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Interatividade no telejornalismo – da janela à porta da entrada1
Felisbela Lopes, Carlos Tourinho, Phillipe Vieira2
Resumo
À entrada da segunda década do século XXI, no limiar da era da televisão
digital, importa saber que modelo de TV existe. Tendo como referência o Brasil e
Portugal, traçamos aqui o retrato daquilo que as televisões de ambos os países oferecem
ao nível da participação e interatividade, dois conceitos que discutimos numa primeira
parte. Do retrato aqui traçado sobressai um modelo de televisão que inviabiliza qualquer
pretensão em se falar numa terceira fase da TV. Em ambos os países, o panorama
audiovisual está mais próximo daquilo que Umberto Eco definiu como neo-TV, sendo
ainda pouco permável à participação do público e às modalidades de interatividade. A
hiper-televisão pode esperar. Este artigo pretende relacionar os desejos do público por
um novo papel social na construção da comunicação e as realidades externadas pelas
emissoras de televisão.
Abstract
At the dawn of the second decade of the 21st century, at the verge of the age of
digital television, it‘s relevant to understand what kind of television model exists. Using
Brazil and Portugal as reference, here we sketch the portrait of what kind of television is
available in both countries, particularly at the level of participation and interactivity,
two concepts we approach in the first chapters of this paper. From our analysis it seems
clear that it‘s impossible to speak of the coming of a third stage in television history. In
both countries the audiovisual panorama is closer to what Umberto Eco defined as neo-
TV. Also, television there seems to be impermeable to audience participation and
interactive modalities. Hyper-television can wait. This article aims
at relating the public's desire for a new role in social communication and
the construction of an external reality by television.
Palavras-chave: televisão, telejornalismo, interatividade.
Keywords: television, telejournalism, interactivity.
Da paleotelevisão à hipertelevisão: um percurso incompleto.
Da paleotelevisão: o mundo que o poder político queria mostrar
1 Artigo desenvolvido no âmbito do Projeto TV e Cidadania, no Centro de Estudos de Comunicação e
Sociedade (Universidade do Minho) e apresentado no Congresso Internacional da História dos Media e
do Jornalismo – Lisboa, 2011 (Universidade Nova de Lisboa). 2Felisbela Lopes, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO). Professora de
Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. [email protected];
Carlos Tourinho, doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO), Chefe de
Reportagem TV Gazeta/Globo (Espírito Santo). [email protected];
Phillipe Vieira, mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho (UMINHO).
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À televisão dos primeiros tempos Umberto Eco chama paleotelevisão, mas
acerca dela pouco mais escreve para além das afirmações de que ―era feita para todos
os espectadores, falava das inaugurações dos ministros e controlava as emissões de
forma a que o povo apreendesse só coisas inocentes, mesmo à custa de mentiras‖
(1993, p.135). A referência é indubitavelmente a dos países europeus, onde a TV nasce
enquanto serviço público com uma ligação estreita ao poder político, que mantém com
ela uma proximidade tal que a torna permeável a permanentes manipulações. Nos
primeiros tempos, a televisão na Europa é, acima de tudo, a voz do Estado, um cenário
que difere substancialmente daquilo que acontecia nos Estados Unidos, onde a atividade
televisiva dá os primeiros passos ligada ao setor privado.
Procurando argumentos para o envolvimento que o Estado teve na atividade
televisiva, nas formas de financiamento público e nas funções de utilidade pública da
televisão, Giuseppe Richeri (1994, p.46,47) aponta razões de ―ordem técnica‖ (as
frequências hertzianas eram um bem raro, sendo, por isso, necessária uma
regulamentação criteriosa); de ―ordem política‖ (entendia-se que num regime
democrático a TV deveria promover a participação dos cidadãos na discussão de
assuntos de interesse público); de ―ordem cultural‖ (debilitados pela guerra, os
europeus precisavam de meios que fossem uma resposta eficaz às necessidades
informativas, formativas e de entretenimento dos cidadãos e que lhes devolvesse uma
certa consciência de nacionalidade); de ―ordem jurídica‖ (estabelecido
constitucionalmente o direito de informar e de ser informado, entendia-se que um
serviço público de televisão seria o melhor regime para cumprir esse preceito).
Em tempo de monopólio, e em território europeu, a televisão dependeu do
enunciador-Estado. Neste contexto, os programas são pensados segundo aquilo que o
próprio operador ou quem o tutelava (o poder político) pensavam ser importante,
prestando-se pouca atenção aos gostos do público. As visões do mundo eram aquelas
que os dirigentes dos canais achavam mais apropriadas para as audiências. O que
primava era a oferta, exposta com uma certa independência das leis do mercado. Esta
forma de atuação liga-se a um panorama audiovisual europeu onde constavam
sobretudo canais de serviço público, financiados e controlados por um Estado-
Providência que sustentava os custos das estações televisivas e que se propunha
promover o bem-estar dos cidadãos conforme aquilo que lhe parecia ser melhor (para a
sua perpetuação no poder, poder-se-ia acrescentar).
