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  • Departamento de Educao

    Mestrado em: Educao Especial-Domnio Cognitivo e Motor

    Programa de Promoo de Competncias Sociais em Alunos

    com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental Oriundos de

    Famlias em Situao de Risco

    Cludia Maria Cardoso Duarte

    Trabalho realizado sob a orientao do Professor Doutor Joo Lus

    Pimentel Vaz

    fevereiro de 2013

  • I

    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador Professor Doutor Joo Vaz, pela sua disponibilidade,

    por todo o seu apoio, e pelos seus conselhos essenciais para a

    concretizao deste trabalho.

    A todos os colegas da Escola Bsica Frei Joo de Vila do Conde que

    contriburam para a elaborao deste estudo, sem os quais no seria

    possvel realiz-lo.

    Um agradecimento muito especial minha famlia pelo apoio

    incondicional que sempre me proporcionou nos momentos mais crticos.

    Por fim, mas no menos importante um imenso obrigado ao meu

    companheiro de oito anos pela compreenso das minhas contnuas

    ausncias, pelo interesse e carinho que sempre dedicou aquilo que eu

    fao e que gosto, o que permitiu uma grande estabilidade emocional para

    a concretizao deste trabalho.

    Ao meu filho recm nascido

  • II

  • III

    Programa de Promoo de Competncias Sociais em Alunos com

    Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental Oriundos de Famlias em

    Situao de Risco Social

    RESUMO: A aprendizagem das competncias sociais comea no incio

    da vida e continua ao longo da existncia, acontecendo, em geral, como

    um processo natural de imitao. a famlia que determina as primeiras

    relaes afetivas e sociais, bem como os contextos onde ocorre a maior

    parte das aprendizagens iniciais que efetuamos. Uma vez que as famlias

    nem sempre cumprem o seu papel de proporcionar um ambiente de

    crescimento e desenvolvimento saudveis, no contexto escolar que

    estes adolescentes praticaro de forma experimental as interaes sociais

    positivas com os seus pares. Nas crianas com dificuldades intelectuais e

    desenvolvimentais (DID), a avaliao e a promoo de habilidades

    sociais pode ser um componente importante para a adaptao escolar,

    uma vez que essa populao apresenta dificuldades interpessoais

    associadas ao comprometimento no funcionamento intelectual. O

    presente trabalho tem como amostra 5 adolescentes com DID, que so

    oriundos de famlias ineficazes na sua funo social e que apresentam

    dificuldades no domnio interpessoal e pessoal. Foi-lhes dirigido um

    programa de promoo de competncias sociais, que serviu de base ao

    presente estudo, atravs do qual procuramos aferir o seu real impacto

    nestes jovens. So apresentados e discutidos os resultados da avaliao

    quantitativa e qualitativa efetuadas, que permitem concluir que o

    programa promovido teve um impacto positivo e que este tipo de

    interveno contextualizada, adequada problemtica especfica da

    populao, revela-se uma mais-valia para os adolescentes.

    Palavras-Chave: Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental;

    Competncias Sociais; Programa de Competncias Sociais

  • IV

    ABSTRACT: The learning of social skills begins early and continues

    throughout life, generally occurring as a natural process of imitation. It is

    the family that determines early social and emotional relationships as

    well as the determining contexts where the majority of early learning

    takes place. Since families do not always fulfill their role in providing an

    environment for healthy growth and development, it is in the school

    context that these teenagers will experimentally practice positive social

    interactions with peers and friends. In children with intellectual and

    development disabilities (IDD), the assessment and promotion of social

    skills can be an important component in school adaptation, since this

    group reveals interpersonal difficulties as result of impairment in

    intellectual functioning. To address these group difficulties, an adapted

    program to promote personal and interpersonal skills was developed. The

    purpose of this study was to investigate the impact of the program on 5

    adolescents with IDD, from families that revel to be ineffective in social

    functioning, and presenting difficulties in the personal and interpersonal

    domain. This study presents and discusses the results of the assessment,

    and concludes that the implementation of the program had a positive

    impact, and that this type of intervention, based on research, a

    contextualized and group specific intervention and quantitative

    qualitative assessment, proves to be beneficial for teens.

    Keywords: Intellectual and Developmental Disabilities; Social Skills;

    Social Skills Program

  • V

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AAIDD American Association on Intellectual and

    Developmental Disabilities

    AAMD American Association of Mental Deficiency

    AAMR American Association on Mental Retardation

    CEI Currculo Especfico Individual

    CID Classificao Internacional de Doenas

    CIF Classificao Internacional de Funcionalidade,

    Incapacidade e Sade

    cit. citado

    D.L. Decreto-Lei

    DID Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental

    DSM Manual de Diagnstico e Estatstica das

    Perturbaes Mentais

    e.g.: exempli gratia

    et al. e outros

    I-A Investigao-Ao

    MADI Movimento de Apoio ao Diminudo Intelectual

    MISI Gabinete Coordenador do Sistema de Informao do

    Ministrio de Educao

    NEE Necessidades Educativas Especiais

    OMS Organizao Mundial de Sade

    QI Quociente Inteligncia

    PEI Programa Educativo Individual

    PIT Plano Individual de Transio

    WHO World Health Organization

  • VI

    INDICE DE QUADROS

    Quadro 1 - Anlise da comunicao no-verbal relativa s competncias iniciar e manter conversa e sua evoluo .......................................... 100

    Quadro 2 - Observao da competncia social - Comunicao verbal nos alunos e a sua evoluo ................................................................... 103

    Quadro 3 - Habilidades Sociais do Sujeito 1 ao longo dos trs momentos de avaliao ........................................................................................... 115

    Quadro 4 - Problemas de Comportamento do Sujeito 1 ao longo dos trs momentos de avaliao ......................................................................... 116

    Quadro 5 - Habilidades Sociais do Sujeito 2 ao longo dos trs momentos de avaliao ........................................................................................... 120

    Quadro 6 - Problemas de Comportamento do Sujeito 2 ao longo dos trs momentos de avaliao ......................................................................... 121

    Quadro 7 - Habilidades sociais do Sujeito 3 ao longo dos trs momentos de avaliao ........................................................................................... 124

    Quadro 8 - Problemas de Comportamento do Sujeito 3 ao longo dos trs momentos de avaliao ......................................................................... 125

    Quadro 9 - Habilidades sociais do Sujeito 4 ao longo dos trs momentos de avaliao ........................................................................................... 128

    Quadro 10 - Problemas de comportamento do Sujeito 4 ao longo dos trs momentos de avaliao ................................................................... 129

    Quadro 11 - Habilidades sociais do Sujeito 5 ao longo dos trs momentos de avaliao ......................................................................... 132

    Quadro 12 - Problemas de Comportamento do Sujeito 5 ao longo dos trs momentos de avaliao ................................................................... 133

    Quadro 13 - Quadro comparativo da frequncia mdia do uso das Competncias Sociais pelos Sujeitos alvo no incio da aplicao do programa (1 avaliao). ........................................................................ 138

    Quadro 14 - Quadro comparativo da frequncia mdia do uso das Competncias Sociais pelos Sujeitos alvo no final da aplicao do programa (2 avaliao). ........................................................................ 138

    Quadro 15 - Quadro comparativo da frequncia mdia do uso das Competncias Sociais pelos Sujeitos alvo 2 meses aps o final da aplicao do programa (3 avaliao). ................................................... 139

  • VII

    INDICE DE GRFICOS

    Grfico 1 - Evoluo da frequncia da ocorrncia de Habilidades

    Sociais e Problemas de Comportamento do Sujeito 1 .......................... 118

    Grfico 2 - Evoluo da frequncia da ocorrncia de Habilidades

    Sociais e Problemas de Comportamento do Sujeito 2. ......................... 122

    Grfico 3 - Evoluo da frequncia da ocorrncia de Habilidades

    Sociais e Problemas de Comportamento do Sujeito 3 .......................... 126

    Grfico 4 - Evoluo da frequncia da ocorrncia de Habilidades

    Sociais e Problemas de Comportamento do Sujeito 4 .......................... 130

    Grfico 5 - Evoluo da frequncia da ocorrncia de Habilidades

    Sociais e Problemas de Comportamento do Sujeito 5 .......................... 134

  • VIII

    NDICE

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .................................................. V

    INDICE DE QUADROS ............................................................................... VI

    INDICE DE GRFICOS ............................................................................. VII

    INTRODUO ................................................................................................. 1

    PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO E CONCETUAL ............... 7

    1. DIFICULDADE INTELECTUAL E DESENVOLVIMENTAL:

    QUESTES DE TERMINOLOGIA E ENQUADRAMENTO

    CONCETUAL ................................................................................................... 9

    2. A DID E A FAMLIA EM RISCO ....................................................... 19

    3. COMPETNCIAS SOCIAIS................................................................. 25

    3.1 Competncias Interpessoais ..................................................................... 31

    3.1.1 A Comunicao ..................................................................... 31

    3.1.2 A Assertividade ..................................................................... 38

    3.1.3 Gerir Conflitos ...................................................................... 43

    3.1.4 Negociar ................................................................................ 45

    3.2 Competncias Pessoais ........................................................................... 48

    3.2.1 Resolver Problemas e Tomar decises ................................. 48

    3.2.2 Autoestima ............................................................................ 49

    3.2.3 Controlar a ansiedade ............................................................ 52

    3.3 Competncia Social e a Deficincia ....................................................... 55

    4. PROGRAMAS DE PROMOO DE COMPETNCIAS SOCIAIS59

  • IX

    PARTE II - COMPONENTE EMPRICA .................................................. 67

    1. METODOLOGIA ....................................................................................... 69

    1.1 Objetivo ................................................................................ 75

    1.2 Contexto escolar ................................................................... 75

    1.3 Sujeitos-alvo ......................................................................... 76

    1.4 Instrumentos de avaliao / interveno ............................... 81

    1.4.1 Anlise Documental .......................................................... 82

    1.4.2 Observao Participante e Dirio de Bordo ...................... 83

    1.4.3 Escala de Avaliao da Competncia Social (ACS) ......... 84

    1.4.4 Programa de Interveno .................................................. 86

    2. RECOLHA DE DADOS ............................................................................ 91

    2.1 Observao participante ........................................................ 93

    2.2 Dirio de Bordo ................................................................... 94

    2.3 Escala de Avaliao das Competncias Sociais .................. 94

    3. APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS . 97

    3.1. Competncia Social da Comunicao .................................. 99

    3.2 Resoluo de Problemas e Tomada de Decises ................ 104

    3.3 Negociar .............................................................................. 109

    3.4 Assertividade, Gesto de Conflitos, Autoestima e Controlo de

    Ansiedade .......................................................................................... 112

