departamento de taquigrafia revisÃo e redaÇÃo … · convém ou não e sob que condições...
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DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIAREVISÃO E REDAÇÃO
SESSÃO: 900.1.52.O
DATA: 20/10/03
TURNO: Vespertino
TIPO DA SESSÃO: Abertura doSeminário ALCA
LOCAL: Plenário Principal - CD
INÍCIO: 18h09min
TÉRMINO: 19h18min
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ REDAÇÃO FINALNúmero Sessão: 900.1.52.O Tipo: ALCAData: 20/10/2003 Montagem: José
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Declaro aberta a
sessão.
A Mesa está composta das seguintes autoridades: Presidente da República,
Sr. Luiz Inácio Lula da Silva; Presidente do Congresso Nacional, Senador José
Sarney; Presidente do Parlatino, Deputado Ney Lopes; 1º Vice-Presidente da
Câmara dos Deputados, Deputado Inocêncio Oliveira; Ministro da Casa Civil, Sr.
José Dirceu de Oliveira e Silva; e o ex-Presidente da Argentina, Sr. Raúl Alfonsín.
Gostaria de dar as boas-vindas a todos.
Convido-os a ouvirem, de pé, a execução do Hino Nacional.
(Execução do Hino Nacional.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Concedo a palavra ao
nobre Deputado Ney Lopes, Deputado Federal do Brasil, mui digno Presidente do
PARLATINO.
O SR. DEPUTADO NEY LOPES - Exmo. Sr. Presidente da República do
Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, Exmo. Sr. Senador José Sarney, Presidente do
Congresso Nacional, Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha, Presidente da
Câmara dos Deputados, Exmo. Sr. Ministro de Estado da Casa Civil, José Dirceu,
Exmo. Sr. Raúl Alfonsín, ex-Presidente da Argentina, Exmo. 1º Vice-Presidente da
Câmara dos Deputados, Deputado Inocêncio Oliveira, Srs. Ministros de Estado, Srs.
Embaixadores, colegas Parlamentares de toda a América Latina, minhas senhoras e
meus senhores, é com satisfação que, no início dos trabalhos deste Encontro
Parlamentar sobre a Área de Livre Comércio das Américas, na condição de
Presidente do Parlamento Latino-Americano, agradeço a todos a presença,
especialmente ao Exmo. Sr. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que,
a despeito de uma agenda conhecidamente sobrecarregada, nos honra com o seu
comparecimento.
Agradeço também ao Presidente do Congresso Nacional, Senador José
Sarney, e ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha,
de cujas colaborações não podíamos prescindir para a consecução de um evento
político como este, de caráter internacional.
Estendo os agradecimentos ao dedicado corpo de servidores do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados, que, com abnegação e responsabilidade,
colaborou na organização deste encontro parlamentar.
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O papel dos legisladores na discussão e aprovação de acordos e tratados
internacionais, tipo ALCA, constitui o tema dos debates hoje iniciados. O Poder
Legislativo, pela sua natureza fiscalizadora, não pode transformar-se em
homologador de fatos consumados em matéria de política externa. No caso
específico da ALCA, estamos diante da proposta da Área de Livre Comércio das
Américas, reunindo 34 países americanos em zona de livre comércio, o que significa
constituir o maior bloco comercial do mundo, 800 milhões de consumidores — o
dobro da União Européia —, um produto interno bruto (PIB) de 11 trilhões de dólares
e 22% das exportações mundiais.
Fazer parte da ALCA está sendo apresentado por alguns como uma questão
de vida ou morte, como uma escolha entre o atraso e o progresso. Um dos pontos
negativos deste debate é a excessiva simplificação dos problemas. O que mais se
critica, em todo o âmbito político, é a pretensa falta de vontade política, como se o
Estado tivesse uma sanha especial contra os pobres ou fosse insensível aos
desastres e fenômenos naturais e à miríade de problemas sociais que nos afligem.
Tudo parece resumir-se na adoção de uma ou outra postura para, como em um
passe de mágica, resolver problemas extremamente complexos, como o valor da
moeda, as taxas de juros, a política comercial, os subsídios, as linhas de crédito e o
grave problema do desenvolvimento social, intimamente ligado à justiça distributiva.
Sabe-se que uma das chaves do mundo de hoje é a interligação entre os
diferentes setores econômico e social. Aprendemos que, assim como na natureza,
um atentado ecológico tem centenas e milhares de repercussões nos ecossistemas.
Da mesma forma, uma medida inadequada na economia tem repercussões em
milhares de outros setores da atividade produtiva e em áreas do tecido social.
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Existem vínculos surpreendentes entre o econômico, o social, o político e o
comportamento, tornando o exercício da política uma arte das mais complexas.
Por isso, não podemos ser triunfalistas, apenas assumindo que a ALCA, por
si só, redimirá a penúria econômica, expandirá os mercados, aumentará nossas
exportações e diminuirá o desemprego. Mas também não podemos ter uma visão
pessimista ou aterrorizada, achando que as nossas empresas e produtos serão
arrasados pelas poderosas economias do norte do hemisfério. Nem uma coisa, nem
outra; isto é de uma simplicidade inaceitável.
Não existem, portanto, as soluções milagrosas, as panacéias universais. A
ALCA, assim como outros ícones do mundo globalizado de hoje — o FMI, o Banco
Mundial e a própria globalização — não é boa ou má em si; tudo depende de como
nos posicionamos em relação a ela. A ALCA não se destina a solucionar o problema
da pobreza e da injustiça social nos países da América Latina. Trata-se de proposta
estritamente comercial. Cabe a nós, latino-americanos, analisar se tal proposta
convém ou não e sob que condições devemos aceitá-la ou não.
