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CURSO INTRODUTÓRIO SOBRE OS UNIVERSAIS NA IDADE MÉDIA 03 Aspectos introdutórios acerca do modelo e da estrutura de Boécio diante do problema dos universais na Idade Média Prof. Dr. Anderson D'Arc Ferreira - UFPB 1

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CURSO INTRODUTÓRIO SOBRE OS UNIVERSAIS NA IDADE MÉDIA

03 – Aspectos introdutórios acerca do modelo e da estrutura de Boécio diante do problema dos universais na Idade Média

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LOCALIZAÇÃO• Boécio é visto como o primeiro dos escolásticos e o último dos antigos;• O problema analisado por Boécio congrega os problemas da filosofia antiga

helenística com os primeiros problemas de lógica desenvolvidos dentro da Idade Média;

• É nesse sentido que ele é visto como o elo, um intermediário, entre dois mundos: o mundo antigo grego e o mundo medieval latino;

• O ponto de partida de Boécio é a escolástica neoplatônica tardia, oriunda das discussões lógicas do século V e VI a partir do choque das culturas gregas e latinas;

• Seu ponto de vista contempla posições de autores como Alexandre de Afrodísias, Simplício, Fílon de Alexandria, etc;

• Suas visões contemplam pontos de vistas diferentes que harmonizam a visão de seus contemporâneos romanos e dos críticos do oriente;

• Seu maior mérito, contudo, é o de ser o “transmissor da filosofia grega aos latinos”.

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LOCALIZAÇÃO• Contudo, devemos entender que Anicius Manlius Toscuatus

Severinus Boethius é, efetivamente, o primeiro grande comentador latinófono de Aristóteles e de Porfírio;

• Seus comentários serão tão importantes que servirão de entrada, no século XIII, de algumas doutrinas do Estagirita na reforma para a lógica terminorum;

• Nesse sentido podemos entender que por sua importância e modo de tratar a teoria da predicação aristotélica, ele é um autor que desenvolve uma doutrina lógica separada da escolástica do século VI;

• Suas teorizações formatarão como os principais pontos do Órganon aristotélico, via o comentário da Isagoge de Porfírio, entrarão no mundo ocidental e reorganizarão a lógica medieval;

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LOCALIZAÇÃO• seu grande objetivo era traduzir para o latim os escritos de Platão e

Aristóteles demonstrando, ao mesmo tempo, que ambos os filósofos concordavam no essencial de suas doutrinas;

• de seus escritos somente nos chegaram a tradução comentada das Categorias (tratado da primeira operação do espírito) e os comentários sobre o Peri hermeneias (De Interpretatione, que é dedicado ao juízo);

• também traduz a Isagogé ou Introdução às Categorias de Aristóteles do fenício e neoplatônico Porfírio:– em sua obra Porfírio analisa a doutrina sobre os predicáveis;

• dentre os escritos mais célebres de Boécio na Idade Média temos a De Consolatione philosophie libri quinque, obra escrita durante o seu período de prisão;

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LOCALIZAÇÃO• comumente a sua obra pode ser catalogada na seguinte estrutura:– tratados e traduções sobre o corpus do Estagirita (comumente conhecida

como a lógica vetus dos medievais);– opúsculos teológicos (que seriam substituídos, mais tarde, pelos trabalhos

de Gilberto de Poitiers e Tomás de Aquino);– sua Consolação da Filosofia.

• sua influência contudo se estende além das contribuições de tradutor e comentador, a saber:– um método de trabalho intelectual (o comentário ao texto ou a lectio do

modelo de ensino Escolástico);– a maneira de condensação precisa do pensamento em fórmulas precisas

(comumente conhecida como sententiae);– particularmente a sua hierarquização das ciências (adotada como critério

universal durante a Alta Escolástica);

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LOCALIZAÇÃO• Os pontos essenciais do Órganon aristotélico Boécio os traduziu através da Isagoge de

Porfírio mediante dois tipos de comentários:– Os pequenos comentários (ou Editio prima): modelo literário de comentário composto de perguntas

e respostas, basicamente dos pontos desenvolvidos por Porfírio nos seus consagrados comentários às Categorias, mediante a primeira tradução da Isagoge de Marius Victorinus.

