darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

224
0

Upload: perdida-nos-livros

Post on 06-Apr-2016

288 views

Category:

Documents


48 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

0

Page 2: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

1

Ela estreitou os olhos, respirou bem devagar. Por trás do vento uivante e do barulho

da chuva, ela pede ouvir algo. Vozes. Movimentos. O cavar de uma pá no solo. Risos

baixos.

Uma luz explodiu diretamente sobre elas, deixando tudo branco. Numa fração de

segundo antes de o trovão chacoalhar a terra, Cassie viu o que acontecia: viu as pessoas e

o que elas estavam fazendo, congeladas na luz como um quadro.

O raio foi seguido de imediato por um segundo flash. Cassie estava ciente da enorme

criatura, cruel e distorcida, que se erguia diante dela. Recuando instintivamente,

tropeçou para trás.

Então, estava bem diante dela um rosto horrendo, gritando bem na cara dela, com os

olhos vermelhos de ódio e força.

Page 3: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

2

O ESPÍRITO ESTÁ

ACORDADO E FAMINTO

Neste semestre, a misteriosa Academia Darke se mudou para

Nova York, e Cassie Bell não é mais a aluna nova e inocente. Agora

ela é forte, determinada e esconde seus próprios segredos.

Cassie foi apresentada ao mundo dos Escolhidos e, com seus

poderes surpreendentes, ela está lutando para se ajustar a um

romance perigoso e a um espírito malevolente, que exige ser

alimentado.

Quando um antigo inimigo retorna com sede de vingança,

Cassie é testada ao máximo. Será que ela conseguirá impedir que

seus amigos tenham um terrível destino? Ou acabará destruindo-os

para salvar a si própria?

Onde quer que a Academia Darke vá, a morte nunca está muito

distante...

Page 4: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

3

Prólogo

— E aí, garota. Firme e forte?

A voz parecia familiar, apesar de um pouco abafada e distante, como se

estivesse vindo do fundo de um poço. Com dificuldade, Cassie Bell forçou os

olhos para que estes abrissem e piscou embriagada para a visão diante dela. A

mesa estava posta para treze lugares. No centro, estava um peru gorduroso —

que obviamente serviria apenas oito pessoas —, biscoitos baratos de marca

própria de supermercado e — em uma toalha de mesa de papel — linguiças

gorduchas e couve-de-bruxelas esturricada.

Natal ao estilo Cranlake Crescent. Será mesmo que há apenas três semanas

ela se deliciava com a requintada culinária francesa — em fina louça e copos de

cristais — na elegante sala de jantar da Academia Darke? Parecia ter passado

uma vida.

— Qual é o problema?

Cassie focou novamente a pessoa de cabelos claros do outro lado da mesa.

Ah, sim, Patrick, seu conselheiro. A única razão suportável da volta ao seu

antigo abrigo. Ela conseguiu sorrir.

— Não está com fome, Cassie? — disparou Jilly Beaton gentilmente da

cabeceira da mesa. — Nem parece você. Tem comido tudo o que há na casa nos

últimos quinze dias.

Page 5: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

4

Cassie fincou as unhas nas palmas de suas mãos. Os comentários imbecis

de Jilly tinham se acentuado desde que ela retornara de Paris. Normalmente,

Cassie não entraria na dela, mas seu pavio parecia estar ficando cada dia mais

curto.

— Bem, acabei de perder meu apetite — ela retrucou, afastando sua cadeira

e se levantando. — Com licença.

— Cassie Bell, você não tem licença — começou Jilly, mas Cassie já estava

fora da sala. Patrick a alcançou na beira da escada com o rosto cheio de

preocupação.

— Cassie, o que está acontecendo? — ele perguntou. — Você tem agido de

modo estranho desde que voltou de Paris.

Cassie parou por um momento. Por onde começar? Contando a verdade

sobre a Academia? Sobre o misterioso grupo de alunos denominados Os

Escolhidos e seu segredo sombrio? Sobre os espíritos anciãos que

compartilhavam seus corpos, dando-lhes força e beleza gradativamente, mas

exigindo que eles sugassem força vital dos seus colegas de quarto? Poderia

contar a ele o que aconteceu naquele lugar escuro em baixo do Arco do Triunfo

— o ritual interrompido que tinha deixado parte do espírito que havia vivido

no corpo de Estelle Azzedine alojado em sua mente? Poderia contar sobre a

estranha e propulsora fome que vinha crescendo dentro dela desde então e,

como sabia que o peru e as linguiças não seriam suficientes para saciá-la?

Impossível.

— É que estou com saudade dos meus amigos — ela resmungou. — Sabe?

Uma expressão de alívio cobriu o rosto de Patrick.

— Claro que está. Falou com algum deles hoje?

— Li um e-mail de Isabella ontem à noite. E um de, hum... Ranjit.

— Quem é Ranjit?

— Apenas um... Um garoto que faz algumas matérias comigo — respondeu

Cassie, envergonhada. — Por quê?

O sorriso de Patrick ficou mais largo e seus olhos azuis cintilaram.

— Porque você ficou vermelha quando disse o nome dele.

Page 6: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

5

— Ah, para com isso! — Cassie o empurrou de brincadeira.

— Ele não é seu namorado, então.

— Não, não é — ela respondeu apressadamente.

— Hum, hum.

— Não é mesmo — Cassie enrolou os dedos no suéter de cashmere que

Isabella tinha enviado como presente de Natal. — É complicado.

Ah! Isso era o mínimo que se poderia dizer. Os breves momentos

apreensivos que ela teve com Ranjit no fim do semestre não tinham sido

suficientes para que eles definissem a relação. Tudo o que ela sabia era que seu

estômago se contorcia de ansiedade toda vez que pensava nele e, que ele tinha

voltado para a Índia, a de quilômetros de distância. Ela teria que suportar a

saudade que sentia dele — saudade que parecia poder matá-la.

Absorta em suas lembranças, ela pulou quando seu celular tocou. Puxando

o aparelho do bolso da calça jeans, Cassie quase o deixou cair quando viu o

nome no display. Ela sentiu o sangue subir pelo seu rosto outra vez.

— Falando do diabo... — Patrick deu risadinhas enquanto voltava para a

sala de jantar.

Cassie ficou introspectiva devido à escolha das palavras de Patrick. Ela

ainda não entendia o que Os Escolhidos eram de fato. Deuses e monstros, Ranjit

tinha brincado cruelmente uma vez. E, qual das duas coisas ele era? Cassie não

sabia. Ela não estava certa de que ele mesmo soubesse. Afastando suas

preocupações, ela pressionou o celular em seu ouvido como se isso fosse salvar

sua vida.

— Ranjit!

Acho que ele conseguia distinguir o sorrisinho idiota no rosto dela mesmo a

meio mundo de distância.

— Cassandra — a suavidade aconchegante da voz dele fez com que ela se

esquecesse da neve congelante e da fome extrema. — Feliz Natal.

— Para você também.

Sem respirar, ela se sentou nos degraus. Era quase um crime o modo como

ela sentia falta dele. Criminoso e absurdamente inconveniente.

Page 7: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

6

— Oh, que bom te ouvir.

— Você está bem? — ele pareceu preocupado.

— Estou bem. Bem, apenas um pouco...

— A fome está aumentando, não é?

Cassie ficou quieta por um instante. Era um alívio falar com alguém que

sabia pelo que ela estava passando. Ranjit já tinha passado por isso.

— Sim — ela disse por fim e riu vacilante. — Acertou!

— Não falta muito, Cassandra. Uma semana e meia. Você ficará bem?

— Estou bem. Sério! É que... — ela hesitou, então pensou: tome coragem,

garota. — Sinto saudades. Muitas.

— Nossa, eu também.

A veemência na voz dele foi chocante, vindo de alguém normalmente

pacato e reservado como Ranjit Singh. Ele quase parecia aliviado.

— Estou com saudades e estou preocupado com você. Ouviu Estelle outra

vez?

Cassie engoliu seco. Ranjit era o único que sabia que o espírito ancião

conversava às vezes com Cassie dentro da cabeça dela — algo inédito entre Os

Escolhidos.

— Uma ou duas vezes. Mas a bruxa velha tem estado quieta ultimamente.

Espero que ela tenha morrido de fome.

— Isso não vai rolar, Cassie.

— É, eu sei.

— Se cuida. Promete?

Ela sorriu, não pôde evitar.

— Claro que sim. E te vejo logo.

— Quanto antes melhor — ele riu baixinho. — Ouça, tenho que ir. Ligo de

novo quando puder.

Page 8: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

7

Lágrimas vieram aos olhos dela e seu estômago revirou outra vez.

— Tchau, Ranjit. Feliz Natal.

— Para você também. De novo.

Cassie fechou o celular antes que caísse em prantos. Ela cobriu o rosto com

as mãos. Oh, isso era ridículo. Ela devia ser durona. Ela suportaria isso. Fome de

comida, fome de Ranjit... Pare. Pare.

O problema era que estava faminta. Dominada por uma fome

desesperadora e intangível por muito mais do que mera comida. Mas não havia

nada que ela pudesse fazer além de esperar que o novo semestre começasse.

Então, ela talvez conseguisse algumas respostas. E, talvez, a espera ajudasse.

Afinal, quando se fica muito tempo sem comer chocolate, você para de sentir

vontade. Se aguenta ficar sem cigarros por algumas semanas, não volta a fumar.

Sim e se você parar de respirar um pouco, vai perder a necessidade de oxigênio.

Cassie ficou imóvel.

Ora ora, minha querida. Você me diverte!

Ignore-a, Cassie disse a si mesma. Ignore-a. Mas... Fácil falar. O simples som

da voz de Estelle em sua cabeça era suficiente para espalhar a fome dentro dela

com mais força ainda, fazendo com que ela quase perdesse o equilíbrio,

tropeçando para frente. Ela ouviu a porta abrir e fechar. Passos. Uma voz...

— Cassie? Você está bem? — Patrick soou preocupado.

Ela se levantou num pulo, com os punhos cerrados. Bem? Por que ele ficava

perguntando isso? Claro que ela estava bem! O modo como ele sempre a cercava

estava começando a irritar. Ele devia ficar fora disso, sabia o que era melhor

para ele. Não! O que a fez pensar isso? Patrick só estava tentando ser atencioso;

ele tinha feito tanto por ela.

O sussurro de Estelle era como o carinho de uma serpente.

E ele poderia fazer muito mais, minha querida.

Patrick parecia nervoso por causa do olhar fixo e frenético dela. Sim. Estelle

estava certa. Um bom amigo como Patrick estaria sempre à disposição. Podia

contar com ele. Ele era forte, jovem, seguro. Cheio de vida. Perfeito.

— Cassie?

Page 9: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

8

Ela estava com muita fome. Esticou os lábios em um sorriso.

— Estou bem.

Não fale. Deixe que ele se aproxime. Posso sentir o cheiro dele...

Patrick deu um passo para trás e ela pensou poder vê-lo tremendo.

— Pare de enrolar, Cassie. Seu jantar esta ficando frio.

Você parece quente o bastante para mim.

— Ok, sinto muito. Vou deixá-la em paz — ele estava dando meia-volta. —

Venha quando estiver pronta.

— PARE!

Ela se lançou da escada, quase voou para alcançá-lo. Agarrando-o pelo

colarinho, ela o puxou de volta, girando-o. Os dedos dela encontraram o

maxilar dele, segurando-o e girando-o. Ele tentou se soltar, mas não tinha

chance. Nenhuma chance. Desde o ritual, ela estava mais forte do que nunca.

Muito mais forte do que o necessário para dominar esse... Mortal. Cassie riu

bem alto.

Os olhos dele estavam tomados pelo terror e ela sentia seu hálito de pânico.

Ela podia sentir o cheiro dele novamente: oh, da vida dele! Os lábios dela

retrocederam quando viu uma silhueta atrás do painel de vidro da porta da

frente. Por um instante, seu coração pareceu parar — ficou imóvel e rosnou. Um

rosto rosnou de volta para ela, feroz e alucinado como um animal raivoso. E

então, sentindo náusea, ela sabia. Não era um monstro tentando invadir a casa.

Era seu próprio reflexo.

— Oh, meu Deus! — ela soltou Patrick tão rápido que ele caiu no chão.

Andou para trás e para longe dele. Os olhos aterrorizados dele estavam presos

nela, tão dilatados que de azuis estavam quase totalmente pretos. Ela esperava

por isso. Mas não esperava pelas palavras que sairiam da boca dele.

— Por Deus, Cassie. Você não. Você não!

O quê?

Por uma fração de segundo ela se levantou, cobrindo a boca com a mão,

encarando Patrick. Então deu meia-volta e saiu correndo. Ela não diminuiu o

ritmo enquanto subia os degraus de dois em dois, entrou bruscamente em seu

Page 10: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

9

quarto, pegou uma cadeira furiosamente e a prendeu debaixo da maçaneta.

Pronto. Isso era o mais seguro possível. Seguro para ele.

Cassie se jogou no chão, exausta. Poderia ter sido pior, ela disse a si mesma,

enquanto suas batidas cardíacas voltavam ao normal. Muito pior. Quem ela

estava tentando enganar? Havia perdido o controle. Ela podia ter machucado

Patrick. Talvez até o matado. Pressionando os punhos contra sua boca, Cassie

os mordeu até arrancar sangue. Só uns dias a mais, era tudo. Mais alguns dias e

estaria de volta à Academia. De volta ao seu misterioso diretor Sir Alric Darke.

Ele deve poder ajudá-la a lutar contra isso. Ela não veria ninguém até lá.

Mas Cassandra, querida, eu preciso ME ALIMENTAR!

A voz queixosa e zangada ecoava e quicava em todo seu crânio, que parecia

muito leve e vazio. Estava tonta de fome, mas iria controlá-la. Eram apenas

alguns dias. Apenas uma questão de tempo...

Isso mesmo! Dentro da cabeça dela — no aposento do eco — Estelle parecia

vingativa e voraz, mas triunfante. Ah sim, Cassandra, minha adorada menina!

Apenas uma questão de tempo...

Page 11: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

10

Capitulo 1

A esteira tomou vida enquanto bagagens eram jogadas sobre ela. Cassie

estava parada — espremida na multidão, confusa com o barulho pungente e

com o tumulto do JFK1 — desesperada para avistar sua mala esfarrapada para

que pudesse se mandar dali. Um homem de negócios alto e todo suado de um

lado, uma senhora que não fechava a matraca do outro, ambos empurrando e se

contorcendo, como abutres sobrevoando a esteira de malas. Nenhum deles

parecia um bom candidato para que ela pudesse se alimentar, mas nem sempre

se pode escolher...

Ah, não. Para com isso! Cassie queria chorar, mas não tinha energia para

fazê-lo. Enfiada em seu assento perto da janela — evitando olhar para o

passageiro ao seu lado — tinha visto o amanhecer atrás da Estátua da

Liberdade quando o avião fez a volta, mas ela nem ligou. Nem tinha ligado

para o simbolismo por trás disso — o amanhecer de um Novo Mundo para ela.

Não tinha se importado com a linda simetria e silhueta da cidade.

1 JFK é a abreviação de John F. Kennedy, nome de um dos aeroportos internacionais de Nova York (N.T.).

Page 12: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

11

Havia apenas desejado que o avião pousasse para que pudesse respirar um

pouco de ar puro — ar que não tivesse passado pelo pulmão de todas aquelas

pessoas e que, portanto, tinha o gosto delas. Ela apenas queria sair daquele

aglomerado de humanidade comprimido naquela aeronave como um

desorganizado bufê de força vital. Bem, pelo menos tinha conseguido controlar

seu apetite. Sete horas. Era algo para se orgulhar, não? Era uma conquista.

Claro que sim, querida! E, você estava muito certa. Estou feliz que tenhamos nos

reprimido. Comida de avião. Tão seca e sem sabor.

Cassie deixou escapar uma gargalhada contra sua vontade.

— Ei, mocinha, quer me dar licença? — o homem de negócios a empurrou

para alcançar sua mala.

Se ela não tivesse esbarrado na senhora resmungona ao lado teria caído.

Agora ela se sentia tonta, sua reserva de energia esgotada. O cheiro forte de

suor do homem era extasiante. O cheiro salgado e azedo fez suas narinas

dilatarem. Era apenas suor, mas estava infundido com a vitalidade dele. Ele era

quente e seu coração sobrecarregado batia com força: ela podia ouvi-lo, senti-lo.

O cheiro que esvaía pelos poros dele se prendia as narinas dela como... Um

prato de batatas fritas. Sim, tão bom quanto. Cassie lambeu os lábios, mirando

os lábios dele, assistindo a respiração dele entrar e sair...

Xingando, ele a empurrou para passar — batendo a mala na canela dela —

e foi embora. Ela perdeu a chance. Lágrimas escorreram de seus olhos e Cassie

não sabia se eram lágrimas de alívio ou fúria.

Perdemos! Não! Nós o perdemos! Estelle soou um pouco histérica. Encontre

alguém. Encontre alguém AGORA!

Vagamente, Cassie se deu conta de que sua própria mala tinha acabado de

passar, presa a um reconhecível elástico velho de Patrick, mas ela nem prestou

atenção. Estava faminta agora, analisando a multidão e, não se preocupava com

nada mais. Nada exceto...

Aquela! Aquela, rápido!

Atordoada, deu meia-volta e olhou fixamente para a figura que Estelle tinha

mencionado. Era jovem, forte, uma mulher. Magra, torneada e chamava atenção

pelo jeito misterioso e mediterrâneo. A figura segurava uma criança, mas a

criança foi passada para os braços do pai com um beijo, uma palavra e um

Page 13: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

12

sorriso e, agora, a figura jovem e forte ia em direção ao toalete, fazendo clack-

clack-clack com o saltinho dos sapatos.

Figura, não, pessoa! — gritou Cassie em pensamento. Pessoa! Ela é um ser

humano...

Sim, sim. Que seja. Ela! Rápido! VAMOS PERDÊ-LA!

Afastando-se rapidamente, com a fome pungente misturando-se a excitação

da caçada que pulsava em suas veias, Cassie se atirou no meio da multidão e

seguiu o clack-clack-clack.

Engraçado que ela conseguisse ouvi-los tão bem no meio do barulho, da

multidão e dos infinitos e distorcidos anúncios públicos. Era como se todo seu

ser estivesse focado no som daqueles saltos, cada nervo do seu corpo tinha

grudado naquela mulher. Um pouco a frente, a figura — pessoa — abriu a porta

do toalete. Clack-clack-clack. Cassie apressou os passos, silenciosos por estar

usando um tênis surrado. Quase lá. Quase lá!

RÁPIDO!

Sim, Estelle, nós vamos nos alimentar. Vamos nos ALIMENTAR.

— Cassie!

O cumprimento agudo perfurou sua concentração. Assim. Seus passos

decididos vacilaram.

— Cassie Bell! Queriiiida!

Um mosquito. Zumbindo, perturbando. Ela queria espantá-lo, matá-lo.

Deixe-me em paz, ela queria gritar. Eu preciso... Algo se moveu rápido em sua

direção, tirando seu equilíbrio e envolvendo-a em um aconchegante abraço que

cheirava a perfume caro.

— CASSIEEEE!

Por uma fração de segundo, Cassie lutou contra o abraço, lançando um

olhar faminto para a porta do banheiro que fechava suavemente atrás da

mulher e sua força vital. Foi então que ela caiu em si com um sobressalto quase

doloroso. O que ela havia feito? O que ela quase havia feito!

— Isabella? — quase chorando, Cassie devolveu o abraço apertado,

apoiando-se em sua melhor amiga como se ela fosse tudo o que a mantinha sã.

Page 14: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

13

Sim, essa daí, então! Essa serve! Essa serve, estou te dizendo!

NÃO! Seu rosnado interior estava feroz o bastante para calar a boca de

Estelle. Por enquanto.

— Ah, Isabella. Estou feliz em vê-la.

— E eu a você! Você saiu do voo de Londres? Ele aterrissou cinco minutos

antes do que o de Buenos Aires! Sinal de boa sorte! Maravilhoso!

A garota ainda estava falando em constantes exclamações, pensou Cassie com

carinho enquanto Isabella jogava seu longo e brilhante cabelo castanho.

— E Jake está esperando por nós! Eu mandei uma mensagem de texto para

ele. Ele esta lá fora, no terminal.

— E você parou para me dar um oi? — Cassie ergueu as sobrancelhas sem

muita força. — Estou lisonjeada que não tenha me atropelado para chegar até

ele.

Isabella tinha se apaixonado pelo belo nova-iorquino desde que ele entrou

para a Academia. Depois de finalmente terem ficado juntos no fim do semestre

passado, o casal mal tinha tido uma semana juntos antes que Isabella voltasse

para sua casa na Argentina (de primeira classe, claro). Que ela estivesse

impaciente para pôr as mãos em Jake não era nada surpreendente.

— Oh, Cassie! — Isabella sorriu, mas seus olhos escureceram um pouco

quando ela segurou os ombros de Cassie e examinou seu rosto. — Você está tão

bonita. Magra demais, né? Mas muito, muito bonita.

— Nossa, obrigada. Não vai ganhar nada com tantos elogios — ela deu um

sorrisinho fraco. A cabeça dela estava realmente inundada agora. Era o

entusiasmo, ela disse a si mesma. E o fuso horário. Que seja. Ela só precisava se

acalmar por um instante. Mas Isabella estava sorrindo novamente, ainda

borbulhando de entusiasmo.

— Mal posso esperar para estarmos todos juntos de novo! Você, eu e Jake!

Não é? Vamos, venha! — ela soltou Cassie bruscamente.

— Claro. Va... Mos...

No entanto, era mais fácil falar do que fazer — sem Isabella segurando em

seu braço. Cambaleando, Cassie sentiu seus joelhos tremerem. Ela teria caído se

Page 15: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

14

Isabella não tivesse segurado o cotovelo dela com seu braço forte de jogadora

de pólo.

— Cassie. Cassie?

Cassie franziu a testa. A voz de Isabella parecia ter ficado muito engraçada

depois do Natal. Estranha. Distante. Cada vez mais fraca. Ou talvez fosse ela

mesma. No escuro agora. Em um frio e escuro vazio. E desaparecendo...

Page 16: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

15

Capitulo 2 — Cassandra? Cassandra!

Outra voz familiar. Ela não conseguia identificá-la, mas era forte,

reconfortante. Estaria bem agora, sabia disso. Talvez porque estivesse morta.

Devia estar morta mesmo, porque o rebuliço do aeroporto tinha desaparecido e

ela estava flutuando em uma serena bolha de tranquilidade.

— Cassandra! — o tom sério era mais insistente agora. A mão deu uma

tapinha em sua bochecha e depois outro. — Cassandra, volte.

Contra sua própria vontade, ela fez força para abrir as pálpebras, gemendo.

O rosto embaçado era tão familiar quanto a voz. Ascético, impetuosamente

lindo e com a testa franzida de preocupação.

— Sir Alric...

— Isso mesmo. Acorde.

Page 17: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

16

Piscando rápido por causa da luz brilhante, Cassie fez bastante força para se

levantar, apoiando-se em almofadas. Um sofá. Um sofá de couro enorme. Por

um instante, ela pensou que realmente estivesse morta e, em uma vida pós-

morte bem agradável — porque ela não conseguia ver nada além de um infinito

céu azul. Então ela notou as paredes de vidro que a cercavam, arranha-céus

refletindo o sol da manhã e as invernosas copas de árvores do... Central Park!

Sobre as árvores, o céu era azul como um diamante, listrado pela fumaça

branca do rastro dos aviões. Ela piscou embriagada pelo que via de Nova York

com seus próprios olhos. Mais precisamente com os olhos de Sir Alric Darke.

Ela recobrou os sentidos com um pequeno sobressalto. Tentou se levantar,

mas caiu. Escutou um pequeno “ufa” de alívio e Isabella estava novamente ao

seu lado, jogando-se no sofá e abraçando-a. Cassie contemplou sem expressão o

escritório felpudo e elegante.

— Que susto você me deu! Ah, Cassie!

Pelo menos ela estava conseguindo focar melhor seus companheiros.

Isabella, obviamente — e Jake, em pé logo ao lado, parecia bem aliviado e um

pouco cauteloso com o que estava a sua volta. Quando o olhar dela cruzou com

seus carinhosos olhos castanhos, ele sorriu singelamente para ela.

— Ei, Cassie. Que bom te ver.

— Jake. Que bom te ver também.

Isso não era bem verdade. Cassie estava mais do que meramente feliz em

vê-lo — ela estava absolutamente aliviada. Semestre passado, Jake tinha

descoberto mais segredos dos Escolhidos do que era seguro alguém de fora do

grupo saber. Cassie não tinha certeza se algum dia ele voltaria para a Academia

— depois de descobrir que sua colega de classe e, antiga paixão, Katerina

Svensson, tinha assassinado sua irmã, Jéssica. A tentação de desmascarar a

instituição — que havia acobertado o crime e deixado a garota Escolhida escapar

com uma mera expulsão — deve ter sido angustiante. Ainda assim, ali estava

ele, em pé na sala do diretor.

O que o teria trazido de volta? Estar gostando de Isabella? Uma estranha

sensação de ter transferido sua lealdade fraternal para Cassie, a garota que

todos diziam parecer com sua falecida irmã? Ou ele tinha voltado para resolver

os “assuntos pendentes” que havia mencionado no fim do semestre passado?

Page 18: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

17

O sorriso debilitado que dava para Jake desapareceu quando ela se voltou

— um pouco relutante — para Sir Alric. Ele não tinha mudado — suas lindas

feições eram impressionantes como sempre. Havia uma tensão em seus olhos

acinzentados e ele não sorria, tampouco parecia zangado.

— Espera aí, como eu...? — Cassie esfregou a testa com força.

A última coisa de que se lembrava era o cheiro de suor humano, a multidão

e o calor. E de precisar tanto de algo que havia abandonado...

— Minha mala! Esqueci minha mala. Eu não...

— Está tudo bem — Isabella fez sinal com a mão. — Eu peguei para você.

— Mas como você...

— Peguei a mala certa, não se preocupe — Isabella deu uma risadinha. —

Eu reconheceria aquela coisa velha e estropiada em qualquer lugar.

Cassie sacudiu a cabeça, perplexa apenas por um instante.

— Detonada, Isabella. Minha mala velha e detonada. Mas e a segurança?

Imigração? Como você...

— Quando você desmaiou, Isabella me ligou imediatamente — explicou Sir

Alric. — Eu tenho conhecidos no Departamento de Segurança Nacional que

resolveram a questão — ele olhou cuidadosamente para Jake, como se estivesse

com medo de falar demais. — Agora, tenho certeza de que gostaria de ficar com

seus amigos, mas primeiro temos assuntos a resolver, você e eu. Isabella e Jake,

por favor. Preciso conversar com Cassandra. Em particular.

Isabella e Jake olharam incrédulos um para o outro. Cassie tentou chamar a

atenção deles com o olhar e fazer um “sim” com a cabeça, mas a simples visão

de seus amigos era suficiente para trazer de novo a fome que a perfurava como

uma lança — tirando seu fôlego pela ferocidade. Cambaleando, ela andou com

dificuldade em direção à Sir Alric. Ele pôs a mão sobre o ombro dela — no que

parecia ser um gesto carinhoso de apoio; exceto pelo fato de que os dedos dele

estavam apertando-a tão forte que a machucavam. No entanto, Cassie mal

sentia a dor — ela podia sentir a tensão de seus próprios músculos, contorcidos

por seu desespero para se alimentar e, ela sabia que Sir Alric estava, na

verdade, impedindo-a.

— Agora, Isabella, Jake. Por favor, deixem-nos a sós.

Page 19: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

18

Jake estranhou o tom grave da voz do diretor.

— Não tenho certeza... — ele começou.

— Está tudo certo, gente — Cassie esticou o braço e pegou a mão de

Isabella, apertando-a um pouco forte demais. — Ficarei bem. Vejo vocês daqui a

pouco. Prometo.

— De certeza? — perguntou Jake, encarando Sir Alric com declarada

hostilidade.

— Claro.

Na verdade, ela queria desesperadamente que eles saíssem. Ela não tinha

certeza de quanto mais tempo aguentaria sem saltar sobre um deles.

— Serio, Jake. Por favor, saia. Está tudo bem.

Respirando fundo, o jovem americano pegou a mão de Isabella.

— Estaremos do lado de fora. Até mais, Cassie.

— Tá — ela disse baixinho, apertando os dentes para forçar um sorriso. —

Oh, por favor, por favor, VÁ!

Ela olhou pela última vez as feições preocupadas de Isabella quando a porta

se fechou atrás deles e, então, fechou os olhos, tonta de fome. Cassie sentiu a

mão de Sir Alric deitando-a no sofá e ela conseguiu abrir os olhos com força a

tempo de ver Marat — o porteiro feio e sinistro — vindo em sua direção com

uma pequena maleta de couro na mão. De onde ele tinha saído tão

sorrateiramente? Ainda tonta, ela tentava se apoiar para frente.

— Você precisa se alimentar, Cassandra.

A voz de Sir Alric parecia ecoar pela sala, enquanto Marat dispunha a

maleta cuidadosamente sobre a mesinha do café feita de mogno, ao lado dela.

— Não posso.

— Você passou muitas semanas sem alimento. Está morrendo. Eu jamais

deveria ter permitido que saísse no fim do semestre, mas não esperava por isso.

Eu não entendo porque a fome cresceu tão rapidamente em você, mas cresceu.

E você deve satisfazê-la.

Sem forças para chorar, gemendo, ela colocou as mãos sobre o rosto.

Page 20: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

19

— Não posso.

— Você deve — respondeu Sir Alric veementemente. — Você acha que está

sendo altruísta, mas na verdade, está sendo autoindulgente. Sinto muito pelo

que aconteceu a você, Cassandra. Sinto muito que tenha sido trapaceada. Mas

eu tenho uma responsabilidade sobre o espírito dos Escolhidos e sobre você —

ele fez sinal com a cabeça para Marat, que passou discretamente uma chave

prata pela frente da maleta.

Sentindo-se instável, Cassie acompanhou os movimentos do porteiro. O

fecho da maleta levava um símbolo que ela reconheceu imediatamente: um

padrão de linhas entrelaçadas de pouco mais de cinco centímetros de diâmetro,

que ela já havia visto antes, marcado na pele de uns seletos alunos da Academia

Darke — além disso, estava borrado e interrompido em sua própria escápula.

Ela não sabia o que isso significava, mas sabia o que indicava. Era o símbolo dos

Escolhidos.

Marat abriu o fecho e Sir Alric se aproximou da maleta, admirando

respeitosamente os frascos de cristais dentro dela. Cada um deles estava

marcado com o símbolo dos Escolhidos e tinha sua beleza particular — mas os

conteúdos translúcidos dos frascos brilhavam como pérola líquida, refletindo

feixes de luz pelo cristal delicado. Por um instante, Cassie ficou tão fascinada

que quase esqueceu a fome voraz.

Sir Alric fez, novamente, sinal com a cabeça para o porteiro. O pequeno

frasco que Marat retirou do bolso não poderia ser mais diferente daqueles da

maleta: uma caixa branca de plástico com tampa hermética. Depois de colocar

uma luva de látex, ele abriu a tampa sem cerimônia e retirou um pacote de

plástico selado. Rasgou o pacote, retirando uma seringa descartável.

Cassie arregalou os olhos.

— O que é isso?

Sir Alric também estava vestindo luvas e, ele parecia frio e pragmático.

— Chame isso de uma medida provisória, Cassandra.

Com delicadeza, Sir Alric inseriu a seringa em um dos frascos e retirou uma

pequena quantidade do líquido perolado.

— Você deve aprender a se alimentar. Mas isso — ele disse levantando a

seringa — vai nos dar alguns dias de trégua.

Page 21: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

20

— O que é isso? — ela espiava a seringa com terror. — O que é isso? Não

vou deixar você colocar isso em mim!

Quando tentou se esquivar, Cassie sentiu mãos poderosas segurarem seus

ombros, pressionando-a contra o sofá e prendendo-a em seu lugar. Marat. Ele

tinha se posicionado por trás dela e ela não conseguia escapar. Deus, ele era

forte! Ele a segurava forte demais para escapar, mas ela ainda lutava

violentamente enquanto Sir Alric se aproximava. Por um momento, Cassie viu

remorso e compaixão no rosto dele, depois ele ficou sério.

— Fique parada. Este é o único jeito. É para seu próprio bem, Cassandra.

A voz de Sir Alric era totalmente fria enquanto ele se inclinava sobre ela,

que o chutava e se contorcia.

— E para o bem dos outros, também.

Ela sentiu o dedão dele esfregar um ponto em seu braço e, em seguida, a

picada quente da agulha.

Cassie chegou a temer que fosse ser eletrocutada. Deve ser assim que se

sente, não é? Uma corrente selvagem correndo por dentro dela, trazendo-a tão

intensamente a vida que não conseguia pensar com clareza. O frio corria em

suas veias, seguido rapidamente pelo calor — e força. Escapando das mãos de

Marat, ela se levantou com o corpo rígido, os punhos cerrados. A fome terrível

e dilacerante tinha desaparecido, como se ela tivesse sido libertada da mordida

feroz de um animal, mas sua visão estava totalmente embaçada — pontos

dançavam em frente a seus olhos quando ela perdeu o equilíbrio e, mais uma

vez, caiu sobre o estofamento de couro, apertando os olhos para tentar limpar a

visão. Quando ela tornou a abrir os olhos, Sir Alric se sentou em uma poltrona,

de frente para ela, com os cotovelos apoiados e as mãos juntas sob o queixo.

Marat e a maleta haviam desaparecido.

— E então, Cassandra. Como se sente?

A lembrança explodiu em sua cabeça. Ela se sentou, irritada.

— O que era aquela coisa? Diga-me o que era!

Ele não reagiu à fúria da menina.

— É uma solução destilada. Feita com lágrimas dos Escolhidos, há mais de

mil anos. Você acha que a ofereço a todos? Considere-se sortuda. É

extremamente poderosa.

Page 22: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

21

Cassie respirou um pouco, absorvendo as novidades. Não eram drogas,

então. Nem veneno. Talvez algo que a ajudasse...

— Então essa é uma alternativa? Injetar essa coisa o suficiente ao invés de

me alimentar de outras pessoas? — os olhos dela se acenderam enquanto o

alívio percorria seu corpo.

— Não — Sir Alric respondeu abruptamente. — Isso foi uma exceção. O

que viu na maleta é tudo o que existe. Não há meios de ter tudo. Você vai

aprender a se alimentar. Como o resto de nós — o desespero voltou em dobro,

sua breve esperança desmoronou. Tirando vantagem do silêncio devido ao

choque, Sir Alric se levantou. — Não pode matar de fome o espírito que está

dentro de você, Cassandra. Sem as Lágrimas, teria atingido um estado crítico

em breve. Quando o desejo de se alimentar ficasse forte demais, você perderia o

controle e atacaria alguém. Essa pessoa poderia se machucar, ou até morrer. E

poderia ser qualquer um — ele parou para fazer suspense. — Inclusive Isabella

e Jake.

— Eu não sabia — ela disse com dificuldade. — Não tinha me dado conta.

— Claro que não — respondeu Sir Alric, com a voz um pouco mais branda.

— É para isso que a Academia existe, Cassandra. É meu dever ensinar novos

membros dos Escolhidos a se alimentarem de forma segura, de modo que não

haja perigo para eles ou para os que estão ao seu redor. Quando chegar a hora,

farei o mesmo com você. Mas, por enquanto, a injeção te deu um pouco de

tempo. Acho que você precisava disso. Então vou perguntar novamente: como

se sente?

— Melhor — Cassie admitiu. — Muito melhor. Posso ir agora?

— Claro. Seus amigos devem estar preocupados com você.

— Eles estão bem ali fora. Disseram que iam esperar.

Sir Alric sorriu ironicamente.

— Receio que tenha dormido a maior parte da manhã, Cassandra. Seus

amigos saíram há mais de duas horas. Eu expliquei a eles que você precisava

descansar, embora tenha precisado ser bem persuasivo com o Sr. Johnson.

Suponho que estejam em seus quartos agora. Você tem muito a discutir com

eles, especialmente com a Srta. Caruso.

— O que quer dizer? — disse Cassie, com a voz embargada.

Page 23: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

22

— Cassandra, sua energia me impressiona. Você lutou contra a fome por

muito mais tempo do que eu esperava. Mas agora acabou o luxo de escolher.

Exceto, talvez, por um aspecto.

— Hã? — Cassie ergueu a cabeça.

— Para aprender a se alimentar da forma correta, você precisará de um

parceiro — uma fonte de vida, como preferir. É por isso que alunos comuns são

designados a ser colegas de quarto dos Escolhidos. Então, tem uma decisão a

fazer, Cassandra. Você pode mudar de quarto e ter uma nova colega, alguém

com quem tenha menos... Vínculo emocional — Sir Alric ergueu os ombros

delicadamente e fez sinal com a mão —, Ou...

— Não diga isso — ela disse sem pensar.

— Eu tenho que dizer, Cassandra, sinto muito. Você deve aprender a se

alimentar de Isabella.

Page 24: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

23

Capitulo 3 O saguão era espetacular. Não podia ser mais diferente da Academia em

Paris, mas esse edifício de tirar o fôlego no Upper East Side2 tinha seu próprio

encanto arquitetônico — todo elegante em vidro e mármore. O prédio era de

uma altura vertiginosa, parecia até balançar enquanto Cassie admirava o teto de

vidro bem lá no alto. O céu ainda era de um azul tão reluzente que a fez sentir-

se ligeiramente tonta. O estilo clean e moderno das paredes eram apenas

suavizados pela fonte e pela folhagem no centro do saguão.

Cassie suspirou, parando para molhar seus dedos na água gelada e

contemplar a figura no centro da fonte.

— Olá, amiga — ela suspirou para a escultura de bronze. — Ainda não nos

livramos desse maldito cisne, não é?

2 O Upper East Side é um bairro do condado de Manhattan, em Nova York, entre o Central Park e o Rio

East. Ficou conhecido nos últimos anos por ser uma das áreas mais ricas de Nova York, tendo hoje um dos mais altos custos habitacionais dos Estados Unidos (N.T.).

Page 25: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

24

Leda — como era de se esperar — não respondeu, ainda tentando

languidamente alcançar o cisne-deus sobre ela. Sob os pés de bronze da estátua,

água escorria da pedra. Plantas cresciam com rapidez, entrelaçando-se com as

pedras e transbordando sobre o lustroso mármore. E, no meio delas, claro,

estavam as orquídeas. Cassie tocou uma das pétalas pretas com a ponta de um

dedo. Os bichinhos de estimação de Sir Alric — como dizia Ranjit. Era apropriado.

Sir Alric gosta do que é bonito, raro e sombrio...

Cassie ficou surpresa ao perceber que estava contente em ver todas as

outras estátuas familiares. Sob a luz do inverno que inundava a Quinta

Avenida, as estátuas brilhavam em branco pálido de onde estavam, ao redor do

vasto saguão central: Aquiles e Heitor; Narciso; Diana e Acteão. E, aquela que

sempre lhe deu arrepio na espinha: Cassandra e Clitemnestra. Cassandra, a

garota em quem ninguém acreditava. Cassandra, que entrou em uma casa que

cheirava a sangue...

Cassie se arrepiou ao lembrar-se de quando se escondeu sob a estátua,

esperando para sentir a pontada do punhal de Keiko. Ainda assim, ali estava

ela agora: de muitas formas, parecida com a garota homicida que tinha ajudado

Katerina a assassinar a irmã de Jake. Agora ela também era uma aberração —

talvez, até mesmo um monstro como Keiko. Ela não era mais a frágil Cassandra,

a vítima indefesa. Ela estava mais próxima da sanguinária Clitemnestra.

Membro dos Escolhidos.

E, o que isso significava, ser membro dos Escolhidos? Cassie olhava para seu

reflexo na água. Lá no aeroporto, Isabella sugeriu que ela tinha ficado mais

bonita. Cassie não tinha notado nenhuma mudança, mas agora que estava

olhando mais atentamente, talvez o contorno de seu rosto estivesse mais

definido, seus olhos verde-amarelados mais brilhantes.

Mas ela sabia que tinha muito mais por trás dos Escolhidos do que rostinhos

bonitos. Ela tinha presenciado sua força super-humana e habilidades com lutas

em primeira mão. E, agora que o constante ímpeto de se alimentar não estava se

sobrepondo a todas as outras sensações, ela podia sentir um pouco dessa força

em seus próprios músculos, fazendo com que ficasse relaxada e confiante como

nunca. Beleza, força e confiança — uma combinação extasiante. Mas tudo

dependia de se alimentar. De sugar a força vital de outra pessoa inocente.

Esturricada... Era o que Isabella tinha dito quanto contou a Cassie sobre a

morte de Jéssica. O corpo dela estava danificado. Havia alguma chance de Cassie

fazer isso com Isabella sucessivamente? Não. Ela não faria — não poderia

permitir que isso acontecesse. Mas Sir Alric tinha deixado claro que Cassie tinha

Page 26: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

25

de aprender a se alimentar. Então, ela não poderia continuar a ser colega de

quarto de Isabella.

Mas ela não conseguia suportar isso. Isabella era sua melhor amiga. Sendo

assim, ela teria que aprender a se alimentar de Isabella com segurança. Mas e se

algo desse errado... Era impossível: a mente de Cassie ficava girando sem

chegar a lugar algum. Em volta dela, outros alunos estavam apressados para

começar o novo semestre — fofocando, falando mal dos outros, rindo, deixando

rastros com seus chauffeurs3 e bagagens caras. Será que ela conseguiria dividir o

quarto com uma dessas riquinhas mimadas? Não — era inimaginável e, sem

duvida, elas diriam o mesmo. Frustrada, Cassie se virou para andar. Colidiu

com um corpo receptivo que a segurou e a deteve.

— Ai, me desculpe.

— Não se desculpe.

A voz era amorosa, familiar, alegre e disparou seu coração.

— Ranjit!

Antes que qualquer outra palavra pudesse sair de seus lábios, Cassie

percebeu que eles estavam extremamente grudados aos do lindo rapaz. De

olhos fechados, ela podia sentir as mãos de Ranjit pressionarem sua cintura, a

boca dele se movimentando junto à dela. Ela sentiu-se flutuando ao ficar nas

pontas dos pés, com os dedos entrelaçados nos cabelos pretos e lustrosos dele

— puxando-o em direção a ela, pôde ouvir a respiração forte que saía das

narinas dele enquanto ele a beijava mais e mais intensamente, envolvendo-a em

seus braços com força.

Apenas quando perderam o equilíbrio e tropeçaram em um aluno do

primeiro ano atrapalhado, Cassie sentiu os braços de Ranjit se soltarem um

pouco. Muito envergonhada, Cassie se soltou e se afastou do abraço. Por um

momento ela nem conseguia falar, imagine encarar Ranjit — embora pudesse

sentir os olhares incrédulos dos outros alunos ao redor deles. E, ela com certeza

podia ouvir os comentários pouco reprimidos que explodiram pelo saguão.

— Não acredito no que estou vendo...

— Nossa. Meu Deus.

— Ele? Ele e ela?

3 Chauffeur significa “motorista” em francês (N. T.).

Page 27: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

26

— Ranjit Singh? Eu sabia que ele tinha uma queda por bolsistas, mas isso...

Ranjit limpou a garganta e Cassie finalmente olhou para o rosto dele, que

estava com um sorriso envergonhado.

— Acho que agora todo mundo ficou sabendo — ele deu uma risadinha.

Hesitando um pouco, ele esticou uma das mãos no ombro de Cassie,

levando-a para um canto longe dos olhares coletivos. Cassie não tinha pensado

que seu coração pudesse bater mais rápido do que já batia, mas seu coração

pulou novamente quando ele a tocou com delicadeza.

— É, parece que sim — ela respondeu. — Foi mal... Não sei exatamente o

que aconteceu ali.

— Hum... Nem eu — a pele marrom-dourada dele ruborizou. — Senti

saudades — ele riu. — Se é que não ficou óbvio.

Cassie não podia reprimir um grande sorriso.

— Eu também. Foi um longo Natal, hein?

— Nem me diga.

Ela se perguntou se ele não estava zombando dela de leve, mas o rosto dele

estava sereno e lindo como sempre. Havia algo mais na expressão dele também,

um impulso que combinava com o dela. Nossa, ele era um gato! A voz pelo

celular era uma coisa, mas ela tinha se esquecido da presença absolutamente

selvagem dele. Quase podia sentir o coração dele batendo mais forte e, ela

sabia, por instinto, que ele queria tocá-la de novo — quase tanto quanto ela que

ria que ele o fizesse...

Uau, Cassie!

Sem nem pensar nisso, ela deu um passo em direção a Ranjit e parou bem

na hora de cair nos braços dele outra vez. Isso estava indo rápido demais.

Depois do que havia acontecido, ela estava com um pouco de vergonha. Talvez

até um pouco assustada. A promessa de Estelle veio a sua mente.

Você nunca mais terá que sentir medo de nada, Cassandra.

Não era bem verdade. Ela conseguiu se assustar, deixando-se levar daquele

jeito em público. Ela sentiu suas bochechas avermelharem ao imaginar os olhos

da escola toda sobre ela.

Page 28: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

27

— Cassandra? — Ranjit parecia um pouco cauteloso. Como ela, ele tinha

dado meio passo para frente antes de se conter.

— Perdão — ela sussurrou. — Parece que sua ausência fez meu coração

gostar mais de você do que eu pensava.

Ranjit sorriu.

— Sei o que quer dizer!

— Olha, talvez eu deva ir e, hum... Me arrumar. Ainda não achei meu

quarto e eu tenho que dizer “oi” direito para Isabella. Mas podemos nos

encontrar mais tarde para um café? — ela arriscou.

— Sim. Parece uma boa ideia. Às cinco?

— Seria ótimo — ela deu uma olhada no relógio. — Na verdade, que tal

quatro e meia?

Ele sorriu.

— Quatro e meia, então!

— Ótimo. Te vejo lá — quando ela sorriu e se virou para sair, Ranjit a

segurou e de repente pegou carinhosamente em sua mão. O calor da pele dele

fez o corpo dela tremer outra vez.

— Espere. Antes de ir, você está bem, né? Quando nos falamos por telefone

no Natal você parecia...

— Eu sei. Estou bem agora. Sério. Contarei tudo esta tarde.

Ele a encarou por um instante, como se para ter certeza de que ela dizia a

verdade. Por um momento pareceu que ela tinha visto, mais uma vez, o

perturbador brilho vivo e ardente dos olhos dele, mas Cassie não conseguiu

desviar o olhar. A mão dele apertava os dedos dela mais forte. O barulho do

gotejo da fonte parecia amplificado, assim como o som dos caros sapatos de

salto batendo no mármore. Então, o riso agudo de um aluno do nono ano fez os

dois pularem. Soltando a mão dela, Ranjit sacudiu a cabeça caiu em si e sorriu.

— Se é o que diz.

— É sim. Te vejo mais tarde para o café. Eu pago.

— Ok. Aonde vamos?

Page 29: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

28

— Não fique tão nervoso, riquinho — ela piscou. — Isso é Nova York, não

é? Tenho certeza de que vou encontrar um boteco podre.

A risada alta e aveludada de Ranjit ecoou por todo saguão. Deus, ela

pensou, deviam engarrafar esse som e vendê-lo para garotas solitárias em todo o

mundo.

— Ache um boteco podre então, Cassandra Bell. Te encontro aqui.

— Não se atrase — ela brincou fazendo cara de brava.

Ele sorriu.

— Não ousaria.

***

Bem, ela fez seu melhor para apresentar Ranjit ao mundano e ao sombrio,

mas isso não parecia fazer parte desta Nova York. Sir Alric de certo tinha seus

padrões e trouxe claramente a Academia para este bairro por um motivo.

Nas ruas — admirando maravilhada os prédios gigantescos, fazendo

fumaça no ar gelado com o sopro que saía de sua boca —, Cassie alegremente

deixou Ranjit assumir o controle. O café, afinal, era apenas uma desculpa para

estar a sós com ele — além de experimentar a cidade que ela não tinha visto ao

chegar. Pôde esquecer os monstros e demônios um pouco. Andando em direção

ao norte na Quinta Avenida, eram apenas um casal anônimo entre a multidão

rápida e com roupas de trabalho, ela mal conseguia decidir para onde olhar —

até porque Ranjit parecia saber bem onde estava. Ele a carregou pela East 78th

Street até a Madison Avenue e até o fino e elegante café que servia uma imensa

seleção de grãos para fregueses finos e elegantes.

