das unheimliche ou a inquietante estranheza - estruturas irregulares e estética na linguagem...
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Este estudo propõe uma discussão sobre o sentimento de estranhamento no campo da linguagem cinematográfica. Abordado por uma perspectiva estruturalista, e utilizando como objeto de análise a obra "Filme Socialismo" de Jean‐Luc Godard, busca entender como o projeto estético de uma obra de estrutura irregular conduz o leitor a seguir determinado caminho interpretativo. Monografia de conclusão do curso de Audiovisual da Universidade de Brasília. Orientador: Professor Dr. Pedro RussiTRANSCRIPT
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UniversidadedeBraslia
FaculdadedeComunicaoSocial
DepartamentodeAudiovisualePublicidade
DasUnheimlicheouainquietanteestranheza
estruturasirregulareseestticanalinguagemcinematogrfica
JuliaMaass
Orientador:ProfessorDr.PedroRussi
Braslia
Maro2013
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JuliaMaass
07/02544
DasUnheimlicheouainquietanteestranheza
estruturasirregulareseestticanalinguagemcinematogrfica
MonografiadeconclusodocursodeAudiovisual
Orientador:ProfessorDr.PedroRussi
Presidentedabancaexaminadora:ProfessorTiago
Braslia
Maro2013
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Aosprofessoresquemeapresentaramessecaminhosemvolta:
PedroRussieMatheusGorovitz;
minhameMarisa,eaosamigosefamiliares
quemeacompanharamduranteopercurso.
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Omaisdifcil,mesmo,aartededesler.
MrioQuintana
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RESUMO/ABSTRACT
Esteestudopropeumadiscussosobreo sentimentodeestranhamentonocampo
da linguagem cinematogrfica. Abordado por uma perspectiva estruturalista, e
utilizandocomoobjetodeanliseaobraFilmeSocialismodeJeanLucGodard,busca
entendercomooprojetoestticodeumaobradeestruturairregularconduzoleitora
seguirdeterminadocaminhointerpretativo.
Thisstudyproposesadiscussiononthefeelingofstrangenessinthecinematographic
language.Analyzedfromthestruturalistperspective,andusingasobjecttheworkof
JeanLuc Godard, titled Film Socialism, this review seeks to understand how the
aestheticprojectofamotionpitcturewhithirregularstructureleadsthemoviegoerto
followcertaininterpretativepath.
PALAVRASCHAVE/KEYWORDS
LinguagemCinematogrfica,JeanLucGodard,FilmeSocialismo,Estranhamento,
Interpretao,EstruturasIrregulares,Esttica.
CinematographicLanguage,JeanLucGodard,FilmSocialism,Strangeness,
Interpretation,IrregularStructures,Aesthetics.
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SUMRIO
INTRODUO 8
CAPTULO1 14entender?
algunsconceitosbsicos 15
linguagemesentido 21
CAPTULO2 25noentender?
segredoeestratgia 27
desconexes 35
histria,narrativa,enredoediscurso 43
CAPTULO3 45entendernoentender
obraaberta 46
sentido 52
potica 57
CONCLUSO 61
REFERNCIAS 64
obrasconsultadas 66
documentosdainternet 66
filmografia 68
ANEXO 70
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Todasasimagensutilizadasparailustraresteestudoforam
retiradasdaobraFilmeSocialismodeJeanLucGodard.
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INTRODUO
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DasUnheimliche,o termoemalemo fuiutilizadoporSigmundFreudemum
artigoque se inicia comadefesadeuma linhaespecficadaEstticaquepareceum
tantonegligenciada:sobreoquetocaaangstia.
No artigo, o autor discorre longamente sobre o conceito que pode ser
interpretadoemdiversossentidos,masaqui,optamospelosqueapontampara[aquilo
quenosestranho], [nofamiliar].DentreseusvriossignificadosHeimlichesignifica
[aquilo que de casa], [familiar], [aquilo que nos ntimo], [que nos desperta bem
estar, conforto e segurana], logo, Unheimliche pode ser interpretado como o seu
contrrio,[oquenosnovo],[incomum],eumdossentimentosqueodesconhecido
desperta , justamente, a estranheza, a inquietao. O artigo tambm compara as
traduesfeitasdotermoemoutraslnguas,comonolatim,emquesignificaria[locus
suspectus];nogrego,[estrangeiro];noingls,[desconfortvel],[uneasy],enofrancs,
[inquietante].
Evidentemente, o termo utilizado em casos psicolgicos, relacionado
sentimentos negativos como o medo e a surpresa ligados ao que j se tem por
familiarizado,porexemplo,a inquietaoquebonecaseoutrosobjetosqueparecem
estar vivos causam em algumas pessoas. Neste trabalho, porm, emprestamos o
conceito para utilizlo em relao linguagem audiovisual, para tratar do
estranhamento e da inquietao, e at mesmo da rejeio, que algumas obras
cinematogrficasdelinguagemmaisexperimentalcausamnoespectador.
Na traduo do artigo para o portugus, Das Unheimliche aparece como [O
Estranho],porisso,optamospelatraduofrancesaemqueaparececomo[Inquietante
Estranheza], que parece exprimirmelhor a ideia que queremos abordar. A diferena
est na palavra [inquietante]. [Estranheza] por si s causa a impresso de uma
condiofixada,uma interpretao,umjulgamentorealizado,enquanto[inquietante]
indicaummovimento,umaaodepensamentoqueaindanofoiconcluda.daque
partimos.
TudocomeoucomofilmeDollsdodiretorTakeshiKitano.Aobra,queconta
trs histrias trgicas de amor, nos incomodou de umamaneira diferente, que no
ramos capazes de explicar. Alguns planos do filme pareciam se destacar da
composiocomofragmentosisolados,eaindaassim,eracomosereforassemaquilo
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queaestrutura flmicapropunha.Desdeento,questes sobreoestranhamentoem
obrascinematogrficasvemnosinteressando.
Paralelamenteaesseprocesso,desenvolvemosumroteirodecurtametragem
chamado Maria e os Pssaros. A histria durava em mdia quinze minutos. Aps
reescrevermos algumas verses e ainda nos sentirmos insatisfeitos com o resultado,
apagamos tudo que havia sido feito at ento. Selecionamos apenas as partesmais
simblicasemontamosumanovaeltimaversocomapenascincominutos.Todotipo
de elemento que parecia sobrar na histria foi cortado: omitimos a origem dos
personagens, o processo de construoda relaodeles e atmesmoogrand final.
Estavapronto,aqueletextocheiodelacunasera,finalmente,ofilmequeguardvamos
dentrodens.Nossurpreendemos,noentanto,aomostraroroteiroaosamigosque
haviamacompanhadooprocessoeouvirquegostavammaisdaprimeiraverso,amais
completa. O argumento era que a falta de conexo, leiase explicao, entre os
elementosdahistriadificultavaoenvolvimentoequepor se tratardeum filmede
amor,mereciasermaiscativante.
Eisquesurgiramalgunsquestionamentosquederamincioaestapesquisa:por
que, mesmo depois de tantas experimentaes no campo da linguagem nas mais
diversas plataformas, ainda existe uma rejeio das obras cinematogrficas que
apresentam estruturas mais irregulares? Porque elas ainda parecem to
desconfortveis?Equandoincomodaraproposta?
EmseulivroSeisPasseiosPelosBosquesDaFico,UmbertoEconosfaladeum
autormodelo e de um leitormodelo, ambos emuma relao de cooperao como
texto em questo. O autormodelo a voz que semanifesta como uma estratgia
narrativaequeguiao leitormodelodandolhe indciossobreodesenvolvimentoda
histria, traando uma relao de cooperao com o texto (ECO, 2010, p.21). Esta
atividadedecooperaolevaoleitoratirardotexto,aquiloqueotextonodiz[...],a
preencher espaos vazios, a conectar o que existe naquele texto com a trama da
intertextualidade da qual aquele texto se origina e para a qual acabar confluindo
(ECO,2008,p.IX).Emresumo,oautormodelosoasintenescontidasvirtualmente
emumenunciado,eotextoseconstrinarelaodestecomoleitor.
O autor se vale de tcnicas para prolongar o suspense, instigar o leitor, ou
apenasfazlodivagarsemrumo.Amaneiracomootextoconstrudoconduzoleitor
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aseguirumcaminho interpretativoououtro.medidaemqueomesmo enriquece
suaenciclopdiacomnovasexperinciasdeleitura,eleaestaratualizando,eassim,
alimentando suas expectativas e a contingncia de repetir comportamentos
interpretativos na leitura de prximos textos. Esta atividade previsional que o leitor
exerce estimulado pelo texto, faz parte do processo interpretativo e fundamental
paraentendermoscomoaconteceoprocessodeestranhezadealgumasobras.
Os planos inquietantes deDolls no do a impresso de estarem isolados da
narrativa por acaso, afinal, fazem parte dela, foram colocados ali intencionalmente.
Assimcomooutrastantasobrasefilmesquetemosdificuldadedecompreender,a
organizaodoselementosqueimpeessanocompreenso.Colocamosostermos
entre aspas, pois uma das intenes deste trabalho justamente questionar o que
entendemospor[compreensodeumaobra].Quantasvezesnosdeparamoscomum
texto que parece no "fazer sentido"? Antes de mais nada, preciso rever o que
entendemos por sentido. Aquilo que no compreendemos tambm signo, e
portanto,possuisentido,nonecessariamenteaquelequeoautorprocurouexpressar
quando criou o texto, ou um que convena o leitor, mas nem por isso deixa de
significar.
Nossoproblemadepesquisatentarentendercomoaestruturadeumaobra
audiovisual colabora para a estranheza do pblico. Como sua organizao contribui
parasualeitura?Queelementosestoaimbricados,ecomoestesconduzemoleitora
escolherumdeterminadocaminhointerpretativo?Comoseconfiguraosentimentode
estranhezadeumaobra?Para isso,organizaremosesteestudoda seguintemaneira:
emumaprimeiraparte, examinaremosalguns conceitosdanarratologia referentes
interpretao de textos como, por exemplo, as noes de operao cooperativa,
encenaes intertextuais, enciclopdia, hbito e expectativa, alm das noes de
histria,narrativa,enredoediscurso.Todosessestermosnosembasaromelhorpara
emumasegundaparte,utilizandoumaobracinematogrficacomoobjetodeanlise,
observarmoscomosuaestruturaesuaestranhezaseconformam,tentandoresponder
algumasquestesqueenvolvemnossaproblemtica:Comoseconfiguraahistria,o
enredo e a narrativa do filme analisado? Quais caractersticas ou elementos de sua
estrutura nos interessam para entender como se d seu estranhamento? Trazemos
tambmumaquestopropostaemSeisPasseiosPelosBosquesDaFico:Seexistem
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textosque s temhistriaenoenredo,existiriam textosquepossuemenredo sem
histria?(ECO,2010,p.43).Comosedacompreensodeumaobra?
Oprocessodeescolhadaobraparaaanliseenvolveuovisionamentodeuma
sriedefilmesquesupnhamospossuiralgumtipodedesconexo.Dentreeles:Dolls
por seus planosruptura; Getting Any?, tambm de Takeshi Kitano, e The Rocky
HorrorPictureShowdeJimSharmanporsuashistriasnonsense;SonhandoAcordado
de Michel Gondry e O Elemento De Um Crime de Lars Von Trier, ambos por seu
universoonricopermeadodequebrasestruturais;OndeOsFracosNoTemVezdos
irmosCohenpeloencerramentoquerompequalquerexpectativageradapelofilme,e
ainda,CpiaFieldeAbbasKiarostami,AsErvasDaninhasdeAlainResnais,Eggshellsde
Tobe Hooper e Winnipeg Mon Amour de Guy Maddin. Todos esses filmes nos
pareceram estranhos de alguma maneira, porm, escolhemos Filme Socialismo do
diretor JeanLuc Godard por apresentar uma estrutura disjunta em vrios nveis,
dificultandoacosturadeumsentidofinaldaobracomoumtodo.Detodos,foioque
maisnoscausouaimpressodeestranhamento.
