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1 Interatividade no telejornalismo da janela à porta da entrada 1 Felisbela Lopes, Carlos Tourinho, Phillipe Vieira 2 Resumo À entrada da segunda década do século XXI, no limiar da era da televisão digital, importa saber que modelo de TV existe. Tendo como referência o Brasil e Portugal, traçamos aqui o retrato daquilo que as televisões de ambos os países oferecem ao nível da participação e interatividade, dois conceitos que discutimos numa primeira parte. Do retrato aqui traçado sobressai um modelo de televisão que inviabiliza qualquer pretensão em se falar numa terceira fase da TV. Em ambos os países, o panorama audiovisual está mais próximo daquilo que Umberto Eco definiu como neo-TV, sendo ainda pouco permável à participação do público e às modalidades de interatividade. A hiper-televisão pode esperar. Este artigo pretende relacionar os desejos do público por um novo papel social na construção da comunicação e as realidades externadas pelas emissoras de televisão. Abstract At the dawn of the second decade of the 21st century, at the verge of the age of digital television, it‘s relevant to understand what kind of television model exists. Using Brazil and Portugal as reference, here we sketch the portrait of what kind of television is available in both countries, particularly at the level of participation and interactivity, two concepts we approach in the first chapters of this paper. From our analysis it seems clear that it‘s impossible to speak of the coming of a third stage in television history. In both countries the audiovisual panorama is closer to what Umberto Eco defined as neo- TV. Also, television there seems to be impermeable to audience participation and interactive modalities. Hyper-television can wait. This article aims at relating the public's desire for a new role in social communication and the construction of an external reality by television. Palavras-chave: televisão, telejornalismo, interatividade. Keywords: television, telejournalism, interactivity. Da paleotelevisão à hipertelevisão: um percurso incompleto. Da paleotelevisão: o mundo que o poder político queria mostrar 1 Artigo desenvolvido no âmbito do Projeto TV e Cidadania, no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho) e apresentado no Congresso Internacional da História dos Media e do Jornalismo Lisboa, 2011 (Universidade Nova de Lisboa). 2 Felisbela Lopes, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO). Professora de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. [email protected] ; Carlos Tourinho, doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO), Chefe de Reportagem TV Gazeta/Globo (Espírito Santo). [email protected] ; Phillipe Vieira, mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho (UMINHO). [email protected]

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Interatividade no telejornalismo – da janela à porta da entrada1

Felisbela Lopes, Carlos Tourinho, Phillipe Vieira2

Resumo

À entrada da segunda década do século XXI, no limiar da era da televisão

digital, importa saber que modelo de TV existe. Tendo como referência o Brasil e

Portugal, traçamos aqui o retrato daquilo que as televisões de ambos os países oferecem

ao nível da participação e interatividade, dois conceitos que discutimos numa primeira

parte. Do retrato aqui traçado sobressai um modelo de televisão que inviabiliza qualquer

pretensão em se falar numa terceira fase da TV. Em ambos os países, o panorama

audiovisual está mais próximo daquilo que Umberto Eco definiu como neo-TV, sendo

ainda pouco permável à participação do público e às modalidades de interatividade. A

hiper-televisão pode esperar. Este artigo pretende relacionar os desejos do público por

um novo papel social na construção da comunicação e as realidades externadas pelas

emissoras de televisão.

Abstract

At the dawn of the second decade of the 21st century, at the verge of the age of

digital television, it‘s relevant to understand what kind of television model exists. Using

Brazil and Portugal as reference, here we sketch the portrait of what kind of television is

available in both countries, particularly at the level of participation and interactivity,

two concepts we approach in the first chapters of this paper. From our analysis it seems

clear that it‘s impossible to speak of the coming of a third stage in television history. In

both countries the audiovisual panorama is closer to what Umberto Eco defined as neo-

TV. Also, television there seems to be impermeable to audience participation and

interactive modalities. Hyper-television can wait. This article aims

at relating the public's desire for a new role in social communication and

the construction of an external reality by television.

Palavras-chave: televisão, telejornalismo, interatividade.

Keywords: television, telejournalism, interactivity.

Da paleotelevisão à hipertelevisão: um percurso incompleto.

Da paleotelevisão: o mundo que o poder político queria mostrar

1 Artigo desenvolvido no âmbito do Projeto TV e Cidadania, no Centro de Estudos de Comunicação e

Sociedade (Universidade do Minho) e apresentado no Congresso Internacional da História dos Media e

do Jornalismo – Lisboa, 2011 (Universidade Nova de Lisboa). 2Felisbela Lopes, doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO). Professora de

Ciências da Comunicação da Universidade do Minho. [email protected];

Carlos Tourinho, doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho (UMINHO), Chefe de

Reportagem TV Gazeta/Globo (Espírito Santo). [email protected];

Phillipe Vieira, mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho (UMINHO).

[email protected]

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À televisão dos primeiros tempos Umberto Eco chama paleotelevisão, mas

acerca dela pouco mais escreve para além das afirmações de que ―era feita para todos

os espectadores, falava das inaugurações dos ministros e controlava as emissões de

forma a que o povo apreendesse só coisas inocentes, mesmo à custa de mentiras‖

(1993, p.135). A referência é indubitavelmente a dos países europeus, onde a TV nasce

enquanto serviço público com uma ligação estreita ao poder político, que mantém com

ela uma proximidade tal que a torna permeável a permanentes manipulações. Nos

primeiros tempos, a televisão na Europa é, acima de tudo, a voz do Estado, um cenário

que difere substancialmente daquilo que acontecia nos Estados Unidos, onde a atividade

televisiva dá os primeiros passos ligada ao setor privado.

