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II CURSO DE ESPELEOLOGIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

PROMOO

ORGANIZAO E REALIZAO

APOIO

Foto: Alexandre Lobo

II CURSO DE ESPELEOLOGIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

PROMOO

ORGANIZAO E REALIZAO

APOIO

LUIZ INCIO LULA DA SILVA Presidente da Repblica IZABELLA TEIXEIRA Ministra de Estado de Meio Ambiente RMULO JOS FERNANDES BARRETO MELLO Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade MARCELO MARCELINO DE OLIVEIRA Diretor da Diretoria de Biodiversidade Instituto Chico Mendes JOCY BRANDO CRUZ Chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservao de Cavernas (CECAV) SNIA RIGUEIRA Presidente do Instituto Terra Brasilis EQUIPE TCNICA CECAV/ICMBIO: Ana Lcia de Oliveira Galvo Cludia do Val Vilela Cristiano Fernandes Ferreira Dbora Campos Jansen Issamar Meguerditchian Jos Carlos Ribeiro Reino Julio Ferreira da Costa Neto Lindalva Ferreira Cavalcanti Maristela Felix de Lima Renata M. Rossato Ricardo Jos Calembo Marra Rita de Cssia Surrage de Medeiros EQUIPE TCNICA INSTITUTO TERRA BRASILIS NESTE TRABALHO Ktia Maria Sahione Azevedo Horta Priscila Soares de Paiva Campos Moreira Snia Carlos Carvalho (coordenadora / organizao do curso) Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade Centro Nacional de Pesquisa e Conservao de Cavernas (CECAV) SCEN Av. L-4 Norte Trecho 02, Ed Sede do CECAV CEP: 70818-900 Braslia/DF Tel. (61) 3316.1572 - fax (61) 3307.1370 http://www.icmbio.gov.br/cecav [email protected]

Apresentao 1

Nas ltimas dcadas, presenciamos a expanso da atividade econmica no Brasil com conseqente aumento da presso sobre os recursos naturais. Tornou-se iminente a necessidade de um aparato legal para garantir a proteo do patrimnio espeleolgico nacional, bem como normatizar seu uso. Desde que a Constituio Federal de 1988, em seu Art. 20, inciso X, instituiu que as cavidades naturais subterrneas so bens da unio, uma srie de atos legais foram editados pelo poder pblico visando ordenar as atividades potencialmente impactantes ao patrimnio espeleolgico do Brasil. Considerando a necessidade de aprimorar os instrumentos de gesto ambiental do patrimnio espeleolgico no sistema de licenciamento ambiental, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservao de Cavernas (CECAV), juntamente com o Instituto Terra Brasilis, realiza o I Curso de Espeleologia e Licenciamento Ambiental do Instituto Chico Mendes, cujo publico alvo so os profissionais de instituies pertencentes ao Sisnama responsveis pela anlise dos processos de licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras ou degradadores de cavidades naturais subterrneas, ou de sua rea de influncia. Assim, buscamos atender a diretriz do Programa Nacional de Conservao do Patrimnio Espeleolgico (PNCPE) para a integrao de aes setoriais, por meio da descentralizao de aes, do fortalecimento da ao governamental, do estabelecimento de parcerias e envolvimento dos setores interessados na implementao do Programa. Nosso objetivo contribuir com o fortalecimento institucional para a gesto do Patrimnio Espeleolgico (Componente 6 do PNCPE), por meio da formao de recursos humanos e o desenvolvimento da espeleologia nos rgos ambientais competentes para realizar o licenciamento ambiental de tais empreendimentos e atividades, conforme a legislao de proteo do patrimnio espeleolgico (Decreto N 99.556/90, alterado pelo Decreto N 6.640/2008; Resoluo CONAMA N 347/2004).

A apostila est dividida em dois mdulos. No primeiro, grandes nomes da espeleologia brasileira discutem temas fundamentais para a compreenso dos ambientes crsticos: geoespeleologia, biologia subterrnea, espeleometria e avaliao de impactos ambientais; j o segundo mdulo aborda a espeleologia aplicada ao processo de licenciamento ambiental. Nele, tcnicos do Cecav abordam desde o histrico da espeleologia, a partir de Peter Lund, at a legislao atual, com a publicao da Instruo Normativa 02/2009 do Ministrio do Meio Ambiente, que estabelece a metodologia de classificao do grau de relevncia de cavidades naturais subterrneas e cria regras para o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades localizados em rea de ocorrncia de cavernas. Acreditamos que est apostila tambm servir para futuras consultas e, portanto, buscamos ilustrar os conceitos apresentados e enriquec-la com o mximo de referncias bibliogrficas, tonando-a um referencial e importante apoio ao tcnico quando da anlise de processos de licenciamento ambiental. Jocy Brando Cruz Chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservao de Cavernas CECAV

Apresentao 2

O Instituto Terra Brasilis, no cumprimento de sua misso institucional de promover e apoiar iniciativas voltadas proteo do patrimnio natural e cultural, tem atuado em vrios projetos e atividades que ajudam na obteno deste objetivo. com este propsito que o Terra Brasilis, em articulao com o Instituto Chico Mendes de Proteo Biodiversidade, atravs do Centro Nacional de Estudo, Proteo e Manejo de Cavernas, est apoiando a realizao do Curso de Espeleologia e Licenciamento Ambiental, cujo principal alcance o de formar quadros da administrao pblica brasileira, visando melhorar os padres tcnicos e gerenciais do extraordinrio acervo espeleolgico do Brasil. Os variados temas tratados nos textos assinados por diversos autores, aqui reunidos, constituem uma expressiva fonte de conhecimentos e informaes teis queles que no seu trabalho cotidiano esto envolvidos com o licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam direta ou indiretamente as cavernas localizadas em diferentes regies do Brasil. Snia Rigueira Presidente do Instituto Terra Brasilis

SUMRIO 1 Introduo Espeleologia 2 Geoespeleologia 25 7

3 Prospeco Espeleolgica, Topografia e Espeleometria de Cavernas 45 4 Biologia Subterrnea 89

5 Anlise de Impactos Ambientais em Terrenos Crsticos e Cavernas 123 6 Atividade de Campo 149 153

7 Histrico e Contextualizao Legal 8 Legislao Ambiental Aplicada

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1 INTRODUO ESPELEOLOGIA Lus B. Pil e Augusto Auler Instituto do Carste 1.1 Introduo

O presente documento tem como principal objetivo traar um panorama introdutrio ao estudo das cavernas. Inicialmente sero apresentados os principais conceitos, incluindo algumas caractersticas das cavernas e do carste. Em seguida, ser avaliada as potencialidades das cavernas no Brasil, assim como as principais reas de ocorrncia. A importncia das cavernas, suas fragilidades e ameaas de degradao so descritas em seguida. Aps esse tpico, uma sntese da legislao sobre as cavernas apresentada. Esta introduo encerrada com uma breve exposio sobre os estudos espeleolgicos no processo de licenciamento ambiental.1.2 Definies e algumas caractersticas das cavernas e do carste

A definio mais utilizada internacionalmente para caverna consiste em uma abertura natural formada em rocha abaixo da superfcie do terreno, larga o suficiente para a entrada do homem. Esta definio adotada pela Unio Internacional de Espeleologia - UIS, rgo que congrega as instituies nacionais de espeleologia. Trata-se de uma definio claramente antropognica e, em certos casos, indesejvel. Em termos cientficos adota-se definies distintas. Sob o ponto de vista de um pequeno troglbio, um reduzido canal pode constituir-se em caverna. O mesmo ocorre sob o ponto de vista da hidrogeologia, j que grandes volumes de gua podem fluir por dutos muito estreitos para serem acessados pelo ser humano. Em termos de licenciamento necessrio estabelecer parmetros dimensionais a respeito de que caverna. Tem-se utilizado uma metragem mnima de 5 m para se definir cavernas. Consideramos este limite adequado em se tratando de cavernas em litologias como minrio de ferro. Em calcrios ou dolomitos, rochas solveis e altamente favorveis a conterem cavernas, um limite de 5 m leva

identificao de centenas de cavernas em uma rea, digamos, de algumas centenas de hectares, tornando difcil qualquer estudo posterior. Vrios estudos tm demonstrado, tambm, que cavernas muito pequenas so quase invariavelmente despidas de atributos de importncia, devido ausncia de zona escura, ausncia de espeleotemas ou de animais troglbios. Consideramos que o limite dimensional mnimo para se definir o que caverna deve variar com o tipo de rocha, sendo maior no caso de rochas muito propcias ao cavernamento; e menor no caso de rochas onde cavernas so feies de menor ocorrncia. Segundo o Decreto N. 6.640, de 07/11/2008, cavidade natural subterrnea todo e qualquer espao subterrneo acessvel pelo ser humano, com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambiente, contedo mineral e hdrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que tenham sido formados por processos naturais, independentemente de suas dimenses ou tipo de rocha encaixante. Para a anlise das cavernas, no contexto do licenciamento ambiental, a legislao atual define que essas devero ser avaliadas sob os enfoques regional e local. A Instruo Normativa N 2, do Ministrio do Meio Ambiente - MMA, de 20 de Agosto de 2009, define para o enfoque local uma unidade geomorfolgica que apresenta continuidade espacial, podendo abranger feies como serras, morrotes ou sistema crstico, o que for mais restritivo em termos de rea, desde que contemplada a rea de influncia da cavidade. Para o enfoque regional, a referida IN. N 2 definiu uma rea com homogeneidade fisiogrfica, geralmente associada ocorrncia de rochas solveis, que pode congregar diversas formas do relevo crstico e pseudocrstico tais como dolinas, sumidouros, ressurgncias, vales cegos, lapis e cavernas, delimitada por um conjunto de fatores ambientais especficos para a sua formao. Essa rea homognea 7

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foi definida como unidade espeleolgica. As cavernas tendem a ocorrer, principalmente, nos denominados terrenos crsticos, ou seja, reas onde a litologia predominante compreende rochas solveis. Mas em outras reas, que no as crsticas, tambm podem ocorrer cavernas. A palavra karst, que foi aportuguesada para carste, a forma germnica da palavra servo-croata kras, cujo significado original terreno rochoso, desnudo, caracterstica de uma regio situada no nordeste da Itlia e no noroeste da Eslovnia. Tal regio considerada entre os especialistas como o carste clssico, j que foi ali a primeira vez que esse tipo de relevo foi descrito e estudado, a partir da segunda metade do sculo 19. Quando se fala em paisagem crstica, algumas caractersticas so determinantes. Esse tipo de paisagem peculiar est associado a rochas carbonticas (particularmente calcrios e dolomitos), podendo se referir tambm a paisagens similares em outras rochas solveis. O processo principal de formao desse relevo a dissoluo da rocha atravs do tempo geolgico. Essa caracterstica bem tpica do carste, pois a grande maioria das paisagens modelada principalmente por processos erosivos. Tambm apresenta um conjunto de formas tpicas, tais como dolinas (depresses fechadas), vales cegos, paredes, abrigos rochosos, lapis

(sucos, ranhuras e canais de dissoluo na rocha) e sumidouros (onde a drenagem superficial adentra para o meio subterrneo atravs de condutos). Por ltimo, predomina uma drenagem subterrnea, efetuada atravs de um sistema de condutos ou fendas alargadas na rocha, ou seja, atravs de galerias subterrneas, que no so visveis na superfcie. O sistema crstico compreende, em linhas gerais, o ambiente externo, denominado por alguns como exocarste (ou simplesmente carste superficial), marcado por formas superficiais geradas primordialmente pelo ataque qumico de guas metericas, e o domnio subterrneo (endocarste ou carste subterrneo), representado por cavidades subterrneas, geradas pela dissoluo por guas subterrneas de origem diversa. Um terceiro domnio, o epicarste, pode tambm ser reconhecido, dizendo respeito zona logo abaixo da superfcie, englobando o contato entre o solo, quando existente, e a rocha calcria. Alguns autores tm usado o termo pseudocarste para se referir as paisagens que apresentam feies semelhantes s crsticas, tais como cavernas, dolinas e escarpas rochosas. No entanto, essas feies no so formadas sobre tpicas rochas solveis como em um verdadeiro carste. Por exemplo, as depresses do tipo doliniformes e cavernas da Serra dos Carajs, no sudeste do Par, desenvolvidas em rochas ferrferas (minrio

Figura 1.1: Perfil esquemtico do sistema crstico, compreendendo o carste superficial, o epicarste e o carste subterrneo (cavernas).