Emumaterceiraeltimapartedoestudo,discorreremossobreanoodeobra
aberta: como o jogo entre informao e significao contribui para a abertura
interpretativa de uma obra? E ainda trataremos das noes de sentido, potica e
compreenso,finalizandoassim,onossotrabalho.
importante, desde j, questionar as bases de trabalho na nossa rea de
atuao.Quetipodeavanosouretrocessostemsidofeitosemtermosdelinguagem
audiovisual?Comoestatemsidoutilizada,tantoporns,produtoresculturais,artistas
e intelectuais, comopelos leitores e apreciadores de nossas obras? Por que,mesmo
depois de cem anos de histria, obras cinematogrficas que apresentam estruturas
maisexperimentaisdificilmentesoaceitaspelograndepblicoeacabamrestringidas
classificaocult?preciso colocara linguagememquestoparanocorrermoso
riscodaestagnao,eestaapropostadesteestudo.
Constatar que os universos da linguagemartstica no so imediatamentetraduzveis em termos de uma utilizao concreta no significa quesubscrevemosaoaxiomadadivinainutilidadedaarte;registramosapenasaapario dentro de um contexto cultural determinado uma novadimensodalinguagemhumana;aexistnciadeumalinguagemquenosecontentamaisemafirmaromundoapartirderealidadesreferentesqueos
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signosorganizamsegundomodelosdefinidos;umalinguagemquesetorna,elaprpria,reflexodomundo,eapartirdisso,organizaasrelaesinternasdos signos deixando as realidades significadas em um plano secundrioapenascomosuportedossignos,comoseacoisadesignadafizessefunodesignoconvencionalparasignificarotermoqueadesigna.(ECO,1965,p.291,traduonossa)
Uma linguagem em que a forma sobressai ao contedo mudaria todas as
relaesdaarteedacomunicao.Esse tempo jcomeou,precisoestaratento
ele.Parasetornarsagrado,umbosquetemdeseremaranhadoeretorcidocomoas
florestasdosdruidas,enoorganizadocomoumjardimfrancs.(ECO,2010,p.135).
Ingressemosentonobosquemisteriosodasestruturasdesconexasedescubramosas
surpresasqueseuscaminhosnosoferecem.
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CAPITULO1
entender?
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Amotivao deste estudo partiu das reaes negativas que alguns leitores
tiveramaosedepararcomumtextoquenopuderamcompreender,masoque
que no se entende? uma questo narrativa? De forma, de contedo? Se vamos
discutiraestranhezaqueumtextopodeprovocar, comecemosentoporesclarecer
algumasnoesimportantessobreinterpretao.
algunsconceitosbsicos
Aproduodeumsignospossveldevidosregrasdispostaspelocdigo.
O cdigo o recorte, a combinao dos traos pertinentes dentro de uma srie de
fatos possveis que permite o enunciador se comunicar. O cdigo uma dupla
entidade que compreende tanto um conjunto limitado de signos, quanto o seu
arranjo, ou seja, estabelece correlaes semnticas e sintticas (ECO, 2009). S
compreendemosum texto se estamos familiarizados comos cdigos domesmo.Ao
longodos anos, o pblico foi se familiarizando como cdigo cinematogrfico.Hoje,
conseguimostraarumalinhalgicanarrativaapartirdeumasequnciadeimagens,
porquejestamosfamiliarizadoscomalinguagem.
Os sememas1 possuem um significado virtual prprio que serve como
instruoorientadaparaotexto.Permitemqueumfalanteconsiga inferiropossvel
contextolingusticoeapossvelcircunstnciadeenunciaodeumaexpressomesmo
queestalhesejaapresentadaisoladamente,porm,evidentequetantoocontexto
como a circunstncia so fundamentais para conferir um significado completo
expresso.
Portanto, uma seleo contextual registra os casos gerais em que umdeterminado termo poderia ocorrer em concomitncia (e, por isso, coocorrer) comoutros termos quepertencemaomesmo sistema semitico.Depois,quandootermoconcretamentecoocorrecomoutrostermos(isto, quando a seleo contextual se atualiza), eis que temos ento um co
1AenciclopdiaonlineInfopdiadefinesememacomooresultadodasomadossemasqueformamosignificado global de um lexema. Assim, o semema o resultado de Sema1 "para sentar",mais o Sema2 "com ps", mais o Sema3 "com encosto", mais o Sema4 "sem braos". O sememadistinguesedolexemanamedidaemquerepresentaseucontedosemntico,sendoesteltimoumaunidade de mais alto nvel que contm informao morfolgica e semntica. Disponvel em:.Acessoem:16demaiode2012.
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texto. As selees contextuais prevem possveis contextos: quando serealizam,realizamsenumcotexto.No que diz respeito s selees circunstanciais, elas representam apossibilidade abstrata (regidapelo cdigo) dequeumdeterminado termoapareaemconexocomcircunstnciasdeenunciao[...].(ECO,2008,p.4)
Nocasodatransposiodessesconceitosparaalinguagemvisual,aquesto
do semema se simplifica, pois a imagem j traz consigo seu significado direto,
enquantoocontextoeacircunstnciasodadospelasequnciaemqueamesmaest
inserida.
Acompetnciaidealdeumfalantecompreendequeesteformuleparasium
dicionrio de base elementar. No Dicionrio De Semitica encontramos que todo
universo semntico, decomposto em lexemas, pode receber a forma de dicionrio.
Cada lexema, concebido comouma virtualidade de significaes, suscetvel de ser
objetodeumarepresentaosmica,distribuda,pelaadjunodesemascontextuais,
emtantospercursossmicos,ouseja, odicionriodebasedeumleitorformado
pelo conjunto de palavras e seus vrios significados possveis dados diferentes
contextos (GREIMAS; COURTS, 2011, p. 139). No entanto, impossvel que ele
expliquetodasascontradiesqueasemnticaapresenta.Porisso,desenvolvidaa
idia de enciclopdia, que insere na representao semntica todas as diferentes
cogniesesignificaesacercadeummesmosemema,tornandooumtextovirtual
porsis,edeixandoparaaseleocontextualecircunstancialatarefadedistinguiro
percurso da leitura. cada nova experincia, o leitor atualiza sua enciclopdia,
aumentandosuacompetncia,seuconhecimento,seupatrimniocultural.
Se ampliarmos esta noo de enciclopdia, podemos aplicla tambm a
outros casos no relacionados apenas com questes semnticas, mas tambm
sintticas,comoveremosaseguirnasencenaesintertextuais.
Ahipercodificao se inserenoprocessode inferncia lgicaonde,baseado
emconvenesprecedentes,supesequeumadeterminadacircunstnciaumcaso
especfico de um outro geral. Para explicar uma mensagem nocodificada ou
imprecisa, atribuise, com base em uma regra anterior, um caso particular a um
universal.Ahipercodificaogerafunosgnica,postoqueatualizaaenciclopdiae,
noraro,produz,quandoaceitapelasociedade,umanovaconveno.
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Asencenaesintertextuais,tambmchamadasdeframes,soumexemplo
dehipercodificaoeestosempreligadasenciclopdiaqueoleitorformouaolongo
desuasleituras.Funcionamcomoumtextovirtualouumahistriacondensada,so
esquemas retricos e narrativos que fazem parte de um repertrio selecionado e
restrito de conhecimento que nem todos osmembros de uma determinada cultura
possuem(ECO,2008,p.66).
Podesedividirasencenaesintertextuaisemumaespciedehierarquia.As
fbulasprfabricadas,ouhistrias,seriamaquelestextosquesemprerepetem,com
baseemregrascomuns,asmesmas funesemumamesmaordemsucessiva. Jas
encenaes motivo podem ser entendidas como esquemas mais flexveis, por
exemplo,comoospersonagensestereotipadosdamocinhaperseguida,sequncias
deaesdotipoperseguioouaindacenrioscomoodeumcastelotenebroso,
masquenoimpemnecessariamenteasucessodosacontecimentosnahistria.Um
terceirotipo,asencenaessituacionais, impemobstculosaodesenvolvimentode
umapartedahistria,masvariamdeacordocomogneroepodemsercombinadas
de diversasmaneiras. O leitor atualiza sua enciclopdia a partir da reproduo das
encenaesemdiferentestextos,alimentandoassim,acontingnciadesuaatividade
previsional.
Oato de fazer previses faz parte do processo interpretativo, e varia tanto
comacompetnciadoleitor,comocomossinaisemitidospelotexto.Esteseconstri
a partir da relao traada entre autor e leitor: o primeiro emite sinais e elabora
conexes que sero interpretadas pelo segundo. A disposio dos elementos dada
peloautoroprincpioativoda interpretao,eestaatividade,exercidapelo leitor,
completa o quadro gerativodo texto.Umberto Eco (2010) elaboraquatro conceitos
fundamentaisparaentenderessas relaes:osdeautore leitorempricoemodelo.
Diferentemente do autor emprico, ou a pessoa real que escreveu o texto, o autor
modeloumaestratgianarrativa,umconjuntodeinstruesquesodadaspassoa
passoquedevemserseguidaspeloleitorquandoeledecideagircomoleitormodelo
(ECO, 2010, p. 21). Este tambm se configura como uma estratgia textual, no s
comoumcolaboradordotexto,mascomocriadordomesmo,aocontrriodo leitor
emprico, que pode ser entendido comoo leitor habitual que se aproxima do texto
apenasdemaneirasuperficial,utilizandoocomoestmulo,comoreceptculodesuas
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prprias paixes (ECO, 2010, p. 14). Autor e leitor modelo so entidades que se
percebem e se criam mutuamente durante o processo de leitura (ECO, 2010). O
encontrodessasduasestratgiasdiscursivasresultanoquechamamosdecooperao
textual.
A pragmtica do texto essa atividade cooperativa que autor e leitor
estabelecem,quelevaoreceptoratirardotextoaquiloqueotextonodiz(masque
pressupe,promete,implicaeimplicita),apreencherespaosvazios,aconectaroque
existenaqueletextocomatramadaintertextualidadedaqualaqueletextoseorigina
eparaaqualacabarconfluindo(ECO,2008,p.IX).
Otextonoapenasumelementoutilizadoparavalidarumainterpretao,
construdoporelaemumprocessoautorreferentedevalidao,cujopontodepartida
seuresultado,ouseja,otextoconstrudopelainterpretaoenquantoestamesma
sevalidaapartirdele(ECO,2005).
Quantomaiororepertriodo leitor,maiorsuacompetnciaenciclopdicae
intertextual,eportanto,maiorsuacapacidadede interpretarossignosapresentados
pelotextoefazerprevises.Umsignoproduzrespostasimediatasquegradativamente
estabelecem no leitor um hbito de interpretao, fazendoo agir de maneira
semelhanteemdiferentescircunstncias(ECO,2008).
Esta idia de que os signos de um texto geram comportamentos que sero
repetidos regularmentepelo leitoremoutros textosoquenos fazcompreendero
processodaexpectativanainterpretaodeumaobra.
Evidente que o autor muitas vezes desatende as expectativas do leitor
justamenteparasurpreendlo,ouiludilo,porm,emalgunscasosoestranhamento
deumaobrapode sedardevidoaoque,noTratadoGeralDa Semitica, definido
comoumdeterminantenocodificadodainterpretao:
O intrprete de um texto obrigado a um tempo a desafiar os cdigosexistentes e a avanar hipteses interpretativas que funcionam comoformas tentativas de nova codificao. Diante de circunstancias nocontempladas pelo cdigo, diante de textos e de contextos complexos, ointrpretesevobrigadoareconhecerquegrandepartedamensagemnoserefereacdigospreexistentesequetodaviaeledeveserinterpretado.Seo , devem ento existir convenes ainda no explicitadas, e se estasconvenesnoexistem,devemserpostuladas,pelomenosadhoc.(ECO,2009,p.117)
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Uma determinada obra pode apresentar uma organizao ainda no
codificadapela linguagem,oquepodegerarestranhamentoemsua interpretao,e
exigirumaatualizaodapartedoleitor.