Procurando argumentos para o envolvimento que o Estado teve na atividade

televisiva, nas formas de financiamento público e nas funções de utilidade pública da

televisão, Giuseppe Richeri (1994, p.46,47) aponta razões de ―ordem técnica‖ (as

frequências hertzianas eram um bem raro, sendo, por isso, necessária uma

regulamentação criteriosa); de ―ordem política‖ (entendia-se que num regime

democrático a TV deveria promover a participação dos cidadãos na discussão de

assuntos de interesse público); de ―ordem cultural‖ (debilitados pela guerra, os

europeus precisavam de meios que fossem uma resposta eficaz às necessidades

informativas, formativas e de entretenimento dos cidadãos e que lhes devolvesse uma

certa consciência de nacionalidade); de ―ordem jurídica‖ (estabelecido

constitucionalmente o direito de informar e de ser informado, entendia-se que um

serviço público de televisão seria o melhor regime para cumprir esse preceito).

Em tempo de monopólio, e em território europeu, a televisão dependeu do

enunciador-Estado. Neste contexto, os programas são pensados segundo aquilo que o

próprio operador ou quem o tutelava (o poder político) pensavam ser importante,

prestando-se pouca atenção aos gostos do público. As visões do mundo eram aquelas

que os dirigentes dos canais achavam mais apropriadas para as audiências. O que

primava era a oferta, exposta com uma certa independência das leis do mercado. Esta

forma de atuação liga-se a um panorama audiovisual europeu onde constavam

sobretudo canais de serviço público, financiados e controlados por um Estado-

Providência que sustentava os custos das estações televisivas e que se propunha

promover o bem-estar dos cidadãos conforme aquilo que lhe parecia ser melhor (para a

sua perpetuação no poder, poder-se-ia acrescentar).

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Da neotelevisão: “Eu estou aqui, eu sou eu e eu sou tu”

A abertura do espectro televisivo ao sector privado veio alterar a essência da

televisão. Umberto Eco vê aqui a transição daquilo a que chama a paleotelevisão (a TV

do tempo do monopólio) para a neotelevisão (a TV da era da concorrência). Esta

designação é retomada por vários teóricos, principalmente na Itália, com os trabalhos de

Francesco Casetti e Roger Odin (1990), de Sandra Cavicchioli e Isabella Pezzini (1993)

ou de Maria Pia Pozzato (1995).

No capítulo ―A transparência perdida‖, Eco afirma que a característica principal

da neotelevisão é ―falar cada vez menos (como a paleo-TV fazia ou fingia fazer) do

mundo exterior‖, optando por ―falar de si própria e do contacto que está estabelecendo

com o seu público‖ (1993, p.135). Justifica-se, assim, a exibição de todo um aparato

tecnológico que, no passado, era escrupulosamente ocultado do olhar do público

(microfones, câmaras de filmar, salas da redação). Numa procura permanente das

audiências, a neotelevisão pensa os seus enunciados (a oferta televisiva) em função dos

sujeitos receptores empíricos (os gostos do público). Se ―a paleo-TV queria ser uma

janela que da mais remota província mostrava o imenso mundo, a neo-TV‖, escreve Eco

(1993, p.129), ―aponta as câmaras sobre a província e mostra ao público de Piacenza a

gente de Piacenza‖. Percebe-se, assim, a razão que leva a identificar a televisão desta

fase com a seguinte máxima: ―Eu estou aqui, eu sou eu e eu sou tu‖ (ECO,1993, p.135).

Mais do que uma janela, os novos dispositivos televisivos pretendem ser um

espelho para as audiências, sendo o cotidiano o principal referente da programação.

Casetti e Odin (1990) explicam que isso se desenvolve em duas dimensões: a temporal,

na medida em que as emissões se submetem ao ritmo do cotidiano; e a espacial, pois

aquilo que se vê no pequeno ecrã encontra a sua âncora na vida de todos os dias. ―A

neotelevisão‖, sustentam, (1990, p.15) ―já não é uma instituição que se inscreve no

prolongamento da escola ou da família, mas um espaço integrado no cotidiano‖.

Aquilo que Eliseo Véron (1983) designa como eixo Y-Y (yeux-yeux): ao olhar

o telespectador olhos-nos-olhos, os atores televisivos, nomeadamente os

apresentadores de emissões que se detêm no mundo referencial, falam mais para as

audiências do que com os convidados que estão no plateau, instituindo com aquela

―comunidade invisível‖ um contacto comunicativo implicativo. Nessa tecelagem

conversacional, a figura ausente (audiências) torna-se mais importante do que os

indivíduos presentes (convidados). A partir de um lugar objetivamente delimitado,

constrói-se uma linha que prolonga até ao infinito o espaço onde se desenrola o

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programa, vista por muitos como um fio mais ilusório do que real. Rodríguez Ferrándiz

(2001, p. 176), por exemplo, traça um retrato devastador deste modelo televisivo: ―É

um fluxo assemântico de imagens que se harmoniza conosco só ao nível da

estimulação epidérmica e pulsional, que nos convida a participar numa farsa de

comunicação e de sociabilidade‖. Estamos aqui ainda muito longe de uma TV que

promove a participação do seu público e que constrói com ele um modelo de

interatividade.

