dicionario de filosofia escolar
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Dicionário de Filosofia“A Posteriori” - Aquilo que é estabelecido e afirmado em virtude da experiência.
“A Priori” - Independente da experiência sensível
Absoluto - O que não comporta nenhuma limitação, restrição ou dependência. O contrário de relativo.
Abstração - Operação pela qual o espírito separa mentalmente coisas de fato inseparáveis.
Abstrato - O que resulta de uma abstração. O contrário de concreto.
Acidente - O que pode ser modificado ou suprimido sem que a coisa em que existe mude de natureza ou desapareça.
Aforismo deriva de aforizo, delimitar, separar, distinguir. Delimitar para provocar o advento do que é sem limites. Aforismo e horizonte procedem do mesmo verbo, ambos circunscrevem o campo do visível, ambos se movimentam com os que se movimentam. (SCHÜLLER, Donald. Heráclito e seu [Dis]curso). Análise - Operação pela qual o espírito vai do composto ao simples, do todo para suas partes componentes.
Analogia - Argumentação pela semelhança, segundo a qual, do fato de um atributo convir a um sujeito, se deduz a sua conveniência com um sujeito semelhante.
Antropocentrismo - Doutrina que coloca o homem no centro do universo e medida de todas as coisas.
Antropomorfismo - Doutrina que representa todos os seres tomando por modelo a natureza humana.
Argumento - É a expressão verbal de um raciocínio.
Automatismo - Movimento que escapa à direção dos centros superiores. Atividade psíquica inconsciente.
Axiologia - Teoria dos valores em geral, especialmente dos valores morais (do grego “axios”: valioso, desejável, estimado)
Axioma - Verdade que não se precisa demonstrar, por ser evidente por si mesma.
Belo - No sentido objetivo, é o esplendor do ser. No sentido subjetivo, é aquilo cuja contemplação causa prazer.
Bem - Aquilo que possui um valor moral positivo, constituindo o objeto ou o fim da ação humana.
Ceticismo - Concepção filosófica segundo a qual o conhecimento certo e definitivo sobre algo pode ser buscado, mas não atingido.
Ciência - Objetivamente, é um conjunto de verdades certas, logicamente encadeadas entre si, de modo a fornecer um sistema coerente. Subjetivamente, é um conhecimento certo das coisas por suas causas ou por seus princípios.
Conceito - Representação intelectual de um objeto. O mesmo que idéia ou noção.
Concreto - Aquilo que é efetivamente real ou determinado.
Conhecimento - Apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e utilizá-los.
Conotação - Significado segundo, figurado, às vezes subjetivo, dependente de experiência pessoal de um signo.
Consciência - Em moral, é a faculdade que o homem tem de julgar o valor moral dos seus atos.
Contradição - Ato de afirmar e de negar, ao mesmo tempo, uma mesma coisa.
Cosmo - Designa o mundo enquanto ele é ordenado e se opõe ao caos: mundo considerado como um todo organizado, como uma ordem hierarquizada e harmoniosa.
Cosmogonia - Teoria sobre a origem do universo geralmente fundada em lendas ou em mitos e ligada a uma metafísica.
Cosmologia - Parte da filosofia que tem por objeto o estudo do mundo exterior, isto é, da essência da matéria e da vida.
Crítica - Atitude que consiste em separar o que é verdadeiro do que é falso, o que é legítimo do que é ilegítimo, o que é certo do que é verossímil.
Dedução - Raciocínio que nos permite tirar de uma ou várias proposições uma conclusão que delas decorre logicamente.
Definição - Do latim definitione. Definir, segundo a lógica formal, é dizer o que a coisa é, com base no gênero próximo e na diferença específica.
Denotação - Significado primeiro e imediato de um signo (palavra, imagem etc.). Ver conotação.
Dever - Necessidade de realizar uma ação por respeito à lei civil ou moral.
Devir - Transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constróem e se dissolvem noutras coisas através do tempo.
Dialética - Arte de discutir; tensão entre os opostos.
Disciplina - a raiz latina dessa palavra significa aprender. Uma mente disciplinada é uma mente capaz de aprender, que é oposto de uma mente capaz de amoldar-se. (KRISHNAMURTI, J. Sobre a Aprendizagem e o
Conhecimento, p. 35.)
Dogma - Em filosofia, doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem contestação por uma escola ou corrente filosófica. Em religião, doutrina religiosa fundada numa verdade revelada e que exige o acatamento e a aceitação dos fiéis. No catolicismo, o dogma possui duas fontes: as Escrituras e a autoridade da Igreja.
Dogmatismo - Doutrina dos que pretendem basear seus postulados apenas na autoridade, sem admitir crítica nem discussão.
Doutrina - Conjunto de princípios, de idéias, que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico ou científico.
Doxa - Em grego significa opinião, juízo, ponto de vista, crença filosófica e também a fama, a glória humana.
Dúvida - Estado da mente em que não há assentimento firme sobre um juízo, por que se teme ser falso.
Dúvida Hiperbólica - Método de conhecimento que tem por objetivo descobrir a verdade (Descartes).
Educação - Consiste em transmitir normas de comportamento técnico-científica (instrução) e moral (formação do caráter) que podem ser compartilhadas por todos os membros da sociedade. (ARANGUREN, J. L.
Comunicação Humana, p. 144.)
Empirismo - Caráter comum dos sistemas filosóficos que consideram a experiência como único critério de verdade.
Epifenômeno - Concepção que faz da consciência um fenômeno acessório e secundário, um simples reflexo, sem influência sobre os fatos de pensamento e conduta.
Epistemologia - (episteme, “ciência”): estudo do conhecimento científico do ponto de vista crítico, isto é, do seu valor; crítica da ciência; teoria do conhecimento. Estudo da natureza e dos fundamentos do saber, particularmente de sua validade, de seus limites, de suas condições de produção. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)
Erro - É o conhecimento que não reflete fielmente a realidade e por isso mesmo não corresponde à realidade.
Escatologia - Doutrina que diz respeito aos fins últimos da humanidade, da natureza ou do indivíduo depois da morte.
Escolástica - Escola filosófica da Idade Média, cujo principal representante é Santo Tomás de Aquino. No sentido pejorativo, que decorre da escolástica decadente, o termo escolástico se refere a todo pensamento formal, verbal, estagnado nos quadros tradicionais.
Esotérico - Todo o ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. Saber secreto. Em oposição, exotérico é o saber público, aberto a todos.
Espaço e tempo - Espaço é meio de coexistência, enquanto tempo é o meio da sucessão. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 66.)
Especulação - Criação do saber apenas pelo exercício do pensamento, geralmente sem qualquer outro objetivo que o próprio conhecimento.. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)
Essência - Aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é.
Eternidade - Caráter do ser subtraído à mudança e ao tempo. Posse indivisível, perfeita e simultânea de uma vida sem fim.
Ética - Parte da Filosofia que se ocupa com o valor do comportamento humano. Investiga o sentido que o homem imprime à sua conduta para ser verdadeiramente feliz.
Ética e Moral - Curiosamente, a palavra "ética" é, hoje em dia, bem aceita nos discursos, enquanto o termo "moral" é rejeitado em nome de uma conotação vagamente religiosa ou bem-pensante. No entanto, trata-se de dois sinônimos, derivados um do grego e o outro do latim, evocando a arte de escolher um comportamento, distinguir o bem do mal. (JACQUARD, A.
Filosofia para não Filósofos, p. 37.)
Evidente - Aquilo que se impõe a nós de modo direto e imediato.
Existência - O fato de a coisa estar aí, sem necessidade, de modo contingente (existencialismo).
Existencialismo - Conjunto de doutrinas que se opõem ao racionalismo e ao idealismo e que admitem que o objeto próprio da filosofia é a realidade existencial, isto é, existência concreta e vivida, e que o único meio que possuímos para entrar em contato com ela consiste no sentimento ou emoção.
Explicar, vem de ex-plicare, verbo latino que significa desembrulhar. Plicare, fazer pregas, rugas, explicare, desenrugar, desfazer, por exemplo, um pacote. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 20.). Plica em latim significa dobra. Ex-plicare significa desdobrar, ou seja, abrir as dobras. Explicação, isto é, explicar uma coisa significa reproduzir discursivamente, na mente e no discurso, o desdobramento de uma determinada coisa.(CIRNE-LIMA, C. Dialética para Principiantes)
Facticidade - Caráter do que existe como puro fato.
Fato social - São todas as formas de associações e as maneiras de agir, sentir e pensar, padronizadas e socialmente sancionadas.
Fenômeno - Aquilo que se oferece à observação intelectual, isto é, à observação pura
Fenomenologia - No sentido geral, é o estudo descritivo de um conjunto de fenômenos tais como se manifestam no tempo ou no espaço, em oposição às leis abstratas e fixas desses.
Fideísmo - Doutrina segundo a qual as verdades fundamentais da ordem especulativa ou da ordem prática não devem ser justificadas pela razão, mas simplesmente aceitas como objeto de pura crença.
Filosofia - Sistema de conhecimentos naturais, metodicamente adquiridos e ordenados que tende a explicar todas as coisas por seus primeiros princípios e suas razões fundamentais.
Fim - Via de regra, na terminologia filosófica, este vocábulo não designa o mero termo, ou seja, o último de uma série, mas sim “aquilo pelo qual (id, propter quod) alguma coisa existe ou se faz (fit).
Gnose - Conhecimento esotérico e perfeito das coisas divinas pela qual se pretende explicar o sentido profundo de todas as religiões.
Gnoseologia - Teoria do conhecimento que tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer.
Hermenêutica - Parte da crítica histórica que consiste em decifrar, traduzir e interpretar os textos antigos.
Heterodoxia - Crença contrária aos princípios aceitos na época.
Heurístico - Aquilo que se refere à descoberta e serve de idéia diretriz numa pesquisa. Um método é heurístico quando leva o aluno a descobrir aquilo que se pretende que ele aprenda.
Ideal - O que se concebe como um tipo perfeito.
Idealismo - Caráter geral dos sistemas filosóficos que negam a objetividade do conhecimento e reduzem o ser ao pensamento.
Idéia - Representação intelectual de um objeto.
Imagem - Representação sensível de um objeto.
Imaginação - Faculdade de representar ou de combinar imagens.
Imanente - O que está contido na natureza de um ser.
Inato - Tudo aquilo que existe num ser desde seu surgimento e que pertence à sua natureza. opõe-se a adquirido, aprendido.
Indeterminismo - Doutrina segundo a qual o homem é dotado de livre-arbítrio.
Indução - Raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual passamos do particular ao universal, do especial ao geral, do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis.
Instinto - Atividade automática, existente sobretudo no animal, caracterizada por um conjunto de reações bem determinadas hereditárias, específicas, idênticas na espécie. Não confundir com intuição.
Introduzir é, em primeiro lugar, inquietar, por em questão, no duplo sentido desta expressão: formular a questão e perguntar pelo seu sentido, isto é, descobrir a sua origem. É iniciar, isto é, tomar o caminho da indagação e comunicar em primeiro lugar a necessidade da própria indagação. (DELEULE, D. La Psicologia, Mito Cientifico)
Intuição - Forma de conhecimento que permite à mente captar algo de modo direto e imediato.
Inútil - Significa o que não tem um fim noutro, ou seja, não tem fim algum, ou tem um fim em si mesmo.
Inveja - Invejar vem do latim (invidere) e significa não ver. Trata-se portanto de uma negação da visão da Bondade, Beleza e Verdade. Negamos o que é bom para nós e do que dependemos para sermos felizes e nos realizarmos. Devido à inveja, negamos as virtudes e qualidades dos outros o que reverte em nosso próprio prejuízo. Quando negamos nossas agressões e erros, criando mais
obstáculos com os quais procuramos brecar o desenvolvimento. (CHAMADOIRA, L. C. Netto.[et al.] A Educação Integral pela Trilogia Analítica)
Irmão/Fraternidade - A palavra "irmão" deriva de uma palavra latina que não fazia qualquer alusão a um vínculo de parentesco. Frater designava qualquer membro de espécie humana, da "família humana". (JACQUARD, A. Filosofia para não Filósofos, p.47.)Juízo - Faculdade ou ato de julgar, de afirmar relações de conveniência ou desconveniências entre duas idéias.
Justiça - No sentido restrito, é a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade; no sentido moral, significa o respeito que há em cada um de dar a cada um o que é seu.
Lei - Relação necessária entre dois acontecimentos. Lei científica: aquela que estabelece entre os fatos relações mensuráveis, universais e necessárias, autorizando a previsão.
Lei Moral - Compreende o conjunto de normas éticas resultantes da situação do homem na realidade e que, anteriormente a toda estipulação ou convenção, obrigam fundamentalmente a todos os homens.
Lei Natural - Em sentido filosófico, é uma ordenação para determinada atividade insita nas coisas naturais. Recebe o nome de lei, porque por meio desta disposição foi dada aos seres da natureza uma necessidade para operar, necessidade diversa, segundo a natureza da coisa: é diferente no domínio inorgânico, no orgânico e no humano-espiritual. Neste último domínio, lei natural eqüivale a lei moral natural; sua necessidade consiste no dever da obrigação.
Liberalismo - Doutrina que preconiza a liberdade política ou a liberdade de consciência.
Liberdade - Capacidade de poder agir por si mesmo, com autodeterminação, independentemente de toda a coerção exterior.
Livre-Arbítrio quer dizer juízo livre. É a capacidade de escolha pela vontade humana entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, conscientemente conhecidos.
Lógica - Ciência das leis ideais do pensamento e a arte de aplicá-los corretamente na pesquisa e na demonstração da verdade.
Logos - Designa muitas coisas. Homero emprega o verbo lego, da mesma raiz de logos, para o processo de recolher alimentos, armas e ossos, para reunir homens. Cada uma dessas operações implica comportamento criterioso; não se reúnem armas, por exemplo, sem as distinguir de outros objetos. Concomitantemente, logos significa uma reunião de coisas sob determinado critério. Armas misturadas com ossos sem critério algum não formariam logos, provocariam sentimento de desordem, caos. Logos corresponde, portanto, ao com-um, não de palavras apenas mas também de seres.(SCHÜLER, D. Heráclito e seu (Dis)curso, p.17.) Fala-se também em discurso, verbo.
Maiêutica - Método socrático de interrogação, como a parteira dá à luz os corpos, procura “dar à luz” os espíritos para levar seus interlocutores a descobrirem a verdade que eles trazem em si sem o saber. Por extensão, método pedagógico que permite ao mestre apenas dirigir a pesquisa do aluno, este devendo encontrar a verdade por sua própria reflexão.
Marxismo - Teoria econômica, social, política e filosófica elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, utilizada ao mesmo tempo como método de análise dos fenômenos sociais e como princípios de uma prática revolucionária.
Materialismo - Doutrina segundo a qual toda a realidade, inclusive a espiritual, se reduz à matéria e suas modificações.
Materialismo Dialético - O materialismo dialético é a união do materialismo clássico com a dialética de Hegel, e representa o núcleo filosófico do marxismo.
Metafísica - Parte da filosofia que procura os princípios e as causas primeiras e que estuda o ser enquanto ser.
Método - Derivado do grego methodos, formado por meta, "para", e hodos, "caminho". Poder-se-ia, então, traduzir a palavra por "caminho para" ou, então, "prosseguimento", "pesquisa".
Misticismo - Crença numa ordem de realidades sobrenaturais e na possibilidade de uma união íntima e direta com Deus.
Mito - Relato fabuloso contando uma história que serve ao mesmo tempo de origem e justificação de um grupo social.
Monismo - Teoria segundo a qual a realidade é formada de uma única substância, pois só existe um princípio fundamental, seja a matéria, seja o espírito.
Monoideísmo - Estado patológico, caracterizado pela tendência de uma pessoa retornar sempre em seu pensamento e em sua palavra a um só tema, uma idéia fixa, que é propriamente a monomania.
Moral - Conjunto de costumes e juízos morais de um indivíduo ou de uma sociedade; teoria que visa orientar a ação humana submetida ao dever e com vistas ao bem; conjunto de normas livre e conscientemente aceitas que visam organizar as relações dos indivíduos na sociedade.
Moralismo - Apego excessivo à letra das regras morais em detrimento de seu espírito. Atitude prática que consente em cultivar apenas a perfeição moral sem se preocupar com o bem a ser realizado.
Mundividência - É a compreensão global da essência, origem, valor, sentido e finalidade do mundo e da vida humana. O mesmo que cosmovisão (concepção de universo).
Necessidade - Necessário é o que não se pode ser de outra maneira ou aquilo cuja contraditória é impossível.
Niilismo - É a doutrina que admite que o nada, além de ser, ou de haver, é capaz de ser pensado.
Númeno - De acordo com Kant, guarda relação com o verbo pensar, mas de fato, aparece mais equivalente a pensado, como oposto a percebido pelos sentidos.
Objetivo - O que existe fora do espírito e independente do conhecimento do sujeito. O contrário de subjetivo.
Objeto - Aquilo sobre que incide o conhecimento ou recai a ação. Oposto ao sujeito que é o que exerce a ação ou o conhecimento.
Ontologia - Parte da Filosofia que se ocupa do ser enquanto ser, ou seja, do ser concebido na sua totalidade e na sua universalidade.
Opinião - Juízo que adotamos sem termos a certeza de sua verdade.
Ortodoxia - Posição a favor das crenças vigentes.
Paidéia ou educação do homem para a filosofia e conseqüentemente para a política.(BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p. 46.)
Palingenesia - (Do grego palin, outra vez, e genesis, nascimento). Literalmente, é o novo nascimento ou regeneração; na Teologia religiosa, é o renascimento das idéias de uma doutrina esquecida, ou a nova vida dos indivíduos.
Panteísmo - (Do grego pan, tudo, e Theos, Deus = tudo é Deus). Doutrina que afirma que o cosmo nada mais é que a manifestação do próprio Deus.
Paradoxo - (Do grego para e doxa, opinião). Estado de coisas (ou declaração que se faça sobre elas), que aparentemente implica alguma contradição, pois uma análise mais profunda faz desvanecê-la.
Pensar, na significação etimológica do termo, quer dizer sopesar, por na balança para avaliar o peso de alguma coisa, ponderar. (BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p.11.)
Percepção - É a apreensão sensorial global de um complexo de dados sensíveis.
Personalidade - Caráter do ser que tem consciência de ser portador de si mesmo, que tem consciência de sua individualidade e de seu papel.
Política - Do grego politikós (polis) que significa tudo o que diz respeito à cidade.
Potência pode ser conceituada de duas maneiras: 1) potência é o poder que uma coisa tem de provocar uma mudança noutra coisa; 2) potência é a potencialidade existente numa coisa de passar a outro estado. Esta 2.ª Aristóteles considera a mais importante pela sua metafísica. (MORA, J. F. Dicionário de Filosofia)
Pragmatismo - Sistema filosófico de William James, que subordina a verdade à utilidade e reconhece a primazia da ação sobre o pensamento.
Práxis - Os gregos chamavam práxis à ação de levar a cabo alguma coisa; também serve para designar a ação moral; significa ainda o conjunto de ações que o homem pode realizar e, neste sentido, a práxis se contrapõe à teoria. No marxismo significa união dialética da teoria e da prática.
Preconceito - Definido aqui como um julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo, o conceito deriva do latim prejudicium, que designa um julgamento ou decisão anterior, um precedente ou um prejuízo. As anotações básicas incluem inclinação, parcialidade, predisposição, prevenção.
Princípio - É aquilo, donde, de algum modo, uma coisa procede quanto ao ser, ao acontecer ou ao conhecer.
Problema - Vem das palavras gregas pro (na frente) e ballein (jogar). Problema: jogar na frente. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber). Nem toda a questão se denomina problema, mas tão-só aquele que, por causa da dificuldade que lhe é intrínseca, não logra ser resolvida sem especial esforço.
Problema X problemática - Problemática é o quadro no qual se situa o problema e não o próprio problema. (LAVILLE, Chistian. A Construção do Saber)
Raciocínio - É aquela atividade mental, mercê da qual, da afirmação de uma ou mais proposições passamos a afirmar uma outra, em virtude da intelecção de sua conexão necessária.
Racional - Pelo termo “racional” (do latim ratio: razão, designamos em geral o modo especificamente humano do conhecimento conceptual-discursivo.
Racionalismo - Doutrina filosófica moderna (séc. XVII) que admite a razão como única fonte de conhecimento válido; a superestima do poder da razão. Principais representantes: Descartes, Leibniz. Doutrina oposta ao empirismo.
Realidade - Na hodierna terminologia filosófica, o termo “real” designa, via de regra, o ente, o que existe em oposição tanto ao que é apenas aparente quanto ao que é puramente possível.
Reflexão - Em sentido lato e pouco rigoroso, reflexão significa meditação comparativa e examinadora contraposta à percepção simples ou aos juízos primeiros e espontâneos sobre um objeto. No sentido ontológico, mais preciso e profundo, significa, ao mesmo tempo, uma volta do espírito à sua essência mais íntima. Esta volta (reflexio = re-flexão) é o sentido próprio do vocábulo.
Salvação é um transcender, um não limitar-se a "este mundo", um ir além dele, fora dele, ou nele, por sua superação. (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p.26.)Sensação - Significa, na linguagem corrente, qualquer vivência imediata.
Ser - designa aquela perfeição, pela qual alguma coisa é um ente.
Síntese - Significa etimologicamente “composição”. Em linguagem filosófica, síntese designa a união de vários conteúdos cognoscitivos num produto global de conhecimento, união que constitui uma das mais importantes funções da consciência.
Sistema - É a multiplicidade de conhecimentos articulados segundo uma idéia de totalidade.
Socialismo - Nome genérico das doutrinas que pretendem substituir o capitalismo por um sistema planificado que conduza a resultados mais eqüitativos e mais favoráveis ao pleno desenvolvimento do ser humano. Designação das correntes e movimentos políticos da classe operária que visam a propriedade coletiva dos meios de produção. O socialismo utópico (Saint Simon, Fourier, Proudhon etc.) foi criticado pelo socialismo científico (Marx e Engels). Para Marx, o socialismo é a primeira fase revolucionária após a destruição do Estado burguês e supõe ainda a existência de um aparelho estatal; após esta fase, deveria surgir o comunismo propriamente dito.
Sociologia - É a ciência da sociedade. Vem de societas (sociedade) e logos (estudo, ciência). É a ciência que estuda as estruturas sociais e as leis de seu desenvolvimento. Implica na análise do “fato social”.
Sócrates significa força (krátos) que salva (sôs). (BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar, p. 41.)
Sofisma - É um raciocínio falso que se apresenta com aparência de verdadeiro.
Substância - Etimologicamente, é “que está debaixo” ou o que permanece debaixo das aparências ou dos fenômenos. Substância é o que tem seu ser, não em outro, mas em si ou por si. O contrário de acidente.
Sujeito - (Do latim subiectum = que está por debaixo) significa etimologicamente “o que foi posto debaixo”, “o que se encontra na base”. Ontologicamente, denota essencialmente uma relação a outra realidade que “descanse sobre ele”, que é “sustida” por ele.
Teleologia - Teoria dos fins. Doutrina segundo a qual o mundo é um sistema de relações entre meios e fins.
Tema [em francês, sujet, "sujeito"] indica que estamos em presença de um enunciado que determina para o pensamento uma situação - momentânea e provisória, certamente - de sujeição ao que se nos impõe quando fazemos um exercício. Paradoxalmente, o tema de dissertação deve aqui ser considerado como um "Mestre" ao qual no submetemos. (FOLSCHEID, Dominique e WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia Filosófica, p.172.)
Tempo é meio da sucessão. "É o período que vai de um acontecimento anterior a um acontecimento posterior". "Uma mudança contínua (geralmente considerada como contínua), pela qual o presente se torna passado". (SANTOS, M. F. dos. Filosofia e Cosmovisão, p. 66.)Teologia - É a ciência que tem Deus por objeto.
Teomania - designa a atitude que o ser humano adota de querer ser Deus, devido à inveja. Etimologicamente significa mania de querer ser um deus, desejando ser criador e dono da verdade, ao invés de simples ser criado e submisso a Ele. (CHAMADOIRA, L. C. Netto.[et al.] A Educação Integral pela Trilogia Analítica)Teoria - O vocábulo “teoria” é usado, as mais das vezes em oposição a prática, significando neste caso, o conhecimento puro, a pura consideração contemplativa; ao passo que prática designa qualquer espécie de atividade fora do conhecimento, especialmente a atividade dirigida ao exterior.
Totalidade - Falamos de totalidade, quando muitas partes de tal modo estão ordenadas que, reunidas, formam uma unidade (o todo).
Transcendente - Em Kant, os princípios do entendimento puro além dos limites da experiência.
Universalismo - é a visão do todo, da grandeza e vastidão cósmica, da universalidade, oposta à limitação míope e mesquinha a valores parciais ou a interesses particulares.
Útil - Significa tudo aquilo que tem um fim noutro e não em si mesmo.
Utopia - (U-topos, “nenhum lugar”): que não existe em nenhum lugar; descrição de uma sociedade ideal; refere-se a um ideal de vida proposto. No sentido pejorativo, refere-se a um ideal irrealizável.
Verdade - Na acepção mais geral designa uma igualdade ou conformidade entre a inteligência (conhecimento intelectual) e o ser (adaequatio intellectus et rei), e, em sentido mais elevado, uma completa interpenetração de inteligência e ser.
Vício - É o pendor para agir de forma inadequada. É o oposto da virtude.
Vida - É o conjunto dos fenômenos de toda a espécie (particularmente de nutrição e de reprodução), que, para os seres que têm um grau elevado de organização, se estende do nascimento (ou produção do germe) até a morte.
Virtude - Equivale a capacidade, aptidão, e significa a habilidade, facilidade e disposição para levar a efeito determinadas ações adequadas ao homem.
Virtudes Cardeais - São assim denominadas (do latim cardo = gonzo), porque toda a vida moral gira em torno delas, como a porta em torno dos gonzos (dobradiças). São: prudência, fortaleza, temperança e justiça.
Vivência - É todo fato de consciência, na medida em que seu sujeito se apreende a si mesmo (de modo reflexo ou não reflexo) como encontrando-se numa determinada situação psíquica.
(Org. por Sérgio Biagi Gregório)
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Dicionário de filosofia escolar.
.: A :.a dicto secundum quid ad dictum simpliciter
Expressão latina que significa "da asserção qualificada para a não qualificada";
trata-se de uma falácia informal. Por exemplo: "Todo o deus omnipotente
pode fazer tudo; logo, todo o deus pode fazer tudo". DM
a dicto simpliciter ad dictum secundum quid
Expressão latina que significa "da asserção não qualificada para a qualificada";
defende-se por vezes que se trata de uma falácia informal. Por exemplo:
"Nenhum cavalo pode voar; logo, nenhum cavalo alado pode voar". DM
a fortiori
Expressão latina que significa "por maioria de razão". Se todas as opiniões são
inúteis, então a fortiori a sua opinião também o é. AA
a priori / a posteriori
1. Uma distinção entre modos de conhecimento. Conhecemos a priori uma
dada proposição quando não recorremos à experiência para a conhecer. Por
exemplo, uma pessoa sabe a priori que 23 + 12 = 35 quando faz um cálculo
mental, não recorrendo à experiência. Conhecemos a posteriori uma dada
proposição quando recorremos à experiência para a conhecer. Por exemplo,
uma pessoa sabe a posteriori que o céu é azul quando olha para o céu e vê
que é azul. Considera-se, tradicionalmente, que a lógica, a matemática e a
filosofia são disciplinas a priori porque têm por objecto problemas cuja
solução implica recorrer ao pensamento puro. A história, a física e a
economia, por exemplo, são disciplinas a posteriori porque têm por objecto
de estudo fenómenos que só podem ser conhecidos através da experiência;
por exemplo: para saber em que ano Buzz Aldrin e Neil Armstrong foram à Lua
é necessário consultar documentos históricos; para saber qual a taxa de
inflação em Portugal em 2003 é necessário consultar dados económicos.
2. Diz-se que um argumento é a priori quando todas as suas premissas
são conhecíveis a priori; e diz-se que é a posteriori quando pelo menos uma
das suas premissas só pode ser conhecida a posteriori. Não se deve confundir
o a priori / a posteriori com o analítico/sintético, nem com
necessário/contingente. DM
absoluto/relativo
Diz-se que é absoluto o que depende apenas de si próprio, não se submete a
quaisquer condições e não tem restrições. Pelo contrário, o que tem uma
natureza dependente e não existe por si mesmo é relativo. Por exemplo, dizer
que há normas morais absolutas é dizer que essas normas não dependem da
época, da sociedade, da opinião das pessoas, etc. Por sua vez, ao dizer que as
normas morais são relativas, estamos a afirmar que tais normas dependem de
algo que, neste caso, devemos especificar, sendo por isso variáveis. O termo
"absoluto" é também utilizado por alguns filósofos como substantivo, para
referir uma espécie de ser supremo, espiritual, único e autoconsciente. Um
exemplo disso encontra-se na filosofia idealista de Hegel. AA
abstracção
O processo psicológico que consiste em isolar as características comuns a um
dado conjunto de objectos. Também se costuma chamar abstracção ao
resultado deste processo. Segundo John Locke, trata-se do processo através
do qual adquirimos os conceitos (ver conceito) de homem, árvore, azul, etc.
Isso implica que, de entre a variedade de características que cada objecto
exemplifica, se retenham apenas as que são comuns a todos os objectos da
mesma classe. Assim, o conceito de árvore inclui apenas as características que
se podem observar em todas as árvores, sejam elas pinheiros, oliveiras,
laranjeiras, etc., e não características particulares como o tamanho, a forma
da copa, o textura do tronco, ou a cor e a quantidade de folhas de cada
árvore. Para Locke, os animais não são capazes de abstracção; apenas os seres
humanos, residindo aí a principal diferença entre ambos. Por sua vez,
Berkeley nega a existência da abstracção, pois considera que isso nos leva a
conceber coisas que não existem em lado algum, como objectos sem cor, etc.
Para este filósofo não há ideias abstractas, defendendo que todas as ideias
são concretas. Ver também abstracto/concreto. AA
abstracto/concreto
Muitas pessoas utilizam o termo "abstracto" para referir algo impreciso, vago,
sem conexão com a realidade e sem objectividade. Mas isso é incorrecto. Um
termo refere algo abstracto se aquilo que é referido por esse termo não tem
existência espácio-temporal, isto é, se não existe num lugar qualquer nem
num determinado momento. Por exemplo, a justiça é uma entidade
abstracta, pois não tem localização espácio-temporal, não se podendo
confundir com os casos concretos de situações justas, que têm localização
espácio-temporal. As propriedades são, pois, exemplos típicos de "coisas"
abstractas; a propriedade de ser árvore, por exemplo, não se confunde com
as próprias árvores. Cada árvore em particular é concreta, dado que existe no
espaço e no tempo; mas a própria propriedade de ser árvore é abstracta dado
que não existe no espaço nem no tempo. Supostamente, os números e as
proposições (ver proposição) também não têm existência espácio-temporal,
pelo que são exemplos comuns de entidades abstractas. Por sua vez, diz-se
que uma entidade é concreta se tem uma existência espácio-temporal, ou
seja, se existe ou existiu numa dada ocasião, num certo sítio. Assim, a árvore
que está neste momento à entrada do portão principal da minha escola é uma
entidade concreta. Exemplos de entidades concretas são também a dor de
dentes que tive hoje à tarde, o suspiro de Pedro ao ver Inês, a ponte Vasco da
Gama, a Marisa Cruz, etc. Esta distinção nem sempre é pacífica: os
nominalistas, por exemplo, rejeitam a existência de entidades abstractas. AA
absurdo
1. Em lógica e filosofia, uma afirmação absurda é uma afirmação sem sentido;
por outras palavras, sem valor de verdade, como "As ideias verdes dormem
furiosamente juntas". Não basta desconhecer o valor de verdade de uma
afirmação para ela ser absurda; é preciso que a afirmação não tenha
realmente valor de verdade. Por exemplo, desconhece-se se a afirmação "Há
vida microscópica em Marte" é verdadeira, mas a afirmação não é absurda,
dado que tem um valor de verdade, apesar de ser desconhecido.
2. Diz-se que a vida ou a existência é absurda quando não tem sentido
(ver sentido da vida).
3. Diz-se que uma afirmação é absurda quando é disparatada, ou
evidentemente falsa. DM
absurdo, redução ao
Ver redução ao absurdo.
acção
Aquilo que é feito intencionalmente por alguém; um acontecimento que
resulta directamente da vontade de um agente. Uma pode pessoa causar um
acontecimento sem que o tivesse previsto, desejado ou controlado (como
quando chuta uma pedra involuntariamente e esta acerta num carro). Neste
caso, não se trata de uma acção. Apenas aos acontecimentos causados por
alguém de forma intencional (ver intenção), e que têm em vista obter algum
resultado, se pode apropriadamente chamar "acções" (como atirar uma pedra
a um cão para o afastar do meio da estrada). O movimento corporal não é
necessário nem suficiente para assinalar a existência de uma acção: é vulgar
alguém fazer a acção de se defender de um cão feroz permanecendo imóvel;
e há movimentos quando espirramos sem que isto represente qualquer acção.
APC
acção afirmativa
Ver discriminação positiva.
acidente
Ver substância/acidente.
ad baculum, argumentum
Expressão latina que significa apelo à força. Ver falácia do apelo à força.
ad consequentiam, argumentum
Expressão latina que significa apelo às consequências. Ver falácia do apelo às
consequências.
ad hoc
Expressão latina que significa literalmente "para isso". Por exemplo, quando
se introduz uma hipótese numa teoria em dificuldades para a salvar, diz-se
que a hipótese é ad hoc. AA
ad hominem, argumentum
Expressão latina que significa ataque pessoal. Ver falácia ad hominem.
ad hominem, falácia
Ver falácia ad hominem.
ad ignorantiam, argumentum
Expressão latina que significa apelo à ignorância. Ver falácia do apelo à
ignorância.
ad infinitum
Expressão latina que significa literalmente "até ao infinito".
ad misericordiam, argumentum
Expressão latina que significa apelo à piedade. Ver falácia do apelo à
piedade.
ad populum, argumentum
Expressão latina que significa apelo ao povo. Ver falácia do apelo ao povo.
ad verecundiam, argumentum
Expressão latina que significa apelo à autoridade. Ver argumento de
autoridade.
afirmação
O mesmo que enunciado.
afirmação da consequente, falácia
Ver falácia da afirmação da consequente.
agente
Aquele que age; a pessoa que faz uma acção. Na tradição filosófica são
apontadas pelo menos duas exigências para que se considere que alguém tem
a propriedade de ser um agente: a primeira, ser capaz de avaliar e escolher
entre as várias opções de acção disponíveis; a segunda, ser capaz de
concretizar a escolha que fizer. O problema filosófico da agência consiste em
saber se as acções são apenas acontecimentos que envolvem pessoas (ou seres
racionais em geral), ou se são acontecimentos causados pelos agentes e,
nesse caso, como se dá tal causalidade. Ver causa/efeito e livre-arbítrio. APC
agnosticismo
A suspensão da crença em relação à existência de Deus. O agnosticismo forte
é a ideia de que nunca poderemos descobrir se Deus existe ou não. CT
Agostinho, Santo
Ver Santo Agostinho.
alegoria da caverna
Situação imaginada por Platão no Livro VII de A República (trad. 2001,
Gulbenkian) para representar os diferentes tipos de ser que, segundo ele,
existem e a condição em que nos encontramos em relação ao seu
conhecimento. Vários prisioneiros estão amarrados de pés e mãos numa
caverna e só podem olhar para a parede diante deles. Por detrás existe um
fogo e entre eles e o fogo passam pessoas transportando vários objectos, cuja
sombra se reflecte na parede diante dos prisioneiros, o que os leva a pensar
que as sombras são a verdadeira realidade. Só os prisioneiros que são capazes
de se libertar (os filósofos), sair da caverna (mundo sensível) e contemplar a
realidade e o Sol (mundo inteligível e ideia de Bem) são capazes de
compreender como até essa altura viveram num mundo de aparências e
ignorância. AN
aletheia
Termo grego que significa "verdade" e de onde deriva o adjectivo "alético".
alienação
Conceito que se refere a um conjunto de situações em que um ser não se
reconhece porque perdeu algo da sua essência. Em Hegel a alienação era uma
condição necessária da realização do Absoluto como Espírito que tudo
governa. Em Marx o sujeito da alienação é o homem e a alienação é uma
degradação física e moral de que urge salvá-lo. Para Marx a alienação
fundamental é a económica: o trabalhador é obrigado a vender o seu trabalho
para satisfazer necessidades que não são especificamente humanas (comer,
beber...). A exploração do trabalho aliena o trabalhador, isto é, desumaniza-o.
Na raiz da degradação está a propriedade privada dos meios de produção. Só
o comunismo, ao abolir esta situação, poderá salvar o homem. LR
ambiguidade
Uma frase é ambígua quando exprime mais de uma proposição. Por exemplo,
a frase "O João está no banco" é ambígua porque tanto pode querer dizer que
o João está numa instituição financeira como que o João está sentado num
banco. Podemos distinguir dois tipos de ambiguidades: semântica e sintáctica.
O exemplo dado é uma ambiguidade semântica. As ambiguidades semânticas
resultam da ambiguidade do significado das palavras que ocorrem na frase; no
exemplo dado, resulta dos diferentes significados da palavra "banco". A
ambiguidade sintáctica não resulta da ambiguidade do significado das palavras
que ocorrem na frase, mas antes do modo como as palavras estão
encadeadas. Por exemplo, a frase "O João viu a Maria com os binóculos" pode
exprimir duas proposições: que quando o João olhou para a Maria ela estava
com binóculos, ou que o João viu a Maria através de binóculos. Algumas
ambiguidades são consideradas sintácticas na lógica clássica, mas híbridas ou
até semânticas em linguística. É o caso das ambiguidades que dependem da
ordem dos quantificadores, como a presente em "Toda a rapariga gosta de um
actor" (que pode querer dizer que há um só actor de que todas as raparigas
gostam, ou que cada rapariga gosta de um actor diferente). DM
âmbito
O âmbito de um operador (por exemplo "alguns" ou "não") ocorrente numa
expressão linguística é a parte da expressão a que ele se aplica. Por exemplo,
na frase "Alguns estudantes gostam de filosofia mas detestam estudar", o
quantificador "alguns" tem por âmbito toda a sequência que se lhe segue
(está a dizer-se, de alguns estudantes, que gostam de filosofia e, além disso,
que detestam estudar); pelo contrário, na frase "Alguns estudantes gostam de
filosofia mas o Paulo não" o âmbito do quantificador "alguns" não abrange a
oração que começa por "mas". A noção usa-se tanto no estudo da linguagem
corrente como no da lógica. Na lógica, o âmbito dos operadores é assinalado
por meio de parêntesis, impedindo a ocorrência de ambiguidades. A
linguagem corrente, porém, é rica em ambiguidades de âmbito. Por exemplo,
a frase "Todos os estudantes amam uma actriz americana" tem duas
interpretações: a de que todos os estudantes amam alguma actriz americana,
e a de que há uma actriz americana específica que é amada por todos eles;
cada uma destas interpretações corresponde à atribuição de âmbitos
diferentes aos quantificadores "todos" e "uma". Para representar uma
ambiguidade de âmbito é necessário analisar o papel dos operadores da
linguagem corrente por meio de uma linguagem formal (como a do cálculo de
predicados), onde os diferentes significados das frases ambíguas possam
distinguir-se claramente. PS
analítico/sintético
Uma distinção semântica, isto é, baseada no significado dos termos usados.
Uma frase é analítica se, e só se, o seu valor de verdade é conhecível
unicamente com base no significado dos termos usados. Por exemplo,
"Nenhum solteiro é casado" é uma frase analítica porque para saber que é
verdadeira basta saber o significado dos termos usados. Uma frase é sintética
se, e só se, o seu valor de verdade não é conhecível unicamente com base no
significado dos termos usados. Por exemplo, a frase "Nenhum solteiro é feliz"
é uma frase sintética porque para saber se é verdadeira ou falsa não basta
saber o significado dos termos usados. Kant definia estas noções de forma
diferente. Partindo do falso pressuposto de que todas as frases têm uma
estrutura sujeito-predicado (como "Sócrates é mortal"), defendeu que uma
frase é analítica quando o predicado está "contido" no sujeito. É evidente que
por este critério uma frase evidentemente analítica, como "Chove ou não
chove" não seria analítica; nem uma frase como "Se Sócrates é grego, é
grego", que é evidentemente analítica, pode contar como analítica segundo a
definição de Kant. Não se deve confundir o analítico/sintético com o a priori
/ a posteriori, nem com necessário/contingente. DM
analogia
Fazer uma analogia é estabelecer uma relação de semelhança entre coisas
distintas. Por exemplo, quando se diz que tal como qualquer artefacto
também a natureza mostra sinais de um criador, estamos a estabelecer uma
analogia entre a natureza e os artefactos. Ver argumento por analogia. CT
anamnese
O processo que, segundo Platão, nos leva a recordar o que já tínhamos
aprendido num estado de existência anterior e que estava como que
adormecido na nossa alma. No seu diálogo Ménon, um jovem sem qualquer
tipo de instrução consegue mostrar conhecimento de noções geométricas,
respondendo apenas às perguntas que lhe são feitas por Sócrates. Platão
pretende mostrar com isso que o conhecimento não se adquire neste mundo,
mas se alcança por anamnese, salientando assim o seu carácter inato. Ver
também ideias inatas. AA
anamnêsis
Termo grego que significa anamnese ou reminiscência.
antecedente
Numa condicional com a forma "Se P, então Q" chama-se antecedente a P. Por
exemplo, a antecedente de "Se Sócrates é um homem, então é mortal" é
"Sócrates é um homem". DM
antinomia
Contradição ou paradoxo, aparente ou real, entre dois princípios (ver
princípio) ou conclusões (ver conclusão) de raciocínios que parecem
igualmente justificados. Em Kant, na Crítica da Razão Pura (trad. 1997,
Gulbenkian), as antinomias são contradições em que a razão pura cai
necessariamente quando procura o incondicionado nos fenómenos e trata o
mundo da experiência (ver experiência) como se tivesse realidade em si.
Cada antinomia tem uma tese e uma antítese mutuamente contraditórias,
para as quais existem aparentemente razões convincentes. Para além das
antinomias da razão pura, existem uma antinomia da razão prática,
respeitante ao conceito de soberano bem; uma antinomia do juízo
teleológico, respeitante ao mecanismo e à finalidade; e uma antinomia do
gosto. AN
antítese
De um modo geral, a oposição entre dois termos ou proposições (ver
proposição). Mas a palavra tem também um uso mais específico. Em Kant
designa o segundo termo da oposição dialéctica que constitui as antinomias
(sendo o primeiro a tese). Na dialéctica de Hegel e no materialismo dialéctico
(ver materialismo), da oposição entre tese e antítese resulta uma síntese que
supera ambas. AN
apeiron
Termo grego que significa "ilimitado". O filósofo pré-socrático Anaximandro de
Mileto (610-656 a.C.) defendia ser o apeiron a origem do universo, e concebia
o apeiron como algo infinito e sem ordem. Ver finitude/infinitude.
apelo à força, falácia do
Ver falácia do apelo à força.
apelo à ignorância, falácia
Ver falácia do apelo à ignorância.
apelo à piedade, falácia do
Ver falácia do apelo à piedade.
apelo ao povo, falácia do
Ver falácia do apelo ao povo.
apelo às consequências, falácia do
Ver falácia do apelo às consequências.
aporia
Um problema ou situação aparentemente sem saída. Diz-se por vezes que os
chamados diálogos socráticos de Platão são aporéticos porque neles Sócrates
discute problemas para os quais não se consegue encontrar uma solução. AA
aposta de Pascal
Argumento indirecto a favor da existência de Deus da autoria de Blaise Pascal
(1623-62), segundo o qual acreditar em Deus é a melhor aposta. Na ausência
de argumentos decisivos a favor ou contra a existência de Deus, o melhor que
temos a fazer é decidir se acreditar Nele é ou não uma boa aposta. O melhor
resultado possível é Deus existir e termos apostado em acreditar Nele, o que
implica a felicidade eterna — o Paraíso. O pior resultado possível é Deus
existir e não acreditarmos Nele, o que implica a infelicidade eterna — o
Inferno. Logo, o apostador racional deverá apostar em acreditar em Deus. Um
dos problemas apontados a este argumento é o facto de partir da ideia de que
nada podemos saber acerca de Deus, mas presumir, em contradição com esta
ideia, que Deus irá reagir bem a um crente oportunista e mal a um descrente
racionalmente íntegro. CT
Aquino, S. Tomás de
Ver Tomás de Aquino.
archê
Termo grego que significa origem, princípio ou ponto de partida. A palavra foi
introduzida no vocabulário filosófico para referir a substância de que são
feitas todas as coisas, ou a partir da qual todas surgiram, e que constituiu o
objecto de estudo dos primeiros filósofos pré-socráticos. AA
aretê
Termo grego que significa "virtude", "excelência moral" ou "bem humano". A
tradução é problemática porque não existe um termo português que
corresponda exactamente ao conceito grego original. Platão usava o termo
para falar das virtudes ou bens essenciais para uma vida boa, e distinguia
quatro virtudes cardinais: sabedoria (phronêsis), moderação (sôphrosynê),
coragem (andreia) e justiça (dikaiosynê). Aristóteles ligava o termo à
satisfação da função correcta do ser humano, e portanto à eudemonia ou
felicidade. DM
Aufklärung
Termo alemão que significa "iluminismo".
argumento
Um argumento é um conjunto de afirmações de tal modo estruturadas que se
pretende que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as
premissas). Por exemplo: "A vida tem de fazer sentido porque Deus existe" é
um argumento; a premissa é "Deus existe" e a conclusão é "A vida tem de
fazer sentido". Mas "Ou Deus existe, ou a vida não faz sentido" não é um
argumento, dado ser apenas uma afirmação que não está a ser apoiada por
outras afirmações. Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não
podem ser verdadeiros ou falsos. Um argumento é válido quando as suas
premissas apoiam a sua conclusão (ver validade/invalidade). Há dois grandes
grupos de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos (ver dedução e
indução).
