direito da responsabilidade - aulas

137
Direito da Responsabilidade

Upload: joao-almeida-e-paiva

Post on 18-Feb-2016

224 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Optimo pdf sobre direito da responsabilidadeTem a materia da cadeira do curso de direito bem atualizada e completa. Ajudou-me bastante a entender a questão da responsabilidade civil.

TRANSCRIPT

Direito da

Responsabilidade

• A responsabilidade civil consiste na necessidade imposta a quem transgride as suas obrigações, adoptando comportamento diverso do que lhe era prescrito, e por tal forma causa prejuízo ao titular do correspondente interesse tutelado pela ordem jurídica, de colocar à sua custa o ofendido no estado em que ele se encontraria se não fosse a lesão sofrida

• Por regra, os prejuízos, os danos, correm por conta de quem os sofre – só excepcionalmente o lesado pode responsabilizar terceiro pela verificação de alguma lesão. É uma aplicação de um antigo princípio: ubi commoda, ibi incommoda. Daí, por exemplo, a razão de ser do disposto no art. 796º do Cód.Civil.

• A responsabilidade civil surge precisamente para permitir ao lesado imputar a lesão sofrida a terceiro de modo a que este deva “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (art. 562º, Cód.Civil)

Responsabilidade civil

Contratual Extracontratual Pré-contratual

• A responsabilidade contratual ocorre sempre que preexista uma relação jurídica obrigacional e aquele que nesta ocupa a posição de devedor não cumpra pontualmente

• A responsabilidade extracontratual produz-se sempre que não exista relação jurídica prévia e a ocorrência do dano na esfera daquele que a partir daqui será constituído credor resulte da violação de um dever genérico, maxime, da violação do dever de respeito por situações jurídicas alheias

• A responsabilidade pré-contratual deriva da violação dos princípios da boa fé durante o processo de negociação (art. 227º)

•O nosso Código Civil, apesar de manter a dicotomia tradicional (arts. 483º e segs. e 790º e segs), acaba por implicitamente aceitar, para o essencial, a similitude entre responsabilidade contratual e extracontratual, pois o efeito básico de ambas as espécies de responsabilidade – a saber, a obrigação de indemnizar – está disciplinado de forma unitária nos seus arts. 562º a 572º

•O que não impede, não obstante, o surgimento de hipóteses de concurso dito aparente, legal ou de normas entre pretensões derivadas de responsabilidade contratual e de responsabilidade extracontratual. O dano, porém, é um único e, portanto, ou se pede a indemnização correspectiva com base na primeira ou com base na segunda espécie de responsabilidade

• A responsabilidade civil cumpre uma função: obrigar terceiro a proceder à reparação de danos provocados na esfera jurídica do lesado (credor para este efeito)

• O que significa (ainda que pareça uma redundância) que não se provando a existência de danos não há responsabilidade

• Por isso, ainda que o devedor (autor da lesão) sinta a realização da obrigação de indemnizar como uma penalização, não é esta, nem objectivamente nem juridicamente, a respectiva função (ao contrário da responsabilidade penal onde através v.g. da punição da tentativa também se castiga o seu autor)

•Deve reconhecer-se, contudo, que:

• 1) a forma como, tratando-se de danos pessoais, se tem procedido, na prática, ao cálculo da indemnização

• 2) e, muito particularmente, admitindo-se a figura dos chamados punitive ou exemplary damages,

o instituto da responsabilidade civil pode ser utilizado para castigar, para penalizar condutas

• Porém, ainda que a obrigação de indemnizar se funde, nestes casos, na verificação dos requisitos da responsabilidade civil, aquela não serve os seus fins típicos, antes serve os propósitos da responsabilidade penal (não obstante se fundar nos requisitos da responsabilidade civil)

• Nos punitive damages, a obrigação de indemnizar consiste numa soma em dinheiro conferida ao autor de uma acção de indemnização em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano fundada mais na censurabilidade da conduta do que na produção do resultado danoso

• Por isso: i) Só devem admitir-se nos casos previstos na lei (princípio da taxatividade das penas e medidas de segurança) ii) Só podem ser atribuídos em processo penal pois só aí estão instituídas garantias processuais com o nível exigido pela Constituição

A imposição da obrigação de prestar punitive ou exemplary damages depende da verificação das seguintes condições :

(I) deve provar-se que o devedor/lesante merece ser punido por ter cometido determinado tort; (II) deve provar-se igualmente que não sendo imposta tal obrigação a conduta do mesmo não é adequadamente punida; (III) por fim, supõe-se que o tortfeasor tenha levado a cabo uma “extreme and outrageous conduct” (isto é, tenha actuado de um modo manifestamente censurável – v.g. mesmo conhecendo a ilicitude da sua conduta, preferiu realizá-la e sujeitar-se à eventual obrigação de indemnizar pelos inerentes compensatory damages, por, mesmo assim, tal lhe ser economicamente mais vantajoso do que omitir semelhante comportamento)

• Na compensação pelos danos pessoais deve conceder-se que a remissão para a equidade realizada pelo art. 496º do Cód.Civil implica naturalmente, na operação de conversão em dinheiro dos danos não patrimoniais, uma certa dose de arbitrariedade

• Porém, em teoria, a compensação por danos pessoais: • a) tem em vista reparar ou, pelo, atenuar danos • b) pelo que não tem necessariamente natureza pecuniária (ao invés

dos verdadeiros punitive damages)

Não cumprime

nto

contratualImputável ao devedor

Subjectivamente

Objectivamente

(v.g. 800º)

Não imputável

ao devedor

• Como a responsabilidade contratual pressupõe a existência de uma relação jurídica anterior, é concebível que o não cumprimento da obrigação daí decorrente para o respectivo sujeito passivo possa ficar a dever-se tanto a uma conduta que lhe é atribuível, como a um facto natural, a um comportamento imputável a um terceiro ou, inclusivamente, a uma conduta da autoria do próprio credor.