O que de fato devemos considerar, sem paixões, é quais serão os ganhos
obtidos e os sacrifícios consentidos Sim, porque é simplista pensar que só teremos
vantagens ou desvantagens. Trata-se de fazer um balanço e ver se estaremos
melhor dentro da ALCA ou fora dela, em função, claro está, de como ela venha a ser
estruturada.
O primeiro aspecto é visualizar que teremos como sócio a mais poderosa
economia do planeta. Mas isso não deve ser um obstáculo para percebermos que
também teremos o livre comércio entre os países da América Latina e do Caribe. A
vontade política e o realismo econômico, após décadas de procura pelo livre
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comércio entre os países latino-americanos, chegarão com vários sócios: as
economias do Norte e os países do Caribe, em um mapa americano repleto de
culturas e profundos contrastes.
Contudo, está mais do que provado que o aumento do intercâmbio comercial
e inclusive o aumento do PIB não se traduzem, necessariamente, em melhoria de
condições de vida das camadas menos favorecidas da população.
O combate à pobreza na América Latina passa pela realização de reformas
internas em cada país. Se não fizermos o nosso “dever de casa”, de nada adiantará
aumentar as riquezas produzidas e receber bilhões e mais bilhões em investimentos.
A receita é conhecida. Basta examinar como procederam os países que
conseguiram quebrar o círculo vicioso da pobreza, na Europa e na Ásia. O custo é
que as classes que detêm a riqueza maior terão de se contentar com uma parcela
menor do PIB. Distribuir riquezas nada tem de socialista ou de altruísmo. É do
interesse da própria economia de mercado ter consumidores cada vez mais
insaciáveis e com maior poder aquisitivo. É importante destacar que a distribuição
não é na prática só um problema de políticas fiscais tributárias e monetárias, como
tampouco é, em sua concepção, um assunto de caridade, amparo ou
assistencialismo. É uma questão de justiça e tem a ver diretamente com a estrutura
dos valores éticos universais.
A negociação da ALCA gravita em torno de temas já conhecidos das equipes
negociadoras da América Latina, tais como acesso aos mercados, subsídios
agrícolas, investimentos, serviços, compras do setor público, antidumping, medidas
compensatórias, etc. Trata-se de alcançar a total cobertura da educação, de
adequar as estruturas das nossas empresas, de fazer a reconversão industrial, de
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modernizar o Estado, de capacitar tecnologicamente o pessoal de setores chaves da
exportação, de fortalecer a nossa infra-estrutura viária, ferroviária e portuária, de
modernizar as nossas alfândegas, de visualizar a estrutura exportadora de cada
país, de investir em ciência e tecnologia, de adequar políticas macroeconômicas que
tornem tudo isso viável, já que a simples redução de tarifas não assegura o sucesso
das exportações. As preferências tarifárias da Andean Trade Preference Act (ATPA),
outorgadas unilateralmente pelos Estados Unidos aos países andinos em razão de
sua luta contra o narcotráfico, não provocaram nesses países o sucesso exportador
nos itens que obtiveram redução de tarifas.
O importante é que as empresas de qualquer tamanho aprendam a inserir-se
neste grande mercado do continente americano para obter ganhos reais e, no final,
o nosso povo erga, como no Canto Geral de Neruda, “a taça da nova vida com as
velhas dores enterradas”.
Não posso deixar de mencionar, reconhecer e agradecer, de forma pública e
enfática, o grande trabalho que desenvolvem o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
do Brasil, aqui presente, o Ministério das Relações Exteriores, que tem à frente o
Ministro Celso Amorim, e outros líderes latino-americanos, em prol da justa
aspiração dos nossos povos, que é a meta fundamental do PARLATINO, pregada
pelos fundadores Senadores Andrés Towsend, do Peru, e Nelson Carneiro, do
Brasil: a Comunidade Latino-Americana de Nações.
É muito provável que esta ação concreta conduza, a curto prazo, à
concretização de um bloco sul-americano, que o Presidente Lula, do Brasil, vem
liderando e que merece nosso respeito e acolhimento. Constitui ele não só uma
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grande conquista em si mesma, mas, como acabo de dizer, a ante-sala de uma
comunidade latino-americana de nações.
O livre comércio pode e deve trazer prosperidade, mas só se soubermos,
como sociedade e não como governo, negociar primeiro e administrar depois o
Tratado.
Ainda em relação ao bloco sul-americano, assim entendido como o início da
Comunidade Latino-Americana de Nações, o PARLATINO já elabora estudo e abrirá
debates parlamentares proximamente em torno do tema “Desenvolvimento e
Integração Fronteiriça do Norte e do Nordeste do Brasil — o Merconorte”, que
consiste na realização de um plano integral de desenvolvimento dos Estados do
Norte e do Nordeste, que tenha como ponto fundamental — atividade motora — a
integração fronteiriça com os países limítrofes. Trata-se de aumentar
substancialmente a qualidade de vida dos habitantes dessas regiões.
Finalizo, reiterando meus agradecimentos a todos os senhores pela generosa
resposta que deram a esta convocação, assim como ao Parlamento brasileiro, na
pessoa dos Presidentes José Sarney e João Paulo Cunha, por seu inestimável
apoio, que tornou possível este encontro. Desejo grande êxito às deliberações, pois,
como já tive oportunidade de afirmar outras vezes, “pertencemos a uma geração
excepcional, que teve a oportunidade de ser testemunha de uma época de
mudanças sem precedentes em toda a história da humanidade”.
