cursos de pós, mba, licenciatura e extensão - universidade … · 2009. 8. 6. · e sentimentos...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
BRINCAR, ACEITAR...SARAR
ARTETERAPIA E HOSPITALIZAÇÃO
Por: Paulete Jardim Castro
Orientadora
Profª. Ms. Mary Sue Carvalho Pereira
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
BRINCAR, ACEITAR... SARAR
ARTETERAPIA E HOSPITALIZAÇÃO
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre
– Universidade Candido Mendes como requisito parcial
para obtenção do grau de especialista em Arteterapia em
Educação e Saúde.
Por. Paulete Jardim Castro
3
AGRADECIMENTOS
... A Deus por me conceder todas essas
realizações.
A minha mãe pela dedicação na
minha formação.
A Luciana pela ajuda na digitação e
formatação da monografia.
A minha orientadora, profª Ms. Mary Sue
pela ajuda na realização deste trabalho.
E, principalmente, a toda minha família, por
aceitar minhas ausências, entendendo a
importância deste projeto.
4
DEDICATÓRIA
.....À todos aqueles, que assim como eu,
acreditam que a humanização do espaço
hospitalar produz um diferencial visível no
processo de cura do corpo, sem deixar que a
alma adoeça.
5
METODOLOGIA
Sendo um trabalho de pesquisa bibliográfica com revisão de literatura, serão
desenvolvidas idéias e conceitos fundamentados a partir de literatura diversa baseada na
leitura de diferentes livros, de acervo próprio, periódicos consultados e, também, minha
experiência enquanto funcionária de um hospital público da rede federal, utilizados
como fonte de pesquisa para captação de conteúdos que darão embasamento a fim de
consigamos discorrer sobre o tema ora proposto de maneira clara e elucidativa.
6
SUMÁRIO
SUMÁRIO 06
RESUMO 08
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - O ESPAÇO HOSPITALAR 11
1. 1- A doença 11
1. 2- O ambulatório 12
1. 3- A enfermaria 13
1. 4- A Arteterapia nos hospitais 16
CAPÍTULO II - ARTETERAPIA : UMA BREVE HISTÓRIA 18
2. 1- O conceito de arteterapia 18
2. 2- Um pouco de história 21
CAPÍTULO III - A ARTETERAPIA COMO OPÇÃO NO ESPAÇO
HOSPITALAR 26
3. 1- Contos de fadas 26
3. 1. 1- Quem foi Carl Jung 26
3. 1. 2- Confronto com o inconsciente 29
3. 1. 3- Inconsciente coletivo 30
3. 1. 4- Viver com as fadas 31
3. 1. 5- O que são contos de fadas 31
3. 1. 6- As histórias falam 32
3. 1. 7 Não nos deixemos enganar pelo silêncio... 34
CAPÍTULO IV – BRINCAR, ACEITAR... SARAR 36
4. 1- O processo arteterapêutico 36
4. 1.1 – A arteterapia e seus materiais 37
4. 1. 2 – Brincar para sarar 40
4. 1. 3 – Sarando com as fadas 41
8
RESUMO
Este trabalho visa estimular a reflexão de como o trabalho de arteterapia, em
suas várias técnicas, com crianças, tanto em ambulatórios, como hospitalizadas é de
extrema importância no tratamento de sua enfermidade. O uso de materiais não pode ser
um empecilho para o tratamento no ambiente hospitalar, já que são de fácil aquisição,
transporte e manuseio.
Tendo a arteterapia uma apresentação lúdica é capaz de quebrar resistências,
estabelecer laços, manter vínculos e por ser bem aceita pelas crianças, facilita a
decodificação do mundo interno, através do confronto que o sujeito criador das imagens
faz com suas configurações, possibilitando a consciência de seus conteúdos, dados
primeiramente pela análise dos elementos que a constituem.
Enfoca o uso dos contos de fadas como recurso na busca de um conhecimento
mais profundo de si mesmo, bem como sua utilização no alívio das pressões internas
permitindo que fatos do inconsciente sejam simbolizados e configurados em imagens.
Acreditando que a construção da consciência humana perpassa pelo simbolismo,
a materialização do símbolo facilitaria a comunicação, auxiliando na instituição de
contato mais profundo consigo mesmo.
Ao decodificar as mensagens contidas nos contos de fadas, a criança
hospitalizada, tornar-se-á capaz de descobrir novas possibilidades, novos meios de
enfrentamento com o mundo que a ela ora se apresenta (o hospital), possibilitando a
abertura de portas que o conduza mais rapidamente à cura.
9
INTRODUÇÃO
Após um longo período de estagnação podemos observar que a comunidade
hospitalar vivencia atualmente um momento de grande abertura a profissionais de
diferentes áreas que não apenas da saúde. Abertura esta que insere em seu meio
diferentes visões e possibilidades de trabalho com os internos, principalmente com as
crianças hospitalizadas. O trabalho em conjunto de equipes multidisciplinares vem se
mostrando extremamente eficiente e de suma importância.
O aproveitamento desta abertura a fim de que ocorram as mudanças necessárias e
se aumente o espaço ocupado pelas equipes multidisciplinares, visa à efetiva
implementação de projetos voltados para a aceitação da hospitalização e conseqüente
cura dos enfermos.
Para que isto ocorra não basta que se tenha uma política de saúde integral,
carregada de boas intenções, porém sem finalidades, praticidades e o principal, materiais
disponíveis e pessoal capacitado.
Sendo assim o presente trabalho objetiva evidenciar a necessidade de se
introduzir no cenário hospitalar a prática da Arteterapia como elemento facilitador e de
auxílio no processo de cura de doenças físicas, prevenção e sustentação da saúde mental.
Gostaríamos de destacar a importância da efetiva participação de toda equipe
hospitalar na construção de um projeto que oriente o trabalho como um todo, onde cada
um em sua área, respeitando e tendo respeitadas suas especificidades e especializações,
falem a mesma “língua”, vislumbrando unicamente a melhora e o encurtamento do
período de hospitalização do sujeito.
Nos capítulos seguintes trataremos de um assunto que consideramos da maior
importância, a interação da equipe, não só com o paciente, mas também com sua
família, muitas das vezes relegada a segundo plano, após a anamnese e conseqüente
internação.
10
A criança hospitalizada está fora de seu mundo, sua escola, seu clube, etc.
Sozinha, mesmo acompanhada da mãe, em muitos casos não consegue expressar-se, não
entende a necessidade de tantos procedimentos, chegando a mostrar-se por vezes
apática, deprimida ou mesmo agressiva.
Apontamos a arteterapia como agente de auxílio na aceitação da hospitalização
(principalmente as longas), quando durante as sessões existiria a possibilidade do
interno expressar-se através do lúdico.
11
CAPÍTULO I
O ESPAÇO HOSPITALAR
“É antes de mais nada, a sua angústia e
culpabilidade que muitas crianças exprimem ao
caírem doentes.”(M. Klein)
Se considerarmos a internação como evento traumático poderemos crer no
brincar como ação capaz de minimizar os efeitos da hospitalização pois, partindo da
visão de diferentes autores o brincar “permite a criança retomar no plano simbólico,
experiências traumáticas e desejos não realizados.” (Freud, 1980)
“(...) o brincar além de prover a criança com uma bagagem cultural de
inestimável valor para as incursões do sujeito na cultura, é sinal de saúde. (Winnicott,
1975)
Sendo assim consideremos as transformações sofridas pelas instituições
hospitalares ao longo do século passado, onde muitas delas interessadas, principalmente
no bem estar da criança introduziram o brincar em seu cotidiano.
Inicialmente o brincar, pelo brincar simplesmente, ultimamente observa-se uma
maior preocupação com a qualidade desse brincar e com sua utilidade, transformando-o
como aliado no processo terapêutico.
1. 1. A doença
Sabendo que a criança considerada sadia, nascida em boas condições, bem
tratada pela família, como uma pessoa com direitos e deveres tende a ser boa e
obediente, porém tudo muda diante de uma enfermidade que o tira de seus entes
queridos e o coloca frente a desconhecidos, uniformizados, vestidos de branco, com
outras regras, direitos e deveres. O hospital se constitui em ambiente estranho e
ameaçador.
12
Concordamos com Winnicott (p. 141 – 1979) quando diz que “... as necessidades
e sentimentos das crianças são tremendamente poderosos. É essencial encarar a criança
como um ser humano que começa com todos os sentimentos intensos dos seres
humanos, embora sua relação com o mundo esteja apenas principiando.”
As hospitalizações rompem o cotidiano da criança, além do fato de estar doente e
sentir dores, sobrevém à estranheza e a ameaça oriunda da internação e de tratamentos e
exames invasivos e dolorosos, o brincar mostra-se como um recurso poderoso para se
compreender melhor essa criança hospitalizada. (Sikilero, Morselli e Duarte, 1997), que
aliado a atividades educativas, ajuda a criança hospitalizada a recuperar-se de atrasos no
desempenho acadêmico decorrentes da interrupção de sua freqüência à escola (Ribeiro,
1993).