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Da neotelevisão: “Eu estou aqui, eu sou eu e eu sou tu”
A abertura do espectro televisivo ao sector privado veio alterar a essência da
televisão. Umberto Eco vê aqui a transição daquilo a que chama a paleotelevisão (a TV
do tempo do monopólio) para a neotelevisão (a TV da era da concorrência). Esta
designação é retomada por vários teóricos, principalmente na Itália, com os trabalhos de
Francesco Casetti e Roger Odin (1990), de Sandra Cavicchioli e Isabella Pezzini (1993)
ou de Maria Pia Pozzato (1995).
No capítulo ―A transparência perdida‖, Eco afirma que a característica principal
da neotelevisão é ―falar cada vez menos (como a paleo-TV fazia ou fingia fazer) do
mundo exterior‖, optando por ―falar de si própria e do contacto que está estabelecendo
com o seu público‖ (1993, p.135). Justifica-se, assim, a exibição de todo um aparato
tecnológico que, no passado, era escrupulosamente ocultado do olhar do público
(microfones, câmaras de filmar, salas da redação). Numa procura permanente das
audiências, a neotelevisão pensa os seus enunciados (a oferta televisiva) em função dos
sujeitos receptores empíricos (os gostos do público). Se ―a paleo-TV queria ser uma
janela que da mais remota província mostrava o imenso mundo, a neo-TV‖, escreve Eco
(1993, p.129), ―aponta as câmaras sobre a província e mostra ao público de Piacenza a
gente de Piacenza‖. Percebe-se, assim, a razão que leva a identificar a televisão desta
fase com a seguinte máxima: ―Eu estou aqui, eu sou eu e eu sou tu‖ (ECO,1993, p.135).
Mais do que uma janela, os novos dispositivos televisivos pretendem ser um
espelho para as audiências, sendo o cotidiano o principal referente da programação.
Casetti e Odin (1990) explicam que isso se desenvolve em duas dimensões: a temporal,
na medida em que as emissões se submetem ao ritmo do cotidiano; e a espacial, pois
aquilo que se vê no pequeno ecrã encontra a sua âncora na vida de todos os dias. ―A
neotelevisão‖, sustentam, (1990, p.15) ―já não é uma instituição que se inscreve no
prolongamento da escola ou da família, mas um espaço integrado no cotidiano‖.
Aquilo que Eliseo Véron (1983) designa como eixo Y-Y (yeux-yeux): ao olhar
o telespectador olhos-nos-olhos, os atores televisivos, nomeadamente os
apresentadores de emissões que se detêm no mundo referencial, falam mais para as
audiências do que com os convidados que estão no plateau, instituindo com aquela
―comunidade invisível‖ um contacto comunicativo implicativo. Nessa tecelagem
conversacional, a figura ausente (audiências) torna-se mais importante do que os
indivíduos presentes (convidados). A partir de um lugar objetivamente delimitado,
constrói-se uma linha que prolonga até ao infinito o espaço onde se desenrola o
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programa, vista por muitos como um fio mais ilusório do que real. Rodríguez Ferrándiz
(2001, p. 176), por exemplo, traça um retrato devastador deste modelo televisivo: ―É
um fluxo assemântico de imagens que se harmoniza conosco só ao nível da
estimulação epidérmica e pulsional, que nos convida a participar numa farsa de
comunicação e de sociabilidade‖. Estamos aqui ainda muito longe de uma TV que
promove a participação do seu público e que constrói com ele um modelo de
interatividade.
Da hipertelevisão: um modelo ainda por vir
Não é difícil prever que o atual movimento de aproximação ao receptor possa
conduzir, num limite não muito longínquo, à total fusão dos papéis comunicacionais,
com consequências naturais na reconfiguração do dispositivo televisivo. A sociedade
centrada nas satisfações de um crescente individualismo hedonista e hiperconsumista
(LIPOVETSKY, 2005, 37- 53), composta e produtora de indivíduos profundamente
imersos na instabilidade cotidiana, na ansiedade e numa permanente crise de urgência e
de intensidade do momento presente (AUBERT, 2003), exige cada vez mais esse
movimento fusional. O que antes era sólido agora liquefaz-se, tornando-se fluido
(BAUMAN, 2001). O indivíduo da contemporaneidade já não se contenta com o
convívio passivo induzido pelos dispositivos da TV generalista atual, mesmo os mais
contaminados pelas construções concorrenciais que a transformam num espelho do
espetáculo social, reforçando por esta via uma bidirecionalidade que busca audiência.
Tudo é ainda demasiado rígido. A neotelevisão acima descrita poderá, assim, revelar-
se insuficiente para responder aos apelos de uma sociedade urgente e em passo
desenfreado para o eu. Mas do lado de quem faz a TV este modelo de TV interativo
tarda em aparecer.
A esta televisão que emerge com as promessas do digital, temos de agregar as
potencialidades oferecidas por tecnologias que permitem transformar as
audiências/públicos em produtores ou, pelo menos, em parceiros ativos da programação
televisiva. Carlos Scolari (2008) chama de hipertelevisão o atual estágio da história
televisiva. É exatamente a este último modelo de TV, a hipertelevisão, que prestaremos
atenção neste trabalho, interrogando qual o grau de participação e de interatividade
permitidas pelos canais de televisão em Portugal e no Brasil no domínio da informação.