• Evidentemente, só há responsabilidade contratual quando o devedor seja o autor do não cumprimento (ainda que a determinação de tal autoria resulte apenas da não ilisão da presunção contida no art. 799º/nº1 do Cód.Civil)

Responsabilidade extracontratual

Com culpa (art. 483º/nº1)

Independente de culpa

(art. 483º/nº2)

Pelo risco

Por factos lícitos

• A culpa, como adiante se dirá, é um juízo de censurabilidade de que a conduta de certa pessoa é susceptível por, na realização dessa conduta, ter revelado certa atitude quando podia e devia ter revelado outra.

• Quando, entre outros requisitos, a responsabilização de certa pessoa por ter causado danos a outra exija a possibilidade da formulação do referido juízo, está-se perante a chamada responsabilidade subjectiva, delitual, aquiliana ou por factos ilícitos.

• Ao invés, quando para obrigar certa pessoa a reparar danos causados a outra tal juízo de censura seja irrelevante ou desnecessário, diz-se que a responsabilidade é objectiva (justamente porque independe de culpa)

• A responsabilidade pelo risco ocorre sempre que a lei associe ao desenvolvimento de certa actividade naturalmente perigosa, ou seja, potencialmente danosa, a obrigação de reparar danos que da mesma possam eventualmente resultar para terceiros

• A responsabilidade por factos lícitos funciona como uma categoria residual perante a responsabilidade pelo risco. Existirá sempre que a lei institua um caso de responsabilidade objectiva fora do âmbito das acções/omissões perigosas por natureza

• Não existe uma distinção polar entre Strict Liability e Negligence. Ao invés, as regras de responsabilidade situam-se num continuum que vão desde a negligência com consideração pelas circunstâncias pessoais do agente (responsabilidade subjectiva) até à responsabilidade objectiva – por pura “causação” de danos

Responsabilidade

Directa Indirecta (491º, 500º ou 800º )

• Na responsabilidade directa, a autoria da conduta lesiva e a adstrição à obrigação de indemnizar coincidem na mesma pessoa

• Na responsabilidade indirecta, o responsável pela indemnização não é o autor da conduta lesiva

• Efeito da responsabilidade civil

• obrigação de indemnizar: entendida no preciso sentido que lhe foi definido pelo art. 562º (reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo) e não só no sentido, mais restrito, de pagamento de uma quantia pecuniária ao lesado (ainda que em alguns casos outro remédio não reste que não passe por esta via)

• A obrigação de indemnizar pode destinar-se à reconstituição natural ou à compensação em dinheiro (art. 566º/nº1, Cód.Civil). Aquela tem prioridade e esta funciona, portanto, como último remédio.

• A indemnização em dinheiro para reparação de danos patrimoniais tem como critério de cálculo a diferença entre a situação patrimonial real e actual do lesado e a sua situação patrimonial actual mas virtual, ou seja, aquela em que presentemente estaria “se não existissem danos” (art. 566º/nº2, Cód.Civil)

•Persegue-se, portanto, para abranger também os danos pessoais, o objectivo de recolocar o lesado no ponto mais próximo que possível for da situação em que estaria se a lesão não se tivesse produzido (art. 562º, Cód.Civil)

• Leva-se em consideração, assim, não “a situação abstracta, mas a situação concreta do lesado”

•Por força do disposto no art. 801º, na responsabilidade contratual, a indemnização tanto pode (à escolha do credor lesado) ter em vista a reparação pelo interesse contratual negativo como pelo interesse contratual positivo

•Na responsabilidade pré-contratual a indemnização far-se-á, em geral, atendendo ao interesse contratual negativo: o lesado terá direito a ser ressarcido pelos prejuízos correspondentes “às vantagens que teria obtido somadas aos danos e despesas que teria evitado, se não tivesse iniciado as negociações, depois injustificadamente interrompidas pela contraparte, ou celebrado um contrato inválido“ (Enzo Roppo, O Contrato, pág. 108)

Conceito de Dano

• O dano não pode resultar simplesmente da infracção de direitos alheios (artigo 483º/n.º 1) nem da violação de obrigações próprias (artigo 798º). Caso contrário, mesmo que, em última análise, inexistisse um prejuízo daí emergente, poderia afirmar-se ter ocorrido uma lesão no património ou na pessoa do titular do direito desrespeitado.

• A existência de dano avalia-se através do counterfactual test: comparação entre a situação real e actual da pessoa afectada com aquela outra em que ela se encontraria caso o autor da conduta não tivesse actuado como actuou (situação actual virtual)

• A obrigação de indemnizar constitui-se no instante em que o lesante executa a conduta que conduz à respectiva produção, ainda que só retrospectivamente a sua adequação possa ser atestada

Espécies de dano

1.

• Lucro cessante: o benefício que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão •Dano emergente: o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão

2.

• Dano real: é a ofensa que efectivamente o lesado sofre – a subtracção ou a destruição da coisa, o sofrimento causado pelo ferimento, a afectação da reputação, o prejuízo decorrente da contrafacção da marca, etc • Dano de cálculo: é constituído pelo conjunto de consequências

que a verificação do dano real faz repercutir sobre o património do lesado. É dentro deste que se distinguem danos emergentes e lucros cessantes

3.