— Nossa. Você é quem vai pagar, estou com medo.

Desenrolando seu cachecol, Cassie ergueu as sobrancelhas para a tabela de

preços enquanto pediam.

Page 30: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

29

— Vai valer a pena — ele empurrou uma xícara em direção a ela. —

Embora eu não consiga imaginar por que você colocou calda de canela em um

café tão bom.

— Humm. Bom como as Lágrimas dos Escolhidos — ela sussurrou com

satisfação, relaxando um pouco pela primeira vez. — Isso revitaliza e muito

uma garota.

Ranjit piscou surpreso.

— Sir Alric te deu as Lágrimas?

— Ah, sim — ela piscou. — Sou um caso especial.

— Uau — Ranjit sacudiu a cabeça ansiosamente. — Ele te falou...

— Que não posso fazer isso toda vez? Sim, disse. Obrigada por me lembrar

— Cassie apertou o maxilar. Acabou a descontração.

— Então agora você deve aprender a se alimentar.

— Foi o que me disseram.

— Certo... Hum...

Ranjit parecia ler o descontentamento no rosto de Cassie e tentou ganhar

tempo engolindo o café quente rápido demais. Tomando fôlego, ele recuou.

— Será Isabella?

— Não sei. Olha, temos que falar sobre isso agora?

Ranjit sorriu, desculpando-se.

— Não, foi mal.

Cassie tomou um gole de café. Ela não queria ficar irritada. Não agora, não

com ele. Com um suspiro, ela pôs a xícara sobre a mesa e passou o dedo na

borda.

— Quanto tempo acha que eu tenho para decidir?

— Algumas semanas. Talvez menos — Ranjit baixou o tom de voz a um

suspiro quando um garçom passou por eles. — Sua fome cresceu mais depressa

do que qualquer um poderia prever. É inacreditável, Cassandra — com algo

que parecia admiração, ele adicionou: — Sem precedentes.

Page 31: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

30

— Você parece Sir Alric falando — Cassie respondeu. — E não é de um jeito

bom. Ele é a única pessoa, além de você, que me chama de Cassandra. Bem,

além de...

— Estelle — Ranjit completou. — Você prefere que eu te chame de Cassie?

— Quer saber? Acho que sim.

— Então eu chamo, Cassie — com um sorriso, ele colocou sua mão sobre a

dela.

Nossa, ela pensou. Aquilo era gostoso. E forte. E compassivo. Ela lentamente

cruzou seus dedos com os dele.

— Você nunca me quis como membro dos Escolhidos, né?

— Não, não queria. Não queria você envolvida em nada disso — ele sorriu

tristemente. — Mas agora já era.

— Eu me envolveria de qualquer forma — disse Cassie, percebendo isso

repentinamente. — De um jeito ou de outro. Isabella é quem deveria ser

iniciada, não era? Ela era a candidata mais provável. Então, acho que eu seria a

fonte vital dela?

A mão de Ranjit ficou tensa. Então ele fez “sim” com a cabeça, devagar,

seus olhos percorrendo o rosto dela.

— Talvez. Mas eu teria feito o que estivesse ao meu alcance para impedir

isso também.

Cassie franziu a testa. Ela teria preferido isso ou o que estava acontecendo

agora? Se Isabella tivesse entrado para os Escolhidos — se ela tivesse pedido a

Cassie para ser sua fonte vital — o que Cassie teria feito? Ela sabia

perfeitamente bem o que teria feito. Ela teria se recusado. Sairia correndo.

Berraria pelos corredores e chamaria a polícia.

Como se estivesse lendo os pensamentos dela, Ranjit disse:

— Você sabe que pode se alimentar sem que ela saiba. Ainda que ela saiba o

que aconteceu com você, há meios de contornar...

— Não — ela disse firmemente. — Não vou mentir para minha melhor

amiga. Sir Alric disse que pode ensinar a nós duas — num murmúrio ela

completou — se ela concordar, claro...

Page 32: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

31

— É melhor assim, Cassie. Você tem que saber como se alimentar em

segurança. E se for feito da maneira correta, não faz mal algum.

Fechando os olhos, Cassie gemeu frustrada; então sentiu a mão de Ranjit

apertar a sua mais uma vez. Ele suspirou profundamente e se virou para Cassie,

tentando sorrir.

— Olha, estou feliz por você estar aqui e por estar bem. Vamos enfrentar

isso... Juntos — ele se inclinou e a beijou gentilmente nos lábios, demorando-se

um pouco antes de se afastar. — E quanto a isso... — ele murmurou, encostando

sua testa na de Cassie.

— Sim? — ela disse com a voz rouca.

— Acho que seria uma boa ideia tentarmos levar isso devagar. Quero dizer,

eu não sei o que aconteceu no saguão, mas pareceu quase... Fora de controle?

Ele olhou cautelosamente para Cassie e ela sorriu e concordou com a

cabeça.

— Foi mesmo. Não que eu esteja reclamando.

— Nem eu. É só que, dadas as circunstâncias e... Experiências anteriores,

não quero que nada dê errado entre nós. Devemos ser cuidadosos.

Ranjit passou a mão de modo reconfortante no braço de Cassie e se virou

para terminar seu café. Cassie olhava para baixo, para sua bebida quase

intocada. Ela mal tinha pensado sobre isso, mas o jeito como ele disse

experiências anteriores e a expressão no rosto dele quando ela mencionou que

teria sido designada fonte vital de Isabella pareciam gritar. Como ela poderia

ter esquecido?

Jéssica.

A irmã de Jake tinha se envolvido com Ranjit antes de morrer. Na verdade,

ela deveria tê-lo encontrado na noite em que foi ao encontro de sua morte. A

menina que acabou sendo sugada até o último fio de cabelo por Katerina e

Keiko era a mesma que todos diziam parecer com Cassie. O simples

pensamento disso a deixava atordoada. Ok isso podia ser estranho.

— Cassie? — a voz de Ranjit a despertou do devaneio. — Nós devemos

voltar. Você parece cansada.

Page 33: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

32

O rosto lindo dele sorrindo para ela e a mão suave sobre o ombro dela,

deixou Cassie atordoada mais uma vez — mas pelo motivo certo.

Isso é ridículo, ela pensou. Você não é Jessica. Não é a mesma coisa. Não se

convença de que não é certo antes de começar.

Forçando um sorriso, ela se levantou.

— Cansada? Vamos lá, então! Vamos apostar corrida até a Academia!

Page 34: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

33

Capitulo 4 O corredor estava escuro. Cassie estava correndo, procurava algo

desesperadamente. Procurava alguém. Ela dobrou a esquina e estava ainda

mais escuro. Não, escuro não — dois olhos, brilhando vermelhos, estavam na

frente dela. Destacando-se na escuridão. Vindo em direção a ela. Não. Ela

estava indo em direção a eles...

Lá está ele, Cassandra! Agarre-o. Pegue-o. Ele é nosso. Não o deixe a convencer do

contrário. Nós devemos ficar juntos. Precisamos dele.

Os braços de Cassie procuravam no escuro, agarrando o vazio.

Você não quer ficar só, quer, Cassandra? Alcance-o. Agarre-o. Você não quer ficar

só. Nós queremos. Você e eu, ele e sua...

— Ranjit?

A voz de Cassie parecia um mugido animal, ecoando no espaço vazio. Ela

se jogou para frente outra vez, as mãos segurando algo. Ombros: encurvados,

Page 35: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

34

musculosos. A pele desnuda dele quase queimando sob o toque dela. Depois os

braços dele envolvendo-a, apertando-a até que ela mal pudesse respirar. As

unhas dela pareciam garras, perfurando a carne das costas dele.

Sim, Cassandra. Não o deixe ir! Não devemos deixá-lo escapar!

— Não vou.

Você não vai. Não vai? Mas você me abandonou! Por que você me abandonou,

Cassie? Tem uma parte de mim que está só, sabe? A parte que deixamos para trás.

— O quê? Estou aqui! Estelle?

Você sentiu aquele vazio, não sentiu, querida? Apenas por um instante, mas sentiu,

imagine ficar preso lá. Não é legal. Por que você está sendo tão rude? Pobre, pobre

Estelle. Você vai me deixar ficar de fora, Cassandra? Vai me deixar de lado? Nos deixar

de lado? COMO VOCÊ PODE?!

Cassie acordou num pulo, tremendo. Jogando os cobertores, suando e com

dificuldade para respirar, ela se sentou e arrumou o cabelo com os dedos.

Ainda estava escuro — o brilho fraco lá de fora vinha das luzes da cidade.

Tinha sido um pesadelo, só isso. Cassie suspirou. Com tudo o que tinha

acontecido, era de se estranhar que ela não tivesse mais pesadelos. Ela deu um

sorrisinho irônico. Às vezes, parecia que sua vida toda era um pesadelo. Não

ajudava ter Estelle dentro de sua cabeça, mexendo em seus pensamentos.

Embora tudo estivesse silencioso nesse momento, talvez a fúria do espírito

tivesse dado um tempo e Cassie poderia dormir em paz.

Ainda assim, o coração dela continuava a bater violentamente e não apenas

de medo. Tinha uma terrível sensação de tristeza, culpa e arrependimento na

boca do estômago, quase sem saber por quê.

Coitada, coitada da Estelle...

Cassie esfregou as têmporas com as pontas dos dedos, gemendo

internamente, mas sem fazer som para não acordar Isabella. Parte dela sentia

pena de Estelle. Quando o ritual que deveria uni-las para sempre foi

interrompido, parte do espírito Escolhido tinha ficado para fora do corpo de

Cassie, separado do resto. Desde então, a voz de Estelle implorava a Cassie que

a deixasse entrar. Mas ainda que soubesse como fazer isso, Cassie estava longe

de ter certeza se era o que queria. Visões fracionadas do passado da mulher —

enquanto membro dos Escolhidos — revelavam que ela era orgulhosa e forte,

Page 36: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

35

sim, mas também vingativa, cruel e egoísta. Se Cassie se unisse completamente

a Estelle, como saberia que não seguiria o mesmo caminho?

Tateando para pegar o copo de água sobre o criado-mudo, Cassie esbarrou

com as costas da mão em um de seus porta-retratos. Irritada, ela o apanhou

para colocá-lo de lado e congelou. Algo estava errado. Ela teve uma sensação

estranha ao tocar a moldura e a aproximou de seu rosto. Mesmo com o brilho

turvo de um amanhecer artificial, suas mãos tremeram.

A moldura de metal havia derretido. Pelo menos era isso o que parecia.

Estava torcida, contorcida e distorcida — como se tivesse sido deixada muito

próxima ao fogo. Os rostos sorridentes de Patrick e das crianças de Cranlake

tinham derretido e pareciam mascaras horrendas.

Apreensiva, ela tentou alcançar o criado-mudo, que estava bem frio. Cassie

engoliu seco. Pondo os pés no chão, ela pegou outra fotografia, uma que tinha

surrupiado discretamente de Ranjit no fim do semestre anterior. Também

estava distorcida: a moldura de prata parecia que tinha ficado líquida e depois

sólida novamente no meio da noite, como cera de vela. E o rosto tímido com um

sorrisinho de Ranjit estava irreconhecível. Ela alisou a foto com pesar, lágrimas

brotando em seus olhos. O que ela havia feito?

Espere aí. O que a fazia pensar que ela tivesse feito alguma coisa? Uma

sensação, nada, além disso... Sentindo-se triste, ela xingou, mas não em voz alta.

Na outra cama, Isabella se mexeu e se espreguiçou, bocejando. Cassie mal teve

tempo de enfiar as fotos derretidas debaixo do travesseiro antes que Isabella

abrisse os olhos, piscando várias vezes. A colega de quarto bocejou e sorriu.

— Bom dia, Cassie. Humm... — ela se sentou de repente. — Ei, estamos em

Nova York!

Cassie sacudiu a cabeça. Ela se sentiu mais alegre instantaneamente. Como

Isabella conseguia ferver de entusiasmo a essa hora da manhã? Sua amiga não

havia mudado desde Paris — o que era legal, pois todo o resto havia. Fingindo

falar de forma arrastada, ela disse:

— Relaxa, amiga. São seis da manhã Só vai amanhecer daqui a uma hora.

Isabella virou os olhos.

— Cassie, esse sotaque é mais Carolina do Sul do que Bronx e até eu sei

disso. Agora... — pulando da cama, ela esfregou, as mãos empolgada. — O que

vamos fazer hoje?

Page 37: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

36

— Hum... Além de começar as aulas, quer dizer? — perguntou Cassie.

— Sim, sim, além disso. Esta é a cidade que nunca dorme! Nós também não

deveríamos dormir!

— Uh-hum — Cassie nem pensou em mencionar que já estava adiantada

nesse departamento. — Sabe que a primeira aula é de matemática, né?

— Não. Não, não, não! Não devo pensar nisso! — lamentou Isabella.

Ela parou e depois olhou de canto para Cassie.

— Precisamos falar sobre você, Cassie.

— Ai, meu Deus — Cassie suspirou. — De novo, não. Primeiro Ranjit, agora

você também. Não podemos falar de outra pessoa?

Isabella cruzou os braços, furiosa.

— Cassie. Te dei folga ontem porque estava com seu príncipe indiano e,

falando nisso, você precisa me contar tudo depois — ela parou e piscou para

Cassie. — Mas sei que você está me escondendo algo. Desmaiou no aeroporto!

Você não parecia doente e passou mal de fome só por pular o café da manhã ou

estar preocupada. Isso tem a ver com o que te fizeram, não é? Na cerimônia dos

Escolhidos?

Cassie esfregou a nuca.

— Sim — ela murmurou.

Isabella fez “sim” com a cabeça, apertando os olhos.

— Certo. E o que você fez a respeito?

— Sir Alric tinha uma... Humm... Uma solução — Cassie deu um enorme

sorriso, esperando que uma explicação fosse saciar as dúvidas de Isabella no

momento, mesmo que não fosse a verdade. Ela precisava de tempo. Mais

tempo. — Literalmente, quero dizer. Uma solução líquida.

— Quer dizer medicamentos? — Isabella cobriu a boca com a mão. —

Cassie, não tenho certeza...

— Por favor, Isabella, não há com que se preocupar.

Page 38: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

37

— Hã? — Isabella cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha. — Se não há

com que se preocupar, por que você está tão triste? Te conheço bem! Por que

está nervosa e misteriosa?

— Misteriosa...

— Para com isso, Cassie Bell!

Derrotada, Cassie se aproximou e se sentou na cama de Isabella.

— Lembra do que eu te contei sobre Keiko e Alice no semestre passado?

Sobre ver Keiko como que se alimentando de Alice? Bem, é assim que os

Escolhidos se mantêm vivos — ela suspirou tristemente, tentando evitar o olhar

de Isabella. — Eles tiram energia vital de outra pessoa que não seja dos

Escolhidos. E, aparentemente, é algo que eu terei de fazer também... — Cassie

emudeceu. Ela não tinha coragem de ir além...

Isabella não respondeu. Talvez, pensou Cassie, ela estivesse lembrando da

horrível descrição de Cassie sobre Keiko sugando a vida de sua colega de quarto indefesa.

Ou da irmã de seu namorado sendo sugada completamente...

O ar parecia estalar com a tensão enquanto o silêncio se prolongava mais e

mais, mas Cassie não suportaria levantar o rosto e ver o horror e a repulsa no

rosto de Isabella. A qualquer momento, agora, estaria tudo acabado. Isabella

sairia do quarto. Ela iria até o escritório do Sir Alric e exigiria uma nova colega

de quarto. Claro que ela diria que ainda seriam amigas, mas ela nunca

esqueceria o que Cassie tinha pedido a ela. Ela nunca esqueceria

completamente...

— Tudo bem.

— O quê? — Cassie pensou não ter entendido direito.

— Eu disse tudo bem. Você vai se alimentar de mim.

Ao ver a expressão incrédula de Cassie, Isabella bateu palmas.

— Olha, eu não estou dizendo que isso é o ideal. Uma coisa é certa, eu tinha

uma imagem muito diferente dos Escolhidos antes de saber que envolvia essa

loucura toda. Mas outra coisa que eu tenho certeza é de que você não é como

Keiko. Nem um pouquinho. Ela era louca. Você é ao contrário... — Isabella

sorriu. — Bem, você tem seus momentos. Mas você é minha grande amiga,

Cassie Bell. Se for disso que precisa, então é disso que nós precisamos também.

Page 39: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

38

Cassie não conseguia parar de encará-la.

— Isab...

Isabella a interrompeu, segurando sua mão.

— Espere aí. Alice não sabia o que Keiko estava fazendo, sabia?

— Não — Cassie cutucou uma unha roída. — Os Escolhidos têm uma bebida

especial. Ela faz com que seus colegas de quarto não se lembrem de nada. Eles

acham que assim é melhor — Cassie finalmente se obrigou a olhar o rosto de

Isabella, mas não havia repúdio nele. Ela estava acompanhando Cassie,

concentrada e séria.

— Ainda assim, você não quer me enganar, Cassie. Você me contou tudo e

isso mostra que confia em mim. Obrigada. Então serei honesta, porque também

confio em você — Isabella levantou um dedo em riste. — Você jamais deve me

dar essa bebida. Eu jamais serei enganada ou trapaceada.

— Isabella, eu não sei...

— Cassie, você precisa se alimentar. Isso é óbvio. É por isso que Sir Alric

está tão preocupado com você, não é? — Isabella agarrou as mãos de Cassie.

— Ele... Sim. Ele disse que me ensinaria, que nos mostraria como fazê-lo em

segurança.

— Bem, Sir Alric é um bom homem. Ele sabe o que é preciso e o que é ou

não, perigoso. Não se preocupe, Cassie — o sorriso de Isabella era cauteloso,

porém sincero. — Se ele nos mostrar como fazer isso direito, ficará tudo bem.

Eu serei sua... Como se diz?

Cassie hesitou.

— Minha fonte de vida. Mas espere, Isabella. E quanto ao Jake? Ele nunca

vai permitir que você faça isso.

— Jake não é meu chefe, é meu namorado — Isabella torceu o nariz. —

Você tem razão, ele não vai gostar, mas é uma decisão minha. Eu não sou

Jéssica e você não é Keiko. E, de qualquer forma, o que os olhos não veem, o

coração não sente.

— Você não pode guardar esse segredo dele, Isabella.

Page 40: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

39

— Por que não? Uma garota tem direito a alguns segredos — Isabella

retrucou, com seus olhos escuros lampejando. — Quando chegar a hora, eu

contarei a ele. Ele entenderá.

Cassie arregalou os olhos para Isabella. Essa não era a solução perfeita? Ela

tinha sido honesta com Isabella e Isabella tinha concordado de livre e

espontânea vontade. Então, por que ela ainda se sentia tão mal?

— Tudo bem — Cassie expirou e sorriu. — Obrigada. Obrigada, Isabella.

— De nada. Só tome cuidado para não se exceder — Isabella riu. — Tenho

certeza de que minha energia vital é algo muito poderoso.

— Não há meios de eu chegar nem que seja um pouquinho perto de você até

que Sir Alric me ensine tudo o que for preciso saber sobre esse negócio de se

alimentar.

Envergonhada, Cassie mordeu o lábio, desconfortável. Como tinham

chegado ali? Isabella olhou para sua colega de quarto e deu uma risadinha.

— Sua cara merece uma foto, Cassie Bell. Ficara tudo bem. Além disso, ser

uma dos Escolhidos não é só ruim, hein? E Ranjit? Eu soube como ele te agarrou

no saguão ontem. Com certeza é um consolo! — ela riu maliciosamente e Cassie

não pôde conter o riso. — Olha — Isabella continuou, com os olhos brilhando

como se estivesse aprontando alguma —, eu gostaria que essa coisa de

Escolhidos não tivesse acontecido, mas aconteceu e você está nessa. E, vendo isso

como fato consumado, você deveria também se divertir um pouco sendo dos

Escolhidos, não é?

Cassie ia corrigi-la quando pensou: não fato consumado é bem apropriado.

— Isabella, eu não vou começar a colocar peso nos ombros dos outros.

Isabella bufou.

— Shiii! Desde o Natal não há muito de você para colocar nos outros.

Cassie sorriu ironicamente.

— E é claro que você não vai sair por aí bancando a Abelha Rainha, isso não

tem a ver com você — ela segurou os braços de Cassie e os chacoalhou. — Não

se esqueça, você ainda é você mesma.

— Espero que esteja certa.

Page 41: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

40

Isabella a ignorou.

— Ei, você pode me convidar para o tão sagrado quarto comum. E o tempo

livre extra por ser membro dos Escolhidos significa mais tempo na Madison

Avenue.

— Por que será que eu sabia que você daria um jeito de colocar compras no

meio disso? — disse Cassie, finalmente com um sorriso verdadeiro em seus

lábios. Ela se levantou decidida e se espreguiçou. — Vamos, vamos nos trocar e

tomar um café da manhã. Vou levar mais ou menos uma hora para parecer tão

bonita quanto você está agora. E, deixa eu te dizer, você nem está tão linda

assim.

Isabella jogou um travesseiro nela.

— Tonta. Bem, não é verdade. Você está bem bonita desde que tomou sua

famosa “solução”. Mas espere para ver quando começar a se alimentar de mim!

— ela se arrumou, molhando a ponta do dedo na língua e passando na

sobrancelha.

Cassie achou graça. Pegando no tornozelo de Isabella, ela começou a

arrastá-la para fora da cama.

— Vamos, garota. Você não pode evitar Herr Stolz para sempre, sabe disso.

— Verdade — Isabella jogou as roupas de cama e pulou para fora, fazendo

beiço. — Mas, por causa da minha poderosa colega de quarto, eu esperava que

pudesse.

Cassie deu uma risadinha.

— Todos nós temos problemas. Eu sou possuída por um demônio e você

tem que encarar as equações algébricas mortais do mestre da matemática.

— Sabe, Cassie? — Isabella suspirou. — Não sei o que é o pior...

Page 42: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

41

Capitulo 5 Cassie se lembrava muito bem de como tinha se sentido no início do

semestre passado — o terror de se sentir um peixe fora d'água. Ela devia

parecer um pouco com um peixe também, levando em consideração o grupinho

de alunos novos — todos de olhos arregalados e bocas abertas. Ela conteve o

riso, sentindo pena deles, mas também se sentindo um pouco superior. Ela não

era mais a novata perdida: era quase como se ela pertencesse a esse lugar. E isso

era gostoso; gostoso de verdade.

Ela tinha perdido Isabella no meio da multidão de alunos no saguão — em

meio a cumprimentos com gritinhos animados e da irritante competição sobre

férias em locais exóticos. Enquanto andava em direção à classe de Herr Stolz,

Cassie notou pelo menos um rosto familiar. Jake estava em pé ao lado de uma

fileira de elegantes armários com teclados numéricos eletrônicos. Ele pareceu

ligeiramente nervoso quando Cassie se aproximou.

— E aí, Jake? Como vai?

Page 43: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

42

— Hum... Oi, Cassie. Tudo bem e você? Sentindo-se melhor hoje? — ele se

aproximou e a abraçou de forma estranha, Cassie sentiu seu coração

despedaçar.

Tinha levado meses para que ela e Jake superassem a desconfiança mútua.

Então, logo depois que se tornaram amigos de verdade, aconteceu algumas

coisas. Agora, além de ser uma constante recordação de sua falecida irmã,

Cassie também era uma dos Escolhidos — parte do grupo responsável pela

morte de Jéssica. Não era para menos que houvesse tensão entre eles; os

sentimentos dele em relação a ela deviam estar quase tão confusos quanto os

dela própria. Ela apenas esperava que fosse capaz de mostrar a Jake que ele

ainda podia confiar nela — e provar isso a si mesma...

Quando eles entraram na sala de aula, Cassie desviou sua atenção para uma

garota ruiva, pálida e nervosa que tinha deixado cair o livro de matemática para

fora da porta de vidro. Um garoto alto apareceu de súbito ao lado dela, tocando

o cotovelo da ruiva de uma forma que fez a pobre criatura tremer. Ela olhou

para ele boquiaberta, enquanto o garoto devolvia os livros e só então Cassie

avistou o rosto dele. Refinadamente lindo, com um sorriso deslumbrante.

Richard Halton-Jones.

Cassie sentiu um calafrio. Obviamente, ele não tinha mudado: ainda um

incorrigível conquistador. Mostre-o a alguém — qualquer um — que ande

sobre duas pernas e essa pessoa não conseguiria se segurar. Ela havia chegado a

pensar, no passado, que isso fosse amável; agora a memória do último encontro

deles era como um soco no estômago. Tinha gostado dele, confiado nele, até

mesmo começado a acreditar que ele estava interessado nela também e olha

onde isso a tinha levado. Richard foi quem a seduzira a ir até o Arco do Triunfo

e a cerimônia da qual ela não queria fazer parte. Ela não ligava que tivesse sido

a pedido da idosa Madame Azzedine — que tinha gostado de Cassie logo de

cara e a considerado um perfeito novo hospedeiro. Se não fosse por ele, não

estaria nesse rolo.

Desviando o olhar bruscamente, ela passou por Richard e entrou na classe,

esperando que ele não a notasse. Afinal de contas, ele tinha sorte de não ter sido

expulso. Certamente, mesmo alguém tão descarado devia estar envergonhado

de estar perto dela depois do que tinha feito... Aparentemente não. A mão dele

apertou o braço de Cassie, fazendo-a parar de andar.

— Você não tem ideia — ele murmurou — do quão diferente está.

Page 44: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

43

Ela deu meia-volta a fim de olhar para ele. Em volta deles, os últimos

alunos estavam entrando apressadamente na sala, ainda fofocando alto e

empolgados com o início do semestre, mas Herr Stolz estava em pé na frente da

sala, limpando sua garganta, batendo os dedos na mesa.

Richard o ignorou.

— Olá, Cassie.

— A aula está começando — ela disse rispidamente.

Ele ignorou isso também.

— Você está... Incrível.

— Obrigada — disse com a voz áspera.

— Ah. Você está soando diferente também.

Era coisa da cabeça dela ou tinha um toque de tristeza na voz dele? E daí?

Ao se virar, ela viu Isabella entrar rapidamente na sala e se atirar em Jake, quase

virando a cadeira dele. Isso fez surgir um sorriso, embora Cassie tivesse notado

que Jake — que estava rabiscando furiosamente em um caderno — ainda

parecia um pouco distraído. Cassie franziu a testa — depois de todo o tempo

que Isabella tinha levado para conquistá-lo, ela esperava que Jake desse um

pouco mais de atenção para sua melhor amiga. Ela se sentou em um lugar perto

dos dois.

— Senta direito, Isabella! Você vai estragar a carteira.

— Ah, Cassie! Aí está você! Não se preocupe, o corpo másculo de Jake é

forte o suficiente para segurar euzinha aqui — Isabella bateu os cílios

rapidamente para seu namorado, que enfim descansou a caneta e deu um

beijinho no nariz dela.

Olhando ao redor da sala pela primeira vez, Cassie percebeu que as

carteiras e cadeiras elegantes eram mesmo bem-feitas demais para quebrar. Os

móveis eram fantasticamente modernos em comparação aos tradicionais

móveis de madeira que preenchiam a Academia em Paris. Na verdade, os

móveis pareciam ter sido esculpidos em blocos de gelo pelo próprio Phillipe

Starck4.

4 Philippe Patrick Starck, nascido no dia 18 de janeiro de 1949, é um conceituado designer francês com

uma obra multidisciplinar que vai do design de interiores ao de bens de consumo de massa (N. T.).

Page 45: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

44

— Cassie!

Ela se virou para ver de onde o chamado tinha vindo e se deparou com um

grupinho sentado no fundo da sala, ligeiramente separado do restante dos

colegas. Alguns deles pareciam olhá-la com ódio, outros com sorrisos

cautelosos, mas todos eram, sem exceção, absolutamente lindos.

Os Escolhidos. Sua nova “família”.

Ayeesha e seu namorado irlandês Cormac — dois dos mais amigáveis —

acenavam entusiasmadamente. A garota de Barbados chamou o nome dela de

novo e apontou uma carteira vazia perto deles. Ayeesha parecia

verdadeiramente receptiva e não despertava a desconfiança de Cassie como

alguns outros. De certo ela não era uma das pessoas sombrias e encapuzadas na

cerimônia do Arco do Triunfo. De certo... Ao se lembrar do horror sinistro,

Cassie estremeceu.

— Acho que você está sendo convocada — disse Jake, o humor irônico não

pôde acobertar o tom de desdém na voz dele.

Cassie desviou o olhar apressadamente.

— Não seja ridículo. Eu não vou para lá. Vou me sentar com vocês, como

sempre.

— Ah, nós estamos honrados, Srta. Bell — Isabella usou um tom malicioso,

mas o olhar de canto de olho de Cassie a fez parar logo.

A última coisa que ela precisava era dar a impressão de que gostaria de ser

tratada diferente agora, especialmente perto de Jake — ela já estava desconfiada

de como ele se sentia em relação a ela. Cassie cutucou Jake e forçou um sorriso.

— Ah, entendi. Você quer se livrar da vela para ficar com Isabella só para

você, hein?

Jake deu uma risadinha e levantou as mãos fingindo protestar, mas seu

sorriso desapareceu quando ele viu quem se aproximava por trás dela.

— Eu acho que teremos o castiçal — ele resmungou, virando.

— Esta cadeira está ocupada?

Cassie olhou para cima imediatamente e seu coração disparou.

Page 46: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

45

— Ranjit! — Cassie sentiu sua face ruborizar... O entusiasmo evidente em

sua voz. — Hum, oi. Não, não está ocupada.

— Ordem, por favor? — na frente da sala, Herr Stolz estava tentando, com

pouco êxito, exercer sua autoridade. — Bem-vindos de volta, todos vocês. Sr.

Singh, pode se sentar, por favor? Devemos começar.

Ranjit se desculpou calmamente com a cabeça antes de se sentar

elegantemente na cadeira ao lado de Cassie. Isabella olhou para Cassie e deu

uma risadinha; Jake permaneceu calado e sério. Ignorando o burburinho ao

redor dela — talvez nem todos na escola tivessem visto o amasso no saguão,

afinal —, Cassie abriu seu livro e passou cuidadosamente a mão para deixá-lo

aberto na página. Ela ficou vermelha quando Ranjit virou um pouco a cabeça e

sorriu para ela.

Uma pontada em sua nuca dizia que mais olhares estavam sobre ela. Ela

levantou os olhos rapidamente e se virou, esperando encontrar metade dos

Escolhidos fulminando-a pelas costas. No entanto, foi uma surpresa encontrar

apenas o olhar fixo e triste de Richard.

Richard deve ter recuperado um pouco de sua joie de vivre5 no decorrer da

aula, encorajado pelo deboche inofensivo que fazia do professor super sério.

Quando ele se aproximou de Cassie, enquanto Ranjit falava com Herr Stolz, era

só charme.

— Você está brava comigo. Está brava comigo! Cassie, doce menina, eu não

posso suportar isso. Eu vou me matar. Não, vou me jogar nas ruas. Vou vender

meu corpo por uns trocados e morrer, pálido e magro, num sótão. Eu vou me

acabar. Vou escrever poesias terríveis e desesperadas. Eu vou...

— Cala a boca, Richard — Cassie deu meia-volta, arrumando a pesada

pilha de livros em seus braços enquanto espiava por entre o empurra-empurra,

tentando enxergar Isabella e Jake. Eles já estavam fora da sala, no corredor, se

amassando. Ela tentou achar Ranjit, mas agora ele estava conversando com seu

colega de quarto, um garoto dinamarquês magro chamado Torvald.

— Por você, querida, eu me calo — Richard disse suavemente.

— Sonho com isso. Todo mundo sonha com isso.

— Eu ainda faço parte dos seus sonhos? — ele apertou a mão contra o peito

fingindo desmaiar.

5 Joie de vivre significa “alegria de viver” em francês (N. T.).

Page 47: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

46

Cassie fez uma cara feia, brava consigo mesma. Se ela se deixasse levar pelo

papo dele, havia uma chance de acabar perdoando-o. E ele não merecia ser

perdoado.

— Sai fora, Richard. Sério. É claro que você deve ter notado que seu

fingimento não cola mais comigo — Cassie andou determinada em direção a

Isabella, parando ao lado dela com um maldoso sentimento de satisfação.

Richard ficou ao lado da porta; ela conseguia ver o reflexo dele no vidro,

parecendo perdido e verdadeiramente ferido. Bom. O pensamento em Richard

desapareceu da mente dela por causa de um choque elétrico quando Ranjit veio

e tocou gentilmente com uma das mãos a cintura dela. Ayeesha e Cormac

estavam bem atrás dele. Um pouco relutante Cassie se virou para eles e sorriu.

— Oi, gente.

— Oi, Cassie, Ranjit — disse Ayeesha quando se aproximou.

Ela se virou para Ranjit e o cumprimentou com a cabeça em sinal de óbvio

respeito. Cassie ainda não tinha compreendido totalmente a hierarquia dos

Escolhidos, mas não havia dúvidas de que ele fosse um dos poderosos. Ela sentiu

uma leve empolgação com o poder ao pensar que o namorava. Um sorriso

contraiu os lábios de Ranjit, como se ele soubesse o que ela estava pensando.

— Não fiquem por aí — continuou Ayeesha. — Subam para o quarto

comum. Nós temos que apresentá-lo a você, Cassie.

— Estamos indo para lá agora, pensei em matarmos a aula de literatura

inglesa — completou Cormac.

Cassie respirou fundo. Apesar do claro interesse de Isabella, ela meio que

esperava poder evitar o quarto comum: o exclusivo, sacrossanto quarto comum

da elite dos Escolhidos...

— Hum... Bem, eu não tenho aula à tarde, então pensei que poderia

terminar de desfazer minhas malas e tal. E não sei se é uma boa matar aula...

— Ah, não se preocupe com isso. Vamos! Venha e conheça os outros.

Converse um pouco. Conheça todos nós.

Será que ela estava pelo menos um pouco preparada para isso? Para

conversinhas com pessoas que ela talvez tenha visto por trás de capuzes

vermelhos pela última vez, deixando-a à mercê de Estelle Azzedine? Ela nem

sabia quais eram eles...

Page 48: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

47

— Vá, Cassie! — Isabella se intrometeu, sacudindo o braço dela. — Parece

divertido.

Jake olhou espumando. Seu silêncio falava muito alto para Cassie e ela

abriu a boca para declinar do convite. Mas, então, três garotas alunas do Liceu

passaram pelo saguão. Uma delas — Sara, não era? — disparou um olhar

arrogante e sussurrou algo propositadamente bem baixinho para suas amigas,

provocando um ataque de risos. Cassie não conseguiu entender direito o que

tinha sido dito, mas ela havia ouvido a palavra comum e tinha certeza absoluta

de que não se referiam ao quarto.

Sara era dos Escolhidos, Cassie sabia disso. Os olhos dela eram familiares?

Será que tinha visto aqueles olhos frios, azul-acinzentados, por dois buracos em

um capuz vermelho? Ela sentiu a raiva subir. Só havia um modo de descobrir...

— Quer saber? — Cassie falou alto para Ayeesha. — Seria ótimo, na

verdade. Vou até lá esta tarde.

— Ótimo! Nos vemos lá.

Quando Ayeesha e Cormac se afastaram, Cassie sentiu um aperto no

coração. Ela se arrependeu por ter sido impulsiva. Ela realmente não estava

pronta para enfrentar o quarto comum. Cassie olhou para Jake constrangida

quando Ranjit se voltou para ela e pegou em sua mão.

— Tenho algumas coisas para resolver também. Mas volto e te encontro

depois da sua aula de inglês e podemos aparecer por lá juntos.

Cassie sorriu ao assistir ele se afastando com passos largos e elegantes.

Como ele sabia exatamente a coisa certa a dizer? Com Ranjit a seu lado, o

quarto comum não parecia um lugar tão intimidador.

— Ugh. Socializar com os Escolhidos. Mal posso esperar.

— Cassie! O que eu disse sobre olhar pelo lado bom? Abrace as coisas boas!

Se eu tivesse a chance de matar a aula da velha e chata literatura inglesa, eu

teria agarrado com unhas e dentes! — Isabella cutucou Cassie na costela.

— Aaai! Por Deus, Isabella!

— Então... Você e Ranjit estão se dando bem, hein? — Jake disse, com uma

voz tensa. Cassie sabia que ele queria fazer essa pergunta tanto quanto ela

queria respondê-la. Ela andava ao lado deles arrastando os pés, olhando

fixamente para seus tênis surrados.

Page 49: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

48

— Oh, sim. Sei que é um pouco estranho, mas ele é um dos caras legais,

Jake. Tenho certeza disso.

— Bem, fico feliz que você tenha certeza.

Isabella deu uma olhada para Jake.

— Quero dizer, acho que você deve ter razão — ele retificou rapidamente.

Mas ele não olhou para Cassie enquanto falava. Ela sabia que ele suspeitava

há tempos que Ranjit tivesse matado sua irmã. Mesmo a confissão de Katerina,

dizendo que ela e Keiko tinham cometido o crime, não tinha sido suficiente

para convencer Jake de que Ranjit não fosse de alguma forma responsável. E

Cassie tinha de admitir que ainda havia questões sem resposta. Ranjit deveria

ter encontrado Jess na noite em que foi morta, mas Katerina tinha mandado

alguém para atrasá-lo. Quem tinha sido e quantos deles sabiam sobre o que

havia ocorrido? Cassie não tinha certeza de que queria saber a resposta — e

mesmo que quisesse, ela tinha a sensação de que Ranjit não iria dizer.

Jessica Johnson. A garota morta era como um tabu para muitos de seus

conhecidos. Às vezes parecia que ela ainda estava viva e frequentando a

Academia...

— Jake — Cassie começou.

Ele sacudiu a cabeça e a empurrou brincando.

— Ei, ignore o que eu falo. Desculpa. Acho que ainda não perdoei ou

esqueci muito bem. Mas estou aqui e é isso conta. De qualquer forma, nós

estamos sob o comando dessa linda garota aqui, que disse para relaxarmos.

Desculpe, linda — ele disse, colocando o braço sobre os ombros de Isabella

enquanto andavam pelo corredor.

— Sem problemas — disse Isabella, radiante com o elogio.

Jake limpou a garganta e passou rapidamente para outro assunto que

Cassie não estava a fim de discutir.

— Então, quando eu vou saber o que aconteceu no escritório do Darke,

hein? Eu quero saber o que ele disse. O que você fez, Cassie? O que ele fez?

— Hum...

Page 50: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

49

— Você parece bem melhor agora, isso é certo. Tem algo a ver com, hã, se

alimentar? — a voz de Jake soava normal, mas não conseguia disfarçar muito

bem a ansiedade por trás da pergunta e Cassie começou a se preocupar que ele

chegaria a conclusão certa. — Vamos, o que aconteceu? Conta logo — ele tentou

sorrir.

Cassie olhou para Isabella e notou o discreto “não” que ela fez com a

cabeça. Respirando fundo, ela mais uma vez não conseguia olhar nos olhos de

Jake.

— Sir Alric me deu um pouco de alguma coisa. Um tipo de medicamento.

Mas não uma droga.

Jake ficou em silencio por um instante agonizante. Por fim, disse:

— Um medicamento?

— Sim. Nada perigoso ou algo do tipo. É algo que os Escolhidos podem

tomar. Para evitar a fome — isso não era mentira, afinal de contas.

— Ah — ele parecia perplexo. — Então, é o negócio de se alimentar?

— Eu só tomei uma injeção e... Agora está tudo bem — atrás de suas costas,

Cassie cruzava os dedos das duas mãos.

— Mesmo? — Jake franziu a testa e depois fez uma cara estranha. — Bem,

isso é ótimo. Por que então que você não me contou? Isso parece bem objetivo.

Deus, você me deixou preocupado, sabe, com o que Keiko fez e tal.

— É. Não. Quer dizer, estou bem agora — Cassie mal podia sorrir.

Ela estava se remoendo de culpa. Ele sorriu tristemente para ela.

— Bom, estou feliz que esteja bem, de qualquer forma.

— Hum, legal.

— Isso — Isabella limpou a garganta, com um tom nervoso em sua voz. —

Está feliz agora, Jake?

Seu namorado sorriu e fez um artificial e gentil aceno com a cabeça.

— Então, eu preciso conversar com Cassie — ela apontou um dedo para

Jake e cruzou seu braço com o de Cassie. — Em particular!

Page 51: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

50

— Ei, o que eu não posso escutar? — ele perguntou queixosamente.

Isabella soltou o braço de Cassie e se enrolou no pescoço de Jake. Ela tacou-

lhe um beijo ardente na boca e depois se afastou.

— Assunto de meninas.

Isso pareceu convencê-lo. Ele levantou a mão em sinal de derrota.

— Bem, neste caso, eu definitivamente vou deixá-las. Vejo vocês mais tarde,

meninas.

Isabella sorriu e fez tchau. Quando ele saiu de vista, Cassie soltou o ar com

força.

— Ai, estou me sentindo uma merda — disse.

Isabella bateu as mãos.

— Obrigada, Cassie

— Pelo que? Por mentir para ele?

— Por ser discreta. Eu não quero que ele saiba sobre isso. Vai trazer muitas

memórias dolorosas sobre Jess.

Cassie deixou Isabella entrar primeiro no elevador.

— Uma hora ele terá que saber.

— Sim — Isabella admitiu pesarosamente. — Mas ainda não, tá?

— Quanto mais nós adiarmos...

— Por mais tempo ele será feliz. A ignorância é uma benção, não é? Então,

não vamos contar para ele ainda.

— Ok — suspirou Cassie quando a porta do elevador abriu silenciosamente

no andar delas. — Mas eu quero um favor por manter minha boca fechada.

Isabella escorregou a mão pelo braço de Cassie.

— Diga! Um pônei de polo?

Cassie gargalhou.

Page 52: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

51

— Ah, claro. Eu posso usar seu laptop um pouco, para checar meus e-mails e

tal?

— Ooh, você pede demais — Isabella jogou o cabelo dramaticamente e

depois sorriu.

Dando uma olhada pelo quarto e atirando sua mala na cama, ela pegou o

laptop.

— Aí está.

Cassie fez o login, achou sua caixa de e-mails e procurou as mensagens.

Alguns e-mails das crianças de Cranlake, incluindo algumas piadinhas infames

que a fizeram gargalhar. Além disso, nada mais do que ofertas especiais de sites

que ela havia visitado. Chato.

Havia mais uma mensagem. Embora ela tivesse esperando pela mensagem,

o nome do remetente da última mensagem da pasta a abalou. Sentindo-se

culpada, ela respirou fundo.

De: Patrick Malone Assunto: ENC: ENC: Como vai?

Vamos dar crédito ao homem, ele era persistente. Ele tinha enviado o

mesmo e-mail pela terceira vez, agora com pequenas variações. Como era Nova

York? Como tinha sido o voo? Ela estava bem? Ele não tinha notícias dela — havia algo

de errado? Ela poderia apenas responder este e-mail, melhor ainda, ligar para ele, assim

ele saberia que ela estava bem? Cassie você pode, por favor, apenas confirmar o

recebimento? Como está se sentindo?

Ela suspirou. Como ela estava se sentindo? Não estava pronta para falar.

Definitivamente, não estava pronta para confrontar o que tinha acontecido no

Natal, ou o que Patrick pudesse saber... Ela alisou gentilmente o touchpad,

guiando o cursor para a opção “excluir”.

Excluir mensagem?

Depois de hesitar por um instante, ela clicou “sim”.

Page 53: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

52

Capitulo 6 Cassie respirou fundo. Parecia um audacioso ato de sacrilégio

simplesmente tocar a linda porta entalhada do quarto comum. Os desenhos

eram tão complexos, tão delicados, que tinha medo que pudesse quebrar a

madeira. Mas, vamos encarar a verdade: não era por isso que ela estava

hesitante. Ela olhou ansiosamente para Ranjit enquanto ele se aproximava e

colocava sua mão na reluzente maçaneta de prata.

— Relaxa. Será divertido — ele murmurou, esticando o braço para buscar a

mão dela. Ela virou os olhos e tentou sorrir. Ranjit virou a maçaneta e a porta

abriu.

Enquanto eles entravam, Cassie respirou fundo. Por que será que ela estava

esperando o mesmo quarto comum parisiense — com antiguidades e tecidos

escuros, lustres de cristal e vidraria? Esse amplo espaço — apenas um andar

abaixo do escritório de Sir Alric na cobertura — estava inundado de luz por

causa das paredes de vidro e do céu azul congelante. Os sofás de couro eram

clean e da cor marfim; a mobília era elegante e minimalista, mas visivelmente

Page 54: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

53

cara. Os tênis dela chiavam no piso de madeira ao passo que ela cruzava o

quarto sob olhares que variavam entre amigavelmente surpresos e

violentamente hostis.

— Ei, vocês dois! — Cormac pulou e Ayeesha deu um daqueles sorrisos

radiantes. — Bom ver vocês. Venha e conheça os outros, Cassie.

Era extraordinário, ela pensou, o modo como o grande grupo dos Escolhidos estava

dividido em menores, mas muito intensos, subgrupos. As pessoas que ela esperava

que fossem estar juntas estavam juntas, classificadas de acordo com a

personalidade e educação geral — ou falta disso. O elo entre certos membros

dos Escolhidos e a divisão entre certos grupos de Escolhidos era invisível, mas

óbvio. Eles eram como pequenas galáxias girando em torno umas das outras,

mas nunca tocando uma a outra. Entre alguns grupos, o ar quase vibrava com a

tensão. Ela teve a nítida impressão também de que alguns membros de cada

grupo obedeciam a outros membros de uma maneira que não parecia ter nada a

ver com a idade.

Quaisquer que fossem as razões para as divisões, todos os habitantes do

quarto comum estavam temporariamente unidos em observar Cassie e Ranjit,

olhando as mãos dadas dos dois com interesse. Despreocupado, Cormac estava

gesticulando de maneira expansiva pelo quarto.

— Essa é Sara, claro. E você conhece Vassily e India do semestre passado e

Yusuf. Perdão, tenho certeza de que Ranjit pode te apresentar, eu acho que você

não precisa que eu te diga tudo isso — ele deu uma risadinha carinhosa. Cassie

sorriu de volta, começando a se soltar aos poucos.

Então, a porta do quarto comum abriu novamente e ela endureceu de

tensão outra vez. A voz que ela ouviu cumprimentar de forma elaborada um

grupo de alunos no canto era terrivelmente familiar.

Richard.

Surpresa, Cassie o observou: como é que ela não tinha pensado que ele

muito provavelmente estaria no quarto comum? Talvez ela tivesse esquecido de

propósito. Quando os olhos deles se encontraram, ele tirou um chapéu

imaginário sorrindo com hesitação, mas, felizmente, sem dizer nada. Ranjit

olhou para ele desconfiado. Cormac tinha voltado a se jogar no sofá felpudo ao

lado de Ayeesha e Cassie suspirou profundamente.

— Ok, acabou. Fim da experiência. Podemos ir agora? — ela falou baixo

com os dentes cerrados, como se estivesse com um largo sorriso.

Page 55: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

54

Ranjit olhou para o rosto tenso dela e riu de maneira contagiosa. O olhar

dele prendeu o dela e Cassie paralisou, tranquilizada pelo olhar intenso dele.

Ela o encarou de volta, fascinada, quase em câmera lenta. Ranjit a abraçou e

pressionou seus lábios contra os dela. O tempo pareceu parar enquanto ela se

derretia com o beijo dele, esquecendo sua tensão, até que uma tosse alta a

lembrou de que eles ainda estavam em pé no meio do quarto. Todos os olhares

voltados para eles de novo. Cormac parecia silenciosamente entretido; Richard

parecia atingido.

— De novo não — ela disse suavemente, sorrindo encabulada. — Nós não

estamos, hum... Um pouco em evidência aqui?

— Oh. Claro, vamos, hum... — Ranjit balançou a cabeça como se fosse

limpá-la e a conduziu ao outro sofá felpudo, enfiado num canto da sala.

Assim que passaram, uma explosão de risos agradáveis começou no grupo

de Richard, mas ele não parecia participar da brincadeira. Os olhos dele ainda

estavam em Cassie, carregados de um sentimento não definido. Então eles

chegaram ao sofá e se sentaram; Ranjit passou seu braço casualmente sobre os

ombros dela e o coração dela inflou. Tentando tirar a expressão de Richard da

cabeça, Cassie limpou a garganta.

