros Estados-Membros da União Africana, no espírito de solidariedade Africano
e da cooperação internacional na busca de medidas adequadas para aliviar o seu
fardo, partilhando-o com outros Estados.1235
O Comitê Executivo sobre a Proteção Internacional dos Refugiados das Nações
Unidas, realçou claramente a importância da solidariedade no direito internacional dos
refugiados na sua Conclusão nº. 221236, de 1981, que versa sobre a “Proteção dos
requerentes de asilo em situações de afluxo em larga escala”.
Nesta Conclusão, a seção IV intitulada "A solidariedade internacional, a partilha
de encargos e deveres dos Estados" afirma que quando um afluxo maciço de
refugiados colocar encargos indevidamente pesados a certos países, uma solução
satisfatória não pode ser alcançada sem a cooperação internacional, a solidariedade
internacional e a repartição dos encargos com vista a tomar todas as medidas
necessárias para ajudar os Estados que tenham admitido requerentes de asilo em
situações de movimentação de refugiados em grande escala (a exemplo do que vem
ocorrendo atualmente na Europa em função dos conflitos no Oriente Médio e
África).1237
Neste contexto, as ações de repartição dos encargos podem orientar-se com
vistas a facilitar as condições do repatriamento voluntário, que proporciona a
possibilidades da reinstalação dos requerentes de asilo em países terceiros (garantia
que mesmo diante de recusa ou devolução se garantirá a segurança do que busca
refúgio ou que o tenha recebido), em ambiente cultural adequado ao seu bem-estar,
de acordo com cada situação específica.1238
1235 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 117-119. Apud Convenção da OAU sobre os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados na África, 10 de setembro de 1969, Artigo 2 (4). 1236 ONU, (1981). United Nations General Assembly, Executive Committee on the International Protection of Refugees, Conclusion No. 22 (XXXII), Thirty-Second session (1981): Protection of Asylum-Seekers in Situations of Large-Scale Influx. Contained in UN Document No. 12A (A/36/12/Add.1). Disponível em: <http://www.unhcr.org/excom/exconc/3ae68c6e10/protection-asylum-seekers-situations-large-scale-influx.html> Acesso: 24/01/2016. 1237 Ibid., 1238 KOROMA, op. Cit., p. 117-119. Apud Executive Committee on the International Protection of
Refugees, Conclusion No. 22 (XXXII), Thirty-Second session (1981), in: Conclusions Adopted by the Executive Committee on the International Protection of Refugees (1975–2004). Parágrafos 1 e 6. p. 36-40; PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. p. 48-49, nota 21
292
Desta feita “não-devolução” e “repatriação voluntária”, são exemplos solidários,
compatíveis e complementares, de jus cogens no Direito Internacional dos
Refugiados.1239
Além do que, tais ações de compartilhamento de encargos devem incluir, se
necessário, assistência emergencial, técnica, financeira (assistência em espécie e
adiantamento de outras ajudas financeiras) ou de outra natureza para além da fase
de emergência, até que sejam encontradas soluções duradouras, ou em função de
imprevistos, inclusive com reforço dos mecanismos existentes, e se for caso, a criação
de novas disposições, se possível numa base permanente, para assegurar a
disponibilização imediata dos fundos e outros materiais e assistência técnica
necessárias.1240
Por fim, num espírito de solidariedade internacional, os Estados deveriam
também procurar assegurar que as causas que levam a afluxos em grande escala de
requerentes de refúgio e asilo fossem estancadas.1241
De todo o exposto, pode-se considerar que a solidariedade se manifesta no
direito internacional dos refugiados tanto como um compromisso, quanto como uma
garantia para esse compromisso. Em uma mão, é um compromisso expresso da
solidariedade negativa dos Estados de não devolverem um refugiado para um Estado
onde a sua vida ou liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião,
apud GROS ESPIELL, Hector, p. 26-27. “El derecho internacional de los refugiados y el artículo 22 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”. In: Estudios sobre Derechos Humanos. Madrid: Civitas/IIDH, 1988. v.2, p. 253. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. 1239 PIOVESAN, op. Cit., p. 48-49, nota 21 apud GROS ESPIELL, Hector, p. 26-27. “El derecho internacional de los refugiados y el artículo 22 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos”. In: Estudios sobre Derechos Humanos. Madrid: Civitas/IIDH, 1988. v.2, p. 253. In: ARAUJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (coordenadores). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de janeiro: Renovar, 2001. 1240 ONU, (1981). United Nations General Assembly, Executive Committee on the International
Protection of Refugees, Conclusion No. 22 (XXXII), Thirty-Second session (1981): Protection of Asylum-Seekers in Situations of Large-Scale Influx. Contained in UN Document No. 12A (A/36/12/Add.1). Disponível em: <http://www.unhcr.org/excom/exconc/3ae68c6e10/protection-asylum-seekers-situations-large-scale-influx.html> Acesso: 24/01/2016.; KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 117-119. Apud Executive Committee on the International Protection of Refugees, Conclusion No. 22 (XXXII), Thirty-Second session (1981), in: Conclusions Adopted by the Executive Committee on the International Protection of Refugees (1975–2004). Parágrafos 1 e 6. p. 36-40. 1241 Ibid.,
293
nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política, no
contexto de non-refoulement. Em outra mão, é expressão da solidariedade positiva
que garante o compromisso de que todos os Estados trabalharão no esforço de
solucionar o cerne do problema que vem causando o grande afluxo de refugiados (de
modo que a ação de receber refugiados não se torne necessariamente um
compromisso permanente)1242; principalmente, quando hoje vários são os motivos do
deslocamento de pessoas, inclusive problemas ambientais, que geram o crescimento
do número de refugiados ambientais, devido a elevação dos oceanos, à seca, erosão
do solo, desertificação, desmatamento e outros problemas ambientais, juntamente
com os problemas associados às pressões populacionais e pobreza profunda.1243
4.4 SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE DE PROTEGER
A manifestação mais recente da noção de solidariedade no direito
internacional é a doutrina da responsabilidade de proteger1244, que desde o
nascimento é controversa, pois a sua natureza jurídica e suas dimensões de aplicação
desafiam o direito internacional.
A responsabilidade de proteger encontraria um primeiro respaldo legal no
direito internacional humanitário, através da obrigação de respeitar o direito
humanitário e assegurar que o direito humanitário seja respeitado, tal como
consagrado no artigo 1 comum às Quatro Convenções de Genebra 19491245. Esta
1242 KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 117-119. 1243 MYERS, Norman. Environmental refugees: a growing phenomenon of the 21st century. Phil. Trans.
