da escola pÚblica paranaense 2009 · 62% dos/as jovens brancos de 15 a 17 anos frequentavam a...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
Secretaria do Estado da Educação
Superintendência da Educação
Departamento de Políticas e Programas
Educacionais
Coordenação Estadual do PDE
ARTIGO/PDE
AUTORA: Profª Vanderleia PontaroloGomes de Lima
ORIENTADOR:Profº Fabio Pontarolo
NRE: Guarapuava
IMPLEMENTAÇÃO: Colégio Estadual Ana Vanda Bassara
TÍTULO: A memória das comunidades quilombolas do Paraná na escola: Um estudo da
Comunidade Quilombola João Surá do Município de Adrianópolis
Junho/2011
A memória das comunidades quilombolas do Paraná na escola: Um estudo da Comunidade Quilombola João Surá do Município de Adrianópolis
A memória das comunidades quilombolas do Paraná na escola: Um estudo da Comunidade
Quilombola João Surá do Município de Adrianópolis
Vanderleia Pontarolo Gomes de Lima1
Fabio Pontarolo2
ResumoEste artigo analisou a comunidade quilombola paranaense João Surá, do município de
Adrianópolis, através das narrativas de seus moradores registradas da nova cartografia
social produzida pela CEMPO e das filmagens realizada pelo cineasta curitibano Gustavo
Guedes, do coletivo Soylocoporti. Trabalhar com a temática Étnico-racial em sala de aula
tornou-se imprescindível diante do clamor do movimento Negro do Brasil, pois quebrar o
estereótipo da escravidão que resulta no preconceito não é uma tarefa fácil, já que as
produções historiográficas privilegiaram, por muito tempo, temas que reforçavam a
discriminação, ou ao menos não a combatia. A abordagem de novos temas locais e
regionais tira do ocultamento os moradores dessas comunidades e os faz participantes da
construção da História do Paraná, tornando-os cidadãos de direitos dos benefícios das
políticas públicas. Este trabalho teve sua implementação com alunos em sala de aula,
objetivando também o cumprimento da última etapa para a conclusão do Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE do Governo do Estado do Paraná.
Palavras-chaves: Comunidades quilombolas – Cultura – documentário.
Abstract This article examined the João Surá quilombo, in the city of Adrianópilis-PR, through the
narratives of the residents of the new registered social cartography produced by the CEMP
and the filming done by filmmaker Gustavo Guedes, the collective Soylocoporti. Working
with Ethnic / racial themes in the classroom became essential before the cries of the Black
movement in Brazil, for breaking the stereotype of slavery that results in prejudice is not an
easy task, since the historiographical productions favored, long Subjects that reinforced 1 Professora da rede Estadual de Ensino do Paraná desde 1987,participou do programa do PDE 20092 Professor da UNICENTRO com mestrado em História
discrimination, or at least not to destroy. In addressing issues of local and regional strip
hiding these communities and make them participants in the construction of the History of
Parana, making them citizens of rights of benefits of public policies. This work was its
implementation with students in the classroom, also aiming the fulfillment of the final stage
for completion of the Educational Development Program – PDE, of the State Government of
Paraná.
Keywords: Quilombo Communities - Culture - documentary.
1- IntroduçãoA partir do encaminhamento metodológico das DCE´s da disciplina de História, se
“[...] propõe uma abordagem de divisão temporal a partir das histórias locais e nacionais
que torna possível analisar os componentes mais complexos das heranças africanas, como
por exemplo a luta dos movimentos negros em incluir a inserção da cultura africana e afro-
brasileira no Ensino de História” 3.
Também deve ser ressaltada a implementação da lei n° 10.639/03.4, que inclui o
estudo da África e do seu povo, bem como a luta dos negros no Brasil. A cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional deve ser estudada, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas sociais, econômicas e políticas pertinentes à História
do Brasil. O cumprimento da Lei n. 13.381/01 também torna obrigatório, no Ensino
Fundamental e Médio da Rede Pública Estadual, o ensino desses conteúdos no ensino da
História do Paraná.
Sempre que falarmos dos povos que contribuíram para a formação do Paraná, logo
nos lembramos dos imigrantes europeus e esquecemos de ressaltar a contribuição
daqueles trazidos da África. Faz-se então necessário que a disciplina de História aborde
como estão organizados estes povos, identificando no mapa do Paraná e aonde se
localizam suas comunidades. Pesquisando a comunidade de João Surá, os alunos
conheceram seus modos de vida, seus saberes e suas contribuições para nossa sociedade.
A necessidade de abordar este tema para mostrar que estes povos fizeram parte da
formação da identidade da História do Paraná também merece aprofundamentos
historiográficos em termos teóricos. A história vista de baixo começou a ser abordada pelos
historiadores da Escola Inglesa e, segundo Jim Sharpe,5 “[...] a importância da história vista
3 Diretrizes Curriculares do Ensino de História do Estado do Paraná, p.74.4 Lei de 2003 que incluiu o ensino da história dos povos descendentes africanos.5 BURKE,Peter(org) A escrita da História :novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p9.
de baixo é mais profunda (...) proporciona também um meio para reintegrar sua história aos
grupos sociais que podem ter pensado tê-la perdido, ou que nem tinham conhecimento da
existência de sua história” 6. Percebemos que por muito tempo essas histórias também
ficaram ocultas na historiografia do Paraná.
