deise maria percurso

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1 DEISE MARIA ANTONIO O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO APLICADO À ANÁLISE DOCUMENTAL DE TEXTOS NARRATIVOS DE FICÇÃO Perspectivas de utilização em bibliotecas universitárias Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP– Campus de Marília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento Linha de Pesquisa: Organização da Informação Orientador: Prof. Dr. João Batista Ernesto de Moraes MARÍLIA 2008

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    DEISE MARIA ANTONIO

    O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO APLICADO ANLISE DOCUMENTAL DE TEXTOS NARRATIVOS

    DE FICO Perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao na Faculdade de Filosofia e Cincias da UNESP Campus de Marlia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cincia da Informao

    rea de Concentrao: Informao, Tecnologia e Conhecimento

    Linha de Pesquisa: Organizao da Informao

    Orientador: Prof. Dr. Joo Batista Ernesto de Moraes

    MARLIA 2008

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    Antonio, Deise Maria, 1976- A635p O percursos gerativo de sentido aplicado anlise

    documental de textos narrativos de fico: perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias / Deise Maria Antonio. Marlia : [s.n.], 2008.

    137f. ; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) - Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista, 2008

    Bibliografia: f. 120 - 123 Orientador: Joo Batista Ernesto de Moraes

    1. Anlise documental. 2. Lingustica. 3. Semntica discursiva. 4. Percurso gerativo de sentido. I. Autor. II. Ttulo.

    CDD

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    DEISE MARIA ANTONIO

    O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO APLICADO ANLISE DOCUMENTAL DE TEXTOS NARRATIVOS

    DE FICO Perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias

    Banca Examinadora:

    Dr. Joo Batista Ernesto de Moraes

    Dra. Helen de Castro Silva

    Dra. Maria Cristiane Barbosa Galvo

    MARLIA 2008

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    Aos meus pais Ccero e Giovanilda

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    ANTONIO, D. M. O Percurso gerativo de sentido aplicado anlise documental de textos narrativos de fico: perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias. 2008. 138 f. Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) Faculdade de Filosofia e Cincias, Universidade Estadual Paulista, Marlia, 2008.

    RESUMO

    A pesquisa tem como tema O percurso gerativo de sentido aplicado anlise documental de textos narrativos de fico: perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias, com o foco no estudo da anlise textual buscando a concretizao de sentido no encadeamento das figuras e no encadeamento dos temas presentes nos contos para a recuperao da informao. O pressuposto que no existem ferramentas de anlise de assunto adequadas para a anlise de obras de fico devido ausncia de procedimentos metodolgicos que contribuam efetivamente para o tratamento desse tipo de documento para o estabelecimento do tema. Dessa forma, propem-se a busca subsdios terico-metodolgicos no percurso gerativo de sentido, componente da Semntica Discursiva, para compreenso e extrao do tema em obras de fico. Os objetivos da pesquisa so: a anlise, identificao e aplicao metodolgica do percurso, buscando identificar os textos figurativos e temticos, bem como a concretizao do sentido do texto; o estudo dos atores que permeiam o encadeamento das figuras e dos temas, determinando as relaes existentes nesse tipo de superestrutura narrativa; identificar e analisar o nvel de experincia na atuao profissional dos bibliotecrios na atividade de indexao de obras ficcionais; identificar e analisar as atitudes dos profissionais bibliotecrios em relao atividade de indexao com vistas a oferecer embasamento terico para futuros estudos que efetivem uma proposta metodolgica para a identificao do tema de obras ficcionais. O mtodo escolhido para a realizao da investigao a pesquisa descritiva por permitir a observao, o registro, a anlise e a correlao dos fatos. A entrevista estruturada e focalizada ser utilizada como tcnica de coleta de dados que permitir a comparao e reflexo das respostas. O percurso temtico e figurativo ser aplicado e analisado nos contos para o estabelecimento do tema (Fase 1). A coleta de dados ser realizada em trs bibliotecas da rea de Humanas da Rede UNESP de Bibliotecas com o objetivo de extrair as tcnicas utilizadas pelos bibliotecrios para identificao do tema de documentos ficcionais (Fase 2). A Fase Final contemplar a transcrio e anlise dos resultados e a reflexo que possibilite diretrizes para a anlise documentria de obras ficcionais.

    Palavras-Chave: Anlise documental. Lingstica. Semntica Discursiva. Temos como objetivos operacionais:

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    ABSTRACT

    The works of fiction have no tools for appropriate subject analysis due to the absence of methodological procedures that contribute effectively to the treatment of this kind of document to the establishment of the theme. Thus, it is proposed to search for subsidies in the gerativo theoretical and methodological journey in a sense, part of Discursive Semantic for understanding and extracting the theme in works of fiction. The objectives of the research are the analysis, identification and methodological application of the route, seeking to identify those figurative and thematic texts as well as the implementation of the meaning of the text, the study of the actors that permeate the sequence of figures and topics, determining the relationship in that kind of superstructure narrative, identify and analyze the level of experience in the professional performance of librarians in the activity Index of works of fiction, identifying and analyzing the attitudes of professional librarians in relation to the activity of indexing and the offering theoretical basis studies for future studies that put into effect that a methodological proposal for identifying the subject of fictional works. The chosen method to carry out the research is the descriptive search that allows the observation, the registration, examination and the correlation of facts. The structured and focused interview will be used as a technique for collecting data that will allow comparison and reflection of the answers. The thematic and figurative journey will be applied and analysed in short stories for the establishment of the theme (Phase 1). The collection of data was held in three libraries of UNESP Libraries Network in order to extract the techniques used by librarians to identify the topic of fictional documents (Stage 2). The final phase includes the transcription and analysis of results and reflection enabling guidelines for the analysis of documentary works fictional.

    Keywords: Document analysis. Linguistics. Semantic Discursive.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO 8

    2 CINCIA DA INFORMAO 14

    3 A LINGSTICA E A SUA INTERFACE COM A CINCIA DA INFORMAO

    21 3.1 Lingstica 21 3.2 Lingstica e Cincia da Informao 28

    4 LINGUSTICA TEXTUAL E TIPOLOGIAS TEXTUAIS 37 4.1 Tipologias textuais 40 4.2 Narrao 41 4.3 Conto 44

    5 ANLISE DOCUMENTAL DE TEXTOS NARRATIVOS 50

    6 SEMNTICA 60 6.1 Semntica discursiva 60 6.2 Percurso gerativo de sentido 61 6.2.1 Nvel fundamental 62 6.2.2 Nvel narrativo 63 6.2.3 Nvel discursivo 64

    7 METODOLOGIAS, ANLISE, COLETA DE DADOS E RESULTADOS

    66 7.1 Lingstica textual 66 7.1.1 Percurso temtico e percurso figurativo 67 7.1.2 Isotopia 68 7.1.3 Identificao da seqncia cannica nos contos e aplicao do

    percurso temtico e figurativo

    68

    7.2 Entrevistas 93 7.2.1 Aplicao dos instrumentos de coleta de dados nos indexadores 93 7.2.2 Apresentao, anlise e resultados dos dados coletados 98 7.2.3 Apresentao dos dados coletados 98 7.2.4 Anlise e discusso dos resultados 103 7.2.5 Informaes adicionais acerca das entrevistas 115

    8 CONSIDERAES FINAIS 117

    REFERNCIAS 120 APNDICES 124

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    1. INTRODUO Tudo refloresceu. O filsofo concluiu que no se deve plagiar a eternidade.

    Drummond, A falsa eternidade.

    A Cincia da Informao busca, em uma de suas finalidades, a construo de formas de representao da informao, explcita e registrada, possibilitando sua recuperao, seu reuso, sua revisitao. Por meio da criao de metodologias, a rea estabelece parmetros de ordem contribuindo para a gerao, transferncia, utilizao e preservao de documentos nos ambientes informacionais e em suas vertentes cientficas, tecnolgicas, empresariais, enfim, da sociedade em geral. Novos paradigmas de espao-tempo interferem neste cenrio, onde a globalizao, as novas prticas dos produtos e servios eletrnicos, a administrao do conhecimento e da informao, a diversidade e a tica e responsabilidade social fazem com que a gesto dos ambientes informacionais, e as tcnicas profissionais, sejam repensadas em uma nova lgica, por meio de novos parmetros e novas orientaes que tenham como diferencial o melhor uso dos recursos disponveis, bem como a insero e criao de outros. O grande desafio dos ambientes informacionais, e de seus profissionais, nessas ltimas dcadas vem sendo a constante busca de capacitao para a incorporao de novos modelos, mtodos, tcnicas, instrumentos e atitudes, diante das mudanas e inovaes que ocorrem para a apropriao do conhecimento e desenvolvimento de competncias de recuperao da informao. A criao de polticas organizacionais que visam o oferecimento e a criao de competncias para o uso dos bens que esto disposio contribui para diminuir os espaos de distanciamento daqueles que possuem competncia dos que no a possuem, dos que dominam as inovaes oriundas da tecnologia dos que no dominam. Nesse universo a Cincia da Informao encontra-se em momento de repensar o seu fazer, suas metodologias. Com o objetivo de contribuir com essa rea do conhecimento o Programa de Ps-graduao em Cincia da Informao da UNESP (Universidade Estadual Paulista), Campus de Marlia, trabalha na perspectiva de tornar a informao

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    disponvel e acessvel atravs do estudo crtico das metodologias e do uso das tecnologias para a construo do conhecimento cientfico, tecnolgico e social, oferecendo duas linhas de pesquisa: Informao e tecnologia e Organizao da Informao. Esse trabalho est inserido na linha de pesquisa Organizao da Informao que no cenrio exposto anteriormente tem a Organizao do Conhecimento como aporte terico e metodolgico, comportando-se como rea intermediria, mediadora, fazendo a anlise dos contedos das unidades informacionais garantindo a qualidade na recuperao da Informao desejada. O foco est na Anlise Documental que trabalha com as questes inerentes ao processo de tratamento temtico da informao explicitando os procedimentos voltados para a identificao e seleo de conceitos tendo como procedimentos etapa analtica, etapa sinttica, seleo de conceitos, condensao documentria e representao documentria. Essa informao produzida, a informao documentria, a meta informao que representa o documento, sua materialidade, inteno, pressupondo, conseqentemente, seu tratamento por meio de instrumentos como os sistemas de classificao, os cabealhos de assunto, os tesauros, as ontologias e as terminologias. A pesquisa tem como tema O percurso gerativo de sentido aplicado anlise documental de textos narrativos de fico: perspectivas de utilizao em bibliotecas universitrias, com o foco no estudo da anlise textual buscando a concretizao de sentido no encadeamento das figuras e no encadeamento dos temas presentes nos contos para a recuperao da informao.

