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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE RELAÇÃO EXTERIORES E DE DEFESA NACIONALEVENTO: Audiência Pública N°: 000541/01 DATA: 07/06/01INÍCIO: 09:48 TÉRMINO: 11:43 DURAÇÃO: 1:55:00TEMPO DE GRAVAÇÃO: 1:58 PÁGINAS: 49 QUARTOS: 24REVISORES: MÁRCIA, MYRINHACONCATENAÇÃO: DANIEL
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Chefe do Núcleo de Coordenação da Subsecretaria deAssuntos de Integração Econômica e de Comércio Exterior do Ministério de RelaçõesExteriores.
SUMÁRIO: Exposição acerca das negociações para a possível participação do Brasil na ALCA— Área de Livre Comércio das Américas.
OBSERVAÇÕES
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 000541/01 Data: 07/06/01
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Bom dia, senhoras e
senhores, está aberta a presente audiência pública. Contamos hoje com a presença
do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio José Ferreira Simões, Chefe do Núcleo de
Coordenação da Subsecretaria de Assuntos de Integração Econômica e de
Comércio Exterior do Ministério das Relações Exteriores.
Devo salientar que, todas as quintas-feiras, vimos realizando seminários
sobre a participação do Brasil na ALCA, dada a importância da matéria. Temos
certeza de que a discussão do tema nos permitirá tomar adequada decisão quanto à
participação ou não do País nessa Associação.
É com muita satisfação que, em nome dos integrantes da Comissão de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional, recebo o Conselheiro Antonio José
Ferreira Simões, que se propõe a conversar conosco sobre a ALCA e os
entendimentos mantidos até este momento acerca da participação ou não do Brasil.
Devo dizer, Conselheiro Simões, que enfrentamos hoje uma concorrência
quase que desleal, primeiro, porque já está em andamento o jogo do Brasil —
lamentavelmente com a nossa Seleção perdendo de 2x1 para a França — e,
segundo, pela decisão tomada ontem pelo Presidente da Câmara dos Deputados,
Deputado Aécio Neves, no sentido de adiar a votação das medidas provisórias por
duas semanas. Isso esvaziou o plenário, pois muitos Deputados aproveitaram para
dirigir-se as suas bases. E vários integrantes desta Comissão estão participando de
viagens oficiais ao Rio de Janeiro e a outros locais, inclusive no exterior.
Antes de conceder a palavra ao Conselheiro Antonio José Ferreira Simões,
que falará sobre os aspectos relacionados à implantação da Área de Livre Comércio
das Américas — ALCA, informo que disporá V.Sa. inicialmente de até vinte minutos
para sua exposição, não podendo ser aparteado nesse período. Se possível,
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gostaria que V.Sa. diminuísse sua fala em 50%, para que pudéssemos entrar
imediatamente no debate.
Com a palavra o Conselheiro Antonio José Ferreira Simões.
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Sr. Presidente, inicialmente
agradeço a todos a oportunidade de estar presente nesta reunião. Na condição de
Chefe do Núcleo da ALCA no Itamaraty, considero importante o interesse que o
Congresso Nacional tem dedicado à Área de Livre Comércio das Américas. O
Ministro Celso Lafer e o Embaixador José Alfredo Graça Lima, principal negociador
brasileiro, repetidas vezes ressaltaram a necessidade de maior interação com o
Poder Legislativo, algo que fortalece a posição brasileira. Assim, consideramos
importante interagir com a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
da Câmara dos Deputados.
Aproveito a oportunidade para concentrar minhas observações no que será
feito daqui em diante, quais os próximos passos. Esse é um meio de a própria
Comissão verificar como temos trabalhado.
Em primeiro lugar, na reunião ministerial de Buenos Aires, realizada no mês
de abril, foi acordado que os grupos de negociação prepararão a segunda minuta do
acordo. Já existe uma primeira minuta, que deverá ser divulgada no final de junho no
site do Itamaraty. Toda a sociedade terá acesso a isso. E essa é uma decisão única,
pois é muito raro acontecer essa divulgação numa negociação comercial. Pediu-se
agora, portanto, que fosse preparada uma segunda minuta.
Especificamente, além de escrever o acordo nas suas diferentes áreas,
agricultura, acesso a mercados, investimentos, serviços, compras governamentais,
serão tomadas importantes decisões de agora até abril de 2002 com relação à
negociação do que se chama, no nosso jargão, métodos e modalidades da
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negociação de acesso a mercados. Basicamente, isso quer dizer o seguinte: já se
acordou que na ALCA se chegará à tarifa zero, ou seja, dos níveis atuais para o
zero. O que se vai combinar agora é o formato que se vai adotar, o número de anos
que se vai levar, quais os produtos que vão primeiro, quais os que vão depois,
estabelecer determinadas regras como, por exemplo, a tarifa básica que se vai usar,
o ano-base que se usará para calcular isso, como será feita essa redução, se será
feita por meio de fórmula ou de outros elementos, ou seja, esse é o tipo de coisa que
se vai acordar de agora até abril.
Uma vez fechada essa negociação, até abril do ano que vem, em 15 de maio
de 2002, terá início a discussão do que chamamos cronogramas de desgravação.
Ou seja, cada país vai apresentar a sua oferta, vai dizer o que oferece, e, de comum
acordo, será estabelecido como vai ser feito isso.
O que estará incluído nisso e o que será exceção? De acordo com a regra do
GATT — Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que hoje está incorporado à
Organização Mundial do Comércio — OMC, 85% do volume de comércio têm de
entrar nessa negociação. Quer dizer, as exceções, em princípio, serão 15%. E o
grosso do processo de desgravação desses 85%, em outros acordos semelhantes,
levou dez anos. Quer dizer, as tarifas caíram em dez anos.
Evidentemente, há exceções. No próprio NAFTA, por exemplo, vários
produtos só foram desgravados em 15 anos. Espera-se que na ALCA ocorra o
mesmo. Além do mais, há esses 15% de exceção. Como se pode verificar, não é
muito o volume das exceções que estarão incorporadas.
Além disso, um ponto que para o Brasil é muito importante — e chamaria a
atenção para isso, pois estamos concentrando nossa fala aí — é o acesso ao
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mercado. Não estou me referindo muito às regras, mas é importante que nos
concentremos no acesso a mercados, que é prioridade do Brasil.
Diria que temos duas grandes áreas prioritárias. Uma é relativa à questão do
ataque à área das barreiras não-tarifárias. Sessenta por cento das nossas
exportações para os Estados Unidos sofrem algum tipo de barreira não-tarifária.
Então, é importante que consigamos diminuir a incidência dessas barreiras, que
podem ser desde medidas antidumping, sanitárias ou fitossanitárias, enfim uma
série de medidas que atrapalham as nossas exportações e sobre as quais
precisamos trabalhar.
O outro ponto que acredito muito importante por tratar-se de grande área que
precisamos atacar de forma muito intensa é a questão da agricultura. Para o Brasil é
muito importante não somente a agricultura como tal, mas também o chamado
agribusiness. Então, nesse caso, precisamos fazer com que as regras de
convivência internacional do comércio internacional para negociação agrícola sejam
mais justas. Nesse sentido, precisamos negociar na ALCA reduções tarifárias,
subsídios à exportação e medidas de apoio interno. E estamos perfeitamente
conscientes de que isso é fundamental para nós.
O outro ponto que gostaria de destacar é o entendimento do Brasil no sentido
de que o fundamental é que o acordo final seja equilibrado, seja um acordo em que
possamos fazer valer o princípio estabelecido desde o início, o chamado princípio do
single undertaking, que estabelece que só haverá acordo quando tudo estiver
definido. Ou seja, que não haverá implementação parcial de acordos. Os acordos
têm de ser fechados todos de uma vez. Isso é algo importante para o Brasil, no
sentido justamente de fazer valer os seus interesses naquelas áreas em que quer
ganhar. Quer dizer, não é uma questão só de oferecer concessões de um lado — e
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elas serão inevitáveis, porque é como uma negociação política. Não se faz
negociação política com um lado só ganhando, isso não existe. Na negociação
comercial, é do mesmo jeito. A negociação só se sustenta se houver equilíbrio, e o
princípio do single undertaking garante esse tipo de equilíbrio.
Gostaria também de mencionar que, nesta fase, é muito importante
empreendermos uma série de ações, e o Itamaraty está perfeitamente consciente
disso e vem trabalhando nesse sentido.
A primeira delas, evidentemente, é o reforço de nossa capacidade
institucional na própria negociação, algo que o Ministro Celso Lafer já está fazendo,
estamos agora numa fase mais complexa da negociação, e estamos prontos para
isso.
Outra coisa muito importante é a participação da sociedade civil. É preciso
que ela tome conhecimento dessa negociação, como já vem fazendo, mas que se
conscientize ainda mais, leia a minuta do acordo e apresente suas dúvidas, para que
possamos esclarecê-las.
O terceiro ponto que julgo importante é a participação do Legislativo. O
Presidente Aécio Neves pediu, como é do nosso conhecimento, que se organizasse
no segundo semestre um grande seminário sobre a ALCA. Entendo que essa é uma
iniciativa muito importante para que o próprio Legislativo e também as forças vivas
da sociedade brasileira possam atuar na matéria. E vejo o trabalho da Comissão de
Relações Exteriores como pedra fundamental nesse mosaico de mobilização e de
estabelecimento de parâmetros, no qual é importante a participação da sociedade
neste momento.
Paro por aqui, Sr. Presidente, atendendo à sua solicitação.
Estou pronto para responder as perguntas. Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Muito obrigado, Conselheiro
José Antonio Ferreira Simões.
Tenho uma observação a fazer a V.Exa., porque, entre as preocupações que
temos hoje em relação à ALCA, há um assunto em particular que vem sensibilizando
principalmente o meu Estado, Minas Gerais, que é eminentemente agrícola. Refiro-
me à agricultura e ao agribusiness. Pergunto como vamos fazer a correlação entre
as agriculturas brasileira, norte-americana, canadense e, por extensão, de outros
países da América, na medida em que, em determinados produtos, temos tecnologia
avançada e melhor produtividade do que os americanos e canadenses, mas
lamentavelmente, de outra parte, existe nos Estados Unidos um subsídio indireto,
que pesa muitíssimo na questão agrícola.
Só no ano passado, segundo informações que obtivemos inclusive aqui, nas
audiências públicas que realizamos, o Governo americano alocou 32 bilhões de
dólares de subsídios na agricultura. E, evidentemente, essa é a grande dificuldade
que vamos ter de enfrentar, no instante em que o Brasil, competitivamente, participar
da ALCA, disputando mercados, sim, participando de entendimento, no qual,
conforme disse V.Exa., a idéia é a de instituir tarifa zero. Se tivermos tarifa zero hoje
ou nos próximos três anos, entre Brasil e Estados Unidos, é claro que ficaremos em
terrível desvantagem. Qual é a opinião de V.Exa. sobre isso?
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Posso dizer a V.Exa., Sr
Presidente, que a ALCA apresenta à sociedade brasileira o desafio de enfrentar a
necessidade de tornar-se mais competitiva. Ou seja, o que popularmente ouvimos
dizer sobre globalização toma feição muito concreta em relação à ALCA.
