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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO – SUED

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS – DPPE PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

GESTÃO ESCOLAR: ONDE PROCURAR O DEMOCRÁTICO?

ÁREA: GESTÃO ESCOLAR

NRE: GOIOERÊ

PROFESSOR PDE: MARIA DO CARMO DE LIMA MARCHETTI

PROFESSSOR ORIENTADOR: ELMA JÚLIA G. DE CARVALHO

IES VINCULADA: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM

ESCOLA DE IMPLEMENTAÇÃO: COL. EST. JOSÉ ALFREDO DE ALMEIDA

2009/2010

2

GESTÃO ESCOLAR: ONDE PROCURAR O DEMOCRÁTICO?

Profª do PDE: Maria do Carmo de Lima Marchetti1

Profª Orientadora: Drª Elma Júlia Gonçalves de Carvalho2

Universidade Estadual de Maringá – UEM

Resumo: Este texto tem por objetivo divulgar o trabalho de pesquisa desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, do Governo do Estado do Paraná. Elegemos como objeto de estudo a gestão escolar democrática. Buscamos, por meio de pesquisas, refletir e aprofundar o conhecimento teórico-prático sobre a gestão democrática e como esta vem sendo compreendida e efetivada nas instituições escolares e, ao mesmo tempo, o que vem deixando de ser considerado nas discussões que envolvem a temática e nos processos participativos que ocorrem na escola. O objetivo é buscar o sentido do que é realmente o democrático no interior da escola, a fim de assegurar a qualidade da educação. Palavras-chave: Gestão democrática, participação, qualidade da educação.

SCHOOL MANAGEMENT: WHERE TO FIND THE DEMOCRATIC

Abstract: This paper aims to disseminate the research work developed at the Educational Development Program - PDE, the state government of Parana. We selected as study object the democratic school management, since we believe that the manager should be the director of planning, organization and operation of administrative and educational work within the school. We seek, through research, reflect and deepen the theoretical and practical knowledge about the performance of the school manager, to discuss the concept of democratic management and how this has been understood and carried in schools, because we understand that participation, the main characteristic of the democratic management is beyond what is currently being conducted in Brazilian public schools. Keywords: Democratic Management, Participation, Quality.

1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná, participante do Programa de

Desenvolvimento da Educação (PED/2009), na área de Gestão Escolar, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). 2 Professora da Área de Políticas Públicas e Gestão da Educação do Departamento de Teoria

e Prática da Educação, membro do corpo docente do PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá.

3

Introdução

[...] não basta participar de órgãos colegiados

opinando nos assuntos escolares nem eleger

diretores para se ter democracia na escola.

(CARVALHO, 2005, p. 204)

A luta por uma gestão democrática tem nos desafiado nos últimos anos,

seja para superar o modelo administrativo escolar burocrático e centralizado,

seja para fazer frente ao modelo gerencial em que a unidade escolar passa a

ser administrada como uma empresa. Essa luta tem representado a

necessidade de tornar coletivas as decisões no âmbito escolar.

O que se percebe no debate sobre a gestão “democrática” na escola é

que, na maioria das vezes, ela se relaciona apenas às questões de âmbito

administrativo, sendo associada à tomada de decisões ou à escolha dos

dirigentes das escolas públicas, em oposição a práticas autoritárias que

permeiam não apenas as práticas escolares, mas também sociais. De nossa

perspectiva, acreditamos que ela não reside apenas aí, mas é algo que está

além desse aspecto.

Sendo assim, há que se refletir no espaço escolar: o que é gestão

democrática? Qual é o real sentido da democracia na escola? Onde procurar o

democrático na gestão da educação? Essa reflexão se justifica pela

necessidade de buscar a construção de novos horizontes para a gestão da

educação e da escola envolvendo a comunidade.

Com o propósito de contribuir para o debate, almejamos num primeiro

momento abordar a legislação que trata da questão e como esta vem sendo

efetivada no âmbito educacional. Em seguida, discutiremos a compreensão

que a comunidade escolar tem sobre o assunto e, por fim, abordaremos o real

sentido da gestão democrática para que esta venha realmente oferecer

condições para o desenvolvimento de um trabalho que culmine com o sucesso

do processo ensino/aprendizagem.

4

Gestão democrática na escola pública: o olhar que se tem A gestão escolar brasileira, nas últimas décadas, vem passando por

mudanças provenientes do clamor da sociedade por melhorias na educação.

Dessa forma, nos anos 80, em defesa de um projeto de educação pública de

qualidade, a gestão democrática tornou-se a bandeira da luta de educadores.

Isso, por sua vez, resultou na aprovação do princípio de que o ensino deve ser

ministrado com base na gestão democrática na educação, prevista no Art. 206,

inciso VI, da Constituição Federal.

Além da gestão democrática, a Constituição Federal de 1988 estabelece

também outros princípios para a educação brasileira, dentre eles citamos:

obrigatoriedade, gratuidade, liberdade e igualdade, sendo estes

regulamentados por meio de Leis Complementares.