Hoje, ao contrário da fase da TV janela e da TV espelho, o telespectador já não se
contenta com o modelo de comunicação de sentido unidirecional emissor-receptor. Tem
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a percepção de que, agora, pode fazer parte do processo de produção da notícia. Não se
limita a participar (assistir) pela janela. Agora quer entrar pela porta. No entanto, nem
sempre os canais de televisão promovem essa entrada.
Da participação à interatividade.
O lugar do cidadão no jornalismo
A informação televisiva como espaço público de um debate participativo,
diversificado e esgrimindo argumentos de consenso alargado será, por certo, uma mais-
valia para qualquer canal de TV. Conceitos como ―jornalismo participativo‖ e
―jornalismo do cidadão‖ tornam-se cada vez mais comuns, mas nem sempre encontram
muita receptividade junto aos jornalistas ou reúnem contributos de qualidade junto aos
públicos.
Poder-se-á encontrar uma ligação do jornalismo participativo e do jornalismo do
cidadão com o jornalismo cívico e o jornalismo público preconizados pelo Poynter
Institute for Media Studies e pelo Pew Center for Civic Journalism. Na gênese destes
processos, está uma ideia de público como participante no processo informativo ao
serviço de produtos jornalísticos que auxiliem na resolução dos problemas públicos,
aumentando, consequentemente, a qualidade do jornalismo.
Com exceção do ―jornalismo do cidadão‖, todos os outros não prescindem do
lugar do jornalista, encarando-o, antes, como um elo imprescindível na parceria com os
cidadãos. À estes, reserva-se o papel de fontes pró-ativas de informação que
funcionariam como uma espécie de motores de arranque do processo produtivo. O cada
vez mais desenvolvido ambiente tecnológico por onde todos circulamos vai
potencializando esse diálogo, possível desde que as empresas jornalísticas abram
efetivos canais de comunicação.
Por seu lado, o chamado ―jornalismo do cidadão‖ prevê que o conteúdo
noticioso seja produzido por este, não necessitando de qualquer formação jornalística.
Trata-se de uma espécie de ―jornalismo amador‖ que poderá assumir várias formas:
escrita de comentários em site/blogues; envio de fotografias/vídeos; criação de sites de
notícias alimentados por utilizadores (ohmynews, por exemplo); elaboração de listas de
discussão, criação de fóruns; produção em podcasting… Os defensores desta corrente,
que tem em Dan Gilmour (2005) um dos seus mais apaixonados promotores, apontam a
democratização da produção e do acesso à informação como um ganho inalienável do
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―jornalismo do cidadão‖. No entanto, há vários céticos em relação a este entendimento.
Uma das críticas apontadas prende-se com o abandono do princípio da objetividade
jornalística a que os cidadãos não estão vinculados, dando origem a muitos ―artigos‖
sobre causas onde quem produz conteúdos é parte interessada. Vincent Maher (2005)
refere que ao jornalismo do cidadão estão anexados os três ―E‖ fatais: ética, economia e
epistemologia. Miroljub Radojković (2010) levanta várias interrogações quanto ao novo
papel confiado aos cidadãos, questionando se a ausência de requisitos éticos,
profissionais e cognitivos para o exercício do jornalismo não poderá trazer mais
prejuízos do que benefícios para a sociedade.
Por entre teses apocalípticas e integradas, o campo jornalístico vai traçando o
seu caminho, muitas vezes de forma lenta e desenhando contornos diferentes daqueles
pensados pelos investigadores. Neste limiar da televisão digital, pensamos ser
interessante avaliar como é que a informação televisiva integra os telespectadores nos
conteúdos que produz. A cobertura jornalística do Campeonato de Mundo de Futebol
2010, um evento midiático que atraiu em massa públicos de diferentes origens, deu-nos
o mote para este estudo empírico em Portugal. Em relação ao Brasil, temos uma ampla
pesquisa em andamento em torno das Redes Globo, Record e SBT. Por ora, nos
limitamos a apontar neste artigo observações relacionadas à principal rede de televisão
brasileira, a TV Globo, em diversos pontos do país.