Não se deve confundir argumentos com explicações (ver explicação
científica). Para que um argumento seja bom, a conclusão não pode ser mais
plausível do que as premissas. Mas esta exigência não existe numa explicação:
a "conclusão" das explicações é quase sempre mais plausível do que as
"premissas". Por exemplo: "Existem estações do ano nas latitudes elevadas
porque o eixo da Terra está inclinado, o que provoca, juntamente com o
movimento em torno do Sol variações na intensidade com que os raios do Sol
chegam à Terra". Se pensarmos que estas afirmações formam um argumento,
cuja conclusão é "Existem estações do ano nas latitudes elevadas", trata-se de
um argumento muitíssimo mau, dado que as premissas são muitíssimo menos
evidentes do que a conclusão. Contudo, esta é uma boa explicação da razão
pela qual há estações do ano. Assim, num argumento procura-se persuadir
alguém da verdade de uma conclusão, ao passo que numa explicação procura-
se explicar a alguém a razão pela qual uma dada afirmação é verdadeira. Por
isso, num bom argumento parte-se geralmente de premissas mais plausíveis
ou evidentes do que a conclusão, o que não acontece numa boa explicação.
DM
argumento bom
Um argumento válido, dedutivo ou não, que tem premissas verdadeiras e é
racionalmente persuasivo. Ver validade/invalidade, argumento forte. DM
argumento cosmológico
Tipo de argumento a favor da existência de Deus segundo o qual se tudo na
natureza tem uma causa, então tem de existir algo que não dependa de nada
que seja a causa de tudo. A conclusão é que esse algo é Deus. A versão mais
discutida deste argumento é a de S. Tomás de Aquino. A ideia é a de que
dado que as cadeias causais (Ver cadeia causal) não podem regredir
infinitamente, tem de existir algo de natureza distinta das coisas naturais que
seja a causa de tudo. O maior problema que este argumento enfrenta é o de
que, no máximo, apenas mostraria que existe algo responsável pela existência
de tudo, mas não que esse algo seja Deus. CT
argumento de autoridade
Um argumento baseado no testemunho de outras pessoas, em geral com uma
forma lógica "X disse que P; logo, P", sendo X uma pessoa ou grupo de pessoas
e P uma afirmação qualquer. Por exemplo: "Einstein disse que nada pode
viajar mais depressa do que a luz; logo, nada pode viajar mais depressa do
que a luz". Não há regras de inferência precisas para argumentos de
autoridade, mas ao avaliar um argumento de autoridade devemos ter em
mente os seguintes princípios: 1) O especialista invocado (a autoridade) tem
de ser um bom especialista da matéria em causa. 2) Os especialistas da
matéria em causa (as autoridades) não podem discordar significativamente
entre si quanto à afirmação em causa. 3) Só podemos aceitar a conclusão de
um argumento de autoridade se não existirem outros argumentos mais fortes
ou de força igual a favor da conclusão contrária. 4) Os especialistas da
matéria em causa (as autoridades), no seu todo, não podem ter fortes
interesses pessoais na afirmação em causa. Precisamente porque em questões
filosóficas disputáveis, por definição, os especialistas não concordam entre si,
em filosofia os argumentos de autoridade são quase sempre falaciosos.
Contudo, a maior parte do conhecimento de cada ser humano baseia-se em
argumentos de autoridade, no sentido em que se baseia no testemunho de
outras pessoas. Ver falácia. DM
Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 9 (Lisboa: Plátano, 2003).
argumento dedutivo
Ver dedução.
argumento do desígnio
Argumento por analogia a favor da existência de Deus. A premissa da analogia
é a de que os objectos naturais se assemelham a artefactos. Como tal, do
mesmo modo que os artefactos têm um criador (um desígnio) responsável pela
sua existência, também os objectos da natureza têm de o ter. Dada a
complexidade e ordem da natureza, o criador por detrás da natureza tem de
possuir uma inteligência divina. A conclusão é que esse criador é Deus. O
argumento foi criticado por David Hume nos Diálogos sobre a Religião
Natural. Um dos problemas é que a analogia entre artefactos e objectos
naturais parece fraca. CT
argumento forte
1. Um argumento não dedutivo é forte quando as suas premissas são
verdadeiras e a verdade destas torna muito baixa a probabilidade de a
conclusão do argumento ser falsa. Por exemplo, o argumento indutivo
seguinte é forte: "Todos os corvos observados até hoje são pretos; a cor dos
corvos está geneticamente determinada; só poderia alterar-se em condições
ambientais diferentes das geralmente escolhidas pelos corvos para viver;
logo, todos os corvos são negros".
2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo
válido são verdadeiras mas achamos que são plausíveis dizemos que o
argumento é forte. Por exemplo, muitas pessoas consideram que o seguinte
argumento dedutivo válido é forte, pois consideram que a única premissa que
não é evidentemente verdadeira (a primeira) é fortemente plausível: "Se os
animais sentem dor, é imoral maltratá-los; dado que os animais sentem dor, é
imoral maltratá-los". Aristóteles chamava "dialécticos" a este tipo de
argumentos. Note-se que a força de um argumento válido é precisamente
igual à plausibilidade da sua premissa menos plausível: é por isso que para
argumentar bem a favor de algo é uma boa ideia partir de premissas menos
discutíveis do que a sua conclusão. Ver argumento sólido,
validade/invalidade, indução. DM
argumento fraco
1. Um argumento não dedutivo é fraco quando a verdade das suas premissas
não torna elevada a probabilidade de a sua conclusão ser verdadeira. Por
exemplo, o seguinte argumento indutivo é fraco: "Todos os corvos que vi até
hoje nasceram antes do ano 2100; logo, todos os corvos vão nascer antes do
ano 2100".
2. Quando não sabemos se as premissas de um argumento dedutivo
válido são verdadeiras mas achamos que são implausíveis dizemos que o
argumento é fraco. Por exemplo, muitas pessoas podem considerar que o
seguinte argumento dedutivo válido é fraco porque pensam que a única
premissa que não é evidentemente verdadeira (a segunda) é implausível: "Os
animais não têm deveres; quem não tem deveres, não tem direitos; logo, os
animais não têm direitos". Por vezes, diz-se também que um argumento
dedutivo inválido é fraco. Ver argumento sólido, validade/invalidade,
indução. DM
argumento indutivo
Ver indução.
argumento ontológico
Argumento a priori a favor da existência de Deus; isto é, um argumento cujas
premissas são todas a priori (ver a priori / a posteriori). Uma das versões
mais discutidas do argumento é a de S. Anselmo, que parte da definição de
Deus como "o ser maior do que o qual nada pode ser pensado". A ideia é que
se Deus não existisse, então não seria o ser maior do que o qual nada pode ser
pensado, o que contradiz o ponto de partida; logo, Deus existe. O argumento
foi criticado pelo monge Gaunilo, contemporâneo de Anselmo, que
argumentou que através do mesmo tipo de argumento se poderia provar a
existência de uma ilha perfeita, o que seria absurdo. CT
argumento por analogia
Argumento em que uma das premissas consiste numa analogia entre coisas
semelhantes em alguns aspectos para se concluir que também são
semelhantes em relação a outros aspectos específicos. Por exemplo, se os
animais, tal como as pessoas, reagem quando sentem dor, então, por
analogia, também eles devem sentir emoções. Um dos argumentos por
analogia mais famosos é o argumento do desígnio a favor da existência de
Deus. CT
argumento sólido
Um argumento válido com premissas verdadeiras. Por exemplo, o argumento
"Se Sócrates era francês, era europeu; ele era francês; logo, era europeu" é
válido (é um modus ponens) mas não é sólido, porque a segunda premissa não
é verdadeira. Aristóteles chamava "demonstrações" aos argumentos sólidos e
"argumentos dialécticos" aos argumentos válidos baseados em premissas cuja
verdade não é conhecida. Ver validade/invalidade, argumento forte. DM
argumento válido
Ver validade/invalidade.
argumentos, tipos de
Há dois tipos gerais de argumentos: os dedutivos e os não dedutivos. Nos
argumentos não dedutivos, a validade ou invalidade não depende
exclusivamente da forma lógica; por exemplo: "Todos os corvos observados
até hoje são pretos; logo, todos os corvos são pretos". Há dois tipos de
argumentos dedutivos: aqueles cuja validade ou invalidade depende
exclusivamente da sua forma lógica, como "Se Deus existe, a vida faz sentido;
logo, se a vida não faz sentido, Deus não existe"; e aqueles cuja validade ou
invalidade é de carácter conceptual, como "O céu é azul; logo, é colorido".
Pode chamar-se aos primeiros "argumentos formais" e "argumentos
conceptuais" aos segundos. Os argumentos formais podem dividir-se em dois
grupos: os que são estudados pela lógica clássica (como o exemplo dado
acima) e os que são estudados pelas lógicas não clássicas (como "A água é
necessariamente H2O; logo, a água é possivelmente H2O"). Finalmente, todos
estes tipos de argumentos são de carácter proposicional (como "Sócrates e
Platão são mortais; logo, Sócrates é mortal") ou predicativo (como "Sócrates é
mortal; logo, há seres mortais"). DM
Aristóteles
(384-322 a. C.) Um dos mais influentes filósofos de sempre. Nasceu em
Estagira, no norte da Grécia. Foi discípulo de Platão em Atenas e mestre de
Alexandre Magno, na Macedónia. Depois da morte de Platão, fundou em
Atenas a sua própria escola, a que deu o nome de Liceu. Os seus interesses
eram os mais variados. Não houve quase nenhum domínio do conhecimento
sobre o qual não tivesse escrito e atribuía uma grande importância à
observação da natureza. Ele próprio procedeu a estudos minuciosos nos
domínios da física, biologia, psicologia e linguagem. Como é típico nos
melhores filósofos, era muito rigoroso na justificação das suas opiniões e
meticuloso na ponderação dos argumentos contrários, evitando chegar a
conclusões precipitadas. Entre as disciplinas filosóficas que desenvolveu
contam-se a lógica, a metafísica, a ética, a filosofia política, e a estética.
Pode mesmo dizer-se que foi o fundador da Lógica, começando o seu estudo
praticamente do nada. Se bem que limitada e com várias deficiências, a
teoria lógica aristotélica foi o resultado de um trabalho notável de
inteligência, de tal modo que, no essencial, se manteve incontestada e
estudada até ao final do séc. XIX. Aristóteles procurou determinar as formas
válidas de inferência, isto é, as inferências cuja forma nos impede de chegar
a uma conclusão falsa a partir de premissas verdadeiras (ver premissa). E
estabeleceu um conjunto de regras para identificar as boas e evitar as más
inferências (ver lógica aristotélica). Organon é o nome dado ao conjunto das
suas obras de lógica. Na Metafísica, uma das suas obras mais marcantes
(assim chamada apenas porque foi publicada a seguir à Física), Aristóteles
descreve esta disciplina como o estudo do "ser enquanto ser", isto é, o estudo
do ser em geral, independentemente do modo particular como as coisas são.
Muitos dos conceitos metafísicos ainda hoje utilizados foram introduzidos por
si. Em Ética a Nicómaco (assim chamada por ter sido dedicada a seu filho
Nicómaco), Aristóteles argumenta, entre outras coisas, a favor da ideia de
que as virtudes morais, como a generosidade e a honestidade, não são inatas.
Só o hábito de evitar excessos de qualquer tipo nos pode tornar pessoas
virtuosas. Por isso, a virtude adquire-se com a prática. Sobre filosofia política
escreveu a Política e sobre estética a Poética, entre outros livros. AA
Aristóteles, Categorias (Lisboa: Instituto Piaget, 2000)
Aristóteles, Da Alma (Lisboa: Edições 70, 2001)
Aristóteles, Poética (Lisboa: INCM, 1994)
Aristóteles, Retórica (Lisboa: INCM, 1998)
Aristóteles, Tratado da Política (Mem Martins: Europa-América, 1977)
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo 4 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, capítulo 2 (Lisboa: Presença, 1989)
Ross, David, Aristóteles (Lisboa: D. Quixote, 1987)
arte, filosofia da
Ver filosofia da arte.
artefacto
Os objectos que são construídos ou manufacturados, como martelos, livros,
filmes, casas, esculturas, etc. Distinguem-se das coisas naturais, como as
ondas do mar, as nuvens e as árvores. Em geral os filósofos da arte consideram
que as obras de arte são artefactos. Daí que um belo pôr-do-sol não seja uma
obra de arte. Contudo, visto que os movimentos que constituem uma peça de
bailado, ou os sons que um cantor produz são frequentemente considerados
arte, o termo "artefacto" tem sido interpretado de modo a incluir também
esse tipo de acontecimentos. Ainda assim, podem encontrar-se outros casos
na arte contemporânea que desafiam a ideia de que uma obra de arte tem
que ser um artefacto. AA
asserção
Acto linguístico que consiste na produção de uma frase declarativa com valor
assertórico, ou seja, um acto linguístico através do qual o seu autor se
compromete com a veracidade da proposição expressa. Muitas vezes uma
frase declarativa parece ter valor assertórico mas não é susceptível de ser
classificada como verdadeira ou como falsa, não fazendo qualquer asserção
(por exemplo, "Prometo chegar a horas amanhã"). Ver também pragmática. PS
ataraxia
Termo grego que significa "imperturbabilidade da alma" ou "tranquilidade
interior". Os epicuristas e estóicos consideravam-na o mais perfeito estado de
felicidade. Ver epicurismo e estoicismo. AA
ateísmo
A afirmação de que Deus não existe. CT
atitude estética
Disposição para nos relacionarmos com as obras de arte (e também com
certos objectos ou aspectos da natureza) de forma meramente contemplativa
e desinteressada. Esta caracterização sugerida por Kant significa que a
apreciação das obras de arte não tem qualquer intuito prático, sendo isso que
distingue a experiência estética de qualquer outro tipo de experiência. A
atitude estética é, assim, a forma peculiar como encaramos a arte e as coisas
belas, pelo que não deve ser confundida com outras atitudes como a religiosa,
prática, moral, etc. Há, contudo, filósofos que rejeitam a existência de uma
atitude peculiar que caracterize o modo como encaramos a arte em geral. O
filósofo americano George Dickie (n. 1926) é autor de um ensaio intitulado O
Mito da Atitude Estética (1964), onde argumenta que o desinteresse diz-nos
mais acerca dos motivos de quem observa uma obra de arte do que acerca do
modo como, em geral, nos relacionarmos com ela. AA
autonomia/heteronomia
Um agente é autónomo quando as suas acções são autodeterminadas. Segundo
Kant é a característica de uma vontade que cumpre o dever, não sendo
condicionada por qualquer inclinação sensível (interesses, temores, desejos).
A vontade autónoma considera imperativo categórico ou incondicional a
obediência à lei moral. Esta exige que ao cumprir o dever apenas sejamos
influenciados pela intenção de o cumprir (cumprir o dever pelo dever). À
autonomia opõe-se a heteronomia. A vontade heterónoma pode cumprir o
dever mas com a intenção, por exemplo, de agradar, de obter recompensas ou
de evitar castigos (não cumpre o dever pelo dever). A vontade autónoma "dá a
lei a si mesma". Dá a si mesma a forma como cumpre o dever e encontra no
cumprimento da lei moral a razão suficiente das suas decisões.
Autodetermina-se. Liberta de qualquer influência das inclinações sensíveis, a
vontade autónoma é a vontade de um sujeito que toma decisões enquanto ser
racional e se submete unicamente à lei da sua razão. Deus, os interesses, a
sociedade podem ser fonte de normas morais concretas mas não da lei moral,
lei puramente formal que não nos diz o que devemos fazer mas de que forma
devemos cumprir o dever. É a autonomia da vontade que torna a vontade boa.
"Vontade autónoma" e "vontade boa" são termos equivalentes. LR
auto-refutação
Uma afirmação é auto-refutante se o próprio facto de ser produzida implica a
falsidade do que está a ser afirmado. Quem produzir afirmações como "Eu não
estou aqui", "Paulo Portas é ambicioso mas eu não acredito nisso" e,
provavelmente, "O significado de uma frase ou de um texto escapa-se-nos
infindavelmente" está a auto-refutar-se. PS
axiologia
Teoria dos valores. A axiologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza dos
valores. Alguns filósofos consideram que o problema central da axiologia é a
justificação dos juízos práticos em geral, confundindo-se em grande parte
com a filosofia da acção e, mais recentemente, com a teoria da decisão.
Outros acham que se trata da justificação dos juízos morais em particular. AA
axioma
Em lógica e matemática, um axioma é uma proposição que não se demonstra,
mas que serve de base para se demonstrar outras proposições, a que se chama
"teoremas". Os teoremas são demonstrados partindo dos axiomas e usando
regras de inferência. Por exemplo, partindo dos axiomas (P ∧ Q) → P e P → (P
∨ Q) podemos derivar o teorema (P ∧ Q) → (P ∨ Q), com base na regra
conhecida pelo nome de "silogismo hipotético". Figurativamente, chama-se
"axioma", no discurso corrente, a qualquer afirmação dada como evidente e
com base na qual se podem fazer outras afirmações. Contudo, não se deve
pensar que os axiomas, quer em sentido figurado, quer no sentido rigoroso da
lógica e matemática, são Verdades monolíticas arbitrárias que não podem ser
colocadas em causa nem discutidas. Um bom axioma não pode ser arbitrário e
tem de resistir à discussão crítica: tem de ser realmente indisputável, ou pelo
menos muitíssimo plausível. Caso contrário, tudo o que se disser com base
nesse "axioma" será tão implausível, ou mais, do que o próprio "axioma". DM
.: B :.Bedeutung
Termo alemão que significa "referência" e se opõe a Sinn (sentido). Frege
introduziu esta distinção para separar o que um termo refere da maneira
como o termo refere: os termos "Mestre de Platão" e "O filósofo que bebeu a
cicuta" referem a mesma coisa (Sócrates), mas referem essa coisa de
maneiras diferentes: têm diferentes sentidos. DM
Berkeley, George
(1685-1753) Filósofo e bispo irlandês. Berkeley defende uma forma extrema
de idealismo, segundo a qual "esse est percipi" (ser é ser percepcionado). Por
outras palavras, uma árvore, por exemplo, não tem qualquer existência
material independente da nossa percepção da sua cor, textura, solidez, etc.
Apesar disso, a árvore não é menos real nem a sua existência menos
objectiva, dado que a nossa percepção dela é involuntária. Assim, o idealismo
de Berkeley, apesar de radical, é objectivista, ainda que seja comum dizer-se,
erradamente, que ele é um idealista subjectivista (ver objectivo/subjectivo).
O idealismo de Berkeley tem tendência para parecer uma ilustração das
ideias disparatadas típicas de filósofos ociosos; mas esta impressão falsa só
subsiste quando não se compreendem os problemas a que Berkeley estava a
dar resposta. No contexto filosófico da época, o dualismo cartesiano (ver
Descartes) introduzia um fosso entre as ideias (ou a mente) e o mundo físico;
e Berkeley considerava que a resposta de Locke era insatisfatória, tendo
como consequência o ateísmo e o cepticismo. Ao eliminar a materialidade do
mundo, Berkeley procura eliminar o fosso entre a mente e o mundo. O valor
de Berkeley não reside tanto na conclusão a que chegou e que nunca foi muito
levada a sério, mas no vigor e brilho da sua defesa, clara e articulada,
honesta e acessível ao leitor comum. O Tratado do Conhecimento Humano
(1710) é uma defesa brilhante e sintética das suas ideias; os Três Diálogos
entre Hilas e Filonous (1713), menos sintéticos, são uma exposição mais
literária e popular das ideias da obra anterior. DM
Berkeley, George, Tratado do Conhecimento Humano / Três Diálogos (Lisboa: INCM,
2000).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 14 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 6 (Lisboa, Presença, 1989).
bicondicional (↔)
Uma afirmação com a forma "P se, e só se, Q", como "Uma coisa é arte se, e
só se, for bela". No discurso corrente omite-se muitas vezes um dos ses:
"Ofereço-te um livro se passares de ano" quer em geral dizer "se, e só se,
passares de ano". Uma bicondicional é uma conjunção de duas condicionais: "P
se, e só se, Q" é o mesmo que "Se P, então Q, e se Q, então P" (ver
condicional). Uma bicondicional só é verdadeira quando ambas as proposições
têm o mesmo valor de verdade e por isso chama-se-lhe também
"equivalência". As definições mais rigorosas usam bicondicionais para conectar
o que se está a definir com o que o define. DM
bioética
Ramo da ética aplicada relativo às questões morais suscitadas pela medicina e
pela biologia. Na bioética discute-se, por exemplo, a moralidade do aborto,
da eutanásia, das experiências com animais, da clonagem, da manipulação
genética ou dos transplantes de órgãos. A discussão destas questões exige não
só um conhecimento médico e científico especializado, mas também um
domínio das teorias éticas normativas que os filósofos propõem. Ver
normativo/descritivo. PG
.: C :.cadeia causal
Sucessão de acontecimentos relacionados entre si como causa e efeito (Ver
causa/efeito). Por exemplo, o acontecimento de o João ter partido a janela
da escola com a bola, tem a seguinte cadeia causal: o atirar da bola pelo João
como causa e o partir da janela como efeito. Mas a cadeia causal não pára
aqui. Por exemplo, o João pode ter atirado a bola contra a janela por se
sentir frustrado com a nota de filosofia. E o que causou a sua frustração foi
não ter estudado o suficiente, e assim por diante. As cadeias causais podem
mesmo regredir infinitamente. CT
cálculo de predicados
O tipo de linguagem que contém o cálculo proposicional e ainda símbolos
predicativos, quantificadores (ver quantificador), variáveis e constantes
individuais (as traduções formais de nomes de indivíduos), bem como regras
de inferência (e, eventualmente, axiomas) apropriadas para eles. Ao
contrário do cálculo proposicional, o cálculo de predicados permite analisar a
estrutura predicativa das proposições e assim representar relações lógicas
como as existentes entre 1) "Todos os seres vivos são mortais" e 2) "O Rui é um
ser vivo imortal" (contradição) e entre 1 e 3) "Não é verdade que alguns seres
vivos não sejam mortais" (equivalência). As fórmulas bem formadas desta
linguagem predicativa são usadas em derivações, que são versões formais de
argumentos formulados em linguagem corrente (ver cálculo lógico). Desde o
início do séc. XX, o cálculo de predicados tem ocupado o lugar da lógica
aristotélica como o instrumento de análise lógica por excelência, e é
geralmente considerado a linguagem formal na qual a esmagadora maioria dos
padrões do raciocínio válido é representável rigorosamente. É ainda utilizado
como meio (ou pelo menos como inspiração) para o estudo sistemático de
muitas subtilezas sintácticas e semânticas da linguagem corrente. Ver
também lógica, lógica clássica, lógica formal. PS
cálculo lógico
Um sistema formal que permite derivar (ver derivação) conclusões a partir
de premissas por meio de regras de inferência. Um cálculo lógico contém
uma linguagem bem definida nos seus símbolos básicos e nas regras de
construção de fórmulas, além de uma especificação das regras de inferência
(e, nos casos de existirem, dos axiomas) admitidas. O conjunto destas
especificações determina quais as derivações admitidas no sistema (ver
sintaxe). O cálculo proposicional e o cálculo de predicados são exemplos
canónicos de sistemas deste tipo. Assim caracterizados, os cálculos lógicos são
apenas linguagens formais cujas fórmulas são manipuláveis através de regras,
de modo a obterem-se outras fórmulas; mas é evidente que eles serviriam de
muito pouco se as suas derivações não fossem modelos dos nossos raciocínios
válidos. Assim, para além destas especificações sintácticas, um cálculo lógico
pode ser interpretado (ver interpretação, semântica), isto é, podem ser
atribuídos significados aos seus símbolos básicos e fórmulas, e as suas
derivações podem ser avaliadas como válidas ou inválidas. Idealmente, todas
as derivações admitidas num cálculo lógico são válidas e todos os argumentos
válidos representáveis na sua linguagem correspondem a derivações nele
admitidas. O cálculo proposicional e o cálculo de predicados têm esta
característica, a que se chama "completude". Ver também lógica, lógica
clássica.
cálculo proposicional
O tipo de linguagem onde são representadas as relações logicamente
relevantes entre proposições (ou entre as frases que exprimem essas
proposições): negação, conjunção, disjunção, condicional, bicondicional.
Contém letras do alfabeto, como P, Q e R (cada uma delas representando uma
proposição), e constantes lógicas (ver conectiva), que são definidas como
operadores verofuncionais que actuam sobre as letras proposicionais para
construir fórmulas (correspondentes à frases da linguagem corrente). Contém
ainda regras de inferência (e, eventualmente, axiomas), o que permite que
as fórmulas bem formadas da linguagem sejam usadas em derivações (versões
formais de argumentos formulados em linguagem corrente — ver cálculo
lógico). No cálculo proposicional são representáveis inferências como "Se o
Rui é um ser vivo, então é mortal; o Rui é um ser vivo; logo, é mortal"; mas
não são representáveis inferências como "Todos os seres vivos são mortais; o
Rui é um ser vivo; logo, o Rui é mortal". Isto deve-se ao facto de, ao contrário
do que acontece com o cálculo de predicados, no cálculo proposicional não
ser possível representar a estrutura predicativa das proposições (de modo que
a segunda inferência seria nele desinformativamente representada apenas
como P; Q; logo, R, o que não daria conta da sua validade). Ver também
lógica, lógica clássica, lógica formal. PS
caprichoso, pensamento
Ver pensamento caprichoso.
caracterização
Caracteriza-se algo quando se apresentam algumas das suas propriedades ou
características importantes. Por exemplo, pode-se caracterizar o álcool como
um líquido transparente que usamos para desinfectar feridas, que é muito
inflamável e volátil, etc. Em suma, escolhemos um conjunto de propriedades
que reputamos importantes ou típicas e apresentamos essas propriedades. As
caracterizações distinguem-se das definições explícitas (ver definição
explícita) por não apresentarem obrigatoriamente condições necessárias nem
suficientes (ver condição necessária e condição suficiente). As
caracterizações são auxiliares preciosos para a compreensão e podem ser
usadas para complementar definições que, apesar de mais correctas, são
muitas vezes menos informativas. DM
Murcho, Desidério, "Definição de "Definição"" in A Natureza da Filosofia e o seu Ensino
(Lisboa: Plátano, 2002).
Carnap, Rudolf (1891-1970)
Filósofo americano nascido na Alemanha. Positivista lógico, foi um dos
filósofos mais importante do séc. XX. Carnap foi aluno de Frege tendo sido
profundamente influenciado por este, assim como por Russell e Wittgenstein.
Leccionou nas universidades de Viena e Praga, mudando-se para os EUA em
1935. As suas principais contribuições são em semântica formal (Meaning and
Necessity, 1937), filosofia da ciência, lógica e teoria da probabilidade (The
Logical Foundations of Probability, 1950). Numa das suas primeiras obras (Der
logische Aufbau der Welt, 1928), defendeu a redução de todo o conhecimento
humano aos dados dos sentidos ligados pela relação de recordação de
semelhança. Posteriormente, reconsidera esta posição abrindo uma excepção
para o caso da física. A sua posição anti-metafísica segundo a qual as
afirmações metafísicas não têm significado por não serem empiricamente
verificáveis (ver verificacionismo) tornou-se emblemática do positivismo
lógico. Carnap defende ainda a redução das verdades da matemática e da
lógica à linguagem, considerando-as assim de meras verdades por convenção.
Pensava também que o único método de fazer filosofia é através da análise
lógica da linguagem. Defendia a unidade da ciência e a centralidade da
noção de confirmação para o método científico. CT
cartesiano
Que se refere a Descartes.
catarse
O processo psicológico de libertação de maus sentimentos e de purificação
dos bons. Segundo Aristóteles, a arte proporciona-nos essa oportunidade,
contribuindo para nos tornar melhores. AA
categorias
O termo foi usado pela primeira vez por Aristóteles para designar as classes
mais gerais de seres (ver ser) ou os predicados (ver predicado) que podem ser
afirmados de um sujeito. Para Aristóteles, as categorias são dez: substância,
quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, acção e paixão.
A palavra é mais tarde retomada por Kant para designar doze conceitos (ver
conceitos) puros do entendimento, formas a priori de conhecimento, que
agrupa sob quatro grandes classes: quantidade, qualidade, relação e
modalidade. AN
categórica, proposição
Ver proposição categórica.
categórico, imperativo
Ver imperativo categórico.
causa/efeito
Os dois termos de uma relação causal. Chama-se "causa" ao que provoca algo;
e "efeito" ao que é provocado. Do ponto de vista temporal, é comum pensar-
se que a causa é anterior ao efeito, mas alguns fenómenos estudados na física
quântica parecem desmentir esta crença. O modo como se estabelece a
relação entre a causa e o efeito tem sido objecto de amplo debate entre os
filósofos, especialmente a partir de Hume, no séc. XVIII. Acontecimentos,
mudanças e estados (físicos ou mentais) exemplificam aquilo que pode estar
causalmente relacionado: quando afirmamos "o calor dilata os metais",
estamos a enunciar uma relação causal em que o aumento da temperatura é a
causa e a dilatação dos metais é o efeito. Numa cadeia causal, a causa
próxima é aquela que antecede um dado efeito sem a mediação de qualquer
outro acontecimento ou estado; pelo contrário, quaisquer outras causas
existentes nessa cadeia são causas remotas. Se existir, a Causa Primeira é
aquela que causou todas as cadeias causais sem que ela própria tivesse sido
causada. Alguns teístas (ver teísmo) identificam-na com Deus. Ver argumento
cosmológico. APC
causalidade
Ver causa/efeito, relação causal e cadeia causal.
caverna, alegoria da
Ver alegoria da caverna.
cepticismo
A perspectiva que nega total ou parcialmente a possibilidade do
conhecimento. De acordo com o céptico, se bem procurarmos, encontramos
sempre boas razões para duvidar mesmo das nossas crenças mais fortes. Há
dois grupos de argumentos cépticos: o primeiro baseia-se nas diferenças de
opinião, mesmo entre as pessoas mais conhecedoras; o segundo, baseia-se nas
ilusões perceptivas. Há diferentes tipos de cepticismo. Uma forma radical de
cepticismo é geralmente atribuída a Pirro de Élis (c.360 a. C.-c.270 a. C.),
para quem devíamos suspender o nosso juízo em relação a todas as coisas. A
resposta habitual a este tipo de cepticismo é procurar mostrar que é auto-
refutante (ver auto-refutação), pois se podemos afirmar que nada sabemos é
porque já sabemos precisamente isso. Também Descartes procurou responder
aos argumentos cépticos, mostrando que há pelo menos uma coisa que resiste
à dúvida mais insistente: que existimos. Além do cepticismo radical há outros
tipos de cepticismo que limitam o seu âmbito apenas a certas áreas. Este tipo
de cepticismo parcial pode aplicar-se a aspectos metodológicos: empiristas,
como Hume, são cépticos em relação ao conhecimento a priori do mundo (ver
a priori/a posteriori), enquanto que alguns racionalistas duvidam do
conhecimento empírico. Mas também se pode dirigir apenas a determinado
tipo de entidades: o conhecimento de outras mentes, a existência de Deus, o
conhecimento do futuro, a indução (ver problema da indução), o
conhecimento de verdades éticas, o conhecimento do mundo exterior, etc.
Sexto Empírico (c. 150-c.225) e Michel de Montaigne (1533-92) são dois dos
mais destacados defensores do cepticismo. AA
certeza
Grau máximo de convicção acerca da verdade de uma certa proposição.
Quando afirmamos "Tenho a certeza absoluta de que P!", estamos a exprimir a
nossa completa convicção de que P é verdade. Mas podemos perfeitamente
estar enganados. A certeza não implica a verdade, ao contrário do
conhecimento. APC/DM
ciência
As disciplinas que agrupamos sob a designação "ciência" incluem as ciências
formais e as ciências empíricas (ver empírico).
As principais ciências formais, assim chamadas pelo facto de os seus
objectos de estudo não terem existência concreta (ver abstracto/concreto),
são a matemática e a lógica.
As ciências empíricas são aquelas que estudam, com base na
experiência, os fenómenos naturais e sociais. A finalidade de tais ciências é
descobrir e explicar os padrões e regularidades desses fenómenos,
enunciando-os rigorosamente sob a forma de leis. As leis genuinamente
científicas 1) constituem generalizações corroboradas acerca dos fenómenos
que descrevem, 2) permitem realizar previsões rigorosas e 3) são passíveis de
ser testadas. Estas três características diferenciam-nas dos enunciados da
filosofia, da religião, do senso comum e das pseudociências (como a
alquimia, a astrologia ou a parapsicologia). Outro aspecto que diferencia a
ciência dos demais saberes, e também das pseudociências, é o recurso
sistemático a métodos formais de prova. Saber se as ciências sociais têm por
objectivo, como as naturais, a elaboração de leis, é ponto de discórdia entre
os especialistas.
O conjunto de procedimentos dos cientistas no seu trabalho constitui o
método científico. Em filosofia da ciência discute-se se existe um método
científico único e como poderemos descrevê-lo apropriadamente, sendo
particularmente importantes a este respeito os trabalhos de Imre Lakatos
(1922-1974), Karl Popper, Paul Feyerabend e Thomas Khun.
A cisão moderna entre a filosofia e a ciência dá-se progressivamente
com os trabalhos de Copérnico (1473-1543), Kepler (1571-1630), Galileu e
Newton (1642-1727), que impulsionaram decisivamente o recurso à
experimentação e a matematização da ciência. Ver explicação científica,
observação, método científico, método experimental, método hipotético-
dedutivo, corroboração, generalização, problema da indução,
verificacionismo, verificabilidade, falsibicabilidade, falsificacionismo,
critério de demarcação, positivismo e Comte. APC
ciência, filosofia da
Ver filosofia da ciência.
científico, método
Ver método científico.
coerentismo
Perspectiva epistemológica (ver epistemologia), segundo a qual o nosso
conhecimento não carece de qualquer tipo de fundamento. O conhecimento é
antes encarado à maneira de uma teia ou sistema de crenças coerentes entre
si, que se sustentam mutuamente, dispensando qualquer necessidade de uma
crença — ou de um conjunto de crenças — em que todas as outras se apoiem.
O filósofo austríaco Otto Neurath (1882-1945) ilustra esta perspectiva com
uma célebre metáfora, conhecida como Barco de Neurath: tal como é possível
a um barco navegar sem se afundar, apesar de ser composto de inúmeras
partes e de nenhuma delas suportar todas as outras, o mesmo acontece com o
conhecimento. Cada uma das nossas convicções é como cada uma das peças
do barco. Ligadas umas às outras, formam uma totalidade consistente e auto-
sustentada. Este é o modo como, de facto, se estrutura a justificação das
nossas crenças, demarcando-se o coerentismo tanto do cepticismo como do
fundacionismo. Para um céptico, é impossível encontrar justificações
satisfatórias para as nossas crenças, coisa que um coerentista rejeita; para
um fundacionista, as nossas crenças justificam-se a partir de um número
limitado de crenças mais evidentes e fundamentais, como sustenta Descartes
com o célebre cogito ergo sum, coisa que o coerentismo também rejeita. AA
cogito
Nome por que é conhecido o famoso argumento (segundo alguns) ou
afirmação (segundo outros) de Descartes "penso, logo existo" e que em latim
é "cogito ergo sum".
cogito ergo sum
Expressão latina utilizada por Descartes que significa "penso, logo existo". Ver
também dúvida metódica.
cognitivismo estético
Perspectiva filosófica acerca da arte, segundo a qual ela tem valor na medida
em que serve para aumentar o nosso conhecimento. O cognitivismo estético é
uma teoria funcionalista (ou instrumentalista), pois reconhece que a arte tem
uma função, ao contrário do esteticismo. Um dos mais destacados defensores
do cognitivismo estético é o filósofo americano Nelson Goodman. Ver também
funcionalismo estético. AA
compatibilismo/incompatibilismo
O problema do livre-arbítrio consiste em saber se a crença de que somos
livres é compatível com a crença de que o mundo é governado por leis e que
no mundo todos os acontecimentos, incluindo as nossas acções, são
determinados pelas suas causas (ver causa/efeito). Em geral, existem dois
tipos de teorias que respondem a este problema: as teorias compatibilistas e
as teorias incompatibilistas.
O compatibilismo é uma concepção metafísica que afirma que o livre-
arbítrio é compatível com o determinismo. A posição compatibilista pode ser
expressa com a seguinte afirmação condicional: se tudo for determinado, é
possível que exista livre-arbítrio.
O determinismo moderado é a teoria compatibilista mais influente. Um
determinista moderado, como David Hume, aceita que a acção seja
determinada por causas; no entanto, sustenta que essa acção pode ser livre
se o agente, ao praticá-la, puder agir de outra forma e se tiver um controlo
sobre o desejo e a crença que causam a acção. Por exemplo, entregar um
telemóvel a um ladrão é uma acção livre caso nos seja possível recusar fazê-la
e se o desejo de viver, assim como a crença de que entregar o telemóvel
permite preservar a vida, forem as causas dessa acção.
O incompatibilismo é o conjunto de concepções metafísicas que negam
que o livre-arbítrio seja compatível com o determinismo. A posição dos
incompatibilistas é a seguinte: se tudo for determinado, não é possível que
exista livre-arbítrio. As duas teorias incompatibilistas mais importantes são o
determinismo radical e o libertismo. Os deterministas radicais argumentam
que o livre-arbítrio não existe porque todas acções são efeito de causas
remotas e incontroláveis. Os libertistas afirmam que o livre arbítrio existe
porque nem todas as acções são o efeito de causas remotas e incontroláveis.
APC
composição, falácia da
Ver falácia da composição.
compreensão
Segundo a chamada lógica de Port-Royal, a compreensão é o conjunto de
atributos que são consequência semântica de um termo ou conceito. Assim,
atributos como substância, material, viva e sensível constituem a
compreensão do conceito animal. A compreensão de um termo ou conceito
distingue-se da sua extensão. Esta é o conjunto de indivíduos ou entidades a
que o termo ou conceito se aplica. A extensão do conceito de animal inclui
todo e qualquer animal que exista, tenha existido ou venha a existir. A
compreensão de um termo ou conceito não é alterada pelo número de
indivíduos a que se aplique esse conceito: o conceito de animal permanece o
mesmo quer se aplique a um indivíduo, a milhões de indivíduos ou a nenhum
indivíduo. Ver extensão, intensão. LR
Comte, Auguste (1798-1857)
Filósofo francês, pai do positivismo do séc. XIX. É também considerado um
dos fundadores da sociologia. Comte chamava à sua filosofia "positiva" porque
acreditava no progresso do conhecimento em todos os domínios, procurando
identificar os diferentes estados ou fases por que as nossas concepções do
mundo tiveram de passar até chegar ao seu estado definitivo. Os três estados
são o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro, procuravam-se as
causas primeiras de todos os fenómenos, recorrendo-se a entidades
sobrenaturais e a explicações de tipo religioso. No segundo, as nossas
concepções evoluíram no sentido de substituir as entidades sobrenaturais por
forças abstractas. No estado positivo ou científico, o "espírito humano" deixa
de querer conhecer "as causas íntimas dos fenómenos, para se dedicar apenas
à descoberta, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, das
suas leis efectivas, isto é, das suas relações invariáveis de sucessão e
similitude". Para Comte só a ciência pode satisfazer adequadamente a nossa
necessidade de conhecimento, já que só a ciência é capaz de formular leis da
natureza e de fazer previsões apoiadas em dados empíricos. As ideias de
Comte foram muito criticadas, mas também influenciaram filósofos tão
importantes como Stuart Mill. Curso de Filosofia Positiva (1830-42) é o título
da sua obra mais importante. AA
conceito
Os constituintes dos pensamentos (ou proposições). A proposição de que
Lisboa é uma bela cidade, tem como um dos seus constituintes o conceito de
cidade. Possuir um conceito é saber usá-lo. Por exemplo, se alguém apontar
para uma bola e disser que é um tigre é porque não possui o conceito de
tigre; mas se for competente no uso do termo "tigre", possuiu o conceito em
causa. Uma das muitas questões em aberto é a de saber se os conceitos são
entidades abstractas independentes da mente ou se dependem desta para
existirem. CT
conceito aberto/conceito fechado
Um conceito é aberto se não houver um conjunto de características fixas, ou
condições necessárias e suficientes, a partir das quais ele possa ser definido,
isto é, a partir das quais se torna possível encontrar a sua extensão. Caso seja
possível apresentar um conjunto de características fixas capazes de
identificar os objectos que fazem parte da extensão de um dado conceito,
então esse conceito é fechado. Isto significa que um conceito aberto é
reajustável, podendo ser corrigido de modo a alargar o seu uso a casos
completamente novos. Esta noção surgiu com o filósofo austríaco
Wittgenstein, que deu como exemplo o conceito de jogo. Segundo
Wittgenstein, não é possível identificar um conjunto fixo de características
comuns a todos os jogos, além de que podem ser inventados jogos com
características completamente diferentes dos que já existem. O mesmo se
passa, segundo o filósofo americano Morris Weitz (1916-87), com o conceito
de arte, até porque a arte é sempre criativa e inovadora. Por isso, a arte
também não pode ser definida em termos de condições necessárias e
suficientes. Ver também parecença familiar. AA
conclusão
A afirmação que se defende, num argumento, recorrendo a premissas. Por
exemplo, a conclusão do argumento "Os animais não têm direitos porque não
têm deveres" é a afirmação "Os animais não têm direitos". DM
condição necessária
Uma condição necessária para ser F garante que tudo o que for F satisfaz essa
condição, mas não garante que tudo o que satisfaz essa condição é F (não é
uma condição suficiente). Por exemplo, ser grego é uma condição necessária
para ser ateniense, mas não é uma condição suficiente, já que se pode ser
grego sem ser ateniense. Uma condição necessária é expressa pela
consequente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é
grego. Numa afirmação com a forma "Todo o F é G", o G é uma condição
necessária de F; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição
explícita. DM
condição necessária e suficiente
Uma condição necessária e suficiente para ser F garante a coincidência entre
F e essa condição. Por exemplo, uma condição necessária e suficiente para ser
água é ser H2O. Isto significa que tudo o que for H2O é água, e tudo o que for
água é H2O. Exprime-se muitas vezes uma condição necessária e suficiente
usando uma bicondicional; por exemplo: Sócrates era ateniense se, e só se,
nasceu em Atenas. Encontrar condições necessárias e suficientes é o objectivo
da definição explícita e parte integrante de uma compreensão aprofundada
das coisas. DM
condição suficiente
Uma condição suficiente para ser F garante que tudo o que satisfaz essa
condição é F, mas não garante que tudo o que é F satisfaz essa condição (não
é uma condição necessária). Por exemplo, ser ateniense é uma condição
suficiente para ser grego, mas não é uma condição necessária, já que se pode
ser grego sem ser ateniense. Uma condição suficiente é expressa pela
antecedente de uma condicional; por exemplo: se alguém é ateniense, é
grego. Numa afirmação com a forma "Todo o F é G", o F é uma condição
suficiente de G; por exemplo: todos os atenienses são gregos. Ver definição
explícita. DM
condicional (→)
Uma afirmação com a forma "Se P, então Q", como "Se a música é arte, é
bela". Chama-se "antecedente" a P e "consequente" a Q. No discurso corrente
usa-se muitas vezes condicionais como formas extremamente abreviadas de
modus tollens ou modus ponens: "Se Deus não existisse, não poderia haver
universo" pode ser uma forma abreviada de argumentar a favor da conclusão
omitida "Deus existe", omitindo também a premissa ("Há universo"). E "Se a
dor tem importância moral, não devemos maltratar os animais" pode ser uma
forma abreviada de argumentar a favor da conclusão "Não devemos maltratar
os animais", omitindo também a premissa "A dor tem importância moral".
Na lógica clássica, encara-se uma condicional como uma afirmação que
só é falsa caso a antecedente seja verdadeira e a consequente falsa. Isto
provoca problemas (discutidos em filosofia da linguagem), pois em muitas
circunstâncias achamos que uma condicional com antecedente e consequente
falsa não é verdadeira, como afirma a lógica clássica, mas sim falsa: "Se
Durão Barroso é francês, é asiático" é intuitivamente falsa, mas do ponto de
vista da lógica clássica é verdadeira, dado que a sua antecedente é falsa.
Intuitivamente, é-se levado a pensar que esta condicional é falsa porque a
interpretamos como um caso particular da seguinte condicional geral: "Se
alguém é francês, é asiático". Dado que esta condicional geral é
efectivamente falsa (é equivalente à afirmação universal falsa "Todos os
franceses são asiáticos"), é-se levado a pensar que a primeira também o é.