A LDB, ao estabelecer e regulamentar as diretrizes gerais para a

educação define, em seu Artigo 14, as normas da gestão democrática do

ensino público na educação básica, conforme os seguintes princípios:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do

projeto pedagógico da escola;

II - participação das comunidades escolar e local em conselhos

escolares ou equivalentes.

Estes dois princípios definidores da gestão democrática do ensino

público evidenciam a participação tanto dos profissionais da educação quanto

da comunidade em colegiados diretivos escolares como meio de tomada de

decisões na escola, incitando um trabalho coletivo, articulado e dialógico.

Nesse sentido, a gestão democrática é uma gestão de autoridade

compartilhada, cujos fins são expressos no Art. 205 da Constituição Federal do

Brasil de 1988:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família

será promovida e incentivada com a colaboração da

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para

o trabalho.

5

A mesma finalidade está presente na LDB, em seu Artigo 2°:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

O Artigo 9º da LDB, em cumprimento ao Artigo 214 de Constituição

Federal, dispõe sobre a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE)3

resguardando os princípios constitucionais, inclusive de gestão democrática.

Por isso, o PNE está sustentado em três eixos:

I. a educação como direito inalienável do cidadão; II. a educação como alavanca do desenvolvimento

socioeconômico e cultural; III. a educação como instrumento imprescindível de

enfrentamento da pobreza.

O Plano Nacional de Educação (PNE) traçou objetivos, diretrizes e

metas para a educação nacional e teve um prazo de dez anos para que todas

elas fossem cumpridas4. Dentre as principais metas estavam:

I. a ampliação universal da escolaridade da população; II. elevação dos padrões de qualidade da escola e do ensino

nos diferentes níveis; III. o alargamento das chances de acesso e permanência do

aluno na escola pública, como mecanismo e encurtamento das desigualdades sociais, regionais e inter-regionais

IV. o fortalecimento dos mecanismos de autonomia escolar e de democratização da gestão e do ensino público (CARNEIRO, 1998, p. 63).

Embora a finalidade expressa nas legislações seja clara, consideramos

que na prática a escola não vem conseguindo atingi-la, basta observar os

resultados do desempenho da escola apresentado nos exames nacionais.

3 O PNE abrangente de toda a educação, trata dos diferentes níveis e modalidades da

educação escolar, bem como da gestão, do financiamento e dos profissionais da educação. O Plano traz objetivos, diretrizes e metas que devem ser discutidos, examinados e avaliados, tendo em vista a democratização da educação em nosso país. 4 A Lei nº 10.172/2001, que aprova o PNE, determina que a partir da sua implantação sejam

elaborados os planos estaduais e municipais de educação.

6

IDEB 2005, 2007 e Projeções para o BRASIL

Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Anos Finais do Ensino Fundamental

Ensino Médio

IDEB Observado

Metas IDEB Observado

Metas IDEB Observado

Metas

2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021

TOTAL 3,8 4,2 3,9 6,0 3,5 3,8 3,5 5,5 3,4 3,5 3,4 5,2

Dependência Administrativa

Pública 3,6 4,0 3,6 5,8 3,2 3,5 3,3 5,2 3,1 3,2 3,1 4,9

Federal 6,4 6,2 6,4 7,8 6,3 6,1 6,3 7,6 5,6 5,7 5,6 7,0

Estadual 3,9 4,3 4,0 6,1 3,3 3,6 3,3 5,3 3,0 3,2 3,1 4,9

Municipal 3,4 4,0 3,5 5,7 3,1 3,4 3,1 5,1 2,9 3,2 3,0 4,8

Privada 5,9 6,0 6,0 7,5 5,8 5,8 5,8 7,3 5,6 5,6 5,6 7,0

Fonte: Saeb e Censo Escolar.

IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Estadual - PARANÁ

Fases de Ensino IDEB Observado

Metas Projetadas

2005 2007 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

Anos Iniciais do Ensino Fundamental

5,0 5,2 5,0 5,4 5,7 6,0 6,2 6,5 6,7 6,9

Anos Finais do Ensino Fundamental

3,3 4,0 3,3 3,5 3,8 4,2 4,5 4,8 5,1 5,3

Ensino Médio 3,3 3,7 3,3 3,4 3,6 3,9 4,2 4,6 4,9 5,1

Fonte: Saeb e Censo Escolar.

IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para Escola - JOSE A.ALMEIDA C E ENSINO FUND MED PROF

Ensino Fundamental IDEB Observado Metas Projetadas

2005 2007 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

Anos Iniciais - - - - - - - - - -

Anos Finais - 1,6 - 2,1 2,6 3,2 3,7 4,0 4,2 4,5

Fonte: Prova Brasil e Censo Escolar.

Na tentativa de solucionar os problemas educacionais e auxiliar a gestão

escolar várias iniciativas vêm sendo tomadas, tais como os projetos Amigos da

7

Escola (1999) e movimento Todos Pela Educação5 (2007) que conclamam a

participação da sociedade em benefício da escola e da melhoria da qualidade

do ensino. Observa-se, assim, que:

[...] criar laços mais fortes entre a escola e a comunidade,

desenvolver ações que possam complementar as atividades

curriculares, de trazer para o debate [...] as limitações que

devem ser enfrentadas para que se tenha um ensino público

mais valorizado, em condições de cumprir da melhor forma

possível sua preciosa e insubstituível missão (Guia de Ação

Amigos da Escola, p. 8).