A luta pelo direito á propriedade das terras e pela inserção na sociedade sem
discriminação da comunidade vem acontecendo a mais de vinte anos. Segundo Almeida
Junior, “Reivindicam o direito e a permanência e ao reconhecimento legal das posses da
terra ocupadas e cultivadas para a moradia e sustento,bem como o livre exercício de suas
práticas,crenças e valores considerados em suas especificidades” 7
Assim, se faz necessário o reconhecimento dessas comunidades e seus
descendentes na História do Paraná, ressaltando seus modos de vida, sua organização
social, a luta pela terra e suas tradições culturais e possibilitando ao educando a
oportunidade de conhecer e dialogar com os integrantes dessas comunidades, percebendo
a diversidade cultural que permeia nosso Estado.
2-Fundamentação Teórica Nas origens da sociedade colonial, o nosso país ficou marcado pela questão do
racismo e, especificamente, pela exclusão dos negros. Mais que uma simples herança de
nosso passado, essa problemática racial toca o nosso dia-a-dia de diferentes formas,
principalmente quando abordamos temas que privilegiam somente a participação dos
europeus ma História do Brasil sem que se aborde a contribuição dos povos indígenas e
africanos. Somos um país com muita diversidade. Os dados da população por raça IBGE8
apontam:
6 JUNIOR. Almeida, apud Ilka Boaventura Leite. Os quilombos no Brasil: Questões conceituais e normativas. Revista Etnográfica, Vol. IV (2), 2000, p.123-139. Disponível em www.nuer.ufsc.br/artigos.html, acesso em 27/07/09.7 Idem.8 Tabela disponível em www.ibge.gov.br acesso em 16/02/2010.
Segundo Ribeiro9 “Somos o segundo país em população negra do mundo e o primeiro fora
do continente africano”. Ainda há estudos que apontam que a soma da população parda e
preta é referente a população negra no Brasil. O que vimos no censo 2010 foi uma
campanha na mídia para que a população negra se declarasse como tal, assim poderemos
ter dados mais próximos da realidade e reforçar a identidade dos afro-brasileiros, que ao se
declarar como “pretos”, demostram que venceram o estigma de não se aceitarem na
condição de afro-descendentes.
Abordar a questão étnico-racial no Brasil remonta ao século XX, quando surgiram as
primeiras pesquisas sobre este tema. Não podemos esquecer do mito da “democracia
racial” abordado por Gilberto Freire, assim como de outros autores que faziam análises
culturais da escravidão, da miscigenação da população brasileira, afirmando que “[...]
senhores e escravos e negros viviam de forma harmoniosa”. De outra maneira, o que
temos visto no Brasil e confirmado pelo movimento de negros são vários problemas
relativos a questão racial. Como professora da rede Estadual, não posso deixar de analisar
os dados do censo escolar e me preocupar com o tema, quando participei da V conferência
de Educação da APP-Sindicato em 201010.
A população negra do Paraná é de 28% e apenas 1% entra para o ensino superior
(pior dado do Brasil). Segundo o censo escolar de 2007, a distorção idade/série do/as
brancos/as é de 33,1% na 1ª série e 54,7% na 8ª série, enquanto a distorção idade/série de
9 RIBEIRO,Ronilda Yakemi. Até quando educaremos exclusivamente para a branquitude? São Paulo: Panorama, 2002, p.58.10 V conferencia da APP-Sindicato- Curitiba,agosto de 2010.
negros/as é de 52,3% na 1ª série e 78,7% na 8ª série. Dentre os/as de 16 anos, 70%
haviam concluído o ensino fundamental obrigatório, enquanto que, entre os negros e
negras, apenas 30% haviam concluído o mesmo nível de escolarização. O ensino médio
apresenta a menor cobertura e maior desigualdade entre negros/as e brancos/as. Em 2007,
62% dos/as jovens brancos de 15 a 17 anos frequentavam a escola, enquanto que o
percentual de negros e negras era apenas 31%. Entre jovens de 19 anos brancos, a taxa de
conclusão do ensino médio é de 55%: já entre os negros e negras, apenas 33% concluíam
o mesmo nível de ensino, segundo o PNAD/IBGE 2007. No Ensino Superior, segundo o
IPEA, da população branca de 25 anos, 12% detém diploma de curso superior. Dentre os
negros e negras a taxa é de 3,9%.
Estes dados estatísticos evidenciam as desigualdades em nossa sociedade que
passa pela cor da pele e é perversa para quem é negro. Ao trabalhar com esta temática em
sala de aula, precisamos abordar a questão da diversidade racial que permeia nossa
sociedade, trabalhar com os conceitos de etnia, raça e gênero com o propósito de valorizar
as múltiplas identidades presentes no ambiente escolar, quebrando o paradigma que a
História do Brasil foi construída apenas pelos homens,brancos,europeus e católicos.
Ana Célia Silva afirma que:
[...] nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas dos professores, ainda há uma invisibilidade ou visibilidade subalterna de diversos grupos sociais, como negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto-rejeição e rejeição do seu grupo social, comprometendo os processos construtivos de sua identidade.11
Penso que não adianta somente reconhecermos que somos diferentes precisamos
questionar e mudar nossas ações na escola, e, ao trabalhar a História do Brasil, abordar
recortes que privilegiem a história dos negros e seus descendentes. Para Anete
Abavowicz12 ” [...] diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. A
diferença é a qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de
igualdade e de semelhança”, portanto, precisamos trabalhar nossas diferenças.
O conceito de “raça” foi utilizado (especialmente no passado, com princípios
pseudocientíficos), para justificar diferenças entre grupos humanos. Esse conceito se
baseava na ideia equivocada de que existiriam “raças superiores” e “raças inferiores”.