Da hipertelevisão: um modelo ainda por vir

Não é difícil prever que o atual movimento de aproximação ao receptor possa

conduzir, num limite não muito longínquo, à total fusão dos papéis comunicacionais,

com consequências naturais na reconfiguração do dispositivo televisivo. A sociedade

centrada nas satisfações de um crescente individualismo hedonista e hiperconsumista

(LIPOVETSKY, 2005, 37- 53), composta e produtora de indivíduos profundamente

imersos na instabilidade cotidiana, na ansiedade e numa permanente crise de urgência e

de intensidade do momento presente (AUBERT, 2003), exige cada vez mais esse

movimento fusional. O que antes era sólido agora liquefaz-se, tornando-se fluido

(BAUMAN, 2001). O indivíduo da contemporaneidade já não se contenta com o

convívio passivo induzido pelos dispositivos da TV generalista atual, mesmo os mais

contaminados pelas construções concorrenciais que a transformam num espelho do

espetáculo social, reforçando por esta via uma bidirecionalidade que busca audiência.

Tudo é ainda demasiado rígido. A neotelevisão acima descrita poderá, assim, revelar-

se insuficiente para responder aos apelos de uma sociedade urgente e em passo

desenfreado para o eu. Mas do lado de quem faz a TV este modelo de TV interativo

tarda em aparecer.

A esta televisão que emerge com as promessas do digital, temos de agregar as

potencialidades oferecidas por tecnologias que permitem transformar as

audiências/públicos em produtores ou, pelo menos, em parceiros ativos da programação

televisiva. Carlos Scolari (2008) chama de hipertelevisão o atual estágio da história

televisiva. É exatamente a este último modelo de TV, a hipertelevisão, que prestaremos

atenção neste trabalho, interrogando qual o grau de participação e de interatividade

permitidas pelos canais de televisão em Portugal e no Brasil no domínio da informação.

Hoje, ao contrário da fase da TV janela e da TV espelho, o telespectador já não se

contenta com o modelo de comunicação de sentido unidirecional emissor-receptor. Tem

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a percepção de que, agora, pode fazer parte do processo de produção da notícia. Não se

limita a participar (assistir) pela janela. Agora quer entrar pela porta. No entanto, nem

sempre os canais de televisão promovem essa entrada.

Da participação à interatividade.

O lugar do cidadão no jornalismo

A informação televisiva como espaço público de um debate participativo,

diversificado e esgrimindo argumentos de consenso alargado será, por certo, uma mais-

valia para qualquer canal de TV. Conceitos como ―jornalismo participativo‖ e

―jornalismo do cidadão‖ tornam-se cada vez mais comuns, mas nem sempre encontram

muita receptividade junto aos jornalistas ou reúnem contributos de qualidade junto aos

públicos.

Poder-se-á encontrar uma ligação do jornalismo participativo e do jornalismo do

cidadão com o jornalismo cívico e o jornalismo público preconizados pelo Poynter

Institute for Media Studies e pelo Pew Center for Civic Journalism. Na gênese destes

processos, está uma ideia de público como participante no processo informativo ao

serviço de produtos jornalísticos que auxiliem na resolução dos problemas públicos,

aumentando, consequentemente, a qualidade do jornalismo.

Com exceção do ―jornalismo do cidadão‖, todos os outros não prescindem do

lugar do jornalista, encarando-o, antes, como um elo imprescindível na parceria com os

cidadãos. À estes, reserva-se o papel de fontes pró-ativas de informação que

funcionariam como uma espécie de motores de arranque do processo produtivo. O cada

vez mais desenvolvido ambiente tecnológico por onde todos circulamos vai

potencializando esse diálogo, possível desde que as empresas jornalísticas abram

efetivos canais de comunicação.

Por seu lado, o chamado ―jornalismo do cidadão‖ prevê que o conteúdo

noticioso seja produzido por este, não necessitando de qualquer formação jornalística.

Trata-se de uma espécie de ―jornalismo amador‖ que poderá assumir várias formas:

escrita de comentários em site/blogues; envio de fotografias/vídeos; criação de sites de

notícias alimentados por utilizadores (ohmynews, por exemplo); elaboração de listas de

discussão, criação de fóruns; produção em podcasting… Os defensores desta corrente,

que tem em Dan Gilmour (2005) um dos seus mais apaixonados promotores, apontam a

democratização da produção e do acesso à informação como um ganho inalienável do

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―jornalismo do cidadão‖. No entanto, há vários céticos em relação a este entendimento.

Uma das críticas apontadas prende-se com o abandono do princípio da objetividade

jornalística a que os cidadãos não estão vinculados, dando origem a muitos ―artigos‖

sobre causas onde quem produz conteúdos é parte interessada. Vincent Maher (2005)

refere que ao jornalismo do cidadão estão anexados os três ―E‖ fatais: ética, economia e

epistemologia. Miroljub Radojković (2010) levanta várias interrogações quanto ao novo

papel confiado aos cidadãos, questionando se a ausência de requisitos éticos,

profissionais e cognitivos para o exercício do jornalismo não poderá trazer mais

prejuízos do que benefícios para a sociedade.