• Dano patrimonial: sempre que a lesão provocada seja susceptível de avaliação pecuniária

• Dano pessoal: sempre que a lesão provocada seja insusceptível de avaliação pecuniária. Distingue-se em dano físico (personal injury), ou seja, dano causado à integridade física, e dano psíquico (mental injury), ou seja, dano produzido sobre a integridade psicológica ou moral • dano biológico como modalidade do personal injury: aquele que afecta as

qualidades físicas e intelectuais do lesado, no presente e, em especial, no futuro (a que igualmente se pode dar o nome de dano corporal)

• 4. A própria verificação da morte (wrongful death action) é dano indemnizável, apesar de se dever reconhecer que o direito correspondente nascerá na titularidade do lesado no preciso momento em que cessa a sua personalidade jurídica

• Uma wrongful birth action é intentada pela mãe e/ou pelo pai em seu próprio nome. Nela, os progenitores alegam essencialmente terem perdido o direito de tomar uma decisão informada sobre a manutenção da gravidez relativa a um filho marcado por defeitos congénitos, eventualmente capazes até de provocar a respectiva morte à nascença (v.g. hérnia diafragmática congénita). Tendo, porém, ocorrido o nascimento pretendem agora ser compensados por se ter tornado necessário criar uma criança deficiente.

• Uma wrongful life action é proposta pelo filho, tipicamente (quando seja incapaz) por intermédio dos pais em seu nome (nos termos gerais do artigo 1878º, n.º 1, Código Civil). Neste contexto, o autor sustenta (por si ou através do substituto), que, se não fosse a negligência médica, os progenitores teriam presumivelmente recorrido à interrupção voluntária da gravidez. O dano concretamente sofrido consiste, por isso, em ter que existir com uma deficiência que jamais se produziria caso o nascimento não tivesse sobrevindo. A acção não apresentaria especialidades de maior se o filho se limitasse a pedir compensação pecuniária para fazer frente, durante o resto da sua vida, às despesas especiais que o seu estado de saúde demanda. Mas, diferentemente, o que ele reclama é o ressarcimento pelo facto de ter de existir. O direito violado será, assim, o de não viver.

4.

•Dano directo: é o efeito imediato, na esfera jurídica do lesado, da conduta do lesante •Dano indirecto: é uma consequência eventual ou remota daquela conduta

5.

•Dano presente: é o que já está produzido no momento em que o lesado exige a correspondente reparação •Dano futuro: é aquele que, no mesmo momento, apenas se prevê que se concretize. Distingue-se em certo e eventual (art. 564º/nº2)

Pure economic loss (vg Exxon Shipping Co. vs Baker )

• A - Danos de ricochete: sempre que um lesado directo suporte danos materiais enquanto um lesado indirecto sofre danos puramente económicos – A foi contratado para rebocar o navio de B; C afunda tal navio; A fica assim impossibilitado de obter o benefício que poderia ter conseguido através do cumprimento do contrato de rebocagem celebrado com B; • B - Danos transferidos: quando um dano que recai sobre um

lesado primário se translada para um lesado secundário – B, empregado de A, foi ferido por C ficando impossibilitado de trabalhar durante três meses; se A tiver o dever de, não obstante, pagar o salário de B, sofre um dano puramente económico;

• C - Encerramento de mercados públicos, corredores de transporte ou infra-estruturas públicas: auto-estradas, mercados, aeroportos, portos, são equipamentos que não pertencem a ninguém em particular, mas, no entanto, podem existir indivíduos cujas vidas estejam estreitamente deles dependentes; o seu encerramento pode provocar, nessa medida, a ocorrência de danos económicos – A procede a uma descarga de produtos químicos num rio; por isso, todo o tráfego de navios no corredor marítimo fica impedido durante duas semanas; como consequência, os transportadores fluviais devem fazer percursos terrestres ou marítimos mais demorados e onerosos;

• D - Confiança depositada em informação ou conselhos financeiros: se estes ou aquela forem descuidadamente prestados, daí podem resultar danos puramente económicos – C, contabilista, realiza uma auditoria à sociedade B, cotada em bolsa, exagerando largamente o seu valor financeiro; A, investidor, compra acções daquela sociedade pagando o dobro daquilo que elas realmente valem.

• Deve tomar-se em consideração, especialmente: • a proximidade entre o agente e a pessoa ameaçada, • ou o facto de o agente estar consciente de que causará danos, apesar

de os seus interesses deverem ser necessariamente considerados menos valiosos do que os do lesado

496º/n.º1 por analogia arbitrar compensação por pure economic loss quando ele, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito

• Perda de chance ou de oportunidade (loss of a chance). Dá-se quando de uma acção ou inacção (ilicíta e censurável) resulta a perda para outrem da possibilidade de conservar, de obter ou de satisfazer um certo interesse. O mal em que ela se traduz – e que se pode tornar atendível tanto em sede de responsabilidade contratual como de extracontratual – tem carácter meramente potencial.

• Em rigor, a perda de chance não constitui, todavia, um dano só por si. Para dela poder emergir a obrigação de indemnizar torna-se indispensável demonstrar, em acréscimo, o prejuízo, desvantagem ou lesão que da sua verificação concretamente derivou ou resultou

• Titularidade do direito à indemnização: como óbvia regra geral, tem direito de exigir a indemnização fundada em responsabilidade civil o lesado, ou seja, o titular do direito ou interesse violado pela conduta do lesante • Especialidades (art. 495º): • 1. no caso de a lesão causar a morte, terceiros têm crédito contra o

lesante pelas “despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral” (nº1). Mutatis mutandis no caso de lesão corporal (nº2).