Quando as condicionais gerais associadas às particulares são verdadeiras, as
intuições linguísticas não diferem da definição clássica da condicional: a
condicional "Se Sócrates é lisboeta, é português" é intuitivamente verdadeira
(porque "Se alguém é lisboeta, é português" é verdadeira) e é verdadeira
segundo a lógica clássica (porque a antecedente é falsa).
As condicionais tipicamente usadas em filosofia exprimem conexões
conceptuais. Uma condicional como "Se Kant vivia numa ilha, era um ilhéu" é
intuitivamente verdadeira, porque há uma conexão conceptual entre viver
numa ilha e ser ilhéu que garante a verdade da seguinte condicional: "Se
alguém vive numa ilha, é um ilhéu". Assim, para negar uma condicional
filosófica como "Se Deus existe, a vida faz sentido", não é necessário provar
que é verdade que Deus existe e falso que a vida faz sentido; basta mostrar
que não há conexão conceptual entre a antecedente e a consequente da
condicional — isto é, que seria conceptualmente possível existir Deus apesar
de a vida não ter sentido. DM
Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Cap. 4 (Lisboa: Plátano, 2003).
Newton-Smith, W. H., Lógica: Um curso introdutório, Cap. 2 (Lisboa: Gradiva, 1998).
Priest, Graham, Lógica, Cap. 7 (Lisboa: Temas e Debates, 2002).
condições de verdade
Ver tabela de verdade.
conectiva
Aquelas expressões que servem para gerar frases a partir de frases. Por
exemplo, a conectiva "e", quando colocada entre duas frases (por exemplo,
"Aristóteles é um filósofo" e "Aristóteles foi aluno de Platão"), gera a seguinte
frase complexa: "Aristóteles é um filósofo e foi aluno de Platão". As conectivas
são classificadas em função do número mínimo de frases que podem ligar. Por
exemplo, as conectivas como "e" e "ou", são binárias pois precisam no mínimo
de duas frases para gerar uma frase complexa. Já a conectiva "não" é unária,
pois apenas precisa de uma frase para formar outra. Por exemplo, se
juntarmos "não" à frase "Aristóteles é um filósofo" ficamos com a seguinte
frase falsa: "Aristóteles não é um filósofo". As conectivas mais usadas são as
verofuncionais (ver operador verofuncional): "e", "ou", "não" e "se, então"
apesar de ser discutível se esta última é verofuncional (ver condicional). CT
confirmação
Num bom argumento indutivo (ver indução), as premissas confirmam a
conclusão num grau elevado. Por exemplo, se observamos muitos corvos e
constatamos que não há um único que não seja negro, encontramos assim
dados que confirmam a hipótese de que todos os corvos são negros.
Obviamente, não podemos ter a certeza de que esta hipótese é verdadeira,
mas à medida que vamos observando cada vez mais corvos negros a
probabilidade de a hipótese ser verdadeira (isto é, o seu grau de confirmação)
vai aumentando. Ver implicação, corroboração. PG
conhecimento
Os verbos conhecer e saber são sinónimos e costumam ser utilizados de três
maneiras diferentes. Na frase "a Ana sabe nadar", o termo "sabe" serve para
atribuir à Ana uma determinada competência ou capacidade; por sua vez, na
frase "a Ana conhece o primeiro-ministro" o termo "conhece" significa que a
Ana é capaz de identificar alguém (ou algo), ou também pode significar que
ela tem ou teve algum tipo de contacto com essa pessoa (ou coisa);
finalmente, na frase "a Ana sabe que Paris é a capital da França", o que se
afirma que a Ana sabe é algo que tanto pode ser verdadeiro como falso. Neste
último caso, o que vem a seguir a "sabe que" é uma outra frase que exprime
uma proposição. Este é o sentido proposicional de "conhecer" que é objecto
de estudo da epistemologia. Não existe uma definição satisfatória de
"conhecimento", mas há pelo menos três condições necessárias que, em
geral, os filósofos aceitam: não há conhecimento sem crença; a crença tem de
ser verdadeira; além de verdadeira, a crença tem também de ser justificada.
Quer isto dizer que não podemos conhecer algo em que não acreditamos; que
não podemos conhecer falsidades; e que não há conhecimento se as nossas
crenças, apesar de verdadeiras, não forem justificadas. AA
conjunção (∧)
Qualquer afirmação com a forma "P e Q", como "Deus existe e a vida tem
sentido". Uma conjunção é verdadeira se, e só se, ambas as proposições, P e
Q, que a constituem forem verdadeiras. Em qualquer outra circunstância é
falsa. É preciso ter em consideração que não se está a falar de conjunção em
sentido gramatical. Assim, frases com as formas "P mas Q", "P, apesar de Q",
"Não só P como Q", ou "P, Q e R" são conjunções. Por outro lado, frases como
"Dá-me uma cerveja e eu fico feliz", que são superficialmente conjunções,
não o são de facto (neste caso, trata-se de uma condicional: "Se me deres
uma cerveja, eu fico feliz". AA
conotação
1.Termo equivalente ao mais corrente "intensão".
2. Frequentemente, diz-se que um termo tem certo tipo de conotações
se estiver tipicamente associado a ideias, modos de pensar ou práticas
expecíficas (por exemplo, o termo "alma", ao contrário do termo "mente",
tem conotações religiosas). Ver também compreensão, denotação, sentido.
PS
consciência moral
O reconhecimento do carácter moral de algumas das nossas acções. Uma
pessoa com consciência moral é alguém que sabe que algumas das suas acções
podem ser boas ou más, morais ou imorais e que tem isto conta quando age.
Pelo contrário, uma pessoa sem consciência moral é alguém que não tem em
conta esse aspecto das suas acções. Por exemplo, uma pessoa sem consciência
moral poderá roubar outra pessoa sem ter em consideração o facto de o seu
acto ser imoral. Ver ética, egoísmo psicológico. DM
consequência
1. ( ) Uma proposição P é uma consequência de um dado conjunto de
proposições quando P se pode concluir validamente desse conjunto de
proposições (ver validade/invalidade). Ter atenção às consequências das
nossas afirmações é muito importante, pois por vezes elas têm consequências
indesejadas. Por exemplo, afirmar que tudo é relativo tem como
consequência que isto que se está a dizer também é relativo, o que derrota a
própria ideia que se queria defender.
2. Noutros contextos, usa-se o termo "consequência" como sinónimo de
"efeito", nomeadamente efeito causal. Por exemplo, uma bola move-se em
consequência de um pontapé. DM
consistência/inconsistência
Duas ou mais proposições são consistentes se, e só se, podem ser
simultaneamente verdadeiras; e são inconsistentes se, e só se, não podem ser
simultaneamente verdadeiras. Por exemplo, as afirmações "Deus existe" e
"Sócrates era um filósofo" são consistentes; e as afirmações "Deus existe" e
"Deus não existe" são inconsistentes. Nem sempre é fácil saber quando duas
proposições são consistentes ou inconsistentes. A mais leve complexidade
lógica pode provocar enganos. Por exemplo, há razões para pensar que as
afirmações "Todos os lobisomens são peludos" e "Nenhum lobisomem é peludo"
não são inconsistentes; mas, intuitivamente, estas afirmações parecem
inconsistentes. Note-se que a lógica aristotélica não se aplica a proposições
que contenham classes vazias, como "lobisomens"; se excluirmos as classes
vazias, quaisquer duas proposições com a forma "Todo o A é B" e "Nenhum A é
B" serão efectivamente inconsistentes (ver quadrado de oposição).
Outras vezes, é muito difícil saber se duas proposições são consistentes
ou não. Por exemplo, em filosofia discute-se o chamado problema do mal,
que consiste em saber se as duas afirmações seguintes são consistentes: "Deus
existe e é omnipotente, omnisciente e sumamente bom" e "Há mal no mundo".
Não se deve confundir inconsistência com contradição; todas as
contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são
contradições. Por exemplo, uma vez que há seres humanos, as afirmações
"Todos os seres humanos são mortais" e "Nenhum ser humano é mortal" são
inconsistentes, mas não são contraditórias entre si. Não se deve igualmente
dizer que uma teoria ou proposição "é consistente com o mundo"; as teorias
ou proposições só podem ser consistentes entre si e não com o mundo.
Relativamente ao mundo, as teorias e proposições são verdadeiras ou falsas,
consoante descrevem fielmente ou não o modo como as coisas são. DM
contexto
A realidade, situação ou linguagem que rodeia a enunciação de uma palavra,
frase ou discurso (ver discursivo) de que pode depender a determinação do
seu significado e, em última instância, a sua interpretação e compreensão.
Numa frase como "Hoje ofereci-lhe um ramo de flores.", aquilo que "hoje" e
"lhe" referem e, consequentemente, o significado da frase e o valor de
verdade da proposição que a frase exprime, dependem do seu contexto de
uso (quando é enunciada, quem a enuncia, a quem a frase se refere, etc.).
Para eliminar a ambiguidade de certos termos, como "aqui", e frases, como "O
Speedy é do outro mundo" tem de se ter em conta o contexto em que esses
termos e frases são usados. Ver indexical, uso/menção. AN
contingente
Ver necessário/contingente.
continuidade/descontinuidade
A expressão "continuidade/descontinuidade" (ou "continuidade/ruptura") tem
sido usada para referir três problemas diferentes de filosofia da ciência: 1) o
problema da demarcação, que consiste em saber se existe e qual é o critério
que estabelece a fronteira entre, por um lado, o conhecimento científico e,
por outro, o conhecimento não científico (como o senso comum, a filosofia
ou a religião) e pseudocientífico (como a parapsicologia, a alquimia e a
astrologia); 2) o problema da unidade da ciência, em que se discute se existe
e qual é a descrição apropriada de um único método científico comum às
várias ciências; 3) o problema do desenvolvimento das ciências, que consiste
em discutir se existe continuidade ou ruptura entre diferentes estádios de
desenvolvimento das ciências, e até entre estes e os estádios pré-científicos.
A propósito de 1, ver explicação científica, critério de demarcação,
verificabilidade, verificacionismo, corroboração, falsibicabilidade e
Popper; a propósito de 2, ver método experimental, método hipotético-
dedutivo, Galileu Galilei, positivismo, Comte e Paul Feyerabend; a
propósito de 3, ver Popper, paradigma, incomensurabilidade e Thomas
Kuhn. APC
contra-argumento
O objectivo de um contra-argumento é refutar a conclusão estabelecida no
argumento de um opositor. Um contra-argumento, que é também um
argumento, deverá concretizar pelo menos um dos seguintes objectivos: 1)
demonstrar que o argumento do opositor é inválido, isto é, que as premissas
não apoiam a conclusão; 2) mostrar que pelo menos uma das premissas do
argumento do opositor é falsa; 3) mostrar que a conclusão do argumento do
opositor é falsa, ou tem consequências inverosímeis ou contraditórias. Por
exemplo, uma forma muito simples de concretizar o primeiro objectivo
consiste em imaginar um contra-argumento com a mesma forma lógica do
argumento a refutar, mas cujas premissas sejam evidentemente verdadeiras e
cuja conclusão seja evidentemente falsa. A validade do argumento "Todas as
coisas têm uma causa; logo, há uma causa de todas as coisas" pode refutar-se
com o argumento seguinte, obviamente inválido: "Todas as pessoas têm uma
mãe; logo, há uma mãe de todas as pessoas". Ver premissa, conclusão,
verdade/falsidade, validade, consequência, contradição, refutação,
redução ao absurdo, falácia. APC
contradição
1. Uma falsidade lógica; isto é, uma proposição cuja falsidade se pode
determinar exclusivamente por meios lógicos. Por exemplo, a afirmação
"Sócrates é mortal e não é mortal" é uma contradição.
2. Duas proposições são mutuamente contraditórias quando têm valores
de verdade opostos em qualquer circunstância logicamente possível. Por
exemplo, as afirmações "Tudo é relativo" e "Algumas coisas não são relativas"
são contraditórias. Não se deve confundir inconsistência com contradição;
todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências
são contradições. Ver consistência/inconsistência. DM
contra-exemplo
Um exemplo que se destina a mostrar que uma dada afirmação é falsa. Os
contra-exemplos são muito importantes em filosofia, pois são um método
eficaz de refutação de teorias (ou afirmações) e uma maneira de as pôr à
prova. Por exemplo, será a afirmação "só quem tem deveres pode ter direitos"
verdadeira? Um contra-exemplo é que as crianças recém-nascidas não têm
deveres, mas têm direitos. Isto mostra que a afirmação anterior é falsa.
Muitas vezes encontrar contra-exemplos claros a uma determinada teoria
filosófica não é fácil, exigindo-se informação relevante, alguma criatividade e
sentido crítico. É importante referir que afirmações como "alguns países
europeus que foram no passado colonizadores são hoje ricos" não admitem
contra-exemplos. Dizer que Portugal foi colonizador no passado mas não é
rico, não é um contra-exemplo. Mas é um contra-exemplo da afirmação
universal "todos os países europeus que foram no passado colonizadores são
hoje ricos". Assim, só há contra-exemplos a afirmações universais e
condicionais. AA
contratualismo
O contratualista concebe a ética como uma espécie de acordo ou contrato —
as acções são certas ou erradas em virtude de obedecerem ou não aos
princípios que seriam objecto do acordo. Alguns contratualistas, como
Hobbes, sustentam que o contrato ético é motivado pelo interesse pessoal
(ver egoísmo psicológico). Para outros contratualistas, no entanto, a
motivação subjacente ao acordo é o respeito recíproco entre pessoas livres e
iguais. Além de diferirem entre si quanto à maneira como concebem a
motivação do contrato, os contratualistas também divergem no modo como
definem as circunstâncias, geralmente idealizadas, em que o mesmo tem
lugar. Ver egoísmo ético, Rawls. PG
corroboração
Na sua filosofia da ciência, Popper rejeita a indução e, consequentemente, a
ideia de que uma hipótese ou teoria científica pode ser confirmada por dados
empíricos. Assim, no seu falsificacionismo a noção de confirmação dá lugar à
de corroboração. Uma hipótese ou teoria científica é corroborada por dados
empíricos quando sobrevive a testes experimentais, isto é, quando não é
refutada depois de ter sido posta à prova. E, quanto mais severos são os
testes, maior é o grau de corroboração que a teoria adquire. PG
crença
O termo é usado para referir 1) um estado mental disposicional, que tem
como conteúdo uma proposição, verdadeira ou falsa (ver verdade/falsidade),
ou 2) para referir a proposição que constitui o conteúdo desse estado mental.
Quando tomamos "crença" na segunda acepção, ela é independente de quem
quer que a pense e o estado mental correspondente constitui uma atitude
proposicional, uma atitude de crença numa proposição, que envolve certo
grau de confiança na verdade dessa proposição (daí a relação próxima entre
crença e verdade). O facto de as crenças, enquanto estados mentais, serem
disposicionais significa que podemos ter uma disposição para agir de certa
forma devido às crenças que temos. Uma concepção comum de filosofia,
presente, por exemplo, em Bertrand Russell, vê esta como a análise crítica
das crenças (na segunda acepção) instintivas, com o objectivo de determinar
quais as justificadas e construir, assim, um sistema coerente de crenças
instintivas nas quais todas as outras se fundem. Ver fundacionismo. AN
critério de demarcação
Critério de acordo com o qual se distinguem as teorias científicas das teorias
pseudocientíficas, isto é, daquelas que não sendo científicas procuram passar
por tal. O filósofo Karl Popper defende que uma teoria só é científica se
puder ser testada. Por sua vez só pode ser testada se for falsificável, coisa
que não acontece, segundo Popper, com as pseudociências, como a astrologia
e a parapsicologia. Ver também falsificabilidade. AA
crítica
O acto de examinar cuidadosamente uma obra, teoria ou opinião, procurando
determinar se são boas ou verdadeiras e avaliando os argumentos ou ideias
em que se apoiam. A filosofia é uma actividade crítica, pois procura-se
sempre determinar se as ideias, teorias ou opiniões filosóficas propostas são
verdadeiras e se se apoiam em bons argumentos. Para o filósofo, uma opinião
que não seja sustentada por bons argumentos, ainda que seja verdadeira, não
passa de um preconceito. A crítica não tem de ser negativa. Podemos ser
críticos concordando com as opiniões dos outros, desde que encontremos boas
razões para concordar com elas. Mas ser crítico implica também ter abertura
de espírito para discutir racionalmente as nossas próprias ideias e até para as
abandonar, caso não existam boas razões a seu favor. A atitude da pessoa
crítica opõe-se à atitude da pessoa dogmática. Ver também dogma. AA
cultura
1. Conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por
contraste com o que é inato. Por exemplo, se um pássaro não tem de
aprender a fazer o ninho, fazendo-o instintivamente, então esse ninho não é
um produto cultural; mas se tiver de ser ensinado a fazê-lo, então esse ninho
é um produto cultural. Os seres humanos são os maiores produtores de cultura
do planeta.
2. O conjunto de práticas e de produções materiais, espirituais,
artísticas, etc. que servem para identificar um povo ou nação e distingui-lo de
outros povos.
3. Opõe-se por vezes a cultura às ciências, usando o primeiro termo
para falar das artes e das letras, como a pintura e a poesia. Esta oposição é
polémica. DM
.: D :.dasein
Termo alemão introduzido por Heidegger e que significa "ser-aí". Para este
filósofo, o ser humano é um ser-aí no sentido em que a sua natureza consiste
em estar no mundo. DM
datum
Termo latino que significa "dado": o que é dado nos sentidos, por exemplo.
Opõe-se ao que é inferido, nomeadamente com base nos sentidos. Por
exemplo, o que eu vejo ao olhar para uma maçã é apenas uma forma e uma
cor; mas infiro que é um objecto real com base em vários outros dados,
nomeadamente dados de outros sentidos. DM
decadentismo
Doutrina estética que coloca a arte acima da ética, defendendo que arte pode
mesmo ser imoral, sem que isso lhe retire qualquer valor. É uma doutrina
associada às teorias da "arte pela arte", ou esteticismo. O esteta e escritor
irlandês Oscar Wilde (1854-1900) é um dos seus mais ilustres representantes.
AA
dedução
Um argumento cuja validade depende unicamente da sua forma lógica, ou da
sua forma lógica juntamente com os conceitos usados. Por exemplo, o
argumento seguinte é dedutivo: "Se os animais têm direitos, têm deveres;
dado que não têm deveres, não têm direitos". É dedutivo porque a sua
validade depende unicamente da sua forma lógica, que neste caso é a
seguinte: "Se P, então Q; não Q; logo, não P". O argumento seguinte é
dedutivo porque a sua validade depende unicamente da sua forma lógica
juntamente com os conceitos usados: "A neve é branca; logo, tem cor". Não é
verdade que nos argumentos dedutivos se parta sempre do geral para o
particular. O argumento seguinte é dedutivo e tanto a sua premissa como a
sua conclusão são particulares: "Alguns filósofos são gregos; logo, alguns
gregos são filósofos". Ver indução. DM
definição
Uma maneira de dizer o que uma coisa é. Por exemplo, quando se pergunta o
que é a água pode-se responder que é H2O; quando se pergunta o que é o azul
pode-se apontar para o céu, o mar, etc. A primeira é uma definição explícita;
a segunda é uma definição implícita. Em filosofia, as definições são
importantes por duas razões: para que o nosso discurso seja mais claro e
como meio para uma compreensão mais substancial dos nossos conceitos mais
importantes. Mas as definições filosóficas são objecto de disputa porque são
surpreendentemente difíceis de obter. Isto acontece porque os conceitos que
queremos definir em filosofia são por vezes tão centrais na nossa economia
conceptual que se tornam difíceis de definir. Por exemplo: a física consegue
definir "massa", mas torna-se cada vez mais difícil definir, sem cair em
circularidade, os conceitos com que se define a massa, nomeadamente
"energia" e "corpo". E depois será necessário definir os conceitos que usamos
para definir esses conceitos, e acabaremos por entrar em problemas
filosóficos. As definições que interessam na filosofia são difíceis porque são
definições de conceitos tão básicos e centrais que é difícil encontrar outros
conceitos mais básicos e mais simples que possamos usar para os definir. DM
Murcho, Desidério, "Definição de "Definição"" in A Natureza da Filosofia e o seu Ensino
(Lisboa: Plátano, 2002).
definição essencialista
Uma definição que apresenta as condições necessárias e suficientes que algo
satisfaz não apenas de facto, mas que é impossível
.: E :.egoísmo ético
Perspectiva normativa (ver normativo/descritivo) segundo a qual qualquer
agente humano deve agir sempre e unicamente em função daquilo que é
efectivamente melhor para si. PG
egoísmo psicológico
Perspectiva descritiva (ver normativo/descritivo) segundo a qual qualquer
agente humano age sempre tendo em vista apenas aquilo que julga ser
melhor para si. Assim, qualquer acto aparentemente altruísta (por exemplo,
arriscar a própria vida para salvar outra pessoa) esconde um motivo egoísta
(por exemplo, parecer corajoso aos olhos dos outros). PG
eidos
Termo grego que significa "forma" ou "ideia". Platão considerava que as
Formas ou Ideias eram imutáveis, imateriais e não podiam ser percepcionadas
pelos sentidos, mas eram a realidade última, sendo as coisas quotidianas
apenas uma pálida semelhança das Formas. DM
elenchos
Termo grego que significa "interrogatório", e que costuma ser usado para
referir o método usado por Sócrates, que consistia em fazer perguntas aos
seus interlocutores com o objectivo de descobrir verdades importantes acerca
de conceitos filosóficos centrais, como justiça, bem e verdade. DM
emoção estética
O tipo de sentimento que, segundo alguns filósofos, só as obras de arte
conseguem despertar em nós e que se distingue dos sentimentos provocados
por quaisquer outros objectos. De acordo com esses filósofos, o que nos
permite identificar uma verdadeira obra de arte é o facto de ela provocar em
nós um tipo peculiar de emoção, a emoção estética. O filósofo e crítico de
arte Clive Bell (1881-1964) considera que há nas obras de arte, e só nelas,
uma certa propriedade que provoca em nós emoções estéticas. A essa
propriedade dá o nome de forma significante. Nem todos os filósofos
admitem a existência de emoções estéticas. AA
emotivismo
Teoria metaética segundo a qual não há factos morais e, portanto, os juízos
morais não têm valor de verdade. Para o emotivista, ao fazer um juízo moral
estamos apenas a exprimir certos sentimentos ou atitudes. Isto significa que
quando uma pessoa diz, por exemplo, que o aborto é errado, está só a
exprimir uma atitude pessoal de reprovação relativamente ao aborto — não
está a fazer uma afirmação sobre o aborto que possa ser avaliada como
verdadeira ou falsa. Tal como o subjectivismo moral, o emotivismo nega a
objectividade da ética. Ver objectivismo/subjectivismo. PG
empírico
Diz-se do que se refere à experiência sensível. Assim, uma afirmação é
empírica se descrever ou de algum modo estiver relacionada com a descrição
de um estado de coisas de que temos experiência e puder ser confirmada ou
falsificada pela experiência sensível. E o mesmo se aplica em relação às
nossas crenças. Ao afirmar que há seres inteligentes extraterrestres estamos a
defender uma tese empírica; ao afirmar que Lisboa é maior do que Faro
estamos a exprimir uma crença empírica. Isto contrasta com teses ou crenças
não empíricas (isto é, conceptuais), como a tese de que 30 + 60 = 90, ou a
crença de que o vermelho é uma cor (o que é diferente da crença de que um
dado objecto é vermelho). Podemos ainda falar de qualidades empíricas
quando dizemos, por exemplo, que determinado objecto é azul. Neste caso
trata-se de uma qualidade empírica porque referimos uma característica que
pode ser directamente observada, enquanto que as qualidades teóricas são
inferidas (ver inferência). Ver também a priori/a posteriori e empirismo.
AA
empirismo
Perspectiva filosófica de acordo com a qual todo o nosso conhecimento
substancial deriva da experiência e das impressões colhidas pelos cinco
sentidos (ver a priori/a posteriori). O empirismo divide-se, em geral, em
duas posições. A posição segundo a qual todo o conhecimento deriva da
experiência, não havendo espaço para o conhecimento a priori (esta é a
posição empirista radical); e a posição segundo a qual, apesar de todo o nosso
conhecimento substancial derivar da experiência, existe conhecimento a
priori, só que este não é substancial, nada nos diz acerca do mundo
exprimindo meras relações entre os conceitos (esta é a posição empirista
moderada). Um dos primeiros grandes filósofos empiristas foi o inglês do séc.
XVII John Locke. Este defendeu que a nossa mente se compara a uma folha de
papel em branco (ou a uma tábua rasa, como dizia Aristóteles) na qual os
nossos sentidos vão deixando registadas as impressões colhidas do exterior. A
mente era vista como uma espécie de recipiente que se vai enchendo à
medida que o contacto com o mundo à nossa volta o permite, mas incapaz de
ter uma intervenção activa que não seja a interpretação e manipulação dos
dados sensíveis. O desrespeito pelos dados sensíveis é que está, segundo o
empirista, na origem das interpretações abusivas em que se apoiam as nossas
crenças falsas. O empirismo opõe-se, pois, ao racionalismo, o qual defende
que podemos obter conhecimento a priori substancial acerca do mundo. O
filósofo escocês do séc. XVIII David Hume enfrentou, sempre numa
perspectiva empirista, algumas das dificuldades apontadas pelos racionalistas,
acabando por tirar a conclusão céptica (ver cepticismo) de que era impossível
basear na experiência ideias tão importantes para a ciência como as de
causalidade e de universalidade (ver universais). Os ingleses Stuart Mill (séc.
XIX), o alemão Rudof Carnap e o filósofo americano W. V. Quine estes já no
séc. XX, são alguns dos mais destacados empiristas. São duas as grandes
dificuldades que qualquer teoria empirista enfrenta, explicar a forte intuição
de que temos conhecimento a priori substancial, e explicar a forte intuição
de que existem verdades necessárias. Ver também coerentismo,
fundacionismo, indução, pragmatismo, verificacionismo. AA
Blackburn, Simon, Pense: Uma Introdução à Filosofia, capítulo 1 (Lisboa: Gradiva,
2001).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulos 12 e 14 (Lisboa:
Temas e Debates, 1999).
Nagel, Thomas, O Que Quer Dizer Tudo Isto?, capítulo 2 (Lisboa: Gradiva, 1995).
Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia, capítulos V-X (Coimbra: Almedina,
2001).
entimema
Um argumento com uma premissa não formulada. Chama-se muitas vezes
"premissa implícita" à premissa não formulada. Na argumentação quotidiana
estamos habituados a omitir premissas óbvias. A premissa implícita do
argumento "O António devia ser despedido porque roubou dinheiros públicos" é
razoavelmente clara: "Todas as pessoas que roubam dinheiros públicos devem
ser despedidas". Mas qual será a premissa implícita do argumento "A droga
deve ser proibida porque provoca a morte"? Se a premissa implícita for o
princípio geral de que tudo o que provoca a morte deve ser proibido, o seu
locutor está obrigado a aceitar que a condução de automóveis deve também
ser proibida, o que o autor do argumento original pode não estar disposto a
aceitar. Descobrir as premissas implícitas das nossas ideias ou das ideias dos
filósofos é uma parte importante do trabalho filosófico. DM
enunciado
Termo utilizado correntemente com o significado de frase, ou mais
especificamente, de frase declarativa com sentido, mas que na lógica e na
filosofia significa antes aquilo que é expresso por intermédio de uma frase
declarativa com sentido. Ver proposição. AN
epicurismo
Juntamente com o estoicismo e o cepticismo, uma das três grandes filosofias
do período helenístico. Tem origem na filosofia de Epicuro (341-271 a. C),
filósofo grego que em 306 fundou em Atenas uma escola chamada "Jardim". O
epicurismo retoma e desenvolve o atomismo de Leucipo e Demócrito,
defendendo que os únicos existentes per se são os corpos, constituídos por
átomos, e o espaço vazio, ambos infinitos. O universo é eterno e infinito e o
nosso mundo é apenas um entre muitos. O prazer é o único bem e o objectivo
natural do ser humano, ao qual todos os outros se subordinam. O sofrimento é
o único mal e não existe qualquer estado intermédio. O nosso objectivo
principal é minimizar o sofrimento, o que se consegue através de um modo de
vida simples e do estudo da física, o qual elimina as duas principais fontes de
angústia, o receio dos deuses e da morte, e permite alcançar um estado de
tranquilidade ou imperturbabilidade (ataraxia), que constitui a forma de
felicidade mais elevada e o objectivo correcto da vida. Ver hedonismo, mal
moral, mal natural. AN
episteme
Termo grego que significa "conhecimento" e de onde deriva a palavra
"epistemologia". Aristóteles usava o termo no sentido de conhecimento
sistemático racional, a que hoje chamamos "ciência", mas que para ele incluía
a filosofia. DM
epistemologia
A disciplina tradicional da filosofia, também conhecida por teoria do
conhecimento, que trata de problemas como "o que é o conhecimento?", "o
que podemos conhecer?", "qual é a origem do conhecimento?", "como
justificamos as nossas crenças?", envolvendo um conjunto de noções
relacionadas entre si, como "conhecer", "perceber", "prova", "crença",
"certeza", "justificação" e "confirmação", entre outras. O nome deriva de
epistêmê, termo do antigo grego que significa conhecimento. A esse termo
opunha-se o termo doxa, que significa opinião. Isto porque, como Platão
começou por sublinhar, não é possível conhecer falsidades, sendo contudo
possível — e até frequente — ter opiniões falsas. Assim, um dos problemas que
desde logo se coloca é o de saber como se alcança o conhecimento e se evita
a mera opinião. A célebre teoria das ideias de Platão continha uma resposta
para esse problema. Para Platão, só através de um processo racional de
afastamento das impressões sensíveis somos conduzidos à contemplação das
Ideias perfeitas, de que os objectos captados pelos nossos sentidos são
simples cópias imperfeitas. É nas Ideias que reside a verdade, pelo que o
chamado "conhecimento sensível" não deve, em rigor, ser considerado
conhecimento. A discussão acerca do papel dos sentidos na formação do
conhecimento e na justificação das nossas crenças acabou por dar lugar a
duas grandes doutrinas epistemológicas rivais: o empirismo e o racionalismo.
Empiristas como os britânicos Locke, Hume e Berkeley defendem que todo o
conhecimento substancial provém da experiência sensível, enquanto os
racionalistas, como o francês Descartes e o alemão Leibniz, consideram que
o conhecimento, se correctamente entendido, deve exibir as marcas da
universalidade (ver universal) e da necessidade (ver necessário),
características que de modo algum dependem da experiência. Assim, para os
racionalistas nem todo o conhecimento deriva da experiência sensível. Kant,
procurou determinar com exactidão como se constitui o conhecimento,
concluindo que este depende tanto da matéria fornecida pelos sentidos como
das formas a priori do pensamento a que os dados sensíveis têm de se
submeter. Kant opõe-se assim tanto ao empirismo como ao racionalismo
tradicional.
A justificação das nossas crenças é outro dos problemas epistemológicos
que têm gerado importantes debates. Há filósofos que defendem que por
muito boas que sejam, as nossas justificações nunca conseguem ser
inteiramente satisfatórias, vendo-nos assim permanentemente confrontados
com dúvidas insuperáveis. Este problema é também conhecido por "problema
do cepticismo", uma vez que os cépticos acabam por concluir, aparentemente
de forma justificada, que o conhecimento não é possível. No sentido de evitar
o cepticismo, muitos filósofos procuraram um fundamento para o
conhecimento, isto é, um reduzido número de certezas inabaláveis a partir
das quais se estrutura todo o nosso sistema de crenças. Essas certezas tanto
podem pertencer ao domínio da razão como da experiência, consoante as
inclinações racionalistas ou empiristas do filósofo. A este ponto de vista
chama-se fundacionismo, e Descartes constitui um dos exemplos mais
conhecidos. Mas há também quem não aceite qualquer tipo de fundamento
último para o conhecimento, sem contudo aderir ao cepticismo. É o caso dos
defensores do coerentismo, para quem as nossas crenças se apoiam
mutuamente umas nas outras sem precisarem que uma delas sustente as
restantes. À maneira de uma rede ou das inúmeras peças de madeira de que é
feito um barco, permitindo-lhe flutuar no mar sem se afundar — esta é a
metáfora de Otto Neurath (1882-1945) —, o importante é que as crenças
sejam coerentes entre si.
Mais directamente ligado ao que se passa com a ciência, embora não só,
há o chamado problema da indução, a propósito do qual se discute se o tipo
de justificação baseado em inferências indutivas é ou não aceitável. Podemos
ainda encontrar problemas de epistemologia da religião, tratando-se aí da
justificação das crenças religiosas; epistemologia da matemática, etc. AA
Blackburn, Simon, Pense, Capítulo 1 (Lisboa: Gradiva, 2001).
Dancy, Jonnathan, Epistemologia Contemporânea (Lisboa: Edições 70, 1990).
Nagel, Thomas, O Que Quer Dizer Tudo Isto?, Capítulo 2 (Lisboa: Gradiva, 1995).
Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia (Coimbra: Almedina, 2001).
Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 4 (Lisboa: Gradiva, 1998).
epochê
Termo grego que refere a suspensão da crença. O termo era usado pelos
cépticos da Antiguidade Grega, como Pirro de Élis (c. 365-275 a. C.), o
fundador do cepticismo grego, para referir o estado de não comprometimento
por ele defendido perante teses ou teorias opostas; assim, perante a questão
de saber se Deus existe ou não, Pirro defenderia a suspensão da crença ou
epochê em relação a ambas as teses. O mesmo termo foi usado já no séc. XX
por Edmund Husserl (1859-1938), o fundador da fenomenologia, para referir o
acto de "pôr entre parênteses" as nossas crenças de senso comum,
nomeadamente a de que o mundo exterior existe, adoptando uma postura
mais reflectida e genuinamente filosófica. DM
equivalência
Duas afirmações são equivalentes se se implicam mutuamente (ver
implicação). Há portanto tantos tipos de equivalência quantos os tipos
admitidos de implicação. Por exemplo, a equivalência material entre duas
afirmações P e Q ocorre quando elas se implicam materialmente entre si, isto
é, quando não se tem que P é verdadeira e Q falsa nem vice-versa (ou seja,
quando P e Q têm o mesmo valor de verdade); neste caso, é o mesmo que
bicondicional. Um tipo de equivalência mais forte (e mais próximo do uso
corrente do termo) verifica-se quando duas afirmações são logicamente
equivalentes, caso em que têm necessariamente o mesmo valor de verdade
(ver necessário/contingente). PS
eros
Termo grego que significa "amor erótico". Na Antiguidade Grega, os filósofos
contrastavam o amor erótico com a amizade entre amigos, a que chamavam
philia e de onde deriva o termo português "filial". Mais tarde, os filósofos
cristãos opunham o amor erótico ao amor cristão pelo próximo (agapê). DM
esse est percipi
Expressão latina que significa "ser é ser percepcionado". Ver Berkeley.
essência
A essência de uma coisa é uma propriedade essencial individuadora dessa
coisa. Ou seja, é uma propriedade que uma coisa tem, que não poderia deixar
de ter e que a distingue de todas as outras coisas. Por exemplo, a essência da
água é ser H2O. Não se deve confundir essência com propriedade essencial,
pois nem todas as propriedades essenciais são individuadoras. Por exemplo, o
código genético de um organismo é uma propriedade essencial desse
organismo; mas não é uma propriedade que o distingue de outros organismos
que podem ter o mesmíssimo código genético — os seus irmãos gémeos. DM
essencialista, definição
Ver definição essencialista.
estado
A noção moderna de estado surgiu com Maquiavel e Hobbes, e inclui os
seguintes aspectos: a) uma população formada por membros socialmente
relacionados entre si; b) um território; c) um governo que tem o poder de
estabelecer leis e usar a coerção, de modo a regular o comportamento dos
indivíduos dentro de certos limites; d) independência e reconhecimento
político de outros estados. Um debate importante em filosofia política é o de
saber qual deve ser o papel do estado na regulação da vida dos indivíduos.
Filósofos como John Locke e Robert Nozick (1938-2002) defendem que o papel
do estado deve ser muito limitado, de modo a não pôr em causa a liberdade
individual (ver liberalismo). John Rawls, por sua vez, acha que o estado deve
intervir para garantir uma maior justiça social. Os anarquistas defendem que
a existência do estado não se justifica. AA
estética
Uma das disciplinas tradicionais da filosofia, que aborda um conjunto de
problemas e conceitos por vezes muito diferentes entre si. A estética
começou por ser sobretudo uma teoria do belo, depois passou a ser entendida
como teoria do gosto e nos nossos dias é predominantemente identificada
com a filosofia da arte. Há fortes razões para considerar que estas três
formas de encarar a estética não são apenas diferentes maneiras de abordar
os mesmos problemas. É certo que gostamos de coisas belas que também são
arte, mas não deixa de ser verdade que as coisas que consideramos belas,
aquelas de que gostamos e as que são arte, formam conjuntos distintos.
Afinal, até é banal gostarmos de coisas que não são belas e muito menos arte;
assim como podemos nomear obras de arte de que não gostamos nem
consideramos belas.
Enquanto teoria do belo, a estética defronta-se com problemas como "O
que é o belo?" e "Como chegamos a saber o que é o belo?". Estas são perguntas
que já Platão colocava no séc. IV A.C e que só indirectamente diziam respeito
à arte, pois a arte consistia, para ele, na imitação das coisas belas. Razão
pela qual Platão tinha uma opinião desfavorável à arte, ao contrário do seu
contemporâneo Aristóteles, para quem a imitação de coisas belas tinha os
seus próprios méritos.
Já para os filósofos do séc. XVIII, como Hume e Kant, é no campo da
subjectividade que se encontra a resposta para o problema do belo. A estética
transformou-se, assim, em teoria do gosto, cujo problema central passou a
ser o de saber como justificamos os nossos gostos. O subjectivismo estético é
a doutrina defendida por estes dois filósofos, embora com tonalidades
diferentes. A doutrina rival é o objectivismo estético e é bem representado
pelo filósofo americano contemporâneo Monroe Beardsley (1915-85), para
quem o belo não depende dos gostos pessoais, mas da existência de certas
características nas próprias coisas.
Finalmente, as revoluções artísticas dos dois últimos séculos, ao alargar
de tal modo o universo de objectos que passaram a ser catalogados como
arte, acabaram por despertar nos filósofos vários problemas que se tornaram
o centro das disputas estéticas. É o caso dos problemas de filosofia da arte
como "O que é arte?" e "Qual o valor da arte?", entre outros. Quanto ao
problema da definição de arte, há três tipos de teorias: as essencialistas —
teorias da representação, da expressão e formalista —, as não-essencialistas —
teorias institucionais, de filósofos como o americano George Dickie (n. 1936)
— e as que, inspiradas no filósofo austríaco Wittgenstein, consideram ser
impossível definir "arte". Relativamente ao problema do valor da arte,
encontramos dois tipos de teorias: as que defendem que a arte tem valor em
si — teorias da arte pela arte, tendo Oscar Wilde (1854-1900) como defensor
mais conhecido — e as que defendem que a arte tem valor porque tem uma
função (teorias funcionalistas), seja ela social, moral, terapêutica, lúdica ou
cognitiva. A função cognitiva é das mais discutidas e o filósofo americano
contemporâneo Nelson Goodman é um dos seus mais importantes defensores,
considerando a arte uma importante forma de conhecimento. Ver também
cognitivismo estético, esteticismo, funcionalismo estético. AA
Graham, Gordon, Filosofia das Artes (Lisboa: Edições 70, 2001).
Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, capítulo 7 (Lisboa: Gradiva, 1998).
Townsend, Dabney, Introdução à Estética (Lisboa: Edições 70, 2002).
esteticismo
Doutrina segundo a qual a arte tem valor em si e não porque cumpre alguma
função ou propósito exterior a si. O esteticismo opõe-se às teorias
funcionalistas (ver funcionalismo estético), de acordo com as quais a arte
tem uma função, seja ela moral, política, lúdica, cognitiva ou outra qualquer.
Oscar Wilde (1854-1900), um dos mais destacados defensores do esteticismo,
considera que a arte se eleva acima de tudo o resto precisamente porque é
inútil. Isto não significa que não existam obras de arte que são criadas tendo
em vista certos objectivos (é o caso das obras de arte religiosa e da arte de
intervenção), mas o seu valor não depende de tais objectivos serem ou não
alcançados. O que torna uma obra de arte bela ou digna de admiração são as
suas características internas e tudo o mais constitui, em muitos casos, um
defeito que só prejudica a própria obra. O esteticismo identifica-se em
grande parte com a conhecida teoria da arte pela arte, que surgiu em França
com figuras como o poeta Baudelaire (1821-67). Ver também formalismo
estético. AA
estoicismo
Corrente filosófica fundada por Zenão de Cítio (332-264 a.C.) no terceiro séc.
antes da era cristã e que está associada a pensadores como Séneca (4 a.C.-65
d.C.), Epicteto (50-138 d. C.) e o imperador romano Marco Aurélio (121-180 d.
C.). Para os estóicos, a filosofia tem como finalidade essencial formar o
homem sábio. A Sabedoria consiste na prática da virtude, em viver de acordo
com a natureza ou a ordem racional (logos) do universo. O logos é a divindade
imanente ao mundo e tudo governa necessariamente. O Sábio, com
serenidade e autodomínio, compreende o carácter necessário do que
acontece. O estoicismo desenvolveu a primeira moral de tipo universal
fundada na igualdade de princípio de todos os homens (considerados cidadãos
do mundo — cosmopolitismo). Em lógica devemos a Crisipo (279-206 a.C.) a
análise de enunciados compostos tais como condicionais e disjuntivos e a
identificação das formas padrão de raciocínio que vieram a ser conhecidas
pelo nome de modus ponens e modus tollens. LR
ética
Disciplina tradicional da filosofia, também conhecida por filosofia moral, que
enfrenta o problema de saber como devemos viver.
A área da ética que lida com este problema da forma mais directa é a
ética normativa. A ética normativa ocupa-se em grande medida de dois
problemas mais específicos: 1) O que é agir de uma forma moralmente
acertada? 2) O que torna boa ou valiosa a vida de uma pessoa? Ao tentar
responder a esta perguntas, os filósofos propõem, respectivamente, teorias
da obrigação e teorias do valor. As primeiras só floresceram a partir do séc.
XVIII e exprimem-se em princípios, como o imperativo categórico de Kant,
que nos proporcionam um padrão para determinar aquilo que é moralmente
obrigatório ou permissível fazer. Há dois tipos fundamentais de teoria da
obrigação. Quem, como Mill, Hare ou Singer, defende uma ética
consequencialista, pensa que para determinar o que devemos ou podemos
fazer precisamos apenas de avaliar as consequências dos nossos actos: a
melhor opção ética é sempre aquela que dará origem aos melhores
resultados. Quem, como Kant, defende uma ética deontológica, julga que a
nossa prioridade enquanto agentes morais é evitar realizar certos tipos de
actos — ou, como dizem alguns deontologistas, respeitar certos direitos.
O interesse pelas teorias do valor remonta à Antiguidade. Filósofos como
Aristóteles, bem como os representantes do epicurismo, do estoicismo e de
outras escolas, esforçaram-se por compreender o que é ter uma vida boa.
Grande parte do debate sobre esta questão constitui-se a partir de duas
perspectivas contrárias: enquanto alguns autores defendem que temos uma
vida boa na medida em que conseguimos satisfazer os nossos desejos, outros
pensam que aquilo que torna a nossa vida boa é a presença de certos bens
que têm valor independentemente de serem desejados, como o
conhecimento, a amizade e a apreciação da beleza. Entre os filósofos que
subscrevem esta segunda perspectiva, encontramos os defensores do
hedonismo, que pensam que na verdade há um único bem fundamental: o
prazer.
O desenvolvimento da ética normativa conduziu, há algumas décadas,
ao aparecimento de outra área da filosofia moral — a ética aplicada. Nesta
área discute-se o que é obrigatório ou permissível fazer pensando em certos
problemas morais concretos que dividem as pessoas. Discute-se, por exemplo,
em que circunstâncias é permissível uma mulher fazer um aborto, se a pena
de morte é errada, se as pessoas devem ter o direito de usar armas, até que
ponto é aceitável o uso de animais em experiências científicas e que tipo de
conduta é apropriado durante uma guerra. Um segmento importante da ética
aplicada, no qual se incluem algumas destas questões, é a bioética.
A metaética é a terceira área principal da filosofia moral, distinguindo-
se das outras duas não só por ser mais abstracta (ver abstracto/concreto),
mas também por não possuir um carácter normativo (ver
normativo/descritivo). Nesta área, o objectivo não é saber o que devemos
fazer ou valorizar, isto é, não é defender determinados juízos morais — na
metaética discute-se antes o que querem dizer os nossos juízos morais e como
podemos avaliá-los. Ver contratualismo, ética das virtudes. PG
Singer, Peter, Ética Prática (Lisboa: Gradiva, 2000).
ética aplicada
Ramo da ética também designado "ética prática" em que, diferentemente da
metaética e das teorias normativas da ética, se discutem directamente
questões práticas da ética como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, a
clonagem, a pobreza, o ambiente, a pornografia, etc. Ver também bioética.
