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1 1 Dermatologia normal Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues compõem: camada basal (mais profunda), camada espinho- sa (logo acima da basal), camada granulosa (penúlma) e a camada córnea (a mais externa/supercial). O tempo que uma célula leva a parr da formação na camada basal, por meio de divisões mitócas, até chegar ao desprendimento nal na camada córnea, é de 15 a 30 dias, e é o turnover celular epidérmico. Em algumas doenças, como a psoríase, esse turnover ca reduzido para 4 a 5 dias (doença hiper- proliferava). A maturação das células epidérmicas consiste na trans- formação das células colunares da camada basal em células achatadas e queranizadas na camada córnea. As células da camada basal cam aderidas à derme por hemidesmosso- mos, que se encontram na zona da membrana basal (lâmina lúcida). A camada espinhosa recebe esse nome porque é nela que cam mais evidentes as pontes intercelulares (como se fossem espinhos) que são responsáveis pela adesão entre os queranócitos e são chamadas desmossomos. Integrinas é o nome geral que se dá às moléculas de adesão entre os queranócitos que compõem os desmossomos. Esses, por sua vez, ancoram os lamentos intermediários, que são es- truturas proteicas (queranas). Quando essas aderências são quebradas, ocorrem bolhas como no pêngo e na epi- dermólise bolhosa. Na epiderme, diferentes pares de querana são produ- zidos conforme as células se diferenciam em direção à su- percie: queranas 5 e 14 são expressas na camada basal, e 1 e 10, na camada espinhosa. A camada granulosa é determinada desta forma porque nela são mais visíveis os grânulos de querato-hialina que se- rão liberados envolvendo as células epidérmicas e gerando, assim, a corneicação. Na camada córnea, as células cam fortemente ligadas por pontes de sulfeto e a querato-hialina; além disso, grâ- nulos lipídicos cobrem as membranas celulares, e tudo isso confere uma capacidade de 98% de retenção de água, uma importante função cutânea. 1. Anatomia e siologia A - Introdução Longe de ser um tratado para esses 2 temas, neste capí- tulo são consideradas algumas informações relevantes que aparecem com maior frequência em questões de provas para Residência. B - Anatomia A pele se divide em 3 camadas disntas, sendo a epi- derme, de origem embrionária ectodérmica, e a derme e o subcutâneo de origem mesodérmica (notar que o siste- ma nervoso central também tem origem ectodérmica, daí a provável relação dos quadros dermatológicos com aspectos emocionais). Figura 1 - Principais estruturas da pele A epiderme é um epitélio escamoso pluriestracado, formado basicamente por queranócitos que vão se matu- rando e diferenciando, gerando, assim, as 4 camadas que a CAPÍTULO 1 1

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Dermatologia

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Page 1: Dermatologia R3

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Dermatologia normal

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

compõem: camada basal (mais profunda), camada espinho-sa (logo acima da basal), camada granulosa (penúlti ma) e a camada córnea (a mais externa/superfi cial). O tempo que uma célula leva a parti r da formação na camada basal, por meio de divisões mitóti cas, até chegar ao desprendimento fi nal na camada córnea, é de 15 a 30 dias, e é o turnover celular epidérmico. Em algumas doenças, como a psoríase, esse turnover fi ca reduzido para 4 a 5 dias (doença hiper-proliferati va).

A maturação das células epidérmicas consiste na trans-formação das células colunares da camada basal em células achatadas e querati nizadas na camada córnea. As células da camada basal fi cam aderidas à derme por hemidesmosso-mos, que se encontram na zona da membrana basal (lâmina lúcida).

A camada espinhosa recebe esse nome porque é nela que fi cam mais evidentes as pontes intercelulares (como se fossem espinhos) que são responsáveis pela adesão entre os querati nócitos e são chamadas desmossomos. Integrinas é o nome geral que se dá às moléculas de adesão entre os querati nócitos que compõem os desmossomos. Esses, por sua vez, ancoram os fi lamentos intermediários, que são es-truturas proteicas (querati nas). Quando essas aderências são quebradas, ocorrem bolhas como no pênfi go e na epi-dermólise bolhosa.

Na epiderme, diferentes pares de querati na são produ-zidos conforme as células se diferenciam em direção à su-perfí cie: querati nas 5 e 14 são expressas na camada basal, e 1 e 10, na camada espinhosa.

A camada granulosa é determinada desta forma porque nela são mais visíveis os grânulos de querato-hialina que se-rão liberados envolvendo as células epidérmicas e gerando, assim, a corneifi cação.

Na camada córnea, as células fi cam fortemente ligadas por pontes de sulfeto e a querato-hialina; além disso, grâ-nulos lipídicos cobrem as membranas celulares, e tudo isso confere uma capacidade de 98% de retenção de água, uma importante função cutânea.

1. Anatomia e fi siologia

A - Introdução

Longe de ser um tratado para esses 2 temas, neste capí-tulo são consideradas algumas informações relevantes que aparecem com maior frequência em questões de provas para Residência.

B - Anatomia

A pele se divide em 3 camadas disti ntas, sendo a epi-derme, de origem embrionária ectodérmica, e a derme e o subcutâneo de origem mesodérmica (notar que o siste-ma nervoso central também tem origem ectodérmica, daí a provável relação dos quadros dermatológicos com aspectos emocionais).

Figura 1 - Principais estruturas da pele

A epiderme é um epitélio escamoso pluriestrati fi cado, formado basicamente por querati nócitos que vão se matu-rando e diferenciando, gerando, assim, as 4 camadas que a

CAPÍTULO

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DERMATOLOG IA

Outras fi guras celulares importantes na epiderme são:

-Células melanócitos: derivadas da crista neural e que residem na camada basal, onde produzem a melani-na e a distribuem para aproximadamente 30 querati -nócitos. O substrato para elaboração da melanina é a ti rosina. Todos os humanos têm o mesmo número de melanócitos, porém os afrodescendentes têm maior produção de melanina; -Células de Langerhans: derivadas de monócitos oriun-dos da medula óssea que residem na camada espinho-sa, e são apresentadoras de antí genos para os linfó-citos T, desenvolvendo importante papel em quadros alérgicos e na imunidade celular; -Células de Merkel: residem na camada basal e são querati nócitos modifi cados que assumem ati vidades neurossensoriais táteis.

Uma destacada função que ocorre na epiderme é a con-versão da vitamina D pela luz solar.

A derme é um tecido conecti vo denso, composto princi-palmente de colágeno (maior parte ti po I), elasti na e glico-saminoglicanas. Essas fi bras colágenas e elásti cas oferecem proteção mecânica de barreira e mantêm a coesão da epi-derme. Ela se divide em 2 partes:

-Derme papilar: é a porção mais superfi cial que se apresenta como “dedos” (papilas) que invadem a epi-derme. Nela estão a lâmina basal que suporta a últi ma camada da epiderme, fi guras celulares (mastócitos, macrófagos e fi broblastos) e estruturas sensoriais (cor-púsculos de Meissner que têm parti cipação no tato); -Derme reti cular: possui poucas células e é composta basicamente pelo tecido conecti vo amorfo (colágeno e fi bras elásti cas).

Ainda fazem parte da derme as estruturas vasculares (capilares que formam o plexo profundo junto à hipoder-me e o superfi cial na derme papilar), fi bras musculares do folículo piloso e neurônios que interagem com receptores sensoriais (os de Meissner, já citados, os de Paccini/pressão e os de Rufi ni/temperatura).

A hipoderme fornece a proteção mecânica e o isola-mento térmico, além de ser uma fonte de armazenamento energéti co na forma lipídica. Contém o maior plexo vascular que nutre a pele e é composta por grupos de adipócitos, formando ácinos lobulados separados por septos fi brosos. Em processos infl amatórios denominados de paniculites, é importante diferenciar se a infl amação é predominante-mente septal ou lobular. Ela também abriga os seguintes apêndices cutâneos:

-Folículo piloso: fonte de regeneração epidérmica no caso de lesões profundas da pele (é revesti do por epi-télio escamoso estrati fi cado); o número de folículos é defi nido na fase embrionária e não aumenta durante a vida (uma vez destruído, não é possível sua regene-ração);

-Glândulas sebáceas: produzem o sebum (mistura de colesterol e ácidos graxos), que serve como proteção anti bacteriana e hidratação da pele. São ligadas aos fo-lículos pilosos, onde liberam a secreção, e são do ti po holócrina, ou seja, toda a porção celular da glândula é excretada junto com o sebum. Estão presentes em todo tegumento, exceto na região palmoplantar. -Glândulas sudoríparas: existem 2 ti pos:

• Écrinas: localizadas na transição da derme e hipo-derme em toda a pele corporal, sua principal função é a regulação térmica pelo resfriamento da sudo-rese. Desembocam diretamente na superfí cie epi-dérmica, onde liberam de 0,5 a 10L de suor por dia (água + cloreto de sódio + ureia + lactato amônia). O estí mulo colinérgico aumenta sua ati vidade;

• Apócrinas: encontradas apenas nas regiões anoge-nitais e axilares e desembocam nos folículos pilosos, onde liberam a secreção composta por proteínas, carboidratos e íons férricos, que são metabolizadas por bactérias provocando o odor característi co do suor. Só passam a funcionar na puberdade;

• Unhas: formadas pela matriz que se situa na porção proximal e que é responsável pelo constante cresci-mento. Formam a lâmina ungueal composta de quera-ti na e que se situa sobre o leito ungueal. Distalmente à matriz, situa-se a lúnula. Além disso, temos o eponí-quio ou cutí cula, que é uma dobra de pele na porção proximal da unha, paroníquia que é a dobra de pele nos lados da unha, e hiponíquio, que é uma fi xação entre a pele do dedo e a porção distal da unha.

Figura 2 - Estruturas da unha

Tabela 1 - Comparação entre os principais ti pos de glândulas

Glândulas sebáceas Glândulas écrinas

LocalizaçãoToda a pele, exceto palmas e plantas.

Toda a pele, incluindo palmas e plantas.

Desembocadura Folículo piloso. Direto na superfí cie.

Ducto Epitélio escamoso. Epitélio cuboidal.

Secreção Espontânea.Contração de fi bras mioepiteliais.

Composição Ácidos graxos, cera-midas e triglicérides.

Água, sais minerais, ureia e lactato.

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2. Lesões elementares

- Introdução

O vocabulário empregado no meio dermatológico é de fundamental importância para ati ngir o diagnósti co, pois as síndromes e doenças dermatológicas são classifi cadas de acordo com a lesão elementar. Por isso, o 1º passo para aprender Dermatologia é ter o conhecimento da nomen-clatura usada na descrição dos achados no exame derma-tológico. Essa parte aborda justamente tais informações propedêuti cas:

a) Mácula

Sinonímia: mancha. Lesão plana, sem alteração de re-levo ou de textura, apenas mudada na coloração (qualquer tonalidade mais clara ou escura que a pele normal). Pode ser eritematosa, devido à vasodilatação, acastanhada, em razão da melanina, arroxeada, pelo extravasamento de san-gue etc.

b) Pápula

Lesão nodular, circunscrita, pequena, com no máxi-mo 1cm de diâmetro que pode estar apenas na epiderme (como uma verruga) ou na derme (como um nevo melano-cíti co).

c) Placa

Quando uma lesão elevada assume um tamanho maior que 1cm, sem no entanto ser circunscrita/arredondada. Seria o equivalente da mancha, porém com alteração do relevo e textura.

d) Nódulo

Uma lesão elevada maior que 1cm assumindo um as-pecto tumoral circunscrito.

e) Vegetação

Lesão tumoral que assume um aspecto verrucoso.

f) Vesícula

Uma lesão bolhosa com menos de 1cm e conteúdo hia-lino, normalmente encontrada íntegra.

g) Bolha

Lesão com conteúdo líquido claro com mais de 1cm e que pode estar íntegra ou rota, deixando uma área desnuda com exulceração e crostas.

h) Pústula

Vesícula cujo conteúdo é purulento, podendo ser es-téril (como ocorre na psoríase pustulosa) ou contaminada (como nas foliculites e na acne vulgar).

i) Exulceração

Área delimitada de perda somente da epiderme, consti -tuindo uma úlcera superfi cial.

j) Úlcera

Área delimitada com perda da epiderme e parte da der-me (algumas vezes, chega a planos profundos).

k) Fissura

Área de ulceração cujo comprimento maior é o diâme-tro, caracterizando uma lesão linear.

l) Abscesso

Lesão com conteúdo purulento que pode assumir gran-des proporções em tamanho e profundidade.

m) Fístula

Lesão linear que surge pela drenagem de um abscesso ou coleção purulenta e que assume um trajeto tunelizado.

n) Furúnculo

Um pequeno abscesso restrito a um folículo.

o) Atrofi a

Área delimitada da pele em que há uma diminuição da espessura e consequentemente do relevo, porém manten-do a integridade da epiderme (diferentemente da úlcera).

p) Liquenifi cação

Estado de elevação de uma placa ou pápula, na qual a superfí cie fi ca com sulcos lineares e ondulações, lembrando uma placa de líquen marinho.

q) Poiquilodermia

Área delimitada em que são encontradas atrofi a, hiper-pigmentação acastanhada e telangiectasias.

r) Equimoses

Mácula causada pelo extravasamento de sangue/hemá-cias, sem alteração de volume.

s) Púrpura não palpável

Uma equimose punti forme.

t) Púrpura palpável

Uma pápula vinhosa que normalmente indica um pro-cesso infl amatório de vasos.

u) Hematoma

Lesão volumosa causada pelo extravasamento e acúmu-lo de sangue.

Tabela 2 - Lesões elementares

Mácula: lesão plana, sem alteração de relevo ou de textura.

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DERMATOLOG IA

Pápula: lesão nodular, circunscrita com no máximo 1cm.

Placa: área maior que 1cm com alteração do relevo e textura.

Nódulo: lesão circunscrita maior que 1cm.

Vesícula: lesão bolhosa com menos de 1cm.

Bolha: conteúdo hialino maior que 1cm.

Pústula: vesícula cujo conteúdo é purulento.

Exulceração: perda somente da epiderme.

Úlcera: perda da epiderme e parte da derme.

Fissura: ulceração linear.

Abscesso: lesão com conteúdo purulento profunda e grande.

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Furúnculo: pequeno abscesso do folículo piloso.

Atrofi a: diminuição da espessura e relevo.

Liquenifi cação: elevação de uma placa com sulcos.

Púrpuras e equimoses: o mesmo que máculas, porém violáceas.

3. Cicatrização normal

- Introdução

Consiste no processo de restauração tecidual após da-nos de diferentes níveis, sendo um processo dinâmico divi-dido em fases independentes, mas que se interagem. Essa

regeneração é fundamental para manter uma das funções mais importantes da pele, a barreira contra a invasão de germes, e também evitar a perda hidroeletrolíti ca.

a) Perdas teciduais

Os danos à pele podem ser divididos de acordo com o nível afetado: superfi cial (apenas a epiderme e parte da derme papilar), médio (perda de toda a derme) e profundo (perda até o tecido celular subcutâneo). A importância está no fato de que, uma vez ati ngida a derme profunda, per-dem-se os anexos cutâneos que servem como fonte de re-generação da epiderme e, nesse caso, a cicatrização é mais demorada e sempre leva a tecidos fi bróti cos diferentes da pele normal.

b) Fases da cicatrização

Ocorre uma complexa interação entre células infl amató-rias do sistema de coagulação e da matriz extracelular por meio da produção de citocinas e mediadores químicos:

-Fase infl amatória: pode ser dividida em resposta vas-cular e celular. Na 1ª, há controle do tônus vascular (inicialmente, a vasoconstricção para controle do san-gramento e posteriormente vasodilatação que permi-te a chegada de leucócitos), e, na 2ª, recrutamento de células como macrófagos e neutrófi los atraídos por fatores produzidos pelas plaquetas e pelas células de endotélios lesados. As plaquetas, além de convocarem os leucócitos, trabalham na produção da rede de fi bri-na que servirá de esqueleto para que as demais célu-las iniciem a produção da matriz reparadora. Após as plaquetas, os neutrófi los são os primeiros a chegarem, e também convocam as demais células por meio da produção de citocinas. Entre esses estão os mastócitos e os monócitos que auxiliam na fagocitose de debris tecidual; -Fase proliferati va: nesta etapa, há a restauração da barreira de permeabilidade, o processo de restabeleci-mento da vasculatura (neoangiogênese) e, por últi mo, o reforço estrutural do tecido reparado (fi broplasia). A reepitelização ocorre devido à migração de querati -nócitos das bordas das feridas e dos anexos cutâneos (folículos pilosos), quando estes não foram destruídos pelo trauma. Se esse processo for facilitado pelo médi-co (como a aproximação das bordas numa sutura), ele será dito cicatrização por 1ª intenção; se não houver facilitação, ele será chamado de cicatrização por 2ª in-tenção. Paralelamente à migração dos querati nócitos, ocorre a formação do tecido de granulação (3 a 4 dias após a injúria), justamente com a angioplasia e a fi bro-plasia. Esta últi ma é liderada pelos fi broblastos que são responsáveis pela produção de colágeno (princi-palmente, ti po III no início), proteoglicanas e elasti na. Ainda nessa fase, ocorre a contração da ferida respon-sável, em parte, pela redução do tamanho da área le-sada; a contração também é realizada por fi broblastos modifi cados (miofi broblastos);

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DERMATOLOG IA

-Fase de remodelação: consiste na deposição do mate-rial da matriz extracelular e sua subsequente mudança ao longo do tempo. É o que acontece, por exemplo, com o colágeno, que no início era predominantemente do ti po III e passa a ser substi tuído pelo colágeno ti po I (pela ação de proteinases/colagenases). Essa mudança também afeta as proteoglicanas e as fi bras elásti cas.

4. Queloides

A - Introdução

Trata-se de tumores benignos que se manifestam como uma cicatrização exuberante que vai muito além dos limites da cicatriz inicial.

B - Epidemiologia

Dependendo da população, a incidência pode variar muito (de 0,09% na Inglaterra a 16% no Zaire). O risco em pacientes negros é de 2 a 19 vezes maior, mas aqui o pig-mento não é a questão, e sim a genéti ca. Também há maior incidência nos jovens em relação aos idosos e nas mulheres em relação aos homens.

C - Fisiopatologia

É desconhecida, mas alguns fatores são importantes. O mais relevante é a associação do ti po de trauma em um indivíduo com predisposição genéti ca; outros fatores impli-cados são infecções das feridas, endócrinos (MSH) e tensão na cicatriz. Diferenças regionais fenotí picas dos fi broblas-tos, o que explica a maior prevalência em certas regiões como orelha, tronco e, raramente, mãos.

D - Quadro clínico

Inicia-se após semanas a meses do trauma cutâneo; muitas vezes, este é mínimo e imperceptí vel, como nos queloides ditos “espontâneos”. No local da ferida, inicia-se a formação de um nódulo eritematoacastanhado bem fi r-me à palpação; ele não respeita os limites da cicatriz inicial, fato usado para diferenciá-lo das cicatrizes hipertrófi cas (Tabela 3). Normalmente, podem ter o prurido associado.

Figura 3 - Paciente com nódulos eritematosos e endurecidos na região mandibular, sendo queloides de cicatrizes de acne

Tabela 3 - Diferenças entre queloides e cicatrizes hipertrófi cas

Queloides Cicatrizes hipertrófi cas

Apresenta crescimento lento (meses).

Apresenta crescimento rápido (dias).

Tem proliferação contí nua. Tem proliferação limitada.

Excede limites da cicatriz. Respeita limites da cicatriz.

Ocorre em áreas de baixa mobilidade.

Ocorre em áreas de alta mo-bilidade.

Recorre com tratamento. Regride com o tratamento.

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico. Em caso de dúvida, a biópsia para exame anatomopatológico pode auxiliar na diferen-ciação dos queloides e das cicatrizes hipertrófi cas (nos pri-meiros, os feixes de colágeno são distribuídos aleatória e irregularmente, e nas últi mas eles são paralelos).

F - Tratamentos

Deve-se dar preferência a tratamentos menos agressi-vos pelo risco de recorrência.

As cirurgias para redução do volume devem ser par-ciais, mantendo uma pequena faixa de tecido queloidiano nas bordas da ferida. Como métodos adjuvantes, há tra-tamentos tópicos como o silicone (em gel ou em placa) e os corti coides adesivos; esses anti proliferati vos hormonais também podem ser aplicados intralesionalmente (trianci-nolona), sendo um dos métodos mais uti lizados. A beta--terapia (radioterapia localizada) também é indicada no pós-operatório imediato.

5. ResumoQuadro-resumo

- A pele tem origem ectodérmica e mesodérmica;

- A epiderme se divide em camada basal, espinhosa, granulosa e córnea; suas funções principais são proteção e conversão da vitamina D;

- A derme se divide em papilar e reti cular tendo uma função de sustentação;

- A hipoderme ou tecido subcutâneo é composta por um grupo de adipócitos com função de armazenamento energéti co.

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Doenças infecciosas e parasitárias

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

D - Quadro clínico

As verrugas vulgares, conhecidas por todos, são pápulas ceratósicas normocrômicas com pontos enegrecidos na su-perfí cie, sendo assintomáti cas.

Existem algumas variantes especiais com parti cularida-des como as verrugas fi liformes (mais alongadas), as ver-rugas plantares (conhecidas popularmente como “olho de peixe”), as verrugas planas (mais achatadas) e as verrugas periungueais (de difí cil tratamento).

Na região genital, normalmente são planas e podem ser consideradas DST, em algumas situações. Quando assumem uma coloração acastanhada, recebem o nome de papulose bowenoide, que tem um maior potencial de malignização para o carcinoma espinocelular.

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico. Em casos de dúvida, a biópsia para exame anatomopatológico pode ajudar.

A ti pagem do DNA do vírus com métodos de biologia molecular pode defi nir os pacientes que apresentam infec-ções pelos vírus potencialmente oncogênicos: HPV 6 e 11 e HPV 16 e 18.

F - Tratamentos

Os tratamentos visam ao início de uma resposta imune por intermédio da infl amação da lesão. Para isso, são usa-dos irritantes locais como ácidos salicílico e láti co, podofi li-na, cantaridina e outros.

Métodos destruti vos também são usados como cauteri-zação química com ácido tricloroacéti co (ATA), eletrocoagu-lação e criocirurgia com nitrogênio líquido.

O imiquimode tópico é um imunomodulador que au-menta a resposta celular contra o vírus, levando à melhora das lesões, principalmente nos casos de infecções genitais, em que os métodos destruti vos são agressivos.

I. Doenças virais

- Introdução

Este capítulo aborda as doenças provocadas por vírus, inclusive as que têm manifestações sistêmicas (como as exantemáti cas, por exemplo, rubéola e sarampo, que mui-tas vezes são debati das com foco da Infectologia).

1. Verrugas

A - IntroduçãoSão lesões benignas, porém contagiosas, restritas à epi-

derme e provocadas pelo vírus HPV, com diversos subti pos (mais de 100).

B - Epidemiologia

As verrugas são doenças universais afetando qualquer faixa etária (comuns em crianças e raras nos idosos) e sem predileção por sexo. Também são importantes causadoras de DSTs, tendo alguns subti pos de HPV com implicação na oncogênese dos tumores de colo uterino.

C - Fisiopatologia

Um pequeno trauma serve como porta para a entrada do vírus que infecta as células epidérmicas. Em pessoas normais, a infecção é controlada pela resposta imune ce-lular, mas alguns indivíduos parecem ter uma defi ciência específi ca nessa resposta ou uma imunossupressão mais generalizada, como portadores de HIV.

Tabela 1 - Associações dos vírus HPV

HPV 16 e 18 - Malignização.

HPV 6 e 11

- Papilomatose respiratória;

- Lesões anogenitais;

- Carcinoma de pulmão.

HPV 2, 3 e 10 - Epidermodisplasia verruciforme.

CAPÍTULO

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DERMATOLOG IA

Figura 1 - Verruga fi liforme: pápula normocrômica alongada na região glabelar

Figura 2 - Verruga comum: pápulas e nódulos acastanhados de su-perfí cie áspera na região ti bial

Figura 3 - Verruga plana: pápulas normocrômicas achatadas em antebraço

2. HerpesA Tabela 2 apresenta os 8 ti pos de herpes-vírus (HHV)

que causam infecções nos humanos:

Tabela 2 - Família Herpesviridae

-HSV-1 -Herpes-simples ti po 1

-HSV-2 -Herpes-simples ti po 2

-HHV-3 -Herpes-zóster

-HHV-4 -Epstein-Barr

-HHV-5 -Citomegalovírus

-HHV-6 -Exantema súbito -HHV-7

-HHV-8 -Sarcoma de Kaposi

Destes, o HHV-4 e o HHV-8 são os únicos com potencial de malignização.

Neste capítulo, o foco maior está nas doenças estrita-mente dermatológicas. Todos os HHVs têm a capacidade de permanecer num estado latente, com uma reati vação futu-ra posterior que provoca as manifestações. Enquanto são portadores assintomáti cos dos vírus latentes, os pacientes acabam por infectar outros contactantes ínti mos, propa-gando o vírus.

A - Herpes-simples

a) Introdução

Os vírus do herpes-simples (HSV-1 e HSV-2), na maioria dos casos, causam infecções benignas mais recorrentes na pele (genitais e lábios) ou nos olhos. Podem, eventualmen-te, estar associados a quadros mais graves, como meningi-tes e encefalites.

b) Epidemiologia

O herpes-simples é universal, afeta todas as faixas etá-rias, dependendo da apresentação clínica, e não tem predi-leção por sexo.

Os quadros recorrentes genitais muitas vezes são con-siderados DSTs, pois o contágio se dá por meio de contato ínti mo.

c) Fisiopatologia

O herpes-simples necessita de um microtrauma para servir como porta de entrada para o vírus que, em uma pri-moinfecção, leva a quadros mais exuberantes com manifes-tações sistêmicas. O vírus tem tropismo por tecidos neurais, onde permanece em estado de latência e nunca é totalmen-te eliminado pelo sistema imunológico. Posteriormente, sua reati vação leva às manifestações clínicas clássicas; tais reati vações apresentam alguns fatores predisponentes, como exposição solar, doença febril, estresse emocional ou imunossupressão.

d) Quadro clínico

O quadro inicial do herpes-simples pode se dar apenas com sintomas locais tais como ardor e/ou prurido. Com a evolução, surge uma área eritematosa e, em seguida, sobre esta, aparecem as vesículas de conteúdo claro no início e que podem se tornar hemorrágicas ou purulentas. As apre-sentações clínicas do herpes-simples são diversas:

- Infecções mucocutâneas (HSV-1): podem ser apre-sentadas em qualquer região, mas comumente acon-

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DO E NÇA S I N F E CC IO S A S E P A RA S I T Á R I A S

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tecem nos lábios. Surgem vesículas agrupadas sobre base eritematosa; podem ou não vir precedidas de um leve desconforto prodrômico. A cicatrização se dá em 7 a 10 dias. Nos imunossuprimidos, as lesões fi cam mais prolongadas e progressivas e podem sofrer dissemina-ção. A primoinfecção acontece em crianças e tem um aspecto mais exuberante com erosões da mucosa oral disseminadas, conhecidas como gengivoestomati te herpéti ca. Esse quadro, quando ocorre nos dedos (fa-langes distais), é conhecido como panarício herpéti co; -Herpes genital (HSV-2): caracteriza-se por vesículas que erodem e formam úlceras em qualquer parte da genitália masculina ou feminina; é a causa mais co-mum de úlceras em genitais/DST. Em 10 a 20% dos casos, pode ser por HSV-1. A infecção primária é mais prolongada e exuberante, e cursa com adenomegalia e sintomas consti tucionais. -Quadros mais graves:

• Cerati te por herpes: infecção dolorosa da córnea que pode provocar cegueira;

• Herpes neonatal: infecções de recém-nascidos con-taminados durante o trabalho de parto (muitas ve-zes, com mães assintomáti cas); cursa com quadro cutâneo disseminado e de SNC, podendo provocar morte ou sequelas graves;

• Meningoencefalite herpéti ca: quadros esporádicos com comprometi mento do lobo temporal podendo provocar convulsões, coma e morte;

• Outros: mielorradiculites, pneumonites, esofagi-tes etc.

Há, também, quadros cutâneos associados ao herpes como o eritema multi forme recorrente e o eczema herpé-ti co, também conhecido como erupção variceliforme de Kaposi (infecção disseminada em pacientes que apresen-tam outras dermatoses severas, como dermati te atópica extensa e doenças bolhosas graves).

Figura 4 - Herpes-simples: pápulas e vesículas sobre base eritema-tosa agrupadas na região inguinal

e) Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico. Em casos especiais, como ges-tantes, imunocomprometi dos e evolução atí pica, os exames podem ser necessários. O teste de Tzanck (raspagem da base da lesão e coloração do material com Giemsa) revela a presença de células gigantes multi nucleadas.

O diagnósti co de certeza pode ser dado com biópsia e cultura. Imuno-histoquímica e PCR podem encontrar DNA do vírus em tecidos infectados. A sorologia nem sempre é úti l, pois pode apenas indicar uma infecção prévia (seria melhor provar a soroconversão). Deve-se solicitar diagnós-ti co de HIV em casos exuberantes e de evolução atí pica.

f) Tratamentos

As infecções mucocutâneas simples evoluem para a cura espontânea e raramente precisam de tratamento. Tratamentos anti ssépti cos são usados para evitar a infecção secundária.

Quando se exige o tratamento, opta-se por medicações sistêmicas, pois as pomadas são de baixa efi cácia (reserva-das a casos leves). As drogas mais usadas são o aciclovir, 400mg, a cada 5 horas durante 5 dias, fanciclovir, 250mg, a cada 12 horas por 5 dias, e valaciclovir, 500mg, a cada 12 horas. Pacientes com mais de 6 erupções ao ano po-dem receber tratamento supressor contí nuo com as mes-mas medicações em doses menores. Infecções graves e em imunocomprometi dos devem ser tratadas com medicação intravenosa.

B - Herpes-zóster e varicela

a) Introdução

O vírus do herpes-zóster (HSV-3) é o causador da varice-la/catapora (sendo a manifestação da primoinfecção) e do herpes-zóster.

b) Epidemiologia

A varicela é uma erupção comum na infância e pode sur-gir em epidemias, normalmente no outono e no inverno. E o herpes-zóster é mais frequente nos idosos pelo provável estado parcial de imunodepressão.

c) Fisiopatologia

A contaminação do herpes-zóster e da varicela se dá pela transmissão aérea de perdigotos. Na primoinfecção (catapora), ocorre a viremia com disseminação e os sinto-mas sistêmicos. Também acontece o fenômeno de latência, e as próximas manifestações acontecerão na fase adulta, por meio do herpes-zóster.

d) Quadro clínico

O estudo das manifestações clínicas pode ser subdividi-do nos 2 quadros principais:

-Varicela: tem início com um quadro gripal leve seguido da erupção cutânea disseminada, cuja principal carac-terísti ca é o polimorfi smo; apresenta simultaneamen-

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DERMATOLOG IA

te vesículas, lesões erosivas, lesões crostosas e lesões cicatriciais residuais (vários ti pos de lesões dermatoló-gicas). A disseminação é centrífuga (das porções cen-trais para as extremidades), e a remissão é espontânea em questão de dias (21 dias), podendo gerar cicatri-zes defi niti vas em alguns casos. A encefalopati a é uma complicação rara, mas possível, bem como a síndrome de Reye em caso de uso de AAS. Recém-nascidos, adul-tos e imunocomprometi dos podem desenvolver uma pneumonia grave pelo HSV-3 (rara nas crianças imuno-competentes); -Herpes-zóster: normalmente, inicia-se com dor lanci-nante ou disestesia no trajeto da raiz nervosa acome-ti da. Dois a 3 dias depois, surge a erupção localizada formada por vesículas agrupadas sobre base eritema-tosa numa disposição linear, unilateral, em dermáto-mo/faixa.

Quando a erupção não acontece, a dor é confundida com outras causas de dores torácicas e/ou abdominais (in-farto do miocárdio, apendicite etc.); nesse caso, fi ca carac-terizado o herpes-zóster sine herpete. Raramente as lesões ocorrem, como no caso do herpes-simples (menos de 4%). Uma apresentação especial acontece quando o ramo oft ál-mico do trigêmeo é acometi do – zóster oft álmico –, o que é preocupante, pois pode levar ao comprometi mento ocular.

A complicação, frequente em idosos, é a neuralgia pós--herpéti ca que pode tornar-se persistente e necessitar de tratamentos para dor crônica.

Figura 5 - Herpes-zóster: pápulas, crostas e vesículas sobre base eritematosa agrupadas com disposição em faixa/dermátomo no MSD

C - Métodos diagnósti cos

Na varicela e no herpes-zóster, o diagnósti co é clínico. Também pode ser realizado o teste de Tzanck que revela células gigantes multi nucleadas como no herpes-simples.

O diagnósti co de certeza também é obti do com bióp-sia e cultura, se necessário. Deve-se solicitar HIV nos casos

exuberantes (mais de 3 dermátomos acometi dos) e de evo-lução atí pica.

D - Tratamentos

Na varicela, o tratamento é sintomáti co com anti -hista-mínicos para o alívio do prurido e tópicos anti ssépti cos para evitar a infecção secundária. Manter isolamento até 2 dias após a últi ma lesão, se resolver.

No herpes-zóster, ele é sempre sistêmico e deve ser ini-ciado nas primeiras 24 horas, com as mesmas medicações citadas no caso de herpes-simples, porém a dose é dobrada e estendida para 7 dias. Após 72 horas, o tratamento pode ser inefeti vo.

Infecções disseminadas em imunocomprometi das de-vem ser tratadas com medicação intravenosa, bem como as complicações da varicela. A vacinação é possível e pode ser usada em adultos suscetí veis (exceto imunocomprome-ti dos).

3. Molusco contagioso

A - Introdução

Infecção benigna, crônica e localizada da pele, causa-da por vírus com tropismo pela epiderme, da família dos poxvírus.

B - Epidemiologia

A infecção é comum em crianças e, como o nome re-vela, tem alta contagiosidade, tanto para o próprio indiví-duo (levando à disseminação do quadro) como para outras crianças. Em adultos, acontece mais nos genitais e pode ser considerada uma DST.

C - Fisiopatologia

O contato direto ou via fômites (roupas, toalhas etc.) é que leva ao quadro dermatológico. A imunidade celular tem papel importante, como comprovado nos pacientes HIV positi vos que têm lesões gigantes e numerosas.

D - Quadro clínico

As lesões são pápulas normocrômicas a translúcidas, umbilicadas e isoladas, assintomáti cas, que podem surgir em qualquer localização (poupam as regiões palmoplanta-res). Além disso, raramente ultrapassam 0,5cm (nos imu-nossuprimidos, podem chegar a 2cm). As lesões podem so-frer infl amação, oferecendo bons indícios de que o organis-mo elaborou uma resposta imunológica; nesse caso, podem tornar-se pruriginosas.

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Figura 6 - Pápulas normocrômicas umbilicadas isoladas em náde-ga de criança: molusco contagioso

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é essencialmente clínico. Na dúvida, é obti do com o exame anatomopatológico da lesão. Não há outros métodos para a diagnose.

F - Tratamentos

Também é destruti vo e irritati vo, como no caso das ver-rugas, sendo uti lizados ácidos, curetagem, eletrocoagula-ção e criocirurgia com nitrogênio líquido.

4. Nódulo dos ordenhadores

A - Introdução

Também é causado por vírus da família Pox, sendo be-nigno, pois é autolimitado e restrito à pele.

B - Epidemiologia

É muito comum entre trabalhadores de fazendas e vete-rinários que prati camente se autodiagnosti cam, e considera-da por muitos uma doença ocupacional no agronegócio. Só pode ser contraída de animais normalmente bovinos jovens com infecção ati va; não há contágio inter-humano. Muito semelhante ao quadro transmiti do por ovinos chamado Orf.

C - Fisiopatologia

O vírus é inoculado após pequeno trauma comumente durante a manipulação das tetas infectadas que apresen-tam lesões ulceradas. Acaba instalando-se e replicando-se na epiderme, onde causa intensa necrose e cujas células apresentam alterações citopáti cas (corpúsculos de inclusão e células gigantes multi nucleadas).

D - Quadro clínico

Manifesta-se por 1 ou mais nódulos com centro cerató-sico com pontos enegrecidos (lembra verruga) circundado

por halo infl amatório intenso. Pode ter prurido e dor. A mão ou seus dedos são afetados em quase 100% dos casos.

Figura 7 - Nódulo verrucoso de superfí cie áspera e base eritemato-sa em paciente que ordenha gado

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é essencialmente clínico. Eventualmente, é necessária a ajuda do exame anatomopatológico que mostra as alterações epidérmicas já citadas.

O diagnósti co diferencial pode ser feito com granulo-ma piogênico (costuma ser mais friável com sangramentos espontâneos) e panarício herpéti co (tem início com vesí-culas).

F - Tratamentos

Não há tratamento específi co, sendo indicados apenas cuidados locais para evitar infecções bacterianas secundá-rias e sintomáti cas, para o alívio dos sintomas.

5. Doenças exantemáti casNesse grupo, enquadram-se doenças que cursam com

uma erupção macular eritematosa aliada a alguns sinto-mas sistêmicos, mesmo que às vezes eles sejam leves. São doenças infectocontagiosas, muitas com vacinação dispo-nível no calendário tradicional ou com imunidade perma-nente após a primoinfecção, por isso são mais vistas em crianças.

A - Sarampo

a) Introdução

É a doença exantemáti ca com maior potencial de letalida-de e morbidade, no passado, responsável pela morte de vá-rias crianças nos surtos que ocorriam periodicamente. Após a insti tuição da vacinação, esses surtos frequentes deixaram de ocorrer, e hoje são raros os casos diagnosti cados.

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DERMATOLOG IA

b) Epidemiologia

A incidência do sarampo caiu muito em países desen-volvidos, nos quais uma porcentagem grande das crianças é vacinada, e permanece alta nos países subdesenvolvidos, onde o sarampo é a principal causa de morte por doença evitável por vacina. Nesses países, as crianças são acome-ti das, na maioria, antes de 1 ano, e, nos países desenvol-vidos, as infecções surgem em indivíduos não vacinados ou o foram muito precocemente e/ou inadequadamente; assim, o sarampo pode surgir em qualquer idade. Não há predileção por sexo ou raça. É uma doença de noti fi cação compulsória.

c) Fisiopatologia

O vírus causador é da família dos Paramyxovirus e do tipo RNA. Apresenta alta contagiosidade, com taxas em torno de 80 a 90% em indivíduos suscetíveis (não va-cinados). A transmissão se dá por perdigotos, e o vírus inicia a replicação no trato respiratório, disseminando-se para linfonodos e circulação sistêmica. Após a infecção, ocorre um estado de imunossupressão, predominante-mente com sofrimento da imunidade celular (Th1), que é responsável pela maior parte das complicações fatais da doença. Alguns indivíduos chegam até a negativar alguns testes, como o tuberculínico/PPD. O mecanismo exa-to desse fenômeno é desconhecido. Os indivíduos com doença ativa permanecem infectantes por até 5 dias do início do rash.

d) Quadro clínico

Após um período de incubação que varia entre 10 e 14 dias, o paciente apresenta os sintomas da fase catarral que mimeti za uma infecção respiratória alta (febre, coriza, tos-se, conjunti vite, inapetência e linfadenopati a generalizada). Esses sintomas vão diminuindo, e inicia-se a fase da erup-ção cutânea com lesões maculares e papulares eritemato-sas que têm uma disseminação centrífuga craniocaudal (da cabeça e pescoço, para o tronco e extremidades). Durante o período febril, podem-se encontrar lesões mucosas (enan-tema) que são pequenas pápulas esbranquiçadas com um halo eritematoso na mucosa jugal, região de pré-molares – é o sinal de Koplik. Com a melhora gradual do exantema, as manchas tornam-se mais pálidas e assumem uma colo-ração mais amarelada.

As complicações são raras e acontecem mais em crian-ças desnutridas e pacientes imunossuprimidos; as mais graves são a trombocitopenia, a pneumonia (pelo próprio vírus ou por superinfecção bacteriana) e a encefalite aguda (pode ocorrer 1 caso em cada 1.000).

e) Métodos diagnósti cos

O diagnósti co clínico, possível na maioria dos casos, pode ser confi rmado por meio de sorologia, que é válida quando se demonstra um aumento dos tí tulos seguido da diminuição na fase de convalescença. Técnicas de swab de orofaringe podem servir para encontrar o vírus por inter-

médio de exames de biologia molecular, mas para a prá-ti ca ambulatorial esses exames são complexos e de difí cil acesso.

O diagnósti co diferencial se faz com as demais exante-máti cas virais e farmacodermia; pontos característi cos para o sarampo seriam o pródromo catarral marcante e as man-chas de Koplik.

f) Tratamento

Trata-se de uma doença autolimitada, e o tratamento é apenas sintomáti co, principalmente na fase prodrômica com a mesma abordagem de quadros gripais e evitando o uso de AAS pelo risco da síndrome de Reye. Alguns traba-lhos mostraram benefí cio com uso da vitamina A oral.

A vacina faz parte do calendário roti neiro e é com vírus vivo atenuado; alguns pacientes que, no passado, recebe-ram a vacina com vírus morto não ti veram uma imunização adequada e podem desenvolver uma forma mais grave de sarampo, dita sarampo atí pico (com predomínio de lesões purpúricas hemorrágicas).

B - Rubéola

a) Introdução

Trata-se de uma infecção viral exantemáti ca benigna que cursa com erupção morbiliforme e adenomegalia, raramen-te levando a comprometi mento arti cular. Sua mais temida complicação vem de casos na gravidez, podendo provocar a rubéola congênita, que traz consequências graves ao feto.

b) Epidemiologia

No passado, aparecia em surtos no inverno a cada 5 anos, acometendo crianças e, em menor frequência, ado-lescentes e adultos jovens. Com a introdução no calendário vacinal, houve uma queda de 99% na incidência, e, hoje, a maior parte dos casos se dá em adultos jovens não imuniza-dos. Não tem predileção por sexo ou raça.

c) Fisiopatologia

O agente é um vírus RNA da família Togaviridae. A trans-missão se dá pela via aérea por perdigotos, e o período de incubação é de 15 dias; a contagiosidade ocorre alguns dias antes do rash e permanece até 1 semana depois. A imuni-dade é permanente.

d) Quadro clínico

O quadro prodrômico gripal febril pode ser leve nas crianças e mais marcante nos adultos. O rash macular tem distribuição centrípeta, iniciando-se pelo segmento cefáli-co, espalhando para o tronco e ati ngindo as extremidades. A característi ca mais marcante é a linfadenomegalia gene-ralizada que é mais proeminente na região cervical, nuca e retroauricular. Pode haver artralgia e até mesmo artrites pela deposição de imunocomplexos. Um sinal não espe-cífi co é um enantema punti forme no palato (manchas de Forchheimer).

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GIAFigura 8 - Paciente com rubéola apresentando máculas e discretas

pápulas disseminadas por todo o corpo

e) Métodos diagnósti cos

O quadro clínico do exantema centrípeto e a adenome-galia levam ao diagnósti co, principalmente em crianças e adolescentes. Nos casos duvidosos, em se tratando de adul-tos, pode-se realizar a sorologia do ti po IgM que deve estar elevada (só IgG indica imunidade prévia). Essa investi gação é prioritária nas gestantes que ti veram contato com porta-dores de doença ati va e não estão imunes (grávidas IgG ne-gati vas); se o exame inicial é negati vo, deve ser repeti do em 4 e 6 semanas. Dos exames gerais, pode haver alteração do hemograma com leucopenia/linfocitose e trombocitopenia. No recém-nascido, a confi rmação também requer a presen-ça de IgM (pois esta não atravessa a placenta e não poderia ter vindo da mãe).

f) Tratamento

Não há tratamento específi co. Aconselham-se repouso, afastamento por 7 dias após o início do rash e sintomáti cos sem AAS.

No caso das grávidas infectadas, o risco é maior quanto mais precoce é o contato (1º trimestre).

A vacinação é feita com vírus vivo e não pode ser feita em grávidas e imunossuprimidos severos (HIV positi vo compen-sados podem recebê-la). É indicada, também, a pós-puberais militares, profi ssionais da saúde e insti tucionalizados. No ca-lendário vacinal, está incluída na vacina MMR.

C - Exantema súbito

a) Introdução

Sinonímia: roséola infantum. A infecção viral benigna é caracterizada, principalmente, pelo início súbito da febre que termina após o princípio do quadro cutâneo, que por sua vez também é efêmero.

b) Epidemiologia

Trata-se de uma infecção universal e muito comum, po-dendo representar, em média, até 20% das causas de febre

em um pronto-socorro infanti l. Alguns estudos mostraram que, até os 2 anos, 80% das crianças já são imunizadas pelo contágio prévio. Representa um problema para imunossu-primidos quando da sua reati vação e pode levar a quadros sistêmicos graves.

c) Fisiopatologia

O exantema súbito é causado por vírus da família herpes HHV-6 que, na primoinfecção, faz a replicação nas glândulas salivares e também em leucócitos, em que posteriormente fi ca latente, podendo causar quadros mononucleose-símile em adultos imunocompetentes.

d) Quadro clínico

O quadro prodrômico gripal é ausente, e surge apenas uma febre súbita de 40°C, sem comprometi mento sistêmico; somente 15% dos pacientes podem desenvolver uma convul-são febril. A resolução da febre é prati camente imediata com o surgimento do rash morbiliforme que se inicia no pescoço e evolui para o tronco. É também visto um enantema punti for-me no palato denominado manchas de Nagayama. O exante-ma permanece por horas, no máximo, por 2 dias.

e) Métodos diagnósti cos

Os achados clínicos de febre alta, que termina abrupta-mente aliada a um rash em criança menor de 2 anos, favo-recem muito o diagnósti co. Se for necessária a confi rmação, poderão ser feitos sorologia IgM ou exames de biologia mo-lecular para isolar DNA viral.

Um paciente com febre alta e convulsão pode fazer diag-nósti co diferencial com meningite, porém a erupção cutânea é tí pica das vasculites com pápulas crostosas; as demais do-enças exantemáti cas raramente cursam com febre alta.

f) Tratamento

Apesar de o vírus pertencer à família herpes, não estão indicados anti virais como o aciclovir. O tratamento é so-mente de suporte com sintomáti cos para o alívio da febre.

D - Eritema infeccioso

a) Introdução

Sinonímia: 5ª doença. Erupção exantemáti ca com apre-sentação clínica subdividida em 3 fases que também é mais vista em crianças. O nome vem na classifi cação das doenças exantemáti cas (após sarampo, rubéola, escarlati na e exan-tema súbito).

b) Epidemiologia

Pode acometer igualmente ambos os sexos, sem predi-leção racial. É universal e pode ati ngir qualquer idade, mais frequente em crianças e adolescentes. Os surtos têm ocor-rência maior no inverno e no início da primavera.

c) Fisiopatologia

O eritema infeccioso é causado por parvovírus B19, que é o menor vírus DNA capaz de causar uma doença infec-

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tocontagiosa no homem. A sintomatologia provavelmente advém da formação de anti corpos/imunocomplexos que se depositam nos tecidos (ao contrário de outras exantemáti -cas nas quais a disseminação pela viremia leva diretamente aos sintomas). A transmissão se dá por via aérea, e o perío-do de incubação é de 10 dias.

d) Quadro clínico

Após o período de incubação, o paciente apresenta o pródromo com sintomas gripais leves que passam desper-cebidos; algo digno de nota para um diferencial seriam as artralgias que são frequentes. Após 7 a 10 dias, o paciente evolui para cura ou manifesta os achados cutâneos clássicos que consistem em 3 estágios:

-Exantema facial nas regiões malares que possuem di-versas regras de memorizações: “cara esbofeteada”, “cara de palhaço”, “queimadura solar” etc.; -Erupção exantemáti ca com predomínio de extremida-des incluindo regiões palmoplantares; -Clareamento do eritema da extremidade deixando um aspecto rendilhado que é bem característi co (quase patognomônico).

Em adultos, raramente surgem os sintomas cutâneos, e a apresentação é de uma poliartralgia súbita, principalmen-te em mulheres.

e) Métodos diagnósti cos

Sempre é necessária a confi rmação em situações es-peciais como gravidez e imunossuprimidos, e, nesse caso, podem ser feitos sorologia IgM ou exames de biologia mo-lecular como PCR e hibridização in situ. A maioria dos casos, em contraparti da, tem o diagnósti co baseado apenas na história e nos achados do exame fí sico.

O diagnósti co diferencial se faz com farmacodermias e todas as doenças exantemáti cas.

f) Tratamento

Por ser o eritema infeccioso uma doença benigna e autolimitada, não é necessário um tratamento específi co. Podem ser necessários anti -histamínicos para alívio do pru-rido e analgésicos sem AAS para controle das dores arti cu-lares.

Tabela 3 - Doenças exantemáti cas

Doença AgentePeríodo de incubação

Clínica

SarampoParamyxo-vírus

10 a 14 dias

- Quadro gripal;

- Erupção craniocaudal;

- Manchas de Koplik.

Rubéola Togavírus 15 dias

- Exantema centrípeta;

- Adenomegalia cervical e geral;

- Mancha de Forchhei-mer (palato).

Doença AgentePeríodo de incubação

Clínica

Exantema súbito

Herpes--vírus 6/7

5 a 15 dias

- Febre alta e efêmera;

- Ausência de quadro gripal;

- Manchas de Nagaya-ma.

Eritema infeccioso

Parvovírus B19

4 a 21 dias

- Artralgia marcante;

- “Cara esbofeteada”;

- Eritema rendilhado;

- Extremidades.

Mão-pé--boca

Coxsackie e entero-vírus

5 a 7 dias- Lesões na cavidade

oral;

- Extremidades.

6. Doença mão-pé-boca

A - Introdução

Trata-se de um subti po de exantema dentro do grupo das enteroviroses que cursa com lesões punti formes vesico-petequiais acometendo as regiões que dão nome à doença.

B - Epidemiologia

A doença é universal, sem predileção por raça ou sexo, e pode acometer qualquer idade, sendo mais frequente em crianças pré-escolares. Costuma ocorrer em surtos recor-rentes mais comuns no verão e na primavera.

C - Fisiopatologia

Os agentes causadores são vírus coxsackie A16 ou en-terovírus 71, principalmente nas epidemias; outros subti -pos (A5, A7 e A9) são causadores esporádicos. O contágio acontece pelo contato direto com secreções e pode ser por perdigotos aéreos, oral-oral e oral-fecal.

D - Quadro clínico

O período de incubação tem, em média, 5 dias e é se-guido de um breve pródromo (2 dias) com sintomas gripais leves, principalmente dor de garganta. As lesões iniciam-se na cavidade oral e são vesículas sobre base eritematosa confundidas com aft as; dias depois, surgem as lesões nas extremidades, nem sempre presentes (principalmente se forem adultos). As mãos são mais frequentemente ati ngi-das que os pés, e os sintomas são ausentes. A resolução é espontânea em 7 a 10 dias. Outros locais acometi dos são as nádegas e os braços. O enterovírus 71 é mais associado às complicações como pneumonia, meningoencefalite e mio-cardite, podendo haver casos fatais.

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é facilmente obti do pela base clínica, e nem mesmo exames gerais são necessários.

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O vírus pode ser isolado de raspado da vesícula ou das mucosas e também nas fezes por meio de PCR, mas esse exame é pouco uti lizado.

F - Tratamento

O tratamento é apenas de suporte para alívio principal-mente da dor pelas lesões orais e de faringe que difi cultam a degluti ção. Não é necessário isolamento do doente, pois o vírus pode ser encontrado até 1 mês do início do quadro.

Tabela 4 - Doenças virais

- As doenças virais dermatológicas podem ser exclusivas da pele (verrugas, molusco contagioso) ou manifestações de doenças sistêmicas (sarampo, dengue);

- A importância da família HPV são suas associações à maligni-dade;

- A família herpes engloba grande variedade clínica, sendo as in-fecções por HSV-1 e HSV-2 (herpes-simples) as mais comuns;

- O molusco contagioso é comum na infância e muitas vezes é autolimitado;

- As doenças exantemáti cas podem ser diferenciadas por algu-mas parti cularidades clínicas.

II. Doenças bacterianas agudasNeste capítulo, são tratados, também, os quadros pro-

vocados por bactérias do ti po cocos, que na grande maioria consistem em casos não complicados com resolução pronta após a introdução dos anti bióti cos.

A minoria dos casos tem evolução desfavorável e neces-sita de intervenções mais agressivas. Como em qualquer infecção, há sempre a preocupação da resistência bacte-riana, infelizmente cada vez mais comum devido ao uso indiscriminado dos anti bióti cos, principalmente os tópicos em formulações combinadas e que acabam “queimando” o uso de suas apresentações sistêmicas (como gentamicina, eritromicina, cloranfenicol etc.).

1. Impeti go e ecti ma

A - Introdução

A infecção superfi cial da pele causada por estreptococo ou estafi lococo é o impeti go, e sua forma evoluti va, causan-do uma úlcera mais profunda, é o ecti ma.

B - Epidemiologia

A infecção é comum em crianças de classes sociais me-nos privilegiadas em razão das más condições de higiene.

Os quadros recorrentes são associados a portadores sãos devido à colonização nasal e inguinocrural.

C - Fisiopatologia

O contato se dá por inoculação direta da lesão ou por roupas contaminadas. Algumas cepas de Staphylococcus

aureus produzem toxinas esfoliati vas que levam à forma-ção de bolhas por clivagem na epiderme, daí os quadros de impeti gos bolhosos estarem mais associados a S. aureus, e o impeti go crostoso, mais associado aos estreptococos. O ecti ma é mais associado ao estreptococo beta-hemolíti co do grupo A.

Algumas cepas de estreptococos podem provocar a glo-merulonefrite (GNDA pós-estreptocócica).

D - Quadro clínico

O impeti go não bolhoso inicia-se com pústulas que se rompem e deixam lesões exulceradas com crostas melicéri-cas encimadas; o quadro bolhoso inicia-se já com grandes bolhas que evoluem para o mesmo ti po de lesão ora mencio-nado. Quanto ao impeti go, a face é o local mais acometi do, sendo raro nas extremidades. O ecti ma, por sua vez, é co-mum principalmente em MMII. O prurido pode estar presen-te, e a coçadura é responsável pela disseminação das lesões.

O ecti ma normalmente é uma lesão única, sendo ulce-rada, com fundo purulento e borda crostosa circundada por eritema, e costuma ser dolorosa. A localização é a mesma do impeti go.

Figura 9 - Pápulas, placas e exulcerações com crostas melicéricas em região perioral e perinasal caracterizando o impeti go

E - Métodos diagnósti cos

O aspecto clínico oferece o diagnósti co, sem a neces-sidade de exames confi rmatórios. A cultura e o anti biogra-ma podem ser solicitados se não há resposta ao tratamento empírico inicial. Esta também é realizada na mucosa nasal nos casos recorrentes.

F - Tratamentos

A maioria dos casos é resolvida com o uso de sabões anti ssépti cos e anti bióti cos tópicos (mupirocina, ácido fusí-dico, entre outros).