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de ferro e canga), foram denominadas de pseudocrsticas por Maurity & Kotschoubey (1995). Atualmente existe uma tendncia para incluir as rochas silicatadas, particularmente os quartzitos e arenitos, no grupo das rochas carstificveis. Essa propenso deriva de demonstraes de que a dissoluo da slica, anteriormente considerada de baixa solubilidade, tem tido um papel importante na confeco de morfologias superficiais e subterrneas tipicamente crsticas. Bons exemplos da ao efetiva desses processos podem ser observados na regio quartztica do Roraima venezuelano e na regio do Parque Estadual do Ibitipoca, em Minas Gerais. Salienta-se que uma indefinio ainda existente dentro dessa discusso saber quais os critrios que qualificam uma paisagem como sendo crstica. Para alguns autores, necessrio que o transporte de massa em soluo seja mais importante que o transporte de massa por outros processos. No entanto, tais mecanismos, no contexto da dinmica da paisagem, so marcados por descontinuidades, geralmente de difcil mensurao. Por exemplo, ainda sabemos pouco sobre os processos de dissoluo na gerao de cavernas nas formaes ferrferas de Minas Gerais e do Par.1.3 Potencialidades das cavernas no Brasil Cerca de 90% das cavernas reconhecidas em todo o mundo desenvolvem-se em rochas carbonticas. No Brasil, no entanto, devido a fatores ainda pouco conhecidos, mas seguramente envolvendo variveis geomorfolgicas e climticas, arenitos e quartzitos so tambm muito susceptveis a formao de cavernas. Mais recentemente, a constatao de que reas de minrio de ferro e

canga so extremamente favorveis formao de cavernas, adicionou mais um componente ao mosaico espeleolgico brasileiro. Ocorrem tambm, embora em menor escala, cavernas em granito, gnaisse, rochas metamrficas variadas como micaxistos e filitos, alm de coberturas de solos. At o momento, cerca de 10.000 cavernas encontram-se registradas nos cadastros espeleolgicos existentes no pas. Esses cadastros abrangem principalmente informaes coletadas por grupos amadores de espeleologia. No entanto, muitas cavernas identificadas ainda no foram includas nos cadastros espeleolgicos, seja porque o trabalho foi realizado no mbito profissional, encontrandose arquivado nas prprias empresas executoras ou nos rgos ambientais, seja simplesmente porque no houve interesse em se efetuar o cadastramento no caso de grupos ou indivduos amadores. Desta forma, o nmero total de cavernas identificadas at o momento no Brasil deve ser superior ao referido nmero, com um incremento provavelmente da ordem de algumas centenas de novas cavernas por ano. A Tabela 1.1 apresenta, de forma preliminar, baseado no conhecimento atual e na experincia pessoal dos autores, o nmero de cavernas identificadas at o momento em cada litologia e o provvel potencial espeleolgico (grutas existentes, porm ainda no identificadas). Essa tabela deve ser considerada apenas como um referencial, uma ordem de grandeza de valores a servirem de parmetro para a construo de um modelo de potencial espeleolgico para nosso pas. A Tabela abaixo torna evidente o enorme potencial espeleolgico de nosso pas. O alto percentual de cavernas reconhecidas em minrio de ferro

Tabela 1.1 Estimativa (ordem de grandeza) do potencial espeleolgico brasileiro em relao a cavernas conhecidas e litologia. Litologia Nmero de cavernas conhecidas 7.000 400 400 2.000 200 Provvel potencial (cavernas ainda no conhecidas) > 150.000 > 50.000 > 50.000 > 10.000 > 50.000 Percentagem de cavernas conhecidas < 5% < 1% < 1% < 20% < 0,5%

Carbonatos Quartzitos Arenitos Minrio de ferro Outras litologias1 I N T R O D U O ESPELEOLOGIA

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e canga deve-se aos intensivos esforos de prospeco realizados nessas reas durante os Estudos de Impacto Ambiental, visando a instalao de empreendimentos minerrios. As minas de minrio de ferro, nesse momento, esto em plena expanso, tendo em vista que o mercado asitico est muito aquecido..

A Figura 1.2 apresenta as principais reas carbonticas do Brasil (em preto) e tambm as principais reas quartzticas que apresentam cavernas (em laranja). Tambm representadas esto reas carbonticas de pequena extenso (tringulos) e reas em outras litologias (principalmente arenitos)

Figura 1.2. Mapa mostrando as principais litologias que apresentam cavernas. Rochas carbonticas esto representadas em negro. Rochas quartzticas esto representadas em laranja. reas carbonticas de pequena extenso esto representadas por tringulos. Outras litologias que apresentam cavernas esto representadas por quadrados. reas de minrio de ferro que apresentam cavernas esto representadas por estrelas vermelhas.

onde se conhecem cavernas (quadrados). As regies arenticas, apesar de apresentarem considervel potencial espeleolgico, tendem a no apresentar conflitos em relao atividade minerria, no estando, pois, representadas na figura. reas em minrio de ferro esto representadas por estrelas vermelhas. 10

O potencial espeleolgico do Brasil , ainda, enorme. Parece seguro afirmar que, hoje, menos de 5% das cavernas existentes tenham sido identificadas. Nosso potencial espeleolgico situa-se seguramente na faixa de algumas centenas de milhares de cavernas. Apenas a ttulo comparativo, em pases mais desenvolvidos na identificao e

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explorao de cavernas, como Itlia e Frana, com reas equivalentes ao estado de Minas Gerais, cerca de 40 mil cavernas so conhecidas. A ausncia de pesquisa, pequeno nmero de espelelogos, dificuldades de acesso, dentre outros motivos, justificam o reduzido conhecimento que ainda temos do potencial espeleolgico brasileiro.1.4 Principais reas contendo cavernas no Brasil A maior ocorrncia de rochas favorveis formao de cavernas no Brasil representada pelos calcrios e dolomitos do Grupo Bambu, que se desenvolvem desde o sul de Minas Gerais at o centro-oeste da Bahia, passando tambm pelo leste de Gois. Inserida nos calcrios Bambu encontra-se, entre outras, a regio de Lagoa Santa, bero da espeleologia brasileira, com mais de 700 grutas registradas (Figura 1.3); a regio de Arcos e Pains, tambm com centenas de cavernas conhecidas, e a regio do vale do Rio Peruau, com a magnfica Gruta do Janelo (Figura 1.4) e vrios stios arqueolgicos.

por rios caudalosos, e a regio de Mamba, tambm com um grande nmero de cavidades importantes. No estado da Bahia destaca-se a Serra do Ramalho e seus arredores, com vrias cavernas importantes, entre elas a Gruta do Padre, com 16,3 km de extenso, a terceira maior caverna do pas, e a regio de So Desidrio, comportando algumas das cavernas com maior espao interno do pas. Os calcrios e dolomitos do Grupo Una ocorrem a partir da regio central da Bahia, estendendose at o norte do estado. Duas reas concentram as principais cavernas de interesse: a regio da Chapada Diamantina, com vrias cavernas de grande extenso e beleza, como a Lapa Doce, e a regio de Campo Formoso, que abriga as duas maiores cavernas do pas, a Toca da Boa Vista (Figura 1.5) e a Toca da Barriguda (Figura 1.6), respectivamente com 108 km e 30 km de extenso. Muito prximo destas duas cavernas existem afloramentos do calcrio Caatinga, que apresentam algumas cavernas importantes, entre as quais a ampla Gruta do Convento.

Figura 1.3 Macio calcrio onde se localiza a Lapa do Sumidouro, na regio crstica de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)

Figura 1.5 Grande salo na Toca da Boa Vista (Foto Ezio Rubbioli).

Figura 1.6 Galeria na caverna Barriguda (Foto Ezio Rubbioli). Figura 1.4 Gruta do Janelo, no Parque Nacional do Peruau.

No estado de Gois destaca-se a regio de So Domingos, com vrias enormes cavernas percorridas1 I N T R O D U O ESPELEOLOGIA

No sul do Estado de So Paulo e no Paran afloram os calcrios e dolomitos do Grupo Aungui. uma regio de grande beleza, que contm mais de 300 cavernas. No lado paulista, a maior concentrao 11

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est no Parque Estadual Turstico do Alto Ribeira (PETAR), com algumas das cavernas mais ornamentadas do pas, como a Caverna Santana. Prximo ao PETAR, o Parque Estadual de Jacupiranga abriga a Caverna do Diabo, parcialmente adaptada para o turismo, com amplos sales extremamente ornamentados. O lado paranaense do Grupo Aungui possui muitas grutas, embora de menores dimenses. Em Santa Catarina ocorrem os calcrios do Grupo Brusque, apresentando como principal caverna a Gruta de Botuver, no municpio de mesmo nome. No oeste do pas ocorrem calcrios e dolomitos do Grupo Corumb e do Grupo Araras. Os primeiros ocorrem principalmente no Estado do Mato Grosso do Sul, nos arredores da Serra da Bodoquena, apresentando belas cavernas alagadas, principalmente nas proximidades da cidade de Bonito. O Grupo Araras, por sua vez, predomina no Mato Grosso e tambm apresenta muitas grutas, principalmente prximo a Nobres. Em Rondnia, no Par e no Amazonas ocorrem alguns afloramentos de calcrio. Os mais importantes situam-se prximos a Itaituba, no Par, onde a recente colonizao tem levado descoberta de algumas cavernas de importncia. No nordeste do Brasil afloram os calcrios do Grupo Apodi, que, apesar de possurem muitas cavernas, ainda no nos revelaram grutas de grande porte. No Estado do Cear, os calcrios do Grupo Ubajara possuem ocorrncia restrita, apresentando poucas cavernas conhecidas, entre elas a famosa Gruta de Ubajara. Vrias ocorrncias de menor porte de calcrios e dolomitos existem em todo o Brasil. Algumas aparentam possuir pouco potencial ao passo que outras, em locais mais remotos, ainda no foram adequadamente exploradas por espelelogos. O potencial brasileiro em termos de cavernas em quartzito enorme. O Brasil possui algumas das maiores e mais profundas cavernas do mundo neste tipo de rocha. Numa pequena rea no centro de Minas Gerais, o Pico do Inficionado, encontra-se trs das mais profundas cavernas conhecida neste tipo de rocha, a Gruta do Centenrio (Figura 1.7), com 484 m de desnvel e 3.800 m de extenso a segunda mais profunda do pas. A terceira 12

Figura 1.7 Gruta do Centenrio (Foto Ezio Rubbioli).