    1.4.1 Discusso dos Resultados Quantitativos..135

    4. CONCLUSES, LIMITAES E RECOMENDAES ................. 141

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................... 149

    ANEXOS ........................................................................................................ 170

    ANEXO 1 - Sistema de Anlise da Comunicao No-verbal ........ 171

    ANEXO 2 - Sistema de Anlise da Comunicao Verbal ............... 172

    ANEXO 3 - Escala de Competncias Sociais ................................. 173

    ANEXO 4 - Programa de Promoo de Competncias Sociais ....... 176

  • X

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    1

    INTRODUO

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    2

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    3

    Os adolescentes com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental,

    para serem no futuro cidados autnomos e socialmente participantes,

    necessitam de ter um desenvolvimento pessoal e interpessoal que seja

    saudvel e equilibrado, isto , necessitam de conhecer-se e estimar-se a si

    prprios, interagir com os outros e com o meio, assim como compreender

    o contexto sociocultural em que vivem e que serve de apoio a esse

    mesmo desenvolvimento pessoal e interpessoal.

    As competncias sociais adquiridas constituem fatores relevantes

    para o seu desenvolvimento social e pessoal. Adolescentes que

    experienciam dificuldades no estabelecimento destas competncias

    apresentam maiores obstculos em criar amizades, assim como no

    envolvimento, na intimidade ou mesmo na vinculao, com os amigos j

    estabelecidos (Mota & Matos, 2008).

    Villa (2005), salienta ainda a importncia do meio ambiente na

    promoo das competncias sociais, explicando-as como sendo

    aprendidas e/ou aperfeioadas na interao do indivduo com o seu meio.

    A autora explica que o repertrio de competncias sociais comea a ser

    desenvolvido na infncia por meio de diferentes processos de

    aprendizagem (como a modelagem e contingncias de reforo), no

    exerccio crescente de novos papis e na assimilao de normas culturais.

    A perceo de um baixo suporte parental pode traduzir-se numa

    vinculao insegura, e adolescentes que se mostrem inseguros tero mais

    dificuldades de interao social, sendo menos capazes de procurar e

    estabelecer amizades e de resolver satisfatoriamente os conflitos

    interpessoais (Mallinckrodt, 2000).

    Quando estas competncias no so adquiridas no seio da relao

    parental, o estabelecimento de relaes na adolescncia torna-se, ento,

    ainda mais difcil.

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    4

    No entanto, ao longo do desenvolvimento e da vida do indivduo,

    estas competncias podem ser aperfeioadas ou deterioradas, dependendo

    das contingncias a que so submetidos (Villa, 2005).

    O presente trabalho tem como objeto de estudo uma amostra

    selecionada especificamente por apresentar estas mesmas condicionantes,

    pois os cinco alunos que a constituem e que frequentam os 2 e 3 ciclos,

    apresentam Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID), com

    Necessidades Educativas Especiais (NEE) de carter permanente, so

    todos oriundos de famlias em situao de risco social e que no

    adquiriram, no seu ambiente familiar, as denominadas competncias

    sociais de base, comprometendo a sua real insero na sociedade e a sua

    futura qualidade de vida.

    Estes alunos foram alvo de um Programa de Promoo de

    Competncias Sociais, aplicado em contexto escolar por parte da autora,

    com o intuito de reforar as suas competncias sociais.

    O estudo em epgrafe apresenta como principal objetivo,

    averiguar a eficcia de um programa de interveno desenvolvido para

    aplicar aos alunos referidos, perante a constatao da existncia de

    dfices significativos nos seus processos de socializao e de aquisio

    de competncias sociais. Com efeito, nas suas relaes interpessoais estes

    indivduos eram frequentemente ignorados ou pouco aceites pelos grupos

    de pares e adultos, fatores indicadores do seu frgil desenvolvimento e

    ajustamento pessoal e social, o que apelava a uma interveno necessria

    e urgente.

    O presente trabalho est estruturado em duas partes distintas. Na

    primeira parte, fazemos uma abordagem terica dos aspetos que

    consideramos importantes para a fundamentao da problemtica em

    estudo. Designadamente, refletimos sobre a Dificuldade Intelectual e

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    5

    Desenvolvimental enquanto quadro clnico, analisamos a dificuldade

    intelectual nas famlias em risco e abordamos as principais competncias

    sociais (interpessoais e pessoais) necessrias aos indivduos na atual

    sociedade. Para fundamentar as opes de interveno, fazemos

    referncia a vrios tipos de programas para promoo das mesmas.

    Na segunda parte do trabalho descrevemos os aspetos

    metodolgicos do estudo emprico realizado, caracterizamos os Sujeitos

    alvo da nossa interveno, e apresentamos e discutimos os dados

    recolhidos para o teste da eficcia do programa de promoo de

    competncias sociais aplicado aos alunos.

    A terminar, damos conta das concluses a que foi possvel

    chegar, deixando, ainda, alguns comentrios e recomendaes para

    futuras pesquisas e/ou intervenes.

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    6

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    7

    PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO E

    CONCETUAL

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    8

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    9

    1. DIFICULDADE INTELECTUAL E

    DESENVOLVIMENTAL: QUESTES DE

    TERMINOLOGIA E ENQUADRAMENTO

    CONCETUAL

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    10

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    11

    Antes de se iniciar o presente captulo urge referir que, ao longo

    da reviso bibliogrfica, deparmo-nos com o uso de diferentes

    terminologias, aplicadas por vrios autores, para a temtica abordada

    (deficincia mental, atraso mental, incapacidade mental...). Assim,

    comearemos por fazer uma breve smula dos vrios termos utilizados

    atualmente, justificando a opo terminolgica tomada, concluindo com

    uma breve apresentao da evoluo histrica do conceito.

    De acordo com as mais recentes investigaes e reflexes

    cientficas da maior e mais antiga associao no Mundo Ocidental

    dedicada a este assunto, a American Association on Intellectual and

    Developmental Disabilities [AAIDD], assim renomeada em 2007, parece

    que a nova definio e a nova terminologia ganharam j um consenso da

    comunidade cientfica que, em ingls, adotou a expresso intellectual

    disability.

    No caso dos pases de expresso portuguesa, ainda no foi obtido

    um acordo entre os autores, dado utilizarem-se para a mesma expresso

    original, diferentes palavras ou expresses. Assim, Intelectual Disability

    traduzida como Deficincia Intelectual por Sassaki (2005), Rossato e

    Leonardo (2011) e Bezerra e Vieira (2012); por Deficincia

    Intelectual/Dificuldades Intelectuais, por Belo et al. (2008); ou, ainda,

    por Incapacidade Intelectual, como o caso de Vale (2009), p.230).

    No presente trabalho, empregaremos o termo Dificuldade

    Intelectual e Desenvolvimental (DID), seguindo a proposta dos autores

    portugueses Santos e Morato (2012) para a nova nomenclatura.

    Estes dois autores (2007) avanam com a ideia de que a palavra

    deficincia estigmatizante, dado inferir-se da mesma, a noo de

    imperfeito ou com dfices, termos que na lngua portuguesa denotam um

    carter negativo e pejorativo. O termo a adotar dever remover a carga

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    12

    negativa que a sociedade ainda detm face a esta problemtica, esperando

    com isto mudar, de forma positiva, as atitudes e expetativas face classe

    de pessoas em questo. Neste sentido, os termos a designar devero ser

    realistas e positivos, no degradando a condio humana.

    Para Wolfensberger (2002), quando um termo adquire uma

    imagem negativa, a necessidade de alterao do mesmo justifica-se

    apenas se o novo termo for considerado como uma melhoria, no se

    desviando da definio subjacente a um determinado diagnstico, no s

    ao nvel da imagem, como tambm dos respetivos critrios.

    O novo documento produzido pela OMS (2001, 2004) e na

    opinio de Diniz, Medeiros e Squinca (2007), citado por Santos e Morato

    (2012), representa uma tentativa internacional de organizar uma

    linguagem universal para redefinir a deficincia, passando agora de uma

    categoria biomdica, para um modelo biopsicossocial.

    A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e

    Sade (OMS, 2004) deixa cair o termo incapacidade e, apesar de ainda o

    utilizar ao longo do documento, os autores alertam, no anexo 5, que a

    OMS reconhece, em particular, que os termos utilizados na classificao

    podem, apesar de todos os esforos, estigmatizar e rotular. Por outro

    lado, apela igualmente a uma nova perspetiva sobre a pessoa, relevando

    sempre a sua participao em permanente interao com os fatores

    ambientais. A funcionalidade agora a palavra-chave no campo das

    populaes especiais: o fcus redireciona-se, luz das mais recentes

    investigaes, para a qualidade de interao dinmica e de participao

    nas atividades expectveis a qualquer cidado, deixando para segundo

    plano a questo do problema em si que a pessoa apresenta.