• 2. O credor de alimentos tem igualmente direito a indemnização contra o lesante quanto àqueles que podia, por qualquer via, exigir ao lesado ou quanto àqueles que este último cumpria ao abrigo de uma obrigação natural (nº3)

• 3. “No caso de morte”, o nº4/in fine do art.º 496º do Cód.Civil reconhece o direito à indemnização a alguém que não o defunto. O direito que os familiares do lesado falecido aí fazem valer é não só o direito à indemnização originalmente pertencente ao defunto por causa da violação do seu direito à vida, como é também um direito próprio: o direito à respectiva integridade psicológica e saúde psíquica que também são reflexamente atingidos pela conduta do lesante

• Obrigado à indemnização: o autor do dano é sempre o obrigado à indemnização

• Especialidades: • 1ª - quando exista responsabilidade indirecta • 2ª: quando exista comparticipação

•Autoria:

• É autor (imediato) da conduta, genericamente, quem domine a sua realização (quem tenha o domínio do facto).

• É participante quem tendo intervenção na realização dessa conduta ou na sua motivação não a domine.

• Assim, haverá autoria mediata quando aquele que tem o domínio do facto não seja (ou não seja só) o executante:

• A primeira hipótese de autoria mediata verificar-se-á quando o executante actue sem dolo (o que pelo menos abrange o que obra de boa fé) • Também haverá autoria mediata quando alguém domine

a realização da conduta aproveitando-se da extrema dependência psíquica do executante ou por causa de coacção moral exercida sobre o mesmo

• Existirá igualmente autoria mediata quando o executante seja inimputável (ao menos enquanto realiza a conduta) ou actue sem consciência da ilicitude, e em qualquer dos casos aja ao serviço de outrem.

• E ainda quando alguém domine, mesmo sem coacção e sem erro, um “aparelho de poder”, desde que a “person behind” domine de facto a organização e desde que exista uma reserva suficientemente ampla de executantes que os torne absolutamente fungíveis entre si

• A co-autoria supõe a intervenção de, no mínimo, duas pessoas que conjuntamente têm o domínio da conduta mas que separadamente apenas realizam uma parcela da mesma sem que, ao mesmo tempo, alguma seja instrumento ao serviço da outra

• A co-autoria pressupõe decisão comum e, principalmente, realização comum

• Da co-autoria distingue-se a chamada autoria concorrente que sucede sempre que vários intervenientes põem condições suficientes para a produção do dano, todos contribuindo para o mesmo independentemente uns dos outros • 1.ª hipótese – Ou é possível discernir qual a medida de participação

imputável a cada um, e existirão então tantas obrigações (parcelares) de indemnização como quantos forem os autores;

• 2.ª hipótese: Ou, ao invés, tal não é exequível e haverá fundamento então para aplicar o disposto no artigo 497º , tornando os autores devedores solidários perante o lesado e presumindo igual, portanto, a sua medida de intervenção na produção do dano (Summers vs Tice rule - formulada a propósito de uma caçada conjunta)

• Desta segunda hipótese separa-se, em termos conceituais, a situação – que se pode designar como autoria concorrente parcelar – em que, inexistindo similarmente qualquer combinação recíproca, cada uma das condutas de cada um dos respectivos autores não basta para causar o dano, embora todas conjugadas sejam causa suficiente para o produzir indivisivelmente (o que sucede com frequência, por exemplo, em matéria de poluição ambiental). Não obstante inexistir decisão comum, a hipótese encontra-se também suficientemente próxima da co-autoria para justificar a extensão do disposto no artigo 497º

• Já não há coincidência de autores, diferentemente, quando a conduta lesiva, sendo com alto grau de certeza atribuível a alguma pessoa dentro de grupo aproximadamente determinado, se revele insusceptível de concretização subjectiva. É o fenómeno que se conhece como de causalidade indeterminada – em rigor, autoria indeterminada – em que ela se imputa, muito provavelmente, a uma ou a várias pessoas integrantes de um conjunto mais numeroso mas sem que seja possível precisar qual ou quais (ignorando-se mesmo, portanto, se alguma delas para ele terá sequer potencialmente contribuído). V.g. o caso, muito conhecido, decidido em Sindell vs Abbott Laboratories.

Participação (a respectiva interferência não supera o but for test: ou seja, o resultado da conduta do autor não deixaria de se produzir ainda que aquela não houvesse sucedido):

• Instigador é aquele que dolosamente determina outrem à prática de uma conduta ilícita

• Cúmplice é aquele que dolosamente presta colaboração a outrem para a produção de uma lesão na esfera jurídica alheia

• A razão de ser da responsabilização do participante reside no facto de este ter cooperado na produção do resultado danoso.

• The agency theory: segundo a qual, partindo do pressuposto de que o indivíduo é livre para determinar a sua acção, cada um torna-se então responsável pela conduta alheia sempre que voluntariamente a ela adere;

• The forfeited personal identity theory: pela qual, quando um indivíduo assume uma participação em conduta alheia ilícita, abdica da sua liberdade – porque esta lhe é confiscada – e deixa, por isso, de poder ser tratado como um ser autónomo.

