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AÇÃO RESCISÓRIA NO DIREITO COMPARADO:
da Comparação Vertical à Comparação Horizontal
RESCISSORY ACTION IN COMPARATIVE LAW:
from the vertical comparison to the horizontal one
DANIEL MITIDIERO
Professor de Direito Processual Civil nos Cursos de Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da UFRGS
E-mail: [email protected]
RESUMO. O presente ensaio visa a discutir desde o ponto de vista histórico e comparado o instituto da ação rescisória (arts. 966 a 975, CPC). Metodologicamente, o eixo do ensaio gira em torno da comparação (vertical – isto é, histórica – e horizontal, isto é, entre ordens jurídicas vigentes concomitantemente). Especialmente no que tange à comparação horizontal, empregam-se os critérios estruturais e funcionais para comparação.
PALAVRAS-CHAVES. Ação rescisória. Comparação Vertical e Horizontal. História e Direito Comparado. Estrutura e Função.
ABSTRACT: The present essay aims to discuss the historical and comparative point of view of the institute of the rescissory action (articles 966 to 975, CPC). Methodologically, the axis of the essay revolves around the comparison (vertical - that is, historical - and horizontal, that is, between concurrently existing legal orders). Particularly with regard to horizontal comparison, the structural and functional criteria for comparison are used.
KEY-WORDS: Rescissory action. Vertical and horizontal comparison. History and comparative law. Structure and function.
SUMÁRIO. Introdução; 1. A Formação Histórica da Ação Rescisória; 2. A Ação Rescisória no Direito Comparado; 3. Considerações Finais.
Introdução
Sendo o direito uma expressão cultural, interessa analisar as suas
diferentes tradições, instituições e institutos em uma perspectiva comparada.
Trata-se de providência que permite não só uma compreensão mais apropriada
do objeto de estudo1, mas também, em sendo o caso, a sua adequada reforma2.
Para que a comparação seja a mais rica possível, importa ter presente não só
uma comparação vertical – ligada à história –, mas também uma comparação
horizontal – atinente ao direito comparado3.
1. A Formação Histórica da Ação Rescisória
Desde um ponto de vista histórico, nossa ação rescisória é herdeira da
restitutio in integrum do direito romano4, da querela nullitatis do direito medieval
italiano5 e das vicissitudes da revista de justiça e da viam nullitatis do direito
medieval lusitano6. Trata-se, portanto, de um autêntico produto recolhido pelo
1 Vincenzo Varano e Vittoria Barsotti, La Tradizione Giuridica Occidentale, 3. Ed. Torino: Giappichelli, 2006, pp. 14/15, vol. I. 2 Vittorio Denti, “Diritto Comparato e Scienza del Processo”, Un Progetto per la Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 1982, pp. 24/26; Michele Taruffo, “Il Processo Civile di Civil Law e di Common Law: Aspetti Fondamentalie”, Sui Confini. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 68. 3 Konrad Zweigert e Hein Kötz, Introduzione al Diritto Comparato, tradução de Barbara Pozzo. Milano: Giuffrè, 1998, pp. 10/11, vol. I. 4 Pontes de Miranda, Tratado da Ação Rescisória, 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, pp. 89/91. 5 Enrico Tullio Liebman, Notas às Instituições de Direito Processual Civil de Giuseppe Chiovenda, 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 200, nota 4, vol. III; Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 258. Contra, entende Pontes de Miranda, Tratado da Ação Rescisória, 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, pp. 30/32, que a ação rescisória “nada tem com a querela nullitatis do direito italiano” (p. 30). A enfática afirmação de Pontes de Miranda, porém, não resiste à documentada síntese oferecida por Moacyr Lobo da Costa: “o remédio ordinário era uma sobrevivência da querela nullitatis do direito estatutário do século XIII, que ingressou no direito lusitano por intermédio da lei das Sete Partidas no século XIV, e recebeu, no século XIX, a denominação de ‘ação de nulidade e rescisão da sentença’ que lhe foi dada pelo artigo 17, da lei de 19 de dezembro de 1843, o qual ampliou os casos de nulidade da sentença especificados no artigo 5º do decreto de 19 de maio de 1832, que a denominava simplesmente ‘ação de nulidade’. Em decorrência da terminologia empregada pelo legislador na redação do texto do artigo 17, da lei de 19 de dezembro de 1843, a antiga ação de nulidade passou a ser conhecida por ação rescisória, nomen juris consagrado na doutrina dos processualistas portugueses da segunda metade do século XIX”. 6 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 185.
direito brasileiro do rescaldo da experiência europeia7. No seu bojo amalgamam-
se traços marcantes de todos esses remédios.
Como é amplamente sabido, o processo civil romano pode ser dividido em
três grandes períodos (legis actiones, per formulas e cognitio extra ordinem). É
comum ainda a alusão aos dois primeiros como período do ordo iudiciorum
privatorum em oposição ao último da cognitio extra ordinem.8
Um dos pontos pacíficos na doutrina está na inimpugnabilidade das
sentenças válidas no período do ordo iudiciorum privatorum. As sentenças
inválidas, porém, que os romanos compreendiam como inexistentes, poderiam
ser desconsideradas por qualquer meio e a qualquer tempo, sendo as formas
mais conhecidas de oposição às sentenças inválidas a infitatio – alegada como
defesa – e a revocatio in duplum – exercida como ação. Além dessa exceptio e
dessa actio, ainda, os romanos previam nesse mesmo período um meio
excepcional de defesa contra uma sentença formalmente válida, mas
substancialmente contrária à equidade: a restitutio in integrum.9
A restitutio in integrum constituía um meio pretoriano extraordinário de
tutela do direito, ligado mais especificamente à época do processo formulário10,
que visava a remover os efeitos de uma lesão ocasionada por um ato jurídico
7 Para uma reconstrução histórica das bases do direito europeu a partir da sua unidade cultural romana, Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2. Ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1996; Paul Koschaker, L´Europa e il Diritto Romano, tradução de Arnaldo Biscardi. Firenze: Sansoni, 1962; Paolo Grossi, L´Europa del Diritto. Roma: Laterza, 2010. 8 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo Civil Romano, 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 34. 9 Riccardo Orestano, L´Appello Civile nel Diritto Romano, 2. Ed. Torino: Giappichelli, 1966, pp. 94 e seguintes; Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 11/75. 10 Giovanni Pugliese, Istituzioni di Diritto Romano, 3. Ed. Torino: Giappichelli, 1991, p. 339, com a colaboração de Francesco Sitzia e Letizia Vacca; José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, 16. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pp. 251/252. Para uma análise da evolução da restitutio in integrum no período da cognitio extra ordinem, Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 50/53.
formalmente válido à luz do jus civile, mas contrário à equidade, e promover o
retorno ao status quo ante.11 Pouco importava se de natureza material ou
processual o ato jurídico12 – o que interessava era a sua iniquidade, nada
obstante a perfeição formal.