A América Latina, no meio de momentos tão difíceis, sairá, com certeza,
vitoriosa nesse desafio e cantará como a tigresa de Rubén Darío:
Sentem-se bafejos de forno;
e a selva indiana,
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nas asas do calor,
lança, sob o sereno
céu, um sopro de si. A tigresa ufana,
respira a plenos pulmões,
e ao ver-se formosa, altiva e soberana,
bate-lhe o coração e o seu seio se inflama.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Convido para usar a
palavra o Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney.
O SR. SENADOR JOSÉ SARNEY - Sr. Presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva, Sr. ex-Presidente da Argentina Raúl Afonsin, Exmo. Sr. Deputado
João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, Srs. Presidentes de
Congressos, de Senados e de Câmaras dos Deputados dos países das Américas,
Sr. Ministro-Chefe da Casa Civil, Deputado José Dirceu, Sr. Deputado Ney Lopes,
Presidente do PARLATINO, Sr. Deputado Inocêncio Oliveira, Vice-Presidente da
Câmara dos Deputados, Srs. Ministros de Estado, Srs. Parlamentares das Américas,
Sras. e Srs. Embaixadores, minhas senhoras e meus senhores, aderimos com
louvor à idéia do Deputado João Paulo Cunha de realizarmos um debate sobre
papel do Legislativo na Área de Livre Comércio das Américas, no qual
representantes de todo o hemisfério pudessem discutir este tema de tamanha
relevância.
Devemos ressaltar a eficiente colaboração do Deputado Ney Lopes,
Presidente do PARLATINO, na preparação deste encontro. Sejam todos bem-
vindos.
Se cabe, constitucionalmente, ao Executivo celebrar atos internacionais, é da
competência exclusiva do Congresso Nacional resolver sobre tratados, acordos ou
atos internacionais. O tema e o momento são oportunos e próprios, pois a ALCA é a
mais instigante iniciativa continental a despertar na opinião pública interesse e
participação, principalmente agora com o avanço do quadro negociador.
Desejo aproveitar a presença do Presidente Raúl Alfonsín, este grande
estadista das Américas, extraordinário homem público do nosso continente, que aqui
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nos honra com sua participação, para rememorar que, em novembro de 1985, em
Foz do Iguaçu, Brasil e Argentina tomaram a decisão de encerrar décadas de um
antagonismo quase que cristalizado e iniciar uma era de integração profunda de
suas sociedades.
Infelizmente, em 1991, a integração passou a centrar-se na área comercial. O
sonhado projeto político maior foi diluído, e a união aduaneira passou a ser o
objetivo a ser alcançado. Marginalizamos a participação de nossos Parlamentos no
processo e, ao restringir nossos objetivos originais, nos tornamos mais frágeis, nos
vulnerabilizamos e ficamos à mercê das imprevisíveis mudanças da conjuntura
global.
Tivemos, sem dúvida, uma grande expansão de nosso comércio, um
resultado que não pode ser desprezado e que está incorporado ao patrimônio de
nossas relações. É com renovada esperança que vemos o reencontro dos ideais
fundadores do MERCOSUL, na patriótica visão conjunta e compartilhada dos
Presidentes Kirchner e Lula, que fazem renascer nossas esperanças. Restabelecem
o compromisso de aprofundar a integração, retomar o projeto original, a concepção
maior.
Semana passada pude, como Presidente do Senado, participar da aprovação
legislativa do Protocolo de Olivos, com o qual se abre o caminho para o
estabelecimento das instâncias supranacionais.
O MERCOSUL é assim um caminho sem volta. Não podemos negociar
qualquer outro tratado de integração regional sem o considerar. As turbulências que
atravessamos estão sendo contornadas. As cifras do nosso comércio, que sofreram
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forte retração nos últimos anos, se recuperam. Observamos sinais claros da
retomada do crescimento de nossas economias.
Ao lembrar o MERCOSUL, desejo estabelecer as referências com as quais
devemos lidar no esforço em curso para a criação da Área de Livre Comércio das
Américas — ALCA.
Em meados dos anos 90, a Organização Mundial do Comércio ainda estava
num processo de gestação no bojo da Rodada Uruguai. O comércio internacional
dava sinais de que se caminhava para a cristalização de uma estrutura de grandes
blocos. Foi com esse pano de fundo que a Área de Livre Comércio das Américas foi
lançada em 1994, iniciativa para se criar um espaço único da Patagônia até o
Alasca.
Se antecedermos aos primórdios dessa idéia, vamos encontrá-la quando, à
época da queda do Muro de Berlim, em reunião do G-7 em Houston, o Presidente
Bush, pai, e o Secretário Baker estabeleceram a doutrina de que a Europa arcasse
com a responsabilidade de assistir os países do Leste da ex-União Socialista
Soviética, enquanto os americanos fariam o mesmo na América Latina.
Em 27 de junho de 1990, os Embaixadores das Américas, em Washington,
foram convocados para ouvir, pela primeira vez, o que seria a “Iniciativa para as
Américas”, do Alasca à Patagônia. O plano tinha uma vertente comercial, mas a ela
não se restringia. Era uma idéia generosa e muito mais abrangente. Previa a injeção
de recursos financeiros e a preocupação de sanar as dívidas dos países menos
favorecidos. Era, portanto, um projeto ambicioso, talvez até o embrião de um
mercado comum. Posteriormente se transformou na ALCA, com exclusiva visão
aduaneira.
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Devemos discutir sem preconceitos nem sectarismos este tema. Temos que
lidar com a realidade e não com abstrações. Estamos decidindo um processo de
convivência continental, que vai influir em relação ao nosso futuro. As gerações que
virão jamais perdoarão nossas vacilações ou nossos erros.