O ambiente hospitalar tornar-se-á convidativo ao brincar se todos os
profissionais envolvidos modificarem seu olhar em relação ao mesmo. Superando o
nível intuitivo. Criando-se assim espaços que despertem na criança sensações de
segurança, relaxamento e liberdade, na medida do possível.
1. 2. O ambulatório
Observemos que, de um modo geral, os ambientes físicos dos ambulatórios são
bastante diversos, mas invariavelmente “desenhados” para adultos, sem atrativos para as
crianças. As cores, geralmente neutras e frias, o mobiliário “inadequado”, a presença ou
a ausência dos brinquedos nos fornecem indícios se o espaço convida ou não ao brincar.
Segundo Wilson (1988), “com o tempo, a equipe médica e os pais se tornariam
mais conscientes do valor do lúdico e perceberiam que eles próprios ficariam mais
tranqüilos estando às crianças assim envolvidas nas salas de espera dos ambulatórios.”
Concordamos com Bomtempo (p.79 – 2008) quando afirma que “nas condições
do atendimento ambulatorial dos hospitais públicos no Brasil, a presença da brincadeira
pode ter importância especial, pois, muitas vezes, a espera pela consulta é longa e difícil
de ser tolerada. Assim, brincando, a criança faz o que gosta, diluindo-se,
conseqüentemente, a tensão dessa espera.”
13
Reconhecemos que apesar de a brincadeira ser extremamente importante para a
criança, nos mais diferentes espaços, a maioria dos ambulatórios existentes em nosso
país não dispõe ainda das condições ideais para promovê-la.
Se procurarmos conhecer as estruturas físicas e de funcionamento de diferentes
ambulatórios, seus recursos (materiais e humanos) disponíveis e a diversidade de
problemas apresentados pelas crianças, além do número médio de atendimentos
realizados, reforçaremos ainda mais a idéia da precariedade do sistema de saúde
existente.
Acreditamos que a implementação do lúdico poderia minimizar os efeitos dessa
precariedade e auxiliar no processo de cura da criança se for além da mera ocupação da
criança, oferecendo-lhe um novo espaço de criação e expressão. Se forem respeitadas
suas necessidades, das crianças, “o brincar assume vital importância como agente
mantenedor da estabilidade física e emocional tão indispensável, como forma de
compensação às circunstâncias adversas, (...)
(...) no jogo, a criança representa a vida (...) a magia se estabelece, os desejos se
realizam e as soluções, como por encanto, vão surgindo, preparando o espírito para o
reencontro com a realidade, às vezes dura,(...)” (Bomtempo, 2008 p.5)
1. 3. A enfermaria
Para iniciarmos este tópico é necessário considerarmos a criança hospitalizada
como sujeito de sua história, em toda sua plenitude, compreendendo sua condição,
momentânea, de “fora de seu mundo” (casa, grupos sociais de convívio, etc.) Somente a
partir de então será possível oferecer-lhe atividades/condições adequadas e
possibilitadoras de superação das dificuldades encontradas no processo de
hospitalização.
Se entendermos a criança como ser capaz de transmitir mensagens, não só
verbais, adotar-se-á uma postura terapêutica diferenciada, voltada não só para a cura do
corpo, mas também considerando o lado psicológico como elemento fundamental no
processo de cura.
14
O início de qualquer processo terapêutico para crianças deve começar por sua
família, a fim de que tenhamos um grande número de informações a respeito do
“paciente”.
Ao conhecermos parte de sua história, conseguiremos estabelecer com ela, a
criança, uma relação baseada na confiança e a mesma se mostrará mais “aberta” a nossa
presença, facilitando assim, todo o processo terapêutico.
É de vital importância que a criança perceba que nosso interesse maior é seu
bem-estar e consequentemente, ... sua cura.
Às vezes a criança não consegue expor claramente seus anseios, receios, seus
medos... quando nos deparamos com tal situação devemos buscar subsídios que
possibilitem uma “abertura” a fim de que a alcancemos.
A maioria dos adultos crê que as crianças não tema a morte ou até mesmo nem a
entenda. Isso não é verdade o tema é bem recorrente, apesar de muitas das vezes não ser
verbalizado, geralmente se faz presente nas brincadeiras, nos desenhos, nas histórias
“criadas” em seu imaginário. Com a criança hospitalizada observa-se isso mais
claramente. O medo é companheiro constante: medo da dor, do “abandono”, do
desconhecido e até da morte.
Sendo assim devemos ter em mente que os profissionais envolvidos necessitam
de sólidos conhecimentos teóricos, baseados em muita leitura e estudos. Além de muita
“vontade” de superar as dificuldades surgidas no “caminho”.
A formação de equipes multidisciplinares vem se tornando cada vez mais
freqüente nos espaços hospitalares, visando um trabalho integrado com objetivo comum:
a superação das dificuldades existentes no processo de cura das crianças hospitalizadas.
“A arteterapia é um campo amplo que se cria e recria a partir da colaboração de
profissionais, os mais variados. (...) é possível utilizar a força da experiência criadora
como forma de autoconhecimento e transformação do ser humano.” (Coutinho:2005,
p.46-47)
15
Vale lembrar que é a soma de diferentes saberes que constrói a Arteterapia. A
partir dos quais se pode compreender a variedade dos referenciais teóricos que norteiam
o trabalho de cada profissional.
Concordamos com Coutinho (2005) quando afirma que “A arte como processo
de criação artística, costuma nos ajudar a reforçar nossos aspectos saudáveis.” (p. 49)
E é com esse pensamento que devemos adentrar o espaço hospitalar, “invadir”
(no bom sentido, é claro!) as enfermarias, propiciando às crianças hospitalizadas a
construção de uma nova perspectiva de sua condição.
Dessa forma voltemos nossa atenção às dificuldades vivenciadas pela criança
hospitalizada, bem como por sua família. E nessa hospitalização que provoca no
“paciente” uma série de “problemas” que interferem diretamente em seu
desenvolvimento e bem estar
Consideremos a “frieza” das enfermarias, a ruptura com uma rotina já
estabelecida, o afastamento forçado de seus familiares, bem como a privação de sua
liberdade, situação que gera insegurança, pois comumente todos os olhares estão
voltados para a doença e não para a criança em si.
Segundo Pérez-Ramos in Bomtempo: 2008,” Tais considerações indicam a
necessidade de voltar nossa atenção para a análise das conseqüências da hospitalização
no processo evolutivo da criança, sobretudo na primeira infância (...), período mais
vulnerável à aquisição de atrasos ou distúrbios no desenvolvimento.”(p.112)
Sendo assim podemos afirmar que na hospitalização o maior transtorno é a
separação da criança doente de seu responsável, quando ela , a criança, mais necessita
de atenção, apoio e aconchego.
Dessa forma consideramos extremamente importante a estimulação do
desenvolvimento da criança. Principalmente daquelas hospitalizadas por períodos mais
longos, auxiliando-as na assimilação de experiências que em circunstâncias ditas
normais não vivenciaria.
16
Ainda segundo Pérez-Ramos in Bomtempo: 2008
“...o sofrimento é generalizado, e a sensação de
abandono é freqüente na criança hospitalizada (...). Ao não
encontrar apoio de ambos, família e profissionais, ela pode
resistir ao tratamento. Assim, os sintomas clínicos se
agravam, os distúrbios de comportamento se afloram e, em
conseqüência o período de permanência no hospital se
estende.(...)
Tais considerações evidenciam a necessidade de se
conhecer, com precisão e abrangência, os estímulos
ambientais, tanto físicos como humanos, que possam
promover ou deter o desenvolvimento da criança
hospitalizada. ”(p.114)
1. 4. A Arteterapia nos hospitais
Se considerarmos os objetivos da arteterapia como sendo:
• O resgate do desejo da cura e da auto-regeneração;
• Possibilitar ao paciente a liberação de seus medos e anseios (por conta da sua
condição limitada, de estar hospitalizado;
• Promover a diminuição do estress, através do desenvolvimento de diferentes
formas de lidar com sua doença.
Concluiremos que à medida que o paciente recebe esse “beneficiamento” (da
arteterapia), sendo atendido por profissionais capacitados, mais criativos, motivados,
com maior interação entre seus pares e que desenvolverão suas tarefas de maneira
melhor e em equipe, suportará melhor o confinamento e auxiliará na busca de um
“caminho”, encontrando assim conjuntamente, mais soluções para os problemas do
cotidiano.
17
Visualizemos a arteterapia como sendo uma terapia de estimulação das
expressões e do desenvolvimento da criatividade, favorecendo assim a liberação das
emoções e dos conflitos internos, o contato com as ansiedades e medos, bem como
propiciadora de equilíbrio físico/mental e espiritual. Sendo assim, se o arteterapeuta
trabalhar com e a partir da criatividade e do produto da expressão do paciente,
acreditamos que será possível o alcance desse equilíbrio, partindo do processo de
integração do paciente com si mesmo.