Atualmente, sabe-se que a humanidade possui uma “única raça”, formada apenas por
exemplares da espécie “Homo sapiens”, e que o que nos difere são apenas alguns genes
Porém, ainda assim, tal conceito permanece indiretamente muito presente no nosso em 11 -SILVA, Ana Célia da.Desconstruíndo a disciminação do negro no livro didático. Disponível em
www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST1/Nogueira-Felipe-Teruya_01.pdf , acesso 15/02/2011.12 -Abramowicz, Anete, 2006, p.12.
nosso cotidiano, quando o Estado brasileiro não dá igualdade de oportunidades para todos
e todas.
Se o conceito de raça está superado, qual explicação quando somos perguntados
no censo nacional sobre nossa cor da pele? Estudos demonstram que, em 1775, Johann
Friedrich Blumenbach (1752-1840), alemão, fundador da Antropologia, determinou a região
geográfica originária de cada raça e a cor da pele como elementos demarcatórios entre elas
(branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia e
vermelha ou americana). No século XIX, foram agregados outros quesitos fenotípicos, como
o tamanho da cabeça e a fisionomia. Desde Blumenbach, no entanto, a cor da pele aparece
como um dado recorrente. Inferindo-se, daí, que, dos dados do fenótipo, isto é, das
características físicas, a "cor da pele" é o que tem sido mais usado e considerado
importante, pois aparece em quase todas as classificações raciais.
No Brasil o censo trabalha desde 1991 para a coleta de dados baseado na auto-
declaração. A pessoa escolhe se pertence a uma cor pré-determinada: branca, preta, parda,
amarela ou indígena, para Fátima Oliveira13,
Como toda classificação racial é arbitrária e aceita não sem reservas, a do IBGE não foge à regra, pois possui limitações desde 1940, quando coletou pela primeira vez o "quesito cor". Sabendo-se que raça não é uma categoria biológica, todas as classificações raciais, inevitavelmente, padecerão de limitações. Todavia, os dados coletados pelo IBGE, ao reunir informações em âmbito nacional, são extremamente úteis, pois apresentam grande unidade, o que permite o estabelecimento de um padrão confiável de comparação.
O termo “etnia”, recomendado por biólogos e antropólogos, está associado às
características de cada grupo humano. Entre as diversas características usadas para definir
um grupo étnico, três dessas são mais comumente utilizadas: (1) aspectos morfológicos do
corpo, advindos de herança genética (estatura, cor da pele, cor dos olhos, cor e tipo de
cabelo, formato do crânio, quantidade de pêlo no corpo etc.), (2) Diferenças entre as línguas
(Português, Espanhol, Inglês, Russo, Mandarim etc.) e os regionalismos linguísticos
(sotaque, diferenças entre palavras e expressões etc.) e (3) aspectos culturais (religião,
costumes, tipo de roupa, culinária etc.).
Para D.Glaser14 “Identificação étnica refere-se ao uso que uma faz de termos
raciais,nacionais ou religiosos para se identificar e,desse modo relacionar-se aos outros”.
Os grupos se identificam como étnicos quando tomam consciência da sua ancestralidade,
da formação da comunidade e se preservam traços culturais. Portanto, ao se autentificarem,
as comunidades que se denominam quilombolas passam a ser reconhecidas num contexto
13 Fátima Oliveira é médica, pesquisadora da biogenética seu artigo, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103 40142004000100006&script=sci_arttext&tlng=en .
14 Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/viewFile/912/1117 acesso dia 16/02/2011.
global. O reconhecimento pelo Estado Brasileiro é feito pela fundação Palmares: 15
Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. Preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana, a Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País.
Este processo de reconhecimento passa por laudos de antropólogos e sociólogos. As
comunidades quilombolas foram reconhecidas pela lei no Brasil a partir da constituição de
1988 ao ser inscrito no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
sedo garantida a titulação de suas terras pelo Estado brasileiro:16 “Art 68. Aos
remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Esse reconhecimento, que inclui as terras e outros direitos, tem sido uma árdua luta
levantada pelo movimento negro, ajudados pelos historiadores e antropólogos. Segundo
Eliane Cantarino o’ Dowyer: 17
A participação intensa de antropólogos na luta pelo reconhecimento de direitos étnicos e territoriais de segmento importantes e expressivas da sociedade brasileira, como as comunidades negras rurais e ou terras de preto, rompe com o papel tradicional desempenhados pelos grandes nomes do campo intelectual, que garantem, com sua autoridade, apoio às reivindicações da sociedade civil, subscritando, como peticionários, manifestos e documentos políticos.
A definição do termo quilombo remonta ao Brasil colonial. Ney Lopes afirma que
“quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo modificado através
dos séculos” (...) “Quer dizer acampamento guerreiro na floresta, sendo entendido ainda em
Angola como divisão administrativa” 18
O conselho ultramarino português, em 1770, escreveu ao rei de Portugal: “[...] toda
habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda não
tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Segundo Eliane Cantarino, esse
termo “[...] ficou cristalizado e foi usado desde o clássico Perdigão Malheiros, A escravidão
no Brasil: ensaio histórico, jurídico e social, de 1866, até os recentes trabalhos de Clóvis
Moura, de 1996.” 19
15 http://www.palmares.gov.br/?page_id=95, acesso dia 26/02/2011.16 Constituição da República Federativa do Brasil. Art 68 .198817 O’DWWYER, Eliane Cantarino (org.). Quilombos: Identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.18 LEITE. Ilka Boaventura.Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Acesso em 27/07/09.
www.nuer.ufsc.br/artigos.html.19 Idem
David Birmigham 20 sugere que o quilombo se origina na tradição mbunda, através de
organizações clânicas, e que suas linhagens chegam até o Brasil através dos portugueses.