    A funcionalidade um termo genrico indicador dos aspetos

    positivos da interao entre o indivduo e os fatores contextuais e, a

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    13

    incapacidade, como um conjunto de aspetos negativos desta interao

    (OMS, 2004). As componentes da funcionalidade podem, ento, ser

    expressas de duas maneiras: uma, para indicar problemas (incapacidade,

    limitao da atividade e restrio na participao designadas pelo termo

    genrico de deficincia) e outra para se referir a aspetos no

    problemticos sob o termo de funcionalidade. Ou seja, comeam a

    aparecer termos como limitao, dificuldade ou restrio, que salientam a

    possibilidade de recuperabilidade (com os apoios corretos) em

    detrimento da utilizao de palavras mais rotulativas e estigmatizantes

    como a incapacidade. possvel constatar que, no mesmo documento,

    limitaes na atividade so entendidas como dificuldades na execuo

    das atividades (Santos & Morato, 2012).

    Tambm Schalock et al. (2010), recomendam repensar a

    abordagem deste diagnstico, advogando uma postura mais ecolgica e

    centrada nos apoios. Traduzir disability como a expresso de limitaes,

    e no de incapacidades, ao contrrio de algumas correntes de

    pensamento, sugere a noo de potencialmente vir a ser incapaz e afasta

    a ideia de se tratar de uma situao permanente.

    Ainda segundo Santos e Morato (2012), se nos guiarmos pela

    incapacidade implcita s atuais terminologias da condio em anlise,

    como fator determinante das caractersticas destes sujeitos, estaremos a

    ter um papel ativo na excluso dessas mesmas pessoas. Pelo contrrio, a

    palavra dificuldade oferece a possibilidade de, com os apoios adequados,

    o sujeito poder adotar o papel que dele esperado pelos valores

    socioculturais vigentes, descartando, assim, concees como

    solidariedade/caridade, descredibilizao e pena, que ainda hoje lhe esto

    associadas e que continuam carregadas de preconceitos.

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    14

    A opo pelo termo intelectual, em vez do anterior mental

    parece no ser to passvel de discusso, verificando-se um consenso

    nesta questo, no s porque o termo intelectual se refere a um

    conjunto de fatores subjacentes ao funcionamento da inteligncia e

    avaliados pelos vrios instrumentos de avaliao (fatores espaciais,

    numricos, verbais), mas tambm porque mais analtico do que o

    termo mental - que indicia o funcionamento da mente como um todo

    (Morato & Santos, 2007; Sassaki, 2005).

    A associao do termo desenvolvimental explica-se pela tentativa

    de se expressar uma maior abrangncia no que concerne s caractersticas

    scio adaptativas e respetiva validade ecolgica (Morato & Santos,

    2007).

    Na opinio de Morato e Santos (2012) ao adotarem-se

    terminologias mais consistentes com as novas concees e paradigmas,

    como o caso de Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID),

    estaremos a modificar pensamentos, que por sua vez se iro repercutir ao

    nvel da planificao das intervenes e, finalmente, a alterar

    expectativas passaremos a considerar que qualquer pessoa (com ou sem

    diagnstico) poder assumir o seu papel como cidado ativo.

    De acordo com o exposto, e segundo Vale (2009), o ser humano

    com dificuldade intelectual e desenvolvimental, muitas vezes sem

    capacidade de autodeterminao, fica refm das condies que a

    sociedade lhe oferece. As intervenes e programas que visam apenas

    mitigar as limitaes destas pessoas no bastam, sendo necessrio e

    importante criar um sistema de apoio a este grupo, tendo em conta no s

    as suas limitaes, mas tambm as suas capacidades1.

    1 nesta linha que se situa o programa por ns desenvolvido, pretendendo ser

    um apoio facilitador do desenvolvimento de competncias sociais dos jovens

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    15

    Desde 1908, a AAIDD atualizou dez vezes a definio do que

    atualmente se convencionou designar por DID2. A evoluo histrica do

    atual conceito de DID, demonstra que as vrias definies dadas ao longo

    dos tempos, foram influenciadas por exigncias sociais, culturais,

    polticas e administrativas.

    Historicamente, os dois termos utilizados com maior frequncia

    para nomear esta condio, foram, deficincia mental (1908-1958) e

    atraso mental (1959-2009).

    O manual da 11 edio da AAIDD, publicado em 2010,

    apresenta uma nova terminologia, adotando-se a expresso em ingls

    Intellectual disability e eliminando definitivamente a expresso atraso

    mental. O impacto desta dcima primeira definio proposta pela

    associao foi enorme nas mudanas da definio, conceo e prticas

    profissionais relacionadas com a DID em todo o mundo. A sua influncia

    sobre outros sistemas classificatrios (DSM, CID, CIF) muito relevante

    (Alonso & Schalock, 2010).

    Existem avanos muito rpidos no campo da DID, o que obriga a

    reformular a conceo da mesma, para gerar conhecimentos novos e

    atualizados que permitam melhorar a vida das pessoas com estas

    caractersticas.

    Segundo Alonso e Schalock (2010), atualmente a substituio dos

    termos adequa-se melhor com as atuais prticas profissionais que se

    centram em condutas funcionais e fatores contextuais; a nova

    intervencionados, tendo sempre em vista a sua autonomia e a convico de que pertence

    e parte da comunidade, participando no dia-a-dia desta em situaes da vida real. 2 A prpria AAIDD passou a ser assim denominada em 2007, depois de ter

    sido designada em 1992 como American Association on Mental Retardation (AAMR) e

    de, anteriormente, ter sido chamada American Association of Mental Deficiency

    (AAMD) (Belo, Caridade, Cabral & Sousa, 2008).

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    16

    terminologia proporciona uma base lgica para garantir apoios

    individualizados, j que se baseia num marco de referncia ecolgico-

    social; menos ofensivo para as pessoas com essa dificuldade; mais

    consistente com a terminologia internacional, incluindo os ttulos de

    revistas cientficas, investigao publicada e nomes das organizaes.

    Em forma de sntese, e de acordo com a AAIDD (2010), a DID

    caracteriza-se por significativas limitaes tanto de funcionamento

    intelectual, como no comportamento adaptativo, abrangendo muitas

    competncias sociais e prticas quotidianas, surgindo esta limitao antes

    dos 18 anos.

    O funcionamento intelectual tambm chamado inteligncia

    refere-se a uma capacidade mental geral, como a aprendizagem, o

    raciocnio, a resoluo de problemas, etc. Um critrio para medir o

    funcionamento intelectual o teste de QI. Geralmente, num teste de QI,

    uma pontuao volta de 70 ou at 75, indica uma limitao no

    funcionamento intelectual.

    Testes estandardizados tambm podem determinar limitaes no

    comportamento adaptativo, que compreende trs tipos de capacidades:

    conceptuais, sociais e prticas.

    Na base de tais avaliaes, os profissionais podem determinar se um

    indivduo possui DID e traar um plano de apoio para cada indivduo.

    Mas na definio e avaliao da DID a Associao Americana,

    salienta que os profissionais devem considerar fatores adicionais, tais

    como o tpico ambiente da comunidade de pares do indivduo e a sua

    cultura. Os profissionais devero tambm considerar a diversidade

    lingustica e as diferenas culturais (patentes) no modo como as pessoas

    comunicam, se movem e se comportam.

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    17

    Finalmente, as avaliaes tambm devem assumir que as limitaes

    dos indivduos frequentemente coexistem com pontos fortes, e que o

    nvel de funcionamento vital de uma pessoa ser melhor se (lhe) forem

    fornecidos apoios personalizados apropriados durante um perodo

    continuado.

    O conceito de apoios baseado numa ideia simples: os apoios

    apropriados a uma pessoa com DID podero melhorar o funcionamento

    dele ou dela em sociedade.

    Os apoios so recursos ou estratgias que promovem o

    desenvolvimento, a educao, os interesses e o bem-estar de uma pessoa.

    Por exemplo, apoios podem ser tecnologias como um assistente digital

    pessoal que demonstra quais os passos a dar para completar um trabalho

    (tarefa) ou um condutor de autocarro que interpela uma pessoa para sair

    numa dada paragem. Atravs do fornecimento de apoios apropriados, o

    funcionamento de uma pessoa na sociedade ir melhorar, perpetuar os

    cuidados centrados na pessoa e contribuir para uma melhor qualidade de

    vida em sociedade.

    Existe uma relao entre a criana, com ou sem DID, com o seu

    ambiente em cada momento do seu desenvolvimento. Esta relao

    enfatizada por autores como Vygitsky (1994), e Bronfenbrenner (1996),

    para quem a pessoa concebida como um todo funcional onde os

    diversos processos psicolgicos cognitivo, afetivo, emocional,

    motivacional e social relacionam-se de forma coordenada uns com os

    outros.

    Para este ltimo autor, o principal contexto de desenvolvimento da

    criana tem sido, historicamente, a famlia. No entanto, esta afetada

    direta e indiretamente pelos outros contextos da sua cultura e sociedade.

    Bronfenbrenner, defende que os processos que ocorrem em diferentes

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    18

    contextos so interdependentes e afetam-se de forma recproca. Quando a

    criana frequenta estabelecimentos de ensino, os processos que ocorrem

    na famlia e na escola contribuem para e influenciam o curso do seu

    desenvolvimento. O que ocorre no contexto familiar trazido pela

    criana para o contexto escolar e vice-versa.

    Perante o exposto, iremos abordar no captulo seguinte, a influncia

    do ambiente familiar nas competncias sociais das crianas com DID.

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    19

    2. A DID E A FAMLIA EM RISCO

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    20

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    21

    A famlia representa, talvez, a forma de relao mais complexa

    e de ao mais profunda sobre a personalidade humana, dada a

    enorme carga emocional das relaes entre os seus membros.

    Rey e Martinez (1989)

    A famlia constitui o primeiro universo de relaes sociais da

    criana, proporcionando-lhe um ambiente de crescimento e

    desenvolvimento (Silva & Dessen, 2001). A aprendizagem das

    competncias sociais inicia-se na infncia, primeiramente com a famlia e

    depois noutros contextos (escolar, comunitrio); os membros do

    agregado familiar so a base da estimulao inicial dos padres de

    relacionamento e competncia social.