Para muitos o insucesso da educação pública está na falta de

participação da família no processo educacional. Por isso, há um incentivo para

a sua maior participação a fim de promover a melhoria da qualidade da

educação, com a garantia de acesso, permanência e conclusão com sucesso

na trajetória educativa. Esse aspecto pode ser observado tanto no movimento

Todos Pela Educação como na Mobilização de Igrejas Cristãs pela Educação6,

vejamos:

Os pais e responsáveis precisam saber que têm o direito de reivindicar o que houver de melhor em educação para seus filhos. A Constituição diz que isso é um dever do Estado. Se a sociedade e as famílias incorporarem a educação como valor essencial para os cidadãos, a árdua tarefa de transformar

5 O Todos Pela Educação é um movimento que conta com a participação da sociedade civil, de

gestores públicos de Educação, da iniciativa privada e de especialistas. O principal objetivo é ajudar na garantia do direito de todas as crianças e jovens a uma Educação de qualidade até 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil. Para isso indicou cinco metas, sendo elas: As Metas do movimento são as seguintes: Meta 1 – Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; Meta 2 – Toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; Meta 3 – Todo aluno com aprendizado adequado à sua série; Meta 4 – Todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; Meta 5 – Investimento em Educação ampliado e bem gerido. 6 De acordo com o site do MEC “O plano de mobilização de Igrejas Cristãs pela Educação visa

a definir uma estratégia comum de envolvimento social por uma educação de qualidade. A iniciativa tem a participação de entidades como o Conselho Latino Americano de Igrejas (Clai), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic). O foco é nas famílias e nas lideranças comunitárias. O plano de mobilização tem como referência as metas do Compromisso Todos pela Educação, do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Com base nas diretrizes, foram relacionadas ações e atividades, a ser implementadas por lideranças e membros das igrejas, para debater a importância do acompanhamento da educação das crianças, como campanhas de conscientização, reuniões, cultos, missas, entre outros” http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10472.

8

a educação brasileira será mais fácil (PLANO DE MOBILIZAÇÃO..., 2008, p. 1).

O Movimento ainda destaca três processos de envolvimento familiar

relevantes:

a) Atitudes, valores e práticas dos pais em relação à educação dos filhos; b) Relações escola-família: conexões formais e informais entre a família e a equipe e o ambiente escolar (comunicação, eventos, etc). c) Responsabilidade pela aprendizagem: atividades em casa e na comunidade visando a promover aprendizagens (Ibid., p. 1).

Também o Plano de Mobilização Social Pela Educação7 prevê que a

educação é um direito e um dever das famílias, tendo em vista que:

a) todas as famílias e responsáveis pelas crianças,

adolescentes e jovens têm o direito de reivindicar que a escola

dê uma educação de qualidade para todos e cada um de seus

alunos. Podem e devem cobrar providências, medidas e ações

para que isso ocorra.

b) todas as famílias e responsáveis pelas crianças e jovens têm

o dever de ajudar a escola em casa, criando disciplina e rotina

de estudos.

c) todas as famílias e responsáveis têm o dever de se

aproximar da escola (MEC, 2008).

Nesse sentido, o Plano de Mobilização é uma orientação aos

mobilizadores para ação junto às famílias e responsáveis por crianças,

adolescentes e jovens estudantes em escola pública, com o objetivo de

aproximá-los da escola, de modo a:

7 Lançado em maio de 2008, o Plano de Mobilização Social pela Educação (PMSE), de acordo

com o MEC “é uma orientação e um incentivo às lideranças sociais para a realização de ações pautadas pelo Diálogo com os públicos de interesse sobre a importância da educação. Por meio desta iniciativa deve ser despertada a consciência das pessoas sobre o compromisso social na afirmação do direito de todos os brasileiros à educação de qualidade e, do mesmo modo, a respeito do papel de cada um como protagonista dessa agenda que deve envolver amigos, vizinhos, parentes e membros de associação de moradores, entre outros sujeitos”. http://mse.mec.gov.br/

9

• despertar a consciência das pessoas sobre o compromisso social na afirmação do direito de todos os brasileiros à educação de qualidade e o papel de cada um como protagonista dessa agenda com amigos, vizinhos, parentes, associação de moradores, entre outros. • desenvolver ações que contribuam para a expansão do Plano

e de suas atividades, por meio de campanhas de

conscientização, trabalho voluntário que aproxime escola e

comunidade (MEC, 2008).

Essas iniciativas demonstram a necessidade cada vez maior de

participação e envolvimento das famílias nas atividades escolares e na gestão

da escola. Do que se observa das proposições isso ocorre porque considera-se

que a participação das famílias pode ter resultados positivos na eficiência e na

qualidade da instituição escolar. Isso, por sua vez, não deve significar transferir

para a família responsabilidades que são da escola.

A atuação da comunidade nos órgãos colegiados também tem sido

considerada um outro mecanismo importante, pois as instâncias colegiadas

(APMF, Conselho Escolar, Grêmio Estudantil, Conselho de Classe) auxiliam de

forma importante a ampliação da democracia nos processos de gestão e

organização da escola.