Alguns casos disseminados requerem anti bióti cos sis-têmicos, como cefalosporinas (cefalexina) ou macrolídeos (azitromicina).

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A mupirocina tópica pode ser usada na mucosa nasal para tratar os carreadores num regime de 1 semana/mês.

2. Furúnculos, carbúnculos e abscessos

A - Introdução

Os 3 pertencem a um espectro de uma mesma doença e são diferenciados por algumas parti cularidades.

Os furúnculos são pequenos abscessos causados por esta-fi lococos e que envolvem o folículo piloso e o tecido circun-jacente. Quando tais furúnculos se conectam profundamente com a disseminação do quadro, surgem então os carbúnculos.

Já as coleções supurati vas maiores e mais profundas são os abscessos.

B - Epidemiologia

Não há predileção por idade, mas é mais comum nas classes sociais menos privilegiadas.

Os quadros recorrentes são comuns em imunossupri-midos, idosos e desnutridos, havendo, ainda, associação a portadores sãos devido à colonização nasal e inguinocrural.

C - Fisiopatologia

Entre os fatores predisponentes, além da colonização nasal, estão o uso de roupas justas, causando oclusão foli-cular, calor, umidade local e má higiene.

Os agentes eti ológicos são dependentes da área afetada como o estafi lococo nas lesões de tronco, cabeça e pescoço ou E. coli e Enterococcus nas infecções perineais.

Furúnculo AbscessoCarbúnculo

Evolução com confluência

Figura 10 - Evolução das lesões supurati vas

D - Quadro clínico

Os furúnculos são nódulos eritematosos que podem drenar material purulento. São comuns nas axilas, mamas, pescoço, face e nádegas; lesões maiores e mais profundas caracterizam o carbúnculo, que pode vir acompanhado de febre e prostração. Os abscessos são tumorações mais pro-fundas, maiores que 1 a 3cm (ou mais) com sinais fl ogís-ti cos proeminentes e dolorosos à palpação. Podem surgir em qualquer região, e deve-se ter atenção para os casos de períneo que podem representar fi stulizações de infecções internas ou de doença de Crohn.

E - Métodos diagnósti cos

Diagnose eminentemente clínica. Exames de microbio-logia (cultura e anti biograma) são auxiliares no caso de es-colha dos anti bióti cos.

F - Tratamento

Os furúnculos, quando únicos, podem ser tratados sim-plesmente com drenagem por puntura. Carbúnculos e ca-sos de furunculoses extensas necessitam de anti bióti cos orais (cefalosporinas ou macrolídeos). Nos casos recorren-tes, o tratamento deve corrigir os fatores predisponentes.

A maioria dos abscessos é tratada com a drenagem ci-rúrgica, seguida da limpeza local do espaço morto com soro fi siológico. Casos que não respondem às medidas iniciais, com sintomatologia sistêmica ou complicados com celulite requerem anti bióti cos orais, e a escolha vai depender do agente de que se suspeita.

3. Erisipela

A - Introdução

É entendida como uma infecção cutânea aguda com rá-pida disseminação e que, frequentemente, é acompanhada por sintomas e sinais sistêmicos.

B - Epidemiologia

É mais comum em adultos jovens e principalmente em idosos. Casos em crianças são raros.

C - Fisiopatologia

Novamente, a presença de quebras da barreira da pele funciona como porta de entrada; isso ocorre, por exem-plo, em casos de ti nhas interdigitais, úlceras de estase nos MMIIs ou herpes-simples. Alguns casos são mais comuns em patologias com disfunção dos linfáti cos, e acaba por ha-ver um ciclo vicioso, pois a própria erisipela provoca maior dano nesses vasos.

O agente causador mais frequente é o estreptococo beta-hemolíti co do grupo A (Streptococcus pyogenes), em-bora outras bactérias já tenham sido descritas.

D - Quadro clínico

O aspecto-chave é uma área eritematosa com rápida disseminação na periferia, sendo as bordas bem delimita-das com projeções do ti po “pseudópodes” presentes. Pode ser acompanhada de dor local, adenomegalia reacional e de febre com calafrios. Uma variante com bolhas e vesículas é denominada erisipela bolhosa.

Os locais mais acometi dos são os MMIIs e a face (malar/zigomáti ca). Em mastectomizados, com alterações linfáti cas secundárias, pode haver o acometi mento dos MMSSs. Pode evoluir para celulite e complicar com necrose local, absces-sos profundos e fasceíte necrosante. Complicações fatais, como endocardite e glomerulonefrite, são possíveis.

E - Métodos diagnósti cos

Raramente, o S. pyogenes pode ser isolado em cultura da lesão ou do fl uído de bolhas. A positi vidade da hemocul-tura também é baixa: -5%.

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O diagnósti co diferencial é feito com eczemas (sem fe-bre) e celulite (mais profunda).

F - Tratamentos

Os estreptococos ainda são sensíveis à penicilina e po-dem ser tratados, em casos leves, com medicação, via oral (amoxicilina), ou em regimes com penicilina intramuscular. Os esquemas devem ser manti dos por, pelo menos, 2 se-manas para diminuir a chance de recorrência. Se o compro-meti mento for mais profundo, deve-se suspeitar de outros micro-organismos, sendo necessários anti bióti cos de mais amplo espectro, preferencialmente com ajuda da cultura e anti biograma (cefalosporinas e macrolídeos).

Profi lati camente, devem-se tratar as dermatofi toses (ti -nha das unhas e dos pés), e, em casos recorrentes, a peni-cilina benzati na pode ser manti da em regime mensal por 6 a 12 meses.

4. Celulite

A - Introdução

Infecção bacteriana de pele e subcutâneo com envolvi-mento de estruturas mais profundas como fáscia, músculos e tendões.

B - Epidemiologia

Trata-se de uma doença muito heterogênea, sendo difí -cil de defi nir padrões epidemiológicos.

C - Fisiopatologia

A infecção se dá pela porta de entrada prévia, sendo as feridas cirúrgicas as causas mais frequentes. A rápida dis-seminação se dá pela ação das enzimas líti cas bacterianas. Os agentes dependem do mecanismo de trauma prévio e da localização:

-Cirurgias gerais/ortopédicas/vasculares: estreptoco-cos; -Feridas abertas/úlceras: estafi lococos; -Mordeduras animais: Gram negati vos e anaeróbios; -Celulite periorbitária em criança: Haemophilus in-fl uenzae; -Face em diabéti cos: micoses profundas (zigomicose).

D - Quadro clínico

As pernas são os locais mais acometi dos. Aparecem eri-tema e edema de limites e bordas mal delimitados. A dor é mais importante e pode limitar a mobilização do membro afetado. Necrose com ulcerações e abscessos é frequente. Os acometi mentos submandibular e cervical (angina de Ludwig), muitas vezes associados a abscessos dentários, podem ter risco de obstrução de vias aéreas e/ou dissemi-nação para o mediasti no.

Tabela 5 - Diferenciação entre erisipela e celulite

Erisipela

- Restrita às camadas superfi ciais da pele;

- Eritema e edema com bordas bem delimitadas;

- Dor pouco importante;

- Recorrência frequente.

Celulite

- Envolvimento de estruturas mais profundas como fáscia, mús-culos e tendões;

- As bordas limitantes são de difí cil disti nção;

- Dor relevante;

- Recorrência é rara.

E - Métodos diagnósti cos

A cultura de secreção ou do tecido é usada para guiar terapia anti microbiana, mas o diagnósti co é clínico em sua essência.

O diagnósti co diferencial é feito com eczemas (sem fe-bre) e erisipelas nos casos inicias (ainda superfi cializados). Tardiamente, o principal diferencial se dá com TVP (edema mais frio).

F - Tratamentos

Os pacientes com sintomas sistêmicos devem ser inter-nados para iniciar o tratamento parenteral; posteriormen-te, com a melhora, pode-se trocar para esquemas orais. Os anti bióti cos mais uti lizados são as cefalosporinas e quino-lonas (principalmente ciprofl oxacino). Pode ser necessária uma avaliação cirúrgica para drenagem e debridamento.

5. Síndrome estafi locócica da pele escal-dada

A - Introdução

Dermati te esfoliati va e bolhosa causada por toxinas epi-dermolíti cas de estafi lococos.

B - Epidemiologia

Prati camente restrita a crianças, podendo ocorrer sur-tos epidêmicos em berçários e creches. Há um predomínio em pacientes masculinos à proporção de 2:1.

C - Fisiopatologia

As bactérias causadoras são Staphylococcus aureus do fago grupo 2, capazes de produzir exotoxinas que levam a uma clivagem intraepidérmica na camada granulosa por al-terarem as moléculas de adesão denominadas de desmo-gleínas (mesmo alvo do pênfi go foliáceo ou fogo selvagem).

D - Quadro clínico

Normalmente, na história, está presente um foco infec-cioso prévio como uma oti te ou sinusite. O paciente come-

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ça a apresentar febre e queda do estado geral, e logo em seguida surge o rash eritematoso generalizado. Com a evo-lução, surgem grandes áreas de desprendimento da epider-me havendo, inclusive, a positi vidade do sinal de Nikolsky (a pressão e a tração levam ao desprendimento provocado pelo examinador). O eritema é mais acentuado nas áreas de dobras e periorifi ciais. Algumas bolhas íntegras podem ser vistas. Apesar do quadro cutâneo dramáti co e assustador, as crianças não fi cam comprometi das sistemicamente, e as taxas de mortalidade não são altas como na NET.

E - Métodos diagnósti cos

A cultura de secreção de área nasofaríngea, conjunti val ou anal pode demonstrar a infecção pelo Staphylococcus aureus. A biópsia para exame anatomopatológico mostra uma bolha de clivagem intraepidérmica.

F - Tratamento

O tratamento deve ser realizado por meio de anti bióti -co com cobertura para estafi lococos de comunidade (pe-nicilinase-resistentes). Cefalosporinas de 1ª geração são efi cazes como a oxacilina, terapia de suporte e curati vos são empregados nos cuidados gerais, e devem-se investi -gar possíveis portadores sãos na comunidade ou insti tui-ção em questão.

Tabela 6 - Diferencial de infecções bacterianas

Característi cas Erisipela Celulite

Acomete planos pro-fundos

Não Sim

Bordas delimitadas Sim Não

Lesões bolhosas Sim Raramente

Agente StreptococcusStreptococcus, Staphylo-coccus e Haemophilus

III. Doenças bacterianas crônicas

1. Hanseníase

A - Introdução

A hanseníase era conhecida como lepra, mas o nome caiu em desuso devido à forte esti gmati zação da doença. Historicamente, há relatos, até no Egito Anti go e na Bíblia, de pessoas afetadas. Outro aspecto interessante são os lepro-sários (centros em que os doentes eram isolados do mundo e ali viviam consti tuindo uma nova família e um novo círculo social) e os cemitérios de leprosos, que perduraram até mea-dos do século XX em alguns países, incluindo o Brasil.

O agente causador é o Mycobacterium leprae, conheci-do como bacilo de Hansen, um BAAR, intracelular obriga-tório, que se cora positi vo com o método de Ziehl-Neelsen (como a tuberculose), sendo normalmente empregada uma variante dessa coloração, chamada método de Fite-Faraco.

B - Epidemiologia

Trata-se de uma doença universal, rara nos países de 1º mundo (exceto pela imigração), havendo uma expectati va, por parte da OMS (Organização Mundial de Saúde), de er-radicação da doença. Permanece ati va no Sudeste Asiáti co (principalmente na Índia), no Norte da África e em alguns países da América Lati na; o Brasil está na 2ª posição entre os países com maior número de doentes. É exclusiva dos humanos, com relatos de encontro do bacilo em tatus, po-rém estes são apenas vetores da doença.

Apesar de ser uma doença com alta contagiosidade, fe-lizmente tem baixa patogenicidade, ou seja, muitas pessoas têm o contato, porém a doença não evolui para uma infec-ção concreti zada. A maioria dos casos se dá pela transmis-são entre os contactantes ínti mos familiares por intermédio de perdigotos de pacientes com infecção ati va e que não iniciaram o tratamento (após a 1ª dose, a transmissão cai 99,99%). O período de incubação é longo, em média de 5 anos (pode variar de meses a 20 anos).

C - Fisiopatologia

A grande preocupação é a propriedade da hanseníase de provocar danos irreversíveis nos nervos periféricos, le-vando a incapacidades fí sicas e amputações. Esses danos ocorrem apenas pela ação do sistema imunológico contra o bacilo, e este fi ca alojado em pontos específi cos como nas células de Schwann de nervos periféricos e macrófagos da pele, além de mucosa respiratória. Aqueles que elaboram uma resposta imune celular competente do ti po TH1 po-dem er radicar a MH (Molésti a de Hansen) ou permanecer no polo tuberculoide da doença; já aqueles que têm uma resposta de predomínio TH2 fi cam mais bacilíferos e desen-volvem característi cas de doença do polo virchowiano. Só os doentes desse polo são capazes de transmiti -la.

Paciente virchowiano

bacilífero

Hanseníase tuberculoide

Hanseníase indeterminada

Contaminação de familiares e

contatos próximos

Hanseníase tuberculoide

Resposta TH2Resposta TH1

Figura 11 - Fisiopatologia da hanseníase

D - Quadro clínico

Didati camente, classifi ca-se a hanseníase em polos vir-chowianos e tuberculoide (classifi cação de Ridley-Jopling).

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O estágio inicial (estado do doente ainda indefi nido) é cha-mado “hanseníase indeterminada” e se caracteriza por poucas lesões, normalmente máculas hipocrômicas com alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa. Com a evolução da doença, o paciente pode migrar para 1 dos po-los a seguir:

-Hanseníase virchowiana (VV): caracterizada por gran-de número de lesões, do ti po nódulos e placas erite-matoacastanhadas e infi ltradas; a infi ltração da face é comum (fácies leonina) e também a madarose (perda das sobrancelhas). Quando realizada, a baciloscopia é fortemente positi va, com grande número de bacilos ín-tegros. As alterações da sensibilidade são mais tardias e menos frequentes. Há comprometi mento sistêmico de mucosas, olhos e outros órgãos, como baço;

-Hanseníase tuberculoide (TT): caracterizada por pe-queno número de lesões, sendo placas eritematosas com descamação fi na bem defi nidas, cura central e que são hipo ou anestésicas. A baciloscopia é negati va. As alterações neurais são intensas e precoces, sendo os nervos ulnar e mediano mais acometi dos (mão “em garra”). Não há acometi mento de outros órgãos.

Os pacientes que não se estabilizam em nenhum desses polos são classifi cados como dimorfos (DD) e podem migrar na classifi cação de acordo com a resposta imunológica, em qualquer momento da evolução. Esses pacientes possuem lesões intermediares, que podem tender mais para o ti po tuberculoide (ti po DT – Dimorfo-Tuberculoide) ou para o polo virchowiano (DV – Dimorfo-Virchowiano). A Tabela 7 resume a classifi cação.

Figura 12 - Hanseníase virchowiana: madarose e infi ltrações na face além de nódulos acastanhados nos membros inferiores

Tabela 7 - Resumo dos achados na hanseníase

Característi ca TT DT DD DV VV

Lesões de pele

Placas eritêmato-hipo-crômicas bem delimi-tadas com cura central. Poucas lesões.

Placas eritêma-to-hipocrômicas com bordas elevadas mal delimitadas.Lesões em nú-mero conside-rável.

Placas bizarras eritematoacas-tanhadas do ti po foveolar (centro deprimido). Lesões em número considerável.

Pápulas e nódulos eri-tematoacastanhados brilhantes em grande número.

Placas e nódulos eritema-toacastanhados com áreas de infi ltração intensa. Lesões em grande nú-mero.

Neuropati asMais intensas e pre-coces.

Presentes pre-cocemente, mas não tão intensas.

Variável.Mais tardias com dimi-nuição leve.

Bem tardias e discretas.

Baciloscopia Negati va.+/4 com apenas raros bacilos.

++/4 com raros bacilos em globias.

+++/4 com bacilos em globias.

++++/4 com bacilos em globias.

Teste de Mitsuda

+++/3 ++ ou + + ou - - -

Outros aspectos importantes seriam os estados reacio-nais que são quadros específi cos decorrentes em qualquer momento da doença: ao diagnósti co, durante o tratamento (momento mais frequente) e após a alta. Basicamente, exis-tem 2 ti pos de estado reacional:

-Tipo I: é o mais comum e indica mudança no estado de imunidade do indivíduo, podendo ser de melhora ou

reação reversa/piora. Quase sempre é acompanhado de sinais e sintomas sistêmicos (febre, dores arti cula-res e mal-estar), e pode ocorrer modifi cação das lesões nos casos de reação de melhora (fi cam edemaciadas e pruriginosas) ou surgir lesões novas no caso de reação reversa/piora. O grande temor é o comprometi men-to neural provocado pelo processo infl amatório e/ou

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infi ltração de bacilos, podendo trazer consequências irreversíveis, por isso há necessidade de tratamento urgente nesses casos reacionais; -Tipo II: só ocorre aos pacientes virchowianos e dimor-fo-virchowianos, normalmente durante o tratamento, e se caracteriza pela presença de nódulos subcutâneos dolorosos em qualquer parte do corpo, consti tuindo o eritema nodoso hansênico. Também pode ter acome-ti mento neural associado e iridociclite.

As manifestações sistêmicas da hanseníase são infre-quentes e estão resumidas na Tabela 8.

Tabela 8 - Manifestações sistêmicas da hanseníase

Órgãos Descrição

Sistema nervoso Neuropati as motoras, sensoriais e autonômicas

Olhos Irite, conjunti vite e danos do nervo ópti co

Sistema reti culoendotelial Hepatoesplenomegalia infi ltrati vaSistema renal GlomerulonefriteGônadas Infi ltração testi cular

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co da hanseníase requer a presença de le-sões de pele que tenham alteração da sensibilidade, ou comprometi mento neural periférico que curse com altera-ções sensiti vas, sendo necessário comprovar a presença do bacilo (pela baciloscopia positi va ou por achados patológi-cos indiretos sugesti vos).

Os métodos auxiliares mais usados são o teste de Mitsuda, que consiste na intradermorreação com antí genos preparados de tecidos de doentes infectados e que, na reali-dade, é mais prognósti co, pois mostra o estado imunológico do doente; pode ser falso positi vo em pacientes que ti veram tuberculose. A pesquisa no sangue de anti corpos contra PGL-1 é positi va em 95% dos pacientes virchowianos (lembrando que têm resposta TH2 que é mais humoral). O exame anato-mopatológico tem como característi ca principal a presença de infi ltrado infl amatório perineural nos casos tuberculoides e indeterminados; entre os pacientes virchowianos, é fácil a visualização dos bacilos, encontrados em grande quanti dade. O diagnósti co diferencial depende do ti po de lesão:

- Indeterminada: piti ríase alba, viti ligo inicial e piti ríase versicolor; -Tuberculoide: ti nha, eczema, eritema fi gurado, granu-loma anular, sarcoidose, lúpus e tuberculose; -Virchowianos: micose fungoide e leishmaniose.

É importante notar que em nenhum desses casos se al-tera a sensibilidade nas lesões.

F - Tratamento

É uma das doenças de noti fi cação compulsória (somen-te após a confi rmação diagnósti ca), sendo um problema de

saúde pública e que requer tratamento supervisionado em unidades de atendimento pelo SUS.

Apesar de ser uma doença curável, tem uma caracte-rísti ca de cronicidade. Muitos dermatologistas defendem a opinião de que o doente nunca deve receber alta, apesar de isso não ser um consenso entre todos nem ser recomen-dado pela OMS.

Para simplifi car o tratamento nas Unidades Básicas de Saúde, a OMS classifi ca os doentes em multi bacilares (com mais de 5 lesões) e paucibacilares (5 ou menos lesões). Essa classifi cação é meramente operacional e visa facilitar o tra-tamento na rede básica, pois a hanseníase é uma doença clinicamente heterogênea, o que difi culta a padronização do tratamento.

As medicações são administradas em esquema de po-liquimioterapia, e nunca deve ser realizada monoterapia, como no passado.

Nesse esquema, são uti lizadas 3 medicações: -Rifampicina: a todos os casos, em dose única mensal de 600mg, supervisionada (a enfermeira presencia o ato de tomar a pílula); -Dapsona: 100mg diários a todos os pacientes; -Clofazimina: apenas aos multi bacilares, na dose de 300mg única mensal supervisionada + 50mg/dia (ou 100mg em dias alternados).

O tempo de tratamento também é polêmico, pois a OMS recomenda, aos casos paucibacilares, apenas 6 meses de rifampicina + dapsona e, aos casos dos multi bacilares, 12 meses com as 3 medicações. Aos pacientes com grande número de lesões em que a melhora não foi tão conside-rável, pode ser necessário estender o tratamento por mais 12 meses. Esses regimes de 6 meses e 1 ano não são vistos com bons olhos por grandes hansenologistas, que julgam insufi cientes esses períodos.

Um paciente com lesão única sem envolvimento de tronco nervoso pode ser tratado com esquema ROM (Rifampicina, 600mg + Ofl oxacino, 400mg + Minociclina, 100mg em dose única supervisionada, recebendo alta a seguir).

Todo paciente deve ser examinado minuciosamente na busca de ferimentos e calos para que a automuti lação, que surge sem que o paciente perceba devido à hipostesia, não leve a incapacidades permanentes.

Outro aspecto importante para a vigilância epidemio-lógica seria a busca ati va dos contatos (todos aqueles que residiram com o doente por pelo menos 5 anos). Estes de-vem ser examinados e podem ser tratados se apresentam manifestações da MH ou então recebem 1 dose da vacina BCG (2 doses, caso nunca a tenham recebido).

Finalmente, é importante mencionar os estados re-acionais que devem ser tratados em caráter de urgência, dependendo das complicações. Nos casos de reação ti po I com neurites, iridociclites ou orquiepididimites, deve ser usada prednisona na dose de 1 a 2mg/kg com desmame

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gradual. Nos casos de reação ti po II/eritema nodoso, a tali-domida é a droga de escolha, mas é proibida a mulheres em idade férti l, e nesse caso a prednisona também pode ser ad-ministrada. Essas exacerbações reacionais podem ocorrer mesmo após anos da alta, e fi ca sempre difí cil diferenciar de uma possível recidiva; na difi culdade de resposta com os tratamentos já mencionados, a recidiva deve ser consi-derada, e o paciente, encaminhado para novo tratamento. Também é impossível diferenciar a recidiva de uma reinfec-ção, mas isso nada muda na necessidade de retratamento.

2. Sífi lis

A - Introdução

Sinonímia: lues. A sífi lis é uma Doença Sexualmente Transmissível (DST) causada pelo Treponema pallidum, co-nhecida entre os dermatologistas como “a grande imitadora” devido à diversidade de suas apresentações clínicas que aca-bam por entrar no diagnósti co diferencial de várias doenças dermatológicas. No passado, as formas crônicas eram mais presentes, sendo comuns os acometi mentos esqueléti co, cardíaco e neurológico, e a sífi lis era uma importante causa de internação em hospitais psiquiátricos. Com a melhora dos métodos diagnósti cos e da anti bioti coterapia, essa doença vem sendo tratada em fases precoces, evitando, assim, sua evolução para as formas de pior prognósti co. Como a maioria dos pacientes é diagnosti cada pelas lesões cutâneas, os der-matologistas são considerados experts nessa enfermidade.

B - Epidemiologia

Em termos absolutos, sua incidência e prevalência dimi-nuíram devido à melhora dos tratamentos anti bacterianos. No entanto, ao longo dos anos, alguns picos de piora fo-ram vistos, seja na forma adquirida do adulto, seja na forma congênita.

Acomete mais a faixa etária de adultos jovens por terem uma exposição maior (16 a 30 anos). Não há predileção por sexo, raça ou distribuição geográfi ca, a menos que se ana-lisem aspectos socioeconômicos, tornando-se mais comum em populações subdesenvolvidas devido às más condições de higiene e orientação sexual. Entre os fatores de risco associados, estão os mesmos da AIDS, como prosti tuição e uso de drogas. Isso porque o contato pode ser direto e por transfusão sanguínea – neste caso, a fase inicial do cancro é “pulada”, e a sífi lis é dita “decapitada”.

A infecção pelo HIV também é um fator de complicação, e os pacientes tendem a evoluir de forma mais agressiva e rápida, progredindo para as formas neurológicas terciárias com maior frequência.

C - Fisiopatologia

O agente causador é o Treponema pallidum, uma bac-téria espiroqueta (formato espiralado), como a Borrelia e a

Leptospira, tendo o homem como hospedeiro obrigatório. Nele, a bactéria vive nos tecidos e a disseminação acontece logo nas primeiras horas por via linfáti ca e hematogênica; fora dos tecidos, difi cilmente sobrevive (microaerofí lico), por isso não é relatado como possível o contágio por roupas ou vasos sanitários.

O contágio se dá pela penetração da bactéria por áreas de fi ssuras na mucosa ou na pele, em que haja uma solução de conti nuidade. Independente do tecido infectado, nele ocorrerá um processo infl amatório linfomononuclear e gra-nulomatoso responsável pela destruição dos tecidos; além disso, devido à presença das espiroquetas no endotélio, há também uma endarterite e que pode gerar manifestações de oclusão da microvasculatura.

A imunidade, tanto humoral como celular, é dita incom-pleta, e as reinfecções são possíveis, ocorrendo numa for-ma mais branda (pode não existi r a fase primária de cancro, podendo, por outro lado, difi cultar o diagnósti co).

D - Quadro clínico

A sífi lis caracteriza-se por 3 períodos disti ntos: sífi lis pri-mária, secundária e terciária, intercaladas com períodos de latência nos quais não ocorrem manifestações clínicas, e o diagnósti co só é possível por exames laboratoriais.

-Sífi lis primária: após o contato com o indivíduo conta-minado, há um período de incubação que pode durar de 2 a 3 semanas e em seguida surge o cancro duro, uma lesão ulcerada pequena, normalmente nos geni-tais (pode ser em qualquer local, limitado pelas fan-tasias sexuais), de fundo limpo e bordas bem delimi-tadas, surpreendentemente indolor. Costuma ocorrer uma linfadenomegalia regional, que é fi rme e também indolor. Nas mulheres, a lesão pode passar despercebi-da, dependendo da localização. Essas lesões primárias são altamente ricas em Treponemas. Se não houver tratamento, o cancro se resolverá espontaneamente em 6 a 8 semanas; -Sífi lis secundária: após 2 a 8 semanas, inicia-se a fase com disseminação máxima das bactérias, surgindo en-tão uma erupção difusa da pele e mucosas associada à poliadenomegalia indolor. As lesões característi cas são pequenas placas de até 10mm de diâmetro, de cor vermelho-pálida e com uma fi na descamação – as cha-madas roséolas sifi líti cas. Acometem, simetricamen-te, todo o tegumento e a região palmoplantar, o que é característi co. Não há prurido associado, mas pode haver sintomas inespecífi cos de infecção: indisposição, inapetência, artralgias etc. O cancro cicatrizado pode ser encontrado em até 25% dos casos. Pode ocorrer uma alopecia difusa dita “em clareira”. Alguns pacien-tes evoluem com lesões vegetantes e maceradas nas áreas de dobras (intertrigos), sendo denominadas Condylomata lata (por lembrar o condiloma verruco-so). Erosões nas mucosas oral, retal e genital também são comuns. Além da roséola, a fase secundária pode

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eventualmente manifestar-se com diversas outras le-sões, como pápulas fi rmes, necróti cas, lesões folicu-lares e outras, daí a sífi lis ser chamada de “a grande imitadora”. Entre o término da fase secundária e o início da terciária, o paciente pode fi car assintomáti co por meses a anos, sendo muito variável esse intervalo de tempo. Assim, assintomáti cos com menos de 1 ano dos primeiros sintomas e/ou contágio são classifi cados como tendo a sífi lis latente precoce; aqueles com mais de 1 ano têm a sífi lis latente tardia. Nessa fase, o diag-nósti co só é possível por meio de exames sorológicos feitos na roti na ou por investi gação de outros quadros diferenciais da sífi lis; além disso, muitos doentes são curados ao receberem anti bióti cos por outras doenças e não chegam a evoluir para a fase terciária. Durante a fase da sífi lis latente precoce, são comuns as reati -vações com lesões secundarianas, e os pacientes tor-nam-se novamente infectantes, com possibilidade de disseminação da doença; -Sífi lis terciária: os pacientes não tratados evoluem com desaparecimento das lesões secundárias e podem fi car por um grande período (2 a 10 anos) numa fase de la-tência até surgirem as lesões da fase terciária. Estas re-presentam um processo granulomatoso crônico e que ati ngem principalmente 4 tecidos: pele, ossos, cardio-vascular e nervoso. Na pele, são chamadas de gomas si-fi líti cas, formadas por placas e nódulos infi ltrati vos que sofrem ulcerações, assumindo um aspecto arqueado ou anular; costuma ser única ou em pequenos números (casos disseminados já foram relatados). Essas lesões gomatosas também podem destruir tecidos ósseos, causando dor e incapacitação. No sistema cardiovas-cular, a alteração mais frequente é uma endarterite de grandes vasos, principalmente a aorta, em que podem ocorrer aneurismas e insufi ciência valvar. No sistema nervoso central, também há o acometi mento vascular, levando a pequenos infartos principalmente do territó-rio vertebrobasilar; infl amação das meninges e paralisia de pares cranianos completam o quadro. Outro acome-ti mento clássico é desmielinização da coluna posterior das raízes dorsais, levando a manifestações de neuro-pati as periféricas conhecidas como tabes dorsalis; nela os pacientes podem ter ataxia, arrefl exia e disestesias (alterações da sensibilidade à dor e temperatura).

E - Métodos diagnósti cos

Nem sempre é fácil diagnosti car a sífi lis clinicamente, tanto do ponto de vista dermatológico como nos quadros terciários cardiovasculares e neurológicos.

Sempre que há a suspeita, é necessário lançar mão dos exames laboratoriais, o que vale para pacientes assintomá-ti cos ou com sintomas discretos e inespecífi cos (sempre pensar em sífi lis nos diferenciais).

Uma forma clássica de diagnósti co é a microscopia dire-ta em campo escuro de um raspado de uma lesão cutânea,

na qual se podem visualizar as espiroquetas (formas seme-lhantes a macarrão parafuso). Infelizmente, esse método, dominado pelos anti gos dermatologistas, caiu em desuso.

Tabela 9 - Exames na sífi lis

Treponematosos Não treponematosos

FTA-abs VDRL

TPHA/MHA-TP RPR

As sorologias são o método mais uti lizado, e podem-se dividi-las em 2 grupos: os exames não treponematosos (não específi cos) e os treponematosos (de alta especifi cidade). No 1º grupo, o mais uti lizado é o VDRL, seguido do RPR (Rapid Plasm Reagin), um exame ti tulável com alta sensi-bilidade. É o método ideal na realização de screenings em pacientes suspeitos e/ou assintomáti cos.

No 2º grupo, os mais uti lizados são o FTA-abs (podendo ser IgM ou IgG) e o TPHA/MHA-TP; ambos não têm a mes-ma sensibilidade do VDRL, mas levam vantagem na especi-fi cidade e também se tornam positi vos mais precocemente, ainda na fase primária. De uma forma didáti ca, podem-se, então, separar os exames:

-Screening – com VDRL; se positi vo, confi rmar com FTA-abs ou TPHA/ MHA-TP; -Controle de tratamento – VDRL, devendo haver dimi-nuição dos tí tulos; tí tulos em elevação requerem inter-venção terapêuti ca.

Mesmo após o tratamento, alguns exames permane-cem positi vos por anos; isso é comum com os exames tre-ponematosos e variável no caso do VDRL (costuma fi car positi vo em tí tulos baixos menores de 1:8); por isso uma reinfecção só é constatada com a elevação dos tí tulos, lembrando que ela é possível, pois na sífi lis não há imuni-dade adquirida. Podem ocorrer resultados falsos positi vos em algumas situações, como hanseníase, malária, borre-lioses (como a doença de Lyme), leptospirose e lúpus eri-tematoso sistêmico.

O exame do liquor está indicado em algumas situações: -Pacientes HIV positi vo; -Outros sinais de sífi lis terciária; -Falha do tratamento ou contraindicação da penicilina; -Sinais e sintomas neurológicos, mesmo suti s.

O diagnósti co diferencial dermatológico dependerá da fase clínica em questão:

-Sífi lis primária: cancro mole, herpes, carcinoma espi-nocelular; -Sífi lis secundária: piti ríase rósea, psoríase, farmaco-dermias, piti ríase liquenoide crônica, parapsoríases; -Sífi lis terciária: hanseníase, leishmaniose, tumores partes moles, carcinomas espinocelular e basocelular.

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Infecçãosem 0

FTAbs IgM +sem 2

Campo escuro +sem 3 (cancro)

FTAbs IgG +sem 4

VDRL +sem 5

Sífilis secundáriasem 9

Figura 13 - Evolução da infecção pelo Treponema pallidum

F - Tratamento

Ainda hoje, o tratamento mais efeti vo é a penicilina, mesmo quando comparada a anti bióti cos mais modernos, como ceft riaxona e azitromicina. Por isso, é sempre impor-tante questi onar e investi gar casos tachados como “alérgi-cos” e que nem sempre os são, pois todos os esforços de-vem ser feitos para ser prescrita a penicilina. Existem testes cutâneos que comprovam uma suposta alergia, sendo pos-sível tratamento para a dessensibilização. É a droga de es-colha, mesmo em casos mais graves como as manifestações neurológicas e cardiovasculares da sífi lis terciária. Também é usada em situações especiais, como em casos associados ao HIV e na sífi lis congênita, e/ou em gestantes. As doses preconizadas pelo Ministério da Saúde são:

-Sífi lis primária: penicilina benzati na, 2,4 milhões UI, IM, em dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo); -Sífi lis recente secundária e latente: penicilina benzati -na, 2,4 milhões UI, IM, repeti da após 1 semana. Dose total de 4,8 milhões UI; -Sífi lis tardia (latente e terciária): penicilina benzati na, 2,4 milhões UI, IM, semanal, por 3 semanas. Dose total de 7,2 milhões UI.

Tabela 10 - Tratamento da sífi lis

Sífi lis primária Penicilina benzati na, dose única.

Sífi lis recente (>1 ano)

Penicilina benzati na, 2 doses semanais.

Sífi lis tardia (>1 ano)

Penicilina benzati na, 3 doses semanais.

Terciária Penicilina benzati na, 3 doses semanais.

Neurossífi lis Penicilina cristalina IV, durante 14 dias.

AlérgicosTentar dessensibilização ou estearato de eri-tromicina.

Algumas parti cularidades devem ser observadas. Os portadores de HIV devem ser tratados com o 3º esquema de sífi lis terciária para evitar possíveis complicações que

são mais comuns nos imunossuprimidos; o mesmo é váli-do para pacientes em que não se sabe o tempo certo de evolução (enquadrados como sífi lis latente tardia – mais de 1 ano de evolução). Aqueles que já apresentam manifesta-ções neurológicas e cardiovasculares são tratados em regi-mes hospitalares em que possam receber a penicilina por via intravenosa por 14 dias.

Após a terapêuti ca inicial, ocorre a destruição de várias bactérias, e são liberados antí genos na circulação que aca-bam por desencadear uma reação de hipersensibilidade co-nhecida como reação de Jarisch-Herxheimer, cujo quadro é composto por sintomas de infl amação sistêmica (febre, calafrios e indisposição). No entanto, esse quadro não deve ser interpretado como reação alérgica à penicilina nem ser moti vo de interrupção ou troca da medicação. Casos leves são controlados com sintomáti cos (paracetamol e anti -in-fl amatórios), e os doentes graves necessitam de corti coste-roides sistêmicos.

3. Sífi lis congênita

A - Introdução

Trata-se de uma doença com alta mortalidade neonatal e que, por isso, levou os governantes a adotarem estraté-gias para erradicação por intermédio da criação de Grupos de Investi gação de Sífi lis Congênita (GISC), formados por profi s sionais de saúde que atuam em serviços de assis-tência pré-natal e maternidades. O diagnósti co precoce é importante para reduzir as consequências da sífi lis para a criança infectada, por meio do tratamento oportuno e ade-quado.

B - Epidemiologia

Desde que as medidas adotadas para a erradicação da doença entraram em vigor, houve uma queda na incidência da sífi lis congênita. No entanto, pode haver casos de sub-noti fi cação, apesar de ser ela uma doença de noti fi cação compulsória. É uma importante causa de mortalidade neo-natal e infanti l. A taxa de transmissão verti cal da sífi lis, nas fases primária e secundária da doença, em mulheres não tratadas, é de 70 a 100%. Na fase terciária, a taxa diminui.

C - Fisiopatologia

O Treponema pallidum raramente invade a placenta an-tes do 5º mês de gestação, por isso as complicações são tardias, incluindo o aborto e complicações neonatais. A dis-seminação do agente é rápida na criança devido à imaturi-dade do sistema imunológico, e os índices de mortalidade chegam a 40% dos infectados.

D - Quadro clínico

Recém-nascidos não infectados podem apresentar anti -corpos maternos transferidos por intermédio da placenta.

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Nesses casos, em geral, o teste será reagente até os pri-meiros 6 meses de vida, podendo prolongar-se. Por isso, o diagnósti co de sífi lis congênita exige um elenco de exames que permitam a classifi cação clínica do caso (diagnósti co e estadiamento), para que a terapia adequada seja insti tuída.

Segundo o Ministério da Saúde, todo caso defi nido como sífi lis congênita, considerando os critérios descri-tos posteriormente, devem ser noti fi cados ao Sistema de Vigilância Epidemiológica.

E - Caso confi rmado

Toda criança com evidência laboratorial do Treponema pallidum colhido de lesões, placenta, cordão umbilical ou necrópsia, em exame realizado por meio de técnicas de campo escuro, imunofl uorescência ou outra específi ca.

F - Caso presumível

Toda criança cuja mãe teve sífi lis não tratada, ou ina-dequadamente tratada durante a gravidez, independente-mente da presença de sintomas, sinais e resultados de exa-mes laboratoriais (é considerado tratamento inadequado qualquer tratamento penicilínico realizado nos últi mos 30 dias antes do parto, ou tratamento não penicilínico); ou to-das as crianças com teste não treponêmico positi vo (como VDRL reagente) e 1 das seguintes condições:

-Evidência de sintomatologia sugesti va de sífi lis congê-nita ao exame fí sico; -Evidência de sífi lis congênita ao raio x; -Evidência de alterações no líquido cefalorraquidiano: teste para anti corpos, contagem de linfócitos e dosa-gem de proteínas; -Título de anti corpos não treponêmicos do RN ≥4 vezes o tí tulo materno, na ocasião do parto (a ausência do aumento desse tí tulo não pode ser usada como evi-dência contra o diagnósti co de sífi lis congênita); -Evidência de elevação de tí tulo de anti corpos não tre-ponêmicos em relação aos tí tulos anteriores; -Positi vidade para anti corpo da classe IgM contra Treponema pallidum; ou toda criança com teste não treponêmico positi vo após o 6º mês, exceto em situ-ação de seguimento pós-terapêuti co e de sífi lis adqui-rida; ou todo caso de morte fetal ocorrido após 20 se-manas de gestação ou com peso maior que 500g, cuja mãe, portadora de sífi lis, não foi tratada ou foi inade-quadamente tratada (nati morto sifi líti co).

A sífi lis congênita apresenta, da mesma forma que a ad-quirida, 2 estágios: precoce, quando as manifestações clíni-cas são diagnosti cadas até o 2º ano de vida, e tardia, após esse período.

4. Sífi lis congênita precoce Sinais e sintomas surgem até os 2 anos de vida, e os

principais são baixo peso, rinite sanguinolenta, coriza, obs-

trução nasal, prematuridade, osteocondrite, periosti te ou osteíte, choro ao manuseio, hepatomegalia, esplenomega-lia, alterações respiratórias/pneumonia, icterícia, anemia severa, hidropisia, edema, pseudoparalisia dos membros, fi ssura peribucal, condiloma plano, pênfi go palmoplantar e outras lesões cutâneas.

5. Sífi lis congênita tardiaOs sinais e sintomas surgem a parti r dos 2 anos de vida:

tí bia “em lâmina de sabre”, fronte olímpica, nariz “em sela”, dentes incisivos medianos superiores deformados (dentes de Hutchinson), mandíbula curta, arco palati no elevado, cerati te intersti cial, surdez neurológica e difi culdade no aprendizado.

A - Métodos diagnósti cos

Para confi rmar o diagnósti co, realizam-se os mesmos exames uti lizados na sífi lis do adulto. Além disso, é impor-tante a radiografi a de ossos longos (tí bia, fêmur e úmero), nos quais há o envolvimento de metáfi se causando oste-ocondrite, osteíte e periosti te, e revelando anormalidades metafi sárias patognomônicas da infecção (bandas trans-lúcidas). Sugere-se que, em cerca de 4 a 20% dos recém--nascidos assintomáti cos infectados, a única alteração seja o achado radiográfi co, o que justi fi ca a realização desse exame nos casos suspeitos de sífi lis congênita. É recomen-dado LCR a todos os recém-nascidos que se enquadrem na defi nição de caso, pois a conduta terapêuti ca dependerá da confi rmação ou não de neurossífi lis. A presença de leuco-citose (mais de 25 leucócitos/mm3) e o elevado conteúdo proteico (mais de 100mg/dL) no LCR de um recém-nascido suspeito de ser portador de sífi lis congênita devem ser con-siderados como evidências adicionais para o diagnósti co. Ainda, o diagnósti co poderá ser feito se o VDRL for positi vo, independentemente dos demais achados.

B - Tratamento

O diagnósti co nas gestantes implica um tratamento pre-coce (se 30 dias antes do parto, é inadequado) e com peni-cilina (casos alérgicos devem tentar a dessensibilização). As doses são as mesmas mencionadas no tratamento do adul-to. Se a mãe não tratou a sífi lis corretamente, o tratamento será insti tuído em caso de alterações clínicas e/ou sorológi-cas e/ou radiológicas, e deverá ser feito com penicilina cris-talina na dose de 100.000UI/kg/dia, IV, 2 vezes (se menos de 1 semana de vida) ou 3x/dia (se mais de 1 semana de vida), durante 10 dias; ou penicilina G procaína 50.000UI/kg, IM, por 10 dias; no caso de alteração liquórica, o trata-mento deverá ser feito com penicilina G cristalina, na dose de 150.000UI/kg/dia, IV, em 2x/dia (se menos de 1 semana de vida) ou 3 vezes (se mais de 1 semana de vida), durante 14 dias; mesmo se não houver alterações clínicas e de exa-mes, proceder ao tratamento com penicilina G benzati na, IM, na dose única de 50.000UI/kg.

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O acompanhamento é obrigatório, incluindo o seguimen-to com VDRL sérico com 1 e 3 meses, após a conclusão do tra-tamento. No caso da mãe tratada corretamente, só se deve proceder aos esquemas citados se a ti tulação do VDRL está aumentando ou se é maior que a materna e obviamente nos casos sintomáti cos ou com alteração dos demais exames.

Tabela 11 - Doenças bacterianas

- As doenças bacterianas são subdivididas em agudas e crônicas;

- Impeti go e foliculites são infecções superfi ciais e facilmente tra-táveis com medicações tópicas;

- As infecções de partes moles profundas (celulite e erisipela) merecem atenção maior devido à possibilidade de evolução para sepse;

- Hanseníase e sífi lis compreendem as principais infecções bac-terianas crônicas;

- É importante ter em mente os polos clínicos da hanseníase: indeterminada, tuberculoide e virchowiana;

- As fases de evolução da sífi lis podem ser correlacionadas com os achados nos exames laboratoriais.

IV. Doenças fúngicas – micoses superfi ciaisOs fungos são seres anaeróbios, saprófi tas e que fazem

uma parede celular estável de quiti na, capazes de se repro-duzirem sexuada e assexuadamente, formando colônias. Os fungos patogênicos podem levar a quadros infecciosos que podem ser classifi cados em superfi ciais e profundos. Das micoses superfi ciais, as mais importantes e que serão abordadas neste capítulo, estão as dermatofi toses e as mi-coses por leveduras (candidíase e piti ríase versicolor). No que tange às micoses profundas, trataremos sobre esporo-tricose, paracoccidioidomicose e cromomicose.

1. Dermatofi toses

A - Introdução

O grupo de fungos conhecidos como dermatófi tos é for-mado por elementos hialinos micelianos que têm grande afi nidade pela querati na e, portanto, infectam a epider-me e seus anexos (unhas e pelos), sendo as manifestações clínicas dependentes da localização em questão. Não são capazes de levar a quadros sistêmicos por disseminação. Os gêneros englobados nesse grupo são Trichophyton sp, Epidermophyton sp e Microsporum sp.

B - Epidemiologia

A transmissão acontece por contato com fontes conta-minadas que podem ser por meio de fungos antropofí licos (inter-humano), zoofí licos (animais domésti cos) e geofí licos (solo contaminado). Estados de imunossupressão como diabetes mellitus, HIV e transplantados levam a um aumen-to da incidência. As faixas etárias de acometi mento depen-dem da apresentação clínica.

Tabela 12 - Dermatófi tos

Antropofí licos

- Trichophyton rubrum;

- Trichophyton.

Geofí licos

- Microsporum gypseum.

Zoofí licos

- Microsporum canis;

- Microsporum gallinae.

C - Fisiopatologia

Não é necessária a porta de entrada para haver contá-gio por esses fungos; devido à presença de enzimas que digerem a querati na, elas são capazes de propagar a in-fecção na epiderme e em seus anexos. Alguns fatores no sangue do hospedeiro protegem contra a infecção: trans-ferrina e alfa-2-macroglobulina. A imunidade celular TH1 é muito importante no controle dos fungos.

D - Quadro clínico, métodos diagnósti cos e tra-tamento

Classicamente, as infecções por dermatófi tos são de-nominadas “ti nhas”. Assim, têm-se as seguintes variantes clínicas:

-Tinha do corpo, face e barba: caracterizadas por placas eritematodescamati vas com bordas elevadas e bem delimitadas e clareamento central, com um aspecto de lesão anular; em alguns casos de ti nha da barba, os achados podem simular uma foliculite. No corpo, uma área frequentemente acometi da é a região ingui-nal, devido à umidade e maceração local; nesse caso, o diagnósti co diferencial é com o eritrasma, causado por uma corinebactéria. Para o diagnósti co, o exame micológico direto (raspagem da lesão para análise em microscopia após a clarifi cação com KOH) é rápido e tem boa acurácia. O diagnósti co diferencial é feito com os eczemas e a psoríase, e o tratamento pode ser fei-to apenas com cremes de imidazólicos (cetoconazol, isoconazol etc.) nos casos mais localizados e com me-dicações sistêmicas (terbinafi na ou itraconazol) nos disseminados; -Tinha do couro cabeludo (tinea capitis): muito fre-quente em crianças e rara em adultos e idosos, pode ter manifestações mais brandas com placas desca-mativas com alopecia e cotos pilosos, denominada tinha tonsurante, ou uma variante mais inflamatória e exuberante, chamada kerium celsi, normalmente associada a fungos zoofílicos e geofílicos (menos adaptados à pele humana, como M. canis). A tinha favosa é a mais grave de todas, pois pode cursar com alopecia cicatricial irreversível, e é causada pelo T. schoenleinii.

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O exame micológico direto em KOH dos pelos pode dar o diagnósti co, e a cultura leva ao agente causador: ti nha tonsurante – T. tonsurans e M. audoinii; ti nha favosa – T. schoenleinii; kerium – M. canis e T. violaceum. A lâmpada de Wood (luz negra) provoca uma fl uorescência verde-azulada em infecções por M. canis e M. audoinii. O diagnósti co dife-rencial em crianças é feito com a psoríase e a pseudoti nha amiantácea (placas descamati vas presentes em atópicos). Nos adultos, deve-se diferenciar da psoríase e da dermati te seborreica.

Anti fúngicos orais são indicados na maioria dos casos. Desses, a griseofulvina é o padrão-ouro para as crianças, com altas taxas de cura e menos efeitos colaterais. Os adul-tos podem ser tratados com itraconazol e terbinafi na por 2 a 4 semanas, dependendo da melhora clínica:

-Tinha dos pés: popularmente chamada de frieira, tem diferentes apresentações: pode manifestar-se apenas com descamação e maceração interdigitais, ou com espessamento e fi ssuras plantares com progressão para a região dorsal do pé (padrão mocassim) ou com quadros vesicobolhosos agudos e pruriginosos. O aco-meti mento de 2 pés e 1 mão é altamente sugesti vo (síndrome dos 2 pés e 1 mão). T. rubrum e T. entagro-phytes são os agentes mais envolvidos. O diagnósti co diferencial pode ser feito com a dermati te de conta-to, a disidrose e a psoríase palmoplantar. Os métodos diagnósti cos e o tratamento são os mesmos dos aplica-dos na ti nha do corpo;

-Tinha das unhas: infecção da lâmina ungueal (rica em queratina) e que frequentemente progride para o leito ungueal. Muito frequente na população em geral, mais comum em idosos por alterações locais predisponentes; as unhas dos pés são de 8 a 10 vezes mais acometidas que as das mãos. Há basicamente 3 apresentações: tinha da unha branca superficial (manchas brancas apenas na superfície da lâmina – forma mais leve e de fácil tratamento), tinha da unha subungueal distal (forma mais frequente com espessamento e escurecimento da porção subun-gueal) e tinha da unha subungueal proximal (for-ma rara muito associada à imunossupressão/HIV). O diagnóstico apenas clínico não é indicado, pois a acurácia é de apenas 50%, logo o exame micológico direto e a cultura para fungos são importantes. Os agentes mais isolados são do gênero Tricophyton sp. O tratamento é longo e com potencial de hepato-toxicidade, sendo necessária a monitoração das en-zimas hepáticas. Sempre deve ser sistêmico, exceto nos casos da branca superficial.

Terbinafi na e itraconazol por 4 a 6 meses são as drogas de escolha, e esmaltes tópicos com ciclopirox olamina ou amorolfi na são usados para complementar o tratamento sistêmico e na profi laxia das recidivas.

Figura 14 - Tinha da face: paciente com placas eritematosas e des-camati vas com aspecto anular na região mentoniana

Figura 15 - Tinha do corpo: paciente com placas eritematosas e descamati vas com bordas elevadas e tendência de cura no centro

Figura 16 - Tinha do couro cabeludo: forma tonsurante com placa de alopecia apresentando descamação simples

Figura 17 - Tinha do couro cabeludo: forma kerium com placa de alopecia apresentando intensa infl amação e crostas por infecção secundária

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Figura 18 - Onicomicose: unha do hálux com coloração amarelada e descamação subungueal

2. Doenças por levedurasSão fungos ovalados que se reproduzem por brotamen-

to. Aqui, são abordadas as candidíases e a piti ríase versi-color.

A - Candidíases

Sinonímia: monilíase. Infecções por Candida albicans (menos de 10% por outras Candida sp) comumente asso-ciada a áreas ocluídas e úmidas.

B - Epidemiologia

As infecções por cândida são tão comuns que é possí-vel que, pelo menos, 1 vez na vida, uma pessoa terá um acometi mento por tal levedura. No entanto, são poucos os trabalhos epidemiológicos, o que difi culta a elaboração dos dados em números.

C - Fisiopatologia

Por fazer parte da fl ora normal de mucosas, nem sem-pre o encontro simples da C. albicans leva a um diagnósti -co de infecção; alguns aspectos devem estar presentes: o encontro de pseudo-hifas (formações invasivas com maior virulência), a quanti fi cação do número de colônias na cul-tura e, principalmente, o aspecto clínico com reação infl a-matória local.

Outro aspecto relati vo ao hospedeiro seria o estado de imunossupressão que predisporá à infecção pelo fungo, já que este pode ser considerado oportunista e, em condições normais, não é capaz de agredir os tecidos colonizados. Entre os fatores predisponentes estão uso de anti bióti cos (altera a fl ora bacteriana, diminuindo a competi ção natu-ral), diabetes mellitus, uso de anti concepcionais e gravidez (por mudanças na mucosa vaginal) e, obviamente, os esta-dos de imunos supressão.

D - Quadro clínico

São várias as manifestações por cândida, e entre as mais comuns, estão:

-Candidose oral: na sua forma mais comum, que é a pseudomembranosa aguda (“sapinho”) e outras me-nos frequentes, como a crônica hiperplásica (placas ver rucosas na língua) e a queilite angular (conhecida como Perlèche); -Candidose genital: muito mais frequente nas mulhe-res na apresentação de vulvovaginite e mais rara nos homens quando leva a placas eritematosas e mace-radas no prepúcio (balanite); quando esse processo evolui, as placas se estendem para a região inguinal e o escroto (nos casos de ti nha, costuma ser poupado); - Intertrigo por cândida: placas eritematosas em áreas ocluídas, sendo provável infecção secundária pelas le-veduras; comum na região inframamária e entre o 3º e o 4º espaços interdigitais das mãos. Uma característi ca marcante é a presença de pequenas pápulas e pústulas adjacentes à grande lesão (satélites); -Dermati te das fraldas: intertrigo devido à oclusão pe-las fraldas, iniciando uma dermati te por irritação pelas fezes (ricas em C. albicans) e pela urina. Quadro co-mum tanto em crianças como em idosos; -Onicomicose e paroníquia: esta últi ma, infl amação da prega periungueal devido à perda da cutí cula, criando um espaço morto e úmido (principalmente em donas de casa que têm contato constante com água) onde se formam colônias de leveduras. A onicomicose apre-senta-se da mesma forma que no caso dos dermató-fi tos; -Quadros sistêmicos: esofagite, ITU e fungemia são en-contrados em pacientes graves de UTI ou em imunos-suprimidos.

Figura 19 - Intertrigo por cândida: descamação e maceração inter-digital em mão de dona de casa

E - Métodos diagnósti cos

O exame microscópico direto nem sempre é úti l, pois pode indicar apenas colonização inocente. A cultura é fun-damental e sempre acompanhada da quanti fi cação do nú-mero de colônias, sendo altamente sugesti va quando maior que 106 colônias.

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F - Tratamento

A maioria dos casos requer tratamento sistêmico, sendo o fl uconazol, 100 a 200mg, o mais indicado. Algumas espécies de cândida, como C. krusei e C. glabrata, são naturalmen-te resistentes a essa medicação, sendo necessários outros imidazólicos, como cetoconazol ou itraconazol. Os casos de onicomicose requerem tratamentos longos como na ti nha da unha, e casos mais simples e localizados podem ser tratados com os cremes de imidazólicos (ti oconazol, isoconazol etc.); também respondem a cremes contendo nistati na. Só nos ca-sos graves com candidemia se deve usar a anfotericina B.

3. Piti ríase versicolorInfecção superfi cial causada por Malassezia furfur cur-

sando com lesões maculodescamati vas de cores variáveis (versicolor).

A - Epidemiologia

Extremamente frequente, principalmente no verão, bem mais presente em adultos jovens e rara em crianças e em idosos (estes últi mos têm a pele menos oleosa).