AA
ética das virtudes
Inspirados em Aristóteles, os que defendem uma ética das virtudes procuram
geralmente uma alternativa tanto à ética consequencialista como à ética
deontológica. Ao passo que estes dois tipos de ética se concentram na
procura de princípios morais que regulem a conduta, a ética das virtudes
tenta examinar os traços de carácter próprios de um agente virtuoso, como a
coragem, a benevolência ou a honestidade. Assim, para muitos defensores da
ética das virtudes o que interessa primariamente não é saber que actos
devemos realizar, mas que tipo de pessoa devemos ser. PG
ética deontológica
Quem defende uma ética deontológica, por oposição a quem defende uma
ética consequencialista, pensa que agir moralmente não é apenas uma
questão de produzir bons resultados e evitar maus resultados. Os
deontologistas defendem que temos deveres que nos obrigam a não realizar
certos tipos de actos, de tal maneira que não podemos realizá-los mesmo
quando a sua realização permitiria evitar um mal maior. Afirmam, por
exemplo, que temos o dever de não matar pessoas inocentes, querendo dizer
com isso que é errado matar uma pessoa inocente mesmo que matá-la seja a
única maneira de impedir que alguém mate várias pessoas inocentes. Ver
dever, direitos, imperativo categórico. PG
eudaimonia
Termo grego para eudemonia: bem-estar ou felicidade. Segundo Aristóteles, a
felicidade não consiste na posse de bens materiais e é o máximo bem a que
todas as pessoas naturalmente aspiram. Para o estoicismo, a felicidade não é
um fim (telos), como para Aristóteles, mas simplesmente algo que resulta da
vida harmoniosa. AA
Êutifron, dilema de
Ver dilema de Êutifron.
exclusão, falácia da
Ver falácia da exclusão.
existência
A questão de saber que coisas existem é o tema central em ontologia.
Discutem-se assuntos como a existência ou não de objectos abstractos, tais
como universais, proposições (ver proposição) e números, e que tipo de
existência têm objectos ficcionais como Sherlock Holmes ou Frodo Baggins.
Uma segunda questão é a de saber o que é a existência. Alguns filósofos
defendem que a existência é (pelo menos por vezes) uma propriedade de
objectos isto é, uma propriedade de primeira ordem como a propriedade de
ser alto ou bonito. Outros filósofos defendem que a existência nunca é uma
propriedade de objectos, mas antes uma propriedade de propriedades isto é,
uma propriedade de segunda ordem. Ou seja, quando dizemos que Pégaso não
existe, não estamos a dizer que Pégaso não tem a propriedade da existência
mas que a propriedade de ser Pégaso não tem objectos na sua extensão isto
é, nada existe com a propriedade de ser Pégaso. CT
existência, sentido da
Ver sentido da vida.
existencial, quantificador
Ver quantificador existencial.
existencialismo
Movimento filosófico constituído por diversas doutrinas unidas por dois
aspectos fundamentais: 1) o objecto da sua reflexão é a existência humana
entendida como realidade individual concreta que não se explica nem se
demonstra mas unicamente se descreve; 2) reage contra a identificação
hegeliana entre realidade e racionalidade porque a existência não está
iluminada pela luz da razão. Afirmar, como o fez Hegel que tudo o que é real
é racional implica desvalorizar os aspectos dramáticos, angustiantes,
imprevisíveis e absurdos que caracterizam a existência humana. O
existencialismo pretende falar do ser humano concreto. Nada lhe dizem as
ideias ou noções abstractas nem os grandes sistemas racionais que tudo
julgam poder explicar e solucionar. O que lhe interessa é descrever o
indivíduo, a realidade singular em devir, dramaticamente comprometida ou
envolvida nas suas escolhas e opções. O principal representante da corrente
existencialista é Sartre, embora se considere que as raízes da filosofia
existencialista remontam pelo menos a Kierkegaard. O filósofo dinamarquês
revoltou-se contra a crença tipicamente hegeliana de que a razão podia
resolver os problemas fundamentais da vida fossem eles morais, religiosos,
políticos ou artísticos. O resultado desta confiança cega na razão foi a
construção de poderosos sistemas filosóficos que tudo pretendiam explicar
mas cujo grau de abstracção era tal que perdiam de vista a realidade
concreta individual ou lhe atribuíam pouca importância. Autenticidade,
responsabilidade, escolha, angústia, singularidade, absurdo, são alguns dos
conceitos que o movimento existencialista encontra em Kierkegaard e
utilizará conforme a orientação dos seus representantes. Sartre representa o
existencialismo ateu, Gabriel Marcel o existencialismo cristão. Outros
pensadores, como Heidegger e Karl Jaspers (1883-1969), e Albert Camus
(1913-1960), são por alguns historiadores da filosofia incluídos neste
movimento muito heterogéneo. LR
experiência
Conhecimento que se obtém directamente da observação do mundo à nossa
volta. Diz-se que se obtém directamente porque não é o resultado de
qualquer inferência. Em termos mais precisos, dá-se o nome de "experiência"
aos dados dos sentidos, ou sensações, em que tal conhecimento se baseia.
Finalmente, o termo usa-se ainda, no sentido de experimentação, para referir
o que os cientistas fazem para testar e compreender as consequências das
suas teorias, nomeadamente através da manipulação de fenómenos e de
simulações laboratoriais. Ver também empirismo. AA
experiência estética
Diz-se muitas vezes que uma experiência é estética se for originada por
objectos belos ou obras de arte. Alguns filósofos consideram este um tipo
especial de experiência, diferente de qualquer outra experiência, e que só
ocorre quando contemplamos objectos estéticos. Kant procura caracterizar
(se bem que indirectamente, referindo-se antes aos juízos) a diferença que há
entre uma experiência estética e uma experiência não-estética, dizendo que
aquela é desinteressada e esta não. Quer com isso dizer que a experiência
estética não procura satisfazer qualquer tipo de necessidade prática nem tem
qualquer finalidade exterior a si. Esta caracterização não é aceite por aqueles
que consideram haver experiências marcadas pelo desinteresse, mas que não
são estéticas, como jogar matraquilhos. Alguns filósofos defendem que a
estética consiste na análise e discussão da experiência estética. Outros, como
o filósofo americano George Dickie (n. 1926), acham que não existe tal coisa.
Ver também atitude estética e juízo estético. AA
experiência mental
Na impossibilidade de realizar experiências científicas (ver experiência),
muitos filósofos desenvolvem situações ou acontecimentos imaginários, a que
se dá o nome de "experiências mentais". As experiências mentais são uma
forma de saber até que ponto as teorias filosóficas são plausíveis e,
simultaneamente, uma forma de argumentar, estabelecendo casos possíveis
que as possam refutar. De filósofos antigos, como Platão e a sua alegoria da
caverna, a contemporâneos, como John Searle e o seu Quarto Chinês,
passando por Descartes e o seu génio maligno, são muitos os que recorrem a
experiências mentais. AA
experiência religiosa
1. Diz-se daquele tipo de experiência em que se tem uma percepção ou se
sente a manifestação de uma divindade. Um exemplo de uma experiência
desse tipo é a que é atribuída aos Pastorinhos de Fátima quando afirmam ter
visto Nossa Senhora. A existência ou não de experiências religiosas tem um
papel importante em filosofia da religião, pois estas são por vezes usadas
como prova da existência de Deus. A experiência religiosa é discutida no
âmbito da epistemologia da religião.
2. Num sentido popular, as actividades decorrentes da prática de uma
religião, como ir à missa e rezar, são vistas como experiências religiosas. Ver
milagres, filosofia da religião. CT
explicação científica
Numa explicação, o explanandum é aquilo que queremos explicar; o
explanans consiste na informação aduzida para explicar aquilo que queremos
explicar. Segundo a perspectiva padrão, todas ou muitas das explicações
científicas obedecem ao modelo nomológico-dedutivo. De acordo com este
modelo, explicar cientificamente um acontecimento é mostrar que, dadas as
condições reunidas na altura da sua ocorrência (as chamadas "condições
iniciais") e as leis da natureza, esse acontecimento tinha de ocorrer. Por
exemplo, imagine-se que queríamos explicar a dilatação de um certo pedaço
de metal. A explicação poderia apresentar-se assim: 1) Todo o metal dilata
quando é aquecido; 2) Este pedaço de metal foi aquecido; 3) Logo, este
pedaço de metal dilatou. Em 3 encontramos o explanandum, isto é, o
acontecimento que queremos explicar. Em 1 e 2 encontramos o explanans —
uma lei da natureza e uma condição inicial, respectivamente. Explicamos o
acontecimento deduzindo 3 da lei e da condição. Muitos filósofos pensam que
este modelo não se aplica às ciências sociais. Ver argumento, dedução, lei da
natureza, unidade da ciência. PG
explícita, definição
Ver definição explícita.
extensão
1. A extensão de um termo é a totalidade dos objectos a que se refere. Por
exemplo, a extensão do predicado "ser português" é o conjunto dos
portugueses. Dois termos com a mesma extensão podem exprimir conceitos
diferentes e assim ter intensões (com s) diferentes: "O Presidente da
República em 2003" e "O marido de Maria José Ritta" têm ambos como
extensão Jorge Sampaio, mas identificam-no através de condições diferentes.
Diz-se que, numa frase, uma expressão ocorre num contexto extensional
quando pode ser substituída por uma expressão com a mesma extensão sem
que isso altere o valor de verdade da frase; caso contrário, diz-se que ocorre
num contexto intensional. Assim, em "João viu a Miss Portugal", a expressão
nominal "a Miss Portugal" ocorre num contexto extensional, pois se a
substituirmos por "a filha do Mendes" (por hipótese, com a mesma extensão) o
valor de verdade da frase original não se altera. Pelo contrário, em "João
procura a Miss Portugal", a mesma expressão ocorre num contexto intensional,
visto que essa frase e "João procura a filha do Mendes" podem ter valores de
verdade diferentes (o João pode procurar a Miss Portugal sem saber que ela é
a filha do Mendes).
2. A propriedade daquilo que é extenso, isto é, do que tem existência
material (ver matéria). Ver também intensão, referência. PS
.: F :.facto/valor
Ver juízo de facto / juízo de valor.
falácia
Um argumento inválido que parece válido. Por exemplo: "Todas as coisas têm
uma causa; logo, há uma só causa para todas as coisas". Do ponto de vista
estritamente lógico não há qualquer distinção entre argumentos inválidos que
são enganadores porque parecem válidos, e argumentos inválidos que não são
enganadores porque não parecem válidos. Mas esta distinção é importante,
uma vez que são as falácias que são particularmente perigosas. Os
argumentos cuja invalidade é evidente não são enganadores e, se todos os
argumentos inválidos fossem assim, não seria necessário estudar lógica para
saber evitar erros de argumentação. Prova-se que um argumento é falacioso
mostrando que é possível, ou muito provável, que as suas premissas sejam
verdadeiras mas a sua conclusão falsa. Quando se diz que uma definição, por
exemplo, é falaciosa, quer-se dizer que é enganadora ou que pode ser usada
num argumento que, por causa disso, será falacioso. Ver refutação. DM
falácia ad hominem
(ataque à pessoa) falácia pela qual se pretende refutar (ver refutação) uma
afirmação, atacando, ou desvalorizando de alguma maneira, a pessoa que a
defendeu. Pode assumir a forma de ataques ao carácter, à raça, à religião ou
à nacionalidade da pessoa. Exemplo: "O meu pai diz que não se deve fumar,
mas fuma. Logo, não há razões para deixar de fumar". Neste caso, pretende-
se refutar a ideia de que não se deve fumar atacando a pessoa que a
defendeu por ela ser incoerente. JS
falácia da afirmação da consequente
falácia que consiste em supor que da condicional "Se P, então Q" e da
afirmação da consequente dessa condicional, "Q", se pode concluir "P".
Exemplo: "Se jogamos bem, então ganhamos o jogo. Ganhámos o jogo. Logo,
jogámos bem." É fácil apresentar uma refutação desta forma de argumento
com um contra-exemplo com a mesma forma lógica: o argumento "Se isso é
sardinha então isso é peixe. É peixe. Logo, é sardinha.", implicando a
falsidade "Basta ser peixe para ser sardinha", mostra que este padrão
argumentativo é falacioso. JS
falácia da circularidade
1. Um argumento cuja conclusão esteja explícita ou implicitamente contida
nas premissas; chama-se petição de princípio ou petitio principii a este tipo
de falácia. Os casos mais evidentes são aqueles em que a conclusão se limita
a repetir a premissa: "Deus existe porque diz na Bíblia e a Bíblia é a palavra
de Deus". Os casos mais subtis incluem variações gramaticais: "Os animais não
têm direitos porque não são contemplados na legislação". É falso que nos
argumentos dedutivos válidos a conclusão esteja "contida" nas premissas,
como por vezes se pensa. Pois há argumentos dedutivos válidos cujas
conclusões não estão "contidas" nas premissas: "Sócrates é grego; logo,
Sócrates é grego ou os livros estão errados". E há argumentos dedutivos
inválidos cujas conclusões estão "contidas" nas premissas: "Se Sócrates tivesse
nascido em Estagira, seria grego; Sócrates era grego; logo, Sócrates nasceu
em Estagira".
2. Uma definição é falaciosamente circular se definir A em termos de B
e depois B em termos de A, sem com isso esclarecer A. Por exemplo: "Uma
pessoa solteira é uma pessoa não casada". E o que é uma pessoa casada? "É
uma pessoa não solteira". Um certo grau de circularidade nas definições é
aceitável, desde que se trate de uma circularidade informativa. Por exemplo,
as definições científicas de massa, peso, energia, força, etc., acabam por ser
circulares, mas são informativas. DM
falácia da composição
falácia que consiste em concluir que, por as partes de um todo ou os
elementos de uma classe terem uma propriedade, o todo ou a classe também
devem ter tal propriedade. Exemplo: "As células não têm consciência.
Portanto, o cérebro, que é feito de células, não tem consciência." Provamos
que esta forma de argumento é falaciosa com exemplos simples como, por
exemplo, "O oxigénio e o hidrogénio não são bebíveis. Logo, a água não é
bebível". JS
falácia da divisão
falácia que consiste em atribuir às partes de um todo ou aos elementos de
uma classe uma propriedade do todo ou da classe. "F é uma excelente equipa.
i joga na equipa F. Logo, i é um excelente jogador." contra-exemplo: "A classe
dos números é infinita. Ora 2 é um número. Logo, 2 é infinito". JS
falácia da exclusão
São frequentes os argumentos que omitem conhecimentos relevantes para
avaliar uma conclusão. Por exemplo: uma pessoa empenhada em provar que
as guerras são inevitáveis e que se limite a coleccionar os exemplos favoráveis
oferecidos pela história, incorre nesta falácia por excluir conhecimentos
relevantes — deveria, por exemplo, explicar por que razão a Suíça, estando
trezentos anos sem guerrear, não é um contra-exemplo que arruína a sua
tese. JS
falácia da falsa analogia
Um argumento analógico é fraco quando sobrevaloriza as semelhanças entre
duas ou mais coisas ou quando despreza diferenças relevantes. Os casos mais
extremos são falsas analogias. O argumento "Uma casa teve um arquitecto e
tem um senhor; assim o Universo, a casa de todos, teve um arquitecto e tem
um senhor — Deus" é um caso óbvio de falsa analogia porque a pretensa
semelhança entre "casa" e "Universo" é apenas um efeito literário e retórico.
Ver também falácia, analogia e argumento por analogia. JS
falácia da negação da antecedente
falácia que consiste em supor que, se uma condicional, "Se P, então Q", e a
negação da sua antecedente, isto é, "não P", forem verdadeiras, a negação da
sua consequente, isto é, "não Q", também é verdadeira. Exemplo: "Se
copiaste, acertaste. Não copiaste. Logo, não acertaste". Apesar de ser fácil
apresentar contra-exemplos — "Se Camões é espanhol, então é ibérico.
Camões não é espanhol. Logo, Camões não é ibérico" — é uma falácia muito
frequente. JS
falácia da pergunta complexa
Pergunta formulada de tal modo que uma resposta directa compromete a
pessoa com mais do que uma afirmação. Cria-se esta falácia incluindo na
pergunta afirmações ou suposições às quais o interrogado ainda não assentiu.
A pergunta "Já deixaste de copiar?" só deve ser aceite por quem já
reconheceu ter copiado porque tanto o "sim" como o "não" são
comprometedores: o "sim" será interpretado como confissão de que a pessoa
copiou; o "não" será interpretado como confissão de que a pessoa ainda copia.
JS
falácia do apelo à força
Argumento que, para defender a sua conclusão, apresenta ameaças em vez
de razões. As ameaças podem ser directas ou consequências possíveis e
apenas sugeridas. Exemplo: "Isso talvez seja verdadeiro mas se o afirmar a
empresa terá de prescindir dos seus serviços". O apelo à força é legítimo em
algumas circunstâncias, por exemplo para fazer cumprir a lei ou como
conselho técnico destinado a evitar acidentes. JS
falácia do apelo à ignorância
argumento em que, confessada a ignorância sobre a verdade de uma
afirmação, se conclui que a afirmação é falsa (ou que da ignorância sobre se
uma afirmação é falsa se conclui que ela é verdadeira). Exemplos clássicos de
apelos à ignorância falaciosos (ver falácia): "Ninguém provou que Deus existe.
Logo, Deus não existe", "Não há provas de que Deus não exista. Logo, Deus
existe", "Ninguém sabe qual é a causa natural de X. Logo, X tem uma causa
sobrenatural". Há apelos à ignorância não falaciosos. Por exemplo: se uma
pessoa acusa o nosso pacato vizinho de ser um ladrão mas não apresenta
indícios, devemos rejeitar a acusação. Em geral, o apelo à ignorância é
legítimo se a negação da sua conclusão colide com o conhecimento comum. JS
falácia do apelo à piedade
Um apelo à piedade do auditório é falacioso (ver falácia) se puser em segundo
plano os factos ou critérios que devem justificar uma afirmação. Exemplo: "O
professor deve dar-me o 18 porque de outra maneira não entro em medicina e
a minha vida atrasa-se." é um apelo ao sentimento de piedade do professor
para que este altere os seus critérios. JS
falácia do apelo ao povo
Esta falácia caracteriza-se pelo apelo às emoções de um grupo ou à suposta
sabedoria partilhada por todos (povo). Em regra, este apelo a emoções ou
saberes comuns apela a motivos e não a razões. Exemplo: "Todas as pessoas
sensatas rejeitam X. Logo, deves rejeitar X". Neste caso, espera-se que o
desejo de ser incluído na classe das pessoas sensatas leve o auditório a
aprovar a conclusão. JS
falácia do apelo às consequências
Falácia, ou classe de falácias, em que possíveis consequências práticas de
uma proposição são usadas como prova. Exemplo: "Se toda a ordem fosse
apenas aparente, o mundo seria inquietante. Logo, a ordem não é apenas
aparente." Neste caso espera-se que o desejo de segurança do auditório o
leve a rejeitar uma proposição e a tomar a sua negação como verdadeira. JS
falácia do falso dilema
Falácia que consiste na suposição de que, sobre um determinado assunto, só
há duas alternativas quando de facto há mais. Exemplos: "Estás com a
América ou contra a América.", "És rico ou pobre.", "És bom ou mau". Estas
suposições falsas são muitas vezes usadas como premissas de argumentos
dedutivos válidos (ver validade), do género: "Estás com a América ou contra a
América: Não estás com a América; logo, estás contra a América". Ver
também disjunção. JS
falácia do homem de palha
Esta falácia consiste em atacar as ideias de uma pessoa apresentando-as
numa versão deficiente ou distorcida. Constitui uma violação do princípio de
caridade — a exigência de que, no debate racional, se ataque a versão mais
sólida das ideias que queremos contestar. Exemplos desta falácia: "A única
razão para defender a pena de morte é o desejo primitivo de vingança.",
"Reprovaram-me porque só olharam para o meu comportamento". JS
falácia genética
Esta falácia ocorre quando, para avaliar uma teoria ou afirmação, se invocam
factores do contexto de descoberta que são irrelevantes como prova. Em
regra, é falacioso apelar a contextos históricos ou sociais ou às circunstâncias
psicológicas em que surgiu uma teoria para legitimar um juízo sobre essa
teoria. Exemplos: os nazis cometeram a falácia genética ao desvalorizar as
teorias de Einstein por este ser judeu; muitas pessoas acreditam
falaciosamente que o casamento monogâmico é a única forma de família
legítima apenas com base na sua longa história. Ver também relativismo. JS
falácia post hoc
Falácia também designada "depois disso, por causa disso" porque consiste em
presumir que se dois acontecimentos são sucessivos, então o primeiro é causa
do segundo. "Ingeriu o mel e a constipação passou. Logo, o mel é bom para
tratar constipações.", "Rezou e a sorte mudou. Logo, rezar é eficaz para
mudar o curso dos acontecimentos". Na base desta falácia pode estar a
sobrevalorização de sequências acidentais, o descarte de possíveis causas
subjacentes ou o simples desejo de acreditar. JS
falsa analogia, falácia da
Ver falácia da falsa analogia.
falsidade lógica
Ver contradição.
falsificabilidade
Diz-se do que é falsificável. Uma teoria (ou proposição) é falsificável quando
pode ser submetida a testes empíricos que a possam refutar. E uma teoria
está falsificada quando é realmente refutada por dados empíricos quando se
mostra que é falsa. Não se pode confundir a noção de falsificado com a de
falsificável. Se uma teoria foi falsificada, então é falsa. Todas as boas teorias
científicas são falsificáveis, mas não são, claro está, todas falsas. Por
exemplo, a proposição de que a Lua gira em torno da Terra é falsificável, pois
seria possível observar que a Lua afinal não girava em torno da Terra, se ela
não girasse. Mas a proposição de que a posição dos astros influencia o
comportamento das pessoas não é falsificável, pois não é possível observar
seja o que for que a falsifique. Karl Popper usou esta noção, central na sua
filosofia da ciência, para responder ao problema da demarcação (ver critério
de demarcação). Ver falsificacionismo. CT
falsificacionismo
Teoria de filosofia da ciência proposta por Karl Popper como forma de
responder ao problema da indução. Em A Lógica da Pesquisa Científica (1934,
trad. Cultrix, 1974) e Conjecturas e Refutações (1963; trad. Almedina, 2003)
Popper defende que os cientistas não chegam às suas teorias pelo método de
generalizações a partir de observações. A ideia é que os cientistas começam
por propor as suas teorias (ou conjecturas) sujeitando-as depois a rigorosos
testes. Ou seja, o que está na base do método científico não é a indução,
mas um processo de conjecturas e refutações. Quando uma teoria passa o
teste empírico, diz-se que foi corroborada (ver corroboração) continuando a
ser desenvolvida e testada. Quando falha o teste, é falsificada e
consequentemente abandonada. Uma teoria é tanto melhor quanto maior for
o seu grau de falsificabilidade, dado que quantas mais previsões fizer maiores
serão os riscos de refutação. Ver critério de demarcação. CT
falsificado
Ver falsificabilidade.
falsificável
Ver falsificabilidade.
falso dilema, falácia do
Ver falácia do falso dilema.
fé
Crença na existência de um Deus ou deuses. Em contextos não religiosos, a
palavra refere-se unicamente a uma crença muito forte; por exemplo, quando
dizemos que temos fé na recuperação de uma doença. Ver, filosofia da
religião, fideísmo. CT
fenómeno
Palavra de origem grega que, em geral, designa o que aparece à consciência e
tem origem nos sentidos, por oposição ao que é apreendido apenas pelo
intelecto. Em Platão, o fenómeno é o que pertence ao mundo sensível,
enquanto o númeno (a ideia ou Forma) pertence ao mundo inteligível. Para
Kant, o fenómeno é o objecto da experiência possível, o que é dado no
espaço e no tempo e opõe-se ao númeno ou coisa em si. AN
fenomenologia
Termo pelo qual é designado o movimento filosófico surgido a partir da obra
de Edmund Husserl (1859-1938) e que tem por objectivo principal a
investigação e a descrição dos fenómenos (ver fenómeno) tal como ocorrem
na consciência, independentemente de quaisquer preconceitos, pressupostos
ou teorias explicativas. É possível detectar pelo menos quatro tendências
principais neste movimento: a fenomenologia realista, que põe ênfase na
descrição das essências (ver essência) universais (Nicolai Hartman, Max
Scheler); a fenomenologia constitutiva, que procura dar conta dos objectos
em termos da consciência que temos deles (Dorion Cairns, Aron Gurwitsch); a
fenomenologia existencial (ver existência), que realça a existência humana
no mundo (Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty); e a
fenomenologia hermenêutica (ver hermenêutica), que realça o papel da
interpretação em todas as esferas da vida (Hans-Georg Gadamer, Paul
Ricoeur). AN
Feyerabend, Paul (1924-1994)
Filósofo da ciência americano, de origem austríaca, que advogava a
inutilidade da própria filosofia da ciência. Segundo Feyerabend, qualquer
tentativa de identificar um método, ou sequer um conjunto de métodos, na
história da ciência está condenada ao fracasso. Isto acontece porque, segundo
ele, a ciência tem tanto de racional — e de irracional — como qualquer outra
actividade humana, seja ela a religião, a alquimia ou o ocultismo. O chamado
"sucesso" da ciência deve tanto à razão como ao desleixo, ao caos, ao acaso, à
incompetência, à retórica ou ao oportunismo dos cientistas. Longe de se
procurar eliminar estes aspectos, é até desejável que eles actuem livremente
no seio da ciência. Por isso Feyerabend se opõe à ideia de método e defende
uma concepção anarquista da ciência. Considera também irrelevante a
questão de saber o que distingue a actividade científica de outras actividades
não-científicas. As ideias de Feyerabend, principalmente defendidas em obras
como Contra o Método (1975; trad. 1993, Relógio d'Água) e Adeus à Razão
(1987; trad. 1991, Edições 70), foram fortemente criticadas por vários
filósofos da ciência, entre os quais Karl Popper. Ver também método
científico. AA
fideísmo
A tese segundo a qual as crenças religiosas não são susceptíveis de discussão
racional. A ideia é que as questões religiosas não podem ser justificadas por
meio de argumentos ou provas, mas apenas pela fé. Os fideístas mais radicais,
como Kierkegaard, defendem que justificar a nossa crença em Deus é não só
impossível, pois Deus está para lá da nossa compreensão, como uma má
opção, pois ao fazê-lo estamos a retirar o que há de essencial à própria fé.
Este tipo de fideísmo é assim uma forma de irracionalismo cujo mote é:
"acredito porque é absurdo". Já Blaise Pascal (1623-1662) e Santo Agostinho
defendem uma forma mais moderada de fideísmo segundo a qual, apesar de a
fé ter um estatuto privilegiado em matérias religiosas, podemos apelar à
razão para a fundamentar. Ver Aposta de Pascal. CT
filosofia
O estudo dos problemas de carácter mais geral e conceptual que afectam o
nosso pensamento científico, religioso, artístico e quotidiano, para os quais
não há respostas científicas. Eis alguns exemplos de problemas filosóficos:
Será tudo relativo e mera opinião? Será que temos livre-arbítrio? O que é o
conhecimento? Será o conhecimento possível? Como devemos viver? O que é o
bem moral e qual é o seu fundamento? O que é a justiça? Dizer que os
problemas da filosofia são conceptuais é dizer que não são problemas que se
possam decidir recorrendo à experiência. Neste aspecto, a filosofia é como a
matemática, e não como a história ou a física.
O método da filosofia é a discussão racional de argumentos. Isto
significa que não há métodos formais nem científicos de prova, como na
matemática ou na física; tudo o que se pode fazer é pensar tão
correctamente quanto possível, procurando soluções adequadas.
Os primeiros filósofos não faziam uma distinção profunda entre as
diferentes áreas do conhecimento. Aristóteles, por exemplo, dedicou-se não
apenas ao que hoje reconhecemos como filosofia, mas também à física,
astronomia, biologia, etc. Para os primeiros filósofos, o estudo da filosofia
tinha muito mais em comum com a biologia, a matemática ou a história, do
que com outras manifestações culturais como a arte ou a religião. E o que
tinha em comum era o estudo racional da natureza das coisas e a procura da
verdade. A filosofia surge assim associada, juntamente com as outras áreas do
conhecimento, à própria ideia de investigação livre, opondo-se à atitude
dogmática que consiste em proclamar pretensas "verdades" que não se podem
colocar em causa.
A filosofia não é coisa do passado. Apesar da sua longa história (ver
filosofia, história da), a filosofia continua viva; na verdade, há talvez mais
filósofos hoje em dia do que ao longo de toda a história da humanidade. E
também não é verdade que não exista progresso em filosofia; sem dúvida que
a compreensão actual dos problemas, teorias e argumentos da filosofia é
superior à de qualquer época do passado. Simplesmente, talvez não haja na
filosofia o tipo de progresso por acumulação de resultados que podemos
encontrar na ciência. O progresso da filosofia é um alargamento da
compreensão. Podemos continuar sem conseguir provar se temos ou não livre-
arbítrio, ou se Deus existe ou não, ou sequer como se pode justificar a nossa
crença no mundo exterior; mas a compreensão que temos hoje destes
problemas é mais profunda do que a que se tinha no passado.
Não se pode exigir do filósofo, ou do estudante de filosofia, respostas
definitivas como temos em medicina, por exemplo, em que é possível dizer
exactamente o que provoca a diabetes, ou como se cura a tuberculose. Mas
isto não significa que as opiniões dos filósofos, ou do estudante de filosofia,
sejam "meras opiniões", incomensuráveis, subjectivas e pessoais,
insusceptíveis de avaliação racional e de estar mais ou menos próximas da
verdade ou da plausibilidade. A opinião que se espera de um filósofo, ou de
um estudante de filosofia, é como a opinião que se espera de um médico
quando vamos a uma consulta: uma opinião fundamentada e informada, que
se pode discutir e avaliar racionalmente. O objectivo do estudo da filosofia é
saber avançar "diagnósticos", tão bons quanto possível, relativamente aos
problemas tradicionais da filosofia. Isto exige um bom conhecimento do que
está em causa e das diferentes respostas que tentam resolver esse problema,
tanto antigas como modernas. Exige a capacidade para compreender os
diferentes aspectos dos problemas, os diferentes mecanismos de
argumentação ou fundamentação e as diferentes maneiras como uma teoria
ou ideia pode ser melhorada para responder a objecções e contra-exemplos.
As principais disciplinas da filosofia merecem artigos próprios neste
dicionário: metafísica, epistemologia, ética, lógica, filosofia da religião,
filosofia política, estética, filosofia da ciência, filosofia da mente, filosofia
da linguagem, filosofia da acção. DM
Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto? (Lisboa: Gradiva, 1995).
Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia (Coimbra: Almedina, 2001).
Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia (Lisboa: Gradiva, 1988).
filosofia analítica
Corrente surgida nos finais do séc. XIX na Inglaterra, Áustria e Alemanha. A
filosofia analítica nunca foi um movimento unitário, sendo antes uma
designação genérica para várias correntes particulares: 1) A abordagem de
Russell e Frege, que procurava usar novos instrumentos lógicos para analisar
a linguagem que usamos para exprimir os aspectos mais centrais da realidade;
2) O positivismo lógico austríaco, com origem em Moritz Schlick (1882-1936)
e Carnap, e importado para o Reino Unido por A. J. Ayer (1910-1989); 3) A
filosofia da linguagem corrente de Cambridge e Oxford, com origem em J. L.
Austin (1911-1960). As duas últimas correntes foram entretanto abandonadas,
e a primeira perdeu a sua centralidade. Hoje em dia, a filosofia analítica
caracteriza-se por retomar os ideais gregos de discussão pública, racional e
crítica de ideias, opondo-se sobretudo à prática académica da chamada
"filosofia continental", que tende a identificar a filosofia com a sua história e
o trabalho filosófico com a interpretação de textos. DM
filosofia da acção
A filosofia da acção é uma disciplina com ligações à filosofia da mente e à
metafísica e, ainda, à Psicologia e à Teoria da Decisão. Trata-se de uma área
interdisciplinar e especializada da filosofia que tem como objecto central a
acção e a razão prática.
Alguns dos problemas que trata são tipicamente metafísicos: O que é
uma acção? O que distingue uma acção de qualquer outro acontecimento no
mundo? Como distinguir as acções umas das outras? Como distinguir acções
básicas de acções não básicas? Será o livre-arbítrio compatível com o
determinismo?
Acerca do que é uma acção, os filósofos dividem-se entre concebê-la
como um acontecimento particular concreto (ver abstracto/concreto),
localizado no espaço e no tempo e discernível de qualquer outro; ou concebê-
la como uma entidade abstracta que não tem localização espácio-temporal,
mas que pode ser exemplificada através dos actos concretos realizados por
um agente. Para estes últimos filósofos, a acção de estudar, por exemplo, é
algo que não está localizado no espaço ou no tempo. Já para os primeiros
filósofos, não existe a acção de estudar em abstracto — o que existe são
pessoas concretas que estudam, num dado momento e num certo local. A
resposta aos problemas da distinção das acções e da diferenciação entre
acções básicas e acções não básicas depende da concepção de acção que cada
filósofo partilha.
Outros problemas de filosofia da acção apelam a questões centrais da
filosofia da mente, como a de saber qual o papel dos estados mentais
intencionais na acção (ver intenção) e o de saber como se enquadra a acção
nas relações de causalidade entre a mente e o corpo (ver
dualismo/monismo).
Os filósofos da acção utilizam, ainda, os dados empíricos (ver empírico)
acerca do comportamento proporcionados pela Psicologia para discutir o
problema de saber se a crença na racionalidade humana é compatível com a
irracionalidade exibida em numerosos comportamentos humanos (como a
fraqueza da vontade ou as preferências irracionais); e recorrem aos
instrumentos proporcionados pela moderna Teoria da Decisão (uma área da
matemática aplicada) para a análise rigorosa da racionalidade das decisões.
Uma questão ainda mais abstracta diz respeito à natureza das
explicações filosóficas da acção: serão elas teorias que apenas descrevem o
modo como os seres humanos habitualmente agem? Ou, serão elas teorias que
propõem modelos ideais segundo os quais todos os seres humanos racionais
deveriam agir? Alguns filósofos inclinam-se para o carácter descritivo das
teorias da acção, mas outros defendem o seu carácter normativo (ver
normativo/descritivo). Uma vez mais, está em causa a justificação da crença
na racionalidade humana. APC
Dennett, Daniel C., "A intencionalidade — a abordagem dos sistemas intencionais" in
Tipos de Mentes (Lisboa: Temas e Debates, 2001).
Ricoeur, Paul, O Discurso da Acção (Lisboa: Edições 70, 1988).
Searle, John R., "Intenção e Acção" in Intencionalidade (Relógio d'Água, 1999).
filosofia da arte
Ramo da estética que se ocupa dos problemas filosóficos colocados pela arte,
nomeadamente os problemas da definição de arte, do valor da arte e da
avaliação das obras de arte. Os problemas acerca do gosto e do belo, não são,
em rigor, problemas da filosofia da arte, mas da estética em geral, pelo que
nem sequer são discutidos por muitos filósofos da arte. Apesar de gostarmos
de muitas obras de arte por as considerarmos belas, não temos de gostar de
um objecto para ser classificado como arte, assim como também não é
necessário que seja belo. A ideia de que arte e beleza se identificam está
bastante enraizada, porque durante muito tempo os próprios artistas
perseguiram algum ideal de beleza. A filosofia da arte é actualmente uma
disciplina filosófica com grande vitalidade, incluindo áreas mais
especializadas da filosofia da arte, como a filosofia da música e a filosofia da
literatura. Ver também problema do gosto e teoria do belo. AA
filosofia da ciência
Disciplina que estuda os problemas filosóficos levantados pelas ciências da
natureza e pelas ciências sociais. Embora muitos desses problemas tenham
recebido uma atenção considerável pelo menos desde Aristóteles, foi
sobretudo a partir do séc. XX que, graças a filósofos como Carnap, Popper e
Quine, a filosofia da ciência se afirmou como disciplina.
Uma preocupação central na filosofia da ciência é compreender o
método científico. Proporcionar tal compreensão implica enfrentar
problemas como os seguintes: Que tipos de raciocínio figuram nas teorias
científicas? O que torna uma teoria melhor do que outra? As teorias científicas
podem dar-nos um conhecimento objectivo (ver objectivo/subjectivo) da
realidade? Qual é a natureza e o papel da observação científica? Em que
consiste uma explicação científica de um acontecimento? Será que todas as
ciências usam o mesmo método fundamental?
Para além destes problemas, que se situam sobretudo no domínio da
epistemologia, os filósofos da ciência ocupam-se de problemas de natureza
metafísica. Por exemplo, os cientistas descobrem leis da natureza e dizem-
nos como certos acontecimentos causam outros — os filósofos querem saber o
que é uma lei da natureza e em que consiste a causalidade.
O desenvolvimento da filosofia da ciência tem levado ao aparecimento
de áreas mais especializadas, como a filosofia da biologia ou a filosofia das
ciências sociais. Nestas áreas, para além de se procurar uma compreensão
minuciosa dos métodos das ciências em causa, examina-se o conteúdo de
certas teorias científicas para esclarecer questões filosóficas. Na filosofia da
física, por exemplo, tenta-se saber até que ponto a mecânica quântica apoia
o indeterminismo.
Os filósofos do positivismo lógico investigaram o conhecimento
científico de um modo muito abstracto (ver abstracto/concreto), sem
atender ao seu desenvolvimento e à maneira como os cientistas trabalham.
Mas nas últimas décadas, em grande medida devido à influência de Kuhn, a
filosofia da ciência tem prestado uma atenção considerável ao estudo da
história e da sociologia da ciência. Ver confirmação, corroboração,
falsificacionismo, fisicalismo, paradigma, reducionismo, unidade da
ciência. PG
Harré, Rom, As Filosofias da Ciência (Lisboa: Edições 70, 1988).
Losee, John, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência (Lisboa: Terramar,
1997).
Warburton, Nigel, "Ciência" in Elementos Básicos de Filosofia (Lisboa: Gradiva, 1998).
filosofia da linguagem
A filosofia da linguagem estuda o funcionamento da linguagem corrente
(designadamente no que diz respeito ao significado), socorrendo-se muitas
vezes de linguagens formais como as da lógica clássica. A linguagem é objecto
de interesse filosófico explícito pelo menos desde Platão, mas só no séc. XX a
filosofia da linguagem se tornou tecnicamente rigorosa (particularmente na
filosofia analítica). Associadamente, tornou-se popular a tese de que a
filosofia da linguagem é a mais fundamental das disciplinas filosóficas, no
sentido em que a discussão das teorias e dos argumentos pertencentes às
outras pode ser identificada com a discussão do uso correcto dos termos
usados nessas teorias e argumentos. Esta tese perdeu entretanto aceitação,
mas é ainda uma preocupação típica dos filósofos analíticos a clareza e o rigor
com que expõem os seus pontos de vista. Uma vez que se ocupa do significado
linguístico, a filosofia da linguagem tem uma relação estreita com a
metafísica (pois é chamada a pronunciar-se sobre os tipos de entidades extra-
linguísticas com os quais nos comprometemos quando usamos a linguagem) e
com a filosofia da mente (pois analisa quer a nossa capacidade de produzir
sequências linguísticas quer os conteúdos mentais que são comunicáveis
linguisticamente). Como aconteceu em outras áreas da filosofia, muitos dos
problemas e teorias historicamente associados à filosofia da linguagem
autonomizaram-se e são hoje do domínio de outras disciplinas (por exemplo, a
semântica e a pragmática). Tópicos estudados tipicamente em filosofia da
linguagem são, além do significado, a referência, a verdade, a metáfora e a
relação do significado com o uso da linguagem pelos falantes. PS
filosofia da mente
Na tradição filosófica, termos como "alma", "espírito" ou "intelecto" foram
usados para referir, embora em contextos filosóficos diferentes e com
significados nem sempre coincidentes, aquilo que os filósofos contemporâneos
referem com o termo "mente". A filosofia da mente é a disciplina que discute
os problemas relacionados com a mente e os fenómenos mentais — a sua
existência, a sua natureza, a sua relação com o mundo. Estes problemas
possuem estreitas ligações com problemas da metafísica, da filosofia da
linguagem, da epistemologia e da filosofia da ciência, mas não devem ser
confundidos com os problemas empíricos da Psicologia (ver problema
filosófico).
Sendo uma das disciplinas filosóficas que mais interesse suscitou ao
longo da história, particularmente no séc. XX, os seus problemas centrais são
a relação mente/corpo, o solipsismo, a causalidade mental e a
intencionalidade (ver intenção). Por exemplo, os filósofos da mente procuram
respostas para perguntas como: O que é a mente? Qual o seu lugar na
natureza? Existe uma relação causal entre a mente e a matéria? Que razões
temos para acreditar que existem outras mentes para além da nossa? O que é
a intenção e qual é o seu papel na acção? Qual é a natureza dos
acontecimentos mentais? O que está em causa quando falamos de
pensamento, memória, emoção, sentimento ou imaginação? Será correcto
dividir as funções mentais, ou existirá nelas uma certa unidade? Poderão as
máquinas ser conscientes?
A variedade destes problemas suscitou o aparecimento de teorias que,
não sendo as únicas, são porventura as mais influentes em filosofia da mente:
as teorias dualistas sobre a relação mente/corpo, a que se opõem doutrinas
monistas (ver dualismo/monismo) como o fisicalismo; o externalismo, que se
caracteriza pela defesa de que quaisquer conteúdos mentais dependem
causalmente de estados do mundo que são exteriores à mente, e a que se
opõe o internalismo; e o funcionalismo, segundo o qual os estados mentais
devem ser descritos, não em virtude de quaisquer propriedades intrínsecas
(ver propriedade), mas em virtude da relação causal que mantêm com outros
estados mentais e da função que têm relativamente ao comportamento. Ver
crença, desejo, idealismo e filosofia. APC
Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto?, Cap. 3 (Lisboa: Gradiva, 1995).
Sagal, Paul, Mente, Homem e Máquina (Lisboa: Gradiva, 1996).
Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 6 (Lisboa: Gradiva, 1998).
filosofia da religião
O estudo filosófico dos conceitos e afirmações religiosas. Apesar da
multiplicidade de religiões com diferentes cultos, mitos e práticas, os
filósofos têm-se tradicionalmente centrado nas religiões dominantes no
ocidente o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Uma das razões deve-se ao
facto de estas religiões fornecerem visões complexas acerca do modo como o
mundo e o universo se comportam, ao contrário do que se passa com as
religiões orientais como o hinduísmo, o budismo e o confucionismo que se
preocupam mais em propor formas de conduta e de viver. O que interessa em
geral aos filósofos é saber se a visão religiosa do universo é ou não verdadeira.
Comum às religiões ocidentais é a crença na existência de Deus. Deus é
caracterizado como uma pessoa incorpórea e eterna, que criou o universo,
que é sumamente boa (moralmente perfeita), que é toda-poderosa
(omnipotente), que sabe tudo (omnisciente), que está em todo o lado
(omnipresente), etc. Diz-se que este deus é o Deus teísta, e chama-se teísmo
à crença na sua existência, de modo que não é de estranhar que os problemas
que mais têm atraído a atenção dos filósofos sejam o da coerência do
conceito de Deus e o da existência de Deus.
Um dos paradoxos clássicos relativamente à coerência do conceito de
Deus é o de saber se Deus pode criar uma pedra tão pesada que Ele não a
possa levantar. Se Deus é omnipotente, então pode criar tal pedra, mas se a
criar então não é omnipotente, porque depois não pode levantá-la. Por outro
lado, se não a pode criar, então não é omnipotente. Uma resposta a este
problema é a de que Deus não pode criar impossibilidades lógicas. Outro
problema é o de saber se a existência de Deus é compatível com a liberdade
humana: se Deus sabe tudo, então sabe o que vamos fazer; mas, se sabe o
que vamos fazer, então o que vamos fazer já está determinado; logo, não
pode haver livre-arbítrio.
A questão de saber se Deus existe é a que mais tem interessado aos
filósofos. São vários os argumentos a favor da existência de Deus, muitos
deles apresentados na Idade Média. Por exemplo, só da autoria de Tomás de
Aquino há cinco argumentos a favor da existência de Deus. Os principais tipos
de argumentos a favor da existência de Deus são: o argumento ontológico, o
argumento cosmológico e o argumento do desígnio. Estes argumentos
ganharam um novo fôlego nas mãos de teístas contemporâneos como Alvin
Plantinga (n. 1932) e Richard Swinburne (n. 1934), que defendem versões
mais sofisticadas de alguns deles. Chama-se "teologia natural" ao estudo
racional de Deus. A "teologia revelada" é o estudo de Deus baseado na fé e na
revelação.
Dois outros problemas igualmente muito discutidos são o papel dos
milagres enquanto provas da existência de Deus, a que David Hume levantou
fortes objecções (ver milagre), e o problema do mal.
Muitos filósofos fideístas (ver fideísmo) defendem que a questão de
saber se Deus existe não é susceptível de discussão racional: é uma questão
fé.
Outros problemas igualmente importantes são os seguintes: Será que a
existência de Deus é compatível com a liberdade humana? Será que existe
vida depois da morte? Como compreender conceitos como o de fé, salvação e
criação, entre outros? CT
Swinburne, Richard, Será que Deus Existe? (Lisboa: Gradiva, 1998).
Blackburn, Simon, Pense: Uma introdução à Filosofia, Capítulo 5 (Lisboa: Gradiva,
2001).
Ward, Keith, Deus, Fé e o Novo Milénio (Mem Martins: Publicações Europa-América,
2000).
Warburton, Nigel, Elementos Básicos de Filosofia, Capítulo 1 (Lisboa: Gradiva, 1998).
filosofia política
Disciplina filosófica centrada na natureza e função do estado que está muito
ligada à ética e que, tal como esta, tem um carácter normativo (ver
normativo/descritivo).