Kambengele Munanga21 estabelece uma relação com os quilombos da África “[...] é, sem
dúvida uma cópia do quilombo africano reconstituídos pelos escravizados para se opor a
uma estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se
encontravam todos os oprimidos”.
Os quilombos ou mocambos são considerados do ponto de vista dos moradores do
povoado como locais de moradia dos chamados pretos livres, que fazem parte de um
conjunto formado pelos escravos que ficaram nas fazendas e que colaboraram ativamente
com os fugidos. Atualmente, moram nesses povoados os descendentes desses escravos.
No Brasil temos cerca de duas mil dessas comunidades, muitas já tem o documento de
posse das terras e outras ainda enfrentam uma batalha judicial por este reconhecimento,
como é o caso da comunidade fundão Paiol de Telha em Guarapuava, “ [...] que herdaram
as terras, cerca de 3600 hectares, da fazendeira Dona Balbina Francisca Siqueira no
século XIX”22 e que com os passar dos anos foram tomadas, sendo seus moradores
expulsos do local. Atualmente a comunidade Paiol de Telha enfrenta uma batalha judicial
para reaverem as terras.
A História do Paraná faz parte da história da corrida pelo ouro no Brasil colonial: um
dos objetivos da colonização portuguesa. Sabe-se que a região do vale do Ribeira possuía
regiões mineradores. Em 1641, Gabriel de Lara, que já era conhecedor da região,
minerador de Iguape, descobriu ouro na Serra Negra. Na mesma época ocorreram idênticas
descobertas em Cananéia, Iguape e no vale do rio Ribeira.”23 a exploração do ouro era do
monopólio das autoridades portuguesas que após terem explorado o litoral paranaense
começam a iniciar a penetração pelo planalto ainda n no séc XVII, uma dessas rotas era “
pelo vale do Rio Ribeira, o qual nasce no segundo planalto paranaense,atravessa a Serra
do Mar e vai desaguar no litoral paulista,e ainda no vale do rio Ribeira as minas mais
produtivas eram localizadas nos rios Assungui e ribeirinha24 Essa extração inicial do ouro
era realizado com trabalho escravo de índios e de negros, antes mesmo de 1740 25. Muitos
trabalhadores escravos das minas fugiam para lugares de difícil acesso e passavam a
morar em locais isolados. Outros casos de fuga aconteceram no Paraná nos séculos XVIII e
XIX, a partir das fazendas de criação de gado, já no período do tropeirismo. Atualmente,
estamos identificando estes locais como comunidades quilombolas.20 Ibidem21 Ibidem22 Testamento de D. Balbina Francisca Siqueira.23 WACHOVICZ, Ruy. História do Paraná. Curitiba:Impressora Oficial do Paraná,2001.p. 57.24 Idem, p.63.25 Coleção História do Paraná. vida material e econômica Curitiba: SEED, 2001.
No Paraná já foram identificadas 86 comunidades tradicionais negras, sendo que 36
já foram reconhecidas pela fundação Palmares. Em 2005 o Estado do Paraná passou a
contar com o Grupo de Trabalho Clóvis Moura, que começou a fazer um levantamento das
comunidades quilombolas no Paraná. O próprio presidente do grupo, Glauco Souza Lobo,
chegou a afirmar, no período de início das atividades do Grupo, “[...] que não tinha ideia da
grande quantidade dessas comunidades. Estamos ainda visitando outras 17 comunidades
negras, descobrindo o Paraná negro". 26 Ele também explica que a maioria dessas
comunidades se instalou em lugares longínquos e inóspitos.
Muitas pessoas acreditavam que o Paraná era formado apenas pelos povos
indígenas que já se encontravam nas terras do Estado há milhares de anos, juntamente
com os imigrantes europeus e asiáticos que chegaram a partir do século XIX, sendo os
africanos ocultados deste processo. Diante da pesquisa do grupo de trabalho Clóvis Moura,
essas comunidades estão sendo contatadas e recebendo vez e voz. Percebemos que as
mesmas também fazem parte da nossa história, e que muitas ficaram por muito tempo
isoladas, o que permitiu certa preservação de algumas tradições, Elas não receberam
nenhuma ajudada do Estado no passado, com o acesso aos locais de várias comunidades
também muito dificultado. A maioria dos seus moradores sobrevive da agricultura de
subsistência e do artesanato.
Ao Identificar essas comunidades descobrimos que elas vivem de maneira bastante
simples e que suas casas são bastante rudimentares, segundo Eliane Cantarino O´Dwyer,
“Muitas vezes as comunidades quilombolas são consideradas atrasadas pela mídia” 27. No
entanto, ao abordar o tema em sala de aula, deve-se ter o cuidado de não emitir julgamento
a partir do nosso modelo de vida, mas sim procurar entender a partir do desenvolvimento da
comunidade. O grupo de Trabalho Clóvis Moura iniciou o diálogo com estas comunidades.