Por entre teses apocalípticas e integradas, o campo jornalístico vai traçando o

seu caminho, muitas vezes de forma lenta e desenhando contornos diferentes daqueles

pensados pelos investigadores. Neste limiar da televisão digital, pensamos ser

interessante avaliar como é que a informação televisiva integra os telespectadores nos

conteúdos que produz. A cobertura jornalística do Campeonato de Mundo de Futebol

2010, um evento midiático que atraiu em massa públicos de diferentes origens, deu-nos

o mote para este estudo empírico em Portugal. Em relação ao Brasil, temos uma ampla

pesquisa em andamento em torno das Redes Globo, Record e SBT. Por ora, nos

limitamos a apontar neste artigo observações relacionadas à principal rede de televisão

brasileira, a TV Globo, em diversos pontos do país.

Formas diversas de entender a participação

Para entender o que é participação na televisão, começamos por recorrer a um

inflexível crítico deste meio de comunicação: Pierre Bourdieu, para quem o ―ecrã da

televisão se transformou numa espécie de espelho de Narciso, num lugar de exibição

narcísica‖ (1997, p.4). Esta afirmação tem subjacente uma ideia de uma televisão como

um lugar onde muitos querem estar. Atingindo o grande público, constituindo-se como

veiculo que fala a todos, a TV transforma-se no espaço ideal para aqueles que a desejam

como palco para fazer ecoar suas ideias, sejam estas boas ou más, quer esses

interlocutores sejam, ou não, fontes bem preparadas e conhecedoras dos assuntos de que

falam. A televisão atrai e estabelece um vínculo social com todos os públicos, como

defende Dominique Wolton (1994). Na sua perspectiva, estão errados todos aqueles que

atribuem uma atitude passiva ao público que se senta à frente do ecrã:

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Os que acreditam impertubavelmente na existência de espectadores

passivos e sem reações nem interesses, mudando de maneira aleatória

de um canal para outro, deviam ouvir mais as conversas nos

transportes e nas empresas! Ficariam então admirados com a

diversidade das opiniões emitidas, sendo os programas literalmente

passados pelo crivo dum julgamento diário. Este duplo movimento de

recepção e de discussão prova não só que os espectadores não são

passivos, mas que sabem criticar e julgar a televisão. (WOLTON,

1994, p.58)

Há diversas formas de entender a participação. Wolton vê telespectadores ativos

onde, por exemplo, os seguidores da Teoria Crítica encontram apenas passividade. Um

dos maiores apologistas da abordagem tecnológica, Marshall McLuhan tem uma visão

particular sobre a participação. Para McLuhan, televisão é um meio ―frio‖, em oposição

às mídias quentes, como o rádio e o cinema. ―A imagem da TV é de baixa intensidade

ou definição, diferentemente do filme, portanto, ela não fornece informação detalhada

sobre os objetos‖ (MCLUHAN,1964, p.356). Um meio quente, para o pensador, oferece

uma alta saturação de dados, portanto, ―entrega‖ a mensagem completa ao seu

espectador; já um meio frio é de baixa definição, necessitando que se complete o

sentido das mensagens que veicula. Nesse contexto, a participação dos telespectadores é

favorecida. Além disso, o público ―faz parte‖ do meio, como explicou numa das suas

palestras, em 1966.

O mundo do cinema não requer qualquer participação. É um mundo

de fantasia, muito visual, em que o público se senta muito longe do

espetáculo. Mas a televisão não é assim. É um meio de comunicação

profundamente envolvente que tem o público como ambiente, como

ponto de fuga do ecrã. (MCLUHAN, 2009, p.94)

McLuhan diz que a TV é um meio frio, porque a sua imagem é de baixa

definição. Dentro desse entendimento, o público é convidado a completar as lacunas - o

não dito e o não visto - e isso dota o espectador de um papel ativo. McLuhan também

diz que a televisão beneficia de ser um meio de comunicação que envolve todos os

demais sentidos dos telespectadores.

De uma forma ou de outra, ―participar‖ é fazer parte, seja completando sentidos,

como via McLuhan; seja refletindo sobre o que se vê e formando com isso um laço

social, como estabelece Wolton; ou ainda construindo uma relação narcísica, como

critica Bourdieu. De um modo geral, é por aqui que se pode começar a esboçar o

conceito de participação. Neste contexto, quais seriam os espectadores participantes

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numa informação televisiva? A nosso ver, todos aqueles que antes, durante ou depois

das emissões ajudam de forma voluntária (ou seja, sem remuneração) na construção do

discurso informativo. Está a participar o cidadão que, antes da emissão sugere ou critica

um tema; responde a uma pergunta durante a programação; opina em uma sondagem…

Tudo isto são formas de participação no processo produtivo de informação.

Mas participar não implica interagir. Daí ser imprescindível discutir aqui o

conceito de interatividade. Com a aplicação plena da capacidade da TV de tecnologia

digital, o conceito de interatividade ganha mais relevo, significando a ação recíproca de

um/uns sobre outro/outros, com uso de ferramentas digitais inovadoras e impensáveis

quando a televisão surgiu, com sua tecnologia analógica, na década de 30, na

Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos (TOURINHO, 2009).

Interatividade: um conceito que começa a operacionalizar-se

É sabido que não são apenas os ambientes tecnológicos que

condicionam/motivam a participação dos cidadãos nos media. Questões sociais,

políticas e culturais também têm aqui uma influência substancial. Para Roger

Silverstone, toda audiência é, de um modo ou de outro, ativa. Na sua opinião, ―a

questão fundamental não é tanto a de saber se um público é ativo, mas, acima de tudo,

se essa actividade é significativa‖ (1994, p.254,255). É o que defende também

Dominique Wolton, para quem o que importa não é saber ―se está todo mundo ligado

ou em linha, mas compreender se existe uma relação entre aquele sistema técnico e uma

mudança no modelo social da comunicação‖ (1999, p.15).