Devemos entender que a preocupação maior do arteterapeuta no espaço
hospitalar não deve ser voltada aos dons artísticos dos internos, mas sim com situação
onde a expressão artística se configure medicamento. Os elementos artísticos devem ter
efeitos sobre os processos de cura do corpo e da alma. Possibilitando a libertação de
infortúnios momentâneos indicando assim, um “caminho” possível de ser trilhado.
18
CAPÍTULO II
ARTETERAPIA:
UM BREVE HISTÓRICO.
“A arte é a expressão mais pura que há
para a demonstração do inconsciente de cada um. É
a liberdade de expressão, é sensibilidade,
criatividade, é vida.”
(C. Jung)
Antes de iniciarmos nosso segundo capítulo, consideramos de extrema
importância conceituar o termo ARTETERAPIA.
2. 1. O conceito de arteterapia
A arteterapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na
atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas.
A arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma
relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas ou dificuldades. Na
arteterapia o senso estético não é importante, o importante é o processo de “fazer arte”,
o envolvimento e o valor que se dá ao produto artístico.
Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos
resultantes, as pessoas aprendem a lidar com sintomas, estresse e experiências
traumáticas, desenvolvem recursos físicos, cognitivos e emocionais, além de desfrutar
do prazer revitalizador do fazer artístico. ( AATA – American Association of Art
Therapy, 2003 – ArtTherapy: The Profession – WWW. Arttherapy. Org)
19
Segundo Olivier, 2008:
“a arteterapia é uma ciência fundamentada na
Medicina, Psicologia e Artes em geral, que estuda e pratica
os meios adequados para aliviar ou curar os indivíduos por
meio da expressão da arte, trazendo a tona uma idéia,
trauma, fobia etc., em uma catarse psicanalítica. Possui
muitas manifestações, tais como: Psicodrama, Teatro
Terapêutico, Biodança, Expressão Corporal, Desenho,
Pintura. Dentre essas manifestações, é preciso diferenciar a
Arteterapia da Arte como Terapia.” (p. 12)
Observemos a definição trazida pelo dicionário digital Aulete:
(ar.te.te.ra.pi.a) sf. Psi. Psicoterapia que utiliza a expressão artística como tratamento
[F.: arte + -terapia.].
Agora confrontemos com a definição trazida pela enciclopédia virtual
Wikipédia:
“Arte terapia é um processo terapêutico que se
serve do recurso expressivo a fim de conectar os mundos
internos e externos do indivíduo, através de sua
simbologia. Variados autores definiram a Arte terapia,
todos com conceitos semelhantes no que diz respeito à
auto-expressão. É a arte livre, unida ao processo
terapêutico, que transforma a Arte terapia em uma técnica
especial.”
Agora consideremos a Arteterapia como sendo o uso da arte como terapia e que
embora seja uma atividade milenar, seu desenvolvimento maior vem se dando nos
últimos 60 anos.
20
Basicamente, ao confrontarmos os mais diferentes conceitos de arteterapia
podemos dizer que objetiva a criação de material sem preocupação com a estética,
visando apenas à expressão de sentimentos. “Esta catarse é muito sadia e faz com que o
indivíduo se reorganize internamente. A arte é por si só uma atividade regeneradora.”
Citemos Fayga Ostrower,
“Os processos criativos são processos construtivos
globais. Envolvem a personalidade toda. Criar é tanto
estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados e
transmiti-los. Ao criar procuramos atingir uma realidade
mais profunda do conhecimento das coisas. Ganhamos
concomitantemente um sentimento de estruturação interior
maior, sentimos que estamos nos desenvolvendo em algo
essencial para o nosso ser.”
(Ostrower, 1977, p. 12 in
http://arteterapiacomkira.blogpost.com)
Sendo assim, podemos afirmar que a criatividade, como aspecto essencial do
fazer arte, se caracteriza como processo que faz parte e constitui o ser, potencializando
suas forças.
E para isso é de extrema importância que se tenha por perto a figura do
arteterapeuta. Pois indivíduo, arte e profissional representam a tríade deste trabalho.
“Na arte o homem se reconhece, encontra seus pensamentos e seus sentimentos,
ao mesmo tempo que faz aquilo o que o cerca e que não é ele. A dualidade irredutível de
sua dupla experiência externa e interna se encontra enfim resolvida.” (René Huygle,
1967)
Acreditamos que ao vivenciar processos de arte, o ser humano encontre meios de
se resolver internamente, compreendendo o mundo ao seu redor. Esses processos podem
direcionar o paciente à realização de um movimento em busca da “cura” ou
minimamente do alívio de seus “problemas”.
21
Vale lembrar que o termo curar vem do latim, curare, que é cuidar, tratar, livrar
da doença, restabelecer a saúde, sarar. Sendo assim, acreditamos ser tarefa do
arteterapeuta auxiliar o interno na busca do equilíbrio, que cremos, o levará a uma cura
mais rápida, pois atravessará esta etapa de sua vida de maneira mais amena,
vislumbrando possibilidades diversas de ocupar não só seu tempo, mas também sua
mente com atividades que além de prazerosas produzirão efeitos terapêuticos, pois que
“não apenas o artista estrutura seu mundo interior e o expressa por uma simbolização
que é a obra, como o público participante tem a possibilidade de dispor de sua emoção.”
(Andrade, 1993, p.7)
A arteterapia propicia ao sujeito a comunicação com o mundo, através da
exposição de suas idéias e impressões. O que surte efeito apenas no campo pessoal. Pois
a partir da compreensão de seus conflitos internos o indivíduo busca um
restabelecimento de sua condição de um ser fortalecido, equilibrado, integrado,
organizado e totalmente centrado em seus grupos de convívio.
2. 2 – Um pouco de história
A arteterapia surgiu fora do Brasil, no pós-guerra – 2ª guerra mundial – devido
ao grande contingente de pacientes politraumatizados que não respondiam às formas
convencionais de tratamento. Traumatismos de ordens diversas, tanto físicos, quanto
psíquicos. Como esses pacientes não respondiam às formas convencionais de
tratamento, surgiu uma demanda natural por novas formas de atendimento, entre elas a
arteterapia, que se destaca pelo uso das artes visuais.
Na antiguidade, Pitágoras no século V a. C tratava doentes mentais com sessões
musicais, porém somente em 1950, a música foi considerada como instrumento
terapêutico. A música, tanto no ritmo como harmonia, pode ser utilizada em sua forma
mais simples usando-se sons diversos para tratamentos de acordo com o resultado que
deseje alcançar.
Ernest – Wilhelm Von Brücke (1819 – 1892) escreveu artigos falando de Artes e
de bases fisiológicas da poesia alemã.
22
Alfred Binet (1857 – 1911) estudou Biologia, fez Doutorado em Ciências e
abordou a Psicologia em seus estudos e experiências. Juntamente com André de Lorde
criou alguns textos teatrais com temas médicos tais como: “Os invisíveis”, “A horrível
experiência” e “O homem misterioso”. Usando a arteterapia com técnicas de pintura,
desenvolveu testes projetivos, a partir das pinturas, manchas de tinta e outros recursos
visuais, cujos resultados são baseados na interpretação do material visual apresentado.
Sigmund Freud (1856 – 1939) estudou e trabalhou no Instituto de Fisiologia de
Brücke entre 1876 e 1882. Defendeu em seus escritos que as imagens escapam com
mais facilidade do superego do que as palavras, alojando-se no inconsciente, e por isso,
o indivíduo, geralmente se expressa melhor de forma não-verbal. Daí vem à necessidade
da comunicação como forma de autoconhecimento no tratamento terapêutico (Olivier,
2008). A respeito dos sonhos, deve-se a dificuldade de traduzir as imagens em palavras.
Muitas vezes, as pessoas, referem ser mais fácil desenhar do que escrever sobre seus
sonhos.
Carl Gustav Jung (1875 – 1961) formado em medicina, inicialmente foi grande
amigo e admirador de Freud. Com o passar do tempo demonstraram fortes divergências
Jung desenvolveu uma teoria, a princípio, chamada psicologia dos complexos, e
posteriormente chamada psicologia analítica. A partir desta técnica, analisando também
os desenhos e os sonhos de seus pacientes, concluiu que, além do consciente e do
inconsciente pessoais, havia uma zona psíquica onde se armazenavam memórias
(figuras, símbolos, arquétipos).
Após analisar desenhos de seus pacientes constatou símbolos comuns a algumas
culturas ou religiões, e os sonhos assemelhavam-se a temas mitológicos universais,
mesmo que o paciente desconhecesse totalmente estes símbolos ou temas. Assim Jung
comprovou a Teoria do Inconsciente Coletivo.