Então, na verdade, o que ocorre é o seguinte: mesmo que não existisse a
ALCA — vamos imaginar que essa negociação não existisse, que os Estados
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Unidos não a tivessem proposto e, portanto, que nem o Brasil nem outros países
nela estivessem envolvidos —, ainda assim, persistiria o desafio da competitividade
brasileira. Por quê? Porque é necessário atacar diversas áreas para cortar o
chamado Custo Brasil. Nesse ponto, a ALCA tem um elemento positivo: mostra-nos
a urgência dessas mudanças.
Vamos tratar um pouco da questão da tarifa, mencionada pelo Presidente.
Hoje, a tarifa média do Brasil, que é a tarifa externa comum do MERCOSUL,
está em 13%. Estamos falando em baixar essa tarifa de 13% para zero. Para
chegarmos ao final do grosso do processo de desgravação dos produtos, serão
contados dez anos a partir do final de 2005, início de 2006. Portanto, se contarmos
dez anos a partir de 2005, estamos falando hoje em quinze anos.
A ALCA se propõe a, uma vez implementada, cortar a tarifa de 13% para zero
daqui a quinze anos. Por exemplo, só tem termos de mudança cambial ocorrida no
Brasil de 1999 para cá, a variação em termos de aumento da competitividade de
produtos brasileiros foi muito mais que esses 13%. Basta dizer que outro dia, em
seminário do qual participei na companhia do Deputado Marcos Cintra, Presidente
da Comissão de Economia, S.Exa. mencionou que a carga tributária nominal no
Brasil, hoje, é de 60% a 70%. Ou seja, se todo mundo pagasse todos os impostos
que têm de pagar, se não houvesse nenhuma sonegação, nenhuma evasão ou
elisão fiscal, o Governo arrecadaria de 60% a 70% do PIB.
Ora, um corte que se faça nisso já viabiliza grande competitividade para o
Brasil. Em relação à ALCA, é preciso entender o seguinte: é claro que trabalhar com
tarifa zero com a economia mais competitiva do mundo representa, sem dúvida
alguma, desafio. Não há ilusões quanto a isso. Agora, é também preciso ver em
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perspectiva o que se está propondo, o que efetivamente se pode fazer e em quanto
tempo e os outros mecanismos que poderiam equilibrar isso.
Quando se olha por essa perspectiva, verifica-se que, se o desafio é grande,
é também exeqüível. Ainda mais porque é preciso não olhar a ALCA somente pelo
lado do risco — e todo mundo vê a ALCA pelo lado do risco. É importantíssimo olhar
o lado do risco, sem o que não podemos nos preparar para enfrentar essa situação.
Mas é também preciso olhar o lado da oportunidade, é preciso entender que
também vamos conseguir aumentar nossa competitividade em relação a outros
países, porque vamos derrubar as tarifas.
A ALCA não é só comércio com os Estados Unidos, mas comércio do Brasil
com toda a América Latina, mercado para muitos de nossos manufaturados. E esses
mercados vão ser abertos uma vez que se possam eliminar essas tarifas.
Portanto, o assunto precisa ser examinado também por esse lado, assim
como é preciso entender que a ALCA não é um acordo pronto, mas um acordo que
ficará pronto em 2005. E o Governo brasileiro trabalha no sentido de obter um
acordo que, no conjunto, seja vantajoso para o Brasil. E é nisso que vamos
trabalhar, e, para fazê-lo com sucesso, precisamos do apoio do Congresso Nacional
e da sociedade brasileira.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Com a palavra o Deputado
Arnon Bezerra.
O SR. DEPUTADO ARNON BEZERRA – Sr. Presidente, Conselheiro Antonio
José Ferreira Simões, Sras. e Srs. Deputados, sabemos que o motor da
globalização é a competitividade e entendemos que, nessa busca, as grandes
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empresas financiam e promovem pesquisas que resultam no avanço acelerado da
tecnologia.
Nesse avanço, é possível que a informatização da atividade, a automatização
das indústrias e a robotização das fábricas venham a promover desemprego,
tornando o problema muito maior do que já é neste momento.
Pergunto a V.Sa. de que forma o Brasil se prepara para essa situação,
durante o tempo que temos até a definitiva formalização da ALCA. Teremos tempo
suficiente para aliviar, pelo menos em parte, esse problema que preocupa
governantes e sociedade como um todo?
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Entendo que a resposta a
essa pergunta tem de ser dada em conjunto pelo Governo e pela sociedade
brasileira. Só poderemos nos preparar para isso se primeiramente tivermos
consciência muito clara do que é essa negociação e da necessidade dessa
preparação.
Li, outro dia, reportagem muito interessante publicada na revisa Exame, em
que se dizia que 57% das empresas brasileiras não tinham consciência da
existência da ALCA e que, portanto, não estavam se preparando para ela.
Evidentemente, depois desse grande bombardeio que a mídia fez com relação aos
assuntos de ALCA nos últimos meses, essa situação será alterada. Mas é muito
importante aumentarmos o grau de conscientização — e acredito que o Governo já
está perfeitamente conscientizado disso.
É preciso que se diga que não é somente o Itamaraty que vai negociar.
Negociamos juntos e com apoio de diversos Ministérios, como por exemplo, o
Ministro do Desenvolvimento, o Ministério da Fazenda, o Ministério de Ciência e
Tecnologia, o Ministério do Meio Ambiente, em alguns assuntos, o Ministério da
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Justiça, a CAMEX. Ou seja, há da parte do Governo muitos órgãos envolvidos, o
que aumenta esse tipo de conscientização, e é preciso que isso aconteça também
dentro da sociedade.
Em relação à informatização, concordo que é extremamente importante que
estejamos preparados para isso. Entretanto, são extremamente importantes as
diversas ações executadas em termos de prever como o Brasil vai atuar nesse
campo. No caso específico da informática, há uma área em que o Brasil é
extremamente competitivo: a automação bancária. Temos, no caso da ALCA,
possibilidade de, por exemplo, expandir o mercado para essa indústria que se
desenvolveu no Brasil.
O SR. DEPUTADO ARNON BEZERRA – Agradeço a V.Sa. as respostas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Sr. Conselheiro, quero fazer
uma observação com respeito ao comércio Brasil/Estados Unidos.
Nos últimos anos, destacamo-nos em alguns setores nas relações comerciais
com os Estados Unidos, especialmente no que diz respeito a aço, calçados e carne,
produto cujo volume de exportação, nos últimos três anos, aumentou de 400 milhões
de dólares para 1 bilhão e 400 milhões de dólares. E vimos imediatamente o que
resultou disso: a reação do Canadá e até mesmo indiretamente dos Estados Unidos
com relação à carne brasileira, que começava a chegar de forma mais direta aos
mercados americano, canadense e europeu.
No caso específico do aço, temos avançada tecnologia japonesa implantada
no Brasil há mais de 15 anos, e sou testemunha de como os americanos reagem
quando se vêem prejudicados pela tecnologia de outro país.
Repórter internacional nos Estados Unidos, fui fazer a cobertura de evento no
Estado de Ilinois, exatamente porque uma empresa de aço brasileira, a Vilares,
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estava instalando uma usina muito moderna naquele Estado, e ali havia grande
concentração de sindicatos de empregados na indústria do aço. Quando cheguei à
cidade, para grande surpresa minha e até um certo orgulho, diga-se de passagem,
as paredes da cidade estavam todas pichadas com a frase "Brazilians, go home”,
repetindo o antigo refrão que aqui escrevíamos nas paredes: “Ianques, go home”.
Essa, na realidade, era uma reação organizada para impedir que tecnologia
moderna se implantasse no país. Aconteceu com o aço, com o sapato, a carne e
outros produtos que foram sobretaxados, nos prejudicando sensivelmente.
Como vamos enfrentar essa situação? Temos até o ano 2005 para nos
preparar para competir nesse mercado. O senhor fala de competitividade, mas não é
tão simples assim. Temos de adaptar todo o parque industrial, melhorar muito nossa
produtividade em vários setores. Se na soja, por exemplo, estamos na frente; se
conseguimos superar na produção de aço e de calçados, em 90% dos produtos que
exportamos não temos competitividade e seremos massacrados se entrarmos nessa
associação, no prazo previsto até 2005.
O grande negociador da ALCA têm sido, neste momento, os técnicos do
Itamaraty, representando o Governo. V.Sa. disse que participam também da
negociação o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o
Ministério da Fazenda e vários outros setores do Governo, mas é o Itamaraty que
encaminha esses acontecimentos, que orienta essas ações. Pergunto, então: qual a
posição definitiva do Itamaraty vis-à-vis o Governo brasileiro?
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Primeiro, a tendência de corte
de tarifas, de se chegar à tarifa zero, não é apenas algo previsto na negociação da
ALCA. Se traçarmos um corte histórico, desde a criação do GATT, em 1947, as
sucessivas rodadas do GATT, a criação da Organização Mundial do Comércio, em
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1993, verificamos que há no mundo tendência crescente de eliminação das tarifas,
para que se chegue à tarifa zero. No caso de muitos países desenvolvidos, o perfil
tarifário já é baixo, ainda que haja picos tarifários altos em alguns produtos, inclusive
produtos que nos interessam, no caso dos Estados Unidos especificamente.
Portanto, o fato de se chegar à tarifa zero não se deve apenas à negociação
da ALCA, essa é uma tendência mundial. Tendência, aliás, que o Brasil teve de
enfrentar no início da década de 80, quando promoveu a abertura em sua economia.
E o Brasil fez isso porque não havia mais como permanecer naquele modelo de
substituição de importações. Foi um modelo importante para o Brasil, trouxe muitas
vantagens para o País, mas trouxe também desvantagens. Além disso, foi um
modelo que se esgotou, chegou ao final, tudo termina um dia.
Essa tendência de abertura, de liberalização do comércio, de livre circulação
de bens, está se instalando e, no caso da ALCA, aparece mais claramente. O que o
Itamaraty tem feito em relação às negociações é o que o Ministro Celso Lafer chama
de arquitetura negociadora. Vemos que o interesse do Brasil não está,
especificamente, em fazer uma negociação com a ALCA. Nosso interesse é muito
maior.
Queremos, primeiro, promover o aprofundamento e a consolidação do
MERCOSUL. Essa é a prioridade número um do País, repetida a todo o momento,
seja pelo Presidente, seja pelo Ministro.
O segundo ponto fundamental é a promoção de uma nova rodada de
negociações na Organização Mundial do Comércio. Há expetativa quanto ao
lançamento dessa rodada no final do ano, várias conversações estão sendo
travadas em Genebra, e estamos trabalhando nesse sentido. Depois disso, vêm a
ALCA e o acordo MERCOSUL/União Européia, acordo com outro parceiro muito
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importante do Brasil, em que trabalhamos como MERCOSUL, assim como
trabalhamos na ALCA.
Basicamente, dentro dessa grande arquitetura de negociações, nosso objetivo
é o de fazer um pacote em que possamos realizar compensações mútuas entre um
acordo e outro e, no conjunto geral, aumentar a participação do País no comércio
exterior. O Brasil hoje tem apenas um pouco mais de 1% do comércio internacional.
