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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 330 N.° 59, ENE-MAR 2020 Derecho y Cambio Social N.° 59, ENE-MAR 2020 Digital influencer e a responsabilidade consumerista (*) Digital influencer and consumer responsibility Digital influencer y la responsabilidad del consumidor Júlia Bagatini 1 Diego Alan Schofer Albrecht 2 Sumário: Introdução. 1. A sociedade do espetáculo e o parecer nas redes sociais. 2. Digital influencer como padrão de imagem: a publicidade de produtos e serviços. 3. A responsabilidade civil consumerista e o digital influencer. – Conclusão. – Referências. Resumo: O artigo tem como tema principal a responsabilidade consumerista dos influenciadores digitais. Nesse sentido, partindo-se da premissa que se está inserto em uma sociedade do espetáculo, em que o parecer se sobrepõe ao ser e até mesmo ao ter, discorre-se acerca do espetáculo com viés na sociedade da informação (internet), notadamente nas redes sociais. Após, analisa-se a responsabilidade civil consumerista e se há possibilidade de responsabilização dos influenciadores digitais por danos em produtos ou serviços publicizados por eles. A relevância da pesquisa é notória e atual, considerando o momento (*) Recibido: 17 noviembre 2019 | Aceptado: 02 diciembre 2019 | Publicación en línea: 1ro. enero 2020. Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución- NoComercial 4.0 Internacional 1 Professora Adjunta de Magistério Superior da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), em Santana do Livramento/RS, doutora e mestre em Direito pela UNISC, Advogada. [email protected] 2 Mestre e Doutorando pela PUC/RS. Coordenador e Professor do curso de Direito da UCEFF, Itapiranga/SC. Avaliador do INEP/MEC. Advogado. [email protected]

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N.° 59, ENE-MAR 2020

Derecho y Cambio Social

N.° 59, ENE-MAR 2020

Digital influencer e a responsabilidade consumerista (*)

Digital influencer and consumer responsibility

Digital influencer y la responsabilidad del consumidor

Júlia Bagatini1

Diego Alan Schofer Albrecht2

Sumário: Introdução. 1. A sociedade do espetáculo e o parecer

nas redes sociais. 2. Digital influencer como padrão de imagem:

a publicidade de produtos e serviços. 3. A responsabilidade civil

consumerista e o digital influencer. – Conclusão. – Referências.

Resumo: O artigo tem como tema principal a responsabilidade

consumerista dos influenciadores digitais. Nesse sentido,

partindo-se da premissa que se está inserto em uma sociedade do

espetáculo, em que o parecer se sobrepõe ao ser e até mesmo ao

ter, discorre-se acerca do espetáculo com viés na sociedade da

informação (internet), notadamente nas redes sociais. Após,

analisa-se a responsabilidade civil consumerista e se há

possibilidade de responsabilização dos influenciadores digitais

por danos em produtos ou serviços publicizados por eles. A

relevância da pesquisa é notória e atual, considerando o momento

(*) Recibido: 17 noviembre 2019 | Aceptado: 02 diciembre 2019 | Publicación en línea: 1ro.

enero 2020.

Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-

NoComercial 4.0 Internacional

1 Professora Adjunta de Magistério Superior da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA),

em Santana do Livramento/RS, doutora e mestre em Direito pela UNISC, Advogada.

[email protected]

2 Mestre e Doutorando pela PUC/RS. Coordenador e Professor do curso de Direito da UCEFF,

Itapiranga/SC. Avaliador do INEP/MEC. Advogado.

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hodierno, no qual os influenciadores digitais passam a ditar o

padrão para o consumo.

Palavras-chave: sociedade do espetáculo, responsabilização,

influenciadores digitais, digital influencer.

Abstract: The article's main theme is the consumerist

responsibility of digital influencers. In this sense, starting from

the premise that one is inserted in a society of spectacle, in which

opinion overlaps with being and even having, one discusses the

spectacle with bias in the information society (internet),

especially in social networks. Then, the consumer liability and the

possibility of liability of digital influencers for damage to

products or services advertised by them. The relevance of the

research is notorious and current, considering the current

moment, in which digital influencers start to dictate the pattern

for consumption.

Keywords: show society, accountability, digital influencers.