Figura 1.8 Gruta da Bocaina (Foto Ezio Rubbioli).

e a quarta caverna mais profunda do pas, a Gruta da Bocaina (Figura 1.8) e a Gruta Alaouf, respectivamente com 404 m e 294 m de desnvel, tambm se localizam no Pico do Inficionado.

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As regies do Parque Estadual de Ibitipoca, de Carrancas e de Luminrias, no sul de Minas Gerais, tambm apresentam um rico acervo de cavernas quartzticas. Outra rea de importante concentrao de cavernas deste tipo a regio da Chapada Diamantina, na Bahia. Vrias regies, principalmente no nordeste e no sudeste, apresentam cavernas quartzticas de importncia. No estado do Amazonas, a pouco conhecida Serra do Ara, contm a mais profunda caverna quartztica do Brasil e do mundo, o Abismo Guy Collet, com 670 m de desnvel. Cavernas arenticas so bastante freqentes em todo o territrio nacional. Existem importantes concentraes na Chapada dos Guimares (MT), em So Paulo, no Paran e no interior do Piau, alm de muitas cavernas de grande porte dispersas em vrias regies da Amaznia. Ocorre ainda um grande nmero de cavernas em rochas como minrio de ferro e canga, nas regies ao sul de Belo Horizonte (Quadriltero Ferrfero) e na Serra dos Carajs, no Par. So cavernas,

na sua maioria, pequenas, com mdia em torno dos 25 m de extenso. No entanto, j foram registradas cavernas em minrio de ferro com mais de 300 m, alm de importantes volumes subterrneos, tanto em Carajs como no Quadriltero Ferrfero. No Brasil ainda ocorrem cavernas em granito, gnaisse e bauxita, entre outras. So em geral cavernas de pequeno porte. Uma exceo a Gruta dos Ecos em Cocalzinho, Gois, inserida em sua maior parte em micaxistos, e que possui 1.600 m de extenso.1.5 A importncia das cavernas e do carste

Com a revelao das cavernas brasileiras pelos viajantes, a partir do sculo 19, possvel chegar clara compreenso de que muitas delas contm registros cheios de significado, alm de abrirem vrios caminhos para uma melhor compreenso do passado. Ou seja, essas cavernas so merecedoras de conservao. Desde o trabalho pioneiro do naturalista dinamarqus Peter Wilhelm Lund (Figura 1.11), na primeira metade do sculo 19, as cavernas tm fornecido importantes registros fossilferos, os quais tm formado a base das pesquisas sobre a paleontologia de vertebrados do Pleistoceno brasileiro. Esses documentos paleobiolgicos revelam-se fundamentais para o conhecimento taxonmico,

Figura 1.9 Cavernas em minrio de ferro e canga no Quadriltero Ferrfero..

Figura 1.10 Cavernas em minrio de ferro e canga no Quadriltero Ferrfero..1 I N T R O D U O ESPELEOLOGIA

Figura 1.11 naturalista dinamarqus Peter Lund, considerado o pai da paleontologia brasileira; .

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Figura 1.12 Esqueleto articulado de preguia-gigante em caverna da Bahia. .

anatmico e paleoecolgico dos mamferos quaternrios do Brasil Cavernas com depsitos fossilferos so freqentes em diversas regies brasileiras, dentre as quais Lagoa Santa, em Minas Gerais, So Raimundo Nonato, no Piau, serto e regio central da Bahia, regio do Ribeira, em So Paulo, dentre outras. Nesses stios jazem ossadas de animais como preguia-gigante, mastodonte, gliptodonte, tigre dente-de-sabre, entre outros. fascinante. As idades obtidas tanto pelo C-14 quanto pelo mtodo U/Th demonstram uma grande variabilidade temporal dos fsseis encontrados nas cavernas, que se estende do Pleistoceno Mdio ao limiar do Holoceno. Ossadas de animais extintos mais recentes datadas na regio de Lagoa Santa (preguia e tigre dente-de-sabre) acusaram idades em torno de nove mil anos. Contrariamente ao que se pensava at recentemente, a deposio dos fsseis nas cavernas no se deu em apenas um momento especfico. Muito pelo contrrio, foram vrios os episdios de deposio de fsseis nas cavernas brasileiras. A relao entre arqueologia e as cavernas tambm evidente, tendo em vista que esse meio favorvel a preservao de vestgios arqueolgicos (menor umidade, menor iluminao e temperaturas mais estveis). So inmeros os paredes e entradas de cavernas que registram usos diferenciados como abrigo, moradia, palco de rituais, cemitrio e suporte para a arte do homem pr-histrico, destacando-se as regies de Lagoa Santa, em Minas Gerais, So Raimundo Nonato, no Piau, Mdio So Francisco (Januria at Montalvnia), Monte Alegre 14

e Serra dos Carajs, no Par, dentre outras reas. Os ambientes crsticos certamente influenciaram a vida dessas populaes. Um aspecto interessante que embora dotados de particularidades culturais e inscritos em um diversificado quadro fitoecolgico (florestas estacionais de domnio atlntico, formaes deciduais de mata seca, inclundo a caatinga, os cerrados e a floresta ombrfila), essas populaes pr-histricas mantiveram a caracterstica no predatria no contato e uso da entrada das cavernas ou abrigos rochosos do Brasil. No momento, a regio de Lagoa Santa, em Minas Gerais e, So Raimundo Nonato, no Piau, guardam os mais antigos registros dessas culturas, que datam em mais de 11 mil anos B.P. Salienta-se, ainda, que a contemporaneidade do homem pr-histrico com os megamamferos extintos foi aventada nas cavernas de Lagoa Santa, inicialmente por Peter Lund, em 1844. Recentemente, fragmentos sseos de uma preguia-gigante (Scelidodon cuvieri) e do temido tigre dente-de-sabre (Smilodon populator), encontrados nas cavernas de Lagoa Santa, foram datados respectivamente em 9.990 e 9.130 anos B.P., o que veio reforar a tese da coexistncia entre o homem pr-histrico e os animais pertencentes a megafauna extinta (Neves & Pil, 2003). At o momento, no entanto, no h no registro arqueolgico brasileiro qualquer evidncia clara de que os primeiros humanos fizeram uso, como recurso alimentar, ou como fonte de matria prima, dos grandes mamferos extintos. Foi tambm nas cavernas que se concentraram as ossadas dos mais antigos brasileiros. O esqueleto de Luzia, exumado no abrigo rochoso de Lapa Vermelha IV, em Lagoa Santa, encontra-se posicionado em camadas sedimentares superiores a 11.000 anos B.P., sendo considerado o esqueleto mais antigo das Amricas. Esse grupo pr-histrico, que usou intensamente as entradas das cavernas da regio, caracterizado por crnios estreitos e longos, faces estreitas e baixas, assim como rbitas e cavidades nasais tambm baixas, apresentando grande semelhana com a morfologia craniana dos nativos australianos e dos africanos atuais.1 INTR ODUO ESPELEOLOGIA

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Figura 1.13 Restos humanos sendo exumados na Lapa do Santo, Carste de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)

Figura 1.14 Manifestao rupestre em So Raimundo Nonato, no Piau.

Os stios geomorfolgicos que guardam registros paleoambientais passveis de dataes absolutas esto posicionados nas calhas fluviais, nos horizontes orgnicos enterrados, terraos e vrzeas, nos paleosolos preservados nas vertentes e, particularmente, nos depsitos qumicos das cavernas. Dataes nesses depsitos, denominados de espeleotemas, pelo mtodo U/Th, que cobre um perodo de poucos milhares de anos at 500 mil anos, tm colocado os depsitos de cavernas brasileiras como verdadeiros arquivos paleoclimticos. Registros das razes isotpicas de oxignio e carbono em espeleotemas, datados pelo mtodo U/Th, consolidaram-se nos ltimos anos como um dos melhores indicadores paleoclimticos de regies (sub) tropicais. As cavernas brasileiras j demonstram grande potencial para tais estudos isotpicos. Um desses estudos, efetuados nas cavernas do nordeste e liderado por Francisco William da Cruz Jnior, do IG-USP, tem revelado o incio do clima semirido no Nordeste, h cerca de 4 mil anos.

Isso ocorreu em razo de um deslocamento peridico do eixo de rotao da Terra que fez com que o hemisfrio Sul comeasse a receber mais radiao solar do que o hemisfrio Norte. Quando comeou o perodo mais seco, a maioria das estalagmites parou de crescer. Quanto aos aspectos histricos, as primeiras referncias sobre as formas superficiais e subterrneas do relevo crstico foram feitas atravs dos relatos de naturalistas e viajantes que percorreram o interior de Minas Gerais no sculo 19 e limiar do sculo 20. Narrativas da riqueza e singularidade das grutas e formaes crsticas podem ser apreciadas nos trabalhos de Peter Lund, Spix & Martius, J.W. Wells, H. Burmeister, dentre outros. Destacase, ainda, que o estudo sistemtico das cavernas como campo de atuao e conhecimento, no Brasil, teria incio em Ouro Preto, com a criao da SEE - Sociedade Excursionista e Espeleolgica dos Alunos da Escola de Minas, em 1937. O carste tambm tem se destacado por seu aspecto ecolgico. O trabalho do botnico dinamarqus E. Warming na regio crstica de Lagoa Santa, no sculo passado (1863 a 1866), reconhecido como o primeiro tratado sobre ecologia vegetal, no qual foram analisadas e identificadas mais de 2.600 espcies vegetais. As cavernas tambm vm servindo palco de diversas manifestaes religiosas, sendo muitas vezes, transformadas em verdadeiros santurios, principalmente na regio central do Brasil. Dentre as mais visitadas esto a Gruta Mangabeira (Figura 1.15 na pgina seguinte), Lapa do Bom Jesus e Gruta dos Brejes, na Bahia, Lapa de Antnio Pereira (Figura 1.16 na pgina seguinte) e Lapa Nova, em Minas Gerais e a de Terra Ronca, em Gois. As atividades econmicas tambm apresentam expressivo valor no domnio crstico. As principais formas dessas atividades so: agropecuria, explotao de recursos minerais (gua, calcrio, minrio de ferro, argila, mineralizaes), aproveitamento hidreltrico, utilizao de recursos florestais e turismo.

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Figura 1.15 Lapa de Bom Jesus, na Bahia.

Figura 1.16 Lapa de Antnio Pereira, em Minas Gerais.