• Na responsabilidade civil extracontratual, “se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade” (art. 497º/nº1, Cód.Civil), independentemente do grau de participação que cada qual teve na produção dos referidos danos

• Na responsabilidade contratual, faltando indicação legal ou negocial em sentido inverso, tem-se entendido que, sendo vários os obrigados à indemnização, todos respondem conjuntamente (art. 513º, Cód.Civil)

• Porém, internamente (ou seja, na relação entre lesantes/devedores), pode algum (alguns) dos intervenientes ter direito de regresso contra os demais. O que pressupõe que cada qual tenha tido medida e qualidade distinta de participação na produção do dano – ou, de outra forma, que todos sejam responsáveis mas “na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram” (art. 497º/nº2, Cód.Civil)

Pressupostos da responsabilidade civil subjectiva

•Na responsabilidade subjectiva ou por factos ilícitos culposos cabe tanto a responsabilidade pré-contratual, como a contratual, como a extracontratual ou aquiliana (ou delitual). Em todas estas espécies, a responsabilidade em causa pressupõe uma conduta objectiva e subjectivamente reprovável (ilícita e culposa, respectivamente)

• Os pressupostos ou condições da responsabilidade civil são: uma conduta lesiva, a respectiva ilicitude, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade (entre a referida conduta e a lesão causada). É a arrumação tradicional.

• É forçoso admitir que os cinco requisitos da responsabilidade civil de que depende, na doutrina tradicional, a constituição da obrigação de indemnizar se devem reduzir a quatro:

• conduta lesiva (abrangendo momentos subjectivos – os relativos ao dolo ou à negligência – e integrando também o nexo de causalidade, o juízo de imputação objectiva, como um sub-capítulo),

• ilicitude, • culpabilidade • e dano

Pressupostos da

responsabilidade civil subjectiva (contratual

e extracontrat

ual)

Conduta lesiva

Componente subjectiva: dolo ou negligência

Nexo de causalidade (imputação objectiva)

Ilicitude

Causas de exclusão da

ilicitude

Culpabilidade (imputação subjectiva)

Imputabilidade Consciência da ilicitude

Exigibilidade

Causas de desculpabilidade

Dano

• Conduta lesiva Antes de mais, é necessário que o dano indemnizável seja o produto de uma conduta imputável a alguém Uma vez que é sobre a referida conduta que assenta o juízo de ilicitude e de culpa, ela deve ser objectivamente dominável ou controlável pela vontade humana

• A susceptibilidade de domínio da conduta pressupõe uma capacidade natural mínima e um animus mínimo. • Em primeiro lugar, pressupõe que o comportamento em causa

está no limiar da aptidão humana para o dominar: acções reflexas, factos naturais ou casos fortuitos ou de força maior, por exemplo, não são humanamente controláveis – logo, não são conduta. • Em segundo lugar, o domínio da conduta pressupõe também uma

dose mínima de voluntariedade. Assim, pelo menos não existindo a chamada vontade de acção (coacção física; às vezes coacção moral), uma conduta aparentemente dominável não será na realidade uma conduta (ao menos, para efeitos de responsabilidade civil).

• Acção/inacção

• Em tese, a conduta lesiva tanto pode consistir numa acção (comportamento activo) como numa omissão (comportamento passivo)

• (I) Na responsabilidade contratual, tanto importa a natureza da conduta lesiva. O que releva é a natureza da obrigação assumida

• (II) Na responsabilidade pré-contratual também tanto importará a natureza da conduta lesiva desde que esta seja contrária à boa fé (o que significa que tudo depende do dever concretamente decorrente desta)

• Ao invés, a responsabilidade extracontratual, uma vez que pressupõem um dever de não ingerência na esfera jurídica alheia, surgirá sempre que esse dever seja violado, isto é, sempre que se pratique a acção que devia ter sido omitida.

• Assim, a omissão somente poderá gerar esta espécies de responsabilidade quando exista o dever jurídico de praticar certa acção e este não tenha sido cumprido. De harmonia com o disposto no art. 486º do Cód.Civil, o dever de actuação pode resultar da: • - lei • - ou de negócio jurídico • - ou do dever geral de prevenção do perigo.

• Dolo e negligência

• Entre dolo directo e negligência inconsciente há uma série infindável de graduações de que uma conduta é susceptível, como aliás é próprio de todo o género de análises que envolvem a valoração de vontades, intenções ou finalidades – por isso as distinções conceptuais a que em seguida se procede têm natureza orientativa.

• Dolo: Pressupõe a previsão, ou seja, a antecipação do resultado (no caso da responsabilidade civil, a antecipação do dano), o que envolve o conhecimento das circunstâncias de facto (elemento cognitivo), e a vontade de o produzir (elemento volitivo)

• O dolo admite três modalidades: directo, necessário e eventual – a distinção faz-se atendendo à vontade do resultado, ou seja, atendendo ao elemento volitivo do dolo (o que significa que o resultado está sempre antecipado) • O dolo é directo quando exista a intenção de desencadear o resultado

lesivo da conduta – pode dizer-se, por isso, que nesta espécie de dolo o dano constitui a “meta própria” da referida conduta

• O dolo é necessário quando o agente não queira efectivamente uma parte do resultado – que para ele é secundária – mas este seja todavia inevitável para atingir o resultado pretendido

• O dolo é eventual quando o agente se conforme com a possível concretização do dano antecipadamente previsto – não o pretende propriamente, mas realiza a conduta aceitando-o como uma consequência provável da mesma

• Haverá negligência: • consciente quando o agente tenha antecipado o resultado danoso mas

não o tenha admitido como uma consequência possível da sua conduta ao realizá-la.

• inconsciente quando o agente nem sequer tenha antecipado o resultado possível da sua conduta quando a consumou.

• Distingue-se também a negligência em grosseira e simples conforme, respectivamente, a violação do dever de cuidado que ao caso couber for particularmente censurável (v.g. descuido indesculpável) ou não.