Clemilda Santiago Neto28, ao conversar com os moradores da comunidade quilombola João
Sura, descobriu que os mesmos:
Contam os moradores que a comunidade recebeu este nome devido à existência de uma cachoeira nas proximidades - conhecida como Cachoeira João Surá. contam ainda que João Surá era um pescador que morreu neste rio, e por isso recebeu o seu nome”. E ainda “O Senhor Paulo Andrade Filho, conta que os negros que ali se estabeleceram os fundadores do quilombo, eram escravos que fugiram de uma mina em Apiaí, e ele diz ainda que na Igreja em Ipiranga, São Paulo, há inclusive o registro de quanto ouro foi retirado desta mina na época. Conta também que existe uma folha de partilha das terras datada de 1822, documento que está no cartório de imóveis na cidade de El Dourado, em São Paulo. Estas terras foram
26 Presidente do Grupo de trabalho Clóvis Moura 201027O’DWWYER, Eliane Cantarino (org.). op. cit.
28 -Clemilda Santiago Neto é integrante do grupo de Trabalho Clóvis Moura do Governo do Estado do Paraná.
tituladas pelo INCRA e 16 famílias têm a posse da terra que é de 180 ha.
Os moradores reclamaram muito em suas narrativas dos conflitos enfrentados por
eles quanto a terra onde moram. Afirmam que o território está diminuindo, e que, no
passado, fiscais do INCRA tentaram retirá-los do local para a construção de um parque sem
indenização, Também citam que trabalhavam para um fazendeiro da região, e que
ganhavam muito pouco. Quando o fazendeiro morreu, o filho do mesmo pediu para que eles
saíssem da terra. Quando os moradores falaram em acerto dos direitos trabalhistas, o
mesmo não quis saber de conversa, ameaçando com palavras e armas de fogo para forçar
a retirada dos moradores. Estes reclamam também da estrada ruim, da falta de escola para
o ensino médio e de estruturas mínimas para sobrevivência. Enfim, reclamam da falta de
políticas públicas. No depoimento da moradora Clarinda Andrade de Matos podemos
perceber mais alguns detalhes da situação: 29
Era tudo esse aqui, tudo isso aqui: desde que vinha da praia do peixe até as andorinhas lá,era tudo nosso, do nosso povo. Meu pai trabalhava em redor de casa, mas não tinha limite. Sê ele pensasse em fazê uma roça lá no Ararivá, ele ia fazer, porque não tinha limite de terra,(...) era muita terra,era bastante,porque as terras iam até dentro do parque,era tudo nosso. Passava do parque. Dentro do parque tem muitas propriedades que eram das famílias, hoje já não é propriedade porque as pessoas já saíram de lá. Mas era aonde nosso povo ia. Nós nem tava preocupado com isso; porque se não entrasse nesse movimento, nos nem tava aqui. Porque,espremido do jeito que a gente estava,sem solução pra nada. Ainda estamos, sem solução pra nada; pro lado dos políticos,aqui no município,quase não temos solução nenhuma. Não é aquela coisa que a gente pensava que ia dar certo pra gente.
A comunidade ainda não possui a demarcação do território quilombola pelo INCRA,
pois estão aguardando um terreno do IAP que está sendo utilizado por um pecuarista.
Podemos perceber no depoimento da moradora Clarinda que muitas terras da comunidade
não tinham documento. Se remontarmos sobre a lei de terra de 1850, podemos lembrar que
só poderia ter o direito de terra quem pudesse pagar por ela, e todos sabemos que, após a
abolição, os ex-escravos foram jogados nas estradas sem nenhuma posse.
A comunidade João Surá preserva duas festas religiosas: a festa de Santo Antonio e
do Divino. Segundo Clemilda Santiago Neto, 30
Para a Festa de Santo Antônio são reservados três dias, pois o pessoal começa a chegar no dia 11 de junho para os preparativos, no dia 12 fazem a novena e no dia 13 acontece a missa. Já na Festa do Divino, que também acontece no mês de junho, as novenas são feitas de casa em casa. A Bandeira do Divino visita cada casa, "pousa" nesta casa, cujo morador oferece
29 Clarinda Andrade Matos moradora da comunidade. Nova Cartografia Social dos povos e comunidade tradicional do Brasil, p.430 Clemilda Santiago Neto integrante do grupo de trabalho Clóvis Moura - Paraná
janta, café da manhã e almoço para os visitantes, que só irão seguir para a próxima casa após o almoço e assim sucessivamente. O momento da chegada da Bandeira é de grande festa, com foguetes e cantoria. Os foliões (pessoas que acompanham a Bandeira) chegam na casa e pedem uma oferta para que a festa continue (pode ser em dinheiro) e uma prenda, que pode ser um alimento, um animal, ou o que o morador puder dar. Os moradores pagam assim promessas pelas graças alcançadas, como a boa colheita da roça, a saúde da criação (dos animais) que foram abençoadas pelo Divino. Todas as doações arrecadadas durante as visitas são anotadas num caderninho e assim seguem duas a três canoas carregadas com as anotadas num caderninho e assim seguem duas a três canoas carregadas com as prendas. No dia da Festa do Divino há um leilão com os animais doados pela comunidade, bingo, e muita comida (porco assado, espetinho, etc.). Toda a renda da festa vai para a Igreja.
A maioria destas comunidades do Paraná sobrevive da economia de subsistência,
levando uma vida bastante diferente das cidades. Muitas não têm acesso aos serviços
essenciais garantidos pelo Estado como saúde, educação e estradas de acesso. Segundo o
relatório do Instituto de Cartografia do Paraná – ITCG 31 “[...] a maior parte dos territórios
quilombolas formulou-se em áreas pouco agricultáveis, também chamadas de ‘terras
dobradas’- por serem regiões de pouco interesse e difícil acesso aos recebidos para a
colonização e ocupação de terras”.
