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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL EVENTO: Audiência Pública N°: 0053/05 DATA: 23/2/2005 INÍCIO: 10h49min TÉRMINO: 13h48min DURAÇÃO: 2h59min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 2h58min PÁGINAS: 51 QUARTOS: 36 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO PAULO ANTÔNIO SKAF - Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Embaixador e Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior — COSCEX da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP. SUMÁRIO: Debate sobre estratégia de negociações comerciais coordenada pelo Governo Federal no âmbito internacional. OBSERVAÇÕES

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONALEVENTO: Audiência Pública N°: 0053/05 DATA: 23/2/2005INÍCIO: 10h49min TÉRMINO: 13h48min DURAÇÃO: 2h59minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 2h58min PÁGINAS: 51 QUARTOS: 36

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

PAULO ANTÔNIO SKAF - Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo —FIESP.RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Embaixador e Presidente do Conselho Superior de ComércioExterior — COSCEX da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP.

SUMÁRIO: Debate sobre estratégia de negociações comerciais coordenada pelo GovernoFederal no âmbito internacional.

OBSERVAÇÕES

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Havendo número

regimental, declaro aberta a presente reunião de audiência pública, com a presença

do Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo — FIESP, Sr.

Paulo Skaf; e do Sr. Embaixador Rubens Barbosa, Presidente do Conselho Superior

de Comércio Exterior da FIESP — COSCEX, atendendo ao Requerimento nº 7.704,

do Exmo. Sr. Deputado Antonio Carlos Pannunzio, ex-Presidente desta Comissão,

com a finalidade de debater a estratégia de negociações comerciais coordenada

pelo Governo Federal no âmbito internacional.

Convido para fazer parte da Mesa o Presidente da FIESP, Sr. Paulo Skaf, e o

Sr. Embaixador Rubens Barbosa, Presidente do Conselho Superior de Comércio

Exterior.

O tempo regimentalmente destinado a cada expositor seria de 20 minutos,

mas, dada a relevância do assunto, os senhores expositores terão a liberdade de

fazer a exposição durante o tempo que lhes for conveniente.

Com a palavra o Sr. Paulo Skaf.

O SR. PAULO ANTÔNIO SKAF - Bom-dia a todos.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Deputado Carlos Melles.

Srs. Deputados presentes, companheiro e a migo Embaixador Rubens

Barbosa, nesta oportunidade, é bastante importante falarmos um pouco de comércio

exterior e das nossas negociações.

Sr. Presidente, com a permissão de V.Exa., gostaria de comentar a questão

China. Depois o Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP,

Embaixador Rubens Barbosa, comentará de forma mais ampla várias outras

negociações em andamento.

Gostaria de fazer alguns comentários sobre a China porque se costuma dizer

que hoje há 2 mundos: o mundo e a China, que é quase outro mundo. Portanto,

temos de dar atenção especial àquele país.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Desculpe-me interrompê-lo,

mas cometi um lapso. Quero convidar o companheiro Gonzaga Mota, Presidente da

Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio a fazer parte da

Mesa.

Sr. Paulo Skaf, tem V.Sa. a palavra.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

O SR. PAULO ANTÔNIO SKAF - Recentemente ouvimos o anúncio da

intenção do Governo de reconhecer a China como economia de mercado. Essa é

uma questão que nos preocupa porque a China não é uma economia de mercado. A

sua economia ainda é bastante estatizada, e os preços, no caso de uma economia

de mercado, são definidos pelo mercado. No caso da China, os preços não são

definidos pela concorrência de mercado. Existem preços estabelecidos de forma

artificial. Como sabemos, salvo exceções, são bastante baratos, totalmente fora da

realidade da composição de custos normal de qualquer outro país do mundo.

Estamos preocupados porque esse reconhecimento enfraquece importante

instrumento de defesa comercial: o antidumping. A China compõe a OMC. Estamos

num mercado globalizado, e o que podemos fazer é procurar nos defender com

instrumentos comerciais, o que é legítimo. Isso não é protecionismo; os americanos,

os europeus e os japoneses agem assim contra importações predatórias, ilegais,

contra a prática de dumping.

Essa decisão ainda não foi internacionalizada. Houve apenas um anúncio. Há

necessidade de o Governo brasileiro fazer circular que seja aprovada na CAMEX.

Há um procedimento para internacionalizar essa decisão. Queremos chamar a

atenção de todos antes que isso se materialize porque, na realidade, quando se

importa um produto da China a um preço baixo, totalmente anormal, não sendo ela

reconhecidamente uma economia de mercado, podemos provar o dumping apenas

comparando o preço desse produto de importação com o desse mesmo produto de

outro país. Se estamos importando da China alguma mercadoria a 1 dólar, e em

outros países o preço é de 2 ou 3 dólares, fica caracterizado o dumping. Isso

permite sobretaxar aquela mercadoria chinesa, de forma a evitar danos de mercado.

Se isso se internacionalizasse, mudaria o procedimento. Teríamos de comparar o

preço desse produto importado da China com o do produto no mercado doméstico

chinês.

Ora, se o mercado doméstico chinês tem preços baixíssimos, artificiais e

irreais, no momento da comparação, por exemplo, se esse copo foi comprado por

meio dólar, inclusive nos mercados chineses, não há dumping, mesmo que em

outros países custe 1, 2 ou 5 dólares. Esse instrumento de defesa comercial vai nos

enfraquecer e expor o nosso emprego, nossas riquezas e a nossa indústria a uma

competição que poderá ser desleal.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Fala-se em outros mecanismos. É verdade, existem as salvaguardas,

medidas compensatórias além do antidumping. Só que o antidumping é concreto, é

objetivo. Quanto custa isto? Meio dólar. Quanto vale em outros locais? Vale 2

dólares. Então, está claro que há um problema. Desde que se caracterize que esse

problema traz dano, é suficiente para a medida ser implementada. No caso das

salvaguardas, trata-se de discussão subjetiva. Discute-se se aquela importação trará

prejuízos. Aliás, no caminho da salvaguarda, as medidas acarretam desgaste

político nas relações internacionais muito maior do que a objetividade do

antidumping.

Existem 2 tipos de salvaguardas: as gerais e as específicas para a China.

Nas gerais, o desgaste é muito maior porque a um problema causado por produto

oriundo da China íamos impor uma quota. E essa quota teria de abranger também

os outros países. Teríamos desgaste com uma série de outros países que não têm

nada a ver com esse problema da China.

Existem salvaguardas específicas para a China. Só que para elas serem

implementadas há necessidade de regulamentação, que ainda não existe no Brasil.

Trata-se de medida que nem se poderia implementar hoje por falta de

regulamentação, apesar dos inconvenientes que oferece.

Quanto às medidas compensatórias, teríamos de provar o aporte de

subsídios no mercado chinês, o que também é muito difícil. Teríamos de analisar os

subsídios concedidos e a legalidade deles.

É lógico que todos esses instrumentos devem ser aproveitados, mas sem

dúvida alguma o método mais objetivo, mais simples, mais ágil, mais rápido é o

antidumping. Com o reconhecimento da China como economia de mercado, fica

fragilizada, fica enfraquecida a possibilidade de impormos dumping a produto

chinês.

Devemos ter essa preocupação por várias razões. Por que estamos tão

preocupados em preparar a nossa defesa comercial? Porque, enquanto a nossa

moeda está supervalorizada — e todos sabem disso — em 15%, a da China está

superdesvalorizada em 30%. Perdemos nas duas pontas.

Existem estudos comparando o mercado de 25 países, segundo os quais o

dólar caiu. Ele começou a cair em 2004. Se levarmos em consideração o estudo de

maio de 2004, em relação a hoje, o dólar deveria estar valendo em torno de 2,90

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

reais. No entanto, estamos falando em 2,50 reais ou 2,60 reais. Isso é fruto da

política econômica de altas taxas de juros, que estão pressionando o câmbio para

baixo.

Enquanto essa realidade de câmbio supervalorizado tira a nossa

competitividade de forma artificial, na China há política inversa: a moeda chinesa

está superdesvalorizada, dando ao país competitividade real. Na China, além do

custo artificial, dos estímulos, da presença das estatais, do baixo custo com pessoal,

além de tudo isso, ainda há essa vantagem competitiva do câmbio chinês em

relação ao nosso. A competição fica perigosa, totalmente ilegal.

Temos observado que nessa questão do reconhecimento da China, enquanto

o Brasil manifesta essa intenção, os Estados Unidos, a União Européia e o Japão

manifestam opinião justamente oposta: que tão cedo não a reconhecerão como

economia de mercado. Isso mostra que a opinião não é só nossa, mas de todos os

países industrializados, que não vão abrir a guarda de forma tão simples, expondo

seus empregos, suas riquezas e suas empresas.

Também temos notado que essa preocupação, essa desconfiança se

confirma se observarmos a evolução do comércio com a China. O comércio de

produtos industrializados com a China, no ano de 2003, registrou um superávit de

176 milhões de dólares. No ano de 2004, já foi registrado déficit em torno de 1

bilhão e 700 milhões de dólares.

Na balança comercial de produtos industrializados, se excluirmos

matérias-primas, produtos agrícolas, e ficarmos apenas com os produtos

industrializados, que nos interessam, o que acontece? Noventa por cento do que

vendemos para a China são matérias-primas, são commodities, e dois terços do que

compramos são produtos industrializados. Se isolarmos os números do comércio

exterior com a China em relação aos produtos industrializados, registramos déficit,

no ano de 2004, de 1 bilhão e 700 milhões de dólares, contra superávit de 170

milhões de dólares no ano anterior. Ou seja, nitidamente o crescimento das

importações de produtos industrializados foi muito grande já no ano passado.

Não se trata aqui de discutir o que é melhor para a indústria. Temos de

discutir o que é melhor para o País, o que é melhor para o Brasil. E, obviamente,

entre vendermos matérias-primas, muitas vezes desabastecendo as nossas cadeias

produtivas no Brasil, e comprarmos produtos aos quais se agrega valor,

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

empregando-se intensivamente, interessa-nos a mão contrária: vender produtos

industrializados com agregação de valor e mão-de-obra intensiva. E não é isso o

que acontece na troca de comércio com a China.

É lógico que, quando digo isso, não estou me referindo a não termos

comércio com a China. Absolutamente. Estamos hoje num mundo globalizado. O

que defendo é o devido cuidado, porque com o câmbio hoje existente no Brasil e na

China, se facilitarmos, haverá grande enxurrada de importações de produtos

industrializados, cuja produção gera empregos no Brasil; importações que farão com

que deixemos de agregar valor aqui. E vamos ser compensados, talvez em parte,

pela exportação de commodities.

Diga-se de passagem que, com a baixa no preço dos produtos agrícolas

neste ano, como é o caso da soja, não só a balança comercial de produtos

industrializados, mas também a balança geral Brasil/China, possivelmente, não

registrarão mais superávit, como registraram no ano passado devido à queda no

preço das commodities e devido ao crescimento que haverá, sem dúvida alguma,

nas importações manufaturadas.

Sr. Presidente, sei que a discussão é mais ampla — vamos ouvir o

Embaixador Rubens Barbosa, Presidente do Conselho S uperior de Comércio

Exterior —, mas não poderia, numa oportunidade como esta, deixar de registrar

essa preocupação. Com que objetivo? Não é desabafo. Costumo dizer que temos

de nos preocupar com resultados e soluções. Vir aqui, fazer esse desabafo e ir

embora não adianta.

O que eu gostaria de propor concretamente é o seguinte. Foi assinado um

protocolo de intenções do qual um item referia-se ao reconhecimento da China

como economia de mercado. Mas existem nele outros itens e outras intenções.

Obtive informações do Governo brasileiro de que uma série de promessas verbais

também foram feitas pelos chineses.

Como ainda não materializamos esse reconhecimento da China — por

enquanto, foi um anúncio apenas —, antes que se materialize, antes que se aprove

isso na CAMEX, seria bom checarmos se as intenções e os compromissos, mesmo

verbais, assumidos pelos chineses estão sendo cumpridos. Podemos ser

surpreendidos com o fato de que as intenções manifestadas pelos chineses ou os

compromissos verbais não foram cumpridos.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Ora, se não estão sendo cumpridos do lado chinês, por que razão teríamos a

preocupação de materializar esse reconhecimento da China, que vai, sem dúvida

alguma, abrir a nossa guarda, enfraquecer os nossos instrumentos de defesa

comercial e nos expor a uma concorrência desleal, com a possibilidade de

reagirmos com muito mais lentidão, muito menos eficiência, com mais desgaste e

menos objetividade?

A minha proposta seria a de que esta Comissão, que vem desenvolvendo ao

longo dos anos brilhante trabalho na área de relações internacionais, pedisse ao

Governo satisfações em relação a esse memorando, ou seja, às obrigações

assumidas. Não quero falar em nome de empresas pontuais, mas obtive

informações de empresas de que alguns compromissos não estão sendo

cumpridos, ou seja, que a entrega de mercadorias não estão sendo feitas.

Penso que ainda está em tempo de tentarmos analisar. Caso os chineses

não estejam — como creio que não estão — cumprindo a parte deles, que

procuremos deixar esse reconhecimento, o que nos permitirá melhor defesa contra

importações predatórias e desleais, contra a prática de dumping. Repito que não

estamos aqui defendendo o protecionismo, mas falando de defesa comercial.

Aproveitei a ocasião para abordar o tema com bastante objetividade.

Agradeço a esta Comissão e aos Deputados presentes a importantíssima

oportunidade de discutirmos este e outros assuntos e todo o apoio que recebemos

ao longo dos últimos anos. Os amigos Deputados Federais sempre estiveram

presentes, em todos os momentos.

A FIESP, o SESI, o SENAI de São Paulo, o Instituto Roberto Simonsen e o

SEBRAE de São Paulo, de que sou Presidente, estão à disposição de todos os

senhores para tratar de qualquer assunto que se fizer necessário.