Serviam como fundamento para a restitutio in integrum contra os atos do
processo13 – notadamente contra a sentença, hipótese que ora interessa – a
existência de dolo de uma parte contra a outra, de erro, de violência contra o juiz
ou a falsidade das provas que influenciaram a decisão14. O rol, porém, não era
taxativo15. Mais tarde, no período do processo da cognitio extra ordinem e do
direito comum, acrescentou-se expressamente a possibilidade de restitutio
fundada em prova nova16 – a propósito, não é difícil enxergar aí os antecedentes
mais remotos dos incisos III, VI, VII e VIII do art. 966, CPC.
Ao reconhecer a procedência da alegação de iniquidade (causa cognitio),
o pretor rescindia a sentença (iudicium rescindens). Em sendo o caso, concedia
logo em seguida uma actio, procedendo-se ao juízo rescisório (iudicium
rescissorium)17. O reconhecimento de uma situação de iniquidade alegada
mediante a restitutio dava lugar à concessão da actio rescissoria.
11 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo Civil Romano, 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 95; A. Santos Justo, Direito Privado Romano, 3. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 432, vol. I. 12 Piero Calamandrei, La Cassazione Civile, Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1976, pp. 23/24, vol. VI. Para uma ampla elaboração do direito restitutório no direito civil brasileiro atual, Cláudio Michelon, Direito Restitutório. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 13 Conforme observa Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 54, a restitutio in integrum contra atos processuais normalmente visava a atacar a redação da fórmula, os efeitos da litiscontestatio ou a sentença. 14 Vittorio Scialoja, Procedura Civile Romana. Padova: Cedam, 1936, p. 249; Riccardo Orestano, L´Appello Civile nel Diritto Romano, 2. Ed. Torino: Giappichelli, 1966, p. 111. 15 Vittorio Scialoja, Procedura Civile Romana. Padova: Cedam, 1936, p. 249. 16 Para o direito romano do processo da cognitio extra ordinem, Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 61/64. Para o direito comum, Piero Calamandrei, La Cassazione Civile, Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1976, p. 177, vol. VI. 17 Vittorio Scialoja, Procedura Civile Romana. Padova: Cedam, 1936, p. 250; José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo Civil Romano, 2. Ed. São
A passagem do ordo iudiciorum privatorum para a cognitio extra ordinem
introduziu no direito romano a appellatio como recurso destinado a contrastar as
sentenças válidas18. No entanto, permaneceu em vigor a regra anterior ligada à
desnecessidade de impugnação das sentenças inválidas, que continuavam
sendo tidas como inexistentes19, bem como a regra que autorizava a restitutio in
integrum para as sentenças formalmente válidas, nada obstante
substancialmente iníquas. Nessa linha, a restitutio conseguiu manter seu campo
de atuação ao lado da appellatio – enquanto a apelação visava à correção da
injustiça da decisão recorrida, a restitutio tinha por finalidade corrigir o rigor da
lei diante dos fatos da causa20.
Nesse mesmo período, o conceito de sentença inválida acabou
experimentando uma significativa ampliação, cuja importância para o
delineamento histórico de nossa ação rescisória é nada menos do que decisiva.
A sua exata compreensão é imprescindível a fim de que se reconheça o devido
espaço ocupado pela restitutio in integrum, pela querela nullitatis insanabilis,
pela revista de justiça e pela viam nullitatis na sua conformação.
Visando à afirmação do poder imperial, passou-se a afirmar que toda e
qualquer sentença dada “contra leges et constitutiones” é inválida e, portanto,
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 97. Para uma ampla discussão do tema, Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 40/42. 18 Riccardo Orestano, L´Appello Civile nel Diritto Romano, 2. Ed. Torino: Giappichelli, 1966, pp. 134 e seguintes. 19 Como atestam “dois sugestivos títulos” da legislação de Justiniano: “Quae Sententiae sine Appellatione Rescindantur” (Dig. 49.8) e “Quando provocare non est necesse” (Cod. 7.64), conforme Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 69. 20 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 60. Anote-se, porém, que a restitutio in integrum no período da cognitio extra ordinem sofreu grandes modificações, as quais são analisadas detalhadamente por Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 57/66. Essas modificações, todavia, ora não interessam diretamente.
insuscetível de transitar em julgado, sendo incabível dela apelar21. Sendo
formalmente inválida, contra essa também não caberia restitutio in integrum. Em
outras palavras, a sentença dada contra o ius constitutionis passou a ser
considerada inexistente, sendo possível impugná-la a qualquer tempo22 –
segundo alguns, inclusive mediante uma espécie de actio nullitatis23. Essa
orientação, de resto, passou do direito romano ao direito canônico, que a
consagrou em várias oportunidades já na Idade Média24.
É fácil perceber que se encontra aí o antecedente mais remoto da
possibilidade de se propor ação rescisória contra decisão que “violar
manifestamente norma jurídica” (art. 966, V, CPC). Também é suficientemente
claro que não se pode buscar no âmbito da restitutio in integrum a forma
processual que era então apropriada para a sua alegação, sendo exatamente
nessa quadra que a restitutio in integrum encontra a querela nullitatis insanabilis
do direito medieval italiano para a formação da nossa ação rescisória. Se é
verdade que a restitutio tinha lugar ao longo de toda a experiência romana como
um remédio voltado contra as sentenças válidas, também é verdade que o
espírito medieval concebeu a querela nullitatis insanabilis justamente como um
remédio suscetível de desafiar as sentenças inválidas25.
