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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2008 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-040-7 Cadernos PDE VOLUME II

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2008

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-040-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CADERNO TEMÁTICO

INCLUSÃO: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA

CURITIBA

2008

4

TÂNIA MARA GRASSI

CADERNO TEMÁTICO

INCLUSÃO: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA

Caderno temático apresentado como requisito parcial de avaliação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, à Secretaria de Estado da Educação, Superintendência da Educação, Diretoria de Políticas e Programas Educacionais, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Paulo Ricardo Ross.

CURITIBA

2008

5

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 03

2 INCLUSÃO EDUCACIONAL: ENCAIXANDO ALGUMAS PEÇAS.............. 05

REFERÊNCIAS................................................................................................. 15

3 INCLUSÃO: DISPOSITIVOS LEGAIS........................................................... 17

REFERÊNCIAS................................................................................................. 39

4 FORMAÇÃO DE DOCENTES PARA ATUAÇÃO COM ALUNOS QUE

APRESENTAM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: UMA

REFLEXÃO NECESSÁRIA..............................................................................

45

REFERÊNCIAS................................................................................................. 58

6

1 INTRODUÇÃO

Com a implantação das políticas públicas para inclusão educacional de alunos

com necessidades educacionais especiais no Brasil muitas discussões têm sido feitas e

muitos questionamentos têm sido colocados por educadores e profissionais de áreas

afins sobre o assunto.

Inclusão educacional não pode e não deve se restringir à matrícula dos alunos

com necessidades educacionais especiais no ensino regular. A simples colocação do

aluno em sala de aula não significa que a aprendizagem vai acontecer e que a

diversidade será valorizada e respeitada. Assim, pergunta-se: Como é possível ensinar

todos os alunos se as necessidades educacionais de alguns são tão diferentes? Quais

são os conhecimentos necessários ao professor para responder às diferenças e

potencializar as capacidades de cada um dos alunos? Quais são as modificações a

serem conquistadas na organização escolar e em sua relação com a comunidade para

se construir uma cultura de inclusão?

Inclusão educacional significa, antes de tudo, considerar as diferenças

individuais, a diversidade e suas implicações pedagógicas. É aceitar, respeitar e

valorizar a diversidade como componente natural no processo educacional.

Para isso é fundamental preparar a comunidade, a escola como um todo, o

professor e os alunos para que a inclusão se efetive como parte do processo

educacional e não como um elemento estranho, imposto e sobre o qual pouco se sabe.

Frente à realidade educacional brasileira e seus problemas se faz pertinente

discutir nos cursos de formação de docentes e nos cursos de capacitação e/ou de

7

formação continuada o que é inclusão, seu respaldo legal e a formação de docentes

para atuação com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.

Este Caderno Temático foi organizado de modo a apresentar o tema “Inclusão:

uma discussão necessária” através de três textos. No primeiro: “Inclusão educacional:

encaixando algumas peças” há uma discussão sobre o que é inclusão e suas

características; o segundo texto “Inclusão: dispositivos legais” apresenta uma discussão

sobre a legislação que fundamenta e regulamenta a proposta de inclusão educacional;

e, finalmente, no terceiro texto “Formação de docentes para atuação com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais: uma reflexão necessária” discute-se

a formação de docentes no contexto educacional atual.

O objetivo do Caderno Temático é propiciar informações e conhecimentos

básicos sobre o tema, levantando alguns questionamentos e levando a reflexão sobre o

assunto.

8

2 INCLUSÃO EDUCACIONAL: ENCAIXANDO ALGUMAS PEÇAS

Em meados dos anos de 1990 a discussão sobre inclusão de pessoas com

necessidades educacionais especiais tomou impulso e organizações no mundo todo

assumiram um movimento em sua defesa e encamparam uma luta para garantir sua

efetivação.

Luta antiga contra a segregação e contra a exclusão educacional, mas que

ganhou forças e novos contornos a partir da Conferência Mundial de Educação para

Todos, em 1990, na Tailândia, e da Declaração de Salamanca, em 1994, na Espanha.

Estes dois momentos foram muito importantes e marcaram o desenvolvimento e

a consolidação do movimento em defesa da inclusão a partir das discussões em torno

da democratização do acesso à educação.

Na Conferência Mundial de Educação para Todos foram discutidas formas de se

oportunizar escolarização às minorias social e educacionalmente excluídas, em

especial às mulheres e às crianças. E em Salamanca as discussões apontaram ações

com o intuito de propiciar a inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais no ensino regular. Discussões que influenciaram de modo intenso, no mundo

todo, políticas educacionais, discursos e práticas.

No Brasil não foi diferente. Ferreira (2006, p. 219) destaca que “a incorporação

das diretrizes internacionais da educação para todos e da educação inclusiva nas

políticas públicas representou, na prática, uma mudança rápida radical no panorama do

sistema educacional”. Mudança que aconteceu após a promulgação da Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96. O que, segundo a autora, determinou

9

um aumento significativo no número de matrículas nas escolas e, conseqüentemente,

levou para as salas de aula novos alunos oriundos de grupos sociais diversos. Com o

aumento do número de alunos em sala de aula houve também uma mudança em

relação à caracterização desse alunado. A professora passou a atender uma nova

demanda educacional: mais alunos em sala de aula, com características individuais

marcantes e diferentes daquelas com as quais estava acostumada, inclusive alunos

com necessidades educacionais especiais.

Com a instituição legal da inclusão, no sistema educacional brasileiro, muitas

questões se apresentaram aos educadores, aos organismos governamentais e as

instituições não governamentais que trabalham em defesa dos direitos da pessoa com

deficiência ou com necessidades educacionais especiais.

Nesse momento houve resistências, medo, dúvida, falta de informação e

conhecimento. Essa idéia é corroborada por Ferreira (2006, p. 219) quando afirma que

a proposta de inclusão educacional no sistema público de ensino foi marcada pelo

temor dos educadores, dos administradores das escolas e dos familiares de crianças a

priori sem necessidades educacionais especiais. Medo de receber e de ser obrigado a

aceitar crianças com deficiências nas escolas, o que aconteceu, principalmente, pela

falta de conhecimentos e pela falta de informações e orientações, o que contribuiu

negativamente, levando muitos a rejeitarem a idéia de inclusão e a discriminarem

pessoas com necessidades educacionais especiais.

Fundamental se torna, na análise da autora (ibid, p. 221-222) um trabalho de

conscientização da sociedade em relação ao fato de que “todos têm direitos iguais à

educação”, inclusive as pessoas com deficiência. É preciso que a sociedade se

conscientize de que toda pessoa com deficiência têm potencial para aprendizagem e é

10

capaz de aprender, ser e estar no mundo agindo; que enquanto a ignorância e a crença

em sua incapacidade persistirem acima da lei, elas não serão vistas e nem

consideradas, não haverá mudança concreta no sistema educacional de forma a

propiciar a aprendizagem, considerar a diversidade como um elemento natural e um

componente necessário ao processo e assegurar a efetivação do direito de todos à

educação.

Preparar o professor para atuação no contexto da educação inclusiva também é

fundamental. Isso pode acontecer através de propostas de formação continuada que

abordem e discutam criticamente a inclusão e a prática pedagógica que valorize a

diversidade, possibilite a aprendizagem de todos os alunos presentes em sala de aula e

reconheça seu direito à educação.

Para Prieto (2006, p. 33) embora no plano ético e político se defendam a

igualdade de direitos em especial, à educação, há discordâncias quanto à proposta e

sua efetivação. Isso acontece em um contexto dialético que leva ao estabelecimento de

uma série de discussões necessárias e acaloradas onde há divergências, também

necessárias, há consenso, há dúvidas, medo, resistências, contradições e abertura

para reflexão, análise, síntese, crítica, tomada de posição e promoção de mudanças e

transformações de posicionamentos, identidade, políticas, conceitos, práticas

pedagógicas, familiares, sociais e educacionais.

Aponta-se aqui a necessidade de se discutir o que se entende por inclusão.

Incluir é fazer parte de algo, pertencer a um grupo, ser aceito nesse grupo como se é,

ser respeitado e ser valorizado em suas características individuais, participar do grupo,

das atividades, das oportunidades dadas a todos, é considerar, respeitar e valorizar a

diversidade, a diferença, como elementos naturais e constituintes das relações entre os

11

diferentes sujeitos humanos nos diferentes grupos de que participa e nos diferentes

espaços em que transita. A comunidade escolar é um destes grupos e a escola um

desses espaços.

Para Sartoretto (2006, p. 81) incluir “significa compreender, abranger, fazer

parte, pertencer, processo que pressupõe, necessariamente e antes de tudo, uma

grande dose de respeito”. O que faz com que a inclusão, na opinião da autora, com a

qual concorda-se, só seja possível “se houver respeito à diferença”, respeito que se

traduz na “adoção de práticas pedagógicas que permitam às pessoas com deficiência

aprender e ter reconhecidos e valorizados os conhecimentos que são capazes de

produzir, segundo seu ritmo e na medida de suas possibilidades”.

A inclusão pode ser considerada, de acordo com o CSEI (Centro de Estudos

sobre Educação Inclusiva) Apud Ferreira (2005, p. 44), como uma filosofia que valoriza

a diversidade do ser humano, em relação “à força, habilidades e necessidades”.

Diversidade encarada como “natural, desejável”, fundamental e, portanto, parte do

processo, posto que oportuniza a aprendizagem e o desenvolvimento a partir da

participação de cada componente do grupo e do grupo como um todo.

Parte-se, então, do princípio de que a educação é um direito do homem e,

portanto, sua garantia é fundamental para que as sociedades sejam mais justas,

afirmação presente no Arquivo Aberto sobre a Educação Inclusiva, publicação da

UNESCO apud Ferreira (Id.) o que faz com que se conceba a educação inclusiva como

um direito, defendido pelo movimento de Educação para Todos (Conferência Mundial

de Educação para Todos) através do acesso à educação básica de qualidade;

movimento que objetiva, também, encontrar formas das escolas (como partes de um

sistema educacional) atenderem às necessidades educacionais de todos os alunos, em

12

especial daqueles excluídos das oportunidades educacionais (dentre os quais se

encontram os alunos com deficiências e outras necessidades educacionais especiais).