Em 1957, inaugura uma exposição de pinturas no museu de imagens do
inconsciente, no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique.
23
Walter Morgenthaler (1883 – 1965) psiquiatra suíço que em 1921, publicou uma
monografia intitulada “Ein Geistes Kranken aes Künstter”, que significa “Um alienado
artista”. Esta monografia relata a obra de Adolf Wölfli, um preso considerado demente
precoce. Confinado no Hospital Psiquiátrico de Waldau, produziu desenhos, colagens,
pinturas, caligrafias e pautas musicais em grande número. Suas obras integram o Museu
de Arte Bruta de Genebra.
Morgenthaler foi um dos primeiros a estudar o processo de arteterapia real, e não
essa forma simplificada que se insiste em divulgar na atualidade.
Osório Cesar (1896 – 1980) anatomo-patologista, e psiquiatra, alagoano de
nascimento, chegou ao Hospital Juquery, em 1925.
Apesar de não ser psicanalista, interessava-se pela nova área. Incorporou vários
de seus conceitos e práticas as suas técnicas. Foi pioneiro na introdução das artes
plásticas como método terapêutico no Juquery chegando a catalogar 8.000 obras de seus
pacientes, do referido hospital.
A atividade semelhante da Drª Nise da Silveira no Hospital do Engenho de
Dentro no Rio de Janeiro, tornou-se mundialmente mais famosa, embora em termos de
data, o trabalho de Osório Cesar, no Juquery tenha sido o pioneiro, seu acervo
riquíssimo e também merecedor de reconhecimento. Em 1925 publica “A arte primitiva
dos alienados”.
Em 20 de dezembro de 2005, num grande incêndio, o fogo destrói a história do
Juquery, destruindo grande parte da memória da psiquiatria no Brasil em seus 107 anos
da existência.
Nise da Silveira (1906 – 1999) nasceu em Maceió (AL). Formou-se médica em
1926 pela faculdade de medicina da Bahia, dedicou-se à Psiquiatria. contrária aos
métodos de tratamento da época (eletrochoques, insulinoterapia e lobotomia.
24
Em 1927, Nise mudou-se par o Rio de Janeiro, começando a trabalhar no
“hospício” da Praia Vermelha, hoje Hospital Pinel. De 1936 a 1944, presa como
comunista, foi afastada do serviço público. Em 1944, após a anistia, retoma o cargo de
psiquiatra já no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro.
Em 1946, CPP II, cria a seção de Terapia Ocupacional. Em 1952 fundou o
Museu de Imagens do Inconsciente, um centro de estudo e pesquisa, reunindo obras
produzidas nos ateliês de pintura e modelagem. Através deste trabalho, introduziu a
psicologia Junguiana no Brasil. Nise intitulava seu trabalho de Terapia Ocupacional,
apesar de ser trabalhado em sistema de ateliê. Em 1956, criou a Casa das Palmeiras,
clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições psiquiátricas. Abriu ateliês
para várias atividades (encadernação, música, pintura, modelagem, teatro, etc). Sempre
primando pelo carinho e atenção de que os alienados pela doença e pelo convívio social,
necessitam antes de tudo.
Formou o grupo de estudos C. G. Jung em 1968, tornando-se sua presidente.
Era conhecedora das teorias de Freud, porém foi em Jung que ela encontrou
fundamentação para seus trabalhos e produção de seus pacientes, em especial no
trabalho plástico.
Nise também foi a pioneira na pesquisa das relações afetivas dos pacientes com
animais, os quais chamava de co-terapeutas.
Georges Guilles de La Tourette escreveu sobre a síndrome, que em 1978 recebeu
o seu nome – Síndrome de Tourette estudou e escreveu vários artigos sobre “a loucura
no teatro”.
Jacob Levy Moreno, médico, psiquiatra tornou-se conhecido por reunir crianças
para encenar com elas em Kindersgarten de Viena, e prostitutas para grupos de
discussão em Spittelberg. Em 1921 comandou a primeira sessão de psicodrama, perante
mil espectadores.
Foi a primeira tentativa de ligar o teatro diversão ao terapêutico. Em 1932,
Moreno cria a psicoterapia de grupo.
25
Muitos outros existiram antes deles, apenas citamos os principais. Mesmo os
homens pré-históricos, de certa forma, usavam a arteterapia quando desenhavam, como
forma de comunicação e registro de suas vivências.
Ainda hoje, Xamãs e Pajés utilizam danças e cantos em busca de relaxamento e
de cura, o que podemos chamar de “Arteterapia Intuitiva” (Oliveira, 2008).
26
CAPÍTULO III
A ARTETERAPIA COMO OPÇÃO NO ESPAÇO HOSPITALAR
“A arte é a expressão mais pura que há
para a demonstração do inconsciente de cada um. É
a liberdade de expressão, é sensibilidade,
criatividade, é vida.”
(C. Jung)
3. 1. -Contos de fadas
Antes de iniciarmos mais esse capítulo, se faz extremamente importante que
ressaltemos que não podemos, nem devemos falar de contos de fadas, sem falar de Carl
Jung.
3. 1. 1 - Quem foi Carl Jung?
Carl Gustav Jung (1875-1961) - O fundador da escola analítica de Psicologia.
Nasceu no dia 26 de julho de 1875, no vilarejo de Kesswil, na Suíça. Era o filho
mais velho e o único a sobreviver de um pastor, Jung também tinha mais oito tios que
eram pastores. Seu contato com a religião influenciou profundamente seu trabalho.
Foi uma criança muito solitária.
Assim, acabou desenvolvendo uma tendência a sonhar e fantasiar. Suas fantasias
de infância se tornaram sua grande influência em seu trabalho.
Passou sua adolescência convivendo em meio aos conflitos internos religiosos, e
encontrou consolo em seus estudos sobre a filosofia.
Após terminar a escola, entrou para a Universidade de Basil. Em 1902, formou-
se em medicina, com um amplo conhecimento em biologia, zoologia, paleontologia e
arqueologia.
27
Carl Jung foi um dos maiores psiquiatras do mundo. Fundador da escola
analítica de Psicologia, ele introduziu termos como extroversão, introversão e o
inconsciente coletivo.
Ampliou as visões psicanalíticas de Freud, interpretando distúrbios mentais e
emocionais como uma tentativa do individuo de buscar a perfeição pessoal e espiritual.
Em 1903, casou-se com Emma Rauschenbach, que o ajudou em seu trabalho até
vir a falecer, em 1955.
Os assuntos com que Jung ocupou-se surgiram em parte do fundo pessoal que é
vividamente descrito em sua autobiografia, "Memórias, Sonhos, Reflexões" (1961). Ao
longo de sua vida experimentou sonhos periódicos e visões com notáveis características
mitológicas e religiosas, os quais despertaram o interesse por mitos, sonhos e a
psicologia da religião. Ao lado destas experiências, certos fenômenos parapsicológicos
emergiam sempre para lhe redobrar o espanto e o questionamento.
Por muitos anos sentiu-se possuidor de duas personalidades separadas: um ego
público, exterior, que era envolvido com o mundo familiar, e um eu interno, secreto,
que tinha uma proximidade especial para com Deus. Ele reconhecia ter herdado isso de
sua mãe, que tinha a notável capacidade de "ver homens e coisas tais como são". A
interação entre esses egos foi o tema central da sua vida pessoal e contribuiu mais tarde
para a sua ênfase no esforço do indivíduo para integração e inteireza.
Jung viria a usar as escrituras como referência para a experiência interior de
Deus, não como dogmas estáticos à espera de devoção muda, castradores do
desenvolvimento pessoal. Ele lamentava que à religião faltasse o empirismo, que
alimentaria a sede da personalidade n.º 1, e que às ciências naturais, que também tanto o
fascinavam devido ao envolvimento com a realidade concreta, faltasse o significado,
que saciaria a personalidade n.º 2. Os dois aspectos, religião e ciência, não se tocavam,
daí sua constante insatisfação, devido ao desencontro das duas instâncias interiores. E
foi dessa tentativa de saciar tanto um aspecto quanto ao outro, de fazer justiça ao ser
como um todo, que decidiu formar-se em psiquiatria:
28
"Lá estava o campo comum da experiência dos dados biológicos e dados
espirituais, que até então eu buscara inutilmente. Tratava-se, enfim, do lugar em que o
encontro da natureza e do espírito se torna realidade".
Ao longo da sua juventude interessou-se por filosofia e por literatura,
especialmente pelas obras de Pitágoras, Empédocles, Heráclito, Platão, Kant e Goethe.
Uma das suas maiores revelações seria a obra de Schopenhauer. Jung concordava com o
irracionalismo que este autor concedia à natureza humana, embora discordasse das
soluções por ele apresentadas.
Os estudos de Jung sobre complexos lhe trouxeram reconhecimento mundial.