B - Fisiopatologia

A levedura M. furfur coloniza inocentemente a pele de mais de 95% das pessoas, com preferência pelas regiões mais seborreicas, onde aproveita os lipídios cutâneos como fonte de energia; é desconhecido o mecanismo exato que faz que a convivência pacífi ca em simbiose se transforme em infecção. Fatores de imunossupressão local como o sol, má higiene e umidade são predisponentes. A causa das hi-pocromias é a produção pelo fungo do ácido azelaico.

C - Quadro clínico

É de fácil identi fi cação, consti tuído por lesões maculo-descamati vas ovaladas, disseminadas, presentes principal-mente no tronco e na região cervical; são raras nas extre-midades. A descoloração pode se dar por máculas brancas, rosas ou acastanhadas. Outra peculiaridade é uma fi na des-camação que pode ser intensifi cada quando a pele é esti ca-da pelo examinador (sinal de Zileri).

Figura 20 - Lesões maculodescamati vas com hipocromia e sinal de Zileri presente no dorso caracterizando a piti ríase versicolor

D - Métodos diagnósti cos

O exame microscópico direto pode ser realizado nos ca-sos duvidosos, sendo encontrado o tí pico “espaguete com almôndegas” (pseudo-hifas alongadas com esporos ovala-dos). A cultura só é possível em meio de óleo de Oliva de-vido à afi nidade do fungo por lipídios (diferentemente dos demais fungos, que crescem em ágar Sabouraud).

O diagnósti co diferencial é feito com a piti ríase alba (mais nas extremidades e na face, e com outros indícios de atopia) e o viti ligo (lesões não descamam).

E - Tratamento

A maioria dos casos requer tratamento tópico, sendo todos imidazólicos igualmente efi cazes. Xampus com anti -fúngicos podem ser usados em casos recidivantes, pois o couro cabeludo é uma importante fonte de infecção. Casos resistentes ou muito disseminados podem ser tratados com anti fúngicos orais, sendo o cetoconazol o mais efi caz, por ter excreção maior na secreção sebácea que os demais. A dose habitual é de 200mg, por 10 a 14 dias.

V. Doenças fúngicas – micoses profundas

1. EsporotricoseDoença subaguda, universal, relati vamente comum,

causada por fungo dimórfi co da espécie Sporothrix schenkii.

A - Epidemiologia

Relati vamente frequente em nosso meio, sendo uni-versal, porém mais comum em países de clima tropical. Qualquer idade é acometi da, e não há predileção por sexo. Dois pontos merecem destaque, como a associação a feri-mentos por plantas (como os clássicos acidentes com espi-nhos de rosas) e a contaminação por animais domésti cos, já havendo relatos de surtos no Rio de Janeiro provocados por gatos contaminados.

B - Fisiopatologia

O trauma serve como porta de entrada para a inocula-ção do fungo, e nesse ponto é que surge a 1ª lesão. A res-posta imune celular TH1 é responsável por tentar conter a doença, o que se pode evidenciar pela positi vidade do teste da esporotriquina. Contaminação por ingesta ou inalação é rara.

C - Quadro clínico

No local do acidente perfurocortante, surge a lesão ini-cial, normalmente uma placa eritematoescamosa verruco-sa ou uma úlcera. Em seguida, surgem linfonodos regionais em cordão, caracterizando a forma mais comum da doença, que é a cutâneo-linfáti ca; podem ou não fi stulizar. Formas cutâneas disseminadas e/ou infecções sistêmicas são raras

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e normalmente vistas em imunossuprimidos. As extremida-des, por estarem mais expostas aos traumas, são sempre mais acometi das.

Se evoluem para a cura espontânea com a ação do sistema imunológico, restam cicatrizes discrômicas como sequelas.

Figura 21 - Esporotricose: placas verrucosas eritematosas com evolução ascendente no MSE

D - Métodos diagnósti cos

A forma clássica cutâneo-linfáti ca é de fácil diagnósti co clínico; só em casos de lesões únicas, caracterizando uma forma cutânea localizada, são necessários exames.

A cultura é o padrão-ouro, sendo um fungo de rápido crescimento (resultado em 3 dias) e que cresce em tempe-ratura ambiente a 25°C ou temperatura corporal de 37°C (fungo dimórfi co). É um dos poucos fungos em que o exame micológico direto com KOH não ajuda. O exame anatomo-patológico também leva ao diagnósti co por visualização dos fungos nos tecidos corados pela prata ou PAS, sendo apre-sentados em formas afi ladas semelhantes a charutos.

A diagnose diferencial é feita com lesões ulceradas iso-ladas como paracoccidioidomicose, histoplasmose, leish-maniose e tuberculose. Essas mesmas doenças entram no diferencial se a lesão é verrucosa, no entanto, nenhuma delas evolui com o cordão linfáti co adjacente. Nos casos de lesões isoladas, somente por intermédio dos métodos diag-nósti cos citados se conclui o caso.

E - Tratamento

É uma das poucas doenças em que há boa resposta com uma medicação simples e barata – o iodeto de po-tássio, o qual deve ser administrado até a cura completa da lesão, o que pode levar entre 4 e 6 semanas. Outros imidazólicos, como itraconazol e fl uconazol, podem ser empregados.

Tabela 13 - Regra mnemônica de lesões verrucosas e/ou úlceras

P Paracoccidioidomicose.

L Leishmaniose.

E Esporotricose.

C Cromomicose.

T Tuberculose.

2. CromomicoseInfecção fúngica crônica da pele causada por agentes

demáceos (fungos negros) encontrados em solos e vegetais.

A - Epidemiologia

A doença é endêmica em algumas áreas tropicais, como na região Norte do Brasil, e em algumas áreas desérti cas. Trabalhadores rurais estão mais expostos aos organismos encontrados no solo e plantas contaminadas (por exemplo, trabalhadores do babaçu na Amazônia). Os MMIIs são mais acometi dos, levando a quadros dramáti cos semelhantes à elefantí ase.

B - Fisiopatologia

O fungo é inoculado após trauma da pele e se propaga até o subcutâneo, sem relato de disseminação linfáti ca e/ou hematogênica. São 4 espécies envolvidas, a 1ª bem mais comum no Brasil:

-Fonsecaea sp; -Cladosporium sp; -Rhinocladiela sp; -Phialophora sp.

C - Quadro clínico

Após o trauma, surge na pele uma pápula que evolui para nódulo e posteriormente para placa verrucosa, que em anos pode assumir notáveis proporções, comprometendo todo o membro afetado. Nessas placas, aparecem pequenos pontos negros (black dots) que representam um aglomerado de fun-gos demáceos. Não há sinais e sintomas sistêmicos. Lesões em placas psoriasiformes já foram descritas.

D - Métodos diagnósti cos

O exame micológico direto em KOH 10% (de raspado da lesão) é o meio mais simples de chegar ao diagnósti co. A cultura permite determinar a espécie envolvida para fi ns acadêmicos, já que não infl uencia o tratamento. Em casos duvidosos, só se conclui a eti ologia após a biópsia para exa-me anatomopatológico.

O diagnósti co diferencial se faz com a síndrome verrucosa PLECT (acrônimo de Paracoccidioidomicose, Leishmaniose, Esporotricose, Cromomicose e Tuberculose).

E - Tratamento

Trata-se de uma das dermatoses de resolução mais difí -cil, e muitos pacientes são ditos incuráveis, aspecto compa-rável a um quadro neoplásico infi ltrati vo. Deve-se tentar em casos iniciais, quando ainda é possível, a remoção completa

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da lesão por meio de cirurgia dermatológica. Nos casos em que já há disseminação extensa, são necessários métodos combinados, como criocirurgia com nitrogênio líquido jun-tamente com anti fúngicos sistêmicos (o itraconazol é o de escolha). Esse esquema acaba sendo usado por anos, e os pacientes difi cilmente têm alta, havendo somente um con-trole do quadro.

3. ParacoccidioidomicoseSinonímia: blastomicose sul-americana. Infecção sistê-

mica com várias facetas, podendo ati ngir a pele e outros órgãos internos e tendo como agente causador o fungo di-mórfi co Paracoccidioidis brasiliensis.

A - Epidemiologia

É uma doença de zona rural endêmica de alguns países da América do Sul (ainda não descrita no Chile) em que o fungo pode ser isolado a parti r de matéria orgânica de solos contaminados. A infecção é mais comum em jovens e adul-tos na faixa etária de 20 a 40 anos. Há grande predominân-cia no sexo masculino, pois parece que os hormônios estro-gênicos conferem uma proteção às mulheres, impedindo o desenvolvimento do fungo; a proporção encontrada em in-quéritos epidemiológicos é de 9 homens para cada mulher.

B - Fisiopatologia

A porta de entrada mais comum é a via inalatória, em que se inicia um foco pulmonar e, a parti r daí, se multi plica e se dissemina para os linfonodos regionais, e posterior-mente, por via hematogênica, para os demais órgãos; há relatos de inoculação pela mucosa orofaríngea e direta-mente na pele, mas tais casos são menos frequentes. Esse 1º contato com o fungo caracteriza a paracoccidioidomico-se-infecção (Pb-micose infecção); se o paciente desenvolve uma resposta TH1 efi caz, ela pode ser controlada. Então, os pacientes tornam-se assintomáti cos, mas há o teste imu-nológico da paracoccidioidina positi vo (semelhante ao PPD na tuberculose). Ao evoluir para a doença, há 2 possíveis quadros: Pb-micose juvenil (aguda/subaguda) e Pb-micose adulto (crônica).

C - Quadro clínico

Duas formas de paracoccidioidomicose são conhecidas: -Paracoccidioidomicose juvenil: quadro sistêmico su-bagudo com hepatoesplenomegalia e adenomegalia generalizada, além de febre, queda do estado geral e emagrecimento. -Paracoccidioidomicose adulto: evolução crônica da infecção que pode ser unifocal (apenas 1 órgão aco-meti do, sendo a forma pulmonar a mais frequente) ou multi focal, acometendo, simultaneamente, pulmão, linfonodos, pele, mucosas e outros órgãos (suprarre-nais, ossos, próstata etc.). Os quadros disseminados

tendem a aparecer em doentes com predomínio da resposta humoral TH2. As manifestações mais fre-quentes são:

• Pulmões: quadros que mimeti zam pneumonias atí -picas e tuberculose, podendo ter qualquer padrão radiológico (classicamente, sempre é citado o pa-drão “asa de borboleta”);

• Cutâneo-mucosa: erosões com ponti lhados hemor-rágicos na mucosa oral conhecida como estomati te moriforme (lesões avermelhadas lembram amoras). Na pele, as lesões têm aspecto variável, havendo pápulas, nódulos e úlceras com ou sem crostas he-morrágicas;

• Ganglionar: adenomegalias duras e dolorosas que podem ulcerar e fi stulizar. A região cervical é a mais frequente. Quadros intra-abdominais, quando da infecção intesti nal pelo paracoco, levam a gran-des massas tumorais que mimeti zam o linfoma de Hodgkin;

• Visceral: acomete os ossos levando a lesões oste-olíti cas. O acometi mento das glândulas suprarre-nais leva à síndrome de Addison. Lesões intesti nais promovem diarreias crônicas e dores abdominais. O envolvimento do sistema nervoso é possível na forma de meningoencefalites ou lesões tumorais cerebrais.

Portanto, resumidamente, deve-se pensar em paracoc-cidioidomicose quando um paciente apresenta quadro pul-monar associado a lesões de mucosa e de pele.

D - Métodos diagnósti cos

O exame micológico direto pode ser realizado na secre-ção purulenta ou raspado da lesão, sendo visualizadas es-truturas ovaladas leveduriformes que podem ter brotamen-to simples ou múlti plo, levando ao aspecto característi co de roda de leme. Essas mesmas estruturas podem ser encon-tradas no exame anatomopatológico da biópsia lesional. Por ser fungo dimórfi co, quando em cultura, cresce tanto à temperatura ambiente de 25°C (forma miceliana) como a 37°C (colônia leveduriforme). Anti corpos no sangue podem ser ti tulados pela contraimunoeletroforese, tendo papel importante também no seguimento dos doentes durante o tratamento (os tí tulos tendem a cair). Exames de biologia molecular podem encontrar proteína GP43 da superfí cie do fungo.

A diagnose diferencial dependerá da forma apresentada: -Pb-micose juvenil: linfomas, tuberculose, leishmanio-se visceral; -Pb-micose adulto: lesões mucosas podem surgir na leishmaniose tegumentar americana, tuberculose e sífi lis; lesões simulando carcinomas espinocelulares também foram descritas; as lesões da pele podem ser diferenciadas da leishmaniose tegumentar, da esporo-

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tricose, tuberculose e histoplasmose quando localiza-das e de vasculites, sífi lis secundária e linfomas quan-do disseminadas.

E - Tratamento

Normalmente, é prolongado até a cura clínica, soroló-gica e radiológica do doente, o que pode levar de meses a anos. O acompanhamento deve ser semestral, pois as reci-divas são frequentes. As drogas mais uti lizadas são:

-Sulfametoxazol-trimetoprima: o 1º disponível, mas o menos efi caz, reservado apenas a doentes com mui-tas comorbidades que não possam ser tratados com medicações mais fortes como a anfotericina B. A dose habitual é de SMZ, 800mg, e TMP, 160mg, geralmente de 18 a 24 meses, até a total cicatrização das lesões; - Itraconazol: da classe dos imidazólicos, que vieram revolucionar o tratamento das micoses em geral; veio em substi tuição ao uso do cetoconazol, que apesar de efi caz provocava muita hepatotoxicidade quando em uso prolongado. A dose de itraconazol é de 200mg/dia por 12 a 24 meses, sendo considerado o tratamento padrão-ouro; -Anfotericina: droga de 1ª linha para os casos graves com disseminação, em regime hospitalar; também é indicada aos casos de hepatopati as em que são con-traindicados os imidazólicos. A administração é com-plexa e requer supervisão devido ao risco de reações graves. Alterações eletrocardiográfi cas (a maioria pela hipopotassemia devido à ação renal da droga) e hema-tológicas são esperadas. As contraindicações absolutas são nefropati a e cardiopati a grave.

Tabela 14 - Doenças fúngicas

- As doenças fúngicas são classifi cadas em micoses superfi ciais e profundas;

- As micoses superfi ciais mais relevantes são as dermatofi toses, pois são as mais frequentes na práti ca clínica;

- As candidoses frequentemente acometem indivíduos com al-guma predisposição, sendo na normalidade apenas parte da fl ora mucocutânea;

- As micoses profundas fazem diferencial com lesões ulceradas ou lesões verrucosas e muitas vezes tornam-se crônicas/recidi-vantes mesmo após os tratamentos preconizados.

VI. Doenças protozoárias e parasitáriasOs protozoários são seres unicelulares com membrana

nuclear organizada (eucariontes) com diferentes organis-mos incluídos nesse grupo. Podem-se citar, por exemplo, as Leishmanias sp.

Para facilitar a didáti ca, englobam-se nesse subgrupo, também, as doenças provocadas por parasitas que são se-res mais desenvolvidos como os ácaros que causam a esca-biose e a pediculose.

1. LeishmanioseUm complexo de doenças infecciosas que varia de casos

restritos à pele a infecções sistêmicas graves causadas por diferentes espécies de leishmânias e que pode ser encon-trado mais frequentemente em países subdesenvolvidos de regiões tropicais e subtropicais. No âmbito da Dermatologia brasileira, a única que merece foco especial é a leishmanio-se tegumentar americana, pois outras formas são de outros países ou infecções sistêmicas. No passado, a leishmanio-se tegumentar americana era conhecida como úlcera de Bauru.

A leishmaniose visceral (doença de Kala-azar) é comu-mente abordada na Infectologia.

A - Epidemiologia

É uma doença que pode ser considerada de caráter zoo-fí lico (animais domésti cos e selvagens), e o homem acaba sendo infectado acidentalmente. Não há contágio inter-hu-mano (exceto por transfusão sanguínea). A infecção envol-ve a parti cipação de um mosquito vetor cujo habitat natural é a fl oresta, por isso, com o avanço do desmatamento, hou-ve um aumento da incidência da leishmaniose tegumentar americana. Há também associação à ocupação desordena-da nas periferias próxima a encostas e áreas de mata nati va. Pode ser encontrada em todos os estados da Federação, e as menores incidências estão nas regiões Sul e Sudeste. O período de incubação pode variar de semanas a anos (mé-dia de 2 meses).

B - Fisiopatologia

A Leishmania é transmiti da pela picada do mosqui-to vetor (os gêneros mais encontrados são Lutzomyia e Plebothomus) que normalmente adquire o protozoário ao picar hospedeiros intermediários (animais domésti cos ou selvagens) e posteriormente os humanos suscetí veis. No 1º caso, os protozoários estão na forma amasti gota e so-frem transformação para a promasti gota (com fl agelos para locomoção) no interior dos mosquitos vetores. Esta últi ma é a forma transmiti da ao homem, mas em seguida volta à amasti gota, fechando o ciclo da transmissão.

Como em outras doenças, a parti cipação do sistema imunológico interfere na apresentação clínica, pois pa-cientes com resposta TH1 bem elaborada desenvolvem le-sões cutâneas localizadas, enquanto aqueles com resposta TH2 apresentam quadros mais disseminados cutâneos e mucocutâneos (bem como as formas sistêmicas conheci-das como Kala-azar). Não há relatos de desenvolvimento de imunidade cruzada entre as espécies de Leishmania.

C - Quadro clínico

A apresentação clínica depende tanto da espécie envol-vida como da resposta imunológica.

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Tabela 15 - Apresentações clínico-laboratoriais da leishmaniose

Leishma-niose

Quadro clínico

Imuni-dade

Monte-negro

Sorologia

Cutâneo-mucosa

Lesão única ou poucas lesões

TH1 Positi voFraca ou negati va

Cutânea difusa

Múlti plas lesões

TH2 Negati vo Alta

VisceralSem lesões de pele

TH2 Negati vo Alta

A Leishmania amazonensis é encontrada principalmente na região Norte, mas há relatos no Nordeste e Sudeste, tendo como vetores associados os mosquitos do gênero Lutzomyia sp.

A forma mais comum é a apresentação clássica da leish-maniose cutânea – uma úlcera bem delimitada, de fundo limpo e borda “em moldura”, com alguns centí metros de tamanho. A outra manifestação é a cutânea difusa com infi l-tração, pápulas e vários nódulos disseminados lembrando a hanseníase virchowiana.

A Leishmania viannia guyanensis é encontrada também na região Norte, tendo o mesmo mosquito vetor da anterior. O quadro clínico é na maioria das vezes apenas cutâneo, e são muito raras as lesões mucosas. Recebe a denominação de Pian bois e pode ser caracterizada por lesões únicas ou múlti plas.

A Leishmania viannia brasiliensis é encontrada também nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Sul, em áreas de co-lonização próximas à Mata Atlânti ca, além de ser o agente mais frequente da leishmaniose nessas áreas. Nesses casos, assume um caráter endêmico e é mais frequente em crian-ças. Essa variedade pode ter tanto formas cutâneas localiza-das (úlceras “em moldura”) quanto disseminadas, principal-mente para mucosa nasal, causando importante destruição do septo e edema do lábio superior. Formas cutâneas disse-minadas também são relatadas em pacientes com resposta imunológica pobre; nesses casos de disseminação, o para-sita se espalha pela via linfáti ca e hematogênica. A forma difusa, com nódulos múlti plos lembrando a hanseníase vir-chowiana, já foi descrita, no entanto é rara.

Resumindo, têm-se quadros cutâneos localizados ca-racterizados por 1 ou poucas úlceras bem delimitadas com borda “em moldura” e fundo limpo nos pacientes com resposta imunológica boa do ti po TH1; nos pacientes com resposta pobre ti po TH2, ocorre a disseminação dos parasi-tas, surgindo lesões ulcerosas múlti plas, lesões nodulares, lesões vegetantes e/ou lesões de mucosas.

Figura 22 - Leishmaniose: úlcera com borda emoldurada bem deli-mitada e fundo limpo na região cervical

Figura 23 - Leishmaniose: acometi mento mucoso com infi ltração da região nasal

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co se faz da associação entre o quadro clíni-co e dados epidemiológicos, sendo importante a presen-ça em áreas endêmicas da doença. Havendo a suspeita, pode-se confi rmar por meio de métodos laboratoriais di-versos. A positi vidade desses exames também estará cor-relacionada com a resposta imunológica do hospedeiro. Assim, têm-se:

-Exame de esfregaço da lesão: tende a ser positi vo em formas de disseminação da doença nas quais as lesões são ricas em parasitas devido à resposta imunológica pobre. Nesses casos, o raspado da lesão é corado pelo método de Giemsa com visualização dos parasitas no interior dos macrófagos; -Exame histopatológico: pode mostrar grande quanti -dade de leishmânias como nos casos já relatados ou então uma resposta granulomatosa bem elaborada e caracterizada pelo risco infi ltrado de plasmócitos. Portanto, é difí cil encontrar os parasitas, pois são eli-minados pelo sistema imune; -Cultura da lesão: o material deve ser semeado em meio NMN (Novy-McNeal-Nicolle), e a positi vidade é maior nos casos disseminados; - Intradermorreação de Montenegro: na realidade, aponta mais para o estado imunológico dos doentes do que como método diagnósti co propriamente dito. Sua positi vidade é maior nos pacientes com resposta TH1, mesmo aqueles de áreas endêmicas que ti veram contato e foram curados ou nem desenvolveram a do-ença. Acaba por ser negati vo nos casos de lesões dis-seminadas e nas formas viscerais, nos quais a resposta imune é pobre do ti po TH2. Além disso, tem grande valor nos casos em que a reação é negati va e o pacien-te apresenta lesão ulcerada única, sendo descartada a leishmaniose, pois, para manter o quadro controlado em apenas 1 lesão, ele deveria ter uma resposta imu-nológica boa do ti po TH1. Então, o Montenegro deverá ser positi vo;

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-Sorologias: com métodos de imunofl uorescência indi-reta ou ELISA, podem ser encontrados anti corpos para Leishmania, sendo a positi vidade maior nos pacientes com uma resposta ti po TH2 com predomínio humo-ral ante ao celular (formas disseminadas e viscerais). Podem ocorrer falsos positi vos em indivíduos com do-ença de Chagas. A dosagem dos tí tulos também pode ser úti l para acompanhar o tratamento, e deve ocorrer a diminuição destes nos primeiros meses de tratamento.

Para pacientes com sinais de leishmaniose visceral gra-ve, deve-se realizar o aspirado de medula óssea para o diag-nósti co parasitológico.

O diagnósti co diferencial se dá com úlceras cutâneas (úlcera tropical, ecti ma, pioderma gangrenoso, úlceras ve-nosas e arteriais e carcinoma espinocelular).

As formas vegetantes fazem diferencial com PLECT (pa-racoccidioidomicose, esporotricose, tuberculose e cromo-micose).

As lesões mucosas são diferenciadas do granuloma letal da linha média, um ti po de linfoma, e da Pb-micose.

E - Tratamento

A droga de escolha é o Glucanti me® (N-Meti l gluca-mina), um anti monial pentavalente. A dose varia de 15 a 20mg/kg/dia, por via intramuscular ou intravenosa, sendo o tratamento inicial por 20 dias. Os principais efeitos cola-terais são cardíacos e renais, e é necessário o controle peri-ódico com eletrocardiograma e função renal.

Casos resistentes são tratados com anfotericina B e pen-tamidina.

2. EscabioseSinonímia: sarna. Infestação cutânea pelo ácaro

Sarcoptes scabiei, intensamente pruriginosa e altamente contagiosa.

A - Epidemiologia

A doença é universal e acomete ambos os sexos, e popu-lações aglomeradas são mais ati ngidas. Não há relação com má higiene, mas naqueles em que ela é adequada o quadro é mais discreto (“sarna de pessoas limpas”). A variedade do S. scabiei é a homini, já que outros animais domésti cos também podem apresentar a sarna. O contágio se dá pelo contato inter-humano, e quase sempre há relatos de fami-liares acometi dos. A transmissão por fômites contaminados também é possível.

B - Fisiopatologia

A variedade homini é exclusivamente dependente da pele humana, onde faz túneis para a deposição de ovos no extrato córneo. Eles costumam eclodir cerca de 10 a 14 dias depois, o que é um dado relevante para o tratamento. Fora da pele humana, o parasita sobrevive por aproximadamente

7 dias. Pacientes com baixa imunidade, como na AIDS, po-dem desenvolver formas exuberantes ditas de sarna crostosa norueguesa. O prurido intenso parece estar relacionado a uma resposta imunológica contra o parasita e pode persisti r por dias, mesmo após o sucesso no tratamento.

C - Quadro clínico

A condição sine qua non é a presença do prurido, que é constante, mas piora muito à noite, com o aumento da temperatura corporal e da ati vidade do parasita.

Na forma clássica do adulto, surgem pápulas eritema-tosas em algumas áreas-chave: axilas, inframamárias, in-guinais e genitais. O encontro de uma lesão linear pode ser patognomônico, pois representa o túnel escavado pelo parasita (que muitas vezes pode ser visualizado numa das extremidades). A face é sempre poupada.

Nas crianças menores de 1 ano, deve-se acrescentar o pos-sível acometi mento do couro cabeludo e de espaços interdigi-tais e regiões palmoplantares. Nos idosos, o prurido pode ser a única manifestação, e o diagnósti co passa a ser difí cil.

A sarna crostosa norueguesa manifesta-se com placas verrucosas ceratósicas em extremidades e dobras nas quais podem ser encontrados milhões de parasitas, por isso a for-ma mais contagiosa.

Figura 24 - Escabiose: forma comum com pápulas eritematosas isoladas e pruriginosas no abdome

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Figura 25 - Escabiose: forma da sarna crostosa norueguesa em do-ente imunossuprimido

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico e, na maioria dos casos, duvi-doso. Faz-se o tratamento empírico para confi rmá-lo. Em alguns casos, pode-se encontrar o parasita com a escarifi ca-ção da lesão e análise em microscopia. Não existem méto-dos de diagnose laboratoriais.

O diagnósti co diferencial se dá com farmacodermias, prurido na pele asteatósica, dermati te atópica e dermati te de contato.

E - Tratamento

Pode ser feito com medicações tópicas como a perme-trina (mais efi caz, é a 1ª linha) e o monossulfi ram. Nesses casos, as medicações são aplicadas à noite, permanecendo por 12 horas. São feitos 2 ciclos de 5 dias, reservando um espaço entre eles para tratamento dos ovos que eclodem posteriormente. Os fômites e roupas pessoais e de enxoval devem ser higienizados e/ou trocados diariamente. Os con-tatos pessoais também merecem tratamento para controle da infestação. O prurido pode persisti r após o tratamento, e são indicados anti -histamínicos como o hidroxizina para a sua melhora. Casos mais resistentes e disseminados po-dem receber a ivermecti na, VO, de acordo com o peso, 200μg/kg/dose (normalmente, 12mg/dia para um adulto). Crianças menores de 5 anos não devem receber ivermecti -na, e gestantes e recém-nascidos devem ser tratados com enxofre em pasta d’água durante 5 dias.

3. PediculoseSinonímia: piolhos. Infestação pruriginosa por um ácaro

com 3 variedades, altamente contagiosa.

A - Epidemiologia

Há 3 formas diferentes de pediculose: -Pediculose do couro cabeludo: causada pelo Pediculus humanus var. capiti s, é a mais comum das 3, originan-do frequentes epidemias em escolas e creches;

-Pediculose do corpo: chamada doença dos vagabun-dos, pois acomete mais indigentes com má higiene pessoal e que cursam com lesões no tronco. Causada pelo Pediculus humanus var. corporis;

-Pediculose pubiana: considerada uma DST e é conhe-cida como chato, sendo o agente causador o Phthirus pubis.

As doenças são universais, acometendo, da mesma ma-neira, tanto homens como mulheres.

B - Fisiopatologia

Na pediculose do couro cabeludo e na pubiana, o pa-rasita se instala no pelo, enquanto na forma do corpo ele permanece nas roupas que não são higienizadas. O inseto vive da sucção do sangue humano.

C - Quadro clínico

As 3 formas diferem em vários aspectos:

-Pediculose do couro cabeludo: cursa com intenso pru-rido e pode acometer os cílios e a sobrancelha. Para o diagnósti co, devem-se visualizar diretamente o para-sita e/ou suas lêndeas aderidas à haste dos pelos. A ajuda de pentes fi nos pode ser providencial. A trans-missão inter-humana é frequente, principalmente en-tre as crianças. Escoriações com infecção secundária e adenopati a cervical são comuns;

-Pediculose do corpo: cursa com prurido e escoriações no corpo, mas os parasitas são encontrados nas roupas de cama (como acampamentos militares) e nas pesso-ais (indigentes). Pode levar à transmissão do ti fo e da febre das trincheiras. No exame dermatológico, só são encontrados pequenos pontos hemorrágicos no local das picadas dos insetos. Devem-se tratar apenas as roupas;

-Pediculose pubiana: DST comum em adolescentes e adultos jovens, cujo principal achado é o prurido. Poucos sinais cutâneos estão presentes, como as es-coriações locais, no entanto uma lesão característi ca é a mácula cerúlea, sendo uma mancha pálida no local da picada que surge pela ação de anti coagulantes da saliva do inseto. A demonstração das lêndeas e/ou dos ácaros leva ao diagnósti co de certeza. Presença do pa-rasita em regiões como sobrancelhas e cílios de crian-ças pode ser indício de violência sexual.

D - Métodos diagnósti cos

Não há exames laboratoriais para auxílio no diagnósti -co das 3 formas de pediculose. Os pacientes normalmente vêm com a queixa de prurido, mas a maioria já vem com o diagnósti co pronto, solicitando unicamente a indicação do tratamento.

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E - Tratamento

Escabicidas tópicos, como o lindano e a permetrina, são altamente efi cazes para matar os insetos adultos e os ovos nas 2 apresentações, nas quais é requisitado o tratamento. Casos de infestações repeti ti vas e intensas podem necessi-tar da ivermecti na. Parceiros sexuais devem ser tratados na forma pubiana.

4. MiíaseManifestação causada por larvas de dípteros (moscas

domésti cas) que se subdivide em 2 grupos principais: miía-se primária e miíase secundária, cada qual com um agente específi co. Popularmente, são chamadas de Berne.

A - Epidemiologia

A ocorrência é maior em áreas rurais e em localidades periféricas com más condições sanitárias. Pode ocorrer em qualquer idade, mas crianças estão mais expostas. Não há predileção racial ou sexual.

B - Fisiopatologia

O mecanismo de transmissão é diferente nas 2 formas: -Miíase primária: os ovos não são depositados direta-mente na pele do hospedeiro, mas em outras moscas e mosquitos vetores. Só após o contato com esses atravessadores o indivíduo é parasitado pela larva (pa-rasita obrigatório). A mosca envolvida nesse ti po é a Dermatobia hominis; -Miíase secundária: os ovos são depositados pelas mos-cas em áreas de necrose tecidual (ferimentos abertos) em que há maior facilidade para parasiti smo (parasita ocasional). As espécies relacionadas a essa forma são Cochliomyia macellaria (mosca varejeira) e Lucilia sp.

C - Quadro clínico

A forma primária apresenta-se como uma lesão furun-culoide com pequeno orifí cio em que é possível perceber movimentos da larva e a saída de secreção serosa. Pode surgir em qualquer localização, com mais frequência em áreas em que houve contato com insetos (partes descober-tas) e couro cabeludo.

A forma secundária acontece quando o paciente apre-senta uma lesão com tecido necróti co (por exemplo, uma úlcera venosa crônica, uma grande massa tumoral de car-cinoma cutâneo etc.) que atrai as moscas e elas depositam os ovos diretamente na ferida aberta. Ao eclodirem, geram larvas que parasitam e se alimentam do tecido desvitalizado.

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é totalmente clínico, atentando-se à epi-demiologia (visita a áreas rurais) e à observação do movi-mento das larvas na lesão.

O diagnósti co diferencial só cabe na forma furunculoide, em que, obviamente, é feito com os furúnculos bacterianos.

E - Tratamento

Na forma secundária, o tratamento é mais fácil, pois as larvas estão muito expostas e com fácil acesso. Assim, po-dem ser mortas com éter e, em seguida, são reti radas por catação simples.

Já na forma furunculoide, como a larva penetra em ca-madas mais profundas da pele e o orifí cio de saída é peque-no, é preciso superfi cializar o corpo da larva. Tal processo pode ser realizado com a obstrução do orifí cio (normalmen-te com esparadrapo, ou com receitas caseiras com bacon), pois fi ca sufocada e se dirige à superfí cie, tornando mais fácil a compressão da lesão.

Tabela 16 - Diferencial das miíases

Característi ca Miíase primária Miíase secundária

Mosquito vetor Parti cipa Não parti cipa

Localização Qualquer área exposta Lesão aberta prévia

Tipo lesão Furunculoide Ulcerosa

Tratamento Extração/remoção Catação simples

5. TungíaseÉ uma infecção superfi cial causada por um inseto (pul-

ga) que tem certa morbidade em virtude de lesões doloro-sas na região plantar.

A - Epidemiologia

É endêmica em certas regiões da Ásia, América Central e conti nente sul-americano. Trabalhadores rurais que não usam calçados estão mais expostos.

B - Fisiopatologia

É causada pela pulga Tunga penetrans, e o mecanismo de contágio é o contato com areia em solo contaminado, onde o inseto vive na forma adulta; a fêmea é capaz de pe-netrar na pele e se aprofundar até ati ngir a derme superfi -cial, onde consegue sugar os vasos sanguíneos. Permanece no hospedeiro por no máximo 2 semanas e, nesse período, produz vários ovos que caem no solo, reiniciando o ciclo.

C - Quadro clínico

A lesão consiste em um nódulo endurecido que pode ter de 0,5 a 1cm de diâmetro com um ponto enegrecido na superfí cie, correspondendo ao corpo da Tunga penetrans. As regiões plantares, interdigitais e subungueais são as mais habitualmente ati ngidas. Quanto aos sintomas, o paciente pode queixar-se de prurido e dor à deambulação devido às lesões plantares, o que se torna algo incapacitante.

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Figura 26 - Tungíase: pápula endurecida com ponto enegrecido central no calcanhar

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico e não necessita de exame labo-ratorial. Alguns nódulos são reti rados sem haver a suspeita e enviados para exame anatomopatológico, quando há a confi rmação da infestação. A dermatoscopia é um método simples e rápido que pode aumentar a acurácia diagnósti ca.

Os principais diagnósti cos diferenciais são feitos com as verrugas plantares e com calosidades puntadas.

E - Tratamento

Consiste na destruição do nódulo com a morte do inseto e pode ser realizado com crioterapia, eletrocoagulação ou curetagem simples e cauterização química.

Tabela 17 - Doenças protozoárias e parasitárias

- As doenças protozoárias podem ser provocadas por parasitas intracelulares (leishmaniose) ou externos (escabiose, pedicu-lose);

- A apresentação clínica da leishmaniose também depende da resposta imunológica;

- A escabiose é uma doença universal, porém em pessoas com boa higiene o quadro pode ser discreto;

- A pediculose é causada por diferentes agentes de acordo com a região afetada: couro cabeludo, pubiana e corporal;

- As miíases devem ser classifi cadas em primárias e secundárias.

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Doenças eczematosas

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

b) Fisiopatologia

O agente irritati vo pode ser classifi cado, em absoluto, como um forte ácido ou cáusti co, que com apenas um único contato pode provocar uma dermati te intensa. Já os agen-tes irritati vos relati vos são menos potentes, e necessitam de exposições graduais e repeti das para levarem ao quadro de eczema. Além disso, fatores do organismo também po-dem ser implicados, pois nas situações em que a barreira cutânea é mais fraca (como, por exemplo, em pacientes com pele ressecada que têm uma menor camada do manto lipídico protetor), pode haver maior propensão para o ecze-ma de contato por irritante primário. Não há parti cipação do sistema imunológico no senti do alérgico.

c) Quadro clínico

Os irritantes absolutos costumam provocar quadros aci-dentais com apresentação aguda de uma dermati te – placa eritematosa e edematosa com ou sem bolhas, em que a dor é mais importante que o prurido, sendo esta normalmente do ti po ardor/queimação. A lesão fi ca restrita ao local de contato com a substância. Não há susceti bilidade individu-al (pode ocorrer com qualquer um). Um exemplo seria um derramamento acidental de ácido clorídrico nas mãos.

Já os irritantes relati vos têm uma ação mais silenciosa e dependem muito da fraqueza individual do paciente, como também de exposições repeti das para provocar as alte-rações infl amatórias. As manifestações são mais de ecze-ma subagudo com leve eritema, descamação e fi ssuras. Também fi cam restritas à área de contato com a substân-cia. O ardor é o sintoma predominante. Um exemplo seria a dermati te das donas de casa causada pela exposição fre-quente aos detergentes de louça.

d) Métodos diagnósti cos

Esse ti po de eczema é de diagnósti co clínico, pois não há exames específi cos que apontam para a causa. Uma história minuciosa é fundamental: devem-se buscar ati vidades do trabalho, hobbies e hábitos de higiene. O teste de contato,

1. IntroduçãoO termo “eczema” é usado pra englobar doenças hete-

rogêneas que se manifestam com um padrão de reação da pele caracterizado por uma infl amação cutânea superfi cial, que pode ter evolução aguda, subaguda ou crônica. Outro termo uti lizado é dermati te, e ambos, sendo genéricos, necessitam de um aprofundamento para se chegar à cau-sa (pode-se comparar à anemia, que é um termo genérico de um estado hematológico, mas que, com a investi gação, chega-se a uma causa específi ca).

Os principais eczemas são: de contato, atópico, sebor-reico e numular; todos serão abordados individualmente.

2. Eczema de contatoOs eczemas de contato são infl amações geradas pela

ação de substâncias na superfí cie da pele, sendo muito frequentes (representam 15 a 25% da práti ca clínica na Dermatologia) e divididos em 2 grupos bem disti ntos.

A - Eczema de contato por irritantes primários

Os eczemas de contato por irritante primário acabam ocorrendo, pois os agentes causadores já têm um poder in-trínseco de irritação por serem substâncias ácidas ou cáus-ti cas, causando um processo infl amatório inespecífi co no exato local de contato com o agente.

a) Epidemiologia

É de longe a causa mais comum de eczema e, dentro do subgrupo de contato, representa 80% dos casos. Isto é com-preensível, pois é um processo irritati vo pelo poder intrín-seco da substância envolvida, sendo passível de acometer qualquer pessoa e não apenas aquelas com predisposição alérgica. As mulheres são mais afetadas, sendo muito co-mum em donas de casa devido à exposição com agentes de limpeza do lar. Dentro do mesmo raciocínio, é também a causa mais comum das dermatoses ocupacionais.

CAPÍTULO

33

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DERMATOLOG IA

se realizado, deve ser negati vo. Em alguns casos, a biópsia para exame anatomopatológico precisa ser realizada para diferenciar-se de quadros como a psoríase palmoplantar.

O principal diagnósti co diferencial é com o eczema de contato alérgico, e muitas vezes isso só é possível com a ajuda do teste de contato (patch test).

e) Tratamento

Inicialmente, deve-se controlar a infl amação com uso de corti coides; estes são administrados sistemicamente nos casos mais graves e ti picamente nos casos menos exuberan-tes. Anti -histamínicos podem ser usados para alívio do pru-rido. A exsudação pode ser amenizada com compressas de permanganato de potássio. Após o controle da infl amação, é necessário restaurar a barreira cutânea com uso de emo-lientes/hidratantes. As luvas também devem estar presen-tes nas ati vidades laborati vas, mesmo sendo nas ati vidades do lar, contrariando a vontade da maioria das donas de casa que relutam em usá-las.

B - Eczema de contato alérgico

Os eczemas de contato alérgico obrigatoriamente envol-vem a sensibilização do sistema imunológico, sendo, por-tanto, restrito às pessoas que desenvolvem uma hipersen-sibilidade.

a) Epidemiologia

Por ser um quadro restrito a pessoas com hipersensibili-dade, acaba tendo uma frequência menor que o eczema ir-ritati vo, tendo uma prevalência de 0,5 a 1,5% da população avaliada. Com o passar dos anos, vão ocorrendo mudan-ças nos agentes químicos implicados como, por exemplo, o ti merosal que era usado no Merthiolate® e que hoje foi substi tuído pela clorexidina. É mais comum em mulheres, porém não há predileção por raça, sendo raro em crianças e idosos.

b) Fisiopatologia

A reação de hipersensibilidade em questão é a tardia do ti po IV de Gell-Coombs. Em sua 1ª fase, dita fase de sensi-bilização, há apresentação do antí geno em contato com a pele, que é processada pelas células de Langerhans, e este é levado aos linfócitos T. Esse processo pode durar 10 dias ou anos (com exposições repeti das), dependendo do poder alergênico da substância envolvida. Após a sensibilização, o indivíduo irá desenvolver as manifestações clínicas so-mente numa próxima exposição, caracterizando, assim, a fase de elicitação. Nesse ti po de eczema, a perda da função de barreira da pele (como nos atópicos com pele xeróti ca/seca) não aumenta a incidência.

c) Quadro clínico

As substâncias alergênicas costumam provocar quadros eczematosos insidiosos e obscuros, nos quais não se per-cebe quem é o culpado. São produtos usados no dia a dia em diversas situações no trabalho, no lar e em ati vidades

de lazer. Devido a isso, uma história muito bem detalhada é importante para identi fi car o agente causador.

Numa fase aguda surgem placas eritematosas e edema-tosas, às vezes com bolhas e exsudação. Com a evolução, as lesões tornam-se subagudas com eritema, descamação e crostas. No últi mo estágio de eczema crônico, surge o es-pessamento chamado liquenifi cação, às vezes com fi ssuras.

O tempo de surgimento não é imediato, como nos casos dos irritantes absolutos, podendo levar de 1 a 2 dias para início dos sinais e sintomas.

Uma diferença para o eczema irritati vo é que as lesões podem aparecer em locais à distância de onde ocorreu o con-tato e as primeiras manifestações, pois, no eczema alérgico, há disseminação do quadro com a sensibilização do sistema imunológico. Pacientes sensibilizados estão sujeitos ao apa-recimento de casos graves de eritrodermia. Entre os sinto-mas, o prurido é bem mais feroz que nos outros eczemas.

Figura 1 - Eczema agudo: eritema, edema e exsudação em região ti bial

Figura 2 - Eczema subagudo: eritema, leve edema e descamação em abdome

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Figura 3 - Eczema crônico: eritema, descamação e liquenifi cação

d) Métodos diagnósti cos

Na maioria dos casos, só se chega ao agente implicado com a ajuda do teste de contato (patch test). Por intermé-dio dele, determina-se a qual substância que o paciente está sensibilizado e, a parti r daí, pela história clínica, faz-se a cor-relação com o produto que pode estar sendo uti lizado; por exemplo, um paciente que tenha uma positi vidade no teste de contato para a neomicina e que vinha usando uma poma-da para tratamento de uma úlcera varicosa. Entre os agentes mais implicados nas dermati tes de contato alérgicas, estão:

-Níquel: é o principal de todos, sendo encontrado na liga de diversos materiais metálicos (relógios, bijute-rias, cintos etc.); -Neomicina: anti bióti co usado em diversas pomadas; -Dicromato de potássio: encontrado em cimento/cons-trução civil; -Formaldeído e parabeno: conservantes de diversos cosméti cos; -Parafenilenodiamina: ti nturas de cabelo.

Tabela 1 - Teste de contato

OcupaçãoProduto alergê-

nicoPositi vidade do teste

cutâneo

Construção civil Cimento Dicromato de K+

BorracheirosAceleradores borracha

Carba mix

Profi ssionais de saúde

Desinfetantes Formaldeído

Profi ssionais de estéti ca

Cosméti cos Bálsamo-do-Peru

Indústria siderúr-gica

Óleos de corte Próprio óleo

Indústria têxti l Corantes Parafenilenodiamina

Cabeleireiros Alisantes Tioglicolato de amônia

Novamente, o diagnósti co diferencial se faz com a der-mati te de contato por irritante primário, sendo as diferen-ças discuti das na parte clínica apresentada anteriormente. Psoríase, ti nhas e farmacodermias também entram como diferencial; sendo muitas vezes necessário o exame anato-mopatológico.

e) Tratamento

As medidas iniciais são as mesmas de todos os eczemas, e visam ao controle da infl amação com uso de corti coides; esses são administrados sistemicamente quando há indí-cios de sensibilização e podem ser conti nuados topicamen-te com a melhora. A mais uti lizada é prednisona na dose de 1mg/kg e desmame posterior; topicamente, pode-se usar betametasona ou outro fármaco de alta potência. Os anti -histamínicos são empregados no controle do prurido. A medida mais importante seria descobrir o agente aler-gênico e evitar o contato direto com a pele; isso pode ser possível pela anamnese, mas muitas vezes somente após o teste de contato.

Tabela 2 - Diferenças de eczema alérgico x irritante primário

Característi cas Alérgico Irritante primário

Respeita áreas de contato Não Sim

Requer exposição prévia Sim Não

Surgimento imediato Não Sim

Envolvimento Langerhans Sim Não

3. Eczema atópicoTambém chamado de dermati te atópica, é uma doença

multi fatorial (genéti ca, ambiental, social e emocional) ca-racterizada por prurido marcante, além de outros achados clínicos tí picos.

A - Epidemiologia

Habitualmente, inicia-se na infância, sendo na maioria após o 4º ou o 5º mês (95% dos casos têm início antes dos 5 anos de idade). Pode prevalecer em qualquer idade, já que 20% dos que iniciaram na infância ainda persistem com a doença quando jovens, adultos e até mesmo idosos. Muitos pacientes têm história pessoal e/ou familiar de hipersensi-bilidade ti po I (rinite, asma, urti cária etc.). Vem ocorrendo aumento da incidência nos últi mos anos, principalmente em países de 1º mundo (a prevalência da dermati te atópica é menor nas classes sociais mais baixas – talvez pela menor preocupação com a higiene). Não há preferência por sexo ou raça. A morbidade causada pelo prurido é moti vo de in-capacidade para o trabalho de escola.

B - Fisiopatologia

Como já dito, é uma doença multi fatorial. Entre os as-pectos envolvidos estão:

- Imunológica: há um desbalanço com predomínio da ati vidade TH2 nos linfócitos, cursando com aumento de algumas interleucinas como IL-4 e IL-5. Muitos tam-bém possuem hipersensibilidade ti po I, exibindo um aumento sérico de IgE; -Consti tucional: pacientes apresentam a pele xeróti ca (seca) devido a defeitos na produção de lípides cutâ-neos (ceramidas), que possuem importante papel na

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função protetora de barreira. Também foram descritas alterações de proteínas do cimento intercelular como a fi lagrina; -Ambiental: uma menor exposição a alérgenos na in-fância pode aumentar, paradoxalmente, a incidência da dermati te atópica; isso ocorre quando há excessi-vos cuidados de higiene, fato mais comum entre os indivíduos de classes sociais mais altas; -Genéti ca: muitas das alterações já citadas provêm de alterações genéti cas; e uma criança cujos pais pos-suem antecedentes de rinite, asma e a dermati te pro-priamente dita, tem 50% de chance de desenvolver a doença; - Infecciosa: alguns autores acreditam que a coloniza-ção por S. aureus (que nos atópicos é maior) possa fun-cionar como um superantí geno levando à infl amação crônica e recorrente.

C - Quadro clínico

A dermati te atópica se manifesta com placas eritemato-descamati vas com exsudação e crostas nas fases agudas e liquenifi cação nas fases crônicas. A distribuição das lesões é uma característi ca e depende da idade:

-Recém-nascidos: acometi mento de couro cabeludo e face (poupando o centro facial), além de superfí cies extensoras de extremidades. Poupa a área das fraldas;

-Adultos: as lesões se localizam em dobras/superfí cies fl exoras como fossas cubitais e poplíteas, pescoço e pálpebras. As lesões elementares são as mesmas dos recém-nascidos, já descritas.

O prurido é obrigatório (critério maior) e chega a ser tão intenso que provoca escoriações múlti plas. A atopia, carac-terizada pela hipersensibilidade mediada por IgE, também é presente; é acompanhada por sintomas respiratórios como rinite e asma. A pele xeróti ca/seca é quase sempre presente no quadro clínico.

Algumas manifestações parti culares são chamadas de esti gmas atópicos e consideradas como critérios menores:

-Piti ríase alba: máculas hipocrômicas com descamação fi na, comuns na face e braços; -Queratose pilar: pápulas foliculares ceratósicas em braços; -Prega de Dennie-Morgan: dupla prega palpebral infe-rior; -Alterações oculares: cataratas subcapsulares anterio-res e ceratocone.

A evolução é sempre crônica e recorrente, sendo pos-sível o controle da doença com tratamento e acompanha-mento dermatológico.

Podem ocorrer complicações graves, podendo levar ao óbito se não tratadas a tempo. Entre elas estão a eritroder-mia e a erupção variceliforme de Kaposi – infecção disse-

minada por herpes provocando lesões vesicocrostosas por toda a pele, além de manifestações sistêmicas semelhantes à sepse. Infecções fúngicas simples e virais, como verrugas e molusco contagioso, são mais comuns nos atópicos.

Tabela 3 - Critérios de dermati te atópica

Maiores (sempre presentes)

- Prurido;

- Quadro crônico recorrente;

- Lesões eczematosas tí picas (crianças nas faces extensoras e adultos nas dobras).

Menores (2 ou mais)

- História pessoal ou familiar de atopia;

- Dermografi smo branco;

- Prick test positi vo ou IgE positi vo;

- Cataratas anteriores subcapsulares;

- Ceratocone;

- Xerose;

- Piti ríase alba;

- Queratose pilar;

- Prega de Dennie-Morgan.

Figura 4 - Dermati te atópica: criança com placas eritematosas, descamação e crostas em região malar e extremidades

Figura 5 - Dermati te atópica: criança com placas em base eritema-tosa e crostas em região da panturrilha direita

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D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co de dermati te atópica é eminentemente clínico, visto que suas lesões pruriginosas possuem locali-zações tí picas, e que a história de atopia e a evolução re-corrente permitem chegar facilmente à eti ologia do ecze-ma. Alguns exames podem ajudar, como a dosagem eleva-da de IgE. A solicitação dos testes alérgicos não é funda-mental e nem consenso, pois a causa da dermati te atópica é multi fatorial e não somente de hipersensibilidade.

O diagnósti co diferencial é importante e difí cil em al-guns casos:

-Recém-nascidos: o principal é com a dermati te sebor-reica, que costuma aparecer antes dos 5 meses e ati ngir a área das fraldas. Escabiose também é muito pruriginosa, mas se caracteriza por lesões papulosas, principalmente nos espaços interdigitais. A psoríase e a dermati te de contato são raras nas crianças, mas podem entrar no diferencial;

-Adultos: a dermati te de contato é o principal diferen-cial. Eczema numular também é semelhante a placas de dermati te atópica com infecção secundária. Na ti nha do corpo, as lesões são assimétricas e com bor-das elevadas, mas alguns casos tratados com corti coi-des podem espalhar, simulando atopia.

E - Tratamento

A maioria dos pacientes com dermati te atópica obtém o controle do quadro somente com medicações tópicas. A base do tratamento consiste no uso de hidratantes para re-por a barreira cutânea e de corti costeroides tópicos para controle do quadro infl amatório. Os anti -histamínicos são usados com relati va frequência, visando à melhora do pru-rido e da hipersensibilidade por IgE. Em algumas ocasiões é necessário o uso de anti bióti cos para tratar infecções secundárias, e esses preferencialmente são administradas por via oral, diminuindo a chance de sensibilização da pele. Recentemente foram desenvolvidos imunomoduladores tó-picos como pimecrolimo e tacrolimo, que apresentam ação comparável à dos corti coides, mas sem os efeitos colaterais.

Somente os casos graves e resistentes são tratados com imunossupressores (ciclosporina e metotrexate) ou PUVA (banhos de luz ultravioleta). Corti coides sistêmicos são qua-se proibidos, sendo uti lizados naqueles pacientes interna-dos que evoluíram com uma piora recente, e mesmo assim por, no máximo, 7 dias.

A erupção variceliforme de Kaposi deve ser tratada em regime hospitalar com uso de aciclovir, iniciando por via in-travenosa e com a melhora passando o tratamento por via oral.

Medidas habituais como banhos mornos, roupas de al-godão e controle ambiental da poeira podem ajudar. Dieta

é medida controversa, pois alguns autores atribuem aler-gias ao leite ou corantes, mas os níveis de evidência que comprovem tal associação são fracos.

4. Eczema seborreicoSinonímia: dermati te seborreica. É uma doença infl a-

matória crônica que acomete regiões ricas em glândulas se-báceas como a face e o couro cabeludo, e que em sua forma leve é conhecida como “caspa”.

A - Epidemiologia

É uma doença muito frequente, chegando em alguns estudos à incidência de 5% da população, número esse que pode ser subesti mado, pois muitos pacientes, com casos le-ves, não procuram o atendimento médico (alguns esti mam números ao redor de 20%). Uma incidência maior é vista em pacientes com HIV e doenças neurológicas, como a doença de Parkinson, sendo que nestes as manifestações são mais intensas. A prevalência nos homens é levemente maior por provável infl uência hormonal. Pode acometer qualquer faixa etária, com pico maior em adultos jovens (4ª década).

B - Fisiopatologia

Doença de causa desconhecida que parece estar corre-lacionada a um estado de hipersensibilidade à presença de leveduras comensais da espécie Malassezia furfur (antes conhecida como Pyti risporum ovale). Esse fungo possui en-zimas que hidrolisam os ácidos graxos que se tornam irrita-ti vos levando à dermati te. Não há aumento anormal da pro-dução de sebo, nem tampouco alteração qualitati va deste.

C - Quadro clínico

A dermati te seborreica se apresenta diferentemente em 2 grupos:

-Recém-nascidos: logo nos primeiros meses, devido à ação de hormônios andrógenos maternos, apresen-tam áreas de eritema e descamação na face, dobras e área das fraldas; no couro cabeludo surgem escamas graxentas amareladas e aderidas; -Adultos: além de eritema e descamação no couro cabeludo, podem surgir as mesmas lesões em outras regiões ricas em glândulas sebáceas como centro da face, região frontal, região esternal e dorso; às vezes, as lesões possuem contornos bem defi nidos, sendo chamadas de fi gurada. Os sintomas mais comuns são o prurido e ardor. Quadros extensos e intensos podem estar associados ao HIV. Em idosos, é uma das prin-cipais causas de eritrodermia. Blefarite pode ser uma manifestação da doença. A evolução é sempre crônica e recorrente, podendo haver piora no inverno e ser de-sencadeada por fatores emocionais.

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Figura 6 - Dermati te seborreica: placas mal delimitadas na região temporal com eritema e descamação

Figura 7 - Áreas de acometi mento pela dermati te seborreica

Figura 8 - Dermati te seborreica: placas mal delimitadas na região perinasal com eritema e descamação

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é puramente clínico, não sendo difí cil nos quadros clássicos; às vezes o exame anatomopatológico é preciso para melhor elucidação. Em recém-nascidos, o

principal diferencial é a dermati te atópica, sendo mais pre-valente nas superfí cies extensoras e poupando a área das fraldas.