Questesdecomparaoentrealinguagemdocinemaealinguagemescrita
vemsendodiscutidashmuito,masaqui,acimadetudo,trataremosotextoemum
sentido mais geral, sem reduzilo a um suporte apenas, entendendoo como uma
unidadesemntica,assimcomoaideiadeleitornosereduzquelequelumtexto
escrito,masquelequeinterpretaumaobra.
Oconceitodehistria,oudiegese,envolveomundopropostoeconstrudo
pelanarrativa. todocontedo, tudoaquiloquenarrado. ChristianMetz (2003)e
UmbertoEco(2010)colocamotermocomoumsistemadetransformaestemporais,
ondeoquecontadoseorganizaemumasequnciadeeventosorientadanotempo,
eodiferemdanoodedescrio,quenoabrangeaquestotemporal.
No Dicionrio Da Anlise Do Discurso a definio de narrativa dada da
seguintemaneira:
Reconhecendo que a narratividade gradual (Adam, 1997), digamos que,para que haja narrativa [...] preciso que uma elaborao da intrigaestruture e d sentido a essa sucesso de aes e de eventos no tempo.(CHARAUDEAU;MAINGUENEAU,2008,p.342)
A elaborao da intriga consiste em colocar as aes e os eventos que
constituemahistriacontadaemumacertaordemtextual,ouseja,anarrativapode
ser entendida como uma sucesso de acontecimentos possuidora de sentido,
estruturada em uma ordem, cronolgica ou no. Voltaremos questo do sentido
mais frente. A narrativa pois, uma unidade discursiva, um sistema implcito de
unidadeseregraspossuidordeumadimensotemporal.
Amaneiracomoahistriaorganizadaestruturalmenteoquechamamos
de enredo, por exemplo, flashbacks e flashforwards2 so ferramentas que
complexificamumenredo.EmSeisPasseiospelosBosquesdaFico,encontramosum
esquema visual que facilita bastante o entendimento dessas questes reproduzido
aqui(ECO,2010,p.3940):2Respectivamente,retrospectoeprospectoinseridonodesenrolardacena.
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A manipulao da estrutura de uma histria, sua reordenao em um
esquemanolinear,oquecaracterizaaformaodeumenredo.
Janoodediscursonospareceuamaisdifcildedefinir,poisutilizada
para designar diversos valores. Na lingstica clssica, discurso pode indicar uma
unidadelingsticaconstitudadefrases,umenunciado,umafala,ouaindaaincluso
de um texto em seu contexto (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008). No entanto,
utilizaremos o termo no sentido sugerido por Umberto Eco, que presume uma
organizao transfrstica orientada por um locutor, seguindo um propsito
desenvolvido no tempo, sem que isso signifique uma sucesso linear. Pode ser
colocado como enunciao, a maneira como se apresenta o fato narrado, no no
sentido de sua organizao estrutural, pois isto cabe ao enredo,mas no sentido da
formacomooenunciadoconcebido.
O discurso pressupe um sujeito emissor e suas intenes como estratgia
textual,ou seja,nopode ser transcritoparaoutro sistemasemitico.Tambmno
devemosconfundilocomanoodeestilo,quepodeserentendidacomoumaforma
!"#$%&'(((&&&&!"#$%&)(((&&&&!"#$%&*(((&&&&&&&&!"#$%&+
,-./01-2
!"#$%&'(((&&!"#$%&)(((& &&&&&&&&!"#$%&*&
+,-".%
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!"#$%'()*&+##,'
(-&+.'
/"#01&"2
3+)0'
4'-0+)0'
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constanteencontradanaartedeumindivduooudeumasociedade(CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU,2008).GrardGennete,citandoEmileBenveniste,diferenarrativade
discurso a partir deste ponto: a narrativa se constri de maneira impessoal,
objetivamente,semapresenadeumlocutor,enquantoodiscursosupeimplcita,ou
explicitamente,asubjetividadedeumenunciador(GENETTEinBARTHES,2011).
linguagemesentido
Depois de percorrer tantos conceitos literrios, chegamos questo: como
apliclos em uma anlise flmica considerando apenas os elementos prprios da
linguagem cinematogrfica? Como o autor de uma obra cinematogrfica impe seu
discursoem imagens?E, voltandoaumaquestoanterior: se anarrativapressupe
umadimenso temporal possuidorade sentido, como se classificariamos filmes em
que,diantedeumaprimeiraleituramenosaprofundada,noseidentificaumsentido
geral?UmbertoEcoafirmaqueumtextonarrativopodenoapresentarenredo,mas
impossvel que no possua histria ou discurso, e nos instiga quando pergunta se
existiriamtextosqueapresentamapenasenredo,semnenhumahistria.Serpossvel
aplicarestaquestonouniversoflmico?Existiriamfilmessemhistria?
Ao comparar a linguagem cinematogrfica com a literria, alguns tericos
aproximam a noo de palavra com a de imagem, porm ambas esto longe de
equivalerem.Umadiferenaqueaprimeiraprecisaseratualizadadeacordocomseu
contexto, enquanto a segunda se atualiza automaticamente. A distncia entre o
significante e o significado menor na imagem, diminuindo a chance de
interpretaeserrneas,ouambigidadesemsuainterpretao.
Se passar de uma imagem para duas passar da imagem linguagem
(METZ,2003,p.53,traduonossa),umasequnciaflmicacorrespondeaumsistema
discursivocomplexopassveldeseranalisadosemioticamente.
Contudo, preciso esclarecer que quando falamos de uma obra
cinematogrfica que causa estranhamento, no estamos falando do cdigo
cinematogrfico. Diferentemente do pblico dos irmos Lumire, ou de George
Mlis,quenodiferenciavaasimagensvistasnateladarealidade,etransformavao
cinema em um espetculo de iluses, hoje em dia somos familiarizados com esta
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linguagemeseuscdigos.Ocdigocinematogrfico,alinguagemcinematogrficaem
si, sempre compreendida, sua gramtica conhecida por todos. O que nos
interessa aqui o estranhamento de uma obra em seu nvel estrutural. Que
organizao da mensagem essa que nos causa estranhamento e at mesmo a
impressodenocompreensodaobra?
Vrios filmes apresentam estruturas3 to disjuntas que nos causam a
impressodenopossuremsentido.Quemnuncasaiudocinemaafirmandonoter
entendidonadadeumfilme?Entretanto,maisinteressantedoqueentender,ouno
entender,aquesto:Oqueentender?
Osentidonosignifica somenteaquiloqueaspalavrasqueremdizer,mastambmumadireo,ouseja,emfilosofia,umaintenoeumafinalidade.Linguisticamente, o sentido se identifica com o processo de atualizaoorientadoque,comotodoprocessosemitico,pressupostoepressupeumsistemaouumprogramavirtualourealizado.(GREIMAS,1970,p.16,traduonossa)
Se o sentido pode ser entendido como um processo, no compreender,
semelhantemente compreender, tambm ummovimento do intelecto, ambos
significam.Voltaremosaestapropostamaisadiante.
Por enquanto preciso ficar claro que todos os conceitos vistos at ento
constituemoprocessode leiturae interpretaodeumtexto. impossveldissoci
los, pois esto intimamente relacionados entre si. A enciclopdia de um leitor
compostapelasencenaesintertextuais,queporsuavezsoformadaspelarepetio
de determinados contextos e circunstncias interpretativas. A inferncia lgica do
leitoratuaapartirdeumreferencialanterior,ouseja,deumaconstante,quesexiste
porque ao longo dos tempos foi sendo construda uma espcie de enciclopdia
universaldeleitura.
3 Por estrutura compreendese tudo que diz respeito obra, tanto os elementos que constituem aimagem(figurino,cenografia,iluminao),comotambmotrabalhosonoro,osdilogosefinalmente,amontagem.
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Esse esquema explica como construda a expectativa de interpretao do
leitor, quepode ser alimentadaouquebradapelo texto. Este,por sua vez, sedna
relaodecooperaoquemantmcomoleitor.Oleitorconduzeconduzidopelo
texto,umdependedooutroparaexistir.
As noes de histria, narrativa, enredo e discurso nos ajudaro a definir de
uma maneira mais geral, como a estrutura do texto analisado contribui para seu
prprioestranhamento.
Duranteseuspoucomaisdecemanosdehistria,ocinemanuncadeixoude
experimentar a linguagem. Desde os primeiros filmes documentais, passando pelas
iluses mgicas de Mlis, os movimentos expressionista e realista, at chegarmos
pouco a pouco ao que praticado hoje em dia uma prevalncia dos moldes
hollywoodianos o cinema sempre procurou contar histrias com exceo do
movimento surrealista, que assumiu e sustentou a proposta de produzir uma
linguagem espontnea que seguisse a lgica nolgica dos sonhos, rejeitando as
noes em voga at ento. As obras que de algumamaneira evitaram esse tipo de
organizao mais tradicional da estrutura ousando na montagem, prolongando o
tempo dos planos, ou ainda forando rupturas na lgica narrativa, nunca atingiram
uma aceitao completa do pblico, sendo sempre classificadas como cults, ou de
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24
cunho intelectual, como se seu objetivo no fosse o do entretenimento, mas o da
reflexo apenas. As que transgrediram omodelo da narrativa linear, e ainda assim
alcanaramograndecircuito,aparecemamparadasporalgumajustificativadotipose
tratavadeumsonho,ouquebramaestruturaflmicaemapenasalgunspontos,sem
interferir naobra comoum todo. SonhandoAcordadodeMichelGondry umbom
exemplo: recheadodedisjunesqueconfundemrealidadee imaginao,o filmeas
justifica pela ocorrncia do sonho. Outra obra instigante neste sentido Onde Os
Fracos No Tem Vez de Joel e Ethan Cohen: um filme de narrativa aparentemente
linear, que atualizou osmoldes hollywoodianos nos gneros policial ewestern,mas
que se encerra repentinamente, sem nenhuma explicao, aps a descrio de um
sonho coincidncia? rompendo com qualquer expectativa de um final feliz ou
trgico,deixandooespectadorcomasensaodequeperdeualgumainformaono
meiodocaminho.
Poderamos citar vrios outros exemplos, mas para no nos prolongarmos
mais, seguiremos as investigaes utilizando a obra de JeanLuc Godard. Conhecido
por seus filmes inovadores e por ter sido um dos pioneiros da Nouvelle Vague,
atrevemonos aqui a afirmar que o diretor inicia novamente uma renovao na
linguagem cinematogrfica. Seus ltimos trabalhos tem se mostrado bastante
experimentais,provocandoosespectadores,forandoosareconhecerquecemanos
decinemanosonada,aindahmuitoadescobrirnalinguagem.Avante!
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CAPITULO2
noentender?
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Vimos at ento alguns conceitos que nos ajudaro a seguir com nossa
pesquisa.Nestasegundapartedotrabalho,decuparemosFilmeSocialismo,analisando
todososelementosquenosparecemfundamentaisparaentendercomosuaestrutura
corroboracomseuestranhamento.
segredoeestratgia
Comeamoscomduasararas,umatelapreta,tambmchamadadeblack,um
bipe,oscrditosalternadoscomoutrosblacks,outrosdoisbipes,eo ttulo4.Acena
que segue a apresentao nosmostra uma poro de gua sendo revirada por um
navio, local onde se passa uma parte do filme. Os primeiros planos j alertam o
espectadorqueoqueseguenoumaobracomoasqueencontramosdelinguagem
cinematogrficamais corrente, de construomais simples,mais usual. Dividido no
quepoderamos chamar de captulos, o filme se inicia com imagens de um cruzeiro
turstico e as atividades de lazer propostas por este para seus tripulantes como
cassinos, banquetes e festas. Em um segundomomento da trama, uma famlia lida
com uma jornalista e uma cinegrafista que importunam fazendo perguntas, e no
terceiro e ltimo movimento, uma srie de imagens de arquivo discorre sobre
diferenteslugarescomooEgito,aPalestina,aGrcia,Odessa,NpoleseBarcelona.