— Eu admito. Isso até que é legal — então baixou o tom de voz. — E estou

feliz em ver que eles estão tão chocados em te ver quanto a mim — ela cutucou

Ranjit de brincadeira.

Ele ficou vermelho e Cassie estava surpresa de ver que ele parecia um

pouco envergonhado.

— Eu acho que sim.

— Como assim? — Cassie olhou para ele intrigada.

— Depois que Jess morreu, eu mantive distância do resto dos Escolhidos. Eu

sabia que um deles devia ser o responsável, mas não sabia quem. Suspeitava de

todos eles. Eu raramente entrei no quarto comum neste último ano. Ficou meio

difícil ter amizades próximas. E eles são cautelosos comigo por outros motivos.

— Quais?

Ranjit suspirou.

Page 56: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

55

— Os Escolhidos respeitam o poder. É como definimos a nós mesmos. E eu

sou forte, Cassie. Um dos mais fortes Escolhidos da Academia. Eu deixo as

pessoas desconfortáveis, ou com inveja.

Com um sorriso, Cassie ergueu a mão e passou os dedos pelos cabelos

negros dele.

— Você é quem diz — disse.

Ele deu um sorrisinho silencioso.

— Como eles sabem que você é tão poderoso? Como podem saber?

Ranjit olhou para ela, instigando-a.

— Você não percebe? — perguntou.

Cassie deu de ombros.

— Não.

— Tente. Olhe para os outros agora. Permita-se sentir a força deles.

Tentando não parecer óbvia, Cassie se arrumou em seu assento para que

pudesse ver o resto da sala.

— O que tenho que fazer?

— Apenas relaxe. Libere sua mente e vai acontecer.

Sentindo-se profundamente estranha, Cassie olhou com atenção para seus

colegas. Por um momento, nada aconteceu. Então, devagar, ela começou a

discernir um brilho que parecia vir de dentro de cada um deles. Uma bola de

luz que flutuava ao redor de onde estaria o coração deles.

— São lindas — ela suspirou.

— São os espíritos dos escolhidos — sussurrou Ranjit no ouvido dela. —

Quanto mais brilhante a luz, mais forte o espírito.

Algumas luzes brilhavam suavemente, outras queimavam com mais

intensidade. A luz de Cormac era suave e constante, mas a de Ayeesha era

brilhante como um refletor. A garota de Barbados devia ser muito poderosa.

Examinando o resto da sala, Cassie pôde de repente ver que a divisão dos

grupos tinha praticamente tudo a ver com poder.

Page 57: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

56

Yusuf, que tinha o espírito quase tão brilhante quanto o de Ayeesha, estava

cercado por um trio de Escolhidos menos poderosos, como se estivessem se

apoiando nele para ter amparo e proteção. No canto oposto, um grupo de

espíritos pouco iluminados tinha se juntado, quase como se estivessem

buscando segurança no bando. Richard estava entre eles e Cassie ficou surpresa

em ver que o espírito do garoto inglês era pouco maior do que a chama de uma

vela. Estranho, ela sempre pensou que ele fosse um dos bambambãs entre os

Escolhidos...

— Agora olhe para mim — sussurrou Ranjit e seu tom carinhoso trouxe a

atenção de Cassie de volta para ele. Ela perdeu o fôlego quando viu o

deslumbrante espírito dele, que resplandecia em seu peitoral como uma estrela

cadente e eclipsava todos os outros na sala.

Ou quase todos.

Ao olhar para baixo, Cassie viu o brilho que irradiava de seu corpo pela

primeira vez — parecia tão luminoso quanto o de Ranjit, mas diferente. Ao

invés de estar concentrada em seu peito, a luz dela parecia dispersa de algum

modo. Quando ela se moveu para frente, para tocar o rosto dele, ela pôde ver

uma luz que envolvia seu braço como uma aura. Balançando a cabeça, ela

deixou a visão se dissipar.

— Eu sou diferente — ela disse baixinho.

Ranjit pegou na mão dela.

— Você é perfeita.

Cassie sentiu seu coração saltar. Ela sorriu timidamente para ele.

— Não diga isso.

— Então agora você os viu como realmente são — sorriu Ranjit. — Talvez

fosse bom conhecer alguns deles melhor. Na verdade, existem algumas pessoas

decentes entre os Escolhidos, sabe?

Ela se inclinou para frente e beijou os lábios dele maliciosamente. Alguma

coisa no olhar dele era como um ímã; ela não conseguia tirar as mãos dele.

— Eu sei que sim — ela sussurrou enfaticamente.

— Bem, se você mudar de ideia sobre isso, você já tem, pelo menos, um

pouco de afeto também pelos indecentes.

Page 58: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

57

— Hã? — Cassie franziu a testa.

Ranjit apontou Richard com a cabeça, que estava sozinho de bobeira num

sofá de canto folheando uma National Enquirer6.

— O que você quer dizer, que eu gosto dele? — ela se afastou um pouco,

irritadinha.

— Bem, ele nunca parou de dar em cima de você, de agosto a dezembro...

— Ah, a culpa é minha, é?

Ranjit ficou tenso e, de repente, apertou um pouco os olhos.

— Não, mas você mal tirou os olhos dele desde que entramos aqui.

Ele acha que não o queremos? Queremos! Cassandra, você deve convencê-lo!

Cassie congelou com o reaparecimento da voz tão familiar dentro de sua

mente. Ao seu lado, Ranjit tirou o braço dos ombros dela quando se virou para

ficar de frente para ela.

— Admita, Cassie. É bem óbvio que ele está interessado em você. E você

gostava dele sim. Mal olhou para mim semestre passado, até você...

— Ah! — ela o interrompeu, desacreditando. — Eu gostei dele sim, até ele

me enganar, me obrigando a abrigar um maldito demônio.

E nós o agradecemos por isso, querida!

Cassie fechou bem forte os olhos por um instante, tentando ignorar as

interjeições de Estelle. Aquela mala sem alça tinha ficado quieta desde o

pesadelo, por que estava de volta agora?

Ranjit piscou os olhos rapidamente.

— Demônio? É o que você pensa? O que isso faz de mim, então?

— Ranjit, por que está agindo assim? — Cassie sibilou, virando o corpo

para confrontá-lo melhor.

Ele virou o rosto por um momento, com uma expressão furiosa, então,

depois de respirar fundo, seu olhar suavizou. Ele se aproximou e tocou o joelho

dela.

6 The National Enquirer é uma revista sensacionalista norte-americana (N. T.)

Page 59: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

58

— Perdão, Cassie. Não quis... — Ranjit baixou o tom de voz. — Olha, me

desculpe. Talvez agora não seja um bom momento para falar disso.

Cassie olhou para a direita e para a esquerda. Depois de ter certeza de que

alguns dos sorrisinhos sarcásticos tinham retornado agora que ela e Ranjit

tinham levantado a voz um para o outro, ela entrelaçou seu braço com o de

Ranjit, hesitante.

— Ok... E se eu te perdoar?

— Ótimo. E seu eu não mencionar mais Richard Halton-Jones?

— Melhor ainda — Cassie deu um sorrisinho para ele.

Ao ficar séria, ela decidiu colocar uma pedra nisso.

— Vamos lá... O que está acontecendo hoje no universo dos Escolhidos?

— Eu acho que o plano é ver um filme. Topa?

— Sim, claro.

Assim que ela acabou de falar, um dos alunos mais velhos perto deles

levantou o controle remoto e persianas começaram a descer pelas imensas

janelas. Com um clique e um zumbido, uma tela enorme começou a descer do

teto e o projetor moderníssimo ligou.

— Tá, definitivamente o máximo — ela disse, pasma. — Talvez esse lance

de quarto comum não seja tão mau, afinal de contas.

Ao diminuir das luzes, Cassie relaxou no macio sofá de couro, tentando

esquecer a imagem do rosto de Ranjit — os olhos semicerrados e o ciúme tão

rapidamente contido. Ela nunca tinha visto esse lado dele antes. De fato, eles

tinham muito que aprender um sobre o outro. Mesmo assim, ela não estava

feliz que ele tivesse ciúmes? Por um lado era legal. Reconfortante. Teria

exagerado? Ela estava errada de ter ficado toda nervosinha com ele?

Provavelmente. Mas tinha sido apenas uma pequena discussão e ele parecia já

ter esquecido.

Suspirando, ela fechou os olhos. O escurinho aconchegante pareceu abraçá-

la e, depois de um instante, ela esqueceu o filme — esqueceu da maioria das

coisas — quando ficou concentrada em estar tão perto de Ranjit. O perfume

intoxicante que exalava da blusa dele. O subir e descer do peito dele quando

Page 60: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

59

respirava. Sentiu seus dedos agarrarem com força os dedos dele. Se ela parasse

de analisar demais as coisas, talvez até esquecesse todas as suas preocupações...

Page 61: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

60

Capitulo 7 Cassie falou palavrões bem baixinho e se perguntou, pela quinta vez, se

arremessar o computador por uma janela do décimo sétimo andar seria

considerado motivo de expulsão.

No início do semestre, o novo professor de ciência da computação, Sr.

Jackson, parecia ser tranquilo. Mas agora, depois de algumas semanas, ele tinha

se transformado em um monstro. O último projeto — criar uma nova seção do

site da Academia Darke — poderia ter sido divertido, além de interessante, se o

Sr. Jackson não tivesse insistido em incluir uma sequência de animações e

gráficos tão complexos. Cassie sempre foi boa em webdesign, mas ela estava farta

até de olhar para o Dreamweaver7. Os sonhos dela já eram problemáticos o

suficiente.

7 Dreamweaver é um software da Adobe usado para o desenvolvimento de sites na internet (N. R.).

Page 62: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

61

As visitas noturnas de Estelle estavam ficando mais frequentes — três na

semana passada — e, embora o incidente dos porta-retratos derretidos não

tivesse se repetido, Cassie não conseguia parar de pensar que as duas coisas

estavam ligadas de alguma forma. Pensara em perguntar para Ranjit, mas sabia

que ele achava perturbador que Cassie pudesse ouvir Estelle e ela não queria

deixá-lo desconfortável.

Cassie suspirou, focando novamente na tela a sua frente. Talvez Jake

pudesse ajudar — o garoto parecia estar colado no seu laptop nos últimos dias,

tanto dentro como fora da classe. Ela nunca o tinha visto como um nerd dos

computadores, mas quem sabe...

Ela se levantou da cadeira de fininho e andou depressa e silenciosamente

pela sala, sem fazer barulho para evitar ser vista pelo Sr. Jackson.

— Ei, Jake, você pode...

— Cassie!

Jake quase morreu de susto. Ruborizando, ele rapidamente minimizou a

janela, mas não antes que os olhos surpresos de Cassie pudessem ler as palavras

no topo da página.

Registro dos Alunos da Academia Darke — Confidencial

— Jake, o que era aquilo? — interpelou Cassie.

— Credo, Cassie — Jake respondeu, fingindo sorrir. — Você quase me

matou.

— Você devia projetar a primeira página, não hackear o sistema de registro

da escola — Cassie suspirou incomodada quando arrancou o mouse da mão

dele. — O que está fazendo? Tentando mudar suas notas de química?

— Ei, não — protestou Jake. — Ah, Cassie... — Jake levantou as mãos para

o alto revoltado quando Cassie abriu a janela.

O estômago dela revirou. Ela se virou para Jake, mas ele estava olhando

para baixo para evitar os olhos dela.

Page 63: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

62

— Jake, você tem ideia do problemão em que ia se meter por isso? — Cassie

disse com firmeza. — Este é o arquivo pessoal de Katerina! No que você está se

metendo?

— Deixa isso pra lá, Cassie. Não é da sua conta.

— Não é da minha conta? Ela tentou me matar, se lembra? — os olhos de

Jake flamejaram. — Sim, bem ela conseguiu matar minha irmã. Lembra disso?

Você acha que eu vou simplesmente deixar isso pra lá?

— Jake, já discutimos isso...

— Ela admitiu, Cassie! Ela nos contou que a matou e ela riu. E tudo o que

Darke fez foi expulsá-la. Isso é justo? Bem, talvez seja para os Escolhidos, mas eu

não apoio essa ideia de justiça.

Cassie sentiu um calafrio na espinha.

— Você não está pensando em ir atrás dela, está Jake? Diga que não.

— Não me faça perguntas, Cassie e, eu não mentirei para você.

— Jake, me ouça... — Cassie tentava manter sua voz o mais baixo possível.

— Prometa para mim que vai parar com isso. Por favor. Nós dois sabemos que

Katerina matou Jess, mas não há como provar, mesmo que você a encontre.

Jake suspirou amargamente.

— No momento, eu decidi apenas encontrá-la, Cassie. E é mais fácil falar do

que fazer. O endereço do arquivo fica na Suécia e eu já chequei. A família dela

vendeu a casa há um mês e partiu. Sem deixar o novo endereço.

Ela se sentiu aliviada. Com a rede de relacionamentos dos Escolhidos, com

certeza não haveria modos de Jake encontrar Katerina se ela não quisesse ser

encontrada.

— Por favor, Jake. Sei que é difícil, mas você tem que esquecer isso.

Dava para ver no olhar de Jake que ele estava desconsolado.

— Não posso, Cassie. Devo isso a Jess. Vou encontrar Katerina. Ela será

punida pelo que fez. Eu juro.

— Sr. Johnson? Srta. Bell? Não sabia que vocês estavam trabalhando juntos

nesse projeto.

Page 64: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

63

Cassie se assustou com a voz do professor.

— Hum, não... Desculpe, Sr. Jackson, eu estava apenas perguntando para

Jake sobre editar arquivos HTML — ela disse suavemente.

— Bem, podem dizer que sou tradicional, mas acho que o comum na sala

de aula é direcionar as perguntas ao professor.

— Sim, senhor — murmurou Cassie, rangendo os dentes.

— Então, por que você não volta para seu lugar e eu vejo em que posso

ajudar?

Enquanto cruzava a sala, Cassie lançou um último olhar de suplica para

Jake, mas ele pareceu concentrado em sua própria tela. Estava determinado.

Determinado como nunca. Isso cheirava problema...

Page 65: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

64

Capitulo 8 — Sabe, nunca tive um encontro em uma estação de trem antes — disse

Cassie.

Ranjit sorriu.

— Não sabe o que estava perdendo.

Fala sério. Cassie ficou muito contente quando Ranjit sugeriu que fizessem

juntos, um tour pela cidade um pouco mais cedo naquela tarde. Ela sentiu que a

discussão no quarto comum os havia afastado um pouco e Cassie tinha

esperanças de que a sugestão dele de passarem uma tarde a sós pudesse ser o

suficiente para mudar isso. No entanto, quando ele a levou para uma estação de

trem, ela não estava tão certa de que seria a reconciliação romântica que

esperava.

Page 66: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

65

Por sorte, não demorou muito para ela mudar de ideia quando Ranjit a

conduziu ao Oyster Bar8. Mesmo com pouca experiência nesses assuntos, Cassie

teve uma gota de esperança de que os crustáceos pudessem propiciar um fim

de tarde afrodisíaco...

— Bom, né? — Ranjit olhou sob seus cílios longos e escuros e sorriu.

Quando ele olhou de volta para seu caro prato de frutos do mar, Cassie deu

uma olhada para as outras pessoas que jantavam. As três mulheres na mesa ao

lado estavam animadas, rindo por causa de alguma fofoca interessante. Ela

olhava para a boca das mulheres, cheirava delicadamente o perfume do hálito

delas. Suas áureas alegres eram quase mais atraentes do que as ostras, mas ela

não estava com medo de atacá-las. Ainda não. Dentro dela, a fome estava

silenciada. As Lágrimas dos Escolhidos ainda estavam fazendo efeito, graças a

Deus. Ela ainda tinha tempo.

— Você está bem, não é? — Ranjit perguntou, estendendo uma das mãos

para tocar a dela.

Ela se arrepiou.

— Totalmente.

Como se fosse para comprovar, ela engoliu outra ostra e se inclinou para

trás em sua cadeira, satisfeita. O teto sobre ela era maravilhoso: abobadado e

azulejado — e brilhante por causa da iluminação.

— Que lugar lindo.

— Sei que isso soa estranho, mas o terminal principal é ainda mais bonito

— ele riu. — Satisfeita? Vou pedir a conta e podemos subir.

Deixando o guardanapo sobre a toalha de mesa xadrez, ele fez sinal com a

cabeça para um garçom. Entregando um cartão de crédito preto e lustroso, ele

pagou sem checar o valor. Cassie deu um sorrisinho, apenas para si mesma. A

riqueza casual dos alunos da Academia Darke nunca parava de surpreendê-la.

Ranjit contornou a mesa e a ajudou a vestir o casaco, ela sorriu quando ele

colocou a mão sobre seus ombros por um segundo a mais do que o necessário.

— Ei, está tudo bem entre você e Jake?

8 Grand Central Oyster Bar & Restaurant é um restaurante de frutos do mar que fica na Grand Central

Station, em Nova York (N.T.).

Page 67: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

66

Cassie hesitou, surpresa pela pergunta e ficou na defensiva depois do que

tinha acontecido quando ele trouxe Richard à tona.

— Sim. Por que não estaria?

— Sei lá. Eu só não o tenho visto mais andando com você como antes. Eu

sei que ele não está exatamente empolgado com a ideia de estarmos juntos. E

depois do que houve com Jess, eu posso imaginar que ele não esteja feliz com o

fato de você se alimentar de Isabella também.

Cassie xingou mentalmente a perspicácia de Ranjit. Jake estava de fato

mantendo distância desde o “papo” deles na aula de ciência da computação.

Mas quanto mais ela poderia contar para Ranjit? Ela não estava pronta para

deixar outra pessoa saber sobre a campanha solitária de Jake em fazer justiça

com Katerina, isso era certo. Ela ganhou um pouco de tempo enquanto enrolava

seu cachecol cuidadosamente. Por fim, sorriu arrependida para Ranjit.

— Sim, você tem razão. As coisas ficaram um pouco... Tensas. Mas na

verdade, ele ainda não sabe do assunto da alimentação.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Sério? Bem, talvez seja melhor assim. Mas por quanto tempo você acha

que consegue esconder isso dele? Jake não é burro.

— Eu sei — Cassie fez uma cara triste. — Mas nós ainda não fizemos nada,

então não é como se nós estivéssemos mentindo. E Isabella não quer que ele

saiba mesmo, de jeito nenhum.

— Sim. Eu acredito nisso — disse Ranjit. — Ainda assim, você tem uma

amiga realmente incrível.

— Ela é muito corajosa — Cassie respondeu baixinho. — Mais corajosa do

que eu seria. De qualquer forma, eu tenho uma hora marcada com Sir Alric

amanhã. Isabella e eu. Ele vai nos dar nosso primeiro... Hã, treinamento.

— Bom. Será muito mais fácil para você se acostumar com a ideia de ser

uma de nós quando estiver mais confiante para se alimentar.

Ela se mexeu desconfortável com a escolha de palavras.

— Uma de nós.

Page 68: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

67

O lembrete de que Ranjit era tão membro dos Escolhidos quanto as sinistras

figuras escondidas na sombra, encapuzadas, durante seu ritual. Ele tinha falado

um pouco sobre a natureza obscura do espírito dentro dele, do “conflito de

personalidade” entre eles — um espírito mal em uma pessoa boa. Como Cassie

e Estelle, talvez. Será que ela estava se apaixonando por um monstro? E ele

estava?

Claro que não, querida...

Cassie ficou tensa. Enquanto eles subiam as escadas, Ranjit sentiu o

desconforto dela.

— Cassie... Sei que as coisas estão um pouco diferentes para você e que vai

levar um tempo para se acostumar, mas, eu juro, não é tão ruim.

— É fácil para você dizer, seu espírito não fica interrompendo seus

pensamentos de tempos em tempos — ela se voltou para ele e deu um

sorrisinho discreto, mas não conseguiu sustentá-lo. Ela olhou para baixo, de

repente. — Quero dizer, você tem um sentimento de unidade, mesmo que tenha

de lutar com sua natureza. Eu sou uma estranha mesmo no meio de estranhos.

E não sou como nenhum de vocês. Vocês são todos ricos, delicados,

privilegiados. Eu sou uma bolsista, pelo amor de Deus, acima de qualquer outra

coisa... — ela se calou e parou no topo da escada, respirando fundo.

As pessoas esbarravam de leve neles enquanto estavam em pé olhando um

para o outro. Ranjit esticou os braços e segurou as duas mãos dela.

— Você... — ele se inclinou em direção a ela. — Precisa parar de se

preocupar tanto. Eu posso não ser capaz de conversar com meu espírito, mas eu

ainda estou do seu lado. Eu tenho uma ideia sim, do que você está passando.

Acredite ou não, eu não estou nessa vida a passeio, apesar do que você possa

achar.

Ele parecia tentar confortá-la, mas havia certa falta de convicção na voz

dele. Ele parou por um momento, apertando seus olhos como se tentasse

reprimir um pensamento. Sem abri-los, os lábios dele tocaram os dela. Depois

do que pareceu uma eternidade, ele se afastou. Um pequeno choramingo

escapou da boca de Cassie. Ou foi apenas dentro da cabeça dela?

Finalmente, sem palavras, ele segurou a mão dela e a conduziu descendo a

escada. Por um instante, todos os pensamentos sobre os problemas deles saíram

da cabeça dela quando pararam.

Page 69: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

68

— Oh, uau! — Cassie respirou.

Eles estavam em pé no saguão principal da Grand Central Station, sob seu

icônico relógio. Em torno deles, trabalhadores e turistas se locomoviam como

um enxame de abelhas dentro do enorme espaço, mas ela apenas olhava para as

colossais janelas arqueadas, o elegante trabalho em pedra e, acima de tudo, o

teto pintado era extravagantemente bonito. Uma vez que sua atenção estava

presa, ela não conseguia desviá-la. Ela se virou, tonta de tanto olhar para cima.

— É o zodíaco.

— Sim — Ranjit estava com a mão no cotovelo dela, apoiando-a. — Pintado

no sentido errado. Viu?

— Eu não saberia isso. É mesmo?

— Por engano, sim. A família Vanderbilt se encarregou do trabalho no

início do século passado. Quando o erro foi apontado, eles disseram que tinha

sido de propósito. Eles disseram que era como se estivesse olhando as estrelas

por cima. A visão de Deus.

Lentamente, Cassie se virou de novo, assimilando a informação.

— Gosto disso — ela murmurou. — A visão de Deus. Bem apropriado.

— Muito bem, Cassie Bell. Então agora nos já passamos pelo desconforto do

primeiro encontro...

— Hã? — desconforto era apropriado.

— Por favor, posso sair com você de novo? — as palavras dele saíram

apressadamente. — O que acha? — o sorriso tímido dele acabou com ela. — No

Dia dos Namorados?

Cassie tomou fôlego. Ela nunca tinha tido um encontro de Dia dos

Namorados antes. Na verdade, se não fosse pelos displays de corações e flores

na frente de todas as lojas, ela teria esquecido que a data estava se

aproximando.

— Ok — ela disse devagar, sentindo calor de repente.

Ele ergueu uma sobrancelha e a falsa expressão de ultraje no rosto dele a fez

cair na gargalhada.

— Desculpe. Sim. Sim, eu adoraria.

Page 70: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

69

— Maravilha! — o sorriso dele iluminou todo seu rosto, fazendo com que

ele parecesse totalmente diferente. Cassie não pode evitar o desejo de que

pudesse deixá-lo daquele jeito mais vezes.

— Então eu posso perguntar aonde vamos?

— Não, de jeito nenhum. É surpresa.

— Ótimo — ela apertou o braço dele maliciosamente. — É como se eu não

tivesse tido surpresas o suficiente.

— Ha, ha. Ei, ainda é bem cedo. Quer dar uma olhada nos trens?

Ela escorregou sua mão até a dele enquanto caminhavam no meio da

multidão apressada.

— Então, o que temos aqui? Thomas? Percy? O Expresso Hogwarts?

Ele riu e apertou os dedos dela.

— Trens suburbanos do Metro-North9. Mas nunca se sabe. Mantenha seus

olhos bem abertos.

Eles caminharam devagar, olhando os milhares de nova-iorquinos e

turistas. Ela aproveitou o momento para desfrutar da companhia de Ranjit, sem

estar com pressa de ir para outro lugar.

— É como uma dança. Como será que essas pessoas nunca esbarram umas

nas outras?

— Nunca pensei nisso dessa forma. Você está certa, é bem impressionante.

O que mais podemos fazer aqui? Você quer dar uma olhada nas lojas?

— Ah! Já faço isso demais com Isabella! — Cassie riu ao mesmo tempo em

que um trem de partida apitou.

— Confesso que é um alívio.

Soltando a mão de Ranjit, Cassie deu um passo para trás e olhou para cima,

esticando o pescoço.

— Quem diria que uma estação de trem pudesse ser tão divertida?

9 A Metro-North Commuter Railroad Company, mais conhecida como Metro-North, é o sistema sobre

trilhos que atende a zona norte da região metropolitana de Nova York. Seus trens convergem na Grand Central (N.T.).

Page 71: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

70

— Bem, você sabe, eles quase a demoliram... CASSIE!

Do nada, uma pessoa que estava correndo em direção ao trem que ia partir

esbarrou com o ombro empurrando Cassie com violência para o lado.

Totalmente surpreendida, ela tropeçou com um grito de espanto.

Ela estava ciente de que um trem se aproximava, do barulho ensurdecedor

enquanto cambaleava na beirada da plataforma e do som agudo do que poderia

ser um apito ou uma pessoa assustada que assistia a cena. Os braços dela se

debatiam loucamente no ar enquanto ela caía na direção dos trilhos.

Então, Ranjit a segurou com força, arrastou-a com mãos de ferro para um

lugar seguro. Quando ele agarrou o pulso dela e finalmente a puxou, ela sentiu

o vento do trem que passava em seus cabelos, a plataforma sólida debaixo de

seus pés e a força dos braços de Ranjit que a envolviam.

— Está tudo bem. Ela está bem. Obrigado — pálido de susto, ele acenou

para algumas pessoas que passavam e em segundos eles estavam sozinhos, a

multidão passando por eles outra vez. Cassie conseguia sentir os músculos dele

tremendo debaixo do casaco.

— Obrigada, Sir Galahad10 — ela disse com a voz trêmula.

— Nossa, essa foi por pouco — Ranjit a abraçou mais forte. — Quem foi o

idiota?

— Sei lá. Malditos nova-iorquinos. Atrasado para uma reunião, aposto —

Cassie conseguiu soltar um riso.

O trem em que a pessoa tinha entrado estava partindo. Ranjit deu uma

última olhada, então abraçou Cassie novamente.

— Você tem certeza de que está bem?

— Sim. Sério mesmo — ela tremia e ele apertou mais o casaco dela.

— Quer saber? Acho que já visitamos lugares demais por hoje.

— Concordo. Estações de trem, hein? Divertidas, mas perigosas também —

ela sorriu trêmula. — Vamos voltar.

10

Segundo a lenda, Os Cavaleiros da Távola Redonda foram os homens premiados com a mais alta ordem da Cavalaria na corte do Rei Artur, no Cicio Arturiano. Galahad, filho de Lancelot e considerado o mais puro dos cavaleiros, foi quem conseguiu achar o Santo Graal (N.T.).

Page 72: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

71

Capitulo 9 Cassie não dormiu bem aquela noite. Toda vez que começava a pegar no

sono, ainda sentia o vento do trem, ouvia o agudo do seu apito. E nos cochilos

conturbados, não havia mãos para pegá-la e puxá-la de volta; ao invés disso, ela

caía, puxando Ranjit com ela. Nos sonhos, ela apenas continuava caindo,

caindo, com a voz de Estelle soando em seus ouvidos...

Mais uma vez ela acordou assustada, respirando de modo ofegante. Ainda

era noite lá fora, mas ela tateou procurando o relógio e tentou ver as horas, com

dificuldade, usando o fraco brilho da cidade. Ela gemeu. Sentindo-se

extremamente impossibilitada de dormir, sacudiu os pés para fora da cama por

medo de cochilar mais uma vez. Isso seria típico.

— Hora de levantar. Ei, parceira. Acorda, acorda.

Isabella continuou roncando até que Cassie a esmurrou e então ela tentou se

embrenhar nas cobertas novamente.

Page 73: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

72

— Cassie, não...

— Cassie, sim. Levanta, garota. Nós temos que encontrar Sir Alric, lembra?

— Amanhã. Isso pode esperar até amanhã...

— Já é amanhã, Isabella!

Finalmente, Cassie recorreu ao truque testado e aprovado de arrastá-la da

cama pelos tornozelos. Isabella só acordou de verdade quando seus pés

tocaram o chão. Mal-humorada e sonolenta, ela abriu os olhos com dificuldade,

olhando para Cassie sob sua juba embaraçada e então tirou o cabelo de seus

olhos.

— Oh, sim. Claro. Desculpe. Temos um horário marcado, não é?

Quando ambas estavam vestidas e iam em direção ao escritório de Sir Alric,

Isabella parecia irritantemente quase tão leve e solta quanto de costume. Se ela

estava tensa, disfarçava muito bem. Cassie era quem se sentia pesada de

cansaço e a beira de um ataque de nervos.

Ao levantar uma das mãos para bater na porta, esta se abriu. Cassie

reconheceu o sorridente garoto dos Escolhidos que estava saindo do escritório.

— Oi, Paco. Oi, Louis — Isabella sorriu para o colega de quarto atrás dele.

— Bom dia! — Paco parecia animado demais àquela hora do dia. Os olhos

dele brilhavam consideravelmente e ele irradiava energia. Louis, no entanto,

estava bocejando. Ele sorriu sonolento para Cassie e Isabella.

— Você também, hein? — ele esfregou os olhos e sacudiu a cabeça.

— O quê? — disse Cassie.

— Aula extra de latim a essa hora. Um saco, né?

Cassie conseguiu apenas dar um sorrisinho e concordar com a cabeça, mas

não pôde deixar de notar a piscadinha secreta de Paco, direcionada

exclusivamente a ela. Ela o ignorou quando Sir Alric as chamou para dentro do

escritório e a porta fechou na cara dos garotos.

— Cassandra. Isabella — ele sorriu de maneira reconfortante para ambas.

— Obrigado por virem.

— Não era exatamente opcional, era? — Cassie pontuou friamente.

Page 74: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

73

Sir Alric riu brevemente.

— Isabella, seja bem-vinda. Cassandra me disse que conversou com você

sobre... As necessidades especiais dela. E que você concordou em se tornar sua

fonte vital. Posso considerar que você ainda esteja certa de sua decisão?

Isabella sorriu com firmeza.

— É claro.

— Não são muitas as pessoas que têm o privilégio de escolher quanto a isso

— disse Sir Alric de modo sério. — Como você sabe, a maioria dos colegas de

quarto não sabem da verdadeira natureza dos Escolhidos.

— Sim, Louis, por exemplo? — Isabella pontuou, erguendo uma

sobrancelha em sinal de desaprovação. — Ele não sabe que Paco está se

alimentando dele?

— Não, ele não sabe. Mas me deixe assegurá-la de que independentemente

de a fonte vital estar ciente ou não do que acontece, se for feito do jeito certo, o

processo de alimentação é totalmente inofensivo — Sir Alric apontou para duas

cadeiras de couro escuro. — Por favor, sentem-se, as duas, e farei o possível

para responder quaisquer dúvidas antes de começarmos.

Ele se sentou de frente para elas, cruzando uma longa perna sobre a outra e

observou-as esperançosamente. O coração de Cassie disparou; ela nem sabia

por onde começar. Deu uma olhada em Isabella, mas ela parecia, súbita e

atipicamente, estar tão sem palavras quanto Cassie. Sir Alric quebrou o silêncio.

— Bem, em primeiro lugar talvez seja interessante que as duas pensem

nessas sessões da mesma maneira que pensam em suas outras aulas. O que

queremos obter aqui é um dos objetivos principais da Academia; preparar

nossos alunos para a vida fora destas paredes sagradas. Na verdade, vocês até

poderiam pensar na Academia como um campo de treinamento para todo tipo

de coisa.

— Campo de treinamento? — Cassie arriscou.

— Sim. Como você já sabe, selecionamos aqui na Academia Darke alunos

que acreditamos ter o potencial para serem hospedeiros adequados aos

Escolhidos. O ambiente acadêmico proporciona aos Escolhidos a oportunidade de

obter as habilidades e conexões pessoais necessárias para que se tornem líderes

da sociedade.

Page 75: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

74

— E o resto dos alunos daqui são os lanchinhos? — Cassie estava ficando

menos certa dessa ideia naquele momento.

— Os outros alunos — continuou Sir Alric, sereno — têm um papel vital em

nosso mundo. E, por consequência, no mundo como um todo. Por estarem à

disposição, doarem sua energia vital, eles ajudam a nutrir nossos futuros

líderes, artistas e cientistas. E, em troca eles são beneficiários de uma

incomparável educação de excelência internacional que irá sustentá-los em

posições vantajosas em suas próprias vidas.

Cassie deixou escapar um riso melancólico.

— Vital para a humanidade...? — ela começou, mas Isabella se inclinou para

frente e levantou a mão.

— Mas por que têm que fazer isso sem nosso consentimento? E por que

cada um dos Escolhidos tem que se alimentar do seu próprio colega de quarto,

em particular? — ela perguntou, com uma expressão que era um misto de

curiosidade e preocupação.

Sir Alric juntou as mãos e começou outra vez cuidadosamente.

— Ao longo dos anos, descobrimos que o sigilo e a melhor tática. Nem todo

mundo aceitaria os Escolhidos como você fez, Isabella. Se o mundo soubesse a

verdade sobre nós, sobre nossos poderes e habilidades e o que precisamos fazer

para mantê-los, quanto tempo acha que levaria até sermos tachados de

monstros? Temidos e perseguidos onde quer que fôssemos? Não. Há segurança

no sigilo e é por essa razão que a maior parte dos membros dos Escolhidos

prefere que seus colegas de quarto não saibam o que acontece a eles.

Isabella fez “não” com a cabeça.

— Quanto a insistirmos para que cada membro dos Escolhidos apenas se

alimente de seu colega de quarto — continuou Sir Alric —, se os Escolhidos

tivessem permissão de se alimentar aleatoriamente, haveria o risco de um aluno

ser usado como fonte vital por mais de um dos Escolhidos, perdendo muito de

sua energia vital. E quando isso acontece é que se alimentar pode ser perigoso.

Mas se cada membro dos Escolhidos se alimentar apenas de seu colega de

quarto, esse perigo é evitado. É uma mera precaução, outra amostra de como

levamos a sério a segurança de vocês.

Cassie estava balançando a cabeça.

Page 76: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

75

— Algum problema, Cassandra?

— Você faz parecer tão fácil. Mas e quanto a Keiko e Alice? E quanto ao que

aconteceu com Jess, hein? E quanto ao Escolhido que decide não seguir mais as

regras do seu assim chamado método? — ela quase cuspiu a última palavra.

— Em qualquer sociedade há aqueles que se desvirtuam do caminho das

leis. Quando isso acontece, eles são punidos.

Cassie riu incrédula. As palavras furiosas de Jake na aula de ciência da

computação ecoaram em seus pensamentos.

— Então Katerina foi punida por ter matado a irmã de Jake sendo expulsa?

Pode me chamar de irracional, mas nesse caso a punição não parece

proporcional ao crime.

Sir Alric descruzou as pernas e se levantou, endurecendo sua expressão.

Cassie sentiu uma pontada de medo junto a sua raiva e tensão.

— Entendo o que sente, Cassandra, mas nós não estamos aqui para discutir

Katerina Svensson. A punição dela foi decidida por poderes além da sua

compreensão e do meu controle. O que é mais importante agora é que você

receba treinamento adequado para se alimentar e que seja monitorada para

garantir que não cometa os mesmos erros que ela — o tom de Sir Alric soava

como uma conclusão definitiva. O tempo para as perguntas estava encerrado.

— Eu tenho outra reunião daqui a pouco, então devemos começar. Isabella, por

favor, venha até aqui — Sir Alric apontou um lugar de frente para ele. — E você

aqui, Cassandra.

Cassie assumiu a posição indicada de frente para Isabella, com as palmas da

mão suando. Isabella dava risadinhas de nervoso e fez um biquinho.

Sir Alric arqueou uma sobrancelha perfeita.

— O que está fazendo, Srta. Caruso?

Isabella olhou constrangida para Cassie e Sir Alric.

— Cassie disse que quando Keiko se alimentava de Alice era como se a

estivesse beijando. Então, eu pensei...

— O método de Keiko não é o modo pelo qual recomendamos que seja feito

esse processo. Ela tinha propensão à crueldade e a decisão dela de se alimentar

Page 77: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

76

dessa maneira apenas refletia essa propensão. A alimentação boca a boca é mais

poderosa, mas também mais prejudicial.

— Ufa! Finalmente boas notícias! — Cassie conseguiu dar um sorrisinho. —

Sem ofensas, Isabella, mas você não é bem o meu tipo.

— Sem problemas, querida — Isabella respondeu, com uma piscadinha.

Sir Alric também sorriu e chacoalhou a cabeça.

— Não vamos nos precipitar. Cassandra segure os pulsos de Isabella, desse

jeito... — ele demonstrou, envolvendo com firmeza, com seu dedão e seu dedo

indicador, os pulsos de Cassie. Ela se aproximou e fez como ele dissera,

mexendo os pés desconfortavelmente.

— Até agora tudo bem — disse Isabella, encorajando Cassie com um aceno

de cabeça.

— Um pouco mais forte — disse Sir Alric abruptamente. Cassie apertou

mais os pulsos de Isabella, observando sua colega de quarto com atenção. Ela

podia sentir a pulsação de Isabella sob seus polegares. Sir Alric continuou.

— Agora, você deve pensar o tempo todo, Cassandra. Pense no que você

está fazendo, na importância disso. Pense tanto em Isabella quanto em você.

Nunca deixe acionar o piloto automático; é aí que você perde o controle.

Comece devagar. Está entendendo?

Ela confirmou com a cabeça, engolindo seco.

— Agora, Isabella, isso pode parecer um pouco diferente — disse Sir Alric,

com a voz calma e no mesmo tom. — Mas eu estou aqui. Você tem minha

palavra de que não ira se machucar.

— Tá — disse Isabella, parecendo desconfortável.

— Tem certeza de que quer continuar com isso? — perguntou Cassie.

— Certeza. Sério, Cassie. Confio em você.

— Sim, mas eu não tenho certeza de que confio em mim mesma — Cassie

murmurou, com a mente em Cranlake Crescent no momento em que atacou

Patrick.

— Então vou confiar em você por nós duas — o sorriso de Isabella era

vacilante, mas sua voz estava firme.

Page 78: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

77

— Bem — disse Alric, colocando uma das mãos sobre o ombro de Cassie. —

Fechem os olhos — ele parou. — Agora, Cassandra. Respire fundo e tente

relaxar.

Cassie fez o que ele dissera, mas nada parecia acontecer.

— Mais uma vez. Concentre-se.

A voz de Sir Alric começou a desaparecer enquanto Cassie respirou fundo

uma segunda vez. Dessa vez houve uma mudança. Quando ela soltou o ar, seus

sentidos pareciam de alguma forma ter sido aguçados. Por baixo das pontas de

seus dedos, o pulso de Isabella estava golpeando, disparado. Ela conseguia

sentir a energia vital fluindo pelas veias de sua colega de quarto.

— Aí está — murmurou Sir Alric.

Agora Cassie pode sentir uma sensação de formigamento por toda sua pele,

um zumbido em sua cabeça, um brilho reluzente por trás de suas pálpebras. Ela

estava ao mesmo tempo com a cabeça vazia e totalmente, completamente alerta,

e ela se deu conta de que ainda estava inalando, seus pulmões não pareciam

nem perto de estar cheios.

— Concentrem-se — outra vez a voz de Sir Alric sobre o zumbido em sua

cabeça.

Cassie lentamente abriu seus olhos, ainda inspirando, com os dedos

enrolados com firmeza nos pulsos finos de Isabella. Piscando, ela notou que os

olhos de Isabella estavam bem apertados e que a boca dela estava ligeiramente

aberta, emitindo um suspiro quase imperceptível de seus lábios e Cassie

instintivamente sabia que o infinito fluxo de ar saindo de sua amiga e entrando

nela era a energia vital da qual ela precisava. Preenchendo-a de força...

Sim, minha querida! Isso mesmo! Me alimente, Cassandra.

Com o barulho do que parecia ser falta de ar, Cassie largou os pulsos de

Isabella e deu um passo para trás. Os olhos de Isabella se abriram devagar e ela

tossiu, esfregando os olhos como se tentasse acordar de um sono profundo. O

coração de Cassie estava disparado, não apenas descompassado pelo que ela

estava fazendo, ou pela reaparição da voz de Estelle, mas pelo imenso, quase

irresistível sopro de vitalidade. Ela nunca tinha se sentido mais viva. Era como

se seus sentidos estivessem todos hiperaguçados.

— Sim. Bom controle, Cassandra — disse Sir Alric.

Page 79: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

78

Cassie pulou, quase surpresa por perceber que ele ainda estava ao lado

delas.

— Muito bem, vocês duas.

Cassie se voltou para Isabella com hesitação.

— Você está bem?

Isabella parou, então deixou escapar uma risadinha.

— É isso? — com a voz inundada de incredulidade.

— Isabella? Você tem certeza de que está...

— Estou absolutamente bem — disse Isabella. Ela olhou para Cassie e

sorriu, então entrelaçou sua amiga em seus braços em um forte abraço. — Viu,

eu te disse, Cassie Bell. Não havia motivo para todo aquele estardalhaço! Sem

problemas.

Cassie sacudiu a cabeça, com uma ponta de dúvida ainda em seu

pensamento.

— Sim. Isso foi... Eu acho que foi menos complicado do que eu esperava.

Ainda assim, não sei se é algo que gostaria de fazer regularmente — ela estava

um pouco tonta.

— Alimentar-se regularmente é uma obrigação, Cassie — disse Sir Alric,

sério. — Como você viu, se for feito corretamente, é um procedimento simples e

inofensivo. Mas se esperar muito, se ficar com muita fome, é aí que pode

cometer erros e perder o controle. E é então que as pessoas se machucam — ele

andou em direção à porta e colocou a mão na maçaneta. — Por um momento, as

Lágrimas dos Escolhidos vão ajudá-la a se sustentar. Conforme o efeito delas se

prolongar, você não precisará se alimentar com a mesma frequência que os

outros Escolhidos. Você foi bem hoje, mas assim que sentir a fome crescendo,

Cassandra, você deve me avisar e nos veremos de novo — Sir Alric Darke abriu

a porta. — Até lá...

Page 80: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

79

Capitulo 10 — Estou ridícula.

— Não está, não. Está linda!

Cassie e Isabella estavam em pé em frente ao guarda-roupa espelhado,

Isabella absolutamente elegante em jeans, botas de couro e cashmere vermelho,

Cassie alisando e puxando compulsivamente a seda verde-escura do vestido

emprestado.

— Você não gosta? Não gosta do meu vestido?

— Isabella, eu adoro o vestido. É o que está dentro dele que parece uma

idiota.

— Ahhh! Você é cega e burra — Isabella jogou o cabelo. — Estou

deslumbrante querida e você parece duas vezes melhor do que eu. Claro que eu

gosto de pensar que sou pelo menos um pouquinho responsável por isso.

Page 81: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

80

Cassie sorriu. As coisas entre Isabella e ela estavam surpreendentemente

normais desde a aula para se alimentar, para alívio de Cassie. Ainda assim, não

importava o que Sir Alric tivesse dito, ela planejava estender o prazo pelo

máximo de tempo que pudesse antes de fazer sua amiga — e ela mesma —

passar por essa estranha experiência de novo.

Ela piscou para sua imagem no espelho. Seu cabelo castanho-claro tinha

recebido um bom corte; outra cortesia de Isabella: como ela poderia pagar a

garota por essa generosidade e pelas outras? Agora na moda e bem tratado, o

cabelo tinha um brilho acetinado. Isabella tinha jogado todas as sombras e os

batons velhos, duros e quebrados no lixo e tinha feito algum tipo de mágica

com seu próprio kit de maquiagem extremamente caro. Olhar no espelho era

como olhar para uma pessoa diferente — uma versão nova e muito mais bonita

de si mesma. Ela riu com sarcasmo ao ver sua imagem e, outra vez, puxou o

vestido desconfortavelmente.

Isabella estava certa de uma coisa: tinha emagrecido demais; um espírito

invasor e um trauma subsequente fariam isso a qualquer garota. Mas a cor do

tecido destacava mesmo seus olhos. O contraste com o rico verde-escuro fazia

suas íris amarelo-esverdeadas parecerem brilhantemente claras e penetrantes.

Sua amiga suspirou exageradamente.

— Confie em mim, você está incrível, Ok? Agora calce seu Jimmy Choos11.

Você vai comemorar com seu namorado!

— Calce seus Jimmy Choos, quer dizer — observou Cassie baixinho, mas ela

sentiu uma empolgação com o glamour quando escorregou os pés para dentro

dos sapatos de salto. — Será que vou conseguir andar?

— Com estes sapatos você não anda, Cassie, desfila.

— Claro, como você disser. Eu só queria saber aonde vou vestida assim. Eu

queria ir para Coney Island com vocês.

Talvez ela até tivesse uma chance de conversar com Jake sobre as atividades

extracurriculares dele. Jake ainda estava evitando ficar sozinho com Cassie e ela

estava certa de que era para que ela não pudesse pressioná-lo a desistir da caça

à Katerina.

11

Jimmy é um premiado designer de sapatos nascido na Malásia. Atualmente, trabalha em Londres e se tornou conhecido mundialmente por produzir sapatos femininos feitos a mão (N.T.).

Page 82: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

81

— Não seja boba, seu encontro será muito chique — Isabella chacoalhou a

cabeça e suspirou. — Embora o meu seja romântico, não é? Jake e eu vamos

caminhar pelo calçadão de braços dados. Vamos comer cachorro-quente no

Nathan's Famous12. Talvez demos uma volta no Cyclone13.

— Uh-hum, daí você terá uma desculpa para gritar e agarrar o pescoço dele.

Isabella deu um sorriso sugestivo.

— Para que mais serve uma montanha-russa? Hã! — ela emitiu um som

agudo de alegria quando ouviu alguém batendo na porta do quarto delas. — Aí

está ele!

Para falar a verdade, lá estavam os dois, embora obviamente eles não

tivessem planejado chegar ao mesmo tempo. Ranjit e Jake estavam sem graça,

mantendo a maior distância possível — a linguagem corporal deles gritava o

incômodo. Quando Isabella abriu a porta, o alívio que sentiram foi

indisfarçável.

— Oi, linda — a expressão rígida de Jake se derreteu em um enorme sorriso

quando ele abraçou e girou Isabella. — Você está maravilhosa!

— Não pareça tão surpreso! — ela o beijou sem vergonha de parecer

entusiasmada. — Devemos ir e nos comportar como turistas?

— Estou louco para ser um turista em minha própria cidade. Mesmo que eu

não possa te levar a um lugar caro — ele resmungou, olhando de relance com

certo pesar para o smoking de Ranjit.

— Ei! Estar com você não tem preço! — Isabella deu um soco no braço dele.

Nesse meio tempo, Cassie percebeu que não conseguia olhar nos olhos de

Ranjit. Ela apertou os dedos a fim de parar de ficar mexendo em seu vestido.

Oh, Deus. E se ela tivesse entendido tudo errado? E se ele tivesse vergonha de ser visto

com ela? E se...

No entanto, os sapatos dele estavam bem ali, então, tinha que olhar para

cima e sorrir. Foi quando ela soube que daria tudo certo. A expressão dele era

de alguém surpreendentemente pasmo e havia até um leve rubor nas bochechas

escuras dele.

12

Nathan's é um tradicional restaurante que serve cachorro-quente e fast food na Coney Island (N. T.). 13

Cyclone, ou The Coney Island Cyclone, é uma tradicional montanha-russa de Nova York feita de aço e madeira (N.T.).

Page 83: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

82

— Cassie — ele respirou fundo e timidamente ofereceu a ela uma rosa

amarela. — Você está... Linda.

— Você também — ela deixou escapar antes que pudesse perceber. Mas era

verdade. O smoking devia ter sido feito a mão sob medida para ele,

perfeitamente ajustado ao seu corpo esguio. Ela podia jurar que conseguia ver

as linhas dos músculos dele por baixo do caro tecido.