Muito obrigado pela oportunidade. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Muito obrigado, Sr. Paulo

Skaf.

A preocupação da Comissão e de todos nós Parlamentares com relação ao

comércio exterior é muito grande. Isso obviamente faz parte do foco principal desta

Comissão, juntamente com a defesa comercial.

Quando o Presidente Lula anunciou o ato de reconhecimento, pedimos

análise à Consultoria. O Presidente da FIESP, Paulo Skaf, perguntou o que o

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Congresso poderia fazer nesse caso. Respondi que poderíamos começar a dar

transparência à discussão. Naquele primeiro momento, eu disse que tinha muito

respeito pelo Governo, que deveríamos amadurecer a idéia e ver o que poderia

acontecer. Não gostaria de criar uma situação constrangedora pura e simplesmente

pela declaração do Planalto de que a China é uma economia de mercado.

Mas entendo que o momento é de discussão. As preocupações são

absolutamente procedentes. Quem já foi vítima do dumping chinês, via produtos

agrícolas entrando pela Argentina, sabe que isso acontece. No agronegócio

sentimos isso de maneira absolutamente forte. Empresas brasileiras que têm

estrutura, rede de assistência, mais de mil agrônomos, sabem que o glifosato, por

exemplo, a famosa Roundup, que entrava quase pela metade do preço, foi tema de

muita discussão. Portanto, o assunto é absolutamente relevante.

O último parágrafo da nota técnica diz: “Portanto, considerada a questão

também quanto à competência para a gestão da política comercial do Brasil, agiu o

Presidente da República, ao proferir a decisão, sem considerar o mérito de seu

conteúdo, em plena conformidade com a Constituição”. Ou seja, o Presidente podia

fazer o que fez, obviamente, e com a legislação infraconstitucional do ordenamento

jurídico brasileiro. Mas no mérito o Congresso deve entrar. É isso o que vamos

discutir.

Ao passar a palavra ao Embaixador Rubens Barbosa, sou compelido a dizer

algo. Eu o conheço e tive a honra de trabalhar com ele há muitos anos. Sei da sua

vertente liberal no sentido do comércio internacional, das parcerias, das discussões.

É seguramente um dos Embaixadores mais empreendedores e com mais visão de

economia de mercado.

Na última reunião que realizamos aqui, coordenada pelo então Deputado

Marcos Cintra, a respeito da ALCA e dos acordos internacionais, aprofundamos

muito a discussão dos acordos e os analisamos. Seguramente o Embaixador

Rubens Barbosa poderá dar visão ampla do que tem acontecido. Mas o que

interessa no mundo, nas relações bilaterais, especificamente no caso da China,

como disse o Presidente Paulo Skaf, é outro capítulo, um outro país diferenciado do

que temos vivido na ALCA.

Tenho o prazer de passar a palavra ao Embaixador Rubens Barbosa.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Bom-dia a todos.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Agradeço ao Presidente e amigo Carlos Melles o convite. Lembro-me da

última vez em que estive nesta Comissão. Faz exatamente 1 ano. Eu ainda estava

em Washington. Participei daquela reunião e tive muito prazer em discutir

detalhadamente a ALCA. Agora estou de volta.

O convite para vir a esta Comissão era para falar das negociações comerciais

externas e das perspectivas para 2005. Caso o Sr. Presidente esteja de acordo,

farei uma apresentação genérica sobre as negociações comerciais, analisando o

conjunto delas; depois, se houver interesse específico em aprofundar tanto o caso

da China quanto o da ALCA, o do MERCOSUL, o da OMC ou qualquer outro de

interesse da Comissão, estarei pronto a descer a mais detalhes.

Em primeiro lugar, é preciso saber qual a estratégia brasileira nessas

negociações. O Governo brasileiro está envolvido em 3 níveis de negociação. Logo,

a estratégia brasileira é tríplice.

O primeiro nível é o multilateral — trata das negociações na rodada

multilateral de Doha; o segundo trata das negociações regionais — aqui entram não

só a negociação da ALCA, mas também a do MERCOSUL e a negociação entre o

MERCOSUL e o Grupo Andino; o terceiro nível de negociação é o bilateral, em que

entramos com cada um dos países da América do Sul; são acordos mais profundos

que já temos com os países da região e com alguns países novos. Nesse caso, há

ênfase adicional do atual Governo no sentido de fazer uma série de acordos com

mercados não tradicionais, países que não estavam entre as prioridades de

negociações bilaterais, dentro da idéia citada pelas autoridades de mudar a

geografia econômica do mundo, de mudar o eixo do comércio exterior brasileiro dos

Estados Unidos e da União Européia para a Ásia e para os países do terceiro

mundo. Essa é, em linhas gerais, a estratégia do Governo.

Qual a situação atual das negociações que se desenrolam nos âmbitos

multilateral, regional e bilateral? Em primeiro lugar, as negociações com mais

visibilidade, como as do MERCOSUL, da ALCA e entre o MERCOSUL e a União

Européia, estavam paralisadas até ontem — no caso da ALCA, há cerca de 1 ano.

No caso da União Européia, houve contatos recentes também em Davos para

desbloqueá-las. Em 2004, todas as negociações estiveram paralisadas. Aliás, não

podemos dizer que as negociações no MERCOSUL estiveram paralisadas porque

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

ocorreram reuniões. Mas, na prática, não houve avanço na negociação comercial

dentro do bloco.

Em relação à OMC, houve o impasse de Cancún, e somente no final do ano

passado as negociações foram desbloqueadas, e recomeçaram os entendimentos

em nível técnico em Genebra. Em Davos também houve entendimento.

Haverá outra reunião, em meados deste ano, para a negociação ministerial

de dezembro. As negociações, em geral, estão em crise por uma série de razões

que poderemos discutir posteriormente, relativas à situação da Europa Ocidental e

dos Estados Unidos. Essa emergência da China e uma série de razões

determinaram certa perplexidade e paralisação das negociações.

No caso das negociações bilaterais, o Brasil tem avançado. Fez um acordo

recente com a Índia, tem negociado com a África do Sul, e há conversas com outros

países.

Dentro desses enfoques multilateral, regional e bilateral, de certa paralisia

nas negociações, quais as perspectivas para 2005? Nesse caso, eu mencionaria a

agenda do Governo. Trata-se de informação colhida esparsamente. Darei aos

senhores uma visão do conjunto.

O que está na mesa de negociação do Governo brasileiro? Primeiro: a

negociação com a ALCA; segundo: a negociação MERCOSUL/União Européia;

terceiro: a negociação, que começou recentemente, com o Canadá; quarto: a

negociação entre o MERCOSUL, a África do Sul e países que formam associação

econômica e comercial; quinto: a negociação com a Índia; sexto: a negociação com

o Egito; sétimo: a negociação com o Marrocos; oitavo: a negociação com Israel;

nono: a decisão política de começar a negociação com os países de Língua

Portuguesa; décimo: a negociação com a Austrália: décimo primeiro: a negociação

com a Nova Zelândia; décimo segundo: a negociação com a China. E a maior

negociação da OMC: a negociação multilateral.

Os senhores podem verificar que o escopo, o âmbito das negociações

comerciais do Governo brasileiro é enorme. Eu diria que talvez seja maior do que a

capacidade de acompanhamento e de absorção por parte dos órgãos do Governo.

Na minha opinião, não há mão-de-obra disponível nos Ministérios da Fazenda e da

Indústria e Comércio Exterior, no Banco Central, no Itamaraty para acompanhar

todas as negociações.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Se as negociações da ALCA forem efetivamente retomadas; se as

negociações com a União Européia forem desbloqueadas com as negociações de

Genebra, de Doha, isso significa praticamente reuniões semanais, mais as reuniões

dos grupos de trabalho do MERCOSUL. Tudo isso junto com todas as negociações

é tarefa muito difícil para o Governo. Sem falar — e vou mencionar mais no fim os

detalhes — nos desafios que essa gama, que esse espectro de negociação

representa não só para o acompanhamento pelo setor privado, mas também pelo

Congresso.

A complexidade das negociações é crescente, com detalhes muito técnicos

que engajam o País para o futuro. A negociação da rodada multilateral de comércio

define regras para os próximos 10 ou 15 anos. A negociação da ALCA e da União

Européia também define regras de comércio para os próximos 10 ou 15 anos. São

negociações, no meu modo de ver, que a opinião pública nacional e o setor privado

devem acompanhar.

O Presidente Paulo Skaf me convidou e aceitei presidir o Conselho Superior

de Comércio Exterior da FIESP. Estou muito em contato com esses temas. Já

estava em contato do outro lado, o do Governo. Atualmente enfrento o mesmo

problema do lado empresarial. Há deficiência muito grande de informação para o

setor empresarial acompanhar. No fundo, todas essas negociações têm impacto

sobre o setor empresarial.

No caso das eventuais negociações com China, União Européia e ALCA, elas

terão impacto sobretudo na área industrial e de serviços, porque interessam a todos

esses países, dado o volume do mercado brasileiro.

Tendo esse pano de fundo da estratégia, da situação atual e das principais

negociações, qual o impacto para o Brasil desse conjunto de negociações

comerciais?

Em primeiro lugar, faço parte do grupo que acha que negociar é preciso. Eu

não sou daqueles que acha que a situação é muito complexa e difícil, ou que vai

afetar os interesses, e temos de fugir da negociação. Não. Acho que temos de

negociar. É melhor estar dentro da negociação e influir do que estar fora da

negociação por razões ideológicas, políticas, sejam elas quais forem, e não

participar da negociação. Em algum momento, será preciso aderir. É importante

participar dessas negociações.

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No caso das negociações hemisféricas da ALCA, acho que não está sendo

dada a devida importância ao que ela pode representar. Se analisarmos as

estatísticas do comércio exterior brasileiro, veremos que mais de 50% das

exportações vão para a América do Norte e a América do Sul. Do total, que são

cinqüenta e poucos por cento, 80% são de produtos industrializados.

Para a FIESP, essas negociações têm mais importância em termos de

abertura de mercado, agenda positiva e agenda ofensiva, do que a negociação com

a União Européia. Com a União Européia, a atitude do setor industrial brasileiro é

mais defensiva do que ofensiva, porque o setor ofensivo na União Européia é o

agrícola. Por quê? Porque 80% das exportações brasileiras para o mercado

americano — América do Norte e América do Sul — são de produtos industriais.

Para a União Européia, 55% a 60% das exportações brasileiras são de produtos

agrícolas. A estratégia das duas tem de ser diferente. A reação do setor privado,

tanto agrícola quanto industrial, é diferenciada. O setor agrícola quer que saia a

ALCA o mais rapidamente possível, porque acha que tem alguma chance de

eliminar as restrições a produtos agrícolas nos Estados Unidos, e tem como

principal prioridade a abertura do mercado europeu, porque 60% das exportações

são de produtos agrícolas.

Aqui há certa divergência, mas acho que a negociação é importante. Na

negociação com todos esses países, do ponto de vista do Brasil, o principal objetivo

é a abertura de mercado. Se não houver a abertura de mercado, na minha opinião,

o interesse diminui, porque as restrições que existem, tanto no mercado americano

quanto no mercado europeu — os nossos 2 maiores mercados — e na América do

Sul, são fundamentais.

Numa negociação, há um dar e um receber. São feitas concessões para

receber em parte. Se fazemos apenas concessões, sem a contrapartida da abertura

do mercado, fica difícil vender, política e internamente, não só para o setor privado,

mas também aqui no Congresso. S.Exas. vão aprovar um acordo que não tenha um

mínimo de equilíbrio entre a concessão e o que se recebe?

A eliminação, portanto, é de barreiras tarifárias e não tarifárias. A eliminação

de subsídios para crédito à exportação e a redução para o apoio doméstico, o

subsídio interno, é fundamental. Isso está na negociação multilateral e não na

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negociação regional. Essa é a importância dessa negociação multilateral e dos

resultados que vão influir para o equilíbrio nas negociações regionais.

Para nós, dentro dessa negociação, é muito importante, sobretudo no caso

dos Estados Unidos, que haja maior transparência nos mecanismos de defesa

comercial. Os senhores estão acompanhando hoje o caso da União Européia, dos

Estados Unidos, mas há outros países como o Japão, cujas tarifas, nessas

sucessivas rodadas de negociação –– Rodada Uruguai e todas as negociações

comerciais ocorridas nos últimos 30 anos ––, estão sendo significativamente

reduzidas. No caso dos Estados Unidos, 68% dos produtos importados têm tarifa

zero.

Hoje, no caso dos países desenvolvidos, em geral há picos tarifários e outros

problemas que são objeto de negociação, mas a tarifa não é a principal barreira

para o comércio e o acesso ao mercado. Há barreiras não tarifárias; há todos os

tipos de barreira. Agora, surgiu outro tipo de barreira: a utilização dos mecanismos

de defesa comercial, tipo antidumping, as salvaguardas, como barreiras comerciais.

Eu vivi isso nos Estados Unidos, nos últimos 5 anos. A indústria siderúrgica

americana não competitiva usou os mecanismos de defesa comercial de

salvaguarda e de antidumping para impedir o acesso de produtos de países mais

competitivos, como é o caso do Brasil. Os mecanismos de defesa comercial são

usados hoje como barreiras não tarifárias.

Esse é um ponto importante nas negociações, que também está limitado à

negociação multilateral, porque tanto a Europa quanto os Estados Unidos

recusam-se a discutir esses assuntos no âmbito regional.

Negociar é preciso, e estas são as áreas principais: acesso ao mercado;

redução dos subsídios; eliminação das restrições tarifárias; e maior transparência na

aplicação dos mecanismos de defesa comercial.

O segundo ponto é o equilíbrio nas negociações. O Brasil não pode deixar de

se defender — e o setor privado tem de estar na linha de frente; o Congresso

igualmente — para obter o resultado final. Ao longo da negociação, é muito difícil

avaliar. No caso da ALCA, está sendo feito acompanhamento pari passu. Mas, para

o setor privado e o Congresso acompanharem essas negociações, a possibilidade é

no fim. No fim da negociação, o Governo têm de assegurar esse equilíbrio. O que

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for efetivamente oferecido no âmbito da ALCA e do MERCOSUL tem de ser

equilibrado.