Resumen: El tema principal del artículo es la responsabilidad del

consumidor y de las personas con influencia digital. En este

sentido, partiendo de la premisa de que estamos inmersos en una

sociedad del espectáculo, en la que la opinión se superpone al ser

e incluso al tener, hablamos del espectáculo con sesgo en la

sociedad de la información (internet), especialmente en las redes

sociales. Luego, se analiza la responsabilidad civil del

consumidor y si existe o no la posibilidad de responsabilidad de

los influenciadores digitales por daños en los productos o

servicios anunciados por ellos. La relevancia de la investigación

es notoria y actual, considerando el momento actual, en el que los digital influencer comienzan a dictar el estándar de consumo.

Palabras clave: sociedad del espectáculo, responsabilidade,

influenciadores digitales, digital influencer.

Introdução

O momento que se está inserto é da sociedade da informação, no qual a

internet, especialmente as redes sociais, ditam o estilo de vida da maioria das

pessoas. Nesse sentido, verifica-se que neste contexto social, os

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influenciadores digitais têm ganhado cada vez mais espaço, o que faz com

que entusiasmem a aquisição de produtos e serviços por eles utilizados.

O mercado, sabedor de tal influência, se utiliza desta nova profissão para

então entregar bens de consumo aos influenciadores digitais e estes, via

publicidade, muitas vezes sem remuneração direta, apresentarem os bens no

seu canal digital.

Tal fato faz com que as vendas de certo produto, quando publicizadas por

um digital influencer, aumentem consideravelmente, por isso, se indaga se

este profissional deve ou não ser responsabilizado, via relação de consumo,

quando da ocorrência de algum dano em bem demonstrado em seu perfil.

1 A sociedade do espetáculo e o parecer nas redes sociais3

No atual contexto informacional, que possui uma amplitude global e que visa

à comunicação mundial, está a se verificar o fenômeno da informação e

comunicação mediada por imagens, em que o parecer do sujeito sobrepõe-se

ao ser, fato este que acaba sendo estimulado pelo mercado de consumo.

A relação mencionada, mediada por imagens, tem por base os escritos de

Guy Debord (1997), o qual trabalha a sociedade do espetáculo. O livro A

sociedade do espetáculo foi escrito por Debord em 1967, com um forte viés

marxista, que visava definir o espetáculo como um conjunto das relações

sociais mediadas por imagens, estando essas intimamente ligadas à produção

e ao consumo de mercadoria. Debord trabalha, na sociedade do espetáculo,

o fato de todas as relações serem mercantilizadas e, assim, expressas por

meio de imagens (DEBORD, 1997, p. 18).

Debord, cineasta e filósofo, traz a público, em 1973, logo após a escrita do

livro acima mencionado, uma versão audiovisual da obra de 1967. Tal filme

mostra imagens, de forma incessante, e aparentemente aleatórias, que dão

suporte à teoria do autor. Tanto no livro como no filme, o autor trabalha a

base das revoltas ocorridas em maio de 1968, na França, que teve como alvo

o auge do capitalismo pós-guerra. À época, a burguesia campesina tinha

medo do crescimento do proletariado, da classe trabalhadora, e passou,

então, a desenvolver uma economia em que tal classe dependesse do capital

financeiro, especialmente dos bancos.

É neste contexto que Debord lança sua teoria acerca da sociedade do

espetáculo, com crítica ao capitalismo, especialmente ao consumo

exacerbado, mencionando que o espetáculo é uma mediação mentirosa da

vida e que as imagens mostram tal fato (DEBORD, 1997, p. 21).

3 Parte desta pesquisa é oriunda da tese de doutoramento da autora, defendida no ano de 2018.

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Logo, o espetáculo está presente em sociedades capitalistas - como a atual -

, em que há estruturação em sociedade de classes, havendo desigualdades

sociais, com divisão do trabalho, especialmente na distinção do trabalho

manual e intelectual. É possível exemplificar o espetáculo a partir da

sociedade de classes na sociedade feudal, em que o poder da nobreza sobre

os servos estava vinculado à aparência construída pelos nobres, o que se dava

com o vestuário sofisticado, a construção de moradias imponentes, entre

outras, ou seja, por meio de imagens. As relações, no capitalismo

consumista, dão-se por meio de representação em imagens, mostrando-se

uma sociedade ambientada no espetáculo (DEBORD, 1997, p. 27).

Assim, não há como desvincular o capitalismo da sociedade do espetáculo,

pois os espetáculos são produzidos por meio da produção e do consumo de

mercadorias, os quais hoje estão mais evidentes na sociedade da informação,

o que – por sua vez – se relaciona mais facilmente com imagens e, portanto,

com o parecer. Nesse sentido, a teoria de Debord se mostra cada vez mais

atual.