— Bem, vocês... — Jake estava segurando firme a mão de Isabella, hesitante

na porta do quarto e claramente desesperado para sair. — Divirtam-se.

Ranjit limpou a garganta.

— Vocês também. Aproveitem.

Isabella estava contendo o riso.

— Feliz Dia dos Namorados — ela disse para Cassie mexendo os lábios sem

emitir som. Jake a estava puxando para fora do quarto, a porta fechou e eles se

foram.

Ranjit soltou um suspiro de alívio e Cassie deu uma risadinha.

— Cassandra Bell — ele sorriu —, vamos dar o fora daqui.

Não era longe de táxi, mas Ranjit insistiu que eles não podiam andar — não

com aqueles sapatos maravilhosos — embora Cassie quisesse apreciar o ar

fresco do inverno. Ela só percebeu que eles tinham hora para chegar quando o

táxi virou a esquina na 57th Street com a 7th Avenue.

— Ah, meu Deus — ela soltou quando desceu do táxi. — Estou no Carnegie

Hall14.

— Como se chega ao Carnegie Hall? — sorriu Ranjit. — Prática, prática...

Ela riu enquanto pegava no braço dele.

— Essa piada foi péssima.

— É uma piada muito antiga — ele deu uma olhada no relógio. — É melhor

sentarmos em nossos lugares. Vamos.

14

O Carnegie Hall é uma sala de espetáculos localizada em Midtown Manhattan, na cidade de Nova York (N. R.).

Page 84: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

83

Cassie teria ficado feliz de se sentar atrás do pilar na fileira de trás do

mezanino, mas eles foram conduzidos a um camarote no primeiro andar, bem

na frente e com vista direta para o palco. Era uma posição tão exposta que ela

teria se sentido bem inibida se não fosse pela reconfortante mão de Ranjit sobre

a sua.

Então, a cortina subiu e ela foi levada pela música instantaneamente.

Engraçado, ela nunca tinha ouvido qualquer música de Richard Strauss em toda

sua vida — no máximo uma nota de Tchaikovsky ou Beethoven —, mas

imediatamente a música parecia pertencer só a ela. Encantada, ela mal se dava

conta dos olhares de Ranjit em sua direção, mas seus sentidos se aguçaram

demais quando as pontas dos dedos de Ranjit tocaram a mão dela.

Insanamente, lágrimas brotaram em seus olhos e ela piscou para limpá-las.

Seria estúpido chorar quando ela se sentia mais feliz do que nunca.

Ainda assim, muitos sentimentos estavam tomando vida. Ela não podia

fazer nada para evitar e, ela não queria evitar. Estava extremamente consciente

de tudo: do calor da mão de Ranjit e da picada aguda da resposta de seus

neurônios; da música, extasiando seu cérebro e suas emoções, cada instrumento

soava distintamente em sua cabeça, mas todos harmoniosos entre si. Ela podia

sentir o calor e o perfume da plateia, respirando para dentro e para fora,

algumas pessoas ocasionalmente prendendo a respiração até que a música as

fizesse soltar o ar em uma exalação apressada. Ela podia ouvir a música: a

respiração, o som da seda e o eventual rangido de um sapato de couro, o

rangido de alguém se mexendo na cadeira; o arranhão do arco sobre as cordas,

o sussurro brando de uma página de partitura sendo virada. Então, era

inevitável que ela sentisse um olhar direcionado a ela.

Ela estava sendo observada. Percebeu isso de repente. Sua testa formigava

com o olhar fixo e pela primeira vez ela esqueceu a orquestra, esqueceu o

estrondo retumbante da música. Quando ela levantou o olhar, ela sabia a

direção exata e encontrou seu observador imediatamente.

O choque a abateu de tal forma que ela ficou sem ar. Do outro lado do

auditório, no camarote oposto ao deles, quatro garotas estavam sentadas. Ela

conhecia todas: três alunas do Liceu da Academia, todas membros dos

Escolhidos. A arrogante Sara entre elas; Cassie não sabia o nome das outras duas,

uma de cada lado; apenas que elas nunca tinham sido amigáveis.

Mas o quarto rosto era um que ela conhecia muito bem. Pálido e adorável,

frio como o Ártico, mas reluzente de beleza. Uma rainha de gelo, uma loira de

Page 85: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

84

Hitchcock. Perfeita em todos os sentidos — exceto pela cicatriz que cruzava sua

bochecha esquerda.

Cassie sentiu os dedos de Ranjit apertarem as mãos dela, questionando-a,

mas ela estava congelada demais pelo choque para responder. Apenas quando

aplausos começaram, sinalizando o intervalo, é que ela voltou a si. A explosão

de barulho despedaçou seu transe e ela se virou para ele desesperada.

— Katerina. Katerina está aqui.

Ranjit franziu a testa, mas ele não a questionou. Ele virou para onde ela

indicou com a cabeça e olhou fixamente para o camarote oposto ao deles.

Quando Katerina levantou a mão delicadamente em um aceno irônico, ele não

reagiu, mas Cassie viu os olhos deles brilharem com um fogo familiar. Era

aquele brilho escuro em espiral que ela já tinha visto, como lava derretida.

Tinha sido assustador quando ela viu a chama pela primeira vez. Dessa vez foi

reconfortante.

— Sinto muito, Cassie — a voz de Ranjit estava fria e mortífera. — Eu não

tinha a menor ideia de que ela estava em Nova York.

— Não tem problema. Sério — o coração dela dava solavancos, discordando

de suas palavras. Katerina estava em Nova York. A mente dela voou até Jake.

Ele a estava caçando por todo o mundo. O que ele faria se soubesse que ela

estava aqui, na cidade natal dele? Ao seu alcance...

A voz de Ranjit interrompeu os pensamentos dela.

— Eu tinha pedido champanhe para o intervalo no bar exclusivo para

membros — ele disse. — Mas se você preferir que fiquemos aqui...

Cassie fez “não” com a cabeça, com força.

— Eu não vou deixar que ela estrague uma noite adorável. Vamos evitá-las.

Ele apertou a mão dela.

— Vamos tentar ao máximo. Vamos.

Eles bem que poderiam ter ficado longe do caminho de Katerina e suas

amigas, mas apesar da tumultuada multidão descendo a escada, Katerina

estava claramente determinada a não ficar longe do caminho deles. Ranjit tinha

acabado de servir duas taças de champanhe no bar exclusivo quando a garota

Page 86: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

85

loira surgiu entre o punhado de clientes abastados, com suas amigas

escoltando-a como um tipo de Guarda Pretoriana15.

— Olá, olá Bell — ela disse devagar, olhando-a de cima a baixo. — Se não é

a bolsista.

— Já chega, Katerina — Ranjit falou em voz baixa e sem alterações, mas

havia um nítido tom de ameaça implícito.

— Eu concordo plenamente. Já chega mesmo. Este tipo de gentinha

permanecer na Academia e eu ser expulsa e simplesmente... Oh, céus, como se

diz?

— Um crime — murmurou Sara.

— Gentil de sua parte, querida Sara, mas um crime pode ser divertido e

sofisticado — Katerina apenas sorriu enquanto as três garotas deram

risadinhas. — Deve haver outra palavra.

— Uma desgraça — sugeriu a morena ao lado de Sara.

Cassie tomou um gole de champanhe. O geladinho atingiu sua língua e

garganta e subiu direto para sua cabeça, mas ela não se sentia bêbada, apenas

fria e feroz. A sensação era boa. O braço de Ranjit estava ao redor de sua

cintura, protetor e atento, mas ela não sentia necessidade do apoio dele. Ela

virou outro belo gole, esvaziando sua taça.

— Meu Deus, isso não é um boteco do centro — o sotaque inglês de Sara era

impecável. — Não estamos aqui para nos embebedar e vomitar Srta. Bell.

Katerina ainda estava batendo suavemente um dedo no maxilar. Cassie

olhava para o rosto dela, fascinada pela cicatriz. Ela se recordava de tê-la

colocado lá, naquele túnel escuro, quando conseguiu escapar do distorcido

ritual dos Escolhidos de baixo do Arco do Triunfo. Pela primeira vez ela estava

efetivamente feliz. Sim, aquele tinha sido um bom momento. Na verdade, ela

gostaria de fazê-lo de novo. Bem agora.

Mas Katerina estava falando de novo, distraindo-a.

15

Guarda Pretoriana era o grupo de legionários experientes encarregado da proteção do praetorium, parte central do acampamento de uma legião romana, onde ficavam instalados os oficiais. Com a tomada do poder por Otávio Augusto, transformou-se em guarda pessoal do imperador (N. T.).

Page 87: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

86

— Hum... Eu ainda estou tentando pensar em um termo apropriado.

Desgraça nem começa a descrever o que aconteceu no semestre passado. Sir

Alric decaiu no conceito de muita gente. Uma queda tão grande de padrões.

— Saia daqui, Katerina — Ranjit estava absolutamente imóvel, mas sua voz

era de forte ameaça.

— Ah! Eu sei a palavra — disse Sara, ignorando-o. — Vamos ver: um

espírito nobre dentro de algo tão indigno. Uma incompatibilidade. Uma

excentricidade. Nunca deveria ter acontecido, querida Katerina, assim como sua

expulsão. É uma... Aberração.

As quatro garotas suspiraram de satisfação.

— Sim — sorriu Katerina ironicamente. — É isso precisamente. Uma

aberração.

DO QUE ELA NOS CHAMOU?

A haste da taça de champanhe escapou da mão de Cassie. Ela ouviu um

rosnado estranho, mas parecia vir de longe, ou talvez de algum lugar fundo

dentro dela. Seus olhos queimavam, tão quentes e tudo tinha ficado vermelho,

como se ela estivesse olhando o mundo por um filtro escarlate. Ela percebeu o

choque no rosto de Ranjit e sabia que ele estava olhando fixamente para ela.

Ela podia ver o brilho dos espíritos das garotas também, brilhando em seus

peitos. Todos eram fortes, particularmente o de Katerina, mas ela percebeu que

não se importava. Sua própria áurea de poder a encobriu, invisível, porém

irresistível e Cassie de repente sabia que podia fazer o que quisesse com esse

poder, usando nada mais do que a força de sua mente. Ela estava

completamente parada. Não moveu um músculo. E ela levantou o corpo de

Sara visivelmente no ar.

A garota respirou fundo e gritou. Suas pernas chutando o ar, braços se

debatendo em inútil resistência, um medo abjeto em seu rosto. Cassie curtiu

aquilo. Era como se alimentar: o zumbido, o arrepio que corria nela. Ela quase

podia sentir o gosto do medo de Sara no ar. O gosto era bom. Muito bom. Ela

sorriu, friamente fascinada, enquanto os frequentadores do bar se afastavam,

silenciados senão por um suspiro ou grito. Até Katerina e suas comparsas

ficaram para trás, perplexas.

— Cassie! — gritou Ranjit. O sangue bombeando em seus ouvidos e os

gritos exaltados de Estelle pareciam abafar a voz dele.

Page 88: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

87

Mate-a! MATE-A!

Sim. Ela estava cansada da garota patética andando atrás de Katerina como

se fosse um tipo de criada.

Ela nos chamou de aberração! Mate-a! Sim! Mate-a!

— Cassie, não!

As pessoas deixaram o bar topando umas nas outras freneticamente,

forçando para sair da área reservada para membros. Cassie os ignorou, rindo

enquanto assistia Sara se debatendo. O rosto da garota! Ridículo! Ela riu outra

vez e, ainda sem mover um dedo, arrastou a aluna do Liceu pelo ar para o outro

lado da sala. A garota foi lançada de costas, batendo com força contra a parede

oposta. Katerina rosnou de ódio e as outras meninas gritaram; mas todas

pareciam cravadas em seus lugares, relutantes em desafiar Cassie. Tinham

medo dela.

Bom para elas. Nós deveríamos tê-la atirado mais longe! Segure-a!

Cassie observou Sara. Era uma bela visão, a garota com dificuldades para se

levantar. Sim, Estelle estava certa. Segure-a. Ela devia segurá-la bem assim. Pelo

pescoço.

— Cassie, pare!

Garoto querido. Mas tão irritante! Não ouça.

Chacoalhando a cabeça para se livrar dos pedidos de Ranjit, ela segurou

mentalmente o pescoço de Sara mais apertado, comprimindo-o. A garota estava

ficando roxa, lutando para respirar, chutando o ar violentamente, colocando a

mão no próprio pescoço tentando se livrar do invisível objeto sufocador que o

envolvia. Barulhos estranhos saíam dela. Sons engasgados, sufocados,

estrangulados.

— CASSIE!

Ela sentiu braços apertando sua cintura e, de repente, alguém estava

lutando com ela, tentando afastá-la. Ela tomou fôlego para dar uma risada

desdenhosa e levantou um braço para espantá-los. No entanto, a mão que a

interrompeu tinha a mesma força que a sua.

Ranjit!

Page 89: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

88

O choque do contato com ele fez com que ela caísse em si e ela percebeu

onde estava. Quem era. O que ela estava fazendo.

— PARE COM ISSO! — o rosnado de Ranjit era inumano, felino, mas ela

entendeu perfeitamente.

Além disso, ela já tinha parado. No silêncio do esvaziado bar exclusivo,

observado apenas por monstros como ela, Cassie olhou fixamente para Sara

toda machucada enquanto ela se contorcia, soluçando, no chão.

Page 90: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

89

Capitulo 11 Ah, sim! Dá para correr calçando Jimmy Choos. Bem, bem rápido. Cassie se

enfiou no meio da multidão, na entrada, entre pessoas confusas que não

estavam no bar para ver o que tinha acontecido. Do lado de fora, o ar frio a

atingiu como uma tapa quando ela fugiu rapidamente cruzando a 57th Street e a

Central Park South em direção a escuridão do parque em si.

Ela continuou a correr até que os saltos altos começassem não a doer, mas a

incomodá-la. Raiva outra vez. Não. Ela não devia ficar com raiva. Tropeçando

ao parar, ela arrancou os sapatos e correu descalça. Respirando rápida e

irregularmente, com as tiras do sapato enganchadas em seus dedos. Alguma

coisa macia e fria tocou a pele de seu rosto. E mais uma vez. Ao parar, ela

titubeou por alguns segundos. O frio se transformou em umidade quando

escorreu em seu rosto.

Neve. Os flocos caíam mais rápidos e mais grossos cortando as luzes da

cidade antes de desaparecerem no escuro oásis do parque. Seus pés descalços

Page 91: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

90

estavam congelando. Ela estava congelando. Conseguia enxergar apenas as

isoladas poças de luz em pedaços de grama branqueados e as formas

assustadoras das árvores. Ela se protegeu cruzando os braços, tremendo de

medo. Oh, Deus!

Uma silhueta se movia atrás dela e ela deu um grito agudo de medo.

— Cassie.

A voz dele estava amena e a ferocidade animal tinha acabado. Ela se jogou

nos braços de Ranjit com um suspiro de alívio.

— Vamos, Cassie. Vamos embora.

*** — Eu não sei o que é isso. Nunca ouvi falar disso — Sir Alric estava de

costas para eles. Já há vários minutos, silencioso, ele olhava para fora das

paredes de vidro da cobertura, para as luzes brilhantes de Manhattan e para a

escuridão do Central Park.

Cassie tremia. Ela mal podia acreditar que tivesse corrido naquele breu sem

ao menos pensar. A fome estava crescendo novamente; ela podia sentir. A fome

a estava corroendo desde que tinha corrido atordoada de pânico do Carnegie

Hall. O espírito estava desperto e voraz. E isso era só mais uma coisa da qual

ela não precisava, porque antes ela estava tão certa quanto Ranjit de que Sir

Alric poderia explicar o que tinha acontecido no Carnegie Hall.

Não teve essa sorte.

— Você disse que levantou Sara?

— Não, não fisicamente — sua voz estava trêmula e ela limpou a garganta.

— Mas sim, eu a levantei. Algum tipo de força. Fora de mim, mas parecia que

eu a estava controlando.

— Isso é desconcertante. E me preocupa imensamente.

Page 92: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

91

— Preocupa você? — ela tentou sorrir.

— Sir Alric — Ranjit interrompeu. — Se você não pode explicar o que

aconteceu, ninguém pode. Deve haver algo. Algo que tenha esquecido, algo do

passado.

— Estou comovido pela sua fé em mim, Ranjit — Sir Alric soou

excepcionalmente triste. — Mas não. Nunca ouvi falar de algo assim. Eu

lembraria, acredite.

Ranjit apertou os ombros de Cassie em uma tentativa de confortá-la.

— Você tem certeza de que o ritual de união nunca foi interrompido antes?

Sir Alric olhou para a cidade novamente.

— Não. Não, Ranjit, nunca antes. E você está certo, é a única coisa que

difere Cassie: seu ritual interrompido.

— Parte do espírito foi deixada para fora — disse Cassie baixinho. — Parte

de Estelle. Ela fala sobre estar fora, no vácuo.

Sir Alric se voltou rapidamente para ela.

— Ela conversa com você? Você ouve a voz dela?

— Sim — Cassie encolheu os ombros.

— Isso não deveria acontecer — ele sussurrou, esfregando sua testa. — Isso

não deveria acontecer.

— Ela quer que eu a deixe entrar. Como você me disse no fim do semestre

passado. Você disse que ela não pararia até que se unisse completamente a

mim.

Sir Alric permaneceu em silêncio, mas confirmou com a cabeça, com a testa

franzida.

— O que está acontecendo comigo? — a voz de Cassie passou um ar de

desespero.

Os olhos de Sir Alric se encontraram com os dela.

— Eu não sei.

Desprendendo-se gentilmente dos braços de Ranjit, Cassie se levantou.

Page 93: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

92

— Assim você está longe de me deixar confiante.

— Perdão. Há pessoas com quem eu posso falar e alguns textos antigos que

posso consultar, mas, por ora, Cassandra, eu não posso te dar respostas seguras.

— Ah, sensacional — ela cruzou os braços.

— Parte do espírito que você pensa que é de Estelle ficou para fora de você.

Ela está dividida, então talvez seu poder esteja dividido também — ele sacudiu

a cabeça em desespero. — É a única explicação que tenho, Cassandra. Quando

nos unimos a nossos espíritos, o poder que eles concedem vai para dentro de

nós, se torna parte de nós. Mas seu espírito não está inteiramente unido ao seu

corpo, então talvez você consiga projetar parte do seu poder para fora. Não

tenho certeza.

Apoiando o corpo no vidro, Cassie também olhou para as luzes brilhantes

da cidade lá fora. Então ela se endireitou, animando-se de repente.

— Então... Espere um pouco. Se parte do poder está para fora, talvez eu

possa fazer o resto sair? — ela se virou para olhar Sir Alric, empolgada. —

Posso me livrar disso e me livrar de Estelle!

Bem lá no fundo ela pensou ter ouvido um choramingo de medo, um

gemido de protesto, mas ignorou. Ranjit ficou em pé, com o maxilar tenso.

— É isso o que você quer, Cassie? De verdade?

— Claro! Você não iria querer?

Ele não respondeu, continuou apenas olhando para ela. Por um instante,

eles ficaram se olhando em silêncio.

— Cassandra — disse Sir Alric, finalmente quebrando o silêncio. — Você

deve ser extremamente cautelosa. Nós não sabemos do que você é capaz. Seja lá

que poder for esse, ele parece muito perigoso. Além disso, seu espírito não vai

querer deixá-la. Sem o seu corpo ele se perderá no vácuo para sempre. Acredite

em mim, ele vai se prender a você a qualquer custo. Quem sabe o que Estelle

pode fazer caso sinta-se ameaçada? Até que saibamos mais sobre seu poder,

você não deve de forma alguma provocá-la.

— E como exatamente eu evito provocá-la? — Cassie olhou para os dois. —

Ela pensa por si própria, devo dizer.

Page 94: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

93

— Você pode começar controlando suas emoções — Sir Alric respondeu

bruscamente. — Foi sua fúria que disparou o poder do espírito esta noite. Não

deixe que isso aconteça de novo.

— Ah, claro, não se preocupe — ela respondeu sarcasticamente. — É fácil!

Ranjit deu um suspiro exacerbado.

— Cassie, ele está tentando ajudar.

Ela girou para encará-lo.

— Não venha dar uma de superior! “Controlar minhas emoções”? Bem,

advinha! É bem mais fácil falar do que fazer. Eu não pedi isso, então como é que

você espera que eu saiba como controlá-lo?

— Você deve tentar, Cassandra — Sir Alric pediu cansado.

— Vamos, Cassie — Ranjit disse gentilmente. Ele esticou o braço para

segurar a mão dela e ela relutou em permitir. v Não há mais nada que

possamos fazer esta noite. Vamos deixar assim, por ora. Vamos ver o que Sir

Alric descobrirá — ele acenou com a cabeça para o diretor. — Boa noite.

Cassie notou que uma sombra cruzou a expressão de Sir Alric quando ele

assistiu Ranjit colocar a mão sobre os ombros dela e conduzi-la para fora.

— Boa noite.

A porta fechou silenciosamente atrás deles. Cassie estava muito feliz em

sair do escritório da cobertura. Ranjit, no entanto, estava quieto e reservado.

Pouco surpreendente, pensou ela. Ele a tinha levado diretamente ao Sir Alric certo

de que ele explicaria tudo e os ajudaria. E olhe no que tinha dado. Sir Alric

Darke não tinha sido mais útil a eles do que o frágil poder dos Escolhidos de

Sara tinha sido a ela...

— Tem certeza de que Sara estava bem? — ela arriscou, ficando vermelha

ao recordar o motivo que a fez sair voando do Carnegie Hall.

Ranjit ergueu os ombros.

— Bom, ela estava viva.

Cassie suspirou profundamente.

— Eu queria que nada disso tivesse acontecido.

Page 95: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

94

— Tarde demais, Cassie — ele ficou quieto por um momento, então falou

de novo, com um brilho misterioso em seu olhar. — Mas, quer saber? Seja lá

qual for a razão para isso, a verdade é que você foi magnífica hoje à noite. Tão

forte que eu... Eu não conseguia tirar os olhos de você.

Cassie ficou quieta um pouco, incerta do que essa admissão pudesse

significar, ou de como responder. Ela escolheu a verdade.

— Seja lá qual for a razão... Eu gostei de fazê-lo — ela parou. — Isso não te

assusta? Porque que me assusta.

— Sim, assusta. Mas não posso negar minha natureza — ele sacudiu a

cabeça. — Não vamos falar sobre isso agora. Você passou por muita coisa essa

noite. Devia dormir um pouco.

— Mas eu... Eu pensei que pudéssemos ficar um pouco juntos — Cassie

percebeu que estava desesperada para mantê-lo perto dela, para segurar a

presença dele um pouco mais. — Não estou cansada...

— Eu estou — mas ele a puxou do mesmo jeito, aproximando-a, quase

como se não soubesse que estava fazendo isso. — Com certeza você também

está.

— Não estou — murmurou Cassie. Os olhos dela vasculharam

urgentemente o rosto dele, levantando as mãos para acariciá-lo, sem pensar. Ele

parecia confuso, respirava pesado.

Ia dizer alguma coisa. Tarde demais. A boca dele estava de repente

encostada na dela, a língua dele encontrando a dela e fazendo suas terminações

nervosas soltarem faíscas. Por um momento o fio do desejo a deixou

imobilizada; logo ela estava correspondendo o beijo, apaixonadamente, quase

violentamente. Os braços dela se contorceram em volta do pescoço dele, quente

sob o toque dela e ela o trouxe mais para perto, tão perto que era como se seus

corpos estivessem tentando se fundir.

Sim...

A voz de Estelle dentro de sua mente, ecoando seus pensamentos mais uma

vez.

Juntos é como devemos ficar, todos nós...

De repente, Cassie sentiu os dedos de Ranjit em seus cabelos, puxando-os,

puxando com força. Ela arfou de dor, mas então ele levou sua boca ao encontro

Page 96: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

95

da dela outra vez. Ela sugou o lábio inferior dele entre os dentes, mordendo

com força, quase tirando sangue; havia uma urgência, um ímpeto crescendo

entre eles, mas ela se sentiu impotente para quebrar o abraço deles...

— PAREM COM ISSO DE UMA VEZ!

O grito de ordem foi repentino e feroz. A cabeça de Ranjit pulou para trás,

interrompendo o contato. Cassie resmungou frustrada. Ela levou um instante

para perceber que Sir Alric estava diante deles, emoldurado na porta de seu

escritório, com os ombros tensos e os punhos cerrados.

Ranjit parecia chocado por um momento, lambendo uma gota de sangue

em seu lábio.

— Me desculpe...

Não se desculpe, querido...

— Não se desculpe — Cassie ouviu a si mesma repetir e as palavras a

trouxeram de volta à fria realidade. Ranjit tinha se desculpado com ela ou com

Sir Alric?

— Creio que ambos devam ir para seus quartos imediatamente — disse Sir

Alric rangendo os dentes.

Ranjit concordou com a cabeça, parecendo estremecido. Cassie franziu a

testa. Qual era o problema dele? Claro que era um pouco constrangedor ser

surpreendido pelo diretor num beijo, mas eles não estavam fazendo nada de

errado, estavam? Ranjit se afastou dela, deliberadamente. Ela sacudiu a cabeça e

deu um sorriso melancólico.

— Boa noite, Ranjit.

— Boa noite, Cassie — os olhos dele tinham uma sombra de anseio.

Frustrada, ela virou de costas sem olhar novamente para Sir Alric. Mas

enquanto andava pelo corredor, ela ouviu a voz grave e severa do diretor.

— Uma palavrinha antes de você ir, Sr. Singh.

Cassie olhou confusa. E viu Ranjit olhar brevemente para ela pela última

vez antes de desaparecer dentro do escritório. Sobre o que seria?

Da próxima vez, querida, nós devemos tentar mais. Isso simplesmente não será o

suficiente...

Page 97: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

96

Capitulo 12 — Jake? O que está fazendo aqui?

Cassie tentara abrir a maçaneta silenciosamente para não acordar sua

colega de quarto, quando a porta abriu de repente, fazendo-a pular. Por que

Jake estaria saindo do quarto dela e de Isabella tão tarde da noite? Então ela se

lembrou do encontro do casal e não conseguiu evitar que um sorrisinho

cruzasse seu rosto.

— Ops. Espero não ter interrompido nada!

O rosto de Jake estava sério.

— Uh, Cassie, posso falar com você um minuto?

O coração dela disparou. Ele a estava evitando há semanas, por que queria

falar com ela agora? Será que ele descobriu sobre a alimentação? Não, ele nem

estaria falando com ela se fosse o caso. Ele sabia o que tinha acontecido com

Page 98: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

97

Katerina um pouco mais cedo? Ela não esperava ter que lidar com esse aspecto

dos eventos da noite tão rápido...

Jake saiu do quarto e puxou a porta silenciosamente.

— Estou feliz que esteja de volta. Isabella vai precisar de alguém com ela

está noite.

— O que houve?

— Nós apenas nos assustamos um pouco na Coney Island. Está tudo bem.

Ela ficará bem depois de descansar.

Cassie franziu a testa.

— O que aconteceu?

— Talvez não seja nada — ele pareceu hesitante por um momento e então

sussurrou —, acho que todos nós estamos um pouco tensos, talvez imaginando

coisas.

— Do que você está falando?

Jake forçou um sorriso.

— Olha, apenas faça essas coisas de menina, cuide dela e eu vejo vocês

amanhã assim que puder.

— Eu achei que fôssemos todos sair juntos pela manhã para ir a China

Town! Sabe, o grande plano de Isabella de estarmos juntos e fazermos coisas

triviais? — ela sorriu, mas a expressão de Jake estava séria novamente.

— Não pela manhã. Preciso cuidar de algumas coisas — ele se inclinou e

deu um beijinho na bochecha de Cassie. — Boa noite.

Cassie ficou olhando para ele, intrigada. Esta tinha sido definitivamente

uma das noites mais estranhas da vida dela. Ela deu meia-volta e abriu a porta.

— Cassie? — Isabella se sentou na cama.

— Sim, sou eu. Você me pegou. Tentei não fazer barulho...

— Tudo bem. Eu estava acordada.

Cassie olhou para sua amiga na penumbra enquanto fechava a porta.

Isabella estava abraçando os joelhos, olhando para a parede e não para Cassie.

Page 99: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

98

— Ei, o que está havendo? Jake me disse que aconteceu algo durante o

encontro.

— Uh... pela primeira vez, Isabella parecia ter perdido as palavras. — É...

Hã... Não foi muito conforme o planejado.

Cassie notou que Isabella estava tremendo. Sentando-se ao lado dela,

colocou um braço ao seu redor. Ela sentiu frio. Uma sensação de medo cresceu

dentro dela.

— Isabella, o que aconteceu? Vocês discutiram ou...

— Não! Nada a ver com isso — Isabella sacudiu a cabeça vigorosamente. —

Foi tudo bem, no começo. Estávamos nos divertindo, então... Ah, foi terrível,

Cassie. Sei que vai parecer loucura... — ela se calou e os olhos de Cassie se

arregalaram de preocupação por causa da expressão melancólica de Isabella.

— O que foi, Isabella?

Isabella esfregou seus braços arrepiados.

— É que... Bem, eu acho que alguém tentou me sequestrar.

— O quê? Isabella! Fala logo o que aconteceu!

Isabella soltou o ar.

— Nós estávamos no fim da fila para a montanha-russa. A fila estava muito

longa e então Jake se ofereceu para buscar um algodão-doce para mim

enquanto eu guardava nossos lugares. Depois de uns minutos, eu senti certa

mão me pegar por trás e me agarrar... — ela olhou para Cassie, com a voz se

transformando num sussurro. — Eu pensei que fosse Jake brincando comigo,

mas estavam me arrastando e outra mão cobriu minha boca. Eu não pude

gritar... Foi quando Jake voltou e viu. Ele gritou. Oh, Cassie, você devia tê-lo

ouvido! Você pensaria que ele tinha visto um fantasma, já que parecia tão

assustado. Então um segurança veio, e seja lá quem tenha sido me soltou e

correu antes que eles pudessem alcançá-lo...

— Isabella, isso é terrível!

— Se Jake não tivesse visto o que estava acontecendo... Se ele não tivesse

aparecido naquele instante, eu não sei o que teria acontecido — Isabella

estremeceu, abraçando as próprias pernas com força.

Page 100: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

99

— Você está segura, agora — Cassie apertou os ombros dela para confortá-

la. Ela sacudiu a cabeça. — Por que alguém faria uma coisa dessas?

Isabella sacudiu a cabeça.

— Não sei. Talvez quisessem minha bolsa? Jake disse que pensava ter visto

alguém nos observando quando estávamos no carrossel, mas eu pensei que ele

estava sendo paranoico. Mas agora... Ah, Cassie, eu não quero mais pensar

nisso.

— Claro que não. Olha, você devia tentar descansar um pouco.

— Vou ficar bem, Cassie — Isabella parou, enfiou-se debaixo das cobertas e

então sorriu outra vez parecendo fraca. — Mas eu sou uma péssima amiga.

Nem perguntei sobre o seu encontro! Foi incrível?

— Bem — Cassie deu um sorrisinho. — O nosso foi bem agitado também...

— Uau — Isabella tentou claramente disfarçar a surpresa quando Cassie

terminou de relatar o que tinha acontecido no Carnegie Hall, os estranhos

poderes que tinha demonstrado e a incapacidade de Sir Alric em explicar os

fatos. Ela omitiu a parte de ele ter surpreendido ela e Ranjit se beijando.

Alguma coisa sobre a intensidade do amasso a deixava desconfortável em falar

disso. E ela tem que pedir para Isabella não dizer nada para Jake sobre Katerina.

— Cassie, eu não sei o que dizer. Que encontro! Mas tenho certeza de que

Sir Alric vai descobrir o que aconteceu.

Cassie observou sua colega de quarto por um instante. Havia um leve

reflexo de trepidação nos olhos de Isabella, mas isso era compreensível

considerando o que Cassie havia contado. Ela sacudiu a cabeça, tentando não

pensar demais sobre isso.

— Sim. Antes de isso acontecer foi incrível. Imagine você que eu estava

pensando em trocar toda a experiência por cachorro-quente em Coney Island,

mas agora não tenho mais tanta certeza.

— Engraçado como as coisas deram errado para nós duas, não é?

— Hum. Hilário — Cassie fez uma careta.

Isabella suspirou intensamente.

Page 101: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

100

— Cassie. Vamos esquecer isso por hoje. É como você disse. Nós duas

precisamos dormir.

*** RANJIT!

Cassie estava correndo outra vez. Correndo em direção a ele, tudo coberto

por aquele aterrorizante brilho vermelho e...

RANJIT!

Pegue-o, segure-o...

EU VOU, ESTELLE! DESTA VEZ NÃO VOU FALHAR...

— Cassie? Cassie! — o rosto de Isabella apareceu, a expressão dela era um

misto de espanto e preocupação. — Ei, Cassie? Acorda, acorda! Como você diz!

Ainda com sono, Cassie tirou as cobertas e piscou para tentar enxergar sua

colega de quarto.

— Que horas são?

— Hora de acordar. Vamos. A noite toda você esteve se remexendo e se

revirando, mas esta manhã... Você dormiu como uma estátua! Eu pensei que eu

fosse difícil...

— Dormiu como uma pedra, Isabella. Uma pedra.

Cassie se sentou, com o rosto quente lembrando seu sonho. Pelo menos

Isabella parecia ter se animado depois da noite passada. Ela estava

impressionada com a capacidade da garota em separar as coisas; ela trocaria

essa habilidade pela força invisível a qualquer momento.

— Vamos — Isabela disse em um tom agudo. — Precisamos de uma

mudança de cenário. Particularmente porque aposto que você é o assunto do

momento por aqui nesta manhã.

Page 102: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

101

— O quê? — Cassie esfregou os olhos. — Por Deus, sim. Carnegie Hall.

Isabella estava certa. Sara teria vindo correndo contar para os outros

Escolhidos sobre os poderes estranhos do mais recente membro. Cassie gemeu.

— Vamos ficar longe de todos — sugeriu Isabella. — Vamos cedo para

China Town tomar café da manhã?

— Parece uma boa ideia para mim — concordou Cassie, pulando da cama.

Ela mal estava acordada, mas já podia sentir a fome por força vital corroendo-a.

Ela se lembrou das instruções de Sir Alric sobre se alimentar com frequência,

mas tentou espantá-las. Ela não estava pronta para tentar se alimentar

novamente. Talvez um pouco de comida normal ajudasse a desviar sua mente

disso.

— Ótimo — se animou Isabella. — Vou ligar para Jake e avisá-lo.

— Uh, Isabella — Cassie se virou para sua amiga. — Jake disse que não

poderá ir esta manhã. Ele não te disse ontem à noite?

Isabella pareceu confusa.

— Não pode? Por que não?

— Eu... Ele não disse exatamente — Cassie admitiu relutante. — Ele disse

que nos encontraria mais tarde.

Pense nisso: foi um péssimo encontro. O que poderia ser mais importante

do que consolar sua namorada um dia depois de alguém ter tentado sequestrá-

la? Isabella parecia estar se perguntando o mesmo, a julgar pela expressão de

mágoa em seus belos traços. Então ela se reanimou, vestindo-se rápido e, como

de costume, ficando despretensiosamente elegante, ainda que parecesse mal ter

visto o que tinha escolhido no guarda-roupa.

— Bom, isso significa que depois de comermos podemos ir a umas lojas,

não?

— Hum... Nesse caso eu definitivamente preciso preparar meu estômago!

— Cassie pulou desajeitada para entrar na calça jeans, depois revirou a gaveta

freneticamente em busca de um suéter.

Isabella já estava se maquiando antes que Cassie tivesse escovado os dentes.

Ela estava resmungando para si mesma e comparando dois batons enquanto

Cassie a observava da pia da suíte, ao lado do banheiro. Deve ter decidido tirar o

Page 103: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

102

incidente de Coney Island da cabeça, ela pensou. Talvez fosse o melhor a fazer. Saiu

apressada do banheiro, passando rapidamente uma escova nos cabelos.

— Quase lá. Está pronta?

— Uh-hum. Agora, onde coloquei meu bracelete? — Isabella passou a mão

pelo caos de seu criado-mudo, então parou. — Ah, não!

O grito de terror de Isabella chamou a atenção de Cassie imediatamente.

— Que foi?

Sem palavras, Isabella levantou o bracelete com um dedo. Era um de seus

favoritos: espesso e descolado, como uma linda bijuteria, mas feita de ouro

maciço 24 k. E tinha derretido.

Cassie olhava fixamente para o objeto, pendurado no dedo de Isabella. A

expressão de sua amiga era de desconsolo, mas ela não conseguia proferir

nenhuma palavra de solidariedade. Sua garganta parecia ter fechado

completamente.

— Como isso aconteceu? — lamentou Isabella, tentando forçar o ouro

deformado para entrar em seu pulso esbelto. — Devo tê-lo deixado muito perto

do aquecedor.

Ou talvez muito perto de mim, pensou Cassie sombriamente. O criado-mudo

de Isabella estava entre a cama dela e a de Cassie. E o formato distorcido do

metal era horrendamente familiar...

— Ugh! Bom, deixa para lá — Isabella jogou o bracelete destruído em cima

da cama e forçou um sorriso. — Não vou deixar isso estragar nosso dia. Vamos!

Eu provavelmente farei isso, pensou Cassie enquanto elas pegavam seus

casacos, bolsas e cachecóis e saíam. Que diabos estava acontecendo? Como ela

poderia estar derretendo braceletes de ouro maciço e porta-retratos de prata

enquanto dormia?

Ela se lembrou das palavras de Sir Alric: “Talvez você possa projetar parte do

seu poder para fora de si mesma”.

Bem, se isso tivesse a ver com seu poder, então esse poder estava se

tornando cada vez mais presente e mais forte. Será que estava atingindo os que

estavam ao seu redor? Meu Deus... Se ela pudesse destruir metal maciço, o que

ela poderia fazer com carne e osso? O que ela poderia fazer com seus amigos?

Page 104: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

103

Capitulo 13 — Bem, com certeza foi uma mudança de cenário.

Desviando de um vendedor de peixe, Isabella cruzou seu braço com o de

Cassie animadamente.

— Bem o que estávamos precisando.

Isso era certo. Cassie estava feliz de sair da Quinta Avenida e do Central

Park — todo o arredor Upper East Side da Academia —, então foi divertido se

enfiar em uma minúscula casa de chá no Chantam Square para o café da

manhã. Depois disso, elas andaram pelo Columbus Park e vagaram sem rumo

entre o agito de vendedores e turistas na Mulberry e na Canal Street. As ruas

lotadas e a frente das lojas, ainda com as decorações do Ano Novo Chinês,

desgastadas, porém alegres. Apesar do que sentia, Cassie achou que seu humor

havia melhorado.

Page 105: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

104

Era barulhento, tumultuado e caótico — entre o grito dos vendedores, o

barulho e o ronco dos carros e a música saindo dos restaurantes, Cassie mal

podia ouvir seus próprios pensamentos. Mais ainda, ela não conseguia ouvir os

pensamentos de Estelle. E apesar da fome crescente dentro dela, o perfume no

ar de incenso e comida sendo preparada fazia com que fosse impossível sentir o

hálito humano, até mesmo para seus sentidos aguçados.

Ela não conseguia entender como Isabella tinha ouvido seu celular, mas a

garota parou imediatamente e atendeu. Cassie não conseguia escutar nada da

conversa, mas a julgar pelo olhar de criança de sua colega de quarto, não

precisava ser um gênio para saber quem era.

— Cassieeee — disse Isabella, persuasiva, fechando o celular e desviando

de um vendedor de DVDs piratas. — Era Jake! Tudo bem se finalmente nos

reunirmos?

Cassie tomou um susto com uma pilha de pacotes de arroz embrulhados

em folhas de bambu.

— Uh, claro. Por que não estaria?

— Ah, você sabe... — Isabella sacudiu a cabeça para o vendedor de arroz e

elas continuaram. — Eu notei que tinha alguma coisa estranha entre você e Jake

nessas últimas semanas, não é?

Cassie xingou mentalmente. Isabella também, não! Por que tinha amigos

tão perspicazes...

— Bom, nós estamos guardando um segredo muito grande dele, Isabella —

Cassie respondeu sem ser honesta. — Me sinto mal com isso.

Ela não conseguia explicar o motivo real de sua tensão. Isabella iria surtar

loucamente se soubesse que Jake estava à caça de Katerina.

— Eu também, mas é para o bem dele, Cassie. Você não pode contar!

Prometa. Não deve. Se acha que ser membro dos Escolhidos está afetando sua

amizade com ele, imagine se ele souber da alimentação!

Cassie estremeceu. Ela podia imaginar muito bem.

— Sim, eu sei.

— Vai dar tudo certo. Ele adora você, Cassie. É que ele tem umas questões,

você sabe disso. Com Ranjit. E Jéssica. E...

Page 106: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

105

Cassie deu um gemido exasperado, passando a mão nos cabelos.

— Olha, eu não posso culpar Jake por ser leal à irmã dele. Mas se ele tivesse

tentado conhecer Ranjit um pouco, teria visto que ele jamais levaria Jess até

aquela armadilha por livre e espontânea vontade. Eu consigo entender que nos

ver juntos seja difícil para ele... — ela foi reduzindo a voz. — É difícil para mim

também — ela disse, acima de tudo para si mesma.

Isabella tocou com carinho o braço dela.

— Bem, Jake e Ranjit terão que mudar de ideia uma hora ou outra. Eles têm

que... Nós temos que conseguir sair em casais! — ela sorriu, então suspirou alto

e dramaticamente, abrindo os braços de modo tão brusco que quase derrubou

uma velhinha enrugada da bicicleta. — Mas se preferir não ver Jake agora,

posso cancelar...

— Não seja boba, Isabella. Claro que vamos nos encontrar com Jake.

Isabella sorriu.

— Sabia que diria isso.

— Ah, sabia! Rainha do drama. Não chacoalhe os braços outra vez, você

quase matou uma pessoa. Onde vamos nos encontrar?

— Fora do Lincoln Center, no West Side. À uma hora — Isabella consultou

o relógio e apertou o passo, chamando alegremente pela amiga. — Nós

almoçaremos, faremos compras, terapia... Será como nos velhos tempos, Cassie!

— Já está pensando no almoço? Você me impressiona — engolindo sua

apreensão, Cassie riu. — Vamos lá, então. E não ouse chamar outro taxi. Vamos

de metrô.

*** Isabella estava correndo na frente de Cassie a cada passo — ela devia estar

louca para encontrar Jake. A garota argentina estava feliz quanto... Quanto um

Page 107: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

106

pônei de polo em feno fresco, ou algo assim. Era muito reconfortante ver que

era possível estar tão a fim de alguém com toda a loucura que os cercava. Deu

esperanças para Cassie quanto a Ranjit.

No entanto, quando elas chegaram ao Lincoln Center e avistaram Jake

sentado na beirada da fonte — digitando em seu laptop, outra vez —, Cassie não

pode evitar ficar um pouco para trás. Ela não tinha certeza de como podia

conciliar o fato de Katerina, a assassina da irmã dele, estar pairando por essa

cidade. Jake, no entanto, pulou no mesmo momento, enfiando o laptop

bruscamente no case e deu uma corridinha. Assim que ele conseguiu se soltar de

Isabella, ele abraçou Cassie, embora houvesse uma tensão nos olhos dele que

ela não conseguia definir; como se ele estivesse escondendo algo, guardando

algo só para ele... Isabella parecia distraída.

— Agora, onde podemos comer? Ah, é tão bom estarmos juntos de novo!

Sim, pensou Cassie, ainda que estivesse faltando uma pessoa essencial. Ver

Isabella entrelaçar seus dedos aos de Jake fez com que ela percebesse quanta

falta de Ranjit estava sentindo, mesmo o tendo visto na noite passada.

Noite passada.

Ela sentiu um nó no estômago pela maneira ambígua como eles tinham

deixado as coisas, na interrupção de Sir Alric e... Do que havia acontecido antes

disso. Ela não entendia o que havia entre eles; a atração magnética que sentiam

era difícil de explicar. Ele gostava dela, não gostava? Ele deve gostar, para

arriscar o desdém de tantos membros dos Escolhidos. E a faísca entre eles — era

algo de outro mundo. Não havia razão para ter medo, havia?

— De jeito nenhum vou ficar andando atrás de você na Bloomingdale's16 a

tarde toda, enquanto você experimenta metade da loja — Jake estava dizendo a

Isabella, embora ele olhasse para Cassie como se fosse atrás dela até o fim do

mundo se ela estalasse um dedo.

— Ah, são apenas umas comprinhas. Não seja estraga prazer. Ah! Nós

tomamos café da manhã, Jake! Nos empanturramos em uma casa de chá

maravilhosa. Cheia de banquinhos vermelhos e...

— Legal. Estou feliz que tenha tido uma manhã para espairecer, depois de

tudo o que aconteceu ontem à noite.

16

Bloomingdale's é uma loja de departamentos de alto padrão pertencente ao grupo Federated Department Stares. A loja mais importante da rede e a unidade localizada em Manhattan - Nova York (N. R.).

Page 108: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

107

— Então, se as compras não estão na programação, o que você acha que

devemos fazer, Jake? — perguntou Cassie, observando-o minuciosamente. Ele

pareceu se animar.

— Ah, sei lá... Um passeio turístico? Que tal o Chrysler Building, a Times

Square? Ou a catedral St. Patrick! Como eu disse, tem sido divertido ser um

turista em minha própria cidade. Nunca a vi desta forma.

— Eu ainda quero ver algumas lojas! — Isabella deu um soco

carinhosamente no peito de Jake, quase o derrubando. — Na verdade, olha

essas... — ela se apressou em direção à vitrine de uma loja cara e começou a

olhar o display de bolsas, com os olhos arregalados de empolgação. Cassie

andou em direção a ela com pouco entusiasmo, mas parou quando Jake

sussurrou o nome dela.

— Cassie...

Ela se virou, dando uma olhada para Isabella, então andou até ele, com o

estômago revirando. Seja lá o que fosse dizer, não seria bom. Ela parou ao lado

dele e ele a olhou fixamente com um olhar sério.

— O quê?

— Ouça, sei que vai parecer loucura, mas acho que nós podemos estar em

perigo.

Os olhos de Cassie se arregalaram.

— Perigo? O que quer dizer?

— Ontem à noite... A pessoa que tentou agarrar Isabella... — Jake respirou

fundo e passou a mão nos cabelos. — Acho que foi Katerina.

— O quê? Não, Jake...

— Olha, eu sei o que você vai dizer, que estou tão obcecado que estou

vendo coisas — mas eu enxergo bem e juro por Deus que era ela.

— Jake, não era ela — Cassie agarrou o braço dele quando ele tentou

interrompê-la. — Me escute. Eu sei que não era ela. Katerina não pode ter

estado em Coney Island com você e Isabella na noite passada.

— Como pode ter tanta certeza? — ele a interpelou agressivamente.

— Porque ela estava no Carnegie Hall. Eu a vi.

Page 109: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

108

Isso o calou. Na verdade, por um momento, ela pensou tê-lo causado um

derrame. Os olhos de Jake saltaram em descrença quando ele tentou absorver as

palavras dela. Finalmente, ele falou.

— Por que você não me disse ontem à noite? — ele perguntou.

— Você não me deu uma oportunidade, se lembra? — ela retrucou. — Você

tinha assuntos para resolver, assuntos que não incluíam sua namorada,

obviamente.

Jake se conteve.

— Sim, eu tinha que voltar para Coney Island, caso Katerina ainda estivesse

lá. O que eu não teria que fazer se você tivesse se preocupado em mencionar

que a tinha visto do outro lado de Nova York.

Cassie se remoeu por dentro. Por que ela não conseguia manter a calma?

Jake olhou na direção de Isabella quando ela chamou.

— Só vou entrar por um segundo, pessoal...

Ele acenou e se voltou para Cassie.

— Olha, eu ia te contar sobre Katerina — ela disse, tentando primeiramente

achar as palavras. — Eu só precisava encontrar o momento certo.

— E o que aconteceu? No Carnegie Hall? Você falou com ela?

Cassie sorriu.

— Mais ou menos. Mas acredite em mim. Era ela.

Jake mordeu os lábios ansiosamente.

— Eu apostaria minha vida que era Katerina na Coney Island, mas eu acho

que devo ter imaginado coisas. A menos que os Escolhidos possam estar em dois

lugares ao mesmo tempo.

Cassie riu sem querer.

— Eu acho que não.

Jake sacudiu a cabeça.