No entanto, com o advento das tecnologias digitais, a palavra interatividade

ganha uma outra rentabilidade. No caso da TV, passa a ser a antítese da

unidirecionalidade.

Nos últimos 150 anos, dispusemos essencialmente de dois meios de

comunicação: de um para muitos (livros, jornais, rádio e televisão) e

de um para um (cartas, telégrafo e telefone). Pela primeira vez, a

Internet permite-nos dispor de comunicações de muitos para muitos e

de alguns para alguns, o que tem vastas implicações para os antigos

receptores e para os produtores de notícias (...). (GILLMOR, 2005,

p.42)

O ciberespaço passou a ser o grande suporte dos demais meios de comunicação. Um

espaço da convergência. Para lá migraram as mídias convencionais como a TV, a rádio

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e os jornais; lá se alojaram blogues, redes sociais e diferentes sites que passaram a

trabalhar uma outra relação dialógica entre emissor-receptor.

Em torno da mudança provocada pela interatividade se destacam três linhas

tradicionais da investigação: a interação usuário-usuário, a interação entre usuário e

documentos e a interação entre usuário e sistemas informáticos. McMillan (2002) nos

apresenta a primeira linha como sendo concentrada nos aspectos da comunicação

humana; a segunda centra-se na forma como as pessoas interagem com os criadores de

conteúdos (as mídias) e a terceira na interação entre as pessoas diretamente com o

computador ou outro tipo de sistema (homebanking e videojogos, por exemplo). Dentro

dos limites deste artigo, iremos nos concentrar na interação usuário-documentos (dos

espectadores com os criadores de conteúdos). Para McMillan este tipo de interação é

visto quando o usuário se comunica com um meio de comunicação, o que inclui a

colaboração de conteúdos. ―Um tema chave que emerge na literatura que examina a

interação com o conteúdo e os criadores de conteúdo é que o 'público' não é um receptor

passivo de informação, mas sim um ativo co-criador‖ (2002:14).

Do ponto de vista pragmático, a interatividade ocorre em diversos graus, de

níveis irrisórios aos mais elevados, com efeitos variados e nem todos ainda plenamente

testados. Para medir estes níveis, diversos autores (PRIMO & CASSOL,1999; JENSEN,

1999 e 2005; LEVY, 1999; LIPPMAN, 1998; MONTEZ & BECKER, 2005; RHODES

& AZBELL,1985) elaboraram diferentes escalas de interatividade. Lemos (2002)

estabelece uma escala especificamente voltada às possibilidades de interatividade

oferecidas pela televisão em seus diferentes momentos evolutivos.

NÍVEL 0: é a TV em preto e branco, com apenas um ou dois canais. A interatividade se

limita à ação de ligar ou de desligar o aparelho, regular volume, brilho ou contraste.

Com dois canais pode-se acrescer a possibilidade de troca de uma para outra emissora.

NÍVEL 1: TV em cores e outras opções de emissoras. O controle remoto vai permitir

que o telespectador possa ―zapear‖ pelos canais, criando uma certa autonomia.

NÍVEL 2: A TV ganha a companhia de câmaras portáteis, vídeo cassete, consoles de

jogos eletrônicos etc. Isto permite ao telespectador utilizar o objeto TV para ver vídeos,

jogar ou gravar. Pode assistir o programa na hora em que desejar instituindo, desta

forma, uma temporalidade própria e independente do fluxo da emissão original.

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NÍVEL 3: interatividade de cunho digital, onde o usuário pode interferir no conteúdo

das emissões a partir de telefones, fax ou e-mail. Participa de votações em programas

que estabelecem limites de escolhas ainda limitadas a duas ou três opções.

NÍVEL 4: É a a chamada ―Televisão Interativa‖. Possibilita a participação, via

telemática, ao conteúdo informativo das emissões de qualquer programa, em tempo real,

e a interferência no conteúdo transmitido (escolher ângulos e câmeras, por exemplo).

No Brasil (com frequência) e em Portugal (com algumas iniciativas), os

programas de informação televisiva, particularmente os telejornais remetem os seus

telespectadores para a rede. A Internet é parte do telejornal. O telejornal também está na

Internet, empresta a sua audiência à web e espera tê-la de volta no momento seguinte.

Nos dias de hoje, é comum um telejornal oferecer no fecho da sua edição um endereço

de site, mail ou blogue para os telespectadores completarem a informação veiculada.

Trata-se de uma forma de as audiências, a posteriori da emissão, transformarem o

modelo unidirecional da programação televisiva tradicional por um modelo interativo,

baseado em conteúdos não-lineares. Este ―arranjo‖ nos parece uma etapa nesta ainda

emergente televisão digital. É uma tentativa de fazer da TV um veículo interativo ainda

que as emissoras brasileiras e portuguesas não disponham de toda a tecnologia que lhes

permita atingir níveis mais elevados na escala proposta por Lemos.

Refletir a interatividade no Brasil e em Portugal.

Como participar ou interagir?