Desta forma, “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas

condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de

espetáculos” (DEBORD, 1997, p. 13). Assim, o espetáculo domina os seres

humanos vivos quando a economia já os dominou totalmente. Ele nada mais

é que a economia desenvolvendo-se por si mesma. É o reflexo fiel da

produção das coisas, e a objetivação infiel dos produtores (DEBORD, 1997,

p. 18).

O espetáculo está, hodiernamente, disseminado por toda a vida social,

especialmente na internet, notadamente exposto pelas redes sociais, sendo

que a produção e o consumo se utilizam deste fértil espaço para a produção

cada vez maior de bens e serviços. Os sujeitos não se preocupam mais com

a acumulação de bens (ter) ou com o ser, mas sim com o que aparentam ser,

isto é, o parecer. O espetáculo tem como fonte o parecer, o que pode ser

obtido, cada vez mais, por meio de aquisição de produtos.

O viver de aparências passa a ser comum e aparentar ter passa a ser o valor

visado, tudo o que se vivia diretamente passa a ser representativo (DEBORD,

1997, p. 13). Verifica-se uma valorização e valoração exacerbada do

espetáculo e tudo isso acaba sendo representado por meio de imagens, assim,

“o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”

(DEBORD, 1997, p. 25). Nesse sentido, constata-se que a mídia, meios de

comunicação e em especial a publicidade têm como base o espetáculo, já que

suas representações se dão por meio de imagens e servem à venda de

determinado produto, que é a informação. Os influenciadores digitais

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acabam sendo o fio condutor para o consumo, por meio de uma publicidade

transversa.

Debord menciona que, na sociedade do espetáculo, a cisão entre qualidade e

quantidade não existe, o importante é o que mais aparece, sendo que não é

feito exame qualitativo do seu conteúdo. Assim, se fez sucesso e caiu na

“graça” do espetáculo, é porque é bom, e o oposto também é verdadeiro: se

é bom, é porque fez sucesso (DEBORD, 1997, p. 16).

O empobrecimento, a subordinação e a negação da vida real é estampada

pelo espetáculo, sendo que o consumo – aqui entendido como inserção do

desejo e não da necessidade nas pessoas - serve a esta sociedade do

espetáculo, pois sem o espetáculo não há que se falar em consumismo.

A sociedade do espetáculo opera um desejo de “pseudo bens a desejar”

(DEBORD, 1997, p. 38), ou seja, o consumo contemporâneo oferece a todo

instante pseudo bens, por meio da informação, notadamente da publicidade,

assim, o desejo vivo fica submisso ao “artificial ilimitado” (DEBORD, 1997,

p. 38), já que toda mercadoria é apresentada como fundamental e como

novidade para o consumidor. “O consumo da televisão apresenta-se mais

como um hábito que como a expressão de uma escolha individual

deliberada” (LIPOVETSKY, 2004, p. 75).

Assim, verifica-se a falsificação da realidade e a perversidade do mercado

de consumo que impõe padrões artificiais de conduta aos sujeitos. “Cada

nova mentira da publicidade é também a confissão da mentira anterior”

(DEBORD, 1997, p. 47), considerando que o mercado retira o

produto/serviço, antes novidade e indispensável para a vida, informando que

não mais o é e, assim, o substitui por outro.

Nesse sentido, Llosa refere que a diferença essencial entre a cultura do

passado e atual é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo

presente, ou seja, ter durabilidade nas gerações futuras, enquanto os produtos

atuais são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer, “tal

como biscoitos ou pipoca.” (LLOSA, 2013, p. 17).

A manipulação dos sujeitos é de tal maneira quanto à busca da imagem, que

os próprios indivíduos consumidores, a todo tempo, requerem novos

produtos e serviços, para novas imagens, a fim de se sentirem parte do todo,

e acabam por concretizar o espetáculo, fato este favorável ao mercado.

Nesse sentido, Llosa trabalha acerca da cultura contemporânea, informando

que esta não é a consequência dos fenômenos sociais, econômicos e

políticos, mas sim, a causa destes. Informa que hoje existe uma

padronização, a partir do consumo, da cultura, em que os sujeitos passam a

ter uma mesma imagem (LLOSA, 2013). A cultura, hoje, é globalizada e

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mundializada no capitalismo e no mercado de consumo, a partir da expansão

da informação, especialmente da internet.