Os moradores da comunidade quilombola João Surá participaram, em abril de 2008,
de oficinas do Projeto Nova Cartografia Social dos povos e comunidades Tradicionais do
Paraná, sob a coordenação do PNCS e Núcleo Sul. Logo após a oficina, lançaram um
material narrando suas histórias e confeccionaram o mapa chamado de cartografia social,
chegando à conclusão de que a comunidade de João Sura surgiu antes do município de
Adrianópolis. Segundo o depoimento de uma das moradoras, Clarinda Andrade de Matos,
de 49 anos de idade32 “[...] a cartografia é bom pra nós pode mostrar, a nossa realidade
daqui e dos antigos,principalmente dos antigos que falavam que não existia, existia muito
mais do que agora, porque agora foi diminuindo, por causa desse negócio das terras, em
que prefeito e fazendeiro se unem pra tentar derrubar nós”.
Atualmente, as pessoas dessas comunidades estão tomando consciência da sua
realidade, reivindicando da sociedade seus direitos e buscando aquilo que está assegurado
pela constituição no Brasil, assim como o que estabelece a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Social.33 Os moradores também reconhecem que nos últimos
anos algumas conquistas foram conseguidas, tais como a ponte sobre o ribeirão João Surá,
o telecentro com acesso à internet, a biblioteca Arca das letras, o projeto compra direto, o
relatório técnico antropológico favorável à posse das terras, a participação de universitários 31 O Instituto de Terras, Cartografia e Geociências, autarquia estadual, criada pela Lei nº. 14.889, de 04 de novembro de 2005 e vinculada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos 32-Clarinda Andrade de Matos de 49 anos é moradora da comunidade quilombola João Surá e participou da confecção da cartografia com a CEMPO.33 Secretário Adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da ... no caput do artigo 5º estabelece que todos são iguais perante a lei, .... em seus valores fundamentais é direito assegurado pela Lei 7.347/85,
na comunidade, a auto-cartografia social e o apoio do ITCG, entre outras.
Então cabe a nós, educadores, a tarefa de contribuir para que essas comunidades
sejam reconhecidas pela lei e pela história do Paraná, pois a luta contra a discriminação
racial ainda precisa ser combatida, e todos nós temos uma dívida com os povos africanos
pelos anos de escravidão e preconceito a que foram vítimas na História do Brasil. Espero,
com esse trabalho, atingir meus objetivos e contribuir para que essas comunidades sejam
valorizadas pelo seu modo de viver, efetivando a posse da terra onde moram atualmente.
3– METODOLOGIA
Esta pesquisa trabalhou sobre contribuição dos povos afro-descendentes para a
História do Paraná, ressaltando como vivem identificando suas culturas e os desafios
enfrentados por eles. No Paraná temos 86 comunidades quilombolas identificadas, sendo
36 reconhecidas pela fundação Palmares. Esta pesquisa trabalhou com a comunidade João
Surá, no município de Adrianópolis e também com a comunidade Paiol de Telha no
município de Guarapuava. Utilizei o material produzido pela CEMPO, que construiu a nova
cartografia social dos povos e comunidades tradicionais do Brasil, e um documentário
elaborado através vídeos da web e uma entrevista com uma líder da comunidade Paiol de
telha.
Partimos da História do Paraná e do estudo da História local, de grupos étnicos que
por muito tempo ficaram ocultos do processo de construção da historiografia. Trabalhei este
tema nas 6ª séries do ensino fundamental do período da tarde do Colégio Estadual Ana
Vanda Bassara, de Guarapuava-PR. Iniciei os trabalhos fazendo uma pesquisa com
análises quantitativas e qualitativas sobre:
1-O que é uma comunidade quilombola?
2- Existem comunidades quilombolas no Paraná?
3- Conhece algum descendente dessas comunidades em Guarapuava?
4-Quais povos que vieram de outros países para morar no Paraná?Citem alguns deles?
1º PASSO
Após ter analisado este material, retornei para trabalhar o tema, e com ajuda de
recortes de revistas solicitei aos alunos que, em grupo, elaborassem um cartaz com
imagens de pessoas que pudessem ser considerados moradores do Estado do Paraná.
Dessa forma, apresentei o tema e trabalhei o conceito de diversidade entre as pessoas,
apresentando dados do IBGE sobre a população do Paraná.
ATIVIDADE
1-Elaborar cartazes com pessoas que moram no Paraná.
Trabalhar com a turma questões sobre as diferenças de raça, etnia e gênero.
Para entendermos as desigualdades sociais no Paraná, observamos os dados do Censo
Escolar 2007.
DADOS DO CENSO ESCOLAR 2007A população negra do Paraná é de 28% e apenas 1% entra para o ensino superior (pior
dado do Brasil). Segundo o censo escolar de 2007, a distorção idade/série do/as
brancos/as é de 33,1% na 1ª série e 54,7% na 8ª série, enquanto a distorção idade/série de
negros/as é de 52,3% na 1ª série e 78,7% na 8ª série. Dentre os/as de 16 anos, 70%
haviam concluído o ensino fundamental obrigatório, enquanto que, entre os negros e
negras, apenas 30% haviam concluído o mesmo nível de escolarização. O ensino médio
apresenta a menor cobertura e maior desigualdade entre negros/as e brancos/as. Em 2007,
62% dos/as jovens brancos de 15 a 17 anos frequentavam a escola, enquanto que o
percentual de negros e negras era apenas 31%. Entre jovens de 19 anos brancos, a taxa de
conclusão do ensino médio é de 55%: já entre os negros e negras, apenas 33% concluíam
o mesmo nível de ensino, segundo o PNAD/IBGE 2007. No Ensino Superior, segundo o
IPEA, da população branca de 25 anos, 12% detém diploma de curso superior. Dentre os
negros e negras a taxa é de 3,9%. Estes dados estatísticos evidenciam as desigualdades
em nossa sociedade que passa pela cor da pele e é perversa para quem é negro.