Há consenso quanto à inclusão ser um processo que implica mudanças urgentes

e constantes, que, segundo o Index para Inclusão apud Ferreira (Id.) “envolve uma

abordagem diferente para identificar e resolver dificuldades que emergem na escola”.

Processo que envolve o aumento da participação dos alunos e que reduz “sua exclusão

da cultura, do currículo e das comunidades das escolas locais”.

Enquanto processo pressupõe a identificação e a remoção de barreiras à

aprendizagem, a participação de todos os elementos do grupo na própria aprendizagem

e na aprendizagem dos colegas, a apropriação de conhecimentos trabalhados no

contexto de sala de aula, a elaboração e reelaboração de planejamentos, o

acompanhamento e detecção de dificuldades numa perspectiva preventiva, a formação

inicial e continuada dos docentes, o envolvimento entre escola, família e comunidade, a

flexibilização curricular, a organização de redes de apoio, dentre outras ações.

Concorda-se com Ferreira (2005, p. 43) quando afirma que inclusão educacional

é um termo utilizado em referência a todas as pessoas que foram, de alguma forma,

excluídas no contexto escolar, pois não encontraram oportunidades para participar de

todas as atividades escolares, ou se evadiram, foram expulsos ou suspensos, ou não

tiveram acesso à escolarização, permanecendo fora da escola.

A inclusão exige oportunizar formação inicial e continuada dos docentes com

qualidade de modo a prepará-los para uma atuação crítica e consciente que valorize,

considere e respeite a diversidade, formação que os instrumentalize para atuar como

mediadores entre o conhecimento e o aluno, para a utilização das estratégias mais

13

adequadas à aprendizagem de seus alunos, formação pessoal que os prepare para

saber ouvir, observar, acolher, aceitar as diferenças, inclusive as suas.

Inclusão requer a valorização da diversidade humana e das diferenças

individuais como recursos presentes no contexto escolar e que podem contribuir para o

trabalho desenvolvido em sala de aula e para a formação do cidadão.

Para que a inclusão se efetive se faz necessário uma escola com uma política

participativa, o que também depende de políticas públicas e do sistema educacional e,

um ambiente inclusivo, em que todos os componentes participem, cooperem, apóiem e

se envolvam no trabalho pedagógico.

No contexto de uma educação que se pretende inclusiva muitos são os desafios

para que se alcance a educação como direito. Dentre estes desafios Prieto (ibid, p. 35-

36) destaca aquele que considera como fundamental: “(...) não permitir que esse direito

seja traduzido meramente como cumprimento da obrigação de matricular e manter

alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns”. O que resultaria

no acesso e manutenção do aluno na escola como cumprimento de uma exigência

legal, contudo sem sua efetiva aprendizagem e, portanto, sem que se tenha

reconhecido e garantido sua igualdade de direitos.

Inclusão educacional significa, enfim, oportunizar a todos os alunos a

participação na comunidade escolar, sendo reconhecidos, valorizados e respeitados

como elementos dessa comunidade e, portanto, fundamentais para seu funcionamento.

Cabe ainda aqui, com base nas colocações de Prieto (Id.), refletir sobre a

caracterização da educação inclusiva como um “novo paradigma”. Questão importante

a se considerar no contexto educacional brasileiro.

14

Paradigma constituído, segundo a autora:

(...) pelo apreço à diversidade como condição a ser valorizada, pois é benéfica à escolarização de todas as pessoas, pelo respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem e pela proposição de outras práticas pedagógicas, o que exige ruptura com o instituído na sociedade e, conseqüentemente, nos sistemas de ensino. A idéia de ruptura é rotineiramente empregada em contraposição à idéia de continuidade e tida como expressão do novo, podendo causar deslumbramento a ponto de não ser questionada e repetir-se como modelo que nada transforma. Por outro lado, a idéia de continuidade, ao ser associada ao que é velho, ultrapassado, pode ser maldita sem que suas virtudes sejam reconhecidas em seu devido contexto histórico e social. (2006, p. 40).

A educação inclusiva representa de fato um novo paradigma, mas cuja

colocação em ação precisa ser discutida criticamente, considerando-se o contexto

social brasileiro e o sistema educacional em que se insere, para que não se percam

seus objetivos e para que não acabe se configurando em um modismo que não

transforma, uma vez que não leva em consideração a história que o precedeu e que

lançou as bases para que a idéia de educação inclusiva se delineasse e se colocasse

em movimento, nem o contexto social, econômico, cultural, político e histórico atual.

É importante também discutir como está sendo implantada nacionalmente a

proposta de educação inclusiva, considerando-se a realidade brasileira, caracterizada

pela significativa desigualdade social, em que se adota um discurso neoliberal em

defesa de uma escola que receba e acolha a todos, ou seja, inclusão escolar como

componente da inclusão social em um contexto histórico e social marcado pela

“expansão da exclusão econômica e social”, destaca Prieto (Ibid., p. 66).

Uma análise crítica da realidade educacional brasileira implica em reconhecer

que há fracasso e exclusão, determinados por uma rede complexa de fatores: há

pessoas que nunca foram à escola, alunos fora da escola, defasagem entre idade-série,

evasão e fracasso escolar, baixa qualidade do ensino e da aprendizagem nas escolas,

15

condições precárias de trabalho, falta de recursos financeiros, materiais e humanos,

problemas de gestão escolar, políticas públicas compensatórias, falhas de formação

inicial e continuada, desvalorização do professor, problemas sociais e econômicos e

tantos outros.

Discutir essa realidade, refletir sobre ela, propor e implementar mudanças pode

levar a uma ressignificação do papel da escola, afirma Carvalho (2007, p. 37),

tornando-a inclusiva no sentido de oferecer educação de qualidade para todos,

possibilitando a aprendizagem, a apropriação dos conhecimentos historicamente

produzidos, a produção de conhecimentos novos, a participação social e a promoção

de mudanças.

Para Prieto (op. cit., p. 66) aponta-se para a necessidade de se exigir a revisão

do papel do Estado, de maneira que assuma como prioridade a administração e o

financiamento de políticas sociais de educação e de se evitar o descompromisso do

poder público com a educação, garantindo que a inclusão não acabe por significar

apenas o ingresso de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino

regular.

Incluir alunos com deficiências nas escolas do ensino regular sem que lhes

sejam oferecidos auxílio e apoio de educadores especializados que possam dar suporte

aos professores e aos familiares para Carvalho (op. cit., p. 29) é o mesmo que colocar

mais um número no percentual de matrículas ou acrescentar mais uma carteira em

sala.

A inclusão, no momento presente, se caracteriza por uma luta das pessoas com

necessidades especiais pelo alcance de autonomia e independência e pela conquista

de uma escola comprometida com a educação de todos, em que se conceba diferença

16

como benefício, como oportunidade de experimentar o que a heterogeneidade humana

pode proporcionar, afirma Barby (2005, p. 45).

A inclusão educacional fundamenta-se na defesa do direito do homem de

acesso, ingresso e permanência na escola, onde receba ensino de qualidade, onde

possa aprender, apropriar-se e produzir conhecimentos e integrar-se com seus colegas

e com os educadores, tenha esse homem ou não uma necessidade educacional

especial.

De acordo com Carvalho (Id) uma escola inclusiva se configura em uma escola

para todos os alunos, exigindo um sistema educacional que, além de reconhecer e

atender às diferenças individuais, também respeite as necessidades de todos.

Numa proposta de educação inclusiva enfatizam-se os processos educacionais

como especiais e não o aluno como especial em função de sua deficiência.

Considerando-se essa concepção, o sistema escolar e as escolas que o constituem

precisam se modificar, o que implica em rever políticas públicas, princípios filosóficos,

concepções pedagógicas, práticas pedagógicas, procedimentos de ensino, implementar

adaptações curriculares e arquitetônicas, promover formação continuada de docentes e

estabelecer uma política pública e um plano de ação envolvendo a comunidade escolar,

dividindo responsabilidades e construindo uma rede de apoio para os alunos que dela

necessite.

Enfim, considerar a inclusão educacional como um processo que acontece em

um contexto social, político, econômico, cultural e histórico, sofrendo suas

determinações é fundamental para sua efetivação e para a implementação de

mudanças.

17

Carvalho (Id.) baseando-se em Ainscow, Porter e Wang (1977) cita algumas

ações que auxiliam as escolas a se tornarem ambientes inclusivos de educação.

Fundamentando-se na autora cita-se dentre estas ações: a valorização profissional dos

professores; o aperfeiçoamento das escolas; o aproveitamento de professores

especializados como consultores, formando uma rede de apoio; o aperfeiçoamento dos

professores através de formação continuada; a atuação em equipe com especial

destaque ao trabalho cooperativo, interdisciplinar; a flexibilização curricular e a

implementação de adaptações curriculares que assegurem aos alunos a apropriação

dos conhecimentos lhes possibilitando igualdade de oportunidades.

Em uma escola onde essas ações fossem colocadas em prática e onde o

respeito e a valorização da diversidade estivesse presente, todos os alunos que

apresentassem dificuldades de aprendizagem ou desenvolvimento, por causas

diversas, seriam beneficiados e não apenas aqueles com deficiência.

De acordo com Freitas (Ibid., p. 163) baseando-se na perspectiva histórico-

cultural se tem um redimensionamento da concepção de deficiência e de inclusão

educacional a partir das idéias de Vygotsky sobre os processos psicológicos superiores.

Vygotsky postula que esses processos “têm sua origem nos processos sociais em uma

constituição mútua entre fenômenos interpessoais e intrapessoais”. É através da

interação social que o homem se constitui sujeito humano, é através da mediação nas

relações entre o sujeito e o objeto do conhecimento que se dará à aprendizagem, que

acontecerá a apropriação do conhecimento.