Se vamos conceder abertura de mercado para produtos industriais, serviços

e investimentos, o que ganhamos em troca? Não basta a abertura de mercado para

esses setores. O Brasil está começando a investir no exterior –– temos dados do

Banco Central em relação a isso ––: no ano passado mais de 9 bilhões de dólares

foram investidos fora. Nos Estados Unidos, há muitas empresas investindo. E há

restrições. No caso da China, como investir? Quais são as aberturas oferecidas?

Em outros setores também interessa ao Brasil a reciprocidade, como é o

caso da oferta de produtos para acesso ao mercado. As ofertas iniciais americana e

da União Européia foram insuficientes. Isso tem de ser acompanhado de perto.

Outra parte que necessita de equilíbrio é a das regras. Quando conversamos,

a imprensa, os empresários e as pessoas que não estão acompanhando muito de

perto essas negociações comerciais dão mais ênfase aos produtos, porque é o que

lhes interessa. A visibilidade dessas negociações comerciais acontece na área de

produtos: se o aço está restrito, se o produto agrícola tem acesso. São interesses

concretos.

Agora, cada um desses acordos comerciais tem outra parte, de pouca

visibilidade –– é algo muito técnico para ser acompanhado pelo leigo ––, que são as

regras comerciais. Elas talvez sejam mais importantes do que a negociação dos

produtos, porque são essas regras que vão definir a política industrial dos países,

que vão definir como os países poderão apoiar essas negociações de produtos. É o

que vai amarrar os países pelas próximas décadas.

Temos de acompanhar muito essa questão de regras, sobretudo na área de

serviços, de produtos industriais, de investimentos, de compras governamentais,

que é a agenda ofensiva dos países industrializados.

No Brasil agora é que começa a haver algum interesse, alguma organização

para oferecer propostas e entender o que estava acontecendo. Os países em

desenvolvimento até hoje lamentam certos acordos feitos por exclusivo

desconhecimento na Rodada Uruguai, que terminou em 1995. Sobretudo na área de

propriedade intelectual, muita coisa que hoje estamos tentando corrigir foi aceita na

Rodada Uruguai. Na área farmacêutica, corrigimos, mas o desconhecimento é muito

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grande. Não há, como disse, mão-de-obra qualificada. Isso não só no Brasil, mas

em todos os países em desenvolvimento.

É muito importante o conceito de negociações equilibradas e a atenção para

as regras definidas, porque vão definir o modelo de desenvolvimento futuro e atar

ou não a mão dos formadores de decisões políticas, sobretudo na área de política

industrial dos países em desenvolvimento.

Já mencionei outro aspecto importante, que é o acesso ao mercado. Em

todas essas negociações, tanto na ALCA quanto na União Européia e no acordo

feito com o Grupo Andino, há um período de transição. Poucos se dão conta desse

detalhe. O período de transição é o período em que não há uma área de livre

comércio, porque alguns produtos são considerados sensíveis, sobretudo os

agrícolas, mas no caso dos Estados Unidos, têxteis, aço, não serão liberalizados.

No caso da ALCA, por exemplo, até recentemente havia 4 cestas, como

dizem, em que entrariam os produtos. Boa parte seria liberalizada no primeiro ano,

60%, 70%, com tarifa zero. Depois, uma parte em 5 anos, 10 anos ou mais; agora

estão inventando uma quinta cesta, em que seriam colocados produtos

considerados sensíveis pelos americanos. Esses produtos sensíveis não serão

liberalizados nunca se prevalecer essa proposta.

Não há efetivamente uma área de livre comércio, porque em certos setores

não vai haver abertura de acesso a mercado. Além disso, com relação a esses

produtos sensíveis, tanto na União Européia quanto na ALCA, vai haver quotas. Nos

Estados Unidos, no âmbito da ALCA, não se falou de quotas, mas acho que virão.

Na União Européia fala-se em quotas. E na negociação estamos aceitando quotas,

o que é um problema complicado, porque nunca aceitamos quotas em acordo

nenhum, nem na Rodada Multilateral. Se aceitarmos as quotas no âmbito da União

Européia, já estaremos com a mão amarrada na negociação multilateral.

No período de transição, tanto no caso da União Européia quanto no da

ALCA, na minha opinião, pouca influência vai haver sobre o comércio, porque os

produtos em que efetivamente poderia haver aumento de comércio vão ficar para o

final. Nos próximos 10 anos, mesmo que seja assinado o acordo da ALCA, não

haverá aumento de comércio derivado da negociação, porque os produtos que nos

interessam ficarão para depois de 10 anos, e os industriais e outros que podemos

exportar já estão liberalizados. Sessenta e oito por cento das importações

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americanas são realizadas com tarifa zero. Não é preciso negociar a ALCA para ter

68% de abertura comercial.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Embaixador, essa parte é muito

importante. Gostaria que o senhor repetisse. Ao assinar a ALCA, como funcionará a

incrementação do comércio de lá para cá e daqui para lá?

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - O Presidente Paulo Skaf

tem um compromisso, está-se despedindo de cada um e pede licença para se

retirar. O Embaixador Rubens Barbosa ficará para o debate.

Tem a palavra o Embaixador Rubens Barbosa.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Respondendo à pergunta do

Deputado, todos os acordos comerciais têm um período de transição variável. Na

ALCA, originalmente, o período de transição era de 10 anos. Depois, ficou vago.

Para uma certa categoria de produtos mais sensíveis, eram 10 anos ou mais. Agora,

há uma outra categoria, um outro grupo de produtos que não será liberalizado, mas

que entrará no âmbito da ALCA com alguma redução dos picos tarifários e com

quotas. Em relação à União Européia, isto já está sendo discutido. O Brasil aceitou a

negociação de produtos agrícolas, sobretudo os que interessam mais de perto à

gente, como carne, frango, com quotas. E a União Européia fez uma brincadeira

porque propuseram que essas quotas fossem divididas ao longo de vários anos.

Se assinássemos o acordo na versão da oferta inicial — isso não acontecerá

porque já protestamos —, as quotas oferecidas eram menores do que as que já

exportávamos para a União Européia. No período de transição, no caso dos Estados

Unidos, que acompanhei nos últimos anos, posso dizer, com toda a segurança, que

o comércio do Brasil com os Estados Unidos pelo menos dobrará sem nenhuma

influência da ALCA, porque 68% dos produtos têm tarifa zero. E os produtos que

nos interessam, para que o mercado seja aberto, para que ampliemos efetivamente

as exportações, são de aço, têxteis, calçados, algodão e produtos agrícolas que

ainda não exportamos em função da barreira sanitária ou fitossanitária. Em termos

de produtos agrícolas, só exportamos mamão e manga para os Estados Unidos. O

Brasil não exporta outra fruta para os Estados Unidos porque não tem autorização.

Nessa negociação, esperávamos conseguir abrir o mercado para esses

produtos, para aumentar o comércio. Não foi o caso. O comércio aumentará pela

dinâmica da economia dos 2 países e pelo interesse do setor privado brasileiro.

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Antecipo um dos itens que iria abordar no caso da ALCA: ela será importante

para o Brasil — nestes 10 anos ou 15 anos de transição — não pela parte

comercial, mas pela de investimento. Aí, sim, a ALCA poderia atrair investimentos

que aumentariam as exportações para os Estados Unidos e para outros mercados,

porque seriam produtos industriais que entrariam sem barreira. Foi a isso que me

referi, no período de transição.

Há um outro efeito dessas negociações, sobretudo no caso da ALCA, no

período de transição. Os Estados Unidos mudaram de posição, de estratégia, e

passaram a fazer acordos bilaterais. Juntamente com a FIESP e o ÍCONE,

realizamos um estudo para mostrar o impacto das negociações bilaterais

americanas — sobretudo com o Chile e agora com o Grupo Andino — sobre as

preferências que o Brasil recebeu nos acordos comerciais na América do Sul, no

âmbito da ALADI. Trata-se de um estudo técnico que comprova que os Estados

Unidos têm preferências tarifárias maiores do que o Brasil. Com esses acordos que

os Estados Unidos estão fazendo, há uma erosão, uma perda da margem de

preferência que o Brasil negociou.

No caso do Chile, os Estados Unidos negociaram depois do acordo com o

MERCOSUL e obtiveram condições melhores do que o MERCOSUL. Essa questão

da erosão, da margem de preferência por causa dessas negociações multilaterais,

também é muito importante.

Para concluir e passarmos aos debates — se os senhores tiverem interesse

em discutir mais especificamente alguma dessas negociações, poderemos fazê-lo

— trago a questão dos novos desafios. Estou mostrando o quadro geral das

negociações comerciais. O último ponto que gostaria de ressaltar refere-se aos

desafios que essa multiplicidade de negociações e de acordos em curso

apresentam para a economia brasileira, para os segmentos nelas interessados.

O primeiro refere-se ao setor privado. Estou defendendo — na FIESP, tenho

a oportunidade de ajudar mais de perto esse setor, e essa já era a minha convicção

durante meus 40 anos de Itamaraty — que o setor privado tenha participação mais

ativa. Na última fase de negociações do MERCOSUL, da ALCA e da União Européia

de que participei como Subsecretário do Itamaraty e depois como Embaixador,

defendi que o setor privado defina uma estratégia de negociação. Vejo agora, na

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FIESP, que não há estratégia de negociação. Para ser bem franco, a maioria dos

empresários nem sabe o que está acontecendo, porque não tem formação.

Aí se observa um problema sério — estou tentando ajudar também —, que é

a interface entre o setor privado e o Governo. Aumentou muito o nível de informação

que o Governo presta ao setor privado. No âmbito das negociações comerciais, da

CNI, foi criada uma coalizão empresarial que acompanha essas negociações e que

serve, até certo ponto, como interface. Há foros criados pelo Governo, SENALCA,

SENEUROPA, lugares onde o Governo transmite informações. Na minha opinião,

essa interface do Governo com o setor privado ainda deixa muito a desejar tanto

para o Governo quanto para o setor privado, porque muitas vezes o Governo toma

decisões sem uma consulta ampla ao setor privado.

Nesses órgãos, há pouca representatividade, porque as grandes empresas

não estão presentes. As grandes associações se fazem representar num nível muito

baixo, e não há um diálogo efetivo com os grandes atores que teriam interesse em

participar mais de perto e influir no processo decisório.

É importante a estratégia empresarial, a interface entre Governo e setor

privado e o papel do Congresso Nacional — como ele se atualiza e acompanha

essas negociações, para não vir a reboque, porque constitucionalmente tem de

aprovar os acordos internacionais.

Acompanhei de perto, nos Estados Unidos, o trabalho do Congresso nas

negociações comerciais. A participação do Congresso americano e a sua interface

com o Governo é muito grande.

Servi na Inglaterra e nos Estados Unidos. A despeito de o regime inglês ser

parlamentarista, o Congresso americano, na minha opinião, é mais forte do que o

Parlamento inglês. O regime americano é presidencialista, mas o seu Parlamento é

mais forte, tem mais influência, apesar de, na Inglaterra, os Ministros serem

Parlamentares. Nos Estados Unidos, os Ministros não são necessariamente

Parlamentares, mas a influência do Congresso é tão grande que há uma interface

permanente entre ele e o Executivo. Na área de comércio exterior, diferentemente

do sistema brasileiro, o Congresso delegou, desde o início, ao Executivo esta área.

O USTA, o representante comercial, está subordinado diretamente ao Presidente,

mas foi criado pelo Congresso. A responsabilidade do USTA é com o Congresso

também.

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Na área comercial, no Brasil, o Congresso tem a responsabilidade de aprovar

os tratados que chegam a ele, mas não a de fazer, como faz o Congresso

Americano, o acompanhamento. Se V.Exas. lerem o que lá se chama autoridade de

promoção comercial, que é a lei que autoriza o Executivo a negociar, verão que há

um controle estrito do Congresso. Essas negociações são muito importantes,

porque o Executivo está limitado pelo Congresso e não tem margem de manobra

para avançar na negociação sem os critérios da lei aprovados pelo Congresso.

De maneira muito geral, eram estes os comentários que gostaria de fazer,

atendendo ao convite da Comissão para falar sobre as negociações comerciais

externas. Falei sobre estratégia, situação atual, perspectivas para 2005, impacto

sobre o Brasil e finalmente sobre os novos desafios que se colocam para a

sociedade brasileira, não só para a economia como um todo, mas também para os

atores políticos que interferem diretamente nessa negociação, o setor privado e o

Congresso Nacional.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Agradecemos ao Sr.

Embaixador a participação.

Antes de conceder a palavra ao Deputado Antonio Carlos Pannunzio, autor

do requerimento de realização desta reunião, passo a palavra ao Deputado

Gonzaga Mota, para suas considerações.

O SR. DEPUTADO GONZAGA MOTA - Sr. Presidente, Deputado Carlos

Melles, a quem cumprimento pela iniciativa desta reunião, minha cara Deputada

Maninha, meu caro amigo Embaixador Rubens Barbosa, inicialmente gostaria de

cumprimentar o Presidente Paulo Skaf e o Embaixador por suas observações e

reflexões. Aproveito, pedindo permissão ao Deputado Antonio Carlos Pannunzio,

autor do requerimento de realização desta audiência, para utilizar 3 minutos a fim de

fazer referência ao que brilhantemente disseram o Sr. Paulo Skaf e o Embaixador.

Sr. Embaixador, são 3 observações. V.Exa. ressaltou que não há uma

interface entre o setor privado e o Governo. Acredito também que não há — V.Exa.

chegou a mencionar — com o próprio Poder Legislativo. As negociações brasileiras,

creio eu, são feitas geralmente à revelia do Congresso. Se o setor privado fica

carente dessa interface, nós também não temos nenhuma interface, nenhuma

participação nessas negociações.