    Este trabalho vem complementar uma rede de pesquisa a respeito do tema de obras de fico desenvolvidos no programa de ps-graduao em Cincia da Informao da UNESP de Marlia: Anlise de assunto de conto esprita por meio do percurso figurativo do percurso temtico na anlises de romances espritas, autora Alessandra Cristina Damazo; A questo do aboutness em documentos narrativos ficcionais: subsdios para a anlise documental de crnicas, autor Igor Aparecido Dalaqua Pedrini; Anlise documental de contedo de textos literrios infanto-juvenis: perspectivas metodolgicas com vistas identificao do tema Roberta Caroline Vesu Alves.

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    O interesse em trabalhar com obras de fico nasceu na poca de minha graduao quando na disciplina Lngua Portuguesa e Literatura da Lngua Portuguesa, disciplina oferecida na grade curricular nos anos que estudei Biblioteconomia na UNESP, Campus de Marlia (1996 a 1999), tive a oportunidade de ter contato com elementos da Lingstica, tais como a coeso coerncia. O professor da disciplina, Joo Batista de Ernesto Morais, que hoje o orientador desta pesquisa de mestrado, props que escolhssemos um livro de literatura para desenvolvermos um trabalho referente disciplina. Vejo que essa proposta foi fundamental para minha trajetria acadmica e profissional, fato que culminou neste trabalho. Os livros de literatura sempre tinham sido at aquele momento grandes companheiros. De tal forma que chegava a substituir as amizades pela companhia destes. Passava horas interminveis lendo os ttulos da famosa e memorvel Coleo Vagalume, os ttulos de Monteiro Lobato, Jos de Alencar, Machado de Assis, dentre muitos outros. Como em minha poca criana dormia cedo, e como toda criana eu no queria ir dormir, eu ficava na cama com Agora estou sozinha, Barcos de Papel, Senhora, etc. Chegava a levar um farolete, ou at mesmo uma vela acesa, para cama para que ningum percebesse que ainda estava acordada lendo. Assim, a proposta dessa disciplina veio ao encontro de um anseio que sempre proporcionou grande prazer: a leitura. Lembro que no trabalho proposto na disciplina trabalhei com o livro Vero no Aqurio, de Lgia Fagundes Telles, mas na poca estava lendo Amar verbo intransitivo de Mrio de Andrade. A escolha por Vero no Aqurio foi pelo desejo de ler Telles, e conhecer apenas trechos de seus trabalhos nos livros de gramtica e literatura do segundo grau, como Antes do Baile Verde, mas tambm pelo ttulo Vero no Aqurio, que sinceramente era legal mas no me dizia nada. Li o livro, fiz o trabalho, ainda na mquina de datilografar, e joguei o mesmo por debaixo da porta do departamento de Biblioteconomia, pois o ano letivo j tinha terminado, apesar do prazo ter se estendido. Mas o que me despertou na leitura desse romance foi que os assuntos tratados no interior da obra no tinham nada a ver com seu ttulo, ou melhor, tinham de forma denotativa, mas para um bibliotecrio trabalhar com um contedo assim, de forma a represent-lo ao usurio seria muito complicado, pois muito de seu contedo

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    poderia se perder. Como ir alm dos termos encontrados nos sistemas de classificao? O exemplo clssico desta situao profissional era apresentada nas aulas de indexao, pelo professor Jos Augusto Chaves Guimares, com o caso do bibliotecrio que foi indexar Razes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, e indexou na rea de botnica. Nos semestres subseqentes cursei disciplinas para a atuao profissional como Representao Descritiva I e Representao Temtica I, onde novamente a questo da representao do contedo dos documentos me chamou ateno, principalmente as linguagens documentrias, os sistemas de Classificao, tesauros e indexao. Participei, tambm durante a graduao, do Grupo PET (Programa Especial de Treinamento), sob a tutoria do professor Jos Augusto Chaves Guimares e a professora Maria Helena T. C. de Barros, onde as trabalhos realizados convergiam para os interesses acadmicos que se formavam em mim. De forma que desenvolvi o Trabalho de Concluso de Curso de Graduao trabalhando com sistemas de classificao, com o ttulo Mariologia em linguagens documentrias: uma comparao entre CDD e CDU. Retomar a literatura, a fico, na ps-graduao foi um grande desafio, uma vez que, neste universo a maioria dos estudos voltam-se para os documentos tcnico-cientficos, para a tecnologia e seus ambientes virtuais. Mas no poderia deixar passar a oportunidade, e o desafio tem me proporcionado enorme crescimento e maturidade profissional. A escolha pelo autor Carlos Drummond de Andrade tambm resgata os tempos nostlgicos da meninice, quando lia seus contos e suas poesias nos livros do ginsio, como a Morte do leiteiro. E, com certeza, de seus contos na srie Para gostar de ler.

    Com o objetivo de trabalhar com o texto narrativo de fico, a proposio desta pesquisa trabalhar com o que Propp e Greimas designam como percurso gerativo de sentido, elementos que fazem parte da Semntica Discursiva, para a compreenso e extrao do Tema em Obras de Fico, usando especificamente como objeto de pesquisa o livro Contos Plausveis de Carlos Drummond de Andrade.

    Temos como objetivos operacionais:

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    analisar e identificar e aplicar metodologicamente o percurso temtico e do percurso figurativo em cinco contos do livro Contos Plausveis de Carlos Drummond de Andrade, identificando os textos figurativos e temticos, buscando por meio dessa tematizao e figurativizao a concretizao do sentido do texto. Estudando, assim, os fatores que permeiam o encadeamento das figuras e o encadeamento dos temas, percebendo as relaes existentes nesse tipo de superestrutura narrativa;

    Identificar e analisar o nvel de experincia na atuao profissional dos bibliotecrios na atividade de indexao de obras ficcionais;

    Identificar e analisar as atitudes dos profissionais bibliotecrios em relao atividade de indexao.

    Pretendemos, com isso, oferecer embasamento terico para uma proposta metodolgica que identifique o tema de obras de fico, bem como diagnosticar as dificuldades dos profissionais bibliotecrios acerca a atividade de indexao de obras ficcionais. Dessa forma, atingiremos nosso objetivo final: contribuir para o conhecimento terico da Anlise Documental

    A pesquisa foi realizada em trs Bibliotecas que compem a Rede de Bibliotecas da UNESP: Biblioteca Accio Jos Santa Rosa Campus de Assis, Biblioteca UNESP Campus de So Jos do Rio Preto e Biblioteca da Faculdade de Cincias e Letras FCLAr - UNESP - Campus de Araraquara. Essas unidades foram escolhidas por possurem os maiores acervos compostos por obras de fico, e principalmente por abrigarem cursos de graduao e de ps-graduao que utilizam esse material bibliogrfico como referencial terico-cientfico.

    Refletindo as questes enunciadas at aqui, a dissertao est dividida em oito captulos. O captulo primeiro dedicado introduo. Os captulos subseqentes, dois, trs, quatro, cinco e seis, abordam aspectos histricos da cincia da informao, sobre a lingstica e sua interface com a cincia da informao, a

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    lingstica textual e as tipologias textuais, a anlise documental dos textos narrativos e a semntica discursiva.

    O captulo sete apresenta a metodologia, anlise, coleta de dados e resultados da pesquisa, a aplicao dos questionrios com os indexadores selecionados na Rede UNESP de Biblioteca.

    Finalizando, no captulo oito so apresentadas as consideraes finais sobre a pesquisa e sugestes para futuros estudos.

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    2. CINCIA DA INFORMAO

    Estabelecer paradigmas epistemolgicos da Cincia da Informao, bem como os aspectos de sua evoluo ao longo da histria uma preocupao presente em vrios trabalhos e artigos de autores renomados da rea que buscam sua consolidao terica e metodolgica.

    Autores como Aldo Barreto (2002) traam quais seriam os tempos da Cincia da Informao. Para ele estariam divididos em trs momentos: i) gerncia da informao (1948 1980); ii) tempo de relao informao conhecimento (1980 1995); e iii) tempo sociedade da informao (1995 - ).

    Sob essa tica a gerncia da informao teria como preocupao os estoques, a organizao, a classificao, a indexao dos documentos. Este seria legitimado por sua caracterstica fsica. A preocupao residia na busca de metodologias para a condensao dos contedos e posterior recuperao da informao. um perodo onde o volume de informao cresce exponencialmente, de agitao econmica e social marcado pelo ps-guerra. Onde surgem solues tecnolgicas para a exploso informacional como o MEMEX de Bush (1945). Calvin Mooers (1951) cunha o termo sistemas de recuperao da informao. Alguns autores como Heilprin (1989) acreditam que o termo Cincia da Informao tenha sido criado em torno de 1960 a partir do estudo, processamento e uso da informao sendo considerada predominantemente como atividade humana. De 1961 a 1962 acontecem conferncias do Gergia Institute of Tecnology onde a preocupao com o conceito acerca da cincia da informao desenvolvido por meio da investigao das propriedades, dos fluxos, dos meios de processamento da informao para sua tima acessibilidade e uso (BORKO, 1968).

    Nas proximidades do final da dcada de 1970 surge a Teoria do Estado Anmalo do Conhecimento, reconhecendo este como estado dado por uma estrutura de conceitos que so ligados por relaes, imagem do mundo. A informao, neste contexto, viria corrigir a anomalia que seria o estado de deficincia do sujeito.

    Belkin (1978) relaciona quais seriam as 5 (cinco) reas de preocupao da cincia da informao: a relao entre informao e produtor, questes da representao da informao atravs do uso de linguagens documentrias; e a relao entre informao e usurio: questes relativas relevncia e uso da informao.

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    O segundo tempo teria foco na relao entre a informao e conhecimento, a informao acontecendo na realidade de seus receptores e no mais nos estoques estticos de informao. A preocupao se desloca dos estoques para a questo da assimilao da informao. Ou seja, os documentos apenas sero vlidos dentro dos estoques se forem assimilados e apropriados pelos sujeitos.

    Nesse perodo, surgem polticas de transferncia da informao para atender a premissa de que nem toda a informao que est estocada, portanto disponvel, est acessvel.

    A partir de 1990 temos o terceiro tempo conhecido como sociedade da informao onde o desenvolvimento das tecnologias de informao e comunicao marcam profundamente o cenrio pela convergncia tecnolgica de imagem, som e texto traduzidas em linguagem digital. A apropriao da informao pelo sujeito condio para o conhecer, e conhecer um ato de interpretao da informao.

    Quando tratamos das correntes epistemolgicas da Cincia da Informao (CI), encontramos trs grandes correntes por onde a comunidade cientfica se posiciona. A primeira que a CI teria suas origens na documentao, a segunda da biblioteconomia, e a terceira com o advento da tecnologia.