Diante do exposto, nota-se que so muitos os atributos que do as paisagens crsticas e as cavernas uma expressiva significncia no mosaico paisagstico brasileiro. Salienta-se um importante conjunto de elementos naturais e culturais, digno de anlise de valorao. Por outro lado, o carste e as cavernas tm peculiaridades que os colocam mais vunerveis s interferncias humanas mal planejadas, as quais podem gerar impactos adversos e degradao ambiental.1.6 Fragilidades das cavernas e do carste

A paisagem crstica e as cavernas tm sido consideradas, por diversos autores, como um domnio frgil e peculiar. Realmente, esses terrenos apresentam alguns elementos que os colocam dentro de um contexto diferenciado de anlise ambiental. Primeiramente importante destacar a questo hidrolgica. No carste, particularmente naqueles que j atingiram um maior grau de desenvolvimento, a drenagem apresenta-se predominantemente subterrnea, sendo realizada atravs de condutos (cavernas). Ou seja, os cursos dgua superficiais foram capturados para sistemas (aqferos) integrados 16

de condutos, que atuam como drenos subterrneos para o transporte rpido (livre) e altamente localizado da gua. Nesse contexto so constitudas as denominadas rotas de drenagem subterrnea, muito susceptveis s alteraes ambientais. O fluxo mais rpido dessas drenagens potencializa a propagao muito mais rpida de possveis poluentes que tenham atingido o aqfero crstico. Outro aspecto importante que as bacias de drenagem, no carste, no se limitam necessariamente aos divisores de guas superficiais, podendo se estender muito alm desses limites. Um impacto pontual no sistema hidrolgico pode atingir reas mais expressivas. Os processos de abatimento tambm so bem freqentes nos terrenos crsticos. As denominadas dolinas de colapso so os principais registros desses processos, tendo sua origem associada a abatimentos de tetos e paredes rochosas de condutos subterrneos (cavernas) ou de solos posicionados sobre a rocha solvel. Esses abatimentos so caracterizados principalmente por movimentos rpidos, verticais e, muitas vezes, catastrficos, quando incidentes em reas urbanizadas, a exemplo do ocorrido nas cidades de Sete Lagoas, em Minas Gerais e, Cajamar, no estado de So Paulo. Em Cajamar, estudos indicaram que a superexplotao de guas subterrneas ocasionou os processos de abatimentos. Estudos bioespeleolgicos, por sua vez, tm revelado uma importante fauna em nossas cavernas, na qual se incluem diversos grupos taxonmicos: insetos, aracndeos, diplpodes, crustceos, quilpodes, dentre outros. Segundo Trajano e Bichuette (2006), o ambiente subterrneo altamente vulnervel a alteraes ambientais, em virtude do elevado grau de endemismo de muito de seus componentes (troglbios), em geral pouco tolerantes a fatores de estresse (alterao de habitat, poluio qumica, flutuaes ambientais no-naturais, eutrofizao), da dependncia de nutrientes importados do meio epgeo, e do fato das populaes serem frequentemente pequenas e com baixa capacidade de recuperao, como conseqncia de suas estratgias de ciclo de vida.

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1.7 Principais impactos potenciais ao carste e s cavernas As paisagens crsticas e as cavernas constituem um domnio frgil e peculiar. Pequenas alteraes ambientais podem representar ameaas srias integridade do meio subterrneo. Em nosso pas, impactos ambientais em cavernas tm ocorrido desde os primrdios da colonizao portuguesa, principalmente devido extrao mais intensa de salitre no interior de grutas da Bahia e de Minas Gerais para a produo de plvora no sculo19, e utilizao religiosa de cavernas a partir do sculo 17. Impactos ambientais em cavernas podem ser de variadas magnitudes e conseqncias, abrangendo desde a destruio (supresso) total da caverna at impactos localizados de baixa magnitude. Sem dvida, o conflito mais direto provm da atividade minerria no contexto da qual a caverna, inserida no bem mineral a ser extrado, coloca-se como um empecilho instalao ou expanso deAtividades Minerao

reas de lavra. Em muitos casos atinge-se uma situao em que perdas para um dos lados tornam-se inevitveis. importante salientar que a interao entre as cavernas e a minerao uma via de mo dupla em que impactos atingem ambos os atores envolvidos. As atividades minerrias podero ser fortemente afetadas pela presena de cavernas. A conservao de cavernas poder ser afetada pela atividade mineraria. A degradao total ou parcial da caverna tambm representa um cenrio possvel, principalmente quando da implementao de grandes obras de engenharia (barragens, aeroportos etc.)(Tabela 1.2). A utilizao da prpria caverna poder trazer impactos adversos, como no caso de turismo de massa e uso religioso. O desmatamento apresenta-se como um dos principais impactos indiretos da atividade humana sobre as cavernas. O desmate em domnios crsticos

Tabela 1.2 Principais impactos potenciais no carste e nas cavernas. Impactos potenciais Degradao visual; interferncias nas rotas de drenagem subterrnea; poluio de aqferos; vibraes nas cavernas decorrentes das detonaes para desmontes; sobrepresso acstica; supresso total ou parcial de cavernas. Reservatrios e barragens Aumentos dos processos de abatimento; fugas dgua; alagamento total ou parcial de cavernas; alterao no uso do solo no entorno. Urbanizao/Industrializao/ Grandes obras de engenharia Poluio e superexplotao de aqferos; abatimentos induzidos; eroso superficial e assoreamento de cavernas; chuva cida; poluio atmosfrica; inundaes. Sobrepresso acstica e alterao do sistema de drenagem (terraplenagem). Adaptao para o turismo em massa/uso religioso intensivo Obras de engenharia no interior da caverna; destruio de espeleotemas; pichaes; liquefao e compactao do piso das cavernas; alterao do bitopo caverncola; gerao de lixo; poluio de corpos hdricos. Desmatamento/Agropastoris Fragmentao de habitats, perda de espcies vegetais e animais; eroso e assoreamento de corpos hdricos; alterao do bitopo caverncola. Contaminao de aqferos por pesticidas e fertilizantes; superexplotao dos aqferos. Visitao Pisoteamento, quebra de espeleotemas, pichaes, poluio da caverna.

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tem sido ocasionado por duas atividades principais: agropastoril (expanso) e extrativismo para obteno de insumos florestais, principalmente lenha e derivados. Diante desse quadro, vrias regies contendo cavernas vm sofrendo significativas alteraes em decorrncia dos desmatamentos, tais como fragmentao de habitats e perda de espcies vegetais e animais. A falta de proteo vegetal acelera os processos erosivos e o esgotamento dos solos, como tambm o assoreamento de sistemas hidrolgicos. A urbanizao e criao de zonas industriais tambm podem ocasionar vrios tipos de problemas e impactos nos ambientes crsticos e nas cavernas: inundaes, poluio de corpos hdricos, abatimentos induzidos, alterao nos sistemas hdricos superficiais e subterrneos, poluio atmosfrica e chuva cida. Em muitas dessas situaes, quando de estudos de viabilidade do empreendimento, torna-se necessrio proceder a uma avaliao da relevncia da caverna. Essa avaliao pode vir a ser crucial tanto para o destino final da caverna quanto para o futuro do empreendimento. Obras que necessariamente venham a trazer impactos de grande magnitude ao acervo espeleolgico podem vir a ser alteradas ou mesmo inviabilizadas. A anlise de relevncia est, pois, intimamente relacionada ao tipo e intensidade do impacto ambiental.1.8 Legislao afeta ao tema

A primeira manifestao legal sobre o interesse do poder pblico na proteo e conservao de cavernas se deu atravs da Resoluo CONAMA N 009, de 24/01/86. Essa resoluo visou a criao de uma Comisso Especial para tratar de assuntos relativos preservao do Patrimnio Espeleolgico. Com os subsdios recebidos de instituies integrantes da referida Comisso foi editada, em seguida, a Resoluo CONAMA N 005, de 06/08/87, que resolveu criar o Programa Nacional de Proteo ao Patrimnio Espeleolgico. Nessa resoluo, mereceu destaque o item 3, que determina que seja includa na Resoluo/CONAMA/N 001/86, a obrigatoriedade

de elaborao de Estudo de Impacto Ambiental nos casos de empreendimento potencialmente lesivos ao Patrimnio Espeleolgico Nacional. A partir da promulgao da Constituio Federal de 1988, as cavernas do pas ganharam um status importante. Em seu artigo 20, a Constituio definiu as cavernas brasileiras como bens da unio. Ou seja, as cavernas passaram a integrar o domnio patrimonial da Unio, pois apresentavam interesse para a administrao e para a comunidade administrada. Aps a promulgao da Constituio Federal, o IBAMA, atravs da Portaria N 887, de 15/06/90, estabeleceu as principais normas para a gesto das cavernas brasileiras. Nessa Portaria mereceu destaque o Art. 3, que limitou o uso das cavidades naturais subterrneas apenas a estudos de ordem tcnico-cientfica, bem como atividades de cunho espeleolgico, tnico-cultural, turstico, recreativo e educativo. Logo em seguida, o Decreto Federal N 99.556, publicado em 01/10/90, reafirma o estabelecido na Portaria 887 e, pela primeira vez, enfoca objetivamente a proteo e o manejo das cavernas. Inicialmente importante destacar o art. 1: as cavidades naturais subterrneas existentes no territrio nacional constituem patrimnio cultural brasileiro, e, como tal, sero preservadas e conservadas de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem tcnico-cientfica, bem como atividades de cunho espeleolgico, tcnico-cultural, turstico, recreativo e educativo. No entanto, na definio de patrimnio espeleolgico exposto no referido Decreto, no h meno de valor ou relevncia de atributos para a formao do conceito de patrimnio. Considerando a necessidade de se aprimorar e atualizar o Programa Nacional de Proteo ao Patrimnio Espeleolgico, aprovado pela Comisso Especial, foi editada a Resoluo CONAMA N 347, de 10/09/2004. Essa Resoluo trouxe pela primeira vez o conceito de cavidade natural subterrnea relevante, que at ento no tinha sido considerada na legislao anteriormente estabelecida. Segundo o1 INTR ODUO ESPELEOLOGIA