    Durante a infncia, a perceo e compreenso do mundo social

    so grandemente influenciadas pela famlia. As crianas aprendem

    inicialmente a relacionar-se atravs da observao dos pais, interagindo

    com eles e com outras pessoas, aprendendo os seus estilos relacional e de

    vida. Tanto a componente verbal como a no-verbal da comunicao

    interpessoal, o tipo de abordagem e de resoluo de conflitos, como a

    capacidade de negociao, so competncias aprendidas atravs de

    modelos parentais (Calmeiro & Matos, 2004, citado por Matos, 2008).

    O comportamento social formatado em funo da avaliao do

    resultado das interaes, o que proporciona um feedback importante para

    o reforo ou extino de aes subsequentes.

    Os pais que estabelecem um ambiente familiar acolhedor e que

    organizam contextos favorveis para o desenvolvimento da criana,

    estabelecem fatores de proteo face a eventos ameaadores, aos quais as

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    22

    crianas esto usualmente expostas (Del Prette & Del Prette, 2005;

    Yunes, 2003). Esse ambiente acolhedor prev um padro adequado de

    comunicao, tanto verbal como no-verbal entre pais e filhos (pais que

    ajudam os filhos a identificarem emoes, que os aconselham, com

    expressividade emocional positiva e que esto dispostos conversa com

    eles), o que por sua vez, auxilia na melhor interao social destes com os

    pares e na menor probabilidade de apresentarem problemas de

    comportamento (Bohanek et al. 2006).

    Del Prette & Del Prette (2006) realam ainda a importncia do

    comportamento verbal, ao afirmarem que o papel dos pais, na

    aprendizagem interpessoal da criana, depende da forma como eles

    planificam e conduzem a educao dos filhos. As prticas parentais,

    consideradas positivas, incluem a monitorizao positiva e o

    comportamento moral, ou seja, um relacionamento entre pais e filhos

    sustentado por regras claras, com informaes sobre as contingncias em

    vigor para os comportamentos sociais. Tais prticas aumentam a

    probabilidade de a criana desenvolver relaes sociais saudveis no

    mbito familiar e com os pares. Por outro lado, a exposio da criana a

    prticas parentais inadequadas (conflitos, violncia, coero) ou a um

    baixo envolvimento com os pais, constituem fatores de risco para o

    desenvolvimento infantil.

    Marcelli (1996, citado por Anaut, 2005, p.32), considera como

    fatores de risco todas as condies existenciais na criana ou no seu meio

    ambiente que envolvem um risco de morbilidade superior que se

    observa na populao em geral, obtida atravs dos inquritos

    epidemiolgicos.

    Do ponto de vista de Garmezy (1996, citado por Anaut, 2005,

    p.32), um fator de risco poder ser um acontecimento ou uma condio

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    23

    orgnica ou ambiental que aumente a probabilidade de a criana

    desenvolver problemas emotivos ou de comportamento.

    Deste modo, podemos considerar crianas em risco,

    nomeadamente as que vivem num contexto ambiental marcado pela

    pobreza, pela violncia, pela inadequao das relaes parentais, ou pela

    monoparentalidade (Anaut, 2005, p.39).

    Ao verificarmos que crianas e jovens com DID esto em

    contnua interao com o seu meio social e familiar e que, apesar de

    apresentarem limitaes nas suas capacidades no esto imunes

    influncia do seu ambiente, estas podem igualmente estar expostas a

    fatores de risco dentro do seu meio familiar.

    No que diz respeito aos fatores de risco na famlia, usualmente

    considerados como fatores de adversidade no desenvolvimento da

    criana, temos: os baixos nveis educativos, doenas psiquitricas, abuso

    de substncias e criminalidade, bem como a discrdia conjugal, violncia

    familiar, pobreza e condies de habitabilidade degradadas e/ou com

    sobrepovoamento.

    Do conjunto de fatores enunciados, ocorrem, como

    particularmente desfavorveis, o nvel socioeconmico baixo, a

    monoparentalidade, a depresso e stress maternal e a exposio das

    crianas a conflitos conjugais e a agresses fsicas. Por outro lado,

    altamente provvel que estes fatores ocorram em simultneo, sendo

    igualmente evidente que uma boa parte deles se associa pobreza e a

    condies degradadas de vida. Em geral, os seus lares tendem a ser

    marcados por: discrdia conjugal e rutura familiar, monoparentalidade ou

    presena de diversos pais, negligncia relativamente aos filhos,

    possibilidade de abusos fsicos, diversas figuras de autoridade, quase

    sempre oscilando entre o autoritarismo e a negligncia, exposio

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    24

    delinquncia, possibilidade de m nutrio, depresso ou desnimo

    maternal, doenas fsicas, famlias numerosas e desorganizadas, pouca

    estimulao e padres particulares de comunicao em que a expresso

    fsica predomina sobre a linguagem verbal (Lopes et al., 2011).

    O conhecimento da existncia de potenciais fatores de risco e ou

    de grupos vulnerveis, implica a possibilidade de desenvolvimento de

    programas de interveno focados em prevenir ou atenuar os efeitos

    prejudiciais na sade mental de crianas e adolescentes (O Connel, Boat

    & Warner, 2009; OMS, 2001; OMS, 2005, citado por S et al., 2010).

    Os alunos do estudo que relatamos neste trabalho provm de

    ambientes familiares desfavorveis, marcados por condies de pobreza,

    desemprego, discrdias na famlia, fracas condies habitacionais,

    cuidados de sade e higiene inadequados, pouca instruo parental,

    exposio violncia verbal e/ou fsica e consumo de lcool na famlia.

    Todos estes fatores so obstculos que aumentam a vulnerabilidade

    destas crianas, que reclamam uma interveno decidida da escola para

    alterar as suas trajetrias de vida, nomeadamente atravs do

    desenvolvimento das suas competncias sociais, que no foram

    devidamente adquiridas ou solidificadas no contexto familiar.

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    25

    3. COMPETNCIAS SOCIAIS

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    27

    A tentativa de definio de habilidades sociais, competncias

    sociais, e desempenho social tem sido enorme. Investigaes de Merrel e

    Gimpel (1998, citado por Lopes et al., 2011) revelaram mais de 15

    definies distintas de competncia social. Evidentemente, estas

    definies tm muitas semelhanas, incluindo a noo de que os

    comportamentos sociais, quando executados de forma adequada, se

    tornam capacidades sociais que, por sua vez, se apropriadamente

    desempenhadas, conduzem competncia social geral (Rutherford,

    Chipman, DeGangi, & Anderson, 1992, citado por Lopes et al., 2011).

    Os comportamentos sociais so a parte mais bsica da

    competncia social (por ex. pedir por favor e dizer obrigado). As

    capacidades sociais so mais complexas e podem ser descritas como os

    comportamentos sociais que os indivduos exibem como resposta s

    tarefas sociais do dia-a-dia. Este conjunto de comportamentos, quando

    utilizado adequadamente, permite que o indivduo inicie e mantenha

    relaes sociais positivas, contribui para a aceitao pelos pares e para

    uma adaptao satisfatria escola e permite ao sujeito lidar de forma

    eficaz e adaptativa com o contexto social alargado (Walker, Colvin, &

    Ramsey, 1995, citado por Lopes et al., 2011).

    Segundo Epps (1996, citado por Matos, 2008), a competncia

    social refere-se a dois conjuntos abrangentes de competncias e

    processos: os que dizem respeito ao comportamento interpessoal, tal

    como a empatia, a assertividade, a gesto da ansiedade e da ira e a

    competncias de conversao; e os que dizem respeito ao

    desenvolvimento e manuteno de relaes ntimas, envolvendo a

    comunicao, a resoluo de conflitos e a competncias de intimidade.

    A aquisio de competncias sociais um aspeto importante na

    maturao e no ajustamento social. Segundo Dishion, Loeber, Loeber-

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    28

    Stouthamer e Patterson (1984), existe um amplo conjunto de

    competncias que se tornam importantes para alcanar os objetivos

    convencionais na nossa sociedade: competncias interpessoais,

    competncias acadmicas bsicas e competncias de trabalho.

    Como j foi referido no captulo anterior, a aprendizagem das

    competncias sociais comea logo no incio da vida e continua pela vida

    fora, ocorrendo, em geral, como um processo natural de imitao de

    modelos disponveis no envolvimento do indivduo, a que se vo

    juntando os comportamentos contingentemente reforados.

    Vrios investigadores, com base no modelo ecolgico de

    Bronfenbrenner (1979), enfatizam que o comportamento social das

    crianas deve ser visto dentro do contexto em que ocorre e apontam para

    uma diversidade de fatores que influenciam a interao social: as

    caractersticas individuais da criana, as caratersticas da famlia, da

    escola e dos ambientes de vizinhana e a qualidade da relao da criana

    com os seus pais. Neste sentido, o desenvolvimento psicossocial resulta

    da interao entre a criana ou o jovem e os diferentes contextos em que

    eles se movimentam (a famlia, a escola, o grupo de pares) e outros

    contextos mais alargados, sociais ou institucionais, confrontando-se o

    indivduo com experincias relacionais mltiplas e diversificadas com o

    meio ambiente em que se encontra inserido.

    As experincias com os pares (cooperao, competio, jogo)

    promovem um desenvolvimento normal das crianas e jovens, ou seja, a

    interao positiva com os pares promove o desenvolvimento cognitivo e

    emocional, o crescimento de competncias interpessoais, as atitudes, a

    estabilidade e a competncia social (Asher & Coie, 1990; Parker &

    Asher, 1993, citado por Lopes et al., 2011). Atravs da interao com os

    pares, as crianas vo-se apropriando da cultura do grupo, interagindo

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    29

    e negociando com ele e aumentando o seu conhecimento social (Corsaro

    & Rizzo, 1988, citado por Lopes et al., 2011).

    Na entrada do sistema escolar o aluno enfrenta, no domnio

    interpessoal, diferentes tarefas tais como, manter relaes com os pares e

    professores e formar novas relaes quando transita de ano escolar ou de

    escola. A sua reputao social, bem como as expectativas dos seus pares,

    podem acompanh-la de ano para ano, mantendo distines dentro e fora

    do grupo de pares, em conformidade com as presses exercidas sobre a

    sua pessoa e o tipo de informao social que recebe sobre si mesma

    (Hymel, Wagner, & Butler, 1990, citado por Lopes et al, 2011).