Na defesa de nossos interesses, devemos aqui, nós de língua portuguesa,
relembrar o velho Camões, quando dizia: “Não louvarei o capitão que diga ‘não
cuidei’”. Ao Congresso Nacional cabe ampliar o tema e discutir também o cenário em
que negociamos a ALCA, o crescimento econômico e o desenvolvimento social, que
são inseparáveis dessa questão.
Ao mesmo tempo em que mais de 1 milhão de jovens ingressam anualmente
no mercado de trabalho, em busca de empregos, temos diante de nós, brasileiros, a
responsabilidade de reincluir no mercado 20 milhões de brasileiros que hoje vivem
abaixo da linha da pobreza.
Não podemos negar que gerar empregos e reduzir o desnível de renda são
imposições inescapáveis do nosso cotidiano. Este é o fator condicionante de
qualquer contexto negociador. A sociedade brasileira não pode abrir mão de
implementar políticas de desenvolvimento. Questões referentes a legislação
trabalhista e ambiental, bem como temas relativos a investimentos, propriedade
intelectual, serviços e compras governamentais devem ser objeto de discussões
internas. Cabe a nós, Parlamentares, o exame final sobre se o interesse da
sociedade brasileira está perfeitamente resguardado. É o exemplo e o que faz o
Congresso dos Estados Unidos.
É com satisfação que registro que a orientação do Sr. Presidente da
República, através do Ministério das Relações Exteriores, tem perfeita sintonia com
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o pensamento da maioria dos participantes do Congresso Nacional. A sociedade
brasileira reconhece amplamente a importância do comércio internacional.
A redução da vulnerabilidade externa através da formação de superávit
comercial é objeto de análises diversas. A ela é necessário agregar, com base em
estudos já realizados, publicados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
do Brasil — IPEA, que a atividade exportadora oferece, de maneira geral, empregos
mais qualificados, com remuneração muitas vezes superior à oferecida pelas firmas
não-exportadoras. No entanto, é fundamental atentarmos para os estudos
publicados também pelo IPEA, que revelam a existência de fragilidades estruturais
em nossa pauta de exportação.
Já a pauta importadora, por seu lado, concentra-se em produtos cujas
demandas são crescentes no comércio internacional, em setores dinâmicos e de
elevado conteúdo tecnológico.
É nesse contexto que a ALCA nos permite acrescentar às nossas vantagens
comparativas estáticas os ganhos em vantagens comparativas dinâmicas. A ALCA
deve permitir aos produtos em que gozamos de elevado grau de competitividade
acesso aos grandes mercados do hemisfério, sem a distorção provocada por picos
tarifários e direitos extratarifários. Nossa visão não pode ser apenas tarifária. As
tarifas médias norte-americanas já são de 4%. Elas têm impacto quase neutro. Já as
nossas são de 14%. E, mesmo assim, para nós, o problema maior são as barreiras
não-tarifárias.
O Presidente Alfonsín lembrou que 5.657 produtos argentinos enfrentavam
esses obstáculos nos Estados Unidos, dos quais 2.105 eram claramente
discriminatórios à importação.
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Queremos uma ALCA sem o temor de que legislações nacionais, como as de
defesa comercial, possam tornar impeditivo o acesso a mercados que, em teoria, se
pretende liberar; uma ALCA em que nossos produtos agrícolas possam concorrer
internacionalmente, livres da concorrência dos subsídios de economias mais
poderosas. Desejamos uma ALCA abrangente, que responda aos temas de
interesse de todos os participantes, uma ALCA plural e não uma ALCA unilateral.
Reconhecemos a assimetria entre os participantes, singularizada pelo fato de
que se sentam à mesma mesa o país responsável pela geração do maior produto
interno do mundo e países cuja renda per capita bem reproduz o anseio por
desenvolvimento de suas populações. Por esse motivo, a ALCA não pode prender-
se somente à discussão da livre circulação dos fatores de produção, de que apenas
um dos países é o principal detentor e que goza dos benefícios da economia de
escala, além de acesso a tecnologias modernas de produção, métodos gerenciais
inovadores e baixo custo de financiamento.
Não há como desconhecer essas assimetrias. Nossa história diplomática
demonstra que somos, antes de tudo, contrários ao isolamento. Temos nós,
brasileiros, a cultura do diálogo e da negociação. Da constituição do GATT à
formação do MERCOSUL, bem como nosso incentivo à maior integração americana,
são inúmeras as evidências de que deploramos o isolamento. Se não bastassem
como exemplos, bastaria então citar também o esforço para ampliar relações com
países e grupos de países fora do hemisfério.
Por outro lado, rejeitamos o empobrecimento dos horizontes das gerações
futuras, pelas quais nós, brasileiros, temos a obrigação de zelar, cumprindo o
mandato que recebemos como Parlamentares da sociedade brasileira. O nosso
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processo de integração é exemplar. Sem nós, Brasil e Argentina, não há como
falarmos em integração continental. Jamais seremos isolados, porque a geografia já
se encarregou de nos defender.
Uma negociação só atinge seu objetivo quando a solução final for aceita por
todos os lados como sendo a melhor possível. As dificuldades que se apresentaram
no seio da Organização Mundial do Comércio, na reunião ministerial de Cancún,
somadas aos confrontos surgidos em Trinidad e Tobago, comprovam que
atravessamos um momento extremamente sensível, que as opções se estreitaram,
que há gargalos a serem transpostos.
Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, V.Exa., no passado, já honrou os
trabalhos desta Casa. Agora recebe nossa solidariedade integral para negociar o
processo da ALCA com a bravura com que tem feito. Seu lema é o nosso lema:
“Defesa do interesse nacional”. Se o Barão do Rio Branco soube, no início do século
passado, demarcar nossas fronteiras físicas, devem os brasileiros, hoje, estabelecer
as fronteiras comerciais de nossa aliança continental.
Agradeço a todos a presença e desejo que este encontro tenha excelentes e
construtivos resultados.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Em nome da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, quero reafirmar o agradecimento às Sras. e
aos Srs. Deputados e Senadores de 22 países presentes neste encontro.
Neste momento, gostaria de pedir permissão ao Presidente José Sarney para
utilizar a tribuna da direita para expressar a minha opinião.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) - Saúdo o Exmo. Sr.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Sr. Presidente do Senado
Federal e do Congresso Nacional, Senador José Sarney, o Sr. Ministro-Chefe da
Casa Civil, José Dirceu de Oliveira e Silva e, na pessoa dele, os Srs. Ministros
presentes; o Sr. ex-Presidente da Argentina Raúl Alfonsín, o nosso companheiro de
Câmara Federal Sr. Deputado Ney Lopes, Presidente do PARLATINO e, na pessoa
dele, a Diretoria do PARLATINO, aqui presente; o Sr. Deputado Inocêncio Oliveira,
Primeiro Vice-Presidente da Câmara dos Deputados.
É com prazer, orgulho e muita satisfação que a Câmara dos Deputados
recebe a todos para este Encontro Parlamentar da Associação de Livre Comércio
das Américas.
O desenvolvimento das telecomunicações, o advento de uma rede planetária
de armazenamento, sistematização e transmissão de dados e a criação de grandes
blocos transnacionais, por acordos que dispõem sobre o livre comércio e a formação
de mercados comuns, são as 3 mais importantes forças — como causas e efeitos, a
um só tempo — da globalização da economia, um dos processos que melhor
representam a complexidade e a grandeza da era que estamos vivendo.
Neste admirável mundo novo em que transcorrem as relações diplomáticas e
se disputa o jogo político, a países em desenvolvimento, como nós, latino-
americanos, cumpre saber como e em que termos participar desta nova realidade
econômica, bem como de processos regionais de integração, visando adequar de
forma contínua e progressiva o crescimento da riqueza nacional aos interesses da
sociedade.
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A questão é da maior relevância para todos os povos e governos americanos,
pois as decisões que tomarmos agora repercutirão no presente, mas de maneira
especial no futuro de milhões de pessoas, homens e mulheres com direito ao
desenvolvimento humano, à justiça social e à cidadania plena. Além disso, as
negociações entre os países sobre esta nova realidade econômica vão indicar que
países queremos, que relações soberanas iremos estabelecer, como nossas
sociedades deverão passar a conviver com os cidadãos e se, de fato, valeu a pena
todos os esforços levados a termo.
Prova da atenção que dispensamos ao assunto é este Encontro Parlamentar
sobre a ALCA, promovido pela Câmara, pelo Senado e pelo PARLATINO. Não por
coincidência, aqui se encontram políticos e diplomatas de países das 3 Américas
para analisar e discutir “O Papel dos Legisladores na ALCA”, tema que a todos nos
diz respeito.
Se nenhum homem é uma ilha, nenhum país também o é, mesmo que
geograficamente o seja. Assim, têm os Estados a vocação da convivência pacífica,
dos ajustes diplomáticos, das relações de comércio, tendências naturais de onde
vêm sendo construídos o processo de globalização da economia e as demais
estruturas de integração regional.
É importante continuar lutando para que a globalização e a regionalização
venham a ser vitoriosas, como corolários e expressões mais significativas de valores
que expressem as diferenças políticas e os contornos ideológicos, desde que
direcionadas pelo anseio, comum a todos os povos, de consecução do
desenvolvimento econômico, da ajuda mútua e da justiça social.
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Não podemos, pois, admitir que venham a globalização econômica e a
integração regional agravar os já sérios problemas dos Estados menos ricos: a
pobreza, a fome, a doença, o analfabetismo, o desemprego e a concentração de
renda, a par de muitos outros. A esses Estados compete a formação de blocos
transnacionais — a partir da vizinhança geográfica, das boas relações políticas, dos
interesses comerciais e das afinidades históricas —, que lhes fortaleçam as virtudes,
dando-lhes meios, segundo o clássico princípio de que “a união faz a força”, para
enfrentar os desafios e vencer a luta que todos travamos em nome da prosperidade,
da economia e do desenvolvimento social.
Eis por que, neste momento, julgamos deva ser nossa prioridade a
consolidação do MERCOSUL, não de acordo com velhos padrões — a partir de
visão econômica autárquica e restritiva em vez de disposição econômica solidária e
regional —, limitados ao crescimento do PIB e ao pagamento da dívida externa, mas
com base em um novo modelo quase continental, e mesmo global, de
desenvolvimento; modelo que considere não apenas os negócios econômicos, mas
a observância dos direitos humanos, da justiça social, da preservação ambiental, do
respeito à cidadania e do combate à corrupção; modelo que valorize o crescimento
do mercado comum e a prosperidade do bloco, sem que deixe cada país de lutar em
favor da educação, da saúde, do emprego, da moradia e da segurança pública a que
todos os povos têm direito; modelo em que de fato prevaleçam a multilateralidade, o
respeito mútuo e a observância recíproca, sem privilégios e imposições, sem
intransigências e radicalismos.
