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R$ 15,90 - 15 EDIÇÃO Entrevista: Gatronomia: Cidadania: Cultura: Chico Buarque Bacalhau Sem voz nem voto em casa Hermeto Pascoal Aula 04 - entrevista Chico Buarque.indd 1 12/05/2011 12:04:39

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R$ 15,90 - 15 EDIÇÃO

Entrevista:

Gatronomia:

C idadan ia :

C u l t u r a :

Chico Buarque

Bacalhau

Sem voz nem voto em casa

Hermeto Pascoal

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De olhos postos no futuro Carl Schmitt afirmou um dia: “O estado, enquanto um todo, com corpo e alma, é uma máquina. Trata-se de uma obra feita por seres humanos, na qual a matéria e os artistas, a máquina e o construtor são idênticos, isto é, os seres humanos”. Já de olhos postos no novo ano, o

tempo torna-se novamente um enigma. Como será o futuro e o que podemos saber dele? Se é lá que vivem as nossas esperanças, nele depositamos também os nossos receios e as nossas desilusões. Não o conseguimos adivinhar, dificilmente prever, mas nessa imprevisibilidade reconhecemo-lo tão fascinante quanto esperançoso. A A23 encontrou assim quatro jovens do Interior do país, entre tantos outros, que escolheram a música como destino.

As inseguranças, as desilusões, a falta de apoios nacionais aos artistas foram alguns dos temas abordados, mas também a dedicação à arte que, numa sociedade onde a globalização é sinónimo de uniformização, resiste ao artificialismo. Existimos pelas relações que temos com os outros, pelo que somos enquanto pessoas que (con)vivem com outras pessoas. O crescimento da população urbana tem aumentado consideravelmente. Diariamente, algures no país, alguém abandona a sua povoação rural, que mais não seja para se instalar nas periferias urbanas. Cresce a população urbana e cresce com ela o número de automóveis. Na passagem do milénio, por exemplo, havia cerca de 700 milhões de automóveis

em todo o mundo. Constroem-se mais estradas e mais parques de estacionamento, tomando conta das cidades. Poderá a urbe sobreviver ou estará sob a ameaça de perda de identidade a longo prazo? O dossier deste número 1 da A23 reflecte pois sobre onde e como param os condutores da região da Beira Interior. Um dossier que é, sobretudo, uma reflexão cívica, ao serviço da cidadania. A música, que pauta este primeiro número da A23, faz soar em cada página diferentes tons. Desde a música clássica, à música do brasileiro Chico Buarque, que reflecte aqui em entrevista sobre o cruzamento do seu percurso literário com uma aclamada carreira mundial musical, a música em si enche-nos de alegria, desenvolvenos enquanto pessoas. E de novo de olhos postos no futuro perguntamos: Qual será o futuro destes jovens

que a ela se dedicam por inteiro? Estaremos à altura de os acolher na sociedade? Como será viver num mundo verdadeiramente multicultural? E que papel terão nele as regiões? Sabemos sim que o olhar prospectivo comporta consigo necessariamente um olhar retrospectivo, que seja, sobretudo, a consciência do tempo em que vivemos. Quem tem a consciência do tempo em que vive está também aberto ao futuro. Talvez a grande questão que se coloca seja não apenas saber de onde vimos, mas também para onde vamos.

EditorialSumário

Editorial ............................................................. 5

Chico Buarque ...................................................... 6O músico que escreve livros

Laurentina: ........................................................ 12A Beira no seu melhor

Sem voz nem voto em casa ................................... 14

Hermeto Pascoal .................................................. 18“aquele albino louco”

Ricardo Paulouro

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Chico BuarqueO músico que escreve livros

Entrevista | Ricardo Paulouro

Fotografia | Magda Fernandes

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separadamente.

Quando é que o Chico Buarque sentiu essa atração pela literatura?

Esse interesse vem desde muito novo. A literatura talvez não seja anterior à atracção

Em São Paulo, na sua adolescência, Chico Buarque era conhecido como «o carioca». O cd homónimo, Carioca, assinala o seu regresso à música depois de se ter repensado na escrit a com o último livro, Budapeste, aclamado pela crítica. Falar de Chico Buarque é descobrir a riqueza de músicas, poemas, dramaturgias e romances

construídos e vividos ao longo de cerca de 60 anos. O autor de «A Banda» é um contador de histórias, sempre trabalhadas por uma poderosa imaginação e marcadas pela cultura popular brasileira. Definindo-se como “um músico que escreve livros”, Chico entregou-se à literatura e ao romance em 1991, com a publicação de Estorvo. Quatro anos depois seguiu-se Benjamin e em 2003, com Budapeste, consagrou definitivamente o trabalho de artesão da palavra que já se vinha esboçando. 2007 será o ano da adaptação mundial para teatro do seu último romance, numa produção no Teatro Nacional D. Maria II, com dramaturgia do espanhol José Sanchis Sinisterra. As palavras cirúrgicas, meticulosamente dispostas como num puzzle, o discreto humor de quem gosta de se surpreender com a escrita e com a leitura, justificam, por exemplo, o sucesso deste seu último romance, traduzido em mais de 20 línguas. A música, tal como a literatura, é, para Chico, uma reaprendizagem constante.