Formas diversas de entender a participação
Para entender o que é participação na televisão, começamos por recorrer a um
inflexível crítico deste meio de comunicação: Pierre Bourdieu, para quem o ―ecrã da
televisão se transformou numa espécie de espelho de Narciso, num lugar de exibição
narcísica‖ (1997, p.4). Esta afirmação tem subjacente uma ideia de uma televisão como
um lugar onde muitos querem estar. Atingindo o grande público, constituindo-se como
veiculo que fala a todos, a TV transforma-se no espaço ideal para aqueles que a desejam
como palco para fazer ecoar suas ideias, sejam estas boas ou más, quer esses
interlocutores sejam, ou não, fontes bem preparadas e conhecedoras dos assuntos de que
falam. A televisão atrai e estabelece um vínculo social com todos os públicos, como
defende Dominique Wolton (1994). Na sua perspectiva, estão errados todos aqueles que
atribuem uma atitude passiva ao público que se senta à frente do ecrã:
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Os que acreditam impertubavelmente na existência de espectadores
passivos e sem reações nem interesses, mudando de maneira aleatória
de um canal para outro, deviam ouvir mais as conversas nos
transportes e nas empresas! Ficariam então admirados com a
diversidade das opiniões emitidas, sendo os programas literalmente
passados pelo crivo dum julgamento diário. Este duplo movimento de
recepção e de discussão prova não só que os espectadores não são
passivos, mas que sabem criticar e julgar a televisão. (WOLTON,
1994, p.58)
Há diversas formas de entender a participação. Wolton vê telespectadores ativos
onde, por exemplo, os seguidores da Teoria Crítica encontram apenas passividade. Um
dos maiores apologistas da abordagem tecnológica, Marshall McLuhan tem uma visão
particular sobre a participação. Para McLuhan, televisão é um meio ―frio‖, em oposição
às mídias quentes, como o rádio e o cinema. ―A imagem da TV é de baixa intensidade
ou definição, diferentemente do filme, portanto, ela não fornece informação detalhada
sobre os objetos‖ (MCLUHAN,1964, p.356). Um meio quente, para o pensador, oferece
uma alta saturação de dados, portanto, ―entrega‖ a mensagem completa ao seu
espectador; já um meio frio é de baixa definição, necessitando que se complete o
sentido das mensagens que veicula. Nesse contexto, a participação dos telespectadores é
favorecida. Além disso, o público ―faz parte‖ do meio, como explicou numa das suas
palestras, em 1966.
O mundo do cinema não requer qualquer participação. É um mundo
de fantasia, muito visual, em que o público se senta muito longe do
espetáculo. Mas a televisão não é assim. É um meio de comunicação
profundamente envolvente que tem o público como ambiente, como
ponto de fuga do ecrã. (MCLUHAN, 2009, p.94)
McLuhan diz que a TV é um meio frio, porque a sua imagem é de baixa
definição. Dentro desse entendimento, o público é convidado a completar as lacunas - o
não dito e o não visto - e isso dota o espectador de um papel ativo. McLuhan também
diz que a televisão beneficia de ser um meio de comunicação que envolve todos os
demais sentidos dos telespectadores.
De uma forma ou de outra, ―participar‖ é fazer parte, seja completando sentidos,
como via McLuhan; seja refletindo sobre o que se vê e formando com isso um laço
social, como estabelece Wolton; ou ainda construindo uma relação narcísica, como
critica Bourdieu. De um modo geral, é por aqui que se pode começar a esboçar o
conceito de participação. Neste contexto, quais seriam os espectadores participantes
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numa informação televisiva? A nosso ver, todos aqueles que antes, durante ou depois
das emissões ajudam de forma voluntária (ou seja, sem remuneração) na construção do
discurso informativo. Está a participar o cidadão que, antes da emissão sugere ou critica
um tema; responde a uma pergunta durante a programação; opina em uma sondagem…
Tudo isto são formas de participação no processo produtivo de informação.
Mas participar não implica interagir. Daí ser imprescindível discutir aqui o
conceito de interatividade. Com a aplicação plena da capacidade da TV de tecnologia
digital, o conceito de interatividade ganha mais relevo, significando a ação recíproca de
um/uns sobre outro/outros, com uso de ferramentas digitais inovadoras e impensáveis
quando a televisão surgiu, com sua tecnologia analógica, na década de 30, na
Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos (TOURINHO, 2009).
Interatividade: um conceito que começa a operacionalizar-se
É sabido que não são apenas os ambientes tecnológicos que
condicionam/motivam a participação dos cidadãos nos media. Questões sociais,
políticas e culturais também têm aqui uma influência substancial. Para Roger
Silverstone, toda audiência é, de um modo ou de outro, ativa. Na sua opinião, ―a
questão fundamental não é tanto a de saber se um público é ativo, mas, acima de tudo,
se essa actividade é significativa‖ (1994, p.254,255). É o que defende também
Dominique Wolton, para quem o que importa não é saber ―se está todo mundo ligado
ou em linha, mas compreender se existe uma relação entre aquele sistema técnico e uma
mudança no modelo social da comunicação‖ (1999, p.15).
No entanto, com o advento das tecnologias digitais, a palavra interatividade
ganha uma outra rentabilidade. No caso da TV, passa a ser a antítese da
unidirecionalidade.
Nos últimos 150 anos, dispusemos essencialmente de dois meios de
comunicação: de um para muitos (livros, jornais, rádio e televisão) e
de um para um (cartas, telégrafo e telefone). Pela primeira vez, a
Internet permite-nos dispor de comunicações de muitos para muitos e
de alguns para alguns, o que tem vastas implicações para os antigos
receptores e para os produtores de notícias (...). (GILLMOR, 2005,
p.42)
O ciberespaço passou a ser o grande suporte dos demais meios de comunicação. Um
espaço da convergência. Para lá migraram as mídias convencionais como a TV, a rádio
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e os jornais; lá se alojaram blogues, redes sociais e diferentes sites que passaram a
trabalhar uma outra relação dialógica entre emissor-receptor.