É também nessa espécie de vácuo romano – em que incabíveis tanto a
appellatio como a restitutio – que a experiência medieval trabalhou para chegar
21 Riccardo Orestano, L´Appello Civile nel Diritto Romano, 2. Ed. Torino: Giappichelli, 1966, pp. 276/285. 22 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 68/69. 23 Gianpaolo Impagnatiello, Il Concorso tra Cassazione e Revocazione. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2003, pp. 24/26. 24 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 67. 25 Para aqueles que concebem a existência de uma verdadeira actio nullitatis contra as sentenças inválidas no direito romano, a querela nullitatis insanabilis teria justamente daí derivado, Gianpaolo Impagnatiello, Il Concorso tra Cassazione e Revocazione. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2003, pp. 27/29.
à formação da querela. Para compreensão histórica da nossa ação rescisória,
interessa-nos o modo como essa evolução se deu na Península Ibérica26.
Recolhendo a experiência do direito romano27, as Siete Partidas
espanholas seguiram a regra da desnecessidade de apelação contra as
sentenças inválidas28. A partir daí, conceberam quatro meios de impugnação do
julgado: a appellatio, a supplicatio, a restitutio in integrum e a querela. É
exatamente nesse monumento legislativo que se pode encontrar o “ancestral
medievo mais remoto da ação rescisória do direito brasileiro”29.
Seguindo uma terminologia não estranha ao direito romano – nada
obstante pouco difundida30 – e amplamente empregada no direito visigótico, as
Siete Partidas consagraram uma forma especial de ataque às decisões judiciais
inválidas, assinalando prazo para o seu exercício, findo o qual não seria mais
possível discutir eventuais vícios da decisão. Chamou-a de “querela”, indicando
o seu cabimento nos casos em que o juiz julga “de maneira contrária ao direito”,
em que a sentença é fundada em “falsas provas”, quando há “corrupção do juiz”,
quando é dada contra a coisa julgada ou quando se descobrem “documentos
novos”31.
Tendo em conta a conhecida influência das Siete Partidas sobre a
legislação portuguesa32, o legislador lusitano das Ordenações recebeu
igualmente a regra romana da desnecessidade de apelação contra as sentenças
26 Amplamente, Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 83/229. 27 Francesco Calasso, Medio Evo del Diritto. Milano: Giuffrè, 1954, p. 616, vol. I; Juan Carlos Hitters, Revisión de la Cosa Juzgada, 2. Ed. La Plata: LEP, 2001, p. 43. 28 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 130. 29 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 126. 30 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 72/75. 31 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 126/131. 32 Nuno Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 159, vol. I.
inválidas, considerando-a sempre “nenhuma e de nenhum valor”33. Como meios
de promover a desconstituição do julgado, as Ordenações conceberam o recurso
de revista – de que eram espécies a revista de justiça e a revista de graça
especial – e a possibilidade de fazê-lo mediante simples requerimento, que
poderia ser formulado a qualquer tempo34.
Em uma apreciação de conjunto das Ordenações Afonsinas (1446),
Manuelinas (1521) e Filipinas (1603)35, a revista de justiça visava a desconstituir
o julgado fundado em provas falsas ou por força de suborno do juiz. Como
admitia prova sobre as alegações, a doutrina encarava-a como um “misto de
ação e de recurso”36, encarnando o ancestral lusitano mais antigo da nossa ação
rescisória37. A revista de graça especial visava a desconstituir o julgado pela
simples “mercê do rei”38, consubstanciando-se em um recurso “extraordinário”
em que inadmissível a produção de qualquer espécie de prova39.
33 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 157. Em termos gerais, esse período é conhecido como o “período de influência do direito comum” em Portugal (Nuno Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 185 e seguintes), também conhecido como “período do direito português de inspiração romano-canônica” (Mário Júlio de Almeida Costa, História do Direito Português, 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 273 e seguintes). 34 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 153/156 (Ordenações Afonsinas), 163/167 (Ordenações Manuelinas) e 176/182 (Ordenações Filipinas). Anote-se, ainda, que para a consolidação dessas duas vias para a promoção da desconstituição do julgado foi decisiva igualmente a autoridade da doutrina. Conforme observa igualmente Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 178/180, a “Consultatio LI”, elaborada por Alvaro Valasco, exerceu enorme influência no reconhecimento da concorrência da via ordinária (alegação de nulidade) e da via extraordinária (revista). A sua autoridade revelou-se decisiva posteriormente para o reconhecimento da subsistência da ação rescisória no direito brasileiro (Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 257/258). 35 Para um exame pormenorizado da evolução do tema nas Ordenações, Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 147/185. Quanto à data das Ordenações Manuelinas, indicamos o ano da 1521, porque esse é o ano em que as Ordenações Manuelinas aparecem em sua edição definitiva. A primeira edição, ao que tudo indica, é de 1514. 36 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 185. 37 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 185. 38 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 153. 39 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 165.
A desconstituição por simples requerimento – vale dizer, per viam nullitatis
– estava condicionada à alegação de falta de citação, de violação da coisa
julgada, de incompetência do juízo, de ausência de julgamento por todos os
juízes, de prolação por juiz peitado, de sentença proferida contra direito expresso
e de sentença fundada em falsa prova40. Como observa a doutrina, ao entender
que nesses casos a “sentença per direito he nenhuma”, as Ordenações
deixavam transparecer claramente a pesada influência romana41.