The Royal Society: London (2002). Nº 357, páginas 609–613. Disponível em:< https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1692964/pdf/12028796.pdf>. Acesso em 23/05/2016. 1244 Ibid., p. 118-123. 1245 “Artigo 1º. As Altas Partes Contratantes comprometem-se a respeitar e fazer respeitar, em todas as circunstâncias, a presente Convenção”. BRASIL. DECRETO Nº 42.121, DE 21 DE AGOSTO DE 1957. Promulgou as convenções concluídas em Genebra a 12 de agosto de 1949, disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-42121-21-agosto-1957-457253-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso 23/03/2016.
294
disposição foi reiterada no artigo 1º (4) de 1977 do Primeiro Protocolo Adicional às
Convenções de Genebra de 1949, adotado em 10 de junho de 1977 pela Conferência
Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional
Humanitário aplicável aos Conflitos Armados1246, em manifesta representação legal
tanto da responsabilidade de proteger, como da solidariedade internacional.1247
A construção do conceito de Responsabilidade de Proteger está ligada a
um repensar o conceito de soberania estatal. Como Richard Falk observa, a idéia da
soberania não é estática, evoluindo para refletir mudanças fundamentais na vida
política.1248
Tal pensamento se confirma quando, apesar da Organização das Nações
Unidas ter sido criada à luz do velho modelo Vestefáliano de soberania absoluta dos
Estados1249, as contradições e as tensões contemporâneas entre soberania e direitos
humanos foram suficientes para levar o então Secretário-Geral das Nações Unidas,
Kofi Annan, na Assembleia Geral da Nações Unidas de 19991250, a questionar o
modelo de soberania de Vestefália, solicitando que fosse forjado um novo paradigma
de soberania, engajado na proteger dos direitos humanos (depois que intervenções
militares para fins de proteção de direitos humanos não ocorreram ou ocorreram em
circunstâncias controversas na Somália, Bósnia, Kosovo e Ruanda).1251
Em retorno à rogativa do então Secretário-Geral das Nações Unidas, o
primeiro conceito de responsabilidade de proteger foi apresentado em 2001, quando
a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania dos Estados (ICISS),
1246 BRASIL. DECRETO Nº 849, DE 25 DE JUNHO DE 1993 que promulgou os Protocolos I e II de 1977 adicionais às Convenções de Genebra de 1949, adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0849.htm>. Acesso em 23/03/2016. 1247 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 104 1248 FALK, Richard A. Human Right Horizons: the pursuit of justice in a globalizing world. Routledge. New York, 2000. p. 72. 1249 BAZIRAKE, Joseph Besigye; BUKULUKI, Paul (2015): A critical reflection on the conceptual and practical limitations of the responsibility to protect. The International Journal of Human Rights. Taylor & Francis, 2015. p. 1. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1080/13642987.2015.1082844>. Acesso 23/03/2016. 1250 Ibid., p. 3. (Nesta página, ver nota 29) 1251 ICISS - The International Commission on Intervention and State Sovereignty. The Responsibility to Protect. Ottawa: Canada, 2001. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>. Acesso em 15/01/2015.
295
trabalhando sob um mandato do governo canadense, publicou um relatório intitulado:
"A Responsabilidade de Proteger"1252. Este relatório desenvolveu a ideia de que os
Estados soberanos têm a responsabilidade primordial de proteger os direitos humanos
de seus cidadãos; mas, quando não estiverem dispostos ou encontrem-se incapaz de
fazê-lo, tal a responsabilidade original deve ser exercida pela comunidade
internacional.1253
1252 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 98.; ICISS - The International Commission on Intervention and State Sovereignty, op. Cit. O relatório ICISS é, de fato, a primeira enciclopédia válida sobre Responsabilidade de Proteger principalmente pelo esforço em pensar um dos aspectos mais delicados da responsabilidade de proteger: Os Princípios para a intervenção militar, que segundo o relatório, deve ser usada apenas para fins de proteção de direitos humanos, sendo uma medida excepcional e extraordinário. Assim, para ser justificada, deve haver prejuízo grave, irreparável ou eminente aos direitos humanos. Ao mesmo tempo, o relatório menciona princípios de precaução, ou seja, os de impedir ou evitar o sofrimento humano, sendo estes melhor assegurados por operações multilaterais de intervenção. O relatório, também, salienta que a intervenção militar deve ser tomada como último recurso, assim a intervenção militar só se justificada quando todas as opções não militares para a prevenção ou resolução pacífica da crise já forma exploradas, devendo a escala, duração e intensidade da intervenção militar ter o mínimo necessário para garantir os objetivos da proteção humana definida para garantir que as consequências da ação não sejam pior do que as consequências da inação. O relatório ICISS também faz referência sobre a autoridade em casos de intervenção militar, afirmando que não há órgão mais adequado do que o Conselho de Segurança das Nações Unidas para autorizar uma intervenção militar para fins de proteção de direitos humanos, tendo aqueles que pedem uma intervenção de solicitar formalmente essa autorização; pode, também o Conselho de Segurança levantar a questão por sua própria iniciativa; ou, também, o Secretário-Geral levantá-la nos termos do artigo 99 da Carta da ONU. O Conselho de Segurança deveria, nestes casos, agir rapidamente a quaisquer pedidos de autorização para intervenções militares por alegações de perda em grande escala de vidas humanas ou de limpeza étnica, buscando verificar adequadamente os fatos que permitirão uma intervenção militar. Um ponto delicado sobre a função que deveria ser desenvolvida pelo Conselho de Segurança em tal contexto remete ao o uso do poder de veto dos membros permanentes do Conselho. Nestes casos, o relatório defende que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança deveriam acordar em não aplicar o seu poder de veto, em questões em que seus interesses estaduais vitais não estão envolvidos, para obstruir a passagem de resoluções que autorizam a intervenção militar sobre fundamento da responsabilidade de proteger. E ainda sugere que se o Conselho de Segurança rejeitar uma proposta de intervenção ou não conseguir lidar com ela em um tempo razoável, opte por: consideração do assunto pela Assembleia Geral em Sessão Especial de Emergência; ou por ação dentro da área de jurisdição por organizações regionais ou sub-regionais nos termos do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas, sujeitas à posterior autorização subsequente do Conselho de Segurança. Ponto importante salientado pelo relatório do ICISS é o de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas deveria tomar em consideração em todas as suas deliberações que se não conseguir cumprir a sua responsabilidade de proteger em situações de grave clamor por ação a credibilidade das Nações Unidas se encontrará comprometida. ICISS - The International Commission on Intervention and State Sovereignty, op. Cit. 1253 ICISS - The International Commission on Intervention and State Sovereignty. The Responsibility to Protect. Ottawa: Canada, 2001. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>. Acesso em 15/01/2015.