Essas são as razões pelas quais cremos na importância e no êxito do
MERCOSUL. Somamos aproximadamente 222 milhões de habitantes, com PIB
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anual de cerca de 1 trilhão de dólares. A par dessa grandeza econômica, sabemos
do alcance político que terá o bloco, em favor da consolidação da democracia e da
defesa dos valores institucionais, tanto nos países fundadores quanto nos que se
fizerem membros associados.
Por essa razão, o Consenso de Buenos Aires, assinado na quinta-feira
passada pelos Presidentes Néstor Kirchner, da Argentina, e Luiz Inácio Lula da
Silva, do Brasil, é muito mais do que um protocolo de intenções, um acordo de
cooperação política, uma declaração de convergência diplomática; é um documento
histórico, que marca vigorosa e objetivamente a atitude dos dois países frente à
nova realidade político-econômica do mundo contemporâneo.
Os 22 pontos ali elencados dão a conhecer à Argentina, ao Brasil, às
Américas e ao mundo valores políticos, sociais e econômicos sobre os quais
deverão fundamentar-se mercados comuns e áreas de livre comércio de que
poderemos participar, desde que se preserve rigorosamente o direito que têm todos
os povos à liberdade, à dignidade humana, à justiça social, ao progresso econômico
e à cidadania plena.
O MERCOSUL não é apenas um bloco comercial, mas um espaço catalisador
de valores, tradições, cultura e futuro compartilhado. Por ele, e nele, teremos
efetivas condições de lutar contra a pobreza, a desigualdade, o desemprego, a
fome, o analfabetismo, a doença, não somente por meio de programas assistenciais,
mas de políticas públicas e de ações de governo, sobretudo concertadas
regionalmente, que promovam, de fato, o desenvolvimento humano e a inclusão
social.
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Para a consecução desses objetivos, urge que se instale o Parlamento do
MERCOSUL, a partir dos grupos parlamentares binacionais de amizade que já
começam a nascer. Esse objetivo não se contrapõe à missão do PARLATINO, que
devemos, a partir deste encontro, fortalecer como instância que conduza o debate
da integração continental.
O diálogo a respeito da ALCA é oportuno, urgente e profícuo, no sentido de
buscar o entendimento de que a instituição venha de fato promover o
desenvolvimento econômico-social de todos os países das 3 Américas, sem que
nenhum prato da balança — o dos interesses econômicos ou o do poder político —
penda em favor de um dos Estados membros.
Para tanto, impõe-se que se discutam, de maneira honesta e mutuamente
respeitosa, temas como os subsídios à produção agrícola e os ônus impostos a
produtos estrangeiros por mecanismos tarifários e não-tarifários.
Não podemos temer o debate sobre a ALCA. Ele não deve ter nunca como
pressuposto a força política de uma nação sobre a outra, nem o desconhecimento
da imperiosa necessidade das relações comerciais entre os países, tampouco a
inobservância das barreiras autárquicas impostas em detrimento do livre comércio.
A ALCA e o MERCOSUL não são instâncias excludentes. A importância de
uma não desmerece a outra. A prioridade que defendemos para o MERCOSUL não
pressupõe a insignificância da ALCA. Nessa questão, a atitude do Brasil não é de
coragem nem de ingenuidade, mas de responsabilidade social e bom senso político,
pela consciência de que tomamos decisões das quais dependem a vida, o trabalho e
o futuro de milhões de brasileiros.
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Todo o esforço o Governo brasileiro deverá levar à frente, juntamente com os
amigos do continente sul-americano, para tornarem favoráveis as negociações da
ALCA, assim como vêm sendo os trabalhos de consolidação do MERCOSUL.
Nestes termos, não faz sentido, pelo menos por agora, buscar outras alternativas à
ALCA, como, por exemplo, as negociações bilaterais. De nada adiantaria o esforço
conjunto se houvesse essa possibilidade, pois deixar-se-ia de agregar países
amigos com intenções comuns para privilegiar soluções menores e de efeitos
diferenciados. O objetivo é unir e agregar o que séculos de lutas individuais
separaram. Não há mais sentido permanecermos aceitando a desunião através de
soluções bilaterais, a não ser que a concertação mais abrangente da ALCA não
venha a prosperar em benefício de todos.
Caso haja questões polêmicas que não tenham condições de serem sanadas
em futuro próximo, que sejam então retiradas da pauta comum e talvez
encaminhadas para foros específicos, como a Organização Mundial do Comércio,
por exemplo. Mas que o alcance seja apenas transitório e temporário, até que uma
solução definitiva e acordada possa vir se aninhar nos termos da ALCA. Esse é o
nosso sincero desejo. Esse é o sentimento com que saudamos as ilustres
personalidades que participam deste Encontro Parlamentar sobre a Área de Livre
Comércio das Américas.
Temos a certeza de que sobre nós, e acima da discrepância de valores e da
diferença de opiniões, paira um desejo comum: que se transforme em realidade o
sonho da dignidade humana, do desenvolvimento econômico e da justiça social, a
que têm direito os povos da nossa grande América.
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Paulo Cunha) - Passo a palavra, agora, ao Exmo.
Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA (Luiz Inácio Lula da Silva) - Exmo.
Senador José Sarney, Presidente do Congresso Nacional, Exmo. Deputado João
Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, Exmo. Sr. Raúl Alfonsín, ex-
Presidente da nação argentina e hoje Senador da República, Sras. e Srs.