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inciso II, do art. 2, so relevantes as cavidades naturais subterrneas que apresentem significativos atributos ecolgicos, ambientais, cnicos, cientficos, culturais ou socioeconmicos, no contexto local ou regional. O mais lgico seria a necessidade de preservao e proteo das cavernas consideradas relevantes, isto , aquelas que possam vir a integrar o patrimnio espeleolgico brasileiro. Em 07 de novembro de 2008 foi publicado o Decreto Federal N 6.640, que alterou significativamente o status jurdico referente a proteo das cavernas brasileiras. Esse decreto prev a classificao das cavernas segundo quatro graus de relevncia: mximo, alto, mdio e baixo. A determinao das cavernas de relevncia mxima, que no podero sofrer impactos ambientais, foi realizada atravs de parmetros definidos pelo referido decreto. Os demais graus de relevncia foram detalhados na Instruo Normativa N. 2 do Ministrio do Meio Ambiente MMA, que seria publicada no dia 20 de agosto de 2009. J as cavernas classificadas como de relevncia alta, mdia e baixa podero ser objeto de impactos irreversveis, atravs do processo de licenciamento ambiental. Impactos irreversveis em cavidades de relevncia alta, no entanto, devero ser compensados pelo empreendedor atravs da preservao de duas cavernas com o mesmo grau de relevncia, de mesma litologia e com atributos similares que sofreu o impacto, que sero consideradas cavidades testemunho, ou seja, de preservao permanente. As cavernas de relevncia mdia que sofrerem impactos irreversveis, por sua vez, merecero por parte do empreendedor aes que contribuam para a conservao e o uso adequado do patrimnio espeleolgico brasileiro. Essas aes sero definidas pelo rgo ambiental competente. Impactos irreversveis em cavernas classificadas como de relevncia baixa no merecero aes de compensao pelo empreendedor. Atravs do exposto, possvel identificar trs momentos na legislao sobre cavernas no Brasil. O primeiro est representado pelas primeiras1 I N T R O D U O ESPELEOLOGIA

resolues CONAMA, a Portaria 887 do IBAMA e o Decreto 99.556. Trata-se do momento inicial, com perfil altamente conservador e restritivo quanto ao uso das cavernas brasileiras, que foram consideradas, de forma indiscriminada, patrimnio espeleolgico brasileiro. No h dvida que, para um primeiro momento, esse conjunto jurdico trouxe um ganho expressivo no sentido de valorizao das cavernas brasileiras, j que muitas cavernas foram preservadas individualmente ou atravs de conjuntos, diante da criao de unidades de conservao. O segundo momento composto pela Resoluo CONAMA N 347, que juntamente com o Projeto de Lei N 2832/2003 e o ltimo parecer da Advocacia Geral da Unio, formam um conjunto de documentos de contedo transicional, entre uma fase de legislao muito restritiva, para uma fase mais flexvel quanto ao uso das cavernas brasileiras. O terceiro momento composto pelo Decreto N 6.640 e a Instruo Normativa N 2, do MMA, que atravs do estabelecimento de um mtodo criterioso de anlise de relevncia das cavernas brasileiras, busca identificar aquelas merecedoras de conservao e que formaro o Patrimnio Espeleolgico Brasileiro.1.9 As etapas dos estudos espeleolgicos no processo de licenciamento ambiental (EIA/RIMA)

De acordo com o artigo 3 do Decreto N 99.556, de 1 de outubro de 1990, que dispe sobre a proteo das cavidades naturais subterrneas existentes no territrio nacional: obrigatria a elaborao de estudo de impacto ambiental para as aes ou os empreendimentos de qualquer natureza, ativos ou no, temporrios ou permanentes, previstos em reas de ocorrncia de cavidades naturais subterrneas ou de potencial espeleolgico, os quais, de modo direto ou indireto, possam ser lesivos a essas cavidades, ficando sua realizao, instalao e funcionamento condicionados aprovao, pelo rgo ambiental competente, do respectivo relatrio de impacto ambiental J a Resoluo CONAMA N 347, de 10 de setembro de 2004, que dispe sobre a proteo do patrimnio espeleolgico, prev em seu artigo 4 19

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que, a localizao, construo, instalao, ampliao, modificao e operao de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou degradadores do patrimnio espeleolgico ou de sua rea de influncia dependero de prvio licenciamento pelo rgo ambiental competente, nos termos da legislao vigente. A referida resoluo complementa, ainda, no 1 que, as autorizaes ou licenas ambientais, na hiptese de cavidade natural subterrnea relevante ou de sua rea de influncia, na forma do art. 2o inciso II, dependero, no processo de licenciamento, de anuncia prvia do IBAMA, que dever se manifestar no prazo mximo de noventa dias, sem prejuzo de outras manifestaes exigveis. Enquanto aparato legal de carter preventivo, o Licenciamento Ambiental torna-se essencial para garantir a conservao e a preservao de cavidades naturais subterrneas avaliadas como de alta e mxima relevncia. Trata-se de um instrumento fundamental dentro da poltica de construo do patrimnio espeleolgico brasileiro. As etapas dos estudos espeleolgicos, sero aqui apresentadas de forma sucinta. Trata-se somente de um panorama de como pode ser encaminhado o tema no processo de licenciamento ambiental.Licena Prvia (LP)

Levantamento bibliogrfico. O levantamento bibliogrfico da regio constitui etapa bsica de qualquer trabalho espeleolgico. Informaes sobre as cavernas, a geologia, a geomorfologia etc. so fundamentais e podero trazer um grande nmero de informaes j reveladas atravs de estudos precedentes.

Avaliao do potencial espeleolgico e prospeco. Determinao do potencial espeleolgico das reas Diretamente Afetadas (ADA) pelo empreendimento e de suas reas de Influncia Direta (AID), atravs de levantamento bibliogrfico, envolvendo documentos cartogrficos de cunho geolgico, hidrogrfico e geomorfolgico. Havendo potencial espeleolgico, as reas de maior capacidade de ocorrncia de cavernas devem ser percorridas em campo, tendo os caminhamentos documentados em mapa ou imagem.

Topografia das cavernas. Aps a definio do grau de preciso dos levantamentos, ser efetuado o mapeamento espeleolgico das cavidades identificadas, incluindo planta baixa, alm de sees transversais e longitudinais. O mapa ser posteriormente digitalizado utilizando-se softwares especficos de desenho espeleolgico. Em seguida devero ser calculados os valores espeleomtricos.

Concedida na fase preliminar do planejamento e da viabilidade da atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora. Contm requisitos bsicos a serem atendidos na fase de localizao do empreendimento, observados os planos municipais, estaduais ou federal do uso do solo. Nessa fase dever ser realizada a maior parte dos estudos espeleolgicos, tendo em vista que esses estudos devero ser analisados visando possveis adequaes no plano diretor do empreendimento ou at mesmo a sua viabilidade. Nessa fase podero ser includos: 20

Estudos geoespeleolgicos. Visando um diagnstico de qualidade do contexto fsico da caverna, os estudos geoespeleolgicos devero conter os seguintes itens: Insero das cavernas no cenrio paisagstico; Litologia; Estrutura; Morfologia; Hidrologia;

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Sedimentos clsticos e orgnicos (incluindo potencial paleontolgico); Sedimentos qumicos (espeleotemas). Estudos bioespeleolgicos. Os estudos bioespeleolgicos merecero um maior detalhamento no captulo especfico desta apostila, mas alguns pontos essenciais de estudos j podem ser discriminados: Coletas de dados bioespeleolgicos sero realizadas visando detectar diferenas climticas sazonais; Descrio do sistema trfico da caverna, informando os tipos de aportes energticos; Identificao dos vertebrados e invertebrados; Avaliao da ocorrncia de espcies ameaadas, endmicas, raras e que devero ser enquadradas, quando possvel, nas categorias troglfilas, troglxenas e troglbias; Particularidades ecolgicas ou observaes importantes dos organismos encontrados nas cavidades. Estudos scio-econmicos e histrico-culturais. O diagnstico do meio scio-econmico, no contexto espeleolgico, dever identificar, descrever e analisar as variveis citadas abaixo: Aspectos histricos e pr-histricos. As cavernas muitas vezes representam referenciais histricos para a comunidade local ou mesmo para o pas, alm de guardarem vestgios da ocupao de grupos humanos pr-histricos. Aspectos culturais. As cavernas podem ser utilizadas pela populao como objeto ou local de culto, atividades educacionais, turismo, lazer entre outros. Recursos hdricos. As cavernas podem servir de fontes de gua para populaes locais,

como j amplamente constatado nas regies ridas do nordeste brasileiro. Anlise de relevncia das cavernas Segundo o Decreto N 6.640, a cavidade natural subterrnea ser classificada de acordo com seu grau de relevncia em mximo, alto, mdio ou baixo, determinado pela anlise de atributos ecolgicos, biolgicos, geolgicos, hidrolgicos, paleontolgicos, cnicos, histrico-culturais e socioeconmicos, avaliados sob enfoque regional e local. Avaliao dos impactos, medidas mitigadoras, monitoramento e medidas compensatrias. Diante da avaliao dos impactos ambientais adversos nas cavernas relevantes, decorrentes da atividade que estar sendo proposta, dever ser analisada a viabilidade ou readequao do empreendimento. A concluso dos estudos pela viabilidade ou readequao da atividade merecer estudos complementares, tais como medidas de controle, monitoramento, salvamento espeleolgico e compensao.Licena de Instalao (LI)

Diante de vistoria tcnica do rgo ambiental e aps a concluso pela viabilidade do projeto de forma plena ou atravs de sua readequao, ser autorizado o incio da instalao do empreendimento, de acordo com as especificaes constantes no EIA, como tambm aquelas elencadas pelo rgo ambiental competente durante a emisso da LP. Nessa etapa, caso necessrio, devero ser realizados estudos especficos, envolvendo: Monitoramento (vibrao, fauna, hidrologia etc.) de stios espeleolgicos; Determinao de permetro de proteo das cavernas; Medidas para proteo de stios espeleolgicos; 21

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Manejo de stios espeleolgicos; Salvamento espeleolgico; Detalhamento de medidas compensatrias.Licena de Operao (LO)Etapas do Licenciamento Etapas dos estudos espeleolgicos Levantamento bibliogrfico; Avaliao do potencial espeleolgico e prospeco espeleolgica; Topografia das cavernas; Licena Prvia - LP Estudos geoespeleolgicos; Estudos bioespeleolgicos; Estudos scio-econmicos, histricos culturais; Anlise de relevncia; Avaliao dos impactos, medidas mitigadoras, monitoramento e medidas compensatrias. Monitoramento de stios espeleolgicos; Determinao de permetro de proteo das cavernas;

Com o trmino dos estudos espeleolgicos especficos, o rgo estadual licenciador retornar ao local para nova vistoria, a fim de constatar se o empreendimento foi instalado de acordo com o projeto apresentado e licenciado, principalmente no tocante ao atendimento das condies e restries ambientais em relao s cavernas. Medidas condicionantes e compensatrias podero ter vigncia aps a concesso da LO, sendo necessrio, no entanto, o estabelecimento de um cronograma de execuo. A Tabela 1.3 apresenta as possveis etapas do licenciamento ambiental e dos estudos espeleolgicos no processo de licenciamento.Licena de Instalao LI

Medidas para proteo de stios espeleolgicos; Manejo de stios espeleolgicos; Salvamento espeleolgico; Detalhamento de medidas compensatrias.

Licena de Operao LO

Aprovao dos estudos especficos desenvolvidos na fase de instalao medidas condicionantes e compensatrias podero ter vigncia aps a concesso da LO, sendo necessrio o estabelecimento de um cronograma de execuo e acompanhamento do rgo ambiental.

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10. Referncias

AULER, A.S. Protocolo de estudos ambientais em regies com cavidades naturais subterrneas e indicativo jurdico. PROJETO BRA/01/039 Relatrio 3. Apoio restruturao do Setor Energtico. Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, Ministrio de Minas e Energia MME, 2006. 50p. MAURITY, Clvis; KOTSCHOUBEY, B. Evoluo recente da cobertura de alterao no Plat N1 Serra dos Carajs-PA. Degradao, pseudocarstificao, espeleotemas. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Srie Cincias da Terra 7, 1995. p 331-362. NEVES, Walter Alves ; PIL, Lus B. Solving Lunds dilemma: new AMS dates confirm that humans and megafauna coexisted at Lagoa Santa. Current Research in the Pleistocene, Michigan, v. 20 p. 57-60, 2003. NEVES, Walter Alves; PIL, Luis B. O Povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos. So Paulo, Editora Globo, 2008. 344p. PIL, Lus B. ; Ambientes crsticos de Minas Gerias: valor, fragilidade e impactos ambientais decorrentes da atividade humana. O Carste, Belo Horizonte, 1999. v. 19, n. 3, p. 51-78. PIL, Lus B. Geomorfologia Crstica. Revista Brasileira de Geomorfologia, Rio de Janeiro, 2000 v. 1, n. 1, p. 88-102.

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2 GEOESPELEOLOGIA Augusto Auler & Lus Pil Instituto do Carste 2.1 O Carste e as cavernas As cavernas no esto isoladas na paisagem. Elas fazem parte de um relevo bastante particular denominado relevo crstico. O nome carste se origina de uma regio calcria na fronteira entre a Eslovnia e a Itlia denominada localmente de Kras. A partir da o termo se internacionalizou, passando a designar todas as regies que apresentam feies semelhantes. Dentre as peculiaridades das regies crsticas podemos mencionar a ausncia de rios superficiais, j que a maior parte da gua corre em condutos subterrneos, o fato da rocha (normalmente calcrios e dolomitos, mas tambm sal, gesso, arenitos e quartzitos) ser dissolvida por gua cida gerando feies como lapis, dolinas, sumidouros, surgncias, cavernas dentre muitas outras. O processo bsico que provoca a gerao das formas crsticas em regies calcrias pode ser sintetizado pela equao:

Figura 2.1 Macio calcrio intensamente lapiezado. Parque Nacional de Ubajara, Cear.

HO + CO + CaCO = 2HCO- + Ca2+ A gua de chuva absorve dixido de carbono (CO) na atmosfera e se torna cida devido formao de cido carbnico (HCO). Esta gua ao entrar em contato com a rocha j capaz de dissolver o calcrio. Lapis ou karren correspondem a canalculos ou estrias na rocha (Figura 2.1 e Figura 2.2), por vezes pontiagudos, que so formados pela ao da gua cida da chuva. Esta mesma gua, ao penetrar no solo absorve ainda mais dixido de carbono associado a razes de plantas e ao hmus. Ao atingir a rocha a gua estar bastante cida, podendo ento dissolver o calcrio e alargar as fraturas da rocha. Dolinas esto entre as formas crsticas mais comuns. Consistem em depresses no terreno por vezes suaves, por vezes abruptas (Figura 2.3 e Figura 2.4). Podem ser formadas pela lenta dissoluo de uma fratura, levando ao rebaixamento da superfcie da rocha, ou mesmo pelo desmoronamento de2 G E O E S P E LEOLOGIA

Figura 2.2 Lapis do tipo rinnenkarren na regio central da Inglaterra.

uma caverna. Sumidouros e surgncias marcam o local onde um rio superficial desaparece na rocha ou surge sob forma de nascente. J as cavernas so apenas mais uma entre vrias feies crsticas, um conduto subterrneo que transporta a gua que se infiltra atravs de dolinas ou sumidouros. As cavernas fazem parte de um contexto e esto intimamente relacionadas com as outras formas crsticas.

Figura 2.3 Principais tipos de dolinas.

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Figura 2. 4 Dolina de colapso em zona urbana. Sete Lagoas, MG, 1988.

As cavernas podem ser primrias ou secundrias. Cavernas primrias so aquelas formadas simultaneamente s rochas que a contem. O melhor exemplo seriam os tubos de lava, freqentes em regies vulcanicamente ativas, e ainda no descritas no Brasil. Durante a erupo de um vulco, a lava (rocha em estado lquido) escorre pelas encostas da montanha. A lava tender a se esfriar e solidificar na rea externa (contato com o ar) e no contato com o piso da montanha. No entanto, no ncleo a lava continuar a fluir. Quando cessar o suprimento de lava, devido ao trmino da erupo ou alterao da rota de escoamento, um conduto tubular ser gerado. As cavernas em tubo de lava esto normalmente muito prximas superfcie, sendo por isto muito afetadas por abatimentos. Desta forma, este tipo de caverna tem vida normalmente curta, estando preservada apenas em locais de erupo recente, de at alguns milhares de anos. No Brasil, as atividades vulcnicas so mais antigas, e qualquer tubo de lava gerado no passado, provavelmente ter sido destrudo pela eroso. Outro exemplo de caverna primria seriam as cavernas em tlus. Tlus so zonas de abatimentos, muito freqentes em encostas de morros de granito ou gnaisse. Os recessos entre os blocos podem formar uma srie de espaos vazios interconectados. Algumas das maiores cavernas granticas do pas so na verdade cavernas em tlus, como a Gruta do Quarto Patamar na Serra de Paranapiacaba, SP. Cavernas em tlus ocorrem tambm em quartzito e minrio de ferro. 26

Cavernas secundrias so aquelas geradas aps a rocha ter sido formada. Inclui a maioria esmagadora das cavernas conhecidas, como as cavernas crsticas. Uma segunda maneira de classificar as cavernas diz respeito forma de atuao do agente espeleogentico. Duas grandes categorias podem ser diferenciadas. Cavernas exgenas so criadas por meio de agentes que atuam no exterior do macio rochoso, de fora para dentro. Exemplos tpicos seriam as cavernas litorneas formadas pela eroso de ondas, bastante freqentes em todo o litoral brasileiro, como nos basaltos de Torres, RS, ou a Gruta Que Chora, em Ubatuba, SP. Cavernas geradas pela ao de ventos so comuns em reas desrticas, no tendo sido descritas at o momento no Brasil. Outro tipo de caverna exgena so abrigos gerados por eroso lateral de rios. So normalmente de reduzidas dimenses e em litologia variada, estando descritas em vrios locais do Brasil. Orifcios ou reentrncias em rochas granticas recebem o nome genrico de tafone. Os tafoni (forma plural de tafone) podem ser de grandes dimenses, chegando a formar cavernas. Na regio prxima a Milagres, BA, s margens da BR-116, existem belos exemplos de cavidades deste tipo (Figura 2.5). Sua gnese provavelmente devido ao fsica do intemperismo no macio rochoso. Muitos tafoni no chegam a constituir cavernas, por serem pouco profundas em relao altura da entrada.

Figura 2.5 Tafoni na regio de Milagres/Itatim, Bahia. As letras da palavra Tyresoles possuem cerca de 6 m de altura.

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Cavernas endgenas, por outro lado, so formadas primordialmente por agentes atuantes no interior da rocha. Um exemplo seriam as cavernas tectnicas, representadas por fraturas ou falhas abertas pela movimentao natural das camadas rochosas. Outro tipo seriam as cavernas crsticas, formadas pela ao qumica da gua cida em rochas solveis. A maioria esmagadora das cavernas existentes no planeta deste segundo tipo. Trataremos principalmente das cavernas em rochas carbonticas, que perfazem a maior parte das cavernas conhecidas. Cavidades em outros tipos de rocha, como rochas siliciclsticas (arenitos, quartzitos, conglomerados), e em minrio de ferro sero tambm abordadas.2.2 Unidade Geomorfolgica e Unidade Espeleolgica

geralmente associada ocorrncia de rochas solveis, que pode congregar diversas formas de relevo crstico e pseudocrstico tais como dolinas, lapis e cavernas, delimitada por um conjunto de fatores ambientais especficos para sua formao. A definio apresentada pelo Decreto Federal de difcil aplicao. No enfoque local, no caso de estarmos lidando com cavernas secas e isoladas na paisagem (como o caso de muitas cavernas em tlus ou em minrio de ferro) a rea a ser considerada seria a prpria caverna e seu entorno imediato. Em muitas regies teramos dezenas ou centenas de zonas de enfoque local. Tambm a definio de enfoque regional pouco coerente, por ser por demais ampla. Alguns grupos ou formaes geolgicas (como o grupo Bambu ou a Formao Sete Lagoas nele inserida) se estendem por milhares de quilmetros, fazendo com que o enfoque regional seja exageradamente grande. J as definies da Instruo Normativa so mais coerentes, propiciando a definio de reas de enfoque local e regional administrveis do ponto de vista ambiental. O enfoque regional (Unidade Espeleolgica) guarda relao com o conceito de Provncias e Distritos Espeleolgicos originalmente definidos por Karmann e Snchez (1980), embora exija um detalhamento melhor. A definio destes parmetros dever ser efetuada dentro de bases cientficas, levando em considerao aspectos espeleolgicos e fisiogrficos em geral.2.3 Espeleognese em cavernas em rochas carbonticas

Os conceitos de Unidade Geomorfolgica e Unidade Espeleolgica aplicados a espeleologia foram introduzidos a partir da publicao do Decreto Federal 6640 em fins de 2008. Estes termos, segundo a Instruo Normativa No 2, dizem respeito respectivamente ao enfoque local e enfoque regional. Segundo o Decreto 6640 estes termos so definidos como: Enfoque Local Unidade Espacial que engloba a cavidade e sua rea de influncia. Enfoque Regional Unidade espacial que engloba no mnimo um grupo ou formao geolgica e suas relaes com o ambiente no qual se insere.

J a Instruo Normativa fornece uma definio muito distinta: Enfoque Local (Unidade Geomorfolgica) Unidade geomorfolgica que apresente continuidade espacial, podendo abranger feies como serras, morrotes ou sistema crstico, o que for mais restritivo em termos de rea, desde que contemplada a rea de influncia da cavidade. Enfoque Regional (Unidade Espeleolgica) rea com homogeneidade fisiogrfica,

Rochas carbonticas (calcrios, dolomitos, mrmores em vrios nveis de pureza) possuem a propriedade de serem solveis ao ataque de guas cidas. Estas rochas iro concentrar a maior parte das cavernas existentes no planeta. O dolomito e o mrmore so menos solveis que os calcrios. Isto no impede, no entanto, que longas e amplas cavernas se formem nestas rochas. A maior caverna brasileira, a Toca da Boa Vista, com mais de 100

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km explorados, se insere em dolomitos. De uma forma geral, os processos envolvidos na gnese de cavernas em rochas carbonticas so similares nestas trs litologias, o que permite que se trate o assunto de uma forma unificada. As cavernas so anomalias na massa rochosa. A maior parte do volume dos carbonatos essencialmente macia, no possuindo grandes espaos vazios. Worthington (1991) estima que em carbonatos carstificados, a porosidade devida a cavernas fica entre 0,1-1%. As cavernas esto geralmente condicionadas a certos nveis ou horizontes de desenvolvimento. Lowe (1992) acredita que horizontes de iniciao na rocha condicionam a localizao dos condutos e a prpria existncia da caverna. Estes horizontes podem ser o contato entre rochas solveis e insolveis, que segundo Palmer (1991) respondem pelo controle geolgico de 18% de todas as cavernas conhecidas. Algumas grutas no carste do Vale do Ribeira e em Lagoa Santa se posicionam em contatos litolgicos. Fraturas (planos de ruptura normalmente verticalizados de origem tectnica, Figura 2.6), falhas (planos de ruptura verticalizados com movimentao relativa entre os lados) e planos de acamamento (plano horizontalizado que divide diferentes camadas da rocha) so os horizontes de iniciao mais propcios para a espeleognese. De acordo com Palmer (1991), 99% das galerias de cavernas esto orientadas segundo estas estruturas. Outros horizontes favorveis podem ser nveis de minerais sulfetados, nveis de distinta granulometria, horizontes com carstificao pretrita (paleocarste), entre outros.