Publicou trabalhos a respeito do assunto e um livro chamado “A Psicologia da
Demência Precoce”, no qual apoiava algumas das teorias de Freud. Quando Freud
entrou em contato com o trabalho de Jung, em 1907, Freud o convidou para visitá-lo em
Viena. O encontro deu início a uma amizade profissional e pessoal que durou cerca de
seis anos. Freud via em Jung seu sucessor, a pessoa que pudesse dar continuidade às
suas idéias, tendo inclusive o chamado de filho, em uma carta.
A partir de então Freud e Jung passaram a se corresponder (359 cartas que
posteriormente foram publicadas entre 1906 a 1913). O primeiro encontro entre eles, em
27 de fevereiro de 1907, transformou-se numa conversa que durou treze horas
ininterruptas. Depois deste encontro estabeleceram uma amizade de aproximadamente
sete anos, durante a qual trocavam informações sobre seus sonhos, análises, trocavam
confidências, discutiam casos clínicos.
Em 1912, por insistência de Freud, Jung tornou-se presidente da Sociedade
Psicanalítica Internacional. Porém, apesar da amizade, Jung não adotou várias das
teorias de Freud, especialmente a de que os problemas sexuais são a base para todas as
neuroses, ou a visão de Freud do complexo de Édipo. Jung tinha sua própria linha de
pensamento, e em 1914, devido às divergências de opiniões, a amizade entre os dois foi
quebrada. Jung desistiu da presidência da Sociedade Internacional de Psicanálise e co-
fundou um movimento chamado Psicologia Analítica.
29
Durante seus 50 anos remanescentes Jung desenvolveu suas teorias, baseando-se
na mitologia, história, viagens e suas próprias fantasias e sonhos de infância. Jung, em
suas longas viagens ao Quênia, Tunísia, ao Deserto do Saara, Novo México e Índia,
entre outros lugares, estudou diferentes culturas e seus povos. Nestas viagens, Jung
formulou sua teoria do inconsciente coletivo, desenvolvendo uma distinção entre este e
o inconsciente pessoal. Em 1921, Jung publicou seu trabalho principal, Tipos
Psicológicos, que trata o relacionamento entre o consciente e o inconsciente e propõe os
tipos de personalidade: introvertido e extrovertido - termos que se tornaram parte de
nosso vocabulário.
Jung escreveu muito, especialmente sobre métodos analíticos e o relacionamento
entre a psicoterapia e a crença religiosa. Seus conceitos e métodos são difundidos por
todo o mundo.
3. 1. 2 - Confronto com o inconsciente
Após a separação de Freud, Jung sentiu o chão desmoronar-se sob os pés. O
sentido da sua vida ficou em primeiro plano. Seguiu-se uma série de sonhos e visões
que forneceram material para o trabalho de toda uma vida. Dir-se-ia que se ele não
houvesse se empenhado na integração de todo aquele material que jorrou qual lava
derretida, teria fatalmente sucumbido a uma psicose. Mas algo nele o impelia a ir
adiante na compreensão de tudo o que se originava naturalmente de seu inconsciente.
Em suas palavras, "Os anos durante os quais me detive nessas imagens interiores
constituíram a época mais importante da minha vida e neles todas as coisas essenciais se
decidiram. (...) Toda a minha atividade ulterior consistiu em elaborar o que jorrava do
inconsciente naqueles anos (...)".
Foi durante essa fase de confronto com o inconsciente que ele desenvolveu o que
chamou de "imaginação ativa", um método de interação com o inconsciente onde este se
investe espontaneamente de várias personificações (pessoas conhecidas e
desconhecidas, animais, plantas, lugares, acontecimentos, etc.).
Na imaginação ativa interagimos ativamente com elas, isto é, discordando,
quando for o caso, opinando, questionando e até tomando providências com relação ao
que é tratado, isso tudo pela imaginação.
30
Ela difere da fantasia passiva porque nesta não atuamos no quadro mental, de
forma a participarmos do drama vivenciado, mas apenas nos contentamos em assistir o
desenrolar do roteiro desconhecido. Pela imaginação ativa existe não só a possibilidade
de compreensão do inconsciente, mas também de interação com este, de forma que o
transformamos e somos transformados no processo.
Um personagem pode nos fazer entender falando explicitamente do motivo de,
por exemplo, estarmos com insônia. Esse enfoque trata a psique como uma realidade em
si, de forma tão literal interiormente, quanto uma maçã nos é real exteriormente, ao
contrário de Freud que insistia em substituir uma determinada imagem por outra de
cunho sexual.
3. 1. 3 - O Inconsciente Coletivo
Uma das teorias pela qual Jung é mais reconhecido é a teoria do inconsciente
coletivo. Essa teoria foi adotada somente por algumas escolas psicológicas.
Segundo Jung, o inconsciente coletivo não deve sua existência a experiências
pessoais; ele não é adquirido individualmente. Jung faz a distinção: o inconsciente
pessoal é representado pelos sentimentos e idéias reprimidas, desenvolvidas durante a
vida de um indivíduo. O inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, ele é
herdado. É um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças compartilhadas por
toda a humanidade.
O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes, chamadas de
arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais. A pessoa
não se lembra das imagens de forma consciente, porém, herda uma predisposição para
reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam.
Sendo assim, a teoria estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, entender e agir de certas formas. Por exemplo, o medo de cobras pode ser transmitido através do inconsciente coletivo, criando uma predisposição para que uma pessoa tema as cobras. No primeiro contato com uma cobra, a pessoa pode ficar aterrorizada, sem ter tido uma experiência pessoal que causasse tal medo, e sim derivando o pavor do inconsciente coletivo. Mas nem sempre as predisposições presentes no inconsciente coletivo se manifestam tão facilmente.
31
Os arquétipos presentes no inconsciente coletivo são universais e idênticos em
todos os indivíduos. Estes se manifestam simbolicamente em religiões, mitos, contos de
fadas e fantasias. Entre os principais arquétipos estão os conceitos de nascimento,
morte, sol, lua, fogo, poder e mãe. Após o nascimento, essas imagens preconcebidas são
desenvolvidas e moldadas conforme as experiências do indivíduo. Por exemplo: toda
criança nasce com o arquétipo da mãe, uma imagem pré-formada de uma mãe, e à
medida que esta criança presencia, vê e interage com a mãe, desenvolve-se então uma
imagem definitiva.
3. 1. 4 – Viver com as fadas
Os contos de fadas abrem-nos as portas para o mundo dos sonhos, mas não
somente. São elementos importantes para a manutenção da chama do inconformismo e
da inquietação, objetivando o alcance a percepção de que a realidade nem sempre é
aquilo que parece. E que temos a possibilidade de transformar essa mesma realidade.
Os contos de fadas nos fazem entender o que de fato encontraremos em nossas
vidas, pois não existe uma vida sem sofrimentos, dificuldades, medos e angustias, mas
se seguirmos o exemplo do herói, que não se deixa abater, sempre lutando indo em
frente, o bem triunfará sobre o mal, saúde sobre a doença, derrotando o vilão na certeza
de que tudo terminará bem.
3. 1. 5 -O que são contos de fadas?
Segundo Bonaventure, J. (1992), etimologicamente a palavra Fada, vem do
latim Fatun que quer fatalidade, destino,oráculo...
Provando esta origem comum, as fadas de todas as nações européias são
nomeadas com termos que provém da mesma origem da mesma origem: Fada
(português), Fée (francês), Faire (inglês), Fata (italiano), Feen (alemão), Hada
(espanhol).
Vale ressaltar que foram os franceses, no século XVII, os primeiros a criar o termo conte de fée, ou conto de fadas, que depois vem a dar em inglês o fairy tale. Antes disso, o conto de fadas não existia propriamente. Havia contos de tradição oral, que iam buscar, de forma muito dispersa, elementos ao mito, às grandes tradições religiosas, a simbólicas de vários tipos, à literatura antiga, à medieval. São contos que evoluem de uma série de elementos sincréticos, que se vão desenvolvendo e constituindo em narrativas.
32
Foi a partir de então que emergiu uma tradição erudita do conto de fadas, que
ganha força com contadores de histórias como Charles Perrault, que a recolhem a partir
da tradição oral e a reescrevem. O conto de fadas moderno, tal como o conhecemos, tem
origem nessa tradição erudita, promovida por pessoas como Perrault, os Irmãos Grimm,
Hans Christian Andersen.
Desta forma, passou a ser uma forma cultural mais elaborada e deixou de ser mera
literatura oral cultivada e transmitida sobretudo pelas populações menos abastadas,
tornando-se assim, uma cultura de salão.
Nessa altura passam registrados, devido à invenção da imprensa (no século XV) e
à crescente alfabetização. As classes elevadas aprendem a ler e tornam-se capazes de
reproduzir, porque se tornou moda, as narrativas orais por escrito.
3. 1. 6 - As histórias falam...