A concepção de aprendizagem como resultado das interações sociais rompe

com os pressupostos que destacam a incapacidade de aprender das pessoas com

deficiência em espaços escolares regulares e que defendem a sua manutenção

18

exclusiva em espaços segregados, como instituições escolares especializadas.

Concepção de aprendizagem que fundamenta a educação inclusiva.

Não se trata de desvalorizar o trabalho desenvolvido pelas escolas especiais,

mas sim repensar esse trabalho e sua função no contexto da educação inclusiva.

Concorda-se com a autora (Ibid., 164) que é justamente através de uma

discussão que considere o “entrelaçamento entre a educação geral, a educação

especial e a educação para todos”, as políticas públicas, a formação de professores e

as práticas pedagógicas, que se poderá avançar em relação aos desafios, as

possibilidades de ação e implementação de uma educação inclusiva de qualidade para

todos.

REFERÊNCIAS

BARBY, A. A. de O. Inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de

ensino: o pensar dos futuros professores. Dissertação (Mestrado em Educação) –

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

CARVALHO, R. E. Educação inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre:

Mediação, 2007.

FERREIRA, W. B. Inclusão x exclusão no Brasil: reflexões sobre a formação docente

dez anos após Salamanca. In: RODRIGUES, D. (org.) Inclusão e educação: doze

olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

19

______________. Educação inclusiva: será que sou a favor ou contra uma escola de

qualidade para todos??? In: Inclusão. Revista da Educação Especial. Secretaria de

Educação Especial. v. 1, n. 1 (out. 2005). Brasília: Secretaria de Educação Especial,

2005. p. 40-46.

FREITAS, S.N. A formação de professores na educação inclusiva: construindo a base

de todo o processo. In: Rodrigues (org.). Inclusão e educação: doze olhares sobre a

educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

PRIETO, R. G. Atendimento escolar de alunos com necessidades educacionais

especiais: um olhar sobre as políticas públicas de educação no Brasil. In: ARANTES, V.

A. Inclusão escolar: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2006.

SARTORETTO, M. L. M. Inclusão: teoria e prática. In: BRASIL. Ensaios pedagógicos.

III Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores. Educação inclusiva:

direito à diversidade. Brasília: MEC/SESP, 2006.

20

3 INCLUSÃO: DISPOSITIVOS LEGAIS

O movimento em defesa da educação inclusiva se caracteriza como uma ação

política, social, econômica, cultural, histórica e pedagógica em defesa do direito de

todos os seres humanos à educação de qualidade.

Direito a ser garantido por políticas públicas que implementem ações que

possibilitem a efetivação dessa educação e da inclusão dos alunos que por algum

motivo se encontrem excluídos, discriminados, segregados, impedidos de acessar à

escola, aprender em seu contexto e permanecer nela. Ações que conjuguem igualdade

e diferença como valores indissociáveis, o que é destacado por muitos pesquisadores.

Direito que todos os alunos (seres humanos) têm de estar junto com seus

colegas (outros seres humanos) no espaço escolar e social, convivendo, aprendendo,

participando, experimentando, descobrindo, inventando, construindo, sem sofrer

nenhum tipo de discriminação.

Na sociedade contemporânea, num contexto social, econômico, cultural,

histórico, educacional marcado pela exclusão e por práticas discriminatórias e

segregativas, a escola tem um papel importante na luta pela superação dessa exclusão.

Em relação a esse papel algumas questões precisam ser discutidas

cuidadosamente e algumas ações precisam ser colocadas em prática rapidamente. O

sistema educacional deve se tornar inclusivo e, para isso, se faz necessário repensar a

organização do próprio sistema e das escolas que dele fazem parte; se fazem

necessárias mudanças estruturais que tornem as escolas acessíveis a todos os alunos,

de modo a atender às suas necessidades, respeitar à diversidade e propiciar à

21

aprendizagem. Acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica,

instrumental, programática e, principalmente, atitudinal, precisam ser garantidas.

Sabe-se que, historicamente, as propostas educacionais são idealizadas e se

efetivam para atender aos interesses e as necessidades da classe dominante (da elite

privilegiada histórica, econômica, cultural, social e politicamente). Propostas que são

legitimadas por dispositivos legais que regulamentam sua implantação.

A escola, historicamente, reproduz a ordem social e se estrutura a partir da visão

de educação da elite, o que faz da escolarização privilégio de uns e leva a exclusão de

outros, ou seja, daqueles que não fazem parte do grupo social, econômico ou cultural

privilegiado. Privilégio e exclusão que têm sido legitimadas nas e pelas políticas

educacionais e pelas práticas escolares, reproduzindo a ordem social.

Diante disso todos aqueles (deficientes ou não), que fogem ao padrão de beleza,

inteligência, cultura, aparência, poder econômico, condição financeira, de competência

ou eficiência, que foram construídos socialmente, constituíram e constituem um grupo

marginalizado, que foi e, ainda é hoje, eliminado, discriminado e/ou excluído do meio

social, econômico, cultural, político e educacional. Fazem parte desse grupo as

mulheres, as crianças, os pobres e miseráveis, os desempregados, os analfabetos, os

velhos, os doentes, os loucos, os deficientes e tantos outros.

Concorda-se com a afirmação de Barby (2005, p. 12) de que em diferentes

momentos históricos, as sociedades encontraram meios de legitimar a exclusão e a

segregação e de manter longe o que consideravam indesejados.

Com o processo de democratização do acesso à escola, houve o aumento do

número de alunos nas escolas, mas evidenciou-se, também, a contradição entre

inclusão e exclusão, isto é, houve de um lado a universalização do acesso, o que foi

22

garantido pelos sistemas educacionais, mas de outro lado à exclusão, que se mantém

na medida em que os sistemas continuam excluindo aqueles que não se enquadram ao

padrão e, por isso, não se adaptam, não aprendem, fracassam, se evadem. Seleção

vista e concebida por muitos como natural, num sistema capitalista, excludente,

individualista e competitivo, onde alguns vão obter sucesso e outros vão fracassar,

também naturalmente.

A luta pela superação da exclusão e da segregação veio se consolidando

progressivamente ao longo do século XX. Educadores, pais, profissionais e pessoas da

comunidade têm lutado por melhores oportunidades sociais e educacionais para todos

os alunos, especialmente, para aqueles que foram excluídos ou marginalizados

socialmente, impelidos pela não aceitação da exclusão e do fracasso escolar como

naturais numa sociedade de classes.

Com base na idéia de educação como direito de todos e no conceito de

cidadania a partir do reconhecimento das diferenças e da participação social, os

mecanismos e processos que produzem e mantém as desigualdades puderam ser,

melhor, percebidos e identificados, levando a discussões e ações pela busca de

mudanças.

No contexto da educação escolar evidenciam-se mecanismos de discriminação,

exclusão, segregação e distinção dos alunos, a partir da consideração de

características intelectuais, físicas, culturais, sociais, econômicas, raciais, dentre outras,

que justificam e legitimam a presença de uns e a ausência de outros na escola.

Realidade que não mais se admite e que prima por mudanças urgentes.

Os movimentos em defesa de uma educação para todos, mais justa e inclusiva

tomaram força e se consolidaram mundialmente, culminando segundo Barby (Id.) na

23

Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada no ano de 1990, na cidade de

Jomtien, na Tailândia e que reuniu representantes de 155 países. Os participantes

assumiram como compromisso garantir, até o ano 2000, “uma educação gratuita e de

qualidade para todos”, através de ações que “garantissem a universalização da

educação básica e a erradicação do analfabetismo, proporcionando às minorias sociais

as mesmas oportunidades” de escolarização e aprendizagem.

Estes objetivos não foram atingidos o que levou a realização, no ano de 2000, do

Fórum Mundial de Dacar. Nesse Fórum os representantes dos governos adiaram o

compromisso assumido para até o ano de 2015. (MEC/UNESCO, 2005).

Na análise de Barby (Ibid, p. 13), independentemente do alcance dos objetivos

propostos em 1990 e reforçados em 2000, a discussão sobre a universalização da

oferta de educação para todos, representou “uma importante conquista em prol dos

direitos humanos”, impulsionando “o movimento pela inclusão das minorias sociais

excluídas do meio educacional”. Fazem parte desse grupo os alunos com deficiências,

historicamente excluídos e isolados do sistema oficial de ensino, reforça a autora.

Cabe ressaltar que o movimento pela inclusão não surgiu a partir desse

momento, mas que já vinha se construindo desde meados de 1950. A partir dos anos

de 1990 a luta pela educação como direito de todos possibilitou novas discussões que

resultaram em importantes eventos, Barby (Id.) cita como exemplo a Conferência

Mundial de Educação Especial em Salamanca, no ano de 1994, na Espanha, onde

representantes de 88 países e 25 organizações internacionais se reuniram, discutiram e

finalmente reconheceram a necessidade e, também, a urgência, de promover a

educação das pessoas com necessidades educacionais especiais, no sistema regular

de ensino, abrindo perspectivas para a inclusão educacional.

24

Aqui no Brasil a defesa da inclusão educacional de alunos com deficiência no

ensino regular acontecia desde meados dos anos de 1970, contudo só tomou impulso

no final do século XX, por influência da Declaração de Salamanca e, ainda hoje,

encontra resistências.

Resistências que podem ser entendidas a partir da análise feita por Barby (Ibid,

p. 44) de que “a exclusão do diferente é uma questão de poder, pois a sociedade

acostumou-se a classificar o mundo entre nós e eles e a definir o papel que cada um

deve representar”.