Desta forma, Llosa menciona que a civilização do espetáculo, hoje, é aquela

em que a maior valoração vigente é a do entretenimento, que se divertir e

escapar do tédio é a busca universal. Embora sejam importantes tais valores,

transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se traz como

consequências reflexas a “banalização da cultura, generalização da

frivolidade e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo

irresponsável da bisbilhotice e do escândalo” (LLOSA, 2013, p. 18).

“Por isso, não é de estranhar que a literatura mais representativa de nossa

época seja a literatura light, leve, ligeira, fácil, uma literatura que sem o

menor rubor se propõe, acima de tudo e sobretudo (e quase exclusivamente),

divertir” (LLOSA, 2013, p. 2013). Nesse sentido, livros de autoajuda

parecem estar no topo da (des)informação social – “cada vez mais, os livros

tornam-se objeto de um uso utilitário, seja em relação à atividade

profissional, seja em relação à vida cotidiana: como envelhecer melhor,

dormir melhor, relaxar, comer melhor” (LIPOVETSKY, 2004, p. 74) - e o

consumo de drogas aumenta consideravelmente, assim como de religiões e

seitas.

A falta da cultura aprofundada e crítica acaba dando espaço à publicidade,

que determina quais são os valores da sociedade. Nesse sentido, Lipovetsky

e Serroy (2011, p. 78-79) defendem que, contemporaneamente existe o

enaltecimento de uma cultura global, chamada por eles de “cultura-mundo”,

que advém do fim das fronteiras pela ação do mercado de consumo e pela

revolução tecnológica da sociedade de informação.

A padronização da cultura pelo consumo tem como consequência a

“futilização”, que “domina a sociedade moderna”, frente à multiplicação de

mercadorias que o consumidor pode escolher e ao desaparecimento da

liberdade, porque as trocas que ocorrem não são resultado de escolhas livres

das pessoas, mas “do sistema econômico, do dinamismo do capitalismo”

(LLOSA, 2013, p. 15).

Tal padronização pode ser vista na indústria cinematográfica, especialmente

a partir de Hollywood, que globaliza os filmes, levando-os a todos os países

e a todas as camadas sociais. Mais ainda, a padronização da cultura se dá

pelas redes sociais e pela universalização da internet. “O mundo-tela

deslocou, dessincronizou e desregulou o espaço-tempo da cultura”

(LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 88).

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A imagem, no espetáculo, é superior à essência, o parecer sobrepõe-se ao ser

(DEBORD, 1997, p. 18). Nesse sentido, que “não é por acaso que os políticos

em campanha, [...] hoje procuram a adesão e o patrocínio dos cantores de

rock e atores de cinema, bem como de celebridades do futebol e de outros

esportes” (LLOSA, 2013, p. 23), há uma substituição dos intelectuais como

mentores políticos por aqueles que aparecem na mídia e nas publicidades. O

fato de pessoas ligadas à imagem estarem na vida política não

necessariamente é negativo, entretanto, o protagonismo que possuem

atualmente não está ligado a uma racionalidade lúcida, mas sim, ao

encaminhamento da mídia. Assim, “na civilização do espetáculo, o cômico

é rei” (LLOSA, 2013, p. 20).

A sociedade do espetáculo é um entrave à emancipação humana e ao

autorreconhecimento do indivíduo, já que os cidadãos passam a ser

padronizados pelo consumo e não mais respeitados pelas suas diferenças e

diversidades. As redes sociais, exemplo clássico da sociedade de informação,

demonstram a necessidade do parecer e da padronização do consumo e se

mostra cada vez mais sedutora.

Nesse sentido que se insere os influenciadores digitais, que são indivíduos

que se utilizam de redes sociais para influenciar a opinião de outros

indivíduos, que os seguem. Tais influenciadores, na sua maioria, acabam por

fazer publicidades de produtos e serviços, já que as empresas encaminham

bens a eles, de forma gratuita, para que os utilizem e publicizem em suas

redes. Assim, verifica-se uma publicidade transversa, já que não é

diretamente feita pelo fornecedor do produto ou serviço.

O espetáculo na sociedade de informação, via influenciadores digitais, aliena

o cidadão atual, acarretando a vulnerabilidade dos sujeitos na aquisição de

produtos e/ou serviços, já que fãs seguidores de influenciadores digitais

acabam adquirindo os bens publicizados, simplesmente por serem os

utilizados por seus ícones digitais.