Isso é muito pouco, poderia ser muito mais e não corresponde à posição de oitava
economia do mundo. É preciso, portanto, que estejamos preparados para competir,
dentro de um mundo que necessariamente será mais aberto em termos comerciais.
E isso representa não só negociar bem lá fora como preparar-se melhor aqui.
Não estou subestimando as dificuldades, no sentido de aumentar a
competitividade do Brasil, de maneira alguma. Se fosse fácil, teríamos feito há muito
tempo. O fundamental é que estejamos conscientes da necessidade de promover de
forma muito ativa esse processo, e o quanto antes estivermos conscientes melhor
será para o País, e tenho a certeza de que o Governo e o Legislativo estão
conscientes disso e que vamos trabalhar juntos nesta direção.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Agradeço ao Sr. Antonio José
Ferreira Simões.
Concedo a palavra ao ilustre Deputado Waldir Pires.
O SR. DEPUTADO WALDIR PIRES – Sr. Presidente, infelizmente, estou com
uma manhã terrível, cheguei atrasado, não pude assistir à exposição do Conselheiro
Antonio José porque fiquei à mercê de hora inelástica, a do aeroporto, pois tive um
compromisso fora de Brasília.
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Quero apenas registrar, Conselheiro, a nossa preocupação. Esta Casa é
plural, muito mais do que qualquer governo, por isso é o Parlamento. Aqui se
expressam todas as correntes e todas as dúvidas.
Temos graves apreensões porque a velocidade de união dessa natureza é
um pouco antinatural e contra a nossa História. Observamos, por exemplo, que a
Europa levou muitos anos para conseguir tal feito, pois começou a estudar a idéia de
união mais ampla ainda nos anos 50, logo o pós-guerra, quando assinou o Tratado
de Roma em 1957, e isso, no ano de 2001, ainda está em fase de conclusão.
Preocupo-me quando vejo um país como o Brasil, com a responsabilidade que
possui no Hemisfério Sul, com o sentido de destino, de presença, de cultura e de
potencialidade, pretender amarrar-se numa união como essa, de maneira
absolutamente rápida. Sim, porque a pretensão é a de concluir em três, quatro,
cinco anos, quando isso é contra a corrente da nossa História. Nosso País pensou
sempre como os demais países da América Latina, e seria necessário que
consolidássemos nossos laços entre os mais iguais, no instante mesmo em que se
consolida, no mundo contemporâneo, uma posição, absolutamente, hegemônica em
todos os níveis, não apenas no âmbito militar de hegemonia, digamos assim, rara,
nunca anteriormente existente, uma dominação dos controles militares do mundo
contemporâneo. Nunca houve anteriormente isso, a não ser no império macedônico
de Alexandre, aliás, até houve uma tentativa de Napoleão Bonaparte, mas somente
tentativa. Essa hegemonia, a História nunca registrou.
Então, pretende-se concluir tratado dessa natureza em torno de três, quatro,
cinco anos, numa competitividade que não foi preparada. Historicamente, isso é
muito difícil. O Brasil não avançou na revolução da ciência e da tecnologia. Ficamos
atrás, como ficamos na 1ª e na 2ª Revolução Industrial.
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O nosso destino é o de sermos sempre dependentes. Ou deveríamos
consolidar os laços antigos, que vêm desde o século XIX, não só do Brasil, mas de
todo o continente latino-americano, de irmanarmos os nossos interesses mais
próximos e termos diálogo mais consolidado com a grande nação hegemônica do
Norte. Por que esta velocidade? Por que admiti-la?
Nesta Casa, não há tranqüilidade quanto a isso, mas, sim, uma grande
discussão — e estamos ansiosos por apreendermos todas as dificuldades e
definirmos algo que facilite ao Brasil não ter uma estratégia que renuncie
previamente à sua possibilidade de ter interferência autônoma, independente,
participante, colaboradora; autônoma, dona da sua vontade.
Gostaria de ouvir sua posição em torno dessa preocupação política. No fundo,
essa união é pela competitividade, mas também união pela vida e pela
solidariedade.
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES – Obrigado, Deputado.
Quanto a esse ponto, existe em relação à ALCA grande componente
emocional, uma carga emocional muito pesada, em função de série de fatores que
vêm desde o início da nossa história.
Em relação à comparação da União Européia com a ALCA, primeiramente, a
ALCA nunca pretendeu ser, e nunca será, algo parecido com a União Européia, por
várias razões. A União Européia prevê a livre circulação de bens de capitais e de
pessoas; a ALCA não é um mercado comum, como quer ser o MERCOSUL, como é
a União Européia; a ALCA é uma mera área de livre comércio, o primeiro nível de
ligação comercial entre os países. A ALCA nunca será mais do que isso, não porque
o Brasil assim está dizendo, não porque o Conselheiro Simões o está dizendo. Mas,
simplesmente por motivos, vamos dizer assim, mais pragmáticos, os próprios
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Estados Unidos jamais vão querer esse acordo, porque jamais vão querer o nível
seguinte, que seria a união aduaneira, antes do mercado comum, que prevê
coordenação de política comercial. E eles não têm interesse em coordenar a sua
política comercial com qualquer país. Portanto, não se vai passar desse nível da
área de livre comércio.
É preciso entender também que o nível de relação que se prevê não é um
nível de relação que, na União Européia, por exemplo, leva os países a terem
posições políticas semelhantes. Não se prevê isso. É evidente que existe temor em
relação a como o Brasil vai se associar à maior potência hegemônica do mundo.
Esse temor — o Deputado o citou — tem raiz no inconsciente coletivo nacional, por
diversas razões.
A primeira delas, talvez a mais antiga, é a de que, na colônia portuguesa, o
comércio exterior era considerado crime para um brasileiro. Quem tinha o monopólio
do comércio eram os portugueses. O brasileiro que fizesse comércio exterior poderia
ser preso. Em 1810, Portugal celebrou com a Inglaterra tratados de livre comércio,
mas que de livre comércio não tinham nada. Na prática, transferiam o monopólio do
comércio português para os ingleses. O Brasil, mesmo independente, foi obrigado a
permanecer com esses acordos. Em 1824, tivemos de assinar novamente esses
acordos, porque, do contrário, a Inglaterra não reconheceria a nossa independência.
Esses acordos eram extremamente perniciosos, porque não havia reciprocidade.
Dávamos vantagens aos ingleses no nosso mercado e não recebíamos nada em
troca. Não era um acordo de livre comércio como se entende hoje. Essa situação
perdurou até 1844, quando conseguimos denunciar esse tratado.
Portanto, existe no inconsciente coletivo nacional o que o Deputado
mencionou. Para o Brasil, em princípio, não é bom negócio se aliar a uma potência
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comercial hegemônica, há um risco nisso. Isso vem desse inconsciente coletivo, e é
reforçado pelo fato de que o crescimento industrial do Brasil se deu no século XX,
em período de autarquia, em período de fechamento: na 1ª Guerra Mundial, na 2ª
Guerra Mundial e no processo de substituição de importações, que veio logo depois
da 2ª Guerra Mundial. Isso tudo leva o inconsciente coletivo nacional a ter uma
grande reserva à idéia. É compreensível.
É preciso entender por que o Brasil está na negociação da ALCA. Em
primeiro lugar, o Brasil não ingressou na ALCA porque ela não existe — nem
interessa ao País ingressar agora. Não se trata de decisão do Executivo nem do
Ministério das Relações Exteriores, mas da sociedade brasileira. Se isso acontecer,
será feito ao final da negociação, com a verificação das vantagens e desvantagens.
Como disse o Ministro Celso Lafer, o Brasil não assinará, e o Congresso Nacional
não ratificará, acordo que não seja vantajoso ao País. Por que entramos nessa
negociação, que não foi criada por nós, a exemplo do MERCOSUL, por nós
concebido? Associamo-nos a esse processo, mas não fomos os seus criadores,
simplesmente pelo fato de que essa negociação não é apenas um acordo com os
Estados Unidos, mas também com outros Países das Américas. E nossos irmãos
das Américas têm grau de convencimento muito maior do que o da sociedade
brasileira em torno desse acordo.
Se fosse feita pesquisa de opinião pública nos outros 32 Países — incluindo o
Brasil e os Estados Unidos somos 34 —, sobre o que a sociedade pensa da ALCA,
tenho a impressão de que a maioria esmagadora gostaria de ter a organização em
vigor não apenas em 2005, mas já.
É preciso entender também o sentido de o Brasil permanecer na companhia
de seus irmãos; na realidade, atualmente, não podemos propor posição de
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isolamento, mas podemos propor — e julgo isso importante — que o Brasil esteja
em posição de negociação. Nosso País não está em posição de adesão voluntária
— não se trata de acordo de cartão de crédito, o qual se assina embaixo. O Brasil
quer participar da negociação das regras e, detectando serem essas regras
favoráveis aos seus interesses globais, assinará o acordo, e o Congresso Nacional o
ratificará.
É essa a premissa básica. Não resta dúvida de que se trata de um desafio.
Mas também é importante notar que nessas questões devemos analisar as duas
alternativas. Vamos imaginar que uma delas fosse não negociar a ALCA, diante das
preocupações oriundas do desafio. Isso, de início, já colocaria diversas indústrias
brasileiras em situação muito delicada. Exportamos para a área da ALCA 70% das
nossas manufaturas. Se não estivermos nessa negociação, estaremos abrindo mão
desse mercado, que será ocupado por outros parceiros, como México, Colômbia,
Argentina etc., que terão acesso à tarifa zero. Estaremos causando desemprego
pela simples decisão de não negociar. Estaremos saindo da negociação antes de
saber o que nos pode ser oferecido. Portanto, é importante notar qual seria a
alternativa, em vista daquele desafio.
Outro ponto que gostaria de comentar diz respeito à idéia de que a ALCA
pode gerar fenômeno qualquer de alinhamento político com os Estados Unidos.
Nesse caso, o melhor exemplo que temos — embora ainda não tenhamos a ALCA
funcionando para observar a prática — é o México, País que entrou para o NAFTA
com os Estados Unidos, há cerca de dez anos. Pelo meu conhecimento de política
externa mexicana, sei que o México tem relações muito próximas com Cuba, país
com o qual os Estados Unidos não mantêm relações, mas inclusive medidas de
embargo. Pelo que sei, essas relações não foram menos intensas em função do
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NAFTA. Cuba é um ponto absolutamente emocional os Estados Unidos, por
diversas razões, que todos conhecem. E não vi nesse tempo de vigência do NAFTA,
desde 1994, nenhum tipo de alteração na política externa mexicana, que pudesse
ser identificado como resultante disso, o que não quer dizer que não possa haver.
O que estou dizendo é que temos de ver a realidade existente. No caso da
ALCA, é fundamental que ela seja julgada por seus próprios méritos como
negociação. É assim que devemos julgá-la. Não devemos julgá-la ideologicamente,
porque o comércio não tem ideologia. Trata-se de relação econômica que não deve
ser julgada por fatores emocionais. A sociedade brasileira, o Congresso Nacional, o
Itamaraty e os outros do Governo brasileiro têm de julgar a ALCA por seus fatores
econômicos. Se o pacote, em termos econômicos e comerciais, não for vantajoso
para nós, sem dúvida nenhuma, não devemos aceitá-lo.