Ao longo da evolução da matéria no direito medieval português vários
traços da nossa ação rescisória aparecem – as suas hipóteses de cabimento,
amalgamadas entre a revista de justiça e o requerimento de nulidade, são
apenas os exemplos mais salientes. A fim de preservar a seriedade do pedido
de desconstituição do julgado, impõe-se inicialmente multa de cinco por cento
sobre o valor da causa no caso de improcedência, quantia que logo em seguida
passa a ser exigida como depósito prévio42. Previa-se igualmente, como regra,
a necessidade de julgamento do pedido por órgão colegiado com julgadores em
número superior àquele que julgou originariamente o feito43. Ainda, proibia-se a
participação de julgadores que participaram do julgado objeto do pedido de
desconstituição44. Para a revista de graça especial, ademais, previa-se prazo
40 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo Civil Lusitano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 274, 277/278; Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 156 e 167. 41 “Sem dúvida, o princípio enunciado no cabeçalho desse Título – “Quando a Sentença per Direito he nenhuma, nom se requere ser della apelado, ca em todo tempo pode ser revoguada” – é genuinamente romano, lebrando mesmo dois sugestivos títulos do Digesto (49.8), “Quae Sententiae sine Appellatione Rescindantur”, e do Código (7.64): “Quando provocare non est necesse”’ (Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 153/154. 42 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 146 e 153. Está obviamente aí o antecedente mais remoto do ônus previsto no art. 968, II, CPC. 43 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 165. 44 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 164/165. Está obviamente aí o antecedente mais remoto da regra de atribuição da relatoria na ação rescisória, sempre que possível, a juiz que não haja participado do julgamento rescindendo (art. 971, parágrafo único, CPC).
para o seu exercício45. Acentuava-se, por fim, o seu caráter excepcional –
“revisio apud nos odiosa est & ideo restringenda” – à vista da incerteza gerada
nas partes a respeito da existência ou não de seus direitos e deveres46.
Em 1768, no caldo de cultura do iluminismo português47, procedeu-se à
revisão dos meios de desconstituição do julgado. Embora mantida a divisão
tradicional entre os dois remédios básicos para a sua obtenção (a revista e o
requerimento de nulidade), aboliu-se a revista de justiça. A revista, porém,
continuou a ter duas espécies, na medida em que criada a revista de graça
especialíssima ao lado da revista de graça especial. Ambas as revistas
aparecem nessa legislação como coarctadas à discricionariedade do rei, sendo
compreendidas nessa linha como recursos extraordinários, insuscetíveis de
ensejar a produção de novas provas. Em ambas, acentuou-se o seu caráter
excepcional, visando a coibir os abusos verificados no seu emprego,
subordinando-as à alegação de “manifesta nulidade” ou “injustiça notória” da
decisão48.
Com a abolição do recurso de revista, as alegações de sentença fundada
em falsa prova e de sentença prolatada em função de suborno do juiz passaram
a ser suscetíveis de arguição tão-somente per viam nullitatis. Em outras
palavras, desapareceu na legislação portuguesa o remédio específico destinado
a tutelar semelhantes situações49.
45 José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, Lições de História do Processo Civil Lusitano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 275 (Ordenações Manuelinas) e 278 (Ordenações Filipinas). 46 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 178. A frase citada entre aspas, como informa Lobo da Costa, é de Ignacio Pereira de Sousa, Tractatus de Revisionibus, 1672. 47 Sobre o assunto, Nuno Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 263 e seguintes; Mário Júlio de Almeida Costa, História do Direito Português, 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 353 e seguintes. 48 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 188. 49 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 200.
Essa lacuna em termos de remédio específico destinado a tutelar a parte
no caso de sentença fundada em suborno – ou, em outras palavras, destinado a
tutelar mais amplamente a imparcialidade do juiz – só será colmatada com a
mudança cultural destinada a implementar as reformas liberais em Portugal50.
Daí que apenas em 1832 se criou uma “ação de nulidade” voltada
especificamente à tutela da imparcialidade judicial51. Logo em seguida, porém,
em 1843, essa ação teve suas hipóteses de cabimento sensivelmente ampliadas
e recebeu pela primeira vez o nome de “ação de nulidade e rescisão da
sentença”52.
A propósito, o mesmo sopro liberal também transformou o recurso de
revista, que deixou de ser um recurso cuja sorte é subordinada à vontade do rei
e passou a ser apreciado de acordo com o direito pelo Supremo Tribunal de
Justiça53. A partir daí o recurso de revista passa a ser o meio adequado para
alegar a nulidade do processo e a nulidade da sentença, destinando-se a cassar
ou não a decisão recorrida54. Em outras palavras, passa a ser um recurso
cassacional erigido no interesse da lei, sendo um direito da parte vê-lo apreciado
e julgado de acordo com o direito55.
50 Sobre o assunto, Nuno Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 291 e seguintes; Mário Júlio de Almeida Costa, História do Direito Português, 3. Ed. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 389 e seguintes. 51 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 203/204. 52 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 207: “a ação de nulidade e rescisão da sentença tem lugar nos restritos casos previstos no art. 5º do decreto de 19 de maio de 1832 e no art. 17 da lei de 19 de dezembro de 1843, ou seja, nos casos de suborno, peita, peculato ou concussão de juízes ou jurados; de falsidade documental; de descoberta de novos documentos; de falta ou nulidade de citação, nas causas julgadas à revelia; de falta ou nulidade da citação para a execução processada à revelia do executado”. 53 Vale dizer: o recurso de revista perdeu o caráter “extraordinário” (compreendido aí como “gracioso”, cuja sorte depende do “arbítrio real”) e ganhou feição “de justiça” (isto é, como algo amparado pelo direito, que as partes esperam ver apreciado de acordo com a ordem jurídica), conforme Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 205. 54 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 205. 55 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 205 e 209. Como é fácil perceber, é patente a influência da Cour de Cassation francesa na primeira conformação do Supremo Tribunal de Justiça português. Sobre a Cour de Cassation francesa e a expansão do seu modelo, Luiz Guilherme Marinoni, O STJ enquanto Corte de Precedentes, 2.
Com o Código de Processo Civil de 1876 é mantida a ação rescisória como
ação que visa a desconstituir a coisa julgada (art. 148)56. O recurso de revista
tem suas linhas gerais igualmente mantidas, ressalvada a inovação ligada à
restrição de seu cabimento, que passa então a caber tão-somente contra os
casos de nulidade da sentença. Para os casos de nulidade do processo é
previsto o recurso de agravo.
A reforma mais significativa da revista vem apenas em 1926, em que esse
recurso passa a ter caráter revisional. A partir daí passa a ser função do Supremo
Tribunal de Justiça, em conhecendo e provendo o gravame, aplicar o direito à
espécie57. Embora incidente sobre a revista, é essa reforma que abre espaço
para a significativa transformação que a desconstituição do julgado sofre de um
modo geral com o Código de 1939.