A emoção que as crianças sentem diante de uma leitura abre nelas como que uma
porta...
Os olhos brilham, os sorrisos abrem-se, o rosto ilumina-se, o queixo treme. Algo
se passa, diz o poeta, alguma coisa oscila. E, de repente, nesta “oscilação” do ser,
percebemos certa prontidão para compreender o que se passa.
Os contos de fadas são transmissores de mensagens importantíssimas. Pois, lidam
com problemas humanos universais, especialmente os que vivem “assombrando” o
“espírito” de nossas crianças, encorajam o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que
aliviam tensões.
Estas histórias “alcançam” o núcleo psicológico e emocional. Falam de tensões
interiores de uma maneira que a criança compreende, proporcionam exemplos de
soluções, temporárias ou permanentes, para as situações mais urgentes.
É provável que a palavra imaginação oculte a própria magia. Mais do que magia:
a imagem recuperada e/ou reinventada.
Onde podemos dizer que realmente começa a fantasia e acaba a realidade? Ambas
convergem para um ponto de encontro e compreensão.
33
Concordamos com Bethelheim quando afirma que o conto de fadas tem efeito
terapêutico a medida que a criança encontra uma solução para seus anseios na
contemplação da história ouvida e que a mesma parece agir sobre seus conflitos
pessoais, principalmente neste momento de suas vidas.
As crianças entendem bem a linguagem simbólica dos contos. Pois elas
“inventam” em seu dia-a dia um jogo de faz de conta que , assim como outros jogos e
brincadeiras, que não só as divertem, como as distraem no momento vivenciado. No
qual no qual necessitam de contrapontos para situarem sua própria existência e
equilíbrio.
Acreditamos que quem conta a história também se vê envolvido neste processo,
de busca de equilíbrio. Sendo assim, se faz imprescindível que o profissional que esteja
realizando a contação de história, demonstre prazer e gosto pela atividade desenvolvida,
se faz essencial nunca contar por contar.
A criança hospitalizada revolta-se. E nessa fase qualquer pequena revolta pode ser
profundamente violenta e destrutiva. Deixando sequelas que, se não tratadas
adequadamente e a tempo, podem se tornar permanentes.
A criança separa as pessoas de seu em torno em dois grupos, as boas e as más. É
a sua tentativa de preservação do lado bom contra o lado mau.
Os contos de fadas garantem à criança que dificuldades podem ser vencidas, que o
caminho dos espinhos pode ser desbravado e os perigos mudados, por mais pequeno e
insignificante que seja. E a criança, desprotegida por natureza, sente que também ela
pode ser capaz de vencer seus medos e aceitar suas pequenas desilusões cotidianas, pois
acredita, e deve acreditar, que a semelhança do que acontece nas histórias, seus esforços
em melhorar um dia serão recompensados. Ela percebe que as histórias são irreais, mas
não as aceita como falsas, instintivamente faz a separação entre o bom e o mau, para
assim encontrar seu equilíbrio.
Os contos de fadas ajudam as crianças a identificar seus sentimentos, até os mais
complicados, ambivalentes, conduzindo cada um a seu lugar, evitando confusões.
34
3. 1. 7 - Não nos deixemos enganar pelo silêncio...
Antes do turbilhão de mudanças sofridas pelo indivíduo ao entrar na adolescência,
nossa criança não vive “alienada” ou em um mundo cor-de-rosa.
Aos 3- 4 anos começa a construir o que podemos chamar de “consciência da
morte” e ainda por volta dos 10 anos já a reconhecem como sendo inevitável e
permanente.
Por vezes tentamos fazer de nossas crianças miniaturas de adultos, adaptados ao
mundo real, verdadeiros campeões de adaptação, sempre sorrindo, mesmo que seja um
sorriso falso e/ou triste. Se pensarmos bem é uma situação quase assustadora. Isso pode
provocar certo “recolhimento” em si mesma, “criando” situações de solidão.
“ A solidão da criança é mais secreta que a do adulto”, diz Bachelard em sua
Poética do Devaneio.
São nesses momentos de “solidão”, principalmente, que percebemos o quanto elas
detestam a intromissão e a curiosidade dos adultos. E se tornam excelentes “fugitivas”
de nossos questionamentos. A contação de histórias cria laços. Através da história
contada “partilhamos” com eles alguns dos seus problemas, pois a história fala-lhes de
um outro eu: um personagem que não os angustia e que lhes encoraja a falar. Se
partirmos de uma “distanciação” de tempo, como na histórias que começam por: Era
uma vez...perceberemos que esse distanciamento no tempo também as “desangustia”.
Ao ouvir a história de uma princesa presa a uma torre, sua tristeza começará a se
dissipar e a tendência é que fique mais tranquilo, era tão longe e foi a tanto tempo...,
essa distância fez desaparecer sua angústia.
Diante de um diálogo dos mais difíceis, a história propicia o recolhimento de suas
confidências de uma forma mais eficaz do que a abordagem frontal. Recebemos mais
quando damos, do que quando tentamos tirá-la a força.
Da boca do adulto aos ouvidos da criança, os contos são as primeiras confidências
filosóficas. Pela primeira vez a criança vivencia a experiência do ser universal,
ultrapassando as barreiras/fronteiras do “eu” e o gueto do “ego”... As histórias
funcionam como pontes entre nós e os outros, fazendo com que rompamos o “casulo”
de nosso pequeno mundo.
35
A leitura aberta aos outros, cria um mundo extraordinário de encontros que nos
convida a empatia e a emoção.
Não podemos imaginar até que ponto um livro é capaz de transmitir emoções. A
medida que vão sendo folheados/lidos/contados, propagam a revolta da Cinderela, o
medo da Branca de Neve e o provocam o choro ao descrever o discurso da Menina dos
fósforos ( que lhes fala sobre Deus e do que está para além da morte). A emoção é um
inevitável condutor de idéias.
36
CAPÍTULO IV
BRINCAR, ACEITAR... SARAR
“O homem só é verdadeiramente humano quando brinca.”
(Schiller)
4. 1 -. O processo arteterapêutico
Pain afirma que:
“O trabalho individual é tomado em um tempo de troca de grupo, sendo os
obstáculos encontrados freqüentemente percebidos como a metáfora dos obstáculos do
sujeito em relação com os outros.” (PAIN & JARREAU, 1994, p. 14).
Philippini em Cartografias da Coragem: rotas em arteterapia (2004) diz:
“A hospitalização é uma experiência estressante e
traumática, podendo determinar distúrbios
comportamentais diversos no paciente, que vão da
agressividade à apatia. E como a arteterapia é um processo
terapêutico que almeja a dimensão integral do homem e
ainda os processos de autoconhecimento e de sua
transformação pessoal, pode auxiliar no processo de
hospitalização, prevenindo a instalação de danos
emocionais ao paciente.”
Valadares em Crianças Hospitalizadas (2003) diz: “Na arteterapia, a arte não é
apenas uma forma de auto-expressão, é também um modo de dar ao paciente autonomia
e fazê-lo expressar sua subjetividade, mas cabe ao meio oferecer-lhe oportunidade e
estímulo para esse fim, para que ele possa usufruir desta possibilidade.”
Segundo Philippini (2004) uma, dentre as inúmeras formas de descrever o que é
mesmo Arteterapia, será considerá-la como um processo terapêutico, que ocorre através
da utilização de modalidades expressivas diversas.
37
As atividades artísticas utilizadas configurarão uma produção simbólica concretizada, em inúmeras possibilidades plásticas, diversas formas de cores, volumes, etc. Esta materialidade permite o confronto e gradualmente a atribuição de significado às informações provenientes de níveis muito profundos da psique, que pouco a pouco serão apreendidas pela consciência.
4. 1. 1- A arteterapia e seus materiais
A arteterapia oferece uma gama de materiais: diversos tipos de papéis, figuras,
cola, tesoura, todas as modalidades de lápis, canetas hidrográficas, tintas, massa para
modelar, tecidos, fitas, algodão, madeira, plástico, giz de cera, argila, gesso, sucatas,
etc. Assim como os materiais, a Arteterapia possui, também, várias técnicas – desenho,
pintura, colagem, modelagem, dramatizações, música, trabalho corporal, entre tantas
outras
Por causa desta variedade, o paciente sente-se livre para escolher o que mais
gostar, baseado nas características de cada material.
Cabe ao arteterapeuta trazer para o “setting” terapêutico múltiplos materiais a
fim de que possa se adequar à produção dos pacientes.
Discorreremos agora sobre alguns materiais.
• Argila - Está ligada ao nosso universo cotidiano. Ela é o símbolo de nascimento,
vida e morte. Desta feita, a argila se projeta nos nossos afetos com muito mais
espontaneidade do que qualquer outro material modelável.
De acordo com Oaklander (1980), ela é maravilhosa porque é mole, macia, sensual e
faz sujeira, sendo atraente para qualquer idade.