    No caso de adolescentes com DID segundo Carter (2005), o

    impacto da interao com os seus pares fundamental, pois praticam e

    refinam as competncias sociais, partilham atividades, aprendem normas

    de grupo e valores. medida que os estudantes entram na adolescncia,

    a complexidade das interaes entre pares intensifica-se, requerendo os

    adolescentes habilidades relativas ao estabelecimento e manuteno de

    relaes didicas, ajustando-se s necessidades de comunicao dos

    outros, usando linguagem figurativa e inferencial. Assim, os adolescentes

    com DID podem experienciar dificuldades em desempenhar

    adequadamente uma srie de habilidades sociais, incluindo iniciar

    interaes reciprocas, adaptar-se a novas circunstncias sociais e

    interpretar pistas sociais.

    As crianas com ou sem DID, que so insistentemente rejeitadas

    pelos pares, tendem a ser afastadas das atividades do grupo de pares,

    desenvolvem baixos nveis de competncia social percebida e

    manifestam estados de solido e de depresso.

    As dificuldades de relacionamento podem dar origem a conflitos

    entre os jovens e professores, pais, colegas e autoridades. Efetivamente,

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    30

    vrias investigaes apoiam a ideia de que a deficincia em competncias

    pr-sociais um antecedente do comportamento antissocial (Goldstein et

    al., 1989, in Matos, 2008).

    Segundo vrios estudos, as dificuldades e lacunas

    comportamentais podem ser ultrapassadas atravs de um programa de

    competncias sociais que intervenha diretamente sobre o indivduo e

    sobre o seu envolvimento (Matos, 2008).

    Assim, de seguida iremos descrever de uma forma breve as

    competncias sociais de mbito interpessoal (comunicao, assertividade,

    gerir conflitos e negociar) e do mbito pessoal (resolver problemas e

    tomar decises, autoestima, controlar a ansiedade), que se verificaram

    inexistentes, ou pouco consistentes, nos Sujeitos alvo do estudo.

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    31

    3.1 Competncias Interpessoais

    3.1.1 A Comunicao

    O modo como nos relacionamos com os outros, a maior ou menor

    eficcia no relacionamento, depende do nosso poder e da nossa

    habilidade na comunicao.

    A palavra comunicar provm do latim comunicare que significa

    pr em comum, entrar em relao com. Comunicar , pois, trocar

    ideias, sentimentos e experincias entre pessoas que conhecem o

    significado daquilo que se diz e do que se faz. Comunicar diferente de

    informar. Informar um processo unilateral. Comunicar um processo

    interativo e multidirecional.

    A comunicao determinante para a interao e para o

    desenvolvimento pessoal. As palavras representam imagens, ideias e

    sentimentos e tambm as condicionam. atravs das palavras com

    significado que so produzidas determinadas imagens e representaes

    mentais que condicionam a forma do indivduo pensar e de se relacionar

    (Fachada, 2010).

    Quando nasce, o ser humano apresenta potencialmente uma

    grande capacidade de meios de comunicao, mas o modo de comunicar

    e as linguagens especficas utilizadas, so-lhe transmitidas pelas pessoas

    que o rodeiam.

    O que pensamos, dizemos e o modo como dizemos resulta da

    nossa experincia. Todas as nossas comunicaes traduzem, de algum

    modo, um passado de atitudes, de valores, de princpios e de diversas

    experincias que constituem a marca do nosso comportamento presente.

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    32

    As competncias individuais de comunicao resultam de

    processos de aprendizagem, nomeadamente de aprendizagem social. A

    observao do comportamento comunicacional e de outros significativos,

    constitui uma fonte essencial de aquisio dos comportamentos

    operacionais que integram as principais competncias de comunicao.

    Porm, a sua adequao aos diferentes contextos de interao social

    depende da obteno de feedback por parte de outrem (Collins & Collins,

    1992, citado por Neves et al., 2008) e do controlo cognitivo sobre os

    efeitos e as condies da sua utilizao. Como resumem Hargie,

    Saunders e Dickson (1994), aprender quando empregar comportamentos

    sociais to crucial como aprender o que so estes comportamentos e

    como us-los.

    A comunicao humana complexa por natureza, envolvendo

    simultaneamente o uso da linguagem, o comportamento no-verbal que a

    acompanha e a perceo do contexto em que ocorre a interao.

    A importncia da comunicao no-verbal

    Todos sabemos que uma variedade de gestos, expresses faciais,

    posturas, tom de voz, silncio e outras formas de expresso corporal

    intervm incessantemente nos nossos atos de comunicao.

    Comunicamos, igualmente, atravs da roupa que vestimos e dos objetos

    que esto nossa volta.

    A comunicao no-verbal refere-se a todos os comportamentos

    que no envolvem o uso da linguagem e aos quais atribudo sentido

    por uma ou ambas as partes numa interao comunicativa (Harris &

    Sherblom, 1999). Na comunicao face a face, uma mensagem ganha

    eficcia quando a comunicao no-verbal adequada com o contedo

    verbal. Muitas vezes, a linguagem no-verbal, que acompanha a

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    33

    linguagem verbal, oferece um significado mais profundo e verdadeiro

    que esta ltima.

    O comportamento no-verbal estabelece e determina a qualidade

    das relaes entre as pessoas, e se verdade que todos os

    comportamentos possuem valor comunicacional, o processo de atribuio

    de sentido reside, muitas vezes, mais nos olhos do recetor e menos no

    suposto significado da mensagem. Na comunicao quotidiana face a

    face, as pessoas constroem o sentido das mensagens, fazendo inferncias

    a partir das pistas verbais e no-verbais, bem como dos indicadores do

    contexto da interao. E a interpretao dos sinais no-verbais varia no

    interior desta interao de elementos.

    Os elementos no-verbais ajudam o sujeito a verificar e a

    certificar-se das intenes da pessoa que fala, reforando a mensagem

    verbal.

    Podemos impedir a nossa comunicao, simplesmente, no

    utilizando a linguagem verbal. Porm, no podemos impedir a

    comunicao no-verbal. No nos podemos impedir de comunicar algo

    atravs das nossas expresses faciais e dos nossos movimentos.

    Quando duas pessoas se encontram, mesmo que no falem, no

    podem deixar de comunicar, porque todo o seu comportamento tem uma

    dimenso comunicativa. Esta comunicao pode no ser consciente nem

    mesmo intencional, mas conhecer o seu valor e a sua importncia para

    ns e para os outros, essencial para evitar as ruturas ou os bloqueios da

    comunicao.

    A comunicao no-verbal informa-nos sobre o contedo da

    comunicao verbal e ajuda-nos a interpretar as mensagens verbais.

    A paralingustica uma das componentes da comunicao no-

    verbal. Corresponde ao modo de falar. A voz transmite energia,

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    34

    entusiasmo e interesse pelo interlocutor e pela relao estabelecida. O

    timbre e o volume da voz afetam a linguagem falada e permitem atribuir-

    lhe significaes diferentes. Uma simples palavra, como sim, pode,

    consoante o modo como pronunciada, exprimir frustrao, clera,

    desinteresse, resignao, etc.

    Os gestos ajudam a interpretar o contedo das comunicaes,

    permitem definir os papis e os desempenhos sociais. As mos tm sido

    ao longo dos tempos as ferramentas mais importantes de comunicao e

    interao.

    Quando comunicamos, o nosso corpo tambm fala. As nossas

    expresses faciais comunicam os nossos sentimentos, emoes e reaes,

    intencionalmente ou no. Apesar de serem conhecidos cerca de 3000

    padres de expresso facial, um pequeno nmero encontra-se associado

    expresso das emoes bsicas de forma aparentemente universal

    (Ekman,1999, citado por Neves, 2008).

    Nas sociedades ocidentais encontram-se igualmente padres

    estveis na forma como o espao fsico usado como meio de

    comunicao. Hall (1966), mostrou como as pessoas mantm distncias

    previsveis quando comunicam, de acordo com a natureza da relao

    entre os interlocutores e o tipo de contedo da comunicao. Por

    exemplo, distncias entre os interlocutores inferiores a um metro geram

    desconforto e tenso em pessoas cujo relacionamento apenas

    superficial. Pelo contrrio, tal distncia sentida como adequada e

    confortvel por interlocutores ligados por laos de intimidade.

    No contacto com os outros, a posio do corpo determinante

    para a qualidade da comunicao. Uma postura rgida pode significar

    resistncia interao. Uma postura ligeiramente inclinada para o

    interlocutor favorece a escuta e a empatia. A posio dos braos

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    35

    determinante na interao. Braos cruzados, mos nos bolsos ou mos

    atrs das costas, impedem uma interao aberta e favorvel

    comunicao. Quando fala, o sujeito deve elevar ligeiramente as mos,

    utilizando gestos que reforcem a comunicao verbal. Esfregar as palmas

    das mos pode ser interpretado como querendo comunicar expectativas

    positivas.

    O tocar, ou seja entrar em contacto fsico com o outro, tambm

    um dos primeiros processos de comunicao. O contacto fsico est

    muito dependente da cultura. Atravs do contacto fsico, nas suas

    mltiplas formas, transmitem-se sentimentos e desencadeiam-se reaes

    positivas ou negativas.

    Quando comunicamos face a face, as formas no-verbais surgem

    combinadas com contedos verbais das mensagens, servindo diferentes

    propsitos consoante o contexto.