•A negligência resulta sempre da violação do dever de cuidado ou de diligência que ao caso caiba

•Quando é que tal dever existe? Em geral, torna-se necessário executar o chamado Caparo test (vg Donoghue vs Stevenson):

• 1.º – “the foreseeability of damage”; • 2.º – “a relationship characterised by the law as one of

proximity or neighbourhood”; • 3.º – “that the law should impose a duty of a given scope

upon the one party for the benefit of the other

• Consequências da distinção dolo/negligência: - Em princípio, para a obrigação de indemnizar é indiferente salvo o disposto no art. 494º - A conduta dolosa é censurável; a pouco cuidadosa só potencialmente - só na conduta negligente a inexigibilidade em geral é causa suficiente de desculpabilidade

• Nexo de causalidade: A conduta lesiva, para o ser, supõe uma certa conexão entre a acção/omissão e dano dela resultante – essa conexão é o nexo de causalidade

• A determinação do “se contribuiu” e da “medida da contribuição” faz-se através do método experimental, colocando e retirando mentalmente a conduta do agente em causa para verificar se ela foi ou não decisiva para a produção do resultado

• 1. O procedimento para descortinar a existência de um nexo de causalidade entre a conduta de certa pessoa e o dano dela eventualmente resultante começa pois necessariamente recorrendo à chamada teoria da condição sine qua non

• 2 . Teoria do risco permitido: imputa-se a alguém a responsabilidade por um dano causado a outrem quando este desenvolva uma conduta que envolva riscos que ultrapassem a fasquia do socialmente aceitável (ou seja, que vão para além dos riscos normais da vida).

• Apresenta-se de imediato uma dificuldade antecipável: a definição da extensão do socialmente aceitável e, portanto, do âmbito dos riscos normais da vida.

• Mas, sobretudo, para engendrar o dano, importa não o grau de perigo a que se deu causa mas a aptidão para o efeito daquele que concretamente se produziu. Por outras palavras, o que interessa é adequação entre a conduta tal qual foi executada (independentemente da quantidade de risco que, mediante ela, o agente aportou) e o seu resultado.

• A teoria do risco permitido, por fim, encontra-se concebida em conexão com o tort of negligence e, por isso, é indissociável da censurabilidade da conduta que o origina. Se ela houver sido desenvolvida sem dolo e com a devida diligência, o risco está sempre permitido por muito elevado (para além da fasquia do aceitável) que se revele.

• 3. A concepção que, segundo a opinião comum, foi adoptada pela formulação contida no art. 563º do Cód.Civil corresponde à chamada teoria da adequação ou da causalidade adequada - certa conduta é causa de determinado dano sempre que se possa considerar que este seja uma consequência normal ou típica daquela

• Variante negativa: desde que a conduta tenha sido condição sine qua non do dano, o nexo de causalidade encontra-se estabelecido a menos que o dano tenha acontecido por circunstâncias manifestamente excepcionais (vg combustão da palha transportada no tractor) – consequente inversão do ónus da prova

• Variante positiva: a normalidade da conduta para produzir o dano depende da prova do lesado

• Na teoria da causalidade adequada não se pressupõe que o dano tenha sido exclusivamente determinado por certa condição, ou seja, por certa acção ou inacção. Ao invés, pode tratar-se, apenas, de concausalidade: nada impede que a conduta capaz de provavelmente causar o dano concorra com outras igualmente susceptíveis de produzir o mesmo efeito.

• Além disso, a adequação causal pode ser simplesmente indirecta: a acção ou a inacção imputável ao agente apenas ocasiona outra, e é esta que, por seu turno, provoca imediatamente o dano.

• Causa virtual e nexo de causalidade: pode suceder que o processo causal desencadeado pelo agente não tenha acarretado o dano em virtude de um outro processo fortuito, natural ou iniciado por terceiro, o ter causado efectivamente

• A causa virtual é aquela que seria idónea à produção de certo dano embora o não tenha produzido verdadeiramente em virtude de entretanto ter sido interrompida a sua concretização pela ocorrência de outra causa que realmente causou o dano; a causa real é por contraposição aquela que efectivamente causou o dano

• Para que o problema da causa virtual se possa colocar apropriadamente, ao menos duas condições devem estar preenchidas: • 1.ª: “intervening causes must intervene between defendant's

act and the harm”; • 2.ª: “intervening causes must not themselves be caused by

defendant's action (extraneous cause)” (Bunting vs Hogsett)

• Em abstracto, a causa virtual pode ser relevante a dois níveis:

• para fundar a responsabilidade do respectivo autor quando ela se possa imputar a alguém (relevância positiva);

• ou para excluir ou atenuar a responsabilidade do autor da causa real (relevância negativa)

• Na responsabilidade civil, estando em causa a reparação de um dano, não faz sentido inculpar o autor da causa virtual – exclui-se, portanto, a sua relevância positiva

• Mas já é concebível que a demonstração de que o dano se produziria de igual modo, ainda que o processo conducente à ocorrência da causa real se não tivesse cumprido, possa afastar ou atenuar a responsabilidade do autor da causa real.