Hegel dizia que o sujeito busca incessantemente o reconhecimento e tal autor

parece ser base do filósofo desvelador da sociedade do espetáculo, Guy

Debord, tanto o é que este traz uma citação de Hegel como epígrafe do

capítulo IX, chamado A ideologia materializada, que diz: “A consciência de

si existe em si e para si quando e porque ela existe em si e para si diante de

uma outra consciência de si; isto é, ela só existe como ser reconhecido”

(DEBORD, 1997, p. 137).

Destarte, parece que a consciência existencial do sujeito se encontra

subordinada ao reconhecimento que possui nas redes sociais, por meio de

likes, curtidas e compartilhamentos. Inclusive, Lacan trabalha o surgimento

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do eu a partir do espelho, sendo por meio deste que se faz a constituição de

uma imagem de si próprio. O psicanalista refere que crianças entre 6 e 18

meses de idade se reconhecem e reagem de forma entusiasmada quando

percebem sua própria imagem no espelho, já que até então a imagem que

tinham de si próprio mostrava-se fragmentada (LACAN, 1998, p. 97-101).

Assim, é a partir da imagem do espelho que a criança passa a ter

compreensão quanto à noção do próprio corpo, ou seja, ela passa a perceber

seu corpo como unidade e concebe isso no espelho, como um imaginário,

um eu ideal. Dessa forma, o espelho traz uma imagem inteira e é referência

para a vida de qualquer sujeito. Analogicamente, as redes sociais passam a

ser o espelho do adulto e a imagem que ali refletem – na quantidade de

curtidas, por exemplo – passam a ser os referenciais dos sujeitos.

As redes sociais são a expressão contemporânea da sociedade do espetáculo

trazida por Debord, em que as relações são mediadas por imagens e também

por representações.

O mercado, perverso como tal, objetivando a circulação da mercadoria,

utiliza-se do espetáculo, notadamente e atualmente dos influenciadores

digitais, demonstrando ao sujeito a necessidade em parecer e produzir novas

imagens, para então trazer o padrão social do consumo. Os influenciadores

digitais acabam disseminando o padrão de imagem a ser seguida, o que se

faz por meio de produtos e serviços.

2 Digital influencer como padrão de imagem: a publicidade de

produtos e serviços

O mercado se utiliza da publicidade, inclusive estampando-a nas redes

sociais, fomentando um padrão social de vestimenta, de comportamento, de

gastronomia, de leitura, com base na imagem do indivíduo, para então

encorajá-lo ao consumismo. Nesse sentido é que se refere que a solidificação

da imagem como espetáculo, para os sujeitos, é a base do consumismo, que

enriquece o mercado, fato este que é adquirido, basicamente, por meio

publicitário.

A cada instante, o mercado passa a produzir e trazer novos bens e serviços,

muitas vezes sem a precaução e o cuidado devido, já que o que importa é a

venda e o lucro, propiciando o risco na sociedade. Para que estes novos

produtos sejam cativos dos sujeitos, é necessário se utilizar da

espetacularização e da valorização da imagem nas pessoas. Para tanto é que

se verifica a publicidade como um mecanismo importante na proliferação do

padrão de bens e consumos de uma sociedade.

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Aqui jaz a perversidade das empresas produtoras de bens e serviços, que

objetivando a circulação da mercadoria, utilizam-se do espetáculo, ou seja,

da necessidade do sujeito em parecer e produzir novas imagens, para então

trazer o padrão social do consumo, fomentando o consumismo, fato este que

é apreendido pelos sujeitos e posteriormente espetacularizado,

especialmente nas redes sociais.

É nesse sentido de desigualdade e perversidade do mercado que surge a

proteção ao consumidor, que é vulnerável. Ou seja, até início do século XX,

o Estado responsabiliza-se unicamente pela ordem e segurança, e as relações

civilistas, aqui imanentes as relações de consumo, são reguladas pelos

próprios indivíduos, sem intervenção estatal. Estava-se diante de um Estado

Liberal, em que o primado principal era o individualismo e o

patrimonialismo, sendo isto assegurado pela então legislação vigente.

Frente à desigualdade latente, o Estado passa a atuar sobre o mundo

econômico, visando à igualdade entre os indivíduos, e, assim, passa a

desenvolver políticas públicas de proteção à saúde e segurança dos cidadãos.