Em torno da mudança provocada pela interatividade se destacam três linhas
tradicionais da investigação: a interação usuário-usuário, a interação entre usuário e
documentos e a interação entre usuário e sistemas informáticos. McMillan (2002) nos
apresenta a primeira linha como sendo concentrada nos aspectos da comunicação
humana; a segunda centra-se na forma como as pessoas interagem com os criadores de
conteúdos (as mídias) e a terceira na interação entre as pessoas diretamente com o
computador ou outro tipo de sistema (homebanking e videojogos, por exemplo). Dentro
dos limites deste artigo, iremos nos concentrar na interação usuário-documentos (dos
espectadores com os criadores de conteúdos). Para McMillan este tipo de interação é
visto quando o usuário se comunica com um meio de comunicação, o que inclui a
colaboração de conteúdos. ―Um tema chave que emerge na literatura que examina a
interação com o conteúdo e os criadores de conteúdo é que o 'público' não é um receptor
passivo de informação, mas sim um ativo co-criador‖ (2002:14).
Do ponto de vista pragmático, a interatividade ocorre em diversos graus, de
níveis irrisórios aos mais elevados, com efeitos variados e nem todos ainda plenamente
testados. Para medir estes níveis, diversos autores (PRIMO & CASSOL,1999; JENSEN,
1999 e 2005; LEVY, 1999; LIPPMAN, 1998; MONTEZ & BECKER, 2005; RHODES
& AZBELL,1985) elaboraram diferentes escalas de interatividade. Lemos (2002)
estabelece uma escala especificamente voltada às possibilidades de interatividade
oferecidas pela televisão em seus diferentes momentos evolutivos.
NÍVEL 0: é a TV em preto e branco, com apenas um ou dois canais. A interatividade se
limita à ação de ligar ou de desligar o aparelho, regular volume, brilho ou contraste.
Com dois canais pode-se acrescer a possibilidade de troca de uma para outra emissora.
NÍVEL 1: TV em cores e outras opções de emissoras. O controle remoto vai permitir
que o telespectador possa ―zapear‖ pelos canais, criando uma certa autonomia.
NÍVEL 2: A TV ganha a companhia de câmaras portáteis, vídeo cassete, consoles de
jogos eletrônicos etc. Isto permite ao telespectador utilizar o objeto TV para ver vídeos,
jogar ou gravar. Pode assistir o programa na hora em que desejar instituindo, desta
forma, uma temporalidade própria e independente do fluxo da emissão original.
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NÍVEL 3: interatividade de cunho digital, onde o usuário pode interferir no conteúdo
das emissões a partir de telefones, fax ou e-mail. Participa de votações em programas
que estabelecem limites de escolhas ainda limitadas a duas ou três opções.
NÍVEL 4: É a a chamada ―Televisão Interativa‖. Possibilita a participação, via
telemática, ao conteúdo informativo das emissões de qualquer programa, em tempo real,
e a interferência no conteúdo transmitido (escolher ângulos e câmeras, por exemplo).
No Brasil (com frequência) e em Portugal (com algumas iniciativas), os
programas de informação televisiva, particularmente os telejornais remetem os seus
telespectadores para a rede. A Internet é parte do telejornal. O telejornal também está na
Internet, empresta a sua audiência à web e espera tê-la de volta no momento seguinte.
Nos dias de hoje, é comum um telejornal oferecer no fecho da sua edição um endereço
de site, mail ou blogue para os telespectadores completarem a informação veiculada.
Trata-se de uma forma de as audiências, a posteriori da emissão, transformarem o
modelo unidirecional da programação televisiva tradicional por um modelo interativo,
baseado em conteúdos não-lineares. Este ―arranjo‖ nos parece uma etapa nesta ainda
emergente televisão digital. É uma tentativa de fazer da TV um veículo interativo ainda
que as emissoras brasileiras e portuguesas não disponham de toda a tecnologia que lhes
permita atingir níveis mais elevados na escala proposta por Lemos.
Refletir a interatividade no Brasil e em Portugal.
Como participar ou interagir?
A televisão digital quando plenamente instalada em toda a sua potencialidade
tecnológica poderá oferecer aos telespectadores uma variada oferta interativa que
ultrapassará as tão propagadas ofertas de menus interactivos, telecompras e participação
em enquetes feita em tempo real. Os mais otimistas, como Montez & Becker (2005),
acreditam numa etapa em que o telespectador terá na TV uma atuação semelhante a que
possui, hoje, na internet. Criando seus próprios espaços e interações em igualdade de
condições com o transmissor. Hoje, no entanto, são ainda tímidas as formas de
participação (não necessariamente interativas) no Brasil e em Portugal. Para efeitos
didáticos poderíamos dizer que estas acontecem em três etapas: antes, durante e depois
das emissões.
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Antes- As colaborações a montante da emissão dos conteúdos informativos podem
tomar a forma de sugestões de agenda, enviadas via e-mail, telefone, contatos pessoais,
cartas, conversas em redes sociais. É uma forma de participação plenamente enraizada.
Não se imagina uma redação de jornalismo sem o contributo do público, mas este pode
ser ainda muito ampliado.