O Código de 1939 inovou a matéria. Organizando os recursos de acordo
com a conhecida divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários,
que na tradição europeia está centrada em que os primeiros evitam a coisa
Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014; Daniel Mitidiero, Cortes Superiores e Cortes Supremas – do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. 56 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 212/213: “O Código consagrou o respeito ao caso julgado como regra, a que abriu cinco exceções. Dispõe o art. 148 que a sentença passada em julgado só pode ser anulada, em nova ação, por algum dos fundamentos seguintes: 1º) quando se mostrar, por sentença condenatória passada em julgado no juízo criminal, que foi proferida por peita, suborno ou corrupção, ou prevaricação, a sentença que se pretende anular; 2º) quando se demonstrar a falsidade de algum documento em que a sentença se fundasse, não se tendo discutido essa matéria no processo em que foi proferida a mesma sentença; 3º) quando se apresentar documento novo, que a parte não pudesse ter ao tempo em que se proferiu a sentença, e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que ela se fundou; 4º) quando se tiver revogado, ou houver fundamento para revogar, por erro de fato, a confissão, desistência ou transação em que se fundasse a sentença; 5º) quando, tendo corrido à revelia a ação e a execução, se mostrar que faltou ou foi nulamente feita a primeira citação”. 57 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 215.
julgada e os segundos a pressupõe58, o Código previu como espécie de recurso
extraordinário o recurso de revisão, eliminando a figura da ação rescisória. A
revisão passou a ocupar o seu lugar, tanto que prevista para os mesmos casos
para os quais o Código de 1876 assinalava o seu cabimento – além de ter
acrescentado a possibilidade de revisão por ofensa à coisa julgada (art. 771). A
desconstituição da coisa julgada – antes suscetível de obtenção por meio da
ação rescisória – passou a ser postulada por meio do recurso de revisão. Daí o
acerto da doutrina em concluir que a ação rescisória desapareceu apenas
formalmente com o Código de 1939, na medida em que a sua função sobreviveu
sob as vestes da revisão59.
A reforma de 1961 manteve a função da revisão no Código de 193960. A
rescisão do julgado continuava possível mediante o recurso extraordinário de
revisão. A mesma função foi mantida com as reformas de 1995 e 199661 e
posteriormente com o Código de 2013 (art. 696).
Mesmo depois da Independência, o processo civil brasileiro continuou
regido pelas Ordenações Filipinas e pela legislação portuguesa devidamente
recepcionada entre nós. Se era certo, porém, que a revista de justiça tinha
58 Como é sabido, no direito europeu, a distinção entre recursos ordinários e recursos extraordinários leva em consideração a existência ou não de trânsito em julgado da decisão sujeita à impugnação: recursos ordinários são aqueles que impedem o trânsito em julgado, ao passo que os recursos extraordinários são aqueles que o pressupõem (Piero Calamandrei, La Cassazione Civile, Opere Giuridiche. Napoli: Morano Editore, 1976, pp. 207/209, vol. VII). Essa maneira de compreendê-los, porém, não serve para sistematizar o direito brasileiro, em que todas as figuras recursais impedem o trânsito em julgado da decisão recorrida (José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 255, vol. V; Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 411/412, vol. I). É tradicional na doutrina brasileira, porém, o emprego dessa divisão para ilustrar as diferentes funções que esses recursos desempenham (Araken de Assis, Manual dos Recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 52/53; Sérgio Porto e Daniel Ustárroz, Manual dos Recursos Cíveis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pp. 135/136 59 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 218/222. 60 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, p. 227. 61 Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2. Ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 598.
cabimento nos casos de “manifesta nulidade” e “injustiça notória”, tornou-se
verdadeira vexata quaestio a subsistência da ação rescisória no direito brasileiro.
No Império, nada obstante a doutrina de Pimenta Bueno, concluiu-se pela sua
insubsistência. Na República, porém, a sua opinião triunfou em parte, tendo o
Regulamento n. 737, de 1850, aplicável ao processo civil por força do
Regulamento n. 763, de 1890, consagrado a ação rescisória como meio de
desconstituição da coisa julgada, ressalvada aquela formada por julgado do
Supremo Tribunal (art. 681, § 4º).
O Código de 1939 eliminou a restrição erigida no Regulamento n. 737, de
1850, disciplinando a ação rescisória como ação autônoma voltada à
desconstituição da coisa julgada, qualquer que tenha sido a instância que tenha
lhe dado ensejo (art. 798). O Código de 1973 seguiu essa mesma linha (art. 485).
É fácil perceber, portanto, o fio que une a nossa ação rescisória ao
passado. Ensartando-se em uma linha que vai da restitutio in integrum romana
à ação de nulidade e rescisória da sentença do direito português oitocentista,
nossa ação rescisória recolheu a riqueza conceitual forjada em um misto de ação
e recurso voltado à desconstituição da coisa julgada, decidindo-se pela
encarnação das vestes de uma ação autônoma. Alimentando-se da tradicional
doutrina da sentença que é por direito nenhuma e ao mesmo tempo da doutrina
da anulabilidade da sentença, encontrou seu lugar nas intersecções da
concorrência da revista de justiça e da viam nullitatis – sustentada por Alvaro
Valasco no regime das Ordenações Filipinas e transportada para a doutrina
brasileira oitocentista por Pimenta Bueno – cujos recortes deram forma a esse
remédio de larga memória em nossa tradição62.
62 Moacyr Lobo da Costa, A Revogação da Sentença. São Paulo: Ícone, 1995, pp. 258 e 270/271.
Compreendê-la fora dos quadros da influência do direito romano sobre a
Europa e sem o aporte da doutrina dos Glosadores e Comentaristas que deram
lugar à querela nullitatis insanabilis italiana e posteriormente à querela espanhola
e à viam nullitatis lusitana significa empobrecer injustificadamente a sua história.
A defesa do seu deslocamento desse contexto mais amplo, longe de contribuir
para a sua reconstrução conceitual, serve apenas para privar a nossa ação
rescisória de uma parcela histórica da mais alta importância ligada à sua própria
formação.