Lanadoem2010,FilmeSocialismofazpartedaquelegrupodefilmesqueno
bastaassistirapenasumavez.Seutextofragmentadodificultasuaapreensoeinstiga
o leitor, como se a estrutura escondesse uma mensagem maior do que a exibida.
Umberto Eco (2005) coloca essa espcie de curiosidade da parte do leitor, que ele
chama de sndrome do segredo, como uma herana do hermetismo e do
gnosticismo, e afirma que uma linha de raciocnio arriscada a se seguir, pois na
maioriadasvezessemostraequivocada.
Parasalvarotextoisto,paratransformlodeumailusodesignificadonapercepodequeosignificadoinfinitooleitordevesuspeitardequecada linha esconde um outro significado secreto; as palavras, em vez dedizer,ocultamonodito;aglriadoleitordescobrirqueostextospodemdizertudo,excetooqueseuautorqueriaquedissessem;assimquesealegaa descoberta de um suposto significado, temos certeza de que no o
4Consultarapgina71doanexodestetrabalho.
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verdadeiro; o verdadeiro um outro e assim por diante; os hylics osperdedoressoaquelesqueterminamoprocessodizendocompreendi.(ECO,2005,p.46)
Noa intentioauctoris,oua intentio lectoris queestemquesto,masa
intentio operis, a inteno do texto como estratgia textual, ou seja, as intenes
contidasvirtualmenteemumenunciado,oqueamaterialidadedotextopermite,ou
no,inferir,independentementedasintenesdoautoremprico.Portanto,novem
ao caso se o autor escondeu segredos nas entrelinhas do texto, ou se isso que o
leitoresperadomesmo,oqueimportaoqueotextodizenquantotexto,umarosa
uma rosa uma rosa uma rosa (ECO, 2005, p. 93). Porm, no o que
encontramos quando lemos as crticas5 sobre a obra de Godard. Cada uma tenta
dividircomomundosuasinterminveisexplicaesparaasmetforasdofilme,eno
cessamdecolocarpalavrasnabocadodiretor. So tantas interpretaesquequase
acreditamos no que dizem, esquecendonos do nosso caminho, afinal, entender a
mensagemdeumaobraqueno se faz clara umporto seguro,masnos retira de
nossaposiodeinquietao.Poroutrolado,soaslacunasdotextoquepossibilitam
oaprofundamentodaleitura,permitindoqueosleitoresdeixemdeserempricospara
se tornarem leitores modelos. preciso apenas tomar cuidado para no
superinterpretarotextoeassumirqueeledizmaisdoquerealmentediz.
Desvendar o segredo d segurana, mas infelizmente este no nosso
objetivo. Os mais ansiosos que nos desculpem: este trabalho ruma ao incmodo,
portanto,nonosdeteremossobreospossveissignificadosdofilme.Seestefazuma
crticasocioeconmicaoupoltica,ousesuasimagensevocamahistriadocinemaem
sintoniacomahistriamundial, issononos interessa.Nosateremosestruturada
obraeoqueelanosdizsobrenossotoinquietoestranhamento.
5Conferiroswebsitesconsultadosnaspaginas66,67e68dasrefernciasdestetrabalho.
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Comofoiditonoinciodestecaptulo,osprimeirosplanosimagticosjdeixam
clarootipodeestratgiaqueotextoprope.Assimcomooeraumavezenviaum
sinalorientadoraoleitor,apenasorudosonorounidoimagemdasararasjindica
queotextonoconvencional,primeiramente,porqueosomdebipenootipode
somque se espera ouvir no incio de umaobra cinematogrfica. Almde no dizer
respeito ao animal que est sendo mostrado na imagem, tambm no um som
elaborado como uma fala ou uma msica, um rudo, como uma interferncia. A
imagem dos animais sem conexo com outras imagens que a justifiquem tambm
rompe com o que geralmente encontrado no incio da maioria dos filmes, como
planosqueambientemgeograficamenteahistriapanormicasouplanosgeraisde
uma cidade ou ainda planos que apresentem os personagens que faro parte da
intriga.
Um terceiro elemento contribui ainda para a ruptura inicial de Filme
Socialismo:oscrditos.Aspalavrasescritasembloco,comasletrasemcaixaalta,sem
fundosonoro,noexibeminformaesquedefinamoscargosdosnomesexibidos,e
tambm no do referncias mais precisas sobre as obras e os autores citados,
anulando a hierarquia de apresentao to comumno incio dos filmes. Domesmo
modo, algumas legendas dispostas em cartes dividem a obra e vem acrescer ao
trabalhogrfico:amaiorpartevarianascoresbrancoevermelho,masumaououtra
aparecem diferenciadas: em outra lngua, com outras cores, dispostos em outra
organizao.Porvezesatmesmotextossoexibidosnesteformato,comoocaso
dotrechodapoesiadeLouisAragon6.Aobratambmnoseencerracomoscrditos
finaisrolandoemlistapelatelaescura,comodehbito.Exercerarupturapossvel
atmesmonoplanodoselementosgrficos.
6Consultarapgina102doanexodestetrabalho.
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Seguindo,logoemumadasprimeirasfrasesditasporumavozemoffArgel,
ABranca... quandoMireilleBalinabandonaPp LeMoko citaseaatriz francesa
MireilleBalineaaoqueeladesenvolveemumdosseustrabalhosmaisconhecidos,
o filme Pp Le Moko7. Este no o tipo de sinal que a maioria do pblico
compreender,poisdizrespeitoaumuniversoculturalrestritoquegrandepartedos
espectadoresnoestfamiliarizada.
Aobratrazdiversasrefernciasnestesentido.Seexaminarmosoqueditono
filme, perceberemos aluses personagens reais que participaram de eventos
histricos especficos da Europa e da frica8, assim como obras culturais, por
exemplo,quandoopersonagemdopaiperguntaparaseusfilhosporqueelesnoo
amammais9,estnarealidadefazendoumarefernciaaotextodeIlusesPerdidasde
Balzac,quea filhaFlorineaparece lendoemdeterminadomomento10.Osnomesda
jovemedeseuirmoLucien,tambmforamretiradosdolivrodeBalzac,assimcomo
onomedameninaAlissafazreferncianovelaPortaEstreitadeAndrGide,quepor
sua vez tambm aparece no filme quando a personagem recebe o livro domenino
Ludo11. Outras obras como uma poesia de Jean Tardieu12, o filme O Encouraado
PotemkindeSergueiEisenstein13,almdequadrosbarrocos14,eaindaotrabalhodo
pintor Renoir15 tambm foram citadas. Sabese ainda que Godard convidou
personalidadesatuaisparaparticipardesuaobra,comoofilsofoedramaturgoAlain
Badiou,acantoraamericanaPattiSmith,eatenistafrancesaCatherineTanvier.Estes
so apenas alguns dos exemplos encontrados ao longo do filme que no
necessariamentefazempartedaenciclopdiadoespectador,dandosuacontribuio
paraumpossvelestranhamento.
7Consultarapgina71doanexodestetrabalho.8Consultaraspginas71,72e76doanexodestetrabalhoquecontmexemplos.9Consultarapgina88doanexodestetrabalho.10Consultarapgina89doanexodestetrabalho.11Consultarapgina81doanexodestetrabalho.12Consultarapgina96doanexodestetrabalho.13Consultarapgina103doanexodestetrabalho.14Consultarapgina101doanexodestetrabalho.15Consultarapgina97doanexodestetrabalho.
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!
!
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Ofilmeapresentadiversosnveisdeprofundidadede leitura.Seoespectador
nuncaleuBalzac,TardieuouGide,senoviuofilmedeEisenstein,ousenoconhece
bemahistria e a cultura europia, no far a ligaoentreos textos, e onvel de
interpretao ser mais superficial. Isso no quer dizer que seja melhor, ou pior,
apenasdiferente.
Seoespectadornoconheceasobras,osnomesdospersonagenslhepassaro
desapercebido.Seuconhecimentodaoleitorapossibilidadederelacionarambasas
histriase interpretaraobradeGodarddeumamaneiraampliada. IlusesPerdidas
tratadaticanojornalismo,eaparecenofilmenoexatomomentoemqueafamlia
de Florine est sendo importunada por uma jornalista e uma cinegrafista. As
refernciasmaisfceisdeseremidentificadas,ouseja,aquelasquejestoinseridas
nouniversoculturaldoleitor,enriquecemaintrigaecolaboramparaainterpretao
da mensagem, apontando para um sentido geral da obra. J as referncias
personagens comoMireilleBalineWillyMzenberg16, ouaindaeventoshistricos
comoos conflitos rabes17, quenonecessariamente fazempartedo conhecimento
do leitor rompem o texto, pois se no pertencem a sua enciclopdia, ele no ser
capaz de contextualizlas junto ao resto da obra. Amensagem se quebra, dando a
impressodenopossuirsentido.
As referncias de Filme Socialismo vem de um cdigo cultural exterior ao
flmico que no necessariamente faz parte do universo comum do espectador. Por
seremmuitas,exigemumaenciclopdiamuitoricaqueprovavelmenteamaiorparte
no possui. Quanto menos atualizada a competncia histrica, cultural, poltica,
econmicaesocialdoleitor,maisamensagemdotextolheparecerfragmentada.
Tantoaestruturaflmica,comoseucontedo,deixamclaroaestratgiatextual
da obra: pessoasmais sensveis estruturas disjuntas no convencionais, no esto
inseridas em um contexto claro, ou ainda aquelas pessoas que no possuem uma
enciclopdiahistricaculturalatualizadao suficiente, se sentiromais incomodadas,
pois estaro mais distantes do que apresentado no filme. As imagens e frases
16Consultaraspginas71e76doanexodestetrabalho.17Consultarapgina72doanexodestetrabalho.
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parecero misteriosas, portanto, encontrar um significado geral que lhes seja
familiartambmsetornarmaisdifcil.
desconexes
Comeando pelo plano sonoro. Elaborado de maneira singular, se ouvirmos
atentamentecomfonesdeouvido,notaremosquehumtrabalhodelicadonoscanais
deudio,sobrequalsomsaiporqualcanal.Essetipodepreocupaomaiscomum
emobrasmusicaisedeaventura,para tornarmaioroentrosamentodoespectador,
porm, em Filme Socialismo, uma mesma frase pode trocar de plano vrias vezes.
Acreditamosqueoobjetivodessairregularidade,nosomenteodedesconjuntaro
filme em todos seus nveis,mas tambm o de acentuar, enfatizar certas palavras e
ideias. Outro elemento sonoro importante o barulho do vento. Sempre presente,
estesomquetambmnoconsideradoidealparaumfilmeouumaobraaudiovisual,
tantoqueexisteumasriedemicrofonesespeciaisparacortarestetipoderudona
horadagravao,julgadocomoumasujeirasonora,aqui,elesetornapraticamente
umelementoprincipal.
Aindanocampodoudio,notamosqueoplanooraltambmapresentadode
maneira desconexa, apontando para uma nocomunicao. Boa parte dos textos
citadosoralmenteaolongodaobranoforamgravadosdiretamentecomaimagem,o
que caracteriza a voz em off, aquela que est fora do campo imagtico e que no
revelaosujeitofalante.Porvezes,umdilogoiniciadoporumamulherXeumhomem
YcontinuadoporXeumterceiroZ,semqueestatransiosejaanunciada.Outros
dilogos seriam mesmo dilogos? Se considerarmos [dilogo], uma conversao
entreduasoumaispessoas,e[conversao],oatoemquesetrocaumamensagem,
talvezostextosoraisdofilmenopossamnemserconsideradoscomotais,postoque
em diversos momentos no fica claro se a mensagem chegou ao seu receptor
apresentamperguntasquenuncasorespondidas,equandoso,porvezesosoem
outra lngua. Por exemplo, ao final, uma mulher pergunta as horas em alemo. A
respostavemdeumhomemfalandofrancs18.