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Ressalto e deixo aqui para o Presidente e os prezados companheiros

Deputados a preocupação de que o Congresso Nacional precisa ter uma ação mais

firme, construtiva, de parceria com o Executivo — parceria não quer dizer

submissão, de forma alguma, mas discussão de alto nível e de respeito mútuo.

Caro Embaixador, o Presidente Carlos Melles distribuiu nota técnica em que

consta, no penúltimo parágrafo da antepenúltima página, o problema da China: “À

luz da interpretação desses dispositivos, não se constitui e muito menos se impõe,

contudo, a necessidade de que a decisão que reconhece à China o status de

economia de mercado seja submetida ao Congresso Nacional, por várias razões”.

Isso está intimamente ligado com a primeira observação que fiz.

A nota segue enumerando as razões e eu destaco apenas uma, a penúltima,

sobre a justificativa no sentido de que o Congresso Nacional não precisa opinar. Diz

o seguinte: “Contudo, por razões de ordem prática e estratégica e devido à natureza

e às peculiaridades do comércio internacional, constitui praxe, no Estado brasileiro,

que o comércio exterior do País e sua gestão sejam objeto de delegação do Poder

Legislativo ou Executivo”. Acho que nunca houve essa delegação.

A terceira observação — não sei se estou sendo claro — é que recentemente

o Presidente fez um acordo bilateral com a Venezuela, segundo informações da

imprensa. V.Exa. mencionou o MERCOSUL, do qual sou um simpatizante, acho que

o MERCOSUL deve crescer para que possamos negociar com a ALCA, com a

União Européia. Pergunto até que ponto não vai enfraquecer o MERCOSUL se o

Brasil começar a tentar fazer acordos bilaterais.

São estas as 3 observações que faço.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Começando pela última pergunta, a

Venezuela demonstrou interesse em se juntar ao MERCOSUL — acho que já é

membro associado do MERCOSUL, pois na última reunião foi feito isso. Segundo os

jornais, os acordos bilaterais feitos com a Venezuela são mais na área de

investimentos. Há uma refinaria entre a PDVSA e a PETROBRAS, no Nordeste,

participação de empresas brasileiras em projetos na Colômbia, participação da

PDVSA com a PETROBRAS em uma eventual compra de uma rede de distribuição

na Argentina e uma série de ações que não são acordos comerciais propriamente

ditos. Acordo comercial com a Venezuela — não sei se já foi ou vai ser feito — seria

para se associar ao MERCOSUL.

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O Brasil tem um acordo comercial no âmbito da ALADI com a Venezuela, e a

idéia é que esse acordo seja ampliado com a Venezuela, associando-se ao

MERCOSUL.

Então, esses acordos bilaterais feitos em áreas específicas não enfraquecem

o MERCOSUL, não atrapalham a expansão do comércio. Ao contrário, acho até que

podem aumentar

O SR. DEPUTADO GONZAGA MOTA - Mesmo sem a participação da

Argentina?

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - São projetos de empresas brasileiras

com empresas venezuelanas, aqui ou lá. A parte comercial vai ser feita junto com o

MERCOSUL, porque é Venezuela e MERCOSUL e não Venezuela e Brasil, na parte

do acordo comercial. Esses outros acordos bilaterais mencionados na imprensa são

projetos específicos que tiveram apoio político dos 2 Presidentes para serem

levados adiante.

A segunda questão diz respeito à interface do Governo com o setor privado e

com o Congresso Nacional. Digo que, pela minha experiência de Governo, tanto

para o setor privado quanto para o setor público — estou procurando ajudar agora,

inclusive para encontrar formas de maior interface, maior presença da FIESP e de

outras organizações —, não tem jeito, temos de correr atrás. Se V.Exas. quiserem

ter uma participação mais ativa, têm de convocar as autoridades com mais

freqüência — o MIC, o Banco Central, o Itamaraty, a Fazenda — para discutir com

V.Exas. Devem ser convocadas pessoas que venham a contribuir com outras

visões. Eu me coloco à disposição, se houver interesse, de vir aqui periodicamente

conversar com V.Exas., porque é importante o acompanhamento.

Porém, já falando como setor privado, não podemos esperar que o Governo

venha a oferecer tudo de graça. Ele não vai fazer isso, primeiro porque há a

mentalidade no Governo de guardar a informação até o último momento, para evitar

pressão sobre o próprio Governo, e, em segundo lugar, porque essa agenda que eu

descrevi para V.Exas. é muito ampla. Não há tempo para pensar em chamar fulano

ou beltrano.

Sugiro que, quando houver interesse, periodicamente, a Comissão peça para

alguém vir explanar, pública ou reservadamente, a fim de que recebam informações

sobre o que está acontecendo. Não há outra maneira.

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O SR. DEPUTADO GONZAGA MOTA - Mas não é nenhuma delegação?

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Quero mencionar é que essa

informação está imprecisa. A Constituição Federal é muito clara sobre a separação

dos Poderes. O Poder Executivo é independente. Há equilíbrio dos Poderes com

competências de iniciativa da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, para

certos tipos de legislação. Na área comercial, porém, não há delegação, não há

praxe nenhuma. A competência é do Executivo, tanto que, pela própria Constituição

— V.Exas. sabem melhor do que eu —, o Congresso Nacional não pode modificar o

que o Executivo fez: ou aceita ou recusa. Não há meio termo. Há muito tempo existe

discussão sobre se o Congresso Nacional pode emendar ou não, mas, pela

jurisprudência, o Congresso Nacional aceita ou recusa. Ele pode dizer, no decreto

legislativo, que o artigo tal precisa ser modificado, por exemplo, e o Legislativo pode

modificar ou não, porque como já está negociado o acordo, se for reaberto algum

ponto, o outro lado pode não querer, porque não foi negociado.

Acho que já respondi aos 3 pontos. Não há, no Brasil, delegação do

Executivo para a área comercial, com atribuições adicionais ao Congresso Nacional.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Tem a palavra o nobre

Deputado Antonio Carlos Pannunzio, autor do requerimento.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Sr. Presidente,

Deputado Carlos Melles, Sra. Vice-Presidenta, Deputada Maninha, Sr. Deputado

Gonzaga Mota, caríssimo Embaixador Rubens Barbosa, Sras. e Srs. Deputados,

inicialmente, cumprimento o Presidente, porque nossa Comissão dá uma exemplo a

esta Casa. Enquanto outras Comissões não se reúnem, com a solução de

continuidade pela simples mudança do exercício legislativo, a nossa continua firme,

mesmo enquanto aguarda alguns partidos que estão com dificuldade de indicar

seus Líderes e apesar da grande mudança havida na Câmara no momento, o que

tumultuou um pouco o processo, não tendo sido os Deputados indicados para as

Comissões. Nossa Comissão continua firme. Devemos isso ao comando de V.Exa.,

que não fica esperando as coisas acontecerem. Parabéns!

Agradeço ao Embaixador Rubens Barbosa e ao Presidente da Federação das

Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, as presenças.

Quero fazer várias considerações a respeito da exposição do Ministro.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Sr. Ministro, V.Exa. ateve-se muito bem aos termos do requerimento por nós

oferecido a esta Comissão e aprovado ainda no final de novembro do ano passado,

mas o tema é atualíssimo. V.Exa. respondeu com brilho e pertinácia todos as

questões. Ajudou-nos inclusive a tirar algumas dúvidas e até mesmo a concluir

alguma coisa pendente, porque não tínhamos essas informações.

Cito, por exemplo, as negociações bilaterais, o andamento das negociações

multilaterais do Brasil. Enfatizamos aqui, na justificativa do requerimento, que as

negociações multilaterais, seja da União Européia, ALCA ou do MERCOSUL com

ambas — talvez por algum problema nosso, da conjuntura internacional da União

Européia ou do período eleitoral por que passaram os Estados Unidos recentemente

—, não evoluíram. Estamos praticamente sem progresso.

Preocupa-me algumas coisas nas questões bilaterais. Tenho profundo

respeito pelo Ministro Celso Amorim e pelo Consultor Especial da Presidência da

República, aqui não vai nenhuma crítica a eles. Gostaria, porém, de saber quem

dirige a política externa de fato.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Quem a dirige é o Presidente Lula.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Constitucionalmente,

é sem dúvida o Presidente, mas na prática, meu caro Deputado, seu dirigente tem

de entender do assunto.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Na prática? Vou dar uma informação aqui.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Deputado Zarattini, entenda

que o nobre Deputado Pannunzio está com a palavra.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Estamos vivendo

alguns problemas nas negociações bilaterais, porque as do Brasil pelo menos não

evoluíram, como evoluíram –– e V.Exa. falou sobre isso com muita propriedade ––

as do Chile e México. Com relação às nossas, estamos perdendo inclusive as

preferências tarifárias que tínhamos no âmbito da ALADI. É extremamente

preocupante isso que vem acontecendo.

Enquanto isso, assistimos a todo um foguetório em cima das fantásticas e

megalomaníacas viagens do Presidente Lula a países exóticos, os quais devem ser

interessantes pela beleza e cultura diferenciadas, mas efetivamente esses passeios

não resultam em nada de positivo para o Brasil.

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Será que as negociações com a Líbia, nossas exportações e importações ou

mesmo o nosso comércio aumentou em 500% depois da visita do Presidente?

Talvez tenha passado de mil dólares para 5 mil dólares ao ano. Não é nada, não

resulta em nada, a não ser a satisfação do Presidente de se encontrar com os

líderes com os quais se identifica. Fora isso, de prático para o Brasil nada

aconteceu.

Saio desta audiência pública, Sr. Embaixador, muito mais preocupado do que

quando aqui entrei, graças às informações prestadas por V.Exa. e às preocupações

manifestadas pelo Presidente Paulo Skaf.

V.Exa. elencou alguns itens — e consegui anotar 13 — da agenda de

negociações externas sob a responsabilidade do Itamaraty. Disse V.Exa. com muita

propriedade que não temos mão-de-obra –– vou usar um termo diferente do seu,

prefiro dizer massa crítica — para tratar simultaneamente de 13, 14 ou 15

prioridades fixadas pelo Governo Federal nessa época. Nós e os outros setores de

Governo ou mesmo da sociedade civil deveríamos — coloco o verbo no condicional

–– participar dessas negociações, mas não temos massa crítica.

Quando se define que tudo é prioritário em matéria de política externa, a

primeira conclusão que podemos tirar, prezado Embaixador, é que nada é prioritário.

Vamos pagar preço altíssimo se o Governo Federal continuar insistindo em conduzir

a política externa dessa maneira.

V.Exa. disse: “Negociar é preciso”. Isso me leva ao “navegar é preciso”.

Negociar é a palavra-chave para todos nós neste momento, diferentemente da

postura do então candidato a Presidente pelo Partido dos Trabalhadores. Antes de o

PT chegar ao Governo, pregava a não-negociação com a ALCA e atenção maior ao

mercado interno. Ainda bem que mudou de idéia. Hoje pregam que “negociar é

preciso”. Houve progresso. Isso é saudável.

Concordo com V.Exa. no seguinte aspecto: a nota técnica oferecida ao

Presidente da Comissão é imprecisa, porque o texto constitucional é claro quanto às

competências dos Poderes e da política externa. A condução é do Executivo.

Cabe-nos resolver isso em definitivo. Resolver em definitivo é: sim ou não. E as

coisas não são tão simples. Ninguém pode simplesmente chegar a esta Casa e ao

Congresso Nacional e colocar temas dessa complexidade e perguntar: Os senhores

são contra ou a favor? Isso não dá.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Poderemos, usando dessa prerrogativa constitucional, pressionar o Executivo

— seja por intermédio do Ministério do Desenvolvimento Econômico, Indústria e

Comércio Industrial, do Ministério da Agricultura ou mesmo do Itamaraty — a nos

trazer os eventuais acordos ou tratados que têm feito, as dificuldades que estão

enfrentando e se estão atendendo aos interesses nacionais.

O Governo deveria começar nos trazendo um balanço do acordo com a

China. O reconhecimento da China como economia de mercado é um absurdo. Será

que o Presidente e seus conselheiros mais imediatos fizerem tal acordo num

arroubo de entusiasmo sem se preocuparem com o que poderia acontecer? Não foi

um acordo com um setor produtivo brasileiro qualquer, pois isso teria um significado

pequeno. Acordos devem ser feitos em favor do trabalhador brasileiro, meu caro

Presidente.

Se dermos o status de economia de mercado à China — e o Embaixador

Rubens Barbosa foi muito preciso nas conseqüências disso —, poderemos estar

amanhã fechando milhões de postos de trabalho no Brasil. Se a China quiser nos

enfrentar em áreas onde hoje — sem essa aceitação de prática de dumping —

podemos ser competitivos, não o seremos mais.

As conseqüências serão terríveis para o Brasil. Por isso, fiz um requerimento

de informações, no dia 18 de novembro de 2004, ao Ministro Celso Amorim pedindo

que esclarecesse as razões determinantes da concessão do status de economia de

mercado para a China. Caro Embaixador Rubens Barbosa, meu caro Presidente, o

prazo de resposta do Itamaraty já se esgotou no dia 11 de fevereiro. Não tivemos ––

a menos que V.Exa. tenha recebido, eu não recebi –– resposta alguma. Ou seja, o

Ministro das Relações Exteriores, se eu quisesse criar um caso, já estaria incurso

em crime de responsabilidade.

Não parei aí. No dia 14 de dezembro de 2004 fiz outro requerimento de

informações ao Ministro Fernando Furlan para que apresentasse os estudos e

projeções de impacto econômico que precederam a concessão do status de

economia de mercado para a China. E informo a V.Exa., caro Presidente, que o

prazo para o retorno dessas informações encerra-se na próxima segunda-feira. Se

não vier resposta — e não acredito que venha —, estaremos com 2 fatos

gravíssimos. O Executivo adota uma política totalmente divergente da que vigia até

a chegada do PT ao poder, por circunstâncias que desconheço, e não vem

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

mantendo a necessária transparência nas informações a esta Casa a respeito de

suas decisões.