Durante- A interatividade que se estabelece durante a emissão de um programa
informativo parte de um envolvimento mais efetivo no produto, seja através de
resultados de sondagens ou opiniões apresentadas no alinhamento, seja através de
entradas ao vivo por e-mail, telefone ou plataformas tipo Skype, seja através de
conteúdos previamente gravados destinados a ser apresentados quando a emissão vai
para o ar. Há ainda outras formas de presença do telespectador ao vivo como o ―povo
fala‖ –entrevistas de rua- ou os convites para entrevistas em estúdio, estes geralmente
reservados para ―especialistas‖ ou, nas palavras críticas de Bourdieu, fast-thinkers.
Depois – A interatividade acontece aqui a posteriori das emissões, em chats, em redes
sociais, em mails trocados com os jornalistas ou focus groups. É aqui que se percebe a
força e o alcance que os assuntos exibidos obtiveram junto ao seu público. Se o
primeiro nível de participação influencia a agenda e o segundo determina o alinhamento
da emissão, este nível pode interferir na redefinição do modelo. Aqui levantam-se
questões como estas: o público gosta do que vê? Entende? Acha importante? Está
disposto a seguir esta emissora? Que mudanças precisam ser feitas? As supostas
alterações poderão ser pontuais (exemplo: maior aprofundamento de determinada
reportagem); significativas (exemplo: alteração da linha editorial, substituição de
editores, repórteres ou o apresentador do programa); e até radicais: (exemplo:
redefinição ou extinção de todo o programa).
Há fatores que interferem no ritmo em que jornalistas e as empresas de
comunicação estimulam estas diferentes formas de interatividade. Estes variam em
função das características da TV: se é privada, pública ou educativa; se é líder de
mercado ou uma franco atiradora; se o programa vai para o ar em day time ou no prime
time; se a duração do programação é longa ou curta… Outras questões que podem
dificultar a promoção da interatividade são intrínsecas ao próprio campo jornalístico de
que são exemplos as questões éticas e deontológicas adotadas pelos jornalistas que
levam estes profissionais a interrogarem-se se determinada colaboração respeita o
princípio do contraditório, se os dados apresentados são verdadeiros e, em caso de
manipulação, de quem será a responsabilidade social daquilo que é colocado no ar.
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A interatividade no Brasil
A televisão brasileira não segue as mesmas etapas históricas descritas por
Umberto Eco para o panorama europeu. Em 1950 ela emerge em regime de concessão
pública concedida pelo governo, sob o controle da empresa privada e financiada
exclusivamente pela publicidade comercial. Sua história é classificada em três períodos
com referenciais distintos daqueles eleitos pelo semiólogo italiano para a Europa. Foi o
quarto país do mundo a possuir uma emissora de televisão. Logo nos seus primórdios
despontou o telejornalismo, que herdou da rádio o seu modelo de narrativa inicialmente
adotado. Com o passar dos anos e o advento de inovações tecnológicas — videoteipe,
transmissão via satélite, cores e, mais recentemente, tecnologia digital —, a TV foi
adquirindo novos modelos de comunciação.
A TV digital terrestre brasileira foi lançada no dia 2 de Dezembro de 2007. A
adoção do sistema digital aconteceu após um longo processo de negociação, avaliação
comercial e tecnológica entre os diversos modelos disponíveis: Digital Vídeo
Broadcasting — DVB (europeu), Integrated Service Digital Broadcasting — ISDB
(japonês) e o Advanced Television Systems Committee — ATSC (americano). O Brasil
adotou o modelo baseado na tecnologia japonesa, incorporando outras inovações como
a portabilidade e a mobilidade, sem tarifário. A tecnologia brasileira recebe o nome de
ISDB-TB ou, simplesmente, SBTVD — Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Nesta
tecnologia, as emissoras podem optar por operar num único canal em alta definição —
Full HD — ou até quatro em formato Standard, com definição inferior a 1.080 linhas.
A tecnologia digital traz, além de sua inigualável qualidade de áudio e vídeo, os
conceitos de mobilidade (transmissão digital para televisores portáteis: pode ser
assistida em movimento, como num carro, por exemplo), portabilidade (transmissão
digital para dispositivos pessoais: a televisão está no celular, no computador, em
aparelhos portáteis) e da interatividade. É esta última característica a mais relevante. Em
princípio pensa-se nela apenas como a possibildiade do telespectador atuar como um
programador de TV: gravar, mudar ângulos, fazer compras etc. Mas é muito mais do
que isso, é uma forma de combater a exclusão digital e social. O Decreto 4.901 de 26 de
Novembro de 2003 que cria o Sistema Brasileiro de Televisão Digital diz em seu Artigo
1º, parágrafo I, que a televisão digital brasileira deve ―promover a inclusão social, a
diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital,
visando à democratização da informação.(BRASIL, 2003).