Embaixadores acreditados junto ao meu Governo, meus caros companheiros,
Ministros de Estado do meu Governo, Roberto Rodrigues, da Agricultura, Luiz
Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Samuel Pinheiro,
Ministro Interino das Relações Exteriores, companheiros José Dirceu, da Casa Civil,
Miro Teixeira, das Comunicações, e Olívio Dutra, das Cidades, meu caro Deputado
Ney Lopes, Presidente do Parlamento Latino-Americano, Deputados e Deputadas
das Américas, que estão participando deste Seminário, Senadores e Deputados
brasileiros, meus amigos e minhas amigas, a negociação da Área de Livre Comércio
das Américas é hoje um dos temas mais debatidos no Brasil. O Congresso Nacional,
a imprensa, o meio acadêmico e a sociedade civil acompanham de perto e com
crescente interesse a evolução das negociações.
Trata-se de tema de política externa que repercute intensamente no plano
interno, e na realidade há boas razões para isso. Afinal, a ALCA não envolve apenas
a liberalização comercial e a abertura de mercados. Está em jogo também, segundo
as fórmulas que vinham sendo propostas, o tratamento de temas complexos e
sensíveis de grande relevância para o desenvolvimento do Brasil, como serviços,
investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual.
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Sob o aspecto estritamente comercial, já nos foi claramente indicado que
temas de fundamental interesse para o Brasil, como subsídios agrícolas e normas
antidumping, não serão objetos de negociação da ALCA. Isso cria evidentes
limitações. Ainda assim, estamos dispostos a negociar de forma construtiva e
pragmática, sem perder de vista interesses essenciais e o indeclinável dever de
zelar por nossa soberania.
Desejamos maior participação no comércio internacional. Obviamente nos
atrai a possibilidade de acesso preferencial ao mercado mais dinâmico do mundo,
que é o dos Estados Unidos. Como é normal em qualquer negociação, devemos
estar dispostos a fazer concessões recíprocas, orientadas pela lógica dos benefícios
mútuos. Mas a lucidez política nos obriga a não nos impressionarmos só com o
varejo em detrimento da visão de conjunto. Não seria sábio tampouco nos
concentrarmos no lucro imediato e perder de vista o médio e longo prazos.
Como a maior economia da América do Sul, o Brasil tem não apenas o direito,
mas a obrigação de ajudar a definir um projeto de ALCA favorável a todos os países,
sobretudo aos mais pobres. Foi o que fizemos com os nossos sócios do
MERCOSUL.
Acabo de regressar da Argentina, onde o Presidente Kirchner e eu
concordamos plenamente com a necessidade de que a proposta do MERCOSUL
seja referência básica para as negociações.
Quero que fique claro para todos, de uma vez por todas, para o Brasil, para o
MERCOSUL, que o foco da questão não é dizer “sim” ou “não” à ALCA, mas definir
a ALCA que nos interessa. (Palmas.)
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O que não faz sentido é conceder acesso preferencial ao nosso mercado sem
uma contrapartida em áreas em que somos mais competitivos, como a agricultura,
em que, além da concorrência desleal dos subsídios, enfrentamos barreiras tarifárias
e não-tarifárias que impedem o acesso de nossos produtos. As ofertas até agora
apresentadas indicam que as possibilidades de ganho nesse setor são bastante
limitadas. Por outro lado, ao considerarmos o possível resultado das negociações,
não podemos esquecer que estamos lidando com um conjunto de países
extremamente heterogêneo, em termos de tamanho, população, nível de
desenvolvimento econômico e social.
Em uma palavra: o que queremos é uma ALCA equilibrada, que nos garanta
real acesso aos mercados do Hemisfério, e que, ao mesmo tempo, nos dê espaço
para uma política de desenvolvimento.
Por todas essas razões, a proposta do MERCOSUL se caracteriza pela
flexibilidade, isto é, os países que queiram assumir compromissos mais profundos
em qualquer área poderão fazê-lo bilateral ou plurilateralmente, sem que esses
compromissos se estendam necessariamente a todos os demais.
Como têm dito nossos colegas uruguaios, queremos uma ALCA que não
impeça nem imponha. Não é razoável querer regras e obrigações idênticas para 34
países de características e situações tão desiguais. Essas são as linhas principais
do Governo para as negociações da ALCA.
Nossa estratégia tem sido definida a partir de amplas consultas aos diversos
setores da sociedade brasileira, em reuniões com todos os Ministros envolvidos e
nas quais eu próprio tenho estado presente.
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Trata-se pois de estratégia de Governo, sob a coordenação do Ministério das
Relações Exteriores, com a participação dos Ministros da Agricultura e do
Desenvolvimento, que têm a responsabilidade na condução do dia-a-dia das
negociações.
Ao tratar da participação da sociedade no processo negociador, ressalto
evidentemente o papel do Congresso Nacional. Considero extremamente positivo o
interesse que as duas Casas têm demonstrado pelas negociações da ALCA.
Este Seminário não é a primeira importante iniciativa dessa natureza e
certamente não será a última. Sei do acompanhamento intenso que Senadores e
Deputados fazem do processo. Sei de sua participação em reuniões do Comitê de
Negociações Comerciais, assim como nas reuniões ministeriais da ALCA. Sei dos
debates semanais nas Comissões de Relações Exteriores da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, às quais nossos negociadores comparecem com
freqüência. Sei do interesse pessoal do Presidente José Sarney e do Presidente
João Paulo Cunha nessa matéria.
O papel principal que caberá ao Parlamento, no entanto, ainda está por ser
desempenhado. Como todos temos presente, a Constituição determina com grande
sabedoria uma divisão de tarefas no que se refere a tratados internacionais, seja
sobre a ALCA, seja sobre qualquer outro tipo de acordo. Por determinação
constitucional, o Executivo negocia e assina o acordo, cabendo ao Legislativo
ratificá-lo. Sem a ratificação, o acordo não vale.