O SR. DEPUTADO WALDIR PIRES – Infelizmente, não posso continuar
nesta Comissão, embora tivesse algumas observações a fazer, sobretudo em
relação ao problema econômico, que não é autônomo. Não há nenhum problema
econômico, que, no fundo, não seja político, mas, realmente, há muito do nosso
inconsciente.
A dependência do Brasil começou lá atrás, no dia em que aqui se instalou a
Coroa portuguesa, que não quis enfrentar as forças invasoras napoleônicas lá e
capitulou perante o império. Essa capitulação fez cessar, no Brasil, seu processo de
industrialização nascente. A siderurgia que aqui nascia retardou-se e só foi
retomada no último terço do século XIX. De modo que a dependência começou lá
atrás. E, com dependência, não se constrói um destino nacional — e não se trata de
ideologia, mas de uma visão da humanidade, segundo a qual todos têm participação
na feitura do seu destino.
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Gostei de ouvir o Sr. Conselheiro. Seguramente, teremos outras
oportunidades. O Parlamento é isso: é a representação de todos os interesses da
sociedade. Esperamos que a política do Itamaraty esteja muita atenta a todos esses
aspectos que preocupam a sociedade brasileira e atentam à História.
Peço desculpas e licença para me retirar. Aqui compareci apenas para me
fazer presente à sua exposição.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) – Deputado Waldir Pires,
agradecemos a V.Exa. as brilhantes observações e suas oportuníssimas
intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Carlos Hauly.
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY – Sr. Presidente, Srs. Deputados,
caro Conselheiro Simões, temos acompanhado, à distância, o trabalho que o
Itamaraty vem fazendo nas negociações, tanto em relação à ALCA, quanto nos dez
anos do MERCOSUL e nos anos que antecederam sua implantação.
Estamos cheios de preocupações. Acredito que a responsabilidade dos
membros do Itamaraty é muito grande, porque toda a Nação deposita confiança em
seu trabalho. Desde o Governo Itamar Franco, tenho sido um homem de Governo —
só não o fui nos dois anos do Governo Collor de Mello —, e me preocupa muito essa
questão. Aproveitando a idéia de arquitetura do nosso Ministro Celso Lafer, diria que
quando se tem um projeto, há componentes arquitetônicos, estrutural, hidráulico,
elétrico e todos os projetos complementares. Depois, há o orçamento, o descritivo e
o cronograma físico e financeiro, para usar a mesma imagem da obra. Cito como
exemplo a construção do Plano Real, porque fui um dos primeiros adeptos da idéia
nesta Casa. Vejo duas falhas de projeto: primeiro, a desvalorização cambial em
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1999 e, depois, por último, a questão do apagão. As duas medidas poderiam ser
perfeitamente evitadas se tivesse havido disseminação do conhecimento da matéria,
a democratização do tema. Se naquele ano de 1999, tivéssemos tido, ao invés de
7% de desvalorização cambial, 15% ou 16%, não teríamos tido aquela
maxidesvalorização e aquele efeito abrupto. O apagão evidentemente é o resultado
da falta de chuvas e da falta de investimentos à altura da necessidade do País.
Lembro aqui um terceiro problema, este de natureza comercial: a questão da
indústria de óleo de soja no Brasil, um dos principais itens da economia brasileira.
Há quatro anos, venho fazendo pronunciamentos a respeito da matéria, onde há
erros evidentes. Quer dizer, tem-se toda uma negociação com o MERCOSUL
apenas sobre isso. Enquanto o país vizinho, a Argentina, resolve o seu problema na
área da indústria de óleo e faz essa indústria crescer 70% nos últimos anos, a nossa
decresce 7%, em função não de um erro de negociação do Itamaraty, mas um erro
de Governo. Então, nessa interface, o Itamaraty negocia, minimiza os prejuízos,
melhora o acordo, mas o conjunto do Governo não toma as providências.
Quero dizer o seguinte: sou parlamentarista, acredito que o nosso destino é o
parlamentarismo — e isso vai ser inevitável, pela democratização da informação da
tomada de decisões do País — e penso como parlamentarista num Governo que é
presidencialista.
Reportagem publicada hoje na Gazeta Mercantil, informa que a capacidade
esmagadora de soja do Brasil diminuiu em 7,2% de 95 para 2001. No mesmo,
período a Argentina aumentou em 66,4% o processamento de oleaginosas, desde
que a Lei Kandir passou a vigorar, em 1996. Fui o Relator dessa lei que leva o nome
do Deputado Antonio Kandir, e posso dizer que ela não é a culpada por essa
situação. O culpado é o Governo, por falta de visão macroeconômica de
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determinados setores da economia — e digo isso na condição de homem do
Governo, porque sou defensor do Governo, da estabilidade econômica e das
reformas. Ainda segundo a reportagem, as exportações de soja em grão
aumentaram 275%, enquanto as de farelo e de óleo, frutos dessas esmagadoras,
diminuíram 7,2%. Neste mesmo intervalo, a Argentina registrou crescimento de
103% em suas exportações de óleo e farelo. Segundo a estimativa da ABIOVE — a
Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetais, o Brasil deixou de exportar
nos últimos cinco anos 4 bilhões e 900 milhões de dólares em produtos
industrializados de soja, que agrega mão-de-obra e riquezas, na transformação
desse produto. Nesse mesmo período, a participação no mercado mundial de farelo
do Brasil, caiu de 35,3% para 25,9%. Perdemos 10% do mercado mundial. E, no de
óleo, de 30 para 16. Perdemos 14%. Apenas no último ano a redução do parque
industrial foi de 15%. Atualmente, o País convive com 40% do seu parque em
ociosidade. Em 2000, foram fechadas duas indústrias no Centro-Oeste: uma no
Gama, Distrito Federal, e outra em Catalão, Goiás. Os Estados do Sul foram os que
mais perderam esmagadoras: oito no Rio Grande do Sul, seis no Paraná e duas em
Santa Catarina. O fato de a produção de soja ter migrado para o Centro-Oeste, que
detém hoje 47,9% da produção desta Nação, também contribuiu para o fechamento
dessas empresas. E continua a reportagem citando o caso de Pernambuco, etc.
O que quero dizer com isso? Que a negociação é boa, que confio nos
senhores, confio na capacidade do Itamaraty e tenho o maior respeito pelo Núcleo
de Inteligência da instituição, mas tenho profundas dúvidas e quero expressá-las ao
Conselheiro, que é peça chave nessa estrutura.
Ainda utilizando a figura da obra, agora, temos as providências da sua
execução. Pergunto: o que temos de fazer para executá-la? Já há a arquitetura, os
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projetos e um descritivo. A primeira medida é interna, é a tarefa de casa: a reforma
tributária. Se não fizermos um sistema compatível, harmonizado, parecido com o
americano ou o europeu, conforme os dois blocos, estaremos fora do jogo. Disso
deriva a taxa de juros, e, com essa diferença muito grande, também estaremos fora
do jogo. Falamos sempre visando a mercadorias: trânsito de mercadorias, farelo,
óleo de soja, aço, etc. E os serviços? Vamos ter uma integração econômica? Já há
aí a questão dos bancos estrangeiros, agora enfrentaremos as poderosas
seguradoras, que vão entrar no ramo dos seguros de vida, de saúde, etc. Hoje, a
maior parte da economia no mundo está estruturada nos serviços.
Quanto à moeda, como disse V.Sa., não vai ser uma integração convencional,
como a da União Européia. Não vai haver um Parlamento das Américas, o estudo de
uma moeda única das Américas, ou um Banco Central das Américas.
Sei que estou despejando um monte de questões, mas não tenho outro fórum
a não ser o meu mandato de Parlamentar e o uso desta Comissão e do plenário
para expressar tudo o que sinto e desejo transmitir aos membros do meu Governo.
Acredito que o Itamaraty prestaria grande serviço se, juntando todos os técnicos
envolvidos na negociação da ALCA, do MERCOSUL e dos acordos outros bilaterais,
declarasse que essas providências não dependem dele, mas, sim, de política geral
do Governo. Providências essas que teriam que ser tomadas de modo urgente,
urgentíssimo, porque estamos já a três anos e meio da data marcada, 31 de
dezembro de 2005, e ainda estão aí a reforma tributária, a questão dos portos,
aeroportos, das taxas de juros, etc. Há solução, evidentemente — e isso já foi
abordado aqui em outra oportunidade, quando V.Sa. aqui esteve com o Dr. Seixas e
falamos acerca do dumping e das barreiras tarifárias e não-tarifárias americanas.
Tenho afirmado que a integração depende mais deles do que de nós. Não é nem do
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fast track americano. É preciso que eles abram mão das restrições impostas ao
nossos produtos. Então, eu penso que a contribuição que o Parlamento também
poderia dar, Sr. Presidente, seria elaborarmos essa agenda de providências,
discutirmos quais as providências que têm de ser tomadas. O Parlamento, por
intermédio da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, que, nesta
reunião da quinta-feira, discute e pensa a ALCA e as integrações de blocos, poderia,
com a colaboração do Itamaraty, das empresas, dos trabalhadores e de
Parlamentares dos diversos partidos, elaborar a agenda das providências
necessárias, fundamentais para o enfrentamento de concorrências internacionais,
em função da união econômica entre os países, como é o caso do nosso.
A verdade é que a nossa reforma tributária, que já deveria ter saído há muitos
anos, parece mais uma conspiração contra a produção, contra o trabalhador
brasileiro, pela iniqüidade, pela injustiça nela existente, gerando o aumento da
concentração da renda, o aumento da pobreza no Brasil, e impedindo o
desenvolvimento industrial e comercial do nosso País.
Já falei demais, mas tinha vontade de dizer isso, especialmente a V.Exa., que
tem um papel importante dentro da estrutura do Ministério das Relações Exteriores.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Se o Deputado me permite, eu
gostaria de sugerir que V.Exa. preparasse, para uma de nossas reuniões, um
requerimento no sentido de que a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional apresente ao Itamaraty e ao Governo, a determinados setores do Governo,
essa agenda de prioridades que nós deveríamos seguir para que as conversações
acerca da ALCA possam dar certo, porque na verdade, Deputado Hauly, sem essa
agenda, sem essas prioridades, nós não vamos estar em condições de participar
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dos entendimentos finais, nem mesmo de assinar esse Acordo de Livre Comércio
das Américas. Lamentavelmente, essa é a visão que eu tenho.
Agradeço a V.Exa. a participação.
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - Farei com muito prazer esse
requerimento, em conjunto com V.Exa.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Muito obrigado Deputado.
Passo a palavra agora ao Deputado De Velasco.
O SR. DEPUTADO DE VELASCO - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.
Conselheiro, meus cumprimentos.
