cursos online · pdf filepartir desse novo olhar, ... há uma forma: educando o olhar....

100
1 Cursos Online EDUCA www.CursosOnlineEDUCA.com.br Acredite no seu potencial, bons estudos! Curso Gratuito Introdução à Educação Carga horária: 60hs

Upload: vuongnhu

Post on 11-Mar-2018

218 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

1

Cursos Online EDUCA

www.CursosOnlineEDUCA.com.br

Acredite no seu potencial, bons estudos!

Curso Gratuito

Introdução à Educação

Carga horária: 60hs

2

Conteúdo

Sobre a Educação do Olhar na Escola

Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e Não Vê

Prática educativa, Pedagogia e Didática

Educação, instrução e ensino

Educação escolar, Pedagogia e Didática

A Didática e a formação profissional do professor

Educação, o que é isso?

Educação Formal X Educação Informal

Educação como Produto X Educação como Processo

Educação Certa X Educação Errada

Educação como Meio X Educação como Fim

Educação como Prática Individual X Educação como

Prática Coletiva

Educação Autoritária X Educação Democrática

Educação Opressora X Educação Libertadora

Educação Reprodutivista X Educação Crítica

Como Melhorar a Comunicação Professor-Aluno

Novas Competências para Ensinar

Bibliografia/Links Recomendados

3

Sobre a Educação do Olhar na Escola 1: A recepção muda tudo: Sobre a Educação do Olhar na Escola

1.1 . Lições sobre o “Olhar”

(Obra de Giuseppe Arcimboldo[1])

“Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão.”

Edgar Morin

Ao iniciar este texto, apresentamos um desafio. Olhando para o quadro acima, podemos afirmar que o que pensamos que vemos é realmente o que vemos? É possível afirmar que não há erro ou ilusão na interpretação do nosso olhar? O que vemos no quadro acima? Será um recipiente de ferro (ou de outro material) contendo legumes e hortaliças? Têm certeza?

4

Por favor, ponham esta página de ponta-cabeça e observem novamente a figura. E então? Como vocês puderam observar, o quadro acima reproduz um recipiente com legumes e hortaliças, mas também reproduz a figura de um homem – depende do ângulo de onde observamos a figura, depende do ponto de vista do nosso olhar.

Se olharmos mais uma vez para a figura, agora sabendo que há a imagem de um homem, nosso olhar será imediatamente atraído para os dois pontos que representam os olhos, e deixaremos de ver os legumes e hortaliças ou de apenas vê-los como parte de um conjunto de alimentos. Eles serão, a partir desse novo olhar, partes constituintes de uma figura de homem. Tudo isto porque o nosso olhar focaliza um ponto especial – os olhos. Os legumes continuam ali, expostos ao nosso olhar, mas não os registramos mais conscientemente.

Após as observações acima, é possível supor que:

nem tudo o que pensamos ver, realmente vemos; nem sempre temos a consciência da visão de tudo o que

olhamos;

nem sempre vemos a totalidade do que é objeto do nosso olhar;

nem sempre esgotamos nossas possibilidades de olhar um objeto para criar conceitos sobre ele;

nem sempre refletimos sobre o nosso ato de olhar.

Com esta constatação, concluímos que olhar é um ato nada banal, na verdade, bastante complexo e, por isso mesmo, necessitando ser analisado com profundidade. Especialmente, se colocamos a questão no âmbito educacional e, mais especificamente, no âmbito escolar.

5

Refletir sobre o olhar é a proposta que trazemos para este momento. E dentro desta proposta, queremos considerar os vários significados do olhar. Entre eles, os que apresentamos a seguir:

Eu vi o cheiro do boi. Eu vi cheiro de pasto maduro, crestado, amarelado.

Trecho do poema “Evém boiada!”, de Cora Coralina[1]

De uma praia do Atlântico

Se o olhar visse curvo, como se diz que é o espaço, olhando a sudoeste de meu atual terraço, (...) João Cabral de Melo Neto[2]

Assim como os poetas citados, entendemos o olhar como um modo de ver que vai além do olhar primário, do olhar que só alcança as coisas imediatas e próximas. Entendemos que o ato de olhar envolve também o resgate de lembranças sinestésicas que estão guardadas em nosso interior. Assim, olhar é também usar os olhos da alma, do desejo, do sonho, da fantasia, da sensibilidade, porque olhar é ver com o “corpo todo”. Assim pensamos porque acreditamos, como Lorca[3], que “nos olhos se abrem / infinitas veredas”. Mas que em momento algum se pense que estamos defendendo a idéia de um olhar romântico, ingênuo, acrítico, pois se acreditamos no ato de olhar que se volta para o interior, é porque consideramos que isto vai nos ajudar a olhar criticamente para o exterior. Com um múltiplo olhar – enriquecido pelos nossos diferentes sentidos – poderemos refletir melhor sobre as coisas que nos são mostradas, poderemos observá-las sob

6

vários ângulos e, com isto, identificar as intenções que subjazem nas exposições que ocorrem nos espaços sociais.

Mas como alcançar esta competência? Como desenvolver a habilidade de ver criticamente e também com emoção? Só há uma forma: educando o olhar. E para educá-lo, precisamos, inicialmente, pensar sobre algumas questões, a saber:

1. Como se realiza, cientificamente, o ato de olhar?

2. Como identificar, nas interações sociais, as intenções implícitas no aparentemente inocente ato de expor imagens ao nosso olhar?

3. Como relacionar, ao ato de olhar, as questões referentes à estética e à ética?

4. Como desenvolver a capacidade de olhar?

5. Como levar todas estas reflexões para o cotidiano da escola?

[1] CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias

mais. 4ª. ed. São Paulo: Círculo do Livro, 1991, p. 91. [2] MELO NETO, João Cabral de. Museu de tudo e

depois (1967 – 1987). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 264. [3] LORCA, Federico García. Os olhos. In: Obra poética

completa. 3ª. ed. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1996, p. 591.

[1] Pintor italiano do séc. XVI (1527 – 1593).

1.2 . A Arte de Educar o Olhar

Como educar o olhar? Como torná-lo capaz de perceber significados e construir relações? Como desenvolver a

7

capacidade de ver estética e eticamente as imagens que nos circundam? Cultivando a arte de ver.

Pensemos, primeiramente, em desenvolver nossa “visão divergente” que, em Pedagogia, conforme nos informa Yunes e Agostini[1], “representa uma visão múltipla das coisas, uma visão não bitolada ou enquadrada”. Uma visão que nos capacita a usufruir esteticamente as imagens e a usar a criatividade nas diferentes situações da vida. Segundo os autores citados acima, a escola não estimula nem desenvolve nas crianças a visão divergente.

Pelo contrário, leva-as para a ‘visão convergente’, a visão domesticada, centrada, unilateral e massificada, típica do adulto ‘normal’, ‘bem-adaptado’, conformista, conservador, sem brilho, sem cor e sem caráter. (Yunes Agostine, 1998)

Embora não pretendamos, agora, discutir a relação olhar

crítico X escola, fica registrada a observação acima para posterior retomada neste trabalho. Pensemos agora sobre o nosso “olhar divergente”. Até que ponto nós o temos cultivado? Até que ponto temos permitido que nossos olhos se abram para “infinitas veredas”?

Ainda segundo Yunes e Agostini,

o ser humano é múltiplo, dispõe de várias maneiras de perceber o real ou a vida. Os aspectos afetivos não estão dissociados do intelecto e da inteligência (...)”. Uma das formas de educar o olhar, portanto, é permitir que nossas emoções participem da nossa visão cotidiana das coisas, ou seja, exercitando cada vez mais a nossa “visão divergente. E, para tanto, podemos nos valer das artes: literatura, pintura, escultura, música, fotografia, dança, dramatização e todas as outras artes que com elas se entrelaçam.

Segundo Costa[2], a arte penetra em nós através da porta da sensibilidade, mantendo aberto esse canal com nossa natureza mais instintiva e – por que não? – animal. A cada

8

emoção ou prazer que resulta do contato com o belo, nossos sentidos se renovam e se apuram num processo infindável de aprofundamento e recriação. A cada momento de arte, nos tornamos mais aptos à captação da beleza do mundo e de seus significados. A arte se opõe ao mergulho no individualismo egoísta. Trabalha o incrível paradoxo de, tendo suas raízes na subjetividade e na interioridade, só se realizar em comunicação com o outro e com o mundo. Exige eco e comunicação, exige diálogo e controvérsia. Assim, mantém livres nossos canais de comunicação com o outro, ao mesmo tempo em que aprimora a consciência que temos de nós mesmos. É fonte inesgotável de interpretação e sentido. Por mais que nos detenhamos em sua observação, decifração e entendimento, mais nos confrontaremos com novas aparências e significações. E mesmo mantendo laços estreitos com seu tempo e seu espaço, a arte atravessa a história e se apresenta virgem a novas

interpretações.(Costa, 1999) Segundo De Masi[3] (2000), um dos momentos que assinalaram a passagem da nossa condição de animal a homem foi aquele em que, no nosso processo evolutivo, pudemos conceituar o belo. Desde os primeiros desenhos nas cavernas, o homem utilizou a capacidade estética para registrar as suas impressões do mundo, diferenciando-se dos outros animais, conquistando a sua condição humana e a felicidade. Isto porque, segundo o autor, “entre todas as formas de expressão humana, a estética é aquela que, mais do que qualquer outra, é responsável pela nossa felicidade”. (De Masi, 2000) Associando as idéias de Costa (1999) e de De Masi (2000), entendemos que a arte nos humaniza e, ao mesmo tempo, nos proporciona uma sensibilidade tão intensa que pode despertar nossas emoções mais selvagens, criando um feedback para múltiplas renovações do homem. Educando o nosso olhar através da arte, estaremos sempre ratificando a nossa condição humana. Nosso olhar, entretanto, não é apenas estimulado por imagens que produzem prazer estético ou só prazer estético.

9

Conforme já foi observado neste texto, vivemos um tempo de saturação de imagens.

Somos, a todo momento, levados a enfrentar novos desafios, que nos exigem uma visão mais crítica e abrangente dos recursos que nos cercam, imprimindo uma nova ordem ao tempo e ao espaço em que vivemos. (Caboclo[4], 1995). São muitas as mídias que veiculam imagens e mensagens. Precisamos aprender a olhá-las em suas especificidades, interpretá-las criticamente e usufruir dos seus benefícios.

Segundo Kellner[5], precisamos desenvolver um alfabetismo crítico em relação à mídia e construir competências para a leitura crítica de imagens. Para ele, Ler imagens criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas. (Kellner, 1995) Analisando as imagens e mensagens veiculadas pela publicidade, Kellner considera que esta exerce uma ação pedagógica sobre as pessoas, ensinando-lhes o que precisam e devem desejar, pensar e fazer para alcançar o prazer e a felicidade. Para ele, a publicidade veicula e inculca nos indivíduos uma visão de mundo, uma ideologia de vida, valores e comportamentos que aparentemente trazem satisfação imediata.

Para neutralizar a influência ideológica da publicidade e escapar dos apelos do consumo precisamos, segundo o autor, desenvolver “competências emancipatórias”. Precisamos, ainda, “compreender como os textos culturais funcionam, como eles influenciam e moldam” nossos comportamentos.

É importante frisar que não consideramos os indivíduos totalmente desarmados para o “ataque” da mídia. Sabemos que é grande o poder de influência das imagens e mensagens veiculadas pela publicidade e pelos diferentes veículos de comunicação, mas também acreditamos, como

10

Certeau[6] (1995), que é difícil estabelecer o grau de influência que elas exercem sobre os indivíduos, uma vez que não sabemos ao certo as maneiras de uso adotadas pelos consumidores em relação aos produtos culturais oferecidos. Estes conhecimentos, contudo, não nos isentam de incentivar a reflexão e a conscientização acerca da influência da mídia e das estratégias que podemos articular para neutralizar essa influência. Também é importante observar que vivemos em uma sociedade do espetáculo, e que nessa sociedade todos os assuntos são apresentados como se fizessem parte de um show. Já não é fácil discernir o real do ficcional. Amor, morte, guerra, futebol, tragédia, comédia, tudo faz parte de um espetáculo cotidiano que não tem trégua. E nesse espetáculo, muitas vezes perdemos a capacidade de discernir criticamente os fatos. As coisas, segundo Chiavenato[7] (1998), “passam a ser o que aparentam. E aparentam ser pela imagem que transmitem”. Muitas são as imagens e elas nos transmitem a ideologia da mercadoria: tudo é consumível e deve ser consumido. Segundo Lefebvre[8] (1991), essa ideologia “substitui o que foi filosofia, moral, religião, estética”. Nada mais importa a não ser realizar os desejos despertados pelas mensagens de consumo. Consumo de objetos, de drogas, de sexo, de ilusões e de vidas. Como olhar para essas mercadorias, como assistir ao grande espetáculo da sociedade (e participar dele!) e como usufruir dos bens culturais sem perder a capacidade de fazer leituras críticas sobre os fatos e, a partir delas, realizar intervenções éticas?

Acreditamos que um caminho é não acreditar sempre no que nos mostra o nosso olhar, seja sob que ângulo estejamos “olhando” os fatos. É preciso sempre criar outros ângulos, refletir sobre as imagens que observamos a partir desses novos ângulos e entender que nada pode ser olhado maniqueisticamente: o bem e o mal (e o que é bem para uns nem sempre o é para todos) estão em todas as coisas e precisamos saber usufruir de cada coisa aquilo que ela

11

apresenta de construtivo. Nesse sentido, o que primeiro precisamos fazer é procurar conhecer tudo o que nos cerca, desvendar seus mistérios, penetrar em suas fortalezas, derrubar seus muros.

Começamos, neste trabalho, recordando o mecanismo do olhar. Verificamos como esse mecanismo é aproveitado e explorado pela propaganda e pela mídia. Refletimos sobre a importância das Artes e da consciência crítica em nossas vidas. Compreendemos que são múltiplos os meios de veicular imagens e que, por isso, múltiplas devem ser nossas estratégias de interpretação.

Não podemos esquecer, também, da importância que se deve dar à observação dos diferentes modos de veicular ideologias, valores, estética e ética utilizados pelo cinema, pelo teatro, pelo rádio, pela televisão, pela internet, pelos jornais, pelas revistas, pelas músicas, pelas crônicas, pelos romances, pelos poemas, pelas charges, pelos quadrinhos, pelos comerciais, pelas comidas, pelos livros didáticos, pelos mapas e atlas, pelas disciplinas escolares, e ainda pelos pregadores religiosos, pelos artistas, pelos educadores, pelos políticos. Somente olhando-os de forma crítica é que poderemos identificar o lugar onde eles se colocam para veicular suas mensagens e que relação esses lugares e essas mensagens estabelecem com os nossos conceitos de gênero, raça, cidadania.

Por fim, precisamos descobrir as formas de desconstrução das estratégias usadas por esses veículos e indivíduos, para que possamos, quando necessário, enfraquecer seus discursos e fortalecer discursos mais compatíveis com um pensamento planetário de solidariedade e de valorização humana.

12

1. 3. Como Promover e Praticar a Educação do Olhar e do Pensar na Escola?

Segundo Coutinho[9] (1998), Cada lugar tem a sua maneira própria de ser, de se constituir, de apresentar e de se representar. A escola é um lugar como outro qualquer e também tem suas feições. Mas uma de suas características básicas é a de poder metamorfosear-se numa porção de outros lugares. Assim, a sala de aula pode vir a ser um palco de teatro ou uma sala de cinema. Tudo fica a depender da capacidade criadora de professores e alunos.

A escola pode ser ainda outros lugares. O lugar da utilização e da produção de vídeos; o lugar da leitura, análise e produção de jornais, revistas, poemas, charges. A escola é o espaço privilegiado para a reconstrução dos discursos e das imagens veiculadas nos diferentes espaços sociais.

E mais. A escola é o lugar privilegiado para promover a educação. E não podemos confundir educação com repasse de informações. As informações estão em todos os lugares e são tantas que a escola nem pode ter a pretensão de transmiti-las. Não pode, principalmente, desperdiçar o tempo e o espaço de que dispõe para educar. E educar, para nós, corresponde ao conceito adotado por Morin[10] (1999): Educar é estar mais atento às possibilidades do que aos limites. Estimular o desejo de aprender, de ampliar as formas de perceber, de sentir, de compreender, de comunicar-se. Apoiar o estado de prontidão para aprender dentro e fora da escola, em todos os espaços do nosso cotidiano, em todas as dimensões da vida,. estar atento a tudo, relacionando tudo, integrando tudo. Conectar sempre o ensino com a pessoa do aluno, com a vida do aluno, com a sua experiência. Educar é procurar chegar ao aluno por todos os caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações), pela multimídia. É partir de onde o aluno está, ajudando-o a ir do concreto ao

13

abstrato, do imediato para o contexto, do vivencial para o intelectual, integrando o sensorial, o emocional e o racional. O emocional é um componente fundamental da compreensão e do ensino. (Morin, 1999)

Tendo como suporte as falas de Coutinho e Morin, pretendemos enfatizar a importância da escola no processo da educação do olhar, que – como já deve ter ficado evidente – foi, em alguns momentos, a metáfora que usamos para falar de uma educação escolar crítica, atenta, interligada aos outros espaços educacionais, dispondo de professores aptos a “utilizar pedagogicamente as tecnologias na formação de cidadãos que deverão produzir e interpretar as novas linguagens do mundo atual e futuro”[11]. Como última sugestão para desenvolver um novo olhar sobre a educação, trazemos a contribuição de Gadotti[12] , que propõe a ecopedagogia:

A ecopedagogia pretende desenvolver um novo olhar sobre a educação, um olhar global, uma nova maneira de ser e de estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido a cada momento, em cada ato, que ‘pensa a prática’(Paulo Freire), em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do olhar e do comportamento. (Gadotti, 2000)

Não podemos nos conformar em ser ou em educar pessoas para se tornarem indivíduos “bem-adaptados”, passivos, manobráveis, burocratizados. Precisamos cultivar e incentivar nossos alunos a cultivar não apenas a visão divergente, como também, e principalmente, o espírito divergente.

Não podemos também, e isto é fundamental, fazer o discurso do olhar divergente e praticar o olhar convergente, conformista, conservador e sem brilho, durante as nossas

14

ações cotidianas na escola. Precisamos mudar os ângulos do nosso olhar em relação aos nossos colegas, aos nossos alunos e ao nosso trabalho. Focalizar as fóveas não apenas nos anjos ou apenas nos demônios, mas atentar para o que fica relegado a uma visão periférica.