A autora fundamenta sua análise em Silva (2000) mencionando o fato de que: (...) desde o início da vida em sociedade, o ato de classificar os indivíduos em bons e maus, puros e impuros, civilizados e primitivos, sempre esteve presente. Para garantir a estabilidade, a sociedade construiu modelos e ditou normas, colocando cada um em seu devido lugar. Assim, para alguns, os iguais, foram oferecidas oportunidades iguais, enquanto para outros, os diferentes, a exclusão e o confinamento.(op. cit., p. 44-45)

Mudanças de concepção foram acontecendo ao longo da segunda metade do

século XX. Gradativamente passou-se de uma concepção de educação de pessoas

com deficiência marcada pela exclusão, segregação e assistencialismo, para uma

concepção de educação inclusiva, em que a diferença vai sendo vista como algo

natural, desejável e fundamental nas relações humanas e, por conseguinte, nas

relações educacionais. Concepção que procura possibilitar a igualdade de

oportunidades educacionais e sociais com ênfase na educação para todos.

No final do século XX, a concepção de educação para todos e da inclusão

educacional de pessoas com deficiências passa a ser respaldada legalmente pela

Constituição Federal Brasileira de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação

25

Nacional – LDB nº 9394/96, recebendo reforço dos dispositivos legais presentes no

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.

Na Constituição Federal Brasileira, no artigo 3º, aparecem os objetivos da

República Federativa do Brasil, dentre os quais destaca-se o inciso III cujo texto diz:

“erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”

e o inciso IV, que menciona como objetivo “promover o bem de todos, sem preconceitos

de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. No

Capítulo III, artigo 205 a educação é colocada como um direito de todos e um dever do

Estado e da família, que deve garantir “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e no artigo

206, inciso I, estabelece como um dos princípios para o ensino a “igualdade de

condições para o acesso e permanência na escola” e coloca como dever do Estado à

oferta de atendimento educacional especializado a pessoas com deficiência, o que vem

disposto no artigo 208, inciso III, que preconiza o “atendimento educacional

especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de

ensino”.

Tem-se a partir desse momento um dispositivo legal que coloca como dever do

Estado garantir educação para todos, diminuindo a marginalização, acabando com a

discriminação, possibilitando a acesso e também a permanência dos alunos na escola,

inclusive às pessoas com deficiência, na rede regular de ensino.

Cabe mencionar que mesmo presente na Lei, isso não foi atingido totalmente.

Ainda se têm alunos fora da escola, exclusão, discriminação, fracasso e evasão,

analfabetismo, condições desiguais, pessoas com necessidades especiais fora da

escola, segregadas e discriminadas. Contudo a garantia legal e o reconhecimento do

26

Estado de seu dever em relação à educação para todos como um direito do cidadão

representou um avanço significativo.

No ano de 1990, com a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do adolescente

(ECA), vai haver um reforço aos dispositivos legais presentes na Constituição Federal

Brasileira. Esse reforço está presente nos artigos que garantem à criança e ao

adolescente o atendimento de seus direitos em relação “à vida, à saúde, à alimentação,

à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária”.

A garantia desses direitos acontecerá, segundo a Lei, “mediante a efetivação de

políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e

harmonioso, em condições dignas de existência”, o que está presente no artigo 7º,

capítulo I.

Ainda neste capítulo, no artigo 11, assegura-se “atendimento integral à saúde da

criança e do adolescente” e no parágrafo 1º se faz menção à criança e ao adolescente

com deficiência: “a criança e o adolescente portadores de deficiência receberão

atendimento especializado”.

Encontra-se no Capítulo IV, mais especificamente no artigo 53, a educação

colocada como direito e, no inciso I, direito que deve se assegurado por meio de

“igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; e no artigo 54, a

afirmação de que é dever do Estado assegurar essa educação: no Inciso I - “ensino

fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na

idade própria”; e no Inciso III – “atendimento educacional especializado aos portadores

de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Cabendo aos pais ou

responsáveis matricular seus filhos, determinação presente no artigo 55: “os pais ou

27

responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos da rede regular de

ensino”. E finalizando tem-se o artigo 66 em que se assegura ao adolescente com

deficiência o trabalho protegido.

Com o ECA temos a afirmação do direito de todos à educação (inclusive das

pessoas com deficiência), do dever do estado de promover e garantir o acesso e a

permanência do aluno no ensino regular e o dever dos pais de matricular seus filhos,

buscar a escola e exigir das autoridades o cumprimento de seu dever.

Embora presentes na Lei esses direitos ainda são violados, uma vez que a Lei é

desconsiderada por muitos e não é cumprida.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, também

representou um avanço em relação ao direito das pessoas à educação, em

consonância com o disposto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do

Adolescente, em especial às pessoas com necessidades educacionais especiais a

quem dedica um capítulo. Ela destaca a educação inclusiva na medida em que ressalta

a preferência da educação escolar para pessoas com necessidades especiais na rede

regular de ensino. O que é mencionado no artigo 58, Capítulo V, da referida Lei.

Neste artigo a educação especial é conceituada como “(...) modalidade de

educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para

educandos portadores de necessidades especiais”. Aparece no parágrafo 1º a proposta

“de serviços de apoio especializado” na rede regular de ensino para atender às

necessidades dos alunos com necessidades especiais.

Infelizmente não se vê, até o momento presente, essa rede de serviços de apoio

constituída e implementada em toda rede regular de ensino.

28

No parágrafo 2º a Lei pressupõe o atendimento especializado, no caso de alunos

com necessidades especiais que não possam, em função da gravidade de suas

deficiências, se beneficiar do ensino regular. O que indica a manutenção das classes,

das escolas e dos serviços especializados.

E, no parágrafo 3º, coloca como dever do Estado ofertar educação especial ao

longo da educação infantil.

Finalizando a análise dessa Lei, no artigo 59, há a preconização de que os

sistemas de ensino devem assegurar aos alunos “currículos, métodos, técnicas,

recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades”

(Inciso I); assegurar a terminalidade específica àqueles que não atingirem o nível

exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e a

aceleração dos estudos aos alunos com altas habilidades para que concluam o

programa escolar em menor tempo (Inciso II); professores capacitados na rede regular

de ensino para propiciar a inclusão dos alunos com necessidades especiais,

possibilitando as aprendizagens (Inciso III); educação especial para o trabalho como

garantia de inserção social (Inciso IV).

Questões cuja presença na Lei têm uma grande importância, mas que precisam

ser analisadas cuidadosamente e criticamente em relação ao seu cumprimento.

Sabemos que não basta estar presente na Lei para que o direito à educação

(inclusiva), garantia legal, se efetive de fato. É preciso que as pessoas conheçam seus

direitos e as Leis que os defendem e lutem para que as Leis se cumpram e os direitos

sejam garantidos, é preciso que as políticas públicas sejam implantadas de modo a

garantir a efetivação desses direitos e que a sociedade, como um todo, os entenda

como direitos fundamentais de todos os homens, igualmente.

29

Outros dispositivos legais (Leis, Resoluções, Pareceres, Decretos) e

documentos, em defesa da educação inclusiva, dos direitos da pessoa com

necessidades especiais e do atendimento às necessidades educacionais especiais de

todos os alunos, têm sido publicados e promulgados, mas alguns não chegam ao

conhecimento geral e nem a serem cumpridos integralmente. Não são difundidos (ou

são pouco difundidos) de modo que a sociedade tome contato com eles e se

conscientize de sua importância e exija seu cumprimento, como dever e direito.

Para conhecimento e também para subsidiar essa discussão citam-se, a seguir,

alguns desses dispositivos legais e comentam-se suas disposições.

No ano de 1999 o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, dispondo

sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência,

apresenta em seu texto uma definição de Educação Especial como uma modalidade

transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação da

educação especial como complementar ao ensino regular.

Em 2001, acompanhando as mudanças que estavam acontecendo em relação à

defesa da inclusão educacional de alunos com necessidades educacionais especiais, o

Parecer CNE/CEB nº 17/2001 apresenta as Diretrizes Nacionais para a Educação

Especial na Educação Básica e a Resolução CNE/CEB nº 2/2001, institui as Diretrizes

Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

O Parecer nº 17/2001 recomenda aos sistemas de ensino que implantem

educação especial em todas as etapas da educação básica, dando a rede pública os

meios necessários a essa implantação, através do estabelecimento de políticas

públicas adequadas, que dêem as orientações necessárias em relação à flexibilização,

adaptações curriculares e avaliação pedagógica dos alunos com necessidades

30

educacionais especiais, estabelecer ações conjuntas com instituições de ensino

superior no tocante à formação de docentes, prever atendimentos extraordinários em

classes ou escolas especiais, estabelecer normas para atendimentos aos alunos com

altas habilidades, dentre outras recomendações.

Menciona que a política de inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais no ensino regular “não consiste apenas na permanência física desses alunos

junto aos demais, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem

como desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e

atendendo suas necessidades”.

Três pontos importantes, em relação à inclusão, são apontados aí e merecem

destaque: o primeiro diz respeito à inclusão não significar a matrícula e inserção física

do aluno com necessidades especiais à escola regular, o segundo, refere-se à revisão

de concepções e mudança de paradigma e, o terceiro, relaciona-se ao respeito às

diferenças, ao atendimento de suas necessidades e a aprendizagem e desenvolvimento

serem possibilitados no contexto escolar.

Coloca, ainda, que respeitar e valorizar a diversidade exige que a escola assuma

sua responsabilidade na criação de espaços “inclusivos” e na superação da produção

do “fracasso” e de “necessidades especiais” em seu contexto, destacando a função

social da escola e seu compromisso de ofertar educação de qualidade para todos, sem

distinção.

Cabe aos sistemas de ensino assegurar a matrícula (vagas) para todos os

alunos, inclusive àqueles com necessidades educacionais especiais, na rede regular.

Faz menção à formação docente e a importância da formação continuada que

preparem o professor para ensinar, valorizando a diversidade e atuando em equipe, o

31

que coloca como essencial para que a inclusão aconteça de fato. Destaca, também,

como outros dispositivos legais anteriormente citados, a necessidade da reestruturação

do sistema educacional de modo que a escola passe a se configurar em ambiente

democrático e preparado para atender todos os alunos sem distinção de raça, gênero,

classe ou qualquer característica pessoal que apresente.