Sr. Conselheiro, embora tenha chegado aqui no final de sua palestra, fiquei
satisfeito ao perceber que V.Exa. trouxe ao nosso debate um aspecto que é
normalmente esquecido quando se fala de relações internacionais, ou seja, o
inconsciente coletivo, a carga emocional, o componente emocional que está sempre
presente nessa área. Jung já discutia essa questão, principalmente quando falava
dos judeus. Mas essa é uma carga que, lamentavelmente, vem há muito tempo
acompanhando as nossas relações internacionais. É inclusive uma história trágica.
V.Exa. não mencionou, nem o nosso Presidente, o fato de que D. Maria, a Louca,
quando assumiu o comando deste País, proibiu que nós fabricássemos até mesmo
pregos para as nossas construções, proibiu que o Brasil criasse estradas unindo
povoados; então, essa é uma carga que nos acompanha há muito tempo, essa
lamentável carga de inferioridade com que normalmente, quase sempre, eu diria,
entramos em qualquer mesa de negociação.
Recordo uma cena de um filme de Charles Chaplin em que ele faz o papel de
um grande ditador. Numa das cenas ele defronta um arremedo de Mussolini sentado
à sua mesa, elevada em relação ao chão, em posição doutoral, enquanto a mesa e
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as cadeiras do visitante, seu oponente, permanecem ao nível do chão. Em outra
cena, a cadeira em que ele repousa para fazer a barba sobe sempre mais do que a
do barbeiro, mantendo-se sempre um desnível.
É um desnível como esse que enfrentamos, a começar pela língua em que
deve ser originalmente redigido esse acordo. Recordo que recentemente participei
de uma reunião do MERCOSUL no Rio de Janeiro, no Hotel Rio, na qual todos os
países ali representados, à exceção do Brasil, eram de língua espanhola; no
entanto, todos os cartazes e placas indicativas estavam escritos em inglês — todos,
sem exceção. Não havia nenhuma indicação em língua portuguesa, muito menos no
idioma da maioria dos participantes do evento, ou seja, o espanhol. Então, já
começa aí, já começa pelo idioma a nossa "menos-valia", a nossa lamentável
"menos-valia".
Dessa carga emocional nós não podemos afastar-nos, porque são pessoas
que estarão frente a frente antes de um país comerciar. V.Exa. muito bem lembrou
que no comércio não há emoções, só relações econômicas, mas o fato é que o
comércio só existe porque as pessoas comerciam. E eu recordo a definição do
homem que apresento em um trabalho nosso: o homem que todos nós concebemos
e muitas vezes propalamos que é um ser racional, o homem jamais é um ser
racional; o homem é um ser emocional que eventualmente raciocina, e quando o faz
quase sempre é para justificar suas emoções — essa é a minha definição do
homem, constante de alguns trabalhos nossos.
Então, nós levantamos aqui uma das nossas preocupações, decorrente da
"emocionalidade" com que se discute esse tema. Pelo que V.Exa. nos expôs, parece
que, se não entrarmos na ALCA, 70% do nosso mercado estariam perdidos. Ora,
sinto-me como se precisasse ser atendido às 8h da manhã, mas, como muitas são
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as pessoas que acorrem àquela mesma repartição e a fila começa às duas da
madrugada, então fico obrigado a ir para a fila no mínimo às 2h05 da madrugada
para poder ser atendido. Isso implica um profundo mal-estar, uma vez que, nas
relações existentes entre nós e os demais componentes ou futuros componentes da
ALCA, nossa posição não é das mais favoráveis. Então, a nossa preocupação, Sr.
Conselheiro, é com essa questão.
V.Exa. fala de acordo vantajoso. Acordo vantajoso para quem? Para o Brasil?
Se é acordo, não deveria ser vantajoso para nenhuma das partes, porque se há
acordo tem de haver igualdade, ainda que pretensa. Será um "contrato tipo", como o
que se assina no final, que em Direito é chamado "contrato tipo" — aceita-se ou
não? Então, estaríamos numa situação como essa da fila, numa situação do tipo "se
ficar o bicho come, se correr o bicho pega"?
Eu gostaria de ver mais ou menos esclarecidas por V.Exa. essas
ponderações que muito rapidamente apresentamos aqui, lembrando que, na época,
o Presidente Juscelino tinha planos, e o Presidente Kennedy acabou com esses
planos com a pressão da hegemonia, a força da nação hegemônica; como o
Deputado Waldir Pires bem lembrou, a grande nação hegemônica — nem é preciso
dizer que é do norte, porque todas as hegemônicas são do norte, se é que há mais
de uma.
Eu gostaria de submeter à sua apreciação essas nossas preocupações de
cunho emocional.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Com a palavra o Conselheiro
Simões.
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES - Obrigado, Sr. Presidente.
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Vou procurar responder aos dois Deputados que formularam as questões,
começando por esse último ponto, o das relações emocionais, que considero muito
importante. Realmente, é bastante importante, porque a relação é feita entre as
pessoas, e isso tem influência muito grandes.
Gostaria de começar por um aspecto que foi mencionado pelo ilustre
Deputado, relativo à inferioridade que o brasileiro sente. Esse é um aspecto
importantíssimo para se entender a dificuldade enorme que existe em relação à
ALCA. É que no inconsciente coletivo nacional se pensa um pouco assim: como
poderemos negociar um acordo que seja bom para nós com os Estados Unidos?
Nunca conseguiremos". Esse é um elemento de pensamento muito difícil de se
trabalhar, em termos do emocional. Eu acho até que é mais difícil trabalhar isso no
emocional do brasileiro — e o próprio Presidente Fernando Henrique já se referiu a
isso várias vezes — do que propriamente realizar o acordo na prática. Por quê?
Porque na prática o que tem de ser compreendido é o todo. E aqui vou retomar um
exemplo mencionado antes pelo Deputado Hauly, o da soja. Não sou especialista
em agricultura, portanto não poderia dizer o que está realmente acontecendo nessa
situação da soja, mas posso dar alguns elementos do que pode estar acontecendo.
Pode estar havendo uma perda de competitividade do Brasil. E pode estar pesando,
e com certeza esse é um dos elementos, o fato de que os Estados Unidos têm
aumentado nos últimos anos o preço mínimo pago pela soja; isso está fazendo com
que a área da soja nos Estados Unidos aumente, o que por sua vez faz com que o
preço no mercado internacional caia e gera problemas para a nossa soja.
Esse tipo de assunto, a medida de apoio interno à soja nos Estados Unidos, é
um assunto de que estamos tratando na ALCA, e trataremos numa nova rodada da
OMC. Então...
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O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY - V.Exa. permite um aparte? Não
é por aí. Esse é um problema tributário. É que nós zeramos a tributação de grãos. A
alíquota, que era 13%, passou para 0%. A do óleo e do farelo, que era em torno de
11%, também foi zerada. E há um acúmulo de créditos não resolvidos.
O que acontece com a Argentina para alcançar esse diferencial positivo de
crescimento e incremento é que lá existe a mesma política, só que na hora da
exportação há um reintegro de 4,5% a título de compensação pelos créditos. Essa é
a margem que estamos tentando convencer as autoridades do Governo a adotarem,
e ainda não conseguimos, ao longo desses quase cinco anos de vigência da lei.
Minha preocupação central é com o fato de que esse não é um problema do
Itamaraty, mas sim da Fazenda, da Receita, decorrente da falta de uma visão
macroeconômica estratégica, o que coloca em risco a indústria, a agroindústria
derivada do principal produto agrícola brasileiro, que é a soja. Os americanos fazem
sua política de subsídio, que nós não temos, mas mesmo assim temos
produtividade, competitividade e mercado mundial; só estamos perdendo porque as
nossas empresas se encolheram e entraram no vermelho, estão no prejuízo.
O SR. DEPUTADO HÉLIO COSTA - Se V.Exa. me permite, quero
acrescentar que a questão do preço mínimo nos Estados Unidos é a maneira de se
embutir o subsídio. Reclamamos que no ano passado houve da parte dos Estados
Unidos um subsídio de 32 bilhões de dólares só para a agricultura. Quer dizer, quem
deixaria de plantar no Brasil se houvesse um preço mínimo garantido? Qualquer
produção de soja que se apresente no fim do ano compra-se por um preço que dá
lucro; evidentemente, isso nada mais é do que uma forma de subsidiar.
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES - Sim. Então, retomando,
mesmo se considerarmos que nesse caso da soja o fator tributário seja muito mais
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importante, o fato de os Estados Unidos, como disse o Presidente, aumentarem os
seus subsídios para a soja não nos ajuda em nada. Pode inclusive ser determinante
para atrapalhar no futuro, mas de forma nenhuma vai ajudar-nos em nossa situação.
Então, o que é importante notar, no caso, retomando aquela questão da
inferioridade, é o seguinte: é possível, sim, obtermos uma vantagem para o Brasil
num acordo com os Estados Unidos; vai depender muito de nós, e vai depender
também de toda a sociedade brasileira. Não estou dizendo que se vai conseguir
isso; estou dizendo que é possível. Se é possível, nós temos que tentar.
Gostaria de mencionar também, em relação ao mercado, que eu não disse
que se nós não estivermos negociando com a ALCA vamos perder 70% do mercado
das manufaturas brasileiras; o que eu estou dizendo é que nós exportamos para a
área da ALCA 70% das nossas manufaturas. Então, a partir do momento em que
mudam as tarifas nessa região, nessa área da ALCA, que são todas as Américas,
estando ou não o Brasil lá, vai haver impacto na nossa competitividade, no nosso
mercado.
O que o Itamaraty busca é exatamente negociações com várias áreas do
mundo, exatamente no sentido de diminuir nossa exposição a um parceiro só. O
México, por exemplo, faz 88% do seu comércio com os Estados Unidos. É uma
exposição absoluta a um parceiro. Nós dividimos esses 70% de manufaturas; em
relação aos Estados Unidos, estamos exportando 28% ou 29%; estamos exportando
uma parte para o MERCOSUL e outra parte para o resto da América do Sul. Nós
distribuímos os nossos ovos em várias cestas, e é isso que nós queremos fazer.
Por que eu mencionei a idéia do acordo vantajoso? Quando falei em acordo
vantajoso, quis dizer que o acordo é vantajoso para todas as partes. Não há um
acordo internacional, um acordo de comércio que seja vantajoso apenas para uma
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parte. Se houvesse, seria um acordo que não se sustentaria no tempo, um acordo
que o parceiro que não estivesse sendo atendido iria querer deixar. Ele poderia ter
tido que entrar, mas iria querer sair. Então, isso não seria algo que se sustentasse.
O que buscamos, seja na ALCA, seja no MERCOSUL, seja na União Européia, seja
na negociação dentro da OMC, é um acordo vantajoso para todos os parceiros.
Cada um tem que obter a sua satisfação dentro de um determinado aspecto, e é
esse o objetivo que nós queremos alcançar.
Não queremos um "contrato tipo". Não queremos algo para assinar embaixo.