Talvez refletindo mais sobre a arte de ver e procurando exercitá-la a todo o momento, não soframos mais aquela dor sem explicação, aquela sensação de fracasso que muitas vezes acompanham o nosso trabalho. Dor e sensação que talvez sejam provocadas pelo registro inconsciente que fazemos da decepção estampada nos rostos dos nossos alunos. Um registro que as nossas fóveas não vêem, mas que os nossos bastonetes conduzem para as profundezas da nossa mente.

Para encerrar, plagiando Che Guevara, diríamos que é necessário divergir, mas sem jamais perder a ternura. Que, sem perder o prazer estético de produzir e admirar o belo, sejamos sempre praticantes e defensores da ética em todas as situações de interação com os homens e com a natureza.

1.4 . O que é Pensar?

Um texto que consideramos excelente para compreender a importância de se pensar nos é o oferecido por Rubem Alves e se intitula “As Receitas”(2000).

Quando eu era menino, na escola, as professoras nos ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça

15

do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançarem sobre a tela... Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era a pergunta que o professor de Filosofia havia proposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só pode alçar vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas permitem entrar pelo mar do desconhecido. E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem de pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saberem voar, têm que aprender a caminhar sobre a terra firme. Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão deste saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe...”. E o mais curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar.”(...) Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer. Não é coisa que eu tenha inventado. Foi-me ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração – à espera de que o teclado desejo de novo o chame do seu lugar de esquecimento. Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas

16

são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o passado critalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se, então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se sabe. (Alves, R., 2000: 77)

Ousando conversar com o texto, logo de início, Alves nos mostra quão simplista e equivocado pode ser o discurso da escola quando omite a importância do processo de construção e prevê sucesso sem laboração. O processo de pensar requer um exercício constante de investigação e análise, portanto, que não está pronto, concretizado a priori. Ele enfoca, também, a contradição do discurso que acaba por nos induzir a erro de interpretação, quando nos fala que não é por ser dono de uma casa que vende tintas que nos tornaremos pintores, mas, sim, quando as idéias dançantes na cabeça do pintor derem forma à tela, através da utilização das tintas para expressá-las (Alves, R., 2000: 77) levando-nos a perceber que nem sempre o óbvio é ou está óbvio, pois, assim como acontece com as tintas, o mesmo se dá em relação às demais idéias que compõem o imaginário social, político, econômico, educacional..., pois são as idéias – o bem mais precioso produzido pelos indivíduos - que constroem o mundo que temos e, ainda, o que queremos ter. Einstein já dizia que o importante não é dar boas respostas, mas, sim, fazer grandes perguntas. A partir desse pressuposto, cabe-nos pensar se estamos oferecendo situações que levem o sujeito a pensar e expressar suas idéias e conjecturas sobre os fatos e os dados apresentados, no seu cotidiano, aprendendo a lê-lo criticamente,

17

questionando e propondo situações de superação de suas problemáticas existenciais.

A seguir, nos propõe a crucial pergunta:

O que é pensar?”, dizendo que o professor de filosofia teve a genial sensibilidade de não respondê-la, pois se o fizesse, teria cortado as asas do pensamento, não permitindo que alçasse vôo sobre os mares do desconhecido, exercitando o pensamento (Alves, R., 2000: 78). Cabe-nos perguntar, se estamos possibilitando o pensar sobre as coisas, os objetos, os fatos e as situações ou se estamos apenas propondo reproduções, transmitindo informações já elaboradas, destituídas de sentido, implicando, inclusive, a perda do significado original.

Se, por um lado, pensar requer que tenhamos conhecimentos construídos anteriormente para nos dar sustentação para caminhar, esses saberes não nos podem aprisionar constituindo-se em verdades absolutas. Ao contrário, eles devem propiciar que possamos reelaborar permanentemente nossos pontos de vista, acompanhando a “história do presente”, mas sem perder a dimensão do olhar prospectivo (visão de futuro).

Por outro lado, pensamos por cadeia de idéias e associações múltiplas, tentando estabelecer conexões de sentido, usando alguns referenciais mais ou menos estáveis, aos quais recorremos, de memória, para conhecer mais e melhor. Daí a relevância do exemplo da moqueca do texto de Rubem Alves que enfatiza a memória de “longa duração”, termo usado pela professora pesquisadora Elvira Souza Lima para definir aquela memória que, plena de sentido, é inesquecível, em nada se confundindo com a memória de curta duração ou memorização.

A “memória de sentido”, como decidimos denominá-la, não se esgota em si mesma, servindo como base para a redimensão do próprio pensamento.

18

Isto nos leva a afirmar que não é a quantidade de informações “memorizadas” que determina a constituição do conhecimento, mas a forma como lidamos com estas informações – sendo águias ou tartarugas – como sugere Rubem Alves.

Ainda bem que a história não pode parar o curso do tempo e no tempo tudo pode se transformar, possibilitando a existência de uma nova ordem, muitas das vezes mais produtiva e que exige mais que perfeição milimétrica; mas que acaba por proporcionar situações que nos permitem privilegiar a criatividade, o talento, através da capacidade ética de relacionamento interpessoal satisfatório, contribuindo para a construção de um mundo melhor para se viver.

Isto nos remete à música cantada pela cantora Simone, intitulada “Como Será o Amanhã?”, de Gonzaguinha, que nos mostra a possibilidade de construir um espaço-tempo, voltado para a superação das relações adversas existentes no hoje, conhecendo, entendendo, pensando, refletindo e avaliando as mesmas, buscando as razões que lhe deram sustentação de existência no passado, para poder compreender suas causas e efeitos, podendo sempre propor novos caminhos, a serem trilhados por quem acredita no amanhã, sabendo que estão sujeitas à transitoriedade dos fatos, dos valores, das práticas.

Quando se acredita que o ser humano é capaz de sentir felicidade e de demonstrá-la ao fazer as atividades mais simples da vida, fica registrado, de modo inequívoco, que possui um coração simples, puro e receptivo às coisas que lhe possibilitam alçar vôos de imaginação, criar fantasias e quem sabe, um dia, transformar seus sonhos, sua utopia, em algo concreto, a partir de suas crenças em torná-los realidade.

Em contrapartida, se fizermos como nos sugere a fábula do elefantinho, que visão de homem e de mundo estaremos querendo formar? Cabe-nos, aqui, pensar sobre a sua mensagem.

19

Um treinador de circo consegue manter um elefante aprisionado, porque usa um truque muito simples: quando o animal ainda é ‘criança’, ele amarra uma de suas patas em um tronco muito forte. Por mais que tente, o elefantinho não consegue soltar-se. Aos poucos, vai se acostumando com a idéia que o tronco é mais poderoso que ele. Quando adulto, e dono de uma força descomunal, basta colocar uma corda no pé do elefante e amarrá-la em um graveto que ele nem tenta libertar-se, porque se lembra que já tentou muitas vezes e não conseguiu. Assim como, desde criança, nos acostumamos com o poder daquele tronco, não ousamos fazer nada. Sem saber que basta um simples gesto de coragem para descobrir toda a nossa liberdade. (Paulo Coelho)

Será educar sinônimo de adestrar? Será educar sinônimo de treinar? Ou de condicionar? Ou de subjugar? Algumas práticas pedagógicas parecem acreditar que sim. Mas a Pedagogia para o Amanhã insiste que não. Por ela apostar, radicalmente, na ampliação permanente do olhar, define educar como o processo dinâmico, contínuo, dialógico e dialético de construção de conhecimentos pertinentes, plenos de significado e sentidos, em constante transformação, no tempo-espaço-histórico-social, em busca sempre do aperfeiçoamento da existência humana.

Não é necessário que haja, apenas, uma grande quantidade de informações para se fazer um indivíduo apto a desenvolver sua própria aprendizagem. Não será, também, trazendo-o preso a amarras, mesmo que já não se façam fisicamente presentes, que vamos garantir sua melhor performance. É indispensável que se comprometa consigo mesmo, avaliando suas funções sociais e, com seriedade, busque defender conceitos que lhe dêem condição de exercer sua cidadania, comprometendo-se, íntegro e cônscio da necessidade de sua participação social, frente à formação de outros cidadãos.

20

Comungamos com Paulo Freire, quando nos afirma que o que mais o seduz é a beleza da pessoa humana brigando para ficar melhor.

Urge que nos conscientizemos da importância de sermos docentes, mas não apenas docentes, mas principalmente seres humanos, pois só assim poderemos facilitar a aproximação dos demais, identificando-nos com eles, ajudando-os a descobrir sua singularidade, oferecendo situações de aprendizagem que superem a simples transmissão de conhecimentos.

... É preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas boas, para que o corpo se levante e se disponha a lutar. Porque o corpo não luta pela verdade pura, mas está sempre pronto a viver e a morrer pelas coisas que ele ama. Na sabedoria do corpo, a verdade é apenas um instrumento, um brinquedo do desejo. (Rubem Alves)

Devemos, pois, oferecer atividades em que possam falar e ouvir a respeito das realidades próprias, próximas e distantes, podendo lê-las e relê-las, através de suas falas e silenciamentos, ou seja, da polifonia produzida pelos diferentes parceiros que se inter-relacionam, de forma direta ou indireta, lidando e criando saberes, em suas trocas de experiências, em suas reflexões, compondo e propondo novas questões que os levem a perceber a necessidade de estar sempre presentes no processo dinâmico da construção do conhecimento, pois sabemos que

O futuro não é uma coisa escondida na esquina. O futuro a gente constrói no presente.” (Paulo Freire)

21

Assim, o professor precisa ter:

a) humildade para estar aberto às questões do hoje (de cunho os mais variados), às mudanças e novas propostas que permitam entender o “aqui e agora”, através da certeza do seu inacabamento e de suas possibilidades para propor e tecer novos paradigmas, que ajudem a compor soluções plausíveis, melhorando a qualidade de vida em sociedade e criando, assim, um novo amanhã;

b) respeito por seu pares, nas relações ética e estética, pelas descobertas científicas e tecnológicas (que compõem o patrimônio da humanidade), bem como pelas diferentes culturas, hábitos, costumes, valores, modos de se relacionar, atitudes diferenciadas (nem melhores, nem piores umas das outras), mas reconhecendo que são apenas diferentes entre si e satisfatórias para aqueles que delas participam;

c) confiança na potencialidade de todo ser humano de construir o seu próprio conhecimento, sabendo-se num processo dinâmico de construção de saberes das mais diferentes ordens, desde as pessoais até as coletivas, por se entender um ser histórico, capaz de fazer história, uma história que o antecede e que lhe vai suceder, crendo no seu processo de aprendizagem desde o seu nascimento até o momento de sua morte.

Portanto, deve ser e estar consciente da importância e da necessidade de sua atuação para compor um novo amanhã, comprometendo-se e fazendo parceria na construção de uma sociedade mais justa e eqüânime de oportunidades de realização a todos que nela convivem, indagando-se, a cada momento,

Por que nossa educação é tão embrutecedora e cega, se nossas crianças são tão ricas?

22

Por que a humanidade teme tanto a espontaneidade, se a atitude espontânea conduz tão rapidamente ao crescimento responsável? Por que nos falta confiança no futuro, se forças sociais intensas e construtivas podem ser liberadas no indivíduo através da aceitação de alguns poucos princípios básicos? (Carl R. Rogers)

Realmente, precisamos saber exercitar o pensamento. Pensar e incentivar a pensar para poder contribuir para a transformação e a libertação, pois cremos que alguns pontos, assinalados por grandes teóricos da atualidade, poderão iluminar nossas visões para compreender as práticas vivenciadas na realidade da escola. Neste sentido, talvez seja possível romper com os valores proclamados e propor uma práxis pedagógica transformadora a partir dos valores reais, ciente das lições deixadas por Perrenoud, Freire e Toffler: “A vontade de aceitar desafio é uma questão de sentido” (Perrenoud , 2000: 48).

... o futuro não é ‘conhecível’ no sentido de uma predição exata. A vida está cheia de surpresas surrealistas... A mudança acelerante... fica sujeita à obsolescência... As estatísticas se aceleram. Novas tecnologias suplantam outras mais velhas. Líderes políticos sobem e caem. Apesar de tudo, à medida que avançamos para a terra desconhecida do amanhã, é melhor ter um mapa geral e incompleto, sujeito a revisões e correções do que não ter mapa algum...(Toffler, 1990: 20)

...São necessárias novas maneiras de pensar sobre as mudanças que vêm alterando a face de nossa civilização ao longo das últimas décadas, delineando assim um perfil mais abrangente da nova sociedade que emerge das transformações [sociais, econômicas, históricas, políticas], ou seja, de uma sociedade radicalmente diferente, movida por

23

um novo sistema de criação de riqueza que transforma o trabalho [e as relações ética e estéticas dentro da macro e micros sociedades].

(Toffler, 1990: 33)

Ela seria tanto mais necessária porque é, como veremos, a própria organização do trabalho pedagógico que produz o fracasso escolar.... (Perrenoud, 2000: 17)

...O apoio pedagógico deveria evitar ou atenuar a reprovação, fosse prevenindo suas dificuldades e fracassos, fosse acompanhando alunos autorizados a progredir na formação sem ter todos os conhecimentos requeridos. A idéia de base era, então, romper com a indiferença às diferenças, instaurando uma pedagogia que ainda não se chamava ‘diferenciada’, mas que se considerava como uma forma de discriminação positiva ou de educação compensatória.

(Perrenoud, 2000: 35)

Ensinar é uma especificidade humana.

Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade.

Ensinar exige comprometimento.

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo.

Ensinar exige liberdade e autoridade.

Ensinar exige tomada consciente de decisões.

Ensinar exige saber escutar.

24

Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica.

Ensinar exige disponibilidade para o diálogo.

Ensinar exige querer bem aos educandos.

(Freire,1999: 8/9)

A questão da formação dos professores é, inevitavelmente, levantada. A seu respeito, pode-se arriscar pelo menos uma hipótese: se não incorpora a preparação à transferência em seus próprios dispositivos, como poderia pretender favorecer, nos futuros professores, as práticas pedagógicas ‘transferogênicas’? (Perrenoud, 2000: 70)

A substituição do trabalho bruto pela informação ou pelo conhecimento, na realidade, é o que está por trás dos problemas atuais... Portanto, o conhecimento é a chave do crescimento humano no século XXI. (Toffler 1990: 33)

O choque do futuro olha para o processo de mudança – a maneira pela qual a mudança afeta as pessoas e as organizações. A quebra do paradigma existente deverá se concentrar nas direções destas mudanças que ainda virão para saber quem irá formá-las e como.(Toffler, 1990: 19)

O choque do futuro, como definição, baseia-se na desorientação e tensão provocada ao se tentar lidar com um número demasiado de mudanças num tempo demasiado curto – argumentando que a aceleração da história leva a conseqüências próprias, independentes das reais direções da mudança. A simples aceleração dos eventos e das fases de reação produz seus próprios efeitos, quer as mudanças sejam consideradas boas, quer más. (Toffler, 1990: 19)

25

Afirmava, também, que os indivíduos, as organizações e até as nações podem ficar sobrecarregadas de mudanças demasiado cedo, levando à desorientação e a um colapso em sua capacidade de tomar decisões de adaptação inteligentes. Podiam, em suma, sofrer do choque do futuro. (Toffler, 1990: 19)

1.5 - Para Pensar a Escola

Escola é... o lugar onde se faz amigos. Não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, gente que estuda, gente que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, o professor é gente, o aluno é gente, cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor, na medida em que cada ser se comporta como colega, como amigo. Nada de ilha cercada de gente por todos os lados. Nada de ser como tijolo que forma parede indiferente, frio, só. Importantante na escola não é só estudar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se amarrar nela. Ora, é lógico... em uma assim vai ser fácil estudar, crescer, fazer

amigos, educar e ser feliz. (Paulo Freire, 1999)

Não é o espaço escolar, mas o espaço da vida, onde nos lembra Brandão (1981) o “viver o fazer faz o saber”. Da mesma forma, Iván Illich (1974) ao se questionar sobre a serventia da escola na América Latina, fazia questão de assinalar a existência de “processos educativos no interior dos

processos políticos e sociais” (Illich, I., 1974: 12), não sendo estes, portanto, uma primazia da escola.Todavia, podemos dizer que é através da escola que a humanidade começou a desenvolver uma teoria da educação, ou seja, uma “pedagogia”, à qual o ato de educar deve estar sujeito. É possível afirmar, assim, que com a chegada da pedagogia e da chamada “educação formal”, vieram as regras, a organização do conhecimento, as divisões do saber e os

26

métodos tradicionais de ensino; entretanto, é indiscutível também, que através da mesma, a educação passou a ser, como nunca antes na história da humanidade, objeto de estudo e reflexão. Desse modo, a escola foi criada com a promessa de sistematizar o ensino e favorecer a transmissão cultural. O antagonismo que a acompanha desde o seu nascimento, no entanto, é o de constituir-se de um lado “num espaço de democratização e formação individual e ao mesmo tempo de transmissão de valores coletivos e consciência

social” (Puiggrós, A., 1998: 10). Todavia, esta contradição, ao oposto de diminuir-lhe a importância, apenas ampliou a necessidade de que a educação escolarizada fosse encarada como um direito universal. Análise da escola - sede da educação formal - não apenas, enquanto, um espaço de produção e divulgação de saber, mas também, enquanto um espaço de troca e intercâmbio de relações, isto é, de aprendizagem social. Embora a face relacional da escola seja um tanto esquecida, quando refletimos sobre o que seja a mesma, não há como priorizar um lado em relação ao outro. A valorização das relações interpessoais e de um clima emocional positivo, em termos de respeito e liberdade, são tão fundamentais quanto os conteúdos trabalhados em sala de aula, para o desenvolvimento do educando. O entendimento de que o conhecimento é, simultaneamente, processo e produto de uma construção cognitiva, social e emocional nos possibilita entender a importância do ambiente escolar, já que o mesmo pode ser favorecido ou desencorajado, dependendo dos pressupostos sociopedagógicos adotados no próprio projeto pedagógico da instituição escolar e a forma como são postos em prática pelos profissionais competentes.Como esclarece Soares (1999), a escola pode ser considerada como

um texto escrito por várias mãos e sua leitura pressupõe a compreensão não apenas de suas conexões com a sociedade, mas também das suas relações internas, ou seja, da rede de relações desenvolvidas entre os alunos, pais,

27

professores e comunidade escolar em geral. (Soares, K., 1999: 6)

Nesse sentido, não há como ignorar os conflitos e tensões resultantes do relacionamento entre os diferentes membros da escola. De um lado, temos os alunos que reclamam das obrigações, das normas rígidas, dos controles, da alienação da escola em relação ao seu mundo; de outro, temos os professores que reclamam dos salários, da inquietude dos alunos, da falta de infra-estrutura; de um outro lado, ainda, os demais funcionários da escola, que também têm suas demandas e reclamações, principalmente, no que se refere às questões de ordem política e salarial; e, por fim, os pais dos alunos, cujas preocupações e insatisfações, na maioria das vezes negligenciadas, também influenciam nesse processo. Boa parte dos conflitos em jogo na instituição escolar dizem respeito ao conflito entre as diferentes culturas envolvidas.