    Saracevic (1996) sustenta a posio de que a Cincia da Informao teve suas origens na revoluo cientfica e tcnica que ocorreu aps a Segunda Guerra Mundial. Tendo como marco inicial o artigo de Vannevar Bush, As we may think, onde estabelece duas coisas:

    (1) definiu sucintamente um problema crtico que estava por muito tempo na cabea das pessoas, e (2) props uma soluo que seria um ajuste tecnolgico, em consonncia com o esprito do tempo, [....] O problema era (e, basicamente, ainda ) a tarefa massiva de tornar mais acessvel, um acervo crescente de conhecimento; Bush identificou o problema da exploso informacional o irreprimvel crescimento exponencial da informao e de seus registros, particularmente em cincia e tecnologia.

    Para resolver esse problema, ele utiliza os aparatos da tecnologia da informao e prope a criao do MEMEX 1, mquina que possibilitaria a associao de idias, que duplicaria artificialmente os processos mentais.

    1 MEMEX: Memory Extension, mquina capaz de estocar enormes quantidades de informaes de forma fcil e

    rpida de serem alcanadas. Concebido a partir da idia de que a soma dos conhecimentos, aumentando de forma exponencial, no mantinha relao com os seus meios de armazenagem e acesso aos dados, e tambm pela observao do funcionamento da mente humana.

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    O conceito de Cincia da Informao como campo surgiu para Saracevic nos anos 60, perodo em que vrias definies eram expostas.

    A definio surgida nas conferncias do Gergia Institute of Technology, outubro de 1961 e abril de 1962 valem ser citada, pois ainda permanecem como sendo uma das mais consensuais:

    Cincia da Informao a que investiga as propriedades e comportamento da informao, as foras que regem o fluxo da informao e os meios de processamento da informao para um mximo de acessibilidade e uso. O processo inclui a origem, disseminao, coleta, organizao, armazenamento, recuperao, interpretao e uso da informao. O campo deriva ou relaciona-se com a matemtica, a lgica, a lingstica, a psicologia, a tecnologia computacional, as operaes de pesquisa, as artes grficas, as comunicaes, a biblioteconomia, a gesto e alguns outros campos.

    Em 1968, Borko formula uma definio semelhante nascida das conferncias, mas que a ultrapassava, mostrando que a biblioteconomia e a documentao so componentes da Cincia da Informao:

    A cincia da informao a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informao, as foras que governam seu fluxo, e os meios de process-la para otimizar sua acessibilidade e uso. Est ligada ao corpo de conhecimentos relativos origem, coleta, organizao, estocagem, recuperao, interpretao, transmisso, transformao e uso de informao. Isto inclui a investigao, as representaes da informao tanto no sistema natural, como no artificial, o uso de cdigos para uma eficiente transmisso de mensagens e o estudo dos servios e tcnicas de processamento da informao e seus sistemas de programao. Trata-se de uma cincia interdisciplinar derivada e relacionada com vrios campos como a matemtica, a lgica, a lingstica, a psicologia, a tecnologia computacional, as operaes de pesquisa, as artes grficas, as comunicaes, a biblioteconomia, a gesto e outros campos similares. Tem tanto uma componente de cincia pura, que indaga o assunto sem ter em conta a sua aplicao, como uma componente de cincia aplicada, que desenvolve servios e produtos (....) a biblioteconomia e a documentao so aspectos aplicados da cincia da informao.

    Outras definies so sumarizadas como a de Goffman (1970) colocando como tarefa da Cincia da Informao o estudo das propriedades dos processos de comunicao tendo como objetivo a traduo dentro de um sistema de informao. Mas em 1990, Saracevic(1996, p. 47) fez sua redefinio a cerca da Cincia da Informao:

    A Cincia da Informao um campo dedicado s questes cientficas e prtica profissional voltada para os problemas da efetiva comunicao do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto

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    social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informao. No tratamento, destas questes so consideradas de particular interesse as vantagens das modernas tecnologias informacionais.

    Para ele a CI teria relaes interdisciplinares com quatro campos: biblioteconomia, cincia da informao, cincia da computao, cincia cognitiva e comunicao.

    A segunda corrente defende que a origem da Cincia da Informao a Biblioteconomia.

    Le Coadic (1996) diz que a Cincia da Informao tem origem anglo-saxnica, nascendo da biblioteconomia, tendo primeiramente como objeto de estudo a informao fornecida pelas bibliotecas, e posteriormente, informaes referentes s cincias, s tcnicas, indstria e Estado. Seu objeto a informao que um conhecimento inscrito, registrado, comportando o elemento de sentido, ou seja, por meio de uma mensagem em um suporte, ela transmitida a um sujeito consciente, e ela carregada de significado.

    O objetivo da informao permanece sendo a apreenso de sentidos ou seres em sua significao, sou seja, continua sendo o conhecimento; e o meio a transmisso do suporte, da estrutura (LE COADIC, 1996, p. 5). Portanto, a cincia da informao estaria no campo das cincias sociais (das cincias do homem e da sociedade), com a preocupao de esclarecer o problema da informao, um problema social concreto do sujeito social que procura informao. E, seria uma cincia interdisciplinar que faz interaes com a psicologia, a lingstica, a sociologia, a informtica, a matemtica, a lgica, a estatstica, a eletrnica, a economia, o direito, a filosofia, a poltica e as telecomunicaes.

    Para outros autores, a cincia da informao tem suas origens na documentao. Essa viso chamada por Smith (2000, p. 126) de interpretao desenvolvimentista da evoluo da cincia da informao. Shera (1980) e Dias (2000) tambm consideram que as origens da Cincia da Informao podem estar ligadas documentao que conseqentemente teria como origem a biblioteconomia.

    Uma forte tendncia dentro da perspectiva histrica da Cincia da Informao a de considerar que suas origens remontam no final do sculo XIX, embora nascida oficialmente no ps-segunda grande guerra, esta teria suas razes e fundamentos colocados em prtica por Paul Otlet, que concebe e desenvolve o sistema de classificao universal, com bases na classificao de Melvil Dewey, e cria o Instituto Internacional de Bibliografia

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    (IIB) juntamente com Henri La Fontaine em 1895. A partir do Instituto comea-se a colocar em prtica uma estratgia para compilao de um catlogo universal da informao registrada existente, catlogo que permitia o acesso por assuntos ao contedo informacional. Este sistema de informao funcionava diferente de uma biblioteca, era um centro difuso de informao onde os aspectos predominantes eram o acesso e a divulgao.

    Rayward (1997) apresenta as idias e prticas desenvolvidas por Paul Otlet estabelecendo relaes no seu trabalho com os mtodos, tcnicas e prticas atuais de organizao, recuperao e divulgao da informao. As atividades desenvolvidas por Otlet e pelo Instituto so comparadas, com as devidas reservas tecnolgicas da poca, com os modelos de recuperao de informao que hoje so utilizados, bem como os servios de informao pagos, as bases de dados on line, os softwares de gerenciamento de banco de dados, multimdia, hipertexto e o prprio conceito da Internet.

    Buckland (1999)2 citado por Robredo (2003, p. 77) acha que no devemos discutir sobre o significado da cincia da informao, mas reconhecer que a informao importante por sua relao com o conhecimento. Observa que a rea possui profundas razes histricas na documentao e nos mtodos (especialmente os baseados no uso de computadores) para o processamento, a gesto e a utilizao dos documentos.

    Para alguns autores as formulaes acerca da definio de Cincia da Informao desde 1968 para c no demonstraram diferenas substanciais em relao definio de Borko, usando este como quadro de referncia, centrando o debate em torno da definio do objeto da C.I., sendo quase que consensual que seu objeto a informao, mas qual seria a melhor e mais adequada definio deste conceito?

    Para Robredo (2003) o paradigma de Borko (1968) comea a ser questionado por correntes que enfatizam os aspectos socioeconmicos e socioculturais dos fluxos e de sua relao com a gnese de novos conhecimentos.

    As discusses a respeito do que informao fomentam a literatura da cincia da informao em busca de um objeto nico, um mtodo nico que caracterize a C.I. como cincia.

    2 BUCKLAND, M. The landscape of information Science: the American society for information Science. Journal

    of the American Society for information Science, v. 50, p. 970 974. 1999.

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    Segundo Robredo (2003) pode-se encontrar em Stonier (1998)3 e Hjorland (1998) grandes contribuies para a compreenso do conceito de informao.

    Para o desenvolvimento desse trabalho os esclarecimentos de Hjorland so pertinentes, pois trazem subsdios importantes para a proposta da pesquisa.

    Dois artigos desse autor levantam questes relevantes. O primeiro 4 de 1995

    defende que a cincia da informao deve ser considerada como uma disciplina social mais do que como uma disciplina mental (cognitiva) e descreve algumas tendncias transdisciplinares recentes que fazem fronteira com as cincias da informao (pesquisa educacional, psicologia, lingstica, filosofia da cincia, etc), o que est fazendo surgir uma nova viso do conhecimento. O autor enfatiza a natureza social, ecolgica e orientada ao contedo da cincia da informao, em oposio abordagem mais formal, baseada no uso dos computadores, em voga nos anos oitenta. Compara a anlise de domnios e outras abordagens das cincias da informao, especialmente abordagem cognitiva, e aponta para problemas que precisam ser investigados, tais como a forma em que os diferentes domnios do conhecimento podem afetar o valor da informao dos diversos pontos de acesso por assunto, nas bases de dados.

    O segundo 5 de 1998

    Destaca alguns princpios importantes no desenho dos documentos estabelecidos em recentes pesquisas sobre a composio dos mesmos, e discute as possibilidades de identificao dos pontos de acesso. Segundo o autor, as teorias de recuperao da informao devem se basear em ou se relacionar com as teorias do conceito e do significado. Discute os contrastes de duas semnticas elaboradas por WITTGENSTEIN: a teoria da imagem descritiva e a teoria dos jogos de linguagem, e mostra as diferentes conseqncias da aplicao de cada teoria para a recuperao da informao e suas implicaes no trabalho dos profissionais da informao.

    O primeiro pontua as interfaces da cincia da informao com outras reas do conhecimento dentre elas a lingstica (significado e semntica) que ser o ponto de interseco abordado nessa pesquisa, tambm, a preocupao de criao de metodologias de construo de classificaes especializadas, outra preocupao deste trabalho que oferecer subsdios para a construo de um referencial terico e metodolgico para a anlise de documentos de fico. O segundo diz a respeito dos princpios importantes no desenho

    3 STONIER, T. Definition of information. In: Virtual Conference on the Foundations of Information Science

    January-December, 1998 (FIS 98). Pedro C. MARIJUN (Org.) http://fis.iguw.tuwien.ac.at/fis98/. 4 HJORLAND, B.; ALBRECHTSEN, H. Toward a new horizon in information Science: domain analysis.

    Journal of the American Society for Information Science, v. 45, n. 6, p. 400 425, 1995. 5 HJORLAND, B. Information retrieval, text composition and semantics. Knowledge Organization, v. 25, n.1/2,

    p. 16 31, 1998.