Deste modo, observamos uma grande ênfase dada à participação nas

políticas e práticas educativas. Todavia, isto tudo, pode significar muito pouco,

se o princípio democrático dessas instâncias estiver focando apenas nas

questões administrativas. Ou seja, de nada valerá a criação de conselhos,

eleição para diretor se não há disposição da comunidade escolar para edificar

ações que privilegiem o pedagógico, razão de ser da instituição escolar. Não

basta participar, a participação só terá sentido se for voltada para assegurar

que a aprendizagem ocorra, tendo em vista os fins da educação escolar: a

apropriação do saber por parte do aluno.

Ao tratarmos da gestão democrática, entendemos que devemos ir além

daquilo que é imediatamente administrativo, ou seja, devemos considerar que o

sentido do democrático está numa fronteira situada bem além da gestão em

sentido estrito. Nesse sentido, a gestão democrática da educação requer mais

10

do que simples mudanças nas estruturas organizacionais e administrativas,

conforme veremos a seguir.

Gestão democrática: como a comunidade escolar compreende a questão

O enlace entre gestão democrática e educação de qualidade é

fundamental para que a escola pública cumpra com sua função social, porém,

percebemos que a concepção de democracia, por parte da comunidade

escolar, ainda é restrita. Chegamos a essa constatação principalmente por

meio de estudos8 e de investigações que foram realizadas junto aos segmentos

que compõem a comunidade escolar.

A partir das informações obtidas, pudemos verificar que, os pais e

alunos, têm uma ideia de que o gestor, uma vez “escolhido” detém o

poder/obrigação sobre a organização da escola. Ou seja, o gestor é visto como

chefe de uma repartição pública ou, ainda, como um administrador da “coisa

pública” (como foi citado nas discussões) e a ele é atribuída toda a

responsabilidade de tornar produtivo e eficaz todo o trabalho escolar. Enquanto

que os profissionais da educação (pedagogos, supervisores, orientadores)

concebem a gestão democrática como sinônimo de participação coletiva e

consciente, ou seja, envolve a participação da família e de todos os segmentos

da comunidade escolar na tomada de decisões.

No entanto, apesar de demonstrarem conhecimentos sobre gestão

democrática, percebemos que, ao serem indagados sobre de como seria esta

participação, o demonstrado é: participar das decisões sobre o financeiro da

escola, ou ainda, verificar, fiscalizar prestação de contas e participar das

reuniões escolares para verificar “como o filho está na escola”. Assim, pôde-se

perceber que também os profissionais da educação possuem uma concepção

restrita sobre democracia na escola, pois em momento algum foi mencionado

que a gestão democrática, além das questões administrativas e financeiras,

8 Esses estudos decorreram do Projeto de Intervenção Pedagógica realizado no segundo

semestre de 2010. Os estudos, envolvendo a comunidade escolar do CEJAA e organizados em encontros periódicos, abordaram assuntos referentes à função social da escola e gestão democrática.

11

envolve também os aspectos pedagógicos na busca de educação de

qualidade.

De nossa perspectiva, entendemos que a idéia de gestão escolar

democrática deve ser compreendida não como um grupo que detém o poder

sobre a organização da escola, ou que, ao envolver a participação, se restrinja

apenas a uma tarefa meramente administrativa, mas como algo que envolve o

coletivo com vistas a atingir os fins educacionais, conforme veremos a seguir.

Gestão escolar democrática: um outro olhar

Nos encaminhamentos das políticas públicas atuais a democracia vem

sendo ampliada de modo a abranger a participação da sociedade civil na

administração. Considera-se que, num processo de modernização da gestão

pública, a participação social é importante para tornar a gestão mais

transparente e para a fiscalização ou controle social.

No que diz respeito à educação escolar, pressupõe-se que também

ela, por ser parte constitutiva da sociedade, deve estabelecer suas bases em

princípios democráticos, dentre os quais descentralização, autonomia da

gestão, transparência e participação. Nesse sentido,

A escola, como organização social, também pretende ser um espaço democrático, de modo que os educadores profissionais, os alunos, os pais, os ativistas comunitários e outros cidadãos do contexto social imediato tenham o direito de estarem bem informados e de terem uma participação crítica na criação e na execução das políticas e dos programas escolares (HORA, 2007, p. 50).

Percebemos aqui elementos fundamentais para a efetivação da

democracia na escola: o envolvimento de todos os segmentos da comunidade

escolar opinando e participando ativamente nas decisões que dizem respeito

às questões educacionais. Porém, o que observamos no cotidiano escolar é

que quase sempre essa relação não acontece ou, quando ocorre, está restrita

apenas a assuntos administrativos.

12

Embora a defesa da democracia e a importância da participação estejam

no centro dos debates, o que temos verificado é que, quando a escola se

dedica a constituir instrumentos de democratização, muitas vezes o faz

buscando o diálogo e a participação das pessoas na gestão da escola por meio

da organização formal de espaços de representação, os quais, por mais

importantes que sejam não são suficientes para conduzir a educação ao

necessário avanço democrático. Nesse caso concordamos com Saviani (2008,

p. 39) quando diz que: “quando mais se fala em democracia no interior da

escola, menos democrática é a escola”. Isto porque, a participação deve se dar

no sentido de buscar assegurar os fins mais amplos da educação previstos na

Constituição e LDB.