1.6 - Uma Reflexão Final Harvey (1993), ao analisar as características da pós-modernidade, aponta para o caráter fragmentário e instável das verdades e dos discursos produzidos na sociedade (que se baseia na produção e na exploração de espetáculos e imagens da mídia que globalizam a cultura e a economia). Entender os efeitos dessa globalização e o modo como ela interfere no cotidiano da sociedade é um caminho para entender os descaminhos da escola.

Chiavenato (1998) considera que:

28

A globalização é um processo que age sobre o homem. As suas conseqüências sociais e econômicas estão transformando o modo de vida da humanidade. Valores éticos e morais, conceitos políticos e sociais, o uso da ciência e das artes, enfim, a cultura criada pela humanidade em milênios está sendo modificada, substituída e, de alguma forma, afetada radicalmente. (Chiaveneto, 1998)

Os reflexos dessa modificação estão presentes nas relações sociais, no modo como o homem interage com o ambiente, com seus semelhantes e consigo mesmo, promovendo desigualdades sociais, intolerâncias raciais, de gênero e de crenças, assim como uma devastação planetária.

Por isso, segundo Gadotti (2000), é preciso pensar em outra forma de globalização, “uma globalização da solidariedade, um mundialismo sustentado na unidade política de um mundo considerado como uma comunidade humana única, uma ética de governabilidade mundial”. Para tanto, é preciso pensar em planetaridade e em uma educação para o futuro que privilegie a solidariedade planetária e o respeito ao homem em sua totalidade.

Uma educação que, para ser autêntica, deve respeitar a CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE[13]. Essa carta, em quinze artigos, traça um caminho novo para o homem e para a Terra, e em seu artigo 11 torna claro o pensamento que norteia este trabalho:

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos. (Gadotti,2000)

29

A última frase desse artigo é particularmente esclarecedora quanto à importância de conhecermos a teoria das inteligências múltiplas e de as aplicarmos nas relações educativas desenvolvidas na escola. Continuando nossa reflexão, não poderíamos deixar de recorrer a Morin (2000), para dizer, com suas palavras, como deve ser visto o homem, ou seja:

O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. (...)traz em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na obediência e na transgressão, no ostensivo e no secreto, balbucios embrionários em suas cavidades e profundezas insondáveis. Cada qual contém em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos de desejos e amores insatisfeitos, abismos de desgraças, imensidões de indiferença gélida, queimações de astro em fogo, acessos de ódio, desregramentos, lampejos de lucidez, tormentas dementes...

(Morin, 2000)

Contudo, parecendo desconhecer tais características humanas, os pais e a escola, segundo Korczak (1997), apropriam-se de um paradigma social de inteligência e “lutam contra todas as formas não habituais de inteligência”. Sobre as crianças, perguntam se são ou não inteligentes, quando a pergunta correta deveria ser como, de que modo são

inteligentes. Retornando ao texto de Saramago, valemo-nos de outro trecho para concluir esta reflexão inicial.

Assim como seus personagens, podemos travar o diálogo[14] que se segue:

30

Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.

Porém, enquanto educadores, é nosso dever articular estratégias de superação dessa “cegueira”. É tempo de ver. E, para tanto, vamos recorrer a Howard Gardner (1994) através de sua Teoria sobre as Múltiplas Inteligências para olhar os nossos alunos e, vendo-os, vermo-nos também como seres capazes de reverter o quadro que o cartunista espanhol Quino, através de suas personagens, apresenta sobre a escola:

Cabe a que perguntar: a que escola Mafalda está se referindo?. E Felipe? Tantas caras e bocas nos levam a ter que refletir sobre a construção existentes no imaginário social sobre a escola que se tem e a que se quer: a educação que se tem e a que se quer, pois a composição desse quadro de referência irá nos possibilitar olhar para a realidade, usando os olhos de ver, de perscrutar, de teorizar sobre a própria realidade vivida.

Mas sejamos rápidos nessa mudança de olhar, sejamos rápidos na transformação, pois, segundo Bartolomeu Campos Queirós[1],

31

O tempo tem uma boca imensa. Com sua boca do tamanho da eternidade ele vai devorando tudo, sem piedade. O tempo não tem pena. Mastiga rios, árvores, crepúsculos. Tritura os dias, as noites, o sol, a lua, as estrelas. Ele é o dono de tudo. Pacientemente, ele engole todas as coisas, degustando nuvens, chuvas, terras, lavouras. Ele consome as histórias e saboreia os amores. Nada fica para depois do tempo. As madrugadas, os sonhos, as decisões duram pouco na boca do tempo. Sua garganta traga as estações, os milênios, o ocidente, o oriente, tudo sem retorno.

E isso nos vem apontar a própria provisoridade das verdades absolutas que, ao sabor do passar do tempo, novos quadros nos apresenta, em sua constituição, em suas relações, em suas manifestações e animações, devendo ter em mente a sua capacidade de mutação processual, dinâmica, cotidiana, devendo nos colocar frente aos acontecimentos do nosso tempo, buscando olhar com olhos de ver.

[1] QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Por parte de pai. Belo Horizonte: RHJ, 1995. pp. 71-72.

[1] YUNES, Márcio Jabur e AGOSTINI, João Carlos. Técnica

ou poética, eis a questão! São Paulo: Moderna, 1998. [2] COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da

percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna, 1999. (Coleção polêmica). [3] DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. [4] CABOCLO, Eliana T. de A. Freitas e TRINDADE, Maria de Lourdes de Araújo. Multiplicidade: cada identidade uma constelação. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o futuro: Reflexões sobre a educação

no próximo milênio. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. [5] KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz

32

Tadeu da.(org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. pp. 104-131. [6] CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 1995. (Coleção Travessia do século). [7] CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada e sociedade

de consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica). [8] LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. [9] COUTINHO, Laura. Sala de aula/sala de cinema. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o

futuro: TV e informática na educação. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. [10] MORIN, José Manoel. Mudar a forma de aprender e ensinar com a internet. In: op. cit. [11] SAMPAIO, Marisa Narciso e LEITE, Lígia Silva. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. [12] GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Petrópolis, 2000. [13] Adotada no I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2 a 6 de novembro de 1994, e transcrita no livro “Pedagogia da Terra”, de Moacir Gadotti, de onde retiramos o artigo comentado. [14] É interessante observar o modo peculiar como Saramago pontua seus textos, especialmente a forma como constrói diálogos. Diferentemente das regras gramaticais vigentes na língua portuguesa, o autor marca as falas das personagens apenas pelo uso de vírgulas e de letras maiúsculas.

Gestos e Posturas: A Aula que Você Dá e Não Vê

33

Seus gestos e sua postura em sala de aula dizem muito e podem ajudá-lo a lecionar — ou arruinar a exposição de um assunto. Veja como atuar corretamente.

34

Ah, as maravilhas da comunicação sem palavras. Certamente você

conhece colegas que usam diversos truques para chamar a atenção

dos alunos. Alguns dão um tapinha na mesa. Outros acendem e

apagam as luzes da sala rapidamente. Outros fazem aquele "hum-

hum" com a garganta. Existem os que mudam completamente o

ambiente de uma sala de aula apenas com um olhar.

Você certamente conhece vários truques como esses. Lembro de uma professora que era capaz de dobrar o indicador para trás até que ele ficasse quase a 90° do dorso da mão. E era dessa maneira que a educadora reforçava alguns pontos. Escrevia algo no quadro e pressionava o dedo ali, contra a lousa. Toda vez que nós, alunos, víamos aquele dedo para trás, numa posição antinatural, sentíamos um friozinho no estômago, mas prestávamos mais atenção, tanto ao dedo, quanto à matéria que ela estava apontando.

E também, lógico, tem o caso do professor que usava o apoio de giz (aquela madeira que fica embaixo do quadro-negro) como apoio de si mesmo. Ele chegava, pousava a mão direita sobre o apoio, cruzava as pernas e começava a falar...até o dia em que, finalmente, a madeira não agüentou o peso, quebrou e o pobre educador levou um tombo magistral.

Tais exemplos são apenas a ponta de toda uma comunicação que passamos aos outros e, na maioria das vezes, nem nos damos conta. Acompanhe.

Espaço, a fronteira inicial _

Para alguns professores, a sala de aula limita-se a 2 metros à frente do quadro-negro. A partir daí, é território dos alunos, conforme afirma um Tratado de Tordesilhas imaginário auto-aplicado.

Outros, circulam pela sala, encostam-se na parede do fundo e de lá dão suas aulas. Os alunos têm duas opções: ou permanecem voltados para o quadro-negro, só ouvindo o que o educador tem a dizer, ou torcem-se para visualizar o professor.

35

E há ainda aqueles que caminham entre as fileiras de alunos como um militar em revista à tropa.

Todos esses são estilos que podem ser melhorados, conforme a situação. Algumas dicas:

36

-> Crie âncoras visuais para seus alunos. Desde o primeiro dia de aula, defina determinado canto para assuntos leves e piadas, outro canto para falar sobre a matéria, um canto para interação direta com os alunos. Você não precisa dizer nada para eles, apenas se movimentar para aquele ponto da sala de aula toda vez que desejar tomar uma ação específica. Assim, sempre que os alunos o virem caminhando para a posição descontraída já começarão a relaxar, e sempre que você for para o local da interação já começarão a imaginar algumas questões. Caso você tenha pouco espaço disponível em sua sala de aula, pode substituir esses "cantos" por gestos, como abrir os braços de certa maneira seguido de um "Bom. Perguntas?". Com o passar do tempo, você não precisará falar mais nada, basta o gesto.

-> De vez em quando, mude a disposição das carteiras ou dos alunos. O simples fato de sentar em outro lugar já muda toda a

37

perspectiva do aluno em sua aula. Ele passa a prestar atenção a novas coisas, vê a matéria de maneira diferente. Isso também ajuda sua turma a se conhecer melhor, ajudando a acabar com as panelinhas.

-> Circule pela sala de aula, com movimentos calmos e tranqüilos. Cuidado para não ficar muito tempo parado ao lado de um mesmo aluno. Geralmente, como os intervalos entre as filas de carteiras são apertados, sua proximidade física pode incomodar. Assim, ande entre duas fileiras um dia, entre outras duas em outra ocasião, e assim por diante.

-> Pense na sala como um todo. Você dá aula tanto para o pessoal da primeira fila como para a turma do fundão. Faça contato visual com alunos que sentam em locais diferentes, na hora de mostrar algo, faça-o tanto à altura de sua cabeça, para que o pessoal de trás veja, como um pouco abaixo da altura de seu peito, para o pessoal das três primeiras carteiras.

Erros a serem evitados:

Eis aqui algumas posturas que devem ser evitadas durante suas aulas:

Ficar parado em um ponto, apoiando-se de lado. A mensagem oculta que esse professor passa é “estou chateado e preferia estar em outro lugar”. Solução: quando estiver parado, mantenha seu peso uniformemente equilibrado e os quadris nivelados.

Encostado em uma estante ou parede. A mensagem que passa diz “Estou cansado demais para ficar em pé”, ou “não quero nem me incomodar em dar essa aula”. Solução: evite apoiar-se, ou o faça por períodos muito curtos.

Sentado à mesa onde se encontram suas anotações. O que tal educador diz é: não preciso fazer nenhum esforço aqui, pois sou mais importante que vocês. Solução: a não ser em determinados momentos (como chamada e correção de provas), fique em pé.

38

Como os outros o vêem

Na hora de se vestir, cuidado com o básico. Que é preciso manter suas roupas em ordem e não usar acessórios exagerados, isso ninguém discute. Mas é preciso ampliar um pouco essa regra para incluir o bom senso. Existem professoras que dão aula em faculdades e usam minissaias. Depois querem que os alunos prestem atenção às aulas.

39

O cuidado com acessórios exagerados inclui também o que não é visto, mas ouvido e sentido. Perfumes muito ativos devem ser barrados, assim como sapatos que rangem ou cujo salto faça "toc-toc-toc" a cada passo que você dá. E outra vantagem inerente a sapatos silenciosos: os alunos não escutarão você chegando na sala.

Separe tempo para exercícios físicos no mínimo três vezes por semana. Além de aumentar sua capacidade pulmonar e cardíaca, fazendo com que você se expresse melhor em sala de aula, os exercícios aumentam sua disposição. Há poucas coisas piores do que assistir uma aula de um professor com cara de ontem.

Cuidado com seu estilo. Assim que os alunos o virem pela primeira vez, vão formar um conceito de você para o resto do ano. Então, escolha suas roupas conforme a mensagem que deseja passar. Jeans e camiseta são a marca de uma aula descontraída, com muita participação dos alunos. Um tailler elegante representa o sucesso que aquela educadora alcançou, mas também que pode-se esperar uma aula um pouco mais rígida. Professores homens, nessa área, têm mais sorte. Para mudar de um visual totalmente catedrático e de imposição para alguém próximo aos alunos, basta tirar o paletó e dobrar as mangas da camisa.

É recomendável expor o seu rosto, não escondê-lo atrás de óculos escuros, barba, cabelos. Você não tem nada a esconder.

O stress que deforma

Respiração curta, que quase não oferece fôlego para frases mais longas. Músculos do pescoço retesados, ombros encolhidos. Gestos curtos, rápidos, feitos à altura da cintura. Sem dúvida, estamos diante de um professor com estress que, como se vê, prejudica a aula mais do que se percebe. Nessa situação, tentar um sorriso, dar a aula na mesma entonação de sempre, não adianta. Os alunos percebem que algo não está bem com o professor através daqueles sinais que ele não controla. Algumas dicas para impedir que o stress estrague suas aulas.

40

Levante quinze minutos mais cedo para que sua manhã seja menos apressada.

Evite marcar compromissos demais para um dia. Seja realista. Você não vai conseguir dar quatro aulas, levar a turma ao museu, corrigir as provas e ir ao dentista no mesmo dia.

Aprenda a dizer não a projetos e atividades da comunidade se você não tem tempo disponível.

Tenha certeza de conseguir uma boa noite de sono. Relaxe nos fins de semana. Foque no que está acontecendo hoje em vez de se preocupar

apenas com o amanhã. Estabeleça uma distância emocional do seu trabalho. Ensinar é

uma profissão em que o trabalho nunca acaba, e pode facilmente ocupar todos os momentos disponíveis da sua vida. Dê-se permissão para trabalhar um razoável número de horas por dia e tenha tempo para você, sua família e amigos.

Passe confiança

41

42

A pessoa autoconfiante apresenta uma postura ereta, calma e aberta, com as mãos pendendo ao lado do corpo, ou no colo. Pode cruzar os braços e as pernas, mas sempre de maneira relaxada.

A expressão facial também é relaxada, mostrando sinceridade, confiança e receptividade. A pessoa autoconfiante cumprimenta os outros com um sorriso verdadeiro. As mensagens da linguagem corporal apenas costumam ser percebidas no nível subconsciente, mas são muito significativas em relacionamentos entre pessoas.

Os movimentos são constantes, controlados e relaxados. Uma pessoa autoconfiante tem a tendência de se inclinar na direção de seu interlocutor, mas ainda mantendo a cabeça ereta numa postura receptiva em vez de ameaçadora.

Os gestos são apropriados para a conversação, sem maneirismos excessivos ou impertinentes.

O contato visual é direto e regular, mostrando atenção e interesse.

Uma dica para melhorar sua postura: ao assistir um filme ou televisão, tente descobrir o que está acontecendo sem prestar atenção no som. Interprete o relacionamento entre as pessoas simplesmente por suas expressões, movimentos e gestos. Você ficará surpreso com o quanto será capaz de deduzir.

Saúde também conta

Além da postura que o ajuda a ensinar, existe aquela que evita problemas no futuro. Seu corpo pode começar a reclamar mais cedo do que imagina. Má postura ao sentar ou caminhar pode causar desde dores até invalidez após alguns anos. Então, a primeira regra é não se permitir ficar muito tempo em uma mesma posição. Se estiver há mais de uma hora sentado, levante-se. Se estiver há mais de uma hora parado, em pé, ande um pouco. Acompanhe outras dicas:

43

Quando estiver sentado, procure não ficar com os ombros caídos. O encosto reto da cadeira ajuda a manter a coluna ereta, evitando dores nas costas.

Nunca suba escadas com a coluna inclinada para a frente. Suba com a coluna ereta e o pé completamente apoiado no chão.

Para erguer qualquer objeto do chão, o correto é flexionar os joelhos e manter a coluna ereta; o peso deve ficar o mais próximo possível do tronco.

Não durma de bruço. Prefira dormir de lado ou de barriga para cima.

Não carregue, em nenhuma hipótese, peso na cabeça. O ideal é dividir o peso proporcionalmente para os dois lados do corpo. Preste bastante atenção às condições do piso antes de carregar qualquer peso, para evitar tropeções, escorregões e torções.

44

45

NETO, Brasílio Andrade. A aula que você dá enão vê. Profissão Mestre. Curitiba, n.40, p.14-17.

Prática educativa, Pedagogia e Didática Iniciamos nosso estudo de Didática situando-a no conjunto dos conhecimentos pedagógicos e esclarecendo seu papel na formação profissional para o exercício do magistério. Do mesmo modo que o professor, na fase inicial de cada aula, deve propor e examinar com os alunos os objetivos, conteúdos e atividades que serão desenvolvidos, preparando-os para o estudo da disciplina, este texto também contém o delineamento dos temas, indicando objetivos a alcançar no processo de assimilação consciente de conhecimentos e habilidades.

Este texto tem como objetivos compreender a Didática como um dos ramos de estudo da Pedagogia, justificar a subordinação do processo didático a finalidades educacionais e indicar os conhecimentos teóricos e práticos necessários para orientar a ação pedagógico-didática na escola.