– Os grandes comentários (ou Editio secunda): composta pelas próprias traduções e comentários de Boécio à Isagoge de Porfírio.

• A tradução de Mario Vitorino não terá grande importância mas os trabalhos de Boécio frente a Isagoge de Porfírio, tanto como tradutor como comentador, determinarão seu horizonte de interpretação no mundo latino;

• Nesse sentido devemos entender Boécio, principalmente, como mediador das doutrinas porfirianas, aspecto que, sob as leituras dos medievais do século XII, constituirão o chamado “problema dos universais”;

• A principal característica aqui determinada são os comentários neoplatônicos do século VI acerca do texto de Porfírio;

• Contudo, para desenvolver sua própria resposta ao problema, Boécio terá de usar a teoria epistemológica alexandrina, a qual estava ancorada em um conjunto maior de teoremas e conceitos fundamentais para as teorias da predicação latinas.

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Boécio – mediador da filosofia antiga

• Para melhor entendermos Boécio recordemos o modelo de Porfírio:– O neoplatônico Porfírio estabelece a busca acerca dos universais

em três perguntas:• 1ª) se os universais existem como substâncias ou não subsistem senão

como meros conceitos da mente?;• 2ª) se existem como substância na realidade, subsistem separados e fora

das coisas sensíveis ou somente nas coisas sensíveis?;• 3ª) se existem separados das coisas sensíveis, são substâncias corpóreas

ou são substâncias incorpóreas?

– essas perguntas eram dirigidas ao estudo do livro dos Tópicos de Aristóteles;

– como neoplatônico, contudo, ele fica no meio termo entre o modelo platônico e o aristotélico, dando ênfase no primeiro

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Como Boécio vê o problema em Porfírio

• na Isagogé, Porfírio coloca algumas considerações acerca das noções de idéias gerais;

• o texto de Porfírio é o seguinte:– “Se os gêneros e as espécies subsistem ou estão só no puro intelecto; se são

substâncias corpóreas ou incorpóreas; e (neste último caso) se se fazem separadas das coisas sensíveis ou postas nelas: a essa questão passo por cima. Isso se trata de um assunto dificílimo, o qual necessita maior investigação.” (Tradução que Boécio faz da obra de Porfírio).

• a doutrina geral dessa importantíssima passagem pode ser sistematizada através de três questões básicas:

– 1) os gêneros e as espécies são realidades subsistentes em si mesmas ou simples concepções do espírito?

– 2) se são reais, são corpóreas ou incorpóreas?– 3) se são incorpóreas, existem fora das coisas sensíveis ou somente unidas a elas?• essas três perguntas constituem-se na maneira com que Boécio vê o problema e

o transmite para a Idade Média;

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Como Boécio vê o problema em Porfírio

• a posição de Boécio ao clarear o problema é colocado da seguinte maneira:– “Platão pensa que os gêneros, espécies e outros universais não só

são conhecidos com independência dos corpos, senão que existem e subsistem fora deles; enquanto que Aristóteles pensa que os incorpóreos e os universais são objetos do conhecimento, mas que somente subsistem nas coisas sensíveis. Minha intenção não tem sido decidir qual dessas opiniões é a verdadeira, já que isso corresponde a uma filosofia mais alta. Nos temos limitado a seguir a opinião de Aristóteles, não porque nos inclinemos preferencialmente a ela, senão porque este livro tem sido escrito em vistas às Categorias, cujo autor é Aristóteles.” (comentário de Boécio à tradução que estaria fazendo do texto do Estagirita, as Categorias).

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Como Boécio vê o problema em Porfírio

• somente no final de sua vida Boécio decidirá por seguir os passos doutrinais do platonismo, como é atestado pelo texto a seguir:Quando a luz fere os olhos,ou melhor a voz chega aos ouvidos:então se solta o vigor da mente,que tem espécies interiores,Chamando à outras juntas a estas,aplicando às notícias exteriores,as que tinha dentro,relacionando as imagens com as formas.(texto extraído de sua obra Consolação da Filosofia, verso V, metro 4).