Vamos entender o que é diversidade?
Para entendermos a diversidade, precisamos entender como que os indivíduos
constroem suas identidades. Segundo os antropólogos, são construções, ou seja, são
criadas e recriadas ao longo do tempo e respondem ás necessidades dos sujeitos que as
constroem. Construímos nossas identidades a partir dos grupos onde estamos inseridos, e
somos plurais, pois somos ao mesmo tempo mães, professoras, filhas etc. Discutir histórica
e antropologicamente a respeito de identidades sempre evoca o conceito de diversidades:
raça, etnia e gênero precisam dialogar entre eles para não reproduzir a exclusão que existiu
em larga escala na história da humanidade.
Diversidade quer dizer diferença, o que se compõe de muitos grupos étnicos.
Mantém traços culturais que fortalecem sua identidade cultural para serem reconhecidos
com tal num contexto maior, e raça é relativo à biologia, à formação genética de cada
indivíduo. Comunidades quilombolas estão reforçando suas identidades e diversidades em
busca de direitos e de reconhecimentos pela lei pelo lugar onde vivem há muito tempo, ou
pela terra que querem reaver por sido lhes tiradas no passado. Também estão em busca de
estruturas básicas para suas comunidades, tais como o acesso à água encanada e potável,
escolas e postos de saúde para seus filhos, etc.
2º PASSO
MAPA DO PARANÁ DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS – levei os alunos até o
laboratório de informática para observar o seguinte mapa:
www.diaadia.pr.gov.br/nerea/modules/noticias/makepdf.php?storyid=28
Atividade
2-Após analisar o mapa e anotar:
a) o número de comunidades no Paraná.
b) o número de comunidades reconhecidas pela fundação Palmares.
c) a localização da comunidade João Surá.
d) a localização da comunidade Paiol de Telha.
Para entender melhor a Fundação Cultural Palmares, precisamos lembrar que o
mesmo é um órgão do Governo Federal que faz o reconhecimento através dos laudos dos
antropólogos das comunidades quilombolas, premiando projetos de resgate da cultura afro-
brasileira. O grupo de dança de Guarapuava Kundum Balê já foi premiado pela instituição,
demonstrando a relevância da comunidade Paiol de Telha no contexto estadual das culturas
afrobrasileiras, quilombolas e remanescentes.
Juntamente com os alunos, também fomos conhecer o sítio da Fundação Cultural
Palmares, disponível no endereço eletrônico www. palmares .gov.br/ .
3º PASSO
O QUE É UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA?
Nesse passo, foi apresentada e trabalhada, junto aos alunos, a definição de uma
comunidade quilombola:
A definição do termo quilombo remonta ao Brasil colonial. Ney Lopes afirma que
“quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo modificado através
dos séculos” (...) “Quer dizer acampamento guerreiro na floresta, sendo entendido ainda em
Angola como divisão administrativa” 34
O conselho ultramarino português, em 1770, escreveu ao rei de Portugal: “[...] toda
habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda não
tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”. Segundo Eliane Cantarino, esse
termo “[...] ficou cristalizado e foi usado desde o clássico Perdigão Malheiros, A escravidão
no Brasil: ensaio histórico, jurídico e social, de 1866, até os recentes trabalhos de Clóvis
Moura, de 1996.” 35
David Birmigham 36 sugere que o quilombo se origina na tradição mbunda, através de
organizações clânicas, e que suas linhagens chegam até o Brasil através dos portugueses.
Kambengele Munanga37 estabelece uma relação com os quilombos da África “[...] é, sem
dúvida uma cópia do quilombo africano reconstituídos pelos escravizados para se opor a
uma estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se
encontravam todos os oprimidos”.
Os quilombos ou mocambos são considerados do ponto de vista dos moradores do
povoado como locais de moradia dos chamados pretos livres, que fazem parte de um
conjunto formado pelos escravos que ficaram nas fazendas e que colaboraram ativamente
com os fugidos. Atualmente, moram nesses povoados os descendentes desses escravos.
No Brasil temos cerca de duas mil dessas comunidades, muitas já tem o documento de
posse das terras e outras ainda enfrentam uma batalha judicial por este reconhecimento,
34 LEITE. Ilka Boaventura.Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Acesso em 27/07/09. www.nuer.ufsc.br/artigos.html.
35 Idem.36 Idem.37 Idem.
como é o caso da comunidade fundão Paiol de Telha em Guarapuava, “ [...] que herdaram
as terras, cerca de 3600 hectares, da fazendeira Dona Balbina Francisca Siqueira no
século XIX”38 e que com os passar dos anos foram tomadas, sendo seus moradores
expulsos do local. Atualmente, a comunidade Paiol de Telha enfrenta uma batalha judicial
para reaverem as terras, assim como outras comunidades quilombolas e afro-
remanescentes brasileiras.