Para completar o elenco de providências, Sr. Embaixador, apresentei ontem,

o que de certa forma foi a estréia deste exercício legislativo, um projeto de lei que

cria o Comitê de Estratégias em Negociações Comerciais Internacionais,

evidentemente vinculado à Presidência da República. Esse projeto estabelece um

núcleo de formulação que atualmente não existe — vamos deixar isso bem claro —,

garantindo a participação de líderes do setor produtivo com assento no Congresso

Nacional e de líderes de diferentes setores do Poder Executivo Federal. O objetivo é

resolver uma lacuna que atualmente se verifica na atuação do Itamaraty na

condução das negociações comerciais de interesse para o País.

Não sei se extrapolei ou não a competência do Legislativo. Podemos discutir

isso no âmbito desta Comissão e depois eventualmente no âmbito da Comissão de

Constituição e Justiça e de Redação. Se extrapolei, foi na melhor das intenções. Se

entendermos que fomos além daquilo que podíamos, que esta Comissão transforme

o que seria um projeto de lei numa indicação, não indicação do Deputado Antonio

Carlos Pannunzio, mas da Comissão de Relações Exteriores, porque aí ela terá

mais peso perante o Executivo.

O Presidente Paulo Skaf não está mais presente, mas queria manifestar

uma discordância. S.Sa. afirmou que o documento de entendimento assinado pelos

Ministros do Comércio do Brasil e da China é um protocolo de intenções. Na

verdade, ele é muito mais do que isso: é um memorando de entendimento e tem

natureza executiva. Conseqüentemente, como a Constituição dá essa competência

da condução da política externa ao Executivo, ele não carece de aprovação no

Congresso Nacional, caro Presidente, para produzir efeitos jurídicos. Então, a coisa

é muito mais grave; é muito mais do que um protocolo de intenções. Ora, se não vai

passar por aqui, não vamos poder avaliar, debater, e muito menos homologar ou

não os termos desse reconhecimento, que é o que fazemos com os acordos

internacionais.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, existe um remédio para isso:

eventualmente, se na seqüência das respostas e audiências públicas que viermos a

ter julgarmos prejudiciais aos interesses nacionais o reconhecimento desse status à

China, poderemos preparar um projeto de decreto legislativo sustando os efeitos

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

desse reconhecimento, desse memorando de entendimento que reconhece à China

o status de economia de mercado.

Eram estas as considerações que queria fazer. Na verdade, depois da

exposição do Embaixador Rubens Barbosa, não tenho questões ou perguntas a

fazer a S.Exa. De certa forma, gostaria de agradecer ao Ministro a excelente

exposição sobre o tema objeto desse requerimento de audiência pública. A

exposição foi muito completa

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Muito obrigado.

Cumprimento mais uma vez o ex-Presidente Deputado Antonio Carlos Pannunzio

por sua lucidez e competência, e pela oportunidade de trazermos à Comissão esse

atualíssimo, necessário e importante debate.

A proposta de formação desse núcleo de apoio oficial ao Executivo pode ser

transformada em documento da Comissão. Se V.Exa. quiser, terei o maior prazer de

submetê-la ao Plenário.

Com a palavra o Deputado Antonio Carlos Mendes Thame.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS MENDES THAME - Sr. Presidente,

Deputado Carlos Melles, Sras. e Srs. Deputados, Embaixador Rubens Barbosa, em

primeiro lugar cumprimento o Deputado Antonio Carlos Pannunzio pelo senso de

oportunidade de apresentação desse requerimento.

Saúdo também a Presidência e todos aqueles que conduziram a Comissão

de Relações Exteriores durante o período que agora termina.

Externo meus cumprimentos à FIESP pelas posições bastante oportunas e

até contundentes que têm caracterizado a atual gestão do Sr. Paulo Skaf,

representando muito bem o setor produtivo de nosso Estado.

Sentimo-nos muito orgulhosos dessa defesa do setor produtivo, do nível de

emprego, do trabalhador. Cumprimento-o também por ter tido o extraordinário senso

de convidar para fazer parte de seu corpo de assessores o Embaixador Rubens

Barbosa, que tão bem tem trabalhado em defesa dos interesses do Brasil no

Itamaraty durante toda sua vida.

A primeira das observações, antes de passar aos questionamentos, é quanto

ao funcionamento, ao papel do Ministério das Relações Exteriores. O Embaixador

disse que há um divórcio entre o Ministério das Relações Exteriores, a política

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

externa brasileira e o setor produtivo. O setor produtivo não tem a definição de sua

política, não interage; por sua vez, o Ministério das Relações Exteriores muitas

vezes toma decisões sem ouvir o setor produtivo brasileiro. A situação é um pouco

pior. Não sabemos qual a definição, ficamos sem saber se o Itamaraty é um

Ministério-meio ou Ministério-fim. Ou seja, se ele se especializou, ou se sua função

é especializar-se em como conduzir bem, ter ganhos nessas negociações. A

definição da política é dada pelos Ministérios, como o da Agricultura, da Indústria e

Comércio, da Fazenda, os outros, ou é o próprio Itamaraty que toma suas decisões

sem ouvir os demais Ministérios? Isso está explícito nas reclamações publicadas

nos jornais que normalmente fazem os Ministros Roberto Rodrigues e Fernando

Furlan. Dizem S.Exas. que não foram ouvidos pelo Itamaraty nas decisões tomadas

por esse órgão.

Portanto, gostaria de ouvir do Embaixador Rubens Barbosa, que certamente

deve ter carinho muito especial pelo Ministério das Relações Exteriores, sua opinião

a esse respeito. Para nós é muito importante, porque, se há uma interação do setor

agrícola com o Ministério da Agricultura, essa interação não chega ao Ministério das

Relações Exteriores? É preciso haver ligação direta com o Ministério das Relações

Exteriores para se estabelecer esse vínculo?

Isso até nos ajuda a entender como poderá ser a função dessa proposição

tão oportuna do Deputado Antonio Carlos Pannunzio de se ter um núcleo

especialmente para se definir essa política.

A segunda questão é sobre a China, que também, a nosso ver, já é fato

consumado, como disse o Deputado Antonio Carlos Pannunzio, e não algo que

possa ainda ser revisto.

O Presidente da República, em função da legislação brasileira, dá uma

delegação prévia, quase um cheque em branco ao Poder Executivo para conduzir

essas negociações, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde tudo

precisa de prévia autorização do Congresso.

A negociação com a China — salvo engano — aparentemente é fato

consumado. Por isso estranhamos muito que ainda não tenha sido feita a

regulamentação das salvaguardas. Isso deveria ter acontecido no dia seguinte ao

reconhecimento da China como economia de mercado.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

A Argentina já fez a regulamentação das salvaguardas no final do ano

passado; os Estados Unidos já têm uma regulamentação extremamente rigorosa;

fora isso, estamos vendo, por exemplo, a União Européia, a partir de 1º de janeiro,

colocar barreiras não tarifárias. Ela impôs um teste para comprovar a ausência de

corantes azóicos nas tinturas de tecidos, a fim de pegar diretamente a China. Com

isso, acabará pegando o mundo inteiro. Usamos esses corantes há mais de 20

anos. Agora precisaremos que uma empresa faça um teste para comprovar a

ausência desse tipo de corante, embora ninguém mais se lembre o que é isso, de

tão ultrapassado que é.

No Brasil, ao contrário, não temos uma legislação que obrigue os produtos

importados a se submeterem às mesmas normas de comprovação de qualidade dos

produtos nacionais. Este País tem de comprovar que os brinquedos e o material

escolar que fabrica não contêm chumbo nem cádmio, produtos nocivos às crianças.

O produto que vem da China, ao entrar em nosso mercado, não precisa comprovar

nada. Nesse sentido, temos um projeto de lei para obrigar que não haja a facilidade

de importações automáticas, que o produto importado seja obrigado a se submeter

por lei às mesmas normas de certificação de qualidade dos produtos nacionais. No

entanto, não vimos ainda pressão nem do setor produtivo, nem do Governo para

aprovar esse projeto, que embora esteja em regime de urgência na Casa, pelo

discernimento, pelo bom senso de parte dos Deputados, caminha lentamente nas

Comissões.

Imaginamos que essa questão da China ainda vá ter muitos desdobramentos

e possamos chegar a ter de parte do Executivo e dos Ministérios salvaguardas que

pelo menos amenizem essa incrível estultice que foi declarar a China como

economia de mercado. Não podemos chegar ao ponto, como bem disse o Deputado

Antonio Carlos Pannunzio, de ter de fazer um decreto legislativo sustando o efeito

dessa declaração inusitada, que é uma verdadeira sandice.

Gostaria de fazer um segundo questionamento, aproveitando essa tão

didática aula que nos deu hoje o Embaixador Rubens Barbosa. Na Declaração de

Doha há um dispositivo que diz respeito aos bens ambientais e determina que nas

reuniões seqüentes seria definida uma lista principal de bens de produtos que

fossem considerados por todos os países, unanimemente, como bens ambientais e

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

que estes seriam, o mais rapidamente possível, submetidos a um zeramento de

tarifas para que eles pudessem ser comercializados de forma facilitada.

As negociações comerciais serão sempre no estilo do “toma lá, dá cá”. Tenho

de fazer concessões para receber concessões do outro lado. Essa história do fair

trade, do comércio justo, tão definida na tese de Montesquieu para melhorar as

condições de vida dos países em desenvolvimento, para que na FAO possam

vender seu algodão, para que diminua a diferença entre os países, é inaceitável,

porque a pressão dos lobbies internos dos países ricos impedem que eles façam

concessões.

Há, contudo, um grupo de produtos que passa a ter importância estratégica

na história da humanidade, devido à diminuição das reservas e ao altíssimo preço

do petróleo, que está com seus dias contados. Refiro-me aos biocombustíveis, que

ainda não são produzidos em grande quantidade nos países ricos — nem na

Europa, nem nos Estados Unidos —, que necessitam da importação desses

produtos.

Como V.Exa., Embaixador Rubens Barbosa, vê a possibilidade de o Brasil e

outros países fazerem pressão nas próximas negociações para incluir os

biocombustíveis na lista principal dos bens ambientais, a primeira a ser discutida,

prevista na Declaração de Doha?

Eram essas as observações que gostaria de fazer.

Quero cumprimentá-lo, Embaixador Rubens Barbosa, e agradecer-lhe, acima

de tudo, por tão oportunas e consistentes observações. V.Exa. deu grande

contribuição ao Congresso Nacional.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Com a palavra o Deputado

Luiz Carlos Hauly.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Sr. Presidente, Sr. Deputado

Gonzaga Mota, Sra. Deputada Maninha...

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Sr. Presidente, pela

ordem.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Pois não.

O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Como estamos em

pequeno número, o Sr. Embaixador poderia responder de imediato a cada

Deputado. Não sei se todos concordam.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Submeto aos colegas

Deputados e Deputadas a sugestão. Se todas assim desejarem, não há problema

algum.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Sr. Presidente, serei rápido na

minha intervenção.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Pois não.

O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Sras. e Srs. Deputados, penso

que a exposição do Embaixador Rubens Barbosa foi extremamente útil, como aliás

tem acontecido com a seqüência de eventos promovidos por esta Comissão nos

últimos anos, visando capacitar o Parlamento brasileiro.

A atuação da Comissão de Relações Exteriores — de ambas as Casas,

Câmara e Senado —, a Comissão Especial da ALCA e a do MERCOSUL, enfim,

nossas participações em organismos internacionais, como na COPA, presidida pela

Deputada Maninha, que congrega Parlamentares das Américas no FIPA — Fórum

Interparlamentar das Américas, organismo do qual participo na condição de

representante do Parlamento brasileiro, têm possibilitado gradativa melhora das

relações brasileiras nos acordos bilaterais, multilaterais e regionais.

O fato é que o Parlamento brasileiro ainda está aprendendo. Não atingimos o

grau necessário de maturidade, as mesmas condições do Parlamento americano,

entre outras nações mais desenvolvidas, de interferência nos acordos comerciais.

As prerrogativas presidenciais no Brasil são imperiais, o que contribuiu também para

o comodismo do Parlamento nos cento e poucos anos da história da nossa

República. Acredito, porém, que estamos melhorando bastante e aceleradamente.

Cito sempre que o caso da vaca louca canadense foi um marco na história do

Parlamento e da sociedade brasileira. Porque isso nos fez despertar. Estávamos

dormentes, não dávamos a necessária atenção às empresas, aos negócios

brasileiros. De lá para cá, intensificamos os entendimentos.

Quero deixar bem claro que a presença do Embaixador Rubens Barbosa e do

Presidente Paulo Skaf é de extrema valia para todos nós.

Não assisti à exposição do Sr. Paulo Skaf. Tenho grande curiosidade com

relação à questão da China. A China é um imenso problema para o mundo,

especialmente para nós, que somos uma Nação emergente e concorrente.

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Quanto às relações comerciais, nós exportamos para a China 5 bilhões e 439

milhões, sendo 63% de produtos básicos. Só isso, nem um centavo a mais. Em

contrapartida, segundo esses dados, a importação proveniente da China foi de 3

bilhões e 709 milhões, sendo 87% de produtos industrializados — fora o

contrabando. Calculamos que o contrabando chinês hoje no Brasil movimente 1

bilhão de dólares por mês, mais de 12 bilhões de dólares por ano. Como a água que

vence um dique malfeito, abrindo caminho por todos os lados, o contrabando passa

pelo Paraguai, pela Ponte da Amizade, por Guaíra, enfim, passa por todos os lados,

de uma forma terrível para a economia. Não há um só lugar no Brasil, uma única

cidade que não tenha sua “feira do Paraguai”, onde 90% dos produtos são chineses.