2. A Ação Rescisória no Direito Comparado
Houve um tempo em que a comparação entre os diferentes ordenamentos
jurídicos costumava obedecer à tradicional separação entre Civil Law e Common
Law. Nesse ambiente cultural, era possível traçar linhas mais ou menos firmes
entre as grandes experiências jurídicas e categorizá-las distintamente, cujo
próprio desenvolvimento obedecia essencialmente a uma maturação vertical –
isto é, oriunda do enriquecimento histórico de cada uma das culturas jurídicas
individualmente consideradas. Semelhante fenômeno acarretava no mais das
vezes o aparecimento de marcadas diferenças entre os institutos jurídicos de
cada uma dessas tradições.
A maneira pela qual a cultura jurídica contemporânea acaba evoluindo em
pouco lembra esse passado não tão remoto. Mais do que em uma direção
vertical, as tradições jurídicas atualmente acabam se desenvolvendo por
“interferenze orizzontali”63 entre os diversos sistemas jurídicos vigentes. A
singularidade e a especificidade dos institutos cedem em geral à tendência à
homogeneização ditada pela circulação dos modelos jurídicos.
63 Michele Taruffo, “Il Processo Civile di Civil Law e di Common Law: Aspetti Fondamentali”, Sui Confini – Scritti sulla Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 89.
Especialmente no que tange à tutela jurisdicional dos direitos, a difusão de
temas gerais de processo64, inclusive em normas internacionais, como aquele
atinente à caracterização do direito ao processo justo, aí incluído obviamente o
direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva dos direitos, facilitou
sobremaneira a formação de um verdadeiro novo jus commune em matéria
processual65. Desse momento à recíproca influência entre as tradições jurídicas
e os institutos processuais não foi um passo muito longo66.
Daí que mais do que uma perspectiva comparatista focada na divisão entre
Civil Law e Common Law, a interpenetração das tradições sugere a necessidade
de uma comparação que tenha como critérios os aspectos estruturais e
funcionais do objeto comparado67. Vale dizer: no que agora interessa, que leve
em consideração o modo pelo qual determinado instituto se manifesta e a função
que lhe é assinalada.
64 Michele Taruffo, “Il Processo Civile di Civil Law e di Common Law: Aspetti Fondamentali”, Sui Confini – Scritti sulla Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 92. 65 Serge Guinchard, Droit Processuel – Droit Commun et Droit Comparé du Procès Équitable, 4. Ed. Paris: Dalloz, 2007, pp. 30 e 123; Loïc Cadiet, Jacques Normand e Soraya Amrani Mekki, Théorie Générale du Procès. Paris: PUF, 2010, p. 12; Eduardo Oteiza, “El Debido Proceso y su Proyección sobre el Proceso Civil en América Latina”, Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 179 e seguintes, n. 173. Trata-se, de resto, de tendência desde há muito antevista pela melhor doutrina (conforme Mauro Cappelletti, “Ideologie nel Diritto Processuale”, Processo e Ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969, pp. 31/34). 66 Vale dizer: quer em termos de macrocomparação (Makrovergleichung – entre sistemas jurídicos), quer em termos de microcomparação (Mikrovergleichung – entre institutos jurídicos), a circulação jurídica vem influenciando de maneira decisiva a aproximação e a harmonização, o quanto possível, das tradições e dos institutos do direito (sobre a macrocomparação e a microcomparação, Peter Gottwald, “Zum Stand der Zivilprozessrechtsvergleichung”, Bachmann, Birgit; Breidenbach, Stephan; Coester-Waltjen, Dagmar; Heβ, Burkhard; Nelle, Andreas; Wolf, Christian (coords.), Grenzüberschreitungen – Beiträge zum Internationalen Verfahrensrecht und zur Schiedsgerichtsbarkeit. Festschrift für Peter Schlosser zum 70. Geburtstag. Tübingen: Mohr Siebeck, 2005, pp. 235/240). 67 Vittorio Denti, “Diritto Comparato e Scienza del Processo”, Un Progetto per la Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 1982, pp. 28 e seguintes; Id., “Sistematica e Post-sistematica nell´Evoluzione delle Dottrine del Processo”, Sistemi e Riforme – Studi sulla Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 1999, pp. 30 e seguintes; Michele Taruffo, “Il Processo Civile di Civil Law e di Common Law: Aspetti Fondamentali”, Sui Confini – Scritti sulla Giustizia Civile. Bologna: Il Mulino, 2002, pp. 93 e seguintes.
Se é verdade que quase todos os sistemas jurídicos preveem a
necessidade de finalizar as controvérsias, também é verdade que quase todos
preveem exceções a essa regra68. Em geral, essas atendem à necessidade
sopesar legalmente o valor inerente à segurança jurídica oriunda do fim dos
julgamentos com o da busca pela justiça para os litigantes69.
Desde uma perspectiva estrutural, nossa ação rescisória encontra seus
similares em outros ordenamentos jurídicos ora como um recurso, ora como um
requerimento, ora como uma ação autônoma.
Na França, na Itália e em Portugal, nossa ação rescisória seria classificada
como um recurso. O art. 527 do Code de Procédure Civile arrola o “recours en
révision” como uma espécie de “voies extraordinaires”. Trata-se do herdeiro da
antiga “requête civile” do Code de 180670. O art. 323 do Codice di Procedura
Civile arrola como uma das formas de impugnação das decisões judiciais a
“revocazione”, a qual se divide em “revocazione ordinaria” e “revocazione
straordinaria” (arts. 324 e 395). Em ambos os casos, porém, a “revocazione”
reveste a forma de um recurso71. O art. 627, n. 2, do Código de Processo Civil
refere que a “revisão” constitui um “recurso extraordinário”. Nessa condição, visa
a proporcionar a rescisão da coisa julgada (art. 696).
68 E quando essa previsão não é expressa na legislação, doutrina e jurisprudência acabam forçando o seu reconhecimento, tal a sua importância, como é o caso emblemático da acción de revisión do direito argentino, conforme amplamente Juan Carlos Hitters, La Revisión de la Cosa Juzgada, 2. Ed. La Plata: LEP, 2001, pp. 277 e seguintes. 69 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo Civile, 4. Ed. Bologna: Il Mulino, 2006, p. 682, vol. I; Linda Silberman, “Finality and Preclusion”, Chase, Oscar; Hershkoff, Helen (coords.), Civil Litigation in Comparative Context. St. Paul: West, 2007, p. 435. 70 Loïc Cadiet e Emmanuel Jeuland, Droit Judiciaire Privé, 8. Ed. Paris: LexisNexis, 2013, p. 653. Para um apanhado histórico da “requête civile” e da sua ligação com a “revocazione”, Gianpaolo Impagnatiello, Il Concorso tra Cassazione e Revocazione. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2003, pp. 29/33. 71 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo Civile, 4. Ed. Bologna: Il Mulino, 2006, p. 679, vol. I; Andrea Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, 6. Ed. Napoli: Jovene, 2014, p. 532.