296
Como Thomas Verellen argumenta, o conceito de responsabilidade de
proteger proposto pela ICISS propõe uma mudança de perspectiva1254, implica um
olhar do ponto de vista das vítimas que precisam de proteção, significando
responsabilidade de agir, de prevenir (para evitar e posterior), e de reconstruir, que
incluiria na assistência humanitária o dever de desenvolvimento de estratégias para
reconstruir as sociedades aflingidas por uma crise humanitária. Em outras palavras,
as dimensões da responsabilidade de proteger seriam maiores do que a de uma
intervenção humanitária tradicional, já que não se limita apenas ao tempo/espaço
imediato da crise humanitária.1255
Em 2004, o conceito de Responsabilidade de Proteger foi retomado pelo
Painel de Alto Nível das Nações Unidas em relatório intitulado "Um mundo mais
seguro: a nossa responsabilidade partilhada"1256.
Em 2005, o atual Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
adotou o conceito de responsabilidade de proteger, em relatório intitulado "Em Maior
Liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos"1257;
endossando a idéia, do relatório do ICSS e do Relatório do Painel de Alto Nível de
2004, da existência de uma responsabilidade de proteger os direitos humanos e o
bem estar das populações civis em áreas de conflito armado, com a possibilidade de
uma ação de intervenção sob os auspícios e/ou supervisão do Conselho de
Segurança das Nações Unidas.1258
1254 VERELLEN, Thomas. A Few Words on the Responsibility to Protect. Jura Falconis Jg. 48, nummer 1, 2011-2012. p. 155. Disponível em: <https://www.law.kuleuven.be/jura/art/48n1/verellen.pdf>. Acesso 15/01/2015. 1255 Ibid., p. 156-157. 1256 ONU, (2004). A More Secure World: Our Shared Responsibility: Report of the UN Secretary General´s High-level Panel on Threats, Challenges and Change. Doc. UN A/59/565 de 2 de dezembro de 2004, parágrafos 201 e 256. Disponível em: <https://www1.umn.edu/humanrts/instree/report.pdf>. Acesso 15/01/2015. 1257 ONU, (2005). In Larger Freedom: Towards Development, Security and Human Rights for All: Report of the Secretary-General, Doc. A/59/2005 of 21 March 2005, para. 135. Available from: <http://www.unmillenniumproject.org/documents/Inlargerfreedom.pdf>. Acesso 15/01/2015. 1258 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 98.
297
Contudo, a consolidação global do conceito de Responsabilidade de
Proteger apenas ocorreu na Cúpula Mundial de 2005, quando o princípio foi
confirmado no documento final “2005 World Summit Outcome”.1259
Neste documento internacional se referendou que cada Estado tem a
responsabilidade original de proteger e prevenir as suas populações contra o
genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade (incluindo
a sua incitação), através de todos os meios adequados disponíveis, inclusive o auxílio
da comunidade internacional com apoio das Nações Unidas1260, bem como por meio
de ação coletiva, através do Conselho de Segurança da ONU (inclusive em
cooperação com as organizações regionais relevantes), sempre em conformidade
com a Carta das Nações Unidas.1261
Assim, a partir desse momento, os Estados não são apenas titulados na
faculdade de agir em tais casos; eles têm, em verdade, a responsabilidade de agir.
Desta feita, o documento final “2005 World Summit Outcome” teve o grande mérito de
ter reunido ao conceito da responsabilidade de proteger todo o acervo jurídico
universalmente reconhecido e sublinhando pelos direitos humanos e pelos princípios
do direito internacional humanitário que proíbem a indiferença e a inação diante de
graves violações das obrigações erga omnes.1262
Oportuno pontuar que o Conselho de Segurança das Nações Unidas
invocou a responsabilidade de proteger na Resolução 1556 sobre o Darfur; Resolução
674 "Proteção de civis nos conflitos armados", e Resolução 1706.1263
1259 VERELLEN, Thomas. A Few Words on the Responsibility to Protect. Jura Falconis Jg. 48, nummer 1, 2011-2012. p. 157. Disponível em: <https://www.law.kuleuven.be/jura/art/48n1/verellen.pdf>. Acesso 15/01/2015. 1260 Por meios pacíficos, diplomáticos, humanitários e outros apropriados, em conformidade com os capítulos VI e VIII da Carta das Nações Unidas. ONU, (2005). UN General Assembly (UNGA), ‘‘2005 World Summit Outcome,’’ A/60/1, September 15, 2005, paragráfo 138. UN Security Council (UNSC), S/RES/1674 (2006), April 28, 2006. Disponível em: <https://www.ifrc.org/docs/idrl/I520EN.pdf>. Acesso 16/01/2015 1261 Mormente o capítulo VII. Ibid., paragráfo 139. 1262 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 100. 1263 Na resolução 1674, intitulada "Proteção de civis nos conflitos armados", o Conselho de Segurança das Nações Unidas reafirmou explicitamente as disposições do parágrafo 138 e 139 do ‘‘2005 World Summit Outcome’’, sobre a responsabilidade de proteger as populações contra o genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. A resolução 1706 de 31 de Agosto de 2006, referente ao Sudão. Ibid., loc. Cit.