Consideraremos, em primeiro lugar, que o processo de ensino — objeto de estudo da Didática — não pode ser tratado como atividade restrita ao espaço da sala de aula. O trabalho docente é uma das modalidades específicas da prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Para compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso considerá-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade. A ciência que investiga a teoria e a prática da educação nos seus vínculos com a prática social global é a Pedagogia. Sendo a Didática uma disciplina que estuda os objetivos, os conteúdos, os meios e as condições do processo de ensino tendo em vista finalidades educacionais, que são sempre sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma disciplina pedagógica.

Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais, políticos, econômicos, psicológicos, para descrever e explicar o fenômeno educativo, a Pedagogia recorre à contribuição de outras ciências como a Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Economia. Esses estudos acabam por convergir na Didática, uma vez que esta reúne em seu campo de conhecimentos objetivos e

46

modos de ação pedagógica na escola. Além disso, sendo a educação uma prática social que acontece numa grande variedade de instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação de massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se disciplinas propriamente pedagógicas tais como a Teoria da Educação, Teoria da Escola, Organização Escolar, destacando-se a Didática como Teoria do Ensino.

Nesse conjunto de estudos indispensáveis à formação teórica e prática dos professores, a Didática ocupa um lugar especial. Com efeito, a atividade principal do profissional do magistério é o ensino, que consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a aprendizagem escolar dos alunos. É em função da condução do processo de ensinar, de suas finalidades, modos e condições, que se mobilizam os conhecimentos pedagógicos gerais e específicos.

Neste texto serão tratados os seguintes temas:

1- Prática educativa e sociedade;

2- Educação, instrução e ensino;

3- Educação Escolar, Pedagogia e Didática;

4- Didática e a formação profissional dos professores.

Prática educativa e sociedade

O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais global pelo qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social. A educação — ou seja, a prática educativa — é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e

47

transformadora nas várias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade.

Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam através de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos,

assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de

existirem socialmente;neste sentido, a prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da organização econômica, política e legal de uma sociedade, da religião, dos costumes, das formas de convivência

humana. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais. Os estudos que tratam das diversas modalidades de educação costumam caracterizar as influências educativas como não-

intencionais e intencionais. A educação não-intencional refere-se às influências do contexto social e do meio ambiente sobre os indivíduos. Tais influências, também denominadas de educação informal, correspondem a processos de aquisição de conhecimentos, experiências, idéias, valores, práticas, que não estão ligados especificamente a uma instituição e nem são intencionais e conscientes. São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas na família, no trabalho, na comunidade, dos

48

grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade.

A educação intencional refere-se a influências em que há intenções e objetivos definidos conscientemente, como é o caso da educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade, uma consciência por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, o professor, ou os adultos em geral — estes, muitas vezes, invisíveis atrás de um canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do computador etc. Há métodos, técnicas, lugares e condições específicas prévias criadas deliberadamente para suscitar idéias, conhecimentos, valores, atitudes, comportamentos. São muitas as formas de educação intencional e, conforme o objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não-formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados, dos meios de comunicação de massa etc.) e da educação formal que se realiza nas escolas ou outras agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos, empresas) implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educação intencional por ser suporte e requisito delas. Com efeito, é a escolarização básica que possibilita aos indivíduos aproveitar e interpretar, consciente e criticamente, outras influências educativas. É impossível, na sociedade atual, com o progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, e com o peso cada vez maior de outras influências educativas (mormente os meios de comunicação de massa), a participação efetiva dos indivíduos e grupos nas decisões que permeiam a sociedade sem a educação intencional e sistematizada provida pela educação escolar.

As formas que assume a prática educativa, sejam não-intencionais ou intencionais, formais ou não-formais, escolares ou extra-escolares, se interpenetram. O processo educativo, onde quer que se dê, é sempre contextualizado social e politicamente; há uma subordinação à sociedade que lhe faz exigências, determina objetivos e lhe provê condições e meios de ação.

49

Vejamos mais de perto como se estabelecem os vínculos entre sociedade e educação.

Conforme dissemos, a educação é um fenômeno social. Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com interesses distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto na organização econômica e política quanto na prática educativa. Assim, as finalidades e meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmica das relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente determinados.

Que significa a expressão “a educação é socialmente determinada”? Significa que a prática educativa, e especialmente os objetivos e conteúdos do ensino e o trabalho docente, estão determinados por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. Com efeito, a prática educativa que ocorre em várias instâncias da sociedade — assim como os acontecimentos da vida cotidiana, os fatos políticos e econômicos etc. — é determinada por valores, normas e particularidades da estrutura social a que está subordinada. A estrutura social e as formas sociais pelas quais a sociedade se organiza são uma decorrência do fato de que, desde o início da sua existência, os homens vivem em grupos; sua vida está na dependência da vida de outros membros do grupo social, ou seja, a história humana, a história da sua vida e a história da sociedade se constituem e se desenvolvem na dinâmica das relações sociais. Este fato é fundamental para se compreender que a organização da sociedade, a existência das classes sociais, o papel da educação estão implicados nas formas que as relações sociais vão assumindo pela ação prática concreta dos homens.

Desde o início da história da humanidade, os indivíduos e grupos travam relações recíprocas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência. Essas relações vão passando por transformações, criando novas necessidades, novas formas de organização do trabalho e, especificamente, uma divisão do trabalho conforme sexo, idade, ocupações, de modo a existir uma distribuição das atividades entre os envolvidos no processo de trabalho. Na história da

50

sociedade, nem sempre houve uma distribuição por igual dos produtos do trabalho, tanto materiais quanto espirituais. Com isso, vai surgindo nas relações sociais a desigualdade econômica e de classes. Nas formas primitivas de relações sociais, os indivíduos têm igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas etapas seguintes da história da sociedade, cada vez mais se acentua a distribuição desigual dos indivíduos em distintas atividades, bem como do produto dessas atividades. A divisão do trabalho vai fazendo com que os indivíduos passem a ocupar diferentes lugares na atividade produtiva. Na sociedade escravista, os meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo) são propriedades dos donos de terras; na sociedade feudal, os trabalhadores (servos) são obrigados a trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos. Séculos mais tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma divisão entre os proprietários privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem a sua força de trabalho para obter os meios da sua subsistência, os trabalhadores que vivem do salário.

As relações sociais no capitalismo são, assim, fortemente marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo de produção. A classe social proprietária dos meios de produção retira seus lucros da exploração do trabalho da classe trabalhadora. Esta, à qual pertencem cerca de 70% da população brasileira, é obrigada a trocar sua capacidade de trabalho por um salário que não cobre as suas necessidades vitais e fica privada também da satisfação de suas necessidades espirituais e culturais. A alienação econômica dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores, que é ao mesmo tempo uma alienação espiritual, determina desigualdade social e conseqüências decisivas nas condições de vida da grande maioria da população trabalhadora. Este é o traço fundamental do sistema de organização das relações sociais em nossa sociedade.

A desigualdade entre os homens, que na origem é uma desigualdade econômica no seio das relações entre as classes sociais, determina não apenas as condições materiais de vida e de trabalho dos indivíduos, mas também a diferenciação no acesso à cultura espiritual, à educação. Com efeito, a classe

51

social dominante retém os meios de produção material como também os meios de produção cultural e da sua difusão, tendendo a colocá-la a serviço dos seus interesses. Assim, a educação que os trabalhadores recebem visa principalmente prepará-los para trabalho físico, para atitudes conformistas, devendo contentar-se com uma escolarização deficiente. Além disso, a minoria dominante dispõe de meios de difundir a sua própria concepção de mundo (idéias, valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para justificar, ao seu modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a sociedade capitalista. Tais idéias, valores e práticas, apresentados pela minoria dominante como representativos dos interesses de todas as classes sociais, são o que se costuma denominar

de ideologia. O sistema educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agências de formação profissional, os meios de comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse da ideologia dominante. A prática educativa, portanto, é parte integrante da dinâmica das relações sociais, das formas da organização social. Suas finalidades e processos são determinados por interesses antagônicos das classes sociais. No trabalho docente, sendo manifestação da prática educativa, estão presentes interesses de toda ordem — sociais, políticos, econômicos, culturais — que precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é preciso compreender, também, que as relações sociais existentes na nossa sociedade não são estáticas, imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez que se constituem pela ação humana na vida social. Isso significa que as relações sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a minoria dominante que põe em prática os seus interesses. Também as classes trabalhadoras podem elaborar e organizar concretamente os seus interesses e formular objetivos e meios do processo educativo alinhados com as lutas pela transformação do sistema de relações sociais vigente. O que devemos ter em mente é que uma educação voltada para os interesses majoritários da sociedade efetivamente se defronta com limites impostos pelas relações de poder no seio da sociedade. Por isso mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente implica a luta pela modificação dessas relações de poder.

52

Fizemos essas considerações para mostrar que a prática educativa, a vida cotidiana, as relações professor-alunos, os objetivos da educação, o trabalho docente, nossa percepção do aluno estão carregados de significados sociais que se constituem na dinâmica das relações entre classes, entre raças, entre grupos religiosos, entre homens e mulheres, jovens e adultos. São os seres humanos que, na diversidade das relações recíprocas que travam em vários contextos, dão significado às coisas, às pessoas, às idéias; é socialmente que se formam idéias, opiniões, ideologias. Este fato é fundamental para compreender como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se organiza e como encaminha a prática educativa através dos seus conflitos e suas contradições. Para quem lida com a educação tendo em vista a formação humana dos indivíduos vivendo em contextos sociais determinados, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais reais implicadas em cada acontecimento, em cada situação real da sua vida e da sua profissão, em cada matéria que ensina como também nos discursos, nos meios de comunicação de massa, nas relações cotidianas na família e no trabalho.

O campo específico de atuação profissional e política do professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas representam uma significativa contribuição para a formação de cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais se diversificam as formas de educação extra-escolar e quanto mais a minoria dominante refina os meios de difusão da ideologia burguesa, tanto mais a educação escolar adquire importância, principalmente para as classes trabalhadoras.

Vê-se que a responsabilidade social da escola e dos professores é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à compreensão da realidade social e à atividade prática na profissão, na política, nos movimentos sociais. Tal como a educação, também o ensino é determinado socialmente. Ao

53

mesmo tempo em que cumpre objetivos e exigências da sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a constituem, o ensino cria condições metodológicas e organizativas para o processo de transmissão e assimilação de conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais e processos mentais dos alunos tendo em vista o entendimento crítico dos problemas sociais.

Educação, instrução e ensino Antes de prosseguirmos nossas considerações, convém esclarecer o significado dos termos educação, instrução e ensino.

Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de

desenvolvimento onilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas — físicas, morais, intelectuais, estéticas — tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais. A educação corresponde, pois, a toda modalidade de influências e inter-relações que convergem para a formação de traços de personalidade social e do caráter, implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações reais e desafios da

vida prática. Nesse sentido, educação é instituição social que se ordena no sistema educacional de um país, num determinado

momento histórico; é um produto, significando os resultados obtidos da ação educativa conforme propósitos sociais e políticos

pretendidos; é processo por consistir de transformações sucessivas tanto no sentido histórico quanto no de desenvolvimento da personalidade.

A instrução se refere à formação intelectual, formação e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados.

O ensino corresponde a ações, meios e condições para

realização da instrução; contém, pois, a instrução. Há uma relação de subordinação da instrução à educação, uma vez que o processo e o resultado da instrução são orientados para o desenvolvimento das qualidades específicas da personalidade. Portanto, a instrução, mediante o ensino, tem resultados formativos quando converge para o objetivo educativo, isto é, quando os conhecimentos, habilidades e capacidades

54

propiciados pelo ensino se tornam princípios reguladores da ação humana, em convicções e atitudes reais frente à realidade. Há, pois, uma unidade entre educação e instrução, embora sejam processos diferentes; pode-se instruir sem educar, e educar sem instruir; conhecer os conteúdos de uma matéria, conhecer os princípios morais e normas de conduta não leva necessariamente a praticá-los, isto é, a transformá-los em convicções e atitudes efetivas frente aos problemas e desafios da realidade. Ou seja, o objetivo educativo não é um resultado natural e colateral do ensino, devendo-se supor por parte do educador um propósito intencional e explícito de orientar a instrução e o ensino para objetivos educativos. Cumpre acentuar, entretanto, que o ensino é o principal meio e fator da educação — ainda que não o único — e, por isso, destaca-se como campo principal da instrução e educação. Neste sentido, quando mencionamos o

termo educação escolar, referimos-nos a ensino. Conforme estudaremos adiante, a educação é o objeto de estudo da Pedagogia, colocando a ação educativa como objeto de reflexão, visando descrever e explicar sua natureza, seus determinantes, seus processos e modos de atuar. O processo pedagógico orienta a educação para as suas finalidades específicas, determinadas socialmente, mediante a teoria e a metodologia da educação e instrução. O trabalho docente — isto é, a efetivação da tarefa de ensinar — é uma modalidade de trabalho pedagógico e dele se ocupa a Didática.

Educação escolar, Pedagogia e Didática Como vimos, a atividade educativa acontece nas mais variadas esferas da vida social (nas famílias, nos grupos sociais, nas instituições educacionais ou assistenciais, nas associações profissionais, sindicais e comunitárias, nas igrejas, nas empresas, nos meios de comunicação de massa etc.) e assume diferentes formas de organização. A educação escolar constitui-se num sistema de instrução e ensino com propósitos intencionais, práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligado intimamente às demais práticas sociais. Pela educação escolar democratizam-se os conhecimentos, sendo na escola que os trabalhadores continuam tendo a oportunidade de prover escolarização formal aos seus filhos, adquirindo conhecimentos científicos e formando a capacidade de pensar criticamente os problemas e desafios postos pela realidade social.

55

O processo educativo que se desenvolve na escola pela instrução e ensino consiste na assimilação de conhecimentos e experiências acumulados pelas gerações anteriores no decurso do desenvolvimento histórico-social. Entretanto, o processo educativo está condicionado pelas relações sociais em cujo interior se desenvolve; e as condições sociais, políticas e econômicas aí existentes influenciam decisivamente o processo de ensino e aprendizagem. As finalidades educativas subordinam-se, pois, as escolhas feitas frente a interesses de classe determinados pela forma de organização das relações sociais. Por isso, a prática educativa requer uma direção de sentido para a formação humana dos indivíduos e processos que assegurem a atividade prática que lhes corresponde. Em outras palavras, para tornar efetivo o processo educativo, é preciso dar-lhe uma orientação sobre as finalidades e meios da sua realização, conforme opções que se façam quanto ao tipo de homem que se deseja formar e ao tipo de sociedade a que se aspira. Esta tarefa pertence à Pedagogia como teoria e prática do processo educativo.

A Pedagogia é um campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa detenninada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social. Uma vez que a prática educativa é o processo pelo qual são assimilados conhecimentos e experiências acumulados pela prática social da humanidade, cabe à Pedagogia assegurá-lo, orientando-o para finalidades sociais e políticas, e criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo.

O caráter pedagógico da prática educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no processo de formação humana, através de objetivos e meios estabelecidos por critérios socialmente determinados e que indicam o tipo de homem a formar, para qual sociedade, com que propósitos. Vincula-se, pois, a opções sociais e políticas referentes ao papel da educação num deteminado sistema de relações sociais. A partir daí a Pedagogia pode dirigir e orientar a formulação de objetivos e meios do processo educativo.

56

Podemos, agora, explicitar as relações entre educação escolar, Pedagogia e ensino: a educação escolar, manifestação peculiar do processo educativo global; a Pedagogia como determinação do rumo desse processo em suas finalidades e meios de ação; o ensino como campo específico da instrução e educação escolar. Podemos dizer que o processo de ensino-aprendizagem é, fundamentalmente, um trabalho pedagógico no qual se conjugam fatores externos e internos. De um lado, atuam na formulação humana como direção consciente e planejada, através objetivos/conteúdos/métodos e formas de organização propostos pela escola e pelos professores; de outro, essa influência externa depende de fatores internos, tais como as condições físicas, psíquicas e sócio-culturais dos alunos.

A Pedagogia, sendo ciência da e para a educação, estuda a educação, a instrução e o ensino. Para tanto se compõe de ramos de estudo próprios como a Teoria da Educação, a Didática, a Organização Escolar e a História da Educação e da Pedagogia. Ao mesmo tempo, busca em outras ciências os conhecimentos teóricos e práticos que concorrem para o esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas a Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Biologia da Educação, Economia da Educação e outras.

O conjunto desses estudos permite aos futuros professores uma compreensão global do fenômeno educativo, especialmente de suas manifestações no ámbito escolar. Essa compreensão diz respeito a aspectos sócio-políticos da escola na dinâmica das relações sociais; dimensões filosóficas da educação (natureza, significado e finalidades, em conexão com a totalidade da vida humana); relações entre a prática escolar e a sociedade no sentido de explicitar objetivos político-pedagógicos em condições históricas e sociais determinadas e as condições concretas do ensino; o processo do desenvolvimento humano e o processo da cognição; bases científicas para seleção e organização dos conteúdos, dos métodos e formas de organização do ensino; articulação entre a mediação escolar de objetivos/conteúdos/métodos e os processos internos atinentes ao ensino e à aprendizagem.

57

A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. A Didática está intimamente ligada à Teoria da Educação e à Teoria da Organização Escolar e, de modo muito especial, vincula-se à Teoria do Conhecimento e à Psicologia da Educação.

A Didática e as metodologias específicas das matérias de ensino formam uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A Didática trata da teoria geral do ensino. As metodologias específicas, integrando o campo da Didática, ocupam-se dos conteúdos e métodos próprios de cada matéria na sua relação com fins educacionais. A Didática, com base em seus vínculos com a Pedagogia, generaliza processos e procedimentos obtidos na investigação das matérias específicas, das ciências que dão embasamento ao ensino e à aprendizagem e das situações concretas da prática docente. Com isso, pode generalizar para todas as matérias, sem prejuízo das peculiaridades metodológicas de cada uma, o que é comum e fundamental no processo educativo escolar.

Há também estreita ligação da Didática com os demais campos do conhecimento pedagógico. A Filosofia e a História da Educação ajudam a reflexão em torno das teorias educacionais, indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos da prática educativa.