18Consultarapgina107doanexodestetrabalho.
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Jatrilhasonoranovariamuitoaolongodofilme.Algumasmsicasintervm
emmomentospicadoseumamesmamelodiaserepetediversasvezes,servindocomo
umaespciedeconexodramticadentrodessecampotoinstvel.
Interrupes,rudos,sobreposies...oricotrabalhosonororealizadonofilme
contribuiparadesautomatizaresteplanoquemuitasvezespassadesapercebidopelo
espectador.Osdilogos, amsica, os sonsdomundoesto sempre l, eno cinema
tudo muito fluido. O som est sempre casado com a imagem. Filme Socialismo
rompecomaestticasonoraquevemsendopraticada.Impossvelnonotla,entra
pelosouvidosedespertaoincmodonaraizdasensibilidade.
Outra ocorrncia que nos chamou a ateno foi o cuidado com a
descontinuidade.Porexemplo,emdeterminadacenaumajovemseencontraemum
restaurante com uma mulher19. Esta segura um livro em suas mos, do qual l
passagensemvozalta.Amoatomaolivroparasi.Corteseco.Naimagemseguinte,a
jovem aparece lendo um outro livro, diferente do primeiro que havia pegado. Em
outromomento,umajovemlumaapostiladefrenteparaumajanelacomoscabelos
presos.Nacenaseguinte,comumaquebranoeixodacmera,elaaparecenomesmo
localcomoscabelossoltoseaapostilaemcimadamesa,nodeixandoclarosetrata
do mesmo instante exibido anteriormente. Isso demonstra como a obra no est
preocupadaemmantervaloresestticoscorrentesqueprezamporumacontinuidade
lgica, tanto da histria, quanto dos elementos que a compem. Ao romper a
continuidade, a obra retira o espectador da posio de conforto em que tudo se
encontra estaticamenteem seu lugar, a aodeixade ser comume atrai a ateno
paraacena,enriquecendoseusignificando.
A continuidade se d pela montagem, processo que coloca em conflito as
imagens, contribuindo para a desconexo em seu nvelmais perceptvel. Cada cena
comea e termina em si mesma, formando ciclos fechados independentes de uma
continuidade de ao. As cenas no so interrompidas para continuar em outro
momento. Mesmo no nvel do plano, a obra apresenta pouqussimos cortes para
mudaroenquadramentodeumamesmacena.Quandohmudanadeplano,ela
total,samosdeumacenaXepassamosparaumaYcompletamentediferente.19Consultarapgina81doanexodestetrabalho.
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Porm,arepetiodeobjetosemdiferentescenas,deimagens,sonsedeuma
determinadapaletade cores criaum ritmoquedestacao signode seus significados
visveis, atenua a significao material e sublinha a significao abstrata, lgica ou
associativa. A expresso adquire mais significao que o prprio objeto (LOTMAN,
1978).Oritmopassaaterumsignificado,passaasersigno,reafirmaaescolhaesttica
e instaura uma coerncia na obra: por mais desconexa que esta aparente ser,
coerenteemsuadisjuno.
Passar de uma imagem para duas passar da imagem linguagem (METZ,
2003, p. 53, traduo nossa), ou seja, duas imagens juntas significam uma terceira
coisa diferente do que cada uma significaria isoladamente. Se pegarmos como
exemplo o experimento de V. Kuleshov20, a imagem do rosto sem expresso e a
imagem da comida significam [fome] porque a sequncia das duas interpretada
destamaneirapornossosprocessosdeinferncialgica.Seexibimosumaimagemda
guadomarsendoreviradapelonavio,acompanhadadeumavozemoffquerequisita
os passageiros a abandonarem a embarcao, seguida da imagem de dois gatos
miando em consonncia21, ambas esto to distantes uma da outra, que no
conseguimostraarumalgicaquejustifiquesuaunio.Umaimagemumaimagem
umaimagemumaimagem.
Uma vez independentes, as aes deixam de ter uma funo em relao
outra,logonoexisteumacontinuidadequeasunifique.Semfuno,tambmnoh
encenao intertextual, visto que esta trata de um texto cujas funes se repetem
sucessivamente emdiferentes obras. Semencenao intertextual, a enciclopdia do
espectador fica sem alternativas de percursos interpretativos. Resumindo, as
expectativassoconstantementequebradas.
No entanto, ainda que no infiramos um significado lgico que satisfaa o
desejopelaverdadeiramensagemqueFilmeSocialismoesconde,istonosignifica
queasequnciacitadacomoexemplonosignifique.Ejustamenteporquenosto
estranha,eporquetodifcilexplicla,quetalvezelasignifiqueaindamais.
20 O experimento consistia em uma sequncia de imagens intercaladas com a de um rosto semexpresso.Apesardaimagemdorostoseramesmarepetida,osespectadoresacabaraminterpretandoadeacordocomaimagemqueaantecedia.21Consultarapgina74doanexodestetrabalho.
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Filme Socialismo subverte algumas convenes impostas ao longo dos anos
pelocdigocinematogrfico:imagenssaturadasaopontodenoseremidentificadas,
outras na contraluz, referncias aomundo realmisturadas fico, rudos sonoros
mescladosmsicaerudita,tudodispostodemaneiradisjunta.
a organizao fragmentada de Filme Socialismo que o torna um filme de
montagem.Cinemademontagemaquelecujosentidonoseencontranaimagem
fotografada,masnasombraprojectadapelamontagemnoplanodeconscinciado
espectador:isto,umcinemadeinterpretao,aqueleondeotrabalhododiretorse
sobrepeaosdosdemais(LOTMAN,1978,p.86).
Por estarem deslocados, os elementos do filme exigem outros quadros
referenciaisde leiturae interpretao.A forma sedestacamaisdoqueo contedo,
estimulandooespectadora refletir sobrea linguagemque lheapresentada.Nossa
enciclopdia, alimentada durante anos por textos que apresentam histrias com
comeo,meioefim,montadasemumaordemlinearfcildeserlidaeinterpretada(
exceo dos filmes surrealistas, em que j se espera encontrar uma desconexo)
constri uma expectativa de chegar a uma verdade, a um sentido geral que una e
justifique cada elemento constitutivo do filme. A partir domomento em que no o
encontramos, temos a impresso de que no existe. Uma obra de linguagemmais
elaboradacomoadeGodarddemandaumadisposiodapartedoleitor,poisotexto
noseentrega,precisoiraoseuencontro.
Ao elaborar uma sintaxe fragmentada que rompe compadres anteriores, o
filmenegaareproduoautomticadoselementosqueocompemeosressignifica.
Aartenoselimitaareproduziromundocomoautomatismoinertedeumespelho:aotransformaremsignosasimagensdomundo,aarteencheodesignificaes. Os signos no podem deixar de ter um sentido, no podemdeixardeconteralguma informao.por istoqueoquenoobjectoestcondicionado pelo automatismo das relaes domundomaterial se tornaemarteoresultadodalivreescolhadopintoradquirindo,porissomesmo,umvalordeinformao.[...]Ofimdaarteno,portanto,reproduziresteouaqueleobjecto,massimtornloportadordesignificao.(LOTMAN,1978,p.3031)
Aorealizarumaobradearte,oartistaestescolhendorepresentaromundo
de determinada maneira que j no a natural. Somente o ato da escolha, o ato
criadorconsciente,jdesautomatizaarepresentaoeapreenchedesignificao.Ao
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escolher representar o mundo, ou parte dele, de uma maneira no convencional,
experimentando novas relaes de linguagem, a ressignificao aindamaior, pois
enriquece a enciclopdia do leitor. Esse processo de renovao pe em conflito os
valores do leitor,movimentando seus quadros referenciais. O hbito de leitura que
criamosao longode todosessesanosde linguagemquepermiteo sentimentode
estranhamentoquandoumnovoelementorompeumaestruturafamiliar.
histria,narrativa,enredoediscurso
VimosataquicomoaestruturadisjuntadeFilmeSocialismocolaboraparaseu
estranhamento,masparadarcontinuidadenossapropostaprecisoaindaanalisar
algumasquestesenvolvendosuanarrativa.
Umdoselementosmaisperceptveisdofilmejustamenteodedefiniomais
abstrata: o discurso. A obra de Godard apresenta claramente uma organizao que
segueumpropsitoorientadonotempo,ouseja,umdiscurso,umaestratgiatextual.
Ainda que o nosso foco no seja sua mensagem, seu objetivo final,
indiscutvelqueofilmepossuauma.Otextonodescritivo,poissuasimagensesons
noforamorganizadosarbitrariamenteemesmoquetivessemsido,aindaseriauma
propostalogo,aquestodopropsitodofilmeexiste,eestnamaneiracomocada
umointerpreta.Amensagemestnaintenodotextoquesedesenvolvenotempo.
Asaestranscorremnotempo.Aprpriapalavra[ao]presumeumfazerem
umdeterminadoespaotempo,noentanto,no filme,noasencontramos inseridas
emumasequnciacronolgicaqueasdefinam.Nosabemosquando,nemdeondeo
naviopartiu,nemquantotempodurouaviagem.Nosabemosaduraodotempoda
histria. Quantos dias a jornalista e a cinegrafista passaram junto da famlia? As
imagensdearquivomisturadassdeficodatamdediversosmomentoshistricos,
anulandoaunidadetemporal.Essaindefiniodotempo,essaimpressodequeest
suspenso,queotornaaindamaisperceptvelepresente.
Se o enredo a reordenao da histria em um esquema no linear (ECO,
2010),pressupequeosacontecimentostambmpossamserordenadoslinearmente,
porm, em Filme Socialismo no possvel traar uma linha que os oriente
cronologicamente para depois serem dispostos em uma nova organizao. Isso
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44
poderia significarqueaobranoapresentaenredo.Maseahistria? Senoexiste
umalinhalgicotemporalaseseguir,qualahistriadofilme?Umasriedeeventos
diferentes dispostos em cadeia poderia ser consideradaumahistria? Seria possvel
umfilmesemhistria?
Se considerarmos o conceito de histria como Metz (2003) e Eco (2010) o
definem,ouseja,umsistemadetransformaestemporais,ondeoquecontadose
organizaemumasequnciadeeventosorientadanotempo,poderamosafirmarque
o filme analisado no apresenta histria, posto que sua dimenso temporal
percebida apenas por seu prprio anulamento. No h uma sequncia de eventos
orientadanotempo.Oseventosseencontramsuspensos,esuasuspensonotempo
que torna este ltimo perceptvel para o espectador. Os acontecimentos esto
organizados em uma sequncia determinada pela montagem, formando a cadeia
flmicaquesedesenvolveemumtempoexterior,odeprojeoedeleituradaobra,
masentreeles,noformamumasequnciatemporal.
Noentanto, tambmnopodemosafirmarque se tratadeum filmeapenas
descritivo. A reiterao constante de seus elementos, a repetio no somente dos
objetosecontedosmostradosemcena,mastambmdasimagensedotratamento
dadoelaseaosom,fixaumacoernciaaotodo,destacandoodiscurso,asintenes
dotexto.Suaorganizaotantosuaforma,quantoseucontedoapontaparaum
sentidoque convida interpretao.Convidaporqueno seentrega.A ausnciade
encenaes intertextuais, a ruptura com as noes habituais da linguagem
cinematogrfica, e as referncias extra flmicas criamuma lacuna interpretativa que
invita o espectador preenchla. Esse espao vazio movimenta os referenciais do
espectador,pondoemconflitoseusvaloreseatualizandosuanoodelinguagem.