Ambas as vertentes da sua obra são como um mosaico, um fio que se vai tecendo com o rigor e o engenho dos mestres. Carioca é por isso uma homenagem ao Rio de Janeiro. Um presente para a cidade daquele que é uma referência obrigatória da música brasileira mas também já da literatura.

Disse recentemente: “Não escolhi a música como carreira, a música é que me escolheu”. Quando é que a música surgiu no seu percurso?

CHICO BUARQUE – Sou um músico que escreve livros. Tenho conseguido alternar os dois trabalhos que, para mim, são bastante diferentes. Nesta fase já não sei se distraio o compositor escrevendo livros ou vice-versa porque o tempo e a minha cabeça ocupam-se igualmente das duas coisas. Mas sempre

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pela música, mas a ideia de ser escritor surgiu antes da vontade de ser músico. Quando era muito jovem escrevia em jornais de colégio, escrevia crónicas, cheguei mesmo a publicar um conto (Ulisses) no Estado de S. Paulo. A intenção de me tornar um escritor já estava aí, de algum modo, presente. No ntanto, em São Paulo, a cidade onde estudava, não havia uma boa escola de Letras que me tornasse um escritor. Curiosamente, eu sou filho de um escritor. O meu pai era professor, foi director de um museu, foi crítico literário... Mas a verdade é que o trabalho que mais ocupava o seu tempo era aquele que não era remunerado. No Brasil é difícil viver da escrita.

Foi esse conjunto de circunstâncias que o levou a ingressar num Curso Superior de Arquitectura?

Sim, a escola de Arquitectura era uma instituição séria e, de alguma forma, ligada ao mundo das artes. Já nessa altura tocava violão e a Arquitectura não me impediu de fazer música. Certo dia gravei algumas canções que me transformaram num músico e num compositor profissional. Mas eu não me preparei para isso, nem tinha conhecimentos técnicos que fizessem prever que me fosse tornar músico. Só o tempo e a experiência permitiram aperfeiçoar a minha técnica musical. Talvez estivesse mais preparado para escrever do que para fazer canções!

Disse uma vez que a música o tinha roubado à literatura...

Acho que isso aconteceu um pouco com toda a minha geração. Aquele momento da música popular brasileira foi marcante. Possíveis vocações literárias, cinematográficas ou teatrais convergiram para a música. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e tantos outros da minha geração estudavam nas áreas mais diversas, desde Engenharia a crítica de cinema, como era, por exemplo, o caso do Caetano Veloso. Todos eles foram atraídos pela Bossa Nova e por João Gilberto. Também eu abandonei a ideia de escrever. Ainda escrevi para teatro mas considero essa vertente um complemento ao meu trabalho musical. Os diálogos eram uma espécie de costuras entre

canções. O escritor ficou adormecido durante todo este tempo. Eu nunca imaginei voltar à literatura, à excepção de uma novela escrita em 73 ou 74 chamada Fazenda Modelo, que foi escrita como um “desafogo”...

Esse desejo de liberdade era motivado pela censura que se vivia no país?

Sim, a censura era muito rígida, mas mais direccionada para a música, televisão e cinema. No entanto, não existia censura prévia na literatura. A Fazenda Modelo acabou por ser um artifício para dizer coisas que não podiam ser ditas através da música. Este é, por isso, um livro com uma motivação política muito evidente. Mais tarde, quando escrevi o meu primeiro romance, Estorvo, a motivação foi muito diferente. Nada me motivou a escrever o livro senão a própria literatura.

Em Budapeste cria um José Costa fascinado pela palavra. Também no romance é a melodia da palavra que lhe interessa?

De facto, a música e a literatura estão absolutamente separadas no tempo. Eu não ouço música quando escrevo mas não posso deixar de reconhecer que a música está presente na minha literatura. Acredito que haja uma lógica musical na escrita mas mais até do que escrever, o meu grande prazer

é ler. O trabalho de escrita é um trabalho quotidiano. Todas as noites, antes de dormir, o meu verdadeiro momento de prazer era ler o que tinha escrito. Prazer ou não... [risos] porque, fechada a oficina, impresso o trabalho atentamente lido na cama, o dia seguinte revelava um texto todo ele reescrito ou rasurado.

Este é quase um critério de músico... É isso mesmo. As palavras estavam lá, a

história também mas havia uma insatisfação

“Não ouço música quando escrevo mas não posso deixar de reconhecer que a música

está presente na minha literatura.”

motivada por uma palavra a mais ou a menos, o ritmo errado. Nessa altura recomeçava o dia a remexer nesse quebra-cabeças.

Esse trabalho de depuração é mais facilmente conseguido no verso ou na prosa?

Na realidade a prosa é um processo de criação completamente distinto do verso. Só escrevo versos para uma música já existente e não o contrário porque os versos existem apenas para se encaixarem na melodia. No caso da prosa, é um processo quase instintivo. Apenas sei que algo me incomoda e me compele a reescrever porque quer na prosa, quer no verso, sou movido por um rigor sem contornos muito definidos.

Um livro da sua juventude que o tenha especialmente marcado como leitor.

Eu li muita coisa, de forma indisciplinada, fora do tempo, na minha juventude. Eu tinha uma ambição literária desde muito novo. Talvez por morar numa casa cheia de livros. Tinha a impressão de que queria ler aqueles livros todos! [] Lembro-me de ler o Monteiro Lobato, tal como todas as crianças brasileiras. Na escola li a Moreninha, Machado de Assis, A Cidade e as Serras de Eça de Queirós... Numa fase seguinte, lembro-me de ficar entusiasmadíssimo pelo facto de conseguir ler e entender livros em francês. Ter chegado, por exemplo, ao fim dos seis volumes de Guerra e

Paz foi para mim uma proeza! [risos] Também encontra esse prazer da leitura na construção dos seus romances, isto é, diverte-se com a sua escrita?

Divirto-me mais quando leio do que quando escrevo. É curioso porque muitas vezes algumas passagens de livros meus,

considerados sombrios, como é o caso de Estorvo, provocam-me o riso. Alguém disse que escrevemos para nos surpreender. É extraordinário quando lemos aquilo que escrevemos e conseguimos achá-lo cómico, bonito ou poético. É claro que até se chegar a esta fase existe um trabalho de reescrita muito grande onde chegam a ser eliminadas dezenas de páginas. Como para mim este é um ofício muito solitário, às vezes não sei se vou terminar o livro que estou a escrever ou se valerá a pena todo aquele

trabalho.

O seu último romance, Budapeste, foi um trabalho de maior fôlego...

Demorou dois anos a ser escrito, o dobro do tempo em relação aos livros anteriores. Acho que a grande diferença entre a canção e a prosa, deste ponto de vista, é que a canção demora uma semana, o máximo um mês a ser feita e logo que terminada é mostrada. Porque a canção é exibicionista, quer-se mostrar e permite-nos, de imediato, com esse feed-back, perceber se está ou não bem feita. No caso do romance são dois anos sem o poder mostrar, chegando quase a ser angustiante.

Em Budapeste, por exemplo, há uma ironia muito subtil em relação ao mundo literário, enquadrado num contexto quase mediático...

Às vezes acho até quase salutar que os escritores saiam dessa espécie de toca onde se refugiam mas há que encontrar a medida certa para essa exposição. No momento em que o escritor começar a competir com os artistas do show business perdem-se algumas das características da criação literária. Costumo dizer que a literatura não precisa de se exibir, ao contrário de outras artes. Recentemente têm surgido muitas leituras públicas, motivadas sobretudo por

“Sempre que começo a escrever não venho de uma experiência literária anterior mas de um período de criação musical. Assim,

quando inicio um livro não tenho nada planeado mas sim uma grande vontade de

escrever.”

“Mesmo que eu escreva a quatro mãos, em parceria, o momento da escrita é solitário. ”

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uma influência anglo-saxónica. A primeira vez que estive numa dessas sessões foi na Alemanha, em Colónia. Li um trecho do Estorvo, em Português, o tradutor leu o mesmo trecho em alemão e a plateia estava atenta, como se fosse quase um espectáculo [risos]. No caso específico de Budapeste, a vaidade e a inveja são dois temas muito presentes mas é claro que não são exclusivos da literatura porque estão presentes noutros circuitos artísticos. Talvez no meio literário tenham uma força maior por causa dessa necessidade de aplausos que não existem habitualmente. Ao contrário da música ou das artes plásticas, na literatura um livro é não só escrito como também lido individualmente. É

sempre um acto solitário.

O poeta Mário de Sá-Carneiro disse: “Eu não sou eu nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio”. Através da palavra, o eu, mesmo que ficcional, é sempre o outro, um duplo?

No caso de Budapeste, o facto de o narrador ser um escritor aproxima-me ainda mais da personagem. Eu não só o entendo como partilho muitos dos seus pontos de vista. Se não conseguirmos chegar desta forma à personagem ela provavelmente não andará. Até começar o livro propriamente dito, não sei quem será o narrador. Talvez porque sempre que começo a escrever não venho de uma experiência literária anterior mas de um período de criação musical. Assim, quando inicio um livro não tenho nada planeado mas sim uma grande vontade de escrever. Antes de ter começado a escrever a primeira frase de Budapeste estive cerca de três meses em preparação, pesquisando, tentando descobrir qual seria o tom do livro e quem seria a pessoa que o iria escrever. A personagem do escritor, em Budapeste, não surgiu logo de início. Depois de muita reescrita surgiu

inexplicavelmente aquele momento que é a chave da história. Nesse instante peguei a mão do escritor e passei a ser esse intermediário: não sou eu mas na realidade também

não sou o José Costa. É o ghost writer do José Costa. José Saramago disse a propósito de Budapeste que esta obra gira em torno de duas grandes

questões: o que é a realidade? Quem sou eu? Esta é a grande busca de quem escreve? Não sei... Acho que apesar de ser meu leitor nunca fico com a ideia do livro como um todo, na medida em que o trabalho como se fosse algo artesanal, um mosaico. Acontece-me muitas vezes mexer nessa peça e aperceber-me que, por algum motivo, ela não funciona. Descubro então que esse mau funcionamento se deve a algum problema anterior e o meu papel é o de consertar, reescrever. Trabalho assim mais a minúcia do que o geral. Quando a linguagem não está boa, a história tem que ser mais trabalhada. Mesmo tendo um roteiro de escrita, esse roteiro é infringido sempre e, logo, existe uma busca constante – a busca pela palavra.

Em Budapeste, no Estorvo e em Benjamin existe, até mesmo do ponto de vista formal, uma sensação de vertigem e fuga muito forte. Do que é que as personagens fogem?Nunca pensei muito nesse aspecto mas de facto as personagens estão sempre

em trânsito... Acho que pode ser tanto uma qualidade como um defeito. O escritor exige sempre muito do leitor. O leitor menos atento

ou interessado não vai certamente seguir esse fluxo e acaba por perder a história. No entanto, isto é algo

que também me preocupa porque a pouca vontade de explicar certas coisas enquanto escrevo

acaba por dificultar a leitura a muitas pessoas. E é sempre difícil exigir do leitor essa atenção porque na leitura existem paragens, as pessoas vão lendo e integrando o livro nos tempos livres do seu quotidiano. Ás vezes pensava que estava

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a escrever como quem escreve uma canção ou uma partitura que determina o andamento de como aquela música vai ser executada. No entanto, não há um manual sobre como ler um livro.

A escrita é, para si, um ofício solitário? Absolutamente. Até mesmo a própria escrita de canções. Mesmo que eu escreva a quatro mãos,

em parceria, o momento da escrita é solitário.

Tem ideia do número de línguas em que está traduzido o Budapeste? O número exacto não sei mas em mais de 20 línguas. O Estorvo foi editado em quase toda a

Europa Ocidental. Budapeste foi um pouco mais além, para o leste europeu, Israel, Japão...

Costuma acompanhar a tradução dos seus livros? Durante o ano seguinte à saída do livro no Brasil acompanho as traduções das línguas que sei,

em francês, inglês, italiano e espanhol. Nestes casos posso sugerir, dar palpites, identificar alguns equívocos de compreensão. Noutras traduções, como é o caso da tradução húngara, já não posso ajudar. No entanto devo dizer que a melhor tradução de capa do Budapeste é a húngara! [risos]

Para além da música e do romance, Chico Buarque tem também uma vertente de cronista, lembrando as crónicas sobre futebol que escreveu...

Essas crónicas foram escritas para a Copa de 98. Antes disso tinha escrito alguma coisa para o Pasquim, um jornal de uma cooperativa de jornalistas brasileiros de oposição à ditadura. Durante o período em que vivi em Roma colaborei pontualmente com este jornal. Por ocasião da Copa de 98 contrataram-me para escrever sobre futebol, o que para mim foi um prazer poder assistir aos jogos na tribuna. Tinha de escrever apenas uma vez por semana mas ao meu lado estavam todos os outros jornalistas desportivos que escreviam diariamente.

“Cada vez que volto não sei mais onde estava, é um recomeço”. Este é agora um recomeço literário ou musical? A certeza com que fico depois de escrever um livro é que tenho de fazer música, até reaprender.

É algo penoso porque demora a apanhar novamente o jeito mas é bom porque tenho a impressão de que recomeço sem vícios. Neste momento, as canções que procuro agora escrever têm pouco a ver com aquelas que escrevi há cinco anos atrás. quem escreve uma canção ou uma partitura que determina o andamento de como aquelaÁs vezes pensava que estava a escrever como música vai ser executada.

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Ga

stro

no

miaO dia 21 de Abril ficará marcado com uma cruz pendente no calendário das

minhas recordações gastronómicas. Fui comer à Laurentina e a Beira Baixa veio de repente ao meu encontro, com o seu arsenal de sabores, a sua magia de prazeres, a sua lista infinita de paladares surpreendentes. Nesse sábado

acalorado, com uma Lisboa quase deserta, foi fácil chegar à agradável e pedestre Avenida Conde de Valbom, onde o senhor Pereira – o rei incontestável do bacalhau – tem o seu reino reservado para nós. Numa sala ampla, com um palco cheio da natureza tumultuosa (adivinhemos um rio caudaloso a correr por trás de uma profusão de calhaus) e umas belíssimas aguarelas moçambicanas do pintor Pádua, sentámo-nos prontos para o milagre. E foi mesmo um milagre que nos aconteceu! Eis que surge, apoiado juvenilmente numa bengala, o rapaz irrequieto de São Jorge da Beira com um rosto achinesado de homem experiente que andou por quatro costados e Áfricas.

O senhor Pereira é um homem impressionante, um beirão que não renega nada: nem a mercearia-taberna do pai onde aprendeu a desenrascar-se, nem o restaurante de Lourenço Marques onde fez conhecer o peixe gadídeo que matou muita saudade a muito português. E é ele que me vai servir de guia, numa autêntica travessia de sabores digna do estuário de um limpopo, com uma rodela de Tejo. Começámos por umas azeitonas que tinham a particularidade de nos envolver num clima de mistério. Seriam de que olival? Daqueles olivais que vemos entre Vale de Prazeres e o Fundão? Ou de Alcaria? O certo é que raramente comemos umas tão terrenas, incrivelmente saborosas. Vieram depois, como não podia deixar de ser, um pratinho de bolos de bacalhau. Luminosos, bem repletos de bacalhau, estalantes, douradíssimos, reconstituintes, foram uma autêntica surpresa para a boca. Bebemos mais um copo de Alpedrinha (o formidável e frutado vinho da Adega Cooperativa do Fundão que nos acompanhou suavemente durante toda a refeição) e entrámos na famosa couvada.

Recebemo-la de braços abertos num tacho de barro vermelho como convém a um pitéu que alia intimidade e poder de consistência. De repente, sumiram-se todas as nossas dúvidas. Íamos direitos outra vez à Beira, às resplendorosas couves que habitam as nossas hortas de estimação, regadas com cuidados maternais em leiras geométricas e constantes (mãe, são estas couves que tu metes na sopa de feijão vermelho e que sabem

Laurentina: A Beira no seu melhor

No Reino do Bacalhau

Texto | Jacinto Galeão de Tormes

Fotografia | David Júlio Carvalho

a um frio nascer do sol no alto das Penhas Douradas?) bendita seja esta couve mil vezes orvalhada! É ela que trará ao bacalhau da Islândia a doçura que ele precisa para activar as nossas papilas. O senhor Pereira explica: “Coma devagar! Saboreie este bacalhau que é único! O bacalhau islandês tem mais óleo, tem lascas que se desenrolam como bifes! Não enrola este bacalhau! Não é palha!” O homem que teve no Alto Maé, em Lourenço Marques, o restaurante “Leão de Ouro”, tem razão. Este bacalhau, além de ser divino, coloca-nos numa grande ilha de prazer egoísta. E com as fabulosas batatas de Aveiro “gostosíssimas porque criadas em terreno arenoso” inundadas por um belo azeite do Fundão e alho ele vibra no seu esplendor de Reiquejavique. Bisamos levados por um apetite de todos os santos. E será o senhor Vieira uma outra quixotesca personagem deste restaurante utópico, que trabalha há trinta e cinco anos com o dono da Laurentina, que nos trará outra posta do senhor dos mares. O senhor Pereira aproveita este suplemento para nos falar de São Marcos. É devoto. E construiu até ermidas em seu louvor em sítios íngremes. A exaltação continua desta vez com a chegada dos queijos em bruto. São duas metades de lua crescente que nos iluminam. Queijo queimoso do Fundão, acinzentado e delicioso! Queijo caseiro de Castelo Branco, untuoso e varonil! Com um tónico Alpedrinha vamos aos céus! E para terminar (enquanto o senhor Pereira se levanta para ir para um casamento e nos convida para a oportunidade de um novo dia, “seja sempre bem vindo e bem haja como dizem lá para os nossos sítios”) atacamos um arroz doce que nos lembra a infância dourada e uma tigelada que lembra o pôr-do-sol em São Jorge da Beira, a

última aldeia do concelho do Fundão. São já quatro horas quando saímos da Laurentina (Laurentinas são as habitantes de Lourenço Marques). Prometemos ao rapaz beirão de São Jorge da Beira que voltaremos no Verão para provarmos umas punhetas de bacalhau, especialidade da casa, que é o nu bacalhau cru. Tínhamo-nos roçado a uma das belezas mais esplendorosas da vida: a comida vinda do mar e posta à nossa disposição pela mão delicada da amizade. Longa vida ao rei do bacalhau! Obrigado senhor Pereira por estes momentos intensos que fugiram como cabritos serranos diante de um automóvel. E como as laurentinas que nunca dizem não ao português suave o Mestre do Gadus Moorhrua há trinta anos que recebe com a afirmativa, para glória dos beirões e arredorescos, famintos e blasés. Viva o rei do bacalhau! Foi sem dúvida nenhuma à força de bacalhau que o escritor islandês Halldor Laxness (Prémio Nobel da Literatura em 1955) conseguiu escrever cinquenta romances. A recente tradução em português de “Gente Independente” é para amantes de bacalhau e não só. GASTRONOMIA // 35 “O bacalhau é o prato do nobre que será sempre pobre...” Frase demolhada e cortada de “O Sol da Meia-noite” de Manuel da Silva Ramos Restaurante Laurentina Av. Conde Valbom nº71-A 1050-067 Lisboa Tlf. 21 796 02 60 Horário Almoço - das 12.00h às 15.00h Jantar - das 19.00h às 22.30h Preços Médios - 15 - 20 Euros De Novembro a Fevereiro abre aos Domingos para almoços. Encerra aos Domingos o resto do ano.

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iaChama-se Ana mas poderia ser Maria, Conceição ou Magda, o nome não interessa se o que nos propomos é apresentar o

retrato possível da violência doméstica na região. Mas esta mulher de quem falamos nem sequer se pode dizer que seja pobre ou oriunda de uma família problemática. A Ana é tão só uma entre muitas. Cada vez há mais mulheres que são vítimas de maus-tratos físicos e psicológicos, porque a pressão psicológica também é uma forma de vitimar pessoas mais ou menos fortes e habilitadas. Mas a Ana tem perto de 60 anos e toda a vida morou em Lisboa, regressou agora às suas origens, na Beira Baixa, para tentar resolver um problema aparentemente sem solução. Vítima de violência desde há um par de anos, Ana vai sobrevivendo com força e tenacidade “que não sabe onde vais buscar, talvez se prenda ao ser superior” que para ela representa a religião e a fé que lhe estão associadas.

Acabrunhada pelas agruras da vida e porque a idade também já não perdoa, esta beirã de marcas negras nos olhos convive diariamente com a doença do marido alcoólico e a falta de dinheiro para coisas tão básicas como a comida e medicamentos. E é esta mesma mulher que se esforça

para minorar “o problema de saúde do marido”, mesmo se como compensação recebe “tareias e nódoas negras” visíveis ao olhar de quem com ela se cruza nas ruas da pequena aldeia que a viu nascer e a recebeu de volta depois da “fuga” da metrópole, pensando “que a tranquilidade do meio rural” haveria de lhe equilibrar os dias. Ana trabalha à

hora em casa de quem lhe confia a limpeza e as lides domésticas. A luta contra a falta de “verba até para o pão, quanto mais para internar” o marido ocupa-lhe as horas do dia que termina, invariavelmente “com mais insultos e palavrões” acompanhados de maus-tratos físicos. Apesar do sofrimento Ana recusa-se a participar às autoridades o caso – “Deus me livre” - atira, como que para nos dizer que tem de conviver com o destino que essa força superior lhe colocou no caminho e que se chama violência doméstica. E não se pense que esta mulher é mal amada

pelo companheiro, só porque agora é “pobre”. Há muitos anos que Ana sente na pele a ira do seu companheiro de vida. , explica Ana ao mesmo tempo que tenta desculpar este homem tirano e feroz que “desde sempre abandonava o emprego para ir até às tabernas” e cujo nome jamais chegará ás entidades que controlam e previnem a violência doméstica.

Ana “come com o pão, as chapadas e murros” de que é vitima, “basta que ele (o marido) esteja com o copito”. “Nem os filhos o travavam”, desabafa a mulher que perdeu o emprego para vir para o interior “pensando que em casa dos sogros ele se deixava da bebida”. Este é apenas um dos rostos que engrossam a estatística da violência exercida sobre as mulheres e no primeiro trimestre de 2007, só no distrito de Castelo Branco, foram denunciados no Núcleo de Atendimento a Vítimas de violência doméstica, sedeado no Governo Civil, 91 casos, um número elevado, considerou a governadora Alzira Serrasqueiro,

Texto | Dulce Gabriel

Sem voz nem voto em casa

“Sempre assim foi, não é agora que vai mudar”

na apresentação do gabinete de apoio que conta com a contribuição de nove instituições/parceiros interessados em reduzir o número de vitimas e sensibilizar a sociedade “para a importância da denúncia”.

A estrutura, coordenada pela assistente social Raquel Mendes, resulta da parceria estabelecida no princípio do ano entre a PSP, GNR, Associação de Desenvolvimento Integrado da Beira Baixa, Hospital Amato Lusitano e Centro Hospitalar da Cova da Beira, delegação distrital da União das Misericórdias, Sub-região de Saúde, Coordenação da Área Educativa e Ordem dos advogados (delegações de Castelo Branco, Covilhã e Fundão). é a missão deste Núcleo criado num Distrito que em 2006 registou nos 11 concelhos 392 casos de violência, “um número que pode ser bastante abaixo da realidade” alerta a governadora civil de Castelo Branco que desde a primeira hora

soube aproveitar a prioridade estabelecida pela secretária de estado adjunta e da reabilitação Idália Moniz quando anunciou a constituição de estruturas de apoio às vítimas de violência doméstica, em todos os distritos.Na nova estrutura “há apoio diversificado” às

vítimas que podem continuar a fazer as queixas nos postos da GNR ou da PSP, mas que desta forma usufruem de “um atendimento qualificado, para que o processo decorra mais rápido e de forma integrada” explicou a coordenadora Raquel Mendes. A vítima é recebida no núcleo, onde é

feito um plano de interpretação da crise e das necessidades reais da vítima e seus dependentes, de forma a encaminhá-la para os diferentes parceiros, levá-la ao hospital ou centro de saúde e a instalá-la numa das duas casas-abrigo das Misericórdias do distrito onde ficam temporariamente, para depois serem encaminhadas para lares de acolhimento existentes em outras zonas do país. Desde que foi criado, o gabinete já recebeu 350

queixas de mulheres e 12 de homens, havendo também denúncias que vitimaram crianças e uma “percentagem considerável de idosos” explica a governadora civil de Castelo Branco referindo-se ao período compreendido entre

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“Atender a vítima de agressão de forma célere e

acompanhála desde a denúncia até ao acolhimento”

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Janeiro e final de Março. Alzira Serrasqueiro diz que a vítima de violência tem “entre 24 a 50 anos e que as zonas urbanas de Castelo Branco, Covilhã, Fundão e Sertã, por esta ordem “contabilizam o maior número de casos de um tipo de crime que não atinge apenas as mulheres”, como o comprovam os gráficos, adverte. De resto, são as pessoas desempregadas e

com poucas habilitações quem mais sofre e pratica actos agora mais fáceis de denunciar. No distrito de Castelo Branco, “há um trabalho a governadora civil, quando confrontada com a necessidade de levar a julgamento e eventual condenação os autores do crime em causa. Alzira Serrasqueiro refere-se à necessidade

de aprofundar as relações “com o Ministério Público”. O combate à violência doméstica foi recentemente motivo de um projecto-lei conjunto aprovado na AR por unanimidade e aclamação e no qual todos os partidos com representação parlamentar assumem o compromisso de “avaliar o enquadramento jurídico existente em Portugal relativo à violência doméstica, com o objectivo de o actualizar” além disso, os partidos propõem-se “promover uma cultura de consciencialização das vitimas para os seus direitos” e propor “o reforço das medidas de protecção à vitima e de repressão do agressor”. O projecto inscreve-se na iniciativa europeia

“parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra mulheres” à qual a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa deliberou associar-se em Junho de 2006. A revisão das medidas de repressão do agressor é de resto apontada pelos especialistas na matéria e em particular pela APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), como sendo de extrema urgência, tendo em conta que, revelou este ano o alto comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACDH). A violência contra as mulheres e as raparigas

é considerada pelo ACDH como um “dos problemas mais sérios e importantes” da actualidade, contudo, apenas cinco por cento dos julgamentos celebrados no mundo por violação sexual acabam com sentença para os acusados. O organismo das Nações Unidas para os direitos humanos refere também que “apesar da dimensão do problema e das consequências e custos para o indivíduo e sociedade, a vontade política para acabar com a cultura de impunidade e prevenir a violência ainda não se materializou”. Em jeito de conclusão, a governadora civil de Castelo Branco congratula-se com os avanços registados nos últimos anos em Portugal mas assume que a prevenção da violência doméstica deveria ser motivo de “uma campanha choque e maior envolvimento dos media” como já acontece em Espanha.

“apenas um em cada 20 julgamentos realizados no mundo por violação sexual a mulheres e crianças acabam em condenação”

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aA 22 de Junho de 1936 nascia em Lagoa da Canoa, no Brasil, um dos grandes Génios da música inventiva, Hermeto Pascoal.

Compositor e multi-instrumentista de excepção, desde cedo deu sinais evidentes de simbiose com a música. Filho de roceiros, escapou ao trabalho da enxada por ser albino e não poder ficar exposto ao sol. Começou por tocar flauta e aos 8 anos já tocava Sanfona de 8 baixos, conta o próprio Hermeto que na escola os professores davam trabalhos para construir instrumentos com latas, e de uma goiabada ele fez um «violãozinho», essa foi a sua primeira criação.

oferecendo ao ouvinte a possibilidade de viajar por sensações que oscilam entre o desconforto ruidoso e a harmonia plena. Após este álbum dedicou-se durante 7 anos exclusivamente à composição e criou o projecto calendário de som, no qual compôs um chorinho para cada dia do ano, voltou a gravar em 99 o disco Eu e Eles, muito aplaudido pela critica, aí O seu primeiro parceiro musical foi José Neto, o seu irmão, e tocavam em qualquer lugar de festa, chegavam a caminhar dias inteiros para chegar ao local. Em 1950 a família mudou-se para o Recife, e com o irmão tocava acordeon nas rádios. Votado de uma voracidade instrumental fora do comum, começou a aprender a tocar vários instrumentos, piano, baixo, palhetas, percussão, enfim, tudo. Autodidacta, explorava todos os sons e ritmos que o iam marcando, usando artefactos como foices, machados e garrafas, estudando as suas afinações e tentando repetir os sons no seu acordeon.

Hermeto Pascoal

Texto | Ruben Pascoa

“aquele albino louco”

Fez parte dos grupos de bossa nova com músicos de referência como Airto Moreira, Theo Barros, Hunt Cleber, Heraldo Monte entre outros. Começou então a tocar em bares no Rio de Janeiro onde chegava horas antes para sentir o teclado. Aí tornou-se pianista e mudou-se para São Paulo. Fundou em 1964 o Sambrasa trio e mais tarde colaborou com o quarteto, Som Quatro, grupo do qual ainda hoje se sentem influências em vários projectos musicais. O quarteto dedicava-se a uma reinvenção progressiva das canções Nordestinas como, o Baião e o Xaxado, com este grupo gravou apenas um disco. Enquanto tocava em bares, nos intervalos trancava-se na casa de banho com a flauta e ao fim de

um mês já dominava o instrumento. Airto Moreira convidava então Hermeto para gravar um disco nos Estados Unidos e lá tocou com músicos como Tom Jobim, Duke Pearson, Flora Purim, Ron Cárter ou Miles Davis com quem estabeleceu uma amizade e admiração mútua, Gravou dois temas seus no álbum de Miles, Live Evil. Quando numa entrevista perguntaram a Miles com quem gostaria de se parecer musicalmente, este

respondeu sem hesitar, «queria ser como aquele albino louco». Gravou com a orquestra Sinfónica de Berlim e fez composições idiossincráticas de choro, Frevo, Maxixe, Baião e Jazz. Regressou ao Brasil em 73 onde lançou o primeiro disco no país Natal, nesse disco está o

famoso Baião tocado em todo o mundo, (Bebê). Em 77 grava nos Estados Unidos o mítico álbum Slave Mass (missa dos escravos). A década de 80 foi particularmente rica em viagens e Festivais (Montreux, Horizonte, São Paulo) e lançou o disco Hermeto Pascoal e Grupo, grupo esse que se tornou Mundialmente reconhecido e que durou mais de uma década, ainda nos anos 80 gravou o álbum Mundo verde esperança, que só viria a ser lançado anos mais tarde. Este álbum merece um particular destaque pelas perspectivas de diferentes ondas sonoras

e pela multiplicidade de ambientes, O seu primeiro parceiro musical foi José Neto, o seu irmão, e tocavam em qualquer lugar de festa, chegavam a caminhar dias inteiros para chegar ao local. Em 1950 a família mudou-se para o Recife, e com o irmão tocava acordeon nas rádios. Votado de uma voracidade instrumental fora do comum, começou a aprender a tocar vários instrumentos, piano, baixo, palhetas, percussão, enfim, tudo. Autodidacta, explorava todos os sons e ritmos que o iam marcando, usando artefactos como foices, machados e garrafas, estudando as suas afinações e tentando repetir os sons no seu acordeon. Fez parte dos grupos de bossa nova com músicos de referência como Airto Moreira, Theo

Barros, Hunt Cleber, Heraldo Monte entre outros. Começou então a tocar em bares no Rio de Janeiro onde chegava horas antes para sentir o teclado. Aí tornou-se pianista e mudou-se para São Paulo. Fundou em 1964 o Sambrasa trio e mais tarde colaborou com o quarteto, Som Quatro, grupo do qual ainda hoje se sentem influências em vários projectos musicais. O quarteto dedicava-se a uma reinvenção progressiva das canções Nordestinas como, o Baião e o

Xaxado, com este grupo gravou apenas um disco.Enquanto tocava em bares, nos intervalos trancava-se na casa de banho com a flauta e ao fim de um mês já dominava o instrumento. Airto Moreira convidava então Hermeto para gravar um disco nos Estados Unidos e lá tocou com músicos como Tom Jobim, Duke Pearson, Flora Purim, Ron Cárter ou Miles Davis.

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