Das doenças diferenciais, a histi ocitose de Langerhans leva a quadros dramáti cos semelhantes à dermati te sebor-reica, mas com manifestações sistêmicas; o pênfi go foliáceo cursa com lesões em áreas seborreicas e as placas eritema-tosas na face podem surgir no lúpus eritematoso.

A síndrome de Leiner é enti dade rara e grave de recém--nascidos com defi ciência de complemento C5 caracteriza-da por uma erupção cutânea cujo diagnósti co diferencial é a dermati te seborreica. No entanto, apresenta-se com diar-reia e infecções de repeti ção.

Nos adultos, o grande diferencial é com a psoríase, sen-do, às vezes, quadros tão semelhantes que são chamados de seboríase. A dermati te de contato do couro cabeludo também entra no diferencial.

E - Tratamento

Raramente é necessária terapia sistêmica. Somente nos casos de eritrodermia há necessidade de uso, sendo a pred-nisona a 1ª escolha. Cetoconazol via oral também pode ser usado em alguns casos.

A maior parte dos doentes possui boa resposta ao uso de loções e xampus com princípios ati vos como corti coides de baixa potência, a hidrocorti sona e/ou anti fúngicos como o cetoconazol e a ciclopirox olamina. Os imunomodulado-res tópicos (tacrolimo e pimecrolimo) são uma boa opção para evitar os efeitos colaterais dos corti coides.

5. Eczema numularSinonímia: dermati te discoide. Como o próprio nome

diz, consiste em lesões infl amatórias com formas numulares (“de moedas”) de caráter crônico e restrito à pele, frequen-temente acompanhada da xerose cutânea (pele ressecada).

A - Epidemiologia

Baixa frequência na população geral, com alguns estu-dos mostrando prevalência de 0,2%. Há maior incidência nos pacientes atópicos. Não há predileção racial. Levemente mais comum em homens, geralmente em idosos, principal-mente naqueles entre a 7ª e a 8ª décadas. É rara em crian-ças (se ocorre, é atribuída à atopia).

B - Fisiopatologia

Doença de causa desconhecida que tem forte associa-ção com a xerose cutânea, havendo, assim, um mecanis-mo de quebra de barreira que permite a ação de bactérias (principalmente S. aureus) e também uma maior incidência de dermati te de contato (tanto irritati va como alérgica).

A parti cipação de mastócitos e de neuropeptí dios (subs-tância P) também é constatada, explicando, com isso, o in-tenso prurido na lesão.

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C - Quadro clínico

O eczema numular se apresenta com placas eritemato-escamocrostosas com exsudação e de contornos bem defi -nidos circulares, conferindo o aspecto “em moeda”. As le-sões são em número variável e se localizam principalmente nas extremidades, especialmente mãos e pés. O prurido é presente e pode ser intenso em alguns casos. A cicatrização ocorre sem deixar marcas.

Figura 9 - Eczema numular: placa circular eritematocrostosa isola-da no dorso do pé

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é feito pelo aspecto clínico e não há ne-nhum exame que possa acrescentar uma certeza maior. O exame anatomopatológico é o mesmo de todos os eczemas.

No diagnósti co diferencial, se houver um pequeno nú-mero de lesões, ele pode ser confundido com impeti go (não pruriginoso) ou com a ti nha do corpo (exame micológico positi vo). Lesões em grande número lembram a psoríase e parapsoríase (diferenciadas pelo exame anatomopatológico) e outras causas de dermati te, como a dermati te de contato (teste de contato positi vo) ou a dermati te atópica (outros es-ti gmas como sintomas respiratórios e aumento de IgE).

E - Tratamento

Anti bióti cos sistêmicos são usados em casos com infec-ção secundária nos quais as placas apresentam crostas me-licéricas. A maioria dos pacientes responde bem ao uso de corti costeroides tópicos.

6. Eczema disidróti coSinonímia: disidrose e pompholyx. Afecção eczematosa

crônica recorrente, caracterizada pela erupção de vesículas na região palmoplantar de eti ologia multi fatorial.

A - Epidemiologia

É bem frequente, e sua correspondência pode chegar a cerca de 1% do atendimento de consultório. No que tange aos eczemas de mão, pode corresponder a até 20% dos ca-sos. Não há predileção por sexo e é mais comum em jovens e adultos. Tende a piorar no verão com o aumento da umi-dade e temperatura.

B - Fisiopatologia

A fi siopatologia é desconhecida e, provavelmente, com múlti plos fatores envolvidos. Apesar do nome disidrose, não há alteração nas glândulas sudoríparas da região pal-moplantar. A associação com atopia é bem frequente entre os pacientes e familiares. A dermati te de contato também pode se manifestar com quadro disidróti co, sendo os me-tais como níquel e cobalto os mais implicados.

Reações a antí genos microbianos, como os de fungos e bactérias, também poderiam levar ao processo eczemato-so, como ocorre nas mícides. Fatores emocionais que impli-cam numa liberação de substâncias neuromoduladoras são muito citados com a piora dos pacientes.

Tabela 4 - Alérgenos na disidrose

- Metais;

- Cosméti cos;

- Medicações;

- Níquel;

- Bálsamo-de-Peru;

- Neomicina.

C - Quadro clínico

A disidrose é caracterizada pela erupção de pequenas vesículas nas laterais dos dedos das mãos e, às vezes, dos pés, que podem confl uir e disseminar para toda a região palmoplantar. O prurido pode ser intenso. Com a resolução das bolhas, surge a descamação. Infecções secundárias le-vam a uma piora do eritema e surgimento de pústulas.

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é feito clinicamente e os exames são dire-cionados para o encontro das possíveis causas associadas. Na busca da atopia, pode ser detectado um aumento de IgE. O teste de contato deve ser realizado para se detectar uma dermati te de contato com manifestação disidrosifor-me. A intradermorreação com a tricofi ti na é um teste que mede a resposta celular contra fungos, considerando que a disidrose possa ser um ti po de mícide em alguns casos; nesses pacientes, o exame micológico direto também pode ser úti l. O exame anatomopatológico pode ajudar em al-guns casos pustulosos que costumam ser confundidos com psoríase palmoplantar.

O diagnósti co diferencial pode ser realizado com algu-mas formas de ti nha vesiculosa; as mícides também podem

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ser consideradas uma enti dade disti nta ao invés de uma causa da disidrose. O penfi goide bolhoso localizado deve ser suspeitado em casos resistentes, e este é diagnosti cado pelo exame anatomopatológico.

E - Tratamento

Não é possível levar os pacientes à cura e os quadros costumam ser recorrentes, com frequências variáveis de paciente para paciente. Muitos desses surtos acabam tendo resolução espontânea, e os doentes não chegam a procurar a ajuda do dermatologista. Nos casos pruriginosos e naque-les em que o processo infl amatório é intenso, deve ser feita a intervenção.

Os corti coides sistêmicos são os mais efi cazes para o controle da crise, mas devem ser substi tuídos por outros imunossupressores como a azati oprina e o metotrexate, se for necessário tratamento em longo prazo. Para os casos leves a moderados, os corti coides tópicos podem levar à resolução.

Os anti -histamínicos são uti lizados para a melhora do prurido. Loções secati vas como a solução de Burrow podem ser associadas se houver exsudação intensa. Alguns casos resistentes podem ser controlados com fototerapia (PUVA e UVB narrow band). Alguns casos necessitam de anti bioti co-terapia se ocorrer infecção secundária, tanto por bactérias como por fungos.

7. FotoeczemasSinonímia: fotoalergia ou fototoxicidade. São quadros

eczematosos que podem ter origem alérgica ou tóxica, à semelhança da dermati te de contato, e que geralmente são associadas à presença de um agente químico endotante (ingerido ou inalado) ou contactante (externo). As lesões elementares são tí picas de eczema, e a grande diferença está na distribuição das lesões que ocupam as áreas da pele expostas ao sol.

A - Epidemiologia

Tais ti pos de fotorreações podem acometer igualmente pessoas do sexo masculino e feminino em qualquer idade, mas são mais comuns em idosos, pois são eles os maiores usuários de medicações, havendo maior chance de reações adversas às drogas.

Do ponto de vista de incidência, os casos de fototoxici-dade (sem parti cipação do sistema imunológico) são mais frequentes que os de fotoalergia, já que estes ocorrem numa porcentagem pequena da população que é geneti ca-mente susceptí vel. Não há predileção racial.

B - Fisiopatologia

Há diferenças entre os 2 cenários: -Fotoalergia: nesse caso há uma substância química cuja molécula sofre uma modifi cação após a exposição

aos raios ultravioletas, gerando um antí geno (hapteno) que será processado pelo sistema imunológico, pro-movendo assim a sensibilização do indivíduo; somente numa 2ª exposição é que as lesões eczematosas surgem nas áreas expostas e, até mesmo a distância, em áreas cobertas (pelo próprio mecanismo de sensibilização). Esse mecanismo fi siopatológico ocorre numa minoria de pacientes com predisposição genéti ca para alergias; -Fototoxicidade: nesta, ocorre a modifi cação química da molécula e, a parti r daí, o dano já é direto com a formação de radicais livres oxidati vos sem parti cipação do sistema imunológico. Com isso, não ocorre dissemi-nação das lesões por via hematogênica, e, clinicamen-te, os pacientes se restringem a terem lesões somente nas áreas fotoexpostas. Essa reação química não exi-ge uma susceti bilidade prévia, podendo ocorrer com qualquer paciente, o que explica sua maior incidência frente à forma fotoalérgica. Entre as substâncias quí-micas envolvidas na fototoxicidade estão as associadas às plantas, como o clássico exemplo da queimadura por limão, e nesse caso ela é denominada de fi tofoto-dermatose e os agentes são, na maioria, psoralênicos.

Em ambos os casos, o espectro de luz responsável pela modifi cação das moléculas está na faixa dos raios UVA, o que implica que no tratamento a cobertura com fi ltros so-lares deva ser preferencialmente nessa faixa, e não na UVB, como de costume.

O alvo do dano celular é o DNA e/ou membranas (tanto plasmáti ca como das organelas).

C - Quadro clínico

Novamente devemos separar os 2 grupos para a descri-ção dos aspectos clínicos:

-Fotoalergia: os pacientes se apresentam com quadros agudos e subagudos de eczemas – placas eritemato-sas com edema, vesícula, crostas e descamação; casos subdiagnosti cados podem se manifestar com liquenifi -cação e prurido intenso, semelhantemente ao eczema crônico. As lesões são mal delimitadas e não se res-tringem somente às áreas fotoexpostas. Na história, encontram-se usos crônicos de fotossensibilizantes – fi ltros solares (paradoxalmente os mais comuns), ne-omicina, prometazina tópica e sistêmica, benzocaína (conservante), essências cítricas em perfumes, entre outras; -Fototoxicidade: a grande diferença está na delimita-ção das lesões que respeitam os limites das áreas ex-postas ao sol, fazendo um desenho característi co de placas eritematosas e edemaciadas no “V” do decote cervical, face e antebraços; os casos mais exuberantes se manifestam com bolhas; raramente surgem lesões subagudas e crônicas. Pela anamnese, descobrem-se os agentes implicados: exposição a áreas fl orestais e jardins (plantas tóxicas como a aroeira), “fórmulas ca-

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seiras” para bronzeamento (limão e fi go), iatrogenia com uso de coal-tar e outros psoralênicos usados inad-verti damente para tratamento de psoríase e viti ligo, além de medicações sistêmicas (causa mais comum) como amiodarona, doxiciclina, anti -infl amatórios, sul-fonamidas, hidrocloroti azida, carbamazepina e outros anti convulsivantes.

Figura 10 - Paciente com fotodermati te com eritema e descama-ção acometendo a face, “V” de decote e braços

Tabela 5 - Característi cas para os grupos de fototoxicidade e fo-toalergia

Característi cas Fototoxicidade Fotoalergia

Exposição prévia Não Sim

Envolvimento imune

Não Sim

Espectro luz UVAAmplo (UVA, UVB, visível)

LesõesQueimadura-símile

Dermati te-símile

Disseminação Não Sim

Sintomas Ardor Prurido

D - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico em essência e a ajuda de exa-mes é quase sempre evitada, desde que haja uma ana-mnese completa. Casos duvidosos podem ser elucidados

com o fototeste de contato (alia o teste de contato comum com a exposição provocada da luz UVA). Os achados histo-patológicos são os mesmos já descritos na parte dos ecze-mas, variando entre as manifestações agudas, subagudas e crônicas.

E - Tratamento

No caso da fotoalergia, a principal ati tude que promove a cura do doente é determinar o agente causador e afastá--lo; a forma mais simples de fazê-lo é pela história clínica, e, eventualmente, isso só é possível após o fototeste de con-tato; muitas vezes é necessário trocar as medicações habi-tuais do doente, o que normalmente é solicitado ao médico que o acompanha. Após o afastamento do agente causal, a terapia é rápida e efi caz, sendo os corti coides sistêmicos usados frequentemente por breve período (desmame em 10 a 14 dias). Deve-se priorizar o uso de fi ltros solares fí si-cos (principalmente os que contêm dióxido de ti tânio).

Na fototoxicidade, a atenção ao agente implicado é me-ramente coadjuvante, visto que muitas vezes ela é óbvia e os doentes já estão precavidos contra uma próxima reex-posição – dá-se apenas uma ênfase nesses cuidados. Para acelerar a resolução do quadro, podem-se usar corti coides tópicos, mas eles nem sempre são necessários, pois a maio-ria dos casos terá resolução espontânea; a fotoproteção visa minimizar as discromias residuais (manchas do limão).

8. ResumoQuadro-resumo

- Os eczemas de contato pela fi siopatologia são separados em irritação primária e sensibilização alérgica;

- O teste de contato é importante na investi gação dos quadros alérgicos;

- A dermati te atópica possui critérios clínicos, sendo importante a presença dos 3 maiores e de, pelo menos, 2 menores;

- A dermati te seborreica é muito comum na população geral, porém tem sua incidência aumentada na infecção pelo HIV e doenças neurológicas;

- As infecções bacterianas estão ligadas aos quadros de eczema numular;

- A disidrose é caracterizada por uma erupção vesiculosa palmo-plantar e ainda sua eti ologia ainda é desconhecida.

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Doenças infl amatórias

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

epidemiológico foi realizado, chegando a 0,6% em países nórdicos e a 4% nos Estados Unidos. Não há grandes estu-dos populacionais no Brasil, mas certamente os números estão na média descrita (algo em torno de 2%). Não há pre-dileção racial, e as mulheres são tão afetadas quanto os ho-mens. A doença pode surgir em qualquer idade, com casos descritos já nos primeiros meses de vida, até a psoríase que se inicia na 7ª e na 8ª décadas, no entanto, é rara nesses extremos, e a idade média de acometi mento é de 30 anos (80% estão entre 20 e 45 anos).

c) Fisiopatologia

O surgimento da psoríase se sustenta num tripé que inclui uma base genéti ca, infl uência ambiental e fatores imunológicos e leva a uma combinação de um processo in-fl amatório dermoepidérmico com um estado de hiperproli-feração na epiderme.

Das alterações genéti cas, é muito bem estabelecida a parti cipação dos antí genos HLA (diretamente relacionados ao sistema genéti co MHC), os principais relatados em es-tudos: HLA Cw6, HLA-B13, HLA-B17, HLA-DR6 e HLA-B27 (o mesmo da síndrome de Reiter). Outros genes não rela-cionados ao HLA, convencionalmente denominados PSORs, também já foram descritos, como o PSORS1 localizado no cromossoma 6p21.

GenéticoHLA Cw6HLA-B13HLA-B17

ImunológicosIFN-gamaTNF-alfa

InfecciososEstreptococcia

HIV

MediadoresBeta-bloqueadores

Lítio

EmocionaisEstresse

Figura 1 - Fisiopatologia da psoríase: múlti plos fatores em inte-ração

1. Eritematodescamati vasNeste grupo, um dos maiores e mais abrangentes dentro

da Dermatologia, estão as doenças infl amatórias que muitas vezes têm um caráter crônico e recidivante, sem, no entan-to, trazerem grandes comprometi mentos de outros órgãos, mas que mesmo assim pioram muito a qualidade de vida, até mesmo mais que certas doenças consideradas mais graves, como diabetes mellitus e infarto do miocárdio (conforme constatado em questi onários de qualidade de vida).

A - Psoríase

a) Introdução

Doença de caráter crônico e recidivante com lesões cutâneas desfi gurantes, muito prevalente em todo o mun-do. Na maioria das vezes, as lesões são benignas, mas tra-zem importantes alterações psicológicas ao paciente. Pode variar muito nos ti pos apresentados, desde a psoríase em placas até formas erupti vas severas como a psoríase pustu-losa e a eritrodermia. Apesar da maioria dos pacientes não apresentar altas taxas de morbidade e mortalidade, a pso-ríase tem importantes repercussões sociais, havendo estu-dos com questi onários de qualidade de vida que mostram uma pontuação alta em direção à piora, sendo maior, inclu-sive, que outras doenças “mais graves” como a hipertensão arterial, os acidentes vasculares cerebrais e a insufi ciência cardíaca. Apesar de quase sempre fi car restrita à pele, al-guns casos podem evoluir para artrite psoriáti ca, sendo en-tão a mais conhecida manifestação sistêmica da doença e que pode levar à destruição arti cular. No entanto, hoje se sabe que ela está associada a um estado infl amatório crô-nico e à síndrome plurimetabólica, o que promove maior comorbidade cardiovascular.

b) Epidemiologia

É consensual que a psoríase é uma doença bastante fre-quente, mas a incidência depende da região onde o estudo

CAPÍTULO

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No que tange a parti cipação do sistema imunológico, é importantí ssima a ação das interleucinas que sustentam o processo infl amatório; entre elas, sem dúvida o IFN-gama e o TNF-alfa são os mais importantes, pois são responsáveis pelo recrutamento de células infl amatórias com produção de interleucinas mediadoras como IL-1 e IL-8. O TNF-alfa também é responsável pelo estado de infl amação crônico e persistente que acaba gerando a síndrome plurimetabólica na qual os pacientes apresentam dislipidemia, hipertensão, obesidade e resistência periférica à insulina, explicando assim a maior morbidade cardiovascular que acompanha a psoríase. As interleucinas também acabam tendo um es-tí mulo sobre os querati nócitos da epiderme, gerando um aumento do turnover celular e acelerando o ciclo do que-rati nócito que passa de 28 para 4 dias; isso caracteriza o estado hiperproliferati vo anteriormente mencionado. Dos fatores ambientais, o mais conhecido é a presença do es-tresse emocional que muitas vezes já é relatado pelos pró-prios pacientes. É bastante conhecida a associação entre a psoríase e algumas infecções como estreptococcias e pelo vírus HIV, sendo tais agentes gati lhos para desencadeamen-to do quadro cutâneo. Tabagismo e álcool também estão associados, mas não se sabe se são vieses epidemiológicos, pois os pacientes com psoríase acabam sendo usuários dependentes devido ao comprometi mento psicológico da doença. Fatores fí sicos exercem um papel maléfi co ou, às vezes, benéfi co como acontece com a melhora das lesões após a exposição solar. O uso de certos medicamentos de-sencadeia ou agrava a psoríase, e entre eles estão os beta--bloqueadores, os inibidores da ECA, anti -infl amatórios não hormonais, liti um e cimeti dina. Fatores hormonais (gravi-dez) e distúrbios hidroeletrolíti cos (hipocalcemia) também já foram relatados como agravantes.

d) Quadro clínico

A psoríase é marcada pela pluralidade das manifestações clínicas, sendo as principais formas relacionadas a seguir:

-Psoríase em placas: sinonímia = psoríase vulgar. É a apresentação mais comum, caracterizada pela pre-sença de placas eritematodescamati vas que são bem defi nidas e cujas escamas branco-prateadas são muito bem aderidas. Pode acometer qualquer região do cor-po (rara na face, exceto nas crianças), mas tem predile-ção por alguns pontos como joelhos, cotovelos, dorso sacral, couro cabeludo e palmoplantar. Pode acometer as regiões genital e perianal. As lesões ungueais são frequentes, surgindo alterações quase patognomôni-cas como as manchas de óleo (amarelamento da lâ-mina ungueal como se esti vesse suja por óleo), às ve-zes levando a grandes distrofi as ungueais que fazem diferencial com as onicomicoses e com o líquen plano. Ao remover as escamas das placas, surgem 2 sinais de propedêuti ca dermatológica: o sinal da vela, quando a escama que foi reti rada com a raspagem da placa as-sume aspecto de uma lasca de vela; e o sinal do orva-lho sangrante ou sinal de Auspitz, quando, ao reti rar a

escama, surgem pontos de sangramento sobre a placa devido à lesão de vasos da derme. O prurido é vari-ável, mas a maioria dos pacientes é assintomáti ca. A evolução do quadro é crônica e recidivante, havendo um ciclo repeti ti vo de desaparecimento e surgimento de novas lesões. O fenômeno de Köebner pode estar presente em alguns casos e é descrito como o apare-cimento de novas lesões sobre áreas de trauma, como uma ferida cirúrgica ou uma escoriação acidental; -Psoríase inverti da: nesses casos (aproximadamente, 5%), as placas são exclusivas de áreas de dobras como axilas, inframamárias e inguinais, e pela oclusão assu-mem um aspecto de maceração simulando os quadros de intertrigo (popularmente chamada de assadura); -Psoríase gutata: é uma erupção súbita, comum em jovens e adolescentes, com surgimento de pápulas e pequenas placas eritematodescamati vas por todo o corpo e cujo desencadeamento tem forte relação com as infecções por estreptococos (forte manifestação do fenômeno de Köebner). Esses quadros chegam até a melhorar com o uso de anti bióti cos sistêmicos com co-bertura para Gram positi vos, como cefalexina, eritro-micina e tetraciclinas; -Psoríase pustulosa: sinonímia = psoríase de von Zumbusch. Outra forma erupti va com surgimento de pústulas disseminadas e com manifestações infl ama-tórias sistêmicas (febre, adinamia e inapetência). São casos mais graves que evoluem com complicações (insufi ciência cardíaca de alto débito, distúrbio de ele-trólitos etc.). Pode ter algumas apresentações mais localizadas, como a pustulose palmoplantar e uma for-ma pustulosa periungueal (acrodermati te contí nua de Hallopeau). O impeti go herpeti forme é provavelmente uma psoríase pustulosa que se exacerba na gravidez; -Psoríase eritrodérmica: qualquer uma das formas des-critas pode evoluir para a forma mais grave caracteri-zada por um eritema universal associado a uma fi na descamação e com comprometi mento sistêmico pela síndrome da resposta infl amatória sistêmica (SIRS); tais pacientes evoluem com perdas proteicas, distúr-bios hidroeletrolíti cos ou infecções, e frequentemen-te são hospitalizados para compensação do quadro. Muitas vezes, essa eritrodermia é desencadeada por tratamentos errados e intempesti vos, principalmente com os corti coides sistêmicos; -Psoríase artropáti ca: pode acometer de 5 a 7% dos pacientes e, em 75% dos casos, surge após o apareci-mento das lesões cutâneas, algumas vezes, cerca de 10 anos depois; pode preceder o quadro cutâneo em 10% dos casos (sendo uma das artrites soronegati vas) e ser simultânea em 15% deles. -As principais formas arti culares são:

• Oligoartrite assimétrica: a mais habitual com pou-cas arti culações acometi das;

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• Interfalangiana distal: manifesta-se com os dedos “em salsicha”;

• Artrite muti lante/deformante: forma mais grave com sequelas arti culares;

• Poliartrite simétrica: simula a artrite reumatoide, porém com fator reumatoide negati vo;

• Espondiloartrite: acometi mento da coluna verte-bral semelhante ao da espondilite anquilosante.

Figura 2 - Psoríase em placas: lesões eritematosas com escamas prateadas aderidas localizadas na região lombar

Figura 3 - Psoríase pustulosa: pústulas agrupadas e descamação na região plantar (contralateral e palmar)

Figura 4 - Psoríase gutata: pápulas menores que 1cm isoladas ou agrupadas

Figura 5 - Psoríase inverti da: placas eritematoescamosas em áreas de dobras

Figura 6 - Psoríase eritrodérmica: eritema e descamação universais

e) Métodos diagnósti cos

A maioria das formas de psoríase não apresenta alte-rações laboratoriais e somente nos casos com sintomas sistêmicos pode haver alterações no hemograma e nos exames de fase aguda (velocidade de hemossedimentação, proteína C reati va etc.). Nos casos de psoríase gutata pode--se encontrar indícios de infecção estreptocócica por meio do ASLO. Formas disseminadas como a eritrodérmica e a pustulosa de von Zumbusch estão associadas a distúrbios hidroeletrolíti cos (principalmente hipocalcemia) e também à hipoproteinemia.

Na maioria dos pacientes, nem mesmo a biópsia com exame anatomopatológico é necessária, pois a apresenta-ção é muito característi ca; em casos duvidosos, é através dele que se chega ao diagnósti co.

O diagnósti co diferencial vai depender da forma clínica em questão:

-Psoríase em placas: dermati te seborreica, líquen pla-no, lúpus, farmacodermias, ti nhas e micose fungoide; -Psoríase gutata: piti ríase rubra pilar, piti ríase rósea de Gilbert, sífi lis secundária, farmacodermias e parapso-ríase;

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-Psoríase pustulosa: pustulose subcórnea, pustulose exantemáti ca por farmacodermia, herpes dissemina-do, disidrose.

f) Tratamento

Não é possível levar os pacientes à cura, e os quadros costumam ser recorrentes com frequências variáveis de paciente para paciente. Logo, o tratamento da psoríase é considerado por muitos dermatologistas uma “arte”, pois é neces sária boa experiência para o cuidado dos doentes com rodízio das medicações. Formas mais leves e locali-zadas podem ser controladas topicamente; nesses casos, sempre deve ser feita a associação de drogas anti prolifera-ti vas (como derivados do coaltar e o calcipotrieno) com cor-ti coides de média e alta potência (betametasona e clobeta-sol); são sempre úteis os queratolíti cos como ureia e ácido salicílico nos cremes hidratantes. Nas formas mais graves e extensas, deve-se lançar mão das medicações sistêmicas como os imunossupressores (metotrexato e ciclosporina) e os reti noides (acitreti na); nesses casos, pode-se iniciar o tratamento em regime hospitalar e depois dar conti nuidade ambulatorialmente, evitando, assim, complicações graves pelos efeitos colaterais das medicações (principalmente he-patotoxicidade e nefrotoxicidade). A fototerapia associada ou não aos psoralênicos (PUVA) também é uma modalida-de efi caz e segura, sendo possível até mesmo a uti lização com outras medicações tópicas e sistêmicas (por exemplo, Re-PUVA = reti noides + PUVA). Recentemente, houve um grande avanço no controle da psoríase com o uso de imuno-biológicos – anti corpos de origem recombinada ou humana com ação anti -interleucinas como o anti -TNF-alfa (infl ixima-be e etanercepte).

B - Piti ríase rósea de Gilbert

a) Introdução

Doença caracterizada por erupção súbita de lesões eri-tematoescamosas disseminadas com uma distribuição ca-racterísti ca e evolução benigna, de resolução espontânea sem a necessidade de intervenção com tratamentos.

b) Epidemiologia

Por ter uma provável associação à eti ologia viral, apesar de o agente ainda não ser conhecido, pode assumir um ca-ráter de epidemia, havendo um aumento de incidência nos meses mais frios em países de clima temperado (em países tropicais sua incidência é maior na primavera e verão). Sua frequência é relati vamente alta, com taxas de incidência por volta de 1 a 2% da população em geral. É um pouco mais frequente nas mulheres que nos homens (2:1) e não há predominância racial, embora ela possa assumir caracte-rísti cas clínicas atí picas em negros, difi cultando o diagnós-ti co. A faixa etária mais acometi da é de adultos jovens com pico entre 10 e 35 anos. Mesmo sendo benigna na maioria dos casos, pode vir associada a complicações nas gestantes, havendo maior incidência de abortos e partos prematuros,

com repercussões leves nos recém-nascidos (hipotonia, hi-porreati vidade etc.).

c) Fisiopatologia

Desconfi a-se de uma associação a um agente infeccio-so. Os mais cotados são os vírus da família herpes, havendo trabalhos mostrando a presença de DNA dos HHV-7, mas que é um vírus muito comum na população em geral, sen-do então uma associação ainda controversa. O que suporta a relação com o agente viral é o caráter exantemáti co da erupção, concomitante a um aumento de IgM sérica, e a imunidade permanente adquirida após o 1º surto. No en-tanto, a eti ologia da piti ríase rósea ainda é desconhecida.

d) Quadro clínico

Manifesta-se classicamente em cerca de 80% dos ca-sos com o surgimento primeiramente de lesão única, em placa com cor de salmão e colarete descamati vo, chamada de placa-mãe; esta pode instalar-se em qualquer parte do corpo e muitas vezes é mal diagnosti cada como uma ti nha ou um quadro de eczema. Cerca de semanas depois (pode ser dias a meses), surgem pequenas pápulas eritematodes-camati vas numa erupção súbita com rápida progressão; distribuem-se respeitando as linhas de força da pele, o que lhe confere o aspecto de “árvore de natal” e com predomí-nio no tronco e extremidades proximais, poupando a face e regiões palmoplantares (Figura 7). O prurido pode estar presente em 2/3 dos casos, quase sempre leve a moderado. Não há sintomas sistêmicos associados. Em 20% dos casos, a apresentação é dita atí pica com a forma inverti da (aco-mete face, couro cabeludo e extremidades distais), a forma com fotossensibilidade e a forma unilateral que respeita a linha média; esses quadros atí picos são mais comuns em afrodescendentes.

Figura 7 - Distribuição das lesões seguindo as linhas de força da pele

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Figura 8 - Piti ríase rósea: erupção súbita com pápulas eritemato-descamati vas isoladas e disseminadas pelo tronco

e) Métodos diagnósti cos

Como ainda não se conhece o agente viral, não há um exame sorológico específi co que prove a eti ologia, por ou-tro lado se pode demonstrar, em alguns casos, um aumento de IgM na eletroforese de proteínas, o que é uma respos-ta inespecífi ca contra agentes infecciosos. Outros exames inespecífi cos podem estar ligeiramente alterados, como hemograma e VHS.

Se houver a manifestação clássica com a placa-mãe e a distribuição troncular em árvore de natal, o diagnósti co será fácil; já em casos atí picos, somente se chega a uma conclusão após o exame anatomopatológico.

O diagnósti co diferencial depende da fase da doença: -Placa-mãe: é frequentemente confundida com a ti -nha do corpo e os eritemas fi gurados (como o eritema anular centrífugo); pode lembrar as placas de eczema numular, mas é menos exsudati va; -Fase erupti va: o principal diferencial é com a sífi lis se-cundária principalmente se há acometi mento palmo-plantar, sendo então importante solicitar a sorologia específi ca (VDRL e FTA-abs); outras lesões eritemato-escamosas também entram em questão, como a pso-ríase gutata, parapsoríase, piti ríase rubra e piti ríase li-quenoide crônica, e pode ser necessária a biópsia para a conclusão fi nal. Há quadros idênti cos provocados por reações medicamentosas, chegando-se ao diagnósti co pela história clínica.

f) Tratamento

Por ser uma doença com resolução espontânea, o im-portante é assegurar isso ao paciente, que se senti rá con-fortado; o tempo aproximado de melhora é de 4 a 5 sema-nas, e podem restar algumas cicatrizes hipo ou hipercrômi-cas transitórias. Em casos pruriginosos, pode-se ter alívio com anti -histamínicos e corti coides tópicos nas lesões; devem-se evitar corti coides sistêmicos que levam a uma

exacerbação e prolongamento do quadro. Muitos pacientes se benefi ciam com a exposição dos raios ultravioletas (UV), mesmo sendo na forma natural da luz solar. Há alguns tra-balhos mostrando resolução mais rápida com uso de anti vi-rais como o aciclovir sistêmico. Após o 1º surto, é muito rara uma 2ª erupção (menos de 1% dos casos), provavelmente pela imunidade adquirida com o 1º quadro.

C - Piti ríase rubra pilar

a) Introdução

Afecção infrequente, de caráter crônico, com lesões eritematodescamati vas que têm disposição folicular, po-dendo estar associada à eritrodermia e à queratodermia palmoplantar, com algumas variantes clínicas em adultos e crianças.

b) Epidemiologia

Doença rara com baixa incidência de aproximadamente 0,2% da população geral. Há 2 faixas etárias de acometi -mento, com um pico em crianças e outro em adultos, cada qual com suas parti cularidades clínicas; no 1º caso, normal-mente há história familiar positi va. Não há predileção por sexo ou raça.

c) Fisiopatologia

Alguns autores interpretam a piti ríase rubra pilar como uma manifestação dermatológica por reação anormal do sistema imunológico a um quadro infeccioso, pois há tra-balhos que mostram associação a infecções estreptocóci-cas e principalmente ao vírus HIV; também já foi descrita como manifestação paraneoplásica, sendo então uma res-posta imune contra antí genos carcinogênicos. Há quadros familiares com base genéti ca bem determinada – herança autos sômica dominante. Apesar de todos esses relatos, a eti ologia da piti ríase rubra pilar ainda é desconhecida.

d) Quadro clínico

Há 5 subti pos clínicos com característi cas em comum que seriam as placas formadas pela confl uência de pápulas foliculares e que assumem uma cor vermelho-alaranjada; outra característi ca importante é a presença de áreas de pele sã, formando ilhas no tegumento; a maioria dos pa-cientes também apresenta a queratodermia palmoplan-tar, que consiste no espessamento e fi ssuras da pele nes-sas regiões. Muitos casos podem evoluir com uma temida complicação que é a eritrodermia, necessitando frequente-mente de internação para controle do quadro. Alterações distrófi cas das unhas, como pitti ngs e ceratose subungue-al, também podem estar presentes. O prurido é variável. A classifi cação dos 5 subti pos é a seguinte:

-Tipo I: clássica do adulto – é a mais comum, uma for-ma aguda e esporádica com resolução espontânea em alguns anos; os pacientes apresentam as lesões erite-matoescamosas e as áreas de pele sã, quase sempre associadas à queratodermia palmoplantar;

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-Tipo II: atí pica do adulto – forma com alopecia, lesões mais icti osiformes e eczematosas; -Tipo III: clássica juvenil – seria a manifestação do ti po I que surge nos primeiros anos de vida e pode ter reso-lução espontânea; -Tipo IV: juvenil localizada – forma mais comum em crianças, é marcada pela localização tí pica das lesões em joelhos e cotovelos, raramente progredindo para disseminação do quadro; -Tipo V: atí pica juvenil – além das lesões foliculares, há associação a lesões esclerodermiformes nas extremi-dades; -Tipo VI: variante descrita recentemente associada ao HIV; nela, os pacientes apresentam lesões foliculares combinadas com lesões pustulosas e nodulocísti cas.

e) Métodos diagnósti cos

O exame histopatológico é bem tí pico, com “rolhas” córneas nos folículos pilosos. Com esse achado, fecha-se o diagnósti co.

Não há exames laboratoriais específi cos, mas deve-se buscar algum foco infeccioso de acordo com a anamnese clí-nica. A solicitação do teste para HIV também é recomendada.

O diagnósti co diferencial é feito dentro do grupo das lesões eritematodescamati vas como a psoríase (não tem distribuição folicular e tem descamação de cor prateada), parapsoríase, piti ríase rósea (não apresenta lesões palmo-plantares) e farmacodermias; a forma eritrodérmica é indis-ti nguível das demais apresentações.

f) Tratamento

Apesar de a maioria das formas clínicas poder evoluir para a cura espontânea, isso pode levar anos, e a comorbi-dade causada pelas lesões palmoplantares e pela distrofi a ungueal pioram a qualidade de vida dos pacientes.

A droga mais efi caz é a acitreti na, um reti noide que age diminuindo o estado hiperproliferati vo e requer monitora-ção laboratorial devido ao potencial de hepatotoxicidade.

Casos mais leves podem responder aos tratamentos tó-picos com reti noides (tazaroteno e treti noína), derivados análogos da vitamina D (calcipotriol), e com corti coides de alta potência, como o clobetasol e a betametasona; os emo-lientes com ação queratolíti ca (ureia e lactato de amônia associados ao ácido salicílico) podem auxiliar aumentando a efi cácia das medicações mencionadas anteriormente.

D - Parapsoríases

Compreendem um grupo de doenças muito heterogê-neas e que provavelmente foram agrupadas somente pelo fato de terem lesões eritematoescamosas que se asseme-lham à psoríase (daí o nome); no entanto, cada doença é independente, com disti ntas bases causais. Classicamente, foram descritas 3 enti dades dentro desse grupo: a piti ríase liquenoide aguda ou crônica, a parapsoríase em gotas e a parapsoríase em grandes placas.

a) Piti ríase liquenoide

Este grupo, com as variantes aguda e crônica, na reali-dade será abordado dentro do próximo capítulo, pois histo-patologicamente se percebe que não se enquadram sob o espectro das parapsoríases, portanto foram erroneamente classifi cadas. A que mais se assemelha clinicamente é a for-ma crônica, denominada parapsoríase em gotas.

b) Parapsoríase de pequenas placas

Doença crônica e benigna caracterizada por uma infi l-tração de linfócitos T na pele, mas com rara tendência de evolução para linfoma:

-Epidemiologia: devido à baixa frequência de incidên-cia na população geral, não há grandes estudos epide-miológicos que apontem os números da parapsoríase; além disso, pode ser subesti mado o número de casos ao ano, pois muitos pacientes não chegam a procurar tratamento médico pela benignidade do quadro. Os homens são mais acometi dos, e a incidência maior é na meia-idade (4ª e 5ª décadas); -Fisiopatologia: há infi ltração de linfócitos do ti po CD4 e com multi clonalidade (clones de diferentes origens), mas a eti ologia para tal processo é desconhecida; -Quadro clínico: apresenta lesões eritematoescamosas discretas, mais visíveis que palpáveis, com formatos bizarros lembrando projeções digiti formes. Acomete principalmente o tronco e extremidades proximais, onde as lesões fi cam distribuídas isoladamente. Alguns casos podem apresentar prurido mínimo;

Pequenas placas

Grandes placas

Evolução benigna

Infiltrado linfocitário policlonal

Sem associação a linfoma

Evolução maligna

Infiltrado linfocitário monoclonal

Associação a linfoma

Figura 9 - Diferencial de parapsoríases

-Métodos diagnósti cos: somente se conclui o diagnósti -co com a biópsia e o exame anatomopatológico. Podem ser necessários exames de biologia molecular, como o PCR, para comprovar a multi clonalidade do infi ltrado; -Tratamento: devido ao caráter benigno da afecção e à mínima sintomatologia, muitos pacientes são tratados apenas com hidratantes e, às vezes, com uso intermi-tente de corti costeroides tópicos. Muitos pacientes acabam evoluindo para a cura espontânea em alguns anos.

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c) Parapsoríase de grandes placas

Doença crônica, porém mais preocupante que a descrita anteriormente, pois tende a evoluir para linfomas cutâneos de células T (micose fungoide):

-Epidemiologia: mesmo não havendo estudos epide-miológicos específi cos, esti ma-se que a incidência e a prevalência sejam iguais ou levemente maiores que a da micose fungoide, ou seja, aproximadamente 4 ca-sos para cada 1 milhão de habitantes. Também acome-te mais pacientes da meia idade, mas não há predile-ção racial ou por sexo; -Fisiopatologia: o infi ltrado de linfócitos do ti po CD4 é do ti po monoclonal, porém os linfócitos não apresen-tam ati pia, como nos casos de linfomas de células T. A persistência do infi ltrado pode ser por um estí mulo anti gênico, como mostrado em alguns estudos em que houve associação a infecção pelo herpes-vírus (HHV ti po 8); -Quadro clínico: as lesões são em grandes placas, na maior parte, maiores de 6cm, do ti po eritematoesca-mosas e que se distribuem também no tronco e nas extremidades proximais. Lesões que passam a ter um aumento de volume ou alteração na consistência já podem ter evoluído para a micose fungoide (linfoma cutâneo de células T); -Métodos diagnósti cos: também só se conclui o diag-nósti co com a biópsia e o exame anatomopatológico. Se houver ati pia marcante, o diagnósti co provável será o linfoma. A biologia molecular auxilia na comprova-ção da monoclonalidade do infi ltrado linfocitário; -Tratamento: não há possibilidade de resolução es-pontânea, e os pacientes são seguidos semestral-mente, tratados pelo risco de malignidade que é alto. Corti coides de alta potência, mostrada nitrogenada (quimioterápico tópico muito usado nos EUA) e foto-terapia têm efi cácia comprovada. Qualquer alteração clínica que leve a uma suspeita de transformação para linfoma indica uma nova biópsia para exame histopa-tológico.

E - Eritrodermias

a) Introdução

Sinonímia: dermati te esfoliati va generalizada. É uma erupção aguda na qual mais de 90% do corpo se apresen-tam com eritema e uma fi na descamação, o que pode levar a consequências sistêmicas para o indivíduo afetado. Na maioria das vezes, há uma causa de base por trás do quadro erupti vo, e esta só pode ser descoberta com investi gação laboratorial e/ou biópsia.

b) Epidemiologia

Não é uma enti dade muito comum de ser encontrada na práti ca dermatológica, com incidência e prevalência va-riável entre 2 e 3 casos para cada 100.000 habitantes. Mais

comum em adultos de meia idade e idosos, e levemente mais prevalente nos homens. As taxas de mortalidade tam-bém variam entre os estudos, sendo algo por volta de 20 a 40% dos pacientes afetados (com causas direta e indireta para o óbito).

c) Fisiopatologia

Há um aumento do turnover celular com grandes per-das diárias de escamas que, na verdade, representam uma perda proteica que se manifesta com hipoalbuminemia e edema para o interstí cio. O fl uxo sanguíneo cutâneo tam-bém está aumentado e pode gerar perda calórica, hipoter-mia e distúrbios hidroeletrolíti cos com o aumento da perda transepidérmica da água. Os pacientes se comportam como grandes queimados.

Nem sempre é possível chegar à causa de base, mas esse dado é importante para melhorar o tratamento e o prognósti co. Basicamente, podem-se separar as causas em 4 grandes grupos:

-Eczemas: tanto os eczemas de contato quanto as der-mati tes atópica e seborreica podem cursar com o qua-dro esfoliati vo generalizado; a últi ma é a causa mais frequente nos idosos, enquanto as 2 primeiras são co-muns em crianças e jovens; -Farmacodermias: a ingestão de diversas medicações pode levar à eritrodermia, entre elas isoniazida, feni-toína, barbitúricos, sulfonamidas, ouro, penicilina e seus derivados; -Psoríases: mesmo as formas mais leves podem cursar com a erupção disseminada, e isso ocorre, principal-mente, após o uso incorreto de corti costeroides sistê-micos e seu efeito rebote, além de alguns tratamentos intempesti vos que levam a uma irritação cutânea e piora da psoríase; -Malignidades: pode apresentar-se como uma manifes-tação paraneoplásica (sarcomas, carcinomas do trato gastrintesti nal, mielomas etc.) ou uma manifestação de linfoma cutâneo de células T, chamada, nesse caso, de síndrome de Sézary.

Figura 10 - Causas mais prevalentes

Outras causas mais raras seriam os pênfi gos, a derma-tomiosite, líquen plano etc. Mas em muitos casos não se chega ao diagnósti co, e o doente acaba sendo enquadrado como uma eritrodermia idiopáti ca; isso acontece em até 30% dos doentes afetados.

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d) Quadro clínico

O eritema difuso e a descamação fi na são as manifes-tações dermatológicas dessa enfermidade e, por defi nição, devem acometer mais de 90% da superfí cie corpórea. No entanto, esses sinais são de menor importância no quadro, já que a parte sistêmica tem maior impacto na evolução. Resumidamente, tem-se um paciente edemaciado devido à passagem de líquido para o 3º espaço, uma vasodilatação periférica podendo levar a uma Insufi ciência Cardíaca (IC) de alto débito e um estado de hipovolemia pela grande perda transepidérmica, o que pode agravar ainda mais o débito cardíaco; manifestações compatí veis com uma síndrome da resposta infl amatória também podem estar presentes como febre, indisposição, taquipneia e taquicardia. O prurido pode estar presente e costuma ser acompanhado de escoriações por todo o tegumento. Adenomegalias generalizadas são co-muns e podem representar um linfoma de base ou simples-mente ser reacional ao quadro, sendo então denominada de linfadenopati a dermopáti ca. O encontro de lesões derma-tológicas preexistentes (como uma placa de psoríase, uma alteração ungueal etc.) pode ajudar na elucidação da causa.

e) Métodos diagnósti cos

Não se faz o diagnósti co diferencial nessa patologia, mas se tenta chegar à causa de base com a ajuda dos exa-mes laboratoriais.

Uma eosinofi lia no hemograma pode representar uma reação medicamentosa; aumento de IgE é descrito na der-mati te atópica. No esfregaço do sangue periférico, podem--se encontrar as células de Sézary nos casos de linfoma cutâneo. A biópsia e o exame histológico podem levar ao diagnósti co de piti ríase rubra pilar, psoríase e principalmen-te da micose fungoide, na qual os linfócitos atí picos acabam infi ltrando a epiderme, caracterizando o epidermotropis-mo. Entretanto, na maioria das vezes, o exame anatomopa-tológico revela um infi ltrado infl amatório inespecífi co.

Dos exames gerais, a atenção maior deve ser para com os eletrólitos, evitando-se assim os distúrbios que podem ser fatais como hipopotassemia, hiponatremia e hipocalcemia. Leucocitose e aumento da velocidade de hemossedimenta-ção são inespecífi cos e quase sempre estão presentes, sem, no entanto, representarem um processo infeccioso oculto.

f) Tratamento

A hospitalização é necessária quase sempre para ser mi-nistrado o tratamento de suporte clínico, visando ao com-bate das complicações. É importante interromper o uso de medicações suspeitas que possam ter desencadeado o qua-dro, principalmente aquelas de introdução mais recente.

A hidratação deve ser realizada para restaurar a volemia e topicamente, com o uso de cremes emolientes. Fluidos hi-pertônicos e com alta osmolaridade podem ser necessários devido às perdas para o 3º espaço.

O encontro da causa de base permite o tratamento especí-fi co e, assim, diminui a morbiletalidade. O prognósti co é obvia-mente pior nos casos em que há uma malignidade associada.

Os corti costeroides sistêmicos acabam sendo usados, na maioria dos doentes, até o controle do quadro, e posterior-mente se faz o desmame gradual de modo lento; podem ser substi tuídos por corti costeroides tópicos nas fases de resolução do quadro. Anti -histamínicos podem ser usados como sintomáti cos para alívio do prurido.

F - Eritemas fi gurados

Correspondem a um grupo de doenças que cursam com lesões eritematoescamosas anulares e policíclicas recidivantes que não trazem repercussões cutâneas graves, mas que têm sua importância porque estão muito associados a doenças sistêmicas, incluindo neoplasias ocultas e outras de diversas eti ologias. Os principais seriam o eritema anular centrífugo, o eritema necrolíti co migratório e o eritema gyratum repens.

a) Eritema anular centrífugo

Quadro crônico recorrente de lesões eritematoescamo-sas que assumem uma cura central dando o aspecto arque-ado/anular. É benigno, pois tem resolução espontânea, mas pode ser um aviso de que o paciente tem alguma doença sistêmica grave:

-Epidemiologia: por ser uma doença infrequente, são poucos os relatos de casos na literatura com algumas séries limitadas, o que difi culta a validação de análises estatí sti cas; trabalhos mostram que a incidência pode variar de 1 a 2 casos para cada 100.000 habitantes. Pode acometer pacientes de 8 meses a 80 anos e não tem predileção por sexo ou raça. -Fisiopatologia: a eti opatogenia da doença é desconheci-da, mas é grande o número de associações já relatadas:

• Infecções: fungos, micobactérias, herpes, HIV, para-sitoses;

• Medicações: piroxicam, amitripti lina, espironolac-tona;

• Doenças autoimunes: síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso, doença de Graves;

• Neoplasias: leucemias, linfomas, mielomas, tumores de ovário, tumores de mama e tumores de próstata.

No entanto, nenhuma dessas associações se apresentou com força estatí sti ca muito grande.

-Quadro clínico: as lesões iniciam-se com pequenas pápulas que aumentam de tamanho e vão tendo um clareamento no centro, com leve hiperpigmentação residual. Há 2 formas principais: a superfi cial, na qual as lesões são mais descamati vas, e a profunda, que apresenta apenas placas papulosas eritematosas. O quadro costuma ser assintomáti co, mas pode ter leve prurido associado. As lesões localizam-se mais nos membros inferiores, embora sejam encontradas em qualquer parte do corpo. O comprometi mento pela doença é apenas cutâneo, todavia é importante pes-quisar alguma doença de base que possa estar asso-ciada de forma oculta;

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Figura 11 - Eritema anular centrífugo: placas eritematosas com descamação central “em colarete” no antebraço

-Métodos diagnósti cos: o diagnósti co pode ser obti do após a biópsia para exame anatomopatológico que mostra um infi ltrado de linfócitos perivascular. A in-vesti gação da doença sistêmica deve ser guiada pela história clínica e pelos achados do exame fí sico, pois a solicitação indiscriminada de exames muitas vezes leva a resultados inconclusivos. Na forma superfi cial, o diagnósti co diferencial se faz com a ti nha do corpo (um simples exame micológico direto já resolve), lúpus subagudo, psoríase e micose fungoide. Na forma pro-funda, o diferencial é com granuloma anular, urti cária e farmacodermia;

-Tratamento: como o quadro é autolimitado, a gran-de preocupação reside em detectar alguma doença sistêmica oculta e que possa ter repercussão mais grave do que o próprio quadro cutâneo. Os corti coi-des tópicos e sistêmicos levam à resolução da lesão, mas não impedem a recidiva. Anti -histamínicos po-dem ser usados para controle do prurido. Há relato em literatura de melhora signifi cati va após o uso de interferon alfa.

b) Eritema gyratum repens

É o eritema fi gurado mais correlacionado com o aspecto paraneoplásico, o que sempre leva a uma investi gação ex-tensa para neoplasia oculta:

-Epidemiologia: é muito raro, e não é possível anali-sar aspectos epidemiológicos signifi cantes. Parece ser mais comum em homens e idosos; -Fisiopatologia: a eti opatogenia é desconhecida, mas se acredita numa reação de hipersensibilidade a an-tí genos tumorais e que apresentam, de modo cruza-do, uma reação com antí genos cutâneos. Dentre as neoplasias correlacionadas, as mais comuns são car-cinomas de pulmão, adenocarcinomas gástrico e de próstata e neoplasias ginecológicas. Mesmo que ele

não seja detectado no início, é recomendada a moni-toração frequente, já que o câncer pode ser detectado anos após o surgimento das lesões cutâneas. Também já foi associado a condições não neoplásicas como lú-pus e tuberculose;

-Quadro clínico: as placas eritematoescamosas tam-bém assumem o aspecto anular, porém o grande dife-rencial é que são concêntricas como se fi zessem inter-secções e também assumem um caráter dinâmico, mi-grando rapidamente de um local para o outro. A região mais acometi da é o tronco, contudo pode surgir nas extremidades. A erupção é muito pruriginosa. Quanto à malignidade, esta frequentemente aparece em 7 a 12 meses após o surgimento do quadro cutâneo (uma minoria apresenta ambos simultaneamente e rara-mente o quadro cutâneo é seguido ao descobrimento do tumor). Há relatos de hiperqueratose palmoplantar associada (espessamento e fi ssuras nas regiões cita-das), e esta também é sabidamente uma manifestação paraneoplásica;

-Métodos diagnósti cos: a investi gação da neoplasia oculta deve sempre começar pela história e pelo exa-me fí sico, incluindo avaliação ginecológica ou uroló-gica. Mas alguns exames merecem ser solicitados em caso da normalidade destes: hemograma completo, função hepáti ca, FAN e fator reumatoide, urina I, pes-quisa de sangue oculto nas fezes (se alterado, indicar endoscopia alta e/ou colonoscopia), radiografi a de tó-rax e tomografi a de abdome. Do ponto de vista derma-tológico, as lesões são muito característi cas (aspecto circinado concêntrico), e não é neces sária biópsia para exame anatomopatológico. O diagnósti co diferencial se dá com o eritema anular centrífugo, com o lúpus subagudo e a psoríase; -Tratamento: como o quadro é autolimitado, a gran-de preocupação reside em detectar alguma neoplasia oculta e tratá-la, se possível; essa é a única medida efi caz que leva à resolução do quadro. Os corti coides sistêmicos trazem um alívio nos sintomas, mas não chegam a promover a cura.

2. Doenças papulopruriginosas

A - Líquen plano

a) Introdução

Quadro restrito à pele e mucosas, caracterizado por uma erupção de lesões com coloração violácea característi -ca e com prurido associado, podendo assumir diversas va-riantes clínicas na forma de apresentação.

b) Epidemiologia

Tem caráter crônico recidivante e uma incidência de cerca de 1% na população geral. Não há grandes variações

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geográfi cas ou raciais, tampouco predileção por sexo. Pode acometer qualquer idade, porém o pico é em adultos jo-vens, entre 30 e 40 anos. Pacientes com quadro erupti vo disseminado importante devem realizar sorologias para he-pati tes C e B.

c) Fisiopatologia

Representa uma reação imunológica do ti po celular contra um antí geno desconhecido que pode estar presente ou ser semelhante a antí genos das células da camada ba-sal da pele; a suspeita maior é que esse antí geno mime-ti zante venha de um agente infeccioso, como nos relatos da associação ao vírus da hepati te C. Erupções liquenoides medicamentosas muitas vezes são indisti nguíveis do qua-dro “espontâneo”, e as principais drogas implicadas são an-ti maláricos como a cloroquina, sulfonilureias, sais de ouro, penicilamina, anti -infl amatórios e IECA. É clássica a associa-ção a reveladores fotográfi cos, sendo uma doença ocupa-cional. Uma predisposição genéti ca é provável, mas ainda desconhecida.

d) Quadro clínico

Há diversas variantes clínicas. A forma clássica consiste numa erupção insidiosa de pápulas violáceas, com 2 a 4mm de tamanho, de contornos geométricos/poligonais com uma fi na descamação e uma fi na estriação na superfí cie (estrias de Wickman). Apesar de a erupção ser generaliza-da, ela pode acometer algumas áreas tí picas como a super-fí cie fl exora dos punhos e os genitais. Também é frequente o acometi mento da mucosa oral e muitas vezes esse quadro pode ser isolado; a maioria apresenta lesões atrófi cas bizar-ras, principalmente na mucosa jugal. Alterações ungueais com distrofi as totais, espessamento subungueal e pitti ngs também podem estar associadas. O prurido acompanha a maioria dos pacientes e quase sempre é marcante. É co-mum o fenômeno de Köebner com surgimento de lesões nos locais das escoriações. Lesões genitais masculinas e fe-mininas podem ter ardor e levar à dispareunia. As principais variantes clínicas são:

-Líquen plano hipertrófi co: placas extensas ceratósicas e pruriginosas nas regiões pré-ti biais;

-Líquen plano pilar: lesões foliculares no couro cabe-ludo que podem evoluir com alopecia cicatricial irre-versível;

-Líquen plano folicular: pápulas violáceas dissemina-das localizando-se nos folículos pilosos;

-Líquen plano atrófi co: variante em placa com atrofi a central lembrando lesões de esclerodermia/morfeia;

-Líquen plano penfi goide: lesões bolhosas que surgem de novo ou nas lesões do líquen plano prévias (líquen plano bolhoso);

-Líquen plano actí nico: lesões que surgem em áreas fotoexpostas.