Ao contrário, o Brasil tem-se esforçado, e é um esforço que vem desde o início
dessa negociação, desde Miami mesmo, em 1994, desde a Ministerial de Belo
Horizonte, em 1997, no sentido de incluir na negociação aqueles elementos que
consideramos importantes. Colocamos, por exemplo, em 1997, em Belo Horizonte, a
cláusula que estabelece que haverá uma convivência da ALCA com os acordos
bilaterais e sub-regionais, desde que eles sejam mais profundos. Essa, por exemplo,
é uma cláusula importantíssima para o MERCOSUL, que nós procuramos inserir,
inserimos, negociamos, e conseguimos esses resultados. Nós também
conseguimos, neste ano, evitar a antecipação do final das negociações. Muitos
países preferiam terminar em 2003, e nós conseguimos confirmar o término das
negociações em 2005.
Então, o que eu acho importante notar é o seguinte: da parte do Itamaraty,
nós estamos perfeitamente conscientes. Nós não vemos a ALCA por um só lado,
mas pelos vários lados. Nós estamos conscientes da pluralidade da sociedade
brasileira e procuramos, na negociação, junto com os outros Ministérios, espelhar
essa pluralidade.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Antes de passar a palavra ao
último orador inscrito, o Deputado Paulo Delgado, eu quero fazer uma observação.
Julgo-me muito à vontade para criticar a posição americana com relação ao Brasil,
no que diz respeito às relações comerciais, até porque, tendo vivido nos Estados
Unidos durante 18 anos, tenho dois filhos nascidos lá, cidadãos americanos; um é
médico, o outro é engenheiro. Tendo uma relação muito natural com os americanos,
e inúmeros amigos americanos, realmente sinto-me muito à vontade para falar dos
Estados Unidos.
O que me preocupa é que existe um capítulo da história americana que tem
que ser lembrado, neste momento em que nós estamos falando de ALCA e das
relações hemisféricas. Na primeira metade do século XVIII, a história americana
registra um capítulo que se chama, em inglês, the manifest destiny, ou o destino
manifesto. O destino manifesto é a concepção de que os Estados Unidos estavam
ali, naquela posição, colocados por Deus, pelo Criador, para dominar as Américas, e
a Capital seria deslocada de Washington para a Cidade do México, e da Cidade do
México os americanos chegariam a todos os rincões das Américas, da Patagônia até
o Círculo Ártico, dominando inteiramente, como uma só nação, sob uma só
orientação política. Quer dizer, não podemos esquecer que estamos vivendo um
momento extremamente delicado no equilíbrio de forças mundiais. Até alguns anos
atrás, enquanto ainda havia a União Soviética de um lado e os Estados Unidos do
outro, se a União Soviética decidia apoiar a índia com armas e munição numa
guerra, os Estados Unidos saíam correndo e apoiavam o Paquistão; da mesma
forma, se os russos apoiavam Cuba, os Estados Unidos apoiavam El Salvador.
Então, esse equilíbrio do poder já não mais existe. Hoje temos, na realidade, quase
uma nação hegemônica. E, do ponto de vista comercial, este é o primeiro passo
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para se colocar uma cabeça de ponte, como se diz, nas Américas, porque
inevitavelmente, lá na frente, vamos deparar-nos com essa situação.
Apesar de nosso esforço, da nossa disposição de democraticamente
discutirmos essa questão comercial da ALCA, ainda não estamos preparados, ainda
não temos condições de competir; mas não temos mesmo, nem com os Estados
Unidos, nem com o Canadá — às vezes nem com a Argentina, diga-se de
passagem. O México já nos traz problemas sérios. Então, temos de analisar isso
com muito cuidado.
Passo a palavra agora ao Deputado Paulo Delgado.
O SR. DEPUTADO PAULO DELGADO - Sr. Presidente, bom dia. Desculpe,
mas fui cortar meu cabelo, que estava incontrolável.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Preparando-se para sua
viagem à França, certamente. (Risos.)
O SR. DEPUTADO PAULO DELGADO - (Risos.) Conselheiro Simões, V.Exa.
sabe da admiração que tenho pelo Itamaraty, pela dimoplacia brasileira, pelos
quadros do Itamaraty e pela permanente visão de Estado que o Itamaraty tem. É
com esse espírito que farei minhas observações. Embora tenha perdido a
explanação de V.Exa, conheço a posição da diplomacia brasileira quanto a essa
questão.
No ano passado, pude ver como os Estados Unidos constrangem nações
soberanas e impedem negociações, quando não é de seu interesse. Se fizéssemos,
no Rio de Janeiro, na Rio 92, o que os Estados Unidos fizeram nesse ato conosco,
impedindo-nos, monitorando ações de violência contra negociadores latino-
americanos, certamente o Brasil perderia espaço na convivência internacional.
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Fico muito feliz ao ouvir meu conterrâneo, o Presidente Hélio Costa, lembrar a
literatura norte-americana, lembrar o sonho americano. O sonho americano foi fixado
desde que os colonizadores saíram da Inglaterra. Não podemos perder essa
perspectiva. Os ingleses foram para os Estados Unidos expulsos da Inglaterra, não
podiam voltar, e construíram uma nação com um padrão de desenvolvimento que
está escrito, está registrado nas melhores universidades do mundo, inclusive nas
universidades brasileiras. Os quadros intelectuais do Brasil, inclusive o Sr.
Presidente da República e vários Ministros de Estados, estudaram nos Estados
Unidos, deram aulas nos Estados Unidos. Não acredito que o Itamaraty não saiba
onde está entrando.
O comércio é uma atividade heróica, tanto quanto a guerra. Comércio é fincar
bandeira com nome de marca, é made in, é trade. Não há como imaginar uma
atividade comercial com competidores tão desiguais. Somos a única Nação da
América Latina que tem parque industrial, escala, capacidade de produção, e não
conseguimos competir em igualdade de condições. E não é uma competição
comercial por acordos que possamos fazer na fórmula, que me parece razoável, de
que nenhum princípio entrará em vigor enquanto todos os princípios não estiverem
acordados; esse é um dos princípios que me parece mais interessante da
negociação da ALCA, mas não podemos imaginar que será possível mover ou
interferir em uma vírgula da cultura fiscal e tributária norte-americana, construída
desde Tom Penny, desde Roosevelt, construída tanto no século XX como nos
séculos XVIII e XIX.
Então, a cultura fiscal, tarifária e tributária americana é diferente da brasileira,
da latina. Não é problema de auto-estima, de imagem negativa do brasileiro em
relação a outras nações. Nem acho que isso seja verdade. Pelo contrário, o Brasil é
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um país festejado no exterior. O designer brasileiro, a capacidade de criação dos
brasileiros é festejada. O que não temos é articulação política para fazer, por
exemplo, com que o Prof. César Lattes tivesse recebido o Prêmio Nobel de física,
em vez do seu assistente, o que a Academia da Noruega é capaz de fazer; ela já
concedeu o Prêmio Nobel da Paz a Henry Kissinger, e nós não tivemos poder de
articulação internacional para fazer com que D. Hélder Câmara conseguisse o
Prêmio Nobel da Paz no período da ditadura. À época, a Academia da Noruega foi
invadida pelos norte-americanos e pela política conservadora internacional do
período, o que impediu que a Noruega concedesse o Prêmio Nobel a D. Hélder
Câmara, em Oslo. Ora, a Dra. Nise da Silveira merecia o Prêmio Nobel de Medicina;
ela foi assistente de Jung aqui no Brasil. Então, esse é um problema concreto. Por
quê? Porque nossa capacidade de negociação não é boa. Por que o Português não
faz parte das línguas oficiais da ONU, já que nós tivemos uma posição na II Guerra
Mundial muito mais ativa do que os países de língua espanhola e demos menos
vexame que os países de língua germânica? Pelo contrário, combatemos a
Alemanha, e o alemão é uma língua oficial da ONU e o Português não é. Isso é um
problema de diplomacia, de negociação diplomática. Oswaldo Aranha presidiu a
sessão que constituiu a ONU e não garantiu ao Brasil posição no Conselho de
Segurança.
Ora, há um problema de limitação da negociação. Os Estados Unidos ficaram
um ano sem embaixador no Brasil. Um ano! E não houve uma única reação de um
diplomata brasileiro em Washington pedindo para vir embora, retirando-se dos
Estados Unidos. Isso não é questão de oposição, de esquerda, de diplomacia de
confronto ou de diplomacia com menos capacidade de negociação. Eu vejo que hoje
o Itamaraty se está dando conta de que não nos preparamos para a reestruturação
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do parque industrial brasileiro e para a competição brasileira, tanto que nós não
podíamos fazer sequer a lei da cabotagem, porque não conseguíamos cumprir a lei
da cabotagem brasileira. Há taxa de farol para chegar aos Estados Unidos. Taxa de
farol! O navio brasileiro — e temos hoje apenas cinco ou seis navios, porque
acabaram com a Marinha Mercante Brasileira — tem de passar sua carga para o
navio norte-americano para poder entrar no porto americano, e ainda assim paga
taxa de farol. No entanto, os americanos estão querendo colocar a carga nas EADIs
brasileiras, esses armazéns alfandegários do interior. A carga no interior do Brasil!
Eles querem descer no porto brasileiro e ainda levar a carga de caminhão (caminhão
de empresa americana) para o interior.
Estamos sem estrutura, sem capacidade jurídica de vencer essa blitzkrieg,
esse verdadeiro ataque de massa dos Estados Unidos no mercado internacional.
Eles estão fazendo isso no mundo todo, não só é no Brasil. Estão fazendo na China,
tanto que os chineses devolvem o avião americano em um contêiner, sob o
argumento de que quem entra invadindo não sai voando; então, vai sair andando o
avião americano, e isso é um elemento da cultura chinesa, que tem quatro mil anos,
bem mais que a cultura norte-americana. Ali talvez os Estados Unidos tenham que
negociar de maneira diferente, já que a pressa com que os americanos querem que
os chineses devolvam seu avião não é a pressa que os americanos tiveram para
devolver o menino cubano que ficou oito meses nos Estados Unidos com um tio. E
agora querem que os chineses entreguem rapidamente um avião! O menino não
tinha um bodoque, não tinha um estilingue — a mãe dele é que tinha, e a coitada
morreu.
Pois bem, eu quero dizer que, com relação à ALCA , o setor do Itamaraty na
área da diplomacia comercial precisa dizer claramente aos Estados Unidos que não
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nos interessa a ALCA sob controle norte-americano. Como é impossível uma área
de livre comércio da América sem o maior país do mundo, nós temos que concluir
que a negociação de blocos regionais no MERCOSUL é aquilo que o Chanceler
Lafer anunciou — e parou de dizer, mas foi um dos melhores conceitos que já ouvi
por parte do Itamaraty. Ele disse, nos Estados Unidos, que a ALCA é uma
possibilidade, mas o nosso destino é o MERCOSUL. Acho que essa formulação tem
que estar constantemente na mesa de negociação com os Estados Unidos. Sou a
favor de dizermos isso na mesa de negociações. Sou a favor de dizermos sempre
aos Estados Unidos que não vamos aderir à ALCA, ou seja, o Brasil não será
membro da ALCA se não existirem algumas condições. Vamos fazer uma Área de
Livre Comércio Sul/Sul, pelo Atlântico, pelo Pacífico Sul, vamos criar até um
componente de defesa. Por que não podemos criar uma Organização do Tratado do
Atlântico Sul também, reunir os países do sul? Na área de pesca podemos criar um
componente militar, comercial, como os Estados Unidos fazem. Enfim, eu acho que
devemos dizer sempre aos Estados Unidos que não haverá ALCA, não haverá o
Brasil na ALCA, não haverá ALCA com participação brasileira se não estivermos em
condições de, primeiro, interferir na legislação americana, mudar a legislação
americana.