    Comunicamos para estabelecer ou restabelecer relaes com os

    outros e para as fortalecer, mas tambm para influenciar, levar a agir ou

    simplesmente proporcionar prazer. Assim, possvel considerar como

    eficaz todo o processo comunicacional, atravs do qual os interlocutores

    alcanam plenamente os objetivos que correspondem s suas intenes

    ao iniciar a comunicao.

    fundamental, para quem est em contacto com os outros e

    pretende melhorar a sua capacidade de comunicao interpessoal, ter em

    ateno os seguintes princpios: pronunciar as palavras correta e

    claramente; no falar muito alto nem muito baixo; no falar nem muito

    depressa nem muito devagar; concentrar-se na mensagem e levar os

    outros a faz-lo; ser breve; usar palavras simples; mostrar-se interessado;

    sorrir; tratar corretamente o interlocutor; ser simptico; certificar-se de

    que os termos que utiliza so compreendidos pelo interlocutor;

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    36

    acompanhar as palavras de gestos; reformular o que o interlocutor disse

    para se certificar de que compreendeu a mensagem (dizer ao interlocutor:

    Fui clara? Fui compreensvel? Em vez de Compreendeu? Est a

    perceber?); mostrar um olhar interessado; manter uma boa postura;

    mostrar o rosto aberto; falar, olhando sempre para o interlocutor; adaptar

    a mensagem ao interlocutor; evitar as grias, frases longas, com muitas

    oraes relativas; no dar muita informao de seguida; falar de forma

    positiva; evitar utilizar a palavra no.

    Com frequncia, a comunicao processa-se deficientemente ou

    no se realiza. As barreiras comunicao podem ser de dois tipos:

    externas e internas.

    As barreiras externas podem ser a distncia entre o emissor e o

    recetor; separaes, tais como balces ou vidros; rudos; a temperatura e

    a iluminao do espao onde se comunica, se estas prejudicarem o bem-

    estar dos interlocutores.

    As barreiras internas podem ser o falar uma linguagem que no

    entendida pelo interlocutor; empregar palavras ambguas; problemas da

    nossa estrutura pessoal que nos faam ter medo de falar de determinado

    assunto ou de falar com determinada pessoa; referir ideias ou evocar

    sentimentos no adaptados ao objetivo da comunicao; os valores e as

    crenas das pessoas, assim como a sua viso do mundo; papeis sociais

    desempenhados; estado de cansao ou doena.

    Escuta ativa: uma competncia nuclear na comunicao

    interpessoal

    Segundo Neves et al. (2008), saber escutar considerado como

    uma das competncias determinantes na comunicao interpessoal.

    Todavia, esta nfase na importncia da escuta deriva possivelmente da

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    37

    conscincia de que ela no constitui a regra no quotidiano. Na verdade, a

    maior parte das pessoas ouve os outros enquanto faz outra coisa

    qualquer. Porm, escutar diferente de ouvir simplesmente. Exige que

    nos concentremos intensivamente no que o outro diz, afastando a mirade

    de pensamentos dspares que se podem constituir como distratores.

    Na interao social, a escuta pode assumir duas formas. A

    primeira refere-se a comportamentos atravs dos quais um indivduo

    indica ao interlocutor que est a prestar-lhe ateno e a seguir o seu

    discurso. Esta expresso explcita e aberta de interesse pelas mensagens

    de outrem designa-se escuta ativa. A segunda forma, a escuta passiva,

    ocorre quando uma pessoa assimila a informao contida nas mensagens

    de outrem sem manifestar ao seu interlocutor qualquer sinal de que o est

    a fazer.

    Algumas dificuldades da escuta eficaz devem-se a fatores

    relativos ao contexto da comunicao ou natureza das mensagens do

    outro. No entanto, a capacidade de escutar eficazmente dificilmente

    separvel da relao que se estabelece com o outro. Escutar, implica em

    primeiro lugar, a necessidade de adotar uma orientao emptica que

    favorea a compreenso do mundo do outro. Empatizar com algum

    consiste em manifestar a aceitao do seu ponto de vista e no a

    concordncia com o contedo da mensagem. Escutar ativamente,

    mostrando aceitao das opinies do outro, garante que possamos

    discordar delas, aumentando simultaneamente a probabilidade de sermos

    escutados. Por isso se diz que escutar ativamente persuade o interlocutor

    a escutar-nos, constituindo um incentivo para obter a ateno e promover

    a aceitao das nossas prprias opinies por parte dos outros. Esperar que

    o interlocutor preste ateno ao que dizemos, quando anteriormente no

    manifestamos o mnimo desejo de o escutar, constitui uma expectativa

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    38

    irrealista. Em especial numa interao destinada a debater divergncias

    (como acontece na resoluo de conflitos), a escuta ativa permite que se

    possa distinguir as pessoas dos problemas, mantendo um relacionamento

    pessoal positivo em simultneo com a discusso da substncia das

    posies de cada uma das partes.

    3.1.2 A Assertividade

    A palavra assertividade vem de assero, que, em latim, significa

    afirmar, expor de forma positiva o que se deseja transmitir. Uma

    pessoa assertiva expressa o mais diretamente possvel o que pensa e o

    que deseja, escolhendo um conjunto de atitudes adequadas para cada

    situao, de acordo com o local e o momento. A assertividade permite

    uma comunicao direta por meio de um comportamento que habilita o

    indivduo a agir no seu interesse, a defender-se sem ansiedade excessiva,

    a expressar os seus sentimentos de forma honesta e adequada, fazendo

    valer os seus direitos sem negar os dos outros. Portanto, a assertividade

    pode ser entendida como uma forma comportamental de comunicar, que

    significa afirmar o que cada um quer, sente e pensa, dando

    simultaneamente espao de afirmao ao outro (Jardim & Pereira, 2006).

    A constatao de que alguns indivduos manifestam dificuldades

    especficas na defesa dos seus direitos em situaes de interao social,

    esteve na origem da introduo deste tpico no mbito da terapia

    comportamental (e.g. Wolpe, 1958, citado por Neves et al., 2008). O

    objetivo da interveno teraputica consistia em desenvolver

    competncias individuais na interao social, atravs da aprendizagem de

    novos comportamentos, de modo a que aquelas pessoas pudessem lidar

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    39

    de forma mais eficaz com situaes da vida quotidiana, que exigiam a

    afirmao ou a defesa dos seus direitos.

    Autores como Fensterheim e Baer (1975, citado por Neves et al.,

    2008), referem-se a um indivduo assertivo como algum que comunica

    com os outros expressando-se de forma aberta, dando a conhecer

    claramente o que quer e o que sente e, por outro lado, atuando de forma

    pr-ativa para obter o que pretende dos outros. Centrando-se em

    comportamentos observveis, Lazarus (1973, citado por Neves et al.,

    2008), props uma das mais influentes descries da assertividade,

    definindo-a como a capacidade de recusar ou fazer pedidos, expressar

    sentimentos positivos e negativos, bem como iniciar, manter e concluir

    conversas de carter geral.

    Alguns autores procuram especificar as caractersticas

    comunicacionais distintivas das respostas assertivas inserindo-as no

    ponto central de um continuum que vai da passividade agresso.

    As respostas no assertivas caracterizam-se pelo auto-apagamento

    individual traduzido na incapacidade de expressar diretamente

    sentimentos e preservar direitos na interao com outrem. A passividade

    a descrio mais comum da forma no assertiva de comunicar: o

    indivduo fala em voz baixa, evita expressar opinies pessoais, mostra

    concordncia pblica em contradio com o que realmente pensa, evita

    qualquer hiptese de contrariar ou afrontar os outros. No extremo oposto,

    as respostas agressivas envolvem ameaas ou violam os direitos de

    outrem. Quando utilizam esta forma de atuar, as pessoas falam num tom

    excessivamente alto, por cima do discurso dos outros, exprimindo

    opinies e sentimentos de forma dogmtica. Quando comunica

    assertivamente, o indivduo expressa abertamente os seus sentimentos e

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    40

    as suas opinies em voz firme e olhar direto, valorizando e expressando

    respeito pelos pontos de vista dos outros.

    Portanto, podemos considerar que existem estilos de comunicao

    que no so mais do que formas diferentes de abordar a situao

    interpessoal: o estilo agressivo, passivo, manipulador e assertivo ou

    autoafirmativo. Vamos agora procurar caracterizar cada um deles.

    O Estilo Agressivo segue um contnuo que vai do impulsivo at

    ao verdadeiramente agressivo.

    A pessoa predominantemente agressiva tende a agir como uma

    pessoa reivindicativa face aos outros. Age como se fosse intocvel e no

    tivesse falhas nem cometesse erros. O agressivo tem uma grande

    necessidade de se mostrar superior aos outros e, por isso,

    excessivamente crtico. Na relao com os outros, os agressivos tornam-

    se tirnicos ao ponto de desprezarem os direitos e os sentimentos dos

    outros. Emitem muitas vezes a opinio de que os outros so estpidos.

    O objetivo principal do agressivo ganhar aos outros, de dominar

    e de forar os outros a perder. Muitas vezes ganha, humilhando e

    controlando os outros, de tal modo que no lhes d a possibilidade de se

    defenderem.

    As pessoas que adotam este estilo, no conseguem estabelecer

    relaes ntimas e de segurana.

    Curiosamente, o agressivo tem a conscincia de que se deve

    proteger de possveis ataques e de possveis manobras dos outros, porque

    tem a conscincia de que mal compreendido e no amado.

    O agressivo procura dominar os outros, valorizar-se custa dos

    outros e ignorar e desvalorizar sistematicamente o que os outros fazem e

    dizem. O comportamento agressivo nas relaes hierrquicas, em posio

    dominante, caracteriza-se pelo autoritarismo, frieza, menosprezo,

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    41

    intolerncia, em posio subordinada, caracteriza-se pela contestao

    sistemtica, hostilidade a priori contra tudo o que vem de cima.

    O Estilo Passivo vai desde o moderado at ao predominantemente

    passivo. O passivo , quase sempre, um explorado e uma vtima.

    Raramente est em desacordo e fala como se nada pudesse fazer por si

    prprio e pelos outros. Tende a ignorar os seus direitos e os seus

    sentimentos. Tende a evitar os conflitos a todo o custo.