Um outro aspecto relevante a ser apontado é que, na maior parte dos

autores, a discussão sobre a gestão democrática gira em torno de questões

administrativas, tais como: o envolvimento da comunidade escolar na seleção

do diretor da escola, a implantação de conselhos escolares com autoridade

deliberativa e com poder decisório e a autonomia para administrar seus

próprios recursos financeiros.

No entanto, entendemos que outros elementos devem ser considerados

nesse debate. Isso nos leva a considerar que, ao se tratar de gestão

democrática, ela deve envolver os aspectos administrativos tendo em vista,

sobretudo, o desenvolvimento pedagógico, ou seja, que a participação coletiva,

crie condições favoráveis ao ensino e à aprendizagem, redirecionando o

pensar e o fazer pedagógico. Conforme Hora (2007, p. 51):

Uma forma de encarar a democratização da escola é considerá-la como o desenvolvimento de processos pedagógicos significativos, pela adoção de um currículo concreto e vivo que garantam a permanência do estudante no sistema escola, eliminando e impedindo o processo de exclusão representado pela evasão e repetência.

Em outros termos, a gestão democrática é:

[...] antes e acima das rotinas administrativas, a identificação de necessidades; a negociação de propósitos; a definição clara de objetivos e estratégias de ação; as linhas de compromisso; a coordenação e o acompanhamento de

13

decisões pactuadas, mediação de conflitos, com ações voltadas para a transformação social concretizando-se por meio de metas (HORA, 2007, p. 51-52).

Nesse sentido, deve-se pensar a gestão escolar democrática como o

resultado de uma série de fatores interligados com o mesmo propósito: o

conhecimento. A este propósito estariam vinculados: “estrutura

organizacional, proposta pedagógica, ação docente e ambiente sócio cultural“

(HORA, 2007), dentre outros aspectos, que não podem deixar de ser

considerados como, por exemplo, os aspectos sócioeconômicos.

A respeito da administração da escola pública, Paro (2008, p.104),

considera:

imperioso que se comece por determinar claramente objetivos para esta escola que atendam aos interesses das camadas trabalhadoras, seus usuários atuais, a quem ela realmente precisa servir. Além disso, é urgente que se estabeleçam padrões mínimos de qualidade a serem alcançados por meio do oferecimento de conteúdos relevantes e de métodos pedagógicos consentâneos com os objetivos democráticos da escola, ao mesmo tempo, que se desenvolvam processos coletivos de avaliação de todo o processo escolar que permitam subsidiar e controlar a efetiva busca desses objetivos.

Assim, a democratização da escola deve ser pensada com base na

expectativa de que a gestão contemple os interesses e necessidades coletivas

e, acima de tudo, busque assegurar o acesso e apropriação do conhecimento

socialmente elaborado e historicamente acumulado por parte do aluno, uma

vez que o cerne da democratização da educação é a democratização do

saber. Ou, ainda, conforme Ferreira (2004, p. 295-296):

[...] A escola é uma instituição cujo papel consiste na

socialização do saber sistematizado existindo para propiciar a

aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso a esse

saber.

Portanto, a escola, no cumprimento do seu papel e na efetivação da

gestão democrática, precisa não só criar espaços de discussões que

14

possibilitem a construção do projeto educativo, por todos os segmentos da

comunidade escolar, mas consolidá-los como espaço que favoreçam a

participação, a fim de assegurar que a escola cumpra seu papel social. Isso

nos leva a interrogar: onde procurar o democrático?

Se considerarmos que o desafio maior do ato de ensinar, é fazer com

que o aluno se aproprie dos conhecimentos, então, se a gestão democrática é

um dos mecanismos para que a educação escolar alcance o sucesso, esta

precisa ser repensada para que a “tomada de decisões”9 coletivas realmente

atinja a alma da escola: o acesso ao saber elaborado (ciência).

Sabemos que a prática escolar distingue-se de outras práticas

educativas, como as que acontecem na família, no trabalho e nas demais

formas de convívio social, por se constituir em uma ação intencional,

sistemática, planejada e continuada, portanto, por ser a escola uma instituição

social com propósito educativo, tem o compromisso de promover a socialização

do saber sistematizado e produzir a humanização do próprio homem. Isso

significa que,

[...] Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (SAVIANI, 1995, p. 17, grifos nossos).

Assim, segundo Duarte (1998, p. 1),

9 A esse respeito Ferreira esclarece-nos (2006, p. 172-173), “a tomada de decisão não

corresponde a uma atitude que ocorre em determinado momento. Ela resulta de um processo complexo que se vai construindo por etapas sucessivas, que vão, em sequência, clarificando e tornando consciente o desenvolvimento do processo. O primeiro elemento da estrutura de tomada de decisão é a consciência da necessidade de decidir, que consiste na identificação das situações em que se tem de decidir, dos problemas que têm de serem resolvidos e no estudo de alternativas possíveis para tomar a decisão [...] A construção coletiva se faz na participação, ou seja, quando se compreende e se incorpora que participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo”.