O problema fundamental desta disciplina é o de saber como deve o
estado relacionar-se com os cidadãos. Este problema dá origem a questões
mais específicas: o que legitima a autoridade do estado? Até que ponto e para
que fins pode o estado limitar a liberdade dos cidadãos? Em que medida e em
que aspectos deve o estado fomentar a igualdade entre os cidadãos? O que é
(ou seria) um estado que exibisse uma perfeita justiça social? Se a
democracia é a melhor forma de governo, o que explica a sua superioridade?
Será que mesmo num estado democrático o recurso à desobediência civil por
vezes se justifica? E o recurso à discriminação positiva? Será uma forma
aceitável de reagir a desigualdades profundas?
Ao procurar respostas satisfatórias para estas perguntas, os filósofos
propõem teorias que têm frequentemente resultados práticos importantes,
mas por vezes inesperados. A filosofia política de Marx, por exemplo,
desencadeou revoluções em inúmeros países. E o pensamento de Mill
promoveu a liberdade de expressão e a igualdade política entre homens e
mulheres. Apesar de ser uma das disciplinas filosóficas mais cultivadas desde
a Antiguidade, durante o século passado a filosofia política acusou um certo
declínio até que, nos anos 70, Rawls revitalizou a reflexão neste domínio com
Uma Teoria da Justiça (1971, trad. 2001 Presença)
.: G :.
Galileu Galilei (1564-1642)
Cientista e filósofo italiano. Foi julgado por defender o heliocentrismo
sobretudo no seu Diálogo dos Grandes Sistemas (1632; trad. 1980, Gradiva), o
que nessa época se opunha à doutrina oficial da igreja, ao senso comum e à
autoridade de Aristóteles. Acabou por ser condenado a prisão domiciliária e
morreu cego. As suas ideias acerca do método científico, assim como os
resultados práticos da sua aplicação, deram origem à ciência moderna. Tais
ideias conduziram também ao abandono de uma concepção da natureza
herdada de Aristóteles e com mais de dois mil anos de tradição. Esta foi a
razão pela qual Galileu travou uma intensa luta contra os argumentos de
autoridade em que se refugiavam os académicos de então, batendo-se pela
autonomia da ciência e pela investigação directa e metódica da natureza.
Defendeu a aplicação da matemática na explicação dos fenómenos naturais, o
que fez pela primeira vez em relação ao movimento, e que se tornou uma
característica fundamental da ciência. A sua concepção mecanicista (ver
mecanicismo) da natureza articulava-se com a posição epistemológica do
realismo crítico e com a ideia de que as características que observamos nos
objectos se dividem em qualidades primárias e qualidades secundárias. AA
Geist
Termo alemão que significa "alma" ou "espírito". Ver Hegel.
generalização
Um tipo muito comum de inferência indutiva (ver indução), que estabelece
uma conclusão geral como, por exemplo, "os portugueses são machistas" a
partir de casos menos gerais. Atribui-se assim a mesma propriedade, a
propriedade de ser machista, a uma certa classe de indivíduos ou objectos, a
classe dos portugueses. Apesar de o raciocínio indutivo não se fazer apenas
por generalização, grande parte do raciocínio comum é desse tipo. AA
génio maligno
Hipótese introduzida por Descartes com o fim de dramatizar os argumentos
cépticos contra a ideia de que sabemos seja o que for, convidando-nos a
imaginar que os nossos pensamentos e percepções estão sistematicamente a
ser manipulados por uma espécie de Deus enganador. Claro que, sendo
enganador, não poderia ser bom e, portanto também não poderia ser Deus,
dado que a bondade é uma das características de Deus. Daí dizer que se trata
de um génio maligno. O poder desse génio faria com que nos enganássemos de
tal modo que tomássemos sempre como verdadeiro aquilo que não passa,
afinal, de meras ilusões. Esta hipótese é rejeitada pelo próprio Descartes,
concluindo que de uma coisa tal génio não o pode enganar: que existe, dado
que está a ser enganado por ele. Uma versão mais actual da hipótese do génio
maligno é a experiência mental do "cérebro numa cuba", apresentada pelo
filósofo americano Hilary Putnam (n. 1926). O filme The Matrix parte da
mesma ideia. AA
Gestalt
Termo alemão que significa "configuração". Foi introduzido na psicologia
cognitiva para designar o facto de a percepção de objectos não se dar em
termos atómicos, objecto a objecto, como até então era comum supor-se,
mas antes em termos de grandes configurações ou grupos de percepções.
Wittgenstein foi influenciado por estas teorias, tendo defendido, na obra
Investigações Filosóficas, uma teoria do significado "gestaltista", por oposição
à sua própria anterior teoria pictórica do significado, que era atomista. DM
gnosiologia
O mesmo que teoria do conhecimento, ou também epistemologia. Alguns
filósofos utilizam este termo de origem latina para se referirem ao conjunto
de conceitos e de problemas acerca do conhecimento. AA
gnothi se auton
Expressão grega que significa "conhece-te a ti mesmo". Inscrita no pórtico de
Delfos, na Grécia antiga, Sócrates declarou ter dedicado a sua vida ao auto-
conhecimento. Deste modo, Sócrates parecia conceber a filosofia como uma
actividade prática, que envolvia todo o ser humano, e não apenas os aspectos
teóricos do conhecimento. Aristóteles partilhava a mesma perspectiva, mas
mais por considerar que nenhuma actividade de investigação racional nos é
estranha enquanto seres humanos, pois somos seres racionais. DM
Goodman, Nelson (1906-1998)
Filósofo americano. Conhecido sobretudo pelo seu trabalho relativo ao
problema da indução, as suas ideias abrangem também temas da metafísica
e da filosofia da arte.
Relativamente ao problema da indução, Goodman apresenta em Facto,
Ficção e Previsão (1954; trad. 1991, Presença) o famoso Novo Enigma da
Indução que procura mostrar que este problema não depende unicamente da
relação de confirmação mas também da adequação dos predicados usados
para fazer induções.
Na metafísica, Goodman defendeu, em Modos de Fazer Mundos (1978;
trad. 1995, Asa), uma versão extrema de idealismo, segundo a qual só há
inúmeras versões diferentes de "mundos", não existindo um mundo
independente das nossas representações.
Na filosofia da arte, defendeu, em Linguagens da Arte (1976; trad.
2003, Gradiva), uma versão sofisticada da teoria institucional da arte, o valor
cognitivo da arte e o artificialismo da distinção entre artes e ciências.
Partindo do positivismo lógico, aceita algumas das ideias centrais deste
movimento, como o nominalismo (a crença de que não há universais, como a
brancura), rejeita outras (como a suposta superioridade da ciência na tarefa
de conhecer o mundo) e abraça algumas das consequências mais polémicas
desse movimento (o extremo anti-realismo, que declara ser tudo uma
construção linguística). DM
gosto, padrão de
Ver padrão de gosto.
gosto, teoria do
Ver teoria do gosto.
.: H :.
Hare, R. M. (1919-2002)
Filósofo inglês que exerceu uma grande influência na ética. No domínio da
metaética, Hare rejeitou o realismo moral, mas, influenciado por Kant,
defendeu a racionalidade e objectividade do pensamento ético propondo o
prescritivismo universal. De acordo com esta perspectiva, os juízos morais não
são simples descrições de factos, pois parte do seu significado é
irredutivelmente prescritivo ou normativo (ver normativo/descritivo). Por
exemplo, quem afirma "Deves dizer a verdade" ou "Não dizer a verdade é
errado", está a dizer algo como "Diz a verdade!". No entanto, as prescrições
morais não são arbitrárias, pois têm de ser universalizáveis — quando
prescrevemos moralmente que alguém diga a verdade, estamos a prescrever
que todas as pessoas em circunstâncias semelhantes nos aspectos relevantes
digam a verdade. Hare sustentou que esta maneira de conceber os juízos
morais conduz a uma versão de utilitarismo segundo a qual devemos
satisfazer tanto quanto possível os desejos ou preferências dos que poderão
ser afectados pela nossa conduta. Entre as suas obras mais importantes
contam-se Moral Thinking (1981) e Sorting Out Ethics (1997). Ver imperativo
categórico, Singer. PG
hedonismo
Doutrina segundo a qual o prazer é o único verdadeiro bem. Há três tipos de
hedonismo: o psicológico, que sustenta que as pessoas procuram
inevitavelmente o prazer; o ético (ver ética), que considera que a obrigação
dos seres humanos é procurar o prazer; e o reflexivo, que afirma que aquilo
que dá valor a qualquer ocupação é o prazer. Nalgumas teorias
consequencialistas, como o utilitarismo de Jeremy Bentham (1748-1832) e de
John Stuart Mill, o prazer constitui o critério para julgar as acções. Na
Antiguidade, o hedonismo está sobretudo associado aos Cirenaicos e aos
Epicuristas. Ver epicurismo. AN
Hegel, Georg Wilhelm (1770-1831)
Pensador alemão que atribui à filosofia a tarefa de ultrapassar concepções
dualistas e parciais da realidade em nome do princípio de que "a verdade é o
todo". Para a filosofia ser "sistema do Absoluto" importa negar a separação
entre o Infinito (Espírito absoluto) e o finito (o mundo e o homem). Para tal, o
Absoluto assume a condição finita, primeiro na Natureza e depois na História
humana. Ultrapassando cada forma espácio-temporalmente limitada da sua
odisseia histórica, o Absoluto transforma o finito em momento da sua vida
infinita, em auto-limitação momentânea. Nada existe ou é verdadeiro fora do
Absoluto. A filosofia é a forma superior de exposição do movimento dialéctico
mediante o qual o Espírito divino se diz absoluto ao negar que o finito exista
fora de si. Ser absoluto é fazer-se absoluto. Na Fenomenologia do Espírito e
em A Razão na História (trad. 1995, Edições 70), entre outras obras, é exposta
esta visão do Espírito como auto-realização. LR
Heidegger, Martin (1905-1976)
Filósofo alemão, cuja reflexão, centrando-se na questão do sentido do ser,
desenvolve essencialmente um tema: o esquecimento ou olvido do Ser. Acusa
a filosofia ocidental de, a partir de Platão, ter esquecido o sentido original do
Ser: para os primeiros filósofos gregos o Ser era desocultação, luz e abertura
que torna possível que as coisas (os entes) sejam ditas e pensadas. Não sendo
um ente, não sendo isto ou aquilo, o Ser manifesta-se em todos os entes
ocultando-se. Esquecendo a diferença ontológica (a diferença Ser-ente) e o
sentido original do Ser, a metafísica ocidental concebeu este como a causa ou
a explicação da totalidade dos entes. Na maioria dos casos, a causa dos entes
seria Deus, o ente supremo. Preocupada com a explicação dos entes, a
metafísica ocidental desenvolveu uma concepção instrumental do Ser
reduzindo-o a entidade que produz ou causa algo quando o que o Ser faz é
"deixar ser" o ente. O momento culminante de tal concepção é a
transformação dos entes em objectos a manipular, consumir e explorar. A
principal consequência do olvido do Ser é a submissão do mundo e da
natureza aos imperativos da técnica. Em Sobre a Essência da Verdade (1943;
trad. 2001, Porto Editora), O Que é a Metafísica? (1929) e A Questão da
Técnica (1949), por exemplo, são expostas estas ideias. LR
hermenêutica
Originalmente, teoria ou método de interpretação da Bíblia e de outros
textos religiosos. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) formulou uma teoria
da interpretação dos textos e do discurso, que Wilhelm Dilthey (1833-1911)
aplicou a todos os actos e produtos humanos e Heidegger estendeu ao ser
humano (Dasein). Associada à hermenêutica está a ideia de círculo
hermenêutico: não podemos compreender completamente um todo (por
exemplo, um texto filosófico) a menos que entendamos as suas partes, ou
completamente as partes a menos que entendamos o todo. Heidegger e Hans-
Georg Gadamer (1900-2002) fizeram disto uma característica de todo o
conhecimento e actividades humanos. Ver interpretação. AN
heteronomia
Ver autonomia/heteronomia.
hipotética, proposição
Ver proposição hipotética.
história da filosofia
Ver filosofia, história da.
Hobbes, Thomas (1588-1679)
Filósofo inglês. Na sua obra mais influente, Leviatã (1650; trad. 1995,
Imprensa Nacional), Hobbes propôs uma visão materialista do universo e da
natureza humana (ver fisicalismo), advogou o determinismo e apresentou
uma teoria contratualista para justificar o poder político do soberano. O seu
contratualismo parte da ideia de estado da natureza. Nessa condição, não há
qualquer poder político e os seres humanos, tendo uma força
aproximadamente igual, vivem numa permanente guerra de todos contra
todos. Para ultrapassar este estado de coisas, sustentou Hobbes, precisamos
de concordar ser governados por um monarca com poder absoluto, pois só ele
será capaz de garantir uma coexistência pacífica. PG
holismo
A ideia de que o todo tem prioridade sobre as partes. Na filosofia da ciência,
a perspectiva segundo a qual as diversas hipóteses que constituem uma teoria
científica não podem ser testadas uma a uma. Testar uma teoria científica
implica confrontá-la com a observação. Para fazer isso é preciso deduzir (ver
dedução) da teoria certas previsões observacionais. O holista sustenta que
não se pode deduzir tais previsões de hipóteses isoladas — na verdade, deduz-
se a previsão de todo um conjunto bastante vasto de hipóteses. Assim, se a
previsão fracassar tudo o que podemos inferir é que pelo menos uma dessas
hipóteses é falsa — não podemos concluir que uma certa hipótese específica
foi refutada. Esta perspectiva, também conhecida por tese de Duhem-Quine,
sugere que não é fácil falsificar conclusivamente hipóteses científicas. Em
epistemologia o coerentismo é um exemplo de holismo. Ver
falsificacionismo, método científico. PG
homem de palha, falácia do
Ver falácia do homem de palha.
Hume, David (1711-76)
Filósofo, ensaísta e historiador escocês, pertence à tradição empirista
britânica, cujos antecessores foram Locke e Berkeley. É talvez o primeiro
filósofo a procurar trazer para a filosofia o tipo de atitude que tantos
resultados produziu nas ciências da natureza do seu tempo. Ficou famoso o
seu conselho de que devemos deitar à fogueira tudo o que não for ciência
empírica ou disciplinas matemáticas. Este tipo de atitude voltaria a ser
popular, sobretudo junto dos filósofos do positivismo lógico. Para não correr o
risco de ser ele próprio deitado à fogueira, pelo menos metaforicamente, só
permitiu que os Diálogos sobre a Religião Natural (1779) fossem publicados
depois da sua morte. Nesta obra, Hume apresenta uma análise hoje clássica
dos argumentos contra e a favor da existência de Deus. O seu argumento
contra os milagres foi exposto também no Ensaio sobre o Entendimento
Humano.
A sua primeira obra, o Tratado da Natureza Humana (1739-40), procura
ambiciosamente estabelecer os fundamentos de uma teoria empírica da
natureza humana. Nesta obra encontram-se algumas das ideias que mudaram
a face da filosofia moderna, nomeadamente no que respeita à epistemologia
e à ética. Porque os seus contemporâneos não lhe prestaram grande atenção,
Hume tentou apresentar aproximadamente as mesmas ideias, de forma mais
clara, nas obras Investigação sobre o Entendimento Humano (1748) e
Investigação sobre os Princípios da Moral (1751).
No que respeita à epistemologia, Hume introduz de forma clara a
distinção entre conhecimento a priori e a posteriori, a que ele chamou,
respectivamente, "relações de ideias" e "questões de facto". O conhecimento
a priori tem por objecto unicamente as matemáticas; todo o conhecimento do
mundo é baseado na experiência, não sendo possível estabelecer a priori nem
mesmo os princípios mais gerais que regulam as verdades empíricas, como o
princípio de causalidade. A teoria da causalidade de Hume baseia-se na
projecção psicológica: perante sucessões repetidas de acontecimentos do
mesmo tipo, os seres humanos são levados a inferir fantasiosamente a
existência de uma conexão causal entre esses acontecimentos.
Hume adopta a mesma estratégia projectivista em ética. Traçando uma
distinção profunda entre factos e valores, declara que não se podem extrair
os últimos dos primeiros, e que a ética é apenas o resultado da projecção de
valores humanos sobre os factos do mundo, valores estes ancorados no
sentimento e não na razão. O seu argumento baseia-se na ideia de que os
factos são objecto de crença e que as crenças não são motivadoras, isto é,
não têm o poder de nos levar a agir; só os desejos têm esse poder. Tanto no
âmbito da epistemologia como da ética, as ideias de Hume foram das mais
influentes de sempre na história da filosofia. DM
Hume, David, Investigação sobre os Princípios da Moral (Lisboa: INCM, no prelo).
Hume, David, Obras de Filosofia da Religião (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
no prelo).
Hume, David, Tratado da Natureza Humana (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2002).
Hume, David, Investigação sobre o Entendimento Humano (Lisboa: INCM, 2002).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 14 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 7 (Lisboa, Presença, 1989).
hylê
Termo grego que significa "substrato" ou "matéria". Aristóteles usava o termo
para falar do que permanece para lá da mudança: quando se faz uma estátua
de um pedaço de barro, por exemplo, muda a forma, mas não a matéria ou
substrato. Berkeley chamou Hilas a uma das personagens dos seus Diálogos —
o defensor da teoria aristotélica da existência da matéria. Husserl usou o
mesmo termo para falar do tipo de experiências perceptivas que podem ser
enganadoras, como quando parece que vemos uma pessoa à distância e afinal
era um boneco. DM
.: I :.idealismo
Vulgarmente diz-se que uma pessoa é idealista quando se bate por ideais e
orienta as suas acções em função deles. Mas o significado filosófico do termo
é substancialmente diferente. Em filosofia chama-se "idealista" a qualquer
doutrina que afirme que a natureza última da realidade é mental, opondo-se
ao realismo. Isto tanto pode querer dizer que os objectos físicos não existem
a não ser como objectos para uma mente, ou que são apenas conteúdos
mentais, ou que são algo intrínseca e essencialmente mental. O fundador do
idealismo foi o filósofo irlandês George Berkeley para quem só existem dois
tipos de coisas: mentes e ideias. Os chamados "objectos físicos" não passam,
de acordo com Berkeley, de impressões do sujeito capaz de sentir. Assim, a
maçã que temos diante de nós é apenas o conjunto das sensações de cor,
sabor, odor, forma, textura, etc., que estão perante a nossa mente quando a
percepcionamos. Daí a célebre afirmação de Berkeley de que o seu esse
(existência) é percipi (ser percepcionada), o que equivale a dizer que só as
sensações são reais. Mas as sensações nada mais são, segundo Berkeley, do
que conteúdos mentais ou ideias. Daí o nome "idealismo" e a conclusão de que
os objectos não existem fora de alguma mente que os percepcione. O
idealismo de Berkeley tem um cariz marcadamente ontológico (ver
ontologia), na medida em que defende que toda a realidade é mental. Outra
forma de idealismo, de pendor mais epistemológico (ver epistemologia), é o
chamado "idealismo transcendental" de Kant. Kant admite a existência de
uma realidade independente da mente, mas afirma que dela nada podemos
saber. É idealista na medida em que defende que o mundo tal como o
conhecemos é o produto das leis que o sujeito impõe aos objectos quando os
percepciona. Os objectos da experiência não são, assim, entidades
independentes. Essas leis fazem parte do que Kant designa como "estrutura
transcendental" do sujeito. Daí o nome por que é conhecido este tipo de
idealismo. Há ainda um terceiro tipo de idealismo, o idealismo absoluto,
defendido por Fichte (1762-1814), e sobretudo por Hegel. Para Hegel toda a
realidade é expressão do Espírito Absoluto, que toma consciência de si
exteriorizando-se e manifestando-se nos objectos físicos. Aquilo a que
chamamos "realidade exterior" é a expressão concreta de uma entidade
espiritual única e universal. AA
ideia
O termo tanto pode, como em Platão, designar realidades objectivas,
inteligíveis (ver inteligível), eternas, imutáveis e transcendentes (ver
transcendente), que são modelos e causas do mundo sensível, como,
sobretudo a partir do séc. XVII com Descartes, Locke, Berkeley e Hume,
designar quaisquer conteúdos mentais subjectivos (percepções, recordações,
sonhos, pensamentos), que são vistos frequentemente como representações
(ver representação) dos objectos do mundo exterior. Isto origina vários
problemas interessantes, como o de saber se as ideias são representações
adequadas da realidade ou se conhecemos alguma coisa para além das ideias.
AN
ideias inatas
Conteúdos mentais anteriores a qualquer experiência e que dela são
independentes. Trata-se de ideias com as quais já nascemos e que, portanto,
não são adquiridas. Descartes deu o exemplo das ideias de Deus, de infinito,
de imortalidade e de perfeição, as quais defendia que nada de empiricamente
observável pode ter originado. Estas ideias constituem, alegadamente, um
tipo de conhecimento que veio a chamar-se conhecimento a priori. A
existência ou não de ideias inatas esteve no centro das disputas entre o
racionalismo e o empirismo. Empiristas como Locke e Hume opõem-se à
afirmação de que há ideias inatas ou conhecimentos a priori. Kant defende
que há noções a priori, mas que tais noções são apenas formais, não podendo,
só por si, ser consideradas conhecimento. Mas hoje em dia a discussão entre
empiristas e racionalistas não se foca em torno desse aspecto, mas em torno
do a priori. O conhecimento a priori é diferente do conhecimento inato: o
primeiro é aquele que adquirimos pelo pensamento apenas, o segundo não é
adquirido, nascemos com ele. AA
identidade
Uma afirmação como "Sócrates é Platão" exprime uma identidade — falsa,
neste caso. Uma identidade com a forma lógica "m = n" só é verdadeira caso
os nomes simbolizados por m e n denotem o mesmo particular: "Véspero é
Vénus" exprime uma identidade verdadeira porque os dois nomes denotam o
mesmo particular. Chama-se "numérica" a esta identidade, que só ocorre
entre um particular e ele próprio. Assim, qualquer frase com a forma "n = n" é
logicamente verdadeira. Chama-se por vezes "princípio ou lei da identidade" a
esta verdade lógica.
Distingue-se a identidade numérica da identidade qualitativa, que diz
respeito à completa partilha de propriedades. Por exemplo, quando alguém
diz que o António é igual ao Miguel, não está a dizer que eles são a mesma
pessoa, mas que têm muitas características (ou propriedades) em comum. É
um problema filosófico em aberto saber se dois objectos numericamente
distintos podem todavia ser qualitativamente idênticos, isto é, se podem ter
exactamente as mesmas propriedades.
Não se deve pensar que todas as frases como "F é G" exprimem
identidades, pois podem também exprimir predicações: "Platão é alto" não
exprime a identidade entre Platão e ser alto, mas antes a ideia de que Platão
tem a propriedade de ser alto. Ver também ser. DM
ignoratio elenchi
Expressão latina por que também é conhecida a falácia da conclusão
irrelevante. Trata-se de um argumento em que se prova uma coisa diferente
do que está em causa. Veja-se o argumento: "É através dos impostos que o
governo arranja dinheiro para ajudar os cidadãos mais carenciados; mas, dado
que ainda há muitas pessoas com carências, o governo deve aumentar os
impostos". Este argumento não prova o que pretende, ou seja, que as
carências dos cidadãos se resolvam com a subida de impostos. Pode ser até
que o aumento de impostos coloque em situação de carência algumas pessoas
que não estavam nessa situação. AA
igualdade
Na filosofia política, atribuir a máxima importância à igualdade é defender o
igualitarismo — a perspectiva segundo a qual os bens sociais devem ser
distribuídos tão equitativamente quanto possível (ver justiça). Advogar a
igualdade de oportunidades é pensar que a posição que as pessoas ocupam na
sociedade deve resultar de uma competição justa entre indivíduos. Em ética,
usa-se frequentemente a noção de igualdade para exprimir a ideia de que
todas as pessoas têm a mesma importância ou estatuto moral — na ética
deontológica de Kant, sustenta-se que todos nós devemos ser tratados como
fins em si (ver imperativo categórico), e os utilitaristas, como Hare ou
Singer, afirmam que os interesses de qualquer pessoa (ou animal capaz de
sofrer) merecem uma igual consideração. Nenhuma destas teorias morais
implica o igualitarismo político. Ver Rawls, utilitarismo. PG
iluminismo
Movimento cultural que floresceu na Europa do séc. XVIII. A confiança resoluta
na racionalidade humana é o traço mais saliente dos pensadores deste
movimento. Os iluministas insurgiram-se contra o pensamento supersticioso
associado à religião, advogaram a difusão do conhecimento científico e
esforçaram-se por promover o progresso humano não só em questões teóricas,
mas também em questões políticas e morais. Hume e Kant contam-se entre
os filósofos iluministas mais influentes. PG
imanente
1. O que faz parte da própria natureza de uma coisa ou pessoa, como sua
característica interna ou intrínseca. Opõe-se a transcendente, isto é, o que é
exterior ou ultrapassa essa coisa ou pessoa.
2. O panteísmo concebe Deus como um ser imanente, pois identifica-o
com o próprio mundo ou natureza. Pelo contrário, para o teísmo Deus é
transcendente, pois é exterior ao mundo por si criado.
3. Diz-se que a crítica a uma teoria é imanente quando se apoia nas
afirmações da própria teoria criticada. AA
imediatez/mediação
São conceitos indispensáveis para a compreensão do pensamento de Hegel. A
imediatez é a potencialidade, o estado do que ainda não se desenvolveu e
actualizou. A mediação é a condição de actualização, aquilo sem o que uma
coisa não se pode realizar. O mediato é o que está entre a apresentação
imediata e incompleta de uma coisa e o momento da sua actualização
completa. Na transição, ou devir, a negação desempenha um papel
importante. A semente é a maçã sob a sua forma imediata (abstracta). Irá
superar a sua imediatez transformando-se em flor e fruto, isto é, negando-se
como semente. A maçã é resultado de um processo que nega mas conserva
como necessários os momentos ultrapassados (a semente, a flor). LR
imperativo categórico
Na ética deontológica de Kant, o imperativo categórico é o princípio ou lei
moral fundamental. Tal princípio é categórico, por oposição a hipotético,
porque se nos apresenta como uma obrigação absoluta ou incondicional. Kant
pensava que, como conhecemos este princípio a priori (ver a priori/a
posteriori), temos de o aceitar sejam quais forem os nossos desejos ou
interesses particulares. Há várias maneiras de formular o imperativo
categórico. Uma das fórmulas capta uma exigência de universalidade: "Age
apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela
se torne uma lei universal". Segundo esta fórmula, é errado agir segundo
máximas que não possamos querer universalizar — se não podemos querer que
todas as pessoas procedam de acordo com uma certa máxima, então nós
próprios não a podemos adoptar. É errado, por exemplo, agir segundo a
máxima "Faz promessas com a intenção de não as cumprires", pois não
podemos querer que todos adoptem esta máxima, já que se todos fizessem
promessas com a intenção de as não cumprirem ninguém confiaria em
ninguém e a própria prática de fazer promessas desapareceria. Outra fórmula
do imp
.: J :.
juízo
Na lógica aristotélica, tal como foi sistematizada pelos filósofos medievais,
chamava-se juízo ao acto de estabelecer uma relação entre um sujeito e um
predicado, que costuma simbolizar-se como "S é P"; por exemplo: "Sócrates é
mortal". DM
juízo de facto/juízo de valor
Um juízo de facto, como "Beethoven compôs nove sinfonias" ou "A pena de
morte foi abolida em Portugal", é apenas uma tentativa de descrever as
coisas. Um juízo de valor, como "As sinfonias de Beethoven são belas" ou "A
pena de morte é injusta", envolve já uma apreciação positiva ou negativa das
coisas. Os juízos de facto têm valor de verdade, mas há quem pense que não
se pode dizer o mesmo relativamente aos juízos de valor (ver emotivismo).
Grande parte da metaética é uma tentativa de compreender o significado dos
juízos de valor com conteúdo moral. Ver juízo estético,
normativo/descritivo. PG
juízo de valor
Ver juízo de facto/juízo de valor.
juízo estético
Às afirmações que fazemos acerca do que é belo ou feio, acerca do que
gostamos ou não e acerca dos objectos de arte chamamos "juízos estéticos".
Exemplos de juízos estéticos são "este pôr-do-sol é belo", ou "gosto da
paisagem alentejana", ou ainda "aquela peça de dança tem ritmo e
elegância". Deve, contudo, notar-se que nem todos os juízos acerca da arte
são estéticos. Por exemplo, o juízo "A Quinta Sinfonia de Beethoven tem
quatro andamentos", não é um juízo estético. Kant procurou caracterizar os
juízos estéticos, distinguindo-os dos juízos de conhecimento, defendendo que
os estéticos não têm qualquer carácter prático e que são subjectivos, ao
contrário dos juízos de conhecimento. Por isso, os juízos estéticos são, para
Kant, juízos de gosto. Ponto de vista que muitos dos filósofos posteriores
rejeitam. Ver também atitude estética, experiência estética, filosofia da
arte, problema do gosto e subjectivismo estético. AA
justiça
Desde Aristóteles, distingue-se a justiça retributiva da justiça distributiva.
Quando se discute a justificação do castigo (ver liberdade), há quem apele ao
conceito de justiça retributiva dizendo que um criminoso deve sofrer um mal
para pagar pelo mal que fez. O conceito de justiça distributiva tem um
âmbito diferente. Clarificá-lo implica responder a este problema central na
filosofia política: como devem ser distribuídos os bens sociais (riqueza,
oportunidades, etc.) pelas diversas pessoas ou grupos de pessoas de uma
sociedade? Algumas teorias insistem numa distribuição fortemente igualitária;
outras privilegiam factores como a maximização do bem-estar (ver
utilitarismo) ou o mérito pessoal. Ver igualdade, Rawls. PG
.: K :.
Kant, Immanuel (1724-1804)
Filósofo alemão. Kant nasceu em Königsberg (actual Kaliningrado), na Prússia
oriental, onde estudou, trabalhou e viveu toda a sua vida, tornando-se um dos
mais influentes filósofos de sempre. Durante mais de uma década trabalhou
como preceptor e em 1755 juntou-se ao corpo docente da universidade de
Königsberg, onde leccionou as mais variadas disciplinas: lógica, metafísica,
matemática, geografia, antropologia, pedagogia, etc. É habitual dividir a sua
vida intelectual em dois períodos: o "período pré-crítico" e o "período crítico".
Durante o primeiro período, Kant escreveu trabalhos menos influentes, nos
quais se pode constatar a grande influência de Wolff (1679-1754), discípulo de
Leibniz, e do próprio Leibniz. Kant foi também fortemente influenciado por
Locke, Hume e Jean-Jacques Rousseau (1712-78). O seu período crítico teve
início em 1770 com a publicação da sua Dissertação de 1770.
A Crítica da Razão Pura (1781) é a sua primeira grande obra. O problema
que a domina é o de saber como é o conhecimento a priori acerca do mundo
possível (ver a priori/a posteriori), ou para usar a sua terminologia, como é o
conhecimento sintético a priori possível (ver analítico/sintético). Kant
defendeu que não é possível saber como o mundo é em si,
independentemente da nossa experiência. Sucintamente, a ideia de Kant é
que o nosso aparato cognitivo, seja ele perceptivo ou puramente intelectual
(ou teórico), impõe certas estruturas ao mundo. Kant defendeu que uma
metafísica científica deve usar criticamente a razão na procura dos seus
próprios limites: temos de procurar as "formas" que o nosso aparato cognitivo
impõe ao mundo. Esta é a "revolução copernicana" de Kant: para sabermos o
que podemos conhecer, temos de saber como o conhecemos.
Na Crítica da Razão Prática (1788), Kant procura os fundamentos da
nossa razão prática, isto é, os fundamentos do nosso raciocínio moral.
Defende que agir racionalmente é agir moralmente, é agir de acordo com o
nosso dever, é agir de acordo com o imperativo categórico. Na Crítica da
Faculdade do Juízo (1790), volta a defender a objectividade da razão, mas
desta vez relativamente aos juízos estéticos. Contudo, esta não é meramente
uma obra de estética. Nela, Kant fornece-nos uma visão global do seu sistema
filosófico. CT
Kant, Immanuel, Crítica da Razão Pura (Lisboa: FCG, 1989).
Kant, Immanuel, Crítica da Razão Prática (Lisboa: Edições 70, 1997).
Kant, Immanuel, Crítica da Faculdade do Juízo (Lisboa: INCM, 1992).
Kant, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Lisboa: Edições 70,
1991).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 16 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 8 (Lisboa: Presença, 1989).
kátharsis
Termo grego que significa catarse.
Kierkegaard, Søren (1813-1855)
Pensador dinamarquês cuja obra tem um só objectivo: esclarecer o que
significa a fé cristã. A fé em Deus é uma forma de vida terrivelmente exigente
porque dá muito mais importância a Deus do que às coisas humanas e
terrenas. Em Temor e Tremor (1843; trad. 1990, Guimarães Editores), Abraão,
exemplo do amor e submissão absolutos a Deus, é considerado o modelo do
homem de fé, pois para ele Deus está sempre em primeiro lugar e nem o amor
a um filho lhe pode ser superior. Sem Deus o homem está condenado ao
desespero. Podemos escolher uma vida dedicada ao prazer e ao divertimento
(existência estética) ou ao cumprimento do dever, das obrigações morais e
sociais (existência ética), mas o cristão autêntico aposta no Desconhecido e
encontra nessa entrega o sentido pleno (existência religiosa). A fé cristã é
sofrimento. Reina a incerteza (não sei se Deus existe) e a incompreensão dos
outros, pois colocar Deus acima de tudo implica frequentemente contrariar a
moral socialmente estabelecida. Critica Hegel por este ter querido tornar
acessíveis à razão os dogmas da fé cristã e as Igrejas por a transformarem
num hábito tranquilo e rotineiro. Um dos principais representantes do
fideísmo, defende que a fé é superior à razão. Apresenta-nos uma
interpretação da sua própria obra em Ponto de Vista Explicativo da Minha
Obra Como Escritor (1859; trad. 1986, Edições 70). LR
Kuhn, Thomas (1922-96)
Filósofo americano da ciência, cujas ideias acerca da noção de progresso
científico se tornaram muito populares, sobretudo após a publicação de A
Estrutura das Revoluções Científicas (1962; trad. bras. Editora Perspectiva,
1995). Aí apresenta uma caracterização sociológica da ciência, na medida em
que parte da análise do funcionamento concreto da comunidade científica ao
longo da história. Defende a ideia de que a ciência apresenta longos períodos
de acumulação de conhecimentos, a que dá o nome de "ciência normal",
sendo os cientistas essencialmente conservadores, na medida em que
trabalham no interior e para a preservação do paradigma dominante. Durante
esse período a pesquisa científica consiste em resolver quebra-cabeças que de
forma alguma põem o paradigma em causa, procurando, pelo contrário,
alargar o âmbito da sua aplicação. Esses períodos de ciência normal são
intercalados por breves períodos de ciência extraordinária, em que, devido à
descoberta de sérias anomalias no paradigma dominante, surgem as crises e
as revoluções científicas. As revoluções científicas consistem basicamente na
mudança de paradigma. A sua tese mais ousada é, contudo, a de que os
paradigmas são incomensuráveis (ver incomensurabilidade), correspondendo
a maneiras completamente distintas de encarar a realidade. Esta tese é
polémica porque implica o relativismo e a ideia de que, em rigor, não
podemos falar de progresso científico. AA
.: L :.lei da natureza
Afirmação geral acerca do modo como a natureza se comporta. Normalmente,
as leis da natureza têm a forma de afirmações universais do tipo, "Todo o A é
B", como por exemplo, "Todas as moléculas de água têm a mesma massa". CT
Leibniz, Gottfried Wilhelm (1646-1716)
Filósofo racionalista alemão. Leibniz nasceu em Leipzig e morreu em Hanover.
Começou a frequentar a universidade aos treze anos, doutorando-se em
direito aos vinte anos. Fez importantes contribuições para a filosofia, a
lógica, a geologia, a linguística, a historiografia, a matemática, a teologia, a
economia, a política, a física, etc. Descobriu o cálculo infinitesimal
independentemente de Newton (1642-1727). Fundou a Academia de Berlim.
Leibniz é o autor de um dos três grandes sistemas racionalistas do séc.
XVII. Leibniz distingue as verdades da razão, as quais são necessárias, e as
verdades de facto, as quais são contingentes (ver analítico/sintético). No
domínio das verdades da razão encontram-se as verdades da matemática e da
lógica, no domínio das verdades de facto encontram-se as verdades físicas e
históricas. Formulou ainda o princípio da não contradição, segundo o qual é
falso tudo aquilo que leva a uma contradição e o princípio da razão
suficiente, do qual dependem as verdades de facto, que nos diz que nenhuma
proposição pode ser verdadeira sem que haja uma razão suficiente para que
seja assim e não de outra forma. Defendeu a existência de ideias inatas. Em
metafísica, defendeu a existência de mónadas, entidades espirituais
individuais (os existentes actuais) e entidades ideais. Em teologia é autor de
uma teodiceia, isto é, de uma solução para o problema do mal, segundo a
qual este é o melhor dos mundos possíveis. Formulou o famoso princípio de
identidade, conhecido como lei de Leibniz: se dois objectos são idênticos,
então partilham exactamente as mesmas propriedades; e o "princípio da
identidade dos indiscerníveis": se dois objectos têm exactamente as mesmas
propriedades, então são idênticos. CT
Leibniz, G. W., Discurso de Metafísica (Lisboa: Colibri, 1995).
Leibniz, G. W., Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (Lisboa: Colibri, 1993).
Leibniz, G. W., Princípios de Filosofia ou Monadologia (Lisboa: INCM, 1987).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 13 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
liberalismo
Uma das filosofias políticas mais influentes e, após a queda dos regimes da
Europa de Leste que se inspiravam nas ideias de Marx, a filosofia política
dominante no mundo ocidental. O liberalismo surgiu no séc. XVI como
resposta ao aparecimento dos estados-nação modernos e caracteriza-se pela
importância que atribui aos direitos, às liberdades (de pensamento, de
expressão, de associação, de escolha, de religião e, mais recentemente, de
preferência sexual) e à autonomia do indivíduo. Por este motivo, muitos
liberais pensam que o papel do estado é em larga medida o de assegurar e
proteger estes direitos e liberdades. No entanto, nos Estados Unidos, em
reacção a posições extremas como, por exemplo, o libertarianismo de Robert
Nozik (1938-2002), o liberalismo tem-se recentemente identificado com a
defesa de um Estado-providência que actue em áreas como a educação, a
saúde e a segurança social. Em Portugal, o liberalismo filosófico é
frequentemente identificado com o "liberalismo económico" ou "neo-
liberalismo" que, ao contrário daquele, é uma doutrina que dá grande
importância ao mercado e a uma economia de laissez-faire. Contudo, esta
identificação é fruto de uma confusão e é até frequente, como no caso de
John Stuart Mill ou de Bertrand Russell, a existência de liberais que são
também socialistas. O liberalismo tem sido ultimamente contestado por
pensadores como o americano Michael Walzer (n. 1935), o canadiano Charles
Taylor (n. 1931) e o escocês Alasdair MacIntyre (n. 1929), normalmente
apelidados de "comunitarianos", e que criticam o alegado facto de o
liberalismo se apoiar numa concepção inadequada de pessoa e de negligenciar
ou mesmo minar o papel da família, das tradições e da comunidade. Alguns
dos principais filósofos liberais, além dos já referidos, são John Locke, Adam
Smith (1723-1790), Immanuel Kant e, mais recentemente, Isaiah Berlin (1909-
1997), John Rawls e Ronald Dworkin (n. 1931). AN
Rawls, John, O Liberalismo Político (Lisboa: Presença, 1997).
liberdade
Noção central na filosofia política, que pode ser entendida em dois sentidos.
A liberdade negativa consiste na ausência de coerção. Neste sentido, um
indivíduo é livre desde que ninguém o force a agir ou o proíba de agir de certa
maneira. A liberdade positiva consiste num controlo efectivo da própria vida.
Um alcoólico, por exemplo, tem liberdade negativa caso ninguém o obrigue a
beber, mas ainda assim não tem liberdade positiva. Isaiah Berlin (1909-1997),
que introduziu esta distinção no artigo "Dois Conceitos de Liberdade",
defendeu que o conceito positivo de liberdade é politicamente perigoso, pois
autoriza interferências indevidas do estado na vida dos indivíduos. Um
problema fundamental da filosofia política, aliás, é determinar em que
medida é aceitável o estado limitar a liberdade (negativa) dos cidadãos. E um
dos aspectos importantes deste problema é o da justificação do castigo: por
que pode o estado castigar os cidadãos privando-os da sua liberdade? Não se
deve confundir estas questões políticas com o problema metafísico do livre-
arbítrio. PG
libertismo
Teoria que defende uma concepção da acção incompatível quer com o
determinismo, quer com o indeterminismo. Os libertistas defendem que o
ser humano é um ser essencialmente livre, considerando o dilema de Hume
um falso dilema. A responsabilidade do agente decorre do facto de as suas
acções nem serem determinadas por causas remotas e incontroláveis (como
defendem os deterministas), nem serem aleatórias (como defendem os
indeterministas). O libertismo, por vezes chamado "libertarianismo", é uma
teoria metafísica que não deve ser confundida com o liberalismo económico e
político, nem com o libertinismo moral. Ver causa/efeito, relação causal e
compatibilismo. APC
livre-arbítrio
A capacidade para fazer escolhas. Por exemplo, eu posso aparentemente
escolher ficar em casa ou ir ao café; mas não posso escolher ter ou não uma
dor de cabeça. O problema filosófico do livre-arbítrio consiste em saber se as
escolhas aparentes são compatíveis com o determinismo. O determinismo
radical, o determinismo moderado, o indeterminismo e o libertismo
constituem as respostas clássicas a este problema, sendo classificadas ora
como teorias compatibilistas, ora como teorias incompatibilistas. Ver acção,
compatibilismo/incompatibilismo, dilema de Hume, responsabilidade e
vontade. APC
Locke, John (1632-1704)
Filósofo empirista inglês. Defendeu, contra Descartes, a inexistência de
ideias inatas. Segundo Locke, a mente é como uma tábua rasa, possuindo
poderes de raciocínio, mas não quaisquer conteúdos inatos. Contudo, é
defensável que Locke não era realmente empirista, pois admite a existência
de dois tipos de experiência (a externa e a interna), e igualmente de três
tipos de conhecimento: intuitivo, que é directo e com o grau máximo de
certeza; demonstrativo, que é indirecto e dá origem ao conhecimento lógico e
matemático; e sensível, que diz respeito ao conhecimento da existência de
objectos exteriores. Baseando-se na diferença entre qualidades primárias e
secundárias das coisas, distinguiu o mundo tal como é em si do mundo tal
como é para nós. Para Locke, a abstracção era uma componente central do
conhecimento, que permitia a formação de ideias abstractas a partir de
impressões sensíveis concretas. A distinção entre essência nominal e real é
também central na sua teoria do conhecimento: assim, a essência real da
água, por exemplo, é a sua constituição intrínseca, ao passo que a sua
essência nominal são apenas as qualidades que atribuímos à água, mas que
não correspondem à sua natureza intrínseca. É no Ensaio sobre o
Entendimento Humano (1690) que Locke expõe estas ideias, entre outras.
Em ética, Locke defendeu uma versão da teoria dos mandamentos
divinos; em filosofia política, defendeu o valor da tolerância política e
religiosa, e a separação da igreja e do estado. As suas doutrinas da
legitimação da propriedade privada, da justificação da autoridade do estado e
da legitimidade da revolta contra o estado injusto são ainda hoje muitíssimo
discutidas, e são apresentadas no Segundo Tratado sobre o Governo (1689). As
suas ideias sobre a tolerância são apresentadas em Carta sobre a Tolerância
(1689). DM
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 12 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Locke, John, Ensaio sobre o Entendimento Humano, 2 vols. (Lisboa: Gulbenkian,
1999).
Locke, John, Carta sobre a Tolerância (Lisboa: Edições 70, 1997).
Locke, John, Ensaio sobre a Verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil
(Lisboa: Edições 70, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 6 (Lisboa, Presença, 1989).
lógica
O estudo da argumentação válida (ver validade/invalidade). A lógica formal
estuda a argumentação cuja validade depende exclusivamente da forma
lógica. A lógica informal estuda a argumentação cuja validade não depende
unicamente da forma lógica. A lógica foi fundada por Aristóteles, que pela
primeira vez usou a noção de forma lógica para distinguir os argumentos
válidos dos inválidos (ver lógica aristotélica). A lógica conheceu
relativamente poucos desenvolvimentos até Gottlob Frege e Bertrand Russell
terem revolucionado a disciplina. Hoje em dia há muitos sistemas diferentes
de lógica, que procuram resolver os problemas em aberto na disciplina. A
chamada "lógica clássica", de Frege e Russell, é encarada como a "lógica
canónica", e é essa que geralmente se começa por estudar.
Repare-se no seguinte argumento: 1) "Platão e Aristóteles eram
filósofos; logo, Platão era um filósofo". A lógica clássica (mas não a
aristotélica) permite explicar por que razão este argumento é válido. Dado
que a validade deste argumento depende inteiramente da sua forma lógica,
qualquer argumento que tenha a mesma forma lógica será igualmente válido.