Page 110: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

109

— Mas, então, hoje no metrô eu tinha certeza de estar sendo seguido

novamente. Tem alguma coisa ai, Cassie. Eu e você estamos metidos nessa, eu

com Jess, e você e seu... Ritual. Mas Isabella não tem que ser envolvida.

O estômago de Cassie revirou horrivelmente. Se eu soubesse... Jake não

parecia notar.

— Prometa que não vai contar para Isabella.

— Jake, não posso fazer isso.

— Eu tenho que ter certeza de que Katerina não fará isso novamente,

Cassie. Tenho que achá-la. Tenho que ir.

— Ir aonde?

Cassie pulou quando Isabella apareceu do lado dela, passando uma sacola

enorme de loja de uma mão para outra. Jake contorceu o rosto em um sorriso

exagerado e ergueu as mãos em sinal de desculpa.

— De volta para Academia. Eu acabei de receber uma ligação — Jake

mentiu. — Chelnikov quer me ver. Eu meio que deixei de entregar alguns

trabalhos. Acho que andei um pouco preocupado.

— Seu tutor quer vê-lo num sábado? Jake, isso não é justo.

— Eu sei, mas ele insiste. Eu tenho que ir agora. Ele quer tratar de coisas da

escola, Isabella, não posso dizer não. Já tenho problemas demais com esse cara.

— Ele não tem o direito — Isabella fez o maior bico.

— Ele tem minha carreira escolar nas mãos — argumentou Jake. — Tenho

que ir. Sinto muito, linda — ele tentou sorrir, embora não tenha olhado nos

olhos de Cassie. — Você vai se divertir sem mim. Vá lá, gaste tudo o que puder.

— Claro — Isabella ergueu o queixo relutante para receber o beijo dele. —

Até mais, Jake.

Cassie enrugou a testa e não respondeu quando ele disse tchau para ela.

Havia muitas mentiras pairando no ar — algo teria que ser o ponto final. Ainda

por cima tinha que se preocupar com Jake apressando a busca de Katerina,

agora que ele sabia que ela estava na cidade...

— Chelnikov! — Isabella reclamou. — Por que isso... Aquele sargento

precisa vê-lo num fim de semana!

Page 111: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

110

— Sei lá, mas Jake não iria se não fosse realmente importante, iria? —

Cassie disse meio envergonhada, se punindo por estar encobrindo-o. Ela não

queria dar a Isabella mais um motivo para se preocupar.

Isabella deu de ombros, resignada, e passou as mãos pelo cabelo.

— Ok, você tem razão. Não é culpa dele. Ah, por que eu fui tão ruim com

ele?

— Sai dessa — disse Cassie relutante.

Isabella cruzou seu braço com o de sua colega mais uma vez.

— Bem, vou compensá-lo depois — disse maliciosamente. — Nesse meio

tempo, uma voltinha pela Bloomingdale's deve elevar minha alma.

Talvez, pensou Cassie sombriamente. Vamos torcer para que não eleve a

minha...

Page 112: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

111

Capitulo 14 — Foi divertido! — disse Cassie.

Ela realmente quase se sentia assim. O entusiasmo de Isabella por comprar

era contagioso e ajudou a ocupar a mente de Cassie com outras coisas, pelo

menos por um tempo.

— E aí, você está razoavelmente consolada?

— Uuuufa! — respondeu Isabella. Ela parou no saguão da Academia, bem

ao lado de Aquiles e colocou no chão sua coleção de sacolas de compras. Cassie

também suspirou, bem consciente dos olhares e sussurros dos Escolhidos atrás

dela. O acontecimento do Carnegie Hall tinha se espalhado pelo quarto comum

como um incêndio. Mikhail em particular a olhou com desdém quando passou

por ela. Se alguns dos Escolhidos não a tinham recebido bem antes, ela temia

pensar como eles se sentiriam em relação a ela agora.

Page 113: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

112

Alongando os braços, Isabella dobrou e arrumou uma sacola aberta. Os

olhos brancos de Aquiles brilharam em direção a sacola.

— Ele não aprova — observou Cassie, apontando o jovem guerreiro de

marfim com o polegar.

— Isso me diz tudo o que eu preciso saber — Isabella torceu o nariz. — Ele

é um homem sem coração. Veja como ele trata o pobre Heitor — ela acariciou

suavemente o frio braço de marfim de Heitor, erguido em protesto inútil contra

sua morte iminente. — Sim, me considero consolada. Bergdorf Goodman17 foi

um triunfo em particular.

— Garotas, vocês têm sido muito malcriadas.

Por um milésimo de segundo, Cassie imaginou que fosse Aquiles falando,

até que viu Richard. Ele estava preguiçosamente apoiado na estátua, com uma

das mãos no bumbum musculoso de Aquiles. Um grupo de meninas dos

Escolhidos olhava para ele e depois para Cassie, com óbvia descrença e

hostilidade. Richard pareceu ignorá-las.

— Richard! — Isabella o beijou nas bochechas, antes de olhar com vergonha

para Cassie. — É o sujo falando do mal lavado, eu acho. Você não estava ontem

na Gucci quando deveria estar na aula de literatura francesa?

Richard riu maliciosamente.

— Touché! Casaco fabuloso, bela Isabella. Cassie, você está maravilhosa

como sempre.

Ela lhe deu um sorriso amarelo com os dentes cerrados, mas permaneceu

silenciosa como uma pedra. Era o máximo que ela podia fazer para não

estrangulá-lo. A presença de Isabella era tudo o que a impedia. E se ele viesse

todo culpado e arrependido? Ela não confiava nele desde que pudesse atirar...

Ela interrompeu seus pensamentos. Depois dos eventos da noite passada, essa

não era uma metáfora muito confortável.

Richard desenrolou um cachecol de cashmere de seu pescoço e baixou o tom

de voz.

— Cassie, querida, você vai ter que me perdoar um dia.

— Eu acho que não — Cassie retrucou.

17

Bergdorf Goodman é uma luxuosa loja de departamentos na Quinta Avenida. Em Nova York (N. T.).

Page 114: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

113

— Bem — ele ergueu a mão para cumprimentar uma aluna nova do Liceu,

alta e aparentemente tímida, que ruborizou e sorriu enquanto tirava a longa

franja loira dos olhos. — Acho que essa é minha deixa.

— Ah, Richard — censurou Isabella, seguindo o olhar dele. — Você é

impossível.

— Ao contrário, sou bem previsível. E, ah não, lá vem Daniel outra vez —

suspirou Richard ao avistar um garoto israelense, alto e forte, vindo em direção

a eles. — Ele me persegue, senhoritas. Uma ficada sem importância e agora ele

não me deixa em paz. Uma vez almofadinha, sempre almofadinha... Adeus —

com uma última piscada galante para a loira Liceu, Richard sumiu rapidamente

de vista, deixando Daniel com um olhar de ódio.

— Ele nunca vai mudar — disse Isabella, fazendo “não” com a cabeça.

Ela olhou cautelosamente para Cassie.

— Você acha que vai conseguir perdoá-lo um dia?

— Não.

Quando elas chegaram ao elevador, pareceu como um refúgio dos

comentários e dos observadores. Cassie pressionou o botão com um suspiro de

alívio.

— Será que Ranjit está por aqui?

— Se Ranjit estiver por aqui, tenho certeza de que ele vai te achar —

brincou Isabella, arrastando suas muitas aquisições pelo quarto e jogando tudo

em cima da cama. — Ei, o que é aquilo?

— Boa pergunta Cassie soltou sua sacola bem menor no chão, olhando para

o pergaminho sobre seu travesseiro. Tinha as bordas douradas, o que era uma

novidade, mas estava amarrado por uma fita preta familiar. Um arrepio de

medo subiu por sua espinha. Nada de bom parecia vir dessas mensagens

sinistras. Por que a Academia não podia usar e-mails como todo mundo?

— Vai, abre logo!

Relutante em até mesmo tocar o pergaminho, Cassie cuidadosamente

quebrou o selo de cera que prendia a fita. Desenrolando a mensagem com a

ponta de uma unha, ela leu tudo em silêncio.

Page 115: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

114

Isabella tinha se esquecido completamente de Bergdorf Goodman. Ela

estava observando Cassie com uma curiosidade insuportável.

— Vai! Me conta!

Cassie franziu a testa.

— É do Conselho dos Anciãos. Seja lá o que isso for.

— Parece bom — Isabella hesitou, então olhou incrédula para Cassie. —

Não é?

— Não. Estou sendo convocada para uma reunião com o Conselho na

próxima semana. Comparecer não é opcional.

Com raiva, Cassie jogou o convite no chão e Isabella o pegou

cautelosamente para ler por si própria.

— É bem rude, não é?

— É. Bom, eu acho que posso adivinhar do que se trata.

As garotas se olharam e nenhuma delas estava sorrindo. Elas disseram em

uníssono:

— Carnegie Hall.

***

— Cassie, oi — o rosto de Ranjit se iluminou quando ele levantou a cabeça

da pilha de livros em sua mesa. Não tinha sido difícil encontrá-lo: metido em

um canto silencioso da enorme biblioteca, lendo atentamente livros antigos que

pareciam não pertencer àquele lugar supermoderno e lustroso. Mas a expressão

dele fechou quando olhou para a expressão dela. — O que houve?

Cassie queria jogar o pergaminho, ela odiava até mesmo tocá-lo, mas

conseguiu colocar o papel enrolado cuidadosamente na frente dele, sobre o

livro aberto. Os olhos dele se arregalaram.

Page 116: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

115

— O Conselho dos Líderes.

— Você já recebeu um desse? — ela ergueu uma sobrancelha, perplexa.

Ranjit sacudiu a cabeça.

— Não. Mas reconheci o estilo — ele passou o dedo pela borda dourada do

pergaminho.

— Chegou hoje. Enquanto eu estava fora, claro.

— Entendi — ele se sentou novamente, então olhou para ela, procurando

com os olhos. — Como você está, Cassie? Desculpa por não ter te acompanhado

até o quarto ontem... E por como as coisas aconteceram no geral. Vou te

recompensar, prometo — ele sorriu brevemente e lançou um olhar de

desculpas. — Eu tenho dito isso para você com certa frequência.

Cassie sorriu.

— Estou bem. Acho que estou começando a ficar com um pouco, hã, de

fome, mas nada que não consiga controlar — percebendo o olhar dele de

preocupação, ela continuou, esperando distraí-lo. — Então, o que Sir Alric te

disse ontem à noite? Aulinha básica de orientação sexual?

— Mais ou menos isso... — ele murmurou.

— Sério? — a voz de Cassie não escondeu a surpresa.

— O quê? Hã, não — disse Ranjit, como se tivesse sido distraído por outro

pensamento. — Não, não era nada. Eu acho que ele apenas queria me

repreender, como o mais velho é o mais sábio de nós. Eu acho que estávamos

dando um showzinho lá — ele deu um risinho malandro.

— Acho que sim... — ela sussurrou, inclinando-se para beijá-lo breve e

cautelosamente, antes de puxar uma segunda cadeira de uma carteira vazia na

frente e sentar-se ao lado dele. — De qualquer forma, desculpe por eu ter

conseguido arruinar o Dia dos Namorados.

Ranjit escorregou a mão e colocou sobre a dela.

— Você não o estragou. Deixa disso. Uma coisa é certa, nunca tive um

encontro como aquele. Eu não cheguei a te agradecer apropriadamente pela

experiência memorável! — ele sorriu.

Page 117: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

116

Cassie sabia que ele estava apenas tentando animá-la, porém, ela não

conseguiu retribuir o sorriso dele.

— Mas é sobre isso que será a reunião, não é? Carnegie Hall?

Ele suspirou e fez “sim” com a cabeça, sério.

— Eu não vejo outro motivo. Cassie... — tomando fôlego, Ranjit desenrolou

o pergaminho e leu. — Você deve saber que isso é muito, muito raro. Os

Anciãos quase nunca se reúnem, que dirá- encontrar um aluno. O Conselho é

formado pelos mais importantes Escolhidos e o trabalho deles não deixa muito

espaço para cuidar dos seus semelhantes. Além disso, a maioria deles levaria

uma vida muito, hã, esquisita, caso seu segredo vazasse.

Cassie torceu o nariz.

— Você quer dizer que eu posso reconhecer alguns dos Anciãos?

— Ahhh, tenho certeza que irá. A menos que nunca tenha assistido ao

noticiário em sua vida.

— Agora estou definitivamente assustada — ela esfregou as têmporas. — O

que eles querem exatamente?

Ele olhou cuidadosamente a prateleira de livros sobre o ombro esquerdo

dela.

— Descobrir o que aconteceu, acredito.

— Mas eu não sei o que aconteceu, Ranjit. E mais ainda, nem Sir Alric sabe.

O que eles esperam que eu diga a eles?

— Não sei — Ranjit apertou os dedos dela, mas ainda não exatamente

olhando-a nos olhos. — Mas tenho certeza de que dará tudo certo, Cassie. Eles

não são temíveis ou déspotas.

— Não todos — ela respondeu bruscamente.

— Você vai ficar bem — ele disse novamente. — Eu estarei lá. Vou com

você.

— Você vai? — ela se iluminou instantaneamente. — Você pode fazer isso?

— Há muitas coisas que eu posso fazer que você não sabe — ele ergueu

uma sobrancelha. — Você tem direito a um Partidário. É o que serei. Não vou

Page 118: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

117

deixar que vá sozinha — ele soou determinado demais, como se tentando

convencer outra pessoa além dela. Ela inevitavelmente sentiu uma onda de

alegria por causa dele. Ao se levantar, ela o abraçou por cima da pilha de livros.

As promessas dele trouxeram lágrimas inesperadas aos olhos dela: e ela não

queria muito que ele visse.

— Obrigada, Ranjit.

— Sem problemas — ele respirou. Então ela sentiu seus pés saírem do chão

e percebeu que ele a tinha levantado como se ela não pesasse nada. Colocando-

a de volta ao chão, do lado dele da mesa, o corpo dela pressionado ao dele, ele a

beijou devidamente. Não era urgente como o da noite passada, apenas caloroso

e reconfortante. Depois de um momento, ele se afastou, com um olhar que ela

interpretou como de alívio. Sorrindo apoiada ao peito dele, ela murmurou:

— Você estará lá com certeza?

— Já disse. Não vou deixá-la sozinha.

Não, ele não deve nos deixar!

A voz rude assustou Cassie. Ela se afastou, chocada.

Tem certeza de que ele não deixará? Você confia nele?

— Claro que confiamos! — ela sibilou.

— Cassie? — Ranjit franziu a testa para ela. — O quê?

— Nada. Desculpa — ela disse rapidamente. Ao olhar para cima, ela se

deparou com o olhar ansioso dele.

Podemos confiar que ele não nos deixará?

Sacudindo a cabeça para tentar perder Estelle, ela forçou uma risadinha,

subiu nas pontas dos pés e o beijou rapidamente.

— Eu tenho que ir.

— Não se preocupe, Cassie. Ok? Você não tem com que se preocupar.

— Claro — ela deu um falso sorriso brilhante. — Trata-se apenas do

Conselho dos Líderes, certo?

Ranjit riu baixinho.

Page 119: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

118

— Certo. Vejo você daqui a pouco.

Ela apertou a mão dele uma última vez, então saiu apressadamente, antes

que Estelle dissesse qualquer outra coisa. Ranjit tinha dito que ela não devia se

preocupar e, ela acreditava nele. Ela acreditou na palavra dele. Ela tinha

confiado nele. Não tinha?

Quando Cassie contornou as pilhas de livros, notou uma figura familiar se

distanciando de uma das mesas em direção à porta, com muitos arquivos

debaixo do braço. Jake. Ela quase chamou por ele, desejando passar-lhe um

sermão sobre ter abandonado Isabella naquele dia mais cedo, mas ele já tinha

saído. Debaixo da mesa dele, no entanto, ela pôde ver um único pedaço de

papel que tinha caído no chão. Cassie agachou para pegá-lo. Era uma página de

um pequeno plano, impressão de um arquivo de computador, que estava bem

claro. O título por si só era suficiente para fazê-la estremecer:

Altamente Confidencial - Inquérito da morte de Jéssica Marie Johnson

Mas o que tirou o fôlego de Cassie foram as quatro palavras escritas no selo

bem no topo da página:

Federal Bureau of Investigation18

— Jake — ela sussurrou para si mesma. — O que você fez?

18

O Federal Bureau of Investigation (“Escritório Federal de Investigação” em português) é mais conhecido pela sigla FBI; um órgão equivalente à Polícia Federal no Brasil (N. T.).

Page 120: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

119

Capitulo 15 A insônia estava fazendo a fome crescer. Além do estresse, Cassie pensava.

Depois de uma noite sem dormir, Cassie se sentia grogue e fraca — ela faltou à

aula pela primeira vez em sua carreira na Academia Darke. Signor Poldino

aceitaria a desculpinha qualquer de uma dor de cabeça, ela pensou, gemendo

enquanto se jogava de volta aos travesseiros. Confrontar Jake sobre os arquivos

do FBI teria que esperar.

Para convencer Isabella foi necessário um pouco mais do que ela disse para

o professor de artes, mas assim que sua colega de quarto foi persuadida a deixá-

la em paz e ir para a aula, Cassie suspirou profundamente de alívio. Ela rolou

na cama e puxou as fotografias derretidas que estavam debaixo do colchão.

Sentando-se com as pernas cruzadas sobre a cama, olhou atentamente para as

fotos mais uma vez.

Ela mal podia compreender a lista de problemas que a confrontava: os

porta-retratos derretidos e depois o bracelete de Isabella; o Carnegie Hall e as

consequências do novo poder dela; o terrível incidente com Isabella na Coney

Island; Jake e toda a bagunça com Katerina; Ranjit; e, é claro, a cereja do bolo: a

Page 121: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

120

reunião com o Conselho dos Líderes. Tudo parecia desmoronar sobre ela, no

que ela havia se tornado. Ela nunca tinha se sentido tão deprimida e

desamparada.

O clima não estava ajudando. Pela janela, uma massa de nuvens e neve

cinzenta cobria a cidade e flocos de neve cinza caíam aleatoriamente, grudando

no vidro. O dia parecia refletir o modo como ela se sentia. Ela precisava saber

de muita coisa e não tinha ninguém para quem perguntar. Sacudindo as pernas

para fora da cama, ela olhou pela janela de vidro cristalino. Sir Alric, ela pensou.

Ele tinha prometido pesquisar o estranho poder dela e talvez já tivesse

encontrado mais informações. Ela sabia que não aguentaria nem mais um dia

sem perguntar, de jeito algum.

Quando ela saiu do elevador, a porta do escritório estava aberta.

Inexplicavelmente nervosa, ela se aproximou. Sir Alric estava apoiado na frente

de sua mesa, conversando com alguém na porta de frente para ele. Tudo o que

ela conseguia ver do visitante era a parte de trás da cabeça, que parecia familiar

— estupidamente familiar, porque era óbvio que ela estava enganada. Não

poderia ser ele. Não em Nova York. Ao mesmo tempo, ela começou a sentir seu

coração disparar.

Simplesmente não podia ser ele... Podia?

Ela sacudiu a cabeça uma vez, rapidamente e com força. Sir Alric de

imediato olhou para cima, percebendo o movimento. Ela pôde notar a surpresa

se instalar no rosto dele, além de algo parecido com irritação. Ele não esperava

por ela. Ela estava interrompendo. Cassie ergueu a mão com hesitação — em

parte para cumprimentá-lo, em parte para indicar que esperaria, mas ele não

tomou conhecimento. Ao invés disso, ele estalou os dedos uma vez para

alguém que ela não podia ver e um secretário apareceu.

— Sir Alric está ocupado agora — o jovem homem deu um sorriso

medíocre e fechou a porta com força na cara dela.

Cassie olhou embasbacada, boquiaberta.

— Eu espero — disse com raiva.

Havia algumas cadeiras de design impecável no canto da antessala, mas

Cassie as ignorou, bem como as revistas e as prateleiras de livros. Ela apenas

conseguia andar para frente e para trás, de cara feia, enquanto os minutos

passavam. A terrível certeza de que ela conhecia sim o visitante estava

crescendo. De que ele era quem ela pensava que fosse. Por que mais Sir Alric

Page 122: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

121

teria reagido da forma como reagiu? A fúria borbulhava dentro dela e ela

tencionava o maxilar por causa disso. Talvez ela não conhecesse o sábio e gentil

Sir Alric tão bem, afinal de contas. Quando a porta se abriu, virou-se com os

olhos em chamas. Mas não era Sir Alric nem seu secretário...

Era Patrick Malone.

Cassie olhou fixamente para seu velho amigo, seu mentor, o principal

responsável por ela ser quem era agora. Patrick sorriu ansiosamente.

— Cassie.

Ela respirou fundo.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu... Eu tinha que conversar com Sir Alric sobre uma coisa. Não... Dava

para esperar. Cassie, como você está? — ele levantou a mão.

Ela não pegou. Ela podia sentir seus dedos tremendo e não queria

demonstrar quão assustada e irritada estava.

— Não sei o que está fazendo, mas...

— Cassandra — Sir Alric estava de repente atrás dele. — Patrick estava de

partida.

— Por que ele esteve aqui?

— Por que você não entra e falamos sobre isso?

— Sim, Cassie. Vá em frente — Patrick não estava mais sorrindo. — Sir

Alric vai explicar — ele olhou para o homem mais velho.

Cassie franziu a testa, olhando do rosto nervoso de Patrick para as feições

sem expressão de Sir Alric Darke. Ela abriu a boca para dizer não, mas então a

curiosidade foi maior. Ela fez “sim” com a cabeça, silenciosamente.

Sir Alric fez gesto para que entrasse, enquanto o jovem secretário

acompanhou Patrick até a saída. Era evidente que ele queria mantê-los

separados, mas embora o secretário tivesse passado rapidamente por Cassie,

sem ao menos olhar para ela, Patrick parou para abraçá-la. Ela permaneceu sem

se mover, determinada a não abraçá-lo de volta. Ela já estava sentindo o

doloroso tormento dos segredos que ela não conhecia. Sir Alric fechou a porta

com força assim que Patrick a atravessou.

Page 123: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

122

— Pois não, Cassandra. Por que não se senta? — Sir Alric se sentou à mesa,

mas girou a cadeira em 45 graus, de maneira que ela visse seu perfil e olhou

para o horizonte da cidade. A frieza desdenhosa dele era perturbadora: ela

esperava um pouco de contribuição. Ela teve que respirar fundo mais uma vez

antes de falar e permaneceu em pé.

— Patrick — ela lambeu os lábios e engoliu. — O que ele está fazendo aqui?

— Por que ele não viria? Ele tem tentado entrar em contato com você desde

o início do semestre — Sir Alric girou a cadeira para olhar para ela. — Não

obteve respostas, pelo que parece. Naturalmente, ele estava preocupado com

você.

Cassie mordia a parte interna das bochechas.

— As mensagens dele não chegaram até você, eu suponho.

— Sim, chegaram — ela disse.

— Entendi.

— Olha, eu não queria falar com ele, tá? Eu não estava pronta.

Fechando os olhos, ele massageou a parte superior do nariz.

— Por que não?

— Porque ele sabe. Sobre a escola. Sobre tudo. Sobre os Escolhidos. Não sabe?

Mais uma vez, Sir Alric girou para ver a cidade.

— Sim.

— E ele sabe que sou... Dos Escolhidos?

— Sim. É por isso que ele está preocupado. Isso não te ocorreu, Cassandra?

Ela mordeu o lábio para evitar xingá-lo. A arrogância deste homem! Ele

estava sendo obtuso ou ele realmente não entendia como isso a fazia se sentir?

— Como Patrick sabe?

Sir Alric suspirou intensamente.

— Ele sabe, Cassandra, porque ele mesmo foi aluno daqui.

Page 124: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

123

Cassie se sentou. Por longos segundos ela não conseguiu falar.

— Como você acha que ele sabe de nós? Por que você acha que ele sugeriu

que você se inscrevesse para estudar aqui dentre tantos lugares?

— Sim, por quê? — Cassie se levantou prontamente. — Por que ele faria

isso? Ele sabia de você e dos Escolhidos? Ele sabia tudo sobre esse lugar, é o que

está me dizendo. E ainda assim, ele me mandou para cá? — havia uma dor em

seu peito, sufocando-a.

— Sente-se, Cassandra — Sir Alric lançou um olhar, depois virou de novo.

Engraçado, ela pensou amargamente enquanto se sentava, como ele parecia não

conseguir encará-la.

— Estou esperando — ela disse calmamente.

Ele juntou as mãos com os dedos esticados e, enfim, voltou-se

adequadamente para ela.

— Patrick a enviou porque ele sabia o que oferecemos aqui: o que você

tinha a ganhar. Ele sabia que você se encaixaria em nossos padrões

educacionais, ele sabia que você se beneficiaria imensamente de um tempo na

Academia. Acredite, ele pensou bastante e durante muito tempo antes de te

mandar para cá. Mas ele te mandou.

Cassie se sentiu tonta. Ela colocou as mãos uma de cada lado da cabeça.

— E veja o que me aconteceu — ela suspirou. — Como ele pôde?

— Porque ele não previu isso. Nenhum de nós antecipou isso. Ele pensou

que seria impossível, que não havia chances de você se tornar uma Escolhida. Ele

fez com que eu prometesse escolher sabiamente sua colega de quarto, que você

tivesse a melhor companhia possível. Eu fiquei muito feliz em prometer isso.

Isso acabou acontecendo para melhorar as coisas, eu acho.

Ela esfregou a testa.

— Sim. Isso, sim.

— Veja bem, Patrick era colega de quarto de um membro dos Escolhidos.

Erik era um bom membro dos Escolhidos e um ser humano melhor ainda.

Patrick o respeitava imensamente e o sentimento era mútuo. Assim como você e

Isabella, Erik se recusou a enganar Patrick. Ele se alimentava de Patrick com seu

Page 125: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

124

total conhecimento e consentimento e nunca houve nenhum dano. A relação

deles era a mais perfeita possível entre um Escolhido e sua fonte vital.

A maneira casual como ele tinha dito isso fez descer um arrepio de terror

pela espinha de Cassie.

— Patrick sabia que você estaria em segurança. Com a melhor das garotas

como colega de quarto, você estaria protegida, seria privilegiada e, ele sabia,

por experiência própria, que nenhum mal te aconteceria. Acima de tudo, ele

pensava que não havia chance alguma, a menor possibilidade, de você se tornar

membro dos Escolhidos. Patrick também era bolsista. Ele sabia que deveria ser

impossível.

— E então veio Estelle — suspirou Cassie. Sentindo todo o corpo dormente.

Sir Alric concordou com a cabeça solenemente.

— Há algo mais que deseje saber?

Ela sacudiu a cabeça devagar.

— Não. Não quero saber nada mais. Exceto...

Ele a observou em silêncio, aguardando.

— Este cara, Erik. O colega de quarto de Patrick. Você disse que ele era um

bom ser humano.

— Ah, sim. Erik Ragnarsson morreu.

Cassie tentou absorver a resposta. Não, ela não perguntaria mais nada. Ela

não queria saber.

— Eu achei melhor que eu explicasse ao invés de Patrick. Por causa de seu...

— ele parou. — Estado volátil. Você gostaria de conversar com ele agora?

Ela sacudiu a cabeça violentamente.

— Não! Não, eu não quero vê-lo.

— Muito bem — Sir Alric inclinou a cabeça. — Então tudo o que resta, Srta.

Bell, é você me dizer por que veio me procurar em primeiro lugar.

Deus. Ela quase tinha esquecido. Com a mão tremula, Cassie retirou o

pergaminho de bordas douradas do bolso. O caro pergaminho mal estava

Page 126: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

125

enrugado. Considerando o que tinha acabado de acontecer, os Anciãos

pareciam bem menos importantes. Ela mal se importava com isso. Não. Não,

tinha que se importar. Tinha que saber. Cassie apertava os dentes.

— Você sabe algo sobre isso?

Sir Alric olhou de relance para o convite.

— Sabia que tinha recebido.

— Você sabia? Você sabia que isso ia acontecer? Antes de eu receber, então?

— Sim.

Cassie ficou olhando para baixo, para o pergaminho em suas mãos.

— Você contou para eles? Para os Anciãos, quero dizer. Sobre mim?

— Claro.

Ele soou tão razoável que ela queria bater nele.

— Por quê?

Sir Alric sorriu.

— Desde os acontecimentos no Carnegie Hall, eu falei várias vezes com

meus colegas do Conselho para ver se eles podiam me dar alguma explicação

para os poderes que você manifestou.

— E eles deram? — Cassie sentiu um nó na garganta. — O que você

descobriu?

— Nada. Temo que não possa te dar mais informações, Cassandra. Eu

estudei vários livros. Nada até agora fez muito sentido.

— Então por que o Conselho quer me ver? O que você não está querendo

me dizer?

Em meio ao silêncio, ouvia-se apenas Cassie mexer ansiosa no pergaminho

em suas mãos. Por que Sir Alric parecia tão controlado, tão perfeitamente

calmo? Ela estava começando a odiá-lo. O ritmo do coração dela começou a

acelerar conforme ela ruborizava de irritação.

— Acredito ter dito tudo o que posso — Sir Alric se levantou. — Mais

alguma coisa, Cassandra?

Page 127: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

126

Ele era tão alto. O poder irradiava dele. Ela lembrava ter pensado nisso na

primeira vez que o viu. O quanto ela havia ficado impressionada. Quão

intimidada. Agora não mais.

Agora não mais!

Ela se levantou.

— Você não pode me controlar.

— O que você disse? — a voz de Sir Alric estava perigosamente calma.

Ela andou em direção a ele.

— Sou mais forte do que pensa, Alric — ela sibilou.

Ele apertou os olhos. Um músculo debaixo do olho dele fisgou.

— Não me subestime! — os lábios dela cerraram-se.

— Cassandra... — a voz de Sir Alric era um leve resmungo, mas a expressão

dele era de cautela.

A sala estava vermelha outra vez. Mas enxergar tudo tingido de carmim

não era tão assustador dessa vez. Significava poder. Ela gostava disso. Como ele

ousava tratá-la daquela maneira? A fúria formigava em sua espinha, tremia

como uma áurea fora de seu corpo.

— Cassandra!

Ela não respondeu. Ao invés disso, riu. Ela olhou selvagemente ao redor da

sala. Era como ele. Pura elegância. Puro bom gosto. Puro controle! Ela mostraria

para ele...

Expandindo, sua áurea de poder se espalhou por toda a sala. Através do

reflexo do vidro colorido de uma luminária magnífica, a lâmpada brilhava mais

intensamente e depois mais. A luz mudava de cor à medida que se

intensificava. Agora, o brilho insuportável estava vermelho-sangue e claro

como um laser, brilhante com energia. Sir Alric exclamou de horror e tentou

pegá-lo.

Tarde demais. A lâmpada explodiu em uma chuva de vidro fino, dando um

banho na mão e no braço dele.

— Cassandra!

Page 128: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

127

O tom dele tinha mudado completamente. Havia raiva agora, um rangido

ameaçador. Olhando para ele, ela viu os próprios olhos dele ficarem

intensamente vermelhos; primeiro as pupilas, depois se expandiram até que

todo o globo ocular brilhasse escarlate. Deus, mas ele era tão forte! A luz do

espírito dele queimava no peito como um sol intenso.

Era como ela via. De repente, ela sabia. Monstruoso. Cassie apertou tanto os

dentes que isso doía. A áurea ao seu redor piscou.

Machuque-o! Machuque-o! Como ele ousa nos tratar assim!

Cassie fechou os olhos com força.

MACHUQUE-O!

— NÃO! — ela rosnou. Ela apertou mais os punhos; podia sentir as unhas

perfurando suas próprias mãos. Sir Alric estava em pé absolutamente imóvel,

mas ela sabia que ele estava pronto para dar o bote. Pronto para se defender?

Pronto para atacar?

Ataque!

— Não!

Lentamente, tremendo e puxando o ar, ela sentiu seus pulsos soltarem, seus

músculos relaxarem. Quando ela fechou os olhos e abriu de novo, o filtro

vermelho havia se dissipado e ela podia vê-lo de modo claro mais uma vez. Os

olhos dele permaneceram vermelhos por um momento, então foram lentamente

retornando a sua cor cinza habitual.

— Controle-se — ele murmurou. Ainda era um rosnado, porém menos

agressivo. — Bom.

Sem tirar os olhos dela, Sir Alric tirou com a mão os estilhaços brilhantes de

vidro em sua manga. Ele tinha cortado o dedo, Cassie notou. Havia sangue. Ela

se recompôs, tentando reprimir o prazer que tinha sentido nisso. Respirando

com força, ela esperou até ter certeza de que podia andar sem titubear. Então

ela se virou, tremendo e saiu da sala, fechando a porta firmemente atrás dela.

Page 129: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

128

Capitulo 16 Posso te ajudar, minha querida. Você está fraca. Não quero que adoeça, minha doce

Cassandra. Deixe-me ajudá-la. Vamos nos unir. Não me deixe aqui fora, não quando eu

posso salvá-la. Podemos salvar uma a outra...

— Ah, meu Deus — murmurou Cassie. — Estelle...

— Cassie! — Isabella puxou o braço de Cassie. — Você está sonhando de

novo. Falando sozinha. Acorda!

Cassie fez força para abrir os olhos. Um pouco de luz do sol invadia o

quarto pela janela com vista para o Central Park. Horas passaram desde que

tinha saído cambaleante da sala de Sir Alric, fraca de fome. Isabella deve ter

voltado da aula.

— Isabella?

— Cassie, qual é o problema? O que posso fazer?

Page 130: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

129

Como sempre, sua colega de quarto estava efervescendo de energia e Cassie

se deu conta de que se inclinava em direção a ela ávida por se alimentar.

Esticou uma das mãos para agarrar Isabella, mas não a alcançou e caiu

desastradamente no chão.

— Cassie? Cassie! — Isabella se agachou ao lado dela. — Oh, Cassie, você

está doente! Vem, deixe-me te ajudar...

— Não! — Cassie foi para trás, se apertando entre a cama e o criado-mudo,

e levantou a mão, espalmada, para proteger sua amiga. — Não, Isabella, não!

Estou... Acho que preciso me alimentar.

Isabella hesitou, olhando para a mão espalmada de Cassie. Então ela

apertou a mão da amiga, levantou-a e segurou nos ombros dela. Cassie resistiu,

dura de medo. A qualquer momento agora... A qualquer momento...

Isabella colocou as duas mãos no rosto de Cassie e estava com uma

expressão séria.

— Então você deve se alimentar. Vamos lá.

Cassie observou enquanto sua colega de quarto estendia os braços.

— N-não!

— Cassie, você está horrível. Por favor? — Isabella apertou os pulsos contra

as mãos de Cassie, mas ela os afastou rapidamente.

Isabella sacudiu a cabeça, preocupada e brava.

— Olhe para você! Sua pele está fina como papel. Seus olhos, sem brilho.

Você não devia ter esperado tanto. Vamos. Vamos até o escritório de Sir Alric.

Ele vai ajudar.

— De jeito nenhum — Cassie fez “não” com a cabeça rapidamente. — Não

vou até ele de jeito nenhum.

— Mas, Cassie, por quê?

— Não vou... Te explico depois — Cassie colocou as mãos na garganta. —

Ai meu Deus, Isabella. Estou com tanta sede.

— Tome, pegue aqui — Isabella levou o jarro d'água até os lábios de Cassie.

Ela engoliu desesperadamente, mas não estava ajudando. — Espere aqui. Não

se mexa — fez Cassie segurar o jarro com força e saiu correndo do quarto.

Page 131: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

130

Cassie tinha tornado toda a água, enchido o jarro outra vez e estava dando

largos goles novamente quando Isabella retornou. Trouxe Ayeesha, que ficou

pasma quando botou os olhos em Cassie.

— Meu Deus! Cassie, o que você tem? — ela exclamou.

— Ela precisa se alimentar — Isabella cruzou os braços. — Agora. Ayeesha,

você pode nos ajudar? Ela só fez isso uma vez antes.

— Uma vez? Cassie, você só se alimentou uma vez? — os olhos da garota de

Barbados se arregalaram de horror. — O que você tem feito consigo mesma?

— Ela fica nervosa de me usar para se alimentar — disse Isabella

emburrada. — Ela tem se segurado.

Ayeesha ficou surpresa quando se deu conta do que Isabella dizia. Olhando

fixamente para ela por uns instantes, ela se virou e olhou bem para Cassie.

— Você não acha que Isabella devia tomar um drinque também?

Por um momento, Cassie não conseguiu entender qual era a dela. Então ela

se lembrou da bebida que os Escolhidos oferecem a seus colegas de quarto para

que não se lembrem da alimentação.

— Está tudo certo, Ayeesha — ela sussurrou sem forças. — Ela sabe.

Concordou com isso.

— Sério? — Ayeesha ainda parecia cautelosa. — Talvez devêssemos chamar

Sir Alric...

— Não! — a voz de Cassie estava rouca e grossa.

— Ok. Vou ajudá-la, então. Você se lembra do que aprendeu?

Isabella rapidamente fez “sim” com a cabeça para as meninas.

— Sim. Cassie, vamos — ela esticou os braços em direção a Cassie mais

uma vez e, mesmo atordoada, Cassie teve certeza de que a mão de sua amiga

estava tremendo um pouquinho.

Ayeesha pôs a mão no ombro de Isabella para reconfortá-la.

— Agora, Cassie. Segure-a.

Page 132: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

131

Cassie cambaleava, sentindo-se tonta. Isabella sorriu um pouco nervosa e

fechou os olhos quando Cassie apertou os dedos em forma de anel em seus

pulsos.

Ela podia sentir o sangue de Isabella pulsando sob as pontas de seus dedos

e o ar entrando e saindo dos lábios semiabertos de sua colega de quarto.

Moveu-se para frente bruscamente, diminuindo a distância entre elas, mas

então sentiu um toque de advertência em seu braço.

— Cuidado — sussurrou Ayeesha. — Mantenha o controle.

— E se não conseguir? — Cassie se sentia desordenada.

— Vou te parar, acredite em mim. Mas você consegue manter o controle.

Sabe que consegue, já fez isso antes. Vá devagar.

Quando fechou os olhos e respirou fundo, Cassie sentiu uma violenta onda

de fome. Mas os dedos de Ayeesha apertaram seu braço com mais força e o

lembrete físico a ajudava a se conter.

Cassie sentiu um raio repentino de absoluto êxtase quando o ar contínuo

começou a sair de Isabella, enchendo seus próprios pulmões e borbulhando em

todo seu corpo. A força de Isabella era tremenda, tão vital! Toda aquela energia

efervescente e interminável... Corria pelas veias dela, arrepiando até a ponta

dos cabelos. Ela quase riu, sentindo-se tonta. O sangue pulsava em suas orelhas

e ela se sentia poderosa e viva novamente. Apertando os pulsos de sua amiga

com mais força, ela sugava a força vital, divertindo-se.

Um som a distraiu momentaneamente. Uma batida na porta? Os olhos de

Cassie abriram e ela olhou para o lado por um instante, ainda sugando a força

vital de Isabella, mais rápido agora...

— Quem é? — perguntou Ayeesha, franzindo a testa. Ela soltou um pouco

o braço de Cassie quando sua atenção se dispersou.

— Sou eu. Jake — uma pausa. — Quem é?

Os olhos de Isabella se arregalaram, horrorizados. Cassie viu a reação de

choque, mas não parou de sugar, levando o ar que estava entre elas direto a

seus pulmões.

— Espere um momento, Jake — disse Ayeesha.

Page 133: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

132

Não, claro que Jake não devia saber. Ayeesha não devia deixá-lo entrar. Em

algum lugar no meio do delírio, Cassie percebeu que tinha que dizer isso a ela.

Pare e diga a ela, agora mesmo. Mas ela não conseguia parar, ainda não...

Rápido! Rápido!

Isabella estava recuando, puxando para tentar escapar do controle de

Cassie. Ela estava entrando em pânico por causa de Jake, claro.

Não ligue para ele! Não ligue para nada disso. Continue!

De repente, o pânico e o terror nos olhos de Isabella eram diferentes. Ela

estava se debatendo, lutando e um barulho horrível de falta de ar vinha do

fundo de sua garganta.

Faça ela se calar e ficar parada!

A garota estava lutando agora. As veias no pescoço dela pulsavam. Mas

não era o suficiente. Ela precisava de mais...

— Não! Não!

SIM! Me de mais dela! Nós estamos FAMINTAS, Cassandra! Junte sua boca a

dela e tome TUDO!

— NÃO! Não posso...

SEGURE-A! NÃO DEIXE QUE ELA SAIA!

— Estelle, não... Ela É minha melhor amiga!

Ela não é sua melhor amiga. EU SOU!

— Cassie? Cassie! — a voz de Ayeesha passou pelo cérebro dela quando

sua atenção se voltou para a alimentação. — Cassie, pare neste minuto!

Ignore-a!

Dedos esmagavam o braço de Cassie, rasgando-o. E a raiva surgiu e ela

sugou mais vida para compensar. A fúria vermelha correu pelo corpo dela.

— CASSIE! — os dedos de Ayeesha afundaram no pulso dela,

machucando-a.

Page 134: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

133

Foi quando a porta abriu com tudo.

— Que diabos?

O choque a tirou do transe e Cassie quebrou o vínculo. Isabella tropeçou,

respirando com dificuldade, batendo um joelho. Depois caiu se apoiando com

os cotovelos.

— Chega, pelo amor de Deus. Chega — Ayeesha afastou Cassie de Isabella

e a chacoalhou com força.

— O que está havendo? Isabella? Cassie!

As três se voltaram para Jake — Ayeesha sem graça, Isabella pálida e

abalada, Cassie ainda sentindo o prazer da energia. As pontas dos dedos dela

formigavam, o cérebro dela formigava. Ela se sentia como se pudesse voar pelo

telhado.

O rosto de Jake era uma máscara de indignação e fúria.

— Você... Se alimentou dela? É o que estava fazendo? Você SE

ALIMENTOU DELA?

Cassie nunca tinha visto Jake pálido daquele jeito, com os punhos cerrados.

Ela esfregou a boca, respirando intensamente.

— Como você pôde? — as palavras dele não eram mais que um resmungo,

pingando veneno.

— Jake, já chega! — Isabella estava sem ar, mal conseguindo ficar em pé.

— Isabella? Você está bem?

Isabella forçou para sorrir abalada, esfregando os pulsos.

— Bem, Jake, estou bem. Não esquenta.

— Mas... Você tem noção do que ela estava... — a voz de Jake sumiu e ele

quase caiu, batendo contra a parede quando percebeu o que estava

acontecendo. — Meu Deus, Isabella... Você concordou com isso?

— Sim. Sim, Jake. Olha, sinto muito, eu...

Ele se virou para Cassie, enfurecido.

Page 135: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

134

— Como pôde? Depois de Jess? Depois do que viu Keiko fazer com Alice?

Você fez isso com sua amiga?

— Keiko? Keiko não era como o resto de nós! — Ayeesha interrompeu

muito brava. — Keiko era sádica! Ela gostava de machucar enquanto se

alimentava. E Alice não se lembrava mesmo!

— Que diferença isso faz? Fique fora disso! — gritou Jake. – Você é um

monstro... Como ela! — ele apontou um dedo para Cassie.

Cassie o ignorou. De repente, ele não fazia diferença. Tudo o que importava

era...

— Isabella. Você tem certeza de que está bem? Eu... Eu te machuquei?

— É sério. Estou bem, Cassie. Jake, por favor...

— Que se dane, Isabella. Você não se importa com o que eu penso, com o

que isso significa para mim...

— Jake, isso não é verdade!

— Ah, não? Você deixou essa sugadora de vidas se alimentar de você e nem

ia me dizer? Tudo bem. Pelo menos sei onde estou pisando.

— Jake, por favor! — Isabella implorou. — Ela não me machucou. Ela

jamais vai me machucar!

Ele falou sem mover muito os lábios.

— Você consegue dizer isso olhando nos meus olhos? Esqueça isso, Isabella.

Mas não se esqueça, jamais, do que eles fizeram com minha irmã.

Dito isso, ele se virou e saiu do quarto como um raio.

Page 136: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

135

Capitulo 17 Se ela já não estava bem antes, agora estava total mente infeliz. Cassie tinha

a terrível sensação de que jamais veria Jake de novo. Ainda que temerosa, ela

esperava que ele entrasse na sala de aula. Ele nunca a perdoaria. Nunca.

Ela mal conseguiu sorrir quando Ranjit chegou e se sentou a seu lado. Ela

podia sentir as olhadas perplexas dele, mas não conseguia tirar os olhos da

porta. O coração dela quase pulava cada vez que a porta se abria, mas quando a

aula de matemática começou, ainda não havia sinal de Jake. Palavras e dígitos

flutuavam para dentro e para fora de suas orelhas, passando despercebidos.

Quando a aula terminou, ela estava tão preocupada que juntou seus livros e

saiu sem pensar.

— Cassie — Ranjit estava correndo atrás dela. — Ei, o que houve? Eu fiz

alguma coisa errada?

Page 137: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

136

Ela hesitou.

— Você? Claro que não.

— Então, qual é o problema?

Ao se virar, ela analisou bem a expressão dele. O rosto lindo dele parecia

ansioso.

— Perdão. Ranjit, sinto muito. É o Jake.

Ranjit fez uma expressão de cautela.

— O que tem ele?

— Ele nos flagrou enquanto eu me alimentava de Isabella na sexta-feira.

Não o vimos desde então. Ele não tem vindo às aulas nem tem ficado no quarto.

Cassie mordeu o lábio. Dizer isso em voz alta a fazia lembrar de como a

situação era horrível.

— Que droga!

— É mesmo — triste, ela se apoiava em um pé depois noutro. — Primeiro

Katerina reaparece, depois isso...

— Ei, escute, talvez seja melhor se ele der um tempo da Academia, para

esfriar a cabeça. Quero dizer, ele devia sentir que tinha algo entre você e

Isabella. Não deve ter sido um choque tão grande. Ele só precisa de um tempo

para se acostumar.

Cassie sentiu a raiva subir.

— Acostumar? Não consigo ver isso acontecendo de verdade. Ele se

acostumou com o fato da irmã ter tido sua vida sugada de dentro dela? — algo

queimava nos olhos dela, uma pontada de calor que já estava se expandindo.

Ranjit esfregou a testa com o punho.

— Desculpa. Desculpa, isso foi insensível. Não quis dizer...

— Foi algo estúpido de se dizer — ela retrucou.

— Ok. Cassie, ele vai voltar. Ele tem que voltar.

Page 138: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

137

— É? Você não conhece Jake — piscando intensamente para tentar se livrar

da névoa vermelha que encobria sua visão, Cassie deu meia-volta e andou

depressa.

Uma vez que estava longe do cerco de Ranjit, o calor em seus olhos

diminuiu e ela conseguiu pensar com clareza outra vez. Por um momento, ela

pensou que ele não a seguiria e a culpa e o remorso a invadiram. Então, ouviu

os passos apressados dele atrás dela.

— Cassie, por favor, me perdoe. Estou tentando ajudar.

Ela se sobressaltou; com medo de olhar para ele. E suspirou.

— Eu sei. Ranjit, me desculpe também. Não sei por que surtei. Estou tão

estressada com a reunião do Conselho chegando e agora Jake...

— Está tudo bem — ele colocou a mão no ombro dela, depois tocou o rosto

dela carinhosamente. Ela pegou a mão dele e o levou até um canto mais calmo.

— Bem — ela disse olhando com incerteza para o lindo rosto de Ranjit —,

tem outra coisa sobre Jake. Ele sabe que Katerina está em Nova York. Ele tem

tentado encontrá-la. Ele quer justiça em nome de Jess. Acho que ele deve ter

hackeado o sistema do FBI para pegar alguns arquivos sobre a morte dela. Ele

tem alguma ideia louca de conseguir que Katerina seja julgada.

Ranjit congelou.

— Ele fez o quê? Cassie, isso é sério. Você tem que contar para Sir Alric. Nós

precisamos lidar com isso antes que Jake faça algo do qual nos arrependeremos.

— Algo de que nos arrependeremos? É com ele que estou preocupada.

Olha, sei que você não tem muitos amigos, então talvez você não entenda... —

Cassie parou rápido quando viu a expressão dele mudar e a magoa cruzar seu

rosto. Ela respirou fundo. Deus, o que estava dizendo? A última coisa que ela

queria fazer era magoar Ranjit. Não podia ficar nervosa, não agora. Ela

precisava apenas ter certeza de que ele tinha entendido. Baixando o tom de voz,

ela recomeçou. — Não quis dizer isso. Me desculpe. Mas, Ranjit, por favor, isso

é importante. Você não pode contar para ninguém sobre Jake. Eu só preciso

conversar com ele. Explicar as coisas.