298
Em 2008, a Responsabilidade de Proteger enfrentou um novo desafio,
proposto pelo antão secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon: transformar o
compromisso de 2005 de palavras em atos. Este desafio foi aceito pela Assembleia
Geral em 2009, quando se concordou em se tornar a responsabilidade de proteger
parte da linguagem diplomática das Nações Unidas, de emergências humanitárias,
utilizada por governos, organizações internacionais, ONGs e comissões
independentes, para condicionar comportamentos, persuadir e forçar um
engajamento internacional sobre o tema.1264
Ainda no início de 2009, o ex-secretário-geral lançou o relatório
“Implementando a Responsabilidade de Proteger'”1265, em tal relatório esclareceu a
natureza do acordo de 2005 e traçou um vasto leque de medidas que os Estados, as
organizações regionais e o sistema das Nações Unidas deveriam considerar a fim de
implementar o que ele identificou como os três pilares da Responsabilidade de
Proteger: é responsabilidade primordial dos Estados proteger suas próprias
populações dos crimes de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra
a humanidade (bem como de seu incitamento); é responsabilidade da comunidade
internacional prestar assistência aos Estados no cumprimento da Responsabilidade
Estatal de Proteger; e é responsabilidade da comunidade internacional a tomada de
medidas oportunas e decisivas, de acordo com a Carta das Nações Unidas, nos casos
em que os Estados manifestamente não mais conseguem proteger as suas
populações do genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a
humanidade.1266
Cumpre salientar que embora, em teoria, como demonstrado, a
Responsabilidade de Proteger venha se consolidando como uma preocupação
universal da humanidade, de outra forma são as coisas na prática internacional. O
conceito ainda continua a ser problemático e controverso no tocante à dinâmica da
intervenção humanitária. É fácil reconhecer que apesar de prevalecer a tese de que a
1264 BELLAMY, Alex J. The Responsibility to Protect - Five Years On. Ethics & International Affairs, 24, no. 2 (2010), páginas. 143-144. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/Bellamy.pdf>. Acesso em 30/01/2015. 1265 ONU, (2009). UNGA, A/63/677 (2009), ‘‘Implementing the responsibility to protect”, ONU Doc. A/63/677, 12 de Janeiro de 2009. Disponível em: < http://responsibilitytoprotect.org/implementing%20the%20rtop.pdf>. Acesso em 30/01/2015. 1266 BELLAMY, op. cit., loc. Cit.;
299
responsabilidade de proteger deve ser exclusivamente exercida pela comunidade
internacional, através do Conselho de Segurança, surgem situações em que o
Conselho de Segurança, não age ou devido a um veto de qualquer um dos seus
membros permanentes não pode tomar qualquer decisão.1267
Ora, exemplo vivo disto é o conflito Sírio, que em fevereiro de 2012, pela
segunda vez desde o início do conflito, Rússia e China vetaram um projeto de
resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas visando atestar que
governo sírio era responsável por crimes contra a humanidade1268 , e em abril de 2017
com o veto da Rússia, mais uma vez não se aprovou uma resolução contra o governo
Sírio que seria condenando pelo uso de armas químicas no conflito armado. Este tipo
de reticência pelos Estados Partes nos casos em que as vítimas são incapazes de se
defender contra os abusos graves é difícil de conciliar com o compromisso dos
Estados de promover o respeito universal e efetivo dos direitos humanos.1269
Não obstante, segundo Boisson de Chazournes, a inação, bem como a
ação inadequada do Conselho de Segurança em casos de genocídio, crimes de
guerra, práticas de limpeza étnica e crimes contra a humanidade (a exemplo do caso
de bloqueio do Conselho de Segurança pelo uso do veto de resoluções sobre a
questão síria), poderiam ser configuradas como ilícito internacional, acarretando a
responsabilidade internacional da organização. É o que se infere do Relatório do
“Painel de Alto Nível de 2004 do Secretário Geral das Nações Unidas sobre Ameaças,
Desafios e Mudanças”1270 que recomenda no parágrafo 256 que os membros
1267 BOLAÑOS, Tania. Military Intervention without Security Council´s Authorisation as a Consequence of the “Responsibility to Protect”. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 174-180. 1268 ADAMS, Simon. FAILURE TO PROTECT: SYRIA AND THE UN SECURITY COUNCIL. Global Centre for the Responsibility to Protect. Occasional Paper Series. No. 5. March 2015. Disponível em: < http://www.globalr2p.org/media/files/syriapaper_final.pdf >. Acesso em: 11 de novembro de 2016. 1269 SEIBERT-FOHR, Anja. THE INTERNATIONAL COVENANT ON CIVIL AND POLITICAL RIGHTS: MOVING FROM COEXISTENCE TO COOPERATION AND SOLIDARITY. p. 529. In: HESTERMEYER, Holger P. et al. (eds.). “Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum”, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. 1270 ONU, (2004). A More Secure World: Our Shared Responsibility: Report of the UN Secretary General´s High-level Panel on Threats, Challenges and Change. Doc. UN A/59/565 de 2 de dezembro de 2004, parágrafos 201 e 256. Disponível em: <https://www1.umn.edu/humanrts/instree/report.pdf>. Acesso 15/01/2015.
300
Permanente do Conselho de Segurança se abstenham do uso de veto em casos de
genocídio e de violações dos direitos humanos em grande escala.1271
Assim, a responsabilidade de proteger se dividiria em duas partes a
responsabilidade definida no "dever de proteger" e a responsabilidade quanto às
consequências jurídicas “da falha deste dever de proteger”.1272
Nesses casos, surge a questão de saber se a comunidade internacional
tem a obrigação de agir, e se o tiver, se é legalmente autorizada a fazê-lo sem ter
obtido a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Neste contexto,
parte da doutrina, bem como a prática de alguns Estados, levam a crer que quando o
Conselho de Segurança não agir, ou seja, falha na sua obrigação de proteger, a
obrigação de proteger pode ser assumida pela comunidade internacional por meio de
intervenções militares autônomas.1273
Esse entendimento, entretanto, não foi incluído no documento final da
Cúpula Mundial “2005 World Summit Outcome”, razão pela qual de não ser aceito pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, que prega pelo papel exclusivo do Conselho
de Segurança para ordenar e autorizar intervenções militares. Nessa trilha, a
intervenção militar autônoma, ou seja, sem autorização do Conselho de Segurança,
se põe como um dos aspectos mais controversos da responsabilidade de proteger,
1271 BOISSON DE CHAZOURNES, Laurence. Responsibility to Protect: Reflecting Solidarity? In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 106-109.; 1272 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 12. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud G. Gaja, “Introduction”, (88) in: J-P. Cot (ed.), La responsabilité de prótéger, colloque de Nanterre, Société Française pour le Droit International, 2008. 1273 BOLAÑOS, Tania. Military Intervention without Security Council´s Authorisation as a Consequence
of the “Responsibility to Protect”. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 174-180.; Alex J. Bellamy BELLAMY, por exemplo, observa que justamente por isso, os críticos geralmente argumentam que a responsabilidade de proteger é uma doutrina perigosa e imperialista que ameaça minar a soberania nacional e autonomia política dos fracos. BELLAMY, Alex J. The Responsibility to Protect - Five Years On. Ethics & International Affairs, 24, no. 2 (2010), páginas. 143-144. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/Bellamy.pdf>. Acesso em 30/01/2015. Na mesma toada, Thomas Verellen, exemplifica que o governo americano, por meio do presidente Bush, invocou o princípio em apoio da sua doutrina de ataques preventivos e depois em apoio à invasão do Iraque, e em 2008, a Rússia usou o princípio em apoio da sua invasão na Geórgia. VERELLEN, Thomas. A Few Words on the Responsibility to Protect. Jura Falconis Jg. 48, nummer 1, 2011-2012. p. 155. Disponível em: <https://www.law.kuleuven.be/jura/art/48n1/verellen.pdf>. Acesso em: 07/11/2016.