Figura 12 - Líquen plano: lesão clássica com pápulas poligonais eritematovioláceas

e) Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico, e não há exames laboratoriais que auxiliem na investi gação.

Apenas em casos atí picos o exame anatomopatológico pode ser necessário, mostrando um infi ltrado em faixa na zona da membrana basal (transição entre a epiderme e a derme).

Os principais diferenciais são as reações medicamen-tosas que cursam com erupções liquenoides e a doença enxerto versus hospedeiro na sua forma crônica, que apre-senta lesões de líquen plano associadas a lesões escleroder-miformes e sintomas sistêmicos.

Outros diferenciais seriam líquen níti do, psoríase, piti rí-ase liquenoide crônica e sífi lis secundária. Lesões erosivas na mucosa oral fazem diferencial com pênfi gos e lúpus.

f) Tratamento

Os corti coides formam a base do tratamento. Por ser uma doença benigna e autolimitada, alguns casos locali-zados podem ser tratados topicamente com clobetasol ou betametasona. Lesões disseminadas e pruriginosas necessi-tam dos corti coides sistêmicos como a prednisona na dose de 1mg/kg com desmame gradual. Alguns quadros resis-tentes respondem bem ao uso de reti noides, como a iso-treti noína na dose de 0,5mg/kg. Lesões de mucosa e couro cabeludo são as que apresentam maior morbidade e maior difi culdade no tratamento, sendo a isotreti noína a 1ª esco-lha. Outro subti po com evolução ruim é o líquen plano pilar do couro cabeludo, que pode provocar uma alopecia cica-tricial que não responde ao tratamento. As demais evoluem sem grandes sequelas, apenas com uma hiperpigmentação pós-infl amatória. As recidivas são frequentes e tratadas da mesma maneira.

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B - Piti ríase liquenoide

a) Introdução

Patologia de espectro clínico variável com 2 formas dis-ti ntas, a piti ríase liquenoide aguda e a forma crônica mais indolente, ambas são um distúrbio clonal de linfócitos T, tendo uma estreita correlação com os linfomas cutâneos.

b) Epidemiologia

As 2 apresentações clínicas são raras, e não há estudos nacionais que mostrem sua incidência e/ou prevalência, no entanto, a literatura internacional exibe taxas que gi-ram em torno de 2 a 3 casos para cada 100.000 habitantes em 1 ano. Há uma leve predominância no sexo masculi-no, sem, no entanto, haver predileção racial. A faixa etária mais acometi da é de crianças e adultos jovens até a 3ª década.

c) Fisiopatologia

Na base do processo, encontra-se uma alteração ci-totóxica, havendo infiltrados perivasculares de linfócitos T que podem apresentar certo grau de atipia celular, o que leva muitos autores a acreditarem na possibilidade de um tipo de linfoma; apesar da infiltração perivascular, não há sinais de vasculite franca como leucocitoclasia; alguns interpretam esse fenômeno como uma vasculite linfocítica. Estudos de biologia molecular apontam pre-dominância de linfócitos CD 30, subtipo também asso-ciado a linfomas de grandes células. Teorias sobre um agente infeccioso que leve ao estímulo para o infiltrado linfocitário crônico também já foram formuladas, mas ainda não há nada concreto.

d) Quadro clínico

Há 2 formas clínicas totalmente disti ntas: -Piti ríase liquenoide aguda: sinonímia = doença de Mucha-Habermann, piti ríase liquenoide e varicelifor-me aguda (PLEVA). Nessa apresentação, ocorre uma erupção súbita que se assemelha muito à varicela (catapora); surgem pápulas eritematosas que rapida-mente evoluem com necrose e crostas hemorrágicas; a distribuição é simétrica, acometendo principalmente o tronco e as extremidades proximais; pode haver lesões palmoplantares, de couro cabeludo e na mucosa. É possível que prurido e ardor estejam presentes. Casos muito exuberantes podem ter febre e queda do esta-do geral. Muitos pacientes evoluem com cura, porém alguns podem desenvolver a forma crônica da piti ríase liquenoide; -Piti ríase liquenoide crônica: manifesta-se com pápu-las e pequenas placas eritematoacastanhadas (no caso de negros as lesões são hipocrômicas) com escamas aderidas e que saem íntegras após a escoriação da le-são. Topografi camente, também se distribuem mais no tronco e extremidades proximais. O quadro é indolen-te e quase totalmente assintomáti co.

Aguda PLEVA

Crônica

SintomasToxemia

Superfície com crosta

Presença de vasculite

Sintomas só dermatológicos

Superfície com escama

Ausência de vasculite

Figura 13 - Diferencial de piti ríase liquenoide

e) Métodos diagnósti cos

O exame que permite o diagnósti co de ambas as for-mas de piti ríase liquenoide é o anatomopatológico. Não há exames laboratoriais específi cos, no entanto, em alguns pacientes com a forma aguda, mais especifi camente aque-les que necessitam de suporte clínico, eles podem ser úteis para acompanhamento do quadro infl amatório como o leu-cograma, a velocidade de hemossedimentação e a proteína C reati va. Pode ser necessária a investi gação de um prová-vel agente infeccioso (solicitar sorologias para HIV, Epstein-Barr, hepati tes crônicas e toxoplasmose, que são aqueles com maior associação na literatura).

O diagnósti co diferencial depende da forma em questão: -Piti ríase liquenoide aguda: diferencia-se da varicela, papulose linfomatoide, vasculites leucocitoclásti cas e farmacodermias; -Piti ríase liquenoide crônica: faz diferencial com as pa-rapsoríases, sífi lis secundária, líquen plano, psoríase gutata.

f) Tratamento

Das medicações orais, a melhor terapia é feita com an-ti bacterianos da família das tetraciclinas, que também têm um efeito anti -infl amatório (imunomodulatório) desejado no caso.

O tratamento-padrão é feito com a fototerapia, com a maioria dos trabalhos mostrando boa resposta com o méto-do PUVA; há relatos de melhora também com o uso de UVB narrow-band e terapia fotodinâmica. Corti coides tópicos podem ser usados em alguns pacientes com poucas lesões. Aos casos exuberantes da PLEVA, podem ser necessários es-teroides sistêmicos.

C - Prurigo

a) Introdução

A defi nição de prurigo seria a união de uma pápula com o sintoma predominante de prurido, ou seja, uma pápula pruriginosa escoriada pelo paciente. É uma doença que tem 3 formas de apresentação: aguda, subaguda e crônica, além

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de uma gama de causas clínicas associadas, sendo a alergia, sem nenhuma dúvida, a mais importante delas.

b) Epidemiologia

A forma aguda é bem mais comum nas crianças, chama-da prurigo simples ou prurigo estrófulo, sendo a faixa etária dos 2 aos 6 anos a mais acometi da, principalmente na pri-mavera e no verão. As demais formas, subaguda e crônica, são mais comuns em adultas jovens e muito associadas a distúrbios psicossociais. Todas as formas apresentam maior incidência nos atópicos, associadas ou não à dermati te ató-pica. Uma forma específi ca denominada prurigo de Hebra é mais comum em negros, já as demais apresentações não têm predileção racial.

c) Fisiopatologia

O prurigo estrófulo infanti l tem associação à alergia a pi-cada de insetos, sendo mais comum em áreas rurais e nos meses de calor e chuva; parece estar relacionado a uma combinação de hipersensibilidade dos ti pos I e IV (imediata e tardia), chamada por alguns autores de urti cária papulosa.

As formas subaguda e crônica dos adultos são de eti o-logia mais obscura, e acredita-se que os indivíduos que têm uma predisposição psicológica com tendências neuróti cas e compulsivas reagem com manipulação anormal das lesões pruriginosas; estas, por sua vez, parecem se desenvolver também pela combinação das reações de hipersensibi-lidade dos ti pos I e IV e podem vir associadas a diversas comorbidades: prurigo de Hutchinson (com fotossensibili-dade), prurigo dismenorreico (piora com menstruação e/ou variações hormonais), prurigo do diabetes, prurigo he-páti co, prurigo gestacional, prurigo urêmico (nos pacientes com insufi ciência renal crônica) e prurigo paraneoplásico (associado a malignidades).

d) Quadro clínico

As lesões elementares são as pápulas eritematosas que, pelo prurido, são coçadas e escoriadas; de acordo com o tempo de evolução, sofrem modifi cações:

-Prurigo agudo: surgimento súbito de pápulas mais edematosas e, às vezes, a seropápula (vesícula sobre a pápula eritematosa); com a evolução, a pápula fi ca mais fi rme e acaba cicatrizando com discromias; algu-mas lesões escoriadas podem ter crostas e infecção secundária. As áreas mais afetadas são o tronco e as extremidades; -Prurigo subagudo e crônico: uma é a evolução da ou-tra com tendência à nodularidade das lesões: na 1ª, as lesões são mais fugazes e escoriadas, e na 2ª assu-mem a forma nodular tí pica com lesões duras e cera-tósicas. As lesões iniciais (seropápulas) raramente são vistas pelo médico, pois quase sempre são escoriadas. As áreas afetadas são aquelas que as mãos alcançam: braços, ombros, coxa e face. O prurido feroz é uma condição sine qua non.

Figura 14 - PLEVA (piti ríase liquenoide variceliforme aguda): pápu-las isoladas com necrose central gerando crosta hemáti ca aderida

Figura 15 - Pápulas e nódulos endurecidos e escoriados pelo pruri-do na perna: prurigo subagudo

e) Métodos diagnósti cos

O diagnósti co pode ser auxiliado pela biópsia e exame anatomopatológico que mostra o espessamento da epider-me e um processo infl amatório crônico na derme; para o diagnósti co específi co, não há outros exames que concluam o quadro.

A grande questão é investi gar a causa de base que este-ja provocando o prurigo; no caso agudo, isso é fácil, pois a causa é sempre uma reação de hipersensibilidade como, na maioria, a picadas de insetos. O problema está nas formas subagudas e crônicas, em que as associações são inúme-ras. Guiando-se pela história clínica, é possível direcionar os exames laboratoriais e de imagem para chegar à causa. Não é aconselhável fazer uma investi gação extensa “às cegas”. Entre as causas que merecem atenção, estão a insufi ciência renal crônica, os linfomas e a infecção pelo HIV.

O diagnósti co diferencial é feito com pápulas prurigi-nosas e escoriadas como a escabiose nodular, escoriações

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neuróti cas, líquen plano e outras; normalmente, a disti nção se dá pelo exame anatomopatológico.

f) Tratamento

Defi nindo-se uma causa e tratando-a, o alcance da me-lhora costuma ser mais fácil e rápido, ou seja, para obter a cura do prurigo é necessário tratar a causa de base, quando ela existe. Isso não é possível quando ele está associado a uma reação de hipersensibilidade/alérgica.

Os casos agudos são tratados de forma sintomáti ca com anti -histamínicos e loções tópicas com ou sem corti coi-des, que auxiliam no processo de reversão da infl amação. Mudanças no esti lo de vida que evitem a exposição aos in-setos devem ser encorajadas.

Os casos subagudos e crônicos representam um desafi o maior. Também são usados anti -histamínicos para o contro-le do prurido, sendo mais uti lizado o hidroxizina. Algumas vezes, é necessário lançar mão da doxepina, um anti de-pressivo tricíclico que tem ação anti -histamínica H1, melho-rando o prurido e tendo um efeito sedati vo que diminui o ímpeto para escoriar as lesões. Os casos mais resistentes só respondem ao uso da talidomida na dose de 100mg/dia, pelo seu efeito anti -infl amatório.

3. Doenças bolhosasNeste tópico, serão abordadas as principais dermato-

ses que cursam clinicamente com a formação de bolhas. É relevante a correlação entre a clínica e a histopatologia, pois se deve ter em mente o nível de clivagem na pele (intraepidérmica ou subepidérmica) que levou à bolha em questão para que se possa classifi car o quadro nos 2 gran-des grupos das doenças bolhosas que seriam os pênfi gos e os penfi goides; no 1º caso, a separação ocorre entre os querati nócitos (intraepidérmica), enquanto no 2º é mais profunda ao nível da zona da membrana basal (subepi-dérmica). Do ponto de vista clínico, as bolhas formadas na epiderme no caso dos pênfi gos são mais fl ácidas e se rompem facilmente (ao exame são encontradas apenas erosões), e, no caso dos penfi goides, nos quais as bolhas são mais profundas, estas se apresentam mais tensas e ín-tegras. No entanto, em alguns casos nem a união da clíni-ca com a histopatologia leva ao diagnósti co, sendo então necessário um exame fundamental para a investi gação das doenças bolhosas, a imunofl uorescência. A maioria dessas doenças tem origem autoimune porque há formação de anti corpos contra estruturas do citoesqueleto celular que são responsáveis pela união entre os querati nócitos e da junção dermoepidérmica.

A - Pênfi gos

Neste grupo, são abordadas as doenças bolhosas de cli-vagem alta, provocadas por autoanti corpos contra molécu-las de aderência intercelular (como as desmogleínas). São 3 as maiores enti dades que merecem menção neste capítulo.

a) Pênfi go vulgar

Doença universal com erupção bolhosa característi ca na pele, quase sempre associada a lesões de mucosas, prin-cipalmente oral. É a mais importante em números absolu-tos no campo dos pênfi gos, correspondendo a 70% desses casos. No passado, ti nha altas taxas de mortalidade, mas com o advento da corti coterapia sistêmica esses números baixaram:

-Epidemiologia: há casos relatados em todo o mundo e, dependendo da região, a incidência pode variar en-tre 1 e 3 casos para cada 100.000 habitantes; no caso de judeus e descendentes de populações mediterrâ-neas, as taxas são as maiores; entre os demais grupos étnicos, as taxas são menores e semelhantes entre si. Não há predileção por sexo e também pode afetar des-de crianças até idosos, com o pico na faixa etária en-tre 50 e 60 anos; há inclusive casos neonatais devido à passagem de anti corpos pela placenta; - Fisiopatologia: devido a uma predisposição genéti ca relacionada ao HLA, alguns pacientes passam a apre-sentar formação de autoanti corpos voltados contra antí genos de superfí cie de querati nócitos, antí genos responsáveis por manterem as células aderidas umas às outras. Numa análise mais específi ca, demonstrou--se que a maioria desses anti corpos é do ti po IgG e seus respecti vos antí genos são moléculas que formam os desmossomos e que são chamadas desmogleínas; no caso do pênfi go vulgar, as moléculas envolvidas são tanto a desmogleína 1 quanto a desmogleína 3. Os resultados da ligação de anti corpos nesses síti os são 2 disti ntos: 1º, levam a uma perda da adesão celular, conhecida como acantólise e, 2º, promovem a fi xação do complemento e aumentam a resposta infl amató-ria. Esses autoanti corpos também são circulantes na corrente sanguínea, e sua patogenicidade já foi com-provada em estudos in vivo, pois são capazes de gerar a formação de bolhas em ratos que recebem plasma de pessoas doentes. Devido à autoimunidade, pode estar associado a outras patologias, como a miastenia gravis. Há relatos na literatura da indução de pênfi go vulgar pelo uso de certas medicações como captopril, penicilamina e rifampicina;

Figura 16 - Clivagem de doenças bolhosas: (A) pênfi gos – intraepi-dérmica e (B) penfi goides – camada basal

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-Quadro clínico: muitos pacientes abrem o quadro com lesões mucosas, que podem permanecer por meses ou anos como única manifestação; ocorrem em apro-ximadamente 60% dos casos e são provocadas pelos autoanti corpos contra a desmogleína 3. A mucosa oral é a mais afetada, mas podem acontecer lesões em conjunti vas e mucosas genitais e anais. As lesões característi cas seriam erosões e úlceras que limitam o paciente porque a dor é importante. Na pele, as lesões bolhosas podem estar intactas ou apenas se apresen-tar ao médico na forma de erosões após terem sido rompidas, já que são formadas por um teto fi no de camada epidérmica. As erosões comumente acabam tendo infecção secundária e também são doloridas. Quando as lesões são extensas, pode haver sinais e sintomas sistêmicos pela resposta infl amatória, como febre, adinamia e inapetência. Na propedêuti ca, são 2 os sinais clássicos associados aos pênfi gos; -Sinal de Nikolsky: a pele perilesional é arrancada facil-mente apenas fazendo-se uma pressão e deslizando-a no senti do centrífugo em relação à lesão; esse sinal não é exclusivo do pênfi go vulgar, pois indica apenas acan-tólise (perda de adesão entre os querati nócitos), o que ocorre a todos os pênfi gos e também outras doenças bolhosas, como a Necrose Epidermolíti ca Tóxica (NET); -Sinal de Asboe-Hansen: ao fazer uma pressão de cima para baixo no teto da bolha, aumenta-se a lesão; fi sio-patologicamente, indica o mesmo processo que o sinal de Nikolsky.

Entre as principais variantes, existe o pênfi go vegetante, no qual as lesões que surgem em áreas de dobras passam a desenvolver um grande tecido de granulação sobre as regi-ões erodidas, assumindo um aspecto vegetante devido ao grande volume do tecido infl amatório; esse ti po de apre-sentação também pode acontecer no couro cabeludo:

-Métodos diagnósti cos: para obter o diagnósti co de pênfi go vulgar, além de a clínica ser compatí vel com a presença de bolhas fl ácidas na pele e nas mucosas, frequentemente é necessária a imunofl uorescência direta, na qual se pesquisa a presença de autoanti -corpos na pele obti da de biópsia de uma região peri-lesional; nela o resultado é positi vo quando ocorre a fl uorescência em um padrão intercelular na epiderme, normalmente com predomínio de IgG e complemen-to. A imunofl uorescência indireta mostra anti corpos circulantes e tem maior correlação com a ati vidade da doença. A histopatologia também ajuda, porém não de forma defi niti va, servindo apenas para sepa-rar de outros quadros bolhosos como os penfi goides e Stevens-Johnson; nela está a formação de bolhas den-tro da epiderme acima da camada basal, e é possível visualizar a separação dos querati nócitos consti tuindo a acantólise; essa últi ma alteração também pode ser demonstrada pelo teste de Tzanck.

-Diagnósti cos diferenciais: o pênfi go vulgar deve entrar no diagnósti co diferencial de 2 grupos:

• Úlceras/aft as orais: aft as de repeti ção, doença de Behçet, líquen plano. Lúpus eritematoso, estomati -te herpeti forme e carcinoma espinocelular da cavi-dade oral;

• Doenças bolhosas: outros pênfi gos (foliáceo, para-neoplásico etc.), os penfi goides (penfi goide bolho-so, penfi goide gestacional, dermatose por IgA line-ar), dermati te herpeti forme, eritema multi forme e líquen plano bolhoso.

-Tratamento: a base do tratamento é o controle da formação dos autoanti corpos por meio do uso de corti costeroides e imunossupressores. Dos primeiros, a mais usada é a prednisona, na dose de 1 a 2mg/kg (necessita de maiores doses que o pênfi go foliáceo), que, com a melhora, é diminuída, evitando o desen-volvimento de efeitos colaterais como a hipertensão arterial, o diabetes mellitus e a osteoporose (é re-comendado o uso de vitamina D, cálcio e em alguns casos severos, os bifosfonados como o alendronato). Uti lizam-se, também, outros imunossupressores para poupar o uso dos corti coides; entre eles, a mais usada é a azati oprina, pois tem um manejo mais práti co. A ciclofosfamida e o metotrexato também são boas op-ções. Apesar de pouco usado no Brasil, o micofenolato de mofeti la é considerado de 1ª linha nos EUA.

Figura 17 - Pênfi gos: como as bolhas são menos tensas, elas se rompem facilmente deixando erosões

Casos severos, que frequentemente necessitam de in-ternação, se benefi ciam com imunoglobulina intraveno-sa, que rapidamente leva à melhora, mas que tem custos proibiti vos e não leva a um efeito duradouro (sempre é necessária a associação das drogas já mencionadas). Com o advento da corti coterapia e outros imunossupressores, reduziu-se em muito a mortalidade pela doença, por outro lado, hoje as mortes costumam acontecer por complicações relacionadas ao uso dessas medicações, por isso seu des-mame deve ser planejado o mais brevemente possível.

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b) Pênfi go foliáceo

Doença bolhosa universal com vários subti pos clínicos e imunológicos, entre eles uma forma endêmica no Brasil conhecida como “fogo selvagem”. Dentre as doenças bo-lhosas, essa é a com melhor prognósti co, havendo inclusi-ve formas localizadas. Uma diferença marcante seria o não acometi mento das mucosas como em outros pênfi gos:

-Epidemiologia: suas variantes podem ocorrer em vá-rios países do mundo de forma inespecífi ca, no en-tanto, existem alguns subti pos com caráter endêmico como o “fogo selvagem”, que pode estar associado à presença de mosquitos vetores em áreas rurais brasileiras e também na Tunísia, onde há uma maior incidência em pacientes do sexo feminino. Mas, ex-cetuando esse últi mo subti po, não há predileção por sexo ou raça. Há também diferenças quanto à idade, pois as formas clínicas gerais tendem a ocorrer em adultos de meia idade, enquanto as formas endêmi-cas são mais comuns em crianças e jovens (é a doen-ça bolhosa mais frequente, em números absolutos, nas crianças); -Fisiopatologia: é a mesma do pênfi go vulgar com a formação de autoanti corpos contra estruturas de ade-são intercelular, os desmossomos, contudo a grande diferença é o antí geno que nesse caso é unicamente a desmogleína 1, fato que explica a ausência de lesões mucosas (que só surgem quando há anti corpos contra a desmogleína 3). Acredita-se numa infl uência imu-nogenéti ca, o que explica algumas formas endêmicas como a tunisiana e também em fatores ambientais, como os mosquitos do gênero simulídeo, comuns em algumas áreas de mata no Brasil e nas quais a popu-lação apresenta altos índices de autoanti corpos, mes-mo sem manifestar a doença. Outra parti cularidade nos pênfi gos foliáceos é a sensibilidade aos raios UV, havendo uma predileção das lesões pelas áreas foto-expostas. As mesmas medicações citadas no pênfi go vulgar podem levar ao ti po foliáceo; -Quadro clínico: a maioria dos pacientes tem surtos crônicos e recidivantes com caráter benigno, não afe-tando o seu estado geral. O início se dá na maioria com lesões no tronco, com predomínio na região esternal por ser essa uma área seborreica; com a dissemina-ção, as lesões surgem na face, dorso e couro cabelu-do. Muitos casos apresentam fotossensibilidade com piora e/ou surgimento das lesões à exposição solar. Raramente, são vistas bolhas ao exame dermatoló-gico, pois essas são muito fl ácidas e se rompem com facilidade; assim, as lesões elementares consistem de erosões com crostas que podem ou não ter infecção secundária. Essas áreas de erosões podem confl uir e são muito dolorosas. Pode-se ter a positi vidade do si-nal de Nikolsky ao friccionar a pele sã perilesional, que se desprende facilmente. Eritrodermia ocorre nos ca-sos com pior evolução.

Há 2 formas clínicas disti ntas: -Pênfi go herpeti forme: pequenas vesículas que se agrupam num padrão herpeti forme e são muito pru-riginosas; -Pênfi go eritematoso de Senear-Usher: associa carac-terísti cas do pênfi go foliáceo às do lúpus eritematoso e da dermati te seborreica, tendo lesões em placas erodi-das na face (ti po “asa de borboleta”) e na região ester-nal. Alguns pacientes podem ter FAN positi vo; -Métodos diagnósti cos: o diagnósti co é eminentemen-te clínico, mas pode ser confi rmado também pela his-topatologia (bolha intraepidérmica alta com acantólise dos querati nócitos) e principalmente pela imunofl uo-rescência direta na qual ocorre um depósito de IgG e complemento com padrão intercelular localizado na porção alta da epiderme (no pênfi go vulgar o depósi-to é mais baixo); com técnicas de biologia molecular como o Western-Blot fi ca demonstrado que esses an-ti corpos são contra a desmogleína 1 (não a desmogle-ína 3, como no pênfi go vulgar). A imunofl uorescência indireta detecta a presença de anti corpos circulantes e é importante para monitorar o tratamento, já que tem boa correlação com a ati vidade da doença (os tí tulos tendem a diminuir com a introdução da terapêuti ca). O diagnósti co diferencial se faz com outros pênfi gos (vulgar, paraneoplásico etc.), os penfi goides (penfi goi-de bolhoso, penfi goide gestacional, dermatose por IgA linear), dermati te herpeti forme, eritema multi forme e líquen plano bolhoso; - Tratamento: o tratamento é o mesmo do pênfi go vulgar com a prednisona oral, no entanto, a resposta é melhor, sendo necessárias doses menores de 0,5 a 1mg/kg. Devido à cronicidade da doença a terapia com glicocorti coides é quase sempre de longo prazo e é preciso insti tuir outros imunossupressores para substi tuí-los; os mais usados também são a azati opri-na e o micofenolato de mofeti la (MMF). A variante do pênfi go eritematoso responde bem ao uso da cloro-quina e fotoproteção. Casos localizados podem ser tratados apenas com o uso de corti coides tópicos. Em casos graves, pode-se reverter o quadro com plasma-férese (remove anti corpos circulantes) e imunoglobu-lina intravenosa (anti corpos contra os autoanti corpos do pênfi go), sendo em seguida insti tuído o tratamento com outros imunossupressores.

c) Pênfi go paraneoplásico

Forma clínica nova, descrita na década de 1990, na qual pacientes com algum ti po de malignidade passam a apre-sentar bolhas disseminadas e erosões de mucosas. A do-ença é agressiva por si só e chega a taxas de mortalidade próximas de 90%; sua cura depende da resolução do qua-dro oncológico:

-Epidemiologia: acomete mais idosos, população com maior incidência de neoplasias, e o pico é por volta

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de 60 anos. Não tem predominância por sexo ou raça. Casos em crianças já foram descritos e normalmente estão associados a malignidades hematológicas, como os linfomas e as leucemias (o mais comum é o linfoma não Hodgkin). Doença de ocorrência universal; -Fisiopatologia: tem a mesma base com formação de autoanti corpos, no entanto, ocorre uma multi plicida-de de antí genos, o que leva a um comprometi mento tanto intraepidérmico como na zona da membrana basal. A grande maioria dos casos se inicia por uma doença linfoproliferati va, o que leva a acreditar numa formação desordenada de autoanti corpos por parte dessas células imunológicas aberrantes; no entanto, casos com tumores de outras linhagens já foram des-critos (sarcomas, carcinomas pulmonares, ti momas). O depósito desses anti corpos na porção intraepidér-mica leva à separação dos querati nócitos com a forma-ção das bolhas e, na zona da membrana basal, a uma dermati te de interface do ti po liquenoide; -Quadro clínico: o início se dá com lesões na cavida-de oral altamente incapacitantes, lembrando as do Stevens-Johnson; pouco tempo depois, surgem bolhas disseminadas e o acometi mento de outras mucosas (conjunti va, nasal, genital). Pode haver associação a lesões em placas eritematosas, urti cariformes e em alvo como no eritema multi forme. O sinal de Nikolsky é positi vo, e grandes áreas de desprendimento epidér-mico podem ocorrer (lembrando a NET). O paciente apresenta-se toxemiado com queda do estado geral e sinais de infl amação sistêmica. É possível o comprome-ti mento de mucosas internas como as do trato gastrin-testi nal e pulmonar, sendo estas a principal causa de mortalidade. O comprometi mento da conjunti va pode levar a processos infl amatórios que culminam com cicatrizes incapacitantes, por isso devem ser tratados agressivamente; -Métodos diagnósti cos: para chegar ao diagnósti co, devem-se aliar vários aspectos:

• Clínicos: lesões erosivas de mucosa oral (e/ou ou-tras mucosas) aliada a uma erupção cutânea poli-morfa (bolhas, erosões, placas eritematosas ou urti -cariformes, pústulas);

• Histopatológicos: demonstração de clivagens na epi-derme com a presença de acantólise e necrose de querati nócitos aliada a uma dermati te de interface do ti po liquenoide agredindo a membrana basal;

• Imunofl uorescência direta: comumente a positi vi-dade se dá com depósitos de IgG, complemento e às vezes IgM e IgA (os 2 primeiros são os mais fre-quentes); esse depósito é intercelular e linear na zona da membrana basal;

• Imunofl uorescência indireta: pesquisa a presença de anti corpos circulantes no sangue dos pacientes; o grande diferencial é a positi vidade quando usada a bexiga de rato como substrato para depósito dos

anti corpos (sensibilidade de 75% e especifi cidade de 83%).

O diagnósti co diferencial é como os demais pênfi gos (o vulgar, o mais parecido pelas lesões em mucosas) e o penfi -goide bolhoso, pela maior incidência nos idosos.

-Tratamento: a resposta é muito desapontadora, e a maioria dos pacientes só melhora com a cura da doença neoplásica, o que nem sempre é possível. Cuidados paliati vos com as feridas, evitando a infec-ção secundária e amenizando os sintomas, devem sempre ser associados. Os corti costeroides em altas doses são a melhor opção, entretanto aumentam a mortalidade por complicações como infecções sistê-micas, distúrbios hidroeletrolíti cos etc.; sempre que possível, devem-se introduzir os poupadores como a azati oprina e ciclofosfamida. A plasmaférese e a imu-noglobulina intravenosa também levam a um contro-le rápido, mas dura muito pouco. Pode-se solicitar acompanhamento com a pneumologia e a otorrino-laringologia no caso de comprometi mento respirató-rio e de mucosas. As taxas de mortalidade giram em torno de 90%.

B - Penfi goides

Estas doenças bolhosas têm em comum a separação na zona da membrana basal que é a transição entre a epiderme e a derme, sendo então bolhas de clivagem baixa. Também são autoimunes e os alvos são proteínas transmembrânicas que mantêm a aderência entre as 2 camadas da pele. São doenças crônicas que requerem tratamento por longo pra-zo, o que aumenta a morbidade do quadro.

a) Penfi goide bolhoso

Doença bolhosa crônica muito associada a idosos, na qual surgem bolhas tensas e raramente lesões mucosas, tendo um caráter relati vamente benigno, já que os índices de mortalidade pela doença não são tão altos como nos pênfi gos:

-Epidemiologia: a idade de início é por volta de 65 anos, o que aumenta a difi culdade do tratamento, pois os idosos geralmente têm diversas comorbidades as-sociadas; apesar disso, já houve relatos de penfi goide bolhoso em crianças. Não há predileção por sexo ou raça. A incidência é baixa com taxas de 1 caso para cada 100.000 habitantes por ano; -Fisiopatologia: tem origem autoimune com a forma-ção de anti corpos contra 2 proteínas transmembrâni-cas denominadas BPAG 1 (230 kilodáltons) e BPAG 2 (180 kilodáltons); a 1ª é um componente do hemides-mossomo, e a 2ª é uma molécula de colágeno. Com a ligação dos autoanti corpos, ocorrem a ati vação do complemento e o processo infl amatório com atração de leucócitos, dentre eles os eosinófi los, que pare-cem ter um papel importante no penfi goide bolho-

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so. Os anti corpos são, principalmente, da classe IgG. O desprendimento da epiderme para a formação da bolha ocorre então pela produção de proteases pe-los leucócitos ati vados e diretamente pela ligação dos anti corpos, impedindo o funcionamento normal das proteínas de ligação. Há relatos de indução de penfi goide bolhoso pelo uso de certas medicações: penicilamina, furosemida, ibuprofeno e outros anti --infl amatórios, captopril, e outros inibidores da ECA. Alguns estudos mostraram que pode haver asso-ciação a malignidades ocultas, mas alguns autores acham que isso é um viés epidemiológico, pois nessa faixa etária a incidência de neoplasias é maior que na população geral; -Quadro clínico: inicia-se por uma erupção aguda ou subaguda de bolhas tensas que se disseminam, po-dendo ati ngir qualquer segmento corporal; em alguns pacientes, as bolhas surgem de lesões urti carifor-mes persistentes, o que muitas vezes leva a um erro diagnósti co inicial. Como o teto da bolha é formado por toda a epiderme, são mais resistentes, levando a grandes lesões tensas; as que se rompem levam a áreas de erosão suscetí veis a infecções secundárias. O prurido é quase sempre associado e é importante se presente. Queda do estado geral é vista nos casos com lesões disseminadas. Como não há acantólise, não se encontra o sinal de Nikolsky comum aos pênfi gos. As lesões resolvidas não costumam deixar cicatrizes per-sistentes. Lesões mucosas não ocorrem em mais do que 15 a 20% dos casos e, quando o fazem, são raras e fugazes, mas podem provocar a difi culdade de degluti -ção, comprometendo o estado nutricional dos idosos. Formas vegetantes, principalmente em áreas fl exurais, já foram descritas na literatura cientí fi ca, bem como algumas formas localizadas acometendo, por exemplo, apenas 1 perna; -Métodos diagnósti cos: além da união dos aspectos clínicos principais (idosos, bolhas tensas dissemina-das, prurido e caráter crônico) para chegar ao diag-nósti co, pode-se lançar mão do exame histopatológi-co, que mostra a clivagem baixa no nível da zona da membrana basal; o conteúdo da bolha é intensamente infl amatório, e uma característi ca importante é a pre-sença de eosinófi los. O exame padrão-ouro é a imu-nofl uorescência direta, que mostra um depósito de IgG e de complemento num padrão linear na área de transição entre a epiderme e a derme; isso também acontece em outras doenças bolhosas, como a epider-mólise bolhosa adquirida, e para a diferenciação pode--se complementar o exame com a técnica de salt-split skin, na qual uma solução fi siológica separa a pele exatamente na lâmina lúcida, sendo então visualizado o depósito imunofl uorescente no teto da pele separa-da (na epidermólise bolhosa ele permanece no asso-alho). Exames mais específi cos de biologia molecular

(ELISA e immunoblotti ng) podem demonstrar que os anti corpos são contra os antí genos específi cos BP230 e BP180. O diagnósti co diferencial se dá frente aos pên-fi gos, principalmente o vulgar e paraneoplásico, pois ambos cursam com lesões mucosas, e também com outras doenças bolhosas subepidérmicas como a der-mati te herpeti forme, a epidermólise bolhosa adquiri-da (salt-split skin), o penfi goide cicatricial e o líquen plano bolhoso. Erupções bolhosas por farmacoder-mias podem mimeti zar o penfi goide bolhoso, inclusive na histopatologia, já que também podem ser encon-trados eosinófi los; nesses casos, é fundamental a aju-da da imunofl uorescência direta; -Tratamento: casos leves podem ser tratados de forma mais conservadora com o uso de tetraciclinas (pelo poder anti -infl amatório) associada a corti costeroides tópicos de alta potência; mesmo havendo uma melho-ra parcial com essa abordagem, muitos convivem bem com a patologia, e a remissão pode ser espontânea em meses ou anos. A vantagem é que esse tratamento não tem riscos de grandes efeitos colaterais. Casos severos merecem tratamento com corti coides sistêmicos como a prednisona, inicialmente em altas doses (60 a 80mg), e que é diminuída até uma dose de manutenção de 10 a 20mg/dia; o que pesa contra é a morbidade do tra-tamento imunossupressor, principalmente nessa faixa etária, e esse fator pode até mesmo aumentar as taxas de mortalidade, já que a doença pode ter um caráter indolente em muitos casos, sendo desnecessária uma abordagem de risco. Cuidados gerais, como limpeza das feridas e uso de analgésicos, podem ser associados conforme a necessidade.

Figura 18 - Penfi goide bolhoso: bolhas tensas que permanecem intactas

b) Dermati te herpeti forme

Doença bolhosa autoimune associada à enteropati a sensível ao glúten (doença celíaca) mediada por IgA. O nome vem do aspecto clínico das lesões que se agrupam

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mimeti zando lesões de herpes. O prurido é presente na quase totalidade dos casos. O caráter crônico implica o tra-tamento de manutenção, principalmente com o ajuste da dieta livre de glúten:

-Epidemiologia: doença infrequente com prevalência por volta de 10 casos para cada 100.000 habitantes. Há maior incidência em caucasianos, rara em asiáti cos, negros e populações indígenas. É controversa a predi-leção pelo sexo feminino com estudos mostrando ta-xas de 1,5:1 em relação aos homens. Apesar de poder acometer qualquer idade, é mais comum em adultos jovens (dos 20 aos 30 anos); -Fisiopatologia: o evento inicial é o depósito de IgA na derme papilar, onde desencadeia uma reação imuno-lógica infl amatória na qual há predomínio de neutró-fi los; isso parece acontecer porque, na pele, também estão presentes enzimas denominadas de transglu-taminases, que são semelhantes às encontradas na mucosa intesti nal; com isso, a dieta rica em glúten esti mula uma reação autoimune contra tais enzimas intesti nais e paralelamente ocorre o mesmo na pele. Há uma predisposição genéti ca, pois a dermati te her-peti forme é mais frequente em pacientes com HLA-B8 e HLA-DR3; -Quadro clínico: a maioria dos pacientes vem ao con-sultório com queixa de crises recorrentes de prurido e lesões cutâneas; essas podem ser pequenas placas eritematosas com vesículas que se agrupam num pa-drão herpéti co, distribuídas no tronco, joelhos e coto-velos (superfí cies extensoras); devido às escoriações, podem estar presentes erosões lineares e crostas com infecção secundária. Lesões urti cariformes também já foram descritas. As lesões mucosas orais e genitais são raras. Apenas 10% dos pacientes manifestarão sinto-mas de má absorção (diarreias, náuseas, dores abdo-minais) devido à enteropati a do glúten. Os demais 90% só são diagnosti cados com exames mais invasivos (en-doscópicos e/ou biópsia da mucosa intesti nal). Nesses casos de acometi mento intesti nal, há um risco maior para desenvolvimento de linfoma nesse mesmo órgão e os pacientes necessitam de um acompanhamento mais rigoroso. Também há maior associação a outras doenças autoimunes: miastenia gravis, anemia perni-ciosa e ti reoidites; -Métodos diagnósti cos: a biópsia para exame anato-mopatológico é fundamental, e os achados são de bolhas subepidérmicas associadas a um infi ltrado de neutrófi los, formando microabscessos na derme pa-pilar. Assim como na doença celíaca, podem ser en-contrados anti corpos anti gliadina e anti endomísio no sangue periférico, com sensibilidade de 70 a 80% (o 2º tem maior especifi cidade). A imunofl uorescência da pele perilesional mostra um depósito granular de IgA na derme papilar e fecha o diagnósti co com cer-teza.

Figura 19 - Imunofl uorescência com depósito de IgA nas papilas dérmicas

-Diagnósti co diferencial: se dá, principalmente, com a dermatose por IgA linear, que é mais comum em crian-ças e se localiza mais nas fl exuras. Outras doenças bo-lhosas, como pênfi gos e penfi goide bolhoso, também são diferenciadas pelo exame anatomopatológico e pela imunofl uorescência. Devido ao prurido, pode ser confundida com dermati te atópica e urti cárias alérgi-cas. Alguns casos são erroneamente diagnosti cados, como escabiose, que difi cilmente tem um curso crôni-co e recorrente e não tem lesões bolhosas; -Tratamento: como medidas gerais, deve-se introduzir uma dieta livre de glúten que pode melhorar por si só muitos casos (até 80% em alguns estudos); dapsona é a terapêuti ca medicamentosa mais uti lizada com respostas rápidas e espantosas, às vezes, servindo até como teste terapêuti co; parece ter efeito inibitório so-bre os neutrófi los. Seu principal efeito colateral é a he-mólise, principalmente em pacientes com defi ciência de G6PD. Os anti -histamínicos podem ser usados para controle do prurido – hidroxizina, lorati da etc. O prog-nósti co é bom, mas a doença tende a ser persistente. Acompanhamento gastroenterológico é necessário para monitorar um possível surgimento de linfoma.

4. Doenças do colágenoNeste tópico, são discuti das as patologias de interface

com a Reumatologia, nas quais estão presentes os fenô-menos de autoimunidade. Muitas vezes, as lesões cutâne-as são a 1ª manifestação da doença, e posteriormente os pacientes vêm a manifestar os sinais de comprometi mento sistêmico. Muitos casos, no entanto, podem fi car apenas restritos à pele e são conduzidos inteiramente pelo der-matologista. O conhecimento do quadro clínico cutâneo dessas enfermidades ajuda na antecipação do diagnósti co e insti tui o tratamento precocemente para evitar a pior evo-lução, que é a tendência na maioria dos casos.

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A - Lúpus eritematoso

Grave doença reumatológica com espectro variando por meio das 3 formas clínicas principais: lúpus cutâneo crônico, lúpus subagudo e lúpus sistêmico. Enquanto a 1ª se caracteriza pela restrição da doença à pele, a últi ma já manifesta o temido comprometi mento de órgãos nobres com possibilidade de desfechos fatais. No entanto, a doen-ça pode ser dinâmica e uma forma pode evoluir para outra, difi cultando a classifi cação didáti ca às vezes.

A parti cipação dos raios UV é importantí ssima, princi-palmente no que tange à pele, onde diretamente induzem à formação de lesões. A difi culdade do tratamento será sempre presente devido à necessidade de manutenção dos corti costeroides e suas conhecidas complicações. Para melhorar o entendimento da doença, serão discuti dos seus aspectos de forma separada.

a) Lúpus cutâneo crônico

Sinonímia: lúpus discoide. Quadro quase exclusiva-mente cutâneo, caracterizado por lesões bem defi nidas em áreas fotoexpostas e cuja morbidade está na evolução com cicatrizes inestéti cas:

-Epidemiologia: como todas as formas de lúpus, é mais frequente nas mulheres, tendo incidência maior em adultos jovens. Há relatos de acometi mento mais frequente e mais grave nos negros. Alguns trabalhos mostraram a associação ao tabagismo, sendo esse um fator que interfere negati vamente na resposta do tra-tamento; -Fisiopatologia: é desconhecida nos detalhes princi-pais, mas postula-se a parti cipação de fatores múlti -plos, sendo os mesmos em todas as formas do lúpus eritematoso:

• Predisposição genéti ca (por meio de alguns genes do HLA);

• Fatores hormonais (explica a incidência de 9:1 a fa-vor de pacientes do sexo feminino);

• Infl uência ambiental (por meio da parti cipação dos raios UV);

• Distúrbio imunológico (desencadeando a resposta infl amatória desenfreada que agride o próprio or-ganismo).

A agressão da pele se dá no nível da membrana basal, e acredita-se que aí se encontram os antí genos que são alvos dos autoanti corpos.

-Quadro clínico: inicialmente, manifesta-se com placas eritematosas com escamas grossas e aderidas (quan-do reti radas pelo examinador, percebe-se, na sua face inferior, a presença das espículas córneas como se fora uma “cama de pregos”). Essas placas são muito bem delimitadas, certas vezes com forma numular. Com a evolução, surge uma atrofi a na porção central, man-tendo as bordas elevadas e também discromias (hipo ou hiperpigmentação centrais). Os locais preferidos

são áreas fotoexpostas, principalmente na face e no couro cabeludo; parti cularmente nessa região, pode levar a uma placa de alopecia cicatricial irreversível. Eventualmente, as lesões surgem nos membros su-periores e no tronco. Lesões mucosas – úlceras orais – são raras. Como sintomas, os pacientes frequente-mente relatam ardor local e, eventualmente, um dis-creto prurido. Com a evolução, as lesões não tratadas deixam cicatrizes atrófi cas e deprimidas como se fosse uma mordida de lobo (daí a origem do nome “lúpus”). Cerca de 5 a 10% dos pacientes podem, em algum mo-mento da vida, evoluir para o lúpus sistêmico;

Figura 20 - Lúpus discoide: lesões em placas bem delimitadas com eritema e descamação na face

-Métodos diagnósti cos: a apresentação clínica é bem característi ca, mas é sempre prudente a realização do exame histopatológico para confi rmação, possibi-litando maior segurança ao tratamento; esse exame costuma apresentar uma dermati te de interface der-moepidérmica com infi ltrado de linfócitos. Casos du-vidosos podem ser complementados com o exame da imunofl uorescência direta que mostra um depósito de IgG, IgM e complemento na junção dermoepidér-mica (chamada de banda lúpica); a diferença do lúpus discoide para o lúpus sistêmico é que a banda lúpica só é positi va na lesão, enquanto no últi mo pode ser positi va até na pele normal fotoexposta. Pode haver positi vidade do FAN em alguns casos, mas sempre com tí tulos baixos (1:16). Também há possibilidade de exa-mes de VDRL falsos positi vos. O diagnósti co diferencial pode ser feito com lesões de queratoses actí nicas (car-cinoma espinocelular in situ), com lesões eritemato-escamosas como de psoríase ou ti nha (não costumam ter fotossensibilidade), com os fotoeczemas e com a erupção polimorfa à luz (não costumam provocar le-sões residuais cicatriciais); -Tratamento: primeiramente, deve-se manter uma boa fotoproteção com fi ltros que tenham FPS 30 no míni-mo, além de mudanças no comportamento da exposi-

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ção. As lesões podem ser tratadas com corti coides de alta potência, mesmo quando elas se apresentarem na face, pois, se o tratamento fi ca concentrado ape-nas na placa de lúpus, difi cilmente ocorrerão os efei-tos colaterais dos corti coides tópicos (atrofi a, estrias, discromias); alguns casos resistentes necessitam até mesmo de infi ltração intralesional com triancinolona. O tratamento padrão-ouro é a cloroquina que pode ser ministrada na forma do difosfato ou na forma da hidro-xicloroquina (tem melhor resposta); tem efeito inibitó-rio na infl amação e diminui a fotossensibilidade. Seu principal efeito colateral é a reti nopati a por depósito, por isso é necessário o acompanhamento oft almológi-co anualmente. Alguns casos raros com pior evolução podem se benefi ciar dos esteroides sistêmicos por um curto período.

b) Lúpus subagudo

Seria uma forma intermediária entre o quadro do lú-pus crônico e a forma sistêmica, tanto do ponto de vista cutâneo, pois as lesões são psoriasiformes, mas não che-gam a provocar atrofia e sequelas cicatriciais, quanto do lado sistêmico, já que alguns pacientes podem ter algu-mas manifestações que estão entre os critérios clínicos de lúpus:

-Epidemiologia: não é a manifestação mais frequente do lúpus eritematoso, e somente 10% dos casos apa-recem com essa apresentação em sua forma pura. Também é mais frequente em pacientes do sexo fe-minino, porém é rara em negros e mesti ços (diferente da forma crônica). A faixa etária mais acometi da é de jovens adultos e pacientes de meia-idade. No caso de recém-nascidos com manifestações cutâneas de lúpus, é a forma mais comum; -Fisiopatologia: tem importante correlação com a ex-posição solar, pois os raios UV levam a um aumento da expressão de certos antí genos nos querati nócitos, entre eles estão o antí geno Ro (SSa) e o antí geno La (SSb); a parti r daí são formados autoanti corpos volta-dos contra tais antí genos que o organismo não reco-nhece como próprios. Esse desconhecimento por par-te do sistema imunológico parece estar correlacionado com uma predisposição genéti ca do sistema HLA (há maior associação entre o lúpus cutâneo subagudo e os genes HLA-DR3 e HLA-DQw2.1); -Quadro clínico: inicia-se como um quadro maculo-papular em áreas fotoexpostas. Com a evolução as lesões crescem e tornam-se eritematoescamosas de confi guração anular e aspecto psoriasiforme. As lesões costumam apresentar ardor. Sintomatologia sistêmica inespecífi ca, como artralgia e fadiga, pode ocorrer em metade dos casos. Após a resolução das lesões não costumam ocorrer cicatrizes. Alguns pacientes podem preencher critérios para lúpus sistêmico, porém os quadros são mais brandos;

-Métodos diagnósti cos: a apresentação clínica com le-sões eritematoescamosas anulares em área fotoexposta é bem característi ca, mas é sempre prudente o exame histopatológico para confi rmação, possibilitando maior segurança ao tratamento; esse exame costuma apresen-tar uma dermati te de interface dermoepidérmica, com infi ltrado de linfócitos. Casos duvidosos podem ser con-fi rmados com a imunofl uorescência direta (banda lúpi-ca) que chega a ser positi va em até 50% dos pacientes. Na sorologia, o FAN pode ser positi vo na grande maioria (quase 90%), porém os tí tulos costumam ser baixos (até 1:64); nos anti corpos específi cos, a positi vidade de anti --Ro (anti -SSa) chega a quase 40%, e as pacientes que apresentam esta alteração correm um risco maior de terem fi lhos com lúpus neonatal e distúrbios cardíacos de condução como bloqueios de ramo; -Tratamento: devido à exuberância das lesões que cos-tuma ocupar uma grande porcentagem da área corpo-ral correspondente à pele exposta ao sol, muitos pa-cientes se benefi ciam do uso de corti coides sistêmicos (prednisona 1mg/kg); o mesmo vale para aqueles que venham apresentar sintomas de acometi mento sistê-mico. Esse tratamento deve ser realizado por período breve e deve-se associar precocemente a cloroquina (difosfato ou hidroxicloroquina) que irá auxiliar no des-mame do esteroide. Se as lesões se apresentarem em pequeno número, a preferência será para os corti coi-des tópicos de alta potência. Sempre manter, também, as medidas de fotoproteção. Já houve relato de melho-ra de pacientes com uso de talidomida, mas essa deve ser reservada a mulheres que não estejam em idade férti l e que não responderam aos tratamentos citados.

c) Lúpus eritematoso sistêmico

Forma mais grave com acometi mento de diversos siste-mas por um processo infl amatório tecidual e vascular, que pode ter diversas manifestações cutâneas, inclusive aque-las já citadas no lúpus cutâneo crônico e no lúpus subagu-do. Por ser uma doença complexa e dinâmica, foram cria-dos critérios, pela Academia Americana de Reumatologia, para fechar o diagnósti co, e que servem para nortear os clí-nicos nessa dura jornada de combate a essa enfermidade. Os dermatologistas muitas vezes são os que primeiramente têm contato com o doente, já que muitos destes abrem o quadro com lesões cutâneas.

-Epidemiologia: é uma doença tí pica de mulheres jo-vens com acometi mento de 9 pacientes femininos para cada masculino. A faixa etária mais acometi da é de 30 a 40 anos, mas pode ter início na puberdade, rara em idosos. Apesar de alguns trabalhos mostrarem relação com alguns subti pos de HLA, não é comum encontrar história de acometi mento familiar. É mais frequente em negros, nos quais também é mais grave; -Fisiopatologia: geneti camente, a base é a mesma des-crita nos subti pos anteriores, associando-se aos mes-

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mos ti pos de HLA (DR-3, B-8, e DR-2 B-7). Houve rela-tos de casos associados à defi ciência de complemento, mais especifi camente C2 e C4. Os demais fatores eti o-patogênicos supostamente implicados (hormonais, raios UV, distúrbio imunológico) já foram mencionados (lúpus cutâneo crônico); -Quadro clínico: para chegar ao diagnósti co do lúpus eri-tematoso sistêmico, pode-se lançar mão dos critérios da Academia Americana de Reumatologia (Tabela 1).

Tabela 1 - Critérios diagnósti cos de lúpus

Aspectos clínicos

- Rash malar;

- Lesões discoides;

- Fotossensibilidade;

- Úlceras orais;

- Artrite;

- Serosite (pleurite ou pericardite);

- Acometi mento renal (proteinúria);

- Acometi mento neural (psicose).

Aspectos laboratoriais

- Alterações de hemograma (citopenias);

- Positi vidade anti -Sm e anti -Ds-DNA;

- FAN positi vo.

No total, são 11 os critérios, e, se o paciente apresenta 4 deles, aumenta muito a sensibilidade e a especifi cida-de para o diagnósti co do quadro sistêmico; mas se deve analisar cada caso com cautela, pois muitas vezes se pode estar diante de pacientes com quadros cutâneos puros e que preenchem tais critérios, como um paciente com lú-pus cutâneo crônico, apresentando lesões discoides, uma úlcera oral, fotossensibilidade e o FAN positi vo em tí tulos baixos.

Dentre as lesões mais característi cas no lúpus sistêmico, está o rash malar “em asa de borboleta”, que se consti tui em placas eritematosas, pouco infi ltradas, mas com ede-ma, distribuídas como uma máscara no centro facial; nela é possível encontrar uma fi na descamação e, eventualmente, erosões.

Outras lesões possíveis: lesões de urti cária vasculite e púrpuras palpáveis, lesões bolhosas, lesões de lúpus crô-nico e subagudo já descritas. Também na porção periun-gueal dos dedos das mãos, são vistos pontos hemorrági-cos e telangiectasias que representam uma vasculite dos capilares periféricos. As lesões mucosas se manifestam como ulcerações no palato ou na mucosa jugal. Devem-se citar, ainda, as lesões do couro cabeludo, que podem ser discoides cicatriciais ou na forma de alopecia difusa não cicatricial.

Figura 21 - Forma sistêmica do lúpus eritematoso com o rash ma-lar “em asa de borboleta”

B - Dermatomiosite

Afecção autoimune que comumente tem comprome-ti mento miopáti co infl amatório aliado a quadro cutâneo característi co e que pode apresentar acometi mento de ór-gãos internos como esôfago, pulmão e coração nos casos mais graves. Casos em idosos merecem uma atenção espe-cial, pois podem fazer parte de uma síndrome paraneoplási-ca com neoplasias ocultas, que somente são diagnosti cadas após a manifestação dessa doença:

-Epidemiologia: não é frequente, e a incidência em alguns países chega a quase 0,5 a 1 caso para cada 100.000 habitantes. Os caucasianos são mais acome-ti dos, mas pode ser variável de acordo com o país. A incidência também é maior nas mulheres, assim como em outras colagenoses, e as taxas são de 2 casos para cada paciente do sexo masculino. Pode acometer pa-cientes de qualquer idade, entretanto há 2 picos: um em crianças (dermatomiosite juvenil) e outro em ido-sos; a 1ª tem um comportamento mais benigno com resolução mais rápida, enquanto a 2ª pode ter até um desfecho fatal, se associada à neoplasia;

-Fisiopatologia: é desconhecida, e acredita-se que o mecanismo cutâneo seja o mesmo do lúpus eritema-toso com uma agressão citotóxica mediada por linfó-citos contra antí genos presentes na transição dermoe-pidérmica; já o componente da miosite parece ocorrer secundariamente a uma infl amação vascular. Como desencadeante para os mecanismos autoimunes, postula-se a parti cipação de antí genos virais, uso de medicações e reação a certas substâncias, como im-plantes de silicone. Os raios UV também contribuem para o agravamento do quadro. A predisposição gené-ti ca existe, mas ainda não há consenso de quais genes teriam uma maior associação;

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-Quadro clínico: mais da metade dos pacientes tem início apenas com as manifestações dermatológicas; nos demais ela é concomitante ao comprometi mento muscular e numa parcela pequena ocorre primeira-mente a miosite. Nem todos os pacientes chegam a ter alterações musculares, sendo então usada a de-nominação dermatomiosite sine miosite. As lesões se apresentam como placas eritematovioláceas com leve descamação, predominando em áreas fotoex-postas; quando elas se estabelecem ao redor dos olhos são muito característi cas e chamadas de rash heliotrópico. Também são parti culares as pequenas placas eritematosas sobre as arti culações metacar-pofalangianas, chamadas pápulas de Gott ron. Ainda nas mãos, podem ser vistas telangiectasias periun-gueais que nos dão indício de um possível compro-meti mento vascular infl amatório. Alguns pacientes apresentam nas áreas fotoexpostas as placas de poi-quilodermia: atrófi cas, eritematoacastanhadas e com telangiectasias. Raramente, podem existi r nódulos amarelados por depósito de cálcio – calcinose cutâ-nea (é mais frequente na dermatomiosite juvenil).