  • 20

    dos documentos e identificao dos pontos de acesso, entendendo a informao como fenmeno social coletivo refletido nos padres de cooperao, formas de linguagem e comunicao, nas estruturas e organizaes do conhecimento, sistemas de informao, na literatura e nos critrios de relevncia (NASCIMENTO; MARTELETO, 2004).

    Importante esclarecer que trabalhamos acreditando que a Cincia da Informao tem suas origens a partir da biblioteconomia, mas seria em uma perspectiva histrica. No podendo negar que o processo histrico importante, fundamental e determinante para o avano cientfico e tecnolgico da rea. Tendo essa interpretao histrica da evoluo da cincia da informao, a Cincia da Informao teria em Paul Otlet o marco de aplicabilidade do desenvolvimento de tcnicas e fundamentos precursores das prticas profissionais e tericas hoje desenvolvidas.

    No prximo captulo abordaremos justamente a relao entre lingstica e cincia da informao na busca de estabelecer suas contribuies para a Anlise Documental.

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    3. LINGSTICA E A INTERFACE COM A CINCIA DA INFORMAO

    3.1 LINGSTICA

    A lingstica a cincia do sculo XX que estuda a linguagem humana tentando elaborar teorias a respeito da natureza e funcionamento da linguagem e desenvolver sistemas de descrio e anlise das diferentes lnguas. Dependendo do ramo da lingstica algumas mensuraes e experimentos laboratoriais so realizados aproximando-se dos mtodos empregados nas cincias naturais. O estudo da lngua como um conjunto de sistemas formais um dos aspectos centrais da moderna lingstica. Os estudos psicolingsticos, direcionados aos aspectos psicolgicos da lngua e de como se apresentam nos falantes individuais, e os sociolingsticos, que abordam os aspectos sociais do funcionamento e uso da linguagem, tambm so muito importantes. Segundo Lopes (1993, p. 24)

    A lingstica uma cincia interdisciplinar. Ela toma emprestada a sua instrumentao metaligustica dos dados elaborados pela Estatstica, pela Teoria da Informao, pela Lgica Matemtica, etc., e, por outro lado, na sua qualidade de cincia piloto, ela empresta os mtodos e conceitos que elaborou Psicanlise, Musicologia, Antropologia, Teoria e Crtica Literria, etc.; enfim, ela se d, como Lingstica Aplicada, ao Ensino das Lnguas e Traduo Mecnica.

    De acordo com Borba (1967) a lingstica uma cincia que procura determinar, com mtodos prprios, a estrutura e a funo da linguagem humana. Como a linguagem humana, isto , a capacidade que tem o homem de comunicar-se por meio de sons articulados em si, uma abstrao, a lingstica procura a concretizao desta linguagem, ou seja, as lnguas.

    O seu objeto de estudo a linguagem entendida como sistema de elementos sonoros com os quais os homens podem estabelecer relaes de comunicao, expressando seus sentimentos, pensamentos, dentro dos grupos sociais. Algumas caractersticas particulares da linguagem so enunciadas por Borba 1967, p. 36):

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    a) os signos lingsticos que entram na comunicao tm um valor simblico, ou melhor, so representaes ou interpretaes de tudo o que impressiona nosso sentidos. Os smbolos so auditivos e produzidos pelos rgos do aparelho fonador, tm valor objetivo e, pois, no se identificam com as cousas simbolizadas;

    b) se a linguagem atividade mental e capaz de expressar estados mentais, logo verificamos que linguagem e pensamento se relacionam muito estreitamente. Um depende do outro para desenvolver-se em larga escala. O pensamento s exteriorizado pela linguagem. Sendo assim, esta teria apenas a funo secundria de invlucro do pensamento? [....] Linguagem e pensamento no so coexistentes e, do ponto de vista de origem, no podemos imaginar que um sistema de smbolos lingsticos bem desenvolvido tenha podido elaborar-se com anterioridade gnese de conceitos definidos e a utilizao dos conceitos, ou seja, o pensamento.

    c) A linguagem humana articulada, isto , presta-se a uma divisibilidade sistemtica, o que permite chegar a seus elementos mnimos. Esta articulao dupla;

    d) A linguagem primordialmente um sistema auditivo de smbolos. Sua contraparte articulada indica que motora, mas este um aspecto secundrio, pois a linguagem aprendida primeiramente pela audio. Depois disto que entra o processo motor;

    e) Os smbolos lingsticos so arbitrrios, isto , no h relao necessria entre o objeto e o seu nome [....] Um mesmo conceito tem nomes diferentes nas diferentes lnguas, sem que nenhum deles seja mais ou menos adequado para a realidade da cousa;

    f) A linguagem humana um sistema adquirido por aprendizagem. Sendo o homem capaz de falar, pode transmitir sua experincia. Cada ser humano no s apreende a experincia de seus maiores como tambm sua lngua;

    g) A linguagem universal e se traduz numa variedade enorme de lnguas.

    Vrias so as escolas lingsticas: Comparativista, Neogramticos, Escola de Genebra, Escola de Paris, Escola Idealista, Escolas Estruturalistas, Neolingistas, Escola Mecanicista.

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    Na histria da lingstica existem dois momentos-chaves:

    SCULO XVII SCULO XIX Sculo das Gramticas Gerais Sculos das Gramticas Comparadas

    (ou histricas) Marcado pelo racionalismo, onde os

    estudos so concentrados em estudar a linguagem enquanto representao do pensamento, procurando mostrar que as lnguas obedecem princpios racionais e lgicos;

    A linguagem regida por princpios gerais que so racionais, passam a exigir dos falantes clareza e preciso no uso da linguagem;

    A gramtica que constroem deve funcionar como uma mquina que possa separar automaticamente o que vlido e o que no o ;

    Querem atingir a lngua ideal: universal, lgica, sem equvocos, sem ambigidades;

    J no tem mais validade o ideal universal, o que chama ateno dos estudiosos o fato das lnguas se transformarem com o tempo;

    O que importa a mudana e no a preciso;

    Estudos histricos que tentam mostrar que a mudana das lnguas no depende da vontade dos homens, mas de uma necessidade da prpria lngua, tendo uma regularidade;

    Figura expressiva da poca: F. Bopp, sua obra sobre o sistema de conjugao da lngua snscrita data o nascimento da Lingstica Histrica;

    No sculo XIX descobre-se a semelhana entre a maior parte das lnguas europias e snscrito, denominando esse conjunto de lnguas de indo-europias;

    Os indo-europestas dizem que as semelhanas das lnguas indicam seus parentescos, so consideradas da mesma famlia, tendo transformaes naturais de uma mesma lngua de origem: o indo-europeu;

    Propem o mtodo histrico comparado: comparam a lngua e estabelecem correspondncias sonoras e gramaticais;

    O alvo a lngua me explicar um pouco mais

    Contribuio: estabelecer princpios que no se prendiam descrio de uma lngua particular, mas de pensar a linguagem em sua generalidade.

    Contribuio: evidenciar que as mudanas so regulares, tm uma direo, no so caticas, como se pensava.

    Tendncia: Formalismo se ocupa do percurso psquico da linguagem e pensamento, busca o que nico, universal.

    Tendncia: Sociologismo, aplica a estudar o percurso social, explorando a relao entre linguagem e sociedade (mltiplo, diverso e variado).

    Fonte: ORLANDI, E. P. O que lingstica. 5.ed. So Paulo: Brasiliense, 1992. p. 11-15.

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    A gramtica histrica contribui para o aparecimento da Lingstica, como cincia, construindo a escrita simblica que descreve a prpria lngua por meio dos simblicos, ou seja, a metalinguagem.

    As bases tericas da lingstica remontam a Ferdinand de Saussure, considerado pioneiro da semiologia e da semitica.

    Fernand Saussure (Escola de Genebra) quem define com clareza o objeto da lingstica. Ele divide a linguagem em lngua (langue) e discurso (parole).

    A lngua um sistema de valores que se opem uns aos outros e que est depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade; possui homogeneidade e por isso o objeto da lingstica propriamente dito. O discurso um ato individual, em que interferem muitos outros fatores extralingsticos e no qual se fazem sentir a vontade e liberdade individuais, sendo, portanto, heterogneo e no se prestando descrio lingstica. Apesar de reconhecer a interdependncia entre lngua e discurso, F. de Saussure considerava, pois, como objeto stricto sensu da lingstica, a lngua. (CABRAL, 1976, p. 4)

    Para Saussure a linguagem heterclita e multifacetada porque abrange vrios domnios, ou seja, ao mesmo tempo fsica, fisiolgica e psquica, pertencente ao domnio individual e social (FIORIN, 2007, p. 14). um sistema de signos, de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo. Assim, para Saussure, o signo lingstico uma entidade puramente psquica, uma forma, unidade indissolvel entre imagem acstica (significante) e conceito (significado) (CABRAL, 1976, p. 29).

    Os fenmenos lingsticos podem ser estudados de acordo com duas perspectivas: a esttica (ou de equilbrio) e a dinmico (ou de movimento atravs do tempo). O primeiro caso chamado de lingstica descritiva e o segundo de histrica. So interdependente e se auxiliam mutuamente. A distino e conceituao destes dois aspectos sob os quais os fatos podem ser encarados se deve a Fernand de Saussure (Cours ... 1962 p. 114), que chama sincronia quando no h interveno do tempo e diacronia quando os fenmenos se sucedem no tempo (BORBA, 1967, p. 43).

    Para Saussure sincrnico tudo quanto se relacione com o aspecto esttico da nossa cincia, diacrnico tudo que diz respeito s evolues. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designaro respectivamente um estado de lngua e uma fase de evoluo [....] A lingstica sincrnica se ocupar das relaes lgicas e psicolgicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como so percebidos pela

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    conscincia coletiva. A lingstica diacronia estudar, ao contrrio, as relaes que unem termos sucessivos no percebidos por uma mesma conscincia coletiva e eu se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si (SAUSSURE, 1970, p. p.96; 116).

    A lingstica sincrnica estuda todos os elementos gramaticais da lngua, pois as relaes gramaticais estabelecem-se pelos estados da lngua. Dessa forma sincrnica porque um sistema relacionado de peas entre si. Apenas os estados da lngua comportam um sistema. A lingstica diacrnica estuda os fatos no decorrer dos tempos, onde o dinamismo da lngua constante. As mudanas so propiciadas pelo uso ininterrupto e a descontinuidade da transmisso (BORBA, 1967, p. 43).

    Saussurue desmembrou a lngua em unidades lingsticas bsicas, fonemas e palavras, que, segundo ele, no se definem isoladamente, mas somente por meio das inter-relaes com outras unidades. Elas relaes entre os termos ou elementos podem ser de dois tipos: sintagmtico (coerncia, contigidade) ou paradigmtico (substituio).

    Saussure define o objeto da lingstica: a lngua, conceituando-a como o sistema de signos que forma um todo pela organizao das unidades e definindo o signo como associao entre significante (imagem acstica) e significado (conceito).