301
porque é geralmente associada a padrões de interferência e dominação na política
mundial.1274
Em outra mão, uma vez que tal falha por parte do Conselho de Segurança
não autorizaria a comunidade internacional a agir por si só, parece ser viável o
exercício da responsabilidade de proteger por autorização feita pela Assembleia Geral
das Nações Unidas. É o que o relatório do ICSS sugere: a Assembleia Geral pode
aprovar a intervenção militar em conformidade com os procedimentos da resolução
"Unidos pela Paz"1275, mas somente a fim de permitir que a Assembleia Geral
compense a omissão1276 do Conselho de Segurança, de forma excepcional e com
efeito apenas para tal caso particular - reassumindo as responsabilidades transferidas
ao Conselho de Segurança - para recomendar medidas coercivas, incluindo a
intervenção militar, se necessário. Neste caso, a recomendação da Assembleia Geral
a usar a força armada teria um efeito legitimador para os Estados ou as organizações
que realizam a intervenção, e sendo tais ações referendadas pela comunidade
internacional, não seriam consideradas como um ato ilícito internacional.1277
De acordo com isso, a despeito do confronto entre o princípio da
solidariedade internacional e o da preservação da soberania dos Estados, relativo à
responsabilidade de proteger a segurança de vidas humanas1278, parece se consolidar
a idéia de que soberania como não-interferência é idéia ultrapassada em um mundo
interdependente e diante da obrigação positiva dos Estados em garantir o bem-estar
mínimo dos seus povos, mostrando que a doutrina da responsabilidade (embora tenha
pontos controversos) faz uma perpicaz reconceitualização utilitarista da soberania
1274 BOLAÑOS, Tania. Military Intervention without Security Council´s Authorisation as a Consequence of the “Responsibility to Protect”. In: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. p. 174-180. 1275 ONU, (1950). UNGA,“Uniting for Peace”. A/RES/377 A (V) of 3 November 1950. Disponível: <http://www.un.org/en/sc/repertoire/otherdocs/GAres377A(v).pdf>. Acesso em: 07/11/2016. 1276 Ou seja, tal entendimento não autoriza a Assembleia Geral na tomada de medidas militares quando
o Conselho de Segurança não os recomendar. Assim, a recomendação da Assembleia Geral a intervir militar em casos de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade só pode ser concedida quando o Conselho de Segurança não tomou qualquer decisão. 1277 BOLAÑOS, op. Cit., p. 182,183, 191 e 192. 1278 DETAIS, Julien. LA CHARTE DES NATIONS UNIES ET LE PRINCIPLE DE SOLIDARITÉ. In: DOUMBE-BILLE, Stephane; GHERARI, Habib; KHERAD, Rahim. Mélanges en l´honneur de Madjid Benchikh: DROIT, LIBERTE, PAIX, DEVELOPPEMENT. Editions A. Pedone: Paris, 2011. p. 248.
302
estatal (Estado utilitário).1279 A nova fórmula de soberania está amparada na
recaracterização da responsabilidade do Estado de garantir a proteção dos direitos
humanos da sua população.1280
É nessa dinâmica que os princípios da solidariedade internacional e da
responsabilidade de proteger encontram-se em estágio de gradual evolução no direito
internacional, permeando a proteção universal dos direitos humanos nos seus mais
diversos temas, tais como a paz, a segurança coletiva (atualmente, principalmente
sobre a proteção contra o terrorismo), meio ambiente, desenvolvimento e bioética, por
serem estes tópicos que desafiam a comunidade jurídica internacional como um todo.
Desta forma, segundo as lições de Jost Delbrück e Antônio Augusto
Cançado Trindade, a solidariedade internacional e a responsabilidade de proteger
exercem enorme influência na criação acelerada do entendimento de um direito
internacional que expressa o interesse público de toda a comunidade internacional no
efeito erga omnes do dever de proteção internacional dos direitos humanos.1281 O
reconhecimento crescente da responsabilidade de proteger tanto na prática dos
Estados, como na doutrina internacional, constitui etapa importante da humanização
irreversível do direito internacional, gradualmente desempenhando papel em vários
ramos da ordem jurídica internacional em uma articulação em nível global do princípio
constitucional da solidariedade e em desfavor do egoísmo do princípio da soberania
estatal1282 e do nacionalismo exacerbado, especialmente nas três dimensões de
1279 SCHOLZ, Sally J. Solidarity as a Human Right. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 66 1280 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional humanitário. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. Apud CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Prefácio. In: MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 200, 1281 DELBRÜCK, Jost (Hrsg.:) International Law of Cooperation and State Sovereignty: proceedings of an international symposium of the kiel Walther-Schücking-Institute of International Law, May 23-26, 2001, Berlin, Duncker und Humblot, 2002. (Foreword) Apud TOMUSCHAT, Christian. Obligations Arising for States without or against Their Will, Recueil de Cour, vol. 241 (1993 IV), 195 et seq.; BIERRENBACH, p. 196. Apud CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Prefácio. In: MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 1282 WELLENS, Karel. Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitucional Principle: Some Further Reflections. p. 12. in: WOLFRUM, Rüdiger, KOJIMA, Chie (eds.). Solidarity: A Structural Principle of International Law. Max-Planck Institut für ausländisches öffentliches Rech un Völkerrecht, Heidelberg, 2010. Apud DAILLIER, P. “La ‘Responsabilité de protéger’ corollaire ou remise en cause de la souveraineté. Rapport général”, in: in: J-P. Cot (ed.), La responsabilité de prótéger, colloque de Nanterre, Société Française pour le Droit International, 2008.