Figura 22 - Principais achados clínicos de dermatomiosite

O comprometi mento muscular aparece na forma de fra-queza proximal, e os pacientes se queixam de difi culdade para realizar algumas ati vidades do dia a dia, como pentear o cabelo, pendurar roupas ou levantar de cadeiras. Outros achados sistêmicos inespecífi cos podem ser queda do es-tado geral, artralgias e fenômeno de Raynaud. A disfagia é comum e provocada pelo comprometi mento da moti lidade esofágica. O processo infl amatório pulmonar é frequente-mente uma importante causa de morte. As manifestações cardíacas ocorrem por meio de arritmias por distúrbios de condução.

Figura 23 - Paciente com dermatomiosite apresentando placas eritematosas e descamação em áreas fotoexpostas: notar a cor tendendo ao violáceo

-Métodos diagnósti cos: as lesões dermatológicas ca-racterísti cas, o heliotropo e as pápulas de Gott ron, num paciente com fotossensibilidade e fraqueza mus-cular, fecham o diagnósti co de uma forma simples.

Do ponto de vista dermatológico, a biópsia com exame anatomopatológico mostra uma dermati te linfocíti ca com agressão da basal exatamente como no lúpus eritematoso.

Se houver comprometi mento muscular, haverá aumen-to de enzimas do grupo da creati nofosfatoquinase (CPK). Muitos pacientes também têm elevação do fator anti nuclear (FAN) em altos tí tulos (>1:128). A positi vidade de anti Jo-1 favorece um maior risco de comprometi mento pulmonar.

A avaliação da miosite pode ser realizada com a resso-nância magnéti ca (que se altera mesmo em fases precoces), com a eletroneuromiografi a e, em últi mo caso, com a bióp-sia muscular. Estudos da moti lidade esofágica (esofagode-glutograma com bário contrastado ou manometria) podem ser necessários em caso de disfagia.

Em pacientes maiores de 60 anos, deve ser feito um screening para neoplasia oculta, no momento do diagnós-ti co e posteriormente a cada 3 anos, direcionada a princí-pio por uma história clínica e exame fí sico completos, e, na normalidade destes, apostar nos mais frequentes para os homens (próstata, pulmão, estômago e cólon) e mulheres (mama, ovários, cólon e pulmão).

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-Diagnósti co diferencial: o principal se faz dentro do grupo das colagenoses como o lúpus eritematoso sis-têmico e a doença mista do tecido conecti vo. Lesões por farmacodermia com fotossensibilidade e os fotoe-czemas também são semelhantes. As porfi rias e a pe-lagra podem ter eritemas com fotossensibilidade, mas têm outros achados dermatológicos tí picos; -Tratamento: o principal alvo do tratamento é o con-trole da infl amação muscular, e é necessário para isso o emprego de corti costeroides sistêmicos (prednisona 1mg/kg), de preferência associados a outros imunos-supressores que vão servir para auxiliar o desmame dos esteroides (entre eles, estão metotrexato, aza-ti oprina e ciclosporina). O quadro dermatológico não costuma responder tão bem e necessita de medidas de fotoproteção ampla (protetores solares, roupas e mudanças de hábitos de exposição). O difosfato de clo-roquina (ou mais modernamente, a hidroxicloroquina) pode ter um papel importante na diminuição da fotos-sensibilidade. Os casos associados a neoplasias podem ter cura, caso seja possível, também a erradicação da malignidade.

C - Esclerodermia

Colagenose de amplo espectro clínico, variando de for-mas localizadas estritamente na pele (morfeia), passando por formas sistêmicas mais delimitadas (síndrome CREST), e terminando na forma mais agressiva com comprometi mento orgânico múlti plo, a esclerose sistêmica. Todas têm um au-mento da produção de colágeno em comum nos tecidos, le-vando a uma fi brose difusa, e eventualmente há a associação de distúrbios vasculares na pele quanto em órgãos internos. Pela grande diferença entre os 3 subti pos, iremos abordá-los separadamente para melhor compreensão didáti ca.

a) Morfeia

Também conhecida como esclerodermia cutânea loca-lizada, pois o processo de fi brose se restringe à derme e tecido subcutâneo, sem comprometi mento sistêmico asso-ciado:

-Epidemiologia: a incidência é de aproximadamente 2 a 3 casos para cada 100.000 habitantes (pode, inclusive, ser maior, pois alguns casos são tão discretos que os pacientes nem procuram atendimento dermatológi-co). Há uma divisão na faixa etária, com metade dos casos acometendo a faixa pediátrica e a outra acome-tendo os adultos. Há predominância no sexo femini-no, que não é tão marcante (3:1), sendo a igualdade maior, principalmente entre as crianças; -Fisiopatologia: é desconhecida, e acredita-se em al-gum estí mulo anti gênico que leve a uma ati vidade infl amatória autoimune, na qual um aumento na pro-dução de certas citocinas leve a um estí mulo dos fi -broblastos, culminando com a excessiva fabricação de colágeno. Alguns estudos demonstraram aumento de

IL-4 e TGF beta nas lesões de morfeia. Dentre os estí -mulos anti gênicos, já houve relatos da associação com infecções por Borrelia sp; -Quadro clínico: a forma mais comum é a morfeia em placas, sendo lesões atrófi cas, endurecidas, de cor acastanhada e de formas diversas; a profundidade de comprometi mento das lesões é variável. A área mais afetada é o tronco. No início do quadro, as lesões po-dem apresentar uma alteração da coloração ao redor da placa, tendendo a um tom violáceo (“anel lilás”). Uma forma parti cular é a linear, que acomete o couro cabeludo e a região frontal, chamada “golpe de sabre”. Há também variantes mais raras com lesões queloidais, além de paniculite (acometi mento profundo do tecido celular subcutâneo). Formas extensas e generalizadas aumentam a comorbidade do quadro, principalmente em crianças quando podem afetar o desenvolvimento osteomuscular;

Figura 24 - Morfeia: placa atrófi ca hipocrômica com borda acasta-nhada e consistência endurecida no dorso

-Métodos diagnósti cos: o diagnósti co é clínico, mas pode ser confi rmado com biópsia para exame anato-mopatológico; este mostra um processo de espessa-mento e homogeneização das fi bras de colágeno na derme, sendo a epiderme normal. Como a doença é restrita à pele, os exames laboratoriais quase nada agregam ao diagnósti co; eventualmente pode ser en-contrada eosinofi lia no hemograma e aumento da VHS. Alguns pacientes podem ter o FAN positi vo em tí tulos baixos. Todos esses achados são inespecífi cos e podem estar presentes em outras doenças reumatológicas. O principal diagnósti co diferencial é com o líquen escle-roso e atrófi co que cursa com placas no tronco (o exa-me histopatológico diferencia as 2 patologias); -Tratamento: a maioria dos casos é leve e pode ser con-trolada com medidas conservadoras, como corti coste-roides tópicos de alta potência (clobetasol e betame-

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tasona) associados ao uso de vitamina E 400UI/dia. Os casos com rápida progressão e com lesões extensas necessitam de tratamento mais agressivo com corti -costeroides sistêmicos ou outros agentes citotóxicos, entre eles o metotrexato. Alguns autores mostraram boas respostas com a fototerapia do ti po PUVA.

b) Síndrome CREST

CREST é um acrônimo para Calcinose, Raynaud, Esôfago, esclerodacti lia, Telangiectasias, sendo uma síndrome de es-clerodermia sistêmica numa forma mais indolente e locali-zada com prognósti co melhor que a sistêmica difusa.

-Epidemiologia: devido a uma difi culdade de padroni-zação da classifi cação da esclerodermia, a maioria dos estudos epidemiológicos traz dados sobre escleroder-mia sistêmica latu sensu com taxas variando de 0,3 a 2 casos para cada 100.000 habitantes; acredita-se, no entanto, que 25% desses casos sejam atribuíveis à CREST. Em termos raciais, há maior incidência e pre-valência entre os negros e algumas populações indí-genas. Também é bem mais comum em pacientes do sexo feminino com a relação de 5 casos para cada pa-ciente do sexo masculino; muitas pacientes, inclusive, têm início no pós-parto tardio. A idade de início é 3ª e 4ª décadas, mas pode acometer qualquer faixa etária (tende a ser mais precoce em negros); -Fisiopatologia: o evento inicial é seguido pela ação de um infi ltrado infl amatório mononuclear (de predomí-nio linfocitário), o que é comprovado com biópsia pre-coce em lesões iniciais de esclerodermia; essas células infl amatórias são responsáveis pela produção de cito-cinas como o TGF-beta que esti mulam os fi broblastos a produzirem colágeno de forma excessiva, ocorrendo um depósito que toma conta dos tecidos envolvidos. Ainda falta descobrir o evento inicial que provoca a ati vação das células mononucleares: há hipóteses de agentes infecciosos, químicos, hormonais e genéti cos (microquimerismos); - Quadro clínico: o evento que se manifesta primeira-mente é o fenômeno de Raynaud, consisti ndo numa disautonomia da vasculatura periférica combinada com a lesão do endotélio que promove a diminuição do lúmen vascular. Clinicamente, é trifásico, com a pa-lidez sendo a 1ª a surgir, seguida da cianose e termi-nando com o eritema (a correlação seria da vasocons-trição, seguida da estase sanguínea com dessaturação da hemoglobina e por últi mo a fase de reperfusão). Esses achados são bem visíveis nos dedos da mão, principalmente com a exposição ao frio.

Tabela 2 - Síndrome CREST

C Calcinose

R Raynaud, fenômeno

E Esofagite

S Escleroderma

T Telangiectasia

A calcinose é a deposição patológica de cálcio nos teci-dos acometi dos, do ti po distrófi ca, pois são normais os ní-veis séricos desse íon, bem como o de fósforo e de fosfatase alcalina (não há alteração do metabolismo ósseo). As lesões podem ser subclínicas ou se manifestar como nódulos que drenam um material esbranquiçado. A dor é frequente, e podem ocorrer surtos infl amatórios intermitentes.

O comprometi mento esofágico se dá na porção distal, onde predominam fi bras musculares lisas e ele culmina com o refl uxo gastroesofágico, gerando a metaplasia da mucosa (esôfago de Barrett ) como complicação, além de um risco maior de pneumonia aspirati va.

As telangiectasias são microvarizes não pulsáteis que formam lesões semelhantes a spider nevus sendo mais co-muns na face e no tronco.

A esclerodacti lia é o espessamento e endurecimento da pele dos dedos das mãos, perdendo-se as dobras e pregas e, às vezes, levando à formação de fi ssuras; alguns apresen-tam telangiectasias e hemorragias periungueais:

-Métodos diagnósti cos: alguns exames laboratoriais ajudam na investi gação da síndrome CREST:

• FAN: pode ser positi vo em até 50% dos casos, com tí tulos altos, porém não tem especifi cidade;

• Anti centrômero: é o exame mais sensível e espe-cífi co para essa forma localizada da esclerodermia;

• Anti -Scl-70: também pode ser positi vo, assim como na forma de esclerodermia sistêmica difusa;

• Manometria esofágica: para confi rmar a dismoti li-dade que se restringe ao terço distal;

• Tomografi a computadorizada: é mais sensível que o raio x para detecção de nódulos suspeitos de cal-cinose.

Os demais exames infl amatórios podem mostrar a ati -vidade da doença e são úteis no acompanhamento (por exemplo, VHS, proteína C reati va etc.):

-Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difí cil controle, é necessária uma abordagem holísti ca mul-ti disciplinar.

Das alterações, a mais resistente aos tratamentos é a calcinose, pois nem mesmo a corti coterapia sistêmica é capaz de controlar o quadro; como não há ainda uma te-rapia de escolha, pode-se tentar uma associação com bifos-fonados (alendronato) e bloqueadores de canais de cálcio (dilti azem). Também para o tratamento do fenômeno de Raynaud essa categoria de anti -hipertensivos pode fun-cionar, no entanto, são usados aqueles de longa duração, como a nifedipina; além disso, as medidas comportamen-tais que evitam a exposição ao frio e restrição do tabagismo podem ser bem efi cazes. Devem ser evitados tratamentos com beta-bloqueadores.

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O tratamento da disfunção esofágica é o mesmo uti -lizado para o refl uxo gastroesofágico com bloqueadores da bomba de prótons (omeprazol) e os pró-cinéti cos que aumentam a moti lidade gástrica e a pressão no esfí ncter (bromoprida); também aqui são válidas as medidas com-portamentais (dieta fracionada, evitar líquido nas refeições etc.). As telangiectasias podem ser tratadas com laser es-pecífi co. A esclerose pode ser controlada com os corti coi-des sistêmicos, e a prednisona é a mais uti lizada. Alguns estudos pequenos mostraram boa resposta com uso de D-penicilamina.

c) Esclerodermia difusa

Forma sistêmica progressiva com graves repercussões para o organismo e pode ser fatal quando associada a com-plicações cardiopulmonares ou renais.

-Epidemiologia: não tem uma frequência alta, com menos de 1 caso para cada 100.000 habitantes ao ano e uma prevalência de 5 a 10 casos para cada 100.000 habitantes. O acometi mento preferencial do sexo fe-minino é marcante, pois a proporção é de 4 mulheres para cada paciente masculino. Não há predileção por raças ou predomínio em alguma região geográfi ca. Pode acometer qualquer faixa etária, mas tem maior incidência nos adultos jovens e de meia-idade; -Fisiopatologia: como mencionado nos subti pos des-critos, a causa parece resultar de uma interação entre fenômenos imunológicos autoimunes e vasculares, culminando com uma superprodução de colágeno. A base para o desencadeamento da doença sistêmica é desconhecida, mas certamente tem uma parti cipa-ção genéti ca; alguns trabalhos mostraram associação a HLA-B8 e HLA-DR12. Também já houve estudos que mostraram células-tronco após o parto, o que promo-veria uma reação imunológica por meio do microqui-merismo. Fatores ambientais também já foram asso-ciados como casos desencadeados pela exposição à sí-lica, bem como alguns relatos isolados após o implante de próteses de silicone; -Quadro clínico: a forma difusa da esclerodermia sis-têmica tem uma evolução rapidamente progressiva, na qual o pródromo com manifestações inespecífi cas (fraqueza, artralgias, febre baixa) e o fenômeno de Raynaud é curto (diferente da forma localizada CREST, em que esse pródromo pode durar anos). Seguindo a fase prodrômica, já se iniciam as manifestações da esclerose que, na pele, não fi ca restrita apenas às ex-tremidades (esclerodacti lia), mas também leva a um comprometi mento central (tronco). Além disso, pro-paga-se para órgãos internos, promovendo fi brose dos sistemas gastrintesti nal, pulmonar, renal e cardíaco; a sintomatologia dependerá do grau de acometi mento interno. Outras manifestações cutâneas podem estar presentes, como telangiectasias na face e dedos das mãos, calcinose subcutânea e microstomia (lábios fi -

nos e difi culdade para abrir a boca pela esclerose). As complicações cardíacas, pulmonares e renais costu-mam levar a óbito; -Métodos diagnósti cos: a investi gação laboratorial toma o mesmo rumo que na forma CREST localizada.

• Exames de fase aguda: aumento de VHS e da prote-ína C reati va;

• Hemograma: pode cursar com anemia normocíti -ca e normocrômica (anemia de doença crônica) e eventualmente eosinofi lia leve;

• FAN positi vo, em quase 90% dos casos, sendo os padrões nucleolar, centromérico e homogêneo os mais frequentes;

• Positi vidade de Scl-70 (topoisomerase I) que tem alta especifi cidade para a forma difusa (apesar de ser positi vo em apenas 25% dos pacientes) e tam-bém indicam um pior prognósti co;

• Fator reumatoide: pode ser positi vo, mas é um achado inespecífi co.

-Diagnósti co diferencial: o único, na sua forma comple-ta é a pseudoesclerodermia que engloba várias enti da-des: fasceíte eosinofí lica, síndrome mialgia-eosinofi lia pela ingestão de triptofano, escleromixedema pelo de-pósito de mucina etc.; -Tratamento: por ser uma doença sistêmica de difí cil controle, é preciso uma abordagem holísti ca multi dis-ciplinar.

A abordagem é semelhante à da forma CREST, com uso de corti costeroides e outros imunossupressores para impe-dir a progressão da esclerose, e nos casos com comprome-ti mento de órgãos internos; podem ser substi tuídos pela ci-clofosfamida e metotrexato para evitar os efeitos colaterais do uso prolongado.

A D-penicilamina também já se mostrou efi caz em al-guns casos relatados. As manifestações vasculares são tra-tadas com bloqueadores de canais de cálcio. Na abordagem multi disciplinar, é importante o acompanhamento pulmo-nar com testes de função periódicos para detectar a fi brose e/ou a hipertensão pulmonar em fases precoces. Da mesma forma, deve-se monitorar a função renal com exames re-gulares. Fisioterapia ajuda a prevenir contraturas e permite uma melhor mobilidade nas ati vidades diárias.

d) Líquen escleroso

-Sinonímia: líquen escleroatrófi co; balanite xeróti ca obliterante; craurose vulvar. Doença infl amatória crô-nica que cursa com a atrofi a da epiderme e lesões hipocrômicas, podendo ter manifestações genitais e extragenitais; -Epidemiologia: faltam estudos epidemiológicos que apresentem números consistentes sobre a real inci-dência da doença, mas pela práti ca clínica se perce-be que não é uma doença tão rara. É mais comum em adultos jovens, e uma boa parcela pode acontecer em

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crianças. A maioria absoluta é vista em mulheres com taxas de 5 casos para cada homem afetado. Não há predileção racial, mas pode ser subdiagnosti cada em caucasianos pela discrição das lesões hipocrômicas; -Fisiopatologia: ainda é desconhecida, e sabe-se por alguns estudos que pode haver a formação de auto-anti corpos contra uma proteína da matriz extracelular. Além disso, há uma alteração na ati vidade de fi bro-blastos que promove um aumento da fi brose tecidual; alguns acreditam que o líquen escleroso seja parte de um espectro da esclerodermia. Também vale ressaltar a parti cipação de fatores hormonais, pois alguns estu-dos mostraram o desencadeamento em menopausa-das que iniciaram o uso de anti concepcionais. Também há relatos anedóti cos da associação com infecções por Borrelia mostrada por estudos imuno-histoquímicos; -Quadro clínico: normalmente, a 1ª manifestação são os sintomas localizados (vulva e pênis) que podem ser o prurido e/ou o ardor; a sintomatologia também pode ser vista nas lesões extragenitais. A manifestação cutâ-nea é iniciada por pápulas que coalescem e levam à for-mação de placa atrófi ca e hipocrômica que pode variar de poucos milímetros a vários centí metros de tamanho. As formas são bizarras e variadas. A localização nas for-mas genitais são a vulva e o introito vaginal; no pênis, localiza-se na glande e no prepúcio adjacente. Na forma extragenital, pode surgir em qualquer local, mas é mais comum no tronco e na nuca. Surpreendentemente, são raras as lesões na mucosa oral. Não há relatos do com-prometi mento sistêmico pela doença.

As lesões crônicas que venham a apresentar úlceras que não cicatrizam devem ser biopsiadas devido ao risco de transformação para o carcinoma espinocelular.

Figura 25 - Placa atrófi ca e acrômica de consistência endurecida no dorso: notar a região eritematosa no local da biópsia que con-fi rmou o diagnósti co de líquen escleroso

-Métodos diagnósti cos: o diagnósti co é eminentemen-te clínico, e não há exames de análise clínica que au-xiliem nesse processo. O exame anatomopatológico deve ser realizado em alguns casos que necessitem de diferenciação da esclerodermia localizada (morfeia), pois ambos cursam com lesões atrófi cas e acrômicas. A histopatologia evidencia uma atrofi a da epiderme alia-da a uma dermati te da interface ti po liquenoide. Outro diagnósti co diferencial principal além da morfeia e do viti ligo, mas esse não cursa com alterações da textura e relevo da pele; -Tratamento: visa principalmente controlar a progres-são da doença e dos sintomas associados, já que a re-versão completa do quadro é muito improvável. Para isso, são usados corti costeroides potentes na lesão (betametasona e clobetasol). Há opções cirúrgicas para casos com sequelas, nos quais o ato sexual fi ca prejudicado, principalmente para pacientes homens (postectomia); as lesões ulceradas devem ser investi -gadas para evitar a não percepção da transformação

maligna.

5. Doenças dos vasos e lesões ulceradasNesta parte, serão abordadas, de forma dividida, as le-

sões infl amatórias e as vasculopati as circulatórias; nesta últi ma, enquadram-se as lesões ulceradas, que têm outros fatores causais além das afecções dos vasos.

A - Vasculites

O termo “vasculite” é muito vasto e impreciso, pois nele são enquadradas diversas patologias que não têm aspectos em comum. Até mesmo em termos de classifi cação, alguns autores adotam a divisão topográfi ca (vasculite de peque-nos, médios e grandes vasos), enquanto outros preferem a ópti ca da patologia (vasculite granulomatosa, vasculite leucocitoclásti ca, vasculite linfocíti ca etc.). Em termos cutâ-neos, as vasculites podem se manifestar com diversos ti pos de lesões, uma verdadeira “torre de babel”; classicamente associa-se a lesões necrosantes e púrpuras palpáveis. Como o tema é confuso, serão abordadas as principais enti dades separadamente nesta parte.

a) Síndrome de Churg-Strauss

-Sinonímia: vasculite granulomatosa alérgica. Uma afecção sistêmica que cursa com asma, infi ltrados pul-monares transitórios, eosinofi lia e vasculite em qual-quer órgão. É uma doença dinâmica que passa por 3 fases disti ntas, o que difi culta o diagnósti co. Enquadra-se no grupo das vasculites granulomatosas afetando pequenos e médios vasos; -Epidemiologia: por ser uma doença rara e de diagnós-ti co nem sempre fácil, tem-se uma baixa incidência com alguns estudos, mostrando algo em torno de 2 a 3 casos para cada 1 milhão de habitantes. Parece haver

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um leve predomínio em homens, o que é questi ona-do por alguns autores. Pode acometer qualquer idade, mas a faixa mais acometi da é de adultos na meia idade (50 anos). Não há predileção racial; -Fisiopatologia: ainda é desconhecida, mas acredita-se em uma reação de hipersensibilidade com uma res-posta granulomatosa associada; -Quadro clínico: clinicamente, pode-se dividi-la em 3 fases que acabam se superpondo. Primeiramente, ocorrem as manifestações alérgicas com asma e rini-te; podem durar meses a anos, e o diagnósti co nessa fase é muito improvável, pois são semelhantes às rea-ções alérgicas mais comuns. Posteriormente, inicia-se a fase de hipereosinofi lia, na qual ocorrem infi ltrados, na maioria transitórios, de eosinófi los em diversos te-cidos como pulmões (lembra a síndrome de Löeffl er) e trato gastrintesti nal; paralelamente, pode haver sinto-mas de infl amação sistêmica (febre, adinamia, perda ponderal) e encontra-se eosinofi lia marcante ao he-mograma. Por últi mo, inicia-se a fase de vasculite na qual qualquer órgão pode ser acometi do, mas os mais incidentes são coração (dor precordial e arritmias), pulmões (dor pleuríti ca, tosse e dispneia), rins (glo-merulonefrite com hematúria e proteinúria) e sistema nervoso central (isquemia, neuropati as periféricas e alterações visuais). Na pele, as lesões podem simular a urti cária (sendo menos fugazes que a urti cária co-mum), e o eritema multi forme com lesões em alvo, púrpuras palpáveis e livedo reti cular; -Métodos diagnósti cos: como exames gerais iniciais, podem-se solicitar o hemograma (pode cursar com leucocitose e eosinofi lia com mais de 10%) e a veloci-dade de hemossedimentação que costuma estar bem elevada. O FAN e o fator reumatoide podem ser posi-ti vos em níveis baixos (achado inespecífi co). Deve-se avaliar a função renal e a proteinúria (creati nina, uri-na I e proteinúria de 24 horas) e monitorar o coração (eletrocardiograma). Mas o diagnósti co defi niti vo só é possível com a biópsia, sendo os locais mais realizados a pele e o tecido renal; deve-se encontrar uma vascu-lite de pequenos vasos com granulomas e eosinófi los. O diagnósti co diferencial depende da fase de acometi -mento: asma alérgica e rinite na 1ª; síndromes hipere-osinofí licas (toxocaríase, síndrome de Löeffl er etc.) na 2ª; e as vasculites na 3ª (granulomatose de Wegener, púrpura de Henoch-Schönlein etc.); -Tratamento: os doentes respondem rapidamente à insti tuição dos corti costeroides, e essas drogas redu-ziram bastante a mortalidade da doença (de 50 para menos de 20%). A droga mais usada é a prednisona, na dose de 1 a 2mg/kg, dependendo da gravidade dos sintomas; com a melhora, é possível fazer o desmame, mas costuma haver recidiva em alguns pacientes, prin-cipalmente dos sintomas respiratórios, e nesses casos devem ser manti das doses pequenas em dias alterna-

dos por períodos mais longos. No caso de não haver resposta a esse tratamento inicial, deve-se lançar mão da ciclofosfamida que também é um potente imunos-supressor. Outra opção como poupador de corti coide é o metotrexato. Recentemente, houve relatos de me-lhora com infl iximabe e etanercepte, que são inibido-res do TNF.

b) Granulomatose de Wegener

Rara vasculite multi ssistêmica, que, no entanto, com-bina principalmente o acometi mento de vias respiratórias altas e baixas com o comprometi mento renal, ambos com infl amação do ti po granulomatosa.

-Epidemiologia: tem uma incidência maior que a sín-drome de Churg-Strauss com aproximadamente 9 ca-sos para cada 1 milhão de habitantes (alguns estudos norte-americanos mostraram incidência de 30 casos por milhão). Também parece haver um leve predomí-nio nos homens com taxas de 1,5:1. É mais comum na raça branca caucasiana e rara em negros (porém nes-ses tem tratamento mais difí cil). A idade de acometi -mento varia entre 35 e 55 anos, mas pode acontecer também nos extremos (crianças e idosos);

-Fisiopatologia: desconhecida. A hipótese mais aceita é a de uma reação autoimune com formação de auto-anti corpos contra proteínas citoplasmáti cas de neutró-fi los (c-ANCA) que desencadeiam a infl amação no en-dotélio vascular. Não se comprovou nenhuma ligação genéti ca. Agentes infecciosos são implicados, pois há relatos de melhora com anti bióti cos (sulfametoxazol/trimetoprim);

-Quadro clínico: normalmente, o paciente abre o qua-dro com a infl amação de vias aéreas altas, simulando uma sinusite bacteriana; a diferença está na coriza san-guinolenta e na falta de resposta à anti bioti coterapia. Com a progressão para vias aéreas mais baixas, o pa-ciente passa a apresentar tosse, dispneia e hemopti se. Paralelamente, pode iniciar o comprometi mento renal que clinicamente se manifesta com oligúria e hematú-ria. A mononeurite multi plex que são acometi mentos isolados de alguns troncos nervosos também resultam da vasculite de pequenos vasos. Sintomas gerais de in-fl amação sistêmica também acompanham o quadro: febre, adinamia, inapetência e perda de peso. As le-sões de pele podem ocorrer em até 50% dos casos, e em 13% são as primeiras manifestações com indícios da vasculite. As lesões são variáveis e inespecífi cas: nódulos eritematosos, púrpuras palpáveis, ulcerações e outras mais; costumam predominar nos membros inferiores. Lesões mucosas são raras, porém clássi-cas: hiperplasia gengival “em forma de morango”. Pacientes com lesões cutâneas têm maior chance de acometi mento renal;

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-Métodos diagnósti cos: pode-se chegar ao diagnósti co pelos aspectos clínicos que reúnem um quadro de aco-meti mento respiratório alto e baixo com acometi men-to renal e lesões cutâneas sugesti vas de vasculite, no entanto, nem sempre todos os sinais e sintomas estão presentes. Nesses casos, a confi rmação pode ser dada pelo c-ANCA, um exame com sensibilidade e especi-fi cidade por volta de 90%; o p-ANCA pode ser positi -vo a uma menor proporção (25%). Os exames gerais mostram um processo infl amatório crônico: leucoci-tose no hemograma, aumento de VHS e de proteína C reati va, anemia de doença crônica etc. A avaliação renal pela creati nina e pela urina I também é impor-tante no acompanhamento dos doentes. Infi ltrados pulmonares inespecífi cos podem representar a infl a-mação granulomatosa no parênquima desse órgão. Muitos autores consideram que o diagnósti co só vem com a biópsia e o exame anatomopatológico; no caso da pele, o exame é inespecífi co (mostra uma vasculite leucocitoclásti ca); exame de tecido renal e pulmonar tem maior signifi cância para o diagnósti co;

-Tratamento: deve ser agressivo nos casos com acome-ti mento pulmonar e/ou renal, pois esses são potencial-mente fatais. São igualmente efi cazes a prednisona na dose de 1mg/kg e a ciclofosfamida, esta manti da por mais tempo enquanto o 1º é diminuído. Azati oprina e metotrexato também são opções como poupadores de corti coide. Há relatos anedóti cos de melhora com sulfametoxazol/trimetoprim. Mais recentemente, os casos resistentes foram tratados com infl iximabe e ti -veram boa resposta. São preditores de resistência ao tratamento: raça negra, sexo feminino, acometi mento renal severo. Com o advento da terapia imunossupres-sora, as mortes por complicações diminuíram consi-deravelmente, e, hoje, a principal causa de óbito é a iatrogenia (complicações pelas medicações imunossu-pressoras).

c) Púrpura de Henoch-Schönlein

Sinonímia: púrpura anafi lactoide. Vasculite leucoci-toclásti ca mediada por IgA que acomete principalmente crianças e que combina manifestações de 3 sistemas: pele, renal e digesti vo.

-Epidemiologia: como a maioria das vasculites, não é tão frequente e estudos norte-americanos mostraram taxas de 20 casos para cada 100.000 habitantes. É bem mais frequente em crianças, sendo o pico por volta de 6 anos (de 4 a 11), entretanto, pode acometer qual-quer idade; há uma predominância no sexo masculino com a relação de 2:1. Os surtos são mais frequentes na primavera. Não há estudos que comprovem alguma predileção racial;

-Fisiopatologia: como há envolvimento com IgA, acre-dita-se que o evento inicial seja desencadeado em mucosas; as hipóteses formuladas tratam de agentes

infecciosos, pois alguns estudos mostraram uma inci-dência de quase 70% de infecções respiratórias altas prévias (principalmente estreptocócicas do ti po beta--hemolíti co). No entanto, não se podem descartar me-dicações usadas para tratar esses pacientes (anti -infl a-matórios, anti bióti cos, anti piréti cos etc.). Seja qual o agente desencadeante, leva a um depósito de IgA que pode ser encontrado nos vasos da pele ou rins, respon-sável pelo desencadeamento do processo infl amatório com a parti cipação de neutrófi los que leva à leucocito-clasia (necrose da parede do vaso deixando restos de debris de poeira nuclear);

Figura 26 - Imunofl uorescência: púrpura de Henoch-Schönlein (de-pósito de IgA na parede dos vasos dérmicos)

-Quadro clínico: clinicamente, os pacientes têm, como manifestação inicial, a presença de lesões purpúricas palpáveis, e algumas evoluem com necrose central, deixando crostas hemáti cas encimadas; costumam aparecer em surtos de lesões semelhantes, entre si, que demoram a cicatrizar, deixando o quadro poli-mórfi co às vezes, já as lesões podem estar em estágios diferentes. Podem surgir em qualquer região, mas o grande predomínio é em membros inferiores. Aliado ao quadro cutâneo, o paciente costuma relatar artral-gias inespecífi cas, dores abdominais e escurecimento da urina. Isso porque o quadro infl amatório vascular pode acometer o trato digesti vo (levando à necrose das vísceras com eventual perfuração e/ou hemorragia digesti va) e o sistema renal (levando a uma síndrome nefríti ca devido à glomerulonefrite por IgA); -Métodos diagnósti cos: nos exames gerais, pode estar alterado o hemograma (com leucocitose e neutrofi lia), pode haver aumento de VHS e proteína C reati va. A urina I mostra hematúria e proteinúria, sendo a últi -ma melhor quanti fi cada pela urina de 24 horas. É im-portante monitorar a função renal por meio da ureia e creati nina. O ASLO pode estar positi vo em 50% dos ca-sos. Nos casos graves com proteinúria maior de 3,5g/dia, deve-se realizar a biópsia renal, e o tecido pode servir para a imunofl uorescência direta que mostrará

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o depósito de IgA. O mesmo pode ser realizado nas lesões de pele em que o mesmo depósito pode ser encontrado; além disso, o exame anatomopatológico mostra a necrose fi brinoide da parede dos vasos e a leucocitoclasia. O diagnósti co diferencial inclui toda a gama das vasculites de pequenos e médios vasos com comprometi mento sistêmico; -Tratamento: a maioria dos pacientes tem uma doença benigna e autolimitada, sendo os sintomas leves tra-tados com anti -infl amatórios e analgésicos. A grande preocupação está nos casos que têm um grave com-prometi mento renal e nesses devemos usar corti cos-teroides e outros imunossupressores (ciclofosfamida e azati oprina) para evitar a falência renal aguda (impor-tante causa de morte) ou crônica devido às sequelas deixadas pela doença.

d) Vasculites de hipersensibilidade

Sinonímia: vasculite alérgica ou de hipersensibilida-de. Engloba todas as reações alérgicas do ti po III de Gell e Coombs nas quais imunocomplexos são formados e se depositam nas paredes dos capilares e vênulas, levando ao processo infl amatório que culmina com a vasculite leucoci-toclásti ca; de certa forma, a púrpura de Henoch-Schönlein tem essa mesma fi siopatologia, porém é vista por muitos autores como uma enti dade separada devido às diversas parti cularidades clínicas.

-Epidemiologia: devido às inúmeras associações cau-sais, acaba sendo uma enti dade relati vamente fre-quente, englobando aí casos restritos à pele e com ma-nifestações sistêmicas. Não existem estudos concretos que mostrem sua real incidência. Sabe-se que não há predileção por sexo e pode acometer desde crianças (quando está associada comumente a infecções) até idosos (nestes, devido à gama de interações medica-mentosas);

-Fisiopatologia: são diversos os agentes causais já im-plicados – infecções virais (hepati tes B e C, herpes, ci-tomegalovírus etc.), bacterianas (estreptococos, mico-bactérias etc.), fungos, antí genos tumorais (linfomas, mielomas etc.), doenças autoimunes (lúpus, artrite reumatoide, dermatomiosite, doenças infl amatórias intesti nais), drogas (anti -infl amatórios, anti bióti cos, fenitoína, inibidores da ECA) e alimentos (corantes, conservantes). Esses desencadeadores promovem a formação de complexos antí geno-anti corpo que depo-sitarão ao nível subendotelial da parede dos microva-sos; aí se inicia toda a cadeia infl amatória que culmina com a necrose da parede vascular do ti po leucocito-clásti ca, mediada principalmente por neutrófi los, mas com a parti cipação de linfócitos e mastócitos, depen-dendo do evento desencadeante. No entanto, cerca de 30 a 50% dos pacientes não têm nenhuma causa es-pecífi ca (assim, são enquadrados como manifestação idiopáti ca);

-Quadro clínico: a presença de lesões purpúricas palpá-veis é, sem dúvida, a maior e mais característi ca ma-nifestação cutânea. Costumam vir aliadas a lesões pa-pulosas, nodulares e necróti cas, o que caracteriza um quadro polimórfi co. Podem surgir em qualquer região de forma simétrica, porém o predomínio é nos mem-bros inferiores. Muitos pacientes podem ter o quadro restrito à pele, porém são possíveis manifestações sis-têmicas (arti culares, digesti vas, renais e respiratórias) e também as manifestações da doença de base quan-do houver. O teste de Rumpel-Leed é positi vo;

Figura 27 - Paciente em uso de anti -infl amatório que apresentou erupção com púrpuras palpáveis e áreas de necrose nas pernas além de comprometi mento renal (vasculite de hipersensibilidade)

Figura 28 - Úlcera extensa de longa data em paciente com insu-fi ciência venosa: ampliação de uma tumoração com suspeita de transformação maligna

-Métodos diagnósti cos: de acordo com a história clí-nica, devem-se criteriosamente solicitar os exames gerais; solicitações sem fundamento e “às escuras” não levam à elucidação diagnósti ca. Os objeti vos são encontrar alterações sistêmicas e tentar descobrir a causa de base. Pode haver alterações inespecífi cas no

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hemograma, urina I e bioquímica (principalmente a função renal). Dos exames sorológicos, o mais relevan-te seria o FAN, para descartar doenças reumatológicas. A eletroforese de proteínas também é importante para descartar gamopati as. Atenção deve ser dada à possi-bilidade de hemorragias do trato digesti vo. A biópsia das lesões de pele mostra a necrose fi brinoide da pa-rede dos vasos e a leucocitoclasia. O diagnósti co dife-rencial inclui todas as vasculites de pequenos vasos já abordadas. Outros diferenciais são quadros embólicos (sépti cos, colesterol), amiloidose sistêmica e púrpuras hemorrágicas; -Tratamento: sem dúvida, o mais importante é desco-brir a causa de base e tratá-la, o que por si só leva à re-solução do quadro cutâneo. Os casos em que acontece comprometi mento sistêmico podem necessitar de cor-ti coides orais, o que pode, por outro lado, difi cultar o encontro da doença de base. Na medida do possível, devem-se evitá-los. A colchicina teve boa resposta em alguns estudos isolados. Outros imunossupressores (azati oprina, ciclofosfamida) podem ser usados nos ca-sos recorrentes idiopáti cos. Medicações sintomáti cas e medidas, como meias elásti cas e elevação das per-nas, são úteis.

B - Lesões ulceradas

Também é outro subgrupo de doenças em que o diag-nósti co é uma verdadeira “caixa de pandora”, pois são di-versas as eti ologias, variando desde lesões vasculares, pas-sando por úlceras de origem infl amatória/infecciosa e cul-minando com os carcinomas cutâneos. A abordagem clínica holísti ca, tentando enquadrar a úlcera no contexto geral do paciente, dirige ao diagnósti co correto. Os casos arrastados e inconclusivos, que geralmente não respondem aos diver-sos tratamentos empregados, muitas vezes terminam em biópsia, que acaba levando à elucidação do quadro. A se-guir, serão abordadas as principais síndromes ulcerosas não neoplásicas.

a) Úlcera venosa crônica

A úlcera venosa é o resultado de um processo infl ama-tório crônico causado pela hipertensão no sistema venoso dos membros inferiores, que por sua vez resulta em altera-ções cutâneas chamada dermatoesclerose, esta caracteri-zada por edema, endurecimento e escurecimento do terço inferior das pernas.

-Epidemiologia: a incidência da insufi ciência venosa com a formação de varizes é bem alta, chegando a 60% da população em alguns estudos; felizmente ape-nas uma pequena parcela chega a desenvolver a úlce-ra, 0,007% dos pacientes (700/100.000 habitantes). Mesmo assim, devido à morbidade do quadro, esses números são representati vos para a sociedade como um todo. A prevalência do problema aumenta com a idade e é de 2 a 3 vezes mais frequente nas mulheres.

Também é maior a frequência em países desenvolvi-dos industrializados devido ao esti lo de vida sedentá-rio. Não há predileção racial comprovada por estudos; -Fisiopatologia: com a hipertensão venosa, ocorre o extravasamento de proteínas (albumina, fi brinogênio etc.) e elementos celulares (hemácias) que acabam se depositando na derme e desencadeando fenômenos infl amatórios. Além disso, a estase venosa diminui o clearance de subprodutos do metabolismo celular, o que, de certa forma, prejudica o processo normal de cicatrização. No caso das úlceras venosas o problema de retorno está concentrado mais no plexo superfi cial (somente uma minoria acaba sendo relacionada com trombose venosa profunda e/ou insufi ciência valvar); -Quadro clínico: as manifestações iniciais são da derma-ti te de estase que reúne alguns achados: edema, placas eritematosas com ou sem exsudação, dermatoesclerose (fi brose logo acima do tornozelo e que dá um aspecto de estrangulamento do membro) e a dermati te ocre (man-chas acastanhadas pela deposição de hemossiderina). Normalmente, essa é a base para o desenvolvimento da úlcera que geralmente se inicia após um trauma/ferimen-to que não sofre uma cicatrização normal. A lesão ulce-rada deve ter as bordas bem defi nidas, porém não ele-vadas, o fundo granuloso, de cor hemorrágica (pode ter, às vezes, camadas de fi brina com coloração amarelada), o tamanho é variável de poucos a vários centí metros (as menores tendem a ser mais dolorosas). A localização me-dial é muito favorável à origem venosa. Quanto às com-plicações, as mais frequentes são a infecção secundária (o fundo apresenta-se mais purulento e a borda mais eri-tematosa) e a malignização, evento que recebe o nome de úlcera de Marjolin. Alguns autores relatam aspectos clínicos a favor da transformação de uma úlcera venosa em um carcinoma (normalmente, espinocelular):

• Granulação anormal no fundo da úlcera; • Áreas de crescimento com aspecto de tumoração

na lesão; • Dor fora do comum para uma lesão grande; • Sangramento sem um evento traumáti co.

Figura 29 - Úlcera venosa crônica extensa, com fundo fi brinoso e bordas irregulares no MIE

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Figura 30 - Úlcera venosa crônica extensa, com fundo fi brinoso e bordas irregulares

-Métodos diagnósti cos: clinicamente, a presença de uma úlcera crônica, principalmente quando medial, sobre uma base de dermati te de estase, leva ao diag-nósti co sem grandes problemas. Alguns casos duvido-sos merecem um estudo ultrassonográfi co do sistema venoso profundo (dopplerfl uxometria), que também pode ser úti l no planejamento do tratamento cirúr-gico. Casos suspeitos de carcinoma merecem inves-ti gação invasiva com exame anatomopatológico (de preferência com biópsias múlti plas em pelo menos 5 pontos). Nos exames gerais, é importante descartar diabetes mellitus e avaliar o estado nutricional do pa-ciente: hemoglobina, proteínas totais e frações (para aferir a albumina).

Lesão ulcerada

Infecciosa

Crônica

Aguda

Vascular

Inflamatória

Ectima

Embolia arterial

PLECT

Arterial

Venosa

Pioderma gangrenoso

Figura 31 - Lesões ulceradas

O diagnósti co diferencial é feito com úlceras arteriais, úlceras neuropáti cas, pioderma gangrenoso, úlceras de ori-gem infecciosa, carcinomas basocelular e espinocelular.

-Tratamento: do ponto de vista clínico, os cuidados com as feridas são feitos com lavagens frequentes com soro fi siológico e manutenção de curati vos oclusivos (fi lmes de celulose, de poliuretano etc.) para que a umidade permita uma melhor cicatrização. Atenção deve ser dada à infecção secundária que pode ser tra-tada com anti bióti cos tópicos (como sulfadiazina de

prata) ou sistêmicos (beta-lactâmicos). O tratamento cirúrgico pode ser relati vo à correção das varizes e às úlceras, com cuidados locais (debridamento de tecidos desvitalizados) e enxerti a das lesões que difi cultam o fechamento. O debridamento químico também é uma opção em casos mais leves e pode ser feito com po-madas que contenham enzimas, como a colagenase. Mesmo sem estudos baseados em evidência, sabe-se pela práti ca clínica que o melhor tratamento é o uso da bota de Unna, um enfaixamento no qual a atadu-ra é embebida em uma pasta líquida aquecida e que com o resfriamento acaba endurecendo (semelhante ao processo de gesso na ortopedia) e melhora o retor-no venoso pela compressão que ela oferece; é um mé-todo oclusivo que não pode ser realizado em úlceras infectadas e nas arteriais.

b) Úlceras de insufi ciência arterial

As úlceras por insufi ciência arterial surgem pelo desen-volvimento da aterosclerose, portanto estão associadas aos fatores de risco classicamente conhecidos (hipertensão, ta-bagismo, diabetes etc.). Sua importância reside no fato de elas serem um sinal de comprometi mento arterial difuso, incluindo aí órgãos nobres como o coração, o sistema ner-voso central e os rins. Podem vir acompanhada de mani-festações mais agudas associadas a fenômenos embólicos da placa de ateroma e que em geral são mais catastrófi cas, podendo levar à perda de um membro.

-Epidemiologia: a aterosclerose é uma doença frequen-te, podendo ati ngir boa parcela da população, entre-tanto, a manifestação cutânea dessa disfunção arterial não é tão comum e está relacionada à insufi ciência arterial periférica que pode ocorrer em até 10% dos pacientes com aterosclerose. A incidência maior se dá após a meia-idade e é mais vista em homens. O me-canismo de formação da placa de ateroma está além do nosso foco dermatológico; vale citar, aqui, como co-adjuvantes na eti opatogenia das manifestações cutâ-neas, os fenômenos embólicos a parti r da placa que provocam pequenas áreas de infarto e necrose da pele (lesão ulcerada); além disso, há também a alteração da microvasculatura com obstrução luminal de vênulas e arteríolas (principalmente em diabéti cos); -Fisiopatologia: sem dúvida, o maior fator de risco é o diabetes mellitus, seguido do tabagismo, e obviamen-te é pior quando ambos estão associados; as dislipide-mias, a hipertensão arterial, o estresse e o sedentaris-mo também têm uma parcela de contribuição; -Quadro clínico: clinicamente, o paciente tem histó-ria de dor à deambulação e que melhora ao repouso – quadro denominado claudicação intermitente. Ao exame fí sico, os pulsos estão diminuídos nos territó-rios irrigados por artérias com o lúmen reduzido. Ao exame dermatológico, a pele apresenta-se fria, pálida e às vezes cianóti ca. Nos pacientes diabéti cos com mi-

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croangiopati as, pode haver placas eritematosas que se assemelham aos eczemas e à erisipela. Com relação às úlceras, podem surgir por 2 meios:

• Lesões agudas: provenientes de embolias das pla-cas ateromatosas que leva a um infarto agudo de um segmento da pele; clinicamente, iniciam-se como um nódulo ou placa de consistência mais en-durecida e dolorida à palpação; com a piora da is-quemia, ocorre a necrose com formação da úlcera no centro da lesão inicial;

• Lesões crônicas: mais relacionadas com a micro-angiopati a, têm surgimento desencadeado por trauma ou infecção levando a uma úlcera rasa, de bordas duras e fundo limpo, além de muito dolori-da ao toque; predomina no maléolo lateral, e a sin-tomatologia é aliviada com o membro manti do na posição ortostáti ca (pé para baixo).

Figura 32 - Úlcera de insufi ciência arterial: úlcera com necrose cen-tral, bordas irregulares e halo eritematoso perilesional

-Métodos diagnósti cos: os exames gerais são solicita-dos para controle dos fatores de risco como o diabe-tes e a dislipidemia. Exames de imagem não invasivos (ultrassom com dopplerfl uxometria) são solicitados inicialmente para averiguar o fl uxo arterial; se forem necessários exames mais aprofundados, a arteriogra-fi a é o padrão-ouro e pode inclusive auxiliar no plane-jamento cirúrgico (bypass). A biópsia para exame ana-tomopatológico não é indicada, pois apresenta apenas achados inespecífi cos; -Tratamento: a higiene adequada e os cuidados locais são importantes para evitar a infecção das úlceras. Deve ser adotada a práti ca de exercícios que aumenta a circulação colateral e também encorajar os pacien-tes para que abandonem o tabagismo. Evitar curati vos compressivos como a bota de Unna, pois diminuem a irrigação arterial. Medicações como a pentoxifi lina têm propriedades reológicas (diminui a viscosidade do sangue) que aumentam o fl uxo local. A melhora com-

pleta só é obti da após restabelecer o fl uxo normal com a cirurgia vascular.

c) Úlceras infecciosas

Nesta parte, serão abordadas lesões crônicas causadas por micro-organismos, muitos dos quais já foram vistos em outros capítulos (por exemplo, leishmaniose e esporotri-cose), logo merecem considerações especiais o ecti ma e a tuberculose.

I - Ecti ma

São ulcerações cutâneas causadas por bactérias haven-do 2 subti pos, o ecti ma clássico e o ecti ma gangrenoso; am-bos podem ter evolução rápida e devastadora em alguns casos, levando inclusive a amputações das áreas ati ngidas.

a) Ecti ma simples

É a apresentação clássica mais comum e, na verdade, representa a evolução de um impeti go que acaba se apro-fundando mais na derme e gerando a lesão ulcerada.

-Epidemiologia: estudos epidemiológicos sobre o tema são raros, e fi ca difí cil esti mar sua incidência precisa-mente. Sabe-se que é mais comum em crianças e ido-sos (como as demais piodermites) e não tem predile-ção por sexo ou raça; -Fisiopatologia: o agente implicado é o estreptococo beta-hemolíti co do grupo A, e o quadro inicial é um impeti go simples, que com a evolução passa por um aprofundamento em direção às camadas mais pro-fundas da pele, o que caracteriza uma ulceração; os fatores predisponentes para essa forma mais invasiva podem ser por parte do hospedeiro (que não é capaz de conter o avanço da colônia de bactérias) ou por ce-pas mais virulentas com enzimas proteolíti cas mais efi -cazes. Uma história de trauma prévio ou de estado de imunossupressão pode estar presente; -Quadro clínico: o início se dá com uma pequena pápu-la de impeti go que aumenta em extensão e profun-didade, gerando a úlcera que pode chegar a 4cm de tamanho. O fundo pode ser purulento ou com crostas melicéricas e a borda, eritematosa com sinais fl ogísti -cos. Adenopati a satélite é frequente. A dor na lesão costuma ser o sintoma associado. A resolução da lesão costuma deixar cicatrizes permanentes. Raramente, são vistos sintomas sistêmicos. As complicações locais como celulite, osteomielite e amputação são mais co-muns em imunossuprimidos e diabéti cos. Outra com-plicação frequente é a glomerulonefrite pós-estrepto-cócica; -Métodos diagnósti cos: a suspeita clínica pode ser confi rmada com a cultura e o Gram da lesão, e ambas devem mostrar o agente eti ológico (Streptococcus). A biópsia para exame anatomopatológico raramente é necessária, e seus achados são inespecífi cos (necrose

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na derme com infi ltrado neutrofí lico). O diagnósti co diferencial se faz principalmente com o pioderma gan-grenoso, sendo esse um diagnósti co de exclusão após a investi gação bacteriológica da lesão. Outras lesões ulceradas costumam ter evolução mais arrastada e também tem exames anatomopatológicos mais carac-terísti cos; -Tratamento: a resposta à anti bioti coterapia é rápi-da, sendo frequentemente empregada na forma oral (amoxIcilina ou cefalexina) com cobertura para cocos Gram positi vos. A associação com pomadas anti bióti -cas pode acelerar o processo de cura. É importante a remoção genti l de crostas e tecidos desvitalizados que são potenciais focos de infecção. A duração do trata-mento é longa (21 dias).

b) Ecti ma gangrenoso

Infecção cutânea incomum causada pela Pseudomonas aeruginosa, associada a estados de imunossupressão que permitem bacteremia do agente (êmbolos sépti cos).

-Epidemiologia: pode acometer pacientes de ambos os sexos e de qualquer idade; dentre aqueles com sepse por pseudomonas, ocorre em aproximadamente 10% dos casos; -Fisiopatologia: pacientes com um foco endógeno por Pseudomonas aeruginosa (normalmente respiratório ou urinário) e que são imunocomprometi dos evoluem frequentemente para sepse e êmbolos de colônias bac-terianas que na microvasculatura levam à obstrução e necrose tecidual, aumentando ainda mais a chance de infecção local pelo próprio agente embolizado. Outras bactérias e fungos podem causar quadros de ecti ma gangrenoso-like. Raramente, essas lesões surgem em pacientes que não apresentam bacteremia; -Quadro clínico: as lesões iniciais são pequenas pústu-las que rapidamente evoluem para bolhas hemorrági-cas e estas para necrose e ulcerações com eritema da borda. Os locais mais frequentes são na região perine-al e nas extremidades, mas podem surgir em qualquer local. As lesões que surgem por embolia sépti ca, mas sem franca bacteremia e sepse, têm a mesma apresen-tação; -Métodos diagnósti cos: o diagnósti co pela bacterio-logia pode ser feito a parti r do fl uido da bolha ou de amostra tecidual, sendo indicados o exame com Gram e a cultura; a biópsia para exame anatomopatológico também pode ser úti l, na qual se encontra uma vas-culite associada à presença de bacilos adjacentes. A hemocultura pode ser positi va em muitos casos; -Tratamento: por ser doença de rápida evolução, re-quer um diagnósti co precoce para que seja iniciada a anti bioti coterapia rapidamente. Os índices de mortali-dade chegam quase a 18% nos casos sem bacteremia franca e de 20 a 90% nos casos com sepse (há grande variação entre os estudos). A melhor cobertura é feita

com cefalosporinas de 3ª e 4ª gerações associadas a aminoglicosídeos (ceft azidima e gentamicina) e com fl uoroquinolonas como ciprofl oxacino. Alguns casos requerem abordagem cirúrgica para debridamento de tecidos necróti cos.

II - Tuberculose

Enfermidade milenar classicamente conhecida pelo comprometi mento pulmonar, mas que pode ati ngir a pele diretamente ou por disseminação de um foco sistêmico. Entre as diversas manifestações clínicas da tuberculose cutânea, abordaremos aqui aspectos da apresentação ul-cerati va.