A economia chinesa é predatória em âmbito mundial. Seu reconhecimento

como economia de mercado foi um desastre do Governo Lula, que até tem acertado

em muitas coisas nas relações internacionais, mas tomou essa atitude lamentável.

Não houve racionalidade, não houve profissionalismo, não houve defesa dos

interesses nacionais; houve, sim, um posicionamento político-ideológico de alguns

membros do Governo que interferiram junto ao Presidente Lula.

Finalizando, quero parabenizar o Embaixador Rubens Barbosa pelo excelente

trabalho que vem fazendo em Washington de divulgação do Brasil e de nossos

produtos. Com sua experiência e conhecimento, dignificou o Brasil naquele país,

especialmente com a criação do Brazilian Information Center — BIC, que

possibilitou a um grupo de assessores de Parlamentares americanos encontrar-se

hoje no Congresso Nacional em intercâmbio com nossos assessores, em um

trabalho de extrema valia.

Portanto, é sempre uma grata satisfação ouvir V.Exa., especialmente neste

momento em que nos dá uma aula que nos abriu a cabeça para muitos pontos

interessantes que nos passavam despercebidos. Declaro-me bastante satisfeito com

a exposição de V.Exa., que muito colabora com a capacitação do Parlamento

brasileiro.

Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Com a palavra o

Embaixador Rubens Barbosa.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Vou começar pela questão da China,

para complementar o que disse o Presidente Paulo Skaf.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

A FIESP reagiu, no mesmo dia, ao anúncio desse acordo. Se V.Exas. lerem o

texto do acordo, verão que, em seu art. 1º, o Brasil concede o status de economia

de mercado à China. Em seguida, há uma série de artigos e um anexo, em que se

descrevem, como disse o Presidente Skaf, intenções do Governo chinês.

A preocupação da FIESP — e aqui falo como Presidente do Conselho de

Comércio Exterior — é com o rápido crescimento das exportações e a possibilidade

de essas exportações prejudicarem setores representados na FIESP. No mesmo dia

em que se publicou a decisão, a FIESP emitiu nota pública sinalizando grande

preocupação com a maneira como fora tomada a decisão.

Sabem V.Exas. tanto quanto eu que os países desenvolvidos — Estados

Unidos, países da Europa ocidental, Japão — não deram o status de economia de

mercado à China. E isso porque a China é, agora, membro da OMC. A partir do

momento que, dentro das categorias da OMC, se reconhece que uma empresa é

economia de mercado, muda a situação dentro da organização. Enquanto uma

nação, mesmo sendo membro da OMC, não for reconhecida como economia de

mercado, ela tem um regime especial de tratamento. Quando essa nação é

reconhecida por alguns países como economia de mercado, ela passa a ter outro

tratamento.

A conseqüência prática de o Brasil reconhecer a China como economia de

mercado é já não poder tomar, autonomamente, medidas de defesa comercial.

Muito se especulou, à época da decisão, sobre que o Brasil não poderia recorrer,

que teria de fazê-lo via mecanismos da OMC. Não é bem assim; o Brasil continua

tendo a opção de tomar essa decisão.

Todavia, antes de considerar a China como economia de mercado,

poder-se-ia fazer isso diretamente: não era preciso justificar, não era preciso provar

nada; bastava alegar, por exemplo, aumento das exportações em tal setor com

prejuízos para a indústria para definir uma taxa ou uma cota como medida

antidumping ou de salvaguarda.

Depois de reconhecer a China como economia de mercado, como disse o

Presidente Skaf, e de internalizar isso — o que ainda não ocorreu —, há a

necessidade de se elaborar um instrumento jurídico, uma circular por parte do

Ministério da Indústria e Comércio. A FIESP e Ministério estão examinando como o

setor privado participa dessa decisão. Pois bem, a partir do momento em que esse

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

reconhecimento for internalizado, para tomar qualquer medida de defesa comercial

a que tenha direito em razão de rápido crescimento das exportações chinesas e da

geração de danos a algum setor, o Brasil terá de recorrer à OMC e justificar a

medida.

O ponto que a FIESP levanta é, como a China não é uma economia de

mercado — mais da metade do mundo diz que ela não é uma economia de

mercado, e é o mesmo pensamento da FIESP —, como provar o dumping, por

exemplo?

Dumping, como sabem V.Exas., é a venda do produto por preço inferior ao da

produção ou ao da venda interna no país produtor. Como provar o dumping se todos

preços são administrados, se não há condições salariais ou de trabalho, enfim, tudo

o que V.Exas. já conhecem? É um problema prático que se aplica também a outros

mecanismos. Como provar, por exemplo, que o produto chega aqui com aquele

preço, sendo competitivo?

Estava na FIESP outro dia e presenciei uma conversa em que o Presidente

do sindicato dos fabricantes de armações para óculos dizia que o que custava 10

reais estava entrando no País por 1 real. Como provar que esse 1 real cobrado pela

armação chinesa é o custo de produção lá? Como provar que o produto não está

sendo vendido abaixo do preço, em dumping, no mercado brasileiro?

A preocupação da FIESP, portanto, é exatamente como o setor privado vai se

defender de um crescimento exponencial das exportações. O Presidente Skaf fez

referência ao crescimento da exportação no setor industrial. Concretamente, o que a

FIESP está fazendo? A FIESP fez várias reuniões com representantes do Ministério

do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com a Secretaria de Comércio

Exterior — SECEX e com o Departamento de Defesa Comercial — DECOM. O

material distribuído para os senhores contém parte do trabalho em conjunto com

esses órgãos, entre eles a criação do Departamento de Comércio Exterior, um setor

de defesa comercial.

Abro um parêntese para comentar a mudança ocorrida na área de comércio

exterior na FIESP. As administrações anteriores se preocupavam constantemente

com a macroeconomia. Todos os Presidentes da FIESP que aqui vieram

manifestaram publicamente a preocupação com crescimento econômico, inflação,

taxa de juros, taxa de câmbio, efeito sobre o emprego, enfim, a macroeconomia.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Com a eleição do novo Presidente da FIESP, Paulo Skaf, houve maior

interesse em outras áreas da economia e o importante setor do comércio exterior

ganhou maior visibilidade nessa nova gestão. Enfim, o departamento foi fortalecido,

ganhou nova forma e criou-se conselho com mais de trinta membros, entre

ex-Ministros, presidentes de federações, associações, economistas. Hoje, um

conselho estabelece a diretriz política e estratégica para a FIESP, um departamento

de comércio exterior fortalecido que acompanha o dia-a-dia das negociações

comerciais

Dentro desse contexto, o interesse da FIESP na China não é gratuito, faz

parte do acompanhamento das negociações comerciais. Talvez o único equívoco do

Presidente Paulo Skaf até agora foi ter-me convidado para ser o Presidente do

Conselho de Comércio Exterior.

Atualmente, ocupamos espaço nas instituições que acompanham o comércio

exterior. Oitenta por cento das exportações de São Paulo para a ALCA, que é o

principal mercado do Brasil como um todo, são produtos industriais. Desses 80%,

possivelmente 90% são da indústria de São Paulo, que, por meio do órgão mais

importante da FIESP, não fazia tal acompanhamento. A partir do momento em que o

Paulo me convidou para presidir esse conselho, com o fortalecimento do

departamento, por sinal muito ativo — o Presidente Roberto Janete, que também já

ocupou o cargo de Secretário do Comércio Exterior —, a FIESP ocupou espaço e

continuará a ocupá-lo ainda mais nas instituições, porque nosso papel é

fundamental para o setor industrial. E sua primeira importante manifestação foi a

relação comercial com a China.

O Departamento de Comércio Exterior criado pela FIESP para cuidar da

defesa comercial está monitorando as exportações e importações chinesas, mês a

mês, junto com a SECEX, por meio de Carlos Cavalcante, um de seus diretores.

O trabalho que os senhores têm em mãos é resultado da parceria da FIESP,

que fez a análise dos dados, com a SECEX. Esse documento foi produzido para

demonstrar exatamente como foram as exportações chinesas no ano de 2004. Em

certos setores, como o de eletrodomésticos, máquinas e têxteis, a exportação

aumentou, em média, mais de 500%. Apesar de fazermos esse acompanhamento

nesse primeiro momento, não podemos afirmar se houve violento crescimento das

importações, se haverá desorganização do mercado ou impacto nas empresas.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

Por isso, a FIESP manterá contato com as federações dos diferentes setores

para continuar a fazer tal acompanhamento e, caso seja comprovado o aumento

súbito das importações, em prejuízo ou representando ameaça da estabilidade das

empresas de São Paulo, vamos propor ao Governo Federal medidas concretas de

salvaguarda especial ou de antidumping.

Essa a informação que desejava prestar aos senhores sobre o trabalho da

FIESP e como ela está reagindo concretamente à decisão tomada pelo Governo.

Estamos acompanhando a regulamentação, que é muito importante, pois

determinará como as empresas deverão reagir frente a esse crescimento. Para

tanto, estamos em contato direto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior. O setor privado de São Paulo espera que tal regulamentação

seja feita em conjunto com a FIESP e outros órgãos interessados.

Como já foi aqui dito, quando o Presidente da China veio ao Brasil, a

Argentina e o Chile aceitaram adotar a medida proposta e já regulamentaram os

setores.

A FIESP está acompanhando dia a dia, mês a mês, a evolução da balança de

comércio e decidirá com o Ministério do Desenvolvimento a melhor maneira de se

fazer a regulamentação. Disso os senhores podem estar certos.

Foram ainda feitas outras considerações. Uma delas sobre o papel do

Itamaraty, da interface com o setor privado, com os Ministérios. Como havia dito, a

situação melhorou muito. Lembro-me que no início da negociação do Tratado de

Assunção, da criação do MERCOSUL, não havia praticamente nada. Em 1992,

1993, quando estava à frente da Subsecretaria no Itamaraty, desejava contactar o

setor privado na FIESP para divulgar as negociações da Rodada Uruguai, mas havia

total alheamento. Ninguém se interessou, pois não havia informação. Os casos

como o da vaca louca, as negociações da ALCA, deram muito visibilidade às

negociações comerciais. Somente agora o Governo reagiu. Criaram-se alguns

grupos de comunicação para transmitir as informações. Inclusive a coalizão

empresarial é o órgão mais visível para fazê-lo.

Embora tenha melhorado a comunicação, ela ainda é deficiente. Na FIESP,

as grandes empresas não estão acompanhando a negociação, enquanto elas

deveriam opinar na definição das linhas principais de regras ou de concessões de

tarifas, já que as afeta diretamente. Não basta apenas o debate. Para mostrar que

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

em alguns casos é importante para o conjunto, deve haver alguma abertura aqui ou

ali para se diminuir a tarifa. Deve haver informação para as empresas definirem sua

estratégia empresarial.

Quanto ao relacionamento do Itamaraty com outros Ministérios, foi criada a

CAMEX, que faz a coordenação interna. A proposta do Deputado Antonio Carlos

Pannunzio é interessante. Vou mencioná-la porque é pública. Quando estava no

Governo defendi a idéia e pensei, em apropriado momento, voltar a tratar do

assunto, mas agora que não estou no Governo, S.Exa. me deu esta oportunidade

para mencionar a proposta.

Há 14 anos defendo — e escrevo hoje sobre o assunto publicamente para os

jornais — a criação de uma Secretaria de Comércio Exterior. Aliás, defendi no

Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e agora, no Governo do

Presidente Lula. Hoje defendo com muito mais razão a criação de tal secretaria,

porque estamos chegando ao valor de 160 bilhões de dólares no comércio exterior

e, além de toda essa complexidade, ainda temos treze negociações comerciais.

Não é mais possível, dada a complexidade das negociações, que tais

assuntos sejam decididos da forma como estão sendo. Teoricamente, a

coordenação se faz na CAMEX. Inclusive, a Secretaria de Comércio Exterior teria a

CAMEX como órgão de coordenação, a qual deveria ser estratégica e não para

discutir tarifas, como hoje acontece e ocorreu no Governo anterior. Essa a

conseqüência de decisão estratégica, tomada por um colegiado em que todos os

órgãos que intervêm estão presentes.

Minha proposta é a de a Secretaria de Comércio Exterior ficar junto à

Presidência da República. Em todos os países o setor de comércio exterior é

complicado, tanto que em alguns deles foi criado o Ministério do Comércio Exterior.

Aliás, durante a última campanha eleitoral para a Presidência da República, um dos

candidatos propôs a criação desse Ministério. E o Presidente Lula, durante sua

campanha, falou sobre a criação de uma secretaria do comércio exterior. Por isso

fui falar com ele, mas a idéia era outra.

No entanto, essa concepção vem sendo gradualmente amadurecida, porque

não é possível um país em desenvolvimento como o nosso, com variedade de

negociações comerciais, com tal diversidade e complexidade de atores e interesses

dentro do Governo, não ter um órgão especial para tratar do assunto.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

A divergência, no caso, é normal. O Ministério da Agricultura defenderá sua

posição; o Ministério do Desenvolvimento, a dele; o Banco Central e o Ministério da

Fazenda, os serviços. Mas tem de haver alguém que coordene essa Secretaria.

O problema, na minha opinião, é que não se pode coordenar iguais, como

acontece hoje. Essa é regra básica da Administração Pública. Não se faz

coordenação horizontal sem ter alguém no comando. Na área de comércio exterior

isso será feito, é apenas questão de tempo. O Presidente terá de delegar a um dos

Ministros, ou a quem quer que seja, competência para comandar essa Secretaria.

Uma coisa é negociar, outra é comandar. Não há outro órgão mais equipado que o

Itamaraty para fazer a negociação externa, mas deve haver coordenação interna e

comando. Sou Embaixador, recebo instruções, posso opinar, dizer o que quiser, se

sou contra ou a favor, mas em determinado momento deve haver uma voz de

comando para dizer se devo fazer isso ou aquilo. As negociações, portanto, podem

ser conduzidas por qualquer um, podem continuar com o Itamaraty, mas está em

aberto a definição de quem comanda e de quem coordena.