    Segundo o autor o lao que une o significante com o significado seria arbitrrio, convencional e imotivado, sendo, dessa forma, formado de unidades abstratas e convencionais. No h motivo para que um determinado animal seja chamado pelo nome que conhecemos, por exemplo, gato. Mas uma vez atribudo esse nome a ele, ele passa a ter um valor na lngua. Quando chamamos gato associamos em nosso crebro com a idia de gato e no de co, cavalo, etc.

    Essa relao de diferena que constituem o sistema da lngua. Um signo sempre ter relao com outro que ele no . Desta forma, o valor do signo relativo e negativo, gato significa gato, porque no significa co.

    A lngua e a fala so consideradas de forma distinta por ele. A lngua considerada como um sistema abstrato, fato social, geral, virtual. A fala a realizao concreta da lngua pelo sujeito falante. Dessa forma ele exclui a fala do campo da lingstica uma vez que essa depende do indivduo e no da sistemtica. Ele tambm separa a sincronia, considerado o estado atual do sistema da lngua, da

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    dicronia, sucesso de diferentes estados da lngua em evoluo, excluindo esta ltima do domnio da Lingstica.

    As bases da lingstica so lanadas com os conceitos de lngua, valor e sincronia.

    A organizao interna da lngua chamada de sistema, mas os sucessores de Saussure a chamam de estrutura, ou seja, os elementos da lngua s adquirem valor quando se relacionam com o todo.

    Uma das formas de estruturalismo, no interior da lingstica, o funcionalismo que tem como objetivo a considerao das funes desempenhadas pelos elementos lingsticos e seus aspectos: fnicos, gramaticais e semnticos. Que apresentam dificuldades para encontrar traos de distino, por exemplo, no campo semntico e morfolgico, o que leva a sofisticao dos instrumentos de descrio, levando em considerao diferentes nveis de relaes: oposio (aspectos fnicos) e de contraste. Esses nveis de relao constituram os dois eixos que so o suporte da organizao geral do sistema da lngua: eixo paradigmtico e sintagmtico.

    As relaes de substituio ou de combinao de formas dariam, portanto, sustentao para toda a estrutura da lngua. Mas, no s a noo de relao foi entendida de vrias formas pelos estruturalistas, a prpria noo de funo foi vista de outras maneiras criando outros funcionalismos.

    As funes constitutivas da natureza da linguagem que sero caracterizadas segundo o papel que cada um dos elementos do processo de comunicao.

    Esses elementos seriam: funo expressiva centrada no emissor; a conotativa centrada no receptor; a referencial centrada no objeto da comunicao; a ftica centrada no canal, no meio que liga o emissor e receptor; a potica centrada na mensagem; e a metalingstica centrada no cdigo.

    Dependendo do contexto salientamos mais uma funo em detrimento da outra.

    O distribucionalismo seria outra forma de estruturalismo. Teoria elaborada por L. Bloomfield que prope uma teoria geral da linguagem que tem pontos de interseo com a teoria europia do funcionalismo. Ele apresenta uma explicao comportamental, behaviorista dos fatos lingsticos, com a fundamentao no esquema estmulo/resposta. Para aplicao de seu projeto lingstico a descrio colocada em prtica, onde o historicismo e qualquer referncia de significado excluda. Portanto, para estudar a lngua necessrio reunir um conjunto de

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    enunciados efetivamente emitidos pelos falantes em um certo momento, isso seria o que Bloomfield demonina de Corpus.

    O desenvolvimento da lingstica marcado pelos crculos lingsticos que so grupos de estudiosos que se renem para discutir a linguagem sobre vrias perspectivas.

    A lingstica sofre uma grande mudana na dcada de 1950 com os estudos de Chomsky que critica a evocao classificatria dos distribucionalistas propondo uma reflexo sobre a linguagem, fazendo com que ela tornasse-se explicativa e cientfica. Para Chomsky os lingistas devem descrever a competncia que a capacidade que todo falante/ouvinte tem de produzir/compreender as frases da lngua. O desempenho dos falantes em suas atividades lingsticas concretas que a performance, ou estudo da atuao, no interessa a ele.

    Assim como Saussure que separa lngua de fala, ou o que lingustico do que no Chomsky distingue competncia de desempemnho. A competncia lingstica a poro do conhecimento do sistema lingstico do falante que lhe permite produzir o conjunto de sentenas de sua lngua; um conjunto de regras que o falante contruiu em sua mente pela aplicao de sua capacidade inata para a aquisio da linguagem aos dados lingsticos que ouviu durente a infncia (FIORIN, 2007, p. 15).

    Muitas crticas so levantadas a semntica gerativa de Chomsky, pois para os defensores da semntica gerativa na relao entre sintaxe e semntica, a primeira no o centro autnomo das frases, pois quem determina o poder gerativo a semntica.

    A lngua sistema lingustico socializado de Saussure aproxima a Lingstica da Sociologia ou da Psicologia Social; a competncia conhecimento lingstico internalizado aproxima a Lingstica da Psciologia Cognitiva ou da Biologia (FIORIN, 2007, p. 15).

    A partir dos estudos da Lingstica como cincia da linguagem vrios outros estudo surgem sempre avaliando a relao entre o signo e a relao entre os signos e o mundo.

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    3.2 LINGSTICA E A CINCIA DA INFORMAO

    A cincia da informao tem firmado uma estreita ligao com a lingstica ao utilizar seus mtodos e processos para a descrio dos documentos. Esses campos do conhecimento so explorados em suas subreas por pesquisadores na procura de subsdios para a aplicabilidade nas duas reas.

    Um exemplo desses pesquisadores so os profissionais que compem o Grupo Temma. O Grupo Temma nasceu de um grupo de professores que promoviam discusses para melhor integrar as disciplinas que eram oferecidas no curso de graduao em biblioteconomia e documentao da Escola de Comunicaes da USP (Universidade de So Paulo). Conforme as preocupaes tornaram-se mais especficas

    uma vez que, por um lado, havia uma forte demanda por cursos extra-curriculares na rea de anlise e representao temtica, as quais se tentou responder organizando cursos de extenso, de outro lado a linha de pesquisa, em nvel de ps-graduao, na medida em que se estruturava, reunia pesquisadores com preocupaes convergentes. (SMIT, 1989, p. 7).

    A partir das discusses, dos cursos e da avaliao da pesquisa, cada grupo de pesquisadores aprofunda-se nas questes e preocupaes de interesse.

    Ento, no incio da dcada de 1970, as pesquisas de um grupo foram direcionadas para um campo que no integrava o currculo da biblioteconomia no Brasil: a interseo entre a documentao e a lingstica.

    Uma das fundadoras do Grupo Temma, professora Johanna W. Smit, descreve como surgiu essa interseo:

    Lembro-me de uma conferncia que James Perry fez em 1970: seria incapaz de relembrar o assunto geral da conferncia; a nica imagem que ficou gravada na minha memria dizia respeito aos anis de benzeno que o homem desenhou na lousa, discorrendo sobre os diferentes radicais e as relaes que se estabeleciam entre o anel e os radicais. Naquele momento, um pararelo se estabeleceu entre o anel de benzeno e o miolo das palavras, modificveis pelos diferentes radicais. Na poca, tive a impresso de que, se conseguisse isolar melhor os miolos, a documentao trabalharia com maior economia e eficcia, preocupando-se unicamente com o cerne da questo (SMIT, 1989, p. 8)

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    A busca pelo cerne da questo levou o Grupo Temma a direcionar seus trabalhos lingstica, consequentemente gramtica dos casos e lingstica e semntica dos textos, que ultrapassavam a barreira da frase. A anlise documentria e a lingstica passaram a ser discutidas em conjunto.

    Inicialmente o Grupo Temma era composto por sete pesquisadores, dentre eles bibliotecrios e lingistas, e em sua maior parte docentes do Departamento de Biblioteconomia e Documentao da Escola de Comunicaes e Artes da USP, dentre eles: Eunides Aparecida do Vale; Anna Maria Marques Cintra; Isabel M. R. Ferin Cunha; Maria de Ftima G. M. Tlamo; Johanna Smit; Nair Yumiko Kobashi e Regina Keiko Obata Amaro.

    A ligao entre a documentao e a lingstica existe desde 1957 quando Luhn, o idealizador dos ndices KWIC e KWOC6, utilizou-se de fundamentos da lingstica distribucionalista de Harris.

    Outro componente importante destacado pelo Grupo Temma a lgica, pois com o surgimento das discusses em torno da automao da indexao, anlise e classificao perceberam que a problemtica de anlise no se resumia nas questes de sintaxe e semntica, uma vez que ao ultrapassar os limites da frase, entrando no texto, esse componente (a lgica) intervinha. As relaes lgico-semnticas so importantes para a criao de instrumentos que normalizem e homogenizem a traduo da informao contida nos documentos em informao documentria.

    Dessa forma, Smith enumera vrias barreiras que foram ultrapassadas; a) para fins de anlise documentria, a frase no e forosamente uma

    unidade relevante de informao, uma vez que a informao relevante pode estar numa palavra, frase, pargrafo ou texto. A unidade de anlise pr-determinada deixa de ser um conceito pertinente;

    b) quando a unidade de anlise o prprio texto, para gerenci-lo de forma eficaz necessrio dominar, entre outras, sua estruturao

    6 ndice criado por H. P. Luhn (1959). O ndice Kwic (keyword in contexto index) rotado, derivado, em sua forma mais

    comum, dos ttulos de publicaes. Cada palavra-chave que aparece num ttulo torna-se ponto de entrada, destacada de alguma forma, aparecendo, normalmente, realada no centro da pgina. As palavras restantes do ttulo aparecem envolvendo a palavra-chave. O ndice kwic constitui o mtodo mais simples de produo de ndices impressos por computador, no entanto, tem alguma eficincia, pois cada palavra-chave vista em seu contexto. O ndece Kwoc (keyword out of contexto) similar ao Kwic, exceto que as palavras que se tornam pontos de acesso so repetidas fora do contexto, comumente destacadas na margem esquerda da pgina. LANCASTER, F. W. Indexao e resumos: teoria e prtica. 2.ed. Braslia: Briquet de Lemos, 2004. p. 54-55.

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    interna, o que leva a uma valorizao das relaes lgico-semnticas presentes no texto;

    c) na hiptese precedente, o texto (inclusive o texto cientfico) deixa de ser um espao neutro, composto de uma nica camada unvoca, passando a ser entendido como uma sobreposio de vrias camadas, algumas internas ao texto, outras externas. Surge a discusso da pragmtica: as condies de produo do texto, bem como suas condies de consumo. O texto deixa de ser um objeto neutro, isolado, fechado, e passa a ser um espao de circulao de informaes, ou seja: as informaes contidas no prprio texto acrescidas das leituras que delas so feitas no momento da produo, anlise documentria ou consumo.