-Epidemiologia: mesmo sendo a tuberculose uma do-ença frequente, principalmente em países subdesen-volvidos, a forma cutânea é mais rara, corresponden-do a 0,1% dos casos. No entanto, a incidência teve um aumento considerável a parti r da década de 80, com o surgimento da AIDS. Além disso, a migração indiscri-minada levou esse mal aos países desenvolvidos. Pode surgir em qualquer idade, mas a ocorrência maior é em adultos jovens (20 a 30 anos). Há relatos de uma leve predominância no sexo masculino. Estudos que mostram alguma preferência racial devem, na verda-de, correlacionar esse achado a aspectos socioeconô-micos; -Fisiopatologia: o Mycobacterium tuberculosis é um micro-organismo aeróbio, intracelular facultati vo, e envolto por uma parede celular responsável pela co-loração do ti po BAAR. O contágio é por via aérea com perdigotos de doentes ati vos; assim, como contato inicial, a maioria dos pacientes que têm a forma cutâ-nea da tuberculose o faz após a reati vação de um foco pulmonar; nesse caso o paciente já foi capaz de desen-volver uma resposta imunológica, tendo controlado o foco primário no pulmão (complexo de Ghon). Lesões primárias extrapulmonares são possíveis, mas raras. As lesões ulceradas também têm origem a parti r de um foco interno – linfonodo ou osso comumente; -Quadro clínico: as lesões ganglionares ou ósseas ten-dem a fi stulizar levando a uma lesão ulcerada da qual drena abundante material purulento rico em bacilos, quadro conhecido como escrofuloderma. Após esse evento supurati vo inicial, as lesões assumem o aspecto ulcerado, com bordas delimitadas e fundo granuloso. Resoluções espontâneas são possíveis, porém somen-te após meses de evolução e frequentemente resultam em cicatrizes inestéti cas. Essas lesões ulceradas tam-bém são comuns na apresentação periorifi cial de mu-cosas ou pele adjacente nos genitais ou cavidade oral. Outra forma que pode se manifestar com ulceração é o lúpus vulgar, uma variante que surge em indivíduos PPD reatores e que se inicia com placas infi ltradas que lembram as doenças granulomatosas; as placas, com a evolução, podem apresentar áreas de ulceração;

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-Métodos diagnósticos: dependem da bacteriologia com o encontro direto do bacilo em secreção das lesões ou na cultura. A biópsia mostra um padrão granulomatoso do tipo caseoso (rico em neutrófilos e com necrose caseoide). É importante encontrar o foco primário, e aí se deve lançar mão de exames de imagem (radiografia ou tomografia de pulmões, ossos e partes moles). O teste tuberculínico PPD também é fundamental, pois nessa apresentação de escrofuloderma e ulcerações os pacientes são fato-res reatores; -Tratamento: o mesmo esquema para tuberculose pul-monar é efi caz nas formas extrapulmonares: pirazina-mida, isoniazida e rifampicina, por 6 meses. A pirazina-mida é usada apenas nos primeiros 2 meses.

Pioderma gangrenoso

Doença infl amatória cutânea que costuma se manifestar com úlceras necróti cas e que vem associada a outras enfer-midades sistêmicas em até 50% dos casos. Como a eti ologia é desconhecida, os pacientes tendem a ter quadros crôni-cos e recorrentes, mas que felizmente são de bom prognós-ti co no que tange à morbidade e mortalidade.

-Epidemiologia: é doença relati vamente rara com 1 caso para cada 100.000 habitantes. Não tem predile-ção por sexo ou raça e pode acometer qualquer faixa etária;

-Fisiopatologia: é desconhecida, mas se postula um provável mecanismo autoimune com parti cipação de neutrófi los, já que é muito associado a outras doenças autoimunes, como colagenoses e doenças infl amató-rias intesti nais (doença de Crohn e retocolite ulcera-ti va). As associações são múlti plas: vasculites sistêmi-cas, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, gamopati as monoclonais, linfomas, leucemias, sarcoi-dose, hepati te C, e as já citadas doenças intesti nais. Um dos aspectos intrigantes é o fenômeno da pater-gia, que consiste no surgimento da lesão em áreas em que houve um trauma da pele;

-Quadro clínico: normalmente, a lesão inicial é descri-ta pelos pacientes como uma picada ou um furúncu-lo, pois é uma pápula ou pústula que com a evolução gera a úlcera; esta tem a borda característi ca, irregular, porém bem defi nida, de cor violácea e com uma ele-vação do leito (borda subminada). Os locais acometi -dos mais comumente são os membros inferiores, mas é possível em qualquer localização; há casos em que ele se desenvolve adjacente a estomas (colostomia, gastrostomia etc.) e é confundido com infecção secun-dária. Na realidade, qualquer procedimento cirúrgico pode ser desastroso nesses pacientes, pois o pioderma pode acontecer na própria cicatriz cirúrgica. Sintomas sistêmicos como febre, indisposição e artralgias são frequentes;

Figura 33 - Pioderma gangrenoso: úlceras nos membros inferiores com borda subminada

-Métodos diagnósti cos: o diagnósti co é prati camente de exclusão, pois se devem descartar primeiramente outras causas primárias de úlceras cutâneas. Para isso, deve-se atentar-se a sinais de insufi ciência venosa ou arterial, lesões sugesti vas de eti ologias infecciosas e neoplasias. Muitas vezes, é necessária a realização da biópsia para exame anatomopatológico, sendo esta totalmente inespecífi ca (característi ca de uma úlcera necróti ca com infi ltrado de neutrófi los maciço), mas úti l porque ajuda a descartar as demais causas. Uma vez ati ngido o diagnósti co de pioderma gangrenoso, devem-se concentrar os esforços para encontrar uma provável doença sistêmica. Uma história completa, principalmente com interrogatório sobre os sistemas digesti vo e arti cular, é fundamental. Os exames gerais devem ser guiados por essa história, entretanto alguns são necessários de imediato: hemograma, proteínas totais e frações, sorologia, hepati tes B e C, cultura para bactérias, micobactérias e fungos de fragmento da le-são, raio x de tórax e pesquisa de sangue oculto nas fezes (se alterado, considerar colonoscopia); -Tratamento: não há uma terapia de escolha para o tra-tamento do pioderma gangrenoso. Nos casos associa-dos a alguma doença de base, é o tratamento desta que pode trazer a resolução do quadro. Alguns autores preconizam o uso de imunossupressores, sendo o de melhor resposta a ciclosporina; outros também são citados: prednisona, metotrexato, azati oprina, talido-mida, micofenolato de mofeti la. Cuidados locais com a ferida para evitar infecções secundárias são impor-tantes. Deve-se evitar qualquer ti po de abordagem cirúrgica nessas úlceras pelo fenômeno da patergia. Casos mais graves podem realizar pulsoterapia com meti lprednisolona e ciclofosfamida e sessões na câma-ra hiperbárica.

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6. Farmacodermias (latu sensu)

A - Introdução

As erupções por drogas também representam uma enor-me difi culdade diagnósti ca para o dermatologista, pois a variedade nos ti pos de lesões cutâneas é muito grande, po-dendo ser encontradas lesões de prati camente toda a gama propedêuti ca: urti cariformes, eczematosas, rash macular, bolhosas, liquenoides, pustulosas e outras. Além disso, nem sempre se pode identi fi car a medicação responsável pelo quadro, apesar de esse ser o desejo de outros colegas quando pedem uma interconsulta ao dermatologista. Isso representa um obstáculo no tratamento de muitos pacien-tes, pois há um dilema entre conti nuar com a medicação, muitas vezes imprescindível, e correr o risco de desenvolver um quadro reacional potencialmente grave. As síndromes mais graves serão abordadas separadamente. As urti cárias também se enquadram nesse bloco, apesar de sua eti ologia ser multi fatorial (uma boa parcela é medicamentosa).

B - Epidemiologia

As farmacodermias são eventos muito frequentes e po-dem ocorrer em até 1% dos pacientes tratados em consul-tório; esse número pode aumentar para 5% quando se con-sideram internados em enfermarias. Felizmente, o número de casos fatais é bem menor (0,1%). Os idosos são a popula-ção mais ati ngida, pois estão mais expostos (usam mais me-dicações); também pacientes do sexo feminino apresentam maior incidência de reações cutâneas a drogas.

C - Fisiopatologia

Deve-se separar o mecanismo de desencadeamento em 2 grupos principais:

a) Não imunológicos

- Intolerância: aparecimento de sintomas de toxicidade da droga em doses que normalmente não seriam tóxi-cas. É considerada uma alteração quanti tati va e pode depender de susceti bilidade individual (como defi cien-tes em certas enzimas para o metabolismo da droga). Exemplo: dapsona em indivíduos com defi ciência de G6PD; - Idiossincrasia: efeitos inesperados e diversos da ação farmacológica da droga; é considerada qualitati va e im-previsível (pode ser na 1ª exposição). Exemplo: rash de paciente com mononucleose que ingeriu ampicilina; -Superdosagem: quando a dose da medicação ultra-passa o limite de tolerância orgânica, tornando-se tóxica ao organismo. Exemplo: intoxicação por vários comprimidos de acetaminofeno; -Efeito colateral: surge pela ação farmacológica normal da droga, mas sendo ações secundárias na terapêuti ca da droga. Exemplo: sonolência dos anti -histamínicos;

- Interação medicamentosa: quando diferentes drogas são administradas conjuntamente, interferindo nas ações farmacológicas de cada uma, de forma negati va (antagonismo) ou positi va (sinergismo); -Distúrbio ecológico: alteração da fl ora normal de micro-organismos, podendo ocorrer um biotropismo (favorecimento para o desenvolvimento de outros micro-organismos). Exemplo: candidose com uso de anti bióti cos de amplo espectro; -Reação de Jarisch-Herxheimer: quando o uso de anti bi-óti cos promove a morte de micro-organismos com libe-ração de antí genos circulantes; normalmente, cursa com sintomas sistêmicos (adenomegalia generalizada, febre, cefaleia, mal-estar geral) e exacerbação de lesões já exis-tentes. Exemplo: tratamento da sífi lis com penicilina; -Degranulação de histamina: por drogas que o fazem diretamente por ati vação dos mastócitos. Exemplos: contrastes iodados e derivados da morfi na.

b) Imunológicos

São 4 subti pos que se enquadram na classifi cação de Gell & Coombs:

-Reação ti po I: a hipersensibilidade imediata depen-dente de IgE negati vo. Exemplo: alergia à penicilina; -Reação ti po II: envolve mecanismo celular citotóxico com ati vação do complemento. Exemplo: anemia he-molíti ca; -Reação ti po III: tem formação de imunocomplexos semelhante com o que acontece na doença do soro. Exemplo: vasculites leucocitoclásti cas (púrpura de Henoch-Schönlein); -Reação ti po IV: também com mecanismo celular (imu-nidade celular tardia). Exemplo: dermati tes de contato com drogas de uso tópico.

No grupo imunológico, as reações do ti po IV são as mais frequentes.

Tabela 3 - Farmacodermia: classifi cação de Gell & Coombs

Tipo Classifi cação Exemplo

I Hipersensibilidade imediata IgE Urti cária aguda

II Celular citotóxica Anemia hemolíti ca

III Formação de imunocomplexos Doença do soro

IV Celular tardiaDermati te contato alérgica

D - Quadro clínico

A manifestação mais comum é o rash exantematoso maculopapular, muito semelhante aos exantemas virais (ru-béola, sarampo etc.). Nessa forma, o grupo de medicações causador pode ser mais ou menos delimitado entre anti --infl amatórios, anti bióti cos, anti convulsivantes e psicotrópi-cos; estes são sempre os mais suspeitos, principalmente se introduzidos recentemente. Porém vale ressaltar que esse

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padrão clínico é possível e imaginável com qualquer medi-cação. Há também como chegar ao agente mais suspeito de acordo com o padrão dermatológico encontrado. Como exemplo, podem-se citar:

-Erupções acneiformes: devido ao uso de corti coides sistêmicos, vitamina B12, hormônios andrógenos e líti o; -Pustuloses generalizadas: pacientes que receberam anti bióti cos, principalmente do grupo dos beta-lactâ-micos; -Eritema nodoso: associado ao uso de anti concepcio-nais e sulfonamidas; -Reações fototóxicas: podem ser causadas por sulfona-midas, diuréti cos ti azídicos, inibidores da ECA; -Eritema pigmentar fi xo: lesão bem caracterizada por uma mácula eritematoacastanhada que sempre recidi-va no mesmo local quando o paciente recebe a medi-cação; ocorre com uso de dipirona e anti -infl amatórios; -Vasculites sistêmicas: quadros sistêmicos graves que podem ocorrer com propilti ouracil, penicilinas, anti --infl amatórios; -Lúpus-like: classicamente implicado com o uso de hi-dralazina, procainamida e minociclina; -Lesões bolhosas: podem ser desencadeadas com uso de sulfas e d-penicilamina.

Sobretudo, deve-se fi car atento aos quadros potencial-mente graves e que podem ter um desfecho fatal; normal-mente, os pacientes desse grupo evoluem com a síndrome de Stevens-Johnson ou a NET, e os sinais e sintomas iniciais para os quais se deve atentar são lesões nas mucosas (oral, conjunti val) lesões bolhosas, principalmente se o sinal de Nikolsky é positi vo; púrpuras palpáveis e necrose cutânea (sinais de vasculite); angioedema e edema da língua (risco de obstrução de vias aéreas); febre; linfadenopati a; hipo-tensão e dispneia (sinais de choque anafi láti co).

Na história do paciente, é importante colher dados so-bre todas as medicações usadas, mesmo aquelas roti neiras e vendidas em balcão. Considerar e investi gar sinais e sin-tomas de infecção viral, principalmente em crianças, pois nessas, ela é a principal causa de exantemas. Pacientes que são HIV positi vo têm, por si só, um risco maior de desenvol-verem farmacodermias e quando o fazem, normalmente os casos são mais severos.

Figura 34 - Reação fototóxica

Figura 35 - Erupção acneiforme

E - Métodos diagnósti cos

Casos agudos e leves são de diagnósti co clínico simples-mente pela história e exame fí sico. Casos graves e persistentes merecem atenção especial e acabam gerando alguns exames:

-Biópsia e anatomopatológico: para casos arrastados que ainda não têm a eti ologia defi nida; -Hemograma: pode cursar com leucocitose e eosinofi lia ou, em casos graves, leucopenia ou trombocitopenia; -Distúrbios hidroeletrolíti cos: encontrados principal-mente entre os pacientes graves com NET e Stevens-Johnson.

O diagnósti co diferencial daria um verdadeiro compên-dio dermatológico, pois uma droga pode se manifestar com lesões diferentes, e determinado padrão dermatológico pode ser causado por diferentes drogas.

F - Tratamento

As reações graves são raras, e a maioria dos pacientes tem boa recuperação depois de desconti nuada a droga cau-sadora. Esse, por sinal, deve ser o foco na resolução do caso, no entanto, quase sempre os pacientes fazem uso de diver-sas medicações que não podem ser reti radas imediatamen-te, pois são essenciais para sua sobrevivência; entretanto, toda aquela dispensável deve ter seu uso interrompido o mais brevemente possível. Como sintomáti cos, podem-se deixar cremes hidratantes e anti -histamínicos para alívio do prurido. Algumas reações mais importantes devem ser tratadas com corti coides sistêmicos (prednisona). Os casos graves (NET e Stevens-Johnson) devem ser hospitalizados, de preferência numa unidade de grandes queimados; al-guns trabalhos mostraram os melhores resultados para es-ses indivíduos com o uso da imunoglobulina intravenosa.

G - Eritema multi forme

a) Introdução

Doença infl amatória reacional caracterizada pelas lesões em alvo e que pode ser causada por 2 mecanismos diferen-

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tes: erupção por drogas ou infecções, principalmente herpes. No passado, era considerada dentro do espectro das reações a drogas graves, porém hoje se sabe que é uma enti dade di-ferente destas (síndrome de Stevens-Johnson e NET).

Na maioria dos casos, é breve e autolimitada, porém há indivíduos em que é recorrente.

b) Epidemiologia

Não se sabe a incidência exata, mas alguns estudos es-ti mam algo em torno de 1% dos pacientes ambulatoriais. Pode afetar todas as idades, no entanto, é mais frequente em crianças e jovens. Não há predileção racial, mas afeta mais homens do que mulheres.

c) Fisiopatologia

É desconhecida, porém já houve teorias sobre uma agressão celular do ti po citotóxica contra antí genos da pele que são semelhantes a antí genos do vírus herpes. Entre as causas, as medicações são as mais frequentes, e as drogas mais implicadas são anti convulsivantes, anti bióti cos e anti --infl amatórios; as sulfas têm importante associação. No que tange aos agentes infecciosos, além do herpes-vírus já hou-ve relatos de associação a vírus da hepati te C, tuberculose, Mycoplasma e outros. Há também casos desencadeados por agentes contactantes (mercúrio, budesonida, capsaici-na etc.).

d) Quadro clínico

A principal característi ca do eritema multi forme é a pre-sença das lesões em alvo nas quais há uma placa eritema-tosa circular com o centro mais violáceo, onde surgem as vesículas ou bolhas; essas lesões podem surgir em qualquer localização, incluindo as regiões palmar e plantar. Porém, como o próprio nome já diz, o quadro pode ser polimór-fi co, já que, além das lesões em alvo, os pacientes podem se apresentar com lesões urti cariformes e bolhosas num mesmo evento. Há uma subdivisão, na qual 2 formas são separadas num espectro de gravidade:

-Eritema multi forme minor: normalmente, são qua-dros recorrentes e associados a infecções clínicas ou subclínicas pelo herpes-vírus. Nessa forma mais leve, os pacientes não apresentam sintomas sistêmicos prodrômicos nem lesões mucosas e as lesões cutâne-as são mais localizadas (menos de 10% da superfí cie corporal);

-Eritema multi forme major: considerada por muitos uma forma leve da síndrome de Stevens-Johnson, por-tanto muito associada ao uso de medicações (farmaco-dermia). Nela, os pacientes apresentam lesões muco-sas e tem sinais e sintomas sistêmicos de infl amação, e as lesões podem acometer mais de 10% da superfí cie corporal. As lesões mucosas são erosões que podem surgir na cavidade oral, na conjunti va e na mucosa de genitais. A distribuição é simétrica e centrípeta.

Figura 36 - Eritema multi forme: placa eritematosa circular com centro violáceo

e) Métodos diagnósti cos

Clinicamente, pode-se chegar ao diagnósti co devido às lesões em alvo, característi cas, aliadas às lesões mucosas nos casos mais graves. Os exames gerais, como hemogra-ma, função renal e eletrólitos devem ser realizados nas for-mas major em que o paciente seja internado e servem para controle do quadro sistêmico. A biópsia para exame ana-tomopatológico deve ser realizada em quadros duvidosos que podem se assemelhar a urti cária, dermatoses neutro-fí licas como a síndrome de Sweet, dermati tes de contato, eritemas fi gurados e outras. A histopatologia evidencia uma dermati te de interface com vacuolização da camada basal.

f) Tratamento

É importante estabelecer o agente causal que pode ser medicamentoso (afastar a droga implicada) ou infeccioso (tratar o foco correspondente). Via de regra, o tratamento é apenas de suporte com loções secati vas, anti bióti cos, em caso de infecção secundária, e anti -histamínicos para alívio do prurido. O uso de corti coides sistêmicos não é consensual entre os dermatologistas e deve ser desencorajado, princi-palmente em caso de suspeita de um foco infeccioso de base.

H - Síndrome de Stevens-Johnson/NET

a) Introdução

São doenças infl amatórias agudas que cursam com quadros graves e potencialmente fatais, agrupadas sob um mesmo espectro de gravidade: numa extremidade, está o eritema multi forme major, com lesões bolhosas em menos de 10% da superfí cie corporal; no centro, está a síndrome de Stevens-Johnson, com acometi mento de 10 a 30% da su-perfí cie cutânea; por fi m, a NET, em que mais de 30% da pele são acometi dos com bolhas e áreas de descolamento. Os pacientes mais graves têm um comportamento seme-lhante a “grandes queimados”.

b) Epidemiologia

Os estudos mostram uma incidência anual que pode va-riar de 0,5 a 7 casos para cada milhão de habitantes, sendo

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felizmente consideradas enti dades raras; isso porque os ín-dices de mortalidade são elevados, com taxas que chegam a 5% na síndrome de Stevens-Johnson e de até 40% na NET. Numerosos estudos epidemiológicos mostraram que a in-cidência é maior entre as mulheres, mas não há predileção racial. Pode acometer qualquer idade, mas como a expo-sição aos fármacos é maior com o passar dos anos acaba sendo mais vista em adultos e idosos. Casos associados ao HIV são mais frequentes e responsáveis pela diminuição da média de idade acometi da.

c) Fisiopatologia

O mecanismo é desconhecido, apesar de estar bem es-tabelecida a relação causal com os medicamentos. Dentre os grupos de fármacos, têm-se:

-Anti bióti cos: são os mais frequentes, principalmente os derivados das sulfas (sulfametoxazol-trimetoprima) e outros em menor escala (quinolonas, aminopenicili-nas, cefalosporinas); -Alopurinol: já implicado em alguns estudos como o principal agente causador; -Anti convulsivantes: carbamazepina, fenitoína e feno-barbital; -Anti -infl amatórios: principalmente do grupo dos “oxi-cans” (piroxicam, tenoxicam etc.).

Não há relação com agentes infecciosos, pois nesse caso o diagnósti co mais provável é o eritema multi forme (exceto a associação ao HIV).

d) Quadro clínico

As lesões iniciais são placas lisas e eritematosas de con-tornos bizarros e podem assumir uma coloração mais violá-cea no centro. Nessas placas, podem surgir as lesões bolho-sas e também podem deixar áreas desnudas pelo despren-dimento de toda epiderme pela necrose ocorrida. Entre as lesões, permanecem áreas de pele normal, e nas proximi-dades das lesões pode ser realizado o sinal de Nikolsky.

Figura 37 - Síndrome de Stevens-Johnson: lesões bolhosas já resse-cadas e acometi mento das mucosas oral e conjunti val

Figura 38 - NET: paciente em UTI com grandes áreas de despren-dimento da epiderme

e) Métodos diagnósti cos

Clinicamente, pode-se chegar ao diagnósti co devido às lesões em alvo, característi cas, aliadas às lesões muco-sas que sempre devem estar presentes. Os exames gerais, como hemograma, função renal e eletrólitos devem ser solicitados para monitorar o estado geral do paciente e possíveis complicações, entre elas a sepse e a insufi ciência respiratória, as principais causas de morte. O exame ana-tomopatológico mostra as mesmas alterações descritas no eritema multi forme (dermati te de interface com vacuoliza-ção), porém com maior grau de necrose da epiderme.

O diagnósti co é feito com as lesões bolhosas (pênfi gos e penfi goides) e principalmente a síndrome da pele escalda-da estafi locócica (SSSS). Em nenhum desses diferenciais é vista a intensa necrose epidérmica na histopatologia.

f) Tratamento

Considerada uma emergência dermatológica, exige in-ternação em UTI de preferência com manejo de pacientes grandes queimados; isso deve ser proposto mesmo a ca-sos que inicialmente se apresentem de forma leve, pois é impossível prever qual evoluirá para óbito. O suporte clínico é, talvez, a melhor terapia, pois não há consenso com relações a medicações imunossupressoras como os corti coides e outros. O cuidado com as feridas evita a for-mação de cicatrizes incapacitantes, e isso é importante principalmente no acometi mento ocular, no qual podem restar sequelas irreversíveis que levam à cegueira em até 40% dos casos.

O debridamento de áreas de necrose com uso de cura-ti vos biológicos é recomendado. Alguns trabalhos relatam uma boa resposta com o uso de imunoglobulina intrave-nosa, e esse tratamento já está incorporado em vários centros de referência. Não é indicado o uso de anti bióti cos sistêmicos ou tópicos (principalmente derivados da sulfa) como medida profi láti ca.

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DERMATOLOG IA

I - Urti cárias

São grupos de manifestações alérgicas ou não, carac-terizadas em comum pela presença da urti ca (pápula eri-tematosa e pruriginosa fugaz), no entanto, com diferentes eti ologias na gênese do quadro.

As diferentes eti ologias podem ser hipersensibilidade imediata, resposta celular tardia, ação direta em mastóci-tos, causas fí sicas e vasculites, o que se pode traduzir em diferentes manifestações clínicas e temporais; nesse que-sito, as urti cárias são divididas em agudas e crônicas para melhor investi gação da causa de base.

a) Urti cárias agudas

Este grupo engloba os doentes que apresentam a erup-ção cutânea há menos de 6 semanas; normalmente aca-bam se consultando em unidades de pronto atendimento com um clínico geral e raramente chegam ao consultório dermatológico, pois a maioria tem uma forma fugaz e não recorrente.

-Epidemiologia: é tão frequente, e, às vezes, os doen-tes não procuram atendimento médico, o que difi culta a contabilização dos números epidemiológicos. Alguns estudos presumem que até 20% da população têm a chance de um evento na vida. Pode acometer qual-quer idade e não tem predileção racial. Alguns traba-lhos mostram um leve predomínio em mulheres; -Fisiopatologia: reação imune que pode ter 2 verten-tes, uma por ação direta da substância nos mastócitos (como os derivados opioides) e outra alérgica media-da por IgE (celular imediata – ti po I de gel e Coombs). Em quase metade dos casos, é possível identi fi car um agente que levou à reação alérgica (comumente uma medicação e eventualmente um alimento, como co-rantes e frutos do mar). Infecções também podem ser implicadas (vias áreas, parasitoses intesti nais etc.); -Quadro clínico: o moti vo da consulta é o prurido que pode ser atormentador. É acompanhado das urti cas, que são pápulas eritematoedematosas que normal-mente desaparecem em 8 horas, mas surgem em no-vos locais num padrão migratório. Podem, às vezes, assumir formas bizarras, principalmente em crianças. Outra manifestação possível é o angioedema, que pode levar à obstrução das vias aéreas e a inchaço da face e de extremidades. Raramente, os doentes po-dem evoluir com choque anafi láti co. As lesões desapa-recem e não deixam vestí gios cicatriciais; -Métodos diagnósti cos: diagnósti co puramente clínico. Alguns casos podem ser confundidos com o eritema multi forme (este costuma ter lesões em alvo mais du-radouras). As urti cárias crônicas são abordadas mais adiante; -Tratamento: identi fi cado o agente causal pela histó-ria, deve-se afastá-lo imediatamente. A terapia com anti -histamínicos H1 costuma resolver a maioria dos casos (dexclorfeniramina, hidroxizina etc.). Hoje, há as

medicações de 2ª geração, que não são sedati vas (fe-xofenadina, ceti rizina, rupafi na etc.). Casos mais exu-berantes, principalmente com angioedema, podem receber corti costeroides sistêmicos por curto prazo. A adrenalina estará indicada se houver indício de choque anafi láti co.

b) Urti cárias crônicas

Por defi nição, são aqueles que apresentam o quadro urti cariforme há mais de 6 semanas; estati sti camente, che-gam a apresentar o problema por mais de 2 anos, e nem sempre é possível defi nir a causa e chegar à cura, sendo frustrante para o dermatologista e o paciente.

-Epidemiologia: como são situações diferentes, fi ca di-fí cil traduzir em números as formas de urti cária crô-nica. Enquanto as formas agudas podem ati ngir 15% da população em algum momento da vida, a forma crônica é mais rara, girando em torno de 1%. Parece ser ligeiramente mais comum em mulheres, e a faixa etária predominante é de adultos jovens; -Fisiopatologia: não pode ser considerada uma enti da-de única, pois as causas são diversas e todas culminam com a degranulação de mastócitos. O 1º passo seria a exclusão das causas fí sicas, sendo as principais a urti -cária por pressão, urti cária por frio, urti cária por calor ou colinérgica (desencadeada pelo suor do exercício ou pelo aumento da temperatura ambiente) e a urti -cária solar; a urti cária aquagênica é questi onada como enti dade existente, pois seria incompatí vel conviver com uma alergia à água (alguns defendem que é de-sencadeada pela variação da temperatura). Após essa exclusão, restam as urti cárias autoimunes e as idiopá-ti cas (que correspondem a 50% dos casos). A forma autoimune é provocada pela formação de autoanti -corpos que se ligam a receptores IgE de mastócitos, promovendo sua ati vação direta; -Quadro clínico: os pacientes referem o surgimento das pápulas pruriginosas disseminadas e que desapa-recem em questão de horas; tendem à recorrência, e alguns relatam que as crises são desencadeadas pelas situações relatadas anteriormente (exercício fí sico e urti cária colinérgica, contato com água fria e urti cária pelo frio, carregar uma mochila pesada e urti cária de pressão etc.) e por estresse emocional. As lesões não devem durar individualmente mais que 24 horas, tam-pouco deixar marcas residuais; quando isso ocorre, está-se diante de uma urti cária vasculite. Raramente os doentes apresentam angioedema ou evoluem para choque anafi láti co (diferente das urti cárias agudas); -Métodos diagnósti cos: não é difí cil concluir, pela his-tória clínica, que se está diante de uma urti cária crô-nica; o problema é tentar descobrir o agente causal. No caso das formas fí sicas, existem testes específi cos que provam o desencadeamento (teste de exercício, imersão em água fria etc.). As urti cárias autoimunes

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podem ser diagnosti cadas pelo teste intradérmico do soro autólogo e, inclusive, vir associadas a ti reoidites autoimunes – é interessante realizar TSH e anti corpos anti peroxidase e anti microssomal. O 2º passo seria ex-cluir causas patológicas associadas às urti cárias como infecções (sinusite, parasitoses intesti nais, ITUs etc.), doenças reumatológicas e síndromes paraneoplásicas; como as possibilidades causais são inúmeras, antes de solicitar uma larga bateria de exames laboratoriais e de imagem é melhor fazê-lo direcionado pela história e exame fí sico. Quando nenhuma causa é encontrada, é dita urti cária idiopáti ca; -Tratamento: identi fi car o agente causal e tentar afas-tá-lo é a melhor medida quando possível. Nos casos autoimunes e idiopáti cos, os doentes são controlados com o uso contí nuo de anti -histamínicos dando prefe-rência para os não sedati vos da nova geração (loratadi-na, fexofenadina, ceti rizina) e, se necessário, associar um sedati vo à noite (hidroxizina, dexclorfeniramina etc.). Deve-se evitar o uso de corti coides, pois o tra-tamento é de longo prazo, e os efeitos colaterais são mais prejudiciais ao doente. Não é consensual o trata-mento “às cegas” de supostas infecções bacterianas, virais e parasitárias.

Tabela 4 - Diferencial de lesões medicamentosas

Característi caUrti cária

agudaEritema

multi formeStevens-

Johnson/NET

Lesões bolhosas

Não Menos 10% Mais de 30%

Lesões em alvo Não Sim, perfeitas Sim, irregulares

Lesões mucosas

Angioedema NãoBolhas/

exulcerações

HipotensãoChoque

anafi láti coNão

Choque sépti co/SIRS

Obstrução vias aéreas

Sim Não Não

7. ResumoQuadro-resumo

Doenças eritematodescamati vas

- A psoríase tem múlti plas apresentações clínicas e vários fatores que interagem na sua fi siopatologia;

- A piti ríase rósea é uma doença autolimitada e benigna de pro-vável origem viral;

- A piti ríase rubra pilar tem, como parti cularidade, o acometi -mento folicular por lesões eritematodescamati vas;

- Alguns casos de parapsoríase podem evoluir para linfoma de células T;

- Na grande parte dos casos de eritrodermia, fi ca difí cil identi fi -car o fator desencadeante;

- Os eritemas fi gurados são erupções recorrentes que podem es-tar associados a doenças sistêmicas e/ou malignidades.

Doenças papulopruriginosas

- Além das várias manifestações da pele, o líquen plano frequen-temente acomete mucosas (oral e genital);

- A piti ríase liquenoide tem sua forma aguda (PLEVA), um quadro mais dramáti co, e a forma crônica, mais indolente;

- O prurigo caracteriza-se por pápulas pruriginosas. Em sua for-ma aguda, representa uma hipersensibilidade à picada de inse-tos, nas formas crônicas frequentemente está associado a uma doença de base.

Doenças bolhosas

- As doenças bolhosas dividem-se em 2 grandes grupos: os pênfi -gos e os penfi goides, de acordo com o nível de clivagem na pele;

- As formas mais frequentes de pênfi gos são o vulgar (com aco-meti mento mucoso) e o foliáceo (sem acometi mento mucoso);

- A forma mais grave de pênfi go é a paraneoplásica, com índices de mortalidade de 90%;

- O penfi goide bolhoso é muito frequente na população idosa;

- A dermati te herpeti forme é uma doença bolhosa mediada por IgA e pode estar associada à doença celíaca.

Colagenoses

- O lúpus eritematoso pode se apresentar na sua forma crônica, subaguda ou sistêmica/aguda;

- Dentre os critérios clínicos, 4 são relati vos à Dermatologia: le-sões discoides, rash malar, fotossensibilidade e úlceras orais;

- A dermatomiosite cursa com lesões dermatológicas tí picas e comprometi mento muscular proximal; pode vir associada a uma neoplasia oculta;

- A esclerodermia tem amplo espectro clínico com a forma lo-calizada (morfeia), a sistêmica limitada (CREST) e a sistêmica generalizada.

Vasculites

- As vasculites são quadros sistêmicos que, além da pele, costu-mam levar aos comprometi mentos renal e pulmonar;

- As principais vasculites granulomatosas são a síndrome de Churg-Strauss e a granulomatose de Wegener;

- A púrpura de Henoch-Schönlein é uma vasculite mediada por depósito de IgA;

- São 3 grandes grupos disti ntos que levam a lesões ulceradas: afecções vasculares, causas infecciosas e neoplasias;

- Dentre as causas infecciosas que causam úlceras, têm-se as PLECTS, que incluem a tuberculose;

- O pioderma gangrenoso é uma afecção autoimune frequente-mente associada a uma doença de base.

Urti cárias

- As farmacodermias são frequentes na práti ca clínica e podem ocorrer em até 5% dos internados;

- Na fi siopatologia, devem-se separá-las nas provocadas por eventos imunológicos e não imunológicos;

- No campo imunológico, a classifi cação de Gell e Coombs é fun-damental;

- As apresentações clínicas são inúmeras e relacionadas de acor-do com a medicação;

- Entre os quadros mais graves, estão a síndrome de Stevens-Johnson e a NET;

- As urti cárias podem ser consequentes a farmacodermias, mas têm outras causas, principalmente na forma crônica.

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DERMATOLOG IA

Medicina interna

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

alumínio, zircônio e talcos. Há, também, parti cipação gené-ti ca, pois é fortemente associada à HLA-B8.

D - Quadro clínico

Como o processo granulomatoso pode ocorrer em qual-quer órgão, as manifestações sistêmicas são muito variá-veis: quadro mimeti zando tuberculose pulmonar, uveítes, artrites, arritmias por infi ltração do miocárdio etc. O co-meti mento cutâneo pela sarcoidose tem 2 grupos disti ntos com o lado não específi co, representado pelo eritema no-doso, e o específi co, com diversas variantes clínicas.

O eritema nodoso é uma forma de paniculite crônica recidivante que se manifesta por nódulos dolorosos nos membros inferiores e que, além da sarcoidose, pode estar relacionado a outras eti ologias (infecções Yersinia, anti con-cepcionais, doenças infl amatórias intesti nais etc.). É muito mais comum em mulheres jovens. As lesões são profundas e surgem como pontos indurados de cor equimóti ca (como uma contusão) que são doloridos à palpação. O número de lesões é variável (poucas a várias). Pode vir acompanhado de sintomas gerais de infl amação (febre, indisposição e ar-tralgias).

A tríade composta por artrite, eritema nodoso e linfa-denopati a hilar é conhecida como síndrome de Löefgren. A remissão é espontânea em questão de semanas, mas pode ser abreviada com o uso de anti -infl amatórios e corti coste-roides sistêmicos.

Síndrome de Löefgren

Artrite

Linfadenopatia hilopulmonar

Eritema nodoso

Figura 1 - Sarcoidose e a síndrome de Löefgren

1. IntroduçãoEste capítulo aborda algumas síndromes clínicas que

primariamente levam a um comprometi mento sistêmico, causando, posteriormente, as manifestações cutâneas; são doenças diversas entre si, mas que são igualmente impor-tantes, pois muitas vezes a pele nos dá as pistas para che-garmos ao diagnósti co fi nal e tratar o doente em tempo.

2. Sarcoidose

A - Introdução

Doença infl amatória crônica caracterizada pela forma-ção de granulomas em qualquer tecido orgânico, entretan-to com preferência por 3 acometi mentos disti ntos: cutâneo, ocular e pulmonar (incluindo a linfadenopati a hilar).

B - Epidemiologia

É uma doença universal, no entanto, com grandes di-ferenças quanto à incidência, podendo variar de 64 ca-sos/100.000 habitantes em países escandinavos, a 3 ca-sos/100.000 habitantes em países do leste europeu; em nosso país, assim como nos EUA, a incidência é por volta de 15 casos/100.000 habitantes. Em nosso meio, ela também é mais prevalente em afrodescendentes. Acomete igual-mente pacientes dos sexos feminino e masculino. Quanto à idade, pode surgir em qualquer período, mas tem 2 picos de distribuição bem defi nidos: 30 e 60 anos.

C - Fisiopatologia

É desconhecida, mas se acredita que possa existi r um antí geno (infeccioso ou ambiental) que tenha baixa virulên-cia, porém que leve a uma infl amação crônica granulomato-sa por meio da resposta Th1. Entre os antí genos implicados estão micobactérias, borrelias, fungos e vírus da hepati te; do lado ambiental já houve correlação com exposição ao

CAPÍTULO

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Figura 2 - Eritema nodoso: lesões eritematosas e equimóti cas so-brelevadas em região anterior da tí bia em membros inferiores

Dentre as manifestações específi cas da sarcoidose, te-mos:

-Lúpus pérnio: caracterizado por placas infi ltradas, eri-tematovioláceas, de superfí cie levemente descama-ti va que surgem na face (nariz, bochecha e orelhas) lembrando a “asa de borboleta” do lúpus eritematoso sistêmico. Quando comprimidas, as placas e nódulos assumem uma coloração que lembra “geleia de maçã”; -Sarcoidose papulosa: pápulas e pequenos nódulos de coloração eritematoviolácea, com predomínio na face e extremidades; são idênti cas ao lúpus pérnio, porém com menor tamanho; -Sarcoidose cicatricial: nódulos semelhantes à forma papulosa, mas que surgem sobre uma cicatriz anti ga; -Sarcoidose do couro cabeludo: pode levar a áreas de alopecia cicatricial com aspecto atrófi co e irreversível.

E - Métodos diagnósti cos

Os exames gerais de sangue são normais, podendo, em alguns casos, aparecer uma anemia de doença crônica. A dosagem de proteínas também pode mostrar um aumen-to de imunoglobulinas. Muitos pacientes também podem apresentar hipercalcemia.

Um exame característi co que pode estar alterado é a dosagem da Enzima Conversora da Angiotensina (ECA), es-tar aumentada, pois é produzida pelos histi ócitos que com-põem os granulomas da sarcoidose.

Nos exames de imagem é imprescindível a avaliação pulmonar, preferencialmente com a tomografi a computa-dorizada.

Outra característi ca peculiar é a negati vidade de testes intradérmicos (como o PPD da tuberculose) por razões des-conhecidas. O teste de Kwein é intradérmico específi co da sarcoidose, mas hoje não é mais uti lizado.

Duas característi cas são importantes no exame anato-mopatológico: a presença de granulomas de células epite-lioides com poucos linfócitos e células gigantes multi nucle-

adas (chamado de “granuloma nu”) e também os corpos asteroides (fi guras eosinofí licas nos histi ócitos); esse é o exame padrão-ouro para o diagnósti co defi niti vo (quer seja realizada a biópsia na pele ou no tecido pulmonar).

O diagnósti co diferencial depende da forma clínica, sendo os principais na forma de lúpus pérnio (diferencial com lúpus eritematoso e lúpus vulgar que é um subti po de tuberculose) e na sarcoidose papulosa (diferencial com do-enças granulomatosas em geral como a hanseníase, o gra-nuloma anular, micoses profundas etc.).

F - Tratamento

Ainda hoje, o melhor tratamento é feito com o uso dos corti costeroides, sendo sistêmicos nos casos com compro-meti mentos mais graves (uveítes, infi ltrações pulmonares e arritmias cardíacas).

Nas lesões cutâneas disseminadas e desfi gurantes essa também é a melhor opção; já nos casos com lesões meno-res e localizadas pode ser tentada a corti coterapia tópica (clobetasol ou betametasona) ou mesmo a infi ltração intra-lesional com triancinolona.

3. AmiloidosesSão doenças em que ocorre depósito de uma substância

proteica; acometem qualquer tecido, gerando disfunções dos órgãos afetados. Existem formas localizadas e sistêmicas, for-mas primárias e secundárias, e todas podem ati ngir a pele.

As formas proteicas fi brilares correspondem a 90% de todas as substâncias amiloides, enquanto que os outros 10% correspondem a uma forma glicoproteica não fi brilar encontrada no plasma (SAP – Serum Amyloid Protein) e que tem similaridade com a proteína C reati va (por isso pode haver amiloidose em processos infl amatórios crônicos).

A - Amiloidoses cutâneas localizadas

a) Introdução

São depósitos que ocorrem primariamente e estrita-mente na pele e se apresentam com 3 formas clínicas di-ferentes.

b) Epidemiologia

Não se conhecem os números exatos. No entanto, as amiloidoses cutâneas são mais frequentes em países asiá-ti cos. Na práti ca, a faixa etária mais acometi da é de adultos de meia idade e idosos. Há uma discreta predileção por pa-cientes do sexo masculino.

c) Fisiopatologia

A patogênese permanece desconhecida. Acredita-se, nesse caso, que seja derivada de querati nócitos que, ao passarem por um trauma ou submeti dos a uma infl amação, acabam gerando depósitos de querati na que se ligam a an-ti corpos e à substância amiloide. Parece, então, ser apenas um processo secundário localizado.

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d) Quadro clínico

Como dito anteriormente, são 3 formas clínicas disti ntas: -Amiloidose macular: a maioria dos casos se apresenta como máculas ou placas levemente elevadas no dorso (região interescapular) que são bem delimitadas, de cor acastanhada e pruriginosa; podem surgir em ou-tras localizações, mas tal fato é raro; -Líquen amiloidósico: manifesta-se com grandes placas papulosas nas regiões ti biais, hiperceratósicas, às ve-zes com aspecto verrucoso, e que são extremamente pruriginosas (o ato de coçar pode agravar o quadro); -Amiloidose nodular: é muito rara e parece ter uma correlação com formas sistêmicas, pois o depósito ocorre de forma primária e ati va (diferente das ou-tras 2 apresentações). O quadro clínico é composto por grandes nódulos e placas com atrofi a central, de cor eritematoacastanhada, mais comum em membros inferiores e tronco; áreas hemorrágicas próximas são frequentemente vistas.

Figura 3 - Líquen amiloidóti co: placa espessa e liquenifi cada papu-losa em regiões ti biais

e) Métodos diagnósti cos

As formas macular e de líquen são mais fáceis de se-rem diagnosti cadas clinicamente, enquanto que a forma nodular, pela sua raridade, difi cilmente entra nos diagnós-ti cos diferenciais. Para todas as apresentações, no entanto, é necessária a confi rmação pela histopatologia com pig-mentos especiais que corem a substância amiloide (como o vermelho-congo que, na luz polarizada, apresenta uma birrefringência esverdeada). Nesses casos os depósitos são encontrados na derme de forma amorfa e o infi ltrado in-fl amatório é discreto. Nas formas cutâneas localizadas, os exames gerais são normais.

Os diferencias dependem da apresentação: -Macular: dermati te de contato, erupção fi xa pigmen-tosa, notalgia parestésica; -Líquen: líquen plano verrucoso e neurodermite;

-Nodular: hanseníase virchowiana, granuloma anular, sarcoidose.

f) Tratamento

Os tratamentos são frustrantes, pois a resposta é pobre. Os mais efi cazes são os corti costeroides, de preferência com infi ltração intralesional. Clobetasol e betametasona (alta potência) quando usados de forma oclusiva podem re-solver. A capsaicina tópica atua na inibição de terminações nervosas, aliviando o prurido. Sempre que a lesão for pe-quena, a remoção cirúrgica simples ou com dermoabrasão deve ser considerada.

B - Amiloidoses sistêmicas

a) Introdução

As amiloidoses sistêmicas compreendem doenças em que as proteínas amiloides se depositam preferencialmen-te em tecidos mesenquimais (tecido conecti vo, fi bras mus-culares, nervos etc.). Elas são classifi cadas em primárias, quando não estão associadas a nenhuma doença de base, secundárias, quando vêm após o surgimento de um proces-so infl amatório ou infeccioso crônico e amiloidose associa-da ao mieloma múlti plo; somente a 1ª é que está associada a manifestações cutâneas (em até metade dos casos).

b) Epidemiologia

Os números nacionais não existem, entretanto, es-tudos norte-americanos mostram incidências de 0,5 a 1 caso/100.000 habitantes, o que comprova a raridade da doença sistêmica. Também se mostra mais frequente em idosos e adultos de meia-idade, mas não tem predileção racial ou por sexo.

c) Fisiopatologia

O evento principal é a deposição de cadeias leves de imunoglobulinas com estrutura fi brilar no meio extracelu-lar de tecidos mesenquimais. Esse aumento na produção de imunoglobulinas decorre de uma discrasia de plasmócitos que se proliferam e trabalham de modo autônomo na me-dula óssea. O moti vo dessa superprodução plasmocitária ocorrer ainda não é bem estabelecido. Com o depósito teci-dual das fi brilas amiloides, passa a existi r uma perturbação nas funções fi siológicas do órgão envolvido.

d) Quadro clínico

No início o diagnósti co é difí cil, pois o paciente apresen-ta sintomas inespecífi cos como fadiga, perda de peso, ede-ma/inchaço e parestesias. Os achados da síndrome do túnel do carpo são frequentes pelo comprometi mento de nervos periféricos. Estes sinais e sintomas refl etem o distúrbio dos principais órgãos envolvidos: coração, rins e sistema nervoso.

Com relação às manifestações mucocutâneas, sem dú-vida a mais frequente e característi ca é a macroglossia (au-mento volumoso da língua por infi ltração amiloide). Esses mesmos pacientes podem apresentar rouquidão por infi l-

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tração da laringe. Na pele, as lesões hemorrágicas, como púrpuras e equimoses, são vistas na face e em dobras. Bolhas com conteúdo sanguinolento são descritas. As le-sões mais característi cas consistem em pápulas, placas e nódulos por infi ltração que podem surgir na região perior-bital, retroauricular e inguinocrural. Esses achados de pele e mucosa podem estar presentes em 40 a 50% dos pacientes.

e) Métodos diagnósti cos

Os exames gerais podem revelar alteração no hemogra-ma (anemia) e aumento do VHS. A proteinúria (comum e de proteínas de Bence-Jones) é o achado mais frequente, po-rém, às vezes, só é diagnosti cada com exames mais sensíveis como a imunoeletroforese da urina concentrada. A função renal pode estar alterada em metade dos casos. O ecocardio-grama pode mostrar um espessamento do miocárdio.

Se as lesões de pele esti verem presentes, a biópsia inci-sional é mais fácil e segura; porém a biópsia de pele normal quase sempre é negati va; nesses casos, a investi gação pode ser feita com aspiração da gordura abdominal e biópsia re-tal que são positi vas em até 80% dos pacientes.

Os preparados para a análise histológica devem ser co-rados com o vermelho-congo e ser submeti dos à visualiza-ção com a luz polarizada, emiti ndo assim uma fl uorescência esverdeada. Na coloração de roti na com a hematoxilina--eosina, em alguns casos podem ser vistas concentrações homogêneas de material eosinofí lico amorfo.

O diagnósti co diferencial é feito com doenças de depósi-to, em geral, como mixedema e a necrobiose lipídica.

f) Tratamento

Igualmente na forma sistêmica, os tratamentos são in-sati sfatórios.

São uti lizados esquemas imunossupressores e quimio-terápicos em combinação, sendo semelhantes ao tratamen-to do mieloma. A associação com melhores resultados foi de prednisona e melfalana.

A sobrevida é de 12 a 24 meses, sendo as principais cau-sas que levam ao óbito as cardíacas (infarto do miocárdio, arritmias e insufi ciência congesti va) seguidas da insufi ciên-cia renal (necessita de diálise).

4. Porfi riasGrupo de doenças de origem metabólica associadas a

várias defi ciências enzimáti cas no metabolismo do grupo heme, o que resulta numa superprodução/acúmulo de pro-dutos tóxicos. São 8 diferentes enzimas, muitas manifesta-ções acabam sendo superpostas entre os diferentes ti pos. Basicamente podemos classifi cá-las em porfi rias agudas (forma neurovisceral) e porfi rias cutâneas (formas crônicas com predomínio das manifestações dermatológicas).

A - Porfi rias agudas

Neste grupo há presença de manifestações neurológicas (encefalopáti cas e disautonômicas) além de sintomas gas-

trintesti nais; não apresentam, no entanto, manifestações cutâneas. Nesse subgrupo puramente neurovisceral há a porfi ria de Doss e a porfi ria intermitente aguda.

a) Epidemiologia

Alguns ti pos são doenças raras e que não possuem re-gistros fi dedignos, nem mesmo em literatura internacional; por isso se torna difí cil esti mar as incidências e prevalências reais da doença. A porfi ria intermitente aguda, entretanto, chega a ter 100 a 200 casos/100.000 habitantes em alguns países, quando se pensa nas alterações genéti cas relaciona-das (nem todos chegam a manifestar sintomas anualmente). Alguns grupos populacionais podem ter incidências de algu-mas porfi rias específi cas (por exemplo, a intermitente aguda é mais comum em países nórdicos). Elas são mais comuns em pacientes do sexo feminino devido ao papel dos hormônios estrogênios. Como a maioria dos defeitos é herdada, as ma-nifestações começam na infância e na adolescência.

b) Fisiopatologia

O grupo heme tem importância fi siológica em 2 órgãos: no fí gado, onde é usado na elaboração do citocromo P450 e dos peroxissomos (usados na degradação do peróxido de hidrogê-nio, tendo um papel anti oxidati vo) e na medula óssea (usado na elaboração da hemoglobina para o transporte de oxigênio). A produção maior é na medula óssea (80 a 85%) enquanto o restante é no fí gado. Oito enzimas do citosol e das mitocôn-drias parti cipam na via de metabolização do heme e, se uma delas apresenta algum defeito de origem genéti ca, as conse-quências podem ser desastrosas. No caso das 2 formas agu-das, temos na Tabela a seguir o resumo das alterações.

Tabela 1 - Porfi rias agudas

Subti poHerança genéti ca

Enzima TipoApresen-

taçãoclínica

Uro, copro e proto-

porfi rinas

Porfi ria de Doss

Autossô-micarecessiva

ALA de-hi-dratase

Hepáti caNeuro + Gastro

Urinárias: sim

Fecais: não

Porfi ria aguda intermi-tente

Autossô-micadominante

Porfobi-lonogê-niosintetase

Hepáti caNeuro + Gastro

Urinárias: sim

Fecais: mais uro

Com a defi ciência dessas 2 enzimas, o metabolismo do heme leva a um acúmulo de ALA (ácido aminolevulínico) e porfobilinogênio que são tóxicos para o sistema nervoso (central e periférico) pelo seu dano oxidati vo. No entanto, por ser um metabolismo muito importante para o organis-mo, somente sobrevivem (e manifestam os sintomas) aque-les que têm defeitos parciais das enzimas (penetrância ge-néti ca variável) e por isso o surgimento das manifestações depende da interação ainda de fatores ambientais (como medicações, álcool, dieta pobre em carboidratos etc.) e or-

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gânicos (hormonais, metabólicos como jejum prolongado etc.). O modo exato da interação genéti ca com tais fatores é desconhecido.

c) Quadro clínico

Classicamente, os pacientes se manifestam com sintomas gastrintesti nais (fortes dores abdominais, náuseas, vômitos etc.) associados a sinais de disautonomia (taquicardia, hiper-tensão, sudorese, febre e tremores); isso mimeti za um qua-dro de abdome agudo e muitas vezes os pacientes acabam sendo submeti dos a laparotomias exploradoras. O grande diferencial vem com o surgimento de neuropati as periféri-cas, paralisia de pares cranianos, convulsões e encefalopati a (afasias, desorientação temporoespacial etc.) o que nos re-mete ao diagnósti co da porfi ria. Sintomas psiquiátricos tam-bém fazem parte do quadro (agitação, alucinações, paranoia, depressão etc.). As lesões cutâneas são ausentes nessas for-mas agudas de porfi ria. As crises são recorrentes, enquanto o diagnósti co correto não for fechado. Entre os fatores que na história levam a uma crise estão: uso de álcool, infecções, uso de anti concepcionais e medicações que sofram meta-bolismo citocromo P450, e menstruação. Um fato curioso é que alguns pacientes relatam um avermelhamento da urina quando exposta ao sol (apesar da situação inusitada); isso ocorre pela fotoinstabilidade do ALA que sofre modifi cações moleculares com a luminosidade.

d) Métodos diagnósti cos

Deve-se pensar nas porfi rias agudas no caso de pacien-tes que tenham uma combinação de sintomas digesti vos com sintomas neuropsiquiátricos.

Testes urinários simples (teste de Hoesch e teste de Watson-Schwartz) são capazes de detectar moléculas de porfobilinogênio na urina, desde que os níveis não estejam muito baixos (podem ocorrer falsos negati vos).

As dosagens urinária e fecal de porfi rinas, de preferên-cia nos ataques, também podem ajudar no diagnósti co. A porfi ria de Doss (defi ciência de ALAD) pode ser diagnosti ca-da com microscopia fl uorescente que é positi va nos eritró-citos circulantes.

O diagnósti co diferencial se dá com diversas patologias de emergências clínico-cirúrgicas: abdome agudo infl ama-tório (apendicite, colecisti te etc.); cetoacidose diabéti ca, feocromocitoma, peritonite com encefalopati a hepáti ca.

e) Tratamento

Inicialmente, deve ser feito um tratamento de suporte com hidratação e aporte calórico com carboidratos (soro glicosado intravenoso). Sintomáti cos para a dor e vômitos

também podem ser usados. Nos casos não responsivos, de-ve-se iniciar a hemati na (reposição intravenosa do heme), que também serve para gerar um feedback negati vo nas vias metabólicas.

B - Porfi rias cutâneas

Nesse subgrupo, existem formas mais crônicas e outras que combinam a cronicidade com surtos agudos recidivan-tes. Todas têm em comum a possibilidade de manifestações cutâneas, associadas ou não a outros achados sistêmicos. Como a porfi ria cutânea tardia é de longe a apresentação mais comum, nosso foco será nela, sendo o protóti po para as demais variantes.

a) Epidemiologia

É a mais comum de todas, alcançando taxas de 4 ca-sos/100.000 habitantes; novamente a expressão do genó-ti po não se correlaciona diretamente com o fenóti po (nem todos os pacientes com alterações genéti cas manifestam os sintomas da doença). Pacientes adultos de meia idade são os mais ati ngidos. As formas herdadas geneti camente se manifestam na infância. Não há predileção racial, sendo a forma adquirida mais comum em homens (provavelmente pela maior taxa de alcoolismo).

b) Fisiopatologia

As alterações relacionadas ao metabolismo do heme acontecem da mesma forma que nas variantes agudas (vide fi siopatologia descrita anteriormente). No caso da porfi ria cutânea tardia a luz visível leva a alterações moleculares das porfi rinas, gerando radicais superóxidos que se concen-tram principalmente na pele, levando às vias infl amatórias característi cas da doença. Toda a falha metabólica vem da defi ciência da uroporfi rinogênio descarboxilase que é her-dada de forma autossômica dominante. As demais varian-tes são resumidas na Tabela 2 (tem menor importância, pois são bem mais raras).

Há uma forma familiar na qual a mutação leva a uma alteração estrutural da molécula enzimáti ca, enquanto que na forma adquirida ocorre apenas diminuição da ati vidade da enzima.

Em ambas as apresentações as manifestações são desen-cadeadas por fatores que levam a uma interferência no me-tabolismo hepáti co: álcool (o principal), estrógenos, infecções (principalmente hepati te C e recentemente o HIV); ao contrá-rio da forma aguda, outras medicações correspondem apenas a 5% dos desencadeantes (cloroquina é a mais comum). Há também relatos de associação com lúpus eritematoso.

Tabela 2 - Porfi rias crônicas

Subti po Herança genéti ca Enzima TipoApresentação

clínicaUro, copro e

protoporfi rinas

Porfi ria eritropoéti ca congênita

Autossômicarecessiva

Uroporfi rinogênioIII sintetase

Eritropoéti ca/medula óssea

CutâneaUrinárias: sim

Fecais: sim

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Subti po Herança genéti ca Enzima TipoApresentação

clínicaUro, copro e

protoporfi rinas

Porfi ria cutânea tardia

Autossômicadominante

Uroporfi rinogênio decarboxilase

Hepáti ca CutâneaUrinárias: sim

Fecais: sim, proto não

Porfi riahepatoeritropoéti ca

Autossômicarecessiva

Uroporfi rinogêniodecarboxilase

Hepáti ca CutâneaUrinárias: sim

Fecais: sim, proto não

Coproporfi riahereditária

Autossômicadominante

Coproporfi rinogêniooxidase

Hepáti ca CutâneaUrinárias: sim

Fecais: bem mais copro

Porfi ria variegataAutossômicadominante

Protoporfi rinogêniooxidase

Hepáti caNeuro + gas-tro + cutânea

Urinárias: sim

Fecais: mais proto

Protoporfi riaeritropoéti ca

Autossômicadominante

FerroquelataseEritropoéti ca/medula óssea

-Urinárias: não

Fecais: proto

d) Métodos diagnósti cos

Os achados clínicos são bem característi cos e levam ao diagnósti co facilmente; para a confi rmação pode-se fazer a pesquisa de porfi rinas na urina (que deve ser de 24 horas, e não numa amostra simples) revelando um aumento dos 3 ti pos – uro, proto e coproporfi rinas – mas com predomínio da últi ma. O aumento também está presente na análise fecal.

A histopatologia das bolhas mostra a clivagem subepidér-mica (como nos penfi goides e não nos pênfi gos) e presença de poucas células infl amatórias; a coloração com PAS pode mos-trar espessamento da membrana basal e da parede dos vasos.

Entre os exames gerais é importante o hemograma (usa-do para o tratamento), a função hepáti ca e as sorologias (hepati tes e HIV).

O diagnósti co diferencial é feito com doenças bolhosas su-bepidérmicas como os penfi goides (histopatologia com mais células infl amatórias), dermati te herpeti forme (mais prurigi-nosa), lúpus eritematoso (quando este tem bolhas; lembrar do overlaping entre as 2 patologias – vide fi siopatologia já descri-ta), epidermólise bolhosa adquirida (pode ser idênti ca e dife-renciada apenas por estudos de biologia molecular).

Algumas medicações levam a uma reação fototóxica com bolhas que é chamada de pseudoporfi ria (as dosagens urinárias estão normais); isso já foi descrito com anti -infl a-matórios, furosemida e tetraciclinas.

e) Tratamento

Visa à redução dos níveis do heme e isso é obti do por meio das fl ebotomias (1L/mês); o objeti vo é manter a he-moglobina por volta de 12ng/dL.

A cloroquina (paradoxalmente) é usada em doses bem mais baixas do que, por exemplo, no lúpus (125mg, 2x/se-mana versus 250mg diários).

5. Pelagra

A - Introdução

Doença com manifestações sistêmicas e cutâneas cau-sada pela defi ciência de vitamina B3 (niacina) caracterizada

c) Quadro clínico

O destaque é a fotossensibilidade e a ausência de sin-tomas gástricos e neuropsiquiátricos. Entre as alterações cutâneas estão:

-Fotodano: alterações em áreas expostas com eritema, hiperpigmentação e elastose; -Lesões bolhosas: bolhas tensas em áreas fotoexpostas (mãos, pescoço e face) com cicatrizes residuais; -Lesões esclerodermiformes: principal causa de pseu-doescleroderma com áreas atrófi cas e hipocrômicas; -Hipertricose: aumento de pelos em áreas não andró-geno-dependentes (temporal, frontal e malar).

Apesar do predomínio de lesões em áreas fotoexpostas, a sensibilidade ao sol não é relatada pelos pacientes; nem todos chegam a comentar a alteração da cor da urina, que não é infrequente.

Figura 4 - (A) Porfi ria e (B) vesículas e cicatrizes atrófi cas em áreas expostas

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classicamente pelos 4 “Ds”: diarreia, dermati te, demência e death (morte).

B - Epidemiologia

No passado, grandes epidemias eram associadas a po-pulações subnutridas e também a algumas populações com dietas restriti vas em que há carência de triptofano. Hoje, os casos são isolados e associados ao uso de medicações que impedem a absorção ou o processamento da niacina e outras condições clínicas que levam a essas consequências supracitadas. Atualmente é comum em alcoólatras e usuá-rios de drogas ilícitas, pacientes com transtornos alimenta-res (anorexia) e pacientes insti tucionalizados em condições precárias. Não há predileção racial ou por sexo. Ela pode ocorrer em crianças, mas é rara. A faixa etária mais acome-ti da é a dos adultos.

C - Fisiopatologia

A niacina é um cofator usado em enzimas importantes no metabolismo de oxidação e redução celulares (NAD e NADP). Logo, a função de vários órgãos pode ser alterada pela defi ciência da vitamina B3. Não surpreendentemente, os órgãos primariamente afetados são aqueles em que o epitélio sofre constante renovação como o trato gastrintes-ti nal e a pele, necessitando de quanti dades maiores de nia-cina. Podemos classifi car a pelagra em primária quando a defi ciência está presente na dieta do indivíduo, e secundá-ria quando a quanti dade nutricional é sufi ciente, mas exis-tem outras condições que impedem a absorção e o metabo-lismo da niacina: drogas (isoniazida e 5-fl uoracil), eti lismo crônico, doenças infl amatórias intesti nais, diálise, nutrição parenteral inadequada etc. A infecção pelo HIV pode provo-car decréscimo dos níveis de triptofano, induzindo, assim, um estado pelagroide.

D - Quadro clínico

Os primeiros sintomas correspondem a um quadro de dispepsia e alteração do hábito intesti nal (náuseas, vômitos e diarreia); pode haver, concomitantemente, sintomas psiquiátricos leves (irritabilidade, ansiedade, in-sônia e depressão). As manifestações cutâneas também são precoces e consistem em eritema (com a evolução, são eritematoacastanhadas), descamação, vesículas e bo-lhas em áreas fotoexpostas (mãos, antebraços, dorso dos pés e mãos, face e “V” do decote, que recebe o nome de “colar de casal”). No início, o quadro lembra queimadura solar simples. Já em estágios mais avançados, as lesões vão se tornando placas espessas e ceratósicas (ti po “pele de ganso”), mantendo as discromias (hiperpigmentação). Erosões e fi ssuras na língua são comuns, o que pode difi -cultar a degluti ção, agravando o quadro de desnutrição. O quadro neurológico de demência, confusão mental/ence-falopati a e até coma é mais tardio. Neuropati as periféricas e mielite são mais raras. As exacerbações são comuns nas

reexposições ao sol, quando novamente ocorre o quadro de fotodermati te.

Deficiência B3 Demência

Diarreia

Dermatite

Death

Figura 5 - Pelagra 4 “Ds”

E - Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é eminentemente clínico e pode ser corro-borado pelo teste terapêuti co com a reposição de niacina/vitamina B3 (ou complexo B para simplifi car). Raramente é feita a dosagem de niacina que obviamente é baixa. Também é possível dosar metabólitos na urina (piridona e n-meti l-nicoti namida) que estão igualmente diminuídos. Os exames gerais podem refl eti r o estado nutricional como anemia e hipoproteinemia.

A biópsia para exame anatomopatológico é de uma der-mati te inespecífi ca e as bolhas, quando examinadas, mos-tram-se ser do ti po subepidérmicas.

O diagnósti co diferencial se faz com doenças que cur-sam com fotossensibilidade: erupções medicamentosas e os fotoeczemas, lúpus sistêmico, pênfi go foliáceo e porfi ria cutânea tardia; nesses casos, os aspectos epidemiológicos da dieta ou das condições associadas à forma secundária (alcoolismo, uso de drogas, uso de isoniazida, infecção pelo HIV etc.) e também os achados sistêmicos (diarreia e de-mência – lembrar dos 4 “Ds”) ajudam na resposta fi nal.

F - Tratamento

O diagnósti co precoce evita possíveis complicações e a resposta ao tratamento é pronta. A simples reposição de niacina ou nicoti namida leva à resolução do quadro. Enquanto presente a pelagra, o paciente deve permanecer em repouso e evitar exposição solar. Devido ao estado de desnutrição, deve ser insti tuída uma dieta hipercalórica e hiperproteica com reposição de outras vitaminas também. Nas formas secundárias, é necessário reverter o processo de base que impede o metabolismo normal da niacina (nes-ses casos a reposição pura e simples pode não resolver).

6. Resumo

Quadro-resumo

- Na sarcoidose, predominam acometi mentos da pele, ocular e pulmonar;

- A sarcoidose cutânea pode ter quadro inespecífi co chamado eritema nodoso ou lesões pelo próprio infi ltrado granuloma-toso;

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- A amiloidose cutânea pode se apresentar com lesões macula-res, liquenifi cadas e nodulares;

- A amiloidose sistêmica pode ser primária ou secundária e as lesões cutâneas tendem a ser purpúricas e hemorrágicas;

- Nas porfi rias agudas, predominam sintomas neurológicos e gastrintesti nais, enquanto que as lesões dermatológicas são mais associadas às formas crônicas;

- A pelagra é caracterizada classicamente pelos 4 “Ds”: diarreia, dermati te, demência e death (morte).

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DERMATOLOG IA

Tumores malignos

Alexandre Evaristo Zeni Rodrigues

balhos mostraram haver associação, em alguns pacientes, com o vírus HPV (beta-papilomavírus).

c) Quadro clínico

As lesões iniciais surgem como pequenas placas eritema-tosas cuja superfí cie é áspera; ao exame, essas lesões são mais palpáveis do que visíveis. Com a evolução, a camada de queratose vai fi cando mais espessa e a lesão assume um as-pecto verrucoso. Uma variante desse ti po verrucoso é o cor-no cutâneo (lesão com aspecto de chifre). O predomínio das lesões é em áreas fotoexpostas, principalmente face, couro cabeludo (nos calvos) e antebraços. Algumas queratoses po-dem confl uir e se tornarem grandes placas. O crescimento rápido em extensão e a infi ltração da lesão podem indicar uma transformação para o carcinoma espinocelular.

Figura 1 - Paciente com fototi po I e antecedente de intensa expo-sição solar apresentando pápulas e placas ceratósicas em áreas expostas: queratoses actí nicas

d) Métodos diagnósti cos

O diagnósti co é clínico e o único exame que deve ser considerado é a biópsia para anatomopatológico no caso da

1. Pré-malignosNeste capítulo, serão abordadas as lesões com altera-

ções displásicas que têm grande potencial para evoluírem a carcinomas invasivos, mas que podem permanecer in situ por muitos anos.

A - Queratoses actí nicas

São as lesões pré-malignas mais comuns e que têm po-tencial de se transformar em carcinoma espinocelular; al-guns autores já a consideram um carcinoma espinocelular in situ. Na realidade, é impossível prever sua transforma-ção, e muitas vezes elas são tratadas profi lati camente a fi m de evitar essa temida complicação. Em alguns países com população caucasiana está entre as principais causas de vi-sita ao dermatologista (nos Estados Unidos é a 2ª).

a) Epidemiologia

É extremamente frequente em pacientes com pele fo-toti po I, II e III, chegando a uma incidência de 15 a 20% nos países do hemisfério norte (em países tropicais, como a Austrália, pode chegar a 40% da população adulta). É mais comum em adultos de meia-idade e idosos (não surge em crianças) e também é mais vista em homens (por provável maior exposição ao sol).

b) Fisiopatologia

Está diretamente correlacionada à exposição crônica ao sol, o que leva a um dano cumulati vo pelos raios ultraviole-tas (UV), traduzindo em alterações do DNA de querati nóci-tos que são responsáveis pela inati vação de genes supres-sores tumorais; com isso, as displasias que ocorrem com as células da epiderme não são inibidas, o que pode gerar um clone de células neoplásicas. Esse mecanismo de perda da vigilância imunológica também é mais evidente em pacien-tes transplantados que estão sob a ação de imunossupres-sores. Nesses pacientes, a incidência de queratoses actí ni-cas e carcinomas espinocelulares é aumentada. Alguns tra-

CAPÍTULO

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necessidade da diferenciação com um carcinoma espino-celular. Para isto, os pacientes devem realizar um checkup dermatológico semestral, pois muitas vezes a transforma-ção maligna é rápida. O diagnósti co diferencial se faz com as queratoses seborreicas (de natureza benigna), com o lú-pus discoide, com outras pré-malignas (doença de Bowen e doença de Paget).

e) Tratamento

A 1ª medida a ser tomada é a fotoproteção, o que por si só já pode levar à resolução de lesões iniciais. As lesões per-sistentes são tratadas com métodos destruti vos pela maioria dos dermatologistas; entre eles, o mais uti lizado pela prati ci-dade é a aplicação do ácido tricloroacéti co (ATA) com ou sem a curetagem prévia da lesão. Ainda nesse grupo, a crioterapia com nitrogênio líquido é altamente efi caz. Excisão e eletroco-agulação também trazem bons resultados, porém com maior risco de cicatrizes inestéti cas. Dos tratamentos clínicos, o 5-fl uoracil é bastante empregado, sendo, inclusive, capaz de destacar lesões que não são clinicamente tão visíveis (seu uso leva a uma infl amação que é responsável pela regressão da lesão); o creme de imiquimode age da mesma forma, po-rém seu custo é mais elevado. A terapia fotodinâmica (uso de ALA como fotossensibilizante e sessões de banhos de luz visí-vel) é o tratamento mais promissor, pois é altamente efi caz e com bons resultados estéti cos.

B - Doença de Bowen

Também é considerada um carcinoma espinocelular in situ que tem a proliferação em extensão, ati ngindo até vários centí metros de tamanho, mas que raramente sofre invasão na derme, apesar de alguns casos virem associados a outras malignidades internas.

a) Epidemiologia

Não é tão frequente na população normal, tendo taxas de incidência anual de 10 a 14 casos/100.000 habitantes. Como tem parti cipação da radiação ultravioleta, é esperada uma taxa maior em pacientes brancos (fototi pos de I a III). Também é mais comum em idosos, entretanto não tem di-ferença entre os sexos masculino e feminino.

b) Fisiopatologia

Também está diretamente correlacionada com o dano cumulati vo pelos raios UV, gerando as já citadas alterações no DNA; essas mutações também já foram descritas pela radiação x, pela contaminação com arsênio (no passado usado em algumas medicações e também em lençóis de água contaminados) e pela ação do vírus HPV subti po 16. A classifi cação como lesão paraneoplásica não é bem aceita hoje, pois na realidade os casos relatados provavelmente estavam associados à exposição crônica ao arsênio.

c) Quadro clínico

As lesões característi cas são placas eritematoescamosas com bordas bem defi nidas, no entanto de contornos irre-

gulares que, por serem assintomáti cas, chegam ao derma-tologista já com grande extensão, pois foram subesti madas pelos pacientes. Podem variar de 1 a vários centí metros de extensão e ser encontradas em qualquer localização cutâ-nea e mucosa (inclusive em áreas cobertas). Na mucosa ge-nital masculina é conhecida como eritroplasia de Queyrat. O risco de metastati zação é muito baixo.

Figura 2 - Doença de Bowen: placa eritematodescamati va bem de-limitada em região frontal

d) Métodos diagnósti cos

O único exame que leva ao diagnósti co é o anatomopato-lógico que mostra uma anaplasia de querati nócitos ocupan-do toda a extensão da epiderme; não há focos de invasão da derme (isso pode ocorrer em menos de 5% dos casos). O diagnósti co diferencial é feito com a psoríase, com a que-ratose actí nica, com a doença de Paget e com o carcinoma basocelular superfi cial. Algumas lesões pigmentadas podem fazer diferencial com melanoma extensivo superfi cial.

e) Tratamento

A excisão simples é considerada por muitos autores como o método de eleição, pois permite a análise histoló-gica da peça cirúrgica. Ela é a 1ª opção em lesões pequenas e em áreas onde a cirurgia tem menor grau de difi culdade (evitar na face e dedos). Outros métodos destruti vos tam-bém se mostram efi cientes como é o caso da curetagem com eletrocoagulação, a crioterapia com nitrogênio líquido e radioterapia. Tratamentos clínicos também são possíveis: 5-fl uoracil tópico e imiquimode em creme. Recentemente, foram obti dos bons resultados com a terapia fotodinâmica.

C - Doença de Paget

Lesão pré-maligna que tem 2 formas disti ntas: mamária e extramamária. Os pacientes se apresentam com placas que simulam um eczema crônico e são tratados muito tem-po como tal, mas sem o sucesso esperado nas dermati tes infl amatórias. Apesar de não ser propriamente um carcino-ma in situ, ela frequentemente está associada a um carcino-ma de base, principalmente na forma mamária.

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DERMATOLOG IA

a) Epidemiologia

A incidência anda paralelamente aos carcinomas da mama, pois até 3% destes podem se manifestar com a do-ença de Paget (no inverso, quase 100% dos casos de Paget mamário estão associados a carcinomas mamários). Os demais dados epidemiológicos também se assemelham ao câncer de mama: mais comum em mulheres, de meia-idade (dos 20 aos 80, com média de 50 anos), sem predileção por raça. A forma extramamária é bem mais rara.

b) Fisiopatologia

Apesar da origem obscura, hoje a teoria mais aceita é a do surgimento de uma neoplasia no epitélio dos ductos lactí fe-ros com a disseminação retrógrada para o epitélio do mamilo ipsilateral. Esse epidermotropismo é guiado pela produção de um fator de mobilidade chamado de alfa-heregulina. A forma extramamária é considerada um adenocarcinoma cuja origem pode ser de um tumor interno (metástase cutânea) ou da própria pele (origem de uma glândula anexa).

c) Quadro clínico

Na doença de Paget mamária, a apresentação mais vis-ta é de uma placa única que tem as característi cas de uma dermati te: eritema, descamação, exsudação e sangramen-tos. Os sintomas também podem ser coincidentes: ardor e prurido. Muitas pacientes contam ter tentado diversos tra-tamentos com corti coides e anti -histamínicos, mas não ob-ti veram sucesso. A localização unilateral é a regra (quadros bilaterais são raros e se apresentam favoráveis à dermati -te propriamente dita). As placas podem chegar até 10cm de diâmetro. A doença extramamária se apresenta com o mesmo ti po de lesão, porém as localizações são diferentes: axila, região inguinal e periumbilical.

d) Métodos diagnósti cos

A biópsia com exame anatomopatológico deve ser re-alizada para a diferenciação das doenças eczematosas; ela mostra uma displasia da epiderme com células de citoplas-ma claro. Em caso de confi rmação, deve-se proceder aos exames para detecção do carcinoma da mama; nesse caso, a mamografi a pode se mostrar alterada em até 65% das pa-cientes. No caso da forma extramamária, os tumores mais associados são de colo do útero, bexiga e reto, e a investi ga-ção deve ser realizada pelo especialista em questão.

e) Tratamento

Na doença de Paget clássica, o tratamento vai depender do estadiamento do câncer de mama (a maioria necessita da mastectomia total) e o acompanhamento é com o mas-tologista.

O mesmo é válido para a doença extramamária, já que, se um tumor de órgão interno ou metástases ganglionares forem encontrados, a conduta será a cargo do cirurgião on-cológico. Nas lesões restritas à pele, a excisão com margem de segurança (de preferência com a cirurgia micrográfi ca de Mohs) é o tratamento de escolha.

2. Carcinoma basocelular

A - Introdução

É o tumor maligno mais comum, em números absolutos, da raça humana; felizmente, seu comportamento não é tão agressivo como as demais neoplasias malignas, pois raras vezes ele gera metástases linfonodais e/ou para órgãos in-ternos. Seu maior problema é a destruição local pela inva-são dos tecidos adjacentes, mas com o tratamento cirúrgico adequado a resolução é alta, sendo desnecessárias terapias mais potentes como radioterapia e quimioterapia. Tem cla-ra associação com exposição solar crônica.

B - Epidemiologia

A frequência é bem alta, principalmente em países pre-dominantemente caucasianos (nos Estados Unidos 400 casos/100.000 habitantes, na Austrália, aproximadamen-te 700 casos/100.000 habitantes); no Brasil, as taxas são menores, pois existem mais indivíduos com fototi po alto e giram em torno de 150 casos/100.000 habitantes. Com estes números elevados, a chance de uma pessoa adquirir um carcinoma basocelular ao longo da vida é de 40%. Das neoplasias cutâneas, ele representa 65% do montante.

É mais comum nos homens na proporção de 3:2 por provável maior exposição solar devida a situações socioe-conômicas. A faixa etária de acometi mento é em adultos de meia-idade e idosos, mas pode surgir em jovens (raro em crianças e adolescentes). Como mencionado, é bem mais comum na raça branca caucasiana, sendo a raça negra pou-co acometi da, mas essa não está totalmente ilesa.

Uma vez feito o diagnósti co da neoplasia, a chance de uma pessoa vir a apresentar outro tumor em 5 anos é de 50%, daí a necessidade de um acompanhamento rigoroso.

C - Fisiopatologia

Claramente a razão maior para o surgimento do carcinoma basocelular é a ação dos raios UV que provocam uma muta-ção em genes de células-tronco da camada basal (no epitélio normal e nos folículos); alguns trabalhos também mostraram associação com mutações esporádicas em genes supressores tumorais, o que explica o surgimento de lesões em áreas não expostas. As ondas mais curtas de UVB têm parti cipação maior que os raios UVA. A radiação x e exposições a agentes quími-cos, como o arsênio, também já foram implicadas.

Radiação x

CBC

MutaçãoDNA células

Camada basal

Radiação ultravioleta

Agentes químicos (arsênio)

Figura 3 - Fisiopatologia: carcinoma basocelular

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D - Quadro clínico

Uma característi ca marcante do carcinoma basocelular é que, apesar de existi r uma forma nodular, menos agres-siva e mais comum, ele possui outras variantes clínicas e histopatológicas que merecem uma atenção especial, pois podem passar despercebidas pelo clínico geral e por neces-sitarem de tratamentos mais invasivos, conforme será dis-cuti do adiante.

As variantes clínicas do carcinoma basocelular são: -Nodular: lesão elevada com cor eritematoviolácea, possuindo superfí cie lisa com telangiectasias visíveis e bordas de coloração brilhante perlácea (deriva de pe-rolada); costuma possuir áreas de depressão, exulce-ração e crostas centralmente. Os pacientes costumam referir sangramentos aos mínimos traumas diários;

-Superfi cial: são placas eritematoescamosas e crostosas, irregulares, de bordas bem delimitadas; também apre-senta áreas de erosão e sangramentos esporádicos;

-Esclerodermiforme: lesões atrófi cas de aspecto cica-tricial que costumam ser invasivas na profundidade; considerada a forma mais agressiva de todas;

-Micronodular: outra forma agressiva que tende a formar uma placa papulosa infi ltrati va com pontos de necrose;

-Pigmentado: são pápulas e nódulos bem delimitados de coloração acastanhada que fazem diferencial com melanoma (porém têm prognósti co bem melhor);

-Císti co: formam pápulas e nódulos translúcidos de conteúdo mais líquido e por isso a consistência é mais fl ácida.

Os locais mais acometi dos de uma forma geral são ca-beça, pescoço e porção superior do tórax, mas é possível o surgimento em qualquer segmento corporal; quanto mais jovem o paciente, maior a propensão para lesões torácicas.

Algumas síndromes clínicas são mais associadas ao car-cinoma basocelular, entre elas estão:

-Xeroderma pigmentoso: doença autossômica reces-siva com fotossensibilidade severa, envelhecimento precoce e surgimento de câncer de pele na juventude; pode vir associada a problemas oculares e neurológi-cos. Devido à incapacidade de reparo de danos no DNA (defeitos enzimáti cos);

-Síndrome de Gorlin: sinonímia = síndrome nevoide basocelular – pacientes com múlti plos basocelulares e outros tumores neurais e de partes moles (medulo-blastoma, meningiomas e rabdomiomas) além de ano-malias ósseas, cistos odontogênicos e queratodermia palmoplantar;

-Síndrome de Basex: cursa com múlti plos basocelulares e lesões atrófi cas foliculares, anidrose e hipotricose.

Figura 4 - Forma nodular do CBC com lesão tumoral com necrose central

Figura 5 - Tumor acastanhado de crescimento lento em região mentoniana: CBC pigmentado

E - Métodos diagnósti cos

A biópsia com exame anatomopatológico é necessária para confi rmação do diagnósti co e também tem valor prog-nósti co, pois mostra o subti po histológico (formas esclero-dermiformes e micronodulares são mais agressivas). Outros exames diagnósti cos são dispensáveis. A biópsia pode ser, a princípio, incisional e pequena apenas para fi ns elucidati vos e posteriormente se faz o planejamento cirúrgico para a re-ti rada total da lesão, levando em consideração aspectos da clínica e histopatologia.

Nos casos sindrômicos, a investi gação clínica pode ser mais extensa e depende dos achados associados.

F - Tratamento

Conforme já mencionado, o tratamento é defi nido após a biópsia confi rmatória que nos dá o subti po histológico. Nas seguintes situações, ele deve ser mais agressivo (ou seja, cirurgia com margem de 0,5 a 1cm):

-Lesões maiores que 1cm no seguimento da cabeça, pescoço, pés e mãos; -Subti pos histológicos esclerodermiforme e microno-dular; -Lesões já recidivadas.

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Para manter a margem de segurança com maior preci-são pode ser indicada a cirurgia micrográfi ca de Mohs, que é uma técnica em que se avalia a margem no intraoperató-rio com a congelação; ela é preferencialmente indicada nas situações supracitadas. Outras lesões que não preencham os critérios já citados, de forma geral, podem ser tratadas com cirurgia simples e margem de 0,4 a 0,5cm (a avaliação é individualizada e criteriosa).

Em pacientes idosos e com muitas comorbidades pode ser indicado um procedimento mais conservador, já que as condições cirúrgicas do paciente não são ideais. Para isso pode ser realizada a curetagem simples e eletrocoagulação de lesão ou a criocirurgia com nitrogênio líquido. Alguns tumores superfi ciais podem ser tratados clinicamente com creme de imiquimode ou terapia fotodinâmica. A radiote-rapia isolada pode, também, resolver, com efi cácia, muitos casos inoperáveis.

Em contraparti da, de uma forma geral, sempre deve ser priorizada a cirurgia, pois essa tem altas taxas de cura e per-mite a análise da margem da lesão.

3. Carcinoma espinocelular

A - Introdução

Forma agressiva de tumor cutâneo, sendo o 2º em nú-meros absolutos de incidência. Tem clara associação com exposição solar e outros fatores discuti dos adiante. A maio-ria tem evolução insidiosa e, quando diagnosti cados e tra-tados a tempo, tem boa chance de cura; quando isso não ocorre, tem alta capacidade de invasão local e até mesmo de gerar metástases a distância.

B - Epidemiologia

A frequência é relati vamente alta, principalmente em países de população branca e com altos índices de irra-diação ultravioleta (como nos Estados Unidos e Austrália) e dependendo da região, os índices podem variar de 70 a 500 casos/100.000 habitantes; em nosso país, as taxas fi -cam por volta de 80 a 100 casos/100.000 habitantes, apesar de existi rem poucos trabalhos específi cos de Epidemiologia (a maioria engloba cânceres não melanoma num mesmo grupo). É, também, mais comum em idosos e homens. As taxas têm aumentado com o passar dos anos, provavelmen-te pelo maior número de diagnósti cos com as campanhas de câncer de pele. Corresponde a cerca de 20% de todos os casos de neoplasias da pele.

C - Fisiopatologia

O surgimento do carcinoma espinocelular de pele e se-mimucosas está relacionado com ação cumulati va dos raios UV que também levam a mutações do DNA dos querati nóci-tos da camada espinhosa da pele; também há relatos dessa fotocarcinogênese ser provocada por uma inibição de genes

supressores tumorais pela ação direta dos raios UV (prefe-rencialmente os raios UVB). Isso pode ocorrer com expo-sição natural solar ou por meio de câmaras de fototerapia ou de bronzeamento arti fi cial. No entanto, há indução de lesões malignas de células espinhosas por outros fatores:

-Radiação ionizante: há relatos de desenvolvimento de tumores espinocelulares em pacientes que foram submeti dos a tratamentos radioterápicos no passado; -Vírus HPV: alguns subti pos como o 6, 11, 16 e 18 são mais oncogênicos e capazes de gerar lesões neoplási-cas em pele e mucosas anogenitais (bem como no car-cinoma do colo do útero); - Infl amação crônica: de qualquer origem, como le-sões autoimunes, (líquen escleroso, fí stulas de Crohn, cicatrizes de epidermólise bolhosa etc.) ou infeccio-sas (cromomicose, tuberculose, osteomielite etc.); o mecanismo fi siopatológico exato é desconhecido. Um exemplo clássico desse ti po de eti opatogenia são as úlceras de Marjolin, nas quais ocorre o surgimen-to de um carcinoma espinocelular sobre uma úlcera crônica (comumente uma úlcera de estase). Lesões cicatriciais também são propensas ao surgimento do carcinoma, como, por exemplo, cicatrizes anti gas de queimaduras; -Exposição química: como ocorre com o carcinoma ba-socelular, o arsenicismo crônico pode levar ao surgi-mento de lesões de espinocelulares; - Imunossupressão: pacientes que recebem medica-ções imunossupressoras frequentemente desenvol-vem o CEC; isso é bem conhecido nos pacientes trans-plantados renais, que necessitam de uma monitoração rigorosa quanto aos tumores cutâneos. Outros pacien-tes imunossuprimidos também se comportam da mes-ma maneira e isso também pode levar ao surgimento de outros ti pos tumorais, porém a frequência desses é menor em relação ao carcinoma espinocelular.

Tabela 1 - Diferenças CEC x CBC

Carcinoma espinocelular

Carcinoma basocelular

Camada de origem da pele

Espinhosa Basal

Variante pigmen-tada

Não Sim

Risco de metástase Alto Quase nulo

Lesão com telan-giectasias

Não Sim

D - Quadro clínico

Normalmente, a manifestação se dá no início com uma pápula ou nódulo com superfí cie dura e áspera (ceratósi-ca) que tem um crescimento constante (pode ser rápido ou não); com a evolução, a lesão pode assumir um aspecto

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Figura 7 - CEC lábio: lesão ulcerada em lábio inferior de paciente tabagista

E - Métodos diagnósti cos

Mesmo havendo uma forte suspeita clínica diagnósti ca, a biópsia com exame anatomopatológico é necessária para confi rmação e também tem valor prognósti co, pois mostra o subti po histológico (o desmoplásti co é pior e o acantolíti -co, o 2º) o grau de diferenciação de Broders (quanto mais indiferenciado/grau IV, pior) e a espessura (ruim se >5mm). Outros exames diagnósti cos de imagem podem ser usados em caso de suspeita de metástase linfonodal (é a metástase mais comum); nesse caso a biópsia aspirati va com agulha fi na (PAAF), guiada por ultrassom, é a que tem melhor de-sempenho e menor risco, e a biópsia direta do gânglio é o padrão-ouro para o diagnósti co. Como no carcinoma baso-celular, a biópsia pode ser o princípio incisional e pequena apenas para fi ns elucidati vos e posteriormente se faz o pla-nejamento cirúrgico para a reti rada total da lesão, levan-do em consideração aspectos da clínica e histopatologia. O estadiamento global obedece à classifi cação do ti po TNM.

F - Tratamento

Será guiado pelos parâmetros da clínica aliados aos re-sultados do exame anatomopatológico. Neste últi mo, deve-mos ser mais “agressivos” nos tumores desmoplásti cos, nos indiferenciados e naqueles com espessura maior que 5mm. Clinicamente, a mesma abordagem mais “agressiva” deve ser usada nas situações de alto risco, conforme já mencio-nado. Nesses casos, no planejamento cirúrgico, devemos promover a reti rada da peça com margem de 1cm. Quando não houver nenhum fator clínico ou histopatológico de car-cinoma espinocelular de alto risco, a excisão pode ser feita com margem de 0,6mm. Alguns tumores pequenos (meno-res que 1,5cm) e de baixo risco podem ser apenas curetados e eletrocoagulados ou tratados com terapia fotodinâmica.

Em caso de comprometi mento das margens cirúrgicas, pode ser realizada a ampliação (de preferência com a cirur-gia micrográfi ca de Mohs) ou radioterapia que é a 2ª opção;

verrucoso ou de lesão ulcerada. Os sintomas relatados pe-los pacientes são dor, prurido e sangramentos aos mínimos traumas. Outros sinais dermatológicos de fotoenvelheci-mento costumam estar presentes (manchas melanóti cas, poiquilodermias, rugas exuberantes etc.). Deve-se atentar para os fatores de risco para desenvolvimento do tumor (exposição solar no passado, exposição química, uso de drogas imunossupressoras etc.). Os locais mais comuns são no segmento de cabeça e pescoço (quase 3/4 do total) e nas extremidades superiores (15% dos casos). No 1º caso é frequente o surgimento no lábio inferior, principalmente em pacientes tabagistas, e esse ti po costuma ter um com-portamento mais agressivo. É importante a palpação dos gânglios que drenam as áreas correspondentes devido ao risco de metástase linfáti ca.

Nos pacientes com úlceras cutâneas crônicas que cus-tam a cicatrizar, devemos sempre suspeitar da transforma-ção maligna e realizar a biópsia da lesão para confi rmação do exame anatomopatológico.

Um subti po específi co com comportamento “benigno” (menor risco de metastati zação), mas com lesões exuberan-tes é o carcinoma verrucoso que, dependendo da região, recebe denominações próprias:

-Tumor de Buschke-Lowenstein: lesões tumorais ver-rucosas com aspecto de “couve-fl or” na região anoge-nital; -Papilomatose oral fl orida: lesões vegetantes nos lá-bios e cavidade oral; -Epitelioma cuniculatum: lesão verrucosa em região plantar.

De uma forma resumida, podemos considerar o carcino-ma espinocelular de alto risco nas seguintes situações: lesões de mão ou cabeça e pescoço; lesões maiores que 2cm (maior que 0,6cm se esti ver nas regiões já citadas), bordas mal de-limitadas, crescimento rápido, lesões sobre áreas infl amató-rias crônicas, imunossuprimidos, tumor recidivante e grau de diferenciação histológica (quanto mais indiferenciado, pior).

Figura 6 - CEC: paciente com fotodano importante e lesão tumoral friável de rápido crescimento na mão direita

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essa também deve ser associada, se na peça cirúrgica fi car demonstrada a invasão perineural. No caso de confi rmação de comprometi mento linfonodal, deve ser realizada a linfa-denectomia associada à radioterapia. Não há indicação de linfadenectomia profi láti ca.

4. Melanoma cutâneo

A - Introdução

Sinonímia: melanoma maligno (hoje em desuso, pois todos são malignos). É o tumor de pele mais agressivo de todos, sendo originado dos melanócitos. Estes, por sua vez, além da pele, estão presentes em outros síti os como reti na, leptomeninges, conduto auditi vo e mucosas (oral, gastrin-testi nal e genital). Sendo assim, o melanoma cutâneo é dito primário quando se origina diretamente da pele ou secun-dário quando ati nge a pele após metástase oriunda desses outros locais. Pela sua agressividade, o prognósti co está di-retamente correlacionado à detecção precoce.

B - Epidemiologia

Por ser o mais agressivo dos tumores cutâneos, feliz-mente a incidência do melanoma é menor em relação aos carcinomas já citados. No entanto, um alerta deve ser dado, pois ela vem aumentando com o passar dos anos; estudos americanos mostram que os casos novos triplicaram nos últi mos 20 anos. O Brasil também registrou um aumento na incidência e são esperados aproximadamente 6.000 ca-sos novos ao ano, o que nos dá uma incidência de 4 ca-sos/100.000 habitantes (na Austrália ela chega a 37 casos e nos EUA a 17 casos/100.000 habitantes). Esse aumento em parte se deve às melhorias nos métodos diagnósti cos, como o uso da dermatoscopia e as campanhas de câncer da pele. Apesar de ser possível o desenvolvimento do mela-noma nos afrodescendentes, temos a maior incidência em pacientes de pele clara com fototi pos I e II. Em jovens, ele predomina em pacientes do sexo feminino; já nos pacien-tes de meia-idade e idosos, ele é mais comum em homens; no somatório geral, o predomínio feminino é ligeiramente presente, porém as taxas de mortalidade são maiores nos pacientes do sexo masculino.

C - Fisiopatologia

Ainda é desconhecida, mas parece ser multi fatorial com a exposição aguda aos raios UV no período da infância como o maior vilão que contribui para o desenvolvimento do melanoma. É também conhecida a capacidade de trans-formação maligna de nevos atí picos preexistentes ou nevos congênitos, havendo, nesses casos, maior parti cipação ge-néti ca familiar. No entanto, a maioria dos melanomas surge de novo (60% dos casos não têm nevos preexistentes). Não há relatos de associação com gravidez, reposição hormonal ou exposição a agentes químicos. Os subti pos clínicos que

mais se associam com a exposição crônica ao sol são o ex-tensivo superfi cial e o lenti go maligno melanoma.

D - Quadro clínico

Para a detecção clínica do melanoma devemos fi car atentos a lesões melanocíti cas que não respeitem a regra do ABCDE, sendo a seguinte:

-A: Assimetria – uma das metades não se assemelha em nada à outra metade da lesão; -B: Bordas irregulares – contornos não perfeitos e en-trecortados lembrando mapas geográfi cos ao invés de lesões circulares; -C: Cores – lesões com coloração heterogênea apresen-tando ao mesmo tempo áreas castanho-claro, casta-nho-escura, enegrecidas, brancas e azuladas; -D: Diâmetro – mais comum em lesões que meçam mais de 6mm de diâmetro superfi cial, apesar de hoje sabermos de micromelanomas menores que esse comprimento; -E: Evolução – lesões que sofram mudanças signifi cati -vas em um curto espaço de tempo.

Outros médicos preferem usar o conceito do “pati nho feio”, no qual devemos suspeitar de uma lesão melanocíti ca que foge completamente do padrão das demais lesões do paciente.

Tabela 2 - Metástases de melanoma

- Próximas ao síti o primário;

- Ganglionar;

- Pele distante ao síti o primário;

- Fígado, pulmão;

- Esqueleto;

- Sistema nervoso central.

Com relação aos subti pos clínicos do melanoma, esses são em número de 4:

-Melanoma extensivo superfi cial: borda ou placa leve-mente elevada de contornos irregulares e coloração heterogênea, podendo apresentar em fases mais tar-dias alterações focais da superfí cie como ulcerações e elevações. Seu crescimento principal é radial; -Melanoma nodular: pápula ou pequeno nódulo de coloração enegrecida ou azulada que também pode apresentar sangramentos aos menores traumas ou permanecer íntegra, crescendo principalmente na pro-fundidade (quando diagnosti cados são os mais espes-sos e invasivos); -Lenti go maligno melanoma: mais comum em idosos e se apresenta como uma mácula ou placa não eleva-da de contornos e coloração irregular numa pele com outros indícios de fotodano crônico (principalmente na face). São os que levam mais tempo para invadir a derme;

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-Melanoma lenti ginoso acral: ocorre nas extremidades palmoplantares e periungueais, sendo o menos comum de todos (porém o mais comum nos negros). Surge como uma pápula enegrecida e com crescimento rápido, não respeitando a regra do ABCDE; devido à difi culdade da visualização por causa da localização, são diagnosti cados tardiamente e por isso têm o pior prognósti co. Quando surge no aparelho ungueal, um sinal importante é o com-prometi mento que se estende da unha para a região cuti -cular (chamado sinal de Hutchinson); -Melanoma amelanóti co: normalmente, uma lesão nodular não pigmentada que mimeti za um carcinoma baso ou espinocelular.

Os locais mais comuns para surgimento do melanoma são o tronco e os membros inferiores; a exceção é o lenti go maligno melanoma que é mais comum na face.

Figura 8 - Forma amelanóti ca do melanoma acral

E - Métodos diagnósti cos

A biópsia para exame anatomopatológico também é fun-damental para a confi rmação diagnósti ca, mas, diferente dos carcinomas, ela não é incisional, ou seja, é sempre primordial a reti rada de toda a lesão assim que houver uma suspeita clínica; a exceção existe em lesões muito extensas e também de face. Sendo a biópsia excisional, ela permite a avaliação da espessura do tumor por meio da avaliação dos níveis de Clark e de Breslow de forma que esse últi mo é o fator prognósti co mais importante para a sobrevida do doente. Ela deve ser fei-ta com margem mínima de 1mm e orientada no senti do da drenagem linfáti ca da área em questão a fi m de não prejudi-car a pesquisa do linfonodo senti nela. Esse é recomendado pela maioria dos consensos em caso de lesões com espessu-ra de Breslow maior que 1mm (ou menor que 1mm, porém com nível de Clark 4 ou ulceração) e nos mostra a presença de micrometástases linfonodais.

Tabela 3 - Prognósti co do câncer de pele segundo índice de Breslow

Espessura de Breslow Sobrevida 5 anos<1mm 95 a 100%

1 a 2mm 80 a 96%2,1 a 4mm 60 a 75%

>4mm 50%

Tabela 4 - Extensão tumoral segundo níveis de Clark

Níveis de Clark

1 - In situ/restrito à epiderme.

2 - Até derme papilar.

3 - Junção dermes papilar e reti cular.

4 - Até derme reti cular.

5 - Além da derme reti cular/subcutâneo.

No estadiamento, a avaliação clínica e a palpação de gânglios no exame fí sico são fundamentais para nortear os exames de imagem. Pacientes assintomáti cos e com estadios I e IIA não precisam realizar exames de imagem de acordo com os consensos internacionais; alguns auto-res brasileiros preconizam, no entanto, a radiografi a de tórax, fosfatase alcalina e DHL para todos os pacientes. A tomografi a computadorizada deve ser o exame solicitado na suspeita clínica de metástases. No seguimento, as visitas podem variar de 1 a 4 ao ano e o paciente deve ser educado para o autoexame na intenção de detectar recidiva na cica-triz e/ou a presença de gânglios.

No diagnósti co diferencial entram todas as lesões pig-mentadas que podem ser benignas como os nevos melano-cíti cos (epidérmicos, juncionais ou compostos), o dermato-fi broma (um ti po de histi ocitoma) e as queratoses seborrei-cas; nesses casos, a disti nção clínica nem sempre é possível e devemos lançar mão de um exame clínico que aumenta a acurácia diagnósti ca para aproximadamente 90% – a der-matoscopia. Esta usa um aparelho com lentes (lembra o otoscópio) que é capaz de aumentar a imagem em até 10 vezes; também existem dermatoscópios digitais que permi-tem outras arti manhas mais interessantes.

F - Tratamento

Após o diagnósti co e o estadiamento, deve ser feita a ampliação da margem de acordo com a espessura tumoral (Tabela 5).

Tabela 5 - Margem cirúrgica do melanoma

Espessura Margem cirúrgica

In situ 0,5 a 1cm

<1mm 1cm

1 a 2mm 1 a 2cm

>2mm 2cm

Devemos mencionar que a ampliação da margem só pode ser realizada após a pesquisa do linfonodo senti ne-la que, por sua vez, delimita a linfadenectomia ao gânglio acometi do.

A cirurgia é o único tratamento efi caz para o melanoma não metastati zado e alguns estudos com interferon alfa-2b e algumas vacinas se mostraram promissoras. Nos casos com a presença de metástases linfonodais ou orgânicas, a quimioterapia é o método de escolha, mas a sobrevida de 5 anos é de apenas 10%.

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5. Linfomas e leucemiasNesse grupo são abordadas as manifestações dermato-

lógicas de algumas leucoses, podendo ser estas específi cas e restritas à pele ou então um comprometi mento cutâneo após a disseminação metastáti ca da doença. Basicamente, os principais linfomas cutâneos se dividem em linfomas de células B e de células T, sendo esses últi mos mais comuns; ambos podem ter origem na pele e, portanto, são linfomas não Hodgkin extranodais. Já as leucemias se manifestam como uma disseminação metastáti ca do quadro hematoló-gico. Como são doenças neoplásicas diversas, elas são dis-cuti das de forma separada para facilitação didáti ca.

A - Linfoma de células T – ti po micose fungoide

Como o nome mostra é um linfoma de células T do ti po CD4 Helper que tem origem na pele, mas que com a evo-lução pode gerar metástases linfonodais e de órgãos inter-nos. O nome deriva da semelhança das lesões com placas de ti nha do corpo. Representa o maior grupo dos linfomas cutâneos correspondendo a quase 70% do total:

-Epidemiologia: é uma doença infrequente, porém não é rara em termos de incidência e prevalência, girando em torno de 0,5 a 1 caso/100.000 habitantes. Os pacientes mais acometi dos são adultos de meia-idade e idosos, tendo uma predominância de 2,5 homens para cada mu-lher. É de distribuição universal, porém pode ter maior prevalência em regiões com maior incidência de infec-ções por retrovírus HTLV (Ásia, América Central e do Sul). -Fisiopatologia: como nos outros subti pos de linfomas, acredita-se que 3 fatores possam estar envolvidos:

• Imunoesti mulação crônica: por meio de processos infl amatórios persistentes pode-se levar a uma pro-liferação descontrolada de um clone de linfócitos T que acabam gerando a linhagem maligna neoplásica;

• Oncogênese de linfócitos: alterações genéti cas po-deriam levar à formação de clones neoplásicos “de novo”;

• Oncogênese viral: algum retrovírus ainda desco-nhecido poderia provocar alterações celulares que culminariam com uma proliferação descontrolada dos linfócitos infectados.

Aliado a esses fatores, haveria uma perda de mecanis-mos supressores tumorais impedindo o controle adequado da hiperproliferação:

- Quadro clínico: a micose fungoide classicamente pas-sa por vários estágios que vão desde as manchas des-camati vas (patch, em inglês), as placas e a fase nódulo--tumoral fi nal. A 1ª pode durar anos e os doentes são tratados erroneamente como se fossem portadores de dermati tes alérgicas ou psoríase; nesse caso, os pacientes nem sempre desenvolvem a evolução para os estadios mais avançados, podendo ter resolução do quadro espontaneamente ou pelos tratamentos uti li-

zados. O prurido quase sempre é mínimo ou ausente; seu aumento na intensidade pode prever uma evolu-ção para as lesões de placas mais infi ltradas. Essas po-dem assumir formas variáveis (anulares, numulares, bi-zarras etc.) e têm uma predileção por áreas protegidas do sol/raios UV. No estadio fi nal, as lesões assumem formas mais nodulares com tamanhos variados; existe uma variante rara que já apresenta nódulos tumorais desde o início (pula os estágios de manchas e placas) e é denominada de micose fungoide d’embleé. Outra variante rara é a reti culose pagetoide de Woringer-Kolopp, sendo essa uma forma localizada (placa eri-tematodescamati va bem localizada, geralmente nas extremidades). Além dessas 2 variantes específi cas citadas, a micose fungoide pode se manifestar de di-versas outras formas e hoje é conhecida como a “nova grande imitadora” (em alusão à sífi lis, que já foi a gran-de imitadora). Entre os subti pos clínicos diversos da micose fungoide estão: forma folicular (pápulas folicu-lares e fácies leonina) forma hipopigmentada (lesões viti ligoides), forma pustulosa (pústulas generalizadas e palmoplantares), forma bolhosa (bolhas tensas sube-pidérmicas) e forma poiquilodérmica (placas atrófi cas eritematoacastanhadas e telangiectásicas);

Figura 9 - Micose fungoide: pápulas e placas eritematodescama-ti vas que lembram um quadro de psoríase, mas que, na verdade, representam um linfoma cutâneo

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T UMOR E S MA L I G NOS

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-Métodos diagnósti cos: para se chegar ao diagnósti co é necessária a correlação clínica-laboratorial, sendo muito importantes os achados na histopatologia e a confi rmação imuno-histoquímica e molecular da clo-nalidade dos linfócitos envolvidos. Nas alterações his-topatológicas são característi cos o infi ltrado perivas-cular com linfócitos atí picos e a migração destes para a epiderme (epidermotropismo) levando à formação dos microabscessos de Pautrier; nos estágios clínicos iniciais (lesões patch) essas alterações nem sempre es-tão presentes no início e pode ser necessário repeti r a biópsia várias vezes durante o acompanhamento do doente até que elas sejam detectadas. Pode-se apro-fundar mais, fazendo a imunofenoti pagem do infi ltra-do e também exames de biologia molecular (rearranjo do gene receptor), ambos indicando a monoclonalida-de do infi ltrado (para diferenciar de um processo infl a-matório não neoplásico cujo infi ltrado é policlonal). Os exames gerais na maioria são normais: pode haver eo-sinofi lia e linfopenia discretas no hemograma e aumen-to de DHL. Os exames de imagem são indicados para realização do estadiamento. O diagnósti co diferencial se dá com as doenças eritematoescamosas em placas: psoríase, eczemas, piti ríase rubra pilar, lúpus eritema-toso subagudo e farmacodermias. Também é importan-te lembrar o grande número de variantes clínicas, cada qual com um diferencial específi co (como, por exemplo, micose fungoide hipocrômica versus viti ligo); -Tratamento: no estágio pré-linfomatoso das manchas/patches ou de parapsoríase, o tratamento é mais con-servador com o acompanhamento regular, repeti ção da biópsia e fototerapia com raios UV; o método mais difundido é o PUVA. Esse ainda é empregado em caso de placas não muito infi ltradas, que também podem ser tratadas com um ti po especial de radioterapia de superfí cie (chamada banho de elétrons). Já nas lesões nodulotumorais e na presença de comprometi mento interno (metástases linfonodais e/ou orgânicas) o tra-tamento é quimioterápico e radioterápico como na maioria dos linfomas.

B - Linfoma de células T – ti po síndrome de Sézary

Variante especial de micose fungoide na qual a dissemi-nação do linfoma na circulação sanguínea leva a um quadro de eritrodermia que pode ter um prognósti co mais sombrio.

a) Epidemiologia

É mais rara que a micose fungoide em placas, sendo difí cil a análise estatí sti ca precisa. A maioria dos trabalhos mostra uma prevalência em pacientes idosos e do sexo masculino.

b) Fisiopatologia

Tem o mesmo processo eti opatogênico da micose fun-goide, podendo inclusive se desenvolver a parti r de um

quadro prévio dessa mesma coirmã. Casos com apareci-mento “de novo” também são possíveis (já abre com eri-trodermia) sendo esses a apresentação mais comum. Não há base fi siopatológica que demonstre o exato mecanismo que leve os pacientes a desenvolverem essa forma ao invés da forma clássica.

c) Quadro clínico

A síndrome é caracterizada pela união do quadro cutâ-neo de eritrodermia (eritema e descamação universais) com um leve tom acastanhado/bronzeado com a adenome-galia generalizada e o encontro das células de Sézary que são linfócitos atí picos com núcleos invaginados bizarros na circulação periférica (a pesquisa é feita em esfregaço anali-sado por um hematologista experiente). Essa tríade costu-ma vir acompanhada de um prurido feroz e generalizado. Pode, também, haver alterações dos anexos cutâneos como distrofi as ungueais e alopecia, além de hiperqueratose pal-moplantar.

d) Métodos diagnósti cos

Além dos achados clínicos de eritrodermia e adenome-galia, a análise do esfregaço do sangue periférico deve mos-trar mais de 5% de células de Sézary (normalmente vai de 15 a 30%, pois as células de Sézary em pequena quanti dade podem ser um achado inespecífi co). O exame anatomopa-tológico tem os mesmos achados descritos na micose fun-goide (epidermotropismo e microabscessos de Pautrier). Os exames de biologia molecular e imunofenoti pagem também são os mesmos. Os demais exames de imagem são indicados para se completar o estadiamento TNM e assim programar o tratamento.

e) Tratamento

O tratamento com PUVA ou banho de elétrons traz bons resultados na melhora da pele, porém não leva a uma re-gressão do comprometi mento ganglionar sendo então in-dicada a quimioterapia, nos mesmos moldes dos esquemas usados no tratamento de outros linfomas.

C - Linfoma de células T – natural killer nasal

Sinonímia: granuloma letal de linha média. Quadro des-truti vo com característi cas de vasculites, que no passado era considerado reacional.

a) Epidemiologia

Quadro que, pela sua letalidade, felizmente, é raro (sem estudos estatí sti cos).

b) Fisiopatologia

Alguns estudos mostraram que ele pode ser desenca-deado pela infecção pelo vírus Epstein-Barr; esse leva a uma proliferação de linfócitos que se acumulam concen-tricamente nos vasos e induzem à necrose por obstrução vascular.

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DERMATOLOG IA

c) Quadro clínico

A forma clássica consiste no desenvolvimento de lesões necróti cas e infl amatórias na mucosa nasal e palato; outros focos extranodais como rins e sistema nervoso central po-dem ser ati ngidos. Todo o processo leva a uma destruição da porção central da face.

d) Métodos diagnósti cos

A biópsia para exame anatomopatológico é fundamen-tal para o diagnósti co; ela mostra um infi ltrado de linfócitos atí picos em torno dos vasos, além de outras células infl a-matórias secundárias. A diagnose diferencial é feita com vasculites, principalmente a granulomatose de Wegener, e também com infecções nasofaríngeas como a zigomicose.

e) Tratamento

A maioria dos pacientes vai a óbito nos primeiros 2 anos, apesar de quimioterapia e radioterapia agressivas.

6. ResumoQuadro-resumo

- As lesões pré-malignas são consideradas por alguns autores como carcinomas in situ e têm potencial de transformação para carcinomas verdadeiros;

- As queratoses actí nicas são as mais comuns e podem originar o carcinoma espinocelular; outras lesões pré-malignas são as doenças de Paget e de Bowen;

- O carcinoma basocelular é o mais frequente tumor maligno e se origina das células da camada basal; ele raramente metasta-ti za, mas os índices de recorrência local são altos;

- O carcinoma espinocelular é originado das células da camada espinhosa e tem grandes chances de metastati zar; por estar relacionado à exposição UV, é muito mais frequente nas áreas expostas;

- O melanoma, além da pele, pode ser originário de outros sí-ti os como reti na, mucosas e meninges; é o tumor cutâneo mais agressivo e os índices de sobrevida são diretamente relaciona-dos com a espessura do tumor (índice de Breslow);

- A micose fungoide é a forma mais comum de linfoma cutâneo, sendo originada a parti r dos linfócitos T.