Reitero a necessidade de haver um órgão ou alguém específico, com poderes

delegado pelo Presidente da República para coordenar e comandar cinco ou seis

Ministérios intervenientes, assim como se faz nos Estados Unidos. A Agência de

Comércio dos Estados Unidos, o USTR, é um órgão colegiado com 17 instituições,

sendo que apenas o USTR comanda tudo e negocia.

No nosso caso, teremos de fazer ajustes, pois o Itamaraty não pode perder a

competência de negociar. Talvez deva ser criado um sistema em que o chefe dessa

Secretaria comande e coordene com a participação de todos.

Foi levantada interessante discussão e vou acompanhá-la bem de perto.

Talvez, mais à frente, as duas idéias se fundam. A meu ver, podem prosperar no

começo e não no meio de Governo. A estratégia é pensá-la para a próxima eleição.

Se Presidente Lula for reeleito, pode levar adiante a idéia no começo do seu

Governo.

Por fim, no que se refere à negociação dos bens ambientais, confesso que

não estou a par de como funciona. O biocombustível está na ordem do dia. Existe

na OMC uma comissão de meio ambiente que discute as relações comerciais. Na

Rodada de Doha e na ALCA, em algum momento, o biocombustível entrará na

negociação. Penso que tanto a cláusula trabalhista quanto a de meio ambiente

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entrarão na negociação da ALCA. Temos posicionamento divergente dos Estados

Unidos e da Europa, já que eles não vinculam a entrada do meio ambiente nas

negociações no espírito a que V.Exa. se refere, mas há sanções comerciais, pois o

meio ambiente e o salário social têm a ver com competitividade. Como no Brasil há

salário mais baixo e trabalho infantil e escravo, eles entendem que isso torna o

produto brasileiro mais competitivo, que isso tem de acabar, senão eles podem

retaliar em outras áreas.

Esse o espírito do que se discute nessas negociações. Vou me informar

sobre a questão levantada e depois entrarei em contato com V.Exa.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Melles) - Agradeço ao Embaixador

Rubens Barbosa a participação.

Peço licença aos Deputados e ao Embaixador Rubens Barbosa para me

retirar, tendo em vista compromisso anteriormente agendado com o Presidente para

às 13h. Não devo me atrasar.

Agradeço ainda ao Presidente da Comissão e ao amigo Deputado Antonio

Carlos Pannunzio a oportunidade.

Digo ao Embaixador Rubens Barbosa que a história da criação da Secretaria

de Comércio Exterior remonta há bastante tempo, dada sua visão sobre a

complexidade das negociações internacionais. Ninguém mais do que V.Exa. para ter

conhecimento de planejamento estratégico. Tenho a impressão de que a FIEMG e

esta Comissão, com os Parlamentares e os empresários, vão interagir positivamente

tendo V.Exa. à frente da Comissão de Relações Exteriores ou Comissão de Grupo

de Exportação e Comércio Exterior da FIESP.

Aproveito ainda para sugerir aos Parlamentares que façamos amanhã a

sessão de encerramento, para discutir e elaborar relatório completo desta

Comissão, além de aprovarmos três ou quatro requerimentos de interesse do

Congresso Nacional.

Muito obrigado.

Passo a Presidência ao Deputado Gonzaga Mota.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Mota) - Concedo a palavra, com

muita satisfação, ao último orador inscrito, Deputado Zarattini.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Sr. Presidente, colegas Deputados, caro

Embaixador Rubens Barbosa, inicialmente, peço desculpas, pois cheguei de viagem

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ao exterior nesta madrugada em São Paulo e só pude chegar aqui depois de

iniciada a sessão, porque o embarque para Brasília retardou. Ouvi parcialmente sua

intervenção e não tive ocasião de ouvir a do Presidente da FIESP, apesar de já ter

conhecimento do seu pensamento por entrevistas que deu à imprensa em diversos

locais.

Mas desejo expressar minha opinião sincera, porém divergente, ou até sob

outro ângulo, sobre o reconhecimento da China como economia de mercado.

Se não me engano, o Deputado Luiz Carlos Hauly disse que essa decisão

teria sido motivada por posicionamento político-ideológico de pessoas que cercavam

o Presidente da República. Posso afirmar, na qualidade de Deputado do Governo,

que isso não ocorreu em absoluto.

Em várias áreas e de assessoria do Governo a opinião geral, em que se

discute o assunto, é a de que atualmente 64% da economia da China é privatizada.

Não obstante, hoje a economia daquele país se aproxima muito mais do modelo

capitalista monopolista de Estado do que propriamente ao do socialista real, como

conhecemos da experiência soviética e de outros países. Esse o entendimento

contrário daquilo que seria socialismo, na acepção que muitos membros do meu

partido desejariam ver como utopia, como realização de nova sociedade.

A decisão de considerar a China como economia de mercado não foi por

motivo absolutamente ideológico, por simpatias, por afinidades ou por idéias

socialistas ou comunistas.

Feita essa observação inicial, destaco como primeiro ponto — e o

Embaixador Rubens Barbosa sabe bem, assim como os ilustres membros desta

Comissão, vários Deputados desta Casa, que têm enorme experiência

político-administrativa, e o Presidente, ex-Governador e Deputado Gonzaga Mota —

a política externa do País, que possui um fio condutor quase único, oriundo da

ditadura militar, quando embaixadores a defendiam com aprovação praticamente

unânime, superando as diferenças partidárias. Sempre houve visão suprapartidária

de defesa do interesse nacional, de relacionamento amplo de defesa da paz

mundial. Essa a característica da política externa brasileira, que não deixou de sê-lo

no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e até mesmo no hiato do

Governo Fernando Collor.

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A Embaixada brasileira, em Washington, na época do Presidente Fernando

Collor, produziu notável documento de condenação do protecionismo, que existiu e

ainda existe, da parte dos Estados Unidos em relação às economias menos

desenvolvidas.

Ressalve-se que esse fio condutor enfatiza mais uma parte do que outra.

O Governo Fernando Henrique acabou sendo levado a participar até de

reuniões no G-8. Por mais opositor que eu tenha sido do Presidente Fernando

Henrique Cardoso, e até hoje o sou por muitas razões, como pelas recentes

posições que ele vem adotando em relação ao Governo Lula, não vou dizer que ele,

em face de ter participado do G-8, deixou essa tradicional política de lado.

A partir da definição de um documento, possivelmente a FIESP, por

intermédio de diálogo — apesar dos esforços deste Governo de ter participado

amplamente por meio do Conselho Econômico e Social —, não se deteve na

definição do Governo Lula de nova política industrial de inovação tecnológica e de

comércio exterior. É uma importante definição para as quais foram tomadas diversas

medidas até o momento, algumas delas produzindo resultados que classifico como

notáveis.

A unidade que almeja o Embaixador Rubens Barbosa vem sendo exercida

por meio dessa política que abarca diversos campos. Inclusive nos aprofundamos

mais no assunto ao exercer o dever de ofício de Relator do projeto de lei sobre

inovação tecnológica, que esta Casa e o Senado aprovaram e o Presidente Lula já

sancionou. Na ocasião, tivemos oportunidade de debater com o Ministro das

Relações Exteriores, com o Ministro de Ciências e Tecnologia, com o próprio

Ministro Roberto Rodrigues, com a EMBRAPA, com a FIOCRUZ, enfim, com órgãos

relacionados à política que prioriza as áreas de ponta da indústria: os

semicondutores, softwares, bens de capital, fármacos.

Não faço uma crítica, mas o reconhecimento de que não havia política

industrial desde o final do regime militar. O regime militar, por vias até tortas, tinha

política industrial, mas, a partir da Nova República e do advento na esfera mundial

da influência do neoliberalismo, passamos a não ter política industrial.

O Ministro Palocci tem contribuído muito com a desoneração de vários

tributos na área industrial e o estabelecimento de estímulos, de incentivos fiscais em

vários setores. O jornal Valor Econômico publica que S.Exa. está coordenando a

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possibilidade de retirar mais tributos incidentes na exportação. Sei que ninguém

pode obrigar ninguém a fazer nada, Presidente Gonzaga Mota, mas desejo que a

indústria veja o assunto sob esse ângulo, pois pretendemos representar com a

humildade que sempre caracteriza o pensamento e as necessidades dos setores

desses trabalhadores. Esse ângulo estimula o setor produtivo. O estímulo para o

setor produtivo e o fato de protegermos a produção interna de um suposto e grande

inimigo, que vem a ser o avanço das exportações chinesas para o Brasil, têm muito

mais a ver com aquilo que o Embaixador chamou de macropolítica, a nossa política

monetária, fiscal e principalmente cambial.

Só digo isso pela experiência que tivemos ao ver, no primeiro Governo do

Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Sr. Gustavo Franco à frente do Banco

Central, economista, a meu juízo, de poucas luzes, que praticamente nos impôs —

não por meio de uma lei, como fez Menem — a política cambial de 1 dólar igual a 1

real. Esse foi o período em que se deu a maior desindrustrialização do País,

prejudicando-o imensamente.

Em 1994, havia 2 milhões de desempregados no País. Em 2002, ao fim dos 8

anos — essa política logrou ser corrigida parcialmente com o Presidente do Banco

Central Arminio Fraga —, havia 12 milhões de desempregados.

Portanto, é sob esse ângulo que a indústria deveria ver. Hoje em dia há um

problema. A FIESP deveria examinar exatamente a apreciação da nossa moeda. A

taxa cambial de 2,60 reais para a compra de 1 dólar dá abertura para que não só

produtos chineses comecem a entrar na nossa economia. Isso é fundamental.

Da mesma forma, o desenvolvimento do agronegócio e da agroindústria em

nosso País depende de uma taxa cambial que não aprecie tanto a nossa moeda.

Certamente, a seguir nessa toada, haverá repercussões daqui a 3, 4 ou 5 meses.

Não são as mesmas repercussões de 2004, quando orientamos a política em 2003,

em uma taxa decrescente da Taxa SELIC, que nos proporcionou retomar em 2004,

mas que — meu caro Deputado, colega Antonio Carlos Pannunzio, V.Exa. sabe da

minha admiração que tenho por V.Exa.— não resultou em nada.

Dizer que, nesses 2 anos, as viagens do Governo Lula para o exterior não

resultaram em nada não é verdade. No Oriente Médio, houve aumento de 54% das

exportações. Para a China, exportamos hoje 30% do total da soja. E isso tudo em

função de uma política macroeconômica. Os Estados Unidos, para nós,

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Embaixador, também são uma economia de mercado. Portanto, para resolver

qualquer questão, temos de recorrer à OMC.

E assim vamos fazer com a China. Vamos ter de ir à OMC, provar, etc. É

claro, pode-se dizer: “Ah, a aferição lá é mais difícil”. E aí estou de acordo, porque

realmente é um capitalismo monopolista de Estado que tem direção política única,

exclusiva. Tanto o é que o Presidente da China, que nos visitou recentemente, tem

em mão, como nem Mao Tsé-tung o teve, as 3 principais funções dentro do Estado

chinês: Presidente da República, Secretário-Geral do partido e Presidente da

Comissão Militar do Exército Vermelho.

Sou admirador do Deputado Gonzaga Mota, que faz excelentes

pronunciamentos no Grande Expediente sobre economia e política. O Presidente

Lula, não modificando o fio condutor que sempre teve nossa política exterior, de fato

aprofundou essa política com a nova geografia comercial, que tem com a China um

relacionamento especial, o chamado BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China. Por

quê? Temos de constatar uma realidade: não fomos nós que não quisemos ter nada

com a ALCA, ou que não queremos ter nada com a União Européia. O fato é que as

condições impostas por eles são muito difíceis de se aceitar. Eles mesmos, no caso

dos Estados Unidos, paralisaram as negociações da ALCA.

Faço um parêntese para dizer que o PT nunca defendeu essa tese.

Precisamos fazer uma diferença entre o PT e a CNBB, que propôs o plebiscito de

rejeição à ALCA. Quando era Presidente do PT o Deputado José Dirceu tivemos

problema com a CNBB, que sempre apoiou o partido e todo os seus movimentos.

Hoje em dia a CNBB é uma das maiores críticas do PT. Vários Bispos já criticaram o

Governo, porque a juízo deles nossa política não vem modificando o País.

É um equívoco — não vou repetir aqui, pois sei que todo o mundo tem

compromissos — os resultados de 2004. Eles demonstraram que a política

econômica do Ministro Palocci tem elementos da anterior, mas é distinta. A política

do Governo, que é de comércio exterior, que quer industrializar o País, é

profundamente diferente da anterior. Deveríamos ver desse ângulo. A FIESP

deveria estar mais atenta. Peço ao Embaixador que transmita isso ao Presidente,

que fique mais atento à política cambial, monetária, porque não podemos continuar,

a pretexto de uma inflação de demanda inexistente, acrescentando mensalmente

meio ponto na Taxa SELIC, o que evidentemente vai fazer com que se ampliem

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somente com gastos de pagamento de juros em mais de 2 bilhões de reais a título

de nada.

A FIESP tem de se ater a uma questão importante, porque há uma

campanha, vários artigos no noticiário econômico especializado defendendo-a —

hoje mesmo creio que em O Estado de S.Paulo havia um artigo de Eliane Cardoso

defendendo que a taxa da TJLP, crédito direcionado, não poderia estar desligada da

Taxa SELIC. Ou seja, ela não pode estar entre 8% e 10%, que é um crédito

direcionado. Na atual política, há elementos da política anterior, mas há também,

em posições-chave na economia, pessoas que pensam exatamente — não vou

dizer que são filiadas ao PSDB, nada disso, porque nem caberia investigar essa

questão, porque a liberdade de associação é plena — como os tucanos, como

Malan.

Esse pensamento levou o País a uma situação muito difícil. A política

econômica anterior levou o Brasil à seguinte situação: ou chegamos a determinadas

conclusões ou — especialmente numa comissão suprapartidária como esta, que

deve ter como orientação fundamental o interesse nacional — ninguém vai contribuir

com isso.