“Pessoas muito distanciadas do contato com seus sentimentos e que continuamente
bloqueiam sua expressão, geralmente estão fora de contato com seus sentidos. A
qualidade sensual da argila, muitas vezes, oferece a essas pessoas uma ponte entre seus
sentidos e seus sentimentos.” (Oaklander, 1998: 85)
• Material seco – lápis, pastéis, gizes de cera, canetas hidrográficas, marcadores,
são considerados “material seco”, são mais fáceis do paciente controlar do que o
material úmido ou fluido.
• Lápis – ao pedirmos a uma pessoa que faça um desenho, elemento essencial ou a
primeira “ferramenta” que devemos ter em conta é o lápis.
38
Importante seria termos a oferecer lápis variados, o lápis de ponta fina, média e
grossa.
O lápis estimula a firmeza, a objetividade.
• Tintas – seu valor terapêutico é especial, pois da mesma maneira que a tinta flui,
flui também a emoção. As crianças adoram trabalhar com tinta pela sua fluidez e
brilho.
“Oaklander (1998), nos relata que uma vez que a
cor, a tonalidade e a fluidez da pintura se prestam tão bem
a estados de sentimentos, que ela pode pedir a uma criança
que faça uma pintura de como está se sentindo naquele
exato instante, ou como se sente quando está feliz. As
crianças parecem representar sentimentos com tinta com
uma facilidade maior do que qualquer outro meio de
expressão artística.”
A biblioterapia, usando materiais como livros, onde se inclui os contos de fadas,
artigos e panfletos, também é uma técnica facilitadora, permitindo o ajustamento do
paciente em relação a seus conflitos mais íntimos, favorecendo o aumento da auto-
estima, ajudando no desenvolvimento da maturidade adquirindo um conhecimento
melhor de si mesmo, provocando a liberação dos processos inconscientes, entre tantos
outros benefícios.
Ao lidar com materiais que permitem a auto-expressão, o paciente através de
suas produções tem a possibilidade de lidar com seus conteúdos internos de uma
maneira criativa, facilitando o autoconhecimento, por vezes, solucionando seus conflitos
emocionais e se desenvolvendo como pessoa de forma harmoniosa.
Devemos lembrar que no contexto Arteterapêutico, Arte é entendida como processo
expressivo, da forma mais ampla que se puder concebê-lo. Assim não se estará abordando
questões particulares de ordem estética, técnica ou acadêmica, nem vinculações do processo
criativo a qualquer escola artística
39
“As artes aplicadas deveriam assumir o comando e
a terapia da arte é uma arte aplicada. Elas deveriam
mostrar pelo seu exemplo que as artes, para manter a
vigor, devem servir às necessidades humanas reais, que
são muitas vezes mais patentes entre os doentes, sendo
ainda mais visíveis os benefícios que as pessoas doentes
recebem das artes. Demonstrando o que podem fazer pelos
angustiados, a arte nos recorda o que se destina a fazer por
todos” (ARNHEIN, 1989, p. 270).
“A saúde do homem não é comparável puramente
ao equilíbrio fisiológico dos animais, mas é o produto de
múltiplos fatores (biopsíquicos, culturais, sociais,
espirituais) e é, digamos, uma “virtude”, porque esta
capacidade do homem de saber viver não é automática,
mas é uma conquista pessoal, mesmo se condicionada pela
cultura em que o indivíduo vive, pelos modelos de
trabalho, a distração, as relações familiares, a habitação, a
comunicação, a alimentação, a sexualidade e o ambiente
sociológico” (BELLINO, 1997, p.151)
Seria de suma importância que os profissionais de saúde pudessem, e se
dispusessem a parar e refletir sobre suas práticas no atendimento, avaliando
preconceitos ideológicos e vícios contidos em suas abordagens no cuidar do enfermo.
Ao invés de um atendimento seco e robotizado de poder autoritário, teríamos uma
abordagem de conscientização de caráter social e humana.
A humanização vai de encontro às ações pautadas na ética e profissionalismo,
onde o paciente tem o reconhecimento de si como pessoa, tratado com respeito e
dignidade.
40
Philippini (2000) indica que a Arteterapia trabalha com um vasto repertório de
modalidades terapêuticas, as quais possuem propriedades terapêuticas inerentes e
específicas, cabendo no arteterapeuta construir um repertório de informações relativas
cada uma, com o intuito de adequar as modalidades expressivas e materiais às analogias
e quadros clínicos atendidos.
O desenho uma das modalidades expressivas da arteterapia objetiva a forma, a
precisão, o desenvolvimento da atenção, da concentração, da coordenação viso motora e
espacial. Também concretiza alguns pensamentos e exercita a memória, além de estar
relacionado ao movimento e ao reconhecimento do objeto (VALADARES, 2001).
Valadares em Crianças Hospitalizadas (2003) diz: Na arteterapia, a arte não é
apenas uma forma de auto-expressão, é também um modo de dar ao paciente autonomia
e fazê-lo expressar sua subjetividade, mas cabe ao meio oferecer-lhe oportunidade e
estímulo para esse fim, para que ele possa usufruir desta possibilidade. O terapeuta
hospitalar deve ter competência em psicoterapia e no entendimento e compreensão das
linguagens artísticas que utilize, deve ainda proporcionar um espaço de liberdade para
que qualquer conteúdo possa ser colocado e trabalhado, conforme possibilidades do
momento, (diferentemente em grupos abertos e fechados).
4. 2 - Brincar para sarar
Concordamos com Jung quando diz que: “a intervenção psicológica é uma ação em que
o terapeuta deve ter como objetivo”(...) produzir algo eficaz, é produzir um estado
psíquico, em que meu paciente comece a fazer experiências com seu ser, um ser em que
nada é definitivo, nem irremediavelmente petrificado: é produzir um estado de fluidez,
de transformação e de vir a ser.” (Jung, 2002)
Além da Arteterapia, podemos levar em conta o brincar espontâneo, o brincar
permite o contato com o potencial criativo de cada um. Ao brincar a criança se sente
livre, leve, confiante, porém às vezes mesmo triste continua a acolher sensações e
sentimentos que surgem durante o processo.
Durante o brincar a criança deverá ter aprendido valiosas lições, tais como:
alegria, força, espontaneidade, etc.
Vale ressaltar alguns aspectos positivos do uso da arteterapia no período de
hospitalização.
• Melhor elaboração dos conflitos psíquicos através da arteterapia;
41
• Menor resistência aos procedimentos hospitalares e extrahospitalares;
• Aparecimento de de perspectivas futuras na linguagem e nos sonhos;
• Melhora dos quadros depressivos e nos relacionamentos familiares;
• Desenvolvimento do senso estético e crítico;
• Aumento na auto-estima e na sociabilidade;
4. 3 -Sarando com as fadas
Os contos de fadas são contados e recontados a milênios, desde a aurora da
humanidade. Fazem parte do inconsciente coletivo.
Em todas as épocas em todas as culturas houveram contadores de histórias que
através da tradição oral, contavam suas histórias, ensinamentos e culturas aos mais
jovens. Eram pessoas muito respeitadas dentro de suas comunidades, pela importância
atribuída ao ofício que desempenhavam.
No Oriente, o conto de fadas é parte integrante da vivência até mesmo de
adultos. O amor deste povo para com esses contos e a crença nessas histórias é algo
absoluluto. Para eles não há dúvidas de que os contos podem livra-los de infortúnios a
quem os escuta. Ainda hoje hoje pode-se encontrar no oriente o narrador de contos de
fadas profissional.
A função da arteterapia com os contos de fadas é amenizar os problemas
internos e restaurar o significado dos símbolos para as crianças. Diante dos vários
problemas que a criança enfrenta ela necessita de apoio para entende-los e com isso
aprender a lidar com eles.
A história deve prender a atenção da criança, entretê-la, aguça-lhe a curiosidade
e imaginação, interagindo com todos os aspectos de sua personalidade, promovendo a
confiança nela mesma e no futuro.
O conto de fadas, com suas tramas e seus personagens oferecem a possibilidade
de movimentar, transformar, harmonizar a energia psíquica de quem ouve, por isso são
contados desde “muito, muito tempo não se sabe desde quando.” O conto escolhido
pode, usualmente, não ter nada a ver com o problema atual do paciente, mas ter muito
haver com seus problemas anteriores, que parecem, as vezes, inssolúveis e
incompreensíveis.
42
A estrutura básica do conto de fadas refere-se ao processo de individuação,
expressa os obstáculos que precisam ser vivenciados e vencidos.
Podemos dividir esta estrutura em três fases básicas, início, meio e fim. No
início há sempre estranhamento, uma ruptura, um desligamento é onde se identifica a
situação problema, é a infância. Na segunda fase é a tomada de consciência, quando é
percebida a essência da história, havendo confronto que evolui para a tomada de atitude,
descoberta do novo.