— Cassie, isso vai além de amizade. Jake ser pego vasculhando o sistema do

FBI e acabar falando dos Escolhidos ou da Academia pode trazer sérias

Page 139: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

138

consequências para todos nós — ele a encarava tentando provar seu ponto de

vista.

— Eu não me importo com isso. O que acontece com a Academia não tem

nada a ver com isso.

Ranjit sacudiu a cabeça. Ele também parecia estar se esforçando para ficar

calmo.

— Cassie, o destino da Academia a envolve também. Você precisa se

lembrar disso.

Cassie pegou as duas mãos dele.

— Só um pouco de tempo. Se eu não conseguir persuadi-lo a parar com

isso, contarei para Sir Alric — ela continuou olhando para ele e o olhar dele era

um misto de emoções.

— Ok, Cassie. Não vou dizer nada. Eu juro.

O olhar dele era reconfortante e, ela expirou profundamente.

Você tem certeza de que esse é o melhor modo de encaminhar as coisas, Cassandra,

minha querida? Nós devemos fazer tudo o que pudermos para mantê-lo do nosso lado.

Não devemos deixá-lo escapar...

Cassie fingiu não ouvir as palavras de Estelle. Ela não aguentava mais suas

interjeições.

— Obrigada, Ranjit. Muito obrigada. Olha, nos vemos amanhã, Ok?

— Sim. Te encontro no seu quarto uma hora antes da reunião do Conselho.

— Ok. Ótimo, sim, claro — dessa vez foram lágrimas que picaram os olhos

dela. Como ela podia sonhar em duvidar dele? Cassie se inclinou e o beijou.

Ele a segurou quando ela se afastava e a puxou de volta, pressionando seus

lábios com mais força contra os dela. Depois que o coração dela deu um salto,

ela fechou os olhos e se entregou ao toque dele — mas não completamente.

Quando ele se afastou e sorriu em adeus, ela parou por um instante, chocada,

mas de forma agradável. Eles dariam certo. Seja lá o que estivesse fora de

controle e, que tivesse os levado a emoções extremas, eles estavam conseguindo

contornar. Eles conseguiriam.

Foi quando ela avistou Sir Alric.

Page 140: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

139

Ele estava observando os dois, ela pensou e um arrepio desceu por sua

espinha. Sua sensação de bem-estar se dispersou rapidamente, o olhar dele era

nebuloso, mas calculista.

— Cassandra. Posso falar com você um momento? — Sir Alric se dirigiu a

ela.

Ah, não. Tinha muito com que lidar agora e ela já tinha recebido

desaprovação suficiente. O relacionamento dela e de Ranjit não era, em

absoluto, da conta dele. Com um olhar insolente e um “não” com a cabeça,

Cassie deu meia-volta e saiu.

*** Pelo canto dos olhos, Cassie assistia Isabella digitando em seu telefone por

baixo da carteira. Ela estava fazendo de novo. Logo Madame Lefevre iria vê-la

e, então, iria até ela. Há um limite para o que Madame Lefevre pode aceitar.

Ainda assim, Cassie conseguia entender que Isabella assumisse o risco. Elas

não tinham notícias de Jake desde o fim de semana — nenhum telefonema,

nenhuma mensagem. A expressão de sua amiga era mais desesperada a cada

ligação perdida.

— Então vemos que Simone de Beauvoir tem muito a dizer sobre a

humanidade e relacionamentos, até mesmo para o mundo do século 21 e é por

isso que devemos ouvir, prestar atenção ao que ela nos diz, porque é muito

mais do que ganharemos com mensagens de texto semianalfabetas durante nossa

aula.

Uau. Cassie engoliu seco, mas Isabella nem tinha ouvido o aviso da

Madame. Quando a mulher foi discretamente até ela e estalou os dedos

pedindo o celular, Isabella quase teve um treco.

— Você pode pegá-lo de volta no fim da aula — disse Madame Lefevre

brevemente. — Desta vez.

Page 141: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

140

Triste, visivelmente relutante, Isabella passou o telefone para a palma da

mão estendida da Madame e seu olhar cruzou com o de Cassie. Cassie podia

apenas tentar enviar mensagens telepáticas de apoio. Madame não era a

professora mais rigorosa da escola; Isabella não estava sendo nada discreta.

Ainda assim, Cassie não sabia por que Madame Lefevre tinha se

incomodado a ponto de confiscar o celular — não era por isso que Isabella iria

se concentrar em Simone de Beauvoir pelos vinte minutos restantes. Ela torcia

os dedos debaixo da carteira, olhando fixamente para o livro, mas sem enxergá-

lo e disparando olhares ansiosos para a janela com vista para Manhattan. Ela

certamente não estava aprendendo nada.

Cassie esperou por Isabella enquanto ela tomava uma bronca pós-aula e

quando Madame Lefevre, enfim lhe entregou o celular, ela saiu correndo da

classe, discando freneticamente.

— Chamada perdida. De novo! Por que o telefone dele está desligado?

— Não sei — o que mais podia dizer?

Ela mal podia dizer a Isabella que não se preocupasse. Jake estava mais do

que furioso.

— Sinto muito, Isabella.

— Não é culpa sua — Isabella deu uma tapinha no braço dela. — É minha.

Eu disse que você podia se alimentar, não disse? Fui eu que entrei em pânico. É

tudo por causa... — lágrimas brotaram dos olhos dela. — Tudo porque eu insisti

em não contar para Jake. Eu não quis que você mentisse para mim, mas aí eu

menti para ele. Percebe? A culpa é minha.

Isso fez Cassie se sentir ainda pior.

— Isabella você não deve...

— Eu acho que ele foi para casa dele no Queens19.

O olhar dela estava distante.

19

Queens é um dos cinco distritos que formam a cidade de Nova York, quase tão grande em área territorial quanto Manhattan, Bronx e Staten Island juntas. O Queens é também um dos 62 condados (Condado de Queens) do Estado de Nova York. Tem uma população de pouco mais de 2,2 milhões de habitantes (N.T.).

Page 142: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

141

— Eu só não sei por que ele não quer nem falar comigo. E estou com medo

de que se eu aparecer na casa dos pais dele, ele fique ainda mais irritado...

Talvez eles nem me deixem entrar.

— Espere, Isabella, você quer ir até a casa dele? Não sei se é uma boa ideia

agora — ela estava um pouco em pânico.

Cassie tinha a esperança de falar com Jake antes que Isabella o visse. Sua

colega de quarto ainda não estava ciente de que Jake sabia que Katerina estava

em Nova York. Ela precisava saber exatamente o que Jake estava planejando e

não queria Isabella mais envolvida do que já estava. Cassie devia isso a ela.

— Talvez não seja. Mas tenho que tenho que tentar, não tenho?

Isabella parou, respirando com dificuldade. Passou a mão nos olhos.

— Ainda assim, estou muito preocupada. Os pais dele não estavam felizes

com a volta dele para a escola. Claro que isso fez com que ele se sentisse mal.

Mas ele voltou assim mesmo e isso tem um pouco a ver comigo. Eu sei que a

alimentação, além do fato de eu ter mentido, foi a gota d'água. Não é? Ele

deixou a escola e voltou para casa. E eu acho que ele nunca mais vai voltar!

Tudo culpa minha! — ela lamentou.

— Isabella, acalme-se. Ele vai voltar.

— Não, Cassie. Ele não vai voltar por vontade própria. Se eu ao menos

pudesse falar com ele, pedir desculpas, fazê-lo compreender.

— Isabella...

— Depois da aula. Vou vê-lo. É isso, está é a única solução.

Cassie suspirou.

— Era nisso que você estava pensando ao invés de Simone de Beauvoir.

— Depois corro atrás de Simone — o fogo estava de volta aos olhos de

Isabella. — Mas, nesse meio tempo, acho que ela entenderia.

Cassie sacudiu a cabeça.

— Ok. Bem, você não vai sozinha. Vou com você.

Page 143: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

142

*** Cassie olhava para o céu vespertino, ainda cristalino e deslumbrante como

no dia em que cruzaram a Ponte do Brooklin e admiraram a vista da cidade,

mas agora algumas nuvens cinzentas de gelo estavam pairando sobre o

horizonte.

— Vai nevar logo. Tem certeza de que sabe onde...

— Lá! — Isabella se inclinou para falar com o taxista. — No fim desta rua.

Cassie espiava os prédios decadentes pela janela do táxi.

— Tenho a impressão, de que eles não ficarão felizes em nos ver.

— Não estou nem aí se ficarão ou não. Tenho que falar com Jake — Isabella

procurava em sua agenda de couro Gucci. — Agora me deixe encontrar o

número exato... Ah, aqui! Aqui, senhor, por favor! — o repentino grito agudo

de Isabella fez o motorista balbuciar um palavrão. Ele parou o táxi de repente,

Isabella pagou rapidamente e desceu. Cassie saiu logo depois dela.

— Segure a porta, por favor — Isabella pediu ao senhor de idade que saía

do prédio. Ele olhou um pouco duvidoso, mas Isabella se aproximou e sorriu

docemente. Ele acenou com a cabeça e permitiu a passagem.

— Qual é o número? — perguntou Cassie.

— 518 — disse Isabella, seria novamente.

O prédio tinha vários andares e não parecia ter elevador. Essa era, de fato,

uma Nova York diferente. A escadaria cheirava a comida e a pintura estava

descascada em alguns lugares. As paredes eram finas o suficiente para que a

audição aguçada de Cassie escutasse um casal discutindo no terceiro andar. Era

um mundo totalmente diferente da Academia Darke, mas parecia amigável de

alguma forma: barulhento, aconchegante e caseiro. Do lado de fora do

apartamento dos pais de Jake havia plantas bem cuidadas e um capacho gasto

que dava as “boas-vindas”.

— Se pelo menos fosse verdade — Cassie murmurou.

Page 144: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

143

Isabella a ignorou. Respirou fundo, bateu e quase imediatamente a porta

pintada em suave azul celeste se abriu.

— Querido, graças a Deus você voltou... Oh! — a mulher que encarava

Isabella obviamente esperava que fosse outra pessoa, porque ela parou e fechou

a boca no meio da frase.

Ela era muito bonita. Bem, pensou Cassie lembrando-se de Jake, claro que era

— mas havia uma sombra debaixo de seus olhos avermelhados e do rosto tenso

de tanta ansiedade. O cabelo castanho claro estava preso em um rabo de cavalo

e ela mordia os lábios.

— Perdão. Achei que era... Minha nossa... — a mãe de Jake parou outra vez

quando seu olhar preocupado avistou Cassie.

Os olhos dela se fixaram por um momento desconfortável, como se ela não

pudesse acreditar no que via. Então ela sacudiu a cabeça.

— Peço desculpas. É que você... Você se parece muito com minha filha.

Cassie se viu dando um passo para trás. Ela olhou para baixo, engolindo

seco

— Sou amiga de Jake. Cassie. E esta é Isabella.

Reconhecimento, seguido pelo desconforto, parecia passar pelo rosto da

Sra. Johnson.

— Ah, Isabella. Namorada de Jake... Ele falou sobre você.

— Janice? — veio uma voz de dentro do apartamento. — Quem é?

Um instante depois, um homem apareceu ao lado da Sra. Johnson. Ele com

certeza era o pai de Jake: alto e bonito, mas seus grandes olhos castanhos

também estavam turvos de preocupação. Ele também pareceu surpreso em ver

Cassie e Isabella à porta.

— Isso mesmo, sou a namorada de Jake — Isabella continuou.

Ela respirou e estendeu a mão.

— Prazer em conhecê-la, Sra. Johnson. Sr. Johnson. Hã, podemos entrar?

Confusa, a mãe de Jake tocou a mão estendida de Isabella por um instante,

olhando para o marido. Então, eles olharam para Cassie desconsoladamente.

Page 145: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

144

— Não, eu... Não é um bom momento, sinto muito...

Isabella deu um passo para frente.

— Por favor, Sra. Johnson. Não tomaremos muito do seu tempo. Só

queremos falar com Jake um instante. Ele está?

Sra. Johnson suspirou vacilante.

— Não, não está. Ele mal saiu de casa no fim de semana. Estava

trabalhando no computador o tempo todo. Então, esta tarde ele saiu feito um

furacão. Disse que tinha achado o que estava procurando, mas que tinha que

voltar para a Academia. Alguma coisa sobre ser rastreado. Ouça, o que está

acontecendo? Jake não nos contaria, mas ele estava claramente preocupado com

você, Isabella. Ele parecia achar que você corria algum tipo de perigo, que o que

houve com Jéssica poderia acontecer com você.

— Ele disse isso? — Isabella engoliu seco.

— Sim! — retrucou a Sra. Johnson. — O que ele quis dizer? Olha, se vocês

souberem de algo têm que nos contar.

Cassie olhou para Isabella, mas o rosto dela estava subitamente calmo e ela

respondeu:

— Sinto muito, Sr. e Sra. Johnson. Jake e eu tivemos uma discussão e eu

acho que ele deve ter compreendido mal algumas coisas. Acho que é melhor

irmos. Desculpe termos incomodado.

Ela sorriu educadamente e se virou antes que os pais de Jake pudessem

dizer mais alguma coisa. Cassie ouviu a porta dos Johnson bater enquanto elas

desciam as escadas em direção a rua coberta de neve. A neve caía outra vez.

Quando olhou para a janela do apartamento, Cassie viu a persiana se

movimentando, viu pela última vez o semblante desconfiado do Sr. Johnson.

— Precisamos de um táxi — disse Isabella, procurando carros amarelos pela

rua, determinada. — Precisamos encontrar Jake. Algo não está certo, algo além

de ele ter visto você se alimentar de mim, por que mais ele sairia outra vez do

apartamento dos pais?

— Isabella, tenho que te contar uma coisa... — a voz de Cassie ficou presa

na garganta, mas não havia o que fazer. Segredos e mentiras os levaram até essa

encrenca. Não havia mais motivos para guardar segredos. Cassie respirou

fundo. — Acho que não somos as únicas que procuram por ele.

Page 146: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

145

Capitulo 18 Isabella empalideceu visivelmente e então soltou um grito agudo.

— O FBI?

O taxista lançou um olhar irritado pelo retrovisor.

— Shii!

— Cassie, não acredito que não tenha me contado isso!

Cassie respirou fundo, tentando evitar o olhar incrédulo de sua amiga. Ela

limpou a garganta, estava desconfortável.

— Me perdoe, Isabella. Devia ter contado sobre o documento, mas eu não

quis te preocupar antes de ter a chance de falar com Jake. Mas então ele nos

interrompeu e tudo simplesmente...

Page 147: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

146

Isabella colocou a mão sobre a dela. Cassie percebeu que ela estava

tremendo.

— Ok, Cassie. Não importa agora. Tudo o que importa é que falemos com

Jake para descobrir o que está acontecendo.

Conseguiram um táxi depois de sinalizarem desesperadamente por dez

minutos, mas pareceu uma eternidade até que, enfim, descessem na Academia.

Quando entraram no saguão, Cassie olhou para as portas de vidro e seu coração

parou. Dois homens fortes, de expressão fechada, vestindo ternos idênticos e

óculos escuros, saíam de um sedã prateado. Entraram sem pedir licença,

passaram pelas meninas e se dirigiram aos elevadores. O corte do terno era

mais largo na área das axilas, notou Cassie. Ela havia assistido séries policiais

suficiente para saber que isso significava que estavam armados.

— O quarto de Johnson é no terceiro andar — sussurrou um dos homens ao

seu parceiro quando este pressionou o botão do elevador.

— Droga — Cassie sussurrou, mostrando os homens com a cabeça. —

Isabella, nós temos que ir para o quarto do Jake agora.

— Vamos pela escada — Isabella já começava a correr. Elas subiram os

degraus de dois em dois e chegaram ofegantes ao quarto de Jake em questão de

segundos.

— Jake! — Isabella esmurrou a porta com tanta força que Cassie pensou

que ela fosse quebrá-la. — Jake, você está aí? Por favor, Jake, abra.

Quase para o espanto delas, a porta se abriu. Jake estava diante delas, com

uma expressão de revolta.

— Esqueça, Isabella, não posso conversar agora.

— Jake, ouça... — Cassie começou.

— Você? Não, obrigado — Jake conseguiu passar por elas.

— O FBI — ela disse sem pensar. — Eles sabem que você tem acessado os

arquivos deles.

— Eu sei disso — retrucou Jake. — Eles foram até a casa dos meus pais está

tarde. Foi por isso que voltei para cá.

— Sim, mas eu acho que eles estão aqui agora.

Page 148: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

147

Jake congelou.

— O quê?

— Por favor — continuou Cassie —, não acho que temos muito tempo...

Antes que ela pudesse terminar, o elevador apitou e passos começaram a

ecoar pelo corredor.

— Alguém está vindo — Isabella disse baixinho. — Jake!

— Saiam daqui, as duas. Vou resolver isso.

Os passos estavam se aproximando, chegando perto do fim do corredor.

Cassie agarrou o braço de Isabella.

— Ele está certo, Isabella, vamos! — e começou a arrastar sua amiga para a

direção contrária dos passos.

— Jake... — Isabella começou, esticando o braço brevemente para tocar a

mão dele antes que Cassie a arrastasse de volta para escada de emergência. De

lá, elas ouviram os passos chegarem até a porta de Jake.

— Jacob Johnson? — entoou uma voz grave e séria. — FBI. Você está preso.

* * * Cassie sabia que nada melhoraria a tristeza de Isabella, mas desde os

acontecimentos da tarde ela se recusava a comer e não deu um passo fora do

quarto delas. Ela precisava de comida — Cassie sabia como as coisas parecem

ruins quando se está faminto...

Um saco cheio de pães quentinhos aquecia suas mãos através das luvas e o

cheiro era delicioso. Ela estava quase passando pela porta de vidro da

Academia quando avistou uma pessoa familiar encostada em uma limusine na

esquina da rua. Richard. Ela reconheceria aquela silhueta em qualquer lugar.

Page 149: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

148

Ele viu Cassie e no mesmo momento se endireitou. Do jeito que a luz da rua

brilhava sobre ele era impossível ver sua expressão, mas o carro saiu de

imediato dali, parecendo roncar maliciosamente de satisfação ao passar por ela.

Cassie congelou. Os vidros eram escuros, mas um deles estava abaixado,

onde Richard estava inclinado e o passageiro não estava com pressa para

levantá-lo. Enquanto o vidro subia, Cassie olhou fixamente. Um rosto sorriu

para ela com uma frieza assustadora: um rosto pálido e adorável. Uma mão

erguida de modo suave para tirar o cabelo loiro claro do rosto, revelando a

familiar cicatriz brutal. Foi quando o vidro preto fechou, silenciosamente, e o

carro sumiu noite afora do East Side.

— Cassie! — o chamado de Richard era de alguém em pânico.

Deixando cair o saco de pão, Cassie foi irritada ao encontro dele, com uma

névoa vermelha encobrindo sua visão por um instante.

— Cassie, veja, não é o que você pensa...

— Bem quando eu acho que você não pode me enojar ainda mais, Richard

— ela retrucou —, você acha um jeito de se aprofundar.

Cassie sentiu o calor subir pelo seu pescoço e o brilho peculiar expandir-se

para fora dela, como no Carnegie Hall.

Sim, Cassandra, faz muito tempo desde a última vez que nos deixou brincar...

— Cassie? — a voz de Richard tinha um tom de incerteza agora, mas sua

postura era cautelosa, estava preparado para se defender.

Ela sabia que, se olhasse para Richard mais uma vez, ela iria fazer algo de

que os dois se arrependeriam. Esforçando-se ao máximo, ela se virou e o brilho

desapareceu.

— Você não vale a pena.

Disse baixinho, para ela mesma. Mas teve a sensação de que, ainda assim,

ele tinha escutado.

Page 150: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

149

Capitulo 19 Ranjit estava atrasado.

Cassie checou o relógio pela vigésima vez. Isabella finalmente tinha

decidido dar uma caminhada para espairecer. O quarto delas estava calmo e

silencioso, enquanto Cassie andava rápido de um lado para o outro. Ela devia

encontrar os Líderes em 25 minutos e gostaria de ter tido um pouco mais de

tempo para falar com Ranjit primeiro, para acalmar os nervos. Pelo menos não

estava tão aflita com o iminente confronto — estava muito ansiosa para saber

onde Ranjit estava agora. Tinha tentado entrar em contato com ele para contar o

que tinha acontecido com Jake, mas ele não atendia o telefone e não estava em

seu quarto.

Não era comum ele quebrar sua palavra. Será que tinha acontecido alguma

coisa? Ela sentiu um arrepio de medo. Pelo jeito que as coisas iam

ultimamente... Ela olhou o relógio mais uma vez e os minutos passavam de

modo implacável. Será que tinha feito algo, dito algo? Eles tinham discutido

Page 151: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

150

sobre como lidar com a questão de Jake ontem, mas Ranjit tinha entendido e

estava tranquilo em relação a isso. Além disso, o caso agora tinha sido resolvido

por eles. E a maneira como ele a tinha beijado não deixava dúvidas de como

estavam as coisas entre eles.

Mas ele era tão enigmático. E um pouco impenetrável, às vezes. Será que ele

tinha descoberto algo sobre o poder dela, algo que o estivesse atrasando? De

qualquer forma, podia ao menos telefonar. Todo aquele papo de estar lá por ela,

mas onde que e ele estava, então, na única vez que ela realmente precisava

dele? Cassie sentiu sua raiva revirando.

Talvez você não esteja o segurando forte o bastante, minha querida. O que foi que

eu disse para você...?

— Agora não, Estelle — Cassie disse por entre os dentes.

Sua fúria foi dissipada por um barulho na porta. Cassie suspirou de alívio.

Tudo bem, agora ela poderia perdoar e esquecer: ele tinha chegado e não

importava que estivesse atrasado. Ela abriu a porta.

Piscando, Cassie olhou fixamente. Ao invés de Ranjit, ela estava frente a

frente com Marat, o porteiro baixinho e grosseiro. Aquele que tinha se deliciado

ao segurá-la enquanto Sir Alric injetava as Lágrimas. E tinha a sensação de que

o prazer dele não estava em ter salvado a pele dela.

Marat acenou com a cabeça e deu um passo para trás.

— Agora? Tenho que ir agora? — Cassie olhou para seu relógio em pânico.

Marat fez que sim com a cabeça silenciosamente e parecia não haver meios

de discutir. Com um último olhar pesaroso para seu quarto, Cassie vestiu seu

casado, fechou a porta e o seguiu. Ranjit ia ter que alcançá-los. Era provável que

soubesse para onde estavam indo. Isso a fez lembrar.

— Aonde estamos indo?

Ficou sem resposta.

— É longe?

O porteiro sacudiu a cabeça devagar.

— Você é uma mina de informações.

Page 152: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

151

Enquanto ela seguia Marat para fora da Academia e pela Quinta Avenida,

sentiu um enorme frio na espinha.

Ranjit, ela pensou, por favor, venha...

A neve caía outra vez, mas não eram os flocos densos e macios que pelo

menos deixavam a cidade bonita. Era fina, tipo granizo e derretia logo que caía.

O vento estava forte. Cassie não queria enrolar — entrou no carro preto assim

que Marat abriu a porta, agarrando-se ao colete de lã de Isabella para se

confortar.

Marat não estava brincando sobre não ser longe. Ele desceu a Quinta

Avenida e passou pelo Central Park, mas apenas até a 42nd Street. Nervosa,

olhando pela janela do carro, Cassie desejou desesperadamente que pudesse

estar lá fora entre as luzes e a multidão apressada, até mesmo com a neve

caindo, se isso significasse não ter que enfrentar os Líderes, sozinha.

Sozinha. Ela não devia estar sozinha. “Você tem direito a um Partidário”,

Ranjit tinha dito. “Não vou deixá-la ir sozinha...”.

Mas, até então, ele tinha deixado. Ele a tinha deixado à mercê da situação e

ela estava sozinha. Tudo bem. Não seria a primeira vez que teria que se virar

sozinha. Estava tudo certo. Se ao menos isso não a assustasse tanto.

Marat tinha parado o carro. Cassie não queria que ele saísse e abrisse a

porta, não queria sair do calor com cheiro de couro do carro, mas não havia

escolha. Entre os flocos de neve e galhos das finas árvores, ela avistou uma

majestosa fachada de mármore, cheia de pilares, arcos e refletores: a Biblioteca

Pública de Nova York. As coisas ficavam mais estranhas a cada minuto. Marat a

conduziu entre dois leões enormes de marfim e enquanto o seguia

ansiosamente, ela o ouviu falar pela primeira vez.

— Paciência e Coragem — ele sussurrou e deu uma gargalhada, da qual ela

não gostou nem um pouco.

Era disso que ele achava que ela precisava? Não, ela constatou: ele estava

falando dos leões. Ela olhou nervosa para eles lá atrás. Pareciam firmes e quase

amigáveis, apesar do tamanho. De qualquer forma, ela preferia enfrentar dois

enormes felinos ao que a esperava lá dentro... Desejem-me sorte, ela disse

mentalmente aos leões e então seguiu Marat pelas portas que balançavam para

dentro de um magnífico hall de entrada.

Page 153: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

152

O interior era espetacular. Tamanha elegância a fazia recordar da Academia

Darke de Paris mais do que de qualquer outro lugar em Nova York: as vastas

escadarias, as colunas de mármore brancas, as altas janelas arqueadas, os tetos

pintados. Seria de tirar o fôlego, se ela ainda tivesse algum sobrando. Do jeito

que estava, sentia-se pequena e vulnerável.

Marat estava gostando do desconforto dela nesse tour misterioso, ela sabia

disso. Cassie, nesse meio tempo, estava se sentindo cada vez mais intimidada

pela altura dos tetos de marfim e pelas esplêndidas pinturas de deuses e

criaturas míticas. Não ajudava que elas a fizessem lembrar o encontro com

Ranjit na estação de trem. Deus, onde é que ele estava? Basta! Ela disse a si

mesma. Não se preocupe com Ranjit! Ele chegaria lá a tempo. Ela sabia que sim:

ele tinha prometido.

Havia muitas pessoas circulando, mas nenhuma desafiou Marat enquanto

ele a conduzia pelos corredores e fileiras de mesas para leitura. Ninguém a

notou, nem mesmo os seguranças, mas ela viu Marat cumprimentar um deles

discretamente com a cabeça enquanto a levava cada vez mais para o fundo da

biblioteca. Agora, menos pessoas estavam no local. Luzes brilhavam, mas nos

cantos e corredores a escuridão era densa. O labirinto de corredores parecia

infinito, parecia que ela jamais encontraria a saída. Cassie estremeceu.

Finalmente, Marat chegou até uma grande porta de madeira. Sem hesitar,

abriu a porta e a conduziu para dentro de uma enorme sala escura, fechando a

porta atrás dela com uma pancada. Era tão esplêndida quanto todo o resto da

biblioteca, coberta de madeira e iluminada por castiçais presos as paredes, mas

ela não conseguia parar para admirar a lareira de mármore ornamentado ou as

imensas tapeçarias. Uma enorme e linda mesa entalhada estava à frente dela,

com vinte ou mais pessoas sentadas do outro lado da mesa em cadeiras

douradas. Velas em castiçais de prata cintilavam luz sobre os rostos na

penumbra, de forma que Cassie podia ver apenas flashes de seus semblantes:

uma orelha, uma maçã do rosto proeminente, um nariz de tucano. No entanto,

o que ela podia enxergar melhor era o brilho dos olhos deles, todos fixos nela.

Conforme sua própria visão se ajustava à pouca luz, ficava mais difícil

respirar. Mesmo obscurecidos pela sombra, alguns desses rostos eram

familiares. Duas mulheres de beleza arrebatadora e um homem foram

reconhecidos de imediato como atores. Também havia rostos que ela realmente

não conhecia, mas esse não era o caso, sem dúvida — o famoso empresário e

aquele estilista. Ela até conhecia a senadora que tinha se candidatado à última

eleição presidencial. E o ministro do gabinete britânico, ele não estava em Nova

York para um encontro comercial? Pelo menos era o que tinha sardo no jornal...

Page 154: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

153

Eles a observavam em silencio. Será que esperavam que ela falasse? Ok, ela

já tinha brincado assim antes, uma ou duas vezes na vida, mas isso era bastante

enervante. Uma cadeira tinha sido disposta de frente para eles; ela não esperou

por um convite e se sentou. Cruzou os tornozelos. Descruzou-os outra vez.

Estudando as expressões dos rostos impassíveis, ela olhou duas vezes ao

avistar Sir Alric Darke. Ele movimentou a cabeça minimamente para

demonstrar reconhecimento, mas ela nunca o tinha visto com uma expressão

tão severa. Era assustadora e curiosa... E ainda havia algo familiar na mulher

branca e loira ao lado de Sir Alric, bem de frente para Cassie, no centro da

mesa. Tinha traços bem marcantes e, provavelmente, os olhos mais frios que

Cassie já tinha visto. Provavelmente. Ela havia visto um olhar parecido antes...

A voz que finalmente quebrou o silêncio era seca, calma e assustadora.

— O Conselho dos Líderes é chamado a se reunir. Brigitte Svensson

presidirá.

Page 155: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

154

Capitulo 20 — Então, Srta. Bell. Talvez você pudesse explicar o... Episódio recente?

Cassie cruzou os tornozelos novamente e enfiou as mãos debaixo dos

joelhos. Pronto. Isso talvez os fizesse parar de tremer. E isso fazia com que ela

se sentasse um pouco projetada para frente, de forma que ela não pudesse

recuar da frente da mãe de Katerina. Só pode ser ela. O nome, a beleza gélida, o

ódio esvaindo de todos os poros. A menos que Katerina tivesse envelhecido

durante a noite, Brigitte Svensson só podia ser a mãe de sua rival.

— Episódio? — Cassie protelou.

— Shiii! Não perca nosso tempo. O incidente no Carnegie Hall.

Esperando algum apoio moral, Cassie procurou Sir Alric, mas ele nem

olhava para ela. Estava examinando uma das tapeçarias como se nada daquilo

tivesse a ver com ele. Ela sentiu outra vez a amarga facada da traição.

Page 156: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

155

— Eu não sei o que aconteceu — ela respondeu brevemente.

— É mesmo? — a voz incutia um tom de ironia. — Talvez você queira dizer

que não sabe o que aconteceu além da perda de controle em público, uma

exposição que pôs em risco toda a existência dos Escolhidos e de um ataque

quase fatal a outro membro? — Brigitte olhava sorrindo desdenhosamente para

Sir Alric, mas ele não reagiu. Cassie começava a odiá-lo. — Sim, eu posso

entender como algo assim escapa do que passa pela sua mente.

— Quis dizer — disse Cassie com os dentes fechados —, que eu não sei

como aconteceu. Não foi intencional.

— Como eu disse, uma completa perda de controle — Brigitte suspirou e se

dirigiu a seus colegas Líderes. — Nossas ressalvas com relação a este membro

se concretizaram. Todos vocês se lembrarão de que a garota Bell foi considerada

hospedeira potencial no fim do ano passado. A proposta foi vetada, como

podemos ver, por uma boa razão. Ela não é e nunca foi material para os

Escolhidos. Se não fosse por uma terrível violação da lei dos Escolhidos, ela agora

seria material perfeitamente adequado para alimentação. Nada, além disso.

O homem ao lado de Brigitte se inclinou para frente, sob a luz e Cassie viu

olhos azul-acinzentados, uma covinha característica no queixo. Ela puxou o ar

silenciosamente, como se tivesse tomado um soco no estômago. Aquele rosto:

ela o tinha visto por apenas um segundo, mas não o esqueceria. Era um dos

homens do FBI que tinham ido até a Academia prender Jake.

— A garota é um perigo para si mesma — ele falou arrastado. — E para o

resto de nós.

— Ela é inexperiente, Vaughan, só isso — alguém interrompeu e Cassie

olhou agradecida para a mulher de cabelo preto. — A iniciação dela foi

irregular e ela não recebeu treinamento adequado. É só isso. Deem uma chance

a ela.

Eu nunca, pensou Cassie, nunca mais vou dizer uma só palavra negativa sobre

seus filmes.

— Poderíamos pensar em repetir a cerimônia — disse o ministro do

gabinete. — Isso já foi tentado antes?

— Claro que não — retrucou Vaughan. — Nunca foi necessário. Não há

precedentes.

Page 157: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

156

— Então, sugiro abrirmos um precedente — o tom frio do homem britânico

sugeria que não havia cordialidade alguma entre ele e o americano.

— Como? — o senador ergueu os ombros. — Estelle Azzedine está morta e

enterrada.

Mas o espírito dela está vivo e vibrante.

Cassie pulou quando ouviu a voz de Estelle, mas ninguém do Conselho

pareceu notar. No entanto, Brigitte estreitou os olhos. A atriz de cinema falou

novamente.

— Pensem assim, algo deu errado. Não sabemos o quê. Mas, de fato, o caso

dela é muito fascinante. Ao invés disso, não deveríamos estar analisando como

podemos ajudar? Afinal, nada disso aconteceu por culpa da Srta. Bell.

— Isso é irrelevante — disse outra mulher. — A culpa não está em pauta

aqui. Ela é claramente perigosa. Não estamos aqui para oferecer terapia em

grupo para que ela possa se adaptar; precisamos lidar com esse problema de

modo rápido e decisivo.

— Não vamos nos precipitar. Analisando-a... Habilidade pode ter grande

significância para todos nós — talvez aquele ministro tivesse um sentimento de

aliança nacional.

— Seja isso verdade ou não, não podemos assumir o risco.

— Mas você vai assumir o risco de puni-la? Uma pessoa inocente?

— Longe de ser inocente.

— O incidente no Carnegie Hall foi um desastre...

— Não, a redução de danos funcionou. Foi encoberto. Doações nos lugares

certos.

— E da próxima vez? E a próxima?

— JÁ CHEGA!

O grito de Brigitte ecoou, facilmente abafando as vozes em discussão e o

silêncio cobriu toda a sala. Cassie engoliu pensativa. Brigitte prolongou o

silêncio até ser possível ouvir o ar estalar e quando falou de novo, a voz dela era

suave e fresca como a neve.

Page 158: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

157

— Não se pode duvidar de que ela seja perigosa. Não se pode duvidar de

que ela não consiga se controlar. Temos responsabilidades, senhoras e senhores,

não apenas com nossos companheiros Escolhidos, mas com o público em geral.

Por favor, imaginem a repercussão quando ela matar alguém outra vez — ela

fez uma pausa dramática para que essas palavras pudessem ser

compreendidas. — Ela atacou um membro dos Escolhidos, na frente de outras

pessoas. Ela também foi responsável, permitam-me lembrar ao Conselho, por

uma agressão no semestre passado que deixou minha filha brutalmente

marcada. Proponho que expulsemos a Srta. Bell da Academia...

— Eu apoio Brigitte.

Brigitte olhou para o homem do FBI com certo incômodo.

— Obrigada, Vaughan, mas tenho mais uma proposta para o Conselho: que

a Srta. Bell, para sua própria segurança e a nossa, seja encarcerada

indefinidamente no Confinamento.

Cassie levantou num pulo, o ar que inspirava quebrou o terrível silêncio.

Que diabos era o Confinamento?

— O que vocês...

— Por favor, sente-se, Srta. Bell. Você não vai melhorar sua situação com

mais uma demonstração da sua incapacidade de se controlar.

— Mas... — Cassie olhou desesperadamente para a fileira de Líderes.

Nenhum deles olhava em seus olhos, nem mesmo seus defensores de outrora.

— Vocês não podem me colocar na prisão, não é...

— É certo, justo e razoável. O Confinamento não é uma prisão. Não da

maneira como você pensa em uma — Brigitte deu um forte suspiro. — As coisas

poderiam ter sido bem piores para você. Fique grata pela piedade do Conselho

— ela levantou um martelo prateado. — Agora, se o Conselho concorda

unanimemente, eu, por meio deste...

— Espere.

Brigitte hesitou, com o martelo suspenso, seu rosto escureceu de raiva.

Cassie sentiu o ar sair de suas narinas com muita força e todos os músculos dela

tremeram. Ela soltou o corpo na cadeira. Sir Alric falou. Enfim.

— Brigitte está certa em um aspecto. Nós não sabemos do que Cassandra é

capaz. Nenhum de nós sabe e eu me incluo nisso — ele girava ponderadamente

Page 159: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

158

uma caneta com os dedos, seus olhos sérios encontraram os de Cassie. — Mas

me permitam respeitosamente sugerir que esse fato isolado faz do

Confinamento um lugar inadequado para ela viver.

— Mas... — Vaughan estava vermelho.

Sir Alric ignorou o homem do FBI.

— Ela seria mais bem monitorada em um ambiente onde estivesse sob total

supervisão de Escolhidos experientes. Onde o poder dela possa ser mensurado e

controlado e, se necessário, servir a nosso favor, ao invés de permanecer restrito

e vir a ser usado contra nós. Onde ela possa ser ensinada a ter o autocontrole

que claramente lhe falta. Eu proponho ao Conselho que apenas escolha um

lugar apropriado para mantê-la — ele pausou e olhou para cada membro do

Conselho. — Na Academia. Sob minha supervisão e controle. Pelos próximos

anos.

Murmúrios entre os Líderes, mas Cassie não conseguia distinguir nenhum

deles: apenas que alguns eram furiosos e negativos, alguns tranquilizadores e

solidários. A cabeça dela estava zumbindo. Será que o homem poderia ter

deixado sua intervenção para um pouco mais tarde? Por outro lado, o timing

dele havia sido bastante eficaz... Mas Brigitte não estava disposta a desistir.

— Ah, Sir Alric — ela disse, com a voz transbordando contentamento. —

Talvez você devesse ficar sob supervisão e controle. É sua responsabilidade

manter os alunos da Academia na linha e longe dos holofotes. E você parece ter

falhado consideravelmente nesse caso.

Sir Alric deu um sorrisinho, mas Cassie podia jurar ter visto faíscas no

fundo dos olhos dele.

— Até o acontecido no Carnegie Hall, nenhum de nós tinha ideia alguma

de que os poderes de Cassandra fossem tão... Peculiares. Eu não poderia ser

considerado responsável por falhar em perceber a ameaça que escapou da

sabedoria de todo o Conselho. Tenho muitos talentos, Brigitte, porém, a

habilidade de prever o futuro não é uma delas. Minha proposta permanece a

mesma.

A voz de Brigitte tremeu por conta da fúria de ter sido contrariada.

— São duas propostas diante do Conselho, então. Devemos votá-las.

Page 160: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

159

O rosto de Sir Alric não demonstrava emoção quando começaram a votar.

Cassie não conseguia olhar para ele, então ela encarou o chão com insistência.

Covardemente, talvez, porém melhor do que assistir as expressões nos rostos

dos Líderes, que tentavam contar os votos contra ou a favor dela. Quando

Marat terminou de juntar os votos e estes foram contados e recontados e, depois

contados uma terceira vez, Cassie estava tonta por causa do suspense e do

medo.

— Por um voto... — Brigitte parou.

Cassie ergueu a cabeça imediatamente a fim de olhar para ela. A mulher

estava apertando os dentes e com os lábios entreabertos.

— Por um voto, o Conselho decreta que Cassandra Bell voltará para a

Academia Darke — ela bateu o martelo tão forte que Cassie ficou

impressionada por a mesa não ter rachado ao meio.

Marat estava ao lado dela. Tinha acabado. Ao se levantar, Cassie lançou um

olhar de gratidão para Sir Alric, entretanto, mais uma vez, ele a ignorou. Não

havia nada a fazer além de recolher o que havia restado de sua dignidade e

seguir Marat em silêncio. Não tinha por que tentar conversar com o bruto

homem baixinho. Ele parecia mais carrancudo do que nunca. Desapontado,

talvez.

Foi apenas quando a porta fechou atrás deles que Cassie ouviu a voz de

Brigitte levantar-se mais uma vez, sentimentalóide e com sotaque e, suspeitava

Cassie, alto o suficiente para que ela ouvisse claramente.

— Passemos agora para o próximo item da agenda — uma batida de

martelo. — O garoto Johnson.

Page 161: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

160

Capitulo 21 O garoto Johnson?

Cassie parou de andar, enquanto Marat seguia na frente dela pela sala de

leitura. O lugar ainda estava à meia-luz e as prateleiras eram altas à sua direita

e à sua esquerda.

Jake.

Olhando furiosamente o que estava a sua frente, Marat deve ter levado um

tempo para perceber que os passos dela tinham cessado. Ele estava a dez

metros de distância quando enfim se virou. Por um instante, eles se encararam

com cautela. Marat deu um passo em direção a ela.

— Preciso ir ao banheiro! — disse Cassie. Antes que Marat pudesse reagir,

ela se virou e correu para a escuridão entre as prateleiras de livros. Tinha que

voltar para aquela sala.

Page 162: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

161

Há uma coisa sobre os Escolhidos, ela pensou com reconhecimento: ela tinha

ficado rápida. Rápida e ágil com os pés. O coração dela pulava quando ela

mudava de direção e corria entre as prateleiras. No meio da escuridão, ela

parou. Podia enxergar Marat, entre as pilhas de livros, procurando-a. Ela

esperava que o som de seu coração não estivesse tão alto quanto parecia.

Esquivando-se por entre as prateleiras, ela corria e andava devagar

alternadamente, em silêncio. Quando avistou o sinal familiar para a Sala dos

Membros do Conselho, ela não podia mais ouvi-lo. Prendeu a respiração e

espreitou em um canto, mas não havia mais sinal de Marat. Quase fácil

demais...

Respirando de novo, com o coração disparado, ela andou lentamente em

direção a Sala do Conselho. Estava mesmo certa de tê-lo despistado e duvidava

que o porteiro fosse correndo aos Líderes para contar que ela tinha conseguido

escapar dele: que tipo de problemas isso causaria para ele? Com um pouco de

sorte, ele descontaria fazendo-a voltar sozinha para a Academia, já que ela não

tinha outra opção.

Cassie colocou o ouvido contra a porta — grata mais uma vez por abrigar

um espírito dos Escolhidos e pelo efeito disso em sua audição. Ela podia

distinguir claramente as vozes alteradas dos Líderes e tinha chegado a tempo

para ouvir a decisão final. Bem a tempo, mas graças a Deus tinha conseguido.

— Silêncio para a leitura da decisão! — novamente a voz de Brigitte, fria e

triunfante dessa vez. — Por dezessete votos a mais, o Conselho decreta que Jake

Johnson seja removido da custódia Federal dentro das próximas 24 horas e seja

colocado no Confinamento.

O quê? Cassie não podia crer no que estava ouvindo.

— Tendo resolvido todos os assuntos e sem o surgimento de mais questões,

eu declaro encerrado o Conselho dos Líderes — o som agudo do martelo de

prata fez arrepiar até o último fio de cabelo de Cassie.

Rapidamente, ela se escondeu na sombra, rezando para que ninguém

olhasse para trás quando saísse. Ainda bem que tinha adquirido a prática de

passar despercebida por corredores escuros em Cranlake Crescent. Nenhum

dos Líderes a notou espremida contra a parede do lado oposto às luzes dos

castiçais. Provavelmente, nenhum deles jamais tenha imaginado que alguém

ousaria escutar atrás da porta a elegante reunião do Conselho.

Page 163: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

162

O coração dela quase saiu pela boca ao vê-los passar tão perto. Além dos

Líderes que ela já tinha reconhecido, havia outros. Pessoas de poder, pessoas de

influência. Pessoas que tinha visto em capas de revistas nas bancas de jornal.

Jesus, ela pensou. Se eles se voltassem contra ela como... Eles se voltaram contra Jake.

Eles o colocaram no Confinamento.

Não é uma prisão, Brigitte tinha dito. Não da maneira como você pensa que

é. Oh, Cassie achava que era exatamente da maneira como ela pensava. Nem

todos tinham saído da sala. Pelo menos dois estavam faltando e, eram os dois

que realmente não podiam vê-la. Enquanto Cassie se esforçava para

permanecer imóvel, mal respirando, ouviu a voz suave e fria de Brigitte.

— Então, Vaughan, as providências de sempre foram tomadas?

— Tudo pronto. O garoto seguira para o Confinamento imediatamente. A

partir de agora, o Conselho não precisa mais se preocupar com o assunto.

Cassie parou de respirar completamente. O que quis dizer com “o Conselho

não precisa mais se preocupar”?

— Bom — disse Brigitte. — E não se preocupe... O sistema é à prova de

falhas. Em todos os anos em que estive no controle do Confinamento, os Líderes

nunca se deram ao trabalho de checar quem estava lá. Tirei dúzias deles. Anos

se passarão até que alguém se de conta de que o garoto não esta lá. Se é que vão

notar.

— Ainda assim, ficarão furiosos — Vaughan não soou preocupado; na

verdade, Cassie detectou algo parecido com uma risada.

— Talvez. Mas não mais do que estou. A agressora da minha filha recebeu

um mero tapa hoje à noite — a voz de Brigitte titubeou de raiva. — Se aquele

garoto Ranjit não tivesse se intrometido, minha filha teria conseguido se livrar

da idiota mestiça por ela mesma e, além disso, teria feito parecer um acidente

de modo impecável.

Cassie cobriu a boca com a mão para impedir que o som saísse. O

“acidente” na Grand Central Station. Tinha sido Katerina? E agora a certeza de

Jake de que Katerina tinha tentado sequestrar Isabella na Coney Island não

parecia mais tão ridícula. Poderia ter sido Brigitte? As duas eram parecidas o

suficiente para serem confundidas a distância.

— Você vai trazer o garoto para o chalé está noite, como de costume? Faz

muito tempo que o Solo Vivo não é alimentado. Jogar aquele garoto

Page 164: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

163

bisbilhoteiro lá será um tipo de vingança para o que aqueles pivetes fizeram

com minha Katerina — em um murmúrio suave, ela complementou —, além

disso, eu tenho sido muito boazinha, Vaughan. Tenho direito a um agrado...

Um arrepio desceu por toda a espinha de Cassie e ela teve que se esforçar

para ficar absolutamente imóvel. O Vivo o quê?

O Solo Vivo, Cassandra!

A voz de Estelle estava com um tom estranho. Era ceticismo? Empolgação?

Terror?

— O que é isso, Estelle? O que é o Solo Vivo? — Cassie suspirou.

A voz de Estelle era um murmúrio gutural:

Há prisões muito, muito piores do que o Confinamento, minha querida...

Page 165: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

164

Capitulo 22 Cassie nem pegou o elevador. Atravessando o hall da Academia em

disparada, ignorou o olhar dos outros alunos, arrancou as luvas e o cachecol

enquanto corria. Abrindo a porta da escada de incêndio com um empurrão,

subiu os degraus de dois em dois. Era mais rápido. Pelo menos, era o quanto ela

conseguia correr. E ela precisava correr, descarregar a raiva terrível e o medo.

O quarto de Ranjit ficava no quinto andar, mas ela chegou lá quase sem

fôlego. Era Estelle novamente. Ela estava começando a perceber o quanto

dependia de Estelle. O quanto ela precisava e gostava daquela presença

poderosa.

Ela nem bateu. Quando entrou com tudo, Ranjit estava tirando sua camisa e

o chuveiro estava ligado. Não vestia nada além da calça jeans de marca; ele a

encarou espantado. O sorriso dele, quando saiu, era forçado, tentava esconder

outra coisa.

Page 166: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

165

— Então tá. Isso é inesperado, mas legal... — ele parou rapidamente assim

que notou a expressão furiosa de Cassie.

Ela puxou um pouco de ar.

— O que aconteceu com você?

— A reunião com o Conselho. Sei que foi hoje à noite...

— E onde você estava, Ranjit? Esperei por você!

Torcendo sua camisa cara, ele a amassava com os dedos. Lançou um olhar

para a porta por cima dos ombros dela, então olhou para ela outra vez.

— Aconteceu... Apareceu uma coisa. Algo que significava que eu não podia

ir, Cassie. Queria te contar, de verdade, mas se...

— Isso não é suficiente! — ela estava brava demais para chorar. — Você

prometeu. Você disse que estaria lá!

— E eu queria, mais do que qualquer coisa. Por favor, Cassie, você tem que

acreditar em mim. Mas eu...

— Eu não quero ouvir. Eu não quero ouvir o que era mais importante, Ok?