Podemos ilustrar a forma lógica do argumento assim: "P e Q; logo, P" — sendo
"P" e "Q" símbolos que representam proposições. Assim, se "P" for a proposição
expressa pela frase "O aborto é um mal" e "Q" a proposição expressa pela frase
"Os animais têm direitos", obtemos o seguinte argumento válido: 2) "O aborto
é um mal e os animais têm direitos; logo, o aborto é um mal". A lógica
permite também compreender por que razão são inválidos os argumentos
inválidos; e permite compreender que alguns argumentos que parecem válidos
são de facto inválidos (as falácias). Repare-se no seguinte argumento: 3) "Tem
de haver uma só causa para todas as coisas porque todas as coisas têm uma
causa". Este argumento parece válido, mas é inválido. A lógica explica por que
razão o argumento é inválido. Repare-se que o argumento seguinte é
obviamente inválido: 4) "Tem de haver uma mãe para todas as pessoas porque
todas as pessoas têm uma mãe". O argumento 4 tem a mesma forma lógica do
argumento 3. Mas porque o argumento 3 é mais abstracto, parece válido,
apesar de o não ser. Dado que os argumentos filosóficos são geralmente muito
abstractos, a lógica tem um papel crucial na filosofia: ajuda-nos a evitar erros
no pensamento filosófico.
A lógica clássica tem duas partes distintas: a lógica proposicional e a
lógica de predicados (também chamada "lógica quantificada"). Na lógica
proposicional (ver cálculo proposicional) estudam-se argumentos cuja
validade depende exclusivamente de certos aspectos da forma lógica
proposicional (argumentos como 1 e 2). Os aspectos da forma lógica
proposicional que contam na lógica proposicional clássica decorrem
inteiramente do uso de cinco tipos de operadores: a negação, a conjunção, a
disjunção, a condicional e a bicondicional (ver operador verofuncional).
Assim, os argumentos 1 e 2 são válidos porque ambos dependem
exclusivamente do operador de conjunção ("e").
Na lógica quantificada ou de predicados (ver cálculo de predicados)
estudam-se os argumentos que dependem exclusivamente da quantificação
(ver quantificador), como é o caso dos argumentos 3 e 4. A quantificação
ocorre quando se afirma ou nega que uma certa propriedade ou relação é
exemplificada um certo número de vezes. Por exemplo, afirmar que há
filósofos é dizer que a propriedade de ser filósofo é exemplificada por
algumas coisas (nomeadamente, pessoas); afirmar que não há lobisomens é
dizer que a propriedade de ser um lobisomem não é exemplificada por coisa
alguma. Há muitos tipos de quantificação, mas na lógica clássica estuda-se
apenas dois desses tipos: a universal e a existencial (ver quantificador
universal e quantificador existencial).
Há dois aspectos fundamentais em qualquer lógica: a sua linguagem e a
lógica propriamente dita. A linguagem lógica é uma forma de traduzir certos
aspectos relevantes da linguagem de todos os dias numa linguagem mais
transparente. O objectivo é destacar e explicitar com rigor os aspectos que se
quer estudar por serem relevantes para o tipo de argumento que se tem em
vista. Assim, um argumento como "Se a vida não faz sentido, Deus não existe;
dado que a vida não faz mesmo sentido, Deus não existe" pode ser
formalizado do seguinte modo: ¬P → ¬Q, ¬P Q. A formalização, com os seus
símbolos estranhos (ver Apêndice: Símbolos lógicos), é um instrumento
crucial para se compreender com rigor a estrutura lógica do pensamento, o
que por sua vez é crucial para determinar a sua validade, o que por sua vez é
crucial para determinar a verdade das nossas conclusões.
Na lógica propriamente dita desenvolvem-se métodos para testar a
validade das formas lógicas que se exprimem por meio da linguagem lógica
(que por sua vez traduz a linguagem quotidiana). Entre esses métodos
contam-se os inspectores de circunstâncias e as derivações (ver derivação).
DM
Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, Capítulos 4 e 5 (Lisboa: Plátano,
2003).
Newton-Smith, W. H., Lógica: Um curso introdutório, Capítulos 1, 2, 3 e 5 (Lisboa:
Gradiva, 1998).
Priest, Graham, Lógica (Lisboa: Temas e Debates, 2002).
lógica aristotélica
A lógica introduzida por Aristóteles (384-322 a.C.), e que foi posteriormente
sistematizada, na idade média. Foi a única lógica conhecida no ocidente até
ao advento da lógica clássica, já no séc. XIX. Trata-se de uma lógica que
trabalha unicamente com quatro formas lógicas: 1) universais afirmativas
("Todo o A é B"; exemplo: "Todo o homem é mortal"); 2) universais negativas
("Nenhum A é B"; exemplo: "Nenhum deus é mortal"); 3) particulares
afirmativas ("Alguns A são B"; exemplo: Alguns homens são baixos"); e 4)
particulares negativas ("Alguns A não são B"; exemplo: "Alguns homens não são
baixos"). A lógica aristotélica compreende duas partes: a teoria da conversão,
que estuda argumentos com uma única premissa (como "Alguns homens são
franceses; logo, alguns franceses são homens"), e a teoria do silogismo, que
estuda argumentos com duas premissas (como "Todas as aves têm penas; todos
os pardais são aves; logo, todos os pardais têm penas"). Aristóteles explicitou
as relações lógicas entre as quatro formas lógicas do seu sistema, distinguindo
a relação de consequência lógica (subalternidade ou implicação), a relação de
contradição e a de contraditoriedade (ver quadrado de oposição). Apesar de
constituir um genial monumento intelectual, a lógica aristotélica é muito
restrita, carece de um fragmento proposicional (ver cálculo proposicional),
aplica-se unicamente a classes que não sejam vazias, a sua aplicação à
linguagem e pensamento correntes é limitadíssima e não estabelece regras de
inferência válida (as chamadas "regras do silogismo" não são realmente regras
de inferência, mas proibições ad hoc.). O seu interesse é hoje em dia
meramente histórico. DM
Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, cap. 6 (Lisboa: Plátano, 2003).
lógica clássica
A lógica fundada por Gottlob Frege, e também por Bertrand Russell e Alfred
North Whitehead (1861-1947), que abrange a lógica proposicional e de
predicados. Caracteriza-se por aceitar o princípio do terceiro excluído, o
princípio da não-contradição e a bivalência, operadores verofuncionais de
formação de frases e a exclusão de nomes sem denotação. Foi o primeiro
desenvolvimento revolucionário da lógica depois de 2400 anos de quase
estagnação. Ver operador verofuncional, lógica, lógica formal. DM
lógica formal
O estudo da argumentação válida que depende exclusivamente da forma
lógica. Por exemplo, a validade do seguinte argumento depende inteiramente
da sua forma lógica: "Alguns homens são mortais; logo, alguns mortais são
homens". A forma lógica deste argumento é a seguinte: Alguns A são B; logo,
alguns B são A. Não é difícil ver que qualquer argumento que tenha esta forma
lógica é válido. Não se deve pensar que só a lógica clássica é formal; a lógica
aristotélica é igualmente formal, apesar de em geral se usar menos símbolos.
Os argumentos cuja validade não depende inteiramente da sua forma lógica
são o objecto de estudo da lógica informal. Ver lógica. DM
lógica informal
O estudo da argumentação válida que não depende exclusivamente da forma
lógica. Por exemplo, os seguintes argumentos são válidos mas não dependem
exclusivamente da sua forma lógica: "Sócrates era casado; logo, não era
solteiro"; "Todos os corvos observados até hoje são pretos; a cor dos corvos
está geneticamente determinada; só poderia alterar-se em condições
ambientais diferentes das geralmente escolhidas pelos corvos para viver;
logo, todos os corvos são negros". Os tipos mais estudados de argumentos
informais são as induções (generalizações e previsões), argumentos de
autoridade, argumentos por analogia e argumentos causais. Os estóicos
introduziram o estudo dos aspectos pragmáticos da argumentação,
anteriormente estudados na retórica, e que visam tornar os argumentos
sólidos racionalmente persuasivos. Ver lógica, argumento de autoridade,
indução. DM
logos
Termo grego que significa, entre outras coisas, "razão", "argumento",
"discurso". O termo foi introduzido na filosofia por Heraclito (cerca de 535-475
a. C.), para referir a ordem racional subjacente a toda a mudança. Opõe-se
muitas vezes o logos, o pensamento racional, ao mythos, o discurso dos mitos
tradicionais. Os filósofos gregos distinguiram-se por terem introduzido a ideia
de que tudo é susceptível de discussão racional, incluindo as tradições
religiosas e os mitos tradicionais a elas associados. DM
.: M :.maiêutica
Nome pelo qual a personagem Sócrates, no Teeteto de Platão, designa o seu
método de perguntas e respostas. O interesse da expressão está no facto de
pôr ênfase no lado positivo do processo, uma vez que se trata de partejar as
almas dos interlocutores de modo a que estes dêem à luz as ideias que de
forma não consciente já contêm em si e que pode, por isso, ser entendido
como um processo complementar da reminiscência. Nesse sentido, talvez
seja mais uma noção platónica do que socrática. AN
mal moral
O mal que resulta das más acções humanas. Por exemplo, assassínios, guerras,
etc. CT
mal natural
O mal que resulta da natureza. Por exemplo, cheias, terramotos, doenças,
etc. CT
mal, problema do
Ver problema do mal.
mandamentos divinos, teoria dos
Ver teoria dos mandamentos divinos.
Maquiavel, Niccolò (1469-1527)
Filósofo italiano de enorme importância na história do pensamento político.
Foi considerado imoralista, adepto da ideia de que os fins justificam sempre
os meios. É falso. Maquiavel não rejeita pura e simplesmente a moral, não diz
que bem e mal são conceitos sem qualquer sentido. Separa a moral da
política. O bom homem de estado é o que alcança e mantém o poder e não
tem para tal de ser moralmente bom ou virtuoso. Seguir a moral pode ser uma
desgraça para o interesse público. Em nome deste pode permitir-se, quando
necessário, infracções à moral (mentiras, astúcias, crimes). A política não
pode subordinar-se à moral. Se o governante quiser ser virtuoso, que o seja na
sua vida privada. O realismo político de Maquiavel nega radicalmente a visão
medieval e cristã da política e a perspectiva platónica, o que se pode
confirmar pela leitura de O Príncipe (1532; trad. Europa-América, 1994), a
sua obra mais conhecida. LR
Marx, Karl (1818-1883)
Filósofo alemão que apresenta uma interpretação materialista da história,
cujo objectivo é transformar a sociedade mediante uma actividade
revolucionária consciente das condições objectivas em que se exerce. A
economia é a chave da compreensão dos acontecimentos históricos. Mais do
que negar a importância das ideias, Marx nega que, só por si, elas possam
mudar a vida dos seres humanos. As ideias dominantes são sempre as da classe
economicamente dominante. Mas nenhuma classe domina para sempre e nem
sempre haverá luta de classes. A exploração e a alienação terminarão com o
advento da sociedade comunista, uma sociedade sem classes. No Manifesto
do Partido Comunista (1848; trad. 1999, Editorial Avante) e em A Ideologia
Alemã (1846; trad. 1980, Presença), Marx pretende ter apresentado uma visão
dialéctica, científica e não utópica da história: cada forma de organização
social desenvolve dentro de si própria as condições da sua inevitável negação.
LR
matéria
Aquilo, seja o que for, que tem existência física e ocupa espaço; que tem
forma, tamanho e se pode mover. Muitos filósofos sintetizam, dizendo que os
objectos materiais são substâncias que têm extensão (ver substância), mas os
cientistas têm levantado muitas dúvidas acerca da noção tradicional de
matéria. Algumas formas de idealismo negam a existência de objectos
materiais e algumas formas de materialismo defendem que só há objectos
materiais. AA
materialismo
teoria segundo a qual toda a realidade é de natureza material ou redutível
(ver reducionismo) a processos de natureza material e que, em geral, nega a
existência de estados mentais independentes desses processos. A doutrina foi
advogada pela primeira vez por Leucipo e Demócrito, filósofos gregos do séc.
V a. C., que viram naquilo a que chamaram átomos, juntamente com o
espaço, os constituintes de tudo o que existe. Os filósofos actuais, no
entanto, preferem falar de fisicalismo em vez de materialismo, uma vez que
a física moderna concebe a matéria como sendo composta de protões,
neutrões e electrões. O materialismo é ainda importante como uma possível
solução para o problema da mente-corpo. Ver epicurismo,
dualismo/monismo. AN
máxima
Na ética deontológica de Kant, as máximas são os princípios que indicam o
que leva as pessoas a agir. Pode-se fazer a mesma coisa segundo máximas
diferentes, e para Kant o valor moral de um acto depende primariamente,
não daquilo que se faz, mas da máxima que está subjacente àquilo que se faz.
Um comerciante que não engana os clientes pode agir segundo a máxima
"Devemos ser honestos", sendo motivado pela honestidade, mas também pode
agir segundo a máxima "Não enganes os outros se não queres perder clientes",
sendo neste caso motivado pelo interesse pessoal. Kant afirma que só no
primeiro caso o acto do comerciante tem valor moral. Ver também dever,
imperativo categórico, vontade boa. PG
mecanicismo
Concepção da natureza, típica de filósofos e cientistas modernos, como
Galileu, Descartes e Newton, segundo a qual tudo o que acontece se pode
explicar à luz de forças físicas que provocam "puxões" e "empurrões". Tal como
qualquer máquina, a natureza é composta por inúmeras "peças" ligadas entre
si, cujo funcionamento regular e previsível pode ser reduzido a um conjunto
limitado de leis, as leis da mecânica. Por isso o mecanicismo é uma forma de
reducionismo. O mecanicismo surgiu como oposição às concepções
organicista e animista da natureza, herdadas de Aristóteles e dos teóricos
medievais. As descobertas do físico escocês James Maxwell (1831-79) acerca
da radiação electromagnética abalaram seriamente a concepção mecanicista
da natureza. AA
mediação
Ver imediatez/mediação.
metaética
Área da ética que, em vez de se ocupar de teorias normativas (ver
normativo/descritivo) relativas àquilo que devemos fazer ou ao tipo de
pessoa que devemos ser, investiga a própria natureza dessas teorias e da
moralidade em geral. Na metaética discute-se, por exemplo, até que ponto e
em que sentido a ética depende da razão ou da emoção. Outro problema
importante é o de saber por que motivo havemos de agir moralmente. Uma
questão central nesta área é a de saber se e como os juízos morais são
objectivos (ver objectivo/subjectivo). Entre as teorias que procuram
esclarecer esta questão, contam-se o realismo moral, o subjectivismo moral,
o emotivismo, o relativismo moral e a teoria dos mandamentos divinos. Ver
Hare. PG
metafilosofia
Chama-se "metafilosofia" às teorias acerca da natureza da filosofia. Estas
teorias não tratam conceitos como, por exemplo, os de verdade, bem,
justiça, dever, beleza, ser, conhecimento, etc.; nem respondem a
problemas como, por exemplo, o de saber se todas as desigualdades são
injustas ou se existe um sentido da vida, etc.. Em metafilosofia examina-se a
natureza dos problemas filosóficos, como se devem estudar as teorias e os
argumentos da filosofia, ou que papel desempenha a interpretação de textos,
o conhecimento do contexto histórico ou o domínio da lógica no trabalho
filosófico. Por exemplo, quando se discute a utilidade, a historicidade ou a
universalidade da filosofia está-se em pleno campo metafilosófico. APC
metafísica
O estudo dos aspectos conceptuais mais gerais da estrutura da realidade. Por
exemplo: Serão todas as verdades relativas, ou haverá verdades absolutas? E o
que é a verdade? Ao longo do tempo um ser humano muda de personalidade,
fica fisicamente diferente, perde cabelo, etc. — como se pode então dizer
que é a mesma pessoa? Será que a vida faz sentido? Será que temos livre-
arbítrio? A ontologia é a disciplina da metafísica que estuda quais as
categorias de coisas que há. Por exemplo: Será que há números, ou são meras
construções humanas? Terão os universais, como a brancura, existência
independente dos particulares, isto é, das coisas brancas? Serão as
possibilidades não realizadas reais, ou meras fantasias? O que hoje em dia se
chama "lógica filosófica" abrange em grande parte os temas da metafísica
tradicional, introduzidos na obra Metafísica, de Aristóteles, designadamente o
problema da identidade e persistência de objectos ao longo do tempo. A
designação de "metafísica", contudo, não foi introduzida por Aristóteles, que
usava a expressão "filosofia primeira", muito corrente ainda no séc. XVII, mas
hoje pouco usada — o que é uma pena, pois não permite o trocadilho
informativo que consiste em dizer que a filosofia primeira estuda as questões
últimas. No sentido popular do termo, "metafísica" quer dizer algo totalmente
diferente: o "estudo" de questões que transcendem a realidade material:
ocultismo, espiritismo, etc. Em filosofia, a metafísica não é nada disto.
A metafísica é uma das disciplinas centrais e mais gerais da filosofia;
muitas outras disciplinas abordam problemas metafísicos particulares. Por
exemplo: a filosofia da acção estuda, entre outras coisas, o problema
metafísico de saber o que é e como se individua uma acção (isto é, como se
distinguem as acções umas das outras); a filosofia da ciência estuda, entre
outras coisas, o problema ontológico de saber se as entidades inobserváveis
postuladas pelas ciências (como os quarks) têm existência real e
independente de nós, ou se são meras construções humanas.
Com o desenvolvimento da ciência moderna, a partir do séc. XVII, a
metafísica começou a sofrer ataques por não produzir resultados à
semelhança da ciência; afinal, era a ciência empírica, como a física, que
produzia conhecimento seguro sobre a natureza última das coisas, e não a
metafísica. Esses ataques começam com Kant. Posteriormente, algumas
escolas de filosofia, como o positivismo lógico, encaravam a metafísica como
coisa mítica do passado. Contudo, na filosofia contemporânea, a força dos
problemas metafísicos voltou a impor-se, e o seu estudo floresceu uma vez
mais. DM
Russell, Bertrand, Os Problemas da Filosofia, Caps. 9 e 10 (Coimbra: Almedina, 2001).
Nagel, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto?, Caps. 9 e 10 (Lisboa: Gradiva, 1995).
metáfora
Um recurso literário em que se usa uma ideia ou imagem para falar de outra
coisa que não essa ideia ou imagem. A alegoria da caverna de Platão, por
exemplo, é usada não para falar de cavernas e escravos, mas para falar de
alguns aspectos importantes do conhecimento e da atitude das pessoas
relativamente a ele. Assim, o interesse de uma metáfora não é a ideia ou
imagem usada, mas o que esse uso significa. DM
método científico
Conjunto de procedimentos usados pelos cientistas para obter um
conhecimento tão certo (ver certeza) e seguro quanto possível na sua área
de investigação. Até aos primeiros anos do séc. XX, uma concepção de método
baseada na indução e derivada das ideias de Francis Bacon (1561-1626) e de
Galileu Galilei teve a preferência dos cientistas. A descoberta de que algumas
teorias científicas, consideradas verdadeiras com base nesse método eram,
na realidade, falsas, levou à formulação de metodologias alternativas, das
quais a mais importante e conhecida é o falsificacionismo de Karl Popper.
Outras tentativas de explicar a investigação científica, como a de Thomas
Kuhn, que, em vez de formular teorias normativas e racionalistas (ver
racionalismo) da ciência, procura descrever (ver normativo/descritivo) a
forma como progride, ou como a de Paul Feyerabend, ao defender a
inexistência do método científico e a ideia de que "qualquer coisa serve", têm
sido por muitos consideradas irracionalistas (ver irracionalismo). Ver
experiência, explicação científica, falsibicabilidade, filosofia da ciência,
generalização, incomensurabilidade, método experimental, método
hipotético-dedutivo, problema da indução, verificabilidade,
verificacionismo. AN
método experimental
O método experimental é o conjunto de procedimentos científicos que
incorporam sistematicamente a experimentação como forma de estabelecer a
verdade/falsidade de uma certa hipótese científica. A padronização dos
testes experimentais possibilita a sua repetição em quaisquer situações
análogas e permite uma confirmação independente dos resultados pela
comunidade científica, o que não acontece com os enunciados não científicos
e pseudocientíficos. Dada a importância da exactidão dos dados a utilizar, o
método experimental exige um aparato técnico progressivamente mais
sofisticado, com o qual se ampliam as limitadas capacidades naturais de
percepção humana. Embora exista uma concepção largamente difundida do
método experimental segundo a qual este consiste na sequência observação
— hipótese — experimentação — lei ou reformulação da hipótese, em filosofia
da ciência discute-se a correcção desta descrição. Ver Galileu,
falsificabilidade, corroboração, método científico e método hipotético-
dedutivo. APC
método hipotético-dedutivo
Trata-se de um método empregue na ciência para avaliar uma certa hipótese
acerca dos fenómenos em estudo. Neste método, formula-se uma dada
hipótese sob a forma de uma premissa com a forma lógica de uma afirmação
condicional, que se submete a um teste que a confronta com os factos,
deduzindo-se então se é, ou não, uma hipótese correcta (ver dedução).
Imagine-se que um cientista, ao descobrir uma dada substância, formula a
seguinte hipótese: "Se esta substância é água, então entra em ebulição a 100º
centígrados". Em seguida, o cientista vai testar esta hipótese submetendo a
substância à temperatura de 100º centígrados. Se a substância não entrar em
ebulição àquela temperatura, o cientista deduz que não é água e que a
hipótese era falsa (ver verdade/falsidade). O seu raciocínio tem a forma
lógica de um modus tollens e pode ser formalizado da seguinte maneira:
Premissa da hipótese: Se esta substância é água, então entra em ebulição a
100º centígrados. Premissa do teste: Esta substância não entra em ebulição a
100º centígrados. Conclusão: Logo, esta substância não é água.
Pelo contrário, se a substância entrar em ebulição àquela temperatura, a
hipótese é corroborada (ver corroboração). Em filosofia da ciência é habitual
contrastar o método hipotético-dedutivo com o método indutivo (ver indução
e Mill), em que as leis são generalizações feitas com base na experiência de
um número significativo de fenómenos particulares. Ver falsificabilidade,
generalização, explicação científica, método científico e método
experimental. APC
milagres
Intervenções divinas que violam uma lei da natureza. Exemplos de milagres
são fenómenos como a levitação de santos, a transformação de água em
vinho, etc. Os milagres são por vezes usados como premissas de argumentos a
favor da existência de Deus: se os milagres são o resultado da intervenção
divina, então revelam a existência de Deus. Hume objectou à existência de
milagres, defendendo que é sempre mais provável que os relatos de milagres
sejam falsos do que tenham de facto acontecido as coisas extraordinárias que
relatam. Ver filosofia da religião. CT
Mill, John Stuart (1806-1873)
Filósofo inglês, tornou-se o principal representante do empirismo no séc. XIX.
Mill defendeu que todo o conhecimento científico — até o matemático —
resulta de inferências indutivas realizadas a partir da experiência sensível
(ver indução), propôs um conjunto de métodos para avaliar tais inferências e
introduziu a concepção nomológico-dedutiva das explicações científicas (ver
explicação científica). Na ética, Mill destacou-se como defensor do
utilitarismo, tendo associado esta teoria a uma versão peculiar de
hedonismo, segundo a qual, mais do que a quantidade, interessa a qualidade
dos prazeres de que desfrutamos. Contra o hedonismo do seu predecessor,
Jeremy Bentham (1748-1832), sustentou que os prazeres mentais são
intrinsecamente superiores aos corporais, de tal modo que os primeiros são
preferíveis seja qual for a duração e intensidade dos segundos. Na filosofia
política, Mill advogou o liberalismo. Argumentou decisivamente a favor da
liberdade de pensamento e expressão, bem como da igualdade entre homens
e mulheres. Algumas das suas obras mais importantes são Utilitarismo (1861;
trad. 1976, Atlântida Editora), Sobre a Liberdade (1859; trad. 1997, Europa-
América). PG
mimêsis
Termo grego para "imitação". Segundo Platão e Aristóteles, trata-se de uma
noção central da estética. A ideia é que as artes imitam o mundo real. A
noção foi submetida a fortes críticas, a mais notória das quais foi a de Nelson
Goodman. DM
modus ponens
O nome da seguinte forma válida da lógica proposicional: "Se P, então Q; P;
logo, Q". Por exemplo: "Se a vida é sagrada, o aborto é um mal; a vida é
sagrada; logo, o aborto é um mal". Trata-se de uma das formas lógicas mais
usadas na argumentação corrente; é tão usada, que muitas vezes se omite a
segunda premissa e a própria conclusão, afirmando-se apenas a primeira
premissa. DM
modus tollens
O nome da seguinte forma válida da lógica proposicional: "Se P, então Q; não
Q; logo, não P". Por exemplo: "Se Deus existe, o mal não existe; mas o mal
existe; logo, Deus não existe". Trata-se de uma das formas lógicas mais usadas
na argumentação corrente; é tão usada, que muitas vezes se omite a segunda
premissa e a própria conclusão, afirmando-se apenas a primeira premissa. DM
mónada
Termo popularizado por Gottfried Wilhelm Leibniz na obra Princípios de
Filosofia Ou Monadologia (trad. 1987, INCM) para designar as substâncias
básicas individuais (ver substância) que constituem o universo. As mónadas
são entidades únicas, indestrutíveis, imateriais, sem extensão nem partes,
semelhantes a almas, e dotadas de percepção (representação das coisas) e
de apetição (tendência para ter sucessivas percepções). As mónadas diferem
pelo grau de percepção de que são capazes e, embora não tenham quaisquer
relações entre si, estão perfeitamente sincronizadas umas com as outras por
intermédio de uma harmonia pré-estabelecida. Os objectos do mundo
material são colecções de mónadas. AN
moral
O mesmo que ética. Contudo, usa-se por vezes o termo "moral" não como
sinónimo de ética mas para referir os costumes de um povo,
independentemente de serem relevantes ou não para a ética, costumes esses
enraizados em determinadas tradições, muitas vezes de carácter religioso.
Assim, uma pessoa pode considerar que é imoral trabalhar ao Sábado, não no
sentido filosófico de ser eticamente condenável, mas apenas no sentido de ser
proibido pela sua tradição religiosa. Do ponto de vista ético, trabalhar ou não
trabalhar ao Sábado poderão ser escolhas igualmente legítimas. É neste
sentido que se distingue um moralista de um eticista. Um moralista é alguém
que defende ou condena certos costumes com base em tradições religiosas ou
culturais; um eticista é um especialista em ética, que defende ou condena
certas práticas com base numa argumentação filosófica. DM
mundo exterior
O mundo que percepcionamos através dos sentidos, do qual também fazemos
parte e no qual agimos no nosso dia-a-dia. Diz-se "exterior" para o distinguir
de conteúdos mentais, como pensamentos, ideias, desejos, crenças, etc., de
que temos experiência directa e que, portanto, constituem o nosso mundo
interior ou mental. Saber se temos ou não acesso directo ao mundo exterior,
ou até se existe algo a que possamos chamar mundo exterior, é alvo de
disputa entre os partidários do realismo e do idealismo. AA
mundo sensível
O mundo da maneira como é percepcionado pelos nossos sentidos. Platão
considerava que esse era um mundo de falsas imagens e ilusões, contrapondo-
o ao "mundo inteligível", apenas acessível à razão e onde podemos encontrar
a verdade. Ver também alegoria da caverna. AA
mutatis mutandis
Expressão latina que significa "fazendo as mudanças necessárias". Por
exemplo, pode-se dizer que as críticas de Sócrates à sociedade superficial e
acrítica do seu tempo se podem fazer à sociedade de hoje, mutatis mutandis.
DM
.: N :.não-contradição, princípio da
Chama-se "princípio da não-contradição" à ideia de que duas afirmações
contraditórias não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Por
exemplo: dado que as afirmações "Sócrates é alto" e "Sócrates não é alto" são
contraditórias, o princípio declara que não podem ser ambas verdadeiras nem
ambas falsas. Quando uma lógica aceita o princípio da não-contradição
significa que qualquer afirmação com a forma "P e não P" será uma falsidade
lógica. Algumas lógicas modernas recusam este princípio, como é o caso da
lógica paraconsistente. Não se deve confundir a não-contradição com o
princípio da bivalência: este último é a ideia de que só há dois valores de
verdade e que todas as proposições têm um dos dois, e só um dos dois. Não se
deve também pensar que a não-contradição é de alguma maneira um axioma
da lógica clássica; na verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não
um ponto de partida. Aristóteles defende o princípio na sua obra Metafísica (Γ
4). Note-se que a redução ao absurdo só é válida caso se aceite o princípio
da não-contradição. DM
necessário/contingente
Diz-se que uma verdade é necessária se não podia ter sido falsa. Ou seja,
sejam quais forem as circunstâncias, é verdadeira. Por exemplo, sejam quais
forem as circunstâncias, dois mais dois são quatro. Diz-se que uma verdade é
contingente quando é verdadeira mas poderia ter sido falsa. Por exemplo, é
verdade que Aristóteles foi um filósofo, mas isto poderia ter sido falso. Se
Aristóteles, por exemplo, se tivesse dedicado exclusivamente à agricultura,
não teria sido um filósofo. Há filósofos que rejeitam esta distinção. Não se
deve confundir o necessário/contingente com o analítico/sintético, nem com
o a priori / a posteriori. CT
negação (¬)
Uma proposição da forma "não P", que é verdadeira se P for falsa e vice-versa.
Por exemplo: "A vida não tem sentido" é a negação de "A vida tem sentido". A
negação é por vezes enganadora. Intuitivamente, a negação de "Todas as
verdades são relativas" é "Nenhuma verdade é relativa"; mas isto é falso. A
negação correcta é "Algumas verdades não são relativas". DM
negação da antecedente, falácia
Ver falácia da negação da antecedente.
neopositivismo
Ver positivismo lógico.
Nietzsche, Friedrich (1844–1900)
O pensamento deste filósofo alemão é uma radical crítica à cultura ocidental,
segundo Nietzsche envenenada por uma atitude antinatural que desvaloriza o
mundo sensível (o mundo do devir), tudo o que é corpóreo e sobrevaloriza a
razão. Sócrates e Platão são os criadores desta perspectiva, mas é a moral
cristã que sofre as mais violentas críticas porque a desenvolveu e popularizou,
como procura mostrar em Para a Genealogia da Moral (1887). A moral cristã
transformou em dever o desprezo pelo que é terreno. O fundamento da
mensagem religiosa e moral que, em nome de um paraíso artificial,
transforma a vida num inferno é Deus. Um tal Deus é incrível. A "morte de
Deus" significa que a fé em Deus morreu, como anuncia em O Anticristo
(1888). Nietzsche pensa que a "morte de Deus" é uma "Boa Nova" porque
permitirá libertar a vida de uma negação doentia. Sobre a vida humana já não
pesa o fardo do Além nem a ameaça do Juízo Final. Contudo, se encaminhar a
vida para Deus era um grandioso desperdício, será um mesquinho desperdício
não criar novos valores. O não a Deus deve ser acompanhado pelo sim à vida,
o não ao céu pelo sim à terra. Para vencer o niilismo que desde Sócrates
intoxicou a cultura ocidental devemos colocar esta vida acima de qualquer
negação, preferi-la a todo e qualquer outro valor. É por isso que, ao contrário
do que às vezes se diz, Nietzsche não é niilista. Opõe-se aos valores criados
pela moral cristã e pela cultura ocidental, na medida em que, eles sim,
reduzem a nada (nihil) o valor deste mundo. Encobriu-se esse niilismo com
expressões como "reino de Deus", "vida eterna" e "o outro mundo", com a
finalidade de negar o mundo terreno, passando a ideia de que, em si, nada é.
A "sagração da vida", do mundo do devir, um "sim sem reservas" e para sempre
ao único mundo real, eis o que definirá o novo modelo de Homem, tão
exigente e difícil de conseguir como o sim à vida em todos os seus aspectos.
Por isso, Nietzsche dar-lhe-á o nome de Super-homem.
Há também quem considere Nietzsche imoralista, como parece patente
no próprio título de Para Além do Bem e do Mal (1886). Mas isso só é correcto
se por tal se entender que pretende destruir a moral cristã, a moral do não à
vida. O seu objectivo é libertar a vida da moral cristã substituindo-a por uma
moral que celebre a vida na sua totalidade, mesmo nos seus aspectos
chocantes e dolorosos. Nietzsche recusou-se escrever no estilo dos filósofos
tradicionais, exprimindo-se através de afirmações contundentes e aforísticas.
A sua escrita é bastante metafórica e com um recorte literário evidente,
como se verifica em Assim Falava Zaratustra (1883-91), a sua obra mais
aclamada. LR
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, capítulo19, (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 11 (Lisboa: Presença, 1989).
Nietzsche, Friedrich, Assim Falava Zaratustra (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, O Anticristo; Ecce Homo; Nietzsche Contra Wagner (Lisboa:
Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para a Genealogia da Moral (Lisboa: Relógio d'Água, 2000).
Nietzsche, Friedrich, Para Além do Bem e do Mal (Lisboa: Relógio d'Água, 1999).
Reale, Giovanni e Antiseri, Dário, História da Filosofia, volume 3 (São Paulo: Edições
Paulinas,1990).
Vattimo, Gianni, Introdução a Nietzsche (Lisboa: Presença, 1990).
niilismo (do latim "nihil", que significa "nada")
Designa a convicção de que a existência e a vida não têm sentido ou
finalidade. O niilista nega que haja princípios morais aceitáveis. Associa-se o
termo a uma concepção radicalmente pessimista que considera a vida um erro
e propõe a negação da vontade de viver. A noção de niilismo desempenha um
papel importante na filosofia de Nietzsche. O problema central do seu
pensamento é como ultrapassar o niilismo. Considera-o uma interpretação da
existência que negou os valores autênticos e a vontade de viver esta vida por
si mesma. Tal interpretação começou, segundo Nietzsche, com Platão e
Sócrates e foi popularizada e reforçada pelo Cristianismo. A célebre
declaração "Deus morreu" é a consequência lógica do desenvolvimento da
metafísica e da moral ocidentais que tornaram Deus indigno de crença. A
morte de Deus torna claro para quem a sabe interpretar que os valores
tradicionais nada valiam e exige a criação de valores que consagrem o que em
seu nome se negou: esta vida e este mundo. LR
noesis
Termo grego usado por Platão para referir o mais elevado tipo de
conhecimento. DM
non sequitur
Expressão latina que significa literalmente "não se segue". Diz-se dos
argumentos (falaciosos) em que a conclusão não se segue das premissas. Ver
falácia. AA
normativo/descritivo
Uma oposição quando à maneira como se faz a correspondência entre as
afirmações e a realidade (o que os filósofos chamam "o sentido da
correspondência"). Numa afirmação normativa pretende-se fazer corresponder
a realidade à afirmação; numa afirmação descritiva pretende-se fazer
corresponder a afirmação à realidade. Por exemplo: "Não devemos maltratar
os animais" é uma afirmação normativa, pois pretende que aconteça na
realidade o que se afirma; e "A Terra é redonda" é uma afirmação descritiva,
pois pretende que a afirmação represente a realidade. Alguns filósofos
defendem, contudo, que esta distinção é superficial e enganadora. Por
exemplo, diz-se por vezes que a ética e a lógica são disciplinas normativas;
mas é perfeitamente possível defender que são disciplinas que procuram
descrever o que o bem e a validade realmente são e não o que as pessoas
pensam que são — e, neste caso, são disciplinas descritivas como a história ou
a física. Ver juízo de facto / juízo de valor. DM
nous
Termo grego para "mente". O termo foi usado por Platão e outros filósofos
anteriores a Aristóteles, mas foi este último que lhe deu um significado mais
sistemático, muito semelhante ao que hoje entendemos por "espírito",
"mente" ou a res cogitans de Descartes: a parte cognitiva do ser humano. DM
númeno
Conceito utilizado por Kant para designar qualquer realidade que não possa
ser objecto da nossa experiência (intuição sensível). Como o conhecimento
humano não se estende além da experiência, o númeno é inacessível (por
exemplo, Deus). Opõe-se ao fenómeno porque este está ao alcance da
intuição sensível e do conhecimento científico. Como os limites do nosso
conhecimento não têm de ser os limites da realidade, podemos pensar que,
apesar de incognoscível, o númeno existe. O númeno é o que pode ser
pensado como existente em si. O fenómeno existe como algo que pode ser
conhecido. LR
.: O :.objectivismo estético
Doutrina acerca da justificação dos juízos estéticos, de acordo com a qual
juízos como "x é belo" dependem da existência de certas características em x.
Há, assim, características objectivas em virtude das quais as coisas belas são
belas. Esta doutrina opõe-se ao subjectivismo estético, dado que, na opinião
do objectivista, o belo não é subjectivo nem depende dos gostos das pessoas.
O que conta não são os sentimentos que temos quando apreciamos os
objectos, mas o que faz parte integrante dos próprios objectos. O filósofo
americano Monroe Beardsley (1915-85) é um dos representantes
contemporâneos do objectivismo estético. AA
objectivismo/subjectivismo
Distinção fundamental acerca da natureza das afirmações da metafísica, mas
também da epistemologia, da ética e da estética. O objectivismo defende
que as verdades de alguma ou algumas áreas do conhecimento são
independentes do nosso conhecimento ou experiência delas. Assim, por
exemplo, o objectivismo em ética é a ideia de que o valor de verdade dos
juízos éticos, como "Não se deve torturar pessoas inocentes", é independente
do que possamos pensar desse juízo, ou das perspectivas de cada sujeito. Em
oposição a isso, os subjectivistas defendem que o valor de verdade dos juízos
éticos, estéticos, metafísicos ou epistemológicos depende fortemente da
perspectiva que cada sujeito tem da "realidade". O subjectivismo estético,
por exemplo, defende que não se pode dizer que a Nona Sinfonia de
Beethoven é bela ou não: a beleza está nos olhos do observador. Note-se que
é possível defender o subjectivismo ético, por exemplo, e ao mesmo tempo
rejeitar o subjectivismo metafísico, sem qualquer contradição. AA
objectivo/subjectivo
Distinção entre o que é independente do sujeito e o que depende apenas do
sujeito (sentimentos, pensamentos, crenças, desejos, etc.). Ver
objectivismo/subjectivismo e qulidades primárias e secundárias. AA
obra de arte
Saber quais são os objectos que podem ser classificados como obras de arte é
um dos principais problemas da filosofia da arte: o problema da definição de
arte. Alguns filósofos pensam que há propriedades essenciais (ver definição
essencialista) às obras de arte, que permitem classificá-las como tal,
divergindo entre si quanto à identificação de tais propriedades. Outros
pensam que existem propriedades necessárias e suficientes (ver condição
necessária e suficiente), mas não essenciais, sendo antes de carácter
contextual e institucional. Outros ainda, afirmam não ser possível identificar
um conjunto de propriedades fixas, comuns a todas as obras de arte. Deve
salientar-se que não são apenas objectos físicos, como quadros e esculturas,
que contam como obras de arte. Uma canção, uma interpretação teatral ou o
conjunto de movimentos que constituem uma peça de dança também podem
ser obras de arte. Ver também definição explícita e parecença familiar. AA
observação
Quando é espontânea consiste em pouco mais do que ter experiências (ver
experiência) ou sensações casuais e tem pouco interesse científico. A
observação sistemática, pelo contrário, permite produzir e testar teorias e,
por isso, é de grande importância para as ciências empíricas. A observação
científica realiza-se em condições controladas, procura responder a questões
previamente estabelecidas e exige a recolha, o exame e o registo sistemáticos
e objectivos (ver objectivo/subjectivo) dos dados observados. O termo é
também frequentemente usado para designar uma das fases do método
experimental. Ver experiência científica, verificabilidade. AN
Ockham, William of (1285-1347)
Também conhecido por Guilherme de Ockham. Filósofo e teólogo franciscano
inglês, Ockham fez contribuições importantes para diversas áreas da filosofia
como a lógica, a metafísica, a teoria do conhecimento, a ética e a filosofia
política. É, no entanto, conhecido sobretudo pela sua defesa do nominalismo,
o ponto de vista segundo o qual os universais (ver universal) não são coisas
reais, mas apenas nomes ou conceitos (ver conceito); e pelo princípio
metodológico conhecido como "navalha de Ockham" ou princípio da
parcimónia ("as entidades não devem ser multiplicadas para além do
necessário"), que recomenda a simplicidade como critério na construção de
teorias (ver teoria). A polémica em que se envolveu com o Papa João XXII
sobre a "pobreza apostólica" conduziu, em 1328, à sua excomunhão e fuga
para Pisa e depois para Munique, cidade onde, sob a protecção de Luís da
Baviera, passou o resto dos seus dias e onde escreveu sobretudo defendendo a
separação entre a Igreja e o Estado. AN
ontologia
Disciplina da metafísica que estuda quais as categorias de coisas que há. Por
exemplo: Será que há números, ou são meras construções humanas? Terão os
universais, como a brancura, existência independente dos particulares, isto é,
das coisas brancas? Serão as possibilidades não realizadas reais, ou meras
fantasias? Por que razão há coisas e não nada? Por vezes, usa-se erradamente
o temo "ontologia" para falar de metafísica, isto é, para falar do estudo da
natureza última das coisas. DM
operador verofuncional
Um operador verofuncional é uma conectiva proposicional (por exemplo, a
conjunção "e" ou o advérbio "não") que se combina com uma ou mais frases
para originar outra, mais complexa. Por exemplo, as frases "Cavaco Silva quer
ser Presidente" e "Santana Lopes quer ser Presidente" podem combinar-se por
meio da conectiva "e" para formar a frase complexa "Cavaco Silva quer ser
Presidente e Santana Lopes quer ser Presidente". Quando temos um operador
verofuncional, o valor de verdade da frase mais complexa é determinado
apenas pelos valores de verdade das frases que a compõem; diz-se então que
esse valor de verdade é uma função dos valores de verdade das frases
componentes — daí a designação "verofuncional". Defende-se usualmente que
conectivas como "e" e "ou" são verofuncionais (do mesmo modo que as suas
traduções " " e " " do cálculo proposicional). Com efeito, é razoável defender
que frases da forma [A e B] são verdadeiras se quer A quer B forem
verdadeiras e são falsas se pelo menos uma delas for falsa; e frases da forma
[A ou B] são falsas se quer A quer B forem falsas, e verdadeiras se pelo menos
uma delas for verdadeira. Pelo contrário, operadores como o de crença
("acredita que") não são verofuncionais: o valor de verdade da frase "o João
acredita que Paulo Portas é culpado" não depende, de nenhum modo, do da
frase "Paulo Portas é culpado". O modo como cada operador verofuncional
determina o valor de verdade das frases em que ocorre é representado numa
tabela de verdade. PS
opinião
A expressão de uma crença. Uma distinção fundamental em epistemologia,
introduzida por Platão, é a distinção entre crença (ou opinião) e
conhecimento. Podemos achar que vamos almoçar fora, e acabarmos por não
ir. Mas se soubermos que vamos almoçar fora (se isso for verdadeiramente
conhecimento), então vamos mesmo almoçar fora. Isto significa que o
conhecimento, mas não a crença, é factivo; isto é, podemos acreditar em
coisas falsas, mas não podemos saber coisas falsas. Por outras palavras,
podemos acreditar em falsidades, mas não podemos saber falsidades. CT
oposição, quadrado de
Ver quadrado de oposição.
organon
Termo grego para "instrumento". Aristóteles usou o termo para designar um
conjunto de obras que tratam de lógica, formal e informal, que ele
considerava um instrumento da filosofia e do conhecimento em geral. DM
ousia
Termo grego para "substância" ou, literalmente, "ser". Aristóteles usava o
termo para referir a primeira das suas categorias. O ser ou a substância de
uma coisa é o que subjaz a todas as mudanças que uma coisa sofre ao longo
do tempo. DM
.: P :.padrão de gosto
Diz-se daquilo que tem agradado, de um modo geral, às pessoas de diferentes
épocas e lugares e que serve de critério para justificar os nossos juízos de
gosto. Para Hume o padrão de gosto é algo que pode ser empiricamente
observado. Como subjectivista, Hume defende que os juízos estéticos são
juízos de gosto. Mas defende também que daí não se segue que os gostos são
todos iguais. Os gostos discutem-se na medida em que existe um critério geral
de justificação: o padrão de gosto. O padrão de gosto surge da nossa
disposição para reagir com agrado ou desagrado a certas características dos
objectos. É por isso que, para qualquer pessoa informada e com um gosto
refinado, isto é, conhecedora do padrão de gosto, se torna disparatado
afirmar que a música do Quim Barreiros é melhor do que a de Beethoven. Ver
também subjectivismo estético e teoria do gosto. AA
panteísmo
A concepção de Deus, segundo a qual todas as coisas que existem são partes
ou manifestações de uma única realidade divina. Assim, Deus e o mundo são
uma e a mesma coisa, pelo que Deus é imanente e não transcendente. A
ideia de um Deus criador e providencial é afastada pelo panteísta, pelo que
este se afasta, simultaneamente, das concepções monoteístas e politeístas;
distingue-se também do teísmo, do deísmo e do ateísmo, embora alguns
filósofos teístas o considerem uma forma disfarçada de ateísmo. O panteísmo
costuma ser associado aos estóicos (ver estoicismo), mas os seus mais
destacados defensores foram Espinosa (1632-77) e Hegel. AA
paradigma
1. Um modelo de algo.
2. Em filosofia da ciência é uma noção introduzida por Thomas Kuhn e
que desempenha um papel central na maneira como esse filósofo caracteriza
a actividade científica. O termo nem sempre é usado por Kuhn da mesma
maneira. Mas há dois sentidos principais e complementares: por um lado
refere a teia de crenças, valores, processos, técnicas e instrumentos
partilhados pelos membros da mesma comunidade científica; por outro,
designa um tipo de resultado particular que se torna exemplar e, por isso, se
constitui como modelo na base do qual os cientistas acabam por trabalhar. A
"Astronomia Ptolomaica" e a "Astronomia Copernicana" constituem diferentes
paradigmas, assim como a "Óptica Corpuscular" e a "Óptica Ondulatória". AA
paradoxo
1. Estamos perante um paradoxo quando um argumento aparentemente sólido
conduz a uma afirmação aparentemente falsa ou contraditória. Porque a
afirmação é falsa ou contraditória, somos levados a recusá-la; mas, por outro
lado, não é fácil ver como se pode fazê-lo, dado que há um argumento
aparentemente sólido a seu favor. Por exemplo, a afirmação "Esta afirmação é
falsa" é paradoxal porque se for verdadeira, é falsa, e se for falsa, é
verdadeira. Mas isto colide com a ideia de que não pode haver frases
declarativas com valor assertivo que não sejam verdadeiras nem falsas. Nem
sempre é fácil ver que argumento é colocado em causa por um paradoxo.