Machado, em seu trabalho entitulado – “Arteterapia – Um caminho para a
individuação”, comenta algumas técnicas:
“ A música no ambiente tearapêutico deve ser
capaz de harmonizar a atividades cerebrais e estimular os
níveis integrativos de consciência relativos ao corpo e a
mente. Estas músicas também devem despertar a criação
do indivíduo possibilitando a evocação de imagens
visuais, da imaginação e, através do ritmo, de
movimentos, ações e sensações concretas.”
“ Os contos de fadas são a perfeita expressão do
inconsciente coletivo e o seu simbolismo representa a
comunicação entre o inconsciente e o consciente. A
arteterapia utiliza os contos como facilitadores na auto
descoberta do paciente. Ao contrário do que se pensa não é
usada apenas com crianças, mas com adolescentes e
adultos também. Sempre que o paciente traz um sonho ou
imagem que nos remeta a um conto, é perfeitamente
aceitável narrá-lo. É interessante saber o maior número de
contos possível. Os personagens dos contos podes ser
considerados arquétipos.”
Nosso interesse pelo tema visa verificar como este ato pode ser utilizado para
fins terapêuticos servindo de fator coadjuvante ao tratamento das mais diferentes
enfermidades. Nossa hipótese baseia-se no fato de que desde os primórdios, tenta se
fazer algo a respeito dessa difícil tarefa, que seria dominar o real, a doença.
43
Sobre essa questão talvez ainda tenhamos muito o que aprender, se observarmos
as “respostas” que nos são dadas por nossas crianças hospitalizadas, quando se deparam
com um tratamento diferenciado, que demontra maior preocupação consigo e não com
meros robôs preocupados apenas com o desempenho de uma tarefa mecânica.
Freud analisa a fobia de Hans (1909) demonstrou que não havia necessidade de
mandar a ciança brincar ou lhe oferecer um arsenal de brinquedos. A produção
imaginária do fantasiar, e isso o conto de fadas propicia bastante, se organiza
independente deste artifício (os brinquedos). O que a criança cria é o sentido que ela
pode dar a sua vida naquele momento, não importa como ou com o quê.
44
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante todo nosso trabalho tivemos como objetivo mostrar a importância da
arteterapia no atendimento às crianças hospitalizadas, promovendo um processo de
transformação interior, que conduz à cura.
Partindo de diferentes abordagens, priorizamos o trabalho com a contação de
histórias, principalmente dos contos de fadas, demonstrando assim que a arteterapia
abre caminhos para a espontaneidade e para a criatividade, auxiliando assim na
“aceitação” da doença por parte da criança. Encarando-a como momentoto transitório e
superável, focalizando assim sua atenção na saúde.
Sendo assim, consideramos a criação de espaços, onde possam ser desenvolvidas
atividades arteterapêuticas como elemento primordial no processo de superação da dor e
da enfermidade.
Observamos durante nosso trabalho, de coleta de informações, que algumas
unidades hospitalares, citadas no material lido, já efetivaram algumas mudanças e a
partir das mesmas puderam ser observadas as dierenças, não só na postura e/ou conduta
dos pacientes como também no ambiente de trabalho que acaba por se tornar mais
acolhedor e menos traumático, propiciando dessa forma um bem estar geral que conduz
a um processo de cura mais ágil e eficiente.
45
CONCLUSÃO
Ao término de nosso trabalho de revisão bibliográfica pudemos concluir que a
Arteterapia é um processo terapêutico que envolve a utilização de várias técnicas
expressivas, com uma grande gama de materais que servem a materialização de
símbolos.
No hospital o espaço terapêutico pode ser determinante para a humanização das
relações, facilitando o tratamento, diminuido resistências e criando um ambiente mais
propício e menos traumático. Dessa forma conseguir-se-a o pronto restabelecimento do
interno, de maneira rápida e eficaz.
Somente assim pode-se contribuir com a melhoria da qualidade da saúde de nossa
população, além de proporcionar, economia de recursos tanto materiais como
financeiros, tratando o “mal” o mais precocemente possível.
Os profissionais envolvidos devem trabalhar prioritariamente, na manutenção da
saúde e não simplesmente na cura.
Nossa proposta como arteterapeutas é desenvolvida a partir das concepções de
atenção integral a saúde, tendo como critérios os cuidados com a manutenção da saúde,
a avaliação das condições de saúde, a promoção da saúde e a prevenção do adoecer.
Neste trabalho enfocamos o conto de fadas como recurso de alívio da pressões
externas do indivíduo, permitindo que fatos do inconsciente aflorem e sejam
simbolizados e configurados em imagens, devendando conflitos, afetos reprimidos,
ampliando as possibilidades de confrontar o vilão, que é a doença e representar o herói,
como a si próprio ou os elementos da cura.
Se alguém está convencido de que suas chances de melhora são grandes, terá mais
envolvimento no processo de cura.
46
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Marco Antonio Chaves de. Projeto de pesquisa: guia prático para
monografia. 3ª Ed. – Rio de Janeiro: WAK, 2004
ARNHEIM, Rudolf. Intuição e Intelecto na Arte. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
BÉDARD, Nicole. Como interpretar os desenhos das crianças. São Paulo: ISIS, s/d.
BELINO, Francisco. Fundamentos da Bioética - Aspectos Antropológicos, Ontológicos e
Morais. S. Paulo. EDUSC. 1997.
BOMTEMPO, Edda: ANTUNHA, Elsa Gonçalves; OLIVEIRA, Vera Barros de. (org.):
Brincando na escola, no hospital e na rua. 2ª Ed. Rio de Janeiro. WAK, 2008.
COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com crianças. Rio de Janeiro: WAK, Ed. 2005
LAROSA, Marco Antonio & AYRES, Fernando Arduini. Como produzir uma
monografia passo a siga o mapa da mina. 6ª Ed. Rio de Janeiro, 2005
MEDEIROS, Adriana & BRANCO, Sonia. Contos de fadas: vivencias e técnicas em
arteterapia. Rio de Janeiro: WAK Ed. 2008.
OLIVIER, Lou de. Psicopedagogia e arteterapia: teoria e prática na aplicação em
clínicas e escolas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2008
OSÓRIO, Vânia. Texto Arte Identidade e Cidadania – Arte Terapia – Imagens da
Transformação. Rio de Janeiro. Pomar. Rev. n.5 – setembro/ 1998.
PAIN, Sarah; JARREAU Gladys. Teoria e Técnica da Arte-terapia – A compreensão do
Sujeito. Porto alegre. Artes Médicas. p. 45, 1996.
47
PHILIPPINI, Angela. Cartografias da Coragem. Rio de Janeiro. WAK. 2004.
SILVA, Luciana Pellegrini Baptista Silva (org.) Bruxas e fadas, sapos e príncipes: os
contos de fadas em experiências arteterapêuticas. Rio de Janeiro: WAK Ed 2006.
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens.
4ª Edição: WAK Ed. 2008.
VALLADARES, A. C. A. Arte-terapia no contexto hospitalar pediátrico. Rev. Arte-terapia:
Reflexões, São Paulo, ano 5, n. 4, p. 20-25, 2000/2001.
___________________. Arteterapia: cores da saúde. In. JORNADA GOIANA DE
ARTETERAPIA, 1., 2001, Goiânia. Anais. Goiânia: FEN/UFG/ABCA, P. 11- 17, 2001.
WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. 5ª Edição.
Rio de Janeiro. Zahar Editores.
48
WEBGRAFIA
http://arteterapiacomkira.blogspot.com/2007/08/o-que-arteterapia.html
http://desciclo.pedia.ws/wiki/Contos_de_Fada
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_terapia
http://www.amigodaalma.com.br/conteudo/artigos/contos_fadas.htm
http://www.arteseterapias.com/site/index.php/page/5.html
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=29&id=342
http://www.mariuzapregnolato.com.br/pdf/artigos/a_importancia_dos_contos_de_fadas
_na_formacao_da_personalidade.pdf
http://www.marlytocantins.com.br/arteterapia.htm
49
ÍNDICE SUMÁRIO 06
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - O ESPAÇO HOSPITALAR 11
CAPÍTULO II - ARTETERAPIA: UM BREVE HISTÓRICO 18
CAPÍTULO III-A ARTETERAPIA COMO OPÇÃO NO ESPAÇO HOSPITALAR26
CAPÍTULO IV– BRINCAR, ACEITAR... SARAR 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
CONCLUSÃO 45
BIBLIOGRAFIA 46
WEBGRAFIA 48
ÍNDICE 49
FOLHA DE AVALIAÇÃO 50
50
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Pós graduação “Lato Sensu”
Título: BRINCAR, ACEITAR...SARAR
ARTETERAPIA E HOSPITALIZAÇÃO
Autora: Paulete Jardim Castro Data da entrega: 07 de fevereiro de 2009 Avaliado por: Profª. Ms. Mary Sue Carvalho Pereira
Conceito______________