Só quero que você saiba — ela engoliu seco —, que talvez você não me veja

mais.

Ranjit sentou na cama, tirando o cabelo dos olhos enquanto olhava para ela.

O quarto estava cheio de vapor, mas ele não se mexeu para desligar o chuveiro.

Quando ele falou, sua voz estava abalada.

— O que houve?

— Brigitte Svensson presidiu o Conselho — disparou Cassie. — Eu não fui

para o Confinamento por um voto.

— Cassie. Meu Deus, Cassie. Não sabia que era ela. Não me disseram...

Ouça...

— Não! Não quero ouvir. Você me deixou passar por isso sozinha. Então,

agora, você me deve algumas respostas, Ranjit. O Confinamento. O que é?

— O Confinamento... — ele ficou em pé, andando pelo quarto. Ela não

conseguiu deixar de olhar: desviou o olhar para o peitoral molhado e nu dele.

Page 167: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

166

Ontem ela teria pulado nele como um tigre. Ontem ela o teria devorado vivo,

no bom sentido. Mas agora ela se sentia entorpecida pela angústia em seu peito.

— O Confinamento, Ranjit.

Ele olhou constrangido para Cassie.

— Eles não te explicaram?

— Pareceu uma prisão para mim, mas minha modesta compreensão do que

é uma prisão não esclarece o que é o Confinamento. Você pode me explicar?

— É... Ouça, você não terá que ir para lá, certo? Apenas tente tirar isso da

cabeça.

— Eu não terei que ir! — gritou; lágrimas brotavam de seus olhos. — Mas

Jake terá!

— Jake? — Ranjit passou a mão em seus cabelos negros, molhados pelo

vapor.

— Sim, Jake! Ele foi sentenciado ao Confinamento. Eu os ouvi! Voltei

escondida para lá depois que me mandaram embora e os ouvi!

— Você ouviu por trás da porta? O Conselho?

— Pode apostar que sim! — ela suspirou. — Ranjit, você tem que me ajudar

agora. O que vamos fazer?

Rapidamente, como se estivesse tomando uma decisão, ele segurou os

braços dela e olhou em seus olhos.

— Nada. Não vamos fazer nada, Cassie. Não podemos ir contra o Conselho.

Por uma fração de segundos, ela ficou estupefata.

— O quê?

— Me ouça. O que o Conselho te disse é verdade; o Confinamento não é

uma prisão, é mais como um hotel de luxo. É onde os Líderes colocam as

pessoas que sabem demais sobre os Escolhidos e não podem confiar que a pessoa

manterá sigilo. Jake não será um prisioneiro. Ele será um hóspede, Cassie, um

hóspede dos Escolhidos.

Ela olhou fixamente para ele, sem conseguir acreditar no que ouvia.

Page 168: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

167

— Um hóspede para sempre? Um hóspede que não pode escolher quando

partir?

— Bem, sim, mas...

— Isso é ser um prisioneiro, Ranjit!

Sem palavras, ela se jogou na cama. Hesitante, ele se aproximou tocando o

queixo dela. Os dedos dele tremiam, como se ele estivesse relutante em tocá-la,

mas não pudesse evitar. Apesar do vapor, ela se arrepiou.

— Cassie, não há nada que possamos fazer. Sinto muito.

Ela não conseguia olhar para ele, então se concentrou novamente em seu

peito definido e musculoso. Não significou nada; ela não sentiu nada. Devia ser

o choque.

Ela disse baixinho:

— Não te disse o pior.

— O quê? O que mais pode haver?

— Brigitte. E um homem chamado Vaughan. Ele é do FBI. Isabella e eu o

vimos levar Jake. Mas ele também é um Escolhido. Um dos Líderes. Eles estão

planejando trair o Conselho.

Ranjit riu.

— Gostaria de vê-los tentar.

— Pode ter certeza de que irão! Já o fizeram antes! Escutei o que Brigitte

está planejando para Jake também. Eles têm todo um esquema. Parece terrível,

Ranjit. Terrível. Ela leva pessoas do Confinamento para algo chamado Solo

Vivo.

Ranjit perdeu o ar e seu rosto ficou pálido. Então ele sacudiu a cabeça com

força.

— Não. De jeito nenhum, Cassie. Você ouviu errado.

— Não ouvi, não!

— Então eles estavam blefando! Se gabando! Se exibindo! Não vai

acontecer, Cassie. Por favor, você tem que confiar em mim.

Page 169: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

168

Os olhos dele imploravam. Ela abriu a boca para falar “claro que confio”,

mas as palavras não saíram.

— Não me importo se você não acredita em mim. Ela com certeza tem algo

planejado para Jake e não é o Confinamento. Temos que...

— Não, não, Cassie, escute. Você não deve se envolver nisso. Sério, estou

com muito medo por você — ele a envolveu carinhosamente com um braço. —

Brigitte não fará nada com Jake, não contra a vontade do Conselho. Mas ela é

extremamente poderosa. É em você que ela vai mirar.

— Ela já mirou! Ou Katerina mirou, tanto faz. Grand Central? Foi ela que

tentou me empurrar nos trilhos.

— O quê?

— Esqueça. Olha, Ranjit, nós apenas temos que ajudar Jake. Por favor. Se o

tirarmos do Confinamento, então talvez...

— Você não pode interferir em assuntos do Conselho, Cassie.

— Não, mas você pode! Ranjit, já vi o jeito como olham para você aqui, os

outros Escolhidos, até mesmo Sir Alric. Você é poderoso, deve ter alguma

influência.

— Não. Não, Cassie, não posso. A decisão final é do Conselho. Nenhum de

nós pode ir contra eles.

Ela não podia acreditar no que estava ouvindo.

— Você podia tentar.

— Talvez sim, mas não vou. Jake é um perigo para nós. Ele sabe demais. Ele

pode nos expor a qualquer momento. Fazer com que fechem a Academia. Não

quero ser parte disso — ele virou para o lado para poder olhar nos olhos dela.

— Não quero isso mais do que o Conselho quer.

Ela levou um segundo ou dois para absorver as palavras de Ranjit, que

ardiam como chumbo quente. Então, puxando o ar profundamente, ela tirou o

braço dele do ombro dela, empurrou-o e se levantou.

— É isso, não é? É por causa do Jake. Você quer se livrar dele. Só pode ser

isso!

— Não. Não é isso.

Page 170: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

169

— É! Pelo modo como está agindo, eu não ficaria surpresa se tivesse sido

você quem deu a dica ao FBI sobre os arquivos, levando o seu coleguinha

Vaughan direto até ele.

— Pare com isso. Seja realista, Cassie! — Ranjit reagiu, ficando em pé para

confrontá-la. — O que você sabe? Você acabou de se tornar uma Escolhida, ou

meio-Escolhida pelo menos! Você é uma de nós agora. Você tem alguma ideia do

que aconteceria se a Academia fechasse? A Academia é o acordo dos Escolhidos

com o mundo. É como os espíritos encontram novos hospedeiros! É como

ensinamos controle aos hospedeiros! Sem a Academia, os Escolhidos se

rebaixariam ao caos e a assassinatos aleatórios. É isso que você quer, Cassie? Se

Jake destruir a Academia, ele não destruirá os Escolhidos. Ele irá lançá-los

livremente para o mundo, descontrolados. Ele destruirá mais vidas do que você

pode imaginar.

Cassie estava branca. Ela sentiu como se estivesse vendo-o verdadeiramente

pela primeira vez.

— Você destrói vidas. Nós as destruiremos! Não é o Jake e sobre os

Escolhidos. Por que o Jake, ou qualquer outro inocente, deve ser punido pela

nossa existência?

— Porque não há punição para os Escolhidos! — ele gritou. — Como se

pune um espírito imortal? Como? Sinto muito por Jake, mas não há nada que eu

possa fazer. Ele não teve sorte, só isso!

— Como a irmã dele? — provocou Cassie.

— Não ouse trazer isso a tona, Cassie. Não ouse de forma alguma! — dava

para ver a fúria tomar conta da expressão de Ranjit, os olhos dele se estreitaram.

— Na verdade, vou dizer como punir um espírito imortal. Dividindo-o!

Deixando metade dele no vácuo!

O silencio entre eles era elétrico. Cassie podia ouvir seu próprio coração

batendo e tinha certeza de que podia ouvir o dele. No ombro dele, ela viu a

marca familiar dos Escolhidos começar a ficar vermelha.

— Como você ousa? — ela gritou.

Estou ao meio! Dividida! Ele COMPREENDE! Eu te disse, minha querida, ele é

um de nós! Segure-o, pegue-o...

— Estelle!

Page 171: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

170

Sua força aumentou tão de repente que ela quase tropeçou, como se Estelle

a tivesse empurrado fisicamente para cima de Ranjit. Quando levantou a

cabeça, seus lábios estavam retraídos e o mundo estava tingido de vermelho

escarlate.

Ranjit estava agachado, como se estivesse pronto para se defender. Mas ele

também estava inclinado em direção a ela, pronto para atacar. Não, atacar, não.

Apenas pular sobre ela, agarrá-la, possuí-la...

As íris dele começaram a ficar avermelhadas. Conforme o vermelho se

intensificava, espalhava-se também pelo branco dos olhos. Aquela cor vista

através da névoa, era o vermelho mais intenso que ela podia imaginar. Ele

deixou escapar um rosnado faminto e ansioso.

— NÃO!

Ranjit colocou as mãos sobre o rosto. Seu corpo todo tremia, como se

estivesse com febre, mas de alguma forma, de alguma forma ele recobrou o

controle. Quando ele tirou as mãos do rosto, seus olhos não estavam mais

brilhando em vermelho.

Eles ficaram em pé por um bom tempo, tremendo, os dois ofegantes.

Quando Ranjit falou novamente, a voz dele não era mais alta que um suspiro,

quase como se falasse consigo mesmo.

— Foi um erro muito grande. Muita, muita estupidez. Eu deveria saber.

— Saber o quê? — ela estava atordoada, sem equilíbrio.

Ranjit olhou para ela.

— Eu não deveria ter feito isso. Eu jamais deveria ter me envolvido com

você, Jess!

Ela pulou para trás como se ele a tivesse golpeado. Oh. Deus.

A expressão do rosto dele mudou imediatamente ao perceber o engano. Ele

ficou quase tão acometido quanto ela. Quando ele ergueu a mão para tocá-la,

ela o impediu bruscamente.

— Cassie...

— Você não vai me ajudar — ela disse num tom de voz incomum. — Você

nem sabe quem eu sou.

Page 172: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

171

— Cassie. Sinto muito, eu...

— Eu mesma vou lidar com isso. Sempre lidei. Adeus, Ranjit.

Ela deu meia-volta e saiu rapidamente do quarto, mas ele segurou a porta

antes que ela batesse. Ela ouviu a voz dele soar atrás dela pelo corredor, mas

podia também ser um cachorro latindo.

— Por favor! Sinto muito! Não se envolva, Cassie! Deixe isso para lá! POR

FAVOR!

Page 173: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

172

Capitulo 23 Ela mal podia enxergar. Devia haver algo embaçando sua visão e ela não

podia parar para esfregar os olhos. Tinha que continuar correndo ou iria se

desintegrar.

— Cassie, oh!

Ela esbarrou em um obstáculo. Grande, sólido, quente. Um ser humano.

Livros se esparramaram pelo chão e braços a envolveram apenas para impedi-la

de cair no chão também.

— Caramba, Cassie Bell.

— Richard! Me solta!

— Nem a pau. Posso morrer atropelado.

Page 174: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

173

Ela empurrou os braços dele para se livrar.

— Sai da frente.

— Cassie, qual é o problema?

— Como se você ligasse. Sai da minha frente ou, me perdoe, vou...

— Olha, Cassie, sobre aquela noite, quando você me viu fora...

— Eu disse sai da frente! — ela empurrou a mão dele e esfregou o rosto

ferozmente, tentando lutar contra suas lágrimas. Ótimo. A primeira vez que ela

conseguia ficar brava ao invés de chateada.

— Vai, Cassie, me diz o que aconteceu. Eu... Eu sei sobre sua reunião com o

Conselho.

Cassie gargalhou incrédula.

— O quê? Contar meus problemas para o cachorrinho de estimação de

Katerina? Para você ir correndo falar para vossa senhoria?

— Cassie, meu anjo — ele disse suavemente, nem um pouco envergonhado

—, sou amigável com todo mundo e converso com todos. Você viu como sou

fraco em comparação aos outros. É uma estratégia de sobrevivência. Não vou

me desculpar por isso.

— Puxa, como você é diplomático — ela torceu o nariz furiosamente,

tentando passar por ele. Mas ele não se movia.

— Pegue o meu lenço — ele o estendeu com um floreio: Hermès, claro. Ela

tinha ficado relutante em usá-lo, mas então ele continuou com uma piscadinha.

— Pelo amor de Deus, não vá assuar o nariz na manga da blusa, bolsista.

Ela assuou o nariz com força na seda.

— O que está havendo, Cassie?

— Olha, preciso ir, Ok? Não estou aqui para encher sua máquina de fofoca.

Obrigada — ela enfiou o lenço arruinado nas mãos dele.

— Ei — havia algo de muito diferente na voz dele. — Tem a ver com Jake?

Ele soou fora do comum... Sério. Hesitando, ela deu meia-volta, franzindo

um pouco a testa.

Page 175: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

174

— Sim — ela voltou lentamente para perto dele, suspeitosa. — Sim. É o

Jake. O que você sabe sobre isso?

— Sei que ele foi preso. Todo mundo sabe — ele hesitou e baixou a voz. —

Katerina armou para ele, sabe. Ela e a mãe dela. Ela me disse. Ele seguiu os

rastros que elas deixaram até que ele incriminasse a si mesmo de tal forma que

pudessem prendê-lo. Ele será levado para o Confinamento, claro, mas Sir Alric

não será enganado por muito tempo. Ele vai tirar Jake de lá, você vai ver.

Cassie sorriu com desdém.

— Para alguém que fala com todo mundo, você sabe bem pouco do que está

acontecendo.

— O que quer dizer? — pela primeira vez Richard parecia desconfortável.

— Você não acha que ele vai para o Confinamento?

— Sei que não vai.

— O que você ouviu?

— Não vou mais falar sobre isso.

— Cassie! — a voz de Richard estava mortalmente séria. — O que foi?

Ela deu uma volta, desesperada.

— Para o Solo Vivo, tá? A mãe de Katerina está levando Jake para algum

tipo de chalé onde ela poderá jogá-lo ao Solo Vivo.

Ela se virou, mas em um piscar de olhos ele estava na frente dela outra vez,

segurando em seu braço. O rosto dele estava absolutamente pálido.

— Você tem certeza? — ele suspirou, apavorado. — Isso é... Katerina nunca

mencionou isso. Cassie, sinto muito, olha, se isso é verdade, acho que deve

saber... — de repente, ele parou de falar e endureceu, então sorriu fazendo cara

de santo. — Bem, ouça, querida, da próxima vez que você e o rajá brigarem,

você sabe onde me encontrar — ele disse bem alto.

— O quê? — Cassie ficou boquiaberta. — Fale, Richard, o que você ia dizer?

— Ah, aí você já está querendo demais — seu jeito indiferente estava de

volta, mas havia algo por trás disso. Cassie olhou a sua volta. No fim do

corredor, estavam Sara e outra garota dos Escolhidos. Elas estavam olhando

atentamente para ela e Richard.

Page 176: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

175

— Se você sabe o que está havendo, Richard, por favor, me diga — ela

murmurou por entre os dentes cerrados.

— Humm... Posso ser comprado, mas sou terrivelmente caro.

Ela olhou dentro dos olhos dele, mas eles estavam encobertos, reservados.

O que havia com ele? Em um minuto, ele queria ajudá-la, provavelmente por

causa da culpa, no outro, estava impenetrável, leviano, mantendo sua reputação

para aquelas cretinas Escolhidas. Medo, talvez. Era mais provável que estivesse

tentando salvar sua pele. Ele sabia de algo. Ela estava certa disso. Mas ele não

iria dizer e ela não tinha tempo para disputa de forças. Fazendo um gesto

desdenhoso com as mãos, ela saiu andando.

— Cassie? — ele chamou.

— O quê? — ela retrucou e se virou. — Não desperdice meu tempo,

Richard. Não tenho muito.

— Este é seu — ele enfiou o livro na mão dela e saiu andando.

Surpresa, apesar de sua agitação, ela começou a gritar para ele.

— Eu não derrubei nenhum...

Tarde demais. Ele já tinha ido.

***

— Isabella, não temos muito tempo. Vamos, temos que descobrir para onde

estão levando Jake.

— Mas eu pensei que ele estava sob custódia...

— Vamos! — Cassie enfiou o livro de Richard em sua mochila; podia

entregar para ele mais tarde.

Depois, agarrou Isabella com uma mão e o casaco de cashmere dela com a

outra e levou os dois.

Page 177: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

176

— É pior do que pensávamos.

Isabella vestiu seu casaco desajeitadamente, com a voz trêmula.

— Meu Deus, Cassie. O que foi?

— Vai dar tudo certo — disse Cassie —, só temos que encontrar Jake o mais

rápido possível. Vamos, temos que ir.

— Cassie, pare. Pare! — Isabella enrolou o cachecol no pescoço e pegou seu

celular e o dinheiro sobre a cômoda. — Isso não está fazendo sentido!

— Você tem razão — Cassie admitiu. — Mas preciso pensar, não consigo

pensar direito neste lugar. Vamos sair daqui.

— Está bem, vamos. Aí você me conta tudo.

Cassie agradeceu silenciosamente pela praticidade de Isabella enquanto

elas corriam pela escada de incêndio. Isabella não sabia o que Cassie tinha em

mente, mas ela não perdeu tempo perguntando. Ela confiava em Cassie. Deus,

essa sensação era tão boa. Em especial depois da traição de Ranjit... Cassie

estremeceu, mas espantou a sensação.

— Assim que estivermos fora do prédio podemos começar a planejar. Eu só

não quero estar perto de nenhum Escolhido. Não há um deles em quem eu possa

confiar.

— E o Ran...

— Nenhum deles.

*** Lá fora nas ruas, respirando o ar congelado, Cassie sentiu uma onda de

alívio. Graças a Deus. Ela pensou que fosse sufocar.

— Certo, vamos, Cassie. Manda! — Isabella disse ofegante assim que elas

passaram pelas portas da Academia. — Algo está muito errado. Você tem que

me contar.

Page 178: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

177

Não demorou muito para que Cassie resumisse a reunião do Conselho.

Isabella ouviu em silêncio, mas Cassie quase podia senti-la pegando fogo.

Quando Cassie chegou na parte da sentença de Jake, Isabella suspirou alto.

— Mas eles... Isso é obsceno! Eles não podem encarcerar alguém para

sempre; não é possível.

— É sim — Cassie contou para ela muito brava. — Mas ouça, nem isso é o

bastante para Brigitte. Ela tem algo a mais planejado, Isabella. Algo pior, algo

que nem o Conselho sabe.

— O quê?

— Eu gostaria de saber — ela esfregou seu rosto gelado com as mãos

cobertas por luvas. — Mas tem algo a ver com um chalé e algo chamado o Solo

Vivo.

Isabella empalideceu.

— Isso parece... Cassie, isso parece horrível.

— Sim. E eu tenho um pressentimento de que o Richard sabe algo sobre

isso.

— Richard? — deu para ver o ar saindo da boca de Isabella. — Me conta.

— Não posso, ele não me contou. Em um segundo, ele estava falando

direito, no outro, ele se afastou e se enfiou em sua concha como um caramujo.

— O que Richard disse? — Isabella ficou olhando para o outro lado da rua,

para a escuridão dentro do Central Park.

— Nada. Eu te disse.

— Richard sempre parece não dizer nada — Isabella estava com o olhar

parado, pensativo e ela parecia atipicamente racional.

Cassie suspirou profundamente. De repente, tudo parecia difícil. Se pelo

menos o maldito Ranjit fosse bom, tudo poderia ter sido bem diferente.

— Eu te disse. Ele fechou a boca, então eu saí fora. Ah, e aí ele enfiou um

livro na minha mão, mesmo tendo sido ele que derrubou e antes de eu devolvê-

lo ele sumiu.

— Ele... Ah! — Isabella bateu as mãos. — É isso. É isso. Onde está o livro?

Page 179: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

178

— Aqui — Cassie mostrou sua mochila. — Mas eu te disse que não é meu,

é...

— Pessoa de pouca fé! — Isabella tirou o livro das mãos de Cassie quando

ela o tirou da mochila. Era um antigo guia da cidade de Nova York. Ao folhear

o livro, Isabella deu um grito agudo de triunfo e colocou o livro na cara de sua

amiga. A página em que ela tinha aberto estava marcada com uma dobra.

— Cassie! Você não percebeu? Richard te contou para onde estão levando

Jake!

Page 180: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

179

Capitulo 24 — Uma arma. Precisamos de uma arma — Cassie puxou Isabella de volta

para a Academia. — Algo que sabemos que funcione contra os Escolhidos.

— Uh-hum. Você não está pensando no... Punhal de Keiko?

— Sim, estou.

Boa garota! É exatamente disso que precisa, você verá!

Olhando para Isabella, Cassie decidiu não dizer que o demônio dentro da

cabeça dela estava dando palpites em sua estratégia. O estranho punhal que

eles tinham conseguido enfiar na garota homicida dos Escolhidos tinha parecido

dar conta muito bem de Keiko no semestre passado. Jake pegou o punhal

quando ele e Isabella a resgataram no Arco do Triunfo. Cassie não estava certa

da importância da arma, mas pela reação agitada de Estelle, pensou que devia

Page 181: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

180

haver algo de muito poderoso nele. E elas precisariam de toda ajuda que

pudessem ter.

Sim! Encontre-o, Cassandra. Encontre-o!

— Sim, sim. Cale a boca, Estelle.

Ei! Você vai precisar de mim em breve.

Isabella estava sacudindo a cabeça.

— Mas você nem sabe onde...

— Está no quarto de Jake — disse Cassie, decidida. — Se ele conseguiu

escondê-lo antes que Vaughan o pegasse, deve estar em algum lugar por lá.

Elas correram de volta para o saguão da Academia e Cassie apertou

insistentemente o botão do elevador, que parecia demorar uma eternidade para

chegar. Quando as portas enfim se abriram no terceiro andar, o lugar estava

silencioso. Soltando o ar de alívio, Cassie avançou lentamente pelo corredor.

— Vamos, não tem ninguém por perto.

Isabella a seguiu cautelosamente.

— Você acha que o punhal ainda está lá? A polícia interditou o quarto

depois que ele foi levado.

— As faixas existem para ser cortadas — Cassie puxou as fitas presas sobre

a porta de Jake e tentou a maçaneta. — Me dê seu grampo de cabelo.

— Como você... Ok — erguendo os ombros, Isabella tirou um grampo de

prata do seu cabelo e observou Cassie colocá-lo dentro da fechadura.

— Vamos, vamos... — Cassie sacudia sua chave de fenda improvisada

impacientemente.

— Vem vindo alguém!

Cassie balbuciou um palavrão. Ela estava tão focada na fechadura que não

tinha ouvido os passos que se aproximavam. Ela se deu conta de que

reconheceria esses passos furtivos em qualquer lugar... Marat.

Page 182: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

181

Não havia para onde ir. Cassie hesitou por um instante, então Isabella bateu

em sua mão e a levou para o outro lado do corredor. Impetuosamente ela bateu

em outra porta.

Conforme os passos de Marat se aproximavam, Isabella murmurou bem

baixinho alguma coisa em espanhol, mas seu rosto se iluminou com um enorme

sorriso ao abrir da porta.

— Perry! Querido! — antes que ele pudesse bater a porta na cara dela, ela

entrou no quarto arrastando Cassie. — Aqui estamos!

Cassie pensou por um momento; Perry Hutton era colega de quarto de

Richard. Ela deu uma olhada em sua volta, mas nem sinal dele. Então sorriu

docemente para o repugnante Perry.

— Que diabos... Olha, Isabella...

— Eu errei o dia do encontro?

— Que encontro? Do que você está falando? Você não é meu tipo, querida.

E o que ela está fazendo aqui?

Isabella manteve o sorriso, mas sua voz ficou bem aguda quando fechou a

porta atrás delas.

— Fique quieto, Perry. Sairemos daqui em um minuto.

— Vocês sairão daqui agora!

— Expulsando uma Escolhida? Ah, Perry, querido, você é tão corajoso!

Isso o calou. Os olhos de Perry brilhavam inquietos na direção de Cassie.

— Claro, Isabella. Está bem.

Cassie colocou o ouvido contra a porta. Os passos tinham parado por um

intervalo longo demais, mas agora os pés se arrastavam novamente em direção

ao elevador no fim do corredor.

— Olha, você pode ir? Por favor? — Perry estava ficando impaciente. —

Estou esperando uma amiga.

Cassie se inclinou sobre a porta mais uma vez, ouviu um “pim” e depois o

silencioso escorregar da porta do elevador. Ela pegou no braço de Isabella.

Page 183: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

182

— Vamos. Boa sorte com sua amiga, Peregrino.

Ele ficou roxo do pescoço para cima e abriu a boca, mas as meninas já

estavam do lado de fora e Isabella tinha fechado a porta com tudo na cara

perplexa e zangada dele.

Isabella deu uma risadinha.

— Pomposo bundão.

— Nisso você tem razão. Rápido, Marat já foi.

Cassie colocou o grampo dentro da fechadura. Uma virada decisiva e, a

porta se abriu.

— Puxa. Essa foi mais fácil do que tirar brinquedo da mão de criança.

— Doce. Bom, já fiz isso antes — no entanto, enquanto Cassie se agachava

para passar pela faixa e fechava a porta, ela sentia seu coração bater mais forte

de medo. Ela não conseguia espantar a preocupação de que Marat pudesse

voltar e encontrá-las. O cara era como um fungo: ele aparecia em qualquer

lugar onde não fosse bem-vindo.

O quarto de Jake estava arrumado e limpo. Se Vaughan e seu colega do FBI

vasculharam o local, tinham sido bem cautelosos. Mas Cassie não achava que

eles o tivessem feito. Eles tinham mais interesse em tirar Jake da Academia e

jogá-lo no Confinamento. Rapidamente, Cassie passou sua mão entre o colchão

e o estrado da cama e, então, começou a caçar atrás da escrivaninha, da cômoda,

da cabeceira.

Isabella também estava procurando freneticamente, tirou os livros da

prateleira, revistou as gavetas.

— Eu não sei por onde começar. Se estiver aqui, Jake deve tê-lo escondido

muito bem. Que péssimo.

Muito bem. Encontre-o, Cassandra! Encontre-o!

— Estou tentando — ela sussurrou. Tirou uma gaveta para fora da

escrivaninha de Jake, virou-a de cabeça para baixo e canetas, clipes de papel e

cadernos se espalharam pelo chão. Nada de punhal.

ENCONTRE-O!

Page 184: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

183

Estelle estava ficando bem agitada. Totalmente imóvel, Cassie cerrou os

punhos e apertou os dentes. Ela podia sentir a energia borbulhar, o calor que

subia da base de sua espinha e que saía de seus olhos flamejantes. Não! Não, ela

não deve...

Onde está, Cassandra? ONDE ESTÁ?

— Oh meu Deus — Isabella estava olhando para ela, mas a atenção de

Cassie estava no espelho da parede ao lado do guarda-roupa. Algo estava

chamando a atenção dela para aquilo...

Pelo filtro vermelho, Cassie olhava fixamente para o espelho e a áurea

brilhante que crescia em volta dela chegou até lá. A moldura era pesada, de aço

maciço, mas começou a derreter diante dos olhos dela. A moldura deformou-se

e entortou, enquanto o vidro prateado escorria como uma calda, escorregando

junto com a moldura até que a imagem das garotas virasse, de repente, uma

versão deformada de seu reflexo.

Cassie colocou a mão sobre o rosto de horror, piscando desesperadamente

para tirar o filtro vermelho de seus olhos. Ela respirou fundo, então correu para

o espelho, passou a mão pela moldura derretida e pelo vidro distorcido, por sua

própria imagem distorcida. A superfície do vidro parecia tremer debaixo dos

seus dedos. Franzindo a testa, ela tirou o espelho da parede e percorreu com os

dedos a parte de trás da moldura. Alguma coisa estava precariamente colocada

na parte superior e quando seus dedos o tocaram, o objeto caiu imediatamente

no chão.

— Aqui está ele — suspirou. Ela levantou o punhal, admirando o cabo com

elaborado entalhe.

— Ok — Isabella entortou a boca de desgosto enquanto olhava a lâmina

brutal. — O que acabou de acontecer?

Cassie desviou o olhar da lâmina por um momento.

— Você... Você se importa se não falarmos sobre isso? — com delicadeza,

ela tocou as figuras contorcidas com o dedão: as sereias, as cariátides, um tipo

meio felino, meio cobra. Ela podia jurar que tinham respondido ao toque dela,

se mexendo e se esticando... Ela sentiu como se o punhal fosse parte de sua

mão, da sua pele e, em algum lugar dentro de sua cabeça, ela ouviu Estelle dar

um profundo suspiro de prazer.

Não é lindo?

Page 185: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

184

Cassie se arrepiou e colocou o punhal dentro de seu casaco.

— Eu não gosto desta coisa — disse Isabella.

Levemente irritada, Cassie evitou o olhar de Isabella.

— Precisamos dele.

— Mas você conseguiria usá-lo?

Cassie não respondeu.

*** O ar de fora estava elétrico por causa da tempestade iminente: Cassie podia

sentir o gosto da carga no ar, sentir as pontas dos cabelos levantarem-se.

Quando elas driblaram o trânsito e chegaram a entrada do Central Park na 79th

Street, ela pede sentir o punhal dentro do seu casaco, o calor dele contra seu

corpo. Isabella estava certa. Ela estaria realmente pronta para isso? Será que ela

realmente usaria o punhal se precisasse?

— Por aqui, Cassie! — a voz apressada de Isabella estava cheia de

ansiedade.

Cassie sacudiu a cabeça para se livrar de suas dúvidas e correu atrás de sua

amiga para dentro do parque escuro, com apenas alguns flashes de luz que

refletiam dos postes da 79th Street Transverse20. Ela conhecia esse caminho:

tinha passado por ali de dia, há duas semanas atrás, quando tinha ido patinar

no Wollman Rink21 com Ranj... Agora não, ela pensou, expulsando-o de seu

pensamento.

Ela se convenceu de que não tinha medo de passar por debaixo da ponte

East Drive na escuridão. Por que teria? Ela pensou. E do outro lado viu o que

20

A 79th

Street Transverse corta o Central Park (N.T.). 21

O Wollman Rink é uma famosa pista de patinação no gelo localizada no Central Park, no lado oeste do zoológico. Essa pista fica aberta de novembro a março e são cobrados ingressos de entrada (N. T.).

Page 186: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

185

parecia ser água. Um distante flash de luz fez o Turtle Pond22 brilhar como um

espelho por um instante, então, a escuridão caiu novamente. Ela pôde sentir a

chuva fria em sua face, mas quando o vento apertou, ela não diminuiu o ritmo.

Isabella estava sem fôlego, ficou um pouco para trás, mas Cassie sentiu que

podia correr para sempre.

— Falta muito? — ela perguntou.

— É logo ali! — tropeçando ao parar bruscamente, Isabella a agarrou. — É

isso! O Swedish Cottage. É um teatro de marionetes.

*** Uma bandeira americana e outra sueca estavam penduradas no telhado da

grande construção em madeira, ensopadas e voando por causa do vento. Cassie

deixou escapar um sorriso, mas não de alegria. Ela devia ter imaginado que

Brigitte não levaria Jake para uma de suas propriedades. Além disso, ela não

conseguia imaginar que a família de Katerina tivesse algo menor do que uma

mansão.

Cassie sentiu seus músculos tencionarem quando ela se aproximou

sorrateiramente do chalé por entre as arvores.

— Parece silencioso — ela murmurou.

Estava chovendo forte no momento, as gotas de chuva ardiam como gelo

em sua pele. O chalé não estava aceso, mas ela pôde perceber uma luz fraca

atrás dele. Ela estreitou os olhos, respirou bem devagar. Por trás do vento

uivante e do barulho da chuva, ela pede ouvir algo. Vozes. Movimentos. O

cavar de uma pá no solo. Risos baixos.

Uma luz explodiu diretamente sobre elas, deixando tudo branco. Numa

fração de segundo antes de o trovão chacoalhar a terra, Cassie viu o que

acontecia: viu as pessoas e o que elas estavam fazendo, congeladas na luz como

um quadro.

22

Viveiro de tartarugas (N.R.).

Page 187: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

186

O raio foi seguido de imediato por um segundo flash. Cassie estava ciente

da enorme criatura, cruel e distorcida, que se erguia diante dela. Recuando

instintivamente, tropeçou para trás.

Então, estava bem diante dela um rosto horrendo, gritando bem na cara

dela, com os olhos vermelhos de ódio e força.

Não dava tempo de reagir. Lançada para o ar por uma rajada de vento,

Cassie sentiu que flutuava pelo ar elétrico e, ao cair, sua cabeça bateu forte

contra o chão duro. Enquanto lutava para se reerguer, outro raio lampejou

rapidamente sem aviso e caiu em uma árvore perto dela.

Cassie teve um momento de clareza quando viu um galho quebrar e cair

sobre ela. E, então, as luzes se apagaram por completo.

Page 188: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

187

Capitulo 25 Recobrar a consciência foi como tomar uma tapa na cara. Tentando ficar em

pé, Cassie sentiu o pesado galho de árvore prendê-la ao chão. Reunindo toda

sua força, ela conseguiu tirá-lo de cima de si, mas sentiu uma dor quente e

perfurante ao respirar fundo. Pelo menos uma costela estava quebrada. Ela

tossiu e respirou com dificuldade quando a dor a atingiu mais uma vez. A

chuva uivava ao redor dela; trovões, mais distantes agora, estalavam no céu.

— Garota tonta. Bolsista tonta e estúpida, pensou que era páreo para nós,

mesmo com seus poderes estranhos. E, a voraz Mãe Natureza tinha que dar sua

deixa também. Aquele raio quase te acendeu como uma árvore de Natal.

Não reconheceu as botas pretas caras, mas ela conhecia a voz.

Katerina.

Desesperada, Cassie tentou dar socos, mas os pés diante dela foram

ligeiramente para trás. A manobra evasiva da garota sueca revelou silhuetas

Page 189: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

188

atrás dela. Elas pareciam humanas e ainda assim... Não. Havia algo distorcido

sobre as figuras: tão distorcidas quanto a forma grotesca de Katerina.

Ah, Cassie reconhecia aquilo, sim. Tinha visto aquilo antes, no Arco do

Triunfo; Katerina deixou sua verdadeira face maligna de Escolhida aparecer. Os

lábios retraídos, os olhos vermelhos, os dentes que não tinham sido tratados por

nenhum ortodontista... No entanto, a garota ainda era estilosa. Chique, apesar

da calma com que segurava Isabella inconsciente debaixo de um braço

musculoso.

— Deus, vocês três tem uma sorte extraordinária — Katerina riu. — Eu

tentei me vingar da forma mais elegante, mas no final tudo se resume a

pancadaria e galhos voadores.

— Isabella! — Cassie tentou alcançar sua amiga. — Não a machuque!

— Não se preocupe com sua coleguinha de quarto, querida. Vou tomar

conta dela — os lábios cinzentos se alongaram. — De uma vez por todas.

Com um rosnado de raiva, Cassie tentou se esticar e agarrar Isabella, mas

Katerina se esquivou com uma facilidade visível. Ela deu um chute com um dos

pés que calçavam os sapatos caros que pegou na têmpora de Cassie e a fez

cambalear para trás.

Droga, se ela ao menos pudesse se concentrar, superar essa dor... Cassie

piscou com força e sacudiu sua cabeça, zonza. Ela tinha certeza de que conhecia

as duas pessoas atrás de Katerina; ela os tinha visto recentemente.

Impulsionando o corpo para frente mais uma vez, ainda incapaz de ficar em pé

direito, ela semicerrou os olhos para enxergar através da chuva torrencial e das

sombras em movimento.

Katerina virou as costas para Cassie com desdém e seguiu em direção a

seus comparsas, com Isabella pendurada em seus braços como uma boneca de

pano. Ao engatinhar desesperadamente — cravando as unhas na grama

lamacenta, piscando para tirar a chuva de seus olhos —, ela viu as pessoas na

distância com mais clareza. A mais alta tinha cabelo loiro platinado, mais curto

que o de Katerina, mas ainda assim igual. A outra pessoa tinha estrutura larga e

musculosa. Cabelo curtinho, lábios carnudos, os olhos eram claros e cruéis.

Aqueles traços eram tudo o que os distinguia de um pesadelo. Mas ela

definitivamente os conhecia.

Brigitte e Vaughan, seus torturadores do Conselho.

Page 190: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

189

Cada um deles carregava uma tocha que queimava ferozmente, apesar do

vento uivante e da chuva cortante. Tonta e boquiaberta, Cassie assistia as

chamas cintilarem e faiscarem. As chamas pareciam vivas: contorciam-se,

faiscavam com vida. Ela viu olhos, caudas, asas, caninos... Criaturas se

remexendo nas chamas. As figuras em chamas rodopiavam na escuridão,

iluminando outra forma, que mal se movia, deitada no solo encharcado.

— Jake!

Com um grito raivoso de desespero, Cassie se arrastou para frente. Ela não

se importou com Brigitte e Vaughan; ela nem se importou com Katerina. Ela

precisava resgatar seus amigos.

Cassie abriu a boca para gritar o nome deles, mas um choramingo de dor

foi tudo o que escapou de seus lábios. Ela olhava fixamente, sentindo-se

impotente, enquanto Brigitte chutava a costela de Jake e ele reprimia os

gemidos. Cassie tentou se mover de novo, mas ela não tinha força em seus

membros.

Katerina jogou sua carga ao lado de Jake. Isabella parecia morta.

— Estou emocionada — disse a garota sueca com a voz fina. — Que amável

a adorada Sara ter me avisado que estavam vindo, garotas. E, por sorte, pois

Richard deveria estar observando vocês todos para mim, mas ele parece ter

mudado de lado. Terei que lidar com ele mais tarde. Ainda assim, talvez as

coisas não tenham terminado tão mal. Agora vocês, Os Três Mosqueteiros,

podem ser todos por um — ela lançou um olhar de desprezo para Cassie e deu

uma gargalhada impiedosa.

— Comovente, não? — rosnou o desfigurado Vaughan, rindo

escancaradamente.

Cassie viu seus dentes reluzirem a luz de um raio.

— Sim, bem, não podemos separar os dois pombinhos — disse Katerina

suavemente, olhando para Isabella e Jake. — Não se preocupem, queridos, vocês

serão dados juntos ao solo como alimento. Infelizmente, sua amiguinha mestiça

terá que morrer de um jeito mais tradicional. Nós não vamos deixar que nos

acusem de ter contaminado o Solo Vivo com um único pedacinho de Escolhido,

como ela, vamos?

Page 191: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

190

Com um pé, Katerina rolou o corpo de Jake outro metro pelo solo e Brigitte

e Vaughan ergueram suas tochas. A luz flamejante iluminou parte de uma

sombra que era mais profunda do que qualquer uma das outras.

— Meu Deus — Cassie sussurrou.

Jake estava na beirada de um buraco negro na terra. Havia algo estranho

sobre a cova, algo maligno. Cassie engatinhou para mais perto. A terra molhada

dentro do buraco tinha um tom de carmim, um brilho. Vermelho sangue. Ela

piscou para tirar a chuva dos olhos.

Cassandra, o que foi que eu te disse?

— O que, Estelle? — a voz de Cassie estava muito fraca, afogada pelo

barulho da chuva. — O que você me disse? Eu devia ter escutado, sua vaca

velha?

Claro que sim, querida. Havia um estranho pesar na voz de Estelle junto a

incontrolável empolgação. O Solo Vivo, minha querida. A prisão mais cruel de todas.

Séculos de enterros alimentando-o, alimentando aqueles que ousam usar o seu poder...

Agora ela podia ver, mas tudo o que ela queria fazer era olhar para o outro

lado. Fugir. A terra dentro do buraco não era apenas terra; havia corpos

também, emaranhados, que se moviam e se debatiam, incontáveis corpos.

Membros, torsos, cabelos desgrenhados e encharcados de sangue. Quando a

pilha de corpos se mexeu, uma mão se ergueu desesperada pelo ar. Então, com

um grito abafado, o braço foi arrastado para baixo outra vez.

— Eles não estão mortos — sussurrou Cassie, enquanto a dor agulhou sua

cabeça e fez todo o corpo dela tremer. Ela ficou enjoada. — Eles não estão

mortos!

Sim, minha querida. Sim. Agora você compreende.

E ela compreendia...

Isabella e Jake seriam enterrados vivos.

Page 192: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

191

Capitulo 26 — Uma educação cara é algo excelente — havia um riso cruel por trás da

voz de Brigitte quando ela ergueu sua tocha. — Mas há algo conhecido, querida

Senhorita Caruso, como Informação Demais. E é isso que você tem — ela deu

uma tapinha no corpo prostrado de Isabella.

— E, além disso, é claro que há Jake — sorriu Katerina. — Pobre e

intrometido Scooby. Você não sabe que a curiosidade matou o gato?

Jake a ignorou, com os braços envolvendo Isabella para protegê-la.

— Em breve, ele terá tempo de sobra para refletir sobre todos os arquivos

que se empenhou tanto para conseguir — rosnou Vaughan. — Você realmente

achou que tinha conseguido invadir o site do FBI sozinho? Nós só precisávamos

de uma desculpa para prendê-lo, seu inútil. Foi fácil demais. Nós plantamos

aqueles arquivos, assim como vamos plantá-lo neste solo. Quer chamar seu

Page 193: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

192

advogado outra vez, filho? — o lábio dele se converteu em um sorriso

debochado.

A voz de Jake era um rosnado grave e determinado.

— O Conselho vai fazer vocês pagarem, seus animais. E quando eles

descobrirem o que fizeram, eles farão meu trabalho por mim — ele encarou

Katerina, com ódio queimando em seus olhos. — Você vai pagar por ter matado

minha irmã.

— Temos que começar — Brigitte rosnou com uma urgência frenética. —

Ignore o garoto. O que o Conselho não sabe não fere seus delicados princípios.

Ela agarrou o cabelo de Isabella, enrolando-o em volta de seus dedos

deformados e cinzas, arrastando-a para a beirada do buraco. Imobilizado por

um mata-leão, Jake, que mal conseguia respirar, foi arrastado por Vaughan para

o mesmo lugar de Isabella. Com a mão que estava livre, Brigitte alcançou o

poço, gemendo enquanto o brilho vermelho acariciava sua pele.

— O poder! É divino, eu já posso sentir!

Katerina e Vaughan observaram-na, com a respiração difícil de

empolgação.

— Os mortos de séculos... Sinta-os, filha! Sinta a energia deles! Alimente-se

do Solo, preservado para sempre, vivo para sempre, para nós! — ela ergueu a

voz a um grito histérico e vibrante. — Nós somos os verdadeiros Escolhidos! Não

há fraquezas em nós, nem um pingo de misericórdia. Apenas nos temos força

para alimentar o Solo Vivo e nos alimentarmos dele. Sinta este poder! Como o

Conselho pode renunciar a isto? COMO? — Brigitte titubeou quando empurrou

Jake para a beira do poço, zonza de ansiedade. — Peguem a mestiça — ela

disse, ainda encarando com fascinação o buraco na terra. — Nós lidaremos com

ela em seguida.

Cassie não conseguia se mexer.

Se quiser acabar com isso, querida, não tem muito tempo...

— O que posso fazer?

Use o Solo, Cassandra. Vire o poder deles contra eles mesmos! A energia está toda

lá; toda dentro do Solo. Você apenas tem que ir lá pegá-la!

Page 194: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

193

Não era uma decisão consciente. Não era um pensamento real. Seguindo a

sugestão de Estelle, Cassie respirou fundo e, ignorando a dor pungente,

simplesmente fechou os olhos e deixou a fúria assumir o comando.

Sua impotência tinha sido esquecida, sua exaustão, atolada pela energia que

circulava, fervia por suas veias e seus nervos, enquanto ela levava a energia do

Solo que pairava no ar para dentro de seus pulmões. Era mais poderoso do que

qualquer outro tipo de alimentação, mais poderoso até mesmo do que as

Lágrimas. Ela mal ficou surpresa ao sentir sua costela quebrada começar a se

curar. A escuridão ficou vermelha e mais rápida e mais forte do que antes, a

Cassie do Carnegie Hall estava de volta. Com um rosnado estridente, ela saltou

e ficou em pé.

— PAREM!

Os três monstros se voltaram para ela, momentaneamente chocados.

— Oh, você nunca aprende? — Katerina deu um rosnado feroz, mas foi

Vaughan quem saltou nela primeiro.

Tolo pobre e patético!

Cassie riu, apertando os braços contra o corpo. Ela não tinha se movido um

milímetro em direção a ele, quando sentiu a força romper seu corpo e sair,

expandindo-se para além dela, golpeando Vaughan, parando-o no meio do

caminho.

ISSO! Mostre a ele! ELE PEDIU POR ISSO!

Ela ouviu Vaughan gemer de dor e medo ao longe. Ele estava a metros de

distância, tentando livrar seu pescoço, afrouxar a força invisível que apertava

seu pescoço.

Inútil.

Ela sorriu. Ele estava berrando com a voz rouca, desperdiçando o ar que

deveria respirar. Mostrando os dentes, ela o empurrou para trás. Os pés e as

pernas dele chutavam e se debatiam no chão, mas ele não conseguia impedi-la

de empurrá-lo para trás, e mais para trás, até a beira do buraco. Então, Cassie o

ergueu no ar e o lançou contra o atemorizante e remexido túmulo aberto.

Vaughan deixou escapar um grito do âmago, tateando a beira do buraco

aberto, tentando segurar nas paredes de terra vermelha. Mas ele não conseguia

manter seus pés apoiados, não naquele redemoinho de corpos vivos. Quando

Page 195: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

194

ele tropeçou, mãos encharcadas de sangue o tocaram, agarraram suas pernas,

seus braços, seu pescoço. Por longos segundos, Cassie assistiu enquanto ele

lutava, os gritos dele ficavam cada vez mais suaves e abafados enquanto ele era

engolido pela carne humana do poço.

Mas então veio um estrondo, como um terremoto debaixo da terra. O

buraco começou a fechar, o brejo sangrento borbulhava violentamente. Parecia

que a entrada de Vaughan não era bem-vinda...

— NÃO! — o grito de Brigitte perfurou a noite. — Ele vai destruí-lo!

Ela se lançou contra a terra aberta, tentando alcançar desesperadamente a

mão de Vaughan, agarrando em vão no ar. Mas era tarde demais. Ele tinha ido.

E com um tremor, a terra se fechou, unindo-se como a cicatriz de uma ferida.

Brigitte e Katerina caíram no chão, perplexas. Para Cassie, no entanto, era como

se um fio tivesse sido puxado da tomada. A força estava esvaindo-se dela. De

repente, inexplicavelmente fraca, ela caiu de joelhos.

O Solo!

— Estelle...? — Cassie murmurou, mal conseguindo falar. — O que está...

Acontecendo?

Você o arruinou, minha querida. Ele não pode receber um dos Escolhidos sem

consequências desastrosas. Acabou. O Solo e a energia dele acabaram.

Péssimo timing.

Unidas, mãe e filha se viraram e se lançaram em direção a Cassie, gritando

de fúria, cabelos loiros platinados arrepiados pela energia estática da

tempestade.

Você está muito fraca. Querida, doce Cassandra...

— Por Deus, Estelle. Me ajude.

Ah, Cassandra. Você tem outra opção se me permitir, claro. Se você ao menos me

deixasse...

— Não consigo me mexer — ela respirou com dificuldade. — Estelle...

O quanto você quer isso, querida? Viver, quanto quer? Você vai permitir isso? Eu

adoraria que sim... Não quero que nós morramos...

Page 196: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

195

Lágrimas escorreram sobre as bochechas de Cassie, pingando em sua boca.

Ela tentou ficar em pé, mas não tinha a força necessária. Conseguia apenas se

agachar, esperando que elas a destruíssem.

— Por favor, Estelle! ME AJUDE!

É simples, querida. Sempre foi. Apenas deixe-me entrar. O resto de mim. DEIXE

ENTRAR!