Define, em seu artigo 5º, o que considera aluno com necessidades educacionais

especiais: alunos que em seu processo educacional apresentem dificuldades

acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que

dificultem o acompanhamento das atividades pedagógicas, sem causa orgânica

específica ou relacionadas a uma condição, disfunção, limitação ou deficiência;

dificuldades de comunicação e sinalização que necessitem de linguagens e códigos

diferenciados; e altas habilidades.

O conceito de necessidade educacional especial não mais se restringe apenas

aos alunos com deficiências, aumentando-se sua abrangência.

E a Resolução CNE/CEB nº 2/2001, determina, em seu artigo 2º, que os

sistemas de ensino matriculem todos os alunos, devendo se organizar para atender

àqueles com necessidades educacionais especiais, assegurando o provimento das

condições necessárias que possibilitem educação para todos com qualidade.

Em seu artigo 3º apresentam a educação especial como modalidade da

educação escolar, entendida como:

um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar , suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas da educação básica. (MEC/SEESP, 2001).

32

Embora as Diretrizes ampliem a ação da educação especial como atendimento

complementar ou suplementar à escolarização, ao colocar em seu artigo 3º a

possibilidade de substituição do ensino regular pela educação especial, acabam por

não enfatizar a adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de

ensino. Análise feita em documento elaborado pelo Grupo de Trabalho do MEC/SEESP

(2008, p. 11).

Pode-se destacar como importante para a educação inclusiva o disposto no

parágrafo único, do artigo 3º das Diretrizes, em que se coloca aos sistemas de ensino a

responsabilidade por criar um setor que seja responsável pela educação especial,

tendo recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis para viabilizar e sustentar

o processo de implantação da educação inclusiva.

No ano de 2001 acontece, ainda, a promulgação da Lei nº 10.172/2001 - Plano

Nacional de Educação – PNE e o Decreto 3.956/2001 que promulga a “Convenção da

Guatemala” ou “Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de

Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência”.

No que tange ao Plano Nacional de Educação há o reconhecimento de que

significa um grande avanço, para a denominada “década da educação”, a construção

de uma escola realmente inclusiva, que garanta o atendimento à diversidade.

Disposta a alcançar uma educação inclusiva, estabelece uma série de objetivos

e metas para que os sistemas de ensino ofertem atendimento educacional que atenda

às necessidades dos alunos e aponta, também, uma série de problemas, fazendo uma

análise da realidade educacional brasileira em relação à educação de alunos com

necessidades educacionais especiais. Propõe uma escola inclusiva, aberta à

diversidade, colocando como fator essencial a participação da comunidade e

33

destinando às escolas especiais a função de apoiar, orientar e dar suporte ao processo

de inclusão.

Entre os objetivos e metas pode-se destacar a capacitação em serviço e a

formação continuada de professores, a estimulação precoce em instituições regulares

e/ou especializadas de educação infantil, à acessibilidade, a inclusão nos currículos dos

cursos de formação de docentes de conteúdos e disciplinas que capacitem o futuro

profissional a atender à diversidade dos alunos com necessidades especiais, a inclusão

de conteúdos relacionados às necessidades especiais nos cursos de áreas relevantes

como medicina, enfermagem, odontologia, arquitetura, dentre outros.

No que diz respeito ao Decreto nº 3.956/2001, tem-se a afirmação de que as

pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais

que os demais. Direitos, inclusive o de não sofrer nenhum tipo de discriminação em

função da deficiência, “que emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a

todo ser humano”.

Menciona como objetivos da Convenção a prevenção e a eliminação “de todas

as formas de discriminação” contra as pessoas com deficiência e a efetivação de sua

total integração à sociedade, repercutindo fortemente na educação brasileira ao exigir

uma reinterpretação da educação especial num contexto em que a diversidade passa a

ser valorizada e em que se busca a eliminação de todas as barreiras que impedem a

acessibilidade à educação.

É possível perceber que a legislação vai trazendo avanços importantes em

relação à garantia de alguns direitos fundamentais da pessoa humana, mas sabe-se

que esses direitos não têm sido respeitados e atendidos como o previsto.

34

Em relação à formação de docentes, no contexto da educação inclusiva, temos

na Portaria nº 1793/1994 a manifestação da necessidade de complementação dos

currículos dos cursos de formação de docentes e de outros cursos em que os

profissionais interajam com pessoas com necessidades educacionais especiais; e na

Resolução CNE/CP nº 1/2002, instrumento legal que estabelece as Diretrizes Nacionais

para a Formação de Professores da Educação Básica, a determinação legal de que

seja prevista nos currículos dos cursos ofertados pelas instituições de ensino superior, a

formação docente que atenda à diversidade, abordando conhecimentos referentes às

especificidades dos alunos com diferentes necessidades educacionais especiais.

Apesar de presente na Resolução ainda encontram-se docentes formados ou em

formação que não tiveram em seus cursos disciplinas ou conteúdos relacionados a

deficiências, inclusão ou necessidades educacionais especiais, ou que tiveram, mas o

assunto foi abordado de maneira breve, sem aprofundamento, discussão ou reflexão.

Algumas Leis representam de fato a garantia legal de um direito que foi

trabalhosamente conquistado, num contexto de luta, sofrimento e resistências.

Dentre estas estão a Lei nº 10.436/2002 que reconhece a Língua Brasileira de

Sinais – Libras - como um meio de comunicação e expressão legal das comunidades

surdas e que determina que seja garantido o apoio para sua utilização e difusão em

instituições públicas e privadas, a inclusão da disciplina de Libras nos currículos dos

cursos de Formação de Docentes (nível médio e/ou superior), nos cursos de formação

em Educação Especial e nos cursos de Fonoaudiologia, a certificação de professor,

instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda

língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngüe no ensino regular.

35

A Lei nº 9.045/1995 determina que as editoras permitam a reprodução de suas

publicações em Braille, se o autor concordar, sem necessidade de remuneração, desde

que o material não tenha fins lucrativos e se destine a leitores cegos; e a Lei nº

9.610/1998 que estabelece, no artigo 46, que não constitui ofensa aos direitos autorais

a reprodução de obras literárias, artísticas ou científicas, desde que para uso exclusivo

de cegos, feita pelo sistema Braille ou outro procedimento de suporte aos mesmos, sem

fins comerciais.

A Portaria nº 319/1999 institui a Comissão Brasileira do Braille e a nº 2.678/2002

aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema

Braille em todas as modalidades de ensino, recomendando seu uso em todo o país.

Buscando garantir, de certa forma, os direitos e atender às necessidades de

todas as pessoas com necessidades educacionais especiais, com deficiência ou não, a

Lei nº 10.098/2000 estabelece normas e critérios para a promoção da acessibilidade

arquitetônica urbanística, nas edificações e nos transportes, e acessibilidade nas

comunicações.

Não se pode esquecer de mencionar a Lei nº 10.048/2000 que dá prioridade de

atendimento a pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e pessoas

acompanhadas de crianças de colo e também trata da acessibilidade em locais

públicos, transporte coletivo e multas em caso de descumprimento.

Ainda, em relação à acessibilidade, há a Portaria nº 1.679/1999 que dispõe sobre

os requisitos de acessibilidade de pessoas com deficiência a serem garantidos por

instituições de ensino superior, analisados nos processos de autorização e

reconhecimento de cursos e/ou credenciamento de instituições; o Aviso Circular nº

277/MEC/GM de 1996, que trata da criação de condições de acesso e permanência de

36

alunos com necessidades especiais, inclusive pessoas com deficiência, no ensino

superior; e o Decreto nº 5.296/2004 que regulamenta as Leis nº 10.048/2000 e

10.098/2000, caracterizando o que é acessibilidade, definindo prazos para a sua

garantia, determinando responsabilidades em relação ao cumprimento da Lei e

estabelecendo normas e critérios de acessibilidade a serem atendidos, impulsionando a

inclusão educacional e social.

De acordo com Prado e Duran (2006, p. 141) no caso de prédios tombados pelo

patrimônio histórico deve-se utilizar como referencial para a promoção da acessibilidade

a Instrução Normativa nº 1/2003 do IPHAN.

No ano de 2003 o MEC implementa o Programa Educação Inclusiva: direito à

diversidade, objetivando dar apoio as mudanças necessárias ao sistema de ensino para

que se torne realmente um sistema educacional inclusivo. Dentre as ações do programa

estão a promoção da formação de gestores e educadores para garantir a todos os

alunos o acesso e a permanência na escola, o atendimento especializado e à

acessibilidade.

Discussões sobre inclusão se intensificam na medida em que aumentam o

número de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais na rede

regular de ensino o que promove algumas mudanças importantes, respaldadas pela

legislação.

Em 2005 há a criação de centros de referência na área de altas

habilidades/superdotação destinados a dar atendimento educacional especializado,

orientar familiares e promover formação continuada aos docentes. Fato marcante em

relação ao desenvolvimento das políticas de educação inclusiva que foi possível

37

através da implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação

(NAAH/S) em todos os estados do País.

É pertinente observar que a implantação desses núcleos reforça o

reconhecimento dos alunos com altas habilidades/superdotação como alunos com

necessidades educacionais especiais a serem atendidas na rede pública regular de

ensino, o que lhes abre uma nova perspectiva em relação à aprendizagem. Estes

alunos, em geral, não eram vistos, suas necessidades não eram reconhecidas e nem

atendidas, o que muitas vezes os levava ao fracasso escolar.

Como signatário de todos os documentos internacionais relevantes, do ponto de

vista educacional e social, o governo brasileiro vem implantando políticas públicas que

procuram atender ao disposto nas diretrizes internacionais.