No entanto, para adequada compreensão dessa catalogação é preciso ter
presente que, embora as leis francesa, italiana e portuguesa falem em “recurso”,
apenas a “revocazione ordinaria” (art. 395, ns. 4 e 5, Codice) seria enquadrada
nessa categoria se utilizássemos a terminologia do legislador brasileiro (arts. 502
e 994, CPC). Isso porque a “révision”, a “revocazione straordinaria” e a “revisão”
são recursos extraordinários no sentido de que pressupõem a formação da coisa
julgada72. A estrutura, porém, não é de ação autônoma, mas de recurso.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, a doutrina não costuma
discutir a respeito da natureza do expediente que serve para excetuar a regra da
“cause of action estoppel” (como é conhecida na Inglaterra73) ou da “claim
preclusion” (como é conhecida nos Estados Unidos da América74). Em ambos os
países, porém, reconhece-se a possibilidade de requerer-se excepcionalmente
a reabertura de um julgamento já encerrado (“reopening of final appeals”75, Rule
52.17, Civil Procedure Rules, e “relief from a final judgment”76, Rule 60(b),
Federal Rules of Civil Procedure). Fala-se na possibilidade de requerer-se a
reabertura mediante uma “application” (Rule 25.1, Practice Direction 52 –
Appeals) ou uma “motion” (Rule 60(b), Federal Rules of Civil Procedure). Vale
dizer: mediante requerimento.
Na Alemanha e na Áustria, por fim, nossa ação rescisória encontra o seu
paralelo estrutural mais fiel, na medida em que seus similares constituem ações
72 Piero Calamandrei, La Cassazione Civile, Opere Giuridiche. Napoli: Morano Editore, 1976, pp. 207/209, vol. VII. 73 Neil Andrews, Andrews on Civil Processes. Cambridge: Intersentia, 2013, p. 464, vol. I. 74 Stephen Subrin e Margaret Woo, Litigating in America – Civil Procedure in Context. New York: Aspen, 2006, p. 261. 75 Neil Andrews, Andrews on Civil Processes. Cambridge: Intersentia, 2014, pp. 491/493, vol. I. 76 Jack Friedenthal, Mary Kay Kane e Arthur Miller, Civil Procedure, 4. Ed. St. Paul: West, 2005, pp. 607/617.
autônomas77. Segundo o § 578 (1) da Zivilprozessordnung alemã, a revisão do
processo (Wiederaufnahme des Verfahrens) pode ser postulada mediante ação
de nulidade (Nichtigkeitsklage, § 579) ou ação de restituição (Restitutionsklage,
§ 580). Com uma terminologia em parte idêntica, a Zivilprozessordenung
austríaca prevê igualmente dois meios para rescisão da coisa julgada: a ação de
nulidade (Nichtigkeitsklage, § 529) e a ação de revisão (Wiederaufnahmsklage,
§§ 530 e 531).
Não é apenas do ponto de vista estrutural, porém, que os sistemas jurídicos
preveem diferentes soluções para o problema da rescisão do julgado. Também
do ponto de vista funcional os fundamentos para a desconstituição são diversos,
nada obstante orbitem em torno de um núcleo comum facilmente identificável.
Nessa perspectiva, todavia, também se percebe claramente os diferentes pesos
que cada um dos ordenamentos coloca no princípio da segurança jurídica, tendo
em conta o tamanho da abertura – da mais estreita para a mais larga – que cada
um reserva para a rescisão do julgado.
O direito inglês apresenta-se como o mais refratário à reabertura dos
julgados. A Rule 52.17 das Civil Procedure Rules afirma que a coisa julgada não
será revisada, salvo que isso seja necessário para afastar uma “real injustice”,
que as “circumstances are exceptional and make it appropriate to reopen” e que
inexista um “alternative effective remedy”. Em Taylor v. Lawrence (2002), a Court
of Appeal reafirmou-se a possibilidade de reabrir o julgamento, mas grifou-se
que isso deveria ser feito apenas em “very exceptional situations”.
Posteriormente, em Cinpres Gas Injection Ltd v. Melea Ltd (2008) e em Noble v.
Owens (2010), decidiu-se que apenas a “fraud” e a “collusion” entre as partes
77 Leo Rosenberg, Karl Heinz Schwab e Peter Gottwald, Zivilprozessrecht, 17. Ed. München: C. H. Beck, 2010, pp. 915 e seguintes; Walter Rechberger e Daphne-Ariane Simotta, Zivilprozessrecht, 8. Ed. Wien: Manz, 2010, pp. 613 e seguintes.
caracterizavam uma injustiça real capaz de justificar a reabertura de um
julgamento78.
Aparecem logo em seguida o direito francês, o direito austríaco e o direito
italiano. O primeiro prevê expressamente apenas três motivos para “révision”: a
fraude da parte, a descoberta de prova nova decisiva para o julgamento e a
falsidade da prova (art. 595, Code de Procédure Civile)79. O segundo, dentre os
motivos que servem à “Nichtigkeitsklage” e à “Wiederaufnahmsklage”, conta com
seis, dentre os quais a violação do direito ao juiz natural, a violação do direito de
ser ouvido, a falsidade da prova, a conduta criminosa do juiz para favorecimento
de uma das partes, a violação da coisa julgada ou de decisão prejudicial e a
imprecisão da base da decisão (por exemplo, pelo aparecimento de prova nova)
(§§ 529, 530 e 531, Zivilprozessordenung austríaca)80. O terceiro prevê
igualmente seis fundamentos para a “revocazione”: dois que podem ser
alegados apenas dentro do prazo do “appello”, na medida em que já perceptíveis
ao tempo da decisão, o julgamento fundado em erro de fato e aquele que viola
a coisa julgada (“revocazione ordinaria”), e quatro que podem ser alegados em
um prazo maior, haja vista que ocultos, dolo de uma das partes, falsidade da
prova, descoberta de prova nova e dolo do juiz (“revocazione straordinaria”) (art.