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Como Boécio vê o problema em Porfírio

• o próprio Boécio explicou esse verso, por ele escrito, a saber:– Na percepção dos objetos, os órgãos dos sentidos têm de receber as

impressões externas, sendo necessário que a atividade do espírito seja precedida por uma sensação física que atraia a ação da inteligência e desperte as formas nela adormecidas. Nestas condições, para a percepção, o espírito não é informado pelas sensações, senão que julga por sua própria luz sobre os dados que estas lhe proporcionam. Com maior razão temos de inferir, portanto, que os seres livres de toda influência corpórea, e independentes do mundo externo para formular seus juízos, podem remar a velas livres, deixando em liberdade sua inteligência.

– (texto extraído de sua obra Consolação da Filosofia, verso V)– obviamente o texto apresenta uma clara preocupação gnosiológica ao tentar

explicar o processo de nosso conhecimento, contudo, ao falar de formas adormecidas da inteligência que se despertam por causa das sensações físicas, Boécio se revela mais próximo de Platão do que de Aristóteles.

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Como Boécio vê o problema em Porfírio

• ao receber o problema através dos textos de Porfírio, a tentativa de solução do mesmo, por parte de Boécio, apresenta-se como a porta de entrada do problema dos universais na Idade Média;

• a discussão apresentada por Boécio, que tem como fundamento as bases da filosofia aristotélica, tende à pretensão de uma resposta efetiva ao problema;

• um problema efetivo que surge é o da indefinição, por parte de Boécio, a que sistema aderir, ao platonismo ou ao aristotelismo, aspecto que deixa o problema dos universais ainda mais obscuro para os medievais, haja vista o fato de que no final de sua vida Boécio adota, claramente, as posições do mais puro platonismo;

• caminhemos, então, passo a passo na estruturação do problema e das argumentações desenvolvidas por Boécio;

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O Caminho de Boécio

• textualmente Boécio afirma ter resolvido a questão dos universais que havia sido colocada por Porfírio (BOÈCIO, PL 64, 85 D);

• a pergunta que deve ressoar em nossos ouvidos é a seguinte: sob qual perspectiva Boécio tratou a questão dos universais?

• uma das posturas interpretativas que poderíamos tomar seria a de entender o modus operadi de Boécio como uma forma de estrutura “onto-gnosiológica”:– ontológica: por admitir a existência dos universais nas coisas;– gnosiológica: na medida em que incide sob a forma com que

conhecemos e formamos os gêneros e as espécies, ou seja, sobre sua natureza.

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O Caminho de Boécio

• os argumentos do Texto de Boécio podem ser divididos em 4 partes:– parte 1: • apresenta-se as questões propostas por Porfírio (núcleo

do problema) e postula-se o seguinte assunto a desenvolver:• “Os gêneros e as espécies ou existem e subsistem, ou

são formados apenas pelo intelecto e pelo pensamento; mas gêneros e espécies não podem existir” (BOÈCIO, PL 64, 83A)

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O Caminho de Boécio

– parte 2:• depois de apresentado o problema Boécio desenvolve

três argumentos; onde os dois primeiros refutam a tese de que os gêneros e as espécies existem separados das coisas sensíveis; e o terceiro recusa a tese de que os universais sejam meros pensamentos (intelecções da alma);

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O Caminho de Boécio• argumento 1: centra-se na noção de comunidade dos universais –

nega a sua existência através da negação de sua unidade (tudo o que não é uno não existem, como os universais são comuns a muitos, eles não existem)– Tudo o que existe ao mesmo tempo comum a muitos não pode ser uno em si.