A Didática e a formação profissional do professor A formação profissional do professor é realizada nos cursos de Habilitação ao Magistério em nível superior. Compõe-se de um conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos objetivos e conteúdos devem confluir para uma unidade teórico-metodológica do curso. A formação profissional é um processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-

58

científica e técnica do professor para dirigir competentemente o processo de ensino.

A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teórico-científica, incluindo a formação acadêmica específica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e a formação pedagógica, que envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pedagogia que contribuem para o esclarecimento do fenômeno

educativo no contexto histórico-social; a formação técnico-prática visando à preparação profissional específica para a docência, incluindo a Didática, as metodologias específicas das matérias, a Psicologia da Educação, a pesquisa educacional e outras. A organização dos conteúdos da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são necessariamente referidas à prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados no âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo, os conteúdos das disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo tempo em que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática. A formação profissional do professor implica, pois, uma contínua interpenetração entre teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática e a ação prática orientada teoricamente.

Nesse entendimento, a Didática se caracteriza como mediação entre as bases teórico-científicas da educação escolar e a prática docente. Ela opera como que uma ponte entre o "o quê" e o "como" do processo pedagógico escolar. A teoria pedagógica orienta a ação educativa escolar mediante objetivos, conteúdos e tarefas da formação cultural e científica, tendo em vista exigências sociais concretas; por sua vez, a ação educativa somente pode realizar-se pela atividade prática do professor, de modo que as situações didáticas concretas requerem o "como"

59

da intervenção pedagógica. Este papel de síntese entre a teoria pedagógica e a prática educativa real assegura a interpenetração e interdependência entre fins e meios da educação escolar e, nessas condições, a Didática pode constituir-se em teoria do ensino. O processo didático efetiva a mediação escolar de objetivos, conteúdos e métodos das matérias de ensino. Em função disso, a Didática descreve e explica os nexos, relações e ligações entre o ensino e a aprendizagem; investiga os fatores co-determinantes desses processos; indica princípios, condições e meios de direção do ensino, tendo em vista a aprendizagem, que são comuns ao ensino das diferentes disciplinas de conteúdos específicos. Para isso recorre às contribuições das ciências auxiliares da Educação e das próprias metodologias específicas. É, pois uma matéria de estudo que integra e articula conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas de formação acadêmica, formação pedagógica e formação técnico-prática, provendo o que é comum, básico e indispensável para o ensino de todas as demais disciplinas de conteúdo.

A formação profissional para o magistério requer, assim, uma sólida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende de vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. É verdade que muitos professores manifestam especial tendência e gosto pela profissão, assim como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no desempenho profissional. Entretanto, o domínio das bases teórico-científicas e técnicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganhe base para pensar sua prática e aprimore sempre mais a qualidade do seu trabalho.

Entre os conteúdos básicos da Didática figuram os objetivos e tarefas do ensino na nossa sociedade. A Didática se baseia numa concepção de homem e sociedade e, portanto, subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para a educação escolar a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira.

O processo de ensino é uma atividade conjunta de professores e alunos, organizado sob a direção do professor, com a finalidade de prover as condições e meios pelos quais os alunos assimilam

60

ativamente conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções. Este é o objeto de estudo da Didática.

Sugestões para estudo

Perguntas para o trabalho independente do aluno

1) Por que a educação é um fenômeno e um processo social?

2) Explicar as relações entre a definição de educação em sentido mais amplo e em sentido estrito.

3) Podemos falar que nas associações civis, nas associações de bairro, nos movimentos sociais etc., ocorre uma ação pedagógica?

4) Que significa afirmar que o ensino tem um caráter pedagógico?

5) Dar uma definição de educação com suas próprias palavras.

6) Explicar a afirmação: "Não há fato da vida social que possa ser explicado por si mesmo".

7) Qual é a finalidade social do ensino? Qual o papel do professor?

8) Quais as relações entre Pedagogia e Didática?

9) Por que se afirma que a Didática é o eixo da formação profissional?

LIBÂNEO, José Carlos. DIDÁTICA. São Paulo: Cortez, 1994.

Educação, o que é isso? Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.

(Guimarães Rosa)

61

Já disse um filósofo que nós, os seres humanos, fomos condenados à liberdade. Aí está: condenação e libertação como partes inseparáveis do ser individual e social que é o homem. Não é que estejamos permanentemente oscilando entre essas duas realidades, que sejamos ora condenados e ora livres. Mas é que somos, ao mesmo tempo, as duas coisas, constantemente, em cada momento, escravos e livres.

Apenas para exemplificar de maneira simples: podemos estar livres em relação aos pais - até que ponto? - e escravos no tocante à escola; livres quanto a esta última, mas escravos quanto ao trabalho, e assim por diante. Todavia, tudo isso é muito relativo: mesmo separados da família, conservamos as influências do tempo de convivência; longe da escola, carregamos as marcas que ela nos imprimiu.

Com a educação acontece o mesmo: trata-se de um processo que escraviza e liberta simultaneamente, mas do qual ninguém consegue escapar, do nascimento à morte. A educação é, em suma, um processo universal. E, na definição do processo educacional, não podemos fugir das influências que sofremos em nossa própria formação. Assim é que, ao procurar definir o que entendo por educação, não deixo de refletir, em parte, o processo educacional ao qual fui submetido. E como esse processo teve uma presença marcante da Filosofia, minha definição buscará ser globalizante, interdisciplinar, na tentativa de compreender a perspectiva da qual as diversas disciplinas procuram explicar a educação.

E a primeira observação que faço é a de que parece existir algo de comum entre as várias perspectivas, que é uma espécie de definição elicotômica da educação, na qual esta é sempre classificada em dois termos opostos.

Vejamos: pelo ponto de vista meramente descritivo - geográfico - o processo educacional é classificado em formal e informal; a Didática fala-nos seguidamente da educação como processo e como produto; na Moral vamos encontrar a ênfase na distinçào educacional entre o certo e o errado, o bom e o mau etc.; já a Filosofia tem se esmerado em separar os fins dos meios no processo educacional; o estudo da educação como prática

62

individual, em oposição à prática coletiva, parece ser um ponto recorrente em Psicologia.

Quando a perspectiva é a da Política, torna-se comum à distinção entre educação autoritária e educação democrática; historicamente, a oposição verifica-se entre a educação opressora e a educação libertadora; finalmente, talvez possamos identificar como predominantemente sociológica a perspectiva que coloca em campos opostos a educação reprodutivista e a educação crítica.

A segunda observação diz respeito a uma definição geral de educação, que seria, digamos, aplicável a qualquer uma das distinções anteriores. Trata-se da educação vista como a influência que as gerações consideradas adultas exercem sobre as gerações mais jovens, com o objetivo de levá-las a desenvolverem-se - física, intelectual e moralmente - de acordo com as expectativas da sociedade ou, por outra, dos grupos sociais dominantes.

Então, a educação, sendo universal, varia de sociedade para sociedade, de um grupo social a outro, segundo as concepções que cada sociedade e cada grupo social tenham de mundo, de homem, de vida social e do próprio processo educativo. Ressalta, desta observação, a enorme importância que tem o estudo da história da educação, pois nos permite avaliar como foi entendida e praticada a educação, em épocas e sociedades diferentes. Possibilita-nos, ainda, entender a educação como um processo dinâmico, histórico, e por isso mesmo mutável, e cuja compreensão exige a superação das dicotomias acima citadas.

Educação Formal X Educação Informal Desde o nascimento, não importa nossa condição sócio-econômica ou o regime político sob o qual vivemos, o processo educacional atinge-nos por todos os meios e cerca-nos de todos os lados: somos conduzidos a comportarmo-nos de determinadas maneiras, a assumir posições consideradas adequadas (aspecto físico); a mantermos relações de respeito com as pessoas adultas (afetividade); a convivermos satisfatoriamente com nossos iguais, cumprindo nossos deveres sociais (socialização); a compreendermos o mundo em que vivemos (cognição); a agirmos de acordo com princípios e regras morais; e assim por

63

diante. É preciso notar, entretanto, que grande parte das aprendizagens citadas ocorrem informalmente, isto é, não existe um processo sistemático, intencional, que nos conduza a elas. O desenvolvimento de tais processos resulta muito mais da convivência social, da vida em comum que temos com nossos semelhantes - sejam eles pais, irmãos, amigos, colegas e outros - do que do ensino direto e explícito dos mesmos. A tais influências que recebemos constantemente, em qualquer lugar em que nos encontramos - em casa, na rua, no trabalho, no bar etc. - e às mudanças a que nos levam, é que se dá o nome de educação informal.

Vejamos um exemplo concreto e simples: a mãe esforça-se por todos os meios para ensinar à criança que não deve falar "palavrões", e chega até a castigá-la quando os fala, mas, ao mesmo tempo, vive pronunciando "palavrões" de toda a espécie. Naturalmente, a criança tenderá a imitar a mãe, apesar dos castigos.

Temos, neste exemplo, o ensino informal do "palavrão", que a criança aprende mediante a convivência com a mãe, embora esta insista em ensinar a criança a não imitá-la. Mas temos também a chamada educação formal, que consiste na insistência sistemática para que a criança não fale "palavrões". Não é preciso dizer que, ao menos neste caso e em outros semelhantes, a educação informal é mais eficiente que a educação formal.

A educação formal ocorre, portanto, sempre que se desenvolve sistematicamente, segundo planos que incluem objetivos, conteúdos e meios previamente traçados. Diz-se, a partir da definição anterior, que a escola é a agência por excelência da educação formal. No entanto, esta ocorre também na família, na igreja e em outras instituições, sempre que se utilizam meios considerados adequados para atingir intencionalmente determinados fins, que são os fins do processo educacional em questão.

Não podemos esquecer, entretanto, que ambos os processos — a educação formal e a informal — ocorrem simultaneamente, na maioria das situações educacionais. Na própria escola, considerada a principal responsável pela educação formal, os

64

alunos geralmente aprendem muito mais da convivência com colegas e professores — de suas atitudes, de sua maneira de falar, de seus gestos, da forma com que encaram o homem e o mundo e que transmitem mediante seus atos — do que por influência do ensino direto, formal, que o professor faz das matérias escolares. Aí está o ponto: não há momentos em que só aprendemos formalmente e outros em que só aprendemos informalmente. As duas formas de educação coexistem, na escola e fora dela. E, para que a própria educação escolar se torne mais eficaz, é necessário que professores e alunos tomem consciência do grande alcance dos processos informais de educação, que são permanentes na escola, e que os levem em consideração ao desenvolverem suas atividades, buscando a coerência entre o dizer e o fazer, entre o pensar e o agir, entre o sentir e o falar.

Educação como Produto X Educação como Processo Trata-se de uma distinção freqüente em Didática. E a Didática moderna enfatiza a superioridade do processo, em termos educacionais. Isto é, para que a educação seja eficaz, produza resultados duradouros, é necessário que o aluno aprenda a auto-educar-se e não a receber a educação e o conhecimento como produtos prontos e acabados, que deve absorver e reproduzir da mesma forma.

A distinção é real: uma coisa é memorizar uma fórmula matemática e aplicá-la automaticamente ao problema e outra, bem diferente, é aprender o processo de dedução da mesma fórmula; uma coisa é aprender a data da independência do Brasil e outra, bem diferente, é entender o processo desse acontecimento e todas as suas implicações. A assimilação do produto encerra-se em si mesma, é isso e acabou; o entendimento do processo capacita-nos a enfrentar outras situações, a resolver outros problemas, a analisar outros fatos históricos.

Mas a coisa não é tão simples como pode parecer. O próprio professor de Didática, muitas vezes, ensina formalmente que a educação deve ser encarada como processo, mas o faz transmitindo tal informação como um produto pronto e acabado.

65

Isto é, informalmente ensina, em sua prática escolar, que a educação é um produto, pois é esta a forma como a encara em seu exercício profissional. É preciso, portanto, que haja coerência e que a própria superioridade da educação como processo, e tudo o mais que se ensina na escola, não seja fornecida como um produto pronto, mas que o aluno seja a ela conduzido mediante o próprio processo educacional, na prática cotidiana da sala de aula.

Contudo, se todo produto resulta de um processo, e se o domínio deste é de alto valor educativo, não é menos verdade que todo processo deve levar a um produto. Ou seja: o processo de dedução de uma fórmula conduz a um produto, que é a própria fórmula; o processo de independência leva a um produto, que é a própria independência. A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o processo e o produto de conhecimento coexistem na educação, um não existe sem o outro e ambos são importantes.

Educação Certa X Educação Errada Guimarães Rosa expressou magistralmente esta característica da educação brasileira — o maniqueísmo — que divide o mundo em duas partes: a certa e a errada, a boa e a ruim: "Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza. Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado..." (ROSA, J.

Guimarães. Grande sertão: veredas. 16. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 207). Trata-se de um moralismo autoritário que continua impregnando nossa educação, agora sim de maneira formal e informal e como conteúdo e processo. Mas é um moralismo com endereço certo, que identifica o bom com os valores burgueses, que contribuem para preservar o poder da burguesia: o poder econômico camuflado em mérito e capacidade; o espírito pacífico e ordeiro encobrindo a violência como única alternativa dos marginalizados; a ascensão social como sonho a entorpecer a luta dos trabalhadores; a crença na felicidade eterna como meio a estimular a renúncia a esta vida; a pobreza como sendo um

66

estado de espírito, pois "o dinheiro não traz a felicidade"; e assim por diante.

Mais do que nunca é preciso recuperar a noção de homem como ser integral, espírito e corpo formando uma unidade individual, um ser em formação permanente, que engloba as contradições deste mundo. Somos todos feitos do mesmo pó e caminhamos todos para o mesmo fim, sujeitos aos tropeços que atingem a todos. Igualmente responsáveis pela construção de um mundo habitável, cabe à educação papel importante na disseminação da idéia de que esse mundo só será possível mediante o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, em qualquer circunstância em que ela se encontre.

A escola não pode prestar-se à classificação dos indivíduos — bons e maus, sábios e ignorantes, e outros rótulos. Cabe-lhe, isto sim, servir à sua realização humana, individual e social.

Educação como Meio X Educação como Fim Há educadores que atribuem exclusiva ou exagerada predominância aos meios. Cheios de cuidados em relação aos recursos — materiais e humanos — e aos métodos de ensino, esquecem-se da finalidade para a qual, consciente ou inconscientemente, estão conduzindo os educandos. Preocupados com os mínimos detalhes exteriores do processo — maneira de falar e de escrever, limpeza, ordem, conformidade com as regras etc. — desprezam o fim a que leva essa preocupação e a concepção de educação e de homem que por trás dela se esconde.

Na verdade, todo e qualquer processo educacional leva a um fim, conduz à formação de um ser humano que tem uma teoria e uma prática sociais determinadas, tenha ou não o educador consciência disso.

Outros enfatizam os fins. Frases do tipo "utilizado por um bom educador qualquer método funciona" e "o bom educador não precisa de recursos, basta-se a si mesmo" são ouvidas freqüentemente. Entre os que privilegiam os fins há ainda aqueles que são avessos a qualquer planejamento, descambando muitas vezes para a doutrinação pura e simples, procurando inculcar seus próprios conceitos e preconceitos e

67

inibindo todo e qualquer pluralismo, que é essencial ao processo educativo. Existem, também, os que se perdem em intermináveis e abstratas discussões acerca da educação e de suas finalidades, sem que as mesmas tenham qualquer repercussão em seu exercício profissional como educadores.

A discussão em foco não tem fim. Acredito mais: a excessiva importância que a ela se dá é prejudicial ao próprio processo educacional e ao entendimento do que ele seja. Importa, isto sim, darmos mais atenção a outra questão, esta de caráter verdadeiramente fundamental: como integrar os meios e os fins na atividade educativa? Pois, desta integração, não meramente teórica e abstrata, mas ao mesmo tempo prática e concreta, é que depende o sucesso da educação. Não o sucesso em termos de se atingirem, simplesmente, os objetivos previamente traçados. Mas o sucesso quanto à possibilidade, inclusive, de se analisarem estes mesmos objetivos, com vistas à realização humana, individual e social, de educadores e educandos.

É preciso tomar consciência de que determinados meios levam a certos fins, que nem sempre são os que o educador tem em mente, e que certos fins pressupõem determinados meios. Assim sendo, não conseguiremos construir uma escola democrática utilizando meios antidemocráticos; não poderemos preparar o educando para "o exercício consciente da cidadania", se não criarmos na escola oportunidades concretas para tanto.

Educação como Prática Individual X Educação como Prática Coletiva A oposição entre prática individual e prática coletiva no processo educacional é outra das tantas falácias que desviam os educadores de seu verdadeiro trabalho, que é a educação. Não há como supervalorizar o indivíduo ou a sociedade, em prejuízo de um ou de outro pólo da dicotomia. Os que assim procedem estão descaracterizando o processo educativo, que só se realiza mediante a composição dos mesmos, pois há uma intercomplementaridade entre ambos: o social não existe sem o individual e vice-versa.

O homem é um ser social, é o social que lhe fornece a especificidade, já escreveu Aristóteles há cerca de 2 500 anos. E

68

Piaget, no século XX, diria que a reflexão é uma discussão que se tem consigo mesmo, "uma conduta social de discussão interiorizada", ao passo que a "discussão socializada é apenas uma reflexão exteriorizilda".

O processo educacional pode ter início tanto no indivíduo — a curiosidade acerca de um fenômeno, por exemplo — quanto na sociedade, como seria no caso da transmissão de alguma informação por iniciativa de alguém ou de alguma instituição. Mas, seja qual for o ponto de partida, o processo só se completa no outro pólo: quando se inicia no indivíduo vai completar-se na sociedade que fornecerá ou não os elementos para a satisfação da curiosidade; quando se inicia fora do indivíduo, é nele que vai concluir, na medida em que aprenderá ou não a informação oferecida.

Melhor dizendo, o processo não tem fim, é constante, pois uma curiosidade satisfeita produz a busca de novos conhecimentos, sempre mais completos, e a informação aprendida leva à necessidade de novas informações.

É na integração equilibrada entre o individual e o social — que busca a superação tanto do individualismo exacerbado, que desconhece o social, quanto do aniquilamento das potencialidades individuais por imposição externa — que se realizam a autêntica educação e a própria vida humana em seu verdadeiro sentido.