Ontem o primo do Presidente Bush, que estava aqui no Brasil, foi a três,
quatro, cinco Ministérios. Ele é dono de um dos maiores escritórios de advocacia de
Washington e estava aqui vendendo equipamentos de energia elétrica, aproveitando
a crise brasileira. Já estão aqui como abutres, vendendo equipamentos de energia
elétrica para o Brasil. Ele circulou em todos os Ministérios em um único dia. Não sou
contra isso; acho que são pessoas competitivas e capazes. Tudo de bom e de ruim
no século XX tem dedo americano, desde a música popular. O cinema, nem se fala.
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Mas não precisavam acabar com o cinema italiano, não precisavam matar Antonioni,
não precisavam acabar com o cinema francês, com o cinema brasileiro. Isso temos
que dizer aos americanos. Um pouco menos de Hollywood ajuda as pessoas. Um
pouco menos de remédio contra a depressão ajuda as pessoas a terem um conceito
um pouco mais real da vida e serem mais felizes. Não é possível que a civilização
americana queira construir a idéia de que é a melhor civilização do mundo para a
vida pessoal, para a felicidade humana. Não é. A família americana não é o melhor
exemplo de felicidade pessoal. Isso tem a ver com o comércio, com a cultura, com a
literatura e com a política. O presidente americano, com todo o respeito, é um
medíocre, é um homem medíocre, no sentido de não estar agindo na dimensão de
uma nação como os Estados Unidos. O que está fazendo com Taiwan, a
provocação que faz entre Taiwan e China é uma irresponsabilidade do presidente
dos Estados Unidos.
Então, a diplomacia brasileira tem um campo enorme para, dentro da
negociação acerca da ALCA, introduzir parceiros alternativos, confrontar o poder
hegemônico americano, ampliar seus negócios com China, com a Europa, ter
sempre uma possibilidade de saída. Tem que haver sempre um ponto de fuga, como
num quadro surrealista, um ponto de fuga por onde possamos afastar-nos, sempre
sinalizando para o negociador. Não cabe imaginar que vamos conseguir envolver os
americanos numa negociação favorável a nós por artimanhas ou brilhantismo de
negociadores individuais. Acho que a questão é concreta. O pressuposto é: não
queremos a ALCA sob a hegemonia americana. Não queremos. Conversamos como
nação civilizada que tem interesses comerciais. Não queremos a ALCA se não
compreendermos profundamente os mecanismos internos americanos — que são
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culturais, têm mais de duzentos anos — de fixação de tarifa e de distribuição de
recursos do Estado, de escritórios.
Só vencemos demandas nos Estados Unidos com advogados americanos
ligados ao governo americano. O Embaixador Paulo de Tarso é um vitorioso nos
Estados Unidos em demandas contra o governo americano e contra a justiça
americana porque contratou advogados americanos, ligados ao governo americano.
Isso porque nos Estados Unidos o lobby é legal, mas no Brasil não é. No Brasil há
confronto de opiniões e de ideologias sobre o destino do Estado. Enquanto houver
esse confronto — e esse confronto está presente na realidade brasileira, no
Congresso Nacional brasileiro, e não está presente no Congresso Nacional
americano —, nossa realidade não será igual à dos Estados Unidos.
O conflito americano não diz respeito ao destino da América do Norte, não se
refere ao destino da economia americana, diferentemente do Brasil, onde há um
conflito legítimo sobre isso. E não se trata de imaturidade do Brasil, como os
americanos gostam de dizer; é apenas uma outra visão do mundo. Há um conflito no
Brasil sobre a natureza do Estado e sobre o destino do nosso País. Isso produz uma
competição permanente em relação ao programa de governo e ao destino do Brasil.
Então, negociar com os Estados Unidos é completamente diferente, pois aquele é
um país blindado, lá existe uma cortina de ferro. A cortina de ferro é lá. De Julia
Roberts a Bush, passando pelo maior traficante americano, todos são americanos,
orgulhosamente americanos, e têm uma única visão. Eles só confiam em Deus. Está
escrito nas cédulas americanas: "Em Deus nós confiamos". O resto é negócio.
Então, Conselheiro Simões, eu tenho muita confiança no Itamaraty, porque
sei que tem inteligência e é capaz de produzir conhecimento neste momento de
entropia máxima. A crise é o momento melhor para produzir conhecimento. É na
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crise que se conhece o bom marinheiro, e não na calmaria. Mas para os Estados
Unidos — e eu termino —, temos que tirar o chapéu, mas não perder a cabeça. Os
americanos têm que saber o que não queremos e que vamos trabalhar para que os
blocos regionais se consolidem e para que nós possamos negociar. Vamos negociar
com a Europa, vamos negociar com a Ásia, e eles têm que abrir a América. Que
mudem primeiro a América, para que nós possamos vender nosso produtos lá. Se
não entrar o suco de laranja brasileiro na América, não haverá ALCA. Nossa laranja
é melhor do que a deles. Se o nosso aço não entrar nos Estados Unidos, não pode
haver ALCA, e por aí afora.
Então, tenho essa idéia, que é consoante com o espírito do Itamaraty, é
essencial na história do Itamaraty, desde quando o Barão do Rio Branco dizia que
tem sempre que haver a possibilidade de confrontar a nação hegemônica. Foi o que
nós fizemos com a Inglaterra quando, nos anos 30, optamos por uma diplomacia
preferencial aos Estados Unidos. Agora é hora de dizer que já há uma parceria
estratégica com a China, anunciada pelo Sr. Presidente da República em 1995, que
devemos aprofundar. Do mesmo modo, devemos aprofundar nossas relações com o
Japão, com a Alemanha, com a França, com a Itália e com outras nações
desenvolvidas e em desenvolvimento, mas temos que negociar com os Estados
Unidos em desconfiança permanente. Não por sermos brasileiros e falarmos
português; não é nada disso. É por eles serem norte-americanos e para eles estar
escrito que o Estado americano é dirigido pela Bíblia, e V.Exa. sabe que o diabo lê a
Bíblia conforme seu interesse, assim como qualquer pessoa pode fazer. Essa é uma
das grandes vantagens da Bíblia. Ela é a mais importante obra da literatura mundial
porque foi escrita para que todos possam lê-la segundo os seus interesses e as
suas necessidades. E os americanos usam a Bíblia para tudo. Em todo quarto de
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hotel americano há uma Bíblia. Ninguém deixa de ler a Bíblia nos Estados Unidos, e
eles lêem a Bíblia segundo seus interesses. E não é possível enfrentar uma nação
que tenha a Bíblia como elemento central das negociações. Acho que nós que
somos um País católico temos que levar isso em conta, na negociação com os
Estados Unidos.
Muito obrigado, Sr. Presidente, muito obrigado, Conselheiro Simões, pela
oportunidade de me pronunciar. Nem sei se lhe fiz alguma pergunta.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Não fez, não, Sr. Deputado.
(Risos.) Quero até dizer ao Conselheiro que eu entendo que a posição do Deputado
Paulo Delgado é mais no sentido de explorar essa extraordinária capacidade que ele
tem de descrever esses atos todos, esses fatos históricos, sobretudo com sua
experiência de professor universitário querido, e é importante que V.Exa. saiba por
que o Governador Itamar Franco e eu temos a honra de nos associar ao Deputado
Paulo Delgado, por sermos de Juiz de Fora ou de perto de lá.
Mas a Ordem do Dia está sendo anunciada, Conselheiro Simões, e passo a
palavra a V.Exa. apenas para suas considerações finais, para que possamos
encerrar a reunião.
Antes, porém, vamos ouvir o Deputado Rubens Furlan.
O SR. DEPUTADO RUBENS FURLAN - Depois da palestra extraordinária
que acabamos de assistir, fico até meio preocupado. O Deputado Paulo Delgado cita
a Bíblia, e há nela há uma passagem que ensina: "maldito o homem que confia em
outro homem". E acredito que amaldiçoada está a nação que confiar na nação dos
norte-americanos.
Mas a minha preocupação é com o fato de que a ALCA vem em desvantagem
para o Brasil, pelo que estamos observando, até porque o Brasil não está em
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condições de competir com outras nações, principalmente com os Estados Unidos.
E eu perguntaria a V.Exa., Conselheiro, se essa crise energética não retarda essa
posição de competitividade com os outros países, no caso da formação da ALCA.
Essa é uma pergunta. A outra refere-se exatamente às dificuldades que o Brasil e a
Argentina estão tendo para consolidar o bloco do MERCOSUL. Essa crise da
Argentina e as crises que também estamos vivendo, principalmente essa da energia,
levam os dois Governos a terem uma agenda muito ampla e carregada,
principalmente neste semestre; por isso, não há condições de definir essa situação
do MERCOSUL. Essa é uma grande preocupação. Gostaria que V.Exa. falasse a
respeito.
E também um dos fatos que me parece complicar essa situação é que em
2005 teremos um outro Governo. Será que todos os tratados, os avanços que
eventualmente possamos obter agora serão convenientes e assumidos pelo próximo
Governo? São questões que nos deixam mais preocupados ainda, além da
preocupação de saber que o Brasil não tem estrutura para competir com outros
países hoje.
Eram essas minhas perguntas. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado de Velasco) - Com a palavra o Sr. Antonio
José Ferreira Simões.
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES - Muito obrigado. Eu gostaria de
dizer antes, respondendo ao Deputado Paulo Delgado, que pelo menos numa coisa
concordamos inteiramente, porque é uma situação em que estamos absolutamente
no mesmo pé; é que eu também gostaria de ter cortado o cabelo hoje de manhã
(risos). Não consegui.
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Agora, com relação aos pontos, eu gostaria de ressaltar, talvez retomando
algo que o Presidente Hélio Costa, que agora não está aqui, levantou, a respeito do
destino manifesto americano, toda aquela visão da sociedade americana, e ainda
voltando ao que se comentou aqui no início, o componente emocional, que, no caso
da ALCA, é muito significativo.
Hoje em dia existe uma tendência no mundo para a globalização. Isso é uma
realidade, é algo que se vê na rua. Basta andar na rua aqui, em São Paulo, no Rio
de Janeiro, ou em qualquer país, seja latino-americano, seja do norte, enfim, em
qualquer lugar vê-se claramente essa tendência. É a tendência da
internacionalização, da globalização, não só no sentido de vender produtos em
outros mercados, pois a própria produção tornou-se globalizada. A venda de
serviços, a informatização, isso é uma realidade. A ALCA é vista um pouco no Brasil
como um motor desse fenômeno, mas na verdade ela vem mais a reboque. Por
quê? Porque, no momento em que ela estiver efetivada, como mencionei aqui, quer
dizer, se a negociação concluir-se em 2005, se o Congresso brasileiro decidir
ratificar, se o Congresso americano ratificar, se os outros congressos também, se
tudo acontecer no lado positivo — são muitos "se" no meio disso —, teríamos a
operação da ALCA de agora a quinze anos mais ou menos, a operação completa.