303
assistência solidária: o direito de receber assistência, o direito de oferecer assistência
e o direito de obter acesso às vítimas de desastre.1283
Assim é que as dimensões da solidariedade internacional se cruzam, em
um todo complexo de correspondência legítima, com as da responsabilidade de
proteger. Ora, ambas se originam da ação dos Estados dotados dos meios
necessários para organizar uma operação de assistência/resgate humanitário1284 aos
Estados ou populações que se encontrem sofrendo graves violações dos seus direitos
humanos (a exemplo do que vem ocorrendo na Síria); se fundamentam em valores
partilhados a nível internacional; têm um forte apelo moral, em virtude do papel central
de preocupação com as populações civis que sofrem graves violações de direitos
humanos; não pretendem nenhum benefício direto e concreto nem para os Estados
solidários (no caso de solidariedade) e nem para os Estados intervenientes (no caso
de intervenção baseada na responsabilidade de proteger).1285
Coerentemente a esta visão, o princípio da responsabilidade de proteger
pode ser visto como uma forma institucionalizada, moral e legalmente (através das
Nações Unidas), da solidariedade internacional, já que, de um ponto de vista jurídico,
a responsabilidade de proteger concretiza a noção de solidariedade ao especificar as
1283 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 76-77 Apud S. Davies, Natural Disasters and the Responsibility to Protect, in: GYIL 55(2012), p. 149; K. Wellens, Revisiting Solidarity as a (Re-)Emerging Constitutional Principle: Some Further Reflections, in: R. Wolfrum/CH. Kojima (eds.), Solidarity: A Structural Principle of International Law, 2010, página 3 a 14. 1284 Embora, existam autores, como Ana Maria Bierrenbach, que insistam que a responsabilidade de
proteger apresenta-se como a nova face do jus ad bellum, ou da guerra justa, tentado desvincular o novo conceito das intervenções humanitárias, o conceito de responsabilidade de proteger é constantemente criticado como sendo nada mais do que uma forma de intervenção humanitária. BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional humanitário. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. p. 200. Entretanto, na medida em que a solidariedade constitui um princípio de direito internacional, e sendo a responsabilidade de proteger fruto dela, é, portanto, de fato legalmente distinguível de intervenção humanitária, visto que a noção de solidariedade na sua mais madura manifestação positiva é representada pelo paradigma legal de deveres internacionais inter-relacionados, também presente no desenvolvimento da doutrina da responsabilidade de proteger. Assim, a associação ao princípio da solidariedade garante que doutrina da responsabilidade de proteger seja legitimamente distinguível de intervenção humanitária. KOROMA, Abdul G. SOLIDARITY: EVIDENCE OF AN EMERGING INTERNATIONAL LEGAL PRINCIPLE. In: Holger P. Hestermeyer et al. (eds.). Coexistence, Cooperation and Solidarity: Liber Amicorum Rüdiger Wolfrum, Volume 1. Editora: Martinus Nijhoff Publishers: 2011. p. 118-123. 1285 KOTZUR, et al. Op. Cit., p. 103-104.
304
condições internacionalmente permitidas de ação na proteção dos valores coletivos
dirigidos à proteção dos direitos humanos.1286
Por fim, igualmente significativo é o fato de o conceito de responsabilidade
de proteger (como o de solidariedade internacional) se configurar um grande desafio
para pensadores e operadores do direito internacional, por se encontrar na fronteira
entre o realismo e o idealismo, entre o direito e a moral, entre normas cogentes e soft
law, entre o conflito e a paz.1287
1286 KOTZUR, Markus Tobias; SCHMALENBACH, Kirsten. Solidarity Among Nations. In: BRUHA, Thomas. et al. ARCHIV DES VÖLKERRECHTS: Transnational Solidarity – An Interdisciplinary Approach. Band 52, Heft 1, MOHR SIEBECK, Hamburg. märz, 2014. p. 103-104. 1287 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional humanitário. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. p. 199.
305
5 CONCLUSÃO
Das premissas lançadas ao longo deste trabalho, é lícito extraírem-se algumas
conclusões do que venha a ser tanto a solidariedade internacional, como o direito
humano à solidariedade Internacional, sem a pretensão de esgotar, por óbvio, a
análise destes temas.
Assim, diante de tudo o que foi levantado, importa reconhecer que a
solidariedade internacional, já aceita como um relevante valor comunitário universal
(ético e moral), é, também, um princípio jurídico do direito internacional que se
converge na união de interesses, propósitos e ações de todos, na preservação da
ordem e da própria sobrevivência da sociedade internacional, com a finalidade de
alcançar objetivos comuns que requerem ação coletiva baseada no sistema normativo
internacional de obrigações, deveres e responsabilidades mútuas, para a
implementação de todos os direitos humanos; respondendo, assim, à necessidade de
transformação global ligada aos objetivos de paz, segurança, equidade,
sustentabilidade e desenvolvimento (capacitação cívica, educacional e tecnológica)
para todos, mas em particular para com os Estados, povos e indivíduos mais
vulneráveis e marginalizados, na prevenção (solidariedade preventiva) e remoção das
causas de assimetrias estruturais e desigualdades sociais que geram pobreza e
subdesenvolvimento, na busca da distribuição justa e equitativa dos benefícios
gerados por um mundo cada vez mais interdependente e globalizado.
Por sua vez, o direito à solidariedade internacional garantiria aos povos e os
indivíduos o benefício do estrito cumprimento, por parte dos Estados, de acordos e
compromissos internacionais1288 de proteção dos direitos humanos. Ou em outros
termos, é a obrigação de respeitar e fazer respeitar a dignidade da pessoa humana
por meio da promoção de todos os direitos humanos já reconhecidos, no interesse do
bem comum de toda a humanidade como meta a ser compartilhada por todos os
sujeitos da comunidade internacional (Estados, povos, indivíduos, empresas
multinacionais, organizações internacionais, organizações não governamentais) em
1288 Sejam eles bilaterais, intergovernamentais, regionais ou internacionais.
306
elogio à uma consciência jurídica universal solidária, propulsora da efetiva
instrumentalização da proteção universal dos direitos humanos.
Desta forma, se pode concluir que o direito humano à solidariedade
internacional (apesar de todos os desafios que a sua efetiva aplicação possa requerer
na prática) seria a obrigação que condiciona a observação da solidariedade
internacional (tanto negativa quanto positiva) em todos os temas relacionados à
implementação dos diretos humanos internacionalmente reconhecidos, em processo
para torná-los mais alinhados com o esforço e o comprimisso que o futuro da
humanidade exige de todos em função da realidade ontológica e cosmopolita
inafastável da contemporaneidade.
Com base nisso, não se deveria estigmatizar o direito humano à solidariedade
internacional como uma quimera, pois ao fazê-lo estaremos afirmando que o futuro da
humanidade não será possível.
Nesse contexto, a direito à solidariedade internacional é o direito de exigir a
implementação de solidariedade internacional nos direitos humanos já reconhecidos,
ou seja, é um direito favorável à total realização, promoção e proteção dos direitos
humanos já assegurados internacionalmente. Sendo, portanto, uma utopia viável
(concreta) de justiça global e promoção da dignidade humana.
Para que isso seja possível, porém, é tempo de se reconhecer a solidariedade
internacional como um direito humano, para a garantia da existência de um futuro
digno para toda a humanidade, em função dos seus fundamentais e estratégicos
temas correlatos (segurança coletiva, direito internacional ao desenvolvimento, direito
ambiental internacional, direito internacional dos direitos humanos, direito
internacional humanitário, direito internacional dos refugiados, responsabilidade de
proteger, obrigações extraterritoriais dos estados, governança e constitucionalismo
global). Percebe-se, com isso, porquê Karel Wellens afirma ser a solidariedade um
emergente princípio com função constitucional na ordem legal internacional, mesmo
uma necessidade social internacional.