• Todavia, admitir em geral a susceptibilidade de proceder a tal demonstração poderia facilmente levar a que o lesado não fosse ressarcido

• Pelo que só excepcionalmente se pode dar relevância negativa à causa virtual – será o caso das hipóteses dos arts. 491º, 492º, 493º, 807º/nº2 e 1136º/nº2 do Cód.Civil, porque assim se contra-balança o ónus decorrente do estabelecimento da presunção de culpa ou da inversão do risco contra aquele a cuja conduta o dano é imputável

Ilicitude

• Na responsabilidade civil, em geral não há tipos ou, mais propriamente, modelos típicos – em geral, ela consiste na ingerência (não justificada e indesculpável) na esfera jurídica alheia

• No que toca à definição de ilicitude: - há responsabilidade pré-contratual quando, no processo de contratação, se violaram as regras da boa fé; - há responsabilidade contratual quando se incumpriram obrigações anteriormente assumidas; - há responsabilidade extracontratual quando se violaram direitos ou interesses legalmente protegidos de outrem

Pré-contratual

• Segundo uma tripartição muito comum, a boa fé na responsabilidade pré-contratual encerra três modalidades típicas de deveres: de protecção, de esclarecimento e de lealdade

• A) O primeiro tipo implica que, mesmo antes de iniciadas as negociações formais, bastando uma “proximidade negocial”, as potenciais partes estejam já reciprocamente vinculadas por deveres de cuidado com a vida, a integridade física e a propriedade da outra

• B) O dever de esclarecimento impõe que as potenciais partes, na negociação, prestem reciprocamente as informações necessárias à correcta formação e motivação da vontade alheia, de modo a que não fiquem escondidos, pelo menos, aqueles esclarecimentos cujo não fornecimento possa determinar o surgimento de erro-vício

• C) O dever de lealdade, por fim, impõe aos intervenientes no processo de contratação a vinculação a um comportamento honesto, o que os obriga a não romper as negociações a não ser justificadamente e disso dando conhecimento ao outro interveniente e também a não incluir cláusulas negociais que à partida se sabe serem juridicamente inadmissíveis

Extracontratual

• Atendendo ao disposto no nº 1 do art. 483º do Cód.Civil, a ilicitude poderá revestir duas formas:

1. violação do direito de outrem ou 2. violação de qualquer disposição legal destinada a proteger

interesses alheios

1. Na primeira, cabe a violação de qualquer direito absoluto (de personalidade, real, de propriedade industrial, de autor) • Caberá ainda a violação de um direito de crédito quando se

considere concebível essa violação cometida por terceiro

2. Na segunda, muito mais difícil e muito mais discutível, está em causa a protecção de interesses particulares que se não consubstancie na atribuição ou reconhecimento de direitos subjectivos. Para o seu preenchimento supõe-se (exemplo: cable cases porque inexistem aparentemente direitos absolutos violados):

• que o dano resulte da violação de uma norma legal, o que significa que se torna necessário demonstrar a respectiva existência e não apenas que certo interesse foi lesado; • que o referido interesse faça parte dos fins da norma violada,

o que traduz a ideia de que se deve tratar de um interesse directamente protegido por tal norma e não de uma tutela meramente reflexa.

• A fórmula “direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios” utilizada pelo nº1 do art. 483º do Cód.Civil deve entender-se como uma expressão única sem distinção de partes

• É infrutífera a distinção entre violação de direito subjectivo e violação de interesse legalmente protegido uma vez que, por uma via ou por outra, está preenchido o pressuposto da ilicitude

• Na responsabilidade extracontratual, há ainda casos especiais de ilicitude:

• A. É ilícito “afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva” (art. 484º, Cód.Civil).

É particularmente evidente a solução sempre que em causa estejam factos ou qualidades inexistentes ou inverídicas – falsas, em geral.

Já tratando-se de factos ou qualidades verdadeiras, a ilicitude da sua afirmação ou difusão não é segura porque truth hurts (Noonan vs Staples Inc. )

• A afirmação ou a divulgação de factos verídicos há-de fazer-se no respeito por três condições elementares extraíveis da fórmula contida no n.º 2 do artigo 80º do Cód.Civil:

– primeira, que a violação do “bom nome e da reputação” alheia se funde em alguma causa justificativa (tipicamente, a relevância pública); – segunda, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, que o meio ou o instrumento utilizado para o efeito não envolva uma ofensa excessiva àqueles direitos – terceira, que não haja, da parte de quem faz a afirmação ou difusão, a intenção (actual malice) de difamar, ultrajar, vexar ou humilhar

• B. No que toca à emissão de “conselhos, recomendações ou informações” (art. 485º, Cód.Civil), a regra é no sentido de não responsabilizarem o seu autor pelos prejuízos que a respectiva observância tenha causado ao aconselhado, mesmo que aquele tenha actuado imprudentemente ou sem a diligência ou a atenção requerida. • Todavia, excepcionalmente, o autor de tais “conselhos,

recomendações ou informações” poderá incorrer na obrigação de indemnizar:

• se tiver actuado dolosamente (art. 485º/nº1/in fine/a contrario, Cód.Civil);

• se tivesse o dever jurídico, legal ou negocial, de aconselhar (como sucede tipicamente com o advogado – art. 485º/nº2, Cód.Civil), e os restantes requisitos estabelecidos pelo nº1 do art. 483º/nº1 do Cód.Civil estiverem preenchidos.

A ilicitude na responsabilidade contratual • Não é qualquer omissão da obrigação de prestar que constitui o

devedor em responsabilidade contratual. É preciso, em geral, que a omissão da obrigação de prestar lhe seja imputável. • O que conduz à necessidade de proceder à delimitação entre

não cumprimento imputável (arts. 798º a 808º) e não cumprimento não imputável ao devedor (arts. 790º a 797º). • E, dentro do não cumprimento imputável ao devedor, acarreta

também a distinção entre as diversas modalidades que o mesmo pode assumir na medida em que isso se repercute sobre as respectivas consequências.

•O não cumprimento não imputável ao devedor ocorre, como a própria designação inculca, quando a inexecução da obrigação seja provocada por um facto não dominável pelo devedor (facto do próprio credor ou de terceiro, força maior, caso fortuito, etc).