Por extensão, as instituições educativas — a família, a escola e outras — não podem fechar-se em si mesmas, sob pena de prejudicarem a educação e o desenvolvimento do indivíduo, mas devem abrir-se ao mundo circundante, estabelecendo com ele uma comunicação permanente. Somente dessa maneira poderão tais instituições acompanhar criticamente a evolução da sociedade, adaptando-se a suas mudanças, influindo, ao mesmo tempo, na orientação das mesmas. Indivíduo e escola e escola e sociedade não são entidades estanques, que se desconhecem, mas dinâmicas, cujo desenvolvimento depende das relações que mantêm entre si.

69

Educação Autoritária X Educação Democrática Há que distinguir entre autoridade e autoritarismo. A primeira não deixa de ser fundamental no processo educacional, pois é sobre a autoridade do mestre — fundada em sua experiência, em seu conhecimento e em sua competência — que o mesmo repousa. Já o segundo trata-se de uma excrescência, de uma usurpação arbitrária do poder, que pretende fundar o processo educativo na imposição pura e simples de um ponto de vista, mais do que de uma "verdade" científica, de um estereótipo comportamental mais do que de uma orientação aberta e pluralista.

A democracia, por seu turno, não exclui a autoridade. Antes, pelo contrário: só existe democracia quando coexistem autoridade e liberdade, pois a verdadeira autoridade assenta na liberdade que têm os indivíduos de. em face de várias opções, escolherem o caminho que lhes parece, no momento, o mais acertado, que lhes permita, no seu entender, a realização pessoal e social que buscam concretizar.

A democracia é uma conquista da humanidade, que importa conservarmos e aperfeiçoarmos constantemente. É o único sistema que permite nosso desenvolvimento como pessoas autônomas, em todos os sentidos, isto é, como sujeitos de nossa própria história.

Cabe à escola contribuir com sua parcela de responsabilidade nessa tarefa comum. Não apenas com preleções sobre a democracia e sua importância para a humanidade, mas, sobretudo, com a implementação de práticas democráticas no cotidiano escolar. Tanto na administração externa e interna da escola quanto no trabalho especificamente pedagógico, que é a atividade docente desenvolvida em sala de aula. É aqui que parece estar o fulcro da questão: muitas vezes não há dificuldades em ser democrata no atacado, no abstrato das grandes discussões, nas questões meramente teóricas; o difícil está em praticar a democracia no varejo da sala de aula, no concreto da relação professor-aluno, no ensino propriamente dito.

E é para a prática da democracia que os professores devem preparar-se constantemente, pois é nela que se conhecem os

70

verdadeiros educadores. De que maneira? Não há melhor método que o exercício permanente da democracia. Trata-se, aqui também, de um processo que vai se construindo aos poucos, na exata medida em que vai sendo vivenciado pela população escolar.

Educação Opressora X Educação Libertadora Toda a educação é, em si mesma, opressora. A passagem do ser individual ao ser social não se faz sem um preço. E este preço é o controle sobre as tendências egoístas e individualistas exacerbadas. Controle que, de predominantemente externo, torna-se cada vez mais interno, com o decorrer do processo educacional. E que exige uma grande força de vontade, capaz de conduzir o indivíduo a maneiras de sentir, pensar e agir que se coadunem com uma percepção global da sociedade, que, por sua vez, ultrapassa percepções meramente particularistas.

É exatamente nesse processo que se pode dar o salto para a libertação. Pois não é apenas da opressão externa, e em busca de si mesmo, que o indivíduo precisa libertar-se. Deve libertar-se também de si mesmo, de suas tendências egocêntricas, para integrar-se na realidade social e nela atuar. E a escola cumprirá tanto mais a sua função quanto mais favorecer essa dupla libertação, sendo cada vez menos instrumento da opressão externa sobre o indivíduo e estimulando cada vez mais seu crescimento rumo à participação social consciente. Diria, portanto, que a opressão antecede a libertação, é uma etapa da própria libertação, nesse jogo dialético que constitui a vida e a própria educação. Se não, libertar-se de quê? Trata-se, no caso, de uma visão parcial do processo de desenvolvimento e de educação. Quando vistas globalmente, entretanto, no mesmo processo, opressão e libertação coexistem, podendo predominar ora a primeira, ora a segunda, ou, mesmo, equilibrar-se momentaneamente.

Cabe ao educador trabalhar pela libertação, tendo, porém, consciência permanente de que o processo será contínuo, que algum grau de opressão sempre existirá e que nunca alcançaremos a libertação total. Mas é exatamente essa busca constante que dá sentido à vida.

71

Educação Reprodutivista X Educação Crítica Reprodução, crítica e criação são processos inerentes ao desenvolvimento pessoal e social e, portanto, sempre presentes, em maior ou menor grau, na atividade educacional. Trata-se, certamente, de uma atitude antieducativa aquela que se limita a reproduzir o passado, mas esta reprodução não deixa de ser a base da crítica e da criação.

Condenável é a reprodução pura e simples, que impede o desenvolvimento da crítica e da criação. Mas também condenáveis são a crítica vazia e a criação a partir do nada. A primeira, por não ter consistência, e a segunda, por ser alienada; ambas, por distanciarem-se da realidade em que vivemos.

O processo educacional é dinâmico. Cabe-lhe estimular as novas gerações a construir um futuro melhor com base no conhecimento crítico da história. E, nesta construção, quantidade e qualidade, conteúdo e forma, são processos interdependentes, em que o predomínio exagerado de um ou de outro traz prejuízos ao desenvolvimento global.

Não é que não existam dicotomias e contradições, pois a educação é um processo dialético. Mas não podemos esquecer que o desenvolvimento dialético exige a superação provisória das contradições, mediante a formulação de sínteses também provisórias, que constituem novos pólos contraditórios, mas que orientam nosso pensamento e nossa ação em um dado momento. É esse movimento constante que torna a educação um processo vivo e palpitante, que não cessa de se renovar.

Como Melhorar a Comunicação Professor-Aluno “A eficácia máxima da comunicação não é alcançada senão quando a mensagem é compreendida pelo receptor.”

Abrahan Moles

72

O PROBLEMA

No atual sistema de ensino centralizado no professor e na

matéria, a tarefa de transmitir conhecimentos é a maior carga que o professor carrega sobre os ombros. Por sua vez, o aluno que deseja passar de ano vê-se obrigado a absorver uma considerável e cada dia maior quantidade de informações: conceitos, nomes, fatos, datas, cores, relações, quantidades, fórmulas, processos, normas etc., a maioria das quais ele recebe “via professor”.

A emissão, transmissão e recepção de informações, entretanto, é apenas uma das funções da comunicação entre professor e alunos. Da boa comunicação dependem não só a aprendizagem, mas também o respeito mútuo, a cooperação e a criatividade. Vamos tentar identificar os principais problemas que atualmente atrapalham a comunicação professor-aluno, visando a descobrir os pontos de estrangulamento:

- O problema fundamental, a nosso ver, consiste no fato de que o professor em geral não percebe que é um mau comunicador, da mesma maneira que são poucos os padres que acham ruins seus sermões.

- O professor está mais preocupado em expor sua matéria, isto

é, em falar, que em comunicar, isto é, despertar atenção e interesse, mobilizar a inteligência do aluno, ser entendido por este e induzi-lo à expressão e ao diálogo. O professor acha que sua função consiste em transmitir conhecimentos e que é obrigação do aluno ouvir e compreender. Não percebe que a atenção e a aprendizagem são processos que às vezes devem

ser provocadas. - Às vezes, o professor tem suas idéias tão mal, ou tão perfeitamente organizadas, que não há nelas lugar para a imaginação criativa dos alunos. Ambos os extremos produzem uma comunicação falha: quando as idéias do professor estão

desorganizadas, sua mensagem é confusa e insegura, e os

alunos não conseguem perceber a estrutura do assunto. Quando estão demasiadamente organizadas, o professor em geral não gosta de ser interrompido nem de aceitar contribuições dos

73

alunos. Ele evita tudo o que ameaça desorganizar o belo edifício mental que traz preparado. - O professor expõe partindo da premissa de que, se os alunos mais inteligentes da primeira fila entendem o que ele fala, todos os demais também entenderão. E não se preocupa em verificar se isto ocorreu ou não.

- O professor utiliza conceitos ou termos que ainda não existem na experiência dos alunos. Ou, se existem, é provável que cada um lhes atribua um significado diferente. Vejamos um exemplo: o professor emprega o termo “conjuntura”. Se perguntasse aos alunos o que entendem por “conjuntura” ficaria surpreendido com respostas tão variadas como “acontecimentos de curto prazo”, “situação em um período dado”, “articulação de ossos”, “contexto”, “interseção de estradas”, “coincidência de opiniões” etc.

- O professor não se preocupa em aumentar o vocabulário dos alunos, o que poderia ser feito explicando os significados e as diversas aplicações dos novos termos. - O professor coloca tantas idéias em cada exposição que somente algumas delas são compreendidas e retidas. Pela pressa em dar maior quantidade de matéria possível, o professor não repete as idéias principais, nem se detém o tempo necessário para que os alunos de raciocínio mais lento as assimilem.

- Alguns professores falam tão rápido ou articulam as palavras tão mal que muitas das idéias não são percebidas pelos alunos. Outros professores falam em voz tão baixa ou em tom tão monótono, que não conseguem manter a atenção dos alunos.

- O professor não utiliza meios visuais para comunicar conceitos ou relações que exigem apresentação gráfica. Assim, um professor de Entomologia, por exemplo, descreve apenas verbalmente os insetos do algodão: tamanho, forma, cor etc., características todas que exigem visualização objetiva.

- O professor utiliza os meios visuais de uma forma inadequada: por exemplo, emprega o quadro-negro sem planejamento algum, escrevendo e desenhando ora aqui, ora ali, com muita confusão e desordem. As Ietras muito pequenas ou pouco claras são mal

74

decifradas pelos alunos das últimas fileiras. Outro exemplo: o álbum seriado é empregado por alguns professores como um roteiro de aula e não como uma série de estímulos para o pensamento dos alunos. Outros projetam filmes, como substituto da aula, sem justificar seu papel na estratégia didática.

- Mas, de todas essas deficiências, a pior é a tendência do professor ao monólogo, à "salivação" sem diálogo, o que traduz sua falta de interesse pela participação ativa dos alunos. Quanto mais passivos e "bem disciplinados" forem os alunos, mais felizes são alguns professores.

Entretanto, não é justo atribuirmos toda a responsabilidade das deficiências da comunicação ao professor. Os alunos também contribuem com sua importante quota de problemas:

- O aluno tem uma forte tendência a não prestar atenção ao que o professor está dizendo. Por diversas razões (a força competitiva de outros estímulos atuantes em sua vida: namoradas, esportes, trabalho, família, saúde; as suas atitudes negativas contra figuras de autoridade; o seu desinteresse pela matéria em pauta) o aluno pode passar consideráveis períodos na classe fazendo qualquer outra coisa em lugar de atender às palavras do professor.

- Muitos alunos têm preguiça de pensar e, aplicando de menor esforço, adotam uma atitude de passividade e desligamento. (É verdade que esta atitude pode ser um produto de experiências escolares anteriores em que justamente se estimulava a passividade.)

- O aluno que, por preguiça, quer confiar em sua memória, não toma notas das idéias expostas pelo professor. Depois percebe que esqueceu mais da metade.

- O aluno pode manter uma atitude antagônica de rejeição e revolta contra um determinado professor. Essa disposição mental gera um bloqueio inconsciente contra a assimilação da matéria ensinada.

75

- Certas matérias difíceis e abstratas, como Matemática, Estatística, Teoria Econômica etc, exigem dos alunos exercitar uma atividade intelectual fora do comum. Por falta de prática do pensamento operatório abstrato (J. Piaget) o aluno não acompanha o raciocínio e apenas memoriza as questões, sem realmente compreender sua estrutura e alcance. Esse é um produto típico da educação “bancária”: o professor pensa pelo aluno e quando este se vê obrigado a pensar por sua conta, sua falta de prática o trai.

- O aluno às vezes pensa que entendeu o que o professor está falando e não pede esclarecimentos. Porém, mais tarde, comprova que não entendeu realmente.

- A causa mais séria da ineficiência comunicativa do aluno,

entretanto, é sua falta de desejo de aprender; quando existe esse desejo, todos os demais obstáculos de ordem física ou psicológica são vencidos pelo aluno. Mas muitos nunca vão além de uma atitude de "aceitar serem ensinados", sem jamais chegar

a um desejo positivo e entusiasta de aprender. Apesar disto ser, em parte, um problema para o qual o professor deve ajudar a

resolver, cabe ao aluno a decisão pessoal de sua própria modificação.

ENSINAR NÃO É SÓ COMUNICAR

“O PROFESSOR X TEM UMA ADMIRÁVEL FACILIDADE DE EXPOSIÇÃO DA SUA AULA, NUMA FORMA TÃO BEM ESTRUTURADA E CLARA QUE ENTENDEMOS TUDO: NÃO PRECISAMOS NEM PERGUNTAR NADA, ELE É UM GRANDE COMUNICADOR!”

Mas será um grande professor?

Muitos professores acham que é seu dever comunicar o máximo do que sabem aos seus alunos, na forma melhor estruturada possível. Daí, por exemplo, o abuso do álbum seriado empregado como roteiro estruturado da matéria.

76

Ensinar, entretanto, não é somente transmitir, não é somente

transferir conhecimentos de uma cabeça a outra, não é somente comunicar. Ensinar é fazer pensar, é estimular para a identificação e resolução de problemas; é ajudar criar novos hábitos de pensamento e de ação. Isto não significa que a exposição não deva ter estrutura alguma, ou que seja melhor o professor ser um mal comunicador.

Significa, sim, que a estrutura da exposição deve conduzir à problematização e ao raciocínio e não à absorção passiva das idéias e informações do professor. Significa ainda que o professor deve ser um comunicador dialogal e não um transmissor unilateral de informação. Ser um comunicador, por outro lado, não é agir como um "showman" e menos ainda como um persuasivo doutrinador. Significa desenvolver "empatia": colocar-se no lugar do aluno e, com ele, problematizar o mundo para que, ao mesmo tempo que aprende novos conteúdos, desenvolva seu máximo tesouro: sua habilidade de pensar.

PONTOS-CHAVE

Se examinarmos a lista de problemas citados da comunicação professor-aluno, comprovaremos que os pontos de estrangulamento giram em torno de:

- Problemas psicológicos relacionados com percepção, atenção, motivação, atitudes, memória, hábitos de pensamento.

- Problemas semiológicos relacionados com o emprego de signos e códigos para comunicar: palavras, gestos, tom de voz, coisas escritas no quadro negro.

- Problemas semânticos relacionados com o significado das palavras, dos objetos e das pessoas, e sua interpretação.

- Problemas sintáticos relacionados com a estrutura ou organização dos conteúdos e dos signos.

- Problemas cibernéticos relacionados com a retroinformação e o diálogo, com a quantidade de idéias transmitidas por diversos canais e com a capacidade deste para levar sinais.

77

Esta lista de focos ou áreas de pontos-chave vem demonstrar a complexidade do processo da comunicação, mas também vem nos oferecer um caminho para uma solução, que é apelar às ciências básicas: Psicologia. Semiologia, Semântica, Sintática, Cibernética, na procura de subsídios para melhorar nossa ação de comunicar. Neste momento não analisaremos separadamente as contribuições de cada uma dessas ciências para a compreensão do processo da Comunicação. Estudaremos o processo de forma global, utilizando, de maneira integrada, conceitos tirados de quaisquer dessas ciências, visto que a nossa intenção não é a análise científica do processo de comunicação, mas a derivação de aplicações práticas que ajudem a melhorar seu emprego pelo professor.

TEORIZAÇÃO

O ato de comunicar, em geral, é deflagrado por

um objeto ou assunto, em uma situação determinada. Ou seja, as pessoas se comunicam com respeito a alguma coisa e o fazem em um contexto situacional determinado.

78

No ato de comunicar, a pessoa que inicia o processo o faz com uma certa intenção ou objetivo escolhido (consciente ou inconsciente) entre todos os objetivos possíveis de seu repertório. Apela em seguida para o seu repertório de idéias e experiências e escolhe aquelas que lhe servem para sua intenção ou objetivo. Agora apela para o seu repertório de signos ou códigos, para com eles representar suas idéias. Finalmente escolhe no repertório de meios o melhor veículo para transmitir os signos, e o melhor tratamento dos signos para fazer uma mensagem adequada e efetiva.

UM MODO DE COMUNICAÇÃO

Os diversos elementos e processos que intervêm na comunicação interpessoal podem resumir-se no seguinte modelo:

É importante lembrar que a comunicação é um processo

dinâmico e não mecânico, o que significa que, embora seus elementos sejam colocados no modelo como partes separadas, na realidade, todos eles agem de maneira simultânea e interativa.

Por outra parte, a comunicação é parte orgânica da própria

79

vida e não consiste apenas na emissão e recepção de mensagens deliberadas. Assim, por exemplo, ao mesmo tempo que o professor está comunicando, ele está recebendo e processando toda classe de sensações internas e externas, acontecendo a mesma coisa com os alunos. A seguir apresentam-se algumas considerações sobre os diversos processos que intervêm na comunicação interpessoal.

a) As funções da comunicação

Quanto ao repertório de intenções pensemos quantas coisas pode pretender conseguir o professor quando se dirige aos alunos: informar, convencer, disciplinar, ferir, recompensar, perguntar, persuadir, comover etc... etc. Umberto Eco (41) esclarece que as diversas funções da mensagem aparecem raramente isoladas. Em geral coexistem todas na mesma mensagem ainda que uma predominante. Assim classifica Eco as funções:

1- Função indicativa ou referencial: A mensagem "indica" algo, seja um objetivo ou idéia.