A televisão digital quando plenamente instalada em toda a sua potencialidade

tecnológica poderá oferecer aos telespectadores uma variada oferta interativa que

ultrapassará as tão propagadas ofertas de menus interactivos, telecompras e participação

em enquetes feita em tempo real. Os mais otimistas, como Montez & Becker (2005),

acreditam numa etapa em que o telespectador terá na TV uma atuação semelhante a que

possui, hoje, na internet. Criando seus próprios espaços e interações em igualdade de

condições com o transmissor. Hoje, no entanto, são ainda tímidas as formas de

participação (não necessariamente interativas) no Brasil e em Portugal. Para efeitos

didáticos poderíamos dizer que estas acontecem em três etapas: antes, durante e depois

das emissões.

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Antes- As colaborações a montante da emissão dos conteúdos informativos podem

tomar a forma de sugestões de agenda, enviadas via e-mail, telefone, contatos pessoais,

cartas, conversas em redes sociais. É uma forma de participação plenamente enraizada.

Não se imagina uma redação de jornalismo sem o contributo do público, mas este pode

ser ainda muito ampliado.

Durante- A interatividade que se estabelece durante a emissão de um programa

informativo parte de um envolvimento mais efetivo no produto, seja através de

resultados de sondagens ou opiniões apresentadas no alinhamento, seja através de

entradas ao vivo por e-mail, telefone ou plataformas tipo Skype, seja através de

conteúdos previamente gravados destinados a ser apresentados quando a emissão vai

para o ar. Há ainda outras formas de presença do telespectador ao vivo como o ―povo

fala‖ –entrevistas de rua- ou os convites para entrevistas em estúdio, estes geralmente

reservados para ―especialistas‖ ou, nas palavras críticas de Bourdieu, fast-thinkers.

Depois – A interatividade acontece aqui a posteriori das emissões, em chats, em redes

sociais, em mails trocados com os jornalistas ou focus groups. É aqui que se percebe a

força e o alcance que os assuntos exibidos obtiveram junto ao seu público. Se o

primeiro nível de participação influencia a agenda e o segundo determina o alinhamento

da emissão, este nível pode interferir na redefinição do modelo. Aqui levantam-se

questões como estas: o público gosta do que vê? Entende? Acha importante? Está

disposto a seguir esta emissora? Que mudanças precisam ser feitas? As supostas

alterações poderão ser pontuais (exemplo: maior aprofundamento de determinada

reportagem); significativas (exemplo: alteração da linha editorial, substituição de

editores, repórteres ou o apresentador do programa); e até radicais: (exemplo:

redefinição ou extinção de todo o programa).

Há fatores que interferem no ritmo em que jornalistas e as empresas de

comunicação estimulam estas diferentes formas de interatividade. Estes variam em

função das características da TV: se é privada, pública ou educativa; se é líder de

mercado ou uma franco atiradora; se o programa vai para o ar em day time ou no prime

time; se a duração do programação é longa ou curta… Outras questões que podem

dificultar a promoção da interatividade são intrínsecas ao próprio campo jornalístico de

que são exemplos as questões éticas e deontológicas adotadas pelos jornalistas que

levam estes profissionais a interrogarem-se se determinada colaboração respeita o

princípio do contraditório, se os dados apresentados são verdadeiros e, em caso de

manipulação, de quem será a responsabilidade social daquilo que é colocado no ar.

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A interatividade no Brasil

A televisão brasileira não segue as mesmas etapas históricas descritas por

Umberto Eco para o panorama europeu. Em 1950 ela emerge em regime de concessão

pública concedida pelo governo, sob o controle da empresa privada e financiada

exclusivamente pela publicidade comercial. Sua história é classificada em três períodos

com referenciais distintos daqueles eleitos pelo semiólogo italiano para a Europa. Foi o

quarto país do mundo a possuir uma emissora de televisão. Logo nos seus primórdios

despontou o telejornalismo, que herdou da rádio o seu modelo de narrativa inicialmente

adotado. Com o passar dos anos e o advento de inovações tecnológicas — videoteipe,

transmissão via satélite, cores e, mais recentemente, tecnologia digital —, a TV foi

adquirindo novos modelos de comunciação.

A TV digital terrestre brasileira foi lançada no dia 2 de Dezembro de 2007. A

adoção do sistema digital aconteceu após um longo processo de negociação, avaliação

comercial e tecnológica entre os diversos modelos disponíveis: Digital Vídeo

Broadcasting — DVB (europeu), Integrated Service Digital Broadcasting — ISDB

(japonês) e o Advanced Television Systems Committee — ATSC (americano). O Brasil

adotou o modelo baseado na tecnologia japonesa, incorporando outras inovações como

a portabilidade e a mobilidade, sem tarifário. A tecnologia brasileira recebe o nome de

ISDB-TB ou, simplesmente, SBTVD — Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Nesta

tecnologia, as emissoras podem optar por operar num único canal em alta definição —

Full HD — ou até quatro em formato Standard, com definição inferior a 1.080 linhas.

A tecnologia digital traz, além de sua inigualável qualidade de áudio e vídeo, os

conceitos de mobilidade (transmissão digital para televisores portáteis: pode ser

assistida em movimento, como num carro, por exemplo), portabilidade (transmissão

digital para dispositivos pessoais: a televisão está no celular, no computador, em

aparelhos portáteis) e da interatividade. É esta última característica a mais relevante. Em

princípio pensa-se nela apenas como a possibildiade do telespectador atuar como um

programador de TV: gravar, mudar ângulos, fazer compras etc. Mas é muito mais do

que isso, é uma forma de combater a exclusão digital e social. O Decreto 4.901 de 26 de

Novembro de 2003 que cria o Sistema Brasileiro de Televisão Digital diz em seu Artigo

1º, parágrafo I, que a televisão digital brasileira deve ―promover a inclusão social, a

diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital,

visando à democratização da informação.(BRASIL, 2003).