Soava mais alto do que nunca aquela voz. E reverberava dentro da cabeça

dela. E ela estava certa. O que mais ela poderia fazer? O que mais?

ENTRE! ENTRE! ENTRE! ENTRE!

A resposta de Cassie foi menos que um sussurro.

— Sim...

Era como se todo seu corpo tivesse sido acometido por uma força

gigantesca que não parava ao tocar nela e passava direto pela pele, rumo a seus

ossos e sua carne. Ela ouvia o grito de Estelle de triunfo. Então o silêncio; um

silêncio ensurdecedor.

O espírito estava dentro dela.

Cassie estava selada em uma bolha. Pelo que pareceu muito, muito tempo,

havia apenas paz e espanto. Ela sentiu os músculos de sua face se moverem,

mudarem. Suas formas se contorceram, exageradamente. Mas ela não sentiu

medo.

É isso, então? É só isso. Eu gosto disso... Dessa força? Sim...

Como se fosse um sonho em câmera lenta, Cassie alcançou sua jaqueta e

fechou a mão ao redor do punhal. Ele estava vivo: assim como ela. Debaixo de

seus dedos, as criaturas reviravam em êxtase. O poder esvaía-se deles, girava

dentro do sangue dela, corria de volta para o punhal e para fora de novo, em

um circuito vibrante e elétrico. Ela não riu, não tinha pressa em se vangloriar;

apenas de lutar. Ela sentiu todos os seus músculos enrijecerem enquanto

Brigitte e Katerina se lançavam contra ela, mas ela mal percebeu os

horripilantes gritos de ataque delas. Tudo parecia se mover devagar. Cassie

estava repleta de poder, afogando-se nele. Ela e seu espírito. Todo o poder,

unidas.

Page 197: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

196

Ela saltou no ar, pulando sem fazer esforço em suas adversárias e seu corpo

era mais uma força da natureza do que um ser humano. Seus punhos batiam

em Katerina rápidos como raios, fazendo com que ela desse uma pirueta no ar.

Sua outra mão era um trovão, batendo contra o peito de Brigitte e a mulher

cambaleou para trás, encarando atônita o punhal que Cassie segurava.

Ela saltou sobre Brigitte outra vez com muita facilidade. O punhal estava

vivo, as criaturas do cabo cantavam para ela. Ela percebeu que havia um

padrão nos movimentos das criaturas: tudo fazia sentido. As criaturas estavam

em harmonia. Maravilhada com o movimento delas, ela avançou sobre o

monstro loiro.

Mas, dessa vez, Brigitte estava pronta. Ela se desviou do ataque de Cassie e

se moveu com rapidez em volta dela, rápida como um raio, dando um golpe

certeiro na nuca de Cassie. Cassie foi lançada para frente, sacudindo a cabeça

vigorosamente para desembaralhar sua visão, confusa pelo impacto.

— Você pensou que seria assim tão fácil, bolsista? — Katerina provocou,

saltando para atacá-la. — Ah!

Cassie impediu que o pé da garota demoníaca atingisse seu queixo.

Segurando a perna de Katerina, ela a lançou alto no ar, urrando com força. No

entanto, antes que ela pudesse finalizar o ataque, Brigitte estava em suas costas,

com os braços em volta do pescoço de Cassie, sufocando-a. Cassie se atirou no

chão e ouviu o vento sair dos pulmões de Brigitte. Os braços dela ficaram

frouxos e Cassie, pulando, deu um golpe, socando o punho no meio da cara de

Brigitte; depois enfiou fundo a lâmina do punhal no ombro de Brigitte. Ela

uivou de agonia.

— Mãe! — gritou Katerina.

Virando-se para enfrentar o ataque da filha, Cassie golpeou com o punhal e

bateu com o seu cabo na cabeça de Katerina. Grunhindo de dor, a garota caiu,

quase inconsciente, no chão lamacento. Raios se acendiam, cruzando outra vez

as nuvens e trovões reverberavam, enquanto Cassie debruçava-se sobre

Katerina e erguia a lâmina para o alto.

Os olhos dela queimavam e tudo estava vermelho novamente. Ela gostava

da sensação. Ela adorava a sensação. A cabeça de Cassie estava zunindo, seus

pensamentos eram uma bola de fúria.

— Eu devia acabar com você, sua vaca. Você tentou nos matar. Tentou

matar todos nós!

Page 198: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

197

Nós? Jake e Isabella. E eu e...

Cassie piscou com força, tentando minimizar a raiva em ebulição para que

pudesse pensar direito. Quem mais Katerina tinha tentado prejudicar? Ela

respirou profundamente e olhou para o céu. A chuva gelada pingava em seu

rosto, lembrando-a de sua vulnerabilidade. Mortal.

Humana...

— Estelle! — ela se assustou.

Meu Deus. Estelle estava toda dentro dela. Dentro de seu corpo e mente.

Unindo-se. Tornavam-se uma só. Completavam a tarefa que o ritual tinha

iniciado. Logo ela seria parte de Cassie para sempre. A menos que... Fechando

os olhos, ela se concentrou em sua vontade. Não no poder super-humano, pensou

Cassie, apenas na força de sua própria mente. Sua própria alma. Ela começou a

sentir a mudança, algo se movimentava, mudava de lugar. Enquanto lutava

mentalmente, expulsando a força de dentro dela, uma voz familiar retornou.

Cassandra? Pare! O que está fazendo?

— Isso não está certo — disse Cassie. — Não posso permitir que isso

aconteça, Estelle! Não deveria ter deixado...

NÃO!

Mantendo os olhos fechados, com força, Cassie apertou os dentes quando

começou a sentir sua pele tremeluzir, quente com a energia que ela tentava

expulsar.

Cassandra! Pare! Não faça isso comigo! Quero ser uma só!

— Sinto muito — Cassie disse pesarosa. — Sinto muito mesmo!

A cabeça dela girou e, de repente, o calor em sua pele se dissipou. Tinha

conseguido. A força estava fechada, dividida mais uma vez. Cassie estava

ofegante e enfim abriu os olhos enquanto gotas frias de chuva se misturavam as

suas lágrimas quentes.

E de algum lugar de dentro veio um grito de lamento, dor e tristeza.

Page 199: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

198

Capitulo 27 Mais uma vez, a energia de Cassie tinha se esgotado. De repente, ela estava

tremendo, assustada e sozinha na escuridão. Instintivamente, ela levou as mãos

ao rosto. Estava de volta ao normal.

Ela se afastou com dificuldade dos corpos deformados de Katerina e

Brigitte. Na frente dela, o vulto do Swedish Cottage parecia uma ameaçadora e

gigantesca criatura, com sua bandeira balançando ferozmente e ela estava com

medo outra vez.

Não fique com medo! Deixe-me voltar e não haverá razão para ter medo!

— Estelle? — ela sussurrou com uma voz vacilante. — Não posso deixar

que isso aconteça de novo.

Mas Cassandra, minha querida, agora que você sentiu as possibilidades...

— Não, Estelle, me desculpe, não posso...

Page 200: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

199

Tudo bem, querida. Sem desculpas. Mas agora você sabe. Você sabe como deveria

ser! Você vai me deixar entrar um dia, Cassandra. E será para sempre.

Atrás de Cassie, alguém falou um palavrão baixinho. Ela deu meia-volta

para ver Jake ajoelhado ao lado de Isabella, esfregando as mãos dela e beijando

seus lábios gelados como uma espécie de Príncipe Encantado bem despojado.

— Jake? Ela está bem? — ela se jogou no chão do lado dele.

— Deixe-a em paz! — ele gritou nervoso e assustado. — Ela está voltando a

si.

— Ok — sussurrou. Ela encarou o punhal em suas mãos, agora inerte e

inanimado. Sangue brilhava na lâmina. Ela sentiu náusea e a arma escapou de

suas mãos e caiu no chão.

Houve um barulho e Cassie se virou. Brigitte estava ajudando a filha a se

levantar, ambas olhando para Cassie com terror. Elas pareciam tão

ridiculamente comuns agora: sangrando, sujas de lama e ensopadas até o

último fio de cabelo. Cassie não conseguia nem reunir forças para se zangar. Ela

assistiu, sem sentir nada, a dupla cambalear pela escuridão do Central Park.

Mas algo chamou ainda mais sua atenção para o meio das árvores densas por

onde elas desapareceram. O poço do Solo Vivo tinha desaparecido

completamente agora. O solo estava curado, não havia marcas no gramado

ensopado.

— Jake — ela sussurrou fechando os olhos. — Vamos dar o fora daqui.

***

Jake e Cassie carregaram a grogue Isabella para fora do parque. Jake insistia

que o lado oeste era mais perto. Ele parecia desesperado para sair do Central

Park e começou a tremer violentamente quando chegaram às ruas.

Efeito retardado, Cassie pensou.

Page 201: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

200

Finalmente, eles saíram do parque, ensopados pela chuva e entraram, sem

saber muito bem aonde iam, em um beco estreito. Jake respirava ofegante.

— Que diabos aconteceu aqui? — ele perguntou. Ele estava pálido e com

olheiras, mas sua voz tinha um tom de acusação.

— Eu impedi que você fosse enterrado vivo, foi isso que aconteceu —

Cassie mal tinha energia para falar mais alto do que um suspiro.

Ele ficou olhando para ela, enojado.

— O que você é, Cassie?

O que ela era? Ela não sabia, não se importava. Ela sentia um enorme peso

em sua cabeça e um maior ainda no estômago. O que ela tinha feito?

— Você matou Vaughan. O cara do FBI? E daí... — ele ficou quieto.

— Eu não tive intenção.

— Mas você matou, Cassie. Matou.

— Jake, agora não. Eu não consigo pensar — afastando-se dos dois, Cassie

esfregou o rosto com força, respirava curta e rapidamente.

De repente, ela não queria mais olhar para eles. Será que havia rastros de

vermelhidão em seus olhos?

— Jake, deixe-a em paz — a voz de Isabella os surpreendeu, e eles se

viraram. Ela parecia exausta, mas falava com clareza. — E você? O que

Vaughan e Brigitte fizeram? Eles te machucaram?

— Não. Na verdade, não. Eles me pegaram enquanto eu estava dormindo.

Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, eles me levaram para o

parque — mais uma vez ele deu um passo em direção a Cassie. — Você sabia o

que ia acontecer? Por que você estava com o punhal? Você pegou no meu

quarto, não foi? Você sabia o que eles iam fazer conosco, Cassie? É algo que

todos vocês, aberrações, sabem, sua louca... — ele parou de falar, tremendo com

o que Cassie pensava ser uma mistura de medo e repulsa.

Ela sabia? Ela sabia o que iria acabar fazendo? Talvez... Talvez ela quisesse isso.

Do contrário, por que tinha se empenhado tanto em achar o punhal, em

fazer tudo como Estelle mandou? Passando as mãos no cabelo, Cassie gemeu

baixinho, mas isso pareceu mais um rosnado. Ela ainda sentia como se estivesse

Page 202: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

201

carregando um tijolo na cabeça, que não parecia pertencer a ela. A voz

intimidante de Jake parecia muito, muito distante. Nada importava a não ser o

redemoinho do vazio que crescia dentro dela, girando ate deixar um vazio cada

vez maior.

— Preciso me alimentar — ela sussurrou quando suas pernas cederam e ela

caiu.

*** Ela não conseguia se concentrar. Ela sabia vagamente que estava sendo

carregada pelo beco, apoiada em uma parede de tijolos entre uma escada de

incêndio e as lixeiras de um restaurante. Uma mão gentil colocou a cabeça dela

para trás e segurou o rosto dela.

— Ela está mal, Jake — a voz de Isabella parecia vir de um poço muito

profundo.

— E daí? Isabella, deixe-a aí. Vamos.

— Não, Jake. Não.

Silêncio, no qual Cassie pode ouvir sua própria respiração, rápida, vazia e

faminta. Os dedos dela procuravam no ar, tentavam alcançar Isabella, mas

apenas arranhavam inutilmente o pavimento.

— Espere, o que você vai...? Não! De jeito nenhum, Isabella!

— Eu te disse antes, Jake — o tom de Isabella era determinado. — Fique

fora disso. Isso não tem nada a ver com você.

Escute, escute, pensou Cassie embriagada. Fique fora disso, Jake...

— De forma alguma. Não vou permitir que faça isso!

— Você não pode me impedir. Tire suas mãos de mim!

Para Cassie, a discussão parecia durar uma eternidade. Até mesmo seu

próprio corpo parecia distante, ainda que o centro da fome fosse intolerável. Ela

Page 203: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

202

estava começando a desejar, sem querer, que tivesse deixado Jake naquela

inimaginável cova rasa...

— Ok, Ok. Desculpa. Vamos, Isabella, por favor!

— Jake, não! Nós poderíamos ter morrido se não fosse por Cassie!

— Você poderia ter morrido por causa dela!

— Você acha? — a voz de Isabella era tensa. — Deixa eu te dizer: Jake

Johnson, nada disso é culpa de Cassie. Ela é o que é, mas ela também é nossa

amiga. Ela daria a vida por nós! Temos que ser justos. Estou disposta a arriscar a

minha por ela.

— Isabella, você acha que posso suportar isso? Eu te amo! Eu te amo. Não

faça isso.

Uma pausa.

— Jake... Eu também te amo. Mas se não vai ficar aqui e me ajudar, ajudar

nós duas, dane-se você — as palavras dela eram duras, mas a voz de Isabella

estava trêmula de emoção.

Jake ficou encarando as duas, desacreditado, amor e ódio brigavam nos

olhos dele. Ele deu um passo para frente e, por um momento, Cassie pensou

que as palavras de Isabella tinham sido suficientes para persuadi-lo. Então ele

fechou sua expressão, deu meia-volta e foi embora. Um instante depois, ele

tinha desaparecido na calada da noite.

Isabella assistiu ele partir silenciosamente. Então se ajoelhou na frente de

Cassie, afrouxou o colarinho do casaco, cobriu a boca com suas mãos frias e

aproximou seus lábios dos de Cassie.

Não, não, assim não, é muito perigoso...

Mas Cassie não conseguia se controlar. Os dedos dela se debatiam entre os

fios de cabelo sedosos de Isabella. Debilitada, ela ergueu a cabeça e resmungou.

A descarga de energia a atingiu como uma corrente de alta voltagem. A boca de

Isabella estava pressionada contra a dela e Cassie se inclinou para frente,

sugando com muita força. A energia era incrível, irresistível, mas aquele

redemoinho de fome dentro dela estava sugando sem hesitação. Isabella foi

ficando cada vez mais pálida.

Page 204: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

203

Mas Cassie estava determinada dessa vez. Ela não perderia o controle de

forma alguma. O sacrifício de Isabella a fazia ter certeza de que não permitiria

isso. Um pouco depois, ela se forçou a parar. Tinha terminado. Ela ficou muito,

muito feliz quando acabou.

— Jake... — Cassie disse com a voz rouca.

— Eu sei. Tudo bem — disse Isabella, triste.

Envergonhada, Cassie se apoiou para ficar em pé. Mas se sentia fisicamente

mais forte do que nunca. Ela puxou Isabella do chão e a abraçou bem forte, com

lágrimas nos olhos.

— Obrigada — gaguejou.

Isabella apertou sua amiga com força para responder. Quando falou, sua

voz estava embargada de emoção.

— Ele vai voltar, não vai?

Cassie respirou fundo.

— Eu não sei, Isabella — ela disse honestamente. — Eu não sei.

Page 205: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

204

Capitulo 28 — O Conselho dos Líderes é convocado a se reunir. Sir Alric presidirá.

A atmosfera na Sala do Conselho não poderia ser mais diferente do que da

última vez que ela se sentara ali, nervosa e sozinha. Dessa vez, Cassie estava em

pé, relaxada, mas determinada. Ela se sentiu confortável com a extrema

elegância da sala e não estava intimidada pela fileira de Líderes sentados atrás

da enorme mesa. Eles pareciam menores dessa vez.

Estudando os rostos enfileirados, o olhar dela cruzou com o de cada um

deles. Algumas pessoas, mesmo as mais familiares, demonstravam ansiedade.

Tal reunião não tinha precedentes, pelo que Sir Alric tinha dito para ela. Isso

devera ser interessante...

— Você não pode começar a reunião até que Brigitte e Vaughan cheguem

aqui — uma senadora se opôs, batendo uma elegante caneta tinteiro em uma

agenda de couro.

Page 206: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

205

— Brigitte Svensson e Andrew Vaughan não participarão deste Conselho —

Sir Alric ignorou o espanto com o qual tinham recebido essa notícia. — Por

razões que deixarei claras, acho que devo dizer que eles pedem desculpas.

— Então, vamos ouvi-las — disse com sotaque de um super astro de

Hollywood. — Do que se trata?

Cassie olhou para ele com frieza, sem se intimidar pelo seu famoso

sorrisinho perverso.

— Estou aqui para protestar sobre sua última decisão.

Uma supermodelo ruiva trocou olhares com a pessoa a seu lado.

— Você quer dizer a decisão relacionada ao garoto Johnson?

— Isso seria sobre Jake, sim.

— Posso perguntar — murmurou o ator —, o que você tem a ver com isso?

Ou, na verdade, como você ficou sabendo disso?

Cassie respirava tranquilamente, ignorando sua última pergunta. Ela estava

determinada a não perder o controle e arrancar os olhos do homem.

— Em primeiro lugar, ele é meu... — uma pequena pausa. — Ele é meu

amigo. Em segundo lugar, ele é inocente. Em terceiro, o que vocês fizeram foi

errado.

Enquanto absorviam as palavras dela, trocaram algumas opiniões

sussurradas e até mesmo soltaram uma risada brusca ou duas. A senadora

sorriu de modo irônico e se recostou em sua cadeira.

— Eu realmente não acredito que uma vira-lata, parcialmente Escolhida,

recém-convertida possa compreender os assuntos extremamente complexos que

envolvem este caso. Sir Alric, eu acho que sua convocação para esta reunião do

Conselho foi profundamente mal pensada. A reunião deveria ser encerrada de

uma vez por todas. Somos pessoas muito ocupadas.

Vira-lata? Quanta insolência!

Cassie sentiu sua espinha enrijecer pela indignação que compartilhavam,

mas ainda assim ela quase riu com o tom mortificado de Estelle. Hora de

mostrar as garras.

Page 207: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

206

— Na verdade, os assuntos não são tão complexos assim. Acho que até

mesmo um político seria capaz de entender o que eu tenho a dizer.

— Como é que é? — a senadora enrubesceu.

A supermodelo riu discretamente e Estelle também.

É isso aí, minha querida.

— Quantos de vocês — perguntou Cassie — checaram Jake no

Confinamento?

— A checagem não é necessária, minha querida — disse um cardeal com

um pequeno sorriso. — Ele está perfeitamente a salvo lá. O Confinamento não é

um lugar desagradável. De forma alguma.

— Então, não é nada parecido com o Solo Vivo?

Isso os calou. O cardeal ficou vermelho como sua batina.

— Minha querida Senhorita Bell — ele tossiu. — A simples menção disso é

uma blasfêmia. O uso do Solo Vivo foi banido há séculos. Não vamos mais

ouvir sobre isso.

— Bem, até ontem à noite ele estava perfeitamente em uso — disse Cassie

de modo calmo — e, vocês quase condenaram Jake Johnson a ele.

O tumulto era satisfatório.

— Como você ousa...

— Darke, isso é inaceitável.

— Eu exijo uma explicação!

— Então, Cassandra — murmurou Sir Alric tranquilamente —, você vai

explicar?

Cassie olhou para ele em agradecimento, mas a expressão dela endureceu

enquanto ela observava a fileira de Líderes.

— Brigitte e Vaughan têm enganado muitos de vocês — ela disse friamente.

— Eles têm levado prisioneiros do Confinamento para o Solo Vivo há anos.

Posso mostrar onde isso acontecia. Assim, vocês poderão constatar a veracidade

dos fatos. Se puderem enfrentá-los.

Page 208: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

207

— É mesmo? — disse o ator. — E você pode provar?

— Se não acreditam em mim — replicou Cassie, apontando um dedo —,

perguntem a ele.

Todos os olhos da sala se voltaram de Cassie para os lindos traços de Sir

Alric. Ele limpou a garganta.

— Cassie chegou até mim com essa história ontem à noite. Não é necessário

dizer que fiquei chocado como o resto de vocês, mas visitei o lugar que ela

descreveu. Sinto dizer que ela contou a verdade. Há corpos humanos debaixo

daquele solo. Eu também estive no Confinamento — ele parou. — E está vazio.

Temo que todos os que foram designados para lá tenham sido dados como

alimento ao Solo Vivo, aqui em Nova York.

Ninguém se moveu; ninguém disse nada. A supermodelo empalideceu e

até mesmo a senadora tinha fechado os olhos e estava cobrindo a boca com as

mãos.

— Meu Deus... — suspirou o velho cardeal.

Sir Alric olhou fixamente para Cassie.

— Cassandra, posso garantir a você que nenhum destes líderes estava a par

da abominação que você presenciou. Espero que acredite nisso.

— Estou tentando — Cassie apertou bem as mãos atrás de suas costas,

enfiando as unhas nas palmas de suas mãos. — Mas mesmo que isso seja

verdade, mesmo que vocês não soubessem do Solo Vivo, ainda assim são

responsáveis. Votaram para mandar Jake, cujo único crime era saber demais

sobre os Escolhidos, para o Confinamento junto com Deus e sabe mais quem.

Mas vocês nunca se deram ao trabalho de checá-los, não é? Não queriam saber.

O que os olhos não veem, o coração não sente. Então Vaughan e Brigitte

puderam fazer tudo o que quiseram com eles.

Dezenove pares de olhos prestavam atenção nela. Ela apertou ainda mais as

mãos para que elas não tremessem.

— E tem mais... O Confinamento? É uma prisão. Não me importa o quão

chique seja, é uma prisão para inocentes e isso é errado. Vocês querem proteger

o segredo dos Escolhidos? Bem, o negócio é o seguinte: arrumem outro jeito de

fazê-lo. Eu exijo o fechamento do Confinamento. Agora. Se eu souber que

alguém desapareceu, se algo acontecer com Jake Johnson, ou qualquer outro

Page 209: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

208

inocente, eu serei a responsável pelo Gran Finale dos Escolhidos. Vocês

entenderam? Eu gritarei a plenos pulmões. Irei a polícia. Irei ao FBI. Irei a CNN

e a Fox News e ao New York Times e ao Washington Post e, que se dane, eu irei a

National Enquirer.

Sem ar, de tanta raiva, ela forçou sua voz a se acalmar. Seus olhos estavam

avermelhados. Já deu. Ela não devia deixar as coisas irem tão longe... O poder

borbulhava como uma reação física debaixo de sua pele, mas agora ela o estava

controlando e não ao contrário.

— Não me importo quão influentes vocês sejam, ainda há muitas pessoas

influentes que não são Escolhidos. Eu irei até eles e contarei tudo. Contarei a

todas as pessoas normais. Porque existem algumas, sabem? Indivíduos normais,

decentes, que não tem que roubar força vital de outras pessoas.

— E você — o ator de Hollywood a relembrou delicadamente —, não é uma

delas.

— Não — ela retrucou. — Mas me lembro de como era ser. Me lembro de

quem eu era. Acho que têm a ver com ser vira-lata.

— Se afundarmos, você sofrerá conosco, Srta. Bell — a voz da senadora era

fria.

— Talvez sim, senadora. Mas farei assim mesmo. E sei o que estão

pensando: que vocês poderiam me colocar no Confinamento. Me trancafiar.

Bem... — Cassie forçou um sorriso, reunindo toda sua audácia. E isso não era

tão difícil já que ela podia ver que pelo menos dois deles estavam visivelmente

com medo dela. — Vocês podem me colocar no Confinamento, mas podem me

manter lá?

Com calma, fazendo uma força mínima, Cassie pegou delicadamente a

caneta tinteiro dos dedos paralisados da senadora e a quebrou ao meio. A

senadora deixou escapar um suspiro. O restante dos Líderes parecia abismado.

Que tal esse controle, Sir Alric? Ela estava enganada ou havia uma pitada de

orgulho nos olhos de granito dele? Sir Alric Darke bateu o martelo de metal,

muito delicadamente, de forma que ele soou o mais agradável dos sons.

— Então, senhoras e senhores, podemos iniciar a votação?

Page 210: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

209

Capitulo 29 Cassie levantou o celular enquanto ele vibrava silenciosamente em sua mão.

Ainda assim, ela estudou o que apareceu no display.

1 nova mensagem de

Patrick Malone

Outra vez ela percorreu o teclado com o dedão. Mais uma vez ela

pressionou Apagar. Ela rolou em sua cama e espiou Isabella no escuro. Tinha

levado horas para enfim pegar no sono. Cassie não tinha tido tanta sorte. Toda

vez que fechava os olhos via o que poderia ter acontecido se ela não tivesse

parado Katerina e Brigitte a tempo. Se não tivesse pegado o punhal. Se não

tivesse ouvido Estelle...

Page 211: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

210

Estelle estava lá quando precisou dela. Quando chegou a hora da verdade,

foi Estelle a quem ela recorreu. Então o que aquilo queria dizer para Cassie? Ela

era um monstro, assim como as pessoas das quais ela tinha tentado proteger

seus amigos? Ela nem tinha certeza se poderia chamar Jake de amigo agora.

Pelo menos parecia claro que ele não aceitaria bem. Desde que ele as tinha

deixado naquele beco, não havia sinal dele. Ele tinha desaparecido tanto quanto

o punhal dos Escolhidos. Cassie tinha procurado no Swedish Cottage quando

voltou lá com Sir Alric, mas a arma tinha desaparecido. Claro que qualquer

pessoa que tivesse passado por ali podia ter pegado, mas, de alguma forma,

Cassie sabia que tinha sido Jake.

Por que ele tinha voltado para buscar o punhal? Aquele lembrete de tudo o

que ele odiava? Para tentar matar Katerina? Ou ele estava pensando que talvez

precisasse usar contra a própria Cassie, no futuro? O futuro... Cassie suspirou.

Quem pode saber como será?

Eu. Eu sei...

Desde que Cassie tinha permitido que ela entrasse completamente em seu

corpo e mente, havia um novo tom de tranquilidade na voz de Estelle. Como se

ela tivesse certeza de que, ao final de tudo, Cassie iria deixá-la entrar para

sempre.

— Isso não vai acontecer, Estelle.

Cassie estava determinada. Mas o que significava abrir mão disso? O que

ela estava perdendo? A incrível sensação de poder que a união tinha trazido

ainda ressonava na mente de Cassie, como a memória de uma droga. Era como

lutar a cada instante contra o desejo. Mas ela lutaria.

Ela não podia se arriscar a machucar Isabella, perdendo o controle,

causando mais danos. Ela não gostava do que tinha se tornado. Do que tinha

chance de se tornar.

Mais cedo ou mais tarde, você vai ter que ceder, minha querida!

Cassie pulou ao ouvir a leve batida na porta. Jake? Ela quase se atirou na

porta, olhando para sua cara borrada no espelho do armário. Pelo menos os

olhos dela tinham voltado a ser respeitavelmente verde-amarelados.

Ao abrir a porta, ela teve que se segurar ao ver quem estava plantado ali.

— Ranjit.

Page 212: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

211

Ela teve que manter sua respiração constante, mesmo sendo muito difícil.

Alguma coisa se contorcia no peito dela, mas ela controlou seu anseio e

manteve distância.

— Cassie. Oi — o lindo rapaz indiano fechava e abria as mãos.

Ela nunca o tinha visto tão nervoso e triste. Não que ela tivesse facilitando

as coisas para ele. Preocupada com Isabella, ela saiu para o corredor e fechou a

porta atrás dela.

— Estou surpresa em vê-lo aqui.

Ele suspirou magoado.

— Cassie... Me desculpe. Por tudo.

— Você soube da história, então?

— Conversei com Sir Alric — ele olhou para suas mãos. — E ele conversou

comigo.

— Voltamos ao normal, então. Estão falando pelas minhas costas. Minhas

orelhas ficarão vermelhas como meus olhos.

— Você não acha que eu queria, ou melhor, precisava saber o que

aconteceu? — os olhos dele brilharam e, por um instante, os olhos âmbar

ficaram tingidos de vermelho escarlate.

Analisando-o, Cassie fez “sim” com a cabeça, pensativa. Engolindo seco,

Ranjit deu um passo para trás.

— Tenho certeza de que você queria saber, Ranjit. Claro que você teria visto

tudo em primeira mão se estivesse por perto para nos ajudar — ela engoliu

seco.

Mesmo agora, apesar de tudo, a última coisa que ela queria fazer era

magoá-lo. Mas ele precisava ser magoado; ela tinha sido magoada por ele. Era a

vez dele.

— Sinto muito — a expressão dele era solene. — Mas isso não significa que

eu pudesse ter feito as coisas de outro jeito.

— Todo mundo tem uma escolha, Ranjit. Todos têm livre-arbítrio. Somos

humanos, afinal.

Page 213: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

212

Ele sorriu tristemente.

— Isso é uma questão de opinião.

Cassie cruzou os braços, olhou para cima.

— Por que está aqui?

— Para te pedir... Para tomar cuidado. Por favor, Cassie. Não quero que

nada te aconteça.

— É um pouco tarde para isso — ela sacudiu a cabeça amargamente.

— Estou falando do Conselho. Dos líderes. Você não sabe do que eles são

capazes, Cassie.

— Deixe-me ver, onde escutei isso antes? — ela colocou um dedo em seu

queixo. — Ah, sim. Isso foi o que eles disseram sobre mim.

— Estou falando sério. Eles tiveram que aceitar suas exigências desta vez;

eles não podiam negar que o que Brigitte e Vaughan estavam fazendo era

errado, mas os Líderes não gostam de ser contrariados, Cassie. Por favor, tenha

cuidado. Pelo seu próprio bem — ele parou. — E pelo meu.

— Entendi. É uma questão de autopreservação.

Com um suspiro, Ranjit escorregou o corpo pela parede e sentou no chão,

descansando os braços sobre os joelhos. Depois de um momento de hesitação,

Cassie se sentou ao lado dele.

— Ranjit — ela cutucava uma cutícula, falando em voz baixa. — Por que

está aqui? De verdade?

Ela sabia a resposta que queria; que ele dissesse que estava errado, que ele

nunca deveria tê-la abandonado. Que ele a amava. Ela precisava que ele

dissesse isso.

Ranjit virou o rosto para olhar nos olhos dela. Isso deixou o rosto e os lábios

dele tão perto. Ela podia sentir o cheiro dele. Da pele, do cabelo, a essência dele.

Cassie se esforçou para controlar a respiração. Inspirar, expirar, inspirar,

expirar. Sem ofegar, agora. Ela se sentiu perigosamente vulnerável sob o olhar

dele.

— De verdade? — ele disse. — Verdadeira? Por que eu queria, eu precisava

te ver. Quase morri de saudades. Por Deus, eu gostaria que não tivesse que ter

Page 214: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

213

feito o que fiz. E eu quero me explicar, para que talvez, apenas talvez, você não

me odeie tanto — ele hesitou, implorando com os olhos.

Cassie concordou com a cabeça.

— Diga.

Ele virou a cabeça para olhar para o chão outra vez.

— E eu preciso te dizer por que não podemos mais ficar juntos.

Aquelas palavras doeram tanto, e tão inesperadamente, que ela fez uma

pausa.

— Certo.

Ele respirou fundo.

— Eu queria estar com você na reunião do Conselho. Estava pronto na noite

da reunião. No meu quarto. Quase saindo para te buscar. E...

Ela suspirou. Por que ele esperava que ela facilitasse as coisas para ele?

— E?

— E Sir Alric veio me ver.

— Sei. Então, você me deixou sozinha porque teve uma reunião mais

importante.

— Você não entende! — ele retrucou. — Ele me disse o que estava

esperando que acontecesse naquela noite, na reunião do Conselho. Ele me disse

que teve que lutar com unhas e dentes para não te mandarem para o

Confinamento.

— Ele fez isso mesmo? — Cassie ergueu uma sobrancelha. — Não pareceu.

— Eu acho que é verdade. Ele disse que teve que convencer os Líderes de

que podia te controlar. Que ele podia te monitorar dentro da Academia, te

restringir, te treinar. E... — Ranjit respirou fundo. — E que ele não poderia fazer

isso se eu estivesse ali com você.

Cassie mordeu uma unha.

— O quê? Por quê?

Page 215: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

214

— Porque não deveríamos estar juntos, Cassie.

Quando ela finalmente soltou o ar, suspirou abalada.

— Entendo. Bom, nesse caso não há mais nada para explicar. Sir Alric disse,

então...

— Cassie, não é assim. Por favor, escute. Há... Há muito que explicar. Não é

que eu não... Não é que eu não goste de você. Eu gosto muito... Muito. Não é

que eu não queira desesperadamente ficar com você.

Cassie deixou escapar uma risadinha irônica.

— Difícil entender o que é, então.

Com tristeza, ele passou a mão nos cabelos.

— São nossos espíritos, Cassie. Você também deve sentir. O modo como são

as coisas entre nós? Tão voláteis? Num segundo queremos arrancar os cabelos

um do outro, no outro queremos arrancar as roupas um do outro? E o que

aconteceu da última vez que estivemos juntos? Lembra? Acha que você tem

dificuldade para se controlar? Bem, eu também. Especialmente perto de você.

Ela mordeu o lábio, olhando atenciosamente para o perfil atormentado dele.

— Sim — ela hesitou.

— Cassie, Sir Alric explicou isso para mim na noite em que me chamou de

volta ao seu escritório, depois de ter nos visto juntos. Eu não quis acreditar nele.

Tentei ignorá-lo. Discuti. Mas o que ele disse é verdade. Se pensar nisso, saberá

que é verdade. Trazemos a tona o pior de nós, Cassandra — ele sacudiu a

cabeça com muita tristeza.

— Sim, é verdade, Ranjit — ela ficou em pé, de repente, desesperada para

não chorar na frente dele. Para não agarrá-lo, implorar para que não a deixasse.

Cassie tinha dificuldade para se controlar...

— Não, nós, quero dizer, o que está dentro de nós. Nossos espíritos trazem

o pior de nós, foi o que Sir Alric me disse. Deus, estou fazendo tudo errado... —

ele respirou frustrado. — Ficaremos cada vez pior, Cassie. Vamos instigar um

ao outro. Somos como antagonistas de uma história. Sabe o que mais ele disse?

— Surpreenda-me.

Page 216: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

215

— Que se eu tivesse aparecido na reunião do Conselho — ele disse

concentrado —, ele deixaria que você fosse mandada para o Confinamento.

— Ele disse o quê?

— Ele disse que não teria escolha. Que se eu insistisse em te apoiar, ele teria

que mudar o voto dele em favor da sua condenação. Para a sua proteção e dos

outros. Então, que opção eu tinha?

Ela pôs as mãos na cabeça.

— A opção de lutar por mim?

— Ah, Cassie, você não percebe? — ele tocou o cabelo dela e foi como tomar

um pequeno choque. — Eu tentei. Mas não podia ignorar o fato básico de que

ele estava certo.

— Você não tem mais que explicar nada — ela bateu na mão dele e deu um

passo para trás, com a voz trêmula, embora não quisesse demonstrar isso. —

Ficarei bem sozinha, Ranjit. Sempre fiquei. Foi um grande erro ficar dependente

mais uma vez. Não tem a ver comigo — ela se afastou deliberadamente dele. —

Afinal de contas, apesar dos nossos espíritos, você nunca esteve lá por mim.

Não estava lá quando realmente precisei de você e agora sei que nunca estará,

porque é um grande covarde. Você não luta. Apenas foge e se esconde! — ela

sacudiu a cabeça, furiosa. — Mas se quiser, vá em frente. Corra para sua vida

imortal.

Ficando em pé, desengonçado, ele olhou fixamente para ela, mas não

conseguia se mexer.

— Vá, Ranjit. Saia daqui — ela pôs a mão na maçaneta, girando-a

desajeitadamente, agarrou o frio metal para fazer sua mão parar de tremer. — E

não desperdice suas preocupações comigo. Parece que sou o diabo disfarçado.

Aproximando-se da porta, ela observava a expressão chocada e devastada

dele. Ela se obrigou a ver isso, para provar sua imunidade. Ela não desviou a

atenção do lindo olhar dele, não até que finalmente tivesse fechado a porta na

cara dele. Não até que pudesse encostar a testa na madeira e deixar as lágrimas

pingarem no chão.

No entanto, apenas por um momento. Ela não ia sucumbir às lágrimas. Não

havia nada pelo que chorar. Nada. Ela não precisava dele. Ela podia tomar

Page 217: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

216

conta de si mesma. Ela podia até mesmo ignorar a voz dentro dela, implorando

e apelando a ela.

Não pode ser isso. Não pode ter acabado. Não pode ser o fim... E então sua

própria voz interior, triste e queixosa, falou subitamente:

Entendo. Você deixá-los ir. Nós os deixarmos ir. Bem, talvez não precisemos deles

afinal de contas...

— Estelle? — ela sussurrou. — Tem certeza?

Uma sensação reconfortante de cordialidade escorreu por sua espinha,

espalhando-se como um abraço. As pontas do dedo dela formigaram; os olhos

dela queimaram. Calor, conforto, poder...

Sim, Cassandra, meu amor, tenho certeza agora. Podemos enfrentar isso. Você é

forte. Mais forte do que ele. Eu te escolhi bem. E sempre estarei do seu lado! Sempre.

Sim, pensou Cassie, eu sei disso agora.

E é claro que isso não é o fim, minha querida. Estamos apenas começando...

Fim

Page 218: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

217

DESCUBRA O QUE IRÁ

ACONTECER EM…

Darke Academy 03 - ALMAS DIVIDIDAS

Isto não era uma tarefa.

Yusuf Ahmed sorria para a garota sentada no sofá de veludo, havia muito

mais do que o desejo prosaico de um garoto por uma garota em seus olhos

famintos. Tocando o maxilar dela, ele deslizou seu dedo gentilmente pela linha

do queixo dela: provocando a si próprio e a ela, sentindo a fome crescer e

permitindo que crescesse.

— Outro raki23? — ele mostrou a garrafa.

— Acho que bebi o suficiente — ela disse com um tom de voz provocador.

Ele sorriu discretamente.

Sim, ele pensou. Sim, acho que já foi o suficiente.

Yusuf deu um pequeno passo para trás, apreciando a satisfação masoquista

de prolongar a espera. Ele estava faminto, mas não tão faminto a ponto de

apressar a situação.

Olhando para a janela aberta e a noite agradável, ele se deixou embriagar

por tamanha beleza: a lua no estreito de Bósforo; as luzes de um navio de

cruzeiro que piscavam como um brilhante colar de diamantes... Alta e nebulosa

na noite quente, a cúpula e as torres da Mesquita Azul cintilavam como cristal.

Isso o fez lembrar vagamente da Sacre Coeur, no último outono em Paris,

quando tudo tinha mudado. Quando as coisas tinham começado, pela primeira

vez em tanto tempo, a dar errado para os Escolhidos. Quando aquela bolsista

órfã e imunda da Cassie Bell tinha aparecido na Academia e sido

surpreendentemente escolhida por Estelle Azzedine. Depois foi enganada e se

23

O raki é um licor derivado da uva e com sabor de anis. É considerada a bebida nacional da Turquia (N.T.).

Page 219: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

218

tornou a nova hospedeira que a velha senhora precisava para abrigar seu

poderoso espírito.

Ele gostaria que nunca tivesse se envolvido... Embora ele ainda se

lembrasse com alguma apreciação do frisson da empolgação de fazer parte da

cerimônia, da sensação de pertencer, de arrogância, de poder. Ele se lembrou

vividamente da fúria da menina Bell, enquanto eles a deixavam à mercê de

Estelle e, também lembrou da inesperada pena e do medo que sentiu. Porque

tinha dado errado tão rápido. O ritual de união tinha sido interrompido; parte

do espírito de Estelle se uniu a Cassie, mas a outra parte estava presa num

vácuo. E os Escolhidos saíram tão impressionados, como se uma bomba tivesse

explodido no meio deles

Yusuf sacudiu a cabeça. Um novo semestre estava começando e a garota

Cassie parecia ter se estabelecido como uma dos Escolhidos. Ele estava feliz, na

verdade. Todos estavam contentes. Ou a maioria deles... Então, quem saberia

que bons ventos trariam para os Escolhidos? Incluindo para ele?

Fechando os olhos, ele inalou o perfume de ar quente com flores noturnas,

brisa do mar, fumaça de petróleo e carvão. Meu Deus, ele ia amar Istambul. Era

o último semestre dele na Academia e ele sentia um grande sentimento de

remorso misturado com antecipação. O futuro brilhava diante dele: riqueza,

sucesso e influência. Como poderia ser diferente? Mas ainda assim, ele sentiria

falta da camaradagem, dos segredos, do poder de ser um dos Escolhidos dentro

da Academia. Tinha sido divertido.

Uma mão suave tocou o braço dele. Yusuf se virou para a garota, de repente

sentindo dor por causa da beleza da noite e pelo anseio da fome. Ela piscou. Os

olhos dela já estavam distantes e sem foco e o sorriso tremia nos lábios dela

como se ela tivesse quase esquecido que estava ali.

Bom...

Ele colocou seu copo na mesa e colocou o rosto dela entre suas mãos. Ela

era adorável, com a pele dourada, o rosto em forma de coração e enormes olhos

escuros. Os lábios dela abriram um pouco e ela deixou escapar um pequeno

som: podia ser desejo ou o atordoamento, mas ele nem se importou. Ela tinha

bebido o que ele tinha oferecido. Ela não se lembraria.

Por um instante a mais, ele hesitou. Alimentar-se dessa forma era proibido

por ser perigoso demais. Mas por esta mesma razão, a empolgação tornava

tudo irresistível. E Yusuf era experiente. Ele era forte e habilidoso. E nossa, ele

estava com fome.

Page 220: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

219

Segurando firme o rosto dela, ele trouxe os lábios dela para perto dos seus

com determinação. Ele sentiu momentaneamente o simples prazer do contato

humano. Então, dentro de seu peito, o espírito pulsava e a energia jorrou em

suas veias. Os olhos dele se arregalaram e ficaram avermelhados.

Conforme a garota gemia fraquinho em protesto, ele se forçava a se afastar

e a manter o controle. Ele não a machucaria: não era desse jeito que ele marcava

pontos. Ele a soltou um pouco, mas intensificou o beijo, sentindo a energia vital

levar prazer as suas terminações nervosas. Ah, isso é que era se alimentar, isso

era satisfação, isso era felicidade.

Os sentidos dele se aguçaram, olfato e paladar repentinamente afiados. Ele

podia ouvir a batida da cidade, o pulsar dos motores dos navios cruzeiros. Ele

podia ouvir passos suaves. E então um suspiro disse o nome dele.

— Yusuf Ahmeeeed...

Será que ele tinha entendido mal? Soltando a garota, ele ficou imóvel,

escutando atentamente. Ele tinha escolhido bem este lugar: este quarto isolado,

com cantos e arcos românticos, sobre o restaurante na Cidade Velha em

Istambul. Ele tinha pagado o dono extremamente bem para dar a entender

perfeitamente que não queria ser atrapalhado.

Como eles sabiam o nome dele? Era alguém que o conhecia da Academia...?

Ele estremeceu só de pensar. Era o tipo de problema que ele queria evitar bem

na reta final de sua carreira escolar. Alimentação não autorizada, de uma

maneira proibida? Não era impossível que ele fosse expulso, como Katerina

Svensson depois da situação com a garota Bell. Sir Alric levava suas regras

muito, muito a sério...

Silêncio, todos os sentidos em alerta, ele se virou para a escuridão além do

arco da janela. Ele se aproximou e ficou prematuramente imóvel enquanto seus

olhos procuravam pela noite. Debaixo dele havia um pátio e a varanda se

estendia por três lados dele, envolvida pelas sombras. Ali. Na parede de

azulejos rachados, uma sombra passou correndo rapidamente.

Alguém o estava espiando. Alguém que sabia o nome dele. Provocando-o:

um aluno do Liceu, um dos Escolhidos mais poderosos! O espírito dentro dele se

acendeu, mas desta vez de raiva. Como ousam!

Ele tinha saciado sua fome e agora o momento romântico tinha se perdido:

mais uma razão para jogar sua fúria contra o intruso. Ele tocou a face da garota.

Page 221: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

220

Gradualmente, gentilmente, ela voltou a si, focando a visão, a boca se curvando

em um sorriso mais determinado.

— Você não vai me beijar?

Se você soubesse, ele pensou friamente.

— Perdão, habibi. Recebi uma mensagem de texto, é uma emergência. Você

tem que ir.

Era delicioso contemplar o bico de mau-humor que ela fez. Ele riu.

— Te vejo amanhã à noite. Vou te recompensar, Ok?

— Ah, sim. Você certamente irá — ela piscou. Escorregando um dedo pelo

peito dele para se despedir, ela soprou um beijo tentador e se foi.

Yusuf deu um último suspiro de desejo, mas seus músculos já estavam se

preparando para a caçada. Leve e ligeiro, ele saltou pelo arco e pela sacada

instável. A figura obscura tinha tido tempo de sobra para escapar, mas apenas

quando pulou para o pátio, Yusuf viu a pessoa começar a correr.

Idiota, ele pensou.

A pessoa conseguiu manter vários passos de vantagem enquanto corria

pelos becos de Sultanahmet; passos que eram quase tão silenciosos e leves

quanto os do próprio Yusuf. Estava ficando escuro e vazio conforme eles

avançavam pelas ruas, os sons da cidade abafados pela distância, como se ele

tivesse perseguido a sombra até um lugar com outro fuso horário. Ninguém por

perto.

Diminuindo o ritmo, ele percebeu espantado que a figura estava subindo os

degraus da Basílica de Santa Sofia. Aquilo era um mausoléu? Parado, Yusuf não

sentiu medo. Ele se aproximou da entrada e percebeu que não havia ninguém

dentro da cripta, fechada para restauração. Mas, quando ele entrou, o lugar não

estava escuro, contrariando suas expectativas. Sobre ele, um teto Bizantino em

forma de cúpula brilhava refletindo as luzes de centenas de velas.

Velas...?

Ele parou, orelhas de pé. Todas as portas enfeitadas que davam para a saída

estavam abertas. Yusuf estava muito alerta. Além do enorme átrio, o lugar era

um labirinto de arcos e passagens e quem quer que fosse estava se escondendo.

E era muito bom nisso.

Page 222: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

221

Yusuf se deixou empolgar por essa caçada clandestina. Não seria uma noite

desperdiçada. Um oponente era quase tão excitante quanto uma namorada. Ele

ia dar uma lição nesse Zé-ninguém. Ah! Movimento rápido no canto do olho

dele. Ali, depois do arco com o dourado gasto e lascado. Yusuf se moveu,

rápida e silenciosamente como um gato.

A antessala era pequena, com arabescos incrustados e mosaicos azuis

desgastados e o brilho da luz da vela não penetrava na escuridão além dos

pilares. Não havia saída: era uma armadilha. Yusuf parou, sorrindo

ironicamente. Hora de virar a mesa e desmascarar esse perseguidor insolente.

— Mostre-se — a voz dele clara e assertiva, ecoou pelo corredor de arcos —

em resposta, recebeu apenas o silêncio. Ele virou o corpo, olhando cada canto,

cada sombra. — Não há para onde ir. Assuma — nada ainda. O ar cintilando o

dourado estava pesado com a quietude. — Quem é você? Revele-se agora.

Um movimento, um som detrás dele. Podia bem ser uma pegada, mas

estava perto. Perto demais. Yusuf deu meia-volta rapidamente, pronto para

atacar, furioso com a audácia. O olhar dele encontrou o brilho de um sorriso, e

depois outro ainda mais sinistro.

— Você? O que é que...

Yussuf cambaleou para trás, levantando suas mãos de pânico. Ele nem teve

tempo de gritar. Não pôde correr. Não pede fechar seus olhos aterrorizados. Ele

apenas sentiu, pela primeira e última vez, um terror devastador e paralisante

quando a pessoa o atacou. Então, todas as velas do lugar se apagaram e o

mundo de Yussuf ficou na mais completa escuridão.

Continua...

Page 223: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

222

Gabriella Poole é o pseudônimo da autora

Gillian Philip. Ela vive na Escócia com o marido

e dois filhos, seu labrador (Cluny), dois gatos

psicóticos (Ghost e Darkness) e quatro peixes

estressados.

Page 224: Darke academy 02 laços de sangue gabriella poole

223