Um dos documentos recentes de que o Brasil é signatário, a Convenção sobre

os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovado pela ONU no ano de 2006,

estabelece que se deve assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os

níveis de ensino, o que implica a criação de ambientes inclusivos em que a

aprendizagem seja potencializada, onde o desenvolvimento acadêmico se efetive

significativamente, onde haja participação e inclusão plenas. Para tanto devem ser

adotadas medidas que garantam a não exclusão das pessoas e das crianças com

deficiência do sistema educacional em função de sua deficiência; e o acesso, em

igualdade de condições, dos mesmos ao ensino fundamental inclusivo, gratuito e de

qualidade.

O Decreto nº 6.094/2007 implementa o PDE – Plano de Desenvolvimento da

Educação, que tem como eixos norteadores à formação de docentes, a implantação de

salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica, o acesso e a

38

permanência das pessoas com necessidades educacionais especiais no ensino

superior, além do monitoramento do acesso à escola dos alunos que recebem o

Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Busca-se a superação da tradicional oposição entre ensino especial e ensino

regular, através de uma educação regular inclusiva, de qualidade, que atenda à

diversidade e às necessidades educacionais especiais de todos os alunos presentes no

contexto escolar e que possibilite à aprendizagem.

A legislação brasileira destaca Ross (2004, p. 57) é uma das mais avançadas em

termos de “respeito às garantias sociais e educacionais de participação igualitária da

pessoa com deficiência nas várias esferas da sociedade”, contudo o que se percebe é

que esses direitos são constantemente violados, o que leva a exclusão de muitas

crianças, adolescentes e adultos “das oportunidades educacionais” em relação ao

acesso à escola, acesso ao conteúdo, aprendizagem, o que geralmente leva ao

fracasso e a evasão escolar.

O autor menciona ainda que a desigualdade social em que vivem àqueles que

estão excluídos das oportunidades educacionais leva à desigualdade econômica,

mantendo um ciclo de pobreza e exclusão social que se mantém e se perpetua.

Amparada pela legislação, a educação de alunos com deficiência vem sendo

assumida, progressivamente, pelas escolas do sistema regular de ensino, mesmo que

com desigualdades, resistências, desinformação, temor e falta de apoio.

Concorda-se com as colocações de Ross (ibid, p. 59) sobre as Leis em nosso

País. Lamentavelmente a legislação sobre direitos, seja da criança, das pessoas com

deficiência, das pessoas com necessidades educacionais especiais, do idoso, do

cidadão, do consumidor, são desconhecidas. O que acontece também em relação à

39

garantia dos direitos à educação. Não se conhecem as leis, ou não se cumprem às leis,

ou se negligenciam as leis, ou ainda, se violam, se ignoram, se transgridem as leis.

O número de alunos com necessidades educacionais especiais aumentou

significativamente na rede regular de ensino, em resposta ao seu direito legal de estar

matriculado em uma escola, mas sem que se tenha garantido a esse alunado as

condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento e aprendizagem. Em muitas

escolas faltam adequações estruturais, físicas, e arquitetônicas, metodológicas,

materiais, curriculares e, principalmente, atitudinais.

Garantir matrícula ao aluno com necessidades educacionais especiais não é

suficiente, ele precisa estar inserido no grupo, fazendo parte dele, tendo possibilidade

de apropriar-se dos conhecimentos, usufruir as oportunidades de aprendizagem

oferecidas pela escola, participando efetivamente de todas as atividades pedagógicas,

sem discriminação. Caso isso não aconteça pode-se ter a exclusão na inclusão, ou

seja, o aluno presente fisicamente em sala de aula sem, contudo, aprender e participar

efetivamente das atividades pedagógicas propostas.

Torna-se fundamental, para garantir a inserção, a aprendizagem e a real inclusão

no processo de escolarização dos alunos com necessidades educacionais especiais, a

participação dos educadores numa atuação crítica em que compreendam a inclusão e

participem de sua implementação articulando e incentivando o processo.

Segundo Ross (1998, p. 69) não basta abrir as portas da escola para o aluno

com necessidades educacionais especiais ou dar-lhe oportunidade de participar, se não

existir consciência dos caminhos que devem ser tomados. A partir do exposto tem-se a

ação docente como um elemento favorecedor (ou desfavorecedor) da inclusão, da

40

construção dos conhecimentos e da aprendizagem escolar de todos os alunos, em

especial daqueles com necessidades educacionais especiais.

Preparar o professor para atuar com a diversidade no contexto de sala de aula,

valorizando-a e aproveitando-a como recurso para a aprendizagem de todos requer

uma formação profissional inicial consistente e crítica e uma formação continuada com

as mesmas características. Formação que considere, respeite e valorize a diversidade,

a tolerância e a aprendizagem cooperativa, onde o professor possa atuar fazendo a

mediação entre os conhecimentos e os alunos, propondo desafios em um ambiente

integrador.

Cabe, ainda, mencionar que a inclusão dos alunos com necessidades especiais

no ensino regular precisa ser discutida partindo-se da análise da exclusão social,

produto do sistema econômico capitalista, e não apenas na consideração de sua

deficiência ou necessidade especial.

É preciso que se considere que a exclusão escolar e social não está determinada

apenas por características biológicas, de raça, credo ou gênero, mas sim por um

modelo de exploração humana absurdamente injusto e perverso. O que é apontado por

Buccio e Buccio (2008, p. 76).

De acordo com os autores, com os quais concorda-se, a discussão sobre

inclusão e a implementação de políticas públicas para inclusão educacional de pessoas

com necessidades educacionais especiais aponta para uma realidade complexa,

marcada pela exclusão, segregação, violação de direitos, desigualdades, discriminação,

evasão e fracasso.

Pretende-se que a inclusão educacional se efetive sem, contudo, se ter discutido

questões relacionadas à inclusão social no que tange aos aspectos sócio-econômicos

41

de uma parcela muito grande da população que não têm moradia, emprego,

qualificação para o trabalho, acesso à saúde, à segurança, alimentação, brinquedo,

respeito, visualização, registro civil.

A educação inclusiva, num contexto marcado pela exclusão escolar e social, se

configura em um grande desafio: possibilitar a todos, sem distinção, o acesso aos

conhecimentos produzidos historicamente pelos homens, fazendo a mediação entre os

sujeitos e o conhecimento, possibilitando ao aluno apropriar-se dos conhecimentos,

utilizar-se deles para produzir novos conhecimentos e exercer a cidadania,

considerando, respeitando e valorizando a diversidade e atendendo às necessidades

educacionais especiais de cada aluno.

Para atender a esse desafio é essencial que a escola se configure em um

espaço democrático, se transforme, se reorganize, através de ações, subsidiadas por

políticas públicas que apóiem, orientem e destinem recursos adequados, através do

atendimento aos dispositivos legais que garantem à educação como direito de todos,

através da formação dos docentes (inicial e continuada) de qualidade, através da

garantia de acessibilidade total, inclusive atitudinal, através da promoção de educação

de qualidade, através da possibilidade de acesso e permanência do aluno na escola.

Enfim, é a partir da compreensão da escola como instância que reproduz as

contradições sociais, que se organiza para atender às necessidades da sociedade

capitalista e, portanto, para atender às necessidades do mercado, que têm excluído,

segregado e discriminado, que têm priorizado o desenvolvimento de competências e

habilidades, deixando de lado valores importantes: ética, sensibilidade, criatividade,

solidariedade, cooperação, criticidade, respeito, valorização da diversidade e da

diferença como elementos fundamentais para as relações, para a aprendizagem, para a

42

vida, e da educação como mediação fundamental para o exercício da cidadania, que a

educação inclusiva pode começar a se efetivar enquanto processo de mudança,

transformação e garantia de direitos.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, D. B. de. Contextualizando a educação inclusiva no Brasil e no programa de

pós-graduação em educação da FE/UFG. In: Ensaios Pedagógicos. III Seminário

Nacional de Formação de Gestores e Educadores – Educação inclusiva: direito à

diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.

p. 41-45.

BARBY, A. A. de O. Inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de

ensino: o pensar dos futuros professores. Dissertação (Mestrado em Educação) –

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de

outubro de 1988. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº 7.853, de 24

de outubro de 1989.

43

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especiais. Brasília: UNESCO, 1994.

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BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDB n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União de 23 de

dezembro de 1996.

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48

4 FORMAÇÃO DE DOCENTES PARA ATUAÇÃO COM ALUNOS QUE

APRESENTAM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS: UMA REFLEXÃO

NECESSÁRIA

Em face da realidade educacional brasileira e considerando a legislação nacional

que dispõe sobre a inclusão educacional se faz necessária uma discussão sobre a

formação dos docentes. Tema fundamental, nas palavras de Prieto (2006, p. 56),

quando o sistema de ensino prima pala garantia de matrícula a todos no ensino regular,

em classe comum.

Para a autora (ibid., p. 57) a formação continuada do professor é um

compromisso dos sistemas de ensino que estejam comprometidos com a sua

qualidade. Estes devem assegurar que os professores estejam aptos a elaborar e

implantar novas propostas e práticas de ensino para responder às características de

seus alunos, inclusive àqueles com necessidades educacionais especiais. Pressupõe-

se que os professores estejam capacitados, para:

(...) analisar os domínios de conhecimentos atuais dos alunos, as diferentes necessidades demandadas nos seus processos de aprendizagem, bem como (...) elaborar atividades, criar ou adaptar materiais, além de prever formas de avaliar os alunos para que as informações sirvam para retroalimentar seu planejamento e aprimorar o atendimento aos alunos. (Ibid., p. 58)

Há algumas crenças a se discutir quanto à questão da formação dos docentes e

do preparo do professor para atuação com alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais.

O professor do ensino especial se encontra preparado para atuar com o aluno

que apresenta necessidades educacionais especiais, pelo menos é o que se acredita

49

em face da formação especial recebida por este e requerida para sua atuação, mas é

preciso rever sua prática e possibilidades de atuação num contexto em que discute e se

implementa a inclusão, a inserção do aluno com necessidades educacionais especiais

no ensino regular, a modificação ou adaptação das escolas especiais e a possibilidade

da organização de redes de apoio.