•O não cumprimento imputável ao devedor (violação negativa) verifica-se sempre que este não consiga ilidir a presunção que contra si é estabelecida pelo art. 799º/nº 1 do Cód.Civil.

• É irrelevante se a obrigação é de meios ou resultado

• O não cumprimento redunda na chamada impossibilidade de cumprimento.

• A dificultas praestandi não é impossibilidade

Impossibilidade

originária

superveniente

- Definitiva

- Temporária

- Objectiva

- Subjectiva

- Total

- Parcial

• É temporária ou definitiva, conforme o efeito do impedimento for o de obstar a que, durante certo lapso de tempo, se efectue a prestação, ou o de a tornar para sempre impraticável

Se imputável definitiva: Resolução ou manutenção do vínculo

+ Indemnização

Se não imputável definitiva: Extingue a obrigação

Se imputável provisória: Manutenção do vínculo

+ Indemnização

+ Inversão do risco

+ Conversão em definitiva

Se não imputável provisória: Mantém a obrigação

• É objectiva e subjectiva consoante se refira predominantemente à pessoa que deve efectuar a prestação ou sobretudo à própria prestação (mas só releva no não imputável)

A impossibilidade definitiva objectiva extingue a obrigação

A impossibilidade definitiva subjectiva extingue a obrigação se a prestação for infungível; caso contrário, o vínculo

permanece na medida em que o devedor se fizer substituir

• A impossibilidade é total ou parcial, consoante, respectivamente, toda ou apenas parte da prestação se torne temporária ou definitivamente, subjectiva ou objectivamente, irrealizável

total não imputável extingue a obrigação

A total imputável tem os mesmos

efeitos da definitiva

Parcial não imputável: a) Prestação do possível ou b) Resolução do negócio

Parcial imputável: a) Prestação do possível ou

b) Resolução do negócio +

Indemnização

Cumprimento defeituoso (violação positiva): • No caso da compra e venda, os direitos do credor da entrega da

coisa quando esta apresente vício material (art. 913º) são: • 1º - anulação do contrato com fundamento em erro, simples ou

qualificado por dolo (arts. 913º/nº1 e 905º); • 2º - consequente indemnização pelo interesse contratual negativo

(arts. 913º/nº1, 908º, 909º e 915º); • 3º - redução do preço (arts. 913º/nº1 e 911º); • 4º - reparação ou substituição da coisa (arts. 914º e 921º). • Quando a coisa manifeste vício jurídico (art. 905º), os três

primeiros direitos que ficam enumerados permanecem (desaparecendo o último, evidentemente), acrescendo o direito de exigir a convalescença do contrato (arts. 906º/907º).

• Assim, sendo certo que a responsabilidade do devedor pressupõe não cumprimento que lhe seja imputável, a medida da ilicitude e, portanto, da correspectiva obrigação de indemnizar varia em função da espécie de não cumprimento

• Entre a simples mora e a falta de cumprimento total definitivo há uma série de graduações que se devem realizar para apurar a medida da responsabilidade do devedor

• O não cumprimento não imputável ao devedor pode ser imputável ao próprio credor, o qual, sendo temporário, provoca a mora do credor, o que originará as seguintes consequências:

- atenuação da responsabilidade debitória - imputação ao credor do risco de impossibilidade superveniente da prestação

- indemnização ao devedor pelo acréscimo de encargos

Exclusão da ilicitude

Causas de exclusão da ilicitude

Gerais

Especiais

Exercício normal de um direito

Cumprimento de um dever

Legítima defesa

Acção directa

Estado de necessidade

Consentimento do lesado

Específicas da responsabilidade

contratual

Excepção do não cumprimento (428º)

Direito de retenção (754º)

• A) Exercício de um direito • Importa que o titular exercente: - não esteja em abuso do direito - não esteja a colidir com um direito perante o qual deva

ceder

• B) Cumprimento de um dever Desde que: - o dever exista - esteja ou não em conflito com outro dever da mesma pessoa

e - o dano causado não seja manifestamente superior ao

salvaguardado pelo cumprimento do dever

• 1. Legítima defesa: Consiste na reacção para repelir uma agressão actual ilícita

• Entende-se por agressão uma conduta humana, activa ou omissiva, dirigida contra um interesse juridicamente relevante do agredido

• a agressão deve ser actual no sentido de iminente ou continuada • a agressão contra a qual se reage deve ser ilícita, ou seja deve violar,

nem que seja potencialmente, direitos ou interesses legalmente protegidos daquele que repele a agressão ou de terceiro e

• somente é legítima a defesa necessária, ou seja, só está justificada a reacção na medida do imprescindível

• 2. Acção directa: Consiste - numa agressão à pessoa ou ao património de terceiro - destinada a realizar ou assegurar o direito ou um interesse

legalmente protegido do próprio agressor (é, assim, da exclusiva iniciativa deste) ou de interesse geral

Só é lícita na medida do necessário • pelo que o titular do direito ou interesse legalmente protegido só

pode actuar na medida do imprescindível para “evitar a inutilização prática desse direito”

• por isso também, basta, para a acção directa ser ilícita, que “sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar” (MBank El Paso, N.A. vs Sanchez)

• 3. Estado de necessidade: É um caso de intromissão lícita na propriedade (para “destruir

ou danificar coisa alheia”) ou, em geral, de ingerência na esfera jurídica alheia (Vincent vs Lake Erie Transportation Co.: Um navio a vapor (Reynolds) propriedade da Lake Erie Transportation Co. foