desapropriação da água

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JOSÉ AILTON GARCIA A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela FADISP e mestre em Direito Constitucional. Professor titular nos programas de graduação e pós-graduação da Universidade Anhanguera de São Paulo. Advogado, tendo expertise na área de desapropriação. DIREITO PÚBLICO SUMÁRIO 1. Introdução; 2. O regime jurídico das águas no Brasil; 3. Desapropriação da água por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social; 4. A justa e prévia indenização na desapropriação da água; 5. Conclusão; 6. Referências. ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS NAKAMURA Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria do Estado. Procurador do Estado.

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Page 1: Desapropriação da água

JOSÉ AILTON GARCIA

A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela FADISP e mestre em Direito Constitucional.

Professor titular nos programas de graduação e pós-graduação da Universidade Anhanguera de São Paulo.

Advogado, tendo expertise na área de desapropriação.

DIREITO PÚBLICO

SUMÁRIO

1. Introdução; 2. O regime jurídico das águas no Brasil; 3. Desapropriação da água por necessidade ou utilidade

pública, ou por interesse social; 4. A justa e prévia indenização na desapropriação da água; 5. Conclusão;

6. Referências.

ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS NAKAMURA

Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da

Procuradoria do Estado. Procurador do Estado.

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RESUMO

O trabalho foi elaborado tendo em vista a evidente relevância da água, por tratar-se de um bem essencial à existência humana individual e coletiva. Seu regime jurídico é complexo e intenso, tendo merecido tratamento cuidadoso e detalhado. A identifi cação do titular do domínio da água é realizada sob a ótica constitucional e sob o prisma da legislação especial. Na segunda parte, são tecidas considerações acerca do processo judicial de desapropriação da água, sob os fundamentos da necessidade ou utilidade pública ou do interesse social, na hipótese do não cumprimento da função social de tão valioso bem. Por fi m, versa-se sobre a justa e prévia indenização na desapropriação da água.

PA� VRAS-CHAVE

Agua; desapropriação; necessidade ou utilidade pública; interesse social; justa indenização.

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo, ao apresentar tema único e delimitado, pautado em investigação original, examina de forma inédita, fundamentada e crítica, a desapropriação da água.

O tema foi escolhido, tendo em vista a evidente relevância de tão precioso bem, essencial à existência humana individual e coletiva.

O discurso adota a forma científica procurando respeitar as exigências estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas e aquelas preestabelecidas pelos Editores.

O objetivo é identificar e deslindar aspectos intrigantes relacionados ao regime jurídico das águas brasileiras, o processo de desapropriação e a justa e prévia indenização, que resulta do processo expropriatório.

O texto está estruturado em três partes.

Na parte inaugural, aborda-se o regime jurídico das águas a fim de elucidar o seu domínio. Em seguida, estuda-se a desapropriação da água por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social com as ilações necessárias ao material legislativo que disciplina o processo expropriatório, em geral. Por fim, investiga-se a instigante questão da justa e prévia indenização na desapropriação, nela incluída a hipótese de desapropriação das águas.

Tudo isso com base na legislação especial pertinente e no cenário da atual Carta Política da nação brasileira.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

2. O REGIME JURÍDICO DAS ÁGUAS NO BRASIL

Para tratar do regime jurídico 1-2-3 das águas no Brasil e identificar seu domínio cumpre debruçar sobre o significado de água, bem como investigar a atual Carta Política da nação brasileira e a legislação infraconstitucional especial.

1. O vocábulo água deriva do latim (aqua). Numa abordagem físico-química, trata-se de um líquido inodoro, insípido e incolor. Suas moléculas são formadas por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O). Tal substância química se encontra na superfície terrestre nos estados líquido, sólido e gasoso4, possuindo grande poder de dissolução de muitas outras substâncias químicas.5

Numa abordagem jurídica, tem-se que a água é um bem de domínio público. É um “bem ambiental”6 de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida. É um recurso natural limitado e dotado de valor econômico.

1. Carlos Maximiliano assenta que a Hermenêutica e a Aplicação do Direito “precisam inquirir qual a norma que

melhor corresponde não só às exigências da justiça, como também às da utilidade social”. O hermeneuta deve

não apenas atender ao regime jurídico geral, mas principalmente ao especial. A exegese de um preceito de direito está

subordinada ao sistema como um todo, adotado a respeito de cada instituto (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e

aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 134).

2. A expressão regime jurídico é utilizada para indicar “o conjunto de normas jurídicas que dispõem sobre um certo

sujeito, bem ou atividade” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 127). Compreende desde a norma de origem constitucional até as disposições legais

que regulamentam o mesmo tema (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28.ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e

Glaucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 1176).

3. Na definição clássica de Ulpiano, encontrada no Digesto (D.1.1.2), o regime jurídico pode ser público (jus publicum),

que diz respeito às coisas do Estado, ou privado (jus privatum), que se refere aos bens dos particulares. Extrai-se do

fragmento original: “Huius studii duae sunt positiones, publicum et privatum. publicum ius est quod ad statum rei romanae

spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quaedam publice utilia, quaedam privatim. publicum ius in sacris,

in sacerdotibus, in magistratibus constitit. privatum ius tripertitum est: collectum etenim est ex naturalibus praeceptis aut

gentium aut civilibus.” Tradução livre: Duas são as posições neste estudo: o público e o privado. É direito público o que

diz respeito ao estado da república, privado o que diz respeito à utilidade dos particulares, pois há coisas de utilidade

pública e outras de utilidade privada. O direito público consiste no ordenamento religioso, dos sacerdotes e dos

magistrados. O direito privado é tripartite, pois está composto dos preceitos naturais, dos povos e civis. (Nesse sentido:

LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do direito. Trad. Denise Agostinelli. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 56.)

4. Neste trabalho vamos nos referir apenas à forma líquida da água.

5. MILARÉ, Édis. Dicionário de direito ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 43. FREIRE, William; MARTINS,

Daniela Lara (coords.). Dicionário de direito ambiental e vocabulário técnico de meio ambiente. Belo Horizonte: Mineira, 2003.

6. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2.ed. ampl. São Paulo: Saraiva. 2001, p. 54.

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É elemento essencial à vida do ser humano, dos animais e vegetais, sendo necessário que seja de boa qualidade e em quantidade suficiente para proporcionar o seu uso múltiplo. Em situações de escassez, destina-se essencialmente a atender o consumo humano e à dessedentação de animais.7

2. A atual Carta Política da nação brasileira fornece as bases fundamentais necessárias à compreensão e identificação do domínio das águas brasileiras.

A Constituição Federal, no que concerne à propriedade das águas, classificou-as em federais ou estaduais.

As águas denominadas federais são os lagos, rios e correntes de água localizados em terrenos de domínio da União ou que banhem mais de um Estado, que sirvam de limítrofes com outros países, ou, ainda, que se estendam a território estrangeiro (CF, art. 20, III).8

Por sua vez, as águas denominadas estaduais, que podem ser superficiais, subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, são aquelas localizadas em áreas de domínio dos Estados-membros (CF, art. 26, I).

Destaca-se, desde já, que a Carta Magna não tratou de águas particulares, tampouco municipais.

Além da Constituição Federal, em caráter infraconstitucional, subsidiário e regulamentar, a matéria relacionada ao domínio da água está disciplinada, também, na legislação especial – Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934), Lei nº 9.433/1997, e Lei nº 9984/2000 – e na legislação ordinária – Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

Nesse ponto, cabe trazer algumas ponderações acerca do significado, do alcance e da aplicação da norma especial, também denominada singular.

Norberto Bobbio alerta que são possíveis muitas distinções entre as normas

7. Lei nº 9.4337/1997, art. 1º, inciso III.

8. Em sentido diverso, Celso Antonio Pacheco Fiorillo entende que os rios e lagos mencionados no inciso III do

art. 20 da Constituição Federal, por se tratarem de bens ambientais, “não são propriedade de qualquer dos entes

federados. [...] Na verdade, esta atua como simples administradora de um bem que pertence à coletividade,

devendo geri-lo sempre com a participação direta da sociedade” (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 2.ed. ampl. São Paulo: Saraiva. 2001, p. 54). No mesmo sentido: MIRRA, Alvaro Luiz Valery. Fundamentos do direito ambiental no Brasil. RT, 2706:8.

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jurídicas. Entre elas, a elementar, que se encontra em todos os tratados de lógica, é aquela entre as proposições universais e singulares.9 Com base nisso, no que se refere à amplitude ou ao alcance da norma, pode-se dizer que as leis classificam-se em gerais ou especiais. Enquanto as gerais disciplinam um número indeterminado de pessoas e atingem uma esfera de situações genéricas, as leis especiais regulam matérias com critérios particulares, específicos. As leis singulares, também denominadas especiais “não se opõem às normas gerais, antes, as completam”10.

Nesse diapasão, Dimitri Dimoulis alude que o princípio da especialidade possui justificação lógica, pois, sendo o legislador racional, ao estabelecer de forma específica um determinado assunto, revela que essa é a vontade concreta que deve prevalecer11. Disso se extrai que, quando houver lei especial e lei genérica estabelecendo regras sobre determinado assunto, prevalecerá aquela cujos preceitos forem dotados de maior grau de especialidade (lex specialis derogat legi generali).

No mais, na doutrina clássica, Carlos Maximiliano consignou que as leis especiais limitadoras do domínio são disposições de ordem pública, imperativas ou proibitivas e que “interpretam-se estritamente”12.

Estas breves considerações acerca do alcance e significado da norma especial servem para estabelecer que, enquanto as regras gerais disciplinam um número indeterminado de pessoas e atingem uma esfera de situações genéricas, as leis especiais regulam matérias com critérios particulares específicos. Havendo qualquer divergência entre a norma geral e a especial, esta deve prevalecer. A regra dotada de maior grau de especialidade deve prevalecer sobre a geral. É isto que se aplica às disposições sobre o domínio da água, tal qual insculpido em nosso ordenamento jurídico.

Tendo em vista que o ponto de interesse nesta parte é tratar sobre o domínio das águas, na seara da legislação especial, cabe mencionar, inicialmente, o Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934).

9. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação:

Alaôr Caffé Alves. Bauru/SP: EDIPRO, 2001, p. 178. No me sentido: BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito.

Tradução: Denise Agostinetti; revisão da tradução: Silvana Cobucci Leite. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008,

p. 159-160.

10. VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 98.

11. DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 234.

12. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 182.

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O vetusto Código das Águas classifica as águas no Brasil em públicas (art. 1º), comuns (art. 7º) e particulares (art. 8º). As públicas, de uso comum ou dominicais, pertencem, conforme estabelecido no artigo 29, do mesmo Código, à União (inciso I), aos Estados (inciso II) ou aos Municípios (III). As denominadas particulares são as nascentes e todas as águas situadas em terrenos privados, quando as mesmas não estiverem classificadas entre as águas públicas ou as comuns (art. 8º).

Na doutrina, renomados autores, entre eles Hely Lopes Meirelles, ainda sustentam a existência de águas particulares, que, portanto, pertencem aos seus proprietários13-14-15. Não obstante, o mesmo autor entende que o fato de a Constituição não atribuir qualquer domínio aos Municípios importa em derrogação da norma pertinente às águas municipais16.

De nossa parte, entendemos que em razão de a Carta Magna não tratar expressamente de águas particulares, tampouco municipais, exclui-se a pertencialidade desses institutos ao ordenamento jurídico atual. Portanto, não há mais que se falar em

13. Para Hely Lopes Meirelles, as águas localizadas em caudais “particulares, pertencem aos respectivos

proprietários” (MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito

administrativo brasileiro. 38.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 621).

14. Também assim, com base no § 3º do art. 2º do Código de Águas, Celso Antônio Bandeira de Mello propugna

que “os lagos e lagoas situados e cercados por um só prédio particular e que não forem alimentados por correntes

públicas não são bens públicos” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29.ed. rev. e

atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 929).

15. Da mesma forma, José dos Santos Carvalho Filho entende que “as águas formadas em áreas privadas – tanques,

pequenos açudes e lagos, locais de armazenamento de águas da chuva – são bens privados” (CARVALHO FILHO,

José dos Santos Direito administrativo. 23.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1320).

16. Hely Lopes Meirelles, ao mencionar a partilha constitucional dos rios públicos, aduz que o fato de a Constituição

não atribuir qualquer domínio fluvial ou lacustre aos Municípios “já importava derrogação do art. 29 do Código

de Águas” (MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo

brasileiro. 38.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 620).

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águas particulares17- 18-19. Além disso, deve-se aplicar a legislação especial, mormente a Lei nº 9.433/1997 e a Lei nº 9.984/2000.

Nesse diapasão, cabe mencionar um julgado de 2007, no qual a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, com relatoria e voto da lavra do Ministro João Otávio de Noronha, integrada pelos demais Ministros Herman Benjamim, Castro Meira, Humberto Martins, e Eliana Calmon, por unanimidade, ao dar parcial provimento ao recurso, fez constar, in verbis:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TERRENOS SITUADOS NA MARGEM DOS RIOS. TERRENOS MARGINAIS E PRAIAS FLUVIAIS. DOMÍNIO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. INVIABILIDADE.

1. Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934) deve ser interpretado à luz do sistema da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos), que só admitem duas modalidades de domínio sobre os recursos hídricos – águas federais e águas estaduais. [...]20.

No mesmo sentido, em precedente de 2011, a mesma 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, dessa vez com relatoria e voto da lavra do Ministro Mauro Campbell Marques, acompanhado unanimemente pelos Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamim, em sede de Recurso Especial que questionava uma desapropriação indireta, fez constar no acórdão “que a Constituição Federal aboliu expressamente a dominialidade privada dos cursos de água”21.

17. Também José Carlos de Moraes Salles sustenta que não há mais que se falar águas particulares, “porque estas

não mais existem” (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6.ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 160).

18. Da mesma forma, Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que diante da atual Constituição, “não se pode mais

falar em águas particulares, o que é confirmado pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997” (DI PIETRO, Maria Sylvia

Zanella. Direito administrativo. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 785).

19. Na mesma linha, Marçal Justen Filho aduz que “A Constituição não deixou espaço para a propriedade privada

ou municipal de águas” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1228).

20. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. 2a Turma (decisão unânime). REsp no 508.377-MS (2003/0011452-8).

Rel. Min. João Otávio de Noronha, 23.10.2007.

21. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. 2a Turma (decisão unânime). REsp no 1.152.028-MG (2009/0000038-

2). Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 17.03.2011.

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Ainda investigando a atual Carta Política da nação brasileira, no que concerne ao domínio da água, tem-se no artigo 21, inciso XIX, que cabe à União “ instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”. De fato, tal dispositivo está regulamentado em lei especial – Lei nº 9.433/1997 – que, ao estabelecer a Política Nacional de Recursos Hídricos, deu origem ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esta norma revela-se imprescindível ao presente estudo, notadamente no que tange ao domínio da água.

Os fundamentos da lei que regulamenta a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) estão dispostos no art. 1º e devem ser interpretados estritamente. In verbis: “a água é um bem de domínio público” (inciso I). “A água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (inciso II). “Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais” (inciso III). “A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas” (inciso IV). “A bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” (inciso V). “A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (inciso VI).

Assim, a lei especial que trata dos recursos hídricos (Lei nº 9.433/1997), estabelece que a água é um bem de domínio público (art. 1º).

Além de tratar das questões relacionadas ao domínio da água, a Lei nº 9.433/1997 cuidou também das hipóteses de uso dos recursos hídricos sujeitas a outorga pelo Poder Público, (art. 12, § 1º). São elas: o uso para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural (inciso I)22; as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes (inciso II) e as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes (inciso III). E frisou: “a outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de seu uso” (art. 18).

Na mesma seara da especialidade legiferante, com a finalidade de se implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, foi sancionada a Lei nº 9.984/2000, que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, entidade federal que coordena o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

No texto, encontra-se tão somente a previsão de domínio dos corpos de águas pela

22. Nesse sentido, STJ, REsp 1317668 / RJ, Rel. Min. OG Fernandes, 24/03/2015.

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União, Estados ou Distrito Federal (art. 7º, § 2º), sem, em nenhum ponto haver referência ao domínio particular das águas.

Por outro lado, a legislação ordinária – Código Civil de 2002 –, adotando concepção individualista, ao tratar sobre o direito à utilização das águas, emprega equivocadamente a expressão “proprietário de nascente” (art. 1.290). Entende-se tratar de sentido impróprio, pois a conotação apropriada é a de “proprietário do solo onde se encontra nascente de água”23-24.

Assim, à luz do teor estabelecido na atual Carta Magna (CF, art. 20, III; art. 26, I e art. 21, IXX) e na legislação especial que deve ser aplicada ao tema (Lei nº 9.433/1997 e Lei nº 9.984/2000), entende-se que o domínio das águas brasileiras é da União e dos Estados-membros. Afasta-se, nesse ponto, o vetusto Código das Águas (Decreto nº 24.643/1934). Da mesma forma, não se aplica, in casu, o teor individualista mencionado no Código Civil de 2002. Com isso, pode-se dizer que o regime jurídico, ou seja, o conjunto de normas jurídicas aplicáveis às águas brasileiras é de direito público25. Ademais, não se pode mais falar em domínio muni ou domínio particular da água. O particular não mais detém o domínio desse bem; apenas aufere o direito ao seu uso.

3. Esclareceu-se que o regime jurídico aplicável ás águas no Brasil é de direito público. Também ficou esclarecido que o domínio das águas no Brasil é da União, dos seus Estados-membros ou do Distrito Federal. Contudo, as águas não integram o patrimônio privado26 de tais entes federativos, mas o seu patrimônio público.

Pode-se definir patrimônio público como sendo o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, a moralidade administrativa, o

23. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 7. ed. rev. ampl. e atual. até 25 ago.

2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 996, nota 2 ao art. 1.290.

24. Da mesma forma, Francisco Eduardo Loureiro, ao tratar o tema, utiliza acertadamente a expressão “o dono

ou possuidor do prédio onde nascem ou caem” (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Direito das coisas. In: PELUSO,

Cezar (Coordenador). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 9.ed. rev. e atual.

Barueri, SP: Manole, 2015, p. 1221).

25. Marçal Justen Filho, na mesma linha, assevera que o regime jurídico aplicável aos recursos hídricos no Brasil

é “um regime jurídico de direito público” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11.ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1225).

26. Os bens que integram o patrimônio privado dos entes federativos são também chamados dominicais – são

os próprios do Estado como objeto de direito real, não aplicados ao uso comum (BANDEIRA DE MELLO, Celso

Antônio. Curso de direito administrativo. 29.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 930).

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meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.27 As águas integram o meio ambiente e são inalienáveis (Lei 9.433/1997, art. 18).

O patrimônio público é também denominado bem público pertencente às Pessoas Jurídicas de Direito Público, nesse caso, a União e os Estados-membros. “O conjunto de bens públicos forma ‘domínio público’”28, que inclui tanto os bens imóveis como móveis e cujo direito de propriedade se exerce “sobre todas as coisas de interesse público”29.

Nesse diapasão, a água é “um bem de domínio público, recurso natural limitado e dotado de valor econômico”30. Inclui-se no complexo de direitos sobre bens materiais corpóreos, oponível erga omnes, do gênero propriedade, pertencente ao patrimônio público da entidade jurídica de direito público (União/Estados-membros) que se destinam ao uso comum do povo31.

Trata-se de um bem de domínio público, que integra o patrimônio público da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal. Como qualquer propriedade deve cumprir sua função social.

4. Cabe aqui tecer breves considerações acerca do instituto da propriedade, tal como garantido na Constituição Federal, (CF, art. 5º, XXII). Trata-se do direito de, nos exatos limites normativos, “usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”32.

27. A definição ora utilizada encontra fundamento no § 1º do art. 1º da Lei nº 4.717/65, c/c o inciso LXXIII do art. 5º

da Constituição Federal. Em sentido idêntico: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio

ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 191.

28. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2012, p. 929.

29. O conceito de domínio público não é uniforme na doutrina. Hely Lopes Meirelles ao tratar o tema, conceitua

“o domínio público em sentido amplo e em seus desdobramentos político (domínio eminente) e jurídico (domínio

patrimonial); (MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo

brasileiro. 38.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 573-574).

30. MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro.

38.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 618.

31. Ainda, no que concerne à definição de domínio público: SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28.ed.

Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Glaucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 504; GUIMARÃES, Deocleciano

Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 8.ed. São Paulo: Rideel, 2006, p. 248.

32. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. vol. 4, p. 126.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

Não obstante, deve-se frisar que toda propriedade “atenderá a sua função social”33 (CF, art. 5º, XXIII), segundo a qual o direito de propriedade será “condicionado ao bem-estar social”34. Trata-se de um “fundamento político e jurídico” 35 que justifica a intervenção do Estado na propriedade. A função social da propriedade diz respeito à própria estrutura do direito de propriedade.

O núcleo fundamental do conceito de preenchimento da função social da propriedade “é dado pela sua eficácia atual quanto à geração de riqueza”36. Destarte, a Constituição Federal relativizou o significado de propriedade37.

Desta forma, a teor da Constituição Federal, a propriedade tem como princípio-vetor o cumprimento de sua função social na extensão de todo o território nacional. Em caso de descumprimento desse princípio, a Carta autoriza, excepcionalmente, sua expropriação (art. 5º, XXIV). O Texto também determina que haverá uma justa e prévia indenização38, a qual deve ser feita nos moldes da lei que regulamenta o procedimento para desapropriação – Decreto-Lei nº 3.365/41 e Lei nº 4.132/62 –, sob o fundamento da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social (art. 5º, XXIV).

Portanto, com base na Constituição Federal e na legislação especial pertinente, pode se afirmar que o regime jurídico aplicável às águas no Brasil é de direito público. As águas são de domínio público e integram o patrimônio público da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal. Como qualquer propriedade deve cumprir sua função social. Em caso de não cumprimento da sua função social, são passíveis de desapropriação pela União, frente aos Estados-membros sob o fundamento da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social, cujo procedimento para sua desapropriação será tratado na próxima parte deste artigo.

33. A Constituição Federal não define o que seja “função social”, mas fornece, em diversas passagens, parâmetros

que permitem inferir se a propriedade está ou não a cumprir sua destinação social. Nesse mesmo sentido:

MEDINA, José Miguel Garcia. Constituição Federal comentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 83.

34. NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 715.

35. CARVALHO FILHO, José dos Santos Direito administrativo. 23.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 845.

36. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 366.

37. No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35 ed. São Paulo: Malheiros,

2012, p. 281.

38. NAKAMURA, André Luiz dos Santos. A justa e prévia indenização na desapropriação. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013.

Page 14: Desapropriação da água

324

REVISTA DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO

v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

3. DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA POR NECESSIDADE OU

UTILIDADE PÚBLICA, OU POR INTERESSE SOCIAL

Nesta sessão será abordada a desapropriação da água por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social.

A principal norma que regula a desapropriação é o Decreto-Lei nº 3.365/41 – Lei de desapropriação por utilidade pública, que merecerá guarida destacada nesta parte do trabalho, sem se descuidar, entretanto, das ilações necessárias à Lei nº 4.132/62 – Lei de desapropriação por interesse social.39

1. Inicialmente, cabe tecer considerações sobre os fundamentos denominados necessidade ou utilidade pública, ou interesse social –, que norteiam o processo judicial expropriatório.

De fato, a justificativa da desapropriação é a “existência de um interesse público concretamente verificado, configurado pelos fundamentos utilidade/necessidade pública ou interesse social”40. Tais permissivos constitucionais retiram o domínio sobre determinado bem. A existência de qualquer um desses pressupostos permite que o interesse coletivo prevaleça, despojando o titular do direito fundamental de propriedade. Não é a obtenção de lucro, pelo Poder Expropriante, que justifica a desapropriação, mas sim, a presença da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social.

Na desapropriação por necessidade pública, a Administração Pública enfrenta “situações de emergência”41, estando diante de “um problema inadiável e premente”42, decorrente de situações “anormais e que obrigam o Estado inevitavelmente a transferir bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato”43, ou seja, mediante a desapropriação.

39. GARCIA, José Ailton. Desapropriação: comentários ao Decreto-Lei nº 3.365/41 e à Lei nº 4.132/62. São Paulo: Atlas, 2015.

40. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1080.

41. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 470.

42. SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 866.

43. SANTOS, Adair Loredo Santos; INGLESI, Carlos Eduardo. Direito administrativo: interpretação doutrinária,

legislação prática, jurisprudência comentada. São Paulo: Primeira Impressão, 2008, p. 114.

Page 15: Desapropriação da água

325DOUTRINA . DIREITO PÚBLICO

A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

Vislumbram-se de forma exaustiva44, as hipóteses práticas de necessidade pública nas quatro primeiras alíneas do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41: por exemplo, a expro-priação de determinada área particular para realizações de obras de contenção de en-chentes. Nesse caso, os bens que podem ser desapropriados são os imóveis e os móveis. Porém, como não há no Decreto-Lei nº 3.365/41 uma rubrica específica que contenha as hipóteses casuísticas da necessidade pública, estas estão incluídas no rol das hipóteses de utilidade pública (art. 5º).

Na desapropriação por utilidade pública, propriamente dita, o Poder Público expropriante enfrenta “situações normais”45, previsíveis, e, para atendê-las, transfere para o seu domínio e uso bens de terceiros. Em regra, “não exige a transferência urgente de bens para o domínio estatal”46, todavia, “ao ver do Estado, tal ato expropriatório consulta ao interesse público”47.

A utilidade pública está evidenciada quando a incorporação da propriedade privada ao domínio estatal atende ao interesse coletivo, que, encampado pelo poder político, “converte-se em interesse público a ser satisfeito pelo regime da despesa pública”48. Essa modalidade expropriativa tem cabimento quando a expropriação, “embora não seja imprescindível”49, é conveniente para o Poder Público.

As hipóteses capazes de sustentar a desapropriação com base na utilidade pública estão elencadas numerus clausus, ou seja, de forma taxativa50-51 e exaustiva, no art. 5º e

44. Em sentido diverso, José Carlos de Moraes Salles entende que ocorrendo uma causa de necessidade ou utilidade pública,

ou de interesse social, caberá a expropriação, ainda que não prevista em lei, porque “a Constituição Federal em vigor não

determinou que os casos de desapropriação fossem fixados em lei” (SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à

luz da doutrina e da jurisprudência. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 86).

45. SANTOS, Adair Loredo Santos; INGLESI, Carlos Eduardo. Direito administrativo: interpretação doutrinária,

legislação prática, jurisprudência comentada. São Paulo: Primeira Impressão, 2008, p. 114.

46. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 471.

47. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 7. ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: RT, 2011, p. 35.

48. HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 18.

49. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 470.

50. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1073.

51. De modo diverso, José Carlos de Moraes Salles afirma que a “referida enumeração é meramente exemplificativa”

(SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5.ed. rev., atu. e ampl. São Paulo:

Page 16: Desapropriação da água

326

REVISTA DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO

v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

seus incisos do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Entende-se que as possiblidades de desapropriação da água, com apoio nos fundamentos da necessidade ou da utilidade pública, estão contempladas nas diversas alíneas do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41, v.g., c) socorro público em caso de calamidade; d) salubridade pública; e) criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; e f ) aproveitamento das águas.

As hipóteses de desapropriação por interesse social estão elencadas na Lei nº 4.132/62, a qual fornece um rol taxativo52 das circunstâncias consideradas de interesse social, e que, portanto, servem de sustentação para a declaração de interesse social. O referido diploma prevê expressamente a desapropriação destinada a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (art. 2º, VII).

Além disso, no artigo 4º da Lei nº 4132/1962, encontra-se a previsão de que se deve dar aos bens desapropriados a sua destinação social prevista. Enquanto o vocábulo destinação corresponde à escolha da finalidade dada a um determinado bem, ou seja, “a aplicação da coisa a um certo fim”53, o adjetivo social indica o que tem em vista a sociedade, em suas estruturas54. Então, pode-se dizer que a destinação social referida na Lei da Desapropriação por Interesse Social significa a exigência de que o bem expropriado seja aplicado em melhor aproveitamento da sociedade. Somente aquele que estiver em condições de dar ao bem expropriado a destinação social prevista, ou seja, a correta e melhor aplicação do bem em benefício da sociedade, receberá, o bem objeto da desapropriação.

2. Já se afirmou que o procedimento judicial expropriatório encontra previsão, substancialmente, no Decreto-Lei nº 3.365/41 – Lei de desapropriação por utilidade

Revista dos Tribunais, 2006, p.96). De fato, outrora a enumeração era exemplificativa, conforme verifica-se no texto do já

revogado Decreto-Lei nº 1.283/1939, que dizia: “enumeração na lei é apenas exemplificativa” (art. 2º).

52. Em sentido contrário, José Carlos de Moraes Salles entende que ocorrendo uma causa de necessidade ou

utilidade pública, ou de interesse social, caberá a expropriação, ainda que não prevista em lei porque “a Constituição

Federal em vigor não determinou que os casos de desapropriação fossem fixados em lei” (SALLES, José Carlos de

Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2009, p. 86).

53. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 2, p. 113.

54.ABBAGNANO, Nicola (1901-). Dicionário de filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira: Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução dos novos textos: Ivone Castilho Benedetti. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 912.

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327DOUTRINA . DIREITO PÚBLICO

A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

pública e, em menor extensão, na Lei nº 4.132/62 – Lei de desapropriação por interesse social. O Decreto-Lei nº 3.365/41, na sua técnica legislativa própria55, regulamenta o processo judicial da ação de desapropriação.

O Decreto-Lei nº 3.365/41 estabelece que mediante “declaração de utilidade pública”, todos os bens poderão ser desapropriados (art. 2º).

A declaração de utilidade pública é o ato administrativo emanado pela chefia do Poder Executivo que exterioriza a vontade da Administração Pública de deflagrar o procedimento expropriatório, ou seja, de “exercer o poder de desapropriar”56. Trata-se de um ato administrativo exclusivo do Poder Executivo Federal, que, ao reconhecer a existência do interesse público, com apoio constitucional e legal, determina a obtenção de um bem específico através da desapropriação. A “conduta declaratória do interesse público, lídimo ato administrativo, encerra a primeira fase do procedimento expropriatório”57.

Uma vez verificada a hipótese de utilidade pública, será editada a competente declaração de utilidade pública, a qual “individuará o bem a ser desapropriado pelo Poder Público”58. O decreto declaratório da necessidade ou da utilidade pública ou do interesse social, deve necessariamente especificar a finalidade da desapropriação, sob pena de nulidade59.

Porém, como já tratado no capítulo anterior deste trabalho, somente a União e os Estados-membros detêm o domínio da água. Mas, nesse caso, o único ente federativo que possui poder para desapropriar é a União, frente aos Estados-membros. Trata-se de uma desapropriação política, prevista no § 2º do art. 2º do Decreto-Lei nº 3.365/41.

A desapropriação política confere às pessoas políticas de Direito Público interno, de grau superior, a competência para desapropriar bens das pessoas políticas de grau

55. Atualmente, a Lei Complementar nº 95/98 dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das

leis. Essa conquista técnica legislativa resulta do estabelecido pelo legislador constitucional no parágrafo único

do art. 59 da Constituição Federal.

56. HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 67.

57. NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Desapropriação para fins de reforma agrária. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 118.

58.SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5.ed. rev., atu. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 101.

59. Nesse sentido: STJ-RDA 200/190; JTJ 206/44; JTA 61/219.

Page 18: Desapropriação da água

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v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

inferior;60-61 levando-se em conta que o poder expropriante “se circunscreve ao território da entidade que o detêm”62.

Na parte formal ou adjetiva, da Lei sobre desapropriações por utilidade pública estão agrupadas as “regras que definem os procedimentos a serem cumpridos no andamento das questões forenses”63. Tais normas processuais se enquadram nas disposições de ordem pública64. As questões relacionadas à competência, ao juízo privativo e ao foro da situação dos bens, estão no art. 11. A norma aponta os juízes que podem conhecer os processos de desapropriação no art. 12. Os requisitos específicos da petição inicial encontram-se descritos no art. 13. No art. 14, encontra-se a questão relacionada à formação dos autos suplementares. A designação de perito e assistente técnico, no art. 15 e parágrafo único. As questões relacionadas à urgência, imissão provisória da posse e depósito inicial da quantia arbitrada judicialmente, estão no art. 15, parágrafos e alíneas.

Em razão da Medida Provisória nº 2-183-56, de 2001, foi incluído o art. 15-A e seus quatro parágrafos, a fim de abarcar a modalidade de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, e a regulação da incidência de juros compensatórios de até seis por cento ao ano, a contar da imissão prévia da posse. Parte desse dispositivo foi objeto da ADIN nº 2.332-2, cuja liminar foi deferida parcialmente, sendo que a ação ainda aguarda julgamento definitivo de mérito. A mesma Medida Provisória nº 2-183-56, de 2001 adicionou, também, o art. 15-B, para disciplinar o pagamento dos juros moratórios.

As questões relacionadas à citação encontram-se nos arts. 16 a 18. O art. 19 prevê a mudança de rito especial para o ordinário, após a citação. O art. 20 prevê a matéria sobre a qual pode versar a contestação. Em razão da importância do feito expropriatório, a instância não se interrompe (art. 21). Há previsão de acordo e sua homologação por sentença (art. 22). As questões relacionadas à apresentação do laudo pericial, sua elaboração e pagamento de custas no art. 23 e parágrafos. A audiência de instrução

60. SANTOS, Adair Loredo Santos; INGLESI, Carlos Eduardo. Direito administrativo: interpretação doutrinária,

legislação prática, jurisprudência comentada. São Paulo: Primeira Impressão, 2008, p. 120.

61. SALLES, José Carlos de Moraes. A Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5.ed. rev., atu. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.

62. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 14.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 855.

63. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 142.

64. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 176.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

e julgamento segue o rito do Código de Processo Civil (art. 24). A sentença que fixar a indenização (art. 24) deverá destacar o principal e os acessórios (art. 25) e, não incluirá os direitos de terceiro contra o expropriado (art. 27).

A Medida Provisória nº 2-183-56, de 2001 incluiu, ainda, o § 1º ao art. 27 para estabelecer a fixação de meio e cinco por cento a título de honorários advocatícios, não podendo ultrapassar a R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais). A mesma ADIN nº 2.332-2, proposta pelo Conselho Federal da OAB, questionou esse dispositivo, tendo o STF, em decisão plenária da liminar, por maioria de votos, deferido em parte a medida liminar para suspender a eficácia da expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)”. A decisão final da ação direta de inconstitucionalidade ainda aguarda julgamento.

O § 2º do art. 27 determina, em conflito com outra norma especial, que a transmissão da propriedade, decorrente de desapropriação amigável não ficará sujeita ao imposto de lucro imobiliário. O caput do art. 28 regulamenta os efeitos em que a apelação será recebida o parágrafo único do mesmo artigo impõe o duplo grau de jurisdição à sentença que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro do oferecido inicialmente. Por fim, encontram-se as questões relacionadas à expressão valor de alçada (art. 29, § 2º); à consignação em pagamento, mandado de imissão de posse e transcrição no registro de imóveis (art. 29) e a regulação quanto ao pagamento de custas processuais (art. 30).

Portanto, como vimos, a desapropriação da água sob os fundamentos da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social está amparada na Constituição Federal, no Decreto-Lei nº 3.365/41 – Lei de desapropriação por utilidade pública e na Lei nº 4.132/62 – Lei de desapropriação por interesse social. O pressuposto fundamental da expropriação é a existência de um interesse público concretamente verificado. A existência de qualquer um dos permissivos constitucionais e legais legitima que o interesse público prevaleça, despojando o titular do domínio da água.

Assim, tendo-se em conta que o domínio das águas brasileiras é da União e dos Estados-membros, somente a União poderá ingressar com a desapropriação política, frente a qualquer Estado-membro que não esteja promovendo a destinação social prevista para a água. É de rigor que as águas brasileiras sejam aplicadas no melhor aproveitamento possível, em benefício da sociedade.

Na sessão seguinte será abordado o tema relacionado à justa e prévia indenização na hipótese de desapropriação da água.

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v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

4. A JUSTA E PRÉVIA INDENIZAÇÃO65 NA

DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

A justa indenização é um ponto central na desapropriação da água. Sem justa indenização há, na verdade, confisco. Conforme lição de Sylvio Pereira, “a indenização ou é justa ou não é indenização66”.

Se a indenização não for justa, haverá uma ofensa grave ao princípio da igualdade67, visto que, nesse caso, o interesse da coletividade seria satisfeito com o sacrifício somente de uma pessoa. A indenização justa é aquela que impede o empobrecimento e o enriquecimento do expropriado. O conceito de justa indenização deve representar uma retribuição que permite a reparação integral, traduzida exatamente na possibilidade imediata em que se encontra o expropriado, quando receba a indenização, de adquirir um bem do mesmo valor daquele que foi transferido coativamente ao Estado68.

Justa indenização69 é a indenização que permite ao expropriado adquirir um bem da mesma qualidade e/ou quantidade que o perdido para o Estado pelo processo de desapropriação70. A justa indenização, em regra, corresponde ao valor que o particular obteria se o bem fosse vendido no mercado71, no momento em que é decretada a

65. Sobre a justa indenização, vide: NAKAMURA, André Luiz dos Santos. A justa e prévia indenização na

desapropriação. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013.

66. PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1948, p. 31

67. FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 502, agosto de 1977, p.

247-255.

68. “A justa indenização é aquela que, naquele momento do mercado em que a indenização é colocada na mão

do expropriado, permite que, se ele desejar, possa adquirir outro imóvel da mesma natureza, características e

atributos daquele que lhe fora subtraído por imposição” (FERRAZ, Sérgio. Justa indenização na desapropriação.

In: Revista dos Tribunais, volume 502, agosto de 1977, p. 247-255).

69. “Justa indenização deverá ser a indenização, isto é, consistirá em quantia equivalente ao preço que a coisa

alcançaria caso tivesse sido objeto de contrato normal (e não compulsório) de compra e venda” (CRETELLA

JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 2, p.123).

70. “O papel da indenização é, a nosso ver, fazer entrar no patrimônio do expropriado um valor exatamente

equivalente ao que apresentado, pelo bem de que foi despojado” (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na

desapropriação. In: Revista dos Tribunais, 1978, p. 13).

71. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 6.ed., 2010, p. 639.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

utilidade pública ou o interesse social, não abrangendo, assim, a valorização decorrente da própria desapropriação72.

A indenização somente será justa se por ela se puder deixar o expropriado na situação econômica que desfrutava antes da expropriação73. O critério de justiça há de ser encarado considerando o bem e o que ele representa na economia do proprietário74.

A indenização na desapropriação é decorrente de um ato lícito, exercido no exercício regular de um direito que decorre da Constituição Federal; assim, não se confunde com a reparação pelo ato ilícito75. Indenização é a compensação de um prejuízo76. Este é a diminuição do patrimônio ocasionada por ato de terceiro. A desapropriação é a causa de diminuição do patrimônio do expropriado. A indenização é a reposição do patrimônio do expropriado do prejuízo causado pelo expropriante77.

Não somente o valor do bem entra na indenização. Esta compreende a recomposição de todos os prejuízos atuais e imediatos decorrentes da desapropriação e margem de lucros que a coisa expropriada efetivamente já assegurava projetar no futuro78. Entretanto, não

72. “Outro aspecto dessa reflexão que também deve ser considerado é de que a indexação deve ser calculada

com base no valor do imóvel no momento da declaração da intenção do poder público, excluindo assim

quaisquer incrementos de valor posteriores à declaração da utilidade/necessidade pública ou de interesse social

para fins de desapropriação” (FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. Revisitando o instituto da desapropriação:

uma agenda de temas para reflexão. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto da

desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 21-37).

73. “Ou seja, a indenização havida como justa, pela sentença, segue-se que o quantum respectivo não pode

sofrer diminuição, evitando-se que por esse motivo e na medida dessa diminuição, viesse a indenização deixar de ser

justa” (ALVIM, Arruda. Desapropriação e valor no direito e na jurisprudência. In: Revista de Direito Administrativo nº 102,

outubro/dezembro 1970, p. 42-70).

74. FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 343.

75. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 437.

76. “O pagamento de importância inferior ao preço da cousa desapropriada jamais se poderia chamar de

indenização, eis que ela deve compensar, por inteiro, o prejuízo sofrido pelo expropriado” (PEREIRA, Sylvio. O

poder de desapropriar. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco filho, 1948, p. 31).

77. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 2, p.118/119.

78. FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 19.

Page 22: Desapropriação da água

332

REVISTA DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO

v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

se admite o pagamento de lucros presumidos79, hipotéticos e de afeição80. A garantia da propriedade compreende somente a existência de valores patrimoniais concretamente existentes, não abrangendo oportunidade de aquisição, possibilidades de ganho e esperança de lucro81. Segundo Seabra Fagundes82, “os lucros cessantes devem ser sempre indenizados...mas para tal, é preciso que sejam efetivos e não prováveis, problemáticos, apenas possíveis”.

Na desapropriação, não pode haver o enriquecimento sem causa. Este consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial sem qualquer causa justa para tanto. O enriquecimento não se verifica apenas mediante um aumento no ativo patrimonial de uma pessoa, podendo ocorrer também por uma diminuição do passivo. Deve o enriquecimento dar-se à custa de outrem, porém, não se exige o empobrecimento da outra parte. Para se configurar o enriquecimento sem causa basta que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulte de um correspondente sacrifício econômico83.

A justa indenização visa a preservar o patrimônio do particular, garantindo a este a reposição integral84 do bem perdido, como também é uma garantia ao Estado expropriante85 de que este não poderá pagar mais do que efetivamente vale o imóvel86. O enriquecimento

79. Segundo Fernando Logón, “quando uma coisa é suscetível de produzir algo, ou tem em si mesma um valor

potencial, guarda uma energia positiva de valor. Ao contrário, quando se trata de uma mera possibilidade, não se

pode falar em nenhuma computação, porque se trata de algo constitucionalmente negativo ao objeto. Em outros

termos, deve reintegrar-se o valor dinâmico da coisa, não o estático; a qualidade natural e não a artificiosamente

provocada”. In: FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 345.

80. “De todo o afirmado referentemente à compreensão dos lucros cessantes na fixação do montante da

indenização decorre em contrapartida, a assertiva da inindenizabilidade de prejuízos meramente hipotéticos,

simplesmente passiveis ou não passiveis de aferição patrimonial. Não há, pois, como se considerar o reflexo

patrimonial estimado pelo proprietário em razão de uma especial afeição, que não está contemplado no direito

positivo brasileiro (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 23).

81. MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. São Paulo: Manole, 2006, tradução de Luiz Afonso Heck, p. 805.

82. FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 344.

83. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme

a Constituição da República. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 753.

84. “Indenização justa é a que tem por finalidade apagar qualquer dano ou gravame. O proprietário deve ficar

indene” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros: 8.ed., 2006, p. 336).

85. “Justo preço é o preço adequado na técnica e terminologia do direito vigente e não do excesso individualista da

corrente proprietarista; a preponderância do interesse público é norma a obedecer com rigor” (RDA, vol. I, fasc. I, pág. 277).

86. “O que se busca é o justo valor do bem, e não qualquer valor oferecido ou contraposto, tabelado ou meramente

indexado. Nem seria, de outra parte, coerente com o princípio da legalidade da Administração Pública admitir

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

sem causa do expropriante ou do expropriado afronta o princípio da moralidade administrativa. A vedação ao enriquecimento sem causa é aplicável ao regime jurídico administrativo e, pois, ao instituto da desapropriação87. Não pode ser a desapropriação nem causa nem de empobrecimento e nem de enriquecimento do expropriado88. Digna de menção é a posição de Sérgio Ferraz89 no sentido de que “a desapropriação não pode servir de fundamento para o enriquecimento de alguns em detrimento de outros”. A justa indenização não se coaduna com o enriquecimento sem causa do expropriado90.

A indenização paga na desapropriação não pode representar um ganho patrimonial indevido, quer para a Administração, quer para o particular. Conforme lição de Pontes de Miranda91, “a indenização destina-se a evitar a diferença de nível entre o patrimônio do desapropriado antes da desapropriação e após a desapropriação”. Caso a expropriante acabe pagando por um bem expropriado mais do que o valor estritamente necessário para repor o patrimônio do particular, há enriquecimento sem causa deste. Da mesma forma, se o expropriado receber um valor que não lhe permita sair do processo expropriatório com o patrimônio incólume, há enriquecimento sem causa do Estado92.

como aceitável um preço superior ao justo, exigível pela coisa expropriada” (FERRAZ, Sérgio. A justa indenização

na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 151).

87. UELZE, Hugo Barrozo. Desapropriação. In: Revista dos Tribunais, volume 851, setembro de 2006, p. 697-735.

88. “A indenização deve ser justa e compreensiva do direito de todos os prejudicados, não sendo lícito ampliá-la de

modo a sobrecarregar o desapropriante. A desapropriação não é meio de enriquecimento ilícito, como também

não deve ser causa de forçado empobrecimento” (WHITAKER, F. Desapropriação. São Paulo: Atlas, 3.ed., 1946, p. 30).

89. FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: RT, 1978, p. 27.

90. “Aparentemente, a garantia da justa e prévia indenização poderia parecer destinada com exclusividade ao

resguardo do direito de propriedade e, portanto, configurar-se apenas como uma proteção endereçada aos particulares

em face do Estado, sem ter também este como destinatário. Essa insinuação vem não só da topologia da garantia,

situada no capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivos, mas também de sua própria redação. Os precedentes

jurisprudenciais que se formaram a esse respeito, todavia, apoiam-se, ainda que não tão explicitamente, em uma visão

bipolar da garantia expressa pelo inc. XXIV do art. 5º constitucional. Nessa perspectiva, o preço justo figura como uma

garantia com que ao mesmo tempo a Constituição Federal quer proteger a efetividade do direito de propriedade e

também resguardar o Estado contra excessos indenizatórios. Nem haveria como entender de modo diferente o emprego

do adjetivo justo, dado que a própria justiça é em si mesma um conceito bilateral, não se concebendo que algo seja

“justo” para um sujeito sem sê-lo para outro. Não se faz “justiça” à custa de uma injustiça” (DINAMARCO. Cândido Rangel.

Nova Era do Processo Civil. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 249).

91. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 478.

92. Não se deverá atribuir ao desapropriado nem mais nem menos do que se lhe subtraiu, porque a expropriação

não deve ser instrumento de enriquecimento nem de empobrecimento do expropriante ou do expropriado. A

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REVISTA DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO

v. 35, JANEIRO - JUNHO 2015

A justa indenização não é compatível com indenizações para prejuízos não existentes. Não é admissível indenizar o que nunca existiu por mera presunção de que seria possível existir. Não é lógico e nem razoável pagar um preço por um imóvel considerando o seu potencial de aproveitamento, que depende de circunstâncias adversas e imprevisíveis.

É totalmente injusto pagar pela desapropriação de um terreno vazio o preço equivalente a um loteamento imobiliário porque seria possível, em tese, realizar um loteamento no mesmo, que dependeria, dentre outros critérios aleatórios e que nunca poderiam acontecer, do interesse do mercado em fazer um empreendimento no local93. Da mesma forma, não pode ser incluída no valor da indenização a valorização decorrente da atividade do Poder Público após a imissão na posse, por ser decorrente exclusivamente de benfeitorias que não foram causadas pelo expropriado, que, assim, não pode se aproveitar delas94.

Assim, não pode a desapropriação ocasionar um enriquecimento sem causa nem do expropriante e nem do expropriado, sob pena de violação do preceito constitucional que assegura a justa indenização.

Por outro lado, a indenização deverá ser prévia. Porém, cabe indagar: prévia a que? Pontes de Miranda responde:

indenização deve, portanto, ser exata, no sentido de que ao expropriado há de se dar precisamente o equivalente

ao que lhe foi tomado pelo expropriante (STJ - REsp 510.438/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA

TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 09/05/2005, p. 331).

93. “A fixação do preço justo não pode embasar-se em mera hipótese de aproveitamento do imóvel, jamais

cogitada pelos expropriados antes do procedimento expropriatório. Vale dizer, não se pode levar em conta

a possibilidade de implantação de loteamento em um imóvel que, antes da intervenção do Poder Público,

sempre foi utilizado para a atividade agropecuária. O interesse auferido pelo proprietário do imóvel expropriado,

mencionado no art. 27 do Dec. Lei 3.365/41, refere-se às eventuais atividades praticadas no momento da

declaração de utilidade pública” (STJ - 1ª T., REsp 986.471, Min. Denise Arruda, j. 13.5.08, DJU 30.6.08. In: NEGRÃO,

Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 41.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1425/1426).

94. Em casos tais, a regra do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/41 não pode ser aplicada cega e impositivamente,

sob pena de se comprometer o preceito constitucional da justa indenização. No interregno, geralmente longo,

entre a data da ocupação do bem pelo Estado e a sua avaliação no âmbito da ação de desapropriação indireta,

é possível que ocorram mudanças substantivas no bem, que podem levar ou à sua valorização ou, ao contrário,

à sua depreciação. Não será justo, em nome do art. 26, reconhecer ao proprietário o direito de ser indenizado

pela valorização decorrente de ato estatal superveniente à perda da posse. É indispensável, sempre, levar em

consideração o preceito constitucional que impõe o justo preço. 3. Recurso especial não provido (STJ - REsp

912.778/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, Rel. p/ Acórdão Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em

03/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 403).

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

“Não à sentença que fixe a quantia da indenização: não se sabe de quanto é. Se há recurso, não cabe exigir-se ou pagar-se, ou o depositar-se. Portanto, a previedade é em relação à transcrição do título, que é a sentença (somente a transcrição opera a perda da propriedade, tratando-se de bens registrados) e em relação ao mandado de imissão, que o juiz não deve expedir antes de efetuado o pagamento ou depositada a quantia. No direito brasileiro, a indenização tem que ser prévia. De maneira que não se pode dizer que seja efeito da desapropriação; é meio para se obter a desapropriação. Ainda para a posse provisória, é preciso que se deposite o valor dela. A indenização há de ser justa.” 95

O patrimônio do indivíduo forçado a sofrer uma desapropriação é segurado com o antecipado pagamento. Evitam-se, destarte, os transtornos que à economia individual poderiam acarretar as delongas da Administração no pagamento do preço96. A prévia indenização97 resulta da necessidade de repor o patrimônio do expropriado antes da perda definitiva da propriedade, como forma de evitar que o cidadão fique por algum lapso temporal privado da propriedade e da indenização98.

A precedência temporal coloca a indenização como um pressuposto da desapropriação99.

95. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n. 1 de 1969. 2.ed.

São Paulo: RT, 1971, p. 486.

96. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2010, p. 408/409.

97. “Para cercar da maior eficácia a proteção do patrimônio particular, em face desse excepcional direito do

Estado, a Constituição condicionou o expropriamento à prévia indenização. O patrimônio do indivíduo, forçado a

sofrer uma desincorporação de valor em atenção ao interesse público antes que ela se efetive, é segurado do ônus que

lhe vai pesar com o pagamento, em dinheiro, de valor correspondente” (FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no

direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949, p. 24).

98. “Indenização prévia significa que deve ser ultimada antes da consumação da transferência do bem. Todavia o

advérbio “antes” tem o sentido de uma verdadeira fração de segundo. Na prática, o pagamento da indenização e

a transferência do bem se dão, como vimos, no mesmo momento. Só por mera questão de causa e efeito se pode

dizer que aquele se operou antes desta. De qualquer forma, deve entender-se o requisito como significando que

não se poderá considerar transferida a propriedade antes de ser paga a indenização” (CARVALHO SANTOS, José

dos Santos. Manual de direito administrativo. 22.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 808).

99. “Uma das condições da desapropriação é causar o mínimo de prejuízo ao desapropriado; é evitar que, mesmo

transitoriamente, seja o proprietário privado do que lhe pertence” (PEREIRA, Sylvio. O poder de desapropriar. Rio de

Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1948, p. 110).

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Conforme lição de Cretella Junior100, “trata-se de um prius ou pressuposto necessário”. E continua o autor, concluindo que “não se desapropria para depois indenizar. Indeniza-se para desapropriar”. Segundo lição de Pontes de Miranda101, “indeniza-se antes de se desapropriar, para que, ao acontecer a perda, já esteja no patrimônio do desapropriando, fundado em causa futura, o quanto indenizatório”.

A prévia indenização é estabelecida com base na perda que irá ocorrer. Não se presta a indenização porque se tirou de alguém o bem e sim porque se lhe vai tirar. Para que incida a norma constitucional que permite a desapropriação, deve haver uma indenização já paga e incorporada ao patrimônio do expropriado no momento em que ocorre a transferência coativa da propriedade102.

Dessa forma, a previedade é em relação à transcrição do título e em relação ao mandado de imissão, provisória ou definitiva, que o juiz não deve expedir antes de efetivado o pagamento ou depositada a quantia.

Traçadas as linhas gerais e específicas no que tange à justa e prévia indenização no processo expropriatório, resta ponderar acerca da “justa indenização” na desapropriação das águas.

Toma-se como fundamento que o regime jurídico aplicável às águas no Brasil é de direito público. Sendo assim, as águas são de domínio público e integram o patrimônio público da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal. A atual Carta Política da nação brasileira não mais contempla as denominadas águas particulares.

Reza a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 8º:

“...incluem-se entre os bens do Estado os terrenos reservados às margens dos rios e lagos de seu domínio”.

Também a Lei nº 9.433/1997, regulamentando o inciso XIX do artigo 21 da Constituição Federal, passou a considerar a água um bem de domínio público, recurso natural e limitado, dotado de valor econômico. Dessa forma, toda água é de domínio público. A

100. CRETELLA JUNIOR, José. Tratado geral da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, vol. 2, p.121.

101. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 436.

102. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967. Tomo V. São Paulo: RT, 1968, p. 440.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

Constituição Federal, em seu artigo 20, II, estatui que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. Por sua vez o artigo 26, I, da Carta Magna estatui que se incluem entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergente e em depósito.

Das disposições legais acima, percebe-se que as margens dos rios pertencem ao seu respectivo titular, sendo, assim, terras públicas, insuscetíveis de usucapião.

Sobre o assunto, assim manifestou-se a doutrina103:

“Os rios públicos, na partilha constitucional, desde 1946, ficaram repartidos entre a União e os Estados-membros, sem se atribuir qualquer domínio fluvial ou lacustre aos Municípios, o que já importava derrogação do artigo 29 do Código de Águas, que os distribuía entre as três entidades estatais. Outra observação que se impõe é a de que na distribuição das águas internas foi abandonado o critério tradicional da navegabilidade ou flutuabilidade, só se levando em conta a condição territorial das correntes ou lagos. No atual sistema constitucional os rios e lagos públicos ou pertencem à União ou ao Estado-membro, conforme o território que cubram”.

No mesmo sentido, o entendimento editado na Súmula 479 do Supremo Tribunal Federal: “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização”. Assim, não devem ser indenizadas as margens dos rios, ou seja, a área de terreno reservado prevista nos artigos 11 a 14 do Código de Águas104.

Portanto, sob a responsabilidade da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, as águas devem cumprir sua função social, sob pena de desapropriação sob o fundamento da necessidade ou utilidade pública ou do interesse social (CF, art. 5º, XXIV).

103. MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro.

38.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 620.

104. STF – Súmula nº 479. EMENTA Desapropriação. Terreno reservado. 1. A área de terreno reservado, como

assentado pela Suprema Corte na Súmula nº 479, é insuscetível de indenização. 2. Recurso extraordinário

conhecido e provido (RE 331086, Relator:  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2008, DJe-

206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-05 PP-01033 RTJ VOL-00207-03 PP-01199 LEXSTF v.

31, n. 361, 2009, p. 176-181).

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Em sendo expropriadas, não há que se falar em indenização, justamente por serem de domínio público e integrarem o patrimônio público. Apenas os terrenos necessários ao acesso e armazenamento da água é que devem ser indenizados.

5. CONCLUSÃO

Já é tempo de finalizar. Não se alimenta a veleidade de haver produzido uma abordagem completa sobre o assunto. Ainda há muito que se tratar. Todavia, tem-se a convicção de que o texto foi elaborado de forma científica, com o objetivo de elucidar as questões mais intrincadas relacionadas ao regime jurídico, ao processo expropriatório e à indenização decorrente da desapropriação água.

Apresenta-se, aqui, o desfecho deste artigo na forma consolidada, conforme síntese a seguir.

Com base na Constituição Federal e na legislação especial pertinente, pode se afirmar que o regime jurídico aplicável às águas no Brasil é de direito público. As águas são de domínio público e integram o patrimônio público da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal.

Como toda propriedade, sob a ótica do direito constitucional contemporâneo, os titulares do domínio das águas devem promover o cumprimento da função social desse bem essencial à existência humana individual e coletiva. Caso contrário, as águas são passíveis de desapropriação.

A desapropriação da água sob os fundamentos da necessidade ou utilidade pública, ou do interesse social está amparada na Constituição Federal, no Decreto-Lei nº 3.365/41 – Lei de desapropriação por utilidade pública e na Lei nº 4.132/62 – Lei de desapropriação por interesse social. A existência de um interesse público concretamente verificado, aliado a qualquer um dos permissivos constitucionais e legais legitima que o interesse público prevaleça, despojando o titular do domínio da água.

Tendo-se em conta que o domínio das águas brasileiras é da União e dos Estados-membros, somente a União poderá ingressar com a denominada desapropriação política, frente a qualquer Estado-membro que não esteja promovendo a destinação social prevista para a água.

Hirta a rigorosa previsão constitucional e legal, de que as águas brasileiras sejam aplicadas no melhor aproveitamento de toda a sociedade.

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A DESAPROPRIAÇÃO DA ÁGUA

Ponto relevante na desapropriação da água é a justa e prévia indenização. Entende-se que, sendo as águas do domínio da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, elas devem cumprir sua função social, sob pena de desapropriação. O fundamento para a declaração de desapropriação será a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social (CF, art. 5º, XXIV).

Havendo desapropriação, não há que se falar em indenização, em razão de as águas serem de domínio público e integrarem o patrimônio público dos entes federados. Apenas os terrenos necessários ao acesso e armazenamento da água é que devem ser indenizados.

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