4º PASSO
VAMOS CONHECER A COMUNIDADE QUILOMBOLA JOÃO SURÁ DO MUNICÍPIO DE
ADRIANÓPOLIS?
Trabalhei com o material produzido pela CEMPO da nova cartografia social dos povos e
comunidades tradicionais do Brasil – série quilombolas do sul do Brasil os seguintes itens:
a) a origem da comunidade.
b) alguns costumes da comunidade.
c) os conflitos enfrentados pelos moradores locais, a partir das entrevistas realizadas.
5º PASSO
Assistimos ao vídeo sobre a comunidade João Surá, e:
a) a partir das imagens e depoimentos das pessoas, discutimos como poderíamos
descrever a comunidade; evidenciando suas casas, sua agricultura, suas músicas e
artesanatos.
b) Opinião dos moradores sobre a comunidade e a importância da preservação da memória.
6º PASSO
Assistimos o depoimento da líder da comunidade Paiol de Telha, e trabalhamos com a
cartografia da comunidade Paiol de Telha. Também elaboramos um relatório sobre as
entrevistas, ressaltando a conquistas e os desafios enfrentados pela comunidade.
7º PASSO38 Testamento de D. Balbina Francisca Siqueira.
AVALIAÇÃO
Apliquei os mesmos questionamentos do início da atividade:
1-O que é uma comunidade quilombola?
2- Existem comunidades quilombolas no Paraná?
3-Você conhece algum descendente dessas comunidades em Guarapuava?
4-Quais povos que vieram de outros países para morar no Paraná? Cite alguns
deles?
5- Sua opinião sobre a comunidade João Surá: como vivem? quais são suas
conquistas e seus desafios?
Segundo as DCEs, a avaliação deve ser realizada como meio de diagnóstico do
processo ensino aprendizagem, sempre com uma dimensão formadora, uma vez que o fim
desse processo é a aprendizagem ou a verificação dela. A avaliação deve também permitir
uma reflexão sobre a ação da prática educativa.
Espero, realmente, que os meus alunos tenham compreendido a diversidade étnica
e cultural que faz parte do Estado do Paraná, e que sejam capazes de elaborar conceitos
sobre os povos que formaram o Estado do Paraná, respeitando as comunidades
quilombolas e os reconhecendo como cidadãos de direito.
4-RESULTADOS ALCANÇADOS
Após a pesquisa inicial, os resultados obtidos foram os seguintes: dos 30 alunos
pesquisados, todos responderam, inicialmente, de forma negativa as questões 1,2 e 3,
afirmando que não conheciam as comunidades quilombolas e nunca tinha ouvido falar
sobre elas. Na questão 4, 29 alunos citaram povos europeus e indígenas e apenas 01
aluno citou os povos africanos. Os resultados demonstram, primeiramente, que o tema era
desconhecido de todos os alunos e somente um aluno reconheceu a participação africana
na colonização do Paraná. A maioria não reconheceu os povos da África como possíveis
moradores do Paraná. Quando realizamos os recortes de papel, nenhum aluno recortou
uma pessoa negra. Após a atividade, conversei com a professora que estava na turma e
que me acompanhou na implementação da atividade, e a mesma disse ter observado uma
aluna que achou uma pessoa negra e não quis recortar para fazer o cartaz.
Então percebi que temos um longo caminho pela frente, mas fiquei otimista quando
trabalhei com os materiais de apoio, pois nas avaliações finais percebi que 14 alunos citam
os povos negros como moradores do Paraná e 19 alunos reconheceram as duas
comunidades quilombolas que trabalhei. Os mesmos também acharam importante os povos
afrobrasileiros e quilombolas estarem sendo reconhecidos e se preocupando em manter
suas culturas.
Fui convidada pela equipe de ensino de Guarapuava para trabalhar na capacitação
com professores da rede Estadual em novembro/2010 com esta pesquisa, e acredito, pelas
considerações orais e escritas dos professores cursistas, que o tema foi muito válido para
trabalhar com a História do Paraná e a lei 10639/03. Muitos demonstraram desconhecer o
tema, e durante o curso entreguei uma cópia do documentário sobre a Comunidade João
Surá como material didático para uso junto aos alunos.
5-CONSIDERAÇÕES FINAISO Programa PDE foi muito válido para meu crescimento profissional. Para pesquisar
novos temas da História do Paraná, fui questionada na capacitação dos professores em
Guarapuava do motivo destas comunidades só aparecerem nas pesquisas historiográficas
nos últimos anos. Argumentei com eles que os motivos estão na construção da
Historiografia, onde a inclusão desses novos sujeitos, com suas respectivas temporalidades
e perspectivas na formação do pensamento histórico, só se tornou possível com a
introdução de novas fontes e novas formas de explicar a realidade. É isso que as novas
correntes historiográficas das últimas décadas do século XX permitiram o historiador,
desenvolvendo novas abordagens e novos objetos de pesquisa.
Também podemos citar o reconhecimento por parte do Estado das reivindicações do
movimento negro, assim como o cumprimento da Lei n. 10.639/03, que inclui no currículo
oficial a obrigatoriedade da História e Cultura Afro-Brasileira, seguidas das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, possibilitando seminários e fóruns de discussão
sobre o tema. Percebo que tivemos avanços nas políticas públicas para algumas
comunidades, mas entendo que há muito ainda o que ser fazer, e que o Estado deve
fortalecer as políticas públicas existentes para que estes moradores tenham acesso aos
serviços essenciais de estruturas básicas de vida, assim como à dignidade e
reconhecimento da relevância social que todos devemos ter.
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