diário de uma cadeira de biblioteca

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conto do concurso de escrita

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CONCURSO DE ESCRITA

“Um novo olhar sobre os objetos, contadores de estórias”

Organização: Plano Nacional de Leitura e Biblioteca Escolar

Escola Secundária Camilo Castelo Branco de Vila Nova de Famalicão

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Diário de uma cadeira de

biblioteca

Roberto Sequeira de Andrade 1

1 Pseudónimo de João Miguel Caetano de Sá Carvalho – aluno do 8ºB –2011/12 da Escola Secundária Camilo Castelo Branco de Vila Nova de Famalicão

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História das aventuras e

desventuras de uma cadeira

de biblioteca, contadas na

primeira pessoa, sob a forma

de diário.

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Olá, eu sou a cadeira Manuel José e cá

estou eu outra vez com um “rabo” em cima de

mim. Ainda por cima este é muito

desconfortável, muito duro e magoa-me a minha

rabeoceira (local onde as pessoas se sentam com

o chamado “rabo”). O nome rabeoceira é o que

nós, cadeiras, nos chamamos umas às outras, tal

como vocês humanos chamam costas à parte de

trás do corpo.

Todos os dias, em média, devem sentar-

se mais de 20 alunos em cima de mim. Ainda não

vos contei, mas sou uma cadeira de uma

biblioteca de uma escola. É uma escola bem

grande e tem cerca de 1500 alunos.

Estou aqui a queixar-me, mas sei que

existem trabalhos muito piores que o meu, tal

como ser uma cadeira de um restaurante ou de

um café, que são tão mal usadas no dia a dia -

estão sempre a ser arrastadas para aqui,

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arrastadas para ali, são sempre mal tratadas no

quotidiano. Isso é que é a pura verdade!

Hoje, dia 26/09/2011, aconteceu-me

uma coisa que me meteu tanto nojo … as minhas

irmãs do lado tiveram o azar de lhes calhar um

grupo de miúdos que só fazia asneiras: andavam

a balouçar nelas como se fosse tudo deles, a

riscá-las… bem eram mesmo miúdos! Mas o que

eu vos queria contar, e que foi o que me meteu

mais nojo, foi quando um deles deu um

“puuuuu” que cheirava tão mal!!! Ai Jesus, que

pivete! Coitada da minha irmã, pois teve de levar

com o cheiro durante o dia todo! Sim, porque

ficou entranhado na rabeoceira dela. Apesar de

tudo, acabei por ficar satisfeito quando a

bibliotecária foi junto deles e lhes deu um

raspanete de todo o tamanho, acabando por os

expulsar da biblioteca.

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Hoje, dia 28/09/2011, foi um dia normal,

alunos e professores sentaram-se em cima de

mim a ler livros, a fazer trabalhos num

computador… enfim um pouco de tudo.

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Hoje, dia 05/10/2011, foi um dia que se

pode dizer que me correu muito bem: todos os

alunos se portaram bem. Não houve nada de

anormal e ainda me aconchegaram com um

casaquinho de penas tão quentinho e tão bom!

Uma coisa que eu não vos cheguei a

contar é o que as cadeiras comem. Para vocês

deve ser um mistério que querem descobrir. Eu

vou contar-vos. O que nós comemos é nada mais,

nada menos, do que o ar. Sim, é isso mesmo!

Tudo o que vocês veem no ar é a nossa comida. E

vou-vos dizer uma coisa, é muito boa! Eu gosto

muito. Um dia hão-de experimentar abrir a boca

e comer um bocadinho de ar! Eu acho que vocês

também têm uma coisa que nós temos que se

chama cometudoqueébom. É um sistema que nós

temos na boca, que torna os elementos que não

ocupam espaço numa pasta que serve para

ingerir os alimentos com nutrientes

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Hoje, dia 08/10/2011, assisti a um jogo

de futebol que estava a passar na televisão da

biblioteca. Foi um jogo muito emocionante! Na

minha vida inteira apenas assisti a três. Por

acaso um deles foi da nossa seleção, a minha

grande paixão.

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É verdade, tenho dois filhos: o Pedro,

uma cadeira de um bar muito chique em Nova

York e o José, num escritório cá em Portugal.

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Não tenho mulher, infelizmente morreu

há quatro anos, num grande acidente: a minha

esposa era um cadeirão forrado a pelo de vaca,

muito macia! Era muito bonita e trabalhava num

bar mesmo junto da minha escola. Conheci-a

numa discoteca em Paris há cerca de quinze

anos. Casámos, tivemos filhos e construímos

uma família e uma vida.

Mas, há quatro anos, o seu bar foi

assaltado e um dos donos do bar, para parar os

assaltantes, pegou na minha mulher e deu com

ela nas costas de um deles.

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Conseguiu que este ficasse no chão, o

problema é que a minha esposa desfez-se em

bocados. Os meus filhos e eu chorámos muito.

Gostávamos muito dela. Mas tivemos de seguir

com a nossa vida em frente!

Hoje, dia 10/10/2011, foi um dia muito

mau. Soube que a minha escola vai entrar em

obras. Vai haver uma tragédia! Não sei se as

cadeiras antigas, como eu, vão ser usadas outra

vez ou se vêm umas novas e modernas

substituir-nos. Espero que nada disto que estou

para aqui a dizer seja verdade, pois não sei para

onde vou se me deitarem para o lixo…

Hoje, dia 18/12/2011, foi o dia em que

encontrei o meu diário. Deviam estar a

perguntar porque é que eu não escrevia, mas

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aqui têm a minha resposta: perdi-o e só hoje o

achei. Foi muito difícil descobri-lo!

Valeu-me um aluno da minha escola que

o chutou para junto de mim. Peguei nele e meti-

o rapidamente ao bolso sem ninguém reparar.

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Fiquei com muito medo que descobrissem o

segredo das cadeiras. Hoje também foi o dia em

que a minha escola entrou em férias de Natal. A

partir de agora os dias vão ser chatos e sem

alegria.

Hoje, dia 25/12/2011, é dia de Natal e é

dia de trocarmos prendas. Nem sabem a

surpresa que tive: um balde de tinta nova. Já me

pintei e sinto-me como novo. Soube-me tão bem,

há muitos anos que não o fazia e já estava

mesmo a precisar.

Hoje, dia 31/12/2011, é dia de passagem de ano

e nós, cadeiras, costumamos fazer uma grande

festa na biblioteca. Todas nos juntamos na

biblioteca, organizamos uma grande festa e

dançamos toda a noite

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Hoje, dia 03/01/2012, é o dia em que os

alunos regressam à escola. Um dia de muita

alegria e todos vão poder matar saudades uns

dos outros.

Hoje, dia 07/01/2012, foi o dia em que

soube que iríamos mesmo ser todas deitadas

para uma grande lixeira e eu não sabia mesmo o

que me esperava.

As obras começaram e já começam a

levar as cadeiras da sala de aula para o lixo.

Neste momento, os alunos estão a ter aulas em

contentores enormes sem grandes condições.

Hoje, dia 06/03/2012, foi o dia em que as

cadeiras da biblioteca começaram a ser levadas.

Eu fui uma delas.

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Hoje, dia 07/03/2012, cheguei à lixeira e

não sabia o que me esperava: vi todo o tipo de

cadeiras e madeira a ser quebrada por uma

máquina gigantesca. Pensava se era aquilo que

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me ia acontecer… mil e uma perguntas

acorriam-me à cabeça. Via de um lado cadeiras a

serem quebradas pela máquina gigantesca, do

outro, cadeiras a caírem de podres, todas

partidas. Vi também uma coisa horrível:

humanos a enterrarem as cadeiras, o que me

meteu muito medo. Fomos levados, eu e as

minhas irmãs bibliotecárias, para o local onde as

cadeiras ficam a apodrecer…

Hoje, dia 09/03/ 2012, foi um dia muito

mau. Esteve o dia todo a chover, e eu estive

sempre cá fora na chamada “apodrecedora“… de

certeza que vou ficar constipado.

Hoje, dia 12/03/2012, foi o pior dia da

minha vida. Vocês não vão acreditar no que vos

vou contar: vi a minha mulher! Vi-a hoje. Estava

mesmo à minha frente a ser enterrada pelos

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humanos. Nem acreditava que estavam a fazer

aquilo ao meu amor! Fiquei tão atordoado que

só me apetecia chorar. Disse a todas as cadeiras

que estavam à minha frente para me deixarem

passar, dizendo que tinha visto a minha mulher,

mas ninguém me ligava. Toda a gente me

ignorava e eu a ver a minha mulher ali, a ser

enterrada, com as lágrimas a caírem-me cada

vez mais rápido. Passei por cima de tudo e de

todos e finalmente consegui sair da

“apodrecedora”.

Hoje, dia 15/03/2012, estava a meio do

caminho para chegar ao meu amor e salvá-la.

Nós, cadeiras, demoramos muito tempo a andar,

pois não temos pernas como os humanos. Temos

de rastejar e, por isso, é que estou a demorar

muito a chegar. Já a enterraram e está mais ou

menos a sete palmos do chão.

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Hoje, dia 20/03/2012, finalmente, o meu

amor estava apenas a sete palmos de mim. Os

humanos pensam que nós, cadeiras, somos

apenas pedaços de madeira que se unem para

lhes dar conforto, mas nós também temos vida,

sentimentos e se também tivéssemos duas

pernas e dois braços faríamos tudo como os

humanos. Quando lhe vir o primeiro olhar e o

primeiro sorriso só vou ter uma reação: abraçá-

la e nunca mais a deixar.

Hoje, dia 23/03/2012, consegui

finalmente ver o primeiro pedaço de madeira da

minha mulher. Escavei com todas as minhas

forças e finalmente estava destapada. Dei-lhe

um abraço e levei-a comigo para fugirmos

daquele lugar horroroso. Ela estava toda suja e

tínhamos de a limpar rapidamente. Outra

dificuldade foi que, como estava há alguns dias

sem se mexer, custava-lhe arrastar-se, pelo que

tive de a levar na minha “rabeoceira”.

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Hoje, dia 26/03/2012, conseguimos

finalmente sair da lixeira. Tivemos muita sorte

porque naquele preciso momento estava um

carro com a mala aberta. Fomos a “correr” o

máximo que conseguimos e saltámos para a

bagageira.

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O dono do carro, ao fechá-la, reparou em

nós. Pensou que foi alguém que não queria mais

as cadeiras e decidiu que nos podia levar para

casa. Quando lá chegamos ele foi arranjar a

minha mulher. Foi pinta-la e enverniza-la e a

mim colocou-me no escritório.

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Hoje, dia 28/03/2012, vi a minha mulher

de novo. Estava muito, mas muito linda, mais

linda do que habitualmente. Via e só me apetecia

ir junto dela e dizer que era a cadeira mais

bonita do mundo e que só me apetecia estar com

ela. Quando o senhor foi embora eu fui junto

dela e disse-lhe tudo o que sentia.

Hoje, dia 29/03/2012, o nosso novo dono

pegou em mim e levou-me para a cave. Não

sabia o que me iria acontecer, mas pensava

sempre positivo. Na verdade o que me

aconteceu foi que o meu novo dono me

transformou numa cadeira de sala. Meteu-me

uma “rabeoceira” e uma “costeira” novas todas

almofadadas, muito fofinhas e nos braços da

cadeira meteu umas “almofadas” á volta, com

um tecido vermelho muito bonito.

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Hoje, dia 30/03/2012, apareci á frente da

minha mulher com o meu novo “estilo”. Ela de

início nem me reconheceu, mas depois viu que

era mesmo eu. O nosso dono pôs-me junto da

minha mulher na sala e fizemos uma vida nova

com o nosso dono novo e com a sua mulher.

Finalmente vou poder ficar junto da minha

mulher toda a nossa vida. E mais, aprendi o que

é reciclar!

Recicla e vês que o feio torna-se bonito !!!

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Ilustração - Clube de Ilustração Criativa da

Escola Secundária Camilo Castelo Branco de Vila

Nova de Famalicão sob orientação da professora

Olga Coimbra Pinheiro.

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Autor

João Miguel Carvalho

Ilustradores:

Júlia Oliveira;

Cristiana Gonçalves;

Ana Paula Costa;

Rita Castro;

José Pedro Antunes;

Pedro Oliveira;

Tiago Sá;

Sofia Araújo

Vila Nova de Famalicão

Dezembro 2011