Pois é de muitos o que é comum, especialmente quando uma e mesma coisa esteja toda ao mesmo tempo em muitas; pois, não importando quão numerosas sejam as espécies, em todas o gênero é um, e não como se as espécies singulares tomassem dele algumas partes, mas possuindo cada uma, ao mesmo tempo, todo o gênero; pelo que todo o gênero não pode estar situado em muitos singulares ao mesmo tempo; nem, pois, pode ser o caso que, sendo em muitos ao mesmo tempo, em si mesmo seja um em número. Porque se é assim, não poderá ser um determinado g~enero e, portanto, não será absolutamente nada. Pois tudo o que é [est], pela própria razão de ser [esse] é uno, e o mesmo convém ser dito da espécie. (BOÈCIO, PL 64, 83B)

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O Caminho de Boécio

– Porque se algum gênero é uno em número, não poderá ser comum a muitos (...); o gênero, porém, não pode ser comum á espécie se nenhum desses modos, pois deve ser comum de tal modo que esteja todo nos singulares, e ao mesmo tempo, e que seja capaz de constituir e conformar a substância” (BOÈCIO, PL 64, 83 C-D)

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O Caminho de Boécio

• argumento 2: rejeita o caráter múltiplo dos universais pois tal multiplicidade remeteria a um regresso ao infinito;– Porque, se existe algum gênero (e espécie) múltiplo e não uno em

número, não haverá um gênero último, mas terá outro gênero situado acima de si que inclua aquela multiplicidade em um vocábulo de seu nome, pois assim como muitos animais, tendo algo similar, não são, todavia, o mesmo, e por isso mesmo se buscam aos seus gêneros – porque o gênero, que existe em muitas cosias e por isso é múltiplo, tem em si a similitude que é o gênero, não sendo, porém, uno porque existe em muitos – assim também um outro gênero deste deve ser buscado e, ainda que fosse encontrado, pela mesma razão mencionada acima, por sua vez, um terceiro gênero seria buscado; portanto, é necessário que a razão proceda ao infinito e que não ocorra termo algum à ciência. (BOÈCIO, PL 64, 83C)

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O Caminho de Boécio

• argumento 3: rejeita os universais enquanto apenas pensados pois para ele tudo o que é concebido o é a partir de algum objeto, ou seja, somente há uma intelecção se sob essa intelecção exista um sujeito subordinado (se os universais não se encontram expressos em nenhum objeto a intelecção que promovem é vazia e falsa pois não corresponde à realidade)

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O Caminho de Boécio– Mas se os gêneros, as espécies e os demais [predicáveis] são apenas

concebidos pelos intelectos, já que toda intelecção se faz, a partir do objeto, ou como a coisa é, ou como a coisa não é, é vão o que é concebido de nenhum objeto, pois não se pode fazer intelecção de objeto algum. Se a intelecção dos gêneros, das espécies e dos demais [predicáveis] provém do objeto assim como é a própria coisa entendida, aqueles já não estão apenas situados no intelecto, mas também existem na verdade das coisas. E novamente se deve buscar qual é a natureza daquilo que a investigação acima procurava; mas se a intelecção dos gêneros e dos demais [predicáveis] é apreendida de alguma coisa não como é a coisa submetida ao intelecto, necessariamente vão ser inteligida, já que é apreendida de alguma coisa, mas não como a coisa é, pois falso é o que é inteligido de outro modo do que a coisa é” (BOÈCIO, PL 64, 84A)

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O Caminho de Boécio

– parte 3: • os argumentos anteriores colocam Boécio diante de um

problema a solucionar: os universais de um lado não existem separados das coisas (nem unidade e nem multiplicidade) e por outro lado a intelecção que geram na mente é vazia e falsa (não tem objeto subordinado), então deve-se abandonar a investigação pois não se deve seguir investigando sobre coisas que não existem;• a solução vem dos comentários de Alexandre de

Afrodísias;

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O Caminho de Boécio• a solução apresentada por Boécio é de cunho aristotélico e nos

mostra os modos pelos quais concebemos ideias, formamos intelecções na mente:– por conjunção (composição) – é falsa a intelecção produzida por

conjunção (une-se a idéia de homem e a de cavalo e se cria a noção de centauro) porque une seres que na natureza não podem ser unidos;