Resolve-se um paradoxo mostrando que o argumento em que se baseia não é
sólido: porque é inválido ou porque depende de premissas falsas. Muitas
vezes, a descoberta das premissas falsas envolvidas num paradoxo está na
origem de descobertas fundamentais na área teórica em causa. Mais
raramente, resolve-se um paradoxo afirmando que a conclusão que parecia
falsa ou contraditória não o é. Não se deve confundir paradoxo com falácia.
2. Em termos populares, chama-se paradoxo apenas a qualquer
afirmação contraditória. DM
parcimónia, princípio da
Também conhecido como navalha de Ockham, em referência ao filósofo
nominalista medieval Guilherme de Ockham (c. 1285-1349), este princípio
afirma que não devemos postular a existência de entidades sem necessidade.
É comum usar este princípio para decidir entre duas teorias concorrentes. Por
exemplo, se uma teoria explicar o movimento dos átomos através de forças de
atracção e repulsão e outra apelar a essas mesmas forças mais um diabo
responsável pela deslocação desses átomos, então a primeira teoria é melhor.
CT
parecença familiar
Certas coisas exemplificam um mesmo conceito, porque partilham certas
características, apesar de estas poderem ser diferentes de caso para caso.
São tais semelhanças que permitem estabelecer uma relação de familiaridade
entre coisas que podem até ser muito diferentes entre si. Tal como um filho
pode ter os olhos parecidos com os da mãe, o nariz com o do avô e a boca
com a do bisavô, mas não haver qualquer característica comum a todos. Esta
ideia deve-se a Wittgenstein, que deu o exemplo do conceito de jogo, e é
utilizada na filosofia da arte pelo filósofo Morris Weitz (1916-87). Segundo
Weitz, o conceito de arte não pode ser definido, embora possamos reconhecer
como arte obras completamente inovadoras, o que acontece devido a haver
parecenças familiares entre estas e alguma das obras anteriores. AA
particular
Em metafísica, um particular é aquilo que é único e irrepetível, como Jorge
Sampaio, Coimbra e a minha bicicleta. Os particulares distinguem-se dos
universais, como a brancura, a circularidade e a sabedoria, que são
propriedades exemplificadas por particulares numericamente distintos, isto é,
por várias coisas. AA
Pascal, aposta de
Ver aposta de Pascal.
pensamento caprichoso
Falácia com a seguinte forma: "Era bom que fosse verdade que P; logo, P". Por
exemplo: era bom que me saísse a lotaria; logo, vai-me sair a lotaria. Se em
contextos práticos a falácia é imediatamente visível, em contextos filosóficos
é menos evidente: "Se Deus não existisse, a vida não faria sentido; mas seria
horrível que a vida não fizesse sentido; logo, Deus existe". DM
per accidens
Expressão latina: "por acidente". Usa-se sobretudo na lógica aristotélica para
referir os seguintes padrões de inferência, a que se chamam "conversão per
accidens": "Todo o A é B; logo, algum B é A"; e "Nenhum A é B; logo, algum B
não é A". As duas inferências só são válidas pressupondo que há objectos da
classe A. DM
per se
Expressão latina que significa "por si mesmo". Alguns teólogos afirmam que
Deus existe per se. AA
percepção
A percepção é o modo como tomamos consciência dos objectos, em especial
daquilo que nos é dado pelos sentidos. A pergunta que muitos filósofos
colocam acerca da percepção é a seguinte: será que o facto de
percepcionarmos objectos é suficiente para justificar a existência desses
objectos fora da nossa consciência? A distinção entre aparência e realidade
parece indicar que há diferença entre aquilo que as coisas são e a maneira
como tomamos consciência delas, isto é, a maneira como as percepcionamos.
O modo como funciona a percepção dá lugar a grandes disputas filosóficas e é
um tema central nas discussões acerca da natureza do conhecimento. Há três
grandes teorias da percepção, com diferentes implicações em termos
epistemológicos: o realismo directo, o realismo representativo e o idealismo.
Ver também realismo crítico e realismo ingénuo. AA
pergunta complexa, falácia da
Ver falácia da pergunta complexa.
petição de princípio
Ver falácia da circularidade.
petitio principii
Expressão latina: petição de princípio. Ver falácia da circularidade.
phronêsis
Termo grego que refere a prudência, isto é, o conhecimento prático e moral.
Aristóteles usou o termo para referir o tipo de raciocínio recto em matérias
éticas que é de esperar de uma pessoa virtuosa. DM
physis
Termo grego que significa "natureza física" e também "ordem natural". Na
Antiguidade Grega opunha-se a physis ao nomos (leis ou costumes humanos) e
debatia-se se as leis humanas (nomeadamente éticas e políticas) estavam
inscritas na natureza das coisas, ou se eram meras convenções. Ver
relativismo e ética. DM
Platão (427-347 a. C.)
Filósofo grego que, juntamente com Sócrates, seu mestre, e Aristóteles, seu
discípulo, é uma das figuras mais importantes da filosofia ocidental. Nasceu
em Atenas, numa família aristocrática, e, como era comum na época e nos
jovens da sua classe, ter-se-ia dedicado à política activa não o tivesse dela
afastado, primeiro, o governo dos Trinta Tiranos e, depois, a execução de
Sócrates, em 399. Apesar disso, fez várias viagens à Sicília com o objectivo de
influenciar Dionísio II, tirano de Siracusa, e a sua filosofia está profundamente
marcada por preocupações de carácter ético (ver ética) e político (ver
filosofia política). Fundou em Atenas, em 387, uma escola dedicada ao ensino
e à investigação, chamada Academia, onde ensinou até ao final da sua vida.
Com excepção da Apologia de Sócrates (trad. 1993, INCM), todas as outras
obras que escreveu são diálogos, que é comum distribuir por três períodos:
juventude, maturidade e velhice. As obras do primeiro período tratam de
conceitos morais específicos, como a piedade (Êutifron) ou a coragem
(Laques) e nelas Sócrates é a figura central; as obras de maturidade expõem
as suas principais teorias (teoria das ideias, da imortalidade e transmigração
das almas); e nas obras de velhice, critica e revê algumas das teorias dos
diálogos de maturidade. Defendeu que aquilo que várias acções justas têm em
comum é o facto de participarem da ideia ou Forma de justiça. As Ideias são
eternas e imutáveis, ao passo que as coisas sensíveis, que delas participam,
são perecíveis e mutáveis. Existe uma hierarquia do ser, desde as imagens,
artefactos (ver artefacto) e seres vivos, que constituem o mundo sensível e
que são objecto de opinião, até às entidades matemáticas e às Ideias (de que
a suprema é a Ideia incondicionada de Bem), que constituem o mundo
inteligível e cujo conhecimento consiste na recordação (ver reminiscência)
daquilo que a alma imortal contemplou aquando da sua existência separada
do corpo. A justiça consiste em cada um desempenhar na cidade a função
para a qual a sua natureza é mais adequada e a sociedade justa é aquela em
que os cidadãos estão distribuídos por três classes, de acordo com a sua
natureza: guardiões, que têm a seu cargo o governo; guerreiros, que
protegem a cidade dos inimigos; e artesãos, a que pertencem a generalidade
dos habitantes. As contribuições de Platão para vários domínios da filosofia
são tão importantes que houve quem afirmasse que toda a filosofia posterior
é apenas uma nota de rodapé à sua obra. Ver alegoria da caverna, dialéctica,
inteligível, universais. AN
Hare, R. M., O Pensamento de Platão, (Lisboa: Presença, 1998).
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 3 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Koyré, Alexandre, Introdução à Leitura de Platão, (Lisboa: Presença, 18987).
Koyré, Alexandre, Galileu e Platão (Lisboa: Gradiva, 1986).
Magee, Brian, Os Grandes Filósofos, cap. 1 (Lisboa: Presença, 1989).
Platão, Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton (Lisboa: INCM, 1993).
Platão, Laques, (Lisboa: Edições 70, 1989).
Platão, Hípias Maior (Lisboa: Ed. 70, 2000).
Platão, Hípias Menor (Coimbra: INIC, 1990).
Platão, Cármides (Coimbra: INIC, 1988).
Platão, Lísis (Coimbra: INIC, 1990).
Platão, Íon (Lisboa: Editorial Inquérito, 1988).
Platão, Protágoras (Lisboa: Relógio D'Água, 1999).
Platão, Górgias (Lisboa: Edições 70, 1997).
Platão, Ménon, (Lisboa: Colibri, 1992).
Platão, Fédon (Coimbra: Minerva, 1998).
Platão, Crátilo, (Lisboa: Sá da Costa Ed., 1994).
Platão, Fedro, (Lisboa: Edições 70, 1997).
Platão, O Banquete, (Lisboa: Edições 70, 1991).
Platão, A República (Lisboa: Gulbenkian, 2001).
Platão, Parménides, (Lisboa: Instituto Piaget, 2001).
política, filosofia
Ver filosofia política.
Popper, Karl (1902-1994)
Filósofo da ciência britânico (nascido na Áustria) cuja obra teve um grande
impacto não só entre os filósofos, mas também entre os próprios cientistas.
Em Viena partilhou com os fundadores do positivismo lógico um interesse
profundo pelo conhecimento científico. O avanço do nazismo levou-o a
emigrar para a Nova Zelândia e, mais tarde, para Inglaterra. A filosofia da
ciência de Popper, conhecida por falsificacionismo, proporciona uma solução
original para estes dois problemas: 1) O que distingue as teorias científicas
das não científicas? 2) O que caracteriza o método científico? Popper
responde a 1 defendendo que uma teoria é científica apenas se for
falsificável, isto é, se for incompatível com algumas observações possíveis.
Assim, quando uma teoria genuinamente científica é falsa, em princípio
podemos revelar a sua falsidade recorrendo à observação. Já as teorias
pseudo-científicas, como as que encontramos na astrologia, permanecem
intactas perante quaisquer observações — mas por essa razão acabam por
nada dizer sobre aquilo que observamos. Quanto a 2, Popper defendeu uma
certa perspectiva do método científico. Defendeu, mais precisamente, que a
melhor maneira de fazer ciência é elaborar imaginativamente teorias ou
conjecturas ousadas, mas submetê-las depois a testes rigorosos concebidos
para as refutar ou falsificar. As melhores teorias científicas são as que
resistem a tais testes. Um aspecto importante da perspectiva da filosofia da
ciência de Popper é a sua rejeição da indução. Outro aspecto a salientar é a
sua crítica ao relativismo de filósofos como Kuhn: contra estes filósofos,
Popper sustentou que a ciência nos proporciona conhecimento objectivo e
uma imagem do mundo cada vez mais próxima da verdade (ver realismo).
Popper destacou-se ainda na filosofia política pela sua firme oposição a todas
as formas de totalitarismo, tendo criticado a este respeito as ideias de
Platão, Hegel e Marx. Ver corroboração. PG
Losee, John, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência, Capítulo XI (Lisboa:
Terramar, 1998).
Popper, Karl, A Lógica da Pesquisa Científica (São Paulo: Cultrix, 1974).
Popper, Karl, A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, 2 vols. (Lisboa: Fragmentos,
1993).
Popper, Karl, Conjecturas e Refutações (Coimbra: Almedina, 2003).
Popper, Karl, O Mito do Contexto (Lisboa: Edições 70, 1999).
positivismo
Posição filosófica introduzida pelo filósofo e sociólogo francês Auguste Comte,
segundo a qual o verdadeiro conhecimento advém dos dados dos sentidos. O
positivismo é assim uma forma radical de empirismo. Comte defendeu que o
pensamento humano se divide em três estádios evolutivos: o religioso, o
metafísico e o científico. Os primeiros são estádios primitivos de aquisição de
conhecimento, os quais serão eventualmente abolidos à medida que
evoluímos. O positivismo de Comte é uma teoria descritiva e normativa do
conhecimento humano. Descritiva, porque pretende dar conta do modo como
o nosso conhecimento de facto evolui. Normativa, porque pretende fornecer
regras acerca do modo como devemos alcançar o conhecimento. Esta posição
deu origem a outras versões de positivismo, entre elas o positivismo lógico.
CT
positivismo lógico
Também conhecido por neopositivismo e por empirismo lógico, este
movimento filosófico começou nos anos vinte do séc. passado com o Círculo
de Viena e foi muito influente nas décadas seguintes. Empenhados em
promover uma maneira científica de fazer filosofia, os positivistas lógicos
advogaram um empirismo radical hostil à metafísica, defenderam a unidade
da ciência e propuseram a verificabilidade como critério de significado. No
âmbito da metaética, a adopção deste critério motivou o emotivismo. Os
positivistas lógicos desenvolveram estudos incontornáveis em áreas como a
filosofia da linguagem e a filosofia da ciência. Alguns dos seus membros mais
influentes foram Moritz Schlick (1882-1936), que fundou o movimento,
Carnap, Otto Neurath (1882-1945) e Friedrich Waismann (1896-1959).
Wittgenstein foi uma presença informal no grupo, Popper o seu mais
acérrimo crítico e A. J. Ayer (1910-89) o seu divulgador britânico. PG
possibilidade/impossibilidade
Uma possibilidade é algo que pode ser verdade, ainda que não seja realmente
verdade. Por exemplo, Sócrates chamava-se "Sócrates", mas poderia ter-se
chamado "Diógenes". Evidentemente, tudo o que é realmente verdade é uma
possibilidade. E todas as necessidades são também possibilidades: por
exemplo, se admitirmos que é necessário que 2 + 2 = 4, então é possível que 2
+ 2 = 4 (ver necessidade/contingência). Uma impossibilidade é algo que não
pode ser verdade, além de não ser realmente verdade. Por exemplo, não só
não é verdade que 2 + 2 = 5, como é impossível que 2 + 2 = 5. Evidentemente,
nada do que é realmente verdade é impossível. A lógica modal estuda a
argumentação que envolve os conceitos de possibilidade e necessidade.
Apesar de os exemplos dados se referirem à matemática, há filósofos que
defendem que nem todas as necessidades são de carácter matemático ou
lógico (como "A água é H2O" ou "Sócrates era um ser humano"). DM
post hoc ergo propter hoc
Expressão latina que significa literalmente "depois disso, logo por causa
disso". Ver falácia post hoc.
post hoc, falácia
Ver falácia post hoc.
postulado
Uma proposição que se admite como verdadeira sem qualquer prova.
Desejavelmente, os postulados são auto-evidentes ou pelo menos amplamente
aceitáveis. DM
pragmática
A pragmática analisa os aspectos do significado que dependem do modo como
a linguagem é usada e das intenções comunicativas dos falantes —
distinguindo-se por isso da semântica, que se ocupa tipicamente do
significado literal das expressões linguísticas. Por outras palavras, a
pragmática estuda os significados implícitos que a elocução (ou a escrita) de
uma frase ou sequência de frases pode ser capaz de comunicar. Por exemplo,
eu posso responder a uma pergunta sobre o paradeiro do Rui dizendo "Está um
carro amarelo em frente da casa da Ana", o que permite ao meu interlocutor
inferir que o Rui está em casa da Ana (e que tem um carro amarelo). As regras
de funcionamento deste mecanismo de comunicação de significados implícitos
são, desde que ele foi descoberto pelo filósofo H.P. Grice (1913-88), objecto
privilegiado do estudo da pragmática. Mais geralmente, a disciplina estuda os
princípios que regem a produção de sequências linguísticas, consideradas
como acções (ou actos de fala). J.L. Austin (1911-60) e J. Searle (n. 1932)
formularam teorias gerais dos actos de fala. Os tópicos de que a pragmática
se ocupa foram originalmente discutidos em filosofia da linguagem, e esta
disciplina tem com a pragmática o mesmo tipo de problemas de fronteira que
tem com a semântica. Ver também asserção. PS
pragmatismo
Corrente filosófica segundo a qual a eficácia na aplicação prática fornece o
critério para determinar a verdade das proposições (ver proposição). Assim,
uma proposição é verdadeira se for, na prática, vantajoso sustentá-la, ou, na
versão de William James (1842-1910), se funcionar. Isto significa que o
conhecimento é um instrumento para organizar a experiência e os conceitos
(ver conceito) são hábitos de crença ou regras de acção. Os pragmatistas
pensam que a experiência humana é um processo histórico, contingente (ver
necessário/contingente) e evolutivo e consideram que muitos dos problemas
filosóficos têm origem em dualismos (como teoria-prática e realidade-
aparência), que derivam de teorias do conhecimento que concebem as
crenças como representações (ver representação) e, por isso, chamaram a
atenção para a continuidade entre experiência e natureza, e para a
reciprocidade entre teoria e prática, entre conhecimento e acção e entre
factos e valores (ver valor). O pragmatismo começou com a adopção por
Charles S. Peirce (1839-1914), por volta de 1870, da descrição de uma crença
como um hábito de acção em vez de uma representação da realidade, e entre
os pragmatistas clássicos contam-se também William James e John Dewey
(1859—1952). Para Peirce, o significado de uma proposição é determinado
pelas suas consequências experimentais observáveis, que permitem
estabelecer padrões objectivos (ver objectividade/subjectividade) de
verdade. Para James, ao contrário, é a ideia de eficácia e de sucesso das
pessoas individuais que fornece o padrão de apreciação de uma proposição.
Dewey, por seu lado, vê a investigação como um processo cujos
procedimentos e normas têm de ser avaliados e revistos à luz da experiência
subsequente. Esta revisão é, no entanto, um processo social e comunitário,
feito com base nos valores das pessoas vulgares. Assim, desde o início que
existem duas tendências no pragmatismo, uma objectivista, associada à obra
de Peirce e outra, subjectivista, mais próxima das posições de James.
Actualmente, a influência do pragmatismo faz-se sentir na obra de filósofos
americanos contemporâneos como W. V. Quine, Donald Davidson (1917-2003),
Hilary Putnam (n. 1926) e Richard Rorty (n. 1931). AN
James, William, O Pragmatismo (Lisboa: INCM, 1997).
prática
Termo que significa "acção" ou "actividade" e que foi introduzido por
Aristóteles para, por oposição a theoria (teoria) e poiêsis (arte), referir as
acções (ver acção) que têm origem numa escolha deliberada e pertencem à
esfera da vida ética e da política. O termo foi usado por Marx e pelos
marxistas posteriores (Gramsci, Lukács e Sartre) para afirmar a primazia da
actividade humana concreta, consciente e livre, capaz de transformar a
natureza, a sociedade e o homem, sobre a teoria. Na linguagem comum, a
prática é frequentemente entendida em oposição a teoria. Ver alienação,
teoria. AN
prática, razão
Ver razão prática.
práxis
Ver prática.
predicado
Uma palavra (ou conjunto de palavras) que exprime uma propriedade ou uma
relação. Por exemplo, o predicado "é alto" exprime a propriedade de ser alto.
Os predicados podem ser relacionais ou não relacionais. Um predicado é
relacional quando relaciona pelos menos dois particulares. Por exemplo, o
predicado "é filho de" na frase "O João é filho de Miguel", relaciona o João
com o Miguel. CT
premissa
Uma afirmação usada num argumento para sustentar uma conclusão. Por
exemplo, a premissa do argumento "O aborto não é permissível porque a vida
é sagrada" é a afirmação "A vida é sagrada". Ver entimema. DM
pré-socráticos
O termo refere-se aos filósofos que surgiram antes de Sócrates, sendo que
muitos deles procuravam compreender a origem, a constituição e a natureza
do mundo físico, tendo apresentado as primeiras teorias cosmológicas. Os pré-
socráticos mais importantes foram Tales de Mileto, Anaximandro e Anaxímenes
(da escola jónia de meados do séc. VI a. C.), Pitágoras de Samos (c. 429-347
a. C.), Heraclito de Éfeso (c. 560-475 a. C.), Empédocles de Agrigento (c. 493-
c. 433 a. C.), os eleatas Parménides (n. c. 515 a. C.) e Zenão (n. c. 490 a. C.),
os atomistas Demócrito (460-370 a. C.) e Leucipo (c. 450 a. C.) e ainda
Anaxágoras de Clazómenas (c. 499- 427 a. C.). AA
prima facie
Expressão latina que significa "à primeira vista". Em ética, distinguem-se os
deveres prima facie dos deveres absolutos. Dizer, como Kant, que temos o
dever absoluto de não mentir é pensar que mentir é sempre errado. Dizer que
não mentir é um dever prima facie implica reconhecer que, embora à partida
seja errado mentir, mentir é a melhor opção ética em certas circunstâncias
excepcionais. PG
princípio
As ideias mais gerais e elementares nas quais se procura basear qualquer
investigação, conduta, sistema teórico, etc. Em filosofia os princípios
abundam em todas as áreas. Há o princípio do terceiro excluído em lógica, o
princípio do duplo efeito em ética, o princípio da verificação em filosofia da
linguagem, o princípio da perfeição em metafísica, etc. Princípios esses que
nem sempre são aceites por todos os filósofos, estando frequentemente
associados a determinadas doutrinas filosóficas. AA
princípio do terceiro excluído
Chama-se "princípio do terceiro excluído" à ideia de que, para qualquer
afirmação P, é verdade que P ou não P. Ou seja: o princípio declara que não há
uma terceira possibilidade, entre P e não P, seja qual for a afirmação. Por
exemplo: relativamente à afirmação "Sócrates é alto", só há estas duas
alternativas: "Sócrates é alto" ou "Sócrates não é alto". Quando uma lógica
aceita o princípio do terceiro excluído significa que qualquer afirmação com a
forma "P ou não P" será uma verdade lógica. Algumas lógicas modernas
recusam este princípio, como é o caso da lógica intuicionista. Não se deve
confundir o terceiro excluído com o princípio da bivalência: este último é a
ideia de que só há dois valores de verdade e que todas as proposições têm um
dos dois, e só um dos dois. A relação precisa entre o terceiro excluído e a
bivalência é objecto de disputa filosófica. Não se deve também pensar que o
terceiro excluído é de alguma maneira um axioma da lógica clássica; na
verdade, é um resultado, um ponto de chegada, e não um ponto de partida.
DM
problema da demarcação
Ver critério de demarcação.
problema da indução
Problema de responder ao argumento de Hume cuja conclusão é que os
argumentos indutivos (ver indução), por muito fortes que pareçam, não têm o
menor fundamento. Hume sugere que os argumentos indutivos pressupõem
um princípio da uniformidade da natureza. Por exemplo, depois de
observarmos muitos pedaços de metal que dilataram ao serem aquecidos,
inferimos indutivamente que todos os pedaços de metal dilatam quando são
aquecidos ou que o próximo pedaço de metal que aquecermos também
dilatará, mas uma inferência como esta só é razoável sob o suposto de que a
natureza tem uma forte estabilidade. No entanto, que razões temos para
acreditar que a natureza é uniforme? Podemos dizer o seguinte: temos
observado que a natureza é uniforme; logo, a natureza em geral é uniforme e
continuará a ser uniforme. O problema é que esta justificação para o princípio
da uniformidade da natureza consiste ela própria num argumento indutivo e,
portanto, pressupõe também a ideia de que natureza é uniforme. Assim,
torna-se impossível evitar uma regressão infinita quando tentamos justificar
a indução e, deste modo, parece que as inferências indutivas não têm
justificação racional. Popper aceitou o cepticismo de Hume a este respeito,
mas procurou preservar a racionalidade da ciência defendendo que esta só
recorre à dedução. PG
problema do gosto
Há quem defenda que os juízos estéticos, como "isto é belo", são apenas
juízos de gosto, sendo portanto subjectivos. Ora, isso levanta o seguinte
problema: como é possível manter o carácter subjectivo desse tipo de juízos
estéticos sem cair no cepticismo? Se tais juízos são subjectivos, então as
pessoas não estão a falar da mesma coisa quando afirmam "isto é belo", pelo
que não é possível discutir o assunto. Mas é contraditório dizer que a estética
é a discussão daquilo que não se pode discutir, pelo que o subjectivismo
estético tem de responder a esta objecção. AA
problema do mal
O problema de reconciliar a existência do Deus teísta com o mal existente no
mundo. A formulação clássica do problema do mal é da autoria de Epicuro
(341-270 a. C.): "Quer Ele [Deus] impedir o mal, mas não pode? Então é
impotente. Pode, mas não quer? Então é malévolo. Será que pode e quer?
Donde vem então o mal?". Há várias formas de responder a este problema.
Uma das respostas mais populares entre os filósofos consiste em defender que
se não existisse mal no mundo, os seres humanos nunca poderiam exibir
aquilo que de mais valioso têm, nomeadamente, as suas qualidades morais
não existiriam Madres Teresas nem heróis. Outra das respostas consiste em
defender que se não existisse mal, não poderíamos ter livre-arbítrio. E é
melhor um mundo com mal mas no qual temos livre-arbítrio do que um mundo
sem mal mas sem livre arbítrio. CT
problema filosófico
A filosofia, tal como a ciência, procura resolver problemas que nos afectam a
todos. A diferença está no tipo de problemas que a filosofia enfrenta. A
filosofia trata de problemas conceptuais, para os quais não dispomos de meios
empíricos de prova, acerca dos fundamentos da ciência, da religião, da arte,
e até do nosso dia-a-dia. Por exemplo, problemas como o de saber o que é a
justiça, o que é o conhecimento, qual o mecanismo através do qual os nomes
referem as coisas que referem, etc. Muitas vezes tomam-se como filosóficos
problemas que claramente o não são. Por exemplo, saber se a religião
contribui para a coesão das sociedades não é um problema filosófico, mas
sociológico. Ver também filosofia. AA
proposição
O pensamento literalmente expresso por uma frase declarativa. Diferentes
frases ou afirmações podem exprimir a mesma proposição: "Lisboa é uma
cidade" e "Lisbon is a city" exprimem a mesma proposição. DM
proposição categórica
Tradicionalmente, aquelas proposições da forma sujeito-predicado prefixada
por um quantificador. Aristóteles distinguiu quatro tipos de proposições
categóricas:
Tipo A: Universal Afirmativa: Todo o S é P; Todos os filósofos são inteligentes.
Tipo E: Universal Negativa: Nenhum S é P; Nenhum filósofo é inteligente.
Tipo I: Particular Afirmativa; Algum S é P; Alguns filósofos são inteligentes.
Tipo O: Particular Negativa; Algum S não é P; Alguns filósofos não são inteligentes.
Contudo, as proposições de tipo A e E são, na verdade condicionais
quantificadas. Ver proposição hipotética, silogismo. CT
proposição hipotética
Tradicionalmente, proposições condicionais (ver condicional), como a
expressa pela frase "Se Sócrates é homem, então é mortal". Ver proposição
categórica, implicação. CT
propriedade
1. Uma qualidade ou característica que algo possui. Por exemplo, dizer que
João é inteligente é dizer que João tem a propriedade de ser inteligente. As
propriedades são expressas através de predicados não relacionais (ver
predicado). As propriedades são os exemplos típicos de universais.
2. Noutro sentido, o termo "propriedade" refere o património de
alguém, aquilo que pode ser adquirido ou dispensado por alguém. Num
sentido mais amplo, "propriedade" pode servir para referir as posses não
materiais de alguém, como a liberdade e a vida. CT
pura, razão
Ver razão pura.
.: Q :.quadrado de oposição
Diagrama que ilustra as diversas relações lógicas entre as quatro formas
lógicas da lógica aristotélica:
Assim, entre as formas lógicas A e I, por um lado, e E e O, por outro, há
uma relação de subalternidade: A implica I, e E implica O. Esta relação é
falsa, a menos que se excluam classes vazias; mas sem ela a lógica
aristotélica cai por terra. De modo que é necessário excluir todas as
proposições que falsificam a relação de subalternidade. Para isso, exclui-se
todas as proposições que se refiram a classes vazias (classes como
"lobisomens", que não têm elementos). Com base na mesma exclusão de
classes vazias é possível afirmar que as formas A e E são contrárias, isto é,
que não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser ambas falsas. Ainda
com base na mesma exclusão é possível afirmar que as formas I e O são
subcontrárias, isto é, que não podem ser ambas falsas, mas podem ser ambas
verdadeiras. A única relação do quadrado que não depende da exclusão de
classes vazias é a de contraditoriedade ou negação, que existe entre A e O,
por um lado, e entre E e I, por outro. Isto significa que A e O têm sempre
valores de verdade opostos: se A for verdadeira, O será falsa e vice-versa; se E
for verdadeira, I será falsa, e vice-versa. O diagrama é ainda hoje útil para
ilustrar a negação correcta de proposições universais. DM
Murcho, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, cap. 6 (Lisboa: Plátano, 2003).
qualidades estéticas
As características ou propriedades que certos objectos supostamente
exemplificam e que os fazem ter valor estético. Assim, um objecto que não
exemplifique qualquer qualidade estética também não tem qualquer valor
estético. Apenas os partidários do objectivismo estético defendem a
existência de qualidades estéticas. Intensidade, complexidade, unidade,
equilíbrio formal e proporção costumam ser referidas como qualidades
estéticas. AA
qualidades primárias e secundárias
Distinção entre qualidades ou características dos objectos. As primárias são
qualidades intrínsecas dos objectos, independentes da mente ou sujeito que
as percebe. Por isso são às vezes chamadas "qualidades objectivas". As
secundárias apenas são causadas pelos objectos percepcionados, na medida
em que têm essa capacidade, mas que dependem da maneira como a mente
do sujeito reage quando os percepciona. Por isso são às vezes chamadas
"qualidades subjectivas". Forma, tamanho e estrutura interna são qualidades
primárias, enquanto a cor, o odor e o sabor são qualidades secundárias. Esta
distinção é feita por Galileu, Descartes e Locke, estando subjacente à
ciência moderna. Mas filósofos idealistas como Berkeley rejeitam-na. Ver
também realismo. AA
quantificador
Qualquer dispositivo linguístico usado para dizer quantos particulares (ou
propriedades) exemplificam uma dada propriedade. Por exemplo, podemos
dizer que alguns filósofos são gregos; estamos nesse caso a dizer que um
número indeterminado de particulares (os filósofos) tem uma certa
propriedade (são gregos). Ou podemos dizer que algumas cores são brilhantes;
estamos neste caso a dizer que um número indeterminado de propriedades (as
cores) tem uma certa propriedade (são brilhantes). Assim, termos como
"alguns", "todos", "pelo menos cinco", "mais de cem", "a maioria", "poucos",
"nenhuns", "apenas um", etc., são quantificadores. Na lógica clássica e
aristotélica usam-se apenas dois quantificadores: o quantificador universal e
o quantificador existencial; contudo, a lógica clássica permite definir muitos
outros quantificadores com base nestes, como "exactamente três", por
exemplo (mas não quantificadores como "a maioria de"). DM
quantificador existencial
Expressões como "alguns", "pelo menos um", etc., são quantificadores
existenciais, simbolizados habitualmente na lógica clássica com um E ao
espelho: ∃. A negação de um quantificador existencial é um quantificador
universal, porque negar que alguns filósofos são imortais é o mesmo do que
afirmar que todos os filósofos são mortais. Ver quantificador. DM
quantificador universal
Expressões como "todos", "nenhum", etc., são quantificadores universais,
simbolizados habitualmente na lógica clássica com um A (da palavra alemã
Alle, tudo) ao contrário: ∀. A negação de um quantificador universal é um
quantificador existencial, porque negar que todos os filósofos são gregos é o
mesmo do que afirmar que alguns filósofos não são gregos. Ver quantificador.
DM
Quine, Willard van Orman (1908-2000)
Filósofo americano e um dos filósofos contemporâneos mais influentes. Após o
doutoramento, Quine viajou para a Europa, onde contactou com o lógico
polaco Tarski (1901/2-83) e com os filósofos do Círculo de Viena (ver
positivismo lógico), os quais exerceram uma influência determinante na sua
formação intelectual. Quine defendeu uma forma radical de empirismo na
qual não há lugar para o conhecimento a priori (ver a priori/a posteriori). A
sua rejeição da distinção analítico/sintético é ainda hoje extremamente
influente. Esta rejeição mostrou as fraquezas do projecto positivista de salvar
o conhecimento a priori reduzindo-o (ver reducionismo) ao mero
conhecimento linguístico, e mostrou também as dificuldades que as noções de
significado e de necessidade levantam para uma filosofia naturalista. Quine
defendeu que os únicos factos cientificamente aceitáveis para estabelecer
uma teoria do significado são factos acerca do comportamento linguístico dos
falantes, o que o levou a concluir que o significado é indeterminado. Entre as
suas obras mais importantes encontram-se From a Logical Point of View
(1953), Word and Object (1960) e The Ways of Paradox and Other Essays
(1966). CT
.: R :.raciocínio
O mesmo que inferência. DM
racionalismo
1. A posição filosófica segundo a qual a razão tem um papel preponderante na
aquisição de conhecimento. O racionalismo é assim o oposto do empirismo.
Tal como existem versões radicais de empirismo que negam à razão qualquer
papel na aquisição de conhecimento, também as versões mais radicais de
racionalismo negam aos sentidos qualquer papel na aquisição de
conhecimento. Contudo, ao passo que ainda hoje em dia há quem defenda
posições empiristas radicais, as posições racionalistas radicais só foram
populares na Grécia antiga. As versões mais moderadas de racionalismo
defendem que tanto a razão como os sentidos são fontes substanciais de
aquisição de conhecimento. Há que não confundir a ideia de que podemos
adquirir conhecimento a priori acerca do mundo com a ideia de que o
conhecimento não seria possível sem termos experiência do mundo. Uma
coisa é como adquirimos os conceitos relevantes usados na formulação das
nossas crenças acerca do mundo, os quais podem ser adquiridos através da
experiência; outra coisa é saber se, na posse dos conceitos relevantes,
podemos ou não saber coisas acerca do mundo sem recorrer à experiência.
Por exemplo, o facto de termos adquirido os conceitos de azul e de vermelho
através da experiência perceptiva não nos impede de saber a priori que um
objecto todo vermelho não pode ser azul.
Não se deve confundir as posições racionalistas tradicionais com a
defesa de uma capacidade racional de intuição responsável pelo nosso
conhecimento a priori. Por exemplo, como sabemos que ou chove ou não
chove? Porque num certo sentido podemos "ver" através da nossa intuição
racional que isso é verdade. Os primeiros grandes filósofos racionalistas foram
Descartes, Leibniz e Espinosa. As posições racionalistas foram praticamente
rejeitadas durante o séc. XIX com a descoberta de geometrias não-
euclidianas. Graças ao trabalho de filósofos como Thomas Nagel (n. 1937) e
Laurence Bonjour (n. 1943) o racionalismo volta a estar hoje na ordem do dia.
2. Num sentido mais geral, o racionalismo é a ideia de que só
racionalmente podemos chegar às verdades acerca do mundo. Tanto a
experiência como a razão são métodos racionais de aquisição de
conhecimento, por oposição aos processos místicos, como a fé ou a revelação
divina. CT
Rawls, John (1921-2002)
Filósofo moral e político americano considerado o principal filósofo político do
séc. XX. As ideias de Rawls inserem-se na tradição do contrato social de
Locke, Rousseau e Kant. Rawls pensa que se as pessoas tiverem de escolher
os princípios (ver princípio) de justiça sem saber como poderão ser por eles
afectados, escolherão princípios justos. Imagina, assim, uma experiência
mental em que todas as pessoas se encontram numa "posição original" sob um
"véu de ignorância", isto é, em que desconhecem quais as suas aptidões,
posição social, riqueza, religião e concepção de valor e de bem. Nesta
situação, pensa Rawls, as pessoas chegarão por um contrato social hipotético
àquilo a que chama justiça como equidade. Esta concepção de justiça é
expressa por dois princípios, um que garante liberdades básicas iguais (ver
liberdade) para todos — como as políticas, de expressão e reunião, de
consciência e de pensamento, etc. —, e outro que estabelece que as
desigualdades devem ser distribuídas de forma a beneficiarem todos e que
devem decorrer de posições e funções a que todos tenham acesso. Este último
princípio implica que a riqueza seja distribuída de modo a fazer com que os
que estão em pior situação fiquem tão bem quanto possível. Uma sociedade
justa será liberal (ver liberalismo), democrática (ver democracia) e um
sistema de mercado no qual se procede à distribuição da riqueza e em que
pessoas com capacidades e motivações iguais têm possibilidades iguais de
sucesso, independentemente da classe social em que tenham nascido. AN
Kukathas, Chandran, et.al., Rawls: Uma Teoria da Justiça e os Seus Críticos (Lisboa:
Gradiva, 1995).
Rawls, John, Uma Teoria da Justiça (Lisboa: Presença, 2001).
Rawls, John, O Liberalismo Político (Lisboa: Presença, 1997).
Rawls, John, A Lei dos Povos (Coimbra: Quarteto, 2000).
razão
A faculdade de raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc. Os filósofos
dividem-se quanto à confiança que depositam na razão. Os mais cépticos
duvidam dos seus produtos; alguns, como Hume, confiam mais nas emoções e
sentimentos. Outros, como Descartes ou Kant, confiam mais no poder da
razão para descobrir verdades importantes. A racionalidade instrumental
permite, perante fins dados, determinar os melhores meios para os atingir;
por exemplo, quando tenho sede e sei que há água na cozinha, um meio de
matar a sede é ir à cozinha. A racionalidade não instrumental, negada por
filósofos como Hume, permite determinar os próprios fins. DM
razão prática
Um raciocínio prático é um argumento cuja conclusão se refere à acção. Por
exemplo: "Se quiser beber água, tenho de ir à cozinha; eu quero beber água;
logo, tenho de ir à cozinha". O raciocínio moral é uma parte própria do
raciocino prático, referindo-se às acções moralmente relevantes: "Causar
sofrimento aos animais é moralmente errado; consumir produtos de origem
animal contribui para o sofrimento dos animais; logo, devo deixar de consumir
produtos de origem animal". Kant usava a expressão "razão prática" para se
referir à faculdade humana que produz os raciocínios práticos. DM
.: S :.S. Tomás de Aquino
Ver Tomás de Aquino.
saber
O mesmo que conhecer. Ver conhecimento, opinião.
salva veritate
Expressão latina que significa "mantendo a verdade". Usa-se a expressão em
filosofia da linguagem para referir os contextos linguísticos em que se pode
substituir uma expressão por outra "mantendo a verdade" (os chamados
contextos "extensionais"). DM
Santo Agostinho (354-430)
Filósofo cristão que realiza a síntese entre a filosofia antiga de inspiração
platónica e o cristianismo. Nas Confissões (c. 400; trad. 2001, INCM) descreve
a sua conversão à fé cristã. Quanto à relação entre razão e fé afirma na
Doutrina Cristã que a reflexão filosófica parte das verdades reveladas pelas
Sagradas Escrituras e deve esclarecê-las. Repudiar a razão, crer sem
compreender, é rejeitar um dom de Deus. A filosofia é um meio para a plena
fruição da fé. Desafio para a fé e para a razão é o problema do mal. Não
podendo ser criado por Deus, Supremo Bem, o mal é uma deficiência da
vontade humana que prefere bens inferiores ao Criador. Marcada pelo pecado
original, a vontade só com a intervenção da Graça divina pode fazer o bem. O
amor das coisas efémeras e o desprezo do que é eterno deram origem à
cidade terrestre em radical oposição à Cidade de Deus (411; trad. 1991, FCG).
A história é o palco da luta entre estes dois reinos. O triunfo da cidade celeste
consistirá na criação de uma comunidade universal de justos e fraternos
vivendo segundo a lei e o amor de Deus. LR
Sartre, Jean-Paul (1905-1980)
Filósofo, dramaturgo, romancista e militante político francês cuja obra
desenvolve essencialmente uma tese: o homem é liberdade e define-se pelo
que faz. No ser humano, a existência precede a essência, afirma Sartre em O
Existencialismo é um Humanismo (1946; trad. 1970, Presença). Quer dizer:
não há qualquer ideia que se possa fazer sobre um homem antes de ele existir
e agir porque não há qualquer modelo pré-definido, nenhum destino
previamente traçado. A radical afirmação da liberdade humana exige a
negação da existência de Deus (em O Ser e o Nada (1643) diz que Deus é uma
paixão inútil). Não existe Deus para nos dizer o que fazer e como viver. A
liberdade humana é o fundamento de todos os valores e exige do ser humano
um compromisso permanente, uma renovação constante por meio de escolhas
e actos, porque é o nosso modo de ser como sujeitos conscientes. O
existencialismo de Sartre é um humanismo porque afirma depender do homem
ser o senhor do seu destino. LR
semântica
1. O ramo da linguística que estuda o significado literal das expressões
linguísticas e a sua relação com a realidade extra-linguística. Uma teoria com
grande aceitação é a de que uma das tarefas principais da semântica consiste
em definir as condições de verdade das frases de uma língua natural e em
explicar como essas condições de verdade resultam, por um lado, dos
significados parciais das expressões que compõem essas frases e, por outro,
da sua estrutura sintáctica (ver sintaxe). Outras tarefas tipicamente
associadas à semântica são a de especificar as diferentes componentes do
significado das expressões linguísticas (por exemplo, o seu sentido e a sua
referência) e a de relacionar sistematicamente o significado das frases com o
seu potencial inferencial (ou lógico). Alguns tópicos abrangidos pela
semântica (por exemplo significado, verdade, referência) são comuns à
filosofia da linguagem, de modo que não existe uma fronteira nítida entre as
duas disciplinas. É, porém, razoável dizer que a semântica dá ênfase ao
estudo empírico das línguas naturais, ao passo que a filosofia da linguagem se
dedica sobretudo à análise dos conceitos necessários para esse estudo.
2. A semântica de uma linguagem formal (ver cálculo lógico) resulta da
atribuição de significados aos seus símbolos básicos e fórmulas, as quais
recebem um valor de verdade — ver interpretação. No cálculo de
predicados, por exemplo, isto permite ver quais as derivações admitidas pela
sintaxe da linguagem que são válidas. Ver também pragmática. PS
sensibilidade
1. Mais vulgarmente refere a disposição para valorizar de modo especial as
atitudes e as emoções. A doutrina ética do emotivismo, por exemplo, dá um
relevo especial a este tipo de disposição das pessoas.
2. Em estética, sensibilidade significa o mesmo que refinamento do
gosto.
3. Em epistemologia, particularmente na filosofia de Kant, a
sensibilidade é a capacidade perceptiva do sujeito que, apoiada nos órgãos
dos sentidos, fornece a matéria para o conhecimento. AA
sensível, mundo
Ver mundo sensível.
senso comum
O conjunto mais alargado de crenças que uma comunidade tem por
verdadeiras e partilha durante um certo período de tempo. O senso comum é
um "saber" que resulta da experiência de vida individual e colectiva. Os
hábitos e costumes, as tradições e rituais, os "ditos" e provérbios, as opiniões
populares, etc., são habitualmente referidos como manifestações do senso
comum. A sua aprendizagem é uma condição necessária para a socialização de
cada membro da comunidade, funcionando como um mecanismo regulador do
seu pensamento e da sua acção. Do ponto de vista da ciência e da filosofia,
os processos de justificação das crenças de senso comum afiguram-se
muitíssimo superficiais e falíveis, e é frequente tais crenças resistirem mal a
um exame crítico mais minucioso, pelo que a sua ampla aceitação não é uma
garantia de que sejam verdadeiras. Alguns filósofos têm discutido a
continuidade/descontinuidade entre o senso comum e a ciência e a filosofia,
tendo particular relevância, nessa discussão, o problema da demarcação. Ver
crença, verdade/falsidade, crítica, critério de demarcação. APC
sentido
Aquilo que uma pessoa associa a uma expressão quando a compreende. Frege
distinguiu o sentido de uma expressão da sua referência no seu famoso artigo
"Über Sinn und Bedeutung" ("Sobre o Sentido e a Referência", 1892). Duas
expressões podem referir o mesmo objecto mas ter diferentes sentidos. Por
exemplo, as expressões "Estrela da Manhã" e "Estrela da Tarde" referem a
mesma coisa, nomeadamente, Vénus, mas têm sentidos diferentes (têm
diferentes modos de apresentação). Esta distinção está intimamente
relacionada com a distinção entre conotação e denotação, e entre intensão
ou compreensão e extensão. Ver filosofia da linguagem. CT
sentido da existência
Ver sentido da vida.
sentido da vida
Em geral, dizemos que uma certa actividade é absurda ou não tem sentido
quando não tem qualquer objectivo. Por exemplo, não faz sentido passar a
vida aos saltos se isso não tiver qualquer objectivo; mas faz sentido, se o
objectivo for exercitar os músculos. Em geral, dizemos também que uma
certa actividade não tem sentido, apesar de ter um objectivo, se esse
objectivo não puder ser alcançado ou não tiver qualquer valor, mesmo que
possa ser alcançado. Por exemplo, não faz sentido passar a vida a tentar
chegar à Lua a saltar, porque nunca o iremos conseguir; e não faz sentido
passar a vida a tentar fazer passar um elefante por debaixo da porta da
cozinha, não só porque nunca o vamos conseguir, mas também porque, mesmo
que o conseguíssemos, isso não teria aparentemente importância alguma.