15

não existe uma essência humana independente da atividade histórica dos seres humanos, da mesma forma que a humanidade não está imediatamente dada nos indivíduos singulares. Essa humanidade, que vem sendo produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, precisa ser novamente produzida em cada indivíduo singular. Trata-se de produzir nos indivíduos algo que já foi produzido historicamente.

Portanto, o trabalho educativo alcança sua finalidade quando cada

indivíduo singular apropria-se dos elementos culturais necessários à sua

formação como ser humano. Segundo Saviani, os elementos culturais que

precisam ser assimilados são os clássicos, ou seja, “aquilo que se firmou,

como fundamental, como essencial”. Enquanto que, as formas adequadas de

desenvolvimento do trabalho pedagógico “trata-se da organização dos meios

(conteúdo, espaço, tempo e procedimentos) através do quais,

progressivamente, cada indivíduo singular realize, na forma de segunda

natureza, a humanidade produzida historicamente” (Ibid., p. 18).

Nesta perspectiva a escola, ao tomar para si o objetivo de produzir no

homem a sua humanidade, deve buscar caminhos que a levem a cumprir com

o que se propõe. Para atingirmos tal objetivo a administração da escola pública

deve voltar mais seu olhar para o trabalho pedagógico, uma vez que por meio

dele que a educação escolar atinge seus fins.

O trabalho pedagógico, diz respeito ao conhecimento elaborado e ao

saber sistematizado. Para Saviani (1995, p. 20),

[...] Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é o aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais (história e geografia humanas).

O próprio autor comenta “a essa altura vocês podem estar afirmando:

mas isso é o óbvio”. E, ao prosseguir sua argumentação, diz:

16

Exatamente, é o óbvio. E como é frequente acontecer com tudo o que é óbvio, ele acaba sendo esquecido ou ocultado, na sua aparente simplicidade, problemas escapam a nossa atenção. E esse esquecimento, essa ocultação, acabam por neutralizar os efeitos da escola no processo de democratização (SAVIANI, 1995, p. 20).

Duarte (1998, p. 4), ao discorrer sobre as “concepções afirmativas e

negativas sobre o ato de ensinar”, afirma que: “esse conceito implica um

posicionamento afirmativo sobre o ato de ensinar”. Dessa forma, a atuação do

professor é primordial para assegurar, por parte do aluno, a apropriação do

conhecimento, pois ele desempenha o papel de mediador entre o saber

espontâneo e cotidiano do aluno e o saber científico. Papel esse que, por sua

vez, exige competência e compromisso.

Para isso, é preciso o professor "zelar pela aprendizagem do aluno"

(LDB Art. 13, III), cujo desenvolvimento deve ser construído através do

processo de interação constante entre o saber escolar e os demais saberes,

por meio da mediação do professor.

Para a universalização do conhecimento, ou seja, a garantia de que um

maior número de adultos se aproprie do saber científico, filosófico e artístico, é

necessário, mais do que repassar informações, ensinar de fato. Isso exige

planejar, selecionar conteúdos, ter objetivos claros, preparar atividades

diversificadas, observar relação teoria e prática, dosar o conteúdo, dentre

outros aspectos. Enfim, envolver o aluno no processo ensino aprendizagem

para que este se sinta comprometido com o mesmo.

Nestes termos o trabalho do professor é essencial, pois ele é o

profissional ao qual é delegada a responsabilidade do processo de ensino e de

aprendizagem nas escolas. Para Libâneo (2004, p. 73), “o professor é um

profissional cuja atividade principal é o ensino. Sua formação inicial visa a

propiciar os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas para levar

adiante o processo de ensino e aprendizagem nas escolas”.

De acordo com Salgado (2000, p.19), o professor bem preparado para

atuar:

[...] caracteriza-se como um professor que domina os instrumentos necessários para o desempenho competente de

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suas funções e tem capacidade de tematizar a própria prática, refletindo criticamente a respeito dela. Conhece bem os conteúdos curriculares, sabe planejar e desenvolver situações de ensino e de aprendizagem estimula as interações sociais de seus alunos e administra com tranquilidade as situações de sala de aula. Conhece, aceita e valoriza as formas de aprender e interagir de seus alunos respeita suas diversidades culturais e sabe lidar bem com elas, comprometendo-se com o sucesso dos estudantes e com o funcionamento eficiente e democrático da escola em que atua. Valoriza o saber que produz em seu trabalho cotidiano, empenha-se no próprio aperfeiçoamento e tem consciência como ser humano e profissional. [...] Assim, é um ser humano capaz de continuar aprendendo e um cidadão responsável e participativo, integrado ao processo da sociedade em que vive e, ao mesmo tempo, crítico de suas mazelas.

Conforme as características descritas por Salgado o professor, além de

uma boa formação, deve ter consciência da sua função de educador. Para

Saviani (2008, p. 40), o papel do professor,

[...] é o de garantir que o conhecimento seja adquirido, às

vezes mesmo contra a vontade imediata da criança, que espontaneamente não tem condições de enveredar para a realização dos esforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e sem os quais ela não terá vez, não terá chance de participar da sociedade.

No entanto, apesar de sua enorme responsabilidade, essa é uma tarefa

que ele não realiza sozinho, é fundamental o apoio de todos os segmentos da

comunidade escolar, ou seja, a direção, a coordenação pedagógica, os

funcionários e, especialmente, a família. Nesse sentido, cabe lembrar Melo

(2000, p. 250), quando afirma que:

[...] a participação dos pais, em um processo que não vise à mera cobrança ao professor, mas a efetiva integração no processo de ensino e aprendizagem, contribui para dividir uma carga que muitas vezes pesa enormemente nas costas dos

professores.

Isto significa dizer que, considerando-se que os professores são

agentes coordenadores do processo no dia-a-dia da sala de aula, este deve

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buscar o equilíbrio entre o que é sua função e a função da família no processo

educacional. De acordo com Carneiro (1998, p. 64),

A ação do professor, no entanto, não pode ser, apenas, colaborativa. Tem que ser indicativa. O professor é componente da centralidade do ato pedagógico. Por isso, há de veicular, no conteúdo da disciplina que ministra, formas e fórmulas de integração escola/família/comunidade

Para o autor, para que isso aconteça, cabe à escola criar mecanismos

para envolver a família no processo educacional desenvolvido em sala de aula

e ao professor colaborar com essa tarefa. Ao contrário da idéia equivocada que

se tem no interior da escola, de que colaborar com as atividades seja algo

alheio ao conteúdo trabalhado com os alunos. Nesse sentido, concordamos

com Carneiro de que:

Na verdade, ou este casamento se faz no cotidiano escolar e no espaço da sala de aula ou nada mudará porque a escola continuará trabalhando esta relação através de eventos, de programação episódica, descontextualizada de cada disciplina e, logo, fora do foco da reconstrução do saber (CARNEIRO, 1998, p. 64).

Assim, ao buscar essa relação, o professor estará cumprindo a

incumbência que lhe foi dada no inciso VI do Artigo 12 da LDB: “articular-se

com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da

sociedade com a escola”. Como podemos perceber a gestão democrática

prevê essa integração.

Nessa perspectiva, a democracia no âmbito escolar só acontecerá a

partir da apropriação do saber sistematizado pelos alunos, vislumbrando uma

sociedade pautada pela igualdade. A esse respeito Saviani (2008, p. 62)

comenta: "entendo, pois que o processo educativo é passagem da

desigualdade à igualdade”. Com efeito, “[...] se não acredito que a

desigualdade pode ser convertida em igualdade pela mediação da educação

(obviamente não em termos isolados mas articulada com as demais

modalidades que configuram a prática social global), então, não vale a pena

desencadear a ação pedagógica".

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Desse modo, por um lado, reafirma-se a importância da ação do

professor, pois é por meio dela que o processo ensino aprendizagem deve

acontecer. Por outro lado, há que se buscar a colaboração dos pais, como

responsáveis diretos pelo filho/aluno, cabendo à família acompanhar o

processo educacional e dar apoio ao trabalho pedagógico realizado na escola.

É, nesse sentido, que a participação da comunidade escolar deve ocorrer, ou

seja, no sentido de acompanhar o processo educativo e buscar assegurar a

apropriação do saber por parte do aluno.

Isso por sua vez, requer que não só a escola, mas a própria sociedade

valorize os conhecimentos socialmente produzidos e historicamente

acumulados, ou seja, os conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos. Que

a sociedade reconheça que a escola é o lugar prioritário para se ter acesso a

eles, e que cabe a ela transmiti-los.

Requer repensarmos as políticas educativas, os procedimentos e

concepções pedagógicas que, ao valorizar a autonomia do indivíduo, o

aprender sozinho, mais o processo do que a aquisição do conhecimento, o

conhecimento cotidiano, a realidade do aluno, o saber específico ao grupo

cultural, desvaloriza o ato de transmissão dos conteúdos escolares,

secundariza o papel do professor e o saber socialmente produzido. Acabando,

assim, por esvaziar a própria essência do trabalho educativo e por transformar

o processo de ensino-aprendizagem em algo desprovido de conteúdo

(DUARTE, 1998; 2004).

Também requer que o diretor escolar, além das funções burocráticas,

desempenhe a função educativa. Segundo Saviani (1996, p. 208), “[...] Ao

diretor cabe, então, o papel de garantir o cumprimento da função educativa que

é razão de ser da escola. Nesse sentido, é preciso dizer que o diretor de escola

é antes de tudo, um educador; antes de ser administrador”.

Considerações finais

Nos últimos anos muito se tem pesquisado e discutido sobre a

organização e a gestão da escola. A gestão democrática, vista como um dos

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mecanismos para garantia da qualidade do ensino, vem evidenciar que uma

escola não é composta somente pelo gestor, mas, pela ação de todos os

agentes diretos e/ou indiretos da educação. Em outros termos, a gestão

democrática surge para fixar novas idéias e estabelecer, nas instituições

educacionais, uma orientação transformadora, a partir do compartilhamento da

tomada de decisões que ocorrem no interior da escola.

No entanto, em nosso entendimento, há algo esquecido ou

secundarizado no que diz respeito à gestão democrática. Percebemos que, ao

indagarmos sobre essa temática no interior da escola, as respostas são

sempre as mesmas, a gestão democrática é quase sempre associada à

“tomada de decisões coletivas”; “escolha de diretores”; “participação nas

atividades da escola”. Esses aspectos, por mais importantes que possam ser

não são suficientes para conduzir a educação ao necessário avanço

democrático.

De nossa perspectiva, a gestão democrática vai além desses aspectos.

Ou seja, o conceito de gestão escolar democrática diz respeito a uma escola

que se organiza para formar cidadãos com a possibilidade de apreensão de

conhecimentos necessários à sua atuação no mundo.

Nesse sentido, a democratização da gestão é defendida enquanto

possibilidade de: melhoria na qualidade pedagógica do processo educacional

das escolas; construção de espaços para maior integração entre os agentes

envolvidos na escola; apoio efetivo da comunidade à escola, como participante

ativa e sujeito do processo de desenvolvimento do trabalho pedagógico

escolar, o que não significa que a família tenha que assumir as

responsabilidades da escola, mas acompanhar e apoiar seu trabalho.

Entendemos, assim, que a escola só pode ser chamada de democrática

quando assegurar aos alunos o acesso aos conhecimentos, uma vez que a

educação, ao ser entendida como forma de apropriação dos saberes

socialmente e historicamente produzidos, coloca a escola como local

privilegiado de transmissão sistematizada desse saber. Isso significa que, o

trabalho escolar deve ser organizado e administrado com o objetivo de

alcançar esse propósito.

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Nesse sentido, a gestão democrática, como processo de discussão,

planejamento, decisão, coordenação e execução de ações, necessita que o

gestor repense seu papel como sendo essencialmente educativo, tendo em

vista que o fazer administrativo da escola é, ao mesmo tempo, político e

pedagógico. Segundo Bordigon e Gracindo (2004, p. 154):

Pensar uma escola é, essencialmente, colocar em prática uma concepção política e uma concepção pedagógica que se realimentam e que se corporificam na sua Proposta Político-Pedagógica. Concepção política, porque é ela que promove a ação transformadora da sociedade, e concepção pedagógica, porque é ela o substrato da função escolar. A estrutura e os demais meios são estabelecidos e organizados em função desse projeto. Dessa forma, as diversas facetas da gestão têm um foco privilegiado que determina sua finalidade principal (pedagógica) assentadas em ações-meio (pessoal, material, patrimônio, financeira etc) que viabilizam sua finalidade.

Finalidade esta que já está histórica e politicamente estabelecida: a

transmissão/apropriação dos conhecimentos com qualidade.

Face ao exposto entendemos que a participação, em seu sentido pleno,

caracteriza-se pela atuação consistente de todos os segmentos da comunidade

escolar, estes entendendo e reconhecendo seu papel na dinâmica da escola e

assumindo seu poder de influência na tomada de decisões em torno de

questões que lhe dizem respeito. Dessa forma, teríamos na escola um conjunto

de “atores” com funções diferenciadas, mas com a mesma finalidade -

assegurar que os alunos tenham acesso e se apropriem do conhecimento.

Conforme Kosik (1976, p. 18) evidenciou, “a realidade pode ser mudada

só porque e só na medida que saibamos que é produzida para nós.” Para isso

acontecer, necessitamos que os segmentos da comunidade escolar percebam

que a forma de participação vai além de assinaturas de atas, escolha de

diretores, participação na reunião de pais, mas sim na priorização e

explicitação dos problemas do cotidiano escolar e na busca de soluções

coletivas, a partir da atuação dos envolvidos com a escola, reconhecendo, ao

mesmo tempo, sua força e seus limites.

Não é demais lembrar que o que percebemos é que há um

distanciamento entre os diversos segmentos da comunidade escolar, cada qual

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defendendo seu ponto de vista e culpando o outro pelo insucesso escolar.

Entretanto, devemos entender que o conjunto que forma a comunidade escolar

tem obrigações a serem cumpridas, a fim de assegurar o direito a uma

educação de qualidade, conforme determinam a Constituição e a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.

Em síntese, para se compreender os fatores que impedem a construção

de uma gestão pautada na democracia, não é suficiente consideramos apenas

os aspectos administrativos. É necessário, também, compreendermos o caráter

educativo que emana desse modelo de gestão, o sentido e o significado do

papel das instâncias que compõem o todo escolar e, a partir desse

entendimento, articular essa participação para o cumprimento da principal

função da escola, priorizando o que é essencial - o trabalho pedagógico. Em

outros termos, o próprio desenvolvimento da tarefa educativa.

Enfim, a gestão democrática deve buscar no processo de tomada de

decisões encaminhamentos que levem todos os segmentos da comunidade

escolar a contribuir para a qualidade e para o êxito do processo educativo.

Nesse sentido, o democrático deve ser procurado na luta por assegurar

o acesso ao conhecimento sistematizado, pois é aí que reside o verdadeiro

sentido da democracia no interior da escola. E, esse é um desafio que se

impõe a toda a sociedade.

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