Ademais, a solidariedade internacional encontra poderosa expressão da sua
materialidade nas normas de “jus cogens” e nas “obrigações erga omnes”, que fazem
307
parte do topo da ordem jurídica International, representando preocupações coletivas
da humanidade que demonstram o poder da solidariedade internacional como uma
importante ferramenta cogente do direito internacional.
Tal assertiva se põe como importante diretriz para que o direito à solidariedade
internacional saia da penumbra (lex obscura), ou seja, da zona nebulosa entre “lex
ferenda” e “lex lata” e assuma sua posição de destaque na cena das relações jurídicas
internacionais contemporâneas, frente a obrigatoriedade do necessário esforço
conjunto, coordenado e solidário de todos os Estados e demais entes físicos, jurídicos,
públicos e privados da comunidade internacional, para a harmonização dos anseios
de toda humanidade diante dos desafios lançados pela globalização.
Nessa dinâmica, o projeto de proposta de uma Declaração sobre o direito dos
Povos e Indivíduos à Solidariedade Internacional, promovido pelas Nações Unidas,
confirma o estágio avançado da importância da solidariedade nas relações
internacionais, como um reforço na instrumentalização internacional da solidariedade,
ressaltando a necessidade urgente de salientar princípios, desenvolver novas
orientações, critérios e normas que promovam e os direitos estreitamente
relacionados ao valor fundamental da solidariedade internacional, base para a
construção de uma sociedade internacional cosmopolita e harmoniosa, bem como de
uma ordem política e econômica internacional justa e equitativa, onde todos os direitos
humanos de todos os seres humanos possam ser plenamente realizados.
Ora, a proclamação de uma Declaração sobre o Direito Humano à
Solidariedade Internacional virá a reconhecer o que já é fato: a solidariedade
internacional é um elemento multidimensional do direito internacional.
Além disso, confirmará a autenticidade da solidariedade como “lex ferenda”,
abrindo caminho para que se amadureça o argumento jurídico da solidariedade como
um direito humano “sui generis” mais rapidamente, até o ponto de evolução onde
venha a ser reconhecida como uma rígida “lex lata”, um verdadeiro mandamento
jurídico, cuja efetiva implementação contribuirá para a eficaz proteção dos vários
outros direitos humanos, em respeito à dignidade humana em todas as suas
dimensões.
308
Neste sentido, o conceito de transmodernidade1289 é de grande serventia, por
se distinguir da modernidade e da pós-modernidade ao se apresentar como uma fase
de transição para um futuro ainda não definido, mas que, já tem em sua silhueta a
superação dos antigos paradigmas de comportamento individual e coletivo, em uma
totalidade dialética que “passa a ser compreendida como antecipação de um futuro
que, antes vivenciado na ficção, nas profecias, conjeturas e utopias, já se apresenta
como definitivo, a catalisar as energias da humanidades”.1290
Coerentemente a esta visão, mesmo que se levem anos ou mesmo décadas
para que a solidariedade venha a ser integralmente consolidada como um direito
humano stricto sensu, ou seja, para que as lacunas da sua natureza jurídica,
titularidade e destinatários sejam sanadas (se colocando totalmente deglutível para
toda a comunidade internacional), a vindoura Declaração sobre o direito humano e
solidariedade internacional deverá ser avaliada como etapa evolutiva para o povir
absoluto deste direito humano obrigatório à solidariedade internacional.
Ou seja, a Declaração dos Direitos Humanos de Solidariedade virá apresentar-
nos a importância do reconhecimento da solidariedade como valor, princípio estrutural
do direito internacional e emergente direito humano, sob um ponto de vista
transjurídico, pluridimensional e transconstitucional, apontando para a condição
cósmica, ontológica, intersubjetiva, macro econômica, política, intersocial e
intercultural da dignidade humana que deve abranger, mais do que nunca, uma
preocupação e cuidado com o nosso próprio planeta.
Assim, não é exagero prever que a Declaração do Direito dos Povos e dos
Indivíduos à Solidariedade Internacional servirá como uma das ferramentas mais
poderosas de orientação para os defensores e ativistas que buscam fazer avançar a
concretização da proteção dos direitos humanos, em seu sentido mais universal,
utilizando a solidariedade como elo de racionalidade, responsabilidade e diálogo
profícuo.
1289 Aqui o conceito de transmodernidade desenvolvido por Luis Fernando Coelho é de grande serventia.
COELHO, Luiz Fernando. Saudade do Futuro. 2ª ed. (ano 2007), 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2010. p. 30-31. 1290 Ibid.,
309
Nesse aspecto, sem ignorar a importância de outros princípios do direito, bem
como de outros direitos, é segura a convicção de que a vindoura Declaração do Direito
dos Povos e dos Indivíduos à Solidariedade Internacional pretende redescobrir,
salientar e operacionalizar a capacitação do valor e princípio da solidariedade, bem
como do direito humano à solidariedade, para nos guiar na realização prática e efetiva
da evolução da defesa dos direitos humanos no desafiante contexto do século XXI,
diante das perspectivas que se apresentam para o futuro da humanidade.
Assim, a evolução (ou revolução) que surgirá após o advento de uma
declaração das Nações Unidas sobre o direito à solidariedade internacional, mais do
que promulgar novos direitos, irá reafirmar os direitos humanos já existentes na busca
de promovê-los de forma solidária (universal, integrativa e interdependente). Posto
que, construir uma teoria jurídica da solidariedade concreta e legítima, estudar o novo
contexto internacional, os novos desafios e a necessidade de definir princípios,
objetivos e prioridades, conducentes às responsabilidades compartilhadas no campo
da solidariedade internacional e dos direitos humanos é o que se propõe, na busca de
uma confirmação racional da exigíbilidade, viabilidade e exequíbilidade da
solidariedade, por meio do direito internacional.
Neste percurso, a Declaração das Nações Unidas sobre o direito à
solidariedade internacional, pode inclusive, ser vista como a desejada “Carta dos
Direitos e Deveres da Humanidade1291”, no impulso da transformação para a
necessária modernidade do direito internacional.
Ademais, infere-se, dos numerosos relatórios da atual especialista
independente em direitos humanos e solidariedade internacional, que apesar da
esperada resistência para superar certos obstáculos normativos, o direito à
solidariedade internacional já tem qualidades mais que suficientes para ser
efetivamente aceito como promovente a realizador da proteção dos direitos humanos
em geral.
1291 DE VOS, Claude. POUR UNE CHARTE DES DROITS ET DES DEVOIRS DE L’HUMANITÉ. p. 1261-1275. In: TOUSCOZ, Johannis-Andreae: Amicorum discipulorumque opus. DROIT INTERNATIONAL ET COOPÉRATION INTERNATIONALE: Hommage à Jean-André TOUSCOZ. Nice: Europe éditions, 2007.