Assim, responder ao problema do sentido da vida é responder às
seguintes três perguntas: Terá a vida humana, no seu todo, um ou vários
objectivos? Será esse objectivo (ou objectivos) alcançável? Terá esse objectivo
(ou objectivos) algum valor? A resposta da maior parte dos filósofos consiste
em dizer que o objectivo da vida humana é a felicidade; mas depois diferem
no modo como entendem o que constitui a felicidade. As tradições religiosas
defendem em geral que a vida só faz sentido se Deus existir; alguns filósofos
aceitaram esta ideia, mas acrescentaram que a vida absurda tem de ser então
abraçada precisamente porque Deus não existe (ver existencialismo).
Contudo, muitos filósofos não concebem o sentido da vida como algo que
dependa da existência ou não de Deus, e é costume chamar "humanista" a
esta tradição. DM
sentidos, dados dos
Aquilo que apreendemos pelos sentidos e sem recorrer à inferência. Os dados
dos sentidos são, assim, os objectos imediatos da percepção. Diz-se que os
objectos são "imediatos" precisamente porque não se obtêm por inferência.
Por exemplo, quando olho para o livro amarelo que está à minha frente
apreendo sem recorrer à inferência uma certa cor e uma certa forma. Esta
cor e esta forma não podem ser confundidas com o objecto físico — o próprio
livro — que acredito estar diante de mim, pois é possível duvidar da existência
do livro mas não duvidar dos dados dos sentidos. Por isso dizemos que há
diferença entre aparências e realidade. Ainda que não exista qualquer livro,
eu tenho consciência de alguma coisa amarela. Assim, os dados dos sentidos
são as entidades, sejam elas quais forem e seja qual for a sua natureza (física
ou mental), que estão directamente perante a mente. A expressão foi
introduzida por Russell, mas filósofos como Locke, Berkeley e Hume
utilizavam de modo semelhante as expressões "ideias dos sentidos",
"qualidades sensíveis" e "impressões dos sentidos", respectivamente, para
referir os objectos da percepção. Dependendo da teoria da percepção
adoptada, as opiniões dos filósofos divergem quanto ao tipo de relação que os
dados dos sentidos têm com os objectos físicos. Os filósofos empiristas dão
uma importância especial aos dados dos sentidos, pois encontram neles o
fundamento para o conhecimento empírico. Note-se que os dados dos sentidos
não constituem, em si, conhecimento proposicional. AA
ser
O verbo "ser" é claramente ambíguo, podendo ter, entre outros, os seguintes
significados: 1) atributivo, como em "O João é alto"; 2) identitativo, como em
"O João é o amante secreto da Ana"; 3) constitutivo, como em "Esta mesa é de
madeira"; 4) inclusivo, como em "As baleias são mamíferos"; e, mais
exoticamente, 5) existencial, com em "Deus é". Confundir estes usos pode dar
origem a afirmações sem sentido ou a falácias (por exemplo, de "As baleias
são mamíferos" não se pode inferir que o conjunto das baleias é idêntico ao
conjunto dos mamíferos). A questão de saber o que é ser ou existir e que tipos
de coisas realmente existem (será que os números, ou as proposições, ou
Deus, existem?) é uma questão metafísica perene. Esta questão foi por vezes
distinguida da questão de saber quais as entidades que usufruem de um modo
especial de ser, caracterizado pela consciência da sua própria existência e
pela liberdade de escolha (ver existencialismo). Foi também distinguida da
questão de saber como caracterizar esse exemplar único de um tipo de
entidade primordial, o Ser (não necessariamente identificável com Deus),
fonte da existência de todos os "entes". Este tipo de preocupação, típica de
filósofos como Heidegger, foi alvo de objecções por parte, sobretudo, de
filósofos da tradição analítica (ver filosofia analítica). A crítica mais comum é
a de que, sendo "ser" um verbo, ele só pode ser usado como tal (por exemplo,
numa das várias acepções mencionadas acima), e que o seu uso como
substantivo (com ou sem maiúscula) dá origem a frases sem sentido e
portanto a equívocos filosóficos. Ver também existência. PS
significado
Aquilo que é compreendido quando algo nos é comunicado através de sons ou
inscrições. Por exemplo, quando ouvimos a palavra "água" processamos esse
som relacionando-o com a coisa que essa palavra refere (ver referência),
nomeadamente, a água. O que isto sugere é que o significado de uma
expressão é de algum modo composto por dois elementos: aquilo que se passa
em nós quando apreendemos a expressão e aquilo de que a expressão fala.
Muito se tem discutido sobre como funcionam esses dois componentes, se é
que existem. A questão de saber o que é o significado é uma das questões
centrais da filosofia da linguagem. CT
silogismo
Nome dado aos argumentos estudados pela lógica aristotélica compostos
unicamente por duas premissas e uma conclusão. Por exemplo: "Todos os
mortais são infelizes; todos os homens são mortais; logo, todos os homens são
infelizes". Por vezes, usa-se a expressão "silogismo" como sinónimo de
"argumento" ou "raciocínio". Ver lógica aristotélica. DM
símbolos lógicos
Expressões usadas para abreviar certos aspectos relevantes para a
determinação da forma lógica. Por exemplo, no cálculo proposicional usa-se
os símbolos P, Q, R, etc., como abreviaturas de proposições e como
abreviatura de "Se…, então…". Toda a lógica formal precisa de símbolos. Isto
porque a lógica formal estuda aqueles argumentos cuja validade depende
inteiramente da sua forma lógica; e para exibir a forma lógica de um
argumento é necessário usar símbolos. Assim, na lógica aristotélica, por
exemplo, é necessário exibir a forma lógica das proposições universais
afirmativas, o que se pode fazer recorrendo a letras que simbolizam classes:
em "todo o A é B" A e B simbolizam qualquer classe. Assim, uma afirmação
como "todos os homens são mortais" tem a forma de uma universal porque se
substituirmos "homens" por A e "mortais" por B obtemos "todos os A são B", que
é apenas uma variação gramatical logicamente irrelevante de "todo o A é B". É
na lógica clássica, contudo, que a formalização é mais profunda e
sistemática. Ao passo que na lógica aristotélica se formaliza geralmente
apenas os nomes das classes, na lógica clássica é mais comum formalizar
tudo. Contudo, é falso que exista algo de intrinsecamente formal ou simbólico
na lógica clássica que não existe na lógica aristotélica, pois tanto se pode
formalizar completamente a lógica aristotélica, como se pode formalizar
apenas parcialmente a lógica clássica. Ver Apêndice: Símbolos lógicos. DM
Singer, Peter (n. 1946)
Filósofo utilitarista (ver utilitarismo) nascido na Austrália que, influenciado
por Hare, contribuiu decisivamente para o florescimento da ética aplicada.
No âmbito da bioética, Singer discutiu muitos problemas rejeitando a
perspectiva da santidade da vida humana, segundo a qual toda a vida
humana, seja qual for a sua qualidade, tem um valor absoluto. Recusando o
especismo (isto é, a discriminação baseada na espécie), Singer defendeu que
os interesses dos animais têm de receber a mesma consideração que os
interesses dos seres humanos e, com o seu livro Libertação Animal (1975;
trad. 2000, Via Óptima), impulsionou o movimento de defesa dos animais.
Entre as suas obras mais importantes contam-se também Ética Prática (1993;
trad. 2000, Gradiva) e Um Só Mundo (2002; trad. 2003, Gradiva). PG
Sinn
Termo alemão que significa "sentido" e se opõe a "referência". Frege
introduziu esta distinção para separar o que um termo refere da maneira
como o termo refere: os termos "Mestre de Platão" e "O filósofo que bebeu a
cicuta" referem a mesma coisa (Sócrates), mas referem essa coisa de
maneiras diferentes: têm diferentes sentidos. DM
sintaxe
1. O sistema de regras de geração das frases gramaticais de uma língua
(consideradas como manifestações gráficas ou fonéticas de estruturas de
palavras). O termo designa também o ramo da linguística que estuda esses
sistemas. Questões tipicamente associadas aos estudos sintácticos são as de
saber que regras são infringidas pelas frases agramaticais (como "férias estive
de Agosto em") e qual a estrutura das frases gramaticais.
2. O vocabulário e as regras de formação das fórmulas de uma
linguagem formal (por exemplo, a do cálculo de predicados). Num cálculo
lógico, essas fórmulas são por sua vez usadas em derivações, segundo certas
regras de inferência. PS
Sócrates (c. 469-399 a. C.)
Uma das figuras mais carismáticas e enigmáticas da história da filosofia.
Embora nada tenha escrito, a sua influência é enorme e é responsável pela
viragem da filosofia das questões da natureza para as questões humanas.
Pouco mais se sabe acerca da sua vida, para além de que participou na guerra
do Peloponeso e foi condenado à morte sob a acusação de impiedade e de
corromper a juventude. Também se sabe pouco acerca do seu pensamento,
embora seja a figura central de muitos diálogos de Platão, uma vez que é
difícil diferenciar o Sócrates histórico da personagem platónica. Para
Sócrates, a filosofia é um modo de vida e, por isso, fazia filosofia na ágora
(praça pública), no ginásio ou nas ruas de Atenas, dialogando com aqueles que
estivessem dispostos a investigar com ele um qualquer conceito moral.
Começava por pedir ao seu interlocutor a definição de uma virtude, como a
justiça, e depois, por intermédio de perguntas e respostas, levava-o a chegar
a uma conclusão contraditória (ver contradição) com a definição que tinha
apresentado. Com este método de refutação (elenchus) procurava mostrar
àqueles que pretendiam ser sábios que as suas crenças (ver crença) eram
inconsistentes (ver inconsistência) e, deste modo, levá-los a formular crenças
mais adequadas. Apesar de afirmar não saber as respostas às questões que
punha sobre as definições, há algumas ideias que parece ter assumido. As
mais importantes são que a virtude, embora não possa ser ensinada, é
conhecimento; que ninguém faz o mal (ver mal moral) voluntariamente; que
não se pode fazer mal a um homem bom; que é pior fazer do que sofrer o
mal; e que todas as virtudes se reduzem a uma, o conhecimento do que é e
não é bom para um ser humano. Ver dialéctica, ética das virtudes, ironia,
maiêutica. AN
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 3 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Brian, Os Grandes Filósofos, cap. 1 (Lisboa: Presença, 1989).
Platão, Êutifron, Apologia de Sócrates, Críton (Lisboa: INCM, 1993).
Platão, Laques, (Lisboa: Edições 70, 1989).
Platão, Hípias Maior (Lisboa: Edições. 70, 2000).
Platão, Hípias Menor (Coimbra: INIC, 1990).
Platão, Cármides (Coimbra: INIC, 1988).
Platão, Lísis (Coimbra: INIC, 1990).
Platão, Íon (Lisboa: Editorial Inquérito, 1988).
sofisma
Uma falácia apresentada com o intuito de enganar o interlocutor. DM
sofistas
Nome dado por Platão a um conjunto de professores de retórica da Grécia
antiga. Platão e outros filósofos antigos acusavam os sofistas de falta de
honestidade intelectual, afirmando que davam mais atenção à persuasão
irracional do que à procura da verdade. Contudo, pelo menos alguns sofistas
foram filósofos e cientistas destacados, assim como oradores ilustres.
Antifonte (c. 480-411 a. C.), Górgias de Leontinos (c. 483-376 a. C.), Hípias
(c. 485-415 a. C.) e Protágoras de Abdera (c. 490-c. 420 a. C.) foram alguns
dos mais ilustres sofistas. DM
solipsismo
1. Em epistemologia é a perspectiva segundo a qual nada posso conhecer a
não ser os meus próprios conteúdos mentais, dado que só a eles tenho acesso
directo. O solipsista nega assim a possibilidade de conhecer outras coisas
além de si próprio: não posso saber que ao meu lado está uma janela; tudo o
que sei é que tenho na minha mente a ideia ou imagem da janela, o que é
bem diferente.
2. Em ontologia, é a perspectiva relacionada com a anterior, mas mais
radical, de que apenas eu e as minhas próprias experiências são reais. Os
objectos físicos e as outras mentes não têm existência a não ser na minha
mente. Os críticos sublinham que, na prática, ninguém se comporta como um
verdadeiro solipsista. AA
stoa
Termo grego que significa "pórtico" e que deu o nome ao estoicismo porque os
estóicos ensinavam sob um pórtico. DM
Stuart Mill, John
Ver Mill, John Stuart.
subjectivismo
Ver objectivismo/subjectivismo.
subjectivismo estético
Doutrina acerca da justificação dos juízos estéticos, de acordo com a qual
juízos como "x é belo" exprimem apenas os nossos sentimentos ou emoções
pessoais acerca de x, independentemente de quaisquer características de x.
Assim, o juízo estético, sendo subjectivo, nada mais é do que um juízo de
gosto, uma vez que se limita as exprimir as nossas preferências. Kant e
Hume, embora com algumas diferenças importantes, são partidários do
subjectivismo estético, ao qual se opõe o objectivismo estético. AA
subjectivismo moral
Teoria metaética segundo a qual os factos morais são subjectivos (ver
objectivo/subjectivo). Segundo o subjectivista, quem diz, por exemplo, "O
aborto é errado", está na verdade a dizer algo como "Eu reprovo o aborto".
Assim, para o subjectivista os juízos morais descrevem apenas atitudes
pessoais de aprovação ou reprovação. Ver emotivismo. PG
sublime
Uma das duas grandes categorias, juntamente com o belo, da estética do séc.
XVIII. A experiência do sublime dá-se, supostamente, quando presenciamos
espectáculos naturais como montanhas rasgando os céus e tempestades no
mar. Trata-se de algo invulgarmente grandioso e fascinante, que só se
manifesta perante objectos que ultrapassam e desafiam os limites da nossa
imaginação, impondo respeito e, até, intimidando-nos com a sua majestade.
Nesse sentido distingue-se claramente do belo. Kant considera que o
sentimento do sublime nos confronta com a nossa pequenez, obrigando-nos a
elevar acima da vulgaridade. Entretanto, praticamente deixou de se dar
importância à noção de sublime e quase não é referida na estética
contemporânea. AA
substância/acidente
Segundo Aristóteles o que existe pode ser de dois modos: ou como substância
ou como acidente. A substância é o que existe em si e não num outro ser
(independência ontológica) e por isso não é dita de um sujeito mas é sujeito
de outras coisas. O acidente é o que existe num outro ser, numa substância,
como sua propriedade ou característica (será predicado de um sujeito). Assim,
os acidentes não possuem um ser próprio (dependência ontológica).
Dependem do ser da substância porque são algo que sucede ou acontece a
esta. João, indivíduo concreto, não é algo que exista num outro indivíduo,
tem um ser próprio, não é propriedade de outra coisa. O peso do João já é um
acidente porque só existe como medida do corpo do João e não em si. A
teoria aristotélica da substância é exposta em Categorias e na Metafísica,
livros VII a IX. Ver também ontologia. LR
.: T :.tabela de verdade
Dispositivo gráfico que permite exibir as condições de verdade de uma forma
proposicional dada (não se aplica a formas predicativas ou quantificadas). As
condições de verdade são as circunstâncias em que uma dada afirmação é
verdadeira ou falsa. Por exemplo, mesmo que não se saiba se a afirmação
"Deus existe e a vida faz pleno sentido" é verdadeira ou não, sabe-se que só
será verdadeira caso as duas afirmações componentes ("Deus existe" e "A vida
faz pleno sentido") sejam verdadeiras. Assim, as condições de verdade da
afirmação original podem resumir-se numa tabela. Para isso, isola-se a forma
lógica da afirmação, que neste caso é "P e Q". E agora constrói-se uma tabela
de verdade:
P Q P e Q
V V V
V F F
F V F
F F F
As filas da tabela exibem as condições de verdade de "P e Q": caso P
seja verdadeira (V) e Q também, a frase é verdadeira; em todos os outros
casos a frase é falsa (F). As tabelas de verdade permitem assim exibir as
condições de verdade dos operadores verofuncionais.
Mas permitem também determinar se uma afirmação, complexa ou não,
é uma verdade lógica (ver tautologia), uma falsidade lógica (ver contradição)
ou uma contingência lógica. Só devolve resultados correctos quando se aplica
a afirmações cuja verdade, falsidade ou contingência lógicas resultam
exclusivamente da sua forma proposicional verofuncional. Por exemplo, para
saber se a afirmação "Se Sócrates era um homem, era um homem" é uma
verdade lógica começa-se por captar a forma lógica da afirmação, que é a
seguinte: "Se P, então P". Agora, faz-se uma tabela de verdade:
P Se P, então P
V V
F V
Conclui-se que a afirmação é uma verdade lógica porque não há
qualquer circunstância em que a afirmação seja falsa. Se não fosse uma
verdade lógica, não seria verdadeira em todas as circunstâncias. Ver
inspector de circunstâncias. DM
tábua rasa
Nome por que é conhecida a analogia utilizada por Aristóteles, mas por vezes
também associada ao filósofo empirista inglês John Locke para ilustrar a ideia
de que todo o conhecimento tem origem na experiência. Locke compara a
nossa mente a uma folha de papel em branco, ou a uma superfície
completamente lisa e sem qualquer sinal nela inscrito ("tabula rasa", em
latim), mas onde as impressões colhidas do exterior pelos nossos sentidos
deixam as suas marcas. É a partir dessas impressões — que a nossa mente se
limita a organizar — que se formam todas as ideias, mesmo as mais
abstractas. Não há, pois, conhecimentos a priori nem ideias inatas. Todo o
conhecimento é adquirido através dos sentidos. Ver também empirismo, a
priori / a posteriori. AA
tabula rasa
Expressão latina que significa tábua rasa.
tautologia
Em termos correntes, uma tautologia é uma proposição sem qualquer valor
informativo, como "Todos os gatos são gatos". Mas em lógica usa-se este termo
para qualquer forma proposicional logicamente verdadeira, o que inclui
formas extraordinariamente informativas e complexas. Neste sentido, uma
tautologia é apenas uma proposição verdadeira cuja verdade depende
inteiramente da sua forma lógica, como a forma {(Q ∨ P) ∧ [(¬R → ¬P) ∧ (S ∨
¬Q)]} → (¬S → R). Uma forma de determinar se uma dada forma proposicional
é uma tautologia é construir uma tabela de verdade: a forma é tautológica
se, e só se, resulta verdadeira em todas as atribuições de valores de verdade
às suas variáveis proposicionais (ver variável). DM
technê
Termo grego que refere o conhecimento técnico envolvido quando em práticas
como a medicina ou o trabalho artesanal. Em algumas das suas obras, Platão
defende que a filosofia é uma technê, no sentido de uma arte de viver
virtuosamente. DM
teísmo
Concepção acerca da natureza de Deus que defende serem as seguintes as
suas características ou atributos: é o único criador do universo, é omnipotente
(pode fazer tudo), é omnisciente (sabe tudo), é livre e é infinitamente bom.
Esta ideia de Deus está associada às grandes religiões monoteístas e a
discussão acerca da existência de Deus tem sido, em grande parte, a
discussão acerca da existência de um Deus com estas características. É o Deus
teísta que está em causa quando, em filosofia, se discute o argumento
ontológico, o argumento cosmológico, o argumento do desígnio, e o
problema do mal. Ver também Deus e filosofia da religião. AA
telos
Termo grego que significa "finalidade". A noção era especialmente importante
na filosofia de Aristóteles, que entendia que todas as coisas tinham uma
finalidade natural. Este tipo de pensamento finalista é implausível em física,
mas é mais adequado na biologia e na ética. DM
teoria
Um conjunto de proposições estruturadas entre si que visam resolver um
problema ou explicar um fenómeno. Diz-se que são proposições estruturadas
porque numa teoria as suas diferentes partes se articulam, isto é, apresentam
uma estrutura lógica. As teorias não podem ser válidas ou inválidas no mesmo
sentido em que um argumento é válido ou inválido; as teorias são verdadeiras
ou falsas, tal como as proposições (e tal como as proposições podem ser
fecundas ou estéreis, interessantes ou triviais, etc.). Não há uma receita
automática para avaliar teorias, mas os seguintes aspectos devem ser tidos
em conta: 1) Se o problema que uma teoria procura resolver é absurdo, a
teoria é absurda; 2) Se uma teoria não resolve os problemas que se propunha
resolver, ou não explica o que se propunha explicar, é inadequada; 3) Se uma
teoria for inconsistente (ver consistência/inconsistência), é falsa; 3) Se uma
teoria tiver consequências falsas, é falsa; 4) Se os argumentos que sustentam
uma teoria forem maus, a teoria é má. DM
teoria das ideias
Platão refere em alguns dos seus diálogos (Fédon, Simpósio, República, etc.)
a existência de entidades supra-sensíveis, a que dá o nome de "Ideias" (ou
"Formas"), com a finalidade de explicar por que razão nos parece que quando
estamos a referir objectos particulares como Sócrates, Einstein e Eusébio
estamos, afinal, a falar da mesma coisa: homens. A razão é que todos eles
exemplificam a Ideia ou Forma de Homem. Assim, dizemos que Sócrates,
Einstein e Eusébio, são homens porque exemplificam, imitam ou participam
da Ideia de Homem, ou de humanidade. As Ideias não são entidades mentais,
mas extra-mentais e não são apreensíveis pelos sentidos; apenas pela razão.
São também únicas (não há várias ideias de Homem, ou de Igualdade, Beleza,
Justiça, etc.), perfeitas (não há exemplos perfeitos de coisas belas, mas a
Ideia de Beleza é perfeita) e imutáveis (a beleza das coisas altera-se e é
diferente de objecto para objecto, mas a Ideia de Beleza é inalterável). A
Teoria das Ideias, apesar de ser uma teoria metafísica, tem importantes
implicações epistemológicas. Ver também universais. AA
teoria do gosto
Concepção estética que toma como problema central desta disciplina o
problema do gosto. Para os filósofos do séc. XVIII, como Hume e Kant, os
juízos estéticos como "esta música é bela" são subjectivos, sendo assim juízos
de gosto. A caracterização e discussão dos juízos de gosto, nomeadamente os
problemas de saber se os juízos de gosto são ou não universais (Kant) e se
existe um padrão de gosto (Hume), passam a ocupar o centro das disputas
acerca da estética. AA
teoria dos mandamentos divinos
Teoria metaética segundo a qual os factos morais são instituídos por Deus.
Quem subscreve esta perspectiva pensa, por exemplo, que mentir é errado
unicamente porque Deus decretou ou estipulou que mentir é errado. Ockham
conta-se entre os poucos filósofos que defenderam esta teoria. Tal como o
relativismo moral, a teoria dos mandamentos divinos apresenta os factos
éticos como simples convenções. Ver dilema de Êutifron. PG
terceiro excluído, princípio do
Ver princípio do terceiro excluído.
tese
Em geral, proposição ou doutrina apresentada para prova ou para
consideração. Na filosofia de Kant, a tese é o primeiro termo da oposição
dialéctica que constitui as antinomias (sendo o segundo a antítese), enquanto
na de Hegel designa o primeiro termo de um sistema formado por tese,
antítese e síntese, em que as duas primeiras se opõem uma à outra e a última
as supera estabelecendo um ponto de vista superior, em que as outras se
conciliam. AN
tipos de argumentos
Ver argumentos, tipos de.
Tomás de Aquino (1225-74)
Um dos maiores filósofos do período medieval. Nasceu no seio de uma família
aristocrata em Roccasecca em Itália. Estudou na escola dos monges
beneditinos de Monte Cassino e na Universidade de Nápoles. Em 1244 juntou-
se à Ordem dos dominicanos. Estudou em Paris e em Colónia com Alberto
Magno. Sob a influência deste, tornou-se estudioso de Aristóteles e escreveu
extensamente sobre a sua filosofia. As suas maiores obras são a Summa contra
Gentiles ("Contra os Erros dos Infiéis") e a Summa Theologiae (1266-73). Foi
nesta última que expôs as suas famosas cinco vias ou argumentos a favor da
existência de Deus. De todos, o mais conhecido é o argumento cosmológico,
o qual é ainda bastante influente. Esta obra tornou-se um marco
incontornável da filosofia medieval.
Uma das maiores preocupações de Tomás de Aquino consistiu em
conciliar a doutrina cristã com o aristotelismo. Essa preocupação levou-o à
defesa de uma teologia natural. Defendeu que algumas verdades religiosas
são susceptíveis de ser descobertas e compreendidas pela razão, como é o
caso da existência de Deus daí os seus argumentos a favor da existência de
Deus. Contudo, achava que nem todas as verdades religiosas são susceptíveis
de confirmação racional. No caso da doutrina da Trindade e da Incarnação,
defendeu uma teologia revelada; ou seja, a verdade de tais doutrinas só pode
ser conhecida através da revelação divina. A relação entre a fé e a razão tem
um papel central na filosofia de Tomás de Aquino. Defendeu que tanto a fé
como a razão são modos de chegar à verdade. Mas se a razão chegar a um
resultado contrário à fé é porque cometemos um erro de raciocínio. A ideia é
que a fé é uma forma infalível de chegar à verdade em questões religiosas.
Tomás de Aquino preocupou-se ainda com questões éticas, epistemológicas e
metafísicas. Em todas estas áreas tentou conciliar a doutrina cristã com o
aristotelismo. Em 1323 foi canonizado pelo Papa João XXII que argumentou
que apesar de Tomás de Aquino não ter feito milagres, cada problema
filosófico a que respondeu representa um verdadeiro milagre. CT
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 8 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Tomás de Aquino, O Ente e a Essência (Lisboa: Instituto Piaget, 2000).
tomismo
Corrente filosófica baseada nas ideias de Tomás de Aquino.
transcendental
Termo muito importante na filosofia de Kant, sobretudo na sua
epistemologia. Significa "condição de possibilidade a priori de algo". Refere-
se na Crítica da Razão Pura a estruturas não empíricas que, contudo, se
aplicam a objectos da experiência. Assim, a) espaço e tempo são formas a
priori da sensibilidade que tornam possível a recepção dos dados empíricos;
b) as categorias do entendimento são conceitos a priori que tornam possível o
conhecimento científico dos dados recebidos pela sensibilidade; c) as ideias
da razão (como a Ideia de Deus) são formas a priori que tornam possível não o
conhecimento mas sim o progresso do conhecimento científico indicando ao
entendimento um ideal: procurar explicações cada vez mais englobantes
como se fosse possível atingir a explicação definitiva de todos os fenómenos.
Transcendental distingue-se de transcendente porque, apesar de não ter
origem empírica, está limitado à experiência. Transcendente é o que
ultrapassa a nossa experiência possível, é a característica do que não
pertence ao mundo natural. Deus é um ser transcendente mas a ideia de Deus
é transcendental. LR
transcendente
Ver imanente, transcendental.
.: U :.Übermensch
Termo alemão usado por Nietzsche para designar o "sobre-humano", "além-
humano" ou "super-homem": o ser que ultrapassa as limitações dos seres
humanos, evoluindo para um estádio superior, livre de ilusões, nomeadamente
as impostas pelas moralidades religiosas. DM
unidade da ciência
A ideia de unidade da ciência está associada a duas teses. Segundo uma delas,
algumas ciências podem ser reduzidas a outras (por exemplo, a biologia à
química), de tal maneira que em última análise todas as ciências podem, em
princípio, ser reduzidas a uma única ciência englobante (geralmente a física).
Há várias maneiras de entender a redução em causa (ver reducionismo).
Pode-se sustentar, por exemplo, que as ciências são redutíveis à física no
seguinte sentido: todas as afirmações de qualquer disciplina científica podem,
em princípio, ser traduzidas para a linguagem da física (ver fisicalismo). A
outra tese associada à ideia de unidade da ciência diz-nos que todas as
ciências obedecem essencialmente ao mesmo método e procuram fazer-nos
perceber a realidade da mesma maneira. Os defensores desta tese costumam
afirmar que há um modelo de explicação científica aplicável a todas as
ciências. Alguns críticos desta perspectiva, como Wilhelm Dilthey (1833-1911),
opõem a explicação à compreensão, sustentando que o recurso a esta última
torna as ciências sociais muito diferentes das ciências da natureza. Quem,
como os filósofos do positivismo lógico, advoga a unidade da ciência,
costuma ter em mente apenas as ciências empíricas e, portanto, coloca a
matemática e a lógica numa categoria distinta. Ver lei da natureza, método
científico. PG
universais
Um universal é uma propriedade exemplificada por diferentes objectos (ou
particulares). Por exemplo, quando digo "Sócrates é sábio", a propriedade de
ser sábio é exemplificada pelo particular Sócrates. Mas é também
exemplificada por outros particulares: Platão, Gandhi, etc. Assim, o chamado
"problema dos universais" consiste em saber se, além de particulares, como
Sócrates e Platão, há coisas como a sabedoria, a brancura, a circularidade,
etc. Os nominalistas afirmam que só há particulares e os realistas defendem
que há universais. Mas se há universais, onde se localizam? Esta pergunta dá
origem a diferentes tipos de realismo: transcendente e imanente. E será que
há universais que não são exemplificados por particulares? Esta pergunta dá
origem outros dois tipos de realismo: o platónico e o aristotélico. Os
universais servem, alegadamente, para explicar a semelhança que se verifica
entre objectos numericamente distintos. Há também diferentes tipos de
nominalismo. AA
universal afirmativa, proposição
Uma proposição com a forma "Todo o F é G", como "Todos os homens são
mortais". A negação de uma universal afirmativa é uma particular negativa:
"Alguns F não são G". Assim, a negação de "Todos os homens são mortais" é
"Alguns homens não são mortais". Ver quadrado de oposição. DM
universal negativa, proposição
Uma proposição com a forma "Nenhum F é G", como "Nenhum homem é
eterno". A negação de uma universal negativa é uma particular afirmativa:
"Alguns F são G". Assim, a negação de "Nenhum homem é eterno" é "Alguns
homens são eternos". Ver quadrado de oposição. DM
universal, proposição
Uma proposição dominada pelo quantificador "Todo", como "Todos os homens
são mortais", "Nenhum homem é imortal", etc. A negação de uma proposição
universal é sempre uma particular. As proposições universais estão
intimamente relacionadas com as condicionais (ver condicional); pode-se
parafrasear qualquer universal dada numa condicional: a universal "Todos os
homens são mortais" é equivalente à condicional "Se alguém é homem, é
mortal". DM
universal, quantificador
Ver quantificador universal.
uso/menção
Qual é a diferença entre "Beja é quente" e ""Beja" tem quatro letras"? No
primeiro caso, estamos a usar a primeira palavra para referir a cidade
alentejana; no segundo caso, estamos a mencionar a própria palavra "Beja".
No discurso escrito, o uso e a menção das palavras distingue-se pela utilização
de aspas: se as palavras são usadas, não são escritas entre aspas; se são
mencionadas, são escritas entre aspas. No discurso oral, só o contexto da
elocução nos permite determinar se uma palavra está a ser usada ou
mencionada. A distinção uso/menção é importante para evitar uma confusão
entre as propriedades das coisas e as propriedades das palavras, como
aconteceria ao dizermos que a palavra "Beja" é quente ou que a cidade
alentejana tem quatro letras. APC
utilitarismo
Uma forma de ética consequencialista segundo a qual a nossa única
obrigação fundamental é promover imparcialmente a felicidade ou o bem-
estar, isto é, dar o mesmo peso aos interesses de todos os que serão afectados
pela nossa conduta. Alguns utilitaristas, como Mill, defendem o hedonismo,
mas outros, como Hare e Singer, concebem o bem-estar de um ser em termos
da satisfação dos seus desejos ou preferências. Alguns utilitaristas defendem
que temos de maximizar o bem-estar, isto é, promovê-lo tanto quanto
possível. PG
utopia
Etimologicamente, o termo deriva das palavras gregas "ου" (não) e "τοπος"
(lugar) e significa "que não está em nenhum lugar". O seu uso tem origem na
obra Utopia (1516) de Thomas More, em que uma sociedade concebida para a
prática da virtude e a obtenção da felicidade, donde estão excluídos o
dinheiro e a propriedade, é apresentada como a solução para o egoísmo da
vida privada e pública da Europa de então. Contudo, já antes de More outros
autores tinham apresentado utopias, sem usar esse nome: é o caso de A
República (trad. 2001, Gulbenkian), de Platão. Uma utopia é uma descrição
de um lugar ou de uma sociedade humana ideais e, a maior parte das vezes,
constitui, ao mesmo tempo, uma crítica da sociedade do autor e uma
sugestão de reformas sociais a implementar ou de objectivos a atingir. AN
.: V :.vagueza
Uma afirmação é vaga quando dá origem a casos de fronteira indecidíveis. Por
exemplo, a frase "Sócrates era calvo" é vaga porque apesar de ser obviamente
verdadeira caso Sócrates tenha zero cabelos, e falsa caso tenha muitos
milhares, há casos intermédios em que não se sabe se a frase é verdadeira ou
falsa. Toda a linguagem é vaga, mas devemos tentar ser tão pouco vagos e tão
precisos quanto possível, particularmente em filosofia. Por exemplo, no dia-a-
dia diz-se que o Fédon, de Platão, "tem a ver com" a imortalidade da alma, e
que "remete para" problemas metafísicos. Mas em filosofia quer-se maior
precisão: uma formulação e discussão clara dos problemas, teorias e
argumentos discutidos e apresentados no Fédon. DM
validade formal/material
A validade formal e material é uma forma popular e confusa de falar de
contradição e de verdade. Dizer que uma afirmação como "Os círculos são
quadrados" não tem "validade formal" é apenas uma maneira confusa de dizer
que essa afirmação é uma contradição (que não resulta, ironicamente, da sua
forma lógica). E dizer que uma afirmação como "A neve é branca" tem
"validade material" é apenas dizer que a afirmação é verdadeira. Em nenhum
dos casos se trata realmente de validade/invalidade. Ver também a priori /
a posteriori. DM
validade/invalidade
A correcção ou incorrecção de um argumento. Há dois tipos de validade: a
dedutiva e a não dedutiva. Um argumento dedutivo é válido quando é
impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; se
isso for possível, o argumento é inválido. Um argumento não dedutivo é válido
quando é improvável, mas não impossível, que as suas premissas sejam
verdadeiras e a sua conclusão falsa; se for provável, é inválido. Não deve
confundir-se este sentido lógico dos termos "validade" e "invalidade" com o
seu sentido popular, que significa "com valor" e "sem valor". Assim,
popularmente diz-se que uma proposição é válida ou inválida, querendo dizer
que tem valor ou que não tem valor (e, muitas vezes, que é verdadeira ou
falsa). Mas não se pode dizer que uma proposição é válida ou inválida no
sentido lógico do termo. No sentido lógico do termo só os argumentos podem
ser válidos ou inválidos; as proposições são verdadeiras ou falsas,
interessantes ou entediantes, e muitas outras coisas, mas nunca podem ter a
propriedade da validade argumentativa. Ver verdade. DM
valor
Quando reconhecemos um valor nas coisas (por exemplo, considerando-as
belas, justas ou sagradas), inclinamo-nos a ter uma atitude favorável para
com elas que se reflecte nos nossos actos e escolhas (ver acção). Quem tem
uma postura objectivista em relação aos valores julga que as coisas são
valiosas independentemente de as valorizarmos, mas para um subjectivista as
coisas são valiosas simplesmente porque as valorizamos. Atribuir valor
instrumental a uma coisa é considerá-la valiosa apenas em virtude de esta ser
um meio para alcançar aquilo que julgamos ter valor em si — isto é, aquilo
que julgamos ter valor intrínseco. Ver hedonismo,
objectivismo/subjectivismo, juízo de facto/juízo de valor. PG
valor de verdade
Ver verdade, valor de.
variável
Em lógica, um símbolo usado para representar um objecto ou uma proposição.
No cálculo proposicional as letras P, Q, etc. são normalmente usadas como
variáveis proposicionais para representar qualquer proposição. Por exemplo, a
expressão "Se P, então Q" permite representar a afirmação "Se está a chover,
não vou à praia", representando P "Está a chover" e Q "Não vou à praia". No
cálculo de predicados as letras x, y, etc., são normalmente usadas como
variáveis predicativas para representar qualquer objecto de um conjunto
especificado de objectos. Por exemplo, dado o conjunto dos seres humanos, o
símbolo x pode ser usado em "x é mortal", para representar qualquer um de
nós. Ver lógica e símbolos lógicos. CT
verdade lógica
Ver tautologia.
verdade, condições de
Ver tabela de verdade.
verdade, tabela de
Ver tabela de verdade.
verdade, valor de
O valor de verdade de uma proposição é o facto de essa proposição ser
verdadeira ou falsa. Por exemplo, o valor de verdade de "A neve é branca" é
"verdadeiro", e o valor de verdade de "A neve é azul" é "falso". Alguns filósofos
defendem que há outros valores de verdade; outros que nem todas as
proposições têm valor de verdade. Do ponto de vista estritamente lógico
pode-se ter os valores de verdade que se quiser; a dificuldade é saber se
estamos apenas a inventar ficções ou a falar de valores de verdade reais. DM
verdade/falsidade
A verdade e a falsidade são propriedades de afirmações ou de proposições, e
não de argumentos, conceitos ou coisas extra-linguísticas. Os argumentos
não podem ser verdadeiros nem falsos, mas são válidos ou inválidos (ver
validade, invalidade); por exemplo: o modus tollens não pode ser verdadeiro
nem falso. Os conceitos não podem ser verdadeiros nem falsos, mas têm
extensão ou não; por exemplo, o conceito homem imortal não tem extensão
porque não há homens imortais. E as coisas extra-linguísticas não podem ser
verdadeiras nem falsas (excepto metaforicamente), mas são reais ou não; por
exemplo: uma laranja ou uma obra de arte não podem ser verdadeiras nem
falsas. Uma afirmação como "A neve é branca" é verdadeira se, e só se, a neve
é branca; e é falsa se a neve não for branca. Esta é a noção central de
verdade e falsidade, que por vezes se exprime assim: Uma afirmação "P" é
verdadeira se, e só se, P. Há várias teorias que tentam desenvolver esta noção
central de verdade, nomeadamente teorias da verdade como coerência,
correspondência, descitação, etc. DM
verificabilidade
Diz-se de uma afirmação que é verificável. Por exemplo, a frase "Há relva
verde" é verificável, pois podemos observar a relva para ver se a frase é ou
não verdadeira. Já a frase "As ideias incolores verdes dormem furiosamente
juntas" não é verificável, pois nada há que possamos observar de modo a
podermos ver se é ou não verdadeira. Este princípio só se aplica a frases
sintéticas (ver analítico/sintético). Os positivistas lógicos (ver positivismo
lógico) defendiam que as frases que não são verificáveis nem analíticas não
têm sentido. Ver verificacionismo. CT
verificacionismo
Tese central do positivismo lógico segundo a qual o significado de uma frase é
o seu método de verificação. Esta tese foi usada pelos positivistas nos seus
ataques à metafísica. Para eles, as frases de natureza metafísica não eram
verificáveis, e como tal a metafísica devia ser abandonada. Por "verificação"
entende-se em geral "verificação empírica", de modo que este princípio
apenas se aplica a frases sintéticas (ver analítico/sintético). Dado que para os
positivistas as frases analíticas não tinham conteúdo factual, isto é, não eram
acerca do mundo, esta tese não se lhes aplicava. Quine foi um dos maiores
opositores do verificacionismo, defendendo que as frases não podem ser
verificadas isoladamente; têm de o ser em conjunto (ver holismo). Ver
Carnap, Wittgenstein. CT
verificável
Ver verificabilidade.
vida, sentido da
Ver sentido da vida.
virtude
Ver ética das virtudes.
vontade
O poder de desejar um certo resultado. Muitos filósofos distinguiram a
vontade do simples apetite ou inclinação, reservando para aquela um estatuto
mais elevado por depender da capacidade de antecipar resultados, que por
sua vez depende do raciocínio. Jean-Jacques Rousseau (1712-78), no seu livro
O Contrato Social (1762, trad. 1981, Europa-América) defendeu que a
vontade geral é a vontade da sociedade civil concretizada nas instituições
políticas. Para Kant, a vontade boa é aquela que, lutando contra os desejos e
inclinações egoístas, determina a acção de acordo com o imperativo moral, e
a vontade santa é aquela que o faria espontaneamente e sem tal luta. Para
Nietzsche, a vontade de poder é a característica fundamental da natureza
humana. Ver razão, desejo e intenção. APC
vontade boa
Designa, em Kant, a vontade que respeita a lei moral por si mesma,
considerando imperativo cumprir o dever incondicionalmente. Qualquer outro
sentimento, qualquer cálculo interessado ou outras inclinações sensíveis
retiram todo o valor moral às decisões e acções da vontade, tornando-a
dependente de algo exterior, ou seja, heterónoma. Obedecendo unicamente
às exigências da razão (a lei moral é uma lei puramente racional) a vontade
boa é a vontade autónoma. LR
.: W, Z :.Weltanschauung
Termo alemão que significa "concepção geral do mundo".
Wittgenstein, Ludwig (1889-1951)
Filósofo austríaco. Wittgenstein nasceu em Viena e estudou filosofia, em
Cambridge, sob a orientação de Russell. Enquanto prisioneiro de guerra
terminou, em 1919, o manuscrito do seu Tractatus Logico-Philosophicus, com
o qual pensava ter resolvido todos os problemas filosóficos genuínos. Depois
de um interregno, em que foi professor primário e jardineiro, regressou à
Universidade de Cambridge em 1929. Durante a Segunda Guerra Mundial
chegou a trabalhar como porteiro, mas em 1945 voltou a dar aulas em
Cambridge. Desagradado com a vida académica, demitiu-se em 1947. Morreu
de cancro em 1951. O contributo de Wittgenstein para a filosofia costuma,
por facilidade, dividir-se em dois períodos, identificados pelas suas duas mais
representativas obras (o Tractatus, publicado em 1921 e as Investigações
Filosóficas, publicadas postumamente em 1953; ambos trad. 1995,
Gulbenkian). Na primeira expõe a sua teoria pictórica da linguagem, segundo
a qual as proposições expressas em frases com significado são como
representações pictóricas dos factos a que se referem (na medida em que se
deixam analisar em elementos básicos que correspondem aos indivíduos e às
relações entre indivíduos que constituem esses factos). Para além de
proposições com conteúdo factual determinado e tautologias, nada pode dar
origem a frases com sentido (as afirmações éticas, estéticas e a esmagadora
maioria das teses defendidas pelos filósofos ao longo da história, em
particular metafísicas, são assim desqualificadas como destituídas de sentido
— uma concepção adoptada pelos positivistas lógicos). Na segunda fase da
sua vida filosófica, Wittgenstein adoptou um ponto de vista diferente acerca
da linguagem e do tipo de deficiências que a podem afectar. Preocupou-se,
em particular, com a relação entre a linguagem e as intenções com as quais a
usamos em contextos particulares, praticando assim alguma acção (por
exemplo, pedir, perguntar, ordenar, informar, etc.). A cada tipo de acção (e de
intenção associada) corresponde um "jogo de linguagem" com regras próprias,
cuja infracção leva à produção de sequências linguísticas sem sentido (de
modo que aquilo que Wittgenstein considerava ser a esterilidade da filosofia
tradicional é agora visto como o resultado deste tipo de infracção). O ponto
comum às duas fases da filosofia de Wittgenstein é a preocupação com os
limites da linguagem e com as pseudo-afirmações, pseudo-argumentos e
pseudo-teses que o desrespeito desses limites pode gerar. A sua concepção da
filosofia como disciplina essencialmente terapêutica, cujo objectivo é apenas
curar-nos das "enfermidades" conceptuais resultantes desse desrespeito,
manteve-se constante. A visão catastrófica de Wittgenstein acerca dos
problemas filosóficos tradicionais deixou de ter aceitação, mas a sua
influência (sobretudo na filosofia analítica) no modo como os filósofos se
precavêem contra o uso incorrecto, impreciso ou superficial da linguagem
perdurou até hoje. Por outro lado, as suas tendências místicas e o seu versátil
conceito de "jogo de linguagem" influenciam ainda hoje algumas correntes
filosóficas e, em alguma medida, as ciências humanas (o referido conceito
inspira frequentemente teorias relativistas — ver relativismo). Wittgenstein
produziu ainda contributos importantes em filosofia da matemática e em
filosofia da mente, e a sua ênfase na relação entre linguagem e acção foi
uma influência decisiva no desenvolvimento da pragmática. Além do
Tractatus e das Investigações, outras obras importantes de Wittgenstein são
Remarks on the Foundations of Mathematics (1956) e O Livro Azul (1958;
trad. 1992, Edições 70) e O Livro Castanho (1958; trad. 1992, Edições 70). Ver
também filosofia da linguagem. PS
Kenny, Anthony, História Concisa da Filosofia Ocidental, cap. 22 (Lisboa: Temas e
Debates, 1999).
Magee, Bryan, Os Grandes Filósofos, cap. 15 (Lisboa: Presença, 1989).
Zeitgeist
Termo alemão que significa "espírito do tempo", isto é, a mentalidade de uma
dada época. DM