Tenho certeza de que um parlamento que se informa, participa, acompanha
as negociações com o interesse que tem demonstrado o Congresso brasileiro, terá
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as melhores condições de considerar o que vier a ser apresentado pelo Governo,
caso — como espero — as negociações sejam bem-sucedidas.
Sem prejuízo dessa faculdade soberana do Congresso, posso garantir aos
Srs. Deputados e Senadores que o acordo que receberão terá contemplado os
anseios e preocupações da sociedade brasileira.
Digo isso porque sei que a participação do Brasil nas negociações está sendo
conduzida sem subserviência nem confrontação, como disse o Ministro Celso
Amorim. Está sendo conduzida de forma profissional, transparente e soberana,
buscando preservar e promover o interesse nacional.
Meu caro Presidente do Senado Federal José Sarney, meu caro Presidente
da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha, Deputados brasileiros e estrangeiros,
o debate sobre a ALCA nos possibilita definirmos que tipo nação queremos ser, que
tipo de agricultura queremos ter, que tipo de indústria queremos desenvolver.
De vez em quando, leio na imprensa alguém dizendo que o Brasil pode ficar
isolado. Lembro aos Deputados e Senadores que o que aconteceu em Cancún, com
a criação do Grupo G-22, foi uma extraordinária novidade política, não pela
conquista lá obtida, mas pelo fato de, pela primeira vez, um grupo de países, com
identidade de povo, de economia e de problemas sociais, descobrir que era preciso
se unirem para tentar fazer com que as economias ricas abrissem um pouco de
espaço para continuarmos sonhando em deixarmos de ser um país em via de
desenvolvimento para nos transformarmos num país verdadeiramente desenvolvido.
(Palmas.)
Reconhecemos a importância das economias americana e européia para o
Brasil e o que representam outras economias para nós, mas o que precisa ficar
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muito claro é que não queremos uma política de confrontação pela confrontação,
apenas para satisfazer esse ou aquele discurso ideológico. Queremos mais do que
isso. Não queremos ficar apenas no discurso, queremos uma posição pragmática de
país soberano para fazer valer os interesses eminentemente nacionais, já que um
acordo de livre comércio precisa levar em conta a diferença entre as economias dos
países que estão na mesa de negociação.
Na União Européia, os países ricos tiveram a sensibilidade de criar fundos
para ajudar as economias em desenvolvimento, como no caso da Espanha, Portugal
e Grécia. No entanto, na América do Sul, temos países muito mais pobres do que
Espanha, Grécia e Portugal. Em toda a proposta, não existe uma política que diga
que vai alavancar-se a economia desses países para que possam competir
minimamente em igualdade de condições.
Nós, brasileiros, temos uma lição a aprender com os Estados Unidos da América
do Norte: não ter vergonha de sermos brasileiros como eles não têm vergonha de
serem americanos. (Palmas.) Não temos de ter vergonha de defender a nossa
agricultura como a União Européia defende a sua. Temos de aproveitar essa
negociação para fazer valer não a nossa vontade, porque também não temos força
para impô-la, mas que entre a vontade dos mais ricos e a dos mais pobres
permaneça o meio termo, o caminho do meio onde ninguém leva tudo e todos levam
para casa um pouco de conquista.
É assim que iremos tentar negociar na ALCA e é assim que espero que o
Congresso Nacional possa ajudar o Brasil a fazer a mais profícua negociação já feita
num acordo importante como este que estamos fazendo. Não vamos fugir da mesa
de negociação.
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Vamos negociar de cabeça erguida, discutindo de igual para igual cada um
dos itens que interessa ao nosso País, até porque não estamos pedindo favor a
ninguém. Estamos apenas reivindicando um direito nosso, que é a oportunidade da
nossa economia dar um salto de qualidade sem as imposições que o mundo
desenvolvido tem tentado nos impor.
Para isso, estamos procurando parceiros. Vamos fazer muitas reuniões com
outros países que pensam como nós, porque temos consciência de que o que não
for resolvido na ALCA poderá ser resolvido na Organização Mundial do Comercio,
onde o debate pode ser mais eficaz, democrático e com muito mais interesse em
jogo.
Deputados e Senadores, podem ficar certos, o Brasil, como sempre, está de
coração aberto para fazer o melhor acordo do mundo e ao mesmo tempo estará
alerta para não aceitar imposições de intrigas que tentem fazê-lo negociar em
condições desfavoráveis. Este País cresceu e amadureceu. Chegou a nossa vez de
dizer claramente o que somos, quem somos e o que queremos para o nosso povo.
Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha e
Presidente do Senado Federal, Senador Sarney Filho, parabéns pela iniciativa deste
Seminário. Não tenho dúvidas de que este evento mostrará à sociedade brasileira
que o acordo a ser feito não demonstrará interesse do Presidente da República, dos
Ministros da Indústria e Comércio, da Agricultura e das Relações Exteriores, não
será obra de uma pessoa, mas, se Deus quiser, será resultado de um debate
maduro que o Congresso Nacional começa a fazer e que a sociedade brasileira
acompanhará.
Boa sorte a todos os participantes deste Seminário. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado João Paulo Cunha) – Convido as Deputadas
e Deputados, Senadoras e Senadores para a longa jornada de amanhã. Antes,
porém, convido todos os senhores para a cerimônia de encerramento que
realizaremos no Salão Negro do Congresso Nacional, quando o Presidente da
República Luís Inácio Lula da Silva ficará algum tempo conosco conversando.
Espero que a reunião de amanhã se dê no mesmo tom da abertura de hoje,
ou seja, com bastante participação, interesse, sempre na busca pelo interesse dos
nossos povos.
Boa-noite.
Está encerrada a sessão.