395, Codice di Procedura Civile)81.
Também com seis motivos para fundar a rescisão do julgado aparece o
direito estadunidense. É importante observar, porém, que o case law
estadunidense é muito refratário à reabertura dos julgados e tende a interpretar
restritivamente as hipóteses previstas na Rule 60(b) das Federal Rules of Civil
78 Neil Andrews, Andrews on Civil Processes. Cambridge: Intersentia, 2013, pp. 469 e 491/492, vol. I. 79 Loïc Cadiet e Emmanuel Jeuland, Droit Judiciaire Privé, 8. Ed. Paris: LexisNexis, 2013, p. 653. 80 Walter Rechberger e Daphne-Ariane Simotta, Zivilprozessrecht, 8. Ed. Wien: Manz, 2010, pp. 624/632. 81 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo Civile, 4. Ed. Bologna: Il Mulino, 2006, pp. 679/683, vol. I; Andrea Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, 6. Ed. Napoli: Jovene, 2014, pp. 533/535.
Procedure82, de modo que o “law in action” costuma se apresentar muito mais
restritivo do que o “law in the books”83. Seja como for, arrolam-se como motivos
para a rescisão a existência de erro, imprudência, surpresa ou negligência
desculpável, o aparecimento de prova nova, a existência de fraude, a nulidade
do julgamento por ausência de competência ou por ofensa ao devido processo,
o prévio cumprimento da decisão ou sua dispensa ou qualquer outro motivo que
a Corte entenda apropriado84 – nesse último caso, porém, a Suprema Corte
exige que a parte alegue e prove a existência de “extraordinary circumstances”
que justifiquem a reabertura do caso, conforme decidido em Kapprott v. United
States (1949) e em Ackermann v. United States (1950)85. Normalmente se
caracteriza como uma circunstância extraordinária a existência de um indevido
julgamento por revelia86.
Dentre os que reconhecem uma abertura maior para a rescisão dos
julgados aparecem o direito português e o direito alemão. O art. 696 do Código
de Processo Civil português refere que cabe “revisão” em sete casos,
notadamente quando a sentença é prolatada por força de crime do juiz, é
fundada em falsa prova, quando é descoberta prova nova, quando há motivo
para desconstituir reconhecimento jurídico do pedido, renúncia ao direito ou
transação, quando há revelia da parte não citada ou nulamente citada, quando
82 Geoffrey Hazard Jr. e Michele Taruffo, American Civil Procedure – An Introduction. New Haven: Yale, 1993, p. 190; Stephen Subrin e Margaret Woo, Litigating in America – Civil Procedure in Context. New York: Aspen, 2006, p. 280. 83 Para usarmos duas clássicas expressões de Arthur Bentley, The Process of Government. Chicago: Chicago University Press, 1908, pp. 165/172 e 294/297, posteriormente divulgadas por Roscoe Pound, “Law in Book and Law in Action”, American Law Review, 1910, pp. 12/36, n. 44. 84 A Rule 60(b) das Federal Rules of Civil Procedure prevê ainda mais duas hipóteses em que cabe o requerimento para a reabertura do julgado: i) o caso em que o julgado se baseou em um precedente ou uma lei revogada; e ii) o caso em que a mudança de circunstâncias acaba demonstrando a injustiça da decisão passada (Rule 60(b)(5)). No entanto, essas duas hipóteses mais se assemelham àquelas da ação de revisão oriundas da violação dos limites temporais da coisa julgada, fundada na máxima rebus sic standibus, do que propriamente àquelas em que é apropriado pensar em rescisão do julgado. 85 Jack Friedenthal, Mary Kay Kane e Arthur Miller, Civil Procedure, 4. Ed. St. Paul: West, 2005, pp. 607/617. 86 Jack Friedenthal, Mary Kay Kane e Arthur Miller, Civil Procedure, 4. Ed. St. Paul: West, 2005, p. 615.
há violação de precedente de tribunal internacional a que o Estado Português
deva respeito e quando há simulação das partes. No direito alemão, também
dentre os motivos que dão lugar à “Nichtigkeitsklage” e à “Restitutionsklage”, os
§§ 579 e 580 da Zivilprozessordnung, preveem a possibilidade de
desconstituição do julgado em oito hipóteses, especificamente quando há
alegação de violação do direito ao juiz natural, de inadequada representação das
partes, de dolo da parte, de falsidade da prova, de sentença prolatada mediante
crime do juiz, de sentença fundada em outra posteriormente revogada, de
violação da coisa julgada ou de descoberta de prova nova.
Considerações Finais
Uma conclusão interessante que se pode chegar a partir do exame
histórico-comparado das hipóteses que sustentam a possibilidade de rescisão
da coisa julgada está em que – ressalvada aquela constante do direito português
a respeito da violação de precedente de tribunal internacional, que pode levar à
conclusão diversa – todas podem ser reconduzidas à violação de direitos
fundamentais processuais. Vale dizer: a possibilidade de rescisão da coisa
julgada aparece marcada em regra pela violação de determinados direitos
fundamentais processuais que compõem o direito ao processo justo. Nessa
linha, constitui um autêntico instrumento para a tutela de direitos fundamentais
processuais.
Isso quer dizer que dentre as ordens jurídicas examinadas não há previsão
em regra de rescisão da coisa julgada por violação de normas substanciais –
como, por exemplo, viabiliza o nosso art. 966, V, CPC, cuja inspiração mais
antiga remonta à forte tendência de centralização do poder existente no direito
imperial romano, que, no entanto, na tradição continental acabou se perdendo
pelos corredores da história. Trata-se de circunstância que atualmente
singulariza a nossa ação rescisória diante dos seus congêneres no direito
comparado, fazendo-a igualmente instrumento para a tutela da dimensão
normativa da decisão justa. Essa sua particularidade acaba acarretando, no
entanto, maior enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, promovendo
um estado de coisas de menor cognoscibilidade, estabilidade e confiabilidade do
direito, se comparado com o estado de coisas promovido por outras ordens
jurídicas que limitam a rescindibilidade a hipóteses de ordem processual.