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CAPITULO3
entendernoentender
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46
Vimosatentoalgunsconceitosqueenvolvemoprocessodeinterpretao
deumtextoe,partindodeles,comoaestruturadeumaobraorganizaseuselementos
demaneiraadespertaroestranhamentonoespectador.Nestaterceiraeltimaparte
dotrabalho,nosaprofundaremosnoassuntotratandodosconceitosdeobraaberta,
sentido,epotica.
obraaberta
VimosnocaptuloanteriorcomoaestruturadeFilmeSocialismoapontapara
umaindefiniointerpretativa,portanto,iniciamosestaterceiraetapacomoconceito
deobraaberta,elaboradoporUmbertoEco.
Muitasestticascontemporneasconsideramanoodeobradeartecomo
ambguapordefinio.Todaobra,aomenosemumcertonvel,aberta.Nesteponto,
colocase a questo da relao entre a forma do objeto e sua pluralidade
interpretativa: em que medida os limites estruturais permitem a ambigidade, ou
ainda mltiplas perspectivas, e estimulam a interveno do fruidor de maneira
coordenada,semcontudo,perdersuaidentidadeprpria?Oconceitodeobraaberta
surgiunatentativadeexplicitarumatendnciaestruturalquevinhasendo,eainda,
praticadanaarte.Noparaindicarcomosoresolvidososproblemasartsticos,masa
maneiracomosopropostos(ECO,2007).
A forma aberta em sua acepo moderna segue o que o perodo barroco
comeouaonegaraformaclssicarigidamenteestabelecidapelorenascimento.
[...] A forma barroca, pelo contrario, dinmica, tende a umaindeterminaodeefeito(emseujogodecheiosevazios,deluzesombra,comsuascurvas,suasquebras,osngulosnas inclinaesmaisdiversas)esugereumaprogressivadilataodoespao;aprocuradomovimentoedailusofazcomqueasmassasplsticasbarrocasnuncapermitamumavisoprivilegiada, frontal, definida, mas induzam o observador a deslocarsecontinuamente para ver a obra sob aspectos sempre novos, como se elaestivesse em continua mutao. Se a espiritualidade barroca encaradacomoaprimeiramanifestaoclaradaculturaedasensibilidademodernas,porquenelaohomemsesubtrai,pelaprimeiravez,aohbitodocannico(garantido pela ordem csmica e pela estabilidade das essncias) e sedefronta,naartecomonacincia,comummundoemmovimentoqueexigedeleatosdeinterveno.(ECO,1965,p.44,traduonossa)
Suas relaes no so evidentes, induzem a imaginao do espectador e
exigemsuaparticipaoefetiva.Nestetipodeestrutura,oleitornosegueumalinha
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interpretativa rigidamente indicada pela obra, esta apenas sugerida, de modo a
estimular o leitor a formular sua prpria linha a partir de sua enciclopdia pessoal.
Essa potica da sugesto motiva no intrprete atos de liberdade consciente, o
colocacomocentroativodeumasriederelaesemqueeleprpriodeterminaa
forma,semser limitadoporumanecessidadequelhefixeumamaneiracategrica
de organizao (ECO, 2007, p. 41, 42). Toda obra, ao menos em certa medida,
demandaumarespostalivree inventivadoleitor,mesmoporqueelas serealiza
quando reinventadapelomesmonumatodecongenialidadecomoautor (ECO,
2007,p.41,42).Asobrasabertaspotencializamestarelaodialgica,abremcaminho
paraa livrereaodo leitor,abastecendosedascontribuiesqueestetrazconsigo
(ECO,2007).
Seemcada leiturapoticatemosummundopessoalquetentaadaptarsefielmenteaomundodotexto,nasobraspoticasdeliberadamentebaseadasna sugesto, o texto sepropeestimular justamenteomundopessoal dointrprete, para que este extraia de sua interioridade uma respostaprofunda,elaboradapormisteriosasconsonncias.(ECO,2007,p.46)
Quando falamos de uma obra de arte, estamos nos referindo a um objeto
produzido por um autor que organizou uma srie de efeitos comunicativos de
maneiraquecadaumquesedisponhaafruirdele,estimuladoporsuaconfigurao,
recompreendaa formaoriginal imaginadapeloautor.Cada fruidor trazconsigouma
determinada situao existencial, j vem carregado de sensibilidade, preconceitos,
gostos e tendncias, portanto, o objeto pode ser interpretado de diferentes
perspectivas,filtradasporvaloreseconhecimentos(ECO,2007,p.40).
Nestesentido,portanto,umaobradearte,formaacabadaefechadaemsuaperfeiodeorganismoperfeitamente calibrado, tambmaberta, isto,passvel de mil interpretaes diferentes, sem que isso redunde emalterao de sua irreproduzvel singularidade. Cada fruio , assim, umainterpretaoeumaexecuo,poisemcadafruioaobrarevivedentrodeumaperspectivaoriginal.(ECO,2007,p.40)
Quando o estmulo impreciso, provoca na mente do espectador uma
espciede vcuo,umesquema referencial falho,ummosaicodesfalcadodepedras.
[...]Quantomaisincompletasuaculturaoufrvidaimaginao,tantomaissuareao
serfluidaeindefinida,seuscontornosdesfiadoseincertos(ECO,2007,p.75,76).O
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autor sabequeohaloconotativodecadaespectador serdiferente, logo, seuma
comunicaodeefeito indefinido for sua inteno,eledeveorganizla reiterando
os estmulos imprecisos para formar um campo de sugestividade, de modo a
orientaro leitor, aindaqueparauma resposta indefinida (ECO,2007,p.76,77,78).
Quanto mais imprecisa a forma de uma obra, assim como quanto mais rica a
enciclopdia,ouaimaginaodoleitor,maispossibilidadesdeleituraeleter.
Isto o que acontece quandoo espectador se depara com referncias que
nofazempartedeseurepertrio,comoocorremuitasvezesemFilmeSocialismo.A
falta de vinculo entre os planos tambm colabora para esse efeito. Sem uma linha
lgica funcional para seguir, a estrutura flmica rompe um espao de indefinio
interpretativa,edeixaparaoleitorotrabalhodepreenchelodamaneiraquemelhor
lheconvier.
Com o tempo, esses ideais de informalidade, desordem, causalidade e
indeterminao dos resultados acabaram sendo estabelecidos pelos artistas como
seus prprios programas produtivos, principalmente na linha seguida pela arte
contempornea. (ECO,2007,p.23,41e42).Maisadiante,reveremosessanoode
programaprodutivocomopotica.
Antesdecontinuar,porm,fundamentalressaltarqueoatointerpretativo
de uma obra no se encontra somente no plano do leitor, nem somente no da
estrutura do texto, e sim na relao que um traa com o outro. A forma do texto
determina os limites de ambigidade, e consequentemente, os de interveno do
leitornasuaapreenso.Oessencialqueaaberturaeatotalidadedeumaobrade
arte no se encontrem somente em sua materialidade, nem no sujeito que a
contemple,masnarelaodeconhecimentoentreumeoutro.
A teoria da informao permitiu explicar esse processo de maneira mais
objetiva,trazendoocampodasoperaesartsticasparaodapesquisacientfica.Para
entrarmosnessembito,primeiroprecisodiferenciaroconceitode [informao]
que se refere Umberto Eco, do que prega o senso comum. Informao, aqui, no
significaaquiloquenoscomunicado,masamedidadapossibilidadedeescolhana
seleo de uma mensagem dentro de um campo oferecido pela fonte emissora.
aquiloquepodeserdito,aprobabilidadedecombinaoentrevrioselementos.Sua
dimensovariadeacordocomaquantidadedeescolhasdisponveis.
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Quando inserimosohomemnesteprocesso,elesecomplica,poispassamos
douniversodosinalparaodosentido,ondeincorporaseanoodesignificao22.A
formapassaasersignificanteeoreceptordevepreenchladesignificado.Paraque
issoacontea,precisoqueamensagemchegueaoreceptor,noentanto,umsistema
que apresenta inmeras, quase infinitas, possibilidades combinatrias de smbolos
seriaintransmissvel.Parahavercomunicaoprecisoumcertocritriodeordem,
aqueentraocdigo,umsistemadeprobabilidadessobrepostoeqiprobabilidade
inicial,queordenaeselecionaamensagem.Apartirdomomentoemqueamensagem
selecionadaechegaaoreceptor,essevalorinformativosereduz.Ocdigo,portanto,
estabeleceascombinaespertinentes.Tudoaquiloquesesituaforadocdigo,que
no est previsto pelo mesmo, pode ser interpretado como rudo. Quanto mais
organizada e compreensvel a mensagem, maior a garantia de que chegar
integralmente ao seu receptor (ECO, 1965). Evidentemente, ordem, desordem,
probabilidadeeeqiprobabilidadesonoesrelativas,referentesaosistemaqueas
envolvem,epodemseraplicadasemcontextosdiferentescomo,porexemplo,afonte,
amensagemeoprpriocdigopodemapresentarinformao.
Informaoqualquerelementoquedesordeneumaorganizaoanterior,
tudo aquilo que acrescentado, que se apresente ao leitor como uma aquisio
original (ECO, 1965). A informao opese ao automatismo, por exemplo, se um
acontecimento B sempre for a conseqncia automtica de um acontecimento A,
quandoambosocorrerem,issonoapresentarnenhumainformaoaoleitor,porm
se substituirmos B por H, estaremos rompendo com o padro de combinao, e
portanto, quebrandoexpectativas, trazendoo focopara aquele instantede ruptura,
dandolhe,oumelhor,sugerindolheoutrosignificado.
Ofimdaarteno,portanto,reproduziresteouaqueleobjecto,massimtornloportadordesignificao.[...]Nosetrata,demaneiranenhuma,danecessidade de distorcer as formas naturais do objeto (a deformaopermanentereflecteemgeralaimaturidadedeummeioartstico),masdapossibilidadedeasdeformar;deformarounodeformarassim, sempre,umaescolhaartsticaconsciente.(LOTMAN,1978,p.3034)
22A noode significao est associada de cdigo. Tratase deum sistemadeprobabilidades quecorrigeaequiprobabilidadedainformao,comoporexemplo,aredundnciacomquesepreencheumtextoparaqueesteescapeaosrudosechegueintegralmenteaoreceptor.aprevisibilidadedaordemqueneutralizaadesordemdainformao.
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A arte visa o no automatismo, mas tambm busca um receptor, ou seja,
tambm mensagem. Para que alcance ambos objetivos, uma obra de arte deve
encontraroequilbriode suaestrutura,deveapresentarummnimodeorganizao
que oriente a mensagem de maneira a escapar dos rudos, garantindo sua boa
recepo, e ao mesmo tempo deve quebrar esta organizao, tornando a obra
imprevisvel,carregandoadeinformao.
Estamos,portanto,examinandoapossibilidadedeveicularumainformao,queno seja significado habitual, atravs deumempregodas estruturasconvencionaisdalinguagemqueseoponhasleisdeprobabilidadesquearegulamentaminternamente.Consequentemente, em tal caso, a informao estaria associada no ordem,masdesordem,pelomenosaumcertotiponoordemhabitualeprevisvel.(ECO,2007,p.109,110)
AsrefernciasdeFilmeSocialismo,apresentadassemseusdevidoscontextos,
assim comoas imagens distorcidas, os rudos sonoros, e a falta de uma linha lgica
temporalqueinterligueascenas,agregaminformaoobra,poisrompemcomum
padro estabelecido durante anos pelo cdigo cinematogrfico. Paralelamente, a
repetio de alguns elementos, tanto de objetos de cena, como de assuntos, por
exemplo,ostemasdeguerra,aoestabelecerritmoecoerncia,ligamaobraemums
todo. Essa espcie de harmonia da desordem ajuda a manter o espectador
concentrado na obra, indicandolhe que h um caminho interpretativo a ser
percorrido,enosomenteummardeimagenseidiasemqueeleflutuarderiva.
Essecampodesignosquejogaoracomfunesreferenciais,indicandoalgoespecfico,
definidoeverificvel,oracomfunesemotivas,distorcendoedesconstruindo,pode
ser visto como um jogo de funes denotativas e conotativas, de informao e
significao, de organizao e ruptura, oferecendo ao espectador diferentes
possibilidadescombinatrias(ECO,2007).