2. Função emotiva: A mensagem quer suscitar emoções (associações de idéias, projeções, identificações etc.).

3. Função imperativa: A mensagem tenta impor um comportamento.

4. Função de contrato: Procura estabelecer vínculo psicológico com o receptor (Por exemplo a ação de cumprimentar).

5. Função estética: Pretende criar uma sensação harmoniosa (Exemplo: um quadro).

6. Função metalingüística: A mensagem fala de outra mensagem ou de si mesma.

80

b) Os meios de comunicação

No seu repertório de meios, o professor pode contar com meios individuais, tais como a instrução programada e o estudo

orientado; meios grupais, tais como a discussão, o painel, o

seminário, a excursão etc., e meios coletivos, tais como a TV, o rádio, a imprensa e o mais tradicional de todos: o livro. Os meios, segundo McLuhan (42) são extensões do homem: foram inventados para multiplicar a força e o alcance da capacidade humana de emitir mensagens. A fala individual, por exemplo, não iria muito longe sem o rádio, o telefone, o alto-falante, a televisão.

c) O repertório de signos

O conceito de signo é a base da Comunicação. "Todo objeto material ou a propriedade desse objeto, ou um acontecimento qualquer, converte-se em signo quando, no processo de comunicação, serve, dentro da estrutura de uma linguagem adotada pelas pessoas que se comunicam, ao propósito de transmitir certos pensamentos sobre a realidade (isto é, concernentes ao mundo exterior ou a experiências internas, emocionais, estéticas, volitivas etc... de qualquer dos partícipes

do processo de comunicação" (SCHAFF, Adam. Introducción a Ia Semántica. México: Fondo de Cultura Econômica, 1962, p. 180). Recentemente está chamando bastante atenção o papel

dos signos não-verbais na comunicação humana, tendo sido observado que às vezes as palavras de uma pessoa não dão a mesma mensagem que seus olhos ou seus gestos. Para alguns antropólogos como Hall, a cultura inteira é um sistema de signos. A comunicação será efetiva se o comunicador levar sempre em conta os repertórios correspondentes do receptor. Se ele utilizar uma idéia ou uma experiência que não existir no repertório respectivo do receptor, este não entenderá a mensagem. Se o comunicador escolher signos que não figurem no repertório de signos do receptor, não haverá comunicação.

81

Vemos logo que a tarefa de comunicar é mais fácil e efetiva quando o professor conhece bem os seus alunos, pois isto significa que conhece seus repertórios de objetivos, idéias e experiências, signos e meios. A tarefa do professor não consiste apenas em conhecer os repertórios dos alunos, mas principalmente em ajuda-los a modificar e aumentar seus repertórios. Este crescimento, entretanto, não é somente quantitativo, mas consiste em uma

modificação da estrutura sistêmica dos repertórios. Vejamos, por exemplo, como está organizado o sistema de signos de um professor:

- O professor em si é um conjunto de signos: a cor de sua pele, sua roupa, sua forma de falar, indicam sua classe social, seu grau de educação, sua origem geográfica, sua auto-imagem, sua atitude para com os outros.

- Para comunicar-se, ele utiliza diversos tipos de códigos:

O código icônico compreende as representações visuais dos objetos, tais como fotografias, desenhos, modelos etc.

O código lingüístico é o da linguagem em que fala.

O código cinético compreende signos que implicam movimentos, tais como os gestos.

O código sonoro compreende os sons quando utilizados para expressar emoções ou idéias. Assim, quando o professor bate palmas para chamar os alunos de volta à atenção, faz um ruído que tem um significado. O professor maneja todos estes códigos combinadamente, como

um sistema. O processo de representar suas idéias, emoções ou

experiências, utilizando estes signos, chama-se processo de codificação.

d) Os processos de recepção

82

Pensemos agora no receptor. Quando a mensagem chega aos órgãos sensoriais do receptor, o primeiro processo que tem lugar

é o da percepção. A percepção tem uma base puramente física, mas também sofre influência pela dinâmica psicológica do receptor. Assim, por exemplo, se, por um lado, a mensagem verbal do professor é percebida melhor se vem falada em voz alta e clara, com boa articulação e modulação (base física), por outro lado é melhor percebida se o aluno estiver interessado no assunto e não tem uma atitude negativa contra o professor (base

psicológica). A equação pessoal faz com que a percepção

seja seletiva: não percebemos todos os estímulos que atingem

nossos órgãos porque possuímos uma espécie de filtro perceptual que deixa passar certos estímulos e deixa outros para fora. Vemos melhor aquilo que desejamos ver. Após a percepção dos signos, o segundo processo é

a decodificação. Subconscientemente, o receptor compara os signos percebidos com o seu repertório e decifra a equivalência. Se os signos percebidos não existem no repertorio, o receptor

apela ao contexto da mensagem para indagar qual poderia ser o referente desse signo faltante.

O terceiro processo é o da interpretação. A mensagem em sua

totalidade é referida ao assunto sobre o qual se está comunicando; é conferida com os demais repertórios do receptor, é comparada a seu conhecimento dos repertórios da fonte, e à situação em que a mensagem é recebida. Dessa forma, a

interpretação, ou atribuição de significado para uma mensagem é algo totalmente pessoal e exclusivo de cada aluno. O significado real da mensagem será diferente para cada receptor, pois cada um deles tem um marco de referência próprio e pessoal para sua interpretação.

O quarto processo é a reação ou resposta. O processo de interpretação da mensagem recebida produz no receptor um desequilíbrio de seus sistemas ou repertórios, desequilíbrio ou tensão que é tanto mais sério quando afeta a imagem ou idéia que o receptor tem de si mesmo. O receptor reage frente a este desequilíbrio ou tensão criado na sua mente, e a reação pode tomar variadas formas, algumas das quais são as seguintes:

- fecha-se à mensagem e a ignora totalmente (pelo menos no plano consciente);

83

- aceita-a e incorpora-a ao seu repertório de idéias e experiências, modificando-a na passagem pelo seu repertório de intenções, e objetivos;

- aceita parcialmente a mensagem e comunica à fonte este fato, ou pede mais dados e explicações;

- sente-se ameaçada ou insultada pela mensagem, e reage violentamente tomando alguma ação externa contra a fonte;

- outras reações.

O professor que presta atenção a essas reações, que

chamamos retroinformação (feed-back) encontra nelas a forma para reajustar suas mensagens, o que exige uma grande flexibilidade mental, uma abertura psicológica para Ievar em conta o efeito produzido nos repertórios mentais do aluno. Daí a

importância da imagem que o professor tem do aluno. A eficiência da comunicação depende do emprego que o professor faz da retroinformação. O aluno também necessita de retroinformação, o mais imediatamente possível, para reajustar seus processos de percepção, decodificação e interpretação. A solução mais completa é o diálogo em todas as suas formas. É importante destacar que os processos da recepção da mensagem ocorrem todos simultaneamente e interagindo uns com os outros.

Podemos dizer, sem medo de errar, que a estrutura mental do receptor condiciona a recepção e aceitação de mensagem.

e) A estrutura do conteúdo

Foi destacada a importância da estrutura mental do receptor na aceitação e assimilação de uma mensagem. Agora precisamos demonstrar que tal assimilação depende da estrutura própria da

matéria a ser comunicada. Os estudos mostram que a comunicação é facilitada se estruturarmos nossa mensagem de maneira que o receptor perceba a sua estrutura, ou seja, a relação existente entre os diversos conhecimentos isolados.

84

f) O tratamento da mensagem

Não é somente sua estrutura ou organização interna, contudo, o

que faz didática uma mensagem. Também

otratamento ou estilo de sua apresentação é relevante. É esse tratamento da mensagem que faz a diferença entre o professor agradável e o professor maçante. Para terminar esta teorização do processo da comunicação,

mencionamos três conceitos úteis: interferência, redundância e paralinguagem. Interferência é tudo o que faz a comunicação menos fiel e menos eficiente. Na situação de aula podem constituir interferência a luz da janela lateral que torna ilegível o que está escrito no quadro-negro e as marteladas dos pedreiros que estão reparando os banheiros da escola. As interferências podem ter outras bases, como o gaguejar do professor ou seu tique nervoso que distrai os alunos.

Redundância é uma repetição ou reiteração de uma idéia ou de um signo visando à melhor percepção e compreensão por parte dos alunos. A redundância é de certo modo uma proteção contra as interferências. Um exemplo é quando o professor deseja complementar sua exposição oral com meios visuais, e ainda distribui folhas xerografadas. A redundância ou repetição é uma garantia contra a infidelidade da recepção.

Paralinguagem refere-se às mensagens secundárias que o professor transmite, às vezes involuntariamente, ao mesmo tempo que entrega sua mensagem principal. Digamos que ele tenha passado uma noite má; os alunos podem perceber esse fato pela paralinguagem: o professor tem olhos vermelhos, suas mãos tremem ao segurar o giz, sua fala soa cansada e distraída etc.

g) Conclusão

85

Em resumo, a comunicação é um processo de inter-relação entre pessoas, que se caracteriza por empregar signos ou códigos para formular mensagens e transmiti-Ias por diversos meios, visando a influir sobre os repertórios mentais de outras pessoas. A situação ou contexto em que tem lugar a comunicação é importante.

A compreensão de que o significado não é propriedade exclusiva da mensagem, mas uma resultante de sua interação com os repertórios do receptor, é essencial para ser um comunicador

eficiente. Somente quem sabe que osignificado depende mais da pessoa que escuta do que da mensagem emitida, preocupa-se em conhecer bem o receptor, em estimular o diálogo com ele e em ajustar suas mensagem à retroinformação dele recebida.

APLlCAÇÕES

Que consequências têm estas colocações teóricas no melhoramento da comunicação professor-aluno? Tomemos um por um os elementos básicos do processo: fonte, mensagem, meio e receptor, e vejamos algumas hipóteses de solução.

1) A fonte: o professor

- Ter intenções e objetivos claros. Fazer com que os alunos os conheçam, chegando com os mesmos a uma concordância ou consenso de objetivos básicos.

- Desenvolver a empatia ou capacidade de se colocar no lugar do aluno.

- Desenvolver uma atitude positiva e construtiva com respeito aos alunos e de otimismo em relação ao seu potencial de crescimento.

86

- Procurar o aumento e enriquecimento dos repertórios do aluno.

- Organizar as idéias de forma flexível e aberta. Isto exige um amplo e profundo domínio da matéria, pois somente as pessoas seguras podem dar-se ao luxo de não ter medo da discussão.

- Manter um constante esforço para receber retroinformação, verificando se os alunos entenderam a exposição e os termos nela usados.

- Analisar a estrutura interna dos diversos assuntos do curso bem como os diferentes problemas de comunicação que apresentam, para planejar uma estratégia didática adequada para cada tipo de problema.

2) A mensagem: a matéria ensinada e as orientações do professor

A primeira condição para a mensagem é que seja percebida clara e nitidamente pelos alunos. Voz alta, palavras bem articuladas, letras grandes, figuras claras sem muitos detalhes, bom contraste de cores, é o mínimo que o professor pode fazer para comunicar.

- A mensagem deve ter uma organização não

somente lógica, mas também psicológica. Deve começar com um elemento que desperte a atenção e provoque tensão ou desafio nos alunos: pergunta, afirmação chocante, problema, situação conflitante, dados novos ou originais. - A exposição deve ter em vista mais os alunos que a matéria em si, isto é, deve tentar propor perguntas de interesse para o aluno mais do que recitar as soluções já conhecidas pelo professor.

- A tentação de expor o tempo todo deve ser evitada. A exposição será apenas um instrumento para mobilizar o pensamento e as contribuições dos alunos.

O professor que aceita a contribuição dos alunos ficará surpreso ao verificar quantas palavras poderia poupar por hora de aula.

Muito do que o professor se considera obrigado a transmitir, já existe na experiência ou, no sentido comum dos alunos.

87

- Cada tipo de mensagem didática deve receber o tratamento exigido pelo tipo de aprendizagem envolvido e pelo correspondente problema de comunicação (ver Gagné), o que deve ser feito sempre com amenidade e simplicidade, utilizando tanto quanto possível termos familiares e explicando com comparações e exemplos o significado e alcance dos novos termos introduzidos.

- As idéias mais importantes deverão ser repetidas sob formas diferentes para não causar monotonia.

3) Os meios

Recomenda-se:

- Estimular os alunos a usarem canais diversos de informação e aprendizagem, além de escutar o próprio professor, contribuindo assim para enriquecer seu repertório de meios e melhor prepara-lo para aprender a aprender.

- Planejar as atividades didáticas, seja de tipo individual, grupal ou coletivo, em uma forma equilibrada, introduzindo cada meio ou técnica de acordo com suas próprias características.

- Combinar vários meios de comunicação de modo que cada um reforce e complemente o que o outro apresenta.

4) O receptor

Construir uma atmosfera de confiança e amizade entre os alunos, para que suas atitudes sejam positivas em relação ao professor e sua disciplina.

- Estimular nos alunos uma atitude permanente de curiosidade intelectual, para que desejem enriquecer seu repertório de idéias e experiências.

88

- Conseguir que associem a imagem do professor com um sentimento de suspense e de expectativa: "O professor que traz algo novo".

- Partir do nível em que os alunos estão e ajudá-los a comprovar seu próprio progresso, dando-lhes oportunidades de verificar a crescente validez de suas contribuições.

- Promover o desenvolvimento da empatia nos alunos, bem como o respeito às opiniões e pontos de vista alheios.

- Dar aos alunos que possuem um ritmo de assimilação mais lento, a oportunidade de "digerir" a informação.

BORDENAVE, Juan Díaz;.PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2003.

Novas Competências para Ensinar Organizar e dirigir situações de aprendizagem

Por que apresentar como uma nova competência a capacidade de organizar e de dirigir situações de aprendizagem? Ela não estaria no próprio cerne do ofício de professor?

Tudo depende, evidentemente, do que se esconde sob as palavras. O ofício de professor foi, por muito tempo, assimilado à

aula magistral seguida de exercícios. A figura do Magister lembra

aquela de Discípulo, que "bebe suas palavras" e nunca pára de se formar em contato com ele, elaborando posteriormente seu pensamento. Escutar uma lição, fazer exercícios ou estudar em um livro podem ser atividades de aprendizagem. Conseqüentemente, o professor mais tradicional pode pretender organizar e dirigir tais situações, mais ou menos como M. Jourdin fazia prosa, sem saber, ou mais exatamente, sem dar importância a isso. A própria idéia de situação de aprendizagem não apresenta nenhum interesse para aqueles que pensam que se vai à escola para aprender e que todas as situações servem supostamente a esse desígnio. Desse ponto de vista, insistir nas

89

"situações de aprendizagem" nada acrescenta à visão clássica do ofício de professor. Essa insistênda pode até mesmo parecer pedante, como se insistíssemos em dizer que um médico "concebe e dirige situações terapêuticas" mais do que simplesmente reconhecer que trata seus pacientes, assim como o mestre instrui seus alunos. Com exceção daqueles que estão familiarizados com as pedagogias ativas e com os trabalhos em didática das disciplinas, os professores de hoje não se concebem espontaneamente como "conceptores-dirigentes de situações de aprendizagem". Trata-se de uma simples questão de vocabulário, ou eles têm razões para resistir a uma maneira de ver que só pode complicar sua vida? Tomemos o exemplo do ensino universitário de

primeiro ciclo[1], tal como ainda dispensado na maioria dos países. A aula é dada em um anfiteatro, diante de centenas de rostos anônimos. Compreenda e aprenda quem puder! O professor poderia por um instante alimentar a ilusão de que cria, desse modo, para cada um, uma situação de aprendizagem, definida pela escuta da palestra magistral e pelo trabalho de tomada de notas, de compreensão e de reflexão que ela supostamente suscita. Se ele refletir, verá que a padronização aparente da situação é uma ficção e que existem tantas situações diferentes quantos alunos. Cada um vivencia a aula em função de seu humor e de sua disponibilidade, do que ouve e compreende, conforme seus recursos intelectuais, sua capacidade de concentração, o que o interessa, faz sentido para ele, relaciona-se com outros saberes ou com realidades que lhe são familiares ou que consegue imaginar. Nesse estágio da reflexão, o professor terá a sabedoria de suspendê-la, sob pena de avaliar que, na verdade, não sabe grande coisa a respeito das situações de aprendizagem que cria... Ver-se como conceptor e dirigente de situações de aprendizagem não deixa de ter riscos: isso pode levar ao questionamento de sua pertinência e eficácia. O sistema educativo construiu-se de cima para baixo. É por isso que as mesmas constatações valem, até um certo ponto, para o ensino médio e, em menor medida, para o ensino fundamental. Quando os alunos são crianças ou adolescentes, eles são menos numerosos e o ensino é mais interativo; há mais possibilidades

de exercícios e experiências feitas por eles (e não diante deles). Entretanto, enquanto praticarem uma pedagogia magistral e pouco diferenciada, os professores não dominarão

90

verdadeiramente as situações de aprendizagem nas quais

colocamcada um de seus alunos. No máximo, podem velar, usando meios disciplinares clássicos, para que todos os alunos escutem com atenção e envolvam-se ativamente, pelo menos em aparência, nas tarefas atribuídas. A reflexão sobre as situações didáticas começa com a questão de Saint-Onge (1996): "Eu, ensino, mas eles aprendem?". Desde Bourdieu (1966), sabe-se que só aprendem verdadeiramente, por meio dessa pedagogia, os "herdeiros", aqueles que dispõem dos meios culturais para tirar proveito de uma formação que se dirige formalmente a todos, na ilusão da eqüidade, identificada nesse caso pela igualdade de tratamento. Isso parece evidente hoje em dia. No entanto, foi necessário um

século de escolaridade obrigatória para se começar a questionar

esse modelo, opondo-lhe um modelo mais centrado nos aprendizes, suas representações, sua atividade, as situações concretas nas quais são mergulhados e seus efeitos didáticos. Sem dúvida, essa evolução — inacabada e frágil — tem vínculos com a abertura dos estudos longos a novos públicos, o que obriga a se preocupar com aqueles para os quais assistir a uma aula magistral e fazer exercícios não é suficiente para aprender. Há laços estreitos entre a pedagogia diferenciada e a reflexão sobre as situações de aprendizagem (Meirieu, 1989; 1990). Na perspectiva de uma escola mais eficaz para todos, organizar e dirigir situações de aprendizagem deixou de ser uma maneira ao mesmo tempo banal e complicada de designar o que fazem espontaneamente todos os professores. Essa linguagem acentua

a vontade de conceber situações didáticas ótimas, inclusive e principalmente para os alunos que não aprendem ouvindo lições. As situações assim concebidas distanciam-se dos exercícios clássicos, que apenas exigem a operacionalização de um procedimento conhecido. Permanecem úteis, mas não são mais o início e o fim do trabalho em aula, como tampouco a aula magistral, limitada a funções precisas (Étienne e Lerouge, 1997, p. 64). Organizar e dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos. É, sobretudo, despender energia e tempo e dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas

encaram como situações amplas, abertas, carregadas de

91

sentido e de regulação, as quais requerem um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas. Essa competência global mobiliza várias competências mais específicas:

. Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem.

. Trabalhar a partir das representações dos alunos.

. Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem.

. Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas.

. Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.