310
De acordo com isso, o reconhecimento do direito humano à solidariedade
internacional será uma legítima pedra angular a propor, legalmente, o início de uma
nova abordagem dos direitos humanos frente os desafios globais de desenvolvimento,
interdependência e governança global, em um mundo onde as fronteiras de interação
entre as esferas pública e privada (e os limites onde a responsabilidade de cada um
dos vários atores da comunidade internacional começa e termina) se tornam mais
difusas e permeáveis no que concerne, principalmente, à igualdade econômica,
inclusão social, paz, desenvolvimento sustentável, meio ambiente sadio e
ciberespaço.
Em face disso, se impõe problematizarmos a solidariedade internacional como
um direito humano sui generis por sua multidimensionalidade universal, em oposição
ao relativismo cego e limitador.
Deste modo, urge aceitarmos que qualquer compreensão da atual realidade
mundial deve ter estreita e concreta interconexão com os direitos humanos de todos
os habitantes do planeta, e até mesmo os direitos de preservação do próprio globo
terrestre, o que demanda uma percepção transnacional, transjurídica, transmoderna
e transconstitucional da nossa nova condição humana no mundo.
Essa compreensão dos direitos humanos sob uma ótica solidária demonstra a
complexidade intangível, absoluta e transcruzada da importância da promoção do
respeito absoluto à dignidade dos indivíduos e dos povos em várias dimensões; sem
que o universalismo que defende represente homogeneidade hegemônica, mas sim
respeito à diversidade, na busca de dirimir as diferenças, lançando pontes sobre
pensementos opostos, conectando tudo e todos na intenção de garantir parâmetros
mínimos de bem-estar da humanidade.
Solidariedade internacional como direito humano diz respeito a um impulso
para a busca de uma melhor governança global em todos os contextos no qual a
solidariedade possa propor uma abordagem mais holística do direito internacional,
principalmente no momento histórico de tempos difíceis, confusos, medonhos e de
crise em que nos encontramos, em que o espírito de solidariedade se torna mais
importante que nunca, diante das ameaças relançadas pelos medos e ansiedades que
o terrorismo, o radicalismo, o populismo e os nacionalismos exacerbam.
311
Nestes tempos onde a perspectiva (pesadelo) de um conflito global ressurge,
assombrando com cada vez mais intensidade a paz mundial, diante do acirramento
das animosidades políticas em várias partes do mundo (justamente por falhas no
espírito de solidariedade), não se pode protelar as exigências legais de solidariedade,
necessárias para que se garanta o futuro da humanidade e do próprio planeta.
Assim, o reconhecimento da solidariedade como um direito humano é um passo
desejável e significativo na transmutação da solidariedade internacional em um direito
concreto capaz de produzir efeitos diretos sobre o comportamento dos Estados nas
relações internacionais, para o enfrentamento das causas estruturais dos conflitos, da
pobreza, da desigualdade e outros desafios globais que impedem o pleno exercício e
gozo dos direitos humanos de muitos povos e indivíduos.
O apelo pelo reconhecimento da solidariedade internacional como um direito
humano é, em verdade, um apelo para que razão humana prevaleça na busca dos
ideais de paz, prosperidade, justiça e equidade, através da solidariedade.
Desta feita, um direito humano à solidariedade internacional se levantaria como
antídoto para um mundo bastante desigual, dividido e egoísta, apesar de cada vez
mais interdependente e interconectado, demonstrando a importância de maiores
esforços para consolidação de valores, princípios e direitos que construam um outro
futuro, uma outra proposta de convivência para toda a sociedade internacional,
através de uma transformação social profunda que permita uma compreensão crítica
do capitalismo globalizado (a dizer, das suas relações e estruturas de poder e
governança).
Decorre daí que, a afirmação de um direito humano à solidariedade possa ser
a oportunidade para refundarmos a importância internacional da solidariedade,
tornando-a mais sólida e capacitada para responder à responsabilidade de enfrentar
os problemas que afetam todo o planeta, ou seja, de dispormos de uma solidariedade
positiva (ativa), de longo prazo e que forçe o reconhecimento explícito dos laços de
solidariedade já existentes nos níveis nacional, regional e internacional.
Precisamos aceitar o que o futuro nos impõe. E o futuro nos impõe
solidariedade em todas as esferas e potencialidades possíveis, remetendo ao
312
legitimante novo, ao conscientemente transformador, ao eficazmente propositivo, ao
sunstentávelmente progressista, ou seja, à concretização de um caminhar digno e
solidário de toda a humanidade. Tal transformação exige a modificação das relações
internacionais, por meio de um direito internacional que tenha condições para
responder aos imperativos de um chamado mundial por solidariedade.
É tempo. Devemos iniciar caminhada na trajetória de construção de um modelo
jurídico internacional positivo de afirmação da solidariedade, como consciência global
antecipadora do povir de concretização absoluta dos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade, por meio da solidariedade internacional que reconecta a singularidade
(indivíduo) à universalidade (comunidade planetária) e vise versa.
O direito à solidariedade internacional encarna, portanto, obrigação solidária
global, unindo todos como parte do problema e da solução dos desafios mundiais que
enfrentamos, já que a negação de quaisquer dos direitos humanos em qualquer lugar
do planeta é de interesse de todos os Estados membros da Organização das Nações
Unidas1292. Tal fato salienta a importância de se cogitar novas maneiras de se pensar
o direito e a justiça internacional, contribuindo para o desenvolvimento do direito
internacional e de seu papel como agente social para a evolução da consciência
jurídica solidária global, bem como de sua efetivação.
É chegado o momento de sermos solidariamente transmodernos1293,
especialmente no direito internacional dos direitos humanos.
1292 Neste sentido conferir o discurso de Zeid Ra'ad Al Hussein na abertura da 35ª sessão do “United
Nations Human Rights Council”: "Líderes podem querer negar esta realidade, mas quer queiramos ou não, a humanidade está ligada... nós vemos de novo e de novo, mais e mais brutalmente, em torno de nós os resultados de discriminação, a privação e a injustiça - na escalada de crises. E o sofrimento, e a eclosão da guerra. Mesmo que os líderes não considerem esta verdade conveniente, no entanto, é um fato que a negação de direitos humanos em um país atinge todos os estados na organização." Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=21687&LangID=E. Acesso 06 de junho de 2017. 1293 Parafraseando o poeta francês Arthur Rimbaud, quando disse que é preciso sermos absolutamente modernos: “Il faut être absolument moderne”. RIMBAUD, Arthur. Uma temporada no inferno (Bilíngue). Tradução de Paulo Hecker Filho. Porto Alegre: L&PM, 2002.
313
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