    Dificilmente diz no, quando lhe pedem alguma coisa, porque

    pretende agradar a todos. Porm, a curto prazo, no agrada a ningum

    porque, como frequentemente solicitado, no pode fazer tudo o que diz,

    de forma correta.

    No afirma as suas necessidades porque muito sensvel s

    opinies dos outros.

    O passivo sente-se bloqueado e paralisado quando lhe apresentam

    um problema para resolver. Tem medo de avanar e de decidir porque

    receia a deceo. Parece que espera alguma catstrofe. Tem medo de

    importunar os outros, deixa que os outros abusem dele. A sua cor a

    cor do ambiente onde est inserido. Ele tende a fundir-se com o grupo,

    por medo. Ele chama a isto realismo e adaptao.

    O Estilo Manipulador vai desde o moderado at ao

    predominantemente manipulador.

    O comportamento manipulador justifica-se quando se afirma: os

    que tm sucesso so aqueles que sabem enganar e iludir os outros.

    A ttica do manipulador consiste, muitas vezes, em culpabilizar

    algum para obter aquilo que no se atreve a pedir francamente. Quando

    algum se lhes refere como manipulador sentem-se indignados e

    ofendidos.

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    42

    O manipulador no se implica nas relaes interpessoais.

    Esquiva-se aos encontros e no se envolve diretamente com as pessoas,

    nem nos acontecimentos. O seu estilo de interao caracteriza-se por

    manobras de distrao ou manipulao dos sentimentos dos outros. O

    manipulador no fala claramente dos seus objetivos, uma pessoa muito

    teatral.

    As pessoas afirmativas ou assertivas so capazes de defender os

    seus direitos, os seus interesses e de exprimir os seus sentimentos, os

    seus pensamentos e as suas necessidades de forma aberta, direta e

    honesta. Estas pessoas para afirmarem os seus direitos, no pisam os

    direitos dos outros. A pessoa afirmativa tem respeito por si prpria e

    pelos outros, est aberta ao compromisso e negociao. Aceita que os

    outros pensem de forma diferente de si, respeita as diferenas e no as

    rejeita.

    A atitude de autoafirmao tambm pode ser chamada de

    assertividade. Este termo tem origem no verbo assero que significa

    afirmar.

    Autoafirmar-se significa evidenciar os seus direitos e admitir a

    sua legitimidade sem ir contra os direitos dos outros. Trata-se de uma

    pessoa que se pronuncia de forma serena e construtiva.

    Bower (1976, citado por Fachada, 2010), desenvolveu um mtodo

    pragmtico que permite o treino e o desenvolvimento da atitude de

    autoafirmao. Este mtodo permite reduzir as tenses entre as pessoas

    em qualquer domnio da vida particular, familiar ou profissional. Trata-se

    de um mtodo que pressupe a negociao, como base do entendimento.

    A tcnica de autoafirmao chamada D.E.E.C., acrnimo de: descrever,

    expressar, especificar, consequncia.

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    43

    O comportamento de autoafirmao tende a reduzir as tenses

    inter-individuais. O sujeito apresenta uma postura que se adequa sua

    mensagem: no fala demais nem exagera nos gestos e olha o seu

    interlocutor nos olhos.

    O sujeito que se autoafirma um indivduo autntico. Ser

    autntico e expressar os seus sentimentos na vida social implica: abster-

    se de julgar e fazer juzos de valor sobre os outros; no utilizar mmica

    ou uma entoao opostas ao que se diz por palavras; descrever as suas

    reaes, mais do que as reaes dos outros; facilitar a expresso dos

    sentimentos dos outros e no os bloquear.

    3.1.3 Gerir Conflitos

    O conflito um fenmeno comum em todas as reas da vida

    social. Existe conflito quando ocorre uma situao de antagonismo entre

    indivduos ou grupos devido ao confronto de opinies, interesses ou

    aspiraes divergentes.

    As competncias de comunicao interpessoal constituem

    instrumentos decisivos para limitar os efeitos da escalada e devolver o

    conflito a um plano de resoluo construtiva. Ury (1991, citado por

    Neves et al., 2008), faz cinco recomendaes destinadas a estancar a

    escalada e a conduzir o oponente para uma soluo negociada de um

    conflito:

    - No reagir a provocaes. As reaes automticas tendem a

    ser negativas, alimentando a espiral de conflito. Por isso, desejvel

    dissociar-se do envolvimento emocional causado pelo ataque da outra

    parte e planear cuidadosamente a resposta.

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    44

    - Passar ao lado dos obstculos em vez de se envolver neles. O

    uso da escuta ativa apazigua sentimentos negativos. Ser firme nos

    princpios, mas criando um clima de concordncia sempre que possvel,

    constitui um bom suporte para estimular a racionalidade na discusso.

    - Perguntar porqu?, porque no? para demover a outra parte

    das suas posies e conduzi-la para uma interao assente em princpios.

    - Facilitar a concordncia por parte do oponente fazendo-lhe

    propostas to atraentes quanto possvel.

    - Tornar difcil para o oponente abandonar a via da busca de

    acordo, provando-lhe que negociar para encontrar uma soluo conjunta

    para o diferendo melhor do que seguir as alternativas que se lhe

    deparam.

    Melhorar a eficcia da comunicao entre as pessoas constituir

    remdio universal para os conflitos. De facto, aspetos como as distores

    do sentido das mensagens, a fraca capacidade de escuta ou a ineficcia na

    busca de informao podem constituir-se como fontes de conflito.

    Contudo, na maioria dos casos, disputas atribudas a m comunicao

    assentam em divergncias reais de valores, objetivos e interesses entre as

    partes.

    Se no podemos dizer que a comunicao causa nica dos

    conflitos, a gesto adequada das situaes conflituais requer o uso

    combinado de competncias individuais de comunicao. Competncias

    comunicacionais como escutar ativamente, dar e receber feedback,

    argumentar de forma persuasiva, constituem instrumentos decisivos para

    gerir eficazmente as situaes de conflito. A escuta ativa e o uso

    adequado do feedback so essenciais para reduzir as distores de sentido

    e os lapsos de informao nos quais o processo de comunicao

    interpessoal frtil.

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    45

    A escuta ativa implica uma certa empatia e uma das habilidades

    fundamentais para negociar um conflito.

    Escutar implica deixar de pensar no seu ponto de vista e

    compreender o ponto de vista do outro. Para negociar as solues

    satisfatrias necessrio compreender completamente as necessidades

    das outras pessoas e, para isso, imprescindvel saber escutar. bvio,

    que a escuta difcil, porque se est a lidar com problemas e questes nas

    quais todas as pessoas esto emocionalmente envolvidas. Regra geral, as

    pessoas so mais tentadas a defender o seu ponto de vista do que a

    escutar os argumentos e os pontos de vista das outras pessoas.

    Todas as partes envolvidas devem exprimir a sua opinio e o

    desacordo , numa primeira fase, fundamental para explorar os

    sentimentos, os valores e as atitudes de todos quantos esto envolvidos e

    sentem vontade de encontrar soluo mais ajustada para o conflito.

    3.1.4 Negociar

    Dificilmente passamos um dia sem negociar. A negociao

    perpassa quotidianamente a vida das pessoas. Negoceia-se para conseguir

    algo que s a colaborao de, pelo menos, duas partes pode permitir ou

    para resolver uma disputa entre elas. A negociao uma das opes

    (geralmente, a mais frutuosa), para a resoluo de conflitos. Uma das

    razes pelas quais uma negociao pode falhar o facto das pessoas no

    se darem conta de que esto em condies de negociar. Assim, escolhem

    outras opes (imposio, rutura, discusso anrquica), que

    desaproveitam o potencial criativo da negociao.

    Muitas pessoas encaram a negociao como uma espcie de luta

    em que se mede a fora de cada uma das partes ou ainda como uma

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    46

    batalha de vontades, cujo resultado seria favorvel ao mais persistente

    dos intervenientes. No entanto, o pano de fundo de qualquer negociao

    o reconhecimento implcito das partes de que precisam uma da outra e

    que, nesse sentido, esto ligadas por uma relao de interdependncia,

    dado que as aes de uma afetam os resultados da outra e vice-versa.

    Robert Selman (1980, citado por Fachada, 2010), desenvolveu

    investigao no campo das estratgias de negociao interpessoal a partir

    do modo como os sujeitos respondiam e agiam perante alguns dilemas

    que ele apresentava. O que o autor e os seus colaboradores pretendiam

    saber era como o indivduo agiria perante essas situaes de desequilbrio

    e de conflito de interesses. O sujeito tinha que dar uma srie de passos,

    que seguir um percurso cognitivo, para solucionar situaes do

    quotidiano que implicassem a interao com os outros.

    O modelo de estratgias de negociao interpessoal, pois, um

    modelo funcional que pressupe a existncia de determinadas etapas ou

    passos para a resoluo de problemas. Perante a situao que urge

    resolver, h um procedimento de informao que segue um percurso

    cognitivo para solucionar as situaes do quotidiano de interao com os

    outros. Sendo as etapas: 1. Definio do problema; 2. Seleo da

    estratgia de ao 3. Justificao da estratgia. 4. Antecipao das

    consequncias.

    Existem nveis de desenvolvimento de estratgias de negociao

    interpessoal:

    No Nvel Zero, podemos considerar o indivduo que no tem em

    conta os diferentes pontos de vista e de perspetivas. O seu raciocnio

    tende a estabelecer estratgias impulsivas e fsicas de confronto ou

    tambm de fuga da situao conflituosa.

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    47

    No Nvel Um: o indivduo reconhece a diferena entre o seu ponto

    de vista e o ponto de vista do outro numa determinada situao, mas no

    coordena as duas perspetivas, no as perceciona separadamente.

    Utilizam-se estratgias em sentido nico. Normalmente h uma tendncia

    para a acomodao passiva s necessidades e pedidos dos outros.