So os limites da obra (seus elementos formais organizados de maneira
concreta)quepermitemseuprpriotransbordamentointerpretativo.apartirdesua
formaprecisaqueaobraestimulaoimpreciso.Acadavez,umestmulodeveorientar,
convidar o leitor a uma nova leitura. Quanto mais a estrutura de uma obra se
complexifica,maiselaoferecepossibilidadesdeleiturasaprofundadas.
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[...]Apossibilidadedeumacomunicaotoricaquantoaberta,resideemumdelicadoequilbrio,ondeummnimodeordemsejacompatvelcomummximo de desordem. Esse equilbrio sutil marca a fronteira entre umcampoondetodasaspossibilidadessemostramindistintaseumcampodepossibilidades.(ECO,1965,p.133,traduonossa)
Oqueacontecegeralmentequeoespectadorprestaatenoapenasaoque
lhedizem,enomaneiracomoodizem,poisjestfamiliarizadocomocdigo.No
esperamais nenhum tipo de informao acerca de sua estrutura, e namaioria das
obras, tampouco a recebe. O texto artstico portador de informao, sua prpria
estrutura contribui para sua informatividade, neutralizando a redundncia. Todos
essesmecanismosqueofilmeanalisadoapresentatrazemofocodoespectadorparaa
obra em si, afastandoo da inrcia interpretativa na qual se encontra imerso na
maioriadasvezes.
[...] O individuo que participa num acto de comunicao artstica recebeumainformaoaomesmotempodamensagemedalinguagememqueaarte lhefala. [...]por issoquenumactodecomunicaoartstica,damonossemprecontadalinguagem,estanuncaautomtica;noumsistemaquesepossapredizer.(LOTMAN,1978,p.88,89)
Uma comunicaoartsticadeve apresentarumcarter imprevisto tantona
linguagemquantonamensagemquetransmite.Porm,comofoiditoanteriormente,
[imprevisto][noregular],eoquenoregular,noestinseridoemumsistema,
portanto,nopodesertransmitido,ficandodeforados limitesdatrocasemitica.A
comunicao artstica cria uma contradio: o texto deve ser ao mesmo tempo
regularenoregular,predicvelenopredicvel(LOTMAN,1978,p.88,89).
A esteticidade no est mais para o discurso emotivo do que para o
referencial. O emprego potico da linguagem envolve um uso emotivo das
refernciaseumusoreferencialdasemoes,afinalosinalestticonoseesgotano
objetodenotadopelosignificante,serealizanocampodaconotao(ECO,2007,p.83,
84).Oestmuloesttico,aocontrriodoreferencial,nofacultaumsignificadonico,
nopodesercompreendidosenoligadooutrossignificados.ambguoeportanto,
se enriquece a cada nova fruio. Sem um contexto que ambiente seus respectivos
significados, cada imagem ou frase citada por Filme Socialismo aparece como um
estmulo vago, permitindo ao espectador relacionlas de diferentesmaneiras. Esse
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processoexigeumaparticipaomaisefetivadomesmo.Aorompercomospadres
dalinguagemcinematogrficaetrazerofocoparaamesma,aobraretiraoespectador
do automatismo que o acompanha ao relacionar significante significado,
convidandoo a encontrarlhe novos sentidos. A obra leva o leitor no somente a
individuarpara cada significanteumsignificado,masademorarse sobreo conjunto
dos significantes[...]. Os significantes remetem tambm se no sobretudo a si
mesmos.Amensagemsurgecomoautoreflexiva(ECO,2007,p.79)23.Chegamosao
pontoemqueaarteadesautomatizaodousodalinguagem,olimitequesepara
umaoperaocomunicativacomumdeumaoperaocomunicativaesttica.
Aqui, comeamos uma segunda etapa. Em que medida essa abertura no
sentido de uma obra influencia o sentimento de estranhamento. De que sentido
estamosfalando?
sentido
Ohomemviveemummundosignificante.Paraele,noexisteaquestodosentido,oprprio sentido, ele se impecomoumaevidencia, comoumsentimento de compreenso natural. (GREIMAS, 1970, p. 12, traduonossa)
Seacompreensonosparecenatural,porqueentoinsistimosemquestionar
osignificadodascoisas?Omedododesconhecidoimpulsionaohomemaintensificlo
atravsdaimaginao,dandolheumaatenomaiordoqueanecessria.Aoanalisar
o filmeBlowUpdeMichelangeloAntonioni,Yuri Lotmanafirmaqueconsiderarum
texto incompreensvel uma etapa obrigatria para uma nova compreenso
(LOTMAN, 1978, p. 169, 170). A sndrome do segredo, o desejo de ir alm na
interpretao de um texto, jmencionada no segundo captulo, uma responsvel
pelacontinuidadedaquesto.VimosqueFilmeSocialismoapresentaseusentidoesua
significaodemaneira turva. Essadificuldadequeo espectador encontra ao tentar
delinelos causa estranhamento, pois a enciclopdia do leitor, construda durante
geraes,ocondicionaaentenderalinguagemcomoalgoquedeverialhesernatural.
23Intencionaramensagemcomotal,enfatizaramensagememseusentidointrnseco,eisoquecaracterizaafunopoticadamensagem(JAKOBSON,apudECO,2007,p.79).
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Nestaetapa,nodiscorreremossobreosentidodedeterminadaobra,como
na maioria das vezes as pessoas se interessam, mas sobre as condies gerais do
aparecimentodessesentido,oudafaltadele.
Asrelaesdesentidoderivamdaarticulaoentreformaecontedo,ambas
estoligadasdemaneirainseparvel,afinal,noapreendemosdoisobjetosdistintos
significanteesignificado,massuarelao.
Quando falamos do cdigo cinematogrfico, que visual por excelncia, o
processodeatualizaosgnicaadiantando,considerandoqueparaobterumsigno
deumobjetoqualquerpreciso,primeiro,reduzirtodassuaspossveisocorrnciasem
uma invariantedeaparncia relativamente simples, colocandoentreparntesis suas
significaes funcionais, criando assim, um inventrio limitado de figuras. Porm na
imagem, o significante j contm em si um significado denotativo. Outras leituras
conotativassseropossveisseconsiderarmosoplanosintticoemqueaimagemse
encontrarinserida,quandoesta,unidaoutra,passarasignificarumaterceiracoisa.A
questo ainda mais complexa quando envolve diversos elementos que somam
significaofinaldaobra,comoocorrecomocinemacomoplanosonoro,narrativo,
etc.Ouseja,parainterpretarosentidodeumfilme,ouaindaanalisarsuasrelaesde
sentido,precisolevaremcontadiversosplanossgnicos.
A produo de sentido uma mis en forme significativa, porm, s ser
portadoradesentidoquandoforaprpriatransformaodosentidodado,ouseja,o
sentidoenquantoformadosentidoessapossibilidadedetransformao(GREIMAS,
1970). Filosoficamente, o sentido no apenas o significado de uma palavra ou
imagem,mas tambmumadireo,uma intencionalidade,uma finalidade.Pode ser
um reenviodo cdigodeexpressoao cdigode contedo, comoumarelao
entreotrajetoaserpercorridoeseupontodechegada(GREIMAS,1970,p.63).Jem
lingustica, pode ser entendido como um processo de atualizao orientada que
pressuposto por e pressupe um sistema ou um programa, virtual ou realizado
(GREIMAS,1970).
Essa interpretao do sentido ora como um sistema que organiza os
resultadosdeumprocessoprogramado,oracomoumprocessovirtualaserrealizado,
enriquece suas possibilidades semnticas e sintticas. Procedimentos de
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transcodificao permitem que o sentido se desloque, oferecendo diversas
possibilidadesdeexplicitaoeimplicitaodomesmo24.
Anoode sentidocomoumprocesso, comoumprogramaorientado,est
ligada a uma outra que discutimos no primeiro captulo, a de autor modelo. A
estratgia narrativa, nadamais do queumprojeto virtual que busca ser realizado
pelo leitor modelo. A descrio da estrutura de Filme Socialismo comprova sua
coernciainterna,indicativadeumpercursointerpretativo,aindaqueturvo.possvel
identificarumaintencionalidadedodiscurso,masnodefinilarigorosamente.
A denotao deriva de uma relao direta e unvoca entre significante e
significado,rigidamentefixada.Jaconotaoderivadeumsignificadoacrescentado
(ECO, 2007, p. 116, 117). Na obra analisada, a no conjuno entre o cdigo de
expresso e o cdigo de contedo d a entender que as relaes so apenas
simblicas. Quando o intrprete no as extrai da matria, como no caso de Filme
Socialismoquenoapresentarefernciascontextuais,tema impressodequeessas
relaesdesentidonoexistem(ECO,1970).
[...]Ageraodesignificaonopassapelaproduodeenunciadosesuascombinaes em um discurso; ela substituda em seu percurso pelasestruturasnarrativas,esoestasqueproduzemodiscursolgicoarticuladoemenunciados.(GREIMAS,1970,p.159,traduonossa)
Algirdas J. Greimas tambm define a unidade narrativa como uma relao
funcional entre actantes, ou seja, uma sequncia de implicaes entre enunciados
(GREIMAS,1970).Seageraodesignificaopassapeloeixodanarratividade,estase
caracterizando por uma relao funcional entre enunciados, poderamos considerar
que a obra de Godard no possui um sentido totalizante de sua histria,mesmo
porque j havamos chegado concluso de que Filme Socialismo no possui uma
histria.
Afaltadeumcontextoouderelaesdefunoqueliguemlogicamenteos
elementos do filme, preenchem sua mensagem de informao. A enciclopdia do
espectador est habituada obras que apresentam mensagenssignificados
lembremosqueoprpriofato[mensagem]subentendequehumareduodefinitiva24ParamaioresesclarecimentosacercadestetemaverolivroDuSensdeA.J.Greimas(1970).
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das possibilidades de combinao dos smbolos pelo cdigo portanto, para que a
mensagemsignificadoaindaapresenteumaquantidadealtade informao,ocdigo
nopodeseapresentardemaneiraconvencional.
Comofoivistonosegundocaptulo,paraobterummximodedesordem,de
informao,oautordeveinserirmdulosdeordemquepermitamoleitoramoverse
orientadamente,percebendoqueoprocessofoiorganizado,foiobjetodeumaescolha
consciente(ECO,2007).
E se a terminologia tcnica da teoria da informao nos desagrada,podemos dizer que o que entesouramos no informao, massignificado potico, significado fantstico, sentido profundo da palavrapotica;distinguindoodosignificadocomumteramosafinalfeitoamesmacoisa; e se ainda aqui falarmos em informao para indicar a riqueza dossentidos estticos de umamensagem, isso vir a realar as analogias quenos interessam. [...] O conceito de informao ajuda a compreender umadireo na qual se move o discurso esttico, e na qual intervmsucessivamente outros fatores organizativos: isto , cada ruptura daorganizaobanalpressupeumnovotipodeorganizao,quedesordememrelaoorganizaoanterior,masordememrelaoaparmetrosadotadosnointeriordonovodiscurso.(ECO,2007,p.123)
Viktor Chklovski nos explica em LArt Comme Procd, que a linguagem
cotidiana,diferentementedapotica,criadacombaseemprincpiosdeeconomiade
forasdaateno,ouseja,tentaconcentraromximoderesultadoemummnimode
esforo da parte do leitor, tendo em vista que a concentrao deste limitada.
Quando uma ao tornase um hbito, ela passa a ser automtica, inconsciente,
desapercebida. A arte, a linguagem potica, vem com o objetivo de singularizar a
percepo, tornla um fim em si mesma, retirando a obra do campo do
reconhecimento e colocandoa no da viso. Para isso ela obscurece suas formas,
aumentandoadificuldadeeaduraodapercepo.