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No jornalismo, a TV Integração, afiliada da TV Globo, em Uberlândia, Minas

Gerais, estreou, em Setembro de 2010, o primeiro telejornal interativo em TV aberta no

Brasil (TV INTEGRAÇÃO, 2010a). A emissora disponibilizou serviços como oferta de

empregos, notícias, sondagens e meteorologia. O canal de retorno do telespectador para

a emissora dá-se através da internet ou telefone. Uma experiência pioneira, mas que na

escala de Lemos não poderia ser escrita no nível máximo, visto que as primeiras

experiências ainda estão mais próximas do conceito reativo do que interativo, cabendo

ao telespectador se adequar às opções disponibilizados pelo operador que tem a palavra

final. As expectativas para que o sistema seja difundido pelo Brasil são apenas para

2012, segundo José Salustiano Fagundes, da empresa de tecnologia HXD, responsável

pelo desenvolvimento da tecnologia para a TV Integração (TV INTEGRAÇÃO, 2010b).

De modo geral, o conteúdo jornalístico brasileiro ainda se inscreve mais

próximo dos modelos ―participativos‖ anteriores à era digital do que propriamente de

uma interatividade real. A forma mais frequente de presença do público na construção

do conteúdo tem sido a partir das sugestões de pautas e da oferta de vídeos amadores.

Um exemplo ocorreu no dia 18 de Novembro de 2010, durante uma tempestade em que

os ventos chegaram a 118 km/hora. Todas as reportagens emitidas pela TV Gazeta,

afiliada da TV Globo no Estado do Espírito Santo, exibiram fotos e vídeos produzidos

pelos telespectadores que mostravam acidentes (queda de um guindaste, por exemplo)

que seriam dificeis de se obter, mas que foram registrados pelos cidadãos que assistiam

a essa intempérie. Houve 200 mil acessos nos sites da emissora. Também na TV Gazeta

há um espaço chamado ―Eu no ESTV‖ em que o cidadão assume o lugar do repórter,

usando equipamentos próprios, para destacar assuntos de natureza comunitária. Há

programas, como o Fantástico, da Rede Globo, com experiências inovadoras, a partir do

link com redes sociais, permitindo ao telespectador expor a sua opinião sobre o

programa. A mesma prática tem sido usada nas transmissões de futebol. Em vários

programas, de diferentes emissoras, é comum o envio de e-mails e telefonemas com

perguntas durante a exibição do jogo. Tambem após os telejornais é comum a emissão

se prolongar com discussões em chats, blogues ou redes sociais.

São participações aqui e ali, em ritmo crescente, com o processo de incorporação

de novas tecnologias em andamento, mas ainda longe de se constituírem em um novo

paradigma da interatividade na TV brasileira. O que nos alerta para o amplo campo de

conhecimento e aplicação de interatividade que há pela frente no telejornalismo.

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A interatividade em Portugal

A televisão em Portugal nasce em 1957, ano em que a RTP começa as suas

emissões regulares a partir dos estúdios do Lumiar. Durante muitos anos, a TV opera

em regime de monopólio com o estatuto de serviço público, sustentada, sobretudo, pelo

Estado. Em 1992, é criado o primeiro canal generalista privado em sinal aberto, a SIC.

Em Fevereiro aparece o segundo, a TVI. É preciso entrar no século XXI para Portugal

ver multiplicar o número de canais no cabo que nascem ligados às empresas que operam

em regime aberto: RTP, SIC e TVI. Os projetos mais importantes a este nível são

sobretudo de informação: RTPN, SICN e TVI24.

A entrada da televisão digital na Europa obedece ao sistema DVB-T, fruto de

uma directiva comunitária. Influenciada pelas alterações no panorama audiovisual, a

Europa, e, por arrastamento Portugal, lança os primeiros concursos para implementação

da TV digital. No caso português, apenas em 2008 foi possível realizar com sucesso um

concurso para ―atribuição de um direito de utilização de frequências de âmbito

nacional‖, ou seja, os canais generalistas, e para adjudicação dos ―direitos de utilização

de frequência de âmbito nacional e parcial‖ (DENICOLI, 2011, p.56-57), isto é, a

televisão paga.

Em contexto de avanços tecnológicos e com uma oferta televisiva que discute a

atualidade, esperar-se-ia encontrar um promissor ambiente interativo. Olhando para

aquilo que pode ser entendido como interatividade em televisão (possibilidade de os

telespectadores interagirem com os conteúdos informativos e com aqueles que os

fazem), somos forçados a concluir que, à primeira vista, em Portugal ela é reduzida. O

estudo daquilo que se passa aí não nos permite concluir que exista uma elevada

interatividade entre os que vêem e os que fazem televisão.

A presença dos canais de TV em páginas da internet parece também não ter

vindo a favorecer essa interatividade. Não existem muitos espaços para os cibernautas

colocarem as suas questões, sugestões ou até enviarem as suas notícias para as redações.

Os sites apresentam-se mais como repositórios dos conteúdos já emitidos, não

apresentando muito material próprio e não incentivando a participação dos cidadãos que

queiram interagir com os produtores de informação.