Vamos analisá-las, uma a uma, lembrando-nos de que todas contribuem para a concepção, organização e animação de situações de aprendizagem.

Conhecer para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem

Conhecer os conteúdos a serem ensinados é a menor das coisas, quando se pretende instruir alguém. Porém, a verdadeira competência pedagógica não está aí; ela consiste, de um lado,

em relacionar os conteúdos a objetivos e, de outro, a situações de aprendizagem. Isso não parece necessário, quando o professor se limita a percorrer, capítulo após capítulo, página após página, o "texto do saber". Certamente, nesta etapa

há transposição didática(Chevallard, 1991), na medida em que o saber é organizado em lições sucessivas, conforme um plano e em um ritmo que dêem conta, em princípio, do nível médio e das aquisições anteriores dos alunos, com momentos de revisão e de avaliação. Em tal pedagogia, os objetivos são implicitamente definidos pelos conteúdos: trata-se, em suma, de o aluno assimilar o conteúdo e de dar provas dessa assimilação durante uma prova oral, escrita ou um exame.

92

A preocupação com os objetivos vem à tona durante os anos 60, com a "pedagogia de domínio", tradução aproximada da

expressão inglesa mastery learning. Bloom (1979), seu criador, defende um ensino orientado por critérios de domínio, regulado por uma avaliação formativa que leve a "remediações". Na mesma época (Bloom, 1975), propõe a primeira "taxonomia dos objetivos pedagógicos", ou seja, uma classificação completa das aprendizagens visadas na escola. Nos países francófonos, essa abordagem foi freqüentemente caricaturada sob o rótulo de "pedagogia por objetivos". Hameline (1979) descreveu tanto as virtudes quanto os excessos e os limites do trabalho por objetivos. Huberman (1988) mostrou que o modelo da pedagogia de domínio permanece pertinente, desde que ampliado e integrado a abordagens mais construtivistas. Hoje em dia, ninguém mais pleiteia um ensino guiado a cada passo por objetivos muito precisos, imediatamente testados com vistas a uma remediação imediata. O ensino certamente persegue objetivos, mas não de maneira mecânica e obsessiva. Eles intervêm em três estágios: do planejamento didático, não para ditar situações de aprendizagem próprias a cada objetivo, mas para identificar os objetivos trabalhados nas situações em questão, de modo a escolhê-los e dirigi-los com conhecimento de

causa; da análise a posteriori das situações e das atividades,

quando se trata de delimitar o que se desenvolveu realmente e de modificar a seqüência das atividades propostas; da avaliação, quando se trata de controlar os conhecimentos adquiridos pelos alunos. Traduzir o programa em objetivos de aprendizagem e estes em situações e atividades realizáveis não é uma atividade linear, que permita honrar cada objetivo separadamente. Os saberes e

o savoir-faire de alto nível são construídos em

situações múltiplas, complexas, cada uma delas dizendo respeito a vários objetivos, por vezes em várias disciplinas. Para organizar e dirigir tais situações de aprendizagem, é indispensável que o professor domine os saberes, que esteja mais de uma lição à frente dos alunos e que seja capaz de encontrar o essencial sob múltiplas aparências, em contextos variados. "O que se concebe bem se enuncia claramente, e as palavras para dizê-lo afloram com facilidade", dizia Boileau. Atualmente,

estamos bem além desse preceito. Não basta, para fazer com

93

que se aprenda, estruturar o texto do saber e depois "lê-lo" de modo inteligível e vivaz, ainda que isso já requeira talentos didáticos. A competência requerida hoje em dia é o domínio dos

conteúdos com suficiente fluência e distância para construí-Ios em situações abertas e tarefas complexas, aproveitando ocasiões, partindo dos interesses dos alunos, explorando os acontecimentos, em suma, favorecendo a apropriação ativa e a transferência dos saberes, sem passar necessariamente por sua exposição metódica, na ordem prescrita por um sumário. Essa facilidade na administração das situações e dos conteúdos exige um domínio pessoal não apenas dos saberes, mas também

daquilo que Develay (1992) chama de matriz disciplinar, ou seja, os conceitos, as questões e os paradigmas que estruturam os saberes no seio de uma disciplina. Sem esse domínio, a unidade dos saberes está perdida, os detalhes são superestimados e a capacidade de reconstruir um planejamento didático a partir dos alunos e dos acontecimentos encontra-se enfraquecida.

Por isso, a importância de saber identificar noções-núcleo (Meirieu, 1989, 1990) ou competências-chave (Perrenoud, 1998a) em torno das quais organizar as aprendizagens e em função das quais orientar o trabalho em aula e estabelecer prioridades. Não é razoável pedir a cada professor que faça sozinho, para sua turma, uma leitura dos programas com vistas a extrair núcleos. Entretanto, mesmo que a instituição proponha uma reescritura dos programas nesse sentido, eles correm o risco de permanecer letra morta para os professores que não

estão prontos para consentirem um importante trabalho de vaivém entre os conteúdos, os objetivos e as situações. É esse preço que pagarão para navegar na cadeia da transposição didática "como peixes na água"!

Trabalhar a partir das representações dos alunos

A escola não constrói a partir do zero, nem o aprendiz não é uma tábula rasa, uma mente vazia; ele sabe, ao contrário, "muitas coisas", questionou-se e assimilou ou elaborou respostas que o

94

satisfazem provisoriamente. Por causa disso, muitas vezes, o

ensino choca-se de frente com as concepções dos aprendizes. Nenhum professor experiente ignora este fato: os alunos pensam que sabem uma parte daquilo que se deseja ensinar-lhes. Uma boa pedagogia tradicional usa, às vezes, esses fragmentos de conhecimento como pontos de apoio, mas o professor transmite, pelo menos implicitamente, a seguinte mensagem: "Esqueçam o que vocês sabem, desconfiem do senso comum e do que lhes contaram e escutem-me, pois vou dizer-lhes como as coisas acontecem realmente".

A didática das ciências (Giordan e De Vecchi, 1987; De Vecchi, 1992, 1993; Astolfi e Develay, 1996; Astolfi, Darot, Ginsburger-Vogel e Toussaint, 1997; Joshua e Dupin, 1993) mostrou que não é possível livrar-se tão facilmente das concepções prévias dos

aprendizes. Elas fazem parte de um sistema de representações que tem sua coerência e suas funções de explicação do mundo e que se reconstitui sub-repticiamente, a despeito das demonstrações irrefutáveis e dos desmentidos formais feitos pelo professor. Até mesmo ao final dos estudos científicos universitários, os estudantes retomam ao senso comum quando estão às voltas, fora do contexto da aula ou do laboratório. Tudo se passa como se o ensino teórico expulsasse, na hora da aula e do exame, uma "naturalidade" prestes a reaparecer a todo vapor nos outros contextos. O que vale para as ciências manifesta-se em todas as áreas em que a ocasião e a necessidade de compreender não esperaram que o assunto fosse tratado na escola... Trabalhar a partir das representações dos alunos não consiste em fazê-Ias expressarem-se, para desvalorizá-Ias imediatamente. O

importante é dar-Ihes regularmentedireitos na aula, interessar-se por elas, tentar compreender suas raízes e sua forma de coerência, não se surpreender se elas surgirem novamente, quando as julgávamos ultrapassadas. Para isso, deve-se abrir um espaço de discussão, não censurar imediatamente as analogias falaciosas, as explicações animistas ou antropomórficas e os raciocínios espontâneos, sob pretexto de que levam a conclusões errôneas. Bachelard (1996) observa que os professores têm dificuldades

para compreender que seus alunos não compreendem, já que

perderam a memória do caminho do conhecimento, dos

95

obstáculos, das incertezas, dos atalhos, dos momentos de pânico intelectual ou de vazio. Para o professor, um número, uma subtração, uma fração são saberes adquiridos e banalizados, assim como o imperfeito, a noção de verbo, de concordância ou de subordinada ou, então, a noção de célula, de tensão elétrica ou de dilatação. O professor que trabalha a partir das representações dos alunos tenta reencontrar a memória do

tempo em que ainda não sabia, colocar-se no lugar dos aprendizes, lembrar-se de que, se não compreendem, não é por

falta de vontade, mas porque o que é evidente para o especialista parece opaco e arbitrário para os aprendizes. De nada adianta explicar cem vezes a técnica de desconto a um aluno que não compreende o princípio da numeração em diferentes bases. Para aceitar que um aluno não compreende o princípio de Arquimedes, deve-se avaliar sua extrema abstração, a dificuldade de conceituar a resistência da água ou de se desfazer da idéia intuitiva de que um corpo flutua "porque faz esforços para não afundar", como um ser vivo. Para imaginar o conhecimento já construído na mente do aluno, e que obstaculiza o ensino, não basta que os professores tenham a memória de suas próprias aprendizagens. Uma cultura mais extensa em história e em filosofia das ciências poderia ajudá-los, por exemplo, a compreenderem por que a humanidade levou séculos para abandonar a idéia de que o Sol girava em torno da Terra, ou para aceitar que uma mesa seja um sólido essencialmente vazio, considerando-se a estrutura atômica da matéria. A maior parte dos conhecimentos científicos contraria a intuição. As representações e as concepções que lhes são opostas não são apenas aquelas das crianças, mas das sociedades do passado e de uma parte dos adultos contemporâneos. É igualmente útil que os professores tenham algumas noções de psicologia genética. Enfim, é importante que se confrontem com os limites de seus próprios conhecimentos e que (re)descubram que as noções de número imaginário, de quanta, de buraco negro, de supercondutor, de DNA, de inflação ou de metacognição colocam-no em dificuldades, da mesma forma que seus alunos, diante das noções mais elementares.

Resta trabalhar a partir das concepções dos alunos, dialogar com eles, fazer com que sejam avaliadas para aproximá-Ias dos conhecimentos científicos a serem ensinados. A competência do

96

professor é, então, essencialmente didática. Ajuda-o a fundamentar-se nas representações prévias dos alunos, sem se fechar nelas, a encontrar um ponto de entrada em seu sistema

cognitivo, uma maneira de desestabilizá-los apenas o suficiente para levá-los a restabelecerem o equilíbrio, incorporando novos elementos às representações existentes, reorganizando-as se necessário.

Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem

Esta competência segue imediatamente a anterior. Baseia-se no postulado simples de que aprender não é primeiramente

memorizar, estocar informações, mas reestruturar seu sistema de compreensão de mundo. Tal reestruturação não acontece sem um importante trabalho cognitivo. Engajando-se nela, restabelece-se um equilíbrio rompido, dominando melhor a realidade de maneira simbólica e prática. Por que a sombra de uma árvore se alonga? Porque o Sol se deslocou, dirão aqueles que, na vida cotidiana, continuam a pensar que o Sol gira em tomo da Terra. Porque a Terra seguiu sua rotação, dirão os discípulos de Galileu. Daí a estabelecer uma relação precisa entre a rotação da Terra (ou o movimento aparente do Sol) e o alongamento de uma sombra, há apenas um passo, que supõe um modelo geométrico e trigonométrico que a maioria dos adultos teria bastante dificuldade para relembrar ou elaborar rapidamente.

A pedagogia clássica trabalha a partir dos obstáculos, mas privilegia aqueles que a teoria propõe, aqueles que o aluno encontra em seu livro de matemática ou de física, quando, lendo pela terceira ou oitava vez o enunciado de um teorema ou de uma lei, ainda não compreende por que a soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180°, ou como pode ser possível um corpo cair com aceleração constante.

Uma verdadeira situação-problema obriga a transpor um obstáculo graças a uma aprendizagem inédita, quer se trate de uma simples transferência, de uma generalização ou da construção de um conhecimento inteiramente novo. O obstáculo

97

torna-se, então, o objetivo do momento, um objetivo-obstáculo, conforme a expressão de Martinand (1986) retomada por Meirieu, Astolfi e muitos outros. Deparar-se com o obstáculo é, em um primeiro momento, enfrentar o vazio, a ausência de qualquer solução, até mesmo de qualquer pista ou método, sendo levado à impressão de que jamais se conseguirá alcançar soluções. Se ocorre a devolução do problema, ou seja, se os alunos apropriam-se dele, sua mente põe-se em movimento, constrói hipóteses, procede a explorações, propõe tentativas "para ver". Em um trabalho coletivo, inicia-se a discussão, o choque das representações obriga cada um a precisar seu pensamento e a levar em conta o dos outros.

É nesse momento que o erro de raciocínio e de estratégia

ameaça. Diante de uma tarefa complexa, os obstáculos cognitivos são, em larga medida, constituídos por pistas falsas, erros de raciocínio, estimativa ou cálculo. Entretanto, o erro também ameaça aparecer nos exercícios mais clássicos.

A didática das disciplinas interessa-se cada vez mais pelos erros

e tenta compreendê-los, antes de combatê-Ios. Astolfi (1997)

propõe que se considere o erro como uma ferramenta para ensinar, um revelador dos mecanismos de pensamento do aprendiz. Para desenvolver essa competência, o professor deve, evidentemente, ter conhecimentos em didática e em psicologia cognitiva. De início, deve interessar-se pelos erros, aceitando-os

como etapasestimáveis do esforço de compreender, esforçar-se, não corrigi-los ("Não diga, mas diga!"), proporcionando ao

aprendiz, porém, os meios para tomar consciência deles, identificar sua origem e transpô-los.

Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas

Uma situação de aprendizagem inscreve-se em um dispositivo

que a torna possível e, às vezes, em uma seqüênciadidática na qual cada situação é uma etapa em uma progressão. Seqüências e dispositivos didáticos inscrevem-se, por sua vez, em um

98

contrato pedagógico e didático, regras de funcionamento

e instituições internas à classe. As noções de dispositivo e de seqüência didáticos chamam a atenção para o fato de que uma situação de aprendizagem não ocorre ao acaso e é engendrada por um dispositivo que coloca os alunos diante de uma tarefa a ser realizada, um projeto a fazer, um problema a resolver. Não há dispositivo geral; tudo depende da disciplina, dos conteúdos específicos, do nível dos alunos, das opções do professor. Um procedimento de projeto leva a certos dispositivos. O trabalho por meio de situações-problema leva a outros, os procedimentos de pesquisa, a outros ainda. Nesses

casos, há um certo número de parâmetros que devem ser dominados para que as aprendizagens almejadas se realizem. Dispositivos e seqüências didáticas buscam, para fazer com que

se aprenda, mobilizar os alunos seja paracompreenderem, seja

para terem êxito, se possível os dois (Piaget, 1974). Sua concepção e sua implantação levam ao confronto de um dos dilemas de toda pedagogia ativa: ou investir em projetos que envolvam e apaixonem os alunos, com o risco de que professores e alunos tornem-se prisioneiros de uma lógica de produção e de êxito, ou implantar dispositivos e seqüências mais abertamente centralizados em aprendizagens, reencontrando os impasses das pedagogias da lição e do exercício (Perrenoud, 1998n). Todo dispositivo repousa sobre hipóteses relativas à aprendizagem e à relação com o saber, o projeto, a ação, a cooperação, o erro, a incerteza, o êxito e o fracasso, o obstáculo, o tempo. Se construímos dispositivos partindo do princípio de que todos querem aprender e aceitam pagar um preço por isso, marginalizamos os alunos para os quais o acesso ao saber não pode ser tão direto. Procedimentos de projeto podem, ao contrário, tornar-se fins em si mesmos e afastar-se do programa.

A competência profissional consiste na busca de um amplo repertório de dispositivos e de seqüências na sua adaptação ou construção, bem como na identificação, com tanta perspicácia quanto possível, que eles mobilizam e ensinam. Como tomar o conhecimento apaixonante por si mesmo? Essa não é somente uma questão de competência, mas de identidade e de projeto pessoal do professor. Infelizmente, nem todos os professores apaixonados dão-se o direito de partilhar sua paixão, nem todos os professores curiosos conseguem tornar seu amor

99

pelo conhecimento inteligível e contagioso. A competência aqui visada passa pela arte de comunicar-se, seduzir, encorajar, mobilizar, envolvendo-se como pessoa.

A paixão pessoal não basta, se o professor não for capaz de

estabelecer uma cumplicidade e uma solidariedadeverossímeis

na busca do conhecimento. Ele deve buscar com seus alunos, renunciando a defender a imagem do professor "que sabe tudo", aceitando mostrar suas próprias divagações e ignorâncias, não cedendo à tentação de interpretar a comédia do domínio, não colocando sempre o conhecimento ao lado da razão, da preparação do futuro e do êxito. Quanto aos professores que se mostram impassíveis diante dos conhecimentos que ensinam, como esperar que suscitem a menor vibração em seus alunos? Todas as competências precisam ser evocadas, pois têm um forte componente didático. Esta última, mais do que as outras, lembra-nos que a didática tropeça incessantemente na questão do sentido e da subjetividade do professor e do aprendiz e, portanto, também nas relações intersubjetivas que se constituem acerca do saber, mas não se desenvolvem somente no registro cognitivo.

[1] O sistema universitário francês compreende três ciclos: o primeiro corresponde à Graduação no Brasil, o segunda e o terceiro correspondem, aproximadamente, à pós-graduação (mestrado e doutorado).

PERRENOUD, Phillippe. As novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2004.

100

Bibliografia/Links Recomendados YUNES, Márcio Jabur e AGOSTINI, João Carlos. Técnica ou poética, eis a questão! São Paulo: Moderna, 1998.

COSTA, Cristina. Questões de arte: a natureza do belo, da percepção e do prazer estético. São Paulo: Moderna, 1999. (Coleção polêmica). DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. CABOCLO, Eliana T. de A. Freitas e TRINDADE, Maria de Lourdes de Araújo. Multiplicidade: cada identidade uma constelação. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o futuro:Reflexões sobre a educação no próximo milênio. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da.(org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. pp. 104-131. CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 1995. (Coleção Travessia do século). CHIAVENATO, Júlio José. Ética globalizada e sociedade de consumo. São Paulo: Moderna, 1998. (Coleção Polêmica). LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. COUTINHO, Laura. Sala de aula/sala de cinema. In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Salto para o futuro: TV e informática na educação. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, SEED, 1998. MORIN, José Manoel. Mudar a forma de aprender e ensinar com a internet. In: op. cit.

SAMPAIO, Marisa Narciso e LEITE, Lígia Silva. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. São Paulo: Petrópolis, 2000. Adotada no I Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento de Arrábida, Portugal, 2 a 6 de novembro de 1994, e transcrita no livro “Pedagogia da Terra”, de Moacir Gadotti, de onde retiramos o artigo comentado.