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No jornalismo, a TV Integração, afiliada da TV Globo, em Uberlândia, Minas
Gerais, estreou, em Setembro de 2010, o primeiro telejornal interativo em TV aberta no
Brasil (TV INTEGRAÇÃO, 2010a). A emissora disponibilizou serviços como oferta de
empregos, notícias, sondagens e meteorologia. O canal de retorno do telespectador para
a emissora dá-se através da internet ou telefone. Uma experiência pioneira, mas que na
escala de Lemos não poderia ser escrita no nível máximo, visto que as primeiras
experiências ainda estão mais próximas do conceito reativo do que interativo, cabendo
ao telespectador se adequar às opções disponibilizados pelo operador que tem a palavra
final. As expectativas para que o sistema seja difundido pelo Brasil são apenas para
2012, segundo José Salustiano Fagundes, da empresa de tecnologia HXD, responsável
pelo desenvolvimento da tecnologia para a TV Integração (TV INTEGRAÇÃO, 2010b).
De modo geral, o conteúdo jornalístico brasileiro ainda se inscreve mais
próximo dos modelos ―participativos‖ anteriores à era digital do que propriamente de
uma interatividade real. A forma mais frequente de presença do público na construção
do conteúdo tem sido a partir das sugestões de pautas e da oferta de vídeos amadores.
Um exemplo ocorreu no dia 18 de Novembro de 2010, durante uma tempestade em que
os ventos chegaram a 118 km/hora. Todas as reportagens emitidas pela TV Gazeta,
afiliada da TV Globo no Estado do Espírito Santo, exibiram fotos e vídeos produzidos
pelos telespectadores que mostravam acidentes (queda de um guindaste, por exemplo)
que seriam dificeis de se obter, mas que foram registrados pelos cidadãos que assistiam
a essa intempérie. Houve 200 mil acessos nos sites da emissora. Também na TV Gazeta
há um espaço chamado ―Eu no ESTV‖ em que o cidadão assume o lugar do repórter,
usando equipamentos próprios, para destacar assuntos de natureza comunitária. Há
programas, como o Fantástico, da Rede Globo, com experiências inovadoras, a partir do
link com redes sociais, permitindo ao telespectador expor a sua opinião sobre o
programa. A mesma prática tem sido usada nas transmissões de futebol. Em vários
programas, de diferentes emissoras, é comum o envio de e-mails e telefonemas com
perguntas durante a exibição do jogo. Tambem após os telejornais é comum a emissão
se prolongar com discussões em chats, blogues ou redes sociais.
São participações aqui e ali, em ritmo crescente, com o processo de incorporação
de novas tecnologias em andamento, mas ainda longe de se constituírem em um novo
paradigma da interatividade na TV brasileira. O que nos alerta para o amplo campo de
conhecimento e aplicação de interatividade que há pela frente no telejornalismo.
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A interatividade em Portugal
A televisão em Portugal nasce em 1957, ano em que a RTP começa as suas
emissões regulares a partir dos estúdios do Lumiar. Durante muitos anos, a TV opera
em regime de monopólio com o estatuto de serviço público, sustentada, sobretudo, pelo
Estado. Em 1992, é criado o primeiro canal generalista privado em sinal aberto, a SIC.
Em Fevereiro aparece o segundo, a TVI. É preciso entrar no século XXI para Portugal
ver multiplicar o número de canais no cabo que nascem ligados às empresas que operam
em regime aberto: RTP, SIC e TVI. Os projetos mais importantes a este nível são
sobretudo de informação: RTPN, SICN e TVI24.
A entrada da televisão digital na Europa obedece ao sistema DVB-T, fruto de
uma directiva comunitária. Influenciada pelas alterações no panorama audiovisual, a
Europa, e, por arrastamento Portugal, lança os primeiros concursos para implementação
da TV digital. No caso português, apenas em 2008 foi possível realizar com sucesso um
concurso para ―atribuição de um direito de utilização de frequências de âmbito
nacional‖, ou seja, os canais generalistas, e para adjudicação dos ―direitos de utilização
de frequência de âmbito nacional e parcial‖ (DENICOLI, 2011, p.56-57), isto é, a
televisão paga.
Em contexto de avanços tecnológicos e com uma oferta televisiva que discute a
atualidade, esperar-se-ia encontrar um promissor ambiente interativo. Olhando para
aquilo que pode ser entendido como interatividade em televisão (possibilidade de os
telespectadores interagirem com os conteúdos informativos e com aqueles que os
fazem), somos forçados a concluir que, à primeira vista, em Portugal ela é reduzida. O
estudo daquilo que se passa aí não nos permite concluir que exista uma elevada
interatividade entre os que vêem e os que fazem televisão.
A presença dos canais de TV em páginas da internet parece também não ter
vindo a favorecer essa interatividade. Não existem muitos espaços para os cibernautas
colocarem as suas questões, sugestões ou até enviarem as suas notícias para as redações.
Os sites apresentam-se mais como repositórios dos conteúdos já emitidos, não
apresentando muito material próprio e não incentivando a participação dos cidadãos que
queiram interagir com os produtores de informação.
Existem algumas ferramentas que dotam os utilizadores do universo digital de
uma certa autonomia, dando-lhes a possibilidade de escolher vídeos, (re) ver programas,
seguir redes sociais ou blogues. Atualmente em Portugal é o operador público aquele
que será mais internet friendly. Não só dando mais ferramentas de decisão aos
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utilizadores do portal do canal como também integrando conteúdos online nas emissões,
particularmente no canal de informação RTPN.