[...]Aarteummeiodeexperimentarodevirdoobjeto,aquiloquejveioa ser no importa para a arte. (CHKLOVSKI in TODOROV, 1965, p. 83,traduonossa)
Enquanto a linguagem prosaica habitual, econmica, mais facilmente
digerida, a linguagem potica um discurso tortuoso, elaborado. Essas regras que
geremambaslinguagenstambmestoligadasnooderitmo.Aofalarmosemum
ritmoesttico,noestamosnosreferindoaumritmocomplexo,masaumaviolao
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noprevisveldoritmo.Oritmoestticoumritmoprosaicoviolado,masquandose
tornaumcnone,perdesuaforainicial(CHKLOVSKIinTODOROV,1965).
O estranhamento era para Chklovski um desviar da norma, um agredir oleitorcomumartifciocontrrioaseussistemasdeexpectativasecapazdefixarsuaatenosobreoelementopoticoquelheeraproposto.(ECO,2007,p.123)
Afaltaderelaofuncionalentreaspartesdofilmeeousoinusitadodeseus
elementosconstituintescriaumregistrodalinguagem.Estadeixadesertransparente
enatural,passaaser intencionaleestranha,masesseestranhamento,muitasvezes
tidocomonocompreenso,assimcomoacompreenso,umprocessomental,
ummovimentodointelecto.FilmeSocialismonoincognoscvel,compreendemose
assimilamosalinguagemcinematogrfica,oqueparecesemsentidonarealidadea
dificuldade de traar com clareza as intenes interpretativas contidas no texto.
Habituadalinguageminvisvel,aosedepararcomumaestruturanofamiliarque
exige um processo de atualizao contnuo ao qual no est acostumada, a
enciclopdiadoleitor,seusistemadeexpectativas,estranha.Eaquemoraamaior
significaodofilme,poisna inquietaoqueosreferenciaissomovimentados.O
estranhamento retira o espectador de sua rea de conforto onde tudo passa
desapercebido e anima seu intelecto. Yuri Lotman, citando um texto de Scott
Fitzgerald, observaqueo inesperado fora opbico a por de ladoo factoobjetivo
paravirarsedenovoparasi(FITZGERALDapudLOTMAN,1978,p.94,95).
FilmeSocialismoclaramenteconstrudocomessepropsitoeaesseprojeto
tambmchamaremosdepotica.assimquefinalmentealcanamosaltimaetapa
donossotrabalho.
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potica
Quando falamos em potica, no nos referimos a um sistema de regras
absolutas,masaumprogramaoperacionalqueoartistapropeaocriaraobra.um
projeto a ser realizado, implcito, ouexplcitona estruturadaobra (ECO, 2007), por
issonossaanliseestrutural apresentaumcartermais tericodoquedescritivo, j
que seu objetivo no apontar um resumo argumentado da obra, mas expor seu
discurso,sistematizandoseufuncionamento,possibilitandoafuturacomparaoentre
casos particulares, e consequentemente, a organizao dos mesmos em diferentes
quadrosdemanifestao(TODOROV,1970,p.80,81).
Antesdetudo,precisodiferenciarapoticadacrtica.Estaltimaestmais
ligadabuscadosentido,interpretaodeumaobra.Seuinteressenoestnaobra
comoumfimemsi,mascomoummeiodeacederoutracoisa,comooefeitode
uma causa (TODOROV, 1970, p. 70). Ambas as atividades so prximas, porm
distintas. A potica tambm no deve ser confundida com a explicao do juzo
esttico, este particular e prev no somente o conhecimento estrutural da obra,
como tambm o conhecimento do leitor e daquilo que determina seu juzo
(TODOROV,1973).Apoticatemaobraparticularcomoumfimltimo,seuobjetode
estudo no a poesia, a literatura ou o cinema, mas a poeticidade, a
literaridade, a cinematograficidade (TODOROV,1970,p. 70). Partindoda forma
material da obra, a potica estudar sua forma virtual, no nosso caso, aquilo que o
cinemapodeser,enoapenasoque.
Apoticaestudaaspropriedadesinerentesaodiscursoanalisado(TODOROV,
1970),procurandoleisprpriassualinguagem.umaabordagemaomesmotempo
abstractaeinterna(TODOROV,1973,p.11).
Noaobraliterriaemsimesmaqueoobjectodapotica:oqueestainterroga, so as propriedades desse discurso particular que o discursoliterrio.Qualquerobraentoapenas considerada comoamanifestaodeumaestruturaabstractamuitomaisgeral,dequeelanosenoumadasrealizaespossveis.nissoqueestacinciasepreocupajnocomaliteraturareal,mascomaliteraturapossvel;poroutraspalavras,comessapropriedade abstracta que faz a singularidade do facto literrio, aliteraridade.(TODOROV,1973,p.11)
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Estamos falando de uma linguagem presente, desautomatizada, uma
linguagem que percebida enquanto tal pelo leitor. Valry descreve o estudo da
poticacomotudoaquiloquedizrespeitocriaooucomposiodeobrascuja
linguagemaomesmotempoasubstnciaeomeio(VALRYapudTODOROV,1973,
p.12).
Claroqueesses traos s sero reconhecidosao seremcomparadosoutras
obras. Tratamosda violaodeummodelo instaurado. Cadanovoestilo, cadanova
ocorrncianaartesedemreaoaumoutroprecedente.Aprpriahistriadaarte
provaessemovimento.Aartemodernaveioparacontestarvaloresdaescolaclssica,
propor obras plurvocas, dialticas, que apresentavam resultados variveis,
indefinidos,substituindooconceitodeordemanteriormente imposto(ECO,2007).A
arte est sempre procurando libertarse das convenes, quando se instaura um
sistema cuja linguagem muito refinada, o pblico se enfada, e o movimento
contrriopassaaserarevalorizaodeumalinguagemmaisvulgar,maisprximado
espectador.Quandoestasetornaumpadro,alinguagemmaiselaboradavoltaaser
valorizada(LOTMAN,1978).
Oprpriocinemaviveuessemovimentopendularentreumalinguagem
maisrealistaeoutramaisexperimental.Enohaveriadeserdiferente,nopossvel
introduzir um sistema inteiramente novo de repente, pois o discurso se tornaria
incomunicvel. O poeta contemporneo prope um sistema que no mais o da
lnguaemqueseexprime,mastambmnoodeumalnguainexistente[...](ECO,
2007,p.124).
A arte reflexo do mundo, este simultaneamente seu objeto e o
modelodesteobjeto(LOTMAN,1978),poisohomemnosseutilizadalinguagem,
comotambmconstitudoporela(GREIMAS,1970).Maisdoqueconheceromundo,
a arte produz seus complementos, afinal a linguagem que inscreve e projeta a
culturanohomemnaformadeobjetosdistanciados(GREIMAS,1970).
Ningumduvidadequeaarte sejaummododeestruturar certomaterial(entendendosepormaterialaprpriapersonalidadedoartista,ahistoria,uma linguagem, uma tradio, um tema especifico, uma hiptese formal,ummundoideolgico):oquesemprefoidito,massetemsemprepostoemduvida, , ao invs, que a arte podedirigir seu discurso sobre omundo ereagirhistriadaqualnasce,interpretla,julgla,fazerprojetoscomela,
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unicamenteatravsdessemododeformar;aomesmotempoque,somentepeloexamedaobracomomododeformar(tornadomododeserformada,graas ao modo como ns, interpretandoa, a formamos), podemosreencontrar atravs de sua fisionomia especifica a historia da qual nasce.(ECO,2007,p.33)
PodemosdizerqueaobradeGodardestemconformidade comseu
tempo.Suaestruturafragmentadanopoderiaestarinseridaemoutrocontextoque
noocontemporneo.Parasobreviveraomundodehoje,precisoterplasticidadee
estar constantemente atualizado. Filme Socialismo fora esse comportamento, sua
excessiva cinematograficidade exige presena e participao, retira o espectador da
posiodeconforto.
Mais que narrativo ou descritivo, Filme Socialismo se apresenta como um
filmeensaio, a um meio caminho do dirio, uma viso de mundo particular. Na
enciclopdialivreWikipdia25,anoodeensaiodadacomoumtextobreve,situado
entre o potico e o didtico, que expe reflexes sobre um determinado tema,
estruturadodeformaflexvel,assistemtica,semumestilodefinido,masalmdisso,a
concepodeensaiocomoexperimentaocaiaquicomoumaluva.Emoutrofilmede
Godard,HistriasDoCinema,nosdeparamoscomaseguinteexpresso:umaforma
quepensa,umaideiaqueforma.AformadeFilmeSocialismocolocaalinguagemem
xeque,eessequestionamentodoprimeiropassoparaumareutilizaodalinguagem
cinematogrfica.
Seaarterefletearealidade,fatoquearefletecommuitaantecipao.Eno h antecipao ou vaticnio que no contribua de algummodo aprovocaroqueanuncia.(ECO,2007,p.18)
H algum tempo Godard vem anunciando suas reflexes sobre um novo
proceder cinematogrfico. Em Nossa Msica, filme de 2003, na cena em que ele
prpriodumapalestraemumaescola,umalunooquestionaseasnovascmeras
digitais salvaro o cinema. No escuro, ele no responde. A questo permanece em
aberto, sequealgumdiapoderser respondida.Somenteaexperimentaopode
levar a novas prticas e estabelecer novas relaes da linguagem e,
consequentemente,daarteedacultura.Emummundofartodeobrasqueentretm25Disponvelem:.Acessoem:14deJaneirode2013.
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osolhos,osouvidoseocorao,Godardsemantmfirme,continuacomseusfilmes
estranhos, incmodos,queningumentende.Continua relegadoaognerocult,o
entretenimento indo no sentido oposto da energia e da ateno que seus filmes
exigem.Esperamosquecontinueassim,eaoqueparece,sedependerdele,sercada
vez pior: j est em fase de finalizao seu prximo filme, Adeus Linguagem.O
titulonomnimosugestivo.
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CONCLUSO
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A questo do estranhamento da linguagem no um tema muito abordado
pelos pesquisadores. Geralmente os estudos partem de obras literrias, e a grande
maioria aborda o tema buscando a interpretao do contedo, entendendo a forma
como apenas um meio de acesso mensagem. Neste trabalho tentamos trazer a
problemtica para o campo cinematogrfico por uma perspectiva estruturalista,
utilizandoumfilmedeJeanLucGodardparaampararosquestionamentos.
Iniciamos o percurso com algumas noes bsicas referentes interpretao
textual, utilizando a obra de Umberto Eco e textos dos estruturalistas francesas e
russos comoRolandBarthes,AlgirdasGreimas,Yuri LotmaneTzvetanTodorovcomo
suporte terico.A ideia aqui foi entender o texto comoumprocessode cooperao
entre autor e leitor, sendo ambos estratgias de leitura. Amaneira como o texto
conduzido vai gerar, de acordo com a enciclopdia do leitor, expectativas
interpretativas. Na segunda etapa decupamos Filme Socialismo afim de salientar os
pontos estruturais que nos pareciam reforar a irregularidade da obra, para enfim
adentrar nas questesmais abstratas como os conceitos de obra aberta, sentido, e
potica,identificandonaobraumaprticaesttica.
Noentanto,encontramosalgunsobstculospelocaminho.Primeiro,aseleo
dosconceitosfundamentaisparaencaminharalinhaderaciocniodotrabalho,semnos
estendermos muito. Segundo, ao rebatermos esses conceitos fundamentalmente
literrios na obra cinematogrfica escolhida, transpondoos da literaridade para a
cinematograficidade. Outro momento penoso foi identificar a questo narrativa do
filme,sehaviaounoumanarrativa,umdiscursoeumahistria,eainda,aceitarsua
no ocorrncia. A terceira etapa tambm apresentou dificuldades justamente por
tratar do assunto por um vis terico, abstrato. Questionar o que se entende por
sentidoecompreensoumatarefaarriscada.
Podemos concluir queoquegeraesse senti