    A coordenadora do Grupo Temma, professora Smit, descrevia em 1989 o que o grupo buscava:

    No acreditamos que seja possvel chegar compreenso do processo da anlise documentria sem o devido aprendizado da dosagem adequada entre a lingstica do texto e a anlise do discurso. Trata-se tanto da busca de uma homogeneidade entre conceitos provenientes de horizontes diversos (lingsticos e lgicos, principalmente), como tambm de uma procura pelo ponto de equilbrio entre a anlise da frase e a anlise do discurso, tentando extrair de ambas aquilo que, somado, levar a uma anlise documentria eficaz (Smit, 1989, p. 6)

    Atualmente o Grupo Temma formado pelos pesquisadores Anna Maria Marques Cintra, Joo Batista Ernesto de Moraes, Johanna Wilhelmina Smit, Jos Augusto Chaves Guimares, Maria de Ftima Gonalves Moreira Tlamo, Maringela Spotti Lopes Fujitta, Marilda Lopes Ginez de Lara, Nair Yumiko Kobashi e Vnia Mara Alves Lima.7

    7 O Grupo TEMMA vem atuando na construo de conhecimentos relacionados organizao da informao.

    Inicialmente o grupo concentrou seus esforos na Anlise Documentria, enfatizando os procedimentos que subjazem atividade profissional da "representao do contedo". A elaborao de diferentes pesquisas permitiu diferenciar claramente, na temtica do grupo, 3 eixos de ao: a) o processo da anlise documentria, principalmente a indexao, enquanto procedimento de representao da informao contida em documentos e a elaborao de resumos; b) a funo comunicacional dos produtos gerados pela anlise documentria (resumos e ndices); c) a construo de linguagens de organizao e transferncia de informao. O Grupo TEMMA vem diversificando o escopo de suas pesquisas, investindo particularmente nos estudos de terminologia aplicada organizao e transferncia da informao; processos de leitura que sustentam a anlise documentria e a reflexo acerca da linguagem de especialidade da Cincia da Informao. As pesquisas, inicialmente limitadas aos documentos textuais, passaram a incluir os documentos audiovisuais, arquivsticos e jurdicos. O Grupo TEMMA reconhecido nacionalmente como o nico grupo formalmente voltado para as pesquisas relacionadas organizao da informao: seus pesquisadores orientam na ps-graduao e atuam na graduao em temticas relacionadas aos objetivos do Grupo e sua produo

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    Neste contexto, em pesquisa realizada por Mendona (2000), destacada as subreas mais estudadas nos ltimos 10 (dez) anos apontam para estudos da terminologia e anlise documental com o objetivo de construo de vocabulrios, o autor cria grupos temticos de interseo entre a lingstica e as reas conhecidas dos estudos da informao, inseridos na grande rea da Organizao do Conhecimento e Representao da Informao, sendo caracterizados por: fundamentos tericos, sistemas de classificao, indexao e mtodos, representao do conhecimento por linguagem e terminologia, classificao e indexao aplicadas, sistemas de classificao universal e tesauros, ambiente da organizao do conhecimento. Foram identificados 7 (sete) grupos temticos que possuem, por sua vez, subgrupos, a saber: terico, quantitativo, temtico, aplicativo, ensino, tecnolgico, normativo.

    1 ABORDAGEM TEXTUAL (TERICO): 1.1 Abordagem geral e profunda dos aspectos da linguagem e da linguagem documentria; 1.2 A estruturao e a representao do conhecimento atravs de elementos da linguagem e da psicologia cognitiva; 1.3 Os parmetros das reas da documentao e da pesquisa;1.4 As novas disciplinas que interagem no campo da cincia da informao.

    2 LINGSTICA E BIBLIOMETRIA (QUANTITATIVO): 2.1 A validade da Lei de Zipf8 na quantificao da informao.

    3 A REPRESENTAO DA INFORMAO, ABORDAGEM SEMNTICA, CONCEITUAL E TERMINOLGICA (TEMTICO): 3.1 A traduo do termo descritor e a temtica do emprstimo lingstico; 3.2 Questes e contribuies filosficas na representao do conhecimento; 3.3 As relaes e contribuies lexicogrficas; 3.4 A estruturao de conceitos visando recuperao da informao.

    bibliogrfica constitui bibliografia bsica para os cursos de graduao e ps-graduao brasileiros e espanhis. Intercmbios vm se desenvolvendo com pesquisadores portugueses (Universidade do Porto) e espanhis (Universidade Autnoma de Madri, Salamanca e Carlos III). 8 Uma das principais leis da bibliometria. As leis de Zipf esto relacionadas com a freqncia de ocorrncia de palavras

    em um dado texto enriquecida pelo Ponto de Transio (T) de Goffman diretamente com a representao da informao, isto , a indexao temtica automtica. Zipf observou que, num texto suficientemente longo, existia uma relao entre a freqncia que uma dada palavra ocorria e sua posiona lista de palavrasordenadas segundo sua freqncia de ocorrncia. Essa lista era confeccionada, levando-se em conta a freqncia decrescente de ocorrncias. posio nesta listad-se o nome de ordem de srie (rank). Assim, a palavra de maior freqncia de ocorrncia tem ordem de srie 1, a de segunda maior freqncia de ocorrncia, ordem de serie 2 e, assim, sucessivamente

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    4 O ESTUDO DA INDEXAO AUTOMTICA E DA LINGUAGEM NATURAL (APLICATIVO): 4.1 As abordagens da indexao automtica que estudam a aplicao operacional da estrutura de projetos; 4.2 A recuperao automtica e o processamento eletrnico da informao em base de dados; 4.3 O uso do sintagma nominal no encadeamento da informao.

    5 AS RELAES CURRICULARES (ENSINO): 5.1 As relaes curriculares da lingstica com a biblioteconomia, a documentao e a cincia da informao.

    6 AS TECNOLOGIAS DOS SISTEMAS ESPECIALISTAS E A INTELIGNCIA ARTIFICIAL (TECNOLGICO): 6.1 Os sistemas especialistas e a temtica da inteligncia artificial para uso na recuperao da informao.

    7 A CLASSIFICAO DECIMAL UNIVERSAL E A LINGSTICA (NORMATIVO): 7.1 O atraso no desenvolvimento da CDU em relao ao campo lingstico; 7.2 A ausncia de normalizao e o uso da linguagem nas tabelas de classificao.

    Nos estudos aplicados no sentido de compreender o contedo dos documentos a serem analisados com fins de Anlise Documental, para a recuperao da informao, as contribuies advindas da lingstica tm sido muito importantes. Gardin (1974)9 apud Kobashi (1989)

    considera a Anlise Documentria como um tipo de anlise semntica que se aproxima da anlise de contedo do ponto de vista do objeto textos a serem analisados, devendo-se chegar ainda sua representao pela mediao de um sistema simblico: uma metalinguagem. A anlise documentria aproxima-se tambm da semitica pela preocupao com a formulao de modelos de simbolizao da linguagem.

    A partir dos estudos de Gardin, do lxico documental, temos o marco para a lingstica no tratamento temtica da informao. Para o autor existe uma aproximao da anlise documentria com outros tipos de anlises de contedo considerando sua caracterstica de especificidade e carter pragmtico.

    9 GARDIN, J. C. Ls analyses de discours. Neuchatel, Delachaux et Niestl, 1974.

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    Kobashi (1989, p.50) sistematiza quais seriam as noes da Lingstica importantes para a anlise documentria:

    a. Relaes sintagmticas e paradigmticas: noes importantes para a organizao de campos semnticos e estruturao de campos lexicais, tendo em vista a elaborao de linguagens documentrias.

    b. Distino entre linguagem, lngua e fala: noes importantes para a distino entre linguagem natural e linguagem documentria.

    c. Estudos distribucionais e de ocorrncia: importantes tendo em vista a elaborao de instrumentos de anlise documentria.

    d. Gramtica transformacional: a relao entre a estrutura gramatical e estruturas lgicas do pensamento permitem pensar em identificao sistemtica de funes e enunciados, conceito importante para a realizao automtica da anlise documentria.

    e. Gramtica de casos: conceitos que permitem isolar universais lingsticos e categoriz-los operacionalmente no processo de construo de linguagens documentrias.

    Vrias so as contribuies da Lingstica para a Anlise Documental. A Lingstica textual tem colaborado grandemente por meio de esquemas formais dos diferentes tipos de texto para a prtica da indexao Segundo Koch (2004) diversas concepes de texto fundamentam os estudos em lingstica:

    1) Texto como frase complexa ou signo lingstico mais alto na hierarquia do sistema lingstico aqui apresentando uma concepo de base gramatical;

    2) Texto como signo complexo aqui apresentando uma concepo de base semitica;

    3) Texto como expanso tematicamente centrada de macroestruturas aqui apresentado uma concepo de base semntica;

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    4) Texto como ato de fala complexo aqui apresentando uma concepo de base pragmtica;

    5) Texto como discurso congelado, como produto acabado de uma ao discursiva aqui apresentando uma concepo de base discursiva;

    6) Texto como meio especfico de realizao da comunicao verbal aqui apresentando uma concepo de base comunicativa;

    7) Texto como processo que mobiliza operaes e processos cognitivos aqui apresentando uma concepo de base cognitivista;

    8) Texto como lugar de interao entre atores sociais e de construo interacional de sentidos aqui apresentando uma concepo sciocognitiva-interacional.

    A lingstica textual concentra sua ateno no processo comunicativo estabelecido entre o autor, o leitor e o texto em um determinado contexto. A interao entre eles que define a textualidade. A textualidade o conjunto de caractersticas que fazem com que um texto seja considerado como tal, ou seja, tenha sentido. Segundo Beaugrande e Dressler (1981), dois blocos de 7 (sete) fatores so responsveis pela textualidade em qualquer discurso:

    Coerncia FATORES SEMNTICO/FORMAL Coeso

    Intencionalidade Aceitabilidade

    Situcionabilidade Informatividade

    FATORES PRAGMTICOS

    Intertextualidade A lingstica textual surgiu na Europa Continental, sendo especialmente

    valorizada na Alemanha e Holanda. Comeou a se desenvolver na Europa a partir do final dos anos 1960, principalmente entre os anglo-germnicos, dedicando-se a

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    estudar os princpios constitutivos do texto e os fatores envolvidos em sua produo e recepo. Tinha como preocupao a descrio dos fenmenos sinttico-semnticos que ocorriam entre enunciados ou seqncia de enunciados. Nesse momento, ainda no se faz distino entre os fenmenos ligados coeso, e os ligados coerncia, sendo chamada de anlise transfrstica (KOCK, 2002). Tambm, na mesma poca, fortaleceram os estudos voltados para fenmenos que ultrapassam os limites da frase, como o texto e o discurso, a enunciao, a interlocuo e suas condies de produo.