Os exemplos a retirar do audiovisual português no que respeita à interatividade
parecem escassos, se tivermos em conta as imensas potencialidades tecnológicas
existentes e que tardam em ser aproveitadas. Porventura, a televisão em Portugal estará
a caminhar para um cenário de maior interação entre quem está em casa e quem está em
estúdio, mas tudo se processa de forma lenta. Acredita-se que a conclusão do processo d
implantação da televisão digital terrestre em 2012 motive uma evolução mais rápida.
Num estudo coordenado por Felisbela Lopes (2011), procurou-se perceber o
grau de interatividade promovida pela TV portuguesa no Campeonato Mundial de
Futebol disputado em 2010 na África do Sul, estudando-se, durante o mês em que a bola
rolou nos gramados sul-africanos, todos os programas informativos emitidos pelas
diferentes operadoras portuguesas (604 programas). Conclui-se que apenas 84 emissões
(13,9%) se abriram à participação do telespectador. E isso apenas aconteceu nos canais
temáticos. Mesmo nos casos em que houve abertura para a participação dos
telespectadores, esta situação não trouxe consigo qualquer inovação. As portas de
entrada mais frequentes foram o e-mail, o telefone e a internet em geral, e as redes
sociais em particular. Daqui se concluiu que os responsáveis pelos vários canais de TV
em Portugal não terem considerado prioritário adotar estratégias que integrassem os
telespectadores nos conteúdos informativos, apesar de o futebol ser um assunto que
move paixões e ódios e que raramente deixa alguém indiferente.
Conclusões
Quando pensamos num novo modo de equacionar a participação do
telespectador na informação televisiva, temos em mente uma televisão que colabore na
formação de uma cidadania mais efetiva e responsável, que acentue o caráter
democrático deste meio de comunicação de massa. Algo que, como sublinha Dominique
Wolton, reforce a natureza do vínculo social própria da televisão.
Do retrato aqui traçado daquilo que se passa no Brasil e em Portugal, sobressai,
pois, um modelo de televisão que está ainda longe de se assumir como uma hiper-TV
(LOPES, 2009). Percorrendo as emissões dos canais portugueses e brasileiros,
confrontamo-nos com um modelo muito próximo daquele que Umberto Eco desenhou
para a neotelevisão, uma televisão muito interessada em atrair audiência, mas sem
preocupação em transformar o público num parceiro interativo dos alinhamentos. Em
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2010, parece bizarro que a TV portuguesa não tenha aproveitado um evento como o
Mundial do Futebol para potenciar a participação do público nos conteúdos
informativos difundidos. Todas as emissões que possibilitaram a integração do
telespectador foram atiradas para a televisão por cabo, uma plataforma que, embora em
crescimento e expansão territorial, continua a ser de acesso bastante reduzido e com
menor visibilidade.
Os limites e o papel da interatividade no futuro do telejornal são pontos que
merecem reflexão urgente. Fazer perguntas disparatadas aos telespectadores ou, em
contrapartida, simular que há uma parceria na tomada de decisões editoriais parece ser
inútil. Participação assim pode ser praticada com TV digital ou analógica,
indiferentemente. Tirar o telespectador da posição de ―espectador‖ para torná-lo ―parte‖
do processo é hoje o grande desafio. Olhando para a oferta informativa da TV brasileira
e portuguesa, constata-se que aquilo que existe não acrescenta muito ao processo da
comunicação 2.0. Não há estimulação da capacidade bidirecional de comunicação.
Concretamente vemos muito pouco no Brasil e menos ainda em Portugal algo
que possa ser apresentado como base de um novo paradigma da Comunicação. O que
existe são iniciativas ainda embrionárias. Temos a impressão de que alguns canais
tentam lançar mão da interatividade para ampliar as relações com o telespectador, sem
querer dividir com ele as decisões editoriais. O comportamento traduzir-se-á em algo
próximo daquilo que Bauman refere, quando fala dos relacionamentos modernos. Para o
autor o que alguns querem é isto:
Encontrar a solução do problema da quadratura do círculo: como
comer o bolo e ao mesmo tempo conservá-lo; como desfrutar das
doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, os
seus momentos mais amargos e penosos; como forçar uma relação a
permitir sem desautorizar, satisfazer sem oprimir. (...) (BAUMAN,
2006, p.11).
Enquanto os operadores de TV não equacionarem, de fato, o lugar dos
telespectadores nas emissões televisivas, tudo continuará na mesma: num modelo de TV
espelho, unidirecional, que encara aquele que vê como um indice de audiência que
importa reter. A hipertelevisão é mais exigente. Ambiciona ligar quem faz e quem
recebe, misturando papeis em permanência. É uma tarefa gigantesca. Que está por fazer.
NOTA
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* Artigo escrito no âmbito do projeto ―jornalismo televisivo e cidadania: os desafios da
esfera pública digital‖ (FCT PTDC/CCI-JOR/099994/2008). Os autores são
Investigadores do Centro de Estudos Comunicação e Sociedade.
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