É neste contexto que surge a proteção dos vulneráveis, como princípio, na

relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), rompendo

a ideia de igualdade entre as partes, traz a igualdade não só formal, mas

também material entre consumidores e fornecedores, a partir do momento

em que define uma política nacional nas relações de consumo e os objetivos

que se pretende alcançar.

Tal princípio norteador da política pública mencionada é um pilar que

sustenta todas as regras existentes no Código de Defesa do Consumidor.

Assim, parte-se do pressuposto de que na relação de consumo sempre haverá

um desequilíbrio entre fornecedor e consumidor, devido à superioridade

daquele em relação a este. Nesse sentido é que os desiguais devem ter

tratamento diferenciado para então conquistar a igualdade material nas

relações.

Por isso que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, reconhece

que o consumidor é vulnerável frente ao mercado de consumo. Tal medida

trazida pela legislação persegue a garantia de isonomia trazida pela

Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição

Federal. Desta forma, o consumidor é a parte mais fraca da relação, pois se

relaciona com aqueles que possuem os meios de produção, a margem de

lucro, controlam o mercado e decidem o que e para quem produzir (NUNES,

2017, p. 177), utilizando-se do espetáculo, por meio de imagens.

O consumidor é, portanto, segundo a legislação, a parte vulnerável da relação

jurídica.

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Ressalte-se que a “interferência da tecnologia na sociedade moderna é uma

realidade concreta. Rotinas que anteriormente tinham a interferência

humana, agora realizadas por meio da chamada inteligência artificial [...] em

tudo temos a presença de sistemas informatizados” (EFING; FREITAS,

2008, p. 115).

Nesse sentido, sabe-se que a publicidade é a essência atual da proliferação

de um produto ou serviço. Para Benjamim (2000, p. 259) “não há um dever

legal, imposto ao fornecedor, de anunciar seus produtos e serviços.” Logo,

há apenas uma faculdade por parte do fornecedor de ofertar seus bens. No

entanto, caso a oferta e apresentação do produto ou do serviço ocorram, o

fornecedor deve assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas

e em língua portuguesa, sendo o exercício da publicidade de

responsabilidade exclusiva do fornecedor, portanto (artigo 31, Código de

Defesa do Consumidor).4

No entanto, muitas empresas acabam por não realizar esta publicidade

tradicional, mas as fazem via influenciadores digitais. O biquíni que será

lançado pela marca x, por exemplo, antes de estar estampados em outdoors

e comerciais, são, muitas vezes, encaminhados às influenciadores digitais, as

quais o vestem e publicizam nas suas redes sociais, mencionando a marca e

a qualidade do bem.

O alcance deste tipo de publicidade – se é que pode ser assim chamada, por

não ser diretamente realizado pelo fornecedor – é imenso, já que há

influenciadores digitais com cerca de 213 milhões de seguidores, como é o

caso do jogador de futebol Neymar dos Santos Júnior.

Atualmente, no Brasil, 55% dos consumidores confiam nas avaliações

realizadas pelos influencers, segundo pesquisa realizada pela QualiBest. Tal

fato acontece devido ao sentimento de proximidade do público com o criador

de conteúdo. De igual forma, os influenciadores possuem habilidade no trato

com o seu público, eles sabem o que os agrada, o que não dará certo e, o mais

importante, como falar com eles e como captar sua atenção (INFLUENCY,

2019).

Muitos são os influenciadores digitais que se tem conhecimento, eles estão

nos mais diversos segmentos, como entretenimento, beleza, gastronomia,

educação. Anita, cantora de estilo funk, possui cerca de 57 milhões de

seguidores e acaba sendo um padrão de estilo de vida.

4 A publicidade é, também, considerada uma atividade comercial que utiliza técnicas criativas de

persuasão e convencimento veiculadas nos meios de comunicação de massa, a fim de criar uma

demanda no consumidor, satisfazendo-o e desenvolvendo o bem-estar social e econômico.

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É nesta toada, inclusive, que surge na novela A dona do pedaço da Rede

Globo de Televisão a digital influencer Vivi Guedes, protagonizada pela

atriz Paola Oliveira. Na trama, Vivi Guedes dita seu estilo de vida e de moda.

Vivi Guedes encontra-se em alta não só no mundo das novelas, mas também

na vida “real”, tanto é verdade que a referida emissora abriu uma conta na

rede social instagram da personagem. O perfil da Vivi Guedes encontra-se,

atualmente, com 1,9 milhões de seguidores.