    A anlise do Discurso, as teorias da enunciao, a Pragmtica, a Anlise da Conversao, os estudos de lngua falada, tambm contriburam para o conceito de textualidade, questes que antes no eram consideradas dentro do campo lingstico. Segundo Koch (2004), quando a lingstica textual surgiu, o conceito de texto girava em torno da anlise transfrsica e a construo de gramticas do texto, onde o objeto de estudo era a coeso e a coerncia consideradas como qualidades e propriedades do texto. Mas, na dcada de 1980, na Europa e tambm no Brasil, o conceito de coerncia ampliado. Pesquisas so realizadas sobre coeso e coerncia textuais. Outros fatores (alguns aqui j enunciados) passam a ser objetos das pesquisas sobre o texto (informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade, aceitabilidade, contextualizao, focalizao, consistncia e relevncia). Na dcada de 1990 uma tendncia sociocognitivista envolve as pesquisas dando uma nova perspectiva para os estudos do texto, tais como a referenciao, inferenciao, acessamento ao conhecimento prvio. Nesse momento retorna a questo dos gneros literrios dentro do eixo das pesquisas na perspectiva de Bakhtin.

    A lingstica textual trata o texto como um ato de comunicao unificado num complexo universo de aes humanas (KOCH, 2002, p.11), preservando a organizao linear (coeso) e considerando a organizao reticulada (aspectos semnticos e funes pragmticas realizados pela coerncia).

    O objeto de investigao da lingstica textual o texto entendido como unidade bsica de manifestao da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenmenos lingsticos que s podem ser explicados no interior do texto (KOCH, 2002, p.11).

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    Entre os autores que defendem as principais vertentes da lingstica textual Van Dijk um dos mais pertinentes porque trabalha com as macroestruturas textuais, produzindo resumos, estudando as superestruturas, a tipologia dos textos, e dedicando os seus estudos a Anlise Crtica do Discurso, cincia do texto, pragmtica da comunicao literria.

    No captulo a seguir sero apresentadas mais questes envolvendo a lingstica textual, bem como as tipologias textuais.

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    4. LINGUSTICA TEXTUAL E TIPOLOGIAS TEXTUAIS

    Interpretar um texto no dar-lhe um sentido (mais ou menos esclarecido, mais ou menos livre), , ao contrrio, observar de que plural ele feito.

    ROLAND BARTHES

    A lingstica textual trata o texto como um ato de comunicao unificado num complexo universo de aes humanas (KOCH, 2002, p.11), preservando a organizao linear (coeso) e considerando a organizao reticulada (aspectos semnticos e funes pragmticas realizados pela coerncia). O objeto de investigao da lingstica textual o texto entendido como unidade bsica de manifestao da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenmenos lingsticos que s podem ser explicados no interior do texto (KOCH, 2002, p. 1).

    Entre os autores que trabalham com a lingstica textual temos Van Dijk que direciona seus estudos s macroestruturas textuais, produzindo resumos, estudando as superestruturas, a tipologia dos textos, e dedicando os seus estudos a Anlise Crtica do Discurso, cincia do texto, pragmtica da comunicao literria. Beaugrande e Dressler se dedicam ao estudo dos principais critrios ou padres de textualidade e o processamento cognitivo do texto. Givn, bem como outros autores que trabalham na linha americana de Anlise do Discurso, estuda mais as formas de construo lingstica do texto enquanto seqncia de frases, tambm com o processamento cognitivo do texto e com o estudo dos mecanismos e os modelos cognitivos envolvidos no processamento. Em Weinrich, vemos a construo de uma macrossintaxe do discurso, o texto uma seqncia linear de lexemas e morfemas que se condicionam reciprocamente constituindo o contexto.

    Inserido nos estudos da lingstica textual utilizaremos os elementos da semntica discursiva para potencializar a interpretao dos textos, que segundo Greimas citado por Fiorin (1999, p.13) deve ser: gerativa; sintagmtica e geral, e que sero mais bem explicados no prximo captulo.

    Segundo Koch (2004) por meio dos textos que o ser humano consegue organizar cognitivamente o mundo. Devido a isto, os textos tambm so

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    considerados excelentes meios de intercomunicao, produo, preservao e transmisso do saber. [....] No apenas tornam o conhecimento visvel, mas, na realidade, sociocognitivamente existente.

    A palavra texto significa tecido, entrelaado, sua provenincia do latim textum. Etimologicamente, provm da ao de tecer, entrelaar unidades e partes para formar um todo inter-relacionado (INFANTE, 2001, p. 90)

    O texto constitudo de uma base composta por uma srie de proposies que objetivam a seqncia textual que pode ser explcita ou implcita. A base explcita do texto a seqncia de proposies das que uma parte fica implcita ao pronunci-las como seqncia oracional, j a base implcita do texto se manifesta em sua totalidade, mediante a omisso das proposies conhecidas, diretamente como texto, por isso, uma base explcita do texto to s uma construo terica e acaso tambm uma reconstruo de processos de interpretao cognitiva. (VAN DIJK, 1997)

    Dois dados, conforme explica Fiorin e Savioli (2003), so importantes para a leitura de um texto:

    a) num texto, o significado de uma parte no autnomo, mas depende das outras com que se relaciona;

    b) o significado global de um texto no o resultado de mera soma de suas partes, mas de uma certa combinao geradora de sentidos.

    Ou seja, num texto o sentido de cada parte definido pela relao que mantm com as demais constituintes do todo; o sentido do todo no mera soma das partes, mas dado pelas mltiplas relaes que se estabelecem entre ela (FIORIN; SAVIOLLI, p. 14)

    A primeira propriedade de um texto seria a coerncia de sentido, ou seja, as frases esto relacionadas entre si e o sentido de uma frase depende do sentido das demais com que se relaciona. O contexto fundamental, pois, uma frase pode ter sentidos diferentes dependendo do local em que est inserida. Segundo Fiorin e Saviolli (2003, p.14) o contexto a unidade maior em que uma unidade menor est inserida. A frase (unidade menor) serve de contexto para a palavra; o texto, para a frase, etc. O contexto pode ser explcito, quando expresso com palavras, ou implcito, quando est embutido na situao em que o texto produzido.

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    O texto um todo organizado de sentido onde existem partes solidrias. Para tanto, existem os fatores que garantem que as frases no sejam um amontoado desorganizado. Os fatores so a coerncia e a ligao das frases por certos elementos que recuperam as passagens j apresentadas.

    A base da coerncia a continuidade de sentido, a ausncia de discrepncias. O segundo fator, que garante a ligao pela utilizao de conectivos no to importante, pois mesmo sem a presena deles um conjunto de frases podem ser coerentes.

    A segunda caracterstica do texto a delimitao por dois brancos. Ele sempre ser delimitado por dois espaos, chamados de dois brancos, um quando comea o texto, e outro depois quando termina. o espao em branco no papel antes do incio e depois do fim do texto (FIORIN; SAVIOLLI, 2003, p. 17).

    A terceira caracterstica que todo texto tem um carter histrico, no no sentido de narrar fatos histricos, mas por revelarem ideais e concepes de um grupo social em uma determinada poca. Seu autor pertence a um grupo social num tempo e num espao e, conseqentemente, escreve sobre as idias, anseios, temores, expectativas desse tempo e grupo social. Por isso, necessrio compreender as concepes na poca em que o texto foi produzido para no olh-lo de uma perspectiva errnea.

    De acordo com Tati (2002) todo texto um tecido, uma estrutura construda de tal modo que as frases no tm significado autnomo, e, que num texto o sentido de uma frase dado pela correlao que ela mantm com as demais, acrescenta ainda, que todo o texto admite trs planos distintos em sua estrutura.

    Esses trs planos seriam: Estrutura superficial ou discursiva: Esta fase seria onde afloram os

    significados mais concretos e diversificados. nesse nvel que se instalam no texto o narrador, os personagens, os cenrios, o tempo e as aes concretas.

    Estrutura intermediria ou narrativa: Nesta fase, definem-se basicamente os valores com que os diferentes sujeitos entram em acordo ou desacordo.

    Estrutura profunda: Nesta fase, ocorrem os significados mais abstratos e mais simples. nesse nvel que se podem postular dois significados abstratos

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    que se opem entre si e garantem a unidade do texto inteiro. Por exemplo: vida versus morte, natureza versus civilizao, unicidade versus multiplicidade. Cada um dos plos opostos da estrutura profunda vem investido de uma apreciao valorativa. A valorizao dada pelo texto, e no cabe ao leitor alter-la. Os fatores semntico, formal e pragmticos de textualidade e processamento

    cognitivo seriam responsveis pelos traos semnticos que estabeleceriam a leitura que deve ser feita no texto.

    4.1 TIPOLOGIAS TEXTUAIS

    Pode-se observar que os textos apresentam diferentes formas de estrutura. Sendo os textos diferentes, tambm so diferentes os modos de interao e interlocuo, o que contribui fundamentalmente para o desenvolvimento da competncia comunicativa. Cada tipologia textual apropriada para um tipo de interao especfica (TRAVAGLIA, 2002).

    A tipologia textual seria a forma de instaurar um modo de interao, de interlocuo, segundo perspectivas que podem variar. Elas podem estar ligadas ao produtor do texto em relao ao objeto, ou ao fazer e acontecer, ou conhecer e saber, e tambm, insero destes no tempo e/ou no espao. Ou seja, dependendo da perspectiva que o autor apresentar gerar um tipo de texto. As classificaes de tipologias textuais no so unvocas entre os pesquisadores. No entando, os quatro tipos mais conhecidos so: narrao, argumentao, exposio e descrio.

    A narrao a modalidade textual em que se conta um fato, fictcio ou no, que ocorreu num determinado tempo e lugar, envolvendo certos personagens. Refere-se a objetos do mundo real. H uma relao de anterioridade e posterioridade. O tempo verbal predominante o passado. Estamos cercados de narraes desde que nos contam histrias infantis como Chapeuzinho Vermelho ou A Bela Adormecida, at as picantes piadas do cotidiano. A descrio tipo de texto em que se faz um retrato por escrito de um lugar, uma pessoa, um animal ou um objeto. A classe de palavras mais utilizada nessa produo o adjetivo, por sua funo caracterizadora. Numa abordagem mais abstrata, pode-se at descrever sensaes ou sentimentos. No h relao de anterioridade e posterioridade. A argumentao o estilo de texto com posicionamentos pessoais e exposio de

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    idias. Tem por base a argumentao, apresentada de forma lgica e coerente a fim de defender um ponto de vista. Presena de estrutura bsica: apresentao da idia principal, argumentos, concluso. Utiliza verbos na 1 e 3 pessoas do presente do indicativo. E a exposio apresenta informaes sobre assuntos, expe idias; explica, avalia, reflete. Sua estrutura bsica formada por: idia principal, desenvolvimento, concluso. Faz uso de linguagem clara, objetiva e impessoal. A maioria dos verbos est empregada no presente do indicativo. Para o desenvolvimento deste trabalho abordaremos somente a tipologia textual narrativa.