Devemos ter uma visão menos partidária e nos envolver menos na próxima

sucessão presidencial, na qual o PSOL quer ir à forra. Vamos ver — até lá teremos

tempo suficiente — se cometemos menos erros. Ultimamente, vários deles nos têm

ocasionado derrotas temporárias, mas vamos nos reabilitar.

O crédito direcionado foi elemento importantíssimo do Governo anterior. A

jornalista Eliane Cardoso pensa da mesma forma. O crédito direcionado não é

apenas do BNDES, os 60 bilhões de reais do BNDES para a indústria; são os 32

bilhões de reais de financiamento da agroindústria a 8% de taxa de juros — isso

para os grandes —, porque são 14 milhões de reais para a pequena e a média

agricultura familiar.

Devemos nos ater a isso. Vamos ver onde está o nó górdio da economia

nacional. Hoje, basta abrir qualquer um dos grandes jornais, como Valor Econômico

e O Estadão, para ver que os lucros dos bancos nunca foram tão altos. O que essa

burguesia industrial precisa fazer é se chocar um pouco com o capital financeiro,

que tem um papel a exercer: o financiamento da atividade econômica e industrial, e

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

não um capital financeiro que viva de aluguel e de títulos do Tesouro Nacional, cuja

dívida não cresce mais tanto quanto antes, mas ainda está crescendo.

Devemos dar atenção também a essa questão. E na relação internacional —

ontem mesmo, Sr. Embaixador, V.Exa. ouviu o Presidente Bush chamar a atenção

da França para que ela não fizesse negócios com a China em termos de

armamentos, porque sabia que os grandes negócios das atividades de relações

econômicas comerciais no mundo são as armas e o narcotráfico. Em resumo, esses

são os grandes negócios do mundo.

Bush não quer isso. Por quê? Porque tem um orçamento de defesa de 400

bilhões de dólares. Em segundo lugar está o da China, com 60 bilhões de dólares.

Bush não quer o comércio com a China.

Devemos pensar nessa questão chinesa, porque aí pode parecer que a China

— e não mais as nações mais desenvolvidas do mundo — é nossa inimiga, nosso

adversário principal. Não devemos ver dessa forma, porque no comércio precisamos

continuar vendendo para os Estados Unidos e para a União Européia, mas

queremos ter outras áreas também, especialmente essa da nova geografia

comercial com o BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Mota) - Muito obrigado, nobre

Deputado Zarattini, pelas referências aos meus pronunciamentos.

Antes de passar a palavra ao nosso querido Embaixador, vejo que estamos

num momento político que merece reflexão. Tudo isso vale tanto para a política

externa quanto para a política interna, inclusive será objeto de pronunciamento meu

na próxima semana, e convido o nobre Deputado a assistir.

Devemos partir do princípio de que, dentro do processo democrático, não

vale, na minha opinião, salvo melhor juízo, nem a oposição sistemática nem o apoio

incondicional. Creio ser antidemocrático o apoio incondicional e a oposição

sistemática. Quem sou eu para dar conselho ou sugestão? Isso cabe ao Presidente

da República, mas tomarei a liberdade, aproveitando a oportunidade, de salientar e

de antecipar um pouco o que vou dizer na próxima semana.

Preocupamo-nos — os Deputado Zarattini e Antonio Carlos Pannunzio, o

Sílvio, os jornalistas presentes nesta reunião e eu — com a segunda metade do

mandato do Governo. Para o bem do Brasil, o Presidente terá de fazer uma

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

reflexão. Falam muito em Governo de coalizão. Estou tentando fazer um

pronunciamento para mostrar o problema do poder e da governabilidade.

Na minha opinião, meu caro Zarattini, caros colegas e Sr. Embaixador, se o

Governo fizer uma coalizão fisiológica, nada vai dar certo e serão mais 2 anos

perdidos. O Governo precisa fazer coalizão de idéias para ter base sólida. Isso é o

que deve ser. Nada de Ministério para lá, diretoria para cá, DAS para acolá. Isso

não leva a nada, como foi provado com a eleição do Presidente da Câmara. Com

coalizão de idéias, até da Oposição o Governo poderia obter apoio. Seria uma

coalizão de idéias e de propostas, uma coalizão programática.

Desculpe o adendo, Embaixador, mas como ele ressaltou meu

pronunciamento, estou fazendo um trailer do próximo.

Por favor, V.Exa. tem a palavra.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Obrigado, Deputado, pelos

comentários. Se eu fosse responder a todos eles, ficaríamos aqui por mais 1 hora.

Portanto, vou respondê-los bem sucintamente.

Primeiramente, vou comentar a negociação com a China. A queixa da FIESP,

na origem do problema, foi falta de consulta, o que está associado ao problema do

relacionamento do Governo com o setor privado. A decisão foi tomada, pela

informação que temos, num dia, e a FIESP e os empresários brasileiros tomaram

conhecimento disso pelo jornal. Se tivesse havido consulta, seria diferente o

assunto. Não houve nenhuma consulta.

Em segundo lugar, quando pensamos em China, dentro da sua idéia do

BRIC, que vou comentar também, temos de ser muito realistas. Não vendemos para

a China. A China compra do Brasil. É diferente. Estão aí 5, 6 bilhões de dólares. O

que vendemos efetivamente? Vendemos um pouco de produtos industriais, aviões.

Agora, minério de ferro, soja, produtos agrícolas, não. Por isso eles fizeram parceria

estratégica com o Brasil. Temos esses produtos e apenas os vendemos porque eles

os querem comprar. Quando eles não querem, devolvem. Temos, por isso, 800

milhões de dólares de prejuízo.

Temos de ver as oportunidades. Estou trabalhando nisso na FIESP, agora

mesmo no setor privado. Estou querendo desenvolver alguma coisa, mas temos de

ser realistas. Não vamos pensar que esse comércio com a China aumentará

desmesuradamente. Vai aumentar, e entro em outra observação sua: a China não é

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

uma economia de mercado; é uma economia centralmente planificada. Os chineses

fazem essas compras de acordo com o interesse deles. Nosso comércio com a

China pode passar para 7 bilhões, 8 bilhões, 9 bilhões, se a China resolver comprar

do Brasil. Se a China não resolver comprar mais do Brasil, o comércio estagnará,

porque não temos capacidade de penetrar como gostaríamos no mercado chinês. É

complicado entrar lá. Eu fui 2 vezes à China ano passado, uma delas com o

Presidente, depois voltei sozinho. Já fui 4, 5 vezes à China e sei que é muito

complicado fazer negócio lá. Hoje, quando o Brasil está descobrindo a China, os

americanos estão voltando de lá, os europeus deixaram um escritório ali, mas estão

saindo porque é muito complicado fazer negócio com eles.

Teria muito mais para falar desses 2 comentários.

Segundo ponto, transmitirei ao Presidente Paulo Skaf o que o senhor disse,

mas a FIESP está liderando. O Presidente Paulo Skaf, a FIESP como um todo, o

Departamento de Economia, nosso Departamento de Comércio Exterior, nas 2

últimas reuniões que presidi, um dos itens da agenda foi política cambial e

exportação. O Presidente Paulo Skaf tem cansado de se referir publicamente,

inclusive junto ao Governo, ao risco que essa política cambial e monetária tem ou

pode causar para o setor produtivo nacional.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Mota) - Alguém falou aqui da taxa

de juros subindo e do câmbio baixando.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Inclusive em termos de emprego. A

FIESP — e posso talvez falar em nome do Presidente Paulo Skaf — promoverá um

evento, para o qual V.Exa. está convidado, no dia 4, em São Paulo. Trata-se de

seminário para debater esse assunto. Convidou o Governo e o Presidente do Banco

Central. Estão dizendo que ali vão vários representantes do Governo discutir o

assunto.

A FIESP está — não digo liderando — na linha de frente desse movimento

crítico da política cambial e monetária. Eu mesmo, quando me pedem para fazer

comentário sobre isso, digo a mesma coisa.

No Conselho de Comércio Exterior, na semana passada, na terceira reunião

que fizemos, foi discutido esse assunto. Segundo os Conselheiros — gente

importante, Ministros e economistas — se a taxa de câmbio continuar como está, a

partir de maio as exportações começarão a cair. No último trimestre a queda vai

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

acelerar. Os resultados da balança comercial do mês de janeiro — e há muita

controvérsia, pessoas do Governo falando que é um sucesso — refletem o dólar a 3

reais, que aconteceu em julho ou agosto. Há estudo sobre isso.

Os contratos firmados em julho, agosto, setembro, começaram a entrar em

fim de abril, maio, junho. A projeção do órgão que presido, do Conselho de

Comércio Exterior, é que haverá um pequeno aumento; não crescerá 10%, 15% a

exportação. Ela cresceu 30 este ano, mas não crescerá 10%, 15%, segundo as

projeções da FIESP.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Estão crescendo as importações, inclusive

as chinesas.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Era isso o que eu iria completar.

Verificamos no Conselho de Comércio Exterior que no fim do ano teremos um

crescimento menor da exportação — ela crescerá alguma coisa — e um grande

aumento da exportação. O superávit da balança comercial neste ano foi de mais de

30 bilhões — 32, 33 bilhões de dólares. Porém, o número que se comentou lá — é

uma projeção —— foi ao redor de 20 e poucos bilhões de dólares. Então, é uma

queda significativa do superávit da balança.

A taxa de câmbio e a taxa de juros preocupa sobremaneira a FIESP. Vou

transmitir ao Presidente Paulo Skaf essa preocupação. Esteja V.Exa. certo de que

na FIESP, tanto a área econômica quanto a de Comércio Exterior estão alertas. Isso

inclusive pode ter desdobramentos políticos, os quais vamos ver mais para o final do

ano, início do próximo ano. Isso é muito importante ter presente.

Terceiro comentário: continuidade da política externa. Isso é o que ocorre,

como V.Exa. bem o disse. Há continuidade da política externa, como houve

continuidade da econômica. Isso foi bom. Estava como Embaixador em Washington

e avisei as autoridades do novo Governo que haveria um problema muito sério se

houvesse outra política que não a que foi feita. Aí não há saída. Dentro da

continuidade da política externa, objeto desta reunião, há a questão comercial — e o

Deputado pediu para comentarmos as negociações comerciais, seu futuro, e as

estratégias adotadas.

Quando o Deputado fala da mudança da geografia econômica, entendo não o

BRIC, como mencionou, porque isso não traz mudança na política. Quer dizer,

Rússia, China, Índia eram políticas muito acentuadas pelo Governo anterior, durante

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os 8 anos. Estava presente na reunião na qual se definiu essa palavra, essa

parceria estratégica. Quando eles vieram aqui, eu estava presente. Foi a China que

propôs isso, não fomos nós. Eles disseram que queriam uma parceria estratégica

com o Brasil. Não se trata de novidade. Isso veio como continuidade da política.

Com a Rússia, a mesma coisa; com a Índia, a mesma coisa.

Quando se fala da nova geografia, entendo que são os países, os mercados

não tradicionais. Entendo isso — e já dei muitas declarações nesse sentido — não

como prioridade para modificar a geografia econômica. Isso é complementar. Se

V.Exa. pegar os mercados que realmente contam para o Brasil — as Américas, a

União Européia e o Japão — e quiser incluir a China, que ficará permanente, terá aí

85% do comércio exterior brasileiro. Então, esse aumento nos mercados não

tradicionais foi, é, e, na minha opinião, continuará a ser complementar. Agora, não

podemos acreditar em algo que pode ser mais que a realidade.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Complementar em termos, Embaixador,

porque há em relação a esses países a questão da transferência de tecnologia, que

não logramos nem com os Estados Unidos nem com a União Soviética.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Nem com a China, nem com Índia.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Não, tecnologia sensível temos logrado,

sim. Isso falo de cátedra. Isso é importantíssimo para que avancemos.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Acho que com a Rússia e com a

China há. Participei na FIESP de várias reuniões, quando tratamos de tecnologia

concreta, como a tecnologia nuclear e a espacial. Mas aí entra como um

componente comercial. Eles não estão falando em transferência de tecnologia

porque temos uma associação.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - O setor privado sempre quer ver a “bufunfa”.

Mas o Estado tem interesse.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Estou falando deles.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Eu sei.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Os russos e os chineses. São eles

que estão dizendo isso. Então, se V.Exa. tirar o BRIC, que não é coisa nova, verá

que a novidade no atual Governo foi a ênfase nos mercados não tradicionais. Se

V.Exa. vir isso como complementar, acho que está bem, é uma novidade, porque

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relações Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 0053/05 Data: 23/2/2005

ninguém estava dando ênfase à África, ao Oriente Médio, e agora está. Então, é

uma novidade.

Isso, na minha opinião, não vai mudar o eixo da política comercial brasileira.

O grosso está nos mercados tradicionais e ninguém mudará isso. É assim há 100

anos com os Estados Unidos e a Europa. Os canais de comercialização estão

abertos e é muito difícil a experiência de negociação. Fui chefe do setor Europa

Oriental no Itamaraty. Estive várias vezes na China. Abri a embaixada na China. É

muito difícil mudar isso. E com a China e a Rússia temos de entender isso também.

Eles são compradores. Já brigamos com a Rússia por causa da carne e do frango.

Eles são nossos compradores. Temos de entender isso para não ficarmos com a

ilusão de que vamos aumentar desmesuradamente nossa exportação. Não teremos

condição de fazer isso.

O SR. DEPUTADO ZARATTINI - Com relação a isso, não temos o mesmo

ponto de vista, mas não há problema. Vamos em frente, Embaixador.

O SR. RUBENS ANTÔNIO BARBOSA - Está bem.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Gonzaga Mota) - Muito obrigado, Sr.

Embaixador. Muito obrigado, Srs. Deputados. Muito obrigado, senhoras e senhores.

Está encerrada a reunião.

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