Já o professor que atua no ensino regular não recebeu em seu curso de

formação conhecimentos sobre necessidades especiais, ou não tem formação especial

ou complementar que o prepare para atuação com alunos que apresentam

necessidades educacionais especiais e precisa discutir a questão da inclusão, das

políticas públicas para inclusão e ser preparado para tal. Estes professores já estão

formados o que indica a necessidade de programas de formação continuada.

Há, também, os alunos dos cursos de formação de docentes e das licenciaturas.

Estes, ainda em formação, devem ter acesso aos conhecimentos sobre deficiências,

necessidades educacionais especiais, inclusão e práticas pedagógicas com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais, durante o curso, o que está presente

na legislação como exigência de formação, mas é preciso também propiciar uma

formação pessoal que os instrumentalize para uma atuação consciente e crítica no

sentido de concretizar uma prática pedagógica que possibilite a aprendizagem do

aluno, que respeite e considere as diferenças como elementos constitutivos da relação

pedagógica, que conheça as políticas públicas, a legislação, trabalhe e lute para

diminuir a exclusão social e educacional exigindo dos poderes públicos transformações.

Na Lei n° 10.172, de 9 de janeiro de 2001 e na Resolução n° 2 do CNE/ Câmara

de Educação Básica, de 11 de setembro de 2001, há orientações legais para essa

formação continuada e para a formação docente.

50

Conhecimentos sobre o ensino de alunos com necessidades educacionais

especiais devem ser garantidos a todos os professores em formação e também em

formação continuada. Propostas de formação devem levar em conta as características

dos professores em formação e daqueles que já atuam no ensino regular. Prieto (2006,

p. 59) aponta para a necessidade de se proceder a um levantamento do perfil

acadêmico desses alunos e professores e da experiência com alunos com

necessidades especiais, para que se possam organizar formas de prover os

conhecimentos necessários para sua formação e atuação.

Contudo não basta apenas fornecer conhecimentos sobre necessidades

especiais para professores em formação ou já formados, é preciso garantir que o

conjunto de professores se aproprie desses conhecimentos e se transforme,

transformando sua práxis pedagógica, o que só acontecerá se estes tiverem

“consciência de suas razões e benefícios, tanto para os alunos, para a escola e para o

sistema de ensino quanto para seu desenvolvimento profissional e pessoal”, defende

Prieto (Id.).

De acordo com Glat e Nogueira (2002, p. 25) na formação de professores, frente

a uma proposta educacional que objetive garantir educação para todos, é preciso

desenvolver a possibilidade de “analisar, acompanhar e contribuir para o

aprimoramento dos processos regulares de escolarização”, considerando as diferenças

entre os alunos e atendendo às mesmas.

Considerar as diferenças individuais e a diversidade e suas implicações

pedagógicas é condição fundamental para a elaboração do planejamento pedagógico e

para a implantação de propostas de ensino e de avaliação da aprendizagem que

atendam ao princípio da educação inclusiva.

51

Durante a formação do professor um ponto fundamental a discutir é justamente a

consideração da escola como espaço de ensino-aprendizagem para todos os alunos ali

inseridos, apresentem ou não uma necessidade educacional especial. Destaca Prieto

(op. cit., p. 61) que na escola se reúnem pessoas com origens diferentes (sociais,

econômicas, culturais, religiosas) e com características individuais diferentes, a

diversidade é enorme. Os professores e a escola, enquanto sistema, precisam planejar

atividades que favoreçam a socialização de todos, considerada como processo de

adaptação do sujeito a um grupo social, além de atividades pedagógicas que

possibilitem a aprendizagem dos alunos.

Formar professores capacitados para atender alunos com necessidades

educacionais especiais da educação infantil ao ensino superior, no ensino regular e no

ensino especial é uma diretriz presente na Lei 10.172, que apresenta o Plano Nacional

de Educação PNE 01.

Pesquisadores como Prieto questionam como se propõe essa formação na

legislação, levantando questões para discussão referentes ao PNE 01 que propõe a

formação em serviço através da educação à distância. A autora (ibid., p. 62) destaca

que se deve evitar que a formação em serviço se dê única e exclusivamente através de

educação à distância. Concorda-se com a autora quando menciona que barreiras

psicossociais podem significar impedimentos ao acesso e permanência de alunos com

necessidades educacionais especiais no ensino regular e que mudanças de atitudes,

conceitos e valores dos professores e de sua percepção sobre a representação social

dos mesmos, sobre identidade, precisam ser trabalhadas em programas presenciais em

que as relações sejam colocadas em movimento, discutidas, vivenciadas, em que o

diálogo esteja presente num contato face a face.

52

A autora (ibid., p. 63) completa sua discussão citando o artigo 18 da Resolução

n°2/01 em que o professor será considerado capacitado para atuação com alunos que

apresentam necessidades educacionais especiais inseridos no ensino regular quando

comprovar que durante sua formação em nível médio ou em nível superior foram

trabalhados conteúdos relacionados à educação especial. Faz uma crítica pertinente

ao mesmo, mencionando que deveria caber ao sistema público de ensino garantir e

prover essa capacitação e não ao professor procurar por ela.

É de fundamental importância que as políticas públicas considerem primordial a

oferta de programas de capacitação e formação continuada de professores para

atuação no ensino regular frente à inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais.

Glat e Nogueira (2002, p. 27) defendem essa idéia, dizendo que as políticas

públicas para inclusão devem se concretizar por meio de programas de capacitação e

acompanhamento periódico, em que se oriente o trabalho do professor objetivando a

diminuição gradativa da exclusão escolar, beneficiando a educação escolar e seu

alunado como um todo.

Persistem dúvidas e questionamentos devem ser feitos na busca por um

direcionamento que possibilite a construção de um sistema educacional que oriente a

formação de docentes, garanta a formação continuada de professores, diminua a

exclusão educacional e social e possibilite a aprendizagem dos alunos em qualquer

nível de ensino, com necessidades educacionais especiais ou não.

Cabe ainda mencionar que inserir alunos em classe comum sem que os

professores estejam dispostos a recebê-los e preparados para o trabalho pedagógico

pode aumentar a resistência e dificultar o processo. Garantir uma formação crítica e de

53

qualidade em relação à inclusão é importante nos cursos de formação, mas

implementar propostas de formação continuada e dar subsídios para que a formação do

professor e a práxis pedagógica se efetive com qualidade é um compromisso a ser

assumido pelas políticas públicas de educação em âmbito nacional, estadual e

municipal.

Há leis que garantem ao aluno com necessidades educacionais especiais a

inclusão em uma escola de ensino regular, mas as escolas e os professores que ali

lecionam nem sempre estão dispostos e/ou preparados para atender a essas

necessidades.

Barby (2005, p. 47) ressalta que os cursos de formação de professores estão se

adequando a nova legislação lentamente, portanto continuam formando professores

sem os conhecimentos básicos necessários para atuar com alunos que apresentam

necessidades educacionais especiais numa proposta de educação inclusiva. Segundo a

autora muitos professores (formados já há algum tempo, recém-formados ou ainda em

formação) não têm nenhum conhecimento sobre educação inclusiva, seus

fundamentos, sua história enquanto conquista de um direito e nem sobre necessidades

especiais.

O que muitas vezes acontece é a exclusão na inclusão, ou seja, o aluno se

encontra incluso em sala de aula, mas é excluído das atividades pelo professor, que

não o considera capaz de realizar as mesmas atividades que o restante de sua turma.

Mantoan (1997, p. 123) destaca que para que a inclusão se efetive é preciso “(...)

um esforço efetivo, visando capacitar os professores para trabalhar com as diferenças,

a diversidade, nas suas salas de aula”. O que deve ser colocado em prática nos cursos

de formação de professores.

54

Formar o professor crítico e comprometido com o ensino e aprendizagem de

seus alunos. Professor que esteja preparado para trabalhar com as diferenças num

contexto crítico. Que aceite, valorize e discuta a diferença, compreendendo que precisa

ser competente no ato de ensinar e estar comprometido em garantir o direito desse

aluno à aprendizagem é um desafio, pois muitos desses futuros professores são ou

foram excluídos social e educacionalmente, são diferentes, tem necessidades

educacionais especiais, tem dificuldades de aprendizagem, desejam superar limites e

ascender socialmente.

Arantes (2006, p. 7-8) menciona que as transformações da sociedade

contemporânea solicitam dos profissionais da educação a capacidade de dialogar e

transitar por novos caminhos, muitas vezes “insólitos e desconhecidos”. Na formação

de professores o diálogo é um caminho interessante e necessário, pois através dele “é

possível buscar o equilíbrio entre interesses particulares e os campos específicos do

conhecimento. (...) aceder a novas formas de organização do pensamento e das

práticas cotidianas”. O que é fundamental em relação à inclusão.

A inclusão educacional responsável, implantada no Estado do Paraná,

pressupõe o reconhecimento e o respeito às diferenças individuais dos alunos e a

responsabilidade no que concerne a oferta e manutenção de serviços adequados ao

atendimento dos mesmos. Para garantir atendimento às necessidades dos alunos

oferta serviços especializados e serviços de apoio, tanto na rede regular quanto na

educação especial.

O Estado do Paraná mantém Curso de Formação de Docentes para Educação

Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental em nível médio, cujo currículo oferta,

dentre outras, as disciplinas de Concepções Norteadoras da Educação Especial e

55

Fundamentos Psicológicos da Educação (Psicologia), que em consonância com a

práxis pedagógica desenvolvida nos estágios de formação podem contribuir para a

formação crítica e consciente do futuro professor para atuação com alunos com

necessidades educacionais especiais.

Refletir sobre a formação desse aluno, sobre seu perfil, sua identidade, suas

relações e concepções sobre inclusão, os conhecimentos que têm sobre o tema e como

essas disciplinas podem contribuir para a formação desse professor pode contribuir

para uma formação crítica e para uma atuação que possibilite transformações.