    4.2 NARRAO

    Para Fiorin e Savioli (2003) antes de definir o que narrao se faz necessrio distinguir narrativa de narrao. A narratividade uma mudana de estado operada pela ao de uma personagem, sendo definido por uma mudana de situao, e isso acontece mesmo quando a personagem no aparece no texto. Existem dois tipos de mudana. O primeiro marcado quando uma personagem passa a ter alguma coisa que no tinha, por exemplo, um bem material, uma posio, um cargo. O segundo quando uma personagem deixa de ter alguma coisa que possua, por exemplo, era rica e ficou pobre. Estes so dois exemplos dos tipos bsicos de narratividade: de aquisio e de perca. Mas o texto narrativo no marcado somente por mudanas. Nele ocorrem vrias transformaes. Tipicamente a narrativa apresenta quatro mudanas de situaes, sejam elas implcitas ou explicitamente, e podem ser de aquisio ou perda. Vejamos a seguir essas quatro mudanas:

    a) uma em que uma personagem passa a ter um querer ou um dever, um desejo ou uma necessidade de fazer algo: quando algum diz me deu uma vontade enorme de tomar uma cerveja, temos a primeira transformao, pois passou de um no querer a um querer;

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    b) uma em que ela adquire um saber e um poder, isto , a competncia necessria para fazer algo: se quem passou a ter vontade de tomar uma cerveja vai pegar dinheiro para compr-la, passou de um estado de no poder tomar a cerveja para o de poder tom-la;

    c) uma que a mudana principal da narrativa, a realizao daquilo que se quer ou se deve fazer: quando quem quer tomar a cerveja a compra e a bebe, passamos da situao de no ter o prazer gustativo proporcionado pela bebida para a situao de t-lo;

    d) uma em que se constata que a transformao principal ocorreu e em que se podem atribuir prmios ou castigos s personagens: suponhamos que a personagem que tomou a cerveja seja uma criana e que o pai, tendo constatado que ele bebeu uma bebida alcolica, ou seja, tendo passado da situao de no saber para a de saber, aplique um castigo a ela; teremos uma transformao do estado de no-castigado para o de castigado. Geralmente, os prmios so para os bons, e os castigos, para os maus, mas h narrativas em que o bem castigado, e o mal, premiado.

    Essas quatro mudanas esto presentes em todas as narrativas, mesmo quando no so mencionadas, pois existe uma ordem lgica de apresentao dele, ou seja, elas se pressupem.

    As narrativas so simulacros das aes do homem no mundo, sendo o estudo da narrativa uma teoria da ao realizada em relao s coisas ou aos seres humanos (FIORION; SAVIOLI, 2003).

    As seqncias narrativas coordenam-se umas s outras e em uma narrativa longa vrias seqncias podem ser apresentadas.

    A narrativa diferente da narrao. Pode ser um componente existente em textos que no so narraes.

    A narrativa possui quatro caractersticas bsicas:

    1) um conjunto de transformao de situaes referentes a personagens determinadas, mesmo que sejam coletivas (por exemplo, o povo brasileiro), ou a coisas particulares, num tempo preciso e num espao bem configurado;

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    2) como a narrao opera com personagens, situaes, tempos e espaos bem determinados, trabalha predominantemente com termos concretos, sendo, portanto, um texto figurativo10;

    3) no interior do texto narrativo, h sempre uma progresso temporal entre os acontecimentos relatados, isto , conta ele eventos concomitantes, anteriores ou posteriores uns aos outros (devemos observar, no entanto, que o narrado pode dispor os acontecimentos no texto na ordem em que quiser, o concomitante e o posterior, pode comear a contar uma histria e, depois de dizer, por exemplo, antes disso, narrar eventos que sucederam antes. Em Memrias pstumas de Brs Cubas, comea-se a narrao pelo bito do narrador e, depois, vm seu nascimento, sua infncia, a vida adulta etc);

    4) o ato de narrar ocorre, por definio, no presente, dado que, como vimos, o presente indica uma concomitncia em relao ao momento da fala (no caso, fala do narrado), ele posterior histria contada, que, por conseguinte, anterior a ele; por isso, o subsistema do pretrito (pretrito perfeito, pretrito imperfeito, pretrito mais-que-perfeito e futuro do pretrito) o conjunto de tempos por excelncia da narrao.

    Essas quatro caractersticas, situaes concretas, figuratividade, relaes de posterioridade, concomitncia e anterioridade entre os episdios relatados, e utilizao preferencial do subsistema temporal do passado, devem estar conjuntamente presentes em um texto para que ele seja uma narrao. A ausncia de uma delas descaracteriza o texto como narrao.

    A seguir um exemplo de texto visual que contm as quatro caractersticas:

    10 Veremos no captulo sete a definio de texto figurativo

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    Fonte: Cartum de Roger Blachon

    Este Cartum de Roger Blachon, segundo Fiorin e Plato (2003), um exemplo de seqncia narrativa concentrada em uma s imagem. O toureiro enfrentando o touro, o touro chifrando-o na perna, o toureiro caindo, a entrada do homem para socorrer o toureiro e do juiz para repreender o touro. Encontramos neste Cartum aes pressupostas pela anterioridade quando imaginamos que o touro chifrou o toureiro; aes projetivas, o touro sendo saindo da arena ao ser expulso; e as reaes, ou a indiferena da platia.

    4.3 CONTO

    O conto compe umas das formas narrativas de menor extenso. Tem como caractersticas a conciso, a preciso, a densidade, a unidade de efeito ou efeito nico so total.

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    Para a anlise dessas obras de fico faz-se necessrio considerar os seguintes elementos: a ao, o tempo, as personagens, o ponto de vista e os recursos narrativos.

    O conto, por suas caractersticas fundamentais, semelha acolher ao mesmo tempo a intensidade e a densidade. Constituindo uma clula dramtica, com unidade de tempo, lugar e ao, natural que o conto aborrea o ritmo da cmara-lenta e prefira a intensidade implcita em todo flagrante tomado da realidade cotidiana. Dir-se-ia que, de modo genrico, corresponde a uma cena ou a uma tomada. Entretanto, a pressa com que ela se oferece ao escritor e ao leitor no significa ausncia absoluta de densidade. Pelo contrrio, graas a ser uma espcie de alargamento ao microscpio de um pormenor apresentado pelo real de todos os dias, o conto se admite a condensao de outros aspectos desse mesmo rela. Como se, na verdade, ele fosse o minsculo espelho em que se refletisse uma legio de mincias dramticas e psicolgicas. Entenda-se, porm, que a densidade possvel no conto no comporta maior anlise ou sondagem psicolgica, visto impedi-lo a prpria condio de instantneo fotogrfico do real (MOISS,1970, p. 98).

    A intensidade e a densidade so componentes da ao. Por ao entende-se a soma de gestos e atos que compem o enredo, o entrecho ou a histria. Segundo Moiss (1970, p.94-95):

    intensidade: o volume, a quantidade, a freqncia da ao, ou melhor, dos ingredientes que compem a ao. Faz parte da intensidade a rapidez com que ocorrem as cenas, diz respeito ao nmero de componentes da ao e a velocidade com que surgem no cran narrativo, mas uma ao pode ser intensa apenas com poucos elementos;

    densidade: a altura ou/e a condensao de tais ingredientes. Faz parte da densidade a lentido, refere-se ao aspecto compacto assumido pelos componentes da ao, e vagareza com que se desdobram.

    Especificamente, no conto, a densidade atmosfrica ou potica, que o somatrio do acmulo compacto de minunciosidades. Tudo se passa como se, no aparente gratuito das narrativas, ou no ar de histrias de exemplo, a densidade se concentrasse na moral da histria ou na realidade psicolgica ou ideolgica que o escritor alcana esclarecer com sua intuio(MOISS, 1979, p.98)

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    Outro aspecto considerado muito importante na prosa de fico o tempo. Para ele so direcionados todos os integrantes da massa ficcional, o enredo at a linguagem.

    Criando o tempo, o homem nutre a sensao de superar a brevidade da existncia, e de identificar-se, demiurgicamente, com o tempo csmico, que permanece para sempre, indiferente finitude da vida humana: gerando o tempo, o ficcionista alimenta a iluso de imobiliz-lo ou de transcend-lo. Basta isso para nos alertar acerca da fundamental relevncia da categoria tempo nas obras de fico (MOISES, 1970, p. 102)

    Tudo na obra de fico est subordinado ao fator tempo. Ele pode ser classificado em cronolgico (ou histrico) ou psicolgico (metafsico). O conto marcado pelo tempo cronolgico, caracterizado pela marcao das horas, minuto, segundos, no relgio de acordo com o tempo fsico que conhecemos. O espao outro elemento que deve ser considerado na anlise de obras de fico. Ele o local, cidade, lugar geogrfico onde ocorre na narrao. Mas para o conto, o espao conta pouco, pois a geografia tem que estar diretamente relacionada com o drama da situao, conforme reitera Moiss: No conto, a circunstncia conta pouco, menos ainda no romance introspectivo, quer o enredo se desenvolva na cidade, quer no permetro rural, o que facilmente se explica pelo fato da tnica recair sobre o sujeito da ao, e no sobre a paisagem (MOISS, 1970, p. 108). Quanto s personagens, teriam lugar de relevo na prosa de fico. Conforma caractersticas consideradas bsicas, so ordenadas em dois grupos: personagens redondas e personagens planas (MOISS, 1970, p.111)

    Personagens planas: bidimensionais, dotadas de altura e largura, mas no possuem profundidade (um s defeito ou uma s qualidade) geram os tipos e caricaturas;

    Personagens redondas: mostram a dimenso que falta s planas possuindo complexidade de qualidades ou defeitos envolvem os caracteres. O conto marcado por personagens de caractersticas planas.

    O ponto de vista o que se conhece por foco narrativo, ou seja, a posio que se coloca o escritor para contar a histria, a pessoa verbal desenvolve a narrao. E por fim, os recursos narrativos que completa a anlise de uma obra de fico: os dilogos, descrio, narrao e dissertao.

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    Segundo Propp (1984) o conto pode ser classificado em unidades estruturais (constantes, variantes, sistemas, fontes, funes, assuntos), e dividido em duas fases: a primeira (religiosa) e uma segunda (da histria do conto).

    O conto por sua brevidade foi considerado, por alguns escritores, como mais difcil de escrever do que os romances.

    Para muitos crticos a condensao dos contos uma caracterstica essencial. Para Massaud Moiss (1995, p.20) o conto trata-se de uma narrativa unvoca, univalente. Constitui uma unidade dramtica, uma clula dramtica. Portanto, gravita em torno de um s conflito, um s drama, uma s ao: unidade de ao.

    Para Moiss (1995) em portugus a palavra conto tem vrios significados, dentre eles,