    No Nvel Dois: a este nvel o sujeito reconhece os diferentes pontos

    de vista que, quer ele quer o outro, tm. Verifica que tem a mesma

    capacidade para estabelecer planos, refletir, e a mesma capacidade para

    se influenciarem mutuamente. possvel partir da perspetiva da segunda

    pessoa, utilizando estratgias de persuaso, para convencer o outro.

    No Nvel Trs: o sujeito apercebe-se de que existem estratgias para

    a resoluo dos problemas na qual intervm todas as partes. Tem-se em

    considerao os pontos de vista do prprio e do outro, envolvendo

    compromissos, negociaes e desenvolvimento de objetivos comuns.

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    48

    3.2 Competncias Pessoais

    3.2.1 Resolver Problemas e Tomar decises

    As competncias de resoluo de problemas interpessoais podero

    definir-se como a capacidade de pensar em mltiplas alternativas para

    resolver um problema interpessoal, bem como a capacidade de considerar

    as potenciais consequncias de cada alternativa (Spivack & Shure, 1988).

    Tudo aquilo que nos acontece, incluindo os sucessos e insucessos,

    deriva principalmente, das decises que tomamos. Apesar da importncia

    intrnseca de cada deciso que tomamos na nossa vida, fazemo-lo

    quotidianamente e sem qualquer formao prvia. Aprendemos com a

    experincia.

    Um processo de tomada de deciso desencadeado pela

    constatao da existncia de um problema. Mas muitos problemas no se

    apresentam de forma evidente, antes so resultado da perceo que o

    indivduo possui da situao, a qual por sua vez, depende parcialmente da

    informao disponvel. Portanto, formular o problema , em si mesmo,

    parte integrante das tarefas de resoluo de problemas e do processo de

    deciso.

    Definir a rea ou objeto da deciso, estabelecer objetivos a atingir

    e encontrar alternativas disponveis, so considerados elementos

    caractersticos da resoluo de problemas, enquanto a tomada de deciso

    aparece muitas vezes associada especificamente avaliao das

    alternativas e concretizao da escolha.

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    49

    3.2.2 Autoestima

    Podemos verificar que algumas pessoas, mesmo desprovidas de

    muitas aptides, vivenciam um bom nvel de segurana pessoal, ao passo

    que outras, mesmo alcanando sucessos na vida e sendo apreciadas pelos

    demais, desconfiam constantemente das suas qualidades e possibilidades.

    Isto leva-nos a concluir que o grau de satisfao consigo mesmas no

    depende dos resultados alcanados na vida. So os critrios usados pela

    pessoa para avaliar as suas qualidades e os seus sucessos que determinam

    o seu bem-estar subjetivo (Jardim & Pereira, 2006).

    O crescente interesse pela competncia da autoestima justifica-se

    pelo facto de parecer que este constructo, tem um papel relevante no

    funcionamento saudvel da pessoa: habitualmente, um bom nvel de

    autoestima est positivamente correlacionado com um estado de bem-

    estar psicolgico, de integrao social e com um menor grau de

    desadaptao. Consequentemente, promover a autoestima pode contribuir

    para o sucesso ao nvel pessoal e social.

    Etimologicamente, a palavra autoestima evoca o termo auto,

    que se refere pessoa em si mesma, e o verbo estimar, que deriva da

    palavra latina aestimar, que significa avaliar, no sentido de

    determinar o valor de e de ter uma opinio sobre. Por isso, o

    conceito de autoestima pressupe o modo como cada um se v a si

    mesmo e como se julga, isto , o tipo de valor que se atribui.

    A autoestima assenta em trs pontos importantes: a

    autoconfiana, a imagem de si prprio e o gostar de si mesmo (Cyrulnik,

    1993, citado por Silva, 2004).

    Segundo os autores Andr e Lellord, (2000), estes trs

    componentes da autoestima so geralmente interdependentes: o gostar de

    si prprio (respeitar-se a si mesmo, acontea o que acontecer, dar ouvidos

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    50

    s suas necessidades e aspiraes), faculta incontestavelmente uma

    imagem positiva de si prprio (acreditar nas suas capacidades, projetar-se

    no futuro), que por sua vez influi favoravelmente na autoconfiana (agir

    sem medo excessivo do fracasso e do juzo dos outros).

    A autoestima pode ser definida como um processo de auto

    aprovao subjetiva (avaliao interna do prprio indivduo) e realista

    (Bednar & Peterson, 1995, citado por Jardim & Pereira, 2006). Neste

    caso, o indivduo aprova-se e sente-se bem consigo mesmo e com os

    valores que adotou para si, ou seja, no h conflitos graves, mas sim

    sintonia entre o comportamento, os sentimentos e os padres sociais.

    Segundo os referidos autores, os altos ou baixos nveis de autoestima, so

    geralmente o resultado e o reflexo de um determinado tipo de avaliao

    interna que o indivduo efetivamente experimenta.

    Ter uma autoestima elevada implica olhar com otimismo para si

    prprio e conferir um significado positivo aos acontecimentos da vida, o

    que exige uma atitude afirmativa face realidade circundante, sabendo

    identificar os aspetos positivos da prpria pessoa. necessria a

    definio de estratgias que ajudem auto valorizao, sabendo

    aproveitar as situaes quotidianas para mostrar, antes de mais a si

    prprio, que capaz de realizar bem o que quer, ao mesmo tempo que

    consegue eliminar as situaes que possam reduzir o grau de apreciao

    pessoal e a perceo dos benefcios de gostar de si mesmo.

    Para prosperar na autoestima necessrio ter experincia em

    conseguir atingir um objetivo, mesmo que pequeno. Nesse sentido,

    mudar somente os pensamentos e as emoes no suficiente, uma vez

    que o grau de satisfao vivenciado, sempre mais elevado quando se

    traduzem os desejos em aes, do que quando se permanece apenas nas

    boas intenes.

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    51

    Na opinio de Andr e Lellord (2000), possvel modificar a

    nossa autoestima, para tal, existem trs setores, cada um deles composto

    por trs dimenses, cada qual com a sua importncia, dependendo de

    pessoa para pessoa. No primeiro setor: A relao consigo mesmo, temos

    as dimenses: a) conhecer-se (colocar questes a si prprio, fazendo um

    autorretrato, do que gosta/no gosta, dos fracassos/xitos,

    defeitos/qualidades); b) aceitar-se (assumir ou modificar os seus defeitos)

    e c) ser honesto consigo prprio (no mentir a si prprio, assumindo as

    suas emoes negativas e a vontade de modificar as situaes).

    No segundo setor, as trs dimenses so: a relao com a ao,

    temos as seguintes dimenses: d) agir (os atos so a ginstica de

    manuteno da autoestima, a vida quotidiana fornece-nos um sem

    nmero de objetivos que, uma vez alcanados, permitem-nos sentir uma

    elevao da nossa autoestima); e) calar o crtico interior (capacitar-se da

    sua existncia, o que supe que compreenda que as suas dificuldades no

    advm unicamente da tarefa empreendida, mas tambm dos seus

    problemas de autoestima); f) aceitar o fracasso (ningum gosta de

    fracassar, mas, para mudar, h que agir, arriscando-nos pois, a

    fracassarmos).

    Por ltimo, no terceiro setor temos as seguintes trs dimenses: a

    relao com os outros: g) afirmar-se (a autoafirmao a capacidade

    para exprimirmos o que pensamos, o que queremos e o que sentimos,

    respeitando o que os outros pensam, querem e sentem. poder dizer

    no sem agressividade, pedir algo sem estar sempre a desculpar-se,

    responder com calma a uma crtica, etc.); h) ser emptico ( a capacidade

    para escutar o ponto de vista dos outros, para procurar compreend-lo e

    respeit-lo, mesmo no estando inteiramente de acordo com ele); i)

  • Escola Superior de Educao | Politcnico de Coimbra

    52

    aceitar o apoio social ( o conjunto das relaes que mantemos com os

    nossos prximos, e pela ajuda que estes nos do).

    3.2.3 Controlar a ansiedade

    A ansiedade foi j objeto de milhares de publicaes, mas

    permanece um conceito mal definido. frequentemente utilizado como

    sinnimo da palavra stress. Na linguagem popular, Estou stressado,

    significa muitas vezes Estou preocupado, tenso, ansioso. A experincia

    ansiosa induz ou acompanhada de tenses fsicas e psicolgicas

    relacionadas com a perceo de um perigo e o medo desse perigo.

    Nveis moderados de ansiedade revelaram desempenhar um

    papel-tampo perante diversas situaes stressantes. A ansiedade

    facilita assim a adaptao, ainda que seja desagradvel: mobiliza os

    recursos fsicos e psicolgicos para enfrentar aquilo que ameaa o

    sujeito, o que pode possibilitar transformaes benficas e facilitar o

    desenvolvimento psicolgico. Em primeiro lugar, ela protege-nos,

    favorecendo o estabelecimento de atitudes de defesa. Esta tem portanto,

    um papel motivador na vida quotidiana (Graziani, 2005).

    Ainda segundo este autor, a ansiedade pode perder esta funo

    adaptativa, o seu papel protetor e motivador, e tornar-se patolgica. O

    sujeito manifesta um temor difuso na ausncia de perigos identificveis

    ou em relao a situaes que no so de modo algum perigosas. Sente-

    se esgotado por esta inquietude, bloqueado ou, pelo contrrio,

    hiperativo.

    Como j foi referido, no h uma definio universalmente aceite

    de ansiedade. Esta foi definida como um estado emocional que possui a

    qualidade subjetiva do medo ou de uma emoo muito prxima.

  • Mestrado em Educao Especial Domnio Cognitivo e Motor

    53

    desagradvel, negativa, dirigida ao futuro, por vezes exagerada

    relativamente ameaa, e implica sintomas corporais subjetivos e

    manifestos. Ou seja, a ansiedade diz respeito ao processamento seletivo

    da informao por parte do sujeito, que a interpreta como uma ameaa ou

    um perigo ao seu prprio bem-estar e sua segurana.

    Os indivduos tentam encontrar estratgias e meios para

    modificar, dominar e cont