Existem algumas ferramentas que dotam os utilizadores do universo digital de

uma certa autonomia, dando-lhes a possibilidade de escolher vídeos, (re) ver programas,

seguir redes sociais ou blogues. Atualmente em Portugal é o operador público aquele

que será mais internet friendly. Não só dando mais ferramentas de decisão aos

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utilizadores do portal do canal como também integrando conteúdos online nas emissões,

particularmente no canal de informação RTPN.

Os exemplos a retirar do audiovisual português no que respeita à interatividade

parecem escassos, se tivermos em conta as imensas potencialidades tecnológicas

existentes e que tardam em ser aproveitadas. Porventura, a televisão em Portugal estará

a caminhar para um cenário de maior interação entre quem está em casa e quem está em

estúdio, mas tudo se processa de forma lenta. Acredita-se que a conclusão do processo d

implantação da televisão digital terrestre em 2012 motive uma evolução mais rápida.

Num estudo coordenado por Felisbela Lopes (2011), procurou-se perceber o

grau de interatividade promovida pela TV portuguesa no Campeonato Mundial de

Futebol disputado em 2010 na África do Sul, estudando-se, durante o mês em que a bola

rolou nos gramados sul-africanos, todos os programas informativos emitidos pelas

diferentes operadoras portuguesas (604 programas). Conclui-se que apenas 84 emissões

(13,9%) se abriram à participação do telespectador. E isso apenas aconteceu nos canais

temáticos. Mesmo nos casos em que houve abertura para a participação dos

telespectadores, esta situação não trouxe consigo qualquer inovação. As portas de

entrada mais frequentes foram o e-mail, o telefone e a internet em geral, e as redes

sociais em particular. Daqui se concluiu que os responsáveis pelos vários canais de TV

em Portugal não terem considerado prioritário adotar estratégias que integrassem os

telespectadores nos conteúdos informativos, apesar de o futebol ser um assunto que

move paixões e ódios e que raramente deixa alguém indiferente.

Conclusões

Quando pensamos num novo modo de equacionar a participação do

telespectador na informação televisiva, temos em mente uma televisão que colabore na

formação de uma cidadania mais efetiva e responsável, que acentue o caráter

democrático deste meio de comunicação de massa. Algo que, como sublinha Dominique

Wolton, reforce a natureza do vínculo social própria da televisão.

Do retrato aqui traçado daquilo que se passa no Brasil e em Portugal, sobressai,

pois, um modelo de televisão que está ainda longe de se assumir como uma hiper-TV

(LOPES, 2009). Percorrendo as emissões dos canais portugueses e brasileiros,

confrontamo-nos com um modelo muito próximo daquele que Umberto Eco desenhou

para a neotelevisão, uma televisão muito interessada em atrair audiência, mas sem

preocupação em transformar o público num parceiro interativo dos alinhamentos. Em

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2010, parece bizarro que a TV portuguesa não tenha aproveitado um evento como o

Mundial do Futebol para potenciar a participação do público nos conteúdos

informativos difundidos. Todas as emissões que possibilitaram a integração do

telespectador foram atiradas para a televisão por cabo, uma plataforma que, embora em

crescimento e expansão territorial, continua a ser de acesso bastante reduzido e com

menor visibilidade.

Os limites e o papel da interatividade no futuro do telejornal são pontos que

merecem reflexão urgente. Fazer perguntas disparatadas aos telespectadores ou, em

contrapartida, simular que há uma parceria na tomada de decisões editoriais parece ser

inútil. Participação assim pode ser praticada com TV digital ou analógica,

indiferentemente. Tirar o telespectador da posição de ―espectador‖ para torná-lo ―parte‖

do processo é hoje o grande desafio. Olhando para a oferta informativa da TV brasileira

e portuguesa, constata-se que aquilo que existe não acrescenta muito ao processo da

comunicação 2.0. Não há estimulação da capacidade bidirecional de comunicação.

Concretamente vemos muito pouco no Brasil e menos ainda em Portugal algo

que possa ser apresentado como base de um novo paradigma da Comunicação. O que

existe são iniciativas ainda embrionárias. Temos a impressão de que alguns canais

tentam lançar mão da interatividade para ampliar as relações com o telespectador, sem

querer dividir com ele as decisões editoriais. O comportamento traduzir-se-á em algo

próximo daquilo que Bauman refere, quando fala dos relacionamentos modernos. Para o

autor o que alguns querem é isto:

Encontrar a solução do problema da quadratura do círculo: como

comer o bolo e ao mesmo tempo conservá-lo; como desfrutar das

doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, os

seus momentos mais amargos e penosos; como forçar uma relação a

permitir sem desautorizar, satisfazer sem oprimir. (...) (BAUMAN,

2006, p.11).

Enquanto os operadores de TV não equacionarem, de fato, o lugar dos

telespectadores nas emissões televisivas, tudo continuará na mesma: num modelo de TV

espelho, unidirecional, que encara aquele que vê como um indice de audiência que

importa reter. A hipertelevisão é mais exigente. Ambiciona ligar quem faz e quem

recebe, misturando papeis em permanência. É uma tarefa gigantesca. Que está por fazer.

NOTA

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* Artigo escrito no âmbito do projeto ―jornalismo televisivo e cidadania: os desafios da

esfera pública digital‖ (FCT PTDC/CCI-JOR/099994/2008). Os autores são

Investigadores do Centro de Estudos Comunicação e Sociedade.

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