Ross (1998, p. 53) frisa que “a educação, o trabalho e a organização política

numa sociedade capitalista são as principais formas de participação social dos

homens”. O trabalho pedagógico a ser desenvolvido na escola regular e nas escolas de

formação de docentes, no contexto atual de inclusão, deve discutir e considerar

questões relacionadas a o que ensinar, como ensinar, com que recursos, como avaliar,

que políticas públicas estão sendo implementadas, que concepções de educação,

sociedade e de homem norteiam as políticas públicas e as práticas pedagógicas

desenvolvidas na escola, que professor e que aluno se quer formar, que conhecimentos

e que formação oferecer aos futuros docentes, profissionais da educação,

comprometidos com a aprendizagem, com o desenvolvimento, com a participação e a

transformação social.

A formação docente, numa concepção que enfatize os processos educacionais

como especiais e não o aluno como especial em função de sua deficiência, deve

trabalhar na formação de um educador que busque alternativas pedagógicas que

superem as dificuldades e possibilitem a aprendizagem. A inclusão se configura em um

processo em construção por todos os envolvidos, através de uma relação em que todos

56

compartilham e buscam atingir um objetivo comum: educação de qualidade para todos,

é o que afirma Barby (2005, p. 45-46).

Destaca também a autora (Ibid., p. 56-57), com propriedade, que para o aluno

sentir-se incluso ele precisa fazer parte da comunidade escolar, “sentir-se tão comum

quanto todos os outros”. O professor pode auxiliar nesse processo, não precisa

especializar-se para tal, precisa em alguns momentos de assessoria, mas precisa

mesmo é estar comprometido com a aprendizagem e ter iniciativa para buscar o

conhecimento e os recursos necessários à aprendizagem de seus alunos.

Nesse sentido Stainback e Stainback (1999, p. 228-229) defendem a criação de

redes de apoio e aprendizagem cooperativa na formação dos docentes, em que todos

os componentes colaboram para o desenvolvimento e aprendizagem uns dos outros.

Alguns princípios básicos são apontados pelos autores, para a constituição dessas

redes de apoio e para a organização das comunidades escolares inclusivas.

Barby (op. cit., p. 58-59) cita alguns desses princípios, que considera simples e

que devem ser discutidos e vivenciados nos cursos de formação de docentes

propiciando o desenvolvimento de uma postura inclusiva desde a formação,

valorizando a diferença e a diversidade:

- Cada membro da comunidade escolar é dotado de capacidades, potencialidades, dons e talentos. - Na rede de apoio, todos estão envolvidos na ajuda e no apoio mútuos. - �As relações de apoio são naturais e acontecem entre colegas, amigos e companheiros de trabalho. - �Os indivíduos são únicos em suas necessidades, devendo receber apoio na medida em que for necessário. - �Em turmas e escolas integradas e heterogêneas, as redes de apoio funcionam melhor. - �Cada pessoa declara o apoio de que necessita, ou alguém a que ela designar. - A pessoa que recebe apoio deve ser capacitada para ajudar a si e aos outros. - As pessoas que administram as escolas participam das redes encorajando as pessoas a prestar apoio mútuo. - A rede de apoio deve ser parte natural e contínua da escola e da turma.

57

- Deve ser conduzida por pessoas envolvidas nas comunidades da escola. - A rede de apoio é para todos. - �Começa com um exame das interações sociais que acontecem naturalmente. - Ninguém deve se tornar dependente da rede recebendo apoio somente nos momentos em que este se fizer necessário, sendo encorajado a prestar apoio a outros e tornar-se autônomo sempre que possível.

Barby (ibid., p. 59-60) completa suas colocações citando Ross, educador que

defende a criação de ambientes inclusivos nos cursos de formação de docentes.

Nesses ambientes o predomínio da aprendizagem cooperativa, menos competitiva e

mais desafiadora deve prevalecer. Ambiente em que o professor seja um, “gestor do

conhecimento, de estratégias de aprendizagem, de desafios e das diferenças entre

pessoas”. Ambiente que oportunize vivências que possibilitem a compreensão da

realidade educacional, o posicionamento crítico frente às questões educacionais atuais,

à busca por soluções, a problematização da realidade e a busca pela superação dos

problemas e conflitos.

Repensar a relação entre a formação do professor e as práticas pedagógicas é

necessário num contexto educacional que se pretende inclusivo.

Considerando esse contexto Freitas (2006, p. 162) destaca como fundamental na

formação de docentes “priorizar a valorização da dimensão humana de cada sujeito, do

sujeito cidadão, com seus direitos fundamentais e deveres garantidos”.

Considerar a inclusão educacional como um processo que acontece em um

contexto social, político, econômico, cultural e histórico, sofrendo suas determinações é

fundamental para sua efetivação e para a implementação de mudanças.

A formação do professor no Brasil precisa ser repensada, considerando-se o fato

de que a maioria dos alunos não consegue se desenvolver como pessoa, se apropriar

dos conhecimentos aprendendo e participar como cidadão crítico, com direitos e

58

deveres, na sociedade do conhecimento. Realidade apontada pela autora (Ibid, p. 168)

como demandando uma análise crítica criteriosa e mudanças urgentes.

Entendendo-se formação como processo contínuo e permanente de

aprendizagem e desenvolvimento há que se pensar na formação docente enquanto

profissionalização em que articule teoria e prática, que envolva a problematização da

realidade e a busca por sua resolução e reflexão sobre a práxis pedagógica. Prática

que, de acordo com Freitas (Ibid, p. 169-170), não deve se restringir à docência, mas

que deve incluir elaboração e implantação de projetos educativos, pesquisa e produção

de conhecimentos. Uma discussão e uma reflexão sobre a realidade econômica

mundial, os valores que dela emergem: individualismo, intolerância, competitividade,

exclusão, além de questões éticas, também precisam ser implementadas durante essa

formação.

Quando ingressa em um curso de formação docente o aluno (futuro professor),

muito provavelmente em função de sua experiência escolar pregressa e pelas

representações sociais sobre práticas escolares, traz um ideal de aluno. Essa pré-

concepção, afirma a autora (Ibid, p. 170) faz com que muitos não percebam que

trabalhar com a diversidade faz parte da atuação docente, que as pessoas são

diferentes e que o aluno idealizado não será encontrado. Há professores que superam

essa visão rapidamente, há aqueles que levam muito tempo para superá-la, mas

infelizmente há alguns que não a superam nunca, o que determina uma prática

pedagógica que aumenta a exclusão e o fracasso escolar.

O rompimento dessas representações, a discussão sobre a função social da

escola e a importância da função do professor e de sua atuação enquanto educador, a

consideração e a valorização da diversidade e da heterogeneidade em sua prática

59

pedagógica e a consideração da complexidade da práxis pedagógica são essenciais

em sua formação e precisam ser garantidas.

Durante a formação docente é importante que se propicie e estimule os alunos à

pesquisa, a investigação, a análise, a sistematização e a produção de conhecimentos o

que, de acordo com Freitas (Id.) seria possível através de leituras, produção de

trabalhos escritos, utilização de recursos tecnológicos, análise de materiais e recursos

didáticos.

Formar um professor pesquisador, produtor de conhecimento, crítico e

comprometido com a sua função social de educar e de promover transformações é um

compromisso que deve ser assumido pelas instituições formadoras, pelos educadores

formadores, mas também pelos sistema educacional através das políticas públicas.

Corroborando essa idéia Cartolano apud Freitas (2006, p. 170-171) diz que:

Uma boa formação teórico prática, básica e comum a todos, independente da clientela para a qual ensinarão no futuro, lhes garantirá uma leitura crítica não só da educação e das propostas de mudanças neste campo, mas também uma consciência clara das determinações sociais, políticas e econômicas nelas presentes. Isso significa, por exemplo, saber analisar e criticar propostas oficiais ou institucionais da educação – a fim de reconhecer sua pertinência, ou não, às condições históricas existentes.

Entende-se como fundamental na formação inicial básica do professor e em sua

formação continuada que se discutam e se propiciem conhecimentos básicos sobre

educação inclusiva como uma concepção e uma prática. Carvalho (1998) acredita na

necessidade de se revisar currículos e rever a carga horária de disciplinas que abordem

conhecimentos sobre aprendizagem e desenvolvimento. É preciso abordar

conhecimentos sobre deficiências, sobre necessidades educacionais especiais, sobre

legislação, sobre políticas públicas e sobre os determinantes da exclusão e do fracasso

escolar.

60

Freitas (op. cit., p. 177) lista uma série de conhecimentos que devem ser

construídos pelos professores em formação:

Mecanismos funcionais de cognição das pessoas com deficiência; consciência de suas próprias condições, conhecimentos pedagógicos e metacognitivos; Desenvolvimento da capacidade de auto-regular e de tomar consciência das etapas do processo de ensino-aprendizagem; Coerência entre sua maneira de ser e ensinar, entre teoria e prática; Capacidade de ministrar aulas sobre um mesmo conteúdo curricular a alunos de diferentes níveis e compreensão e desempenho acadêmico; respeito ao ritmo de aprendizagem de cada aluno; Utilização flexível dos instrumentos de avaliação de desempenho escolar, adequando-os às necessidades dos alunos.

Acredita-se que as transformações do sujeito aconteçam através das relações

sociais estabelecidas com outros sujeitos. A apropriação do conhecimento construído

social e historicamente acontece através das relações mediadas pela linguagem, num

processo inter e intrapessoal, onde a presença do mediador é fundamental, o que

culmina em uma concepção de educação como formação humana em que o sujeito

possa compreender criticamente e transformar a realidade.

Ensinar exige, então, que o professor se comprometa com a educação, acolha,

cuide, eduque e respeite seus alunos, considerando as diversidades social, econômica,

cultural e pessoal, sem reafirmá-las como causas de desigualdade ou de exclusão, o

que se expressa em suas relações como mediador e por atitudes efetivas que

expressam sua disposição para ensinar enquanto atividade profissional. Tarefa

complexa e que exige uma formação docente consistente e crítica que se traduz em

uma práxis pedagógica transformadora.

61

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