A personagem influenciadora digital Vivi Guedes, inclusive, tem feito

publicidades, via comerciais, de produtos, a exemplo da empresa

automobilística Fiat.

Quanto à publicidade, embora haja controle desta prática pelo Estado, a

exemplo do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária

(Conar), tal fiscalização se mostra cada vez mais difícil quando se verifica

um mercado que se utiliza técnicas obscuras de publicização de produtos e

serviços, como é o caso da utilização da ciência neurológica para influenciar

o padrão de consumo: o neuromarketing.

As imagens são trazidas pelo mercado e são adquiridas como necessárias

pelos sujeitos consumidores, fomentando o desejo no consumo. É nesse

sentido que se menciona que a publicidade, utilizando-se do espetáculo, é

um mecanismo robusto do mercado para a aquisição de bens, o que faz com

que seja possível o consumidor ser alienado quanto ao consumo consciente.

Nesse contexto que se analisa se os influenciadores digitais, que de certa

forma publicizam produtos ou serviços, podem ser responsabilizados pelo

Código de Defesa do Consumidor quando da ocorrência de algum dano no

bem trazido a público por eles.

3 A responsabilidade civil consumerista e o digital influencer

A distinção entre a reparação civil no Código Civil e a de consumo é possível

a partir da análise se há ou não relação consumerista. Ocorrendo, a regra é a

utilização do Código de Defesa do Consumidor. Para existência de uma

relação de consumo, necessário estar-se diante de um consumidor, que pode

ser padrão ou equiparado, e doutro lado de um fornecedor, tendo como objeto

da relação um produto ou um serviço.

Entende-se como consumidor padrão aquele esposado no caput do artigo 2º,

do Código de Defesa do Consumidor, ou seja: “Consumidor é toda pessoa

física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final” (BRASIL, 2019). A conceituação legal traz três diferentes elementos:

o subjetivo, que se refere às pessoas, que podem ser físicas ou jurídicas; o

objetivo, que relaciona a produtos e serviços; por fim, o elemento

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teleológico, que define ser consumidor apenas o destinatário final do produto

ou serviço.

Quanto ao destinatário final o Código de Defesa do Consumidor se utiliza da

teoria finalista, isto é, consumidor seria aquele que adquire ou utiliza o

produto ou o serviço para seu uso ou de sua família, sem possibilidade de

comercialização. Entretanto, frente ao princípio básico que norteia as

relações de consumo, que é a vulnerabilidade do consumidor, decisões

judiciais surgiram no sentido de compreender também como destinatário

final aqueles profissionais ou empresários vulneráveis, denominando a teoria

finalista para finalista aprofundada (CALIXTO, 2004, p. 5).

Compreende-se como consumidor, ao lado do padrão, os equiparados, como

a coletividade, conforme artigo 2º, parágrafo único, do Código de Defesa do

Consumidor, os quais, embora indeterminados terão proteção. Dessa forma,

“O sentido desta equiparação é de fazer abranger pelas normas do Código de

Defesa do Consumidor, não apenas consumidores atuais, participantes reais

de relações de consumo, como também a consideração da universalidade”

(MIRAGEM, 2012, p. 122). Assim, possível fundamentar a tutela coletiva

dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos esposados a partir

do artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda, são equiparados a consumidor as vítimas de acidentes de consumo

(artigo 17, Código de Defesa do Consumidor), a exemplo do sujeito que

porventura esteja observando uma vitrine e venha a se ferir por estilhaços

dos vidros em decorrência de uma explosão. Neste caso, embora não haja

relação contratual entre a vítima e a loja que causou o dano, este deve ser

reparado como consumidor. Por fim, equiparam-se a consumidor aqueles

expostos às práticas comerciais abusivas (artigo 29 do Código de Defesa do

Consumidor), estas entendidas como oferta, publicidade, entre outras.

Como fornecedor, na outra esfera, o Código de Defesa do Consumidor o

define (BRASIL, 2019):

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de

produtos ou prestação de serviço.

Para que seja considerado fornecedor, não há necessidade de ser profissional,

entretanto, imperioso que a atividade seja feita com habitualidade e a relação

tenha se dado por meio de remuneração, mesmo que de forma indireta, como

é o caso dos serviços de estacionamento gratuito em supermercados.