De agora a quinze anos, se mantivermos o mesmo passo no caminho da
globalização que mantivemos nos anos 90 (e nada indica que essa tendência seja
invertida; pode ser que seja, mas não há indicação nesse sentido), esse fenômeno
da globalização será ainda maior. E aí é que entra o componente emocional que
mencionei antes.
É engraçado. O Brasil está participando de um acordo com o MERCOSUL e
com a União Européia. Nesses acordos os temas são os mesmos da ALCA: acesso
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a mercados, agricultura, compras governamentais; enfim, são praticamente os
mesmos assuntos. A posição dos europeus é basicamente a mesma dos
americanos; só varia em alguns aspectos. Muda, por exemplo, na agricultura. Talvez
os europeus sejam mais protecionistas. Os americanos são mais protecionistas nas
leis antidumping; os europeus são um pouco menos. Quer dizer, varia a matiz em
relação ao assunto, mas se fizermos um corte da posição dos dois grupos
constaremos que existem muito mais pontos de coincidência do que de diferenças.
O interessante é interessante notar que ninguém na sociedade brasileira se
preocupa com o acordo do MERCOSUL e da União Européia, ainda que nosso
comércio com a Europa seja basicamente de produtos primários. Vendemos
produtos primários e compramos manufaturados. Em relação aos Estados Unidos,
vendemos muitos produtos manufaturados e vendemos muitos manufaturados; já é
um comércio em que, em termos de valor agregado, nossa vantagem comparativa é
maior. Mas isso nunca é lembrado. Por quê? Por que existe essa diferença? Porque
existe um componente emocional.
Em termos da própria globalização, há uma grande preocupação, como foi
mencionado por quase todos os expositores, com o fato de as empresas americanas
invadirem o Brasil. Ninguém se preocupa, não vejo ninguém dizer que as empresas
espanholas ou portuguesas invadiram o Brasil com o processo de privatização. E
isso é fato; se recorrermos aos dados, verificaremos que muitas empresas de
telefonia foram compradas por empresas espanholas e portuguesas. E ninguém se
preocupou com esse fenômeno de "invasão", entre aspas. Então, existe esse
componente que eu acho que é preciso levar em conta.
O Deputado Paulo Delgado levantou um ponto muito importante, quanto a
pensarmos que vamos conseguir com artimanhas, digamos assim, levar vantagem
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sobre os Estados Unidos. Não estamos pensando em artimanhas. O que o Itamaraty
tem para jogar? Primeiro, o Itamaraty está muito consciente do lado ruim e do lado
bom dessa negociação. O Itamaraty não tem um posicionamento, digamos assim,
ingênuo. O Itamaraty não parte para essa negociação como um bom menino que faz
sua lição. Não. Partimos para essa negociação com uma visão extremamente
pragmática. É assim que a encaramos. E é esse o pragmatismo expresso pelo
Ministro Celso Lafer: a ALCA é uma opção; o MERCOSUL é um destino. Não foi só
uma frase do Ministro das Relações Exteriores. Isso reflete uma concepção
existente na diplomacia brasileira.
Agora, como pensamos encarar essa negociação? Pensamos em encará-la
com o elemento de barganha que temos, que é o nosso mercado. O mercado
brasileiro é algo que os Estados Unidos desejariam ter dentro do contexto da ALCA,
sem dúvida alguma. Eles não estão nessa negociação para nos agradar, mas
porque têm um interesse concreto, como nós também temos um interesse concreto.
Então, como sabemos que esse é o interesse concreto dos Estados Unidos, esse é
o elemento de barganha que vamos usar, que vamos trabalhar, e no qual vamos
insistir até o final.
Vamos retomar a questão da crise energética, sobre a qual perguntou o
último Deputado. Evidentemente a crise energética é um problema a mais dentro
dessa situação que temos de enfrentar. Neste momento, eu acho que a sociedade
brasileira tem de demonstrar solidariedade e maturidade, e enfrentar esse problema.
Essa crise tem pelo menos um lado extremamente positivo. Eu acho que temos uma
vantagem enorme em relação à ALCA; estamos discutindo a ALCA no Congresso
brasileiro em 2001, não estamos discutindo em 2007. Isso é importante, porque é
necessário que tenhamos condições de nos preparar. Essa discussão é
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extremamente bem-vinda, porque é uma discussão com as forças vivas da
sociedade e permite mostrarmos o que é preciso fazer. E uma das coisas que é
preciso fazer também foi lembrada pelo ilustre Deputado, que é a questão de
reforçar o MERCOSUL, é questão de dar tratamento efetivo ao relacionamento
Brasil/Argentina. E isso estamos fazendo.
Finalmente, a última pergunta que me foi dirigida refere-se a como o próximo
Governo trataria dessa questão, quer dizer, como, nesse prazo de até 2005,
interfere o fato de termos eleição. Gostaria de dizer que esse foi um dos elementos
importantes para o Brasil. Além de termos ganhado mais tempo, que é necessário
para a indústria brasileira e a sociedade brasileira se prepararem para essa
negociação, um dos elementos de consideração do Governo brasileiro foi esse de
que, se essa negociação terminasse em 2003, o próximo Governo teria um papel
muito menor na negociação da ALCA. Como o Itamaraty é um órgão do Governo
brasileiro, mas é também um órgão do Estado brasileiro, havia a preocupação de
que o próximo Governo pudesse trabalhar efetivamente esse assunto. E agora, com
o prazo até 2005, existe essa possibilidade, porque ainda haverá mais dois anos
com o próximo Governo.
É importante notar também que, de acordo com os prazos estabelecidos pela
negociação da ALCA, o Brasil assumirá, juntamente com os Estados Unidos, a co-
presidência do processo ALCA em novembro de 2002, quando já saberemos o
nome do próximo Presidente brasileiro. Isso é algo que demonstra, para fechar,
minha intervenção, que o Brasil estará trabalhando ativamente na condução do
processo, nos seus momentos cruciais.
Obrigado.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 000541/01 Data: 07/06/01
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O SR. DEPUTADO PAULO DELGADO - Conselheiro, vou voltar a essa
última questão, reportando-me à pergunta do colega. Gostaria de saber o seguinte:
no ano que vem temos eleição presidencial; os acordos em negociação estão
levando em conta a possibilidade não diria de ruptura do sistema brasileiro, porque
todos os candidatos no Brasil estão dentro do pacto democrático brasileiro, e essa é
a maturidade brasileira, mas há visões diferentes sobre a condução dessa
negociação por parte dos diferentes candidatos a Presidente da República; essa
questão está sendo levada em conta? Quer dizer, não se fixa acordo de longa
duração desde já se pode haver um processo de mudança de ênfase. Talvez pela
primeira vez na história brasileira a política externa será tema da eleição
presidencial. O ano que vem esse será um dos temas que estarão na agenda do
povo brasileiro, da realidade brasileira. Há essa cautela, esse cuidado por parte do
negociador brasileiro?
O SR. ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES - Sim, há essa cautela, que foi
exprimida exatamente na questão da definição do prazo para terminar a negociação.
Agora, é preciso entender também que o mundo tem os seus prazos. Não é a ALCA.
As diversas negociações, tudo que ocorre no mundo, as coisas vão-se sucedendo. É
importante entender o seguinte: não podemos adiar eternamente, digamos assim, a
inserção do Brasil na economia internacional, que foi acentuada no início dos anos
90 e segue uma tendência mundial. Se a sociedade brasileira decidir ficar à margem
do mundo, mesmo essa decisão seria muito difícil implementar, com a realidade
internacional que temos hoje. Portanto, é preciso haver consciência disso. Estamos
dentro de um processo internacional que não se resume à ALCA. Esse processo
está aí. É preciso entender que as forças da sociedade brasileira e o Congresso
precisam trabalhar para influir nisso. Cada vez é mais difícil trabalharmos com um
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conceito esperando que o mundo pare, para que então um dia possamos entrar
nesse mundo. É muito difícil isso ocorrer. Essa é uma visão romântica que entendo
que hoje ninguém mais tem. Mesmo aquelas pessoas que têm preocupações sérias
com os temas entendem que a melhor forma de tratá-los é participar. Então, hoje, no
Brasil, esse sentido de maturidade, mesmo dentro dos partidos de oposição, é visto
de uma forma muito clara.
Gostaria de encerrar agradecendo ao Deputado Hélio Costa, Presidente da
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, o convite, dizendo, em
nome do Ministro Celso Lafer, que, em termos institucionais, é um prazer estar aqui.
Mesmo em termos pessoais, é um prazer muito grande. Além de ser uma política do
Ministro Celso Lafer, é algo em que acredito pessoalmente. Ou seja, sem interação
com a sociedade, é absolutamente impossível ao negociador brasileiro trabalhar
tema tão delicado como a ALCA. É necessário este tipo de debate, que vejo com
muita satisfação. Eu acho é importante ouvir diversas opiniões. É um aspecto da
democracia, da participação da sociedade brasileira, e, como órgão que deve refletir
a visão da sociedade, o Itamaraty deve estar preparado para o debate.
Pessoalmente, repito, sinto muita satisfação por poder participar e ouvir as
diversas opiniões. É preciso que as forças vivas da sociedade participem mais de
forma construtiva. E eu quero dizer que estou aberto, com o Embaixador Graça
Lima, na Subsecretaria Geral de Assuntos Econômicos, para ouvir todos aqueles
que tiverem interesse em participar. Temos a SENALCA, Seção Nacional de
Assuntos relacionados com a ALCA, cujo Presidente é o Embaixador Graça Lima e
eu o Secretário Executivo e onde fazemos reuniões regulares. Estamos dispostos a
ouvir todos os lados, as opiniões diversas, e fazer com que esses pontos sejam
refletidos na posição do Governo brasileiro.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão de Relação Exteriores e de Defesa NacionalNúmero: 000541/01 Data: 07/06/01
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Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Hélio Costa) - Muito obrigado, Conselheiro.
Em nome da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, agradeço
ao Conselheiro Antonio José Ferreira Simões, Chefe do Núcleo de Coordenação da
Subsecretaria de Assuntos de Integração Econômica e de Comércio Exterior do
Ministério das Relações Exteriores, a participação.
Sr. Conselheiro, Sras. e Srs. Deputados, o Itamaraty tem sido de grande valia
para nós no entendimento da questão da ALCA, tem-nos ajudado em todos os
sentidos. Já esteve conosco o Embaixador Seixas Corrêa, depois o Embaixador
Pinheiro Guimarães, mais recentemente o Embaixador Graça Lima, e agora V.Exa.,
sempre prestando as informações atinentes à discussão da questão da ALCA e da
participação do Brasil. E esperamos que, no futuro, possamos continuar discutindo
essa questão, sempre contando com a colaboração, a presteza e a atenção do
Ministério das Relações Exteriores.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião de audiência
pública, comunicando que, em princípio, haverá reunião ordinária quarta-feira, dia 13
de junho, às 9 horas da manhã.
Muito obrigado a todos.
Está encerrada a reunião.