– por divisão e abstração – não é falsa apesar de não corresponder ao modo como a coisa é na realidade (exemplo da linha que é abstraída do corpo pelo intelecto);» Mas o espírito [amimus], apreendendo em si, a partir dos sentidos,

as coisas confusas e mistas, distingue-as por sua própria força e pensamento (...), cujo poder é compor os disjuntos e dissolver os compostos que são transmitidos confusamente a partir dos sentidos e, junto com os corpos, distingue de tal modo que contempla e vê a natureza incorpórea por si e sem [as coisas] corpóreas em que está concretizada. (BOÈCIO, PL 64, 84D)

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O Caminho de Boécio

• assim ele admite que possam existir coisas concebidas á parte das sensíveis colocando gêneros e espécies como uma forma de abstração da similitude dos particulares a que estão ligados e que são comuns– (...) e não se deve considerar a espécie nada mais do que o

pensamento coligido da similitude substancial dos indivíduos dissímiles em número, e o gênero é o pensamento coligido da similitude das espécies. Mas esta similitude, quando está nos singulares, se faz sensível; quando nos universais, se faz inteligível, e do mesmo modo que, quando é sensível permanece nos singulares, quando é inteligida, se faz universal. Subsistem, portanto, nos sensíveis; são inteligidos, porém, fora dos corpos (...). (BOÈCIO, PL 64, 85C)

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A resposta de Boécio

– Boécio pretende ter resolvido o problema de Porfírio com a seguinte formulação:• (...) os gêneros e as espécies subsistem de um modo,

são, porém, inteligidos de outro modo; e são incorporais, mas subsistem nos sensíveis, junto com os sensíveis. São inteligidos, porém, fora dos corpos, como por subsistência própria e não tendo em outros seu ser. (BOÈCIO, PL 64, 85D -86A)

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A resposta de Boécio

– a hipótese inicial, assim, parece ter sido confirmada: Boécio trata o problema dos universais sob uma perspectiva onto-gnosiológica:• os universais são considerados como res universales com um

fundamento na realidade;• gêneros e espécies encontram sua natureza, origem e

localização nas próprias coisas sensíveis;• as noções gênero e espécie são abstrações mentais que

formamos das semelhanças (aliquod commune) existentes nos objetos extramentais em coisas sensíveis;

• somente podemos produzir na mente as noções de gêneros e espécies à medida em que há na realidade, junto aos sensíveis, algo universal comum a vários.

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O Caminho de Boécio

– parte 4:• a própria noção proposta para o autor parece-lhe dúbia;• comparando entre as teses de Platão e Aristóteles ele oscila

entre uma e outra, vacila, mas mantêm-se, naquele momento, atenciosamente reto em relação ao Estagirita– Platão julga que os gêneros, as espécies e os demais [predicáveis]

não apenas são inteligidos como universais, mas também que são e subsistem fora dos corpos. Aristóteles julga, porém que são inteligidos como incorporais e universais, mas que subsistem nos sensíveis. Não considerei adequado decidir entre as suas opiniões. (...) Seguimos mais cuidadosamente a opinião de Aristóteles de modo algum porque a aprovemos, mas porque este livro se escreveu para as Categorias, de que Aristóteles é o autor. (BOÈCIO, PL 64, 86A)

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A resposta de Boécio

• a postura de Boécio, dessa forma, alinha-se ao modelo do realismo moderado;– além de toda a sua contribuição ao problema dos universais cabe

ressaltar que Boécio ainda precisou algumas noções lógicas cruciais para a Idade Média, a saber:• a) repete e consagra o quadro das oposições lógicas de Aristóteles

criado pelo poeta e filósofo latino Apuleio;• b) introduz os termos de sujeito e predicado ao estudo da lógica de

Aristóteles;• c) traduziu as seguintes obras de Aristóteles: De Interpretacione,

Primeiros analíticos, Segundos Analíticos, Elencos Sofísiticos e Tópicos (essas obras marcariam como a primeira entrada de Aristóteles no ocidente e comporiam o sistema lógico medieval que mais tarde ficaria conhecido como lógica vetus)