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Havendo danos há dever de reparar, a questão é se os influenciadores digitais

devem ser responsabilizados pela publicização dos produtos ou serviços

recebidos “gratuitamente” frente ao seu público, compreendendo-os como

fornecedores e seus seguidores como consumidores.

Na atual sociedade da informação, norteada pelo espetáculo, muitos são os

danos advindos das relações de consumo, já que os sujeitos-consumidores

são instados – e estimulam – a aquisição de bens e serviços a todo instante,

fato este que propicia a possibilidade de problemas advindos destes bens

(SOARES, 2009, p. 23). Nesse sentido, quando da ocorrência de danos na

relação consumerista, necessária a verificação dos pressupostos da

responsabilização civil, assim como se o dano gerado é decorrente de um

defeito ou de um vício no produto ou serviço.

A responsabilidade por defeito, entendida como responsabilidade pelo fato

do bem, é aquela produzida por bens postos em circulação que produzem

acidente a partir da desconformidade com a expectativa legítima do

consumidor. O dano gerado ao consumidor, neste caso, dá-se física e/ou

psiquicamente, extrapolando o dano puramente material.

Assim, o fabricante, que segundo a legislação consumerista é o responsável

pela reparação por defeito no bem, só não será responsabilizado se provar

que não colocou o produto no mercado, que o defeito inexiste, ou que a culpa

é exclusiva do consumidor ou de terceiros.

A responsabilidade por vício do produto ou serviço, diversamente do defeito,

é entendida como aquela em que há a inadequação na qualidade ou na

quantidade de produto ou serviço, gerando danos de monta material ao

consumidor, sendo responsáveis por isso, solidariamente, o fabricante e o

comerciante (artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor).

A regra da responsabilização civil pelo Código de Defesa do Consumidor é

objetiva, ou seja, sem a necessidade de demonstração da culpa, excetuando-

se apenas o caso dos profissionais liberais. O regramento consumerista visa

a amparar as relações na atual sociedade de risco, em que há dificuldades na

demonstração dos elementos básicos da reparação civil.

Interpretando o digital influencer como um fornecedor de produto, que o

publiciza, este sendo responsável por qualquer possível dano nele, a

discussão que pode ser feita é se ele se equipara ou não a um profissional

liberal, em que a culpa deve ser demonstrada para a reparação.

Neste cenário, verifica-se uma maior facilidade na ocorrência de danos

advindos do espetáculo no âmbito consumerista, já que é nesta sociedade que

há o fomento da produção desenfreada de bens. Numa análise superficial e

sedimentada, utilizar-se-ia o Código Civil para relações civilistas; quando

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consumeristas, utilizar-se-ia o Código de Defesa do Consumidor, partindo-

se do princípio de que a lei especial derroga a lei geral. Entretanto, as duas

fontes – Código Civil e Código de Defesa do Consumidor –, frente à proteção

constitucional à pessoa, dialogam entre si, devendo ser utilizado o diploma

que melhor proteja a vítima do infortúnio, independentemente do tipo de

relação - consumerista ou puramente civilista.

Desta feita, verificando o contexto em que os digitais influencers laboram,

assim como a utilização deles pelo mercado de consumo para disseminação

e publicização de produtos e serviços, parece que alguma forma de

responsabilização deve ser destacada a eles, considerando a influência que

possuem no estilo de vida e no consumo de seus seguidores.

Conclusão

A sociedade da informação, entendida como uma conexão em rede, que tem

as tecnologias de informação como razão de ser, na qual a internet possui

relevância, e assim passa a ser relevante forma de comunicação do ser

humano. As mídias proliferam os riscos sociais com uma facilidade e

velocidade muito maior que outrora, chegando a diferentes locais e pessoas.

A informação de uma dieta milagrosa, por exemplo, com alto risco à saúde

da humanidade, é proliferada rapidamente e o alcance é inimaginável,

especialmente se publicizada por um influenciador digital.

O espetáculo, a imagem, são ditames da atual sociedade, a qual, é explorada

pelo mercado, que se utiliza de pessoas famosas, que se colocam na posição

de influenciadores digitais, para então consumir determinado produto ou

serviço.

Neste contexto, os influenciadores digitais, quando realizam publicidade em

seus canais de redes sociais, acerca de determinado bem e este vem a causar

algum dano a um seguidor do influenciador, deve este ser responsabilizado,

pois é também a ele que se deve o consumo do bem defeituoso ou viciado.

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