As diversas formas de recarga da gua, a estrutura da rocha, a direo de escoamento da gua subterrnea, entre outros fatores, iro influenciar o padro das cavernas. Em planta, aps o levantamento topogrfico, pode-se observar que a configurao espacial das cavernas tende a seguir determinados padres. Segundo Palmer (1991) existem 5 padres planimtricos principais de cavernas. A Figura 2.7 mostra estes padres. Cavernas dendrticas constituem o tipo mais comum. Consistem em um con-

Figura 2.7 Padres morfolgicos de cavernas segundo Palmer (1991).

Figura 2.6 Dolina de entrada da Gruta do Centenrio, Pico do Inficionado, MG, notando-se o intenso fraturamento.

duto de um rio (ativo ou pretrito) principal com condutos laterais se unindo como tributrios. A Gruta do Cesrio, em Campo Formoso, BA, um excelente exemplo de caverna dendrtica (Figura 2.8). Cavernas reticuladas possuem galerias condicionadas por fraturas, que se entrecruzam em angulos determinados pela estrutura da rocha. A Lapa Nova, em Vazante (MG), consiste em exemplo bem conhecido. Cavernas anastomticas (ou anastomosadas) apresentam diversas galerias curvilneas que se entrelaam. A Gruta da Escada, em Matozinhos, MG, exemplifica este padro. Cavernas espongiformes se caracterizam por um padro de salas e condutos de formato irregular, se unindo como os poros de uma esponja. Muitas das cavernas inseridas no calcrio da Formao Caatinga possuem este tipo de padro. Setores labirnticos da Toca dos Ossos,2 GEOESPELEOLOGIA

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Figura 2.8 Gruta do Cesrio, Campo Formoso, BA, uma caverna dendrtica.

em Ourolndia, ilustram magnificamente este tipo morfolgico. Cavernas ramiformes mostram condutos de perfil e seo irregular, se ramificando de forma errtica. As cavernas no Grupo Una, na regio de Campo Formoso, possuem esta morfologia, como a Toca da Barriguda (Figura 2.9). Muitas cavernas mostram uma morfologia que abrange mais de um padro, assim como gradao entre estes padres podem ser comuns. Da mesma forma, muitas cavernas so apenas fragmentos de outrora grandes sistemas, em que um padro morfolgico no pode ser determinado com preciso. O termo genrico "caverna labirntica", muito usado por exploradores e espelelogos, pode indicar cavernas do tipo espongiforme, ramiforme, reticulado ou mesmo anastomtico, dependendo da densidade de galerias que se interconectam. Cavernas epignicas so aquelas geradas pelo fluxo de gua a partir de zonas de recarga na superfcie, oriundas de guas metericas (de chuva ou de rios superficiais). Compreendem a grande maioria das cavernas existentes. No entanto, vrias cavernas, incluindo a maior do Brasil e algumas das maiores do mundo, ocorrem devido a ao qumica de guas ascendendo em profundidade, ou acidificadas no interior do macio rochoso. Esta categoria recebe o nome de cavernas hipognicas.

Figura 2.9 Toca da Boa Vista, Campo Formoso, BA, uma caverna reticulada/ramiforme.2 G E O E S P E LEOLOGIA

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Cavernas Epignicas

Nas cavernas epignicas a gua se infiltra no macio rochoso a partir do exterior. A maneira como esta infiltrao se d ser importante na definio do padro das galerias. Em locais onde o infiltrao pontual, como por exemplo em um sumidouro ou em fundo de dolina, a tendncia ser a formao de uma caverna do tipo dendrtica. No caso de uma infiltrao difusa, como em uma zona de inundao, cavernas labirnticas do tipo reticulado ou anastomtico podem se formar. Auler (1995) mostrou que boa parte das cavernas do carste de Lagoa Santa so labirintos reticulados formados pela infiltrao difusa da gua de lagos. As cavernas podem ocorrer em todos os tipos de zonas hidrolgicas. Na zona fretica, os condutos tendero a escolher o percurso mais simples de acordo com o gradiente hidrulico, em direo zona de descarga. Assim sendo as fraturas e os planos de acamamento mais propcios sero utilizados. Extensas cavernas se desenvolvem totalmente na zona fretica. Um exemplo seria os sistemas quilomtricos de cavernas alagadas na Flrida, USA. No Brasil, cavernas exploradas por espeleomergulhadores como a Nascente do Rio Formoso, em Bonito, MS ou o Sistema da Pratinha em Iraquara, BA, exemplificam cavernas na zona fretica. Na zona vadosa, um tipo de caverna bastante simples formado quando a gua se infiltra em um abismo e percorre fraturas e planos de acamamento at atingir a zona fretica. Neste tipo de caverna o curso d'gua, por vezes temporrio, no est conectado ao aqfero e fluir independentemente do nvel de base at adentrar a zona fretica. Diversas cavidades verticalizadas em vrias regies brasileiras seguem este tipo de modelo, como alguns abismos no Vale do Ribeira, SP. Muitas cavernas tambm se desenvolvem no contato entre estas zonas hidrolgicas. Em regies de climas sazonais, como a maior parte do Brasil, diversas cavernas tornam-se alagadas quando de chuvas intensas, transicionando da zona vadosa para fretica. Um bom exemplo so os condutos e "teto baixo" da Gruta Olhos d gua, em Itacarambi, MG, que inundam quando de chuvas 30

torrenciais. Outras cavernas possuem uma zona superior vadosa, atingindo o lenol fretico e prosseguindo alagada na zona fretica. Estes exemplos mostram que as cavernas podem existir em todas as zonas hidrolgicas, possuindo frequentemente galerias em mais de uma delas. Experimentos realizados em gesso mostram como ocorre a propagao de galerias a partir de um ponto de infiltrao. Inicialmente, sob fluxo laminar, forma-se uma srie de pequenos canalculos que se propagam em direo ao ponto de sada. Quando um desses protocondutos consegue se conectar ao ponto de sada, ele passar a transmitir uma quantidade maior de gua, se alargando mais rapidamente. Isto far com que os outros condutos se desenvolvam em direo a ele, ou ento sejam abandonados, iniciando uma caverna de padro dendrtico. Pesquisas mostram que um importante incremento na taxa de dissoluo de um protoconduto se d quando ele ultrapassa o limite de transio entre o fluxo laminar e turbulento. O fluxo passar a ser turbulento quando o protoconduto atingir um dimetro por volta de 10 mm, dependendo do gradiente hidrulico e da temperatura. Em termos de qumica, necessrio que a gua mantenha sua capacidade dissolutiva ao longo de todo o percurso. A medida que ela dissolve o carbonato, a gua vai se tornando saturada, diminuindo assim a capacidade de alargar o conduto. No entanto, essa diminuio se d de forma bastante lenta, tornando possvel que longos protocondutos sejam alargados. Worthington & Ford (1995) acreditam que alm do cido carbnico, o cido sulfrico, ainda que em pequenas quantidades, pode ser importante na iniciao de condutos. Ford & Ewers (1978) propuseram um modelo espeleogentico que ilustrado na Figura 2.10. De acordo com esse modelo, a densidade das juntas na rocha ir definir o tipo de caverna gerado. Em carbonatos dobrados com pequena densidade de juntas, o fluxo tender a seguir as poucas zonas de descontinuidade disponveis, adotando um perfil com "loops" profundos. A medida que a densidade de juntas aumenta, a gua poder escolher2 GEOESPELEOLOGIA

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Figura 2.10 Modelo de Ford & Ewers, relacionando rotas de fluxo e densidade de fraturamento.

rotas de fluxo mais retilneas, culminando no caso de cavernas essencialmente planas que seguem o contorno do lenol fretico. No Brasil, onde muitos dos nossos carbonatos so horizontalizados, as cavernas tendero a seguir planos de acamamento subhorizontais, gerando uma morfologia de amplos e longos condutos com poucos desnveis. Um bom exemplo seria a extensa galeria principal da Gruta do Padre, no oeste baiano. Segundo Worthington (1991), a extenso da bacia de drenagem e o mergulho e a direo das camadas de carbonato so os principais fatores a determinar a que profundidade em relao ao nvel fretico a maior parte dos condutos ir se desenvolver. Cavernas ativas existem a grande profundidade, conforme demonstrado pela explorao por submersveis e espeleomergulhadores. Profundidades acima de 300 m j foram atingidas em alguns locais. No Brasil, a Lagoa Azul, em Niquelndia, GO, foi explorada at -260 m.2 G E O E S P E LEOLOGIA

Depois que o conduto passa pela fase de iniciao, ele pode evoluir de duas maneiras principais. Na paragnese (Renault, 1968), o conduto evolui ascendentemente. Na singnese ele evolui descendentemente. Inicialmente, com o conduto totalmente na zona fretica, a gua, dissolve teto, paredes e piso ao mesmo tempo favorecendo o aparecimento de uma seo aproximadamente circular. Com o rebaixamento do nvel fretico, o topo do conduto passa a possuir ar e, portanto, a dissoluo passar a ocorrer somente no piso, criando pouco a pouco um perfil do tipo cnion. As altas galerias de rios no carste do Vale do Ribeira so cnions vadosos que evoluiram desta maneira. Rebaixamentos abruptos do nvel de base, ou juntas favorveis, podem causar a migrao da gua para condutos inferiores independentes, deixando secas as galerias superiores. A evoluo descendente ser atenuada quando um nvel impermevel for atingido. Os grandes sistemas do carste de So Domingos, GO, constituem belssimos exemplos de cnions vadosos que atingiram (e escavaram) um embasamento gneo. Em uma evoluo paragentica (Figura 2.11), o fluxo lento da gua permite que se acumule sedimento no piso. Este sedimento impermeabilizar a base, fazendo com que a gua dissolva preferencialmente no teto. Assim o conduto evoluir ascendentemente, havendo um equilbrio entre a deposio de materiais finos no piso e a dissoluo no teto. O desenvolvimento paragentico cessar quando for atingido o nvel fretico. Em um conduto paragentico preservado, os sedimentos preenchem um cnion, deixando um espao vazio no topo. No carste de Lagoa Santa, entre outros locais, ntida uma fase paragentica. Numerosas formas esculpidas pelas guas nas paredes, piso e teto de galerias podem fornecer indcios importantes a respeito dos processos envolvidos na espeleognese. Estas feies recebem o nome genrico de espeleogens. Ondas de eroso (ou scallops) so concavidades nas paredes que so bastante teis para se interpretar direo de fluxo em galerias secas. Possuem um bordo mais suave e 31

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Figura 2.12. Scallops no teto de uma galeria de caverna.

Figura 2.11 Evoluo paragentica de uma galeria (perfil e sees) segundo Pasini (1967).

outro mais inclinado. A direo pode ser determinada facilmente, sempre do lado mais inclinado para o lado mais suave. Conhecida a largura do conduto e o comprimento da onda de eroso, com o auxlio de um grfico pode-se determinar a velocidade da gua que gerou aquele conduto (Figura 2.12).

Cpulas so depresses arredondadas que ocorrem em geral no teto, condicionadas por fraturas. Sua gnese controvertida. Alguns autores acreditam que so geradas por corroso de mistura, quando do contato entre guas que descendem pela fratura com guas que preenchem totalmente o conduto da caverna. Outras hipteses incluem dissoluo por contato entre a gua da fratura e o ar da caverna, ou mesmo por dissoluo devido a guas cidas injetadas durante inundaes. Cavernas hipognicas apresentam este tipo de feio, neste caso sendo interpretadas como formadas por dissoluo por gua ascendente sob presso ou pelo prprio vapor associado ao ar da caverna. Anastomoses so um conjunto de canalculos no teto ou paredes. So bastante comuns em cavernas paragenticas, formando-se no contato entre sedimento e solo. Anastomoses podem tambm evidenciar a fase inicial de espeleognese em uma caverna. Pendentes so projees nos tetos. Bastante comuns em cavernas que foram preenchidas por sedimentos, tem sua gnese provavelmente relacionada dissoluo diferencial na interface sedimento-rocha (Figura 2.13). Cavernas vadosas podem ser percorridas por rios. Neste caso a gua no mais ocupar todo o permetro da galeria (salvo as vezes em caso de enchentes) e a gruta tender a ser escavada para baixo, da mesma forma que um rio escava um cnion. Na fase vadosa tambm tem incio a formao de espeleotemas, depsitos cristalinos muito freqentes em grutas. A caverna pode eventualmente2 GEOESPELEOLOGIA

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Figura 2.13. Pendentes na Gruta dos Tneis, Lagoa Santa, MG.

tornar-se totalmente seca e por fim se aproximar (devido eroso do terreno e soerguimento) da superfcie e ser removida pela eroso (Figura 2.14). O processo de formao e evoluo de uma caverna lento e pode levar milhes de anos. Durante todo este processo existem vrios fatores e variveis que interferem e do s cavernas uma grande variabilidade de formas e tamanho.Cavernas hipognicas

Em uma caverna hipognica, o agente ativo na dissoluo provem da subsuperfcie, podendo ser tanto cido carbnico quanto cido sulfrico. A gua ascendente, normalmente aquecida devido profundidade, pode vir carregada destes cidos. Cavernas criadas desta forma so denominadas cavernas hidrotermais. cido sulfrico o agente principal na gnese de muitas cavernas hipognicas. Pode ser produzido a partir do gs H2S que ascende pela rocha e se mistura com a gua

subterrnea produzindo o cido sulfrico que dissolve a caverna. A origem do H2S pode estar ligada a bacias de hidrocarbonetos (petrleo), como no caso das enormes cavernas de Lechuguilla e Carlsbad nos Estados Unidos. A oxidao de lentes de pirita, um mineral do grupo dos sulfetos de ocorrncia freqente em carbonatos, pode vir a gerar cido sulfrico em quantidades suficientes para formar grandes cavernas. Este parece ser o agente principal responsvel em maior ou menor grau pela gnese de diversas cavernas em litologias do Grupo Una, centro Norte da Bahia, como a Toca da Boa Vista (Auler et al. 2003). Cavernas hipognicas diferem em alguns aspectos importantes de suas correspondentes epignicas. Como foram criadas a partir do interior da rocha, no possuem qualquer relao com o terreno superficial. Suas entradas so normalmente abatimentos fortuitos devido interceptao de condutos preexistentes quando do rebaixamento natural da superfcie. Sedimentos fluviais so em geral ausentes. A mineralogia dos espeleotemas distinta, destacando-se, no caso de cavernas formadas por cido sulfrico, espeleotemas de gesso. Pendentes, cpulas e forte intemperismo na rocha so outras feies tpicas. Cavernas hipognicas no possuem necessariamente entradas, e portanto podem permanecer margem das descobertas espeleolgicas, dando a falsa impresso de que representam uma tipologia rara no contexto espeleolgico.

Figura 2.14 Ao final da evoluo de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e eroso superficial.

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Espeleognese em cavernas no carbonticas

Dentre as rochas no carbonticas onde ocorrem processos de dissoluo e conseqente gerao de um nmero expressivo de cavernas cita-se o gesso, o sal, o gelo, o quartzito, o arenito e o minrio de ferro. Cavernas em gesso, sal e gelo ainda no foram descritas no Brasil, ao passo que cavidades nas demais litologias mencionadas so bastante freqentes, inserindo-se os exemplos brasileiros entre os mais representativos do mundo. Iremos enfatizar, pois, cavernas em arenito/quartzito e em minrio de ferro. Quartzitos e arenitos so rochas assemelhadas, compostas principalmente por slica, sendo que os quartzitos so basicamente arenitos que sofreram metamorfismo, ou seja, foram sujeitos alta temperatura e presso. Os processos espeleogenticos que atuam em arenitos e quartzitos so similares. A slica e o quartzo so muito pouco solveis, mas sob climas quentes podem sofrer lenta dissoluo. Esta dissoluo inicial ir permitir que a gua comece a circular em canalculos (protocavernas) removendo os gros de quartzo e alargando por ao mecnica o conduto. Estes processos ocorrero preferencialmente nos planos de descontinuidade da rocha. Em quartzitos e arenitos, a dissoluo cumprir um papel inicial importante, mas quantitativamente menor quando comparado com a evoluo por eroso, que ser responsvel pelo efetivo alargamento dos condutos. Portanto, uma primeira fase dissolutiva leva remoo do cimento silicoso que une os gros de quartzo, ou mesmo dissoluo das bordas dos cristais de quartzo, fazendo com que os mesmos fiquem soltos. A ao erosiva da gua pode, ento, facilmente remover estes gros, criando as cavernas. Em minrio de ferro pouco se sabe sobre a gnese das cavernas. Simmons (1963), trabalhando em reas com presena de minrio de ferro dolomtico no Quadriltero Ferrfero, foi pioneiro em atribuir a gnese de cavernas em minrio de ferro e canga a processos de dissoluo. Segundo ele, a dissoluo do dolomito, mas tambm de quartzo e hematita, leva formao de uma zona de minrio de 34

ferro alterado de alta porosidade que chega a atingir 50% do volume da rocha. Em regies de minrio de ferro silicoso, a dissoluo da slica tambm exerce um papel importante. Uma vez que o enriquecimento supergnico consiste na retirada de matria do protominrio (lixiviao), alm do aumento residual do teor em ferro, o processo promove tambm um significativo aumento da porosidade e permeabilidade do corpo mineral. Ribeiro (2003), trabalhando no Quadriltero Ferrfero, demonstrou que pode haver uma reduo de at 40% do volume da rocha, resultando em minrio frivel com alta porosidade. A remoo de slica e/ou dolomito resulta em uma concentrao e conseqente gerao de zonas com minrios de ferro de alto teor (processo supergnico). A morfologia espongiforme e o fato de que a entrada muitas vezes dimensionalmente incompatvel com os condutos interiores leva a supor que algumas das cavernas tivessem, originalmente, evoludo no interior do macio, sem uma sada para o exterior (caverna oclusa). Da mesma forma, galerias maiores conectadas por condutos menores podem ter evoludo independentemente e posteriormente terem se conectado. Autores como McFarlane & Twidale (1987) acreditam que a dissoluo dos xidos de ferro, e no somente de slica e dolomita, so essenciais na carstificao em minrio de ferro. A criao do que McFarlane & Twidale (1987) chamaram de zonas plidas no saprlito dependeria da lixiviao de ferro. Devido ao carter pouco solvel de xidos de ferro, estes autores evocam a atuao de agentes microbiolgicos, j que existem microorganismos capazes de remover Fe atravs de complexao e formao de quelatos que possuam afinidade com o ferro. Ainda no h dados para quantificar a perda de volume da rocha via dissoluo do ferro. Expressivos espeleotemas (pingentes) formados por oxi-hidrxidos de ferro demonstram a solubilidade do ferro. Na Serra dos Carajs duas fases espeleogenticas foram propostas por Pinheiro & Maurity (1988).2 GEOESPELEOLOGIA

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Durante a primeira fase, inteiramente na zona fretica, ocorre a formao de complexos alumino-ferrosos e argilo minerais instveis de Fe, Al e Si que preenchem os vazios da canga e da Formao Ferrfera Bandada, mas tambm ocorrem em nveis inferiores a esta. A remoo deste material residual instvel leva formao de cavidades irregulares que podem ser observadas nas paredes e cavidades das cavernas (Pinheiro & Maurity, 1988). A segunda etapa, ainda na zona fretica, envolve processos erosivos (piping) que basicamente expandem as cavidades geradas na primeira etapa, levando ento formao de galerias e sales. Estes processos erosivos sero intensificados quando a caverna passar a ser exposta atuao de processos vadosos, propiciando tambm a atuao de processos de abatimento (Pinheiro & Maurity, 1988). Pil & Auler (2005), em reviso sobre o tema, adotam muitas das idias discutidas anteriormente, admitindo a existncia de duas etapas distintas, a primeira delas com predominncia de processos dissolutivos (qumicos) e a segunda sob a ao de processos erosivos (fsicos). A primeira etapa, endgena, envolve reaes qumicas no interior da massa rochosa na zona fretica, gerando zonas de alta porosidade. Posteriormente o material frivel resultante ser lixiviado para o exterior atravs de processos similares ao piping descrito para cavidades em rochas siliciclsticas. Esta segunda etapa, iniciada na zona fretica, pode ter continuidade na zona vadosa, quando os processos de piping podem vir a ser favorecidos. Bordas de topo de serras, reas onde haja quebra de relevo, ou encostas ngremes, so locais em que o gradiente hidrulico do lenol fretico ser mais pronunciado, resultando em uma maior velocidade da gua subterrnea e concomitante maior capacidade erosiva da mesma. Iniciada a etapa erosiva das cavidades e sendo estabelecida uma sada para o exterior, os processos fsicos sero incrementados. Material de granulometria fina ser aportado para o interior das cavernas, principalmente via canalculos, de onde ser evacuado para o exterior. Esta fase erosiva, aliada a2 G E O E S P E LEOLOGIA

processos de abatimento de blocos, responsvel pela maior parte da morfologia atualmente observada nas cavernas de minrio de ferro estudadas. Evoluo ascendente de galerias, devido abatimentos, tambm freqente em algumas grutas.Gnese nica ou rara

O conceito de raridade depende, claro, do que se considera comum. Para ser utilizado de forma coerente necessrio haver uma amostragem significativa do atributo em questo. Por exemplo, se conhecemos apenas poucas cavernas em determinada regio e somente uma delas apresenta gnese ligada a fatores hipognicos, ela poderia ser considerada como rara. Mas isto pode ser um mero artifcio de uma amostra reduzida. Com estudos mais aprofundados, pode-se comprovar que a hipogenia freqente naquela rea e, com isto, sua gnese perderia a raridade. Como regra geral, cavernas geradas por processos hipognicos tendem a ser mais raras do que cavernas epignicas. Outro tipo bastante raro de gnese de cavernas quando h contribuio, na escavao de algumas galerias, de animais da megafauna, como tatus gigantes. Poucas cavernas apresentam este tipo de gnese. Cavernas geradas por processos hidrotermais tambm so pouco comuns. Cavernas em que h contribuio significativa de corroso por guas de condensao tambm devem ser consideradas como raras. Cavernas em rochas pouco propcias ao cavernamento, como granitos, gnaisses, siltitos, solos, etc, so normalmente feies menos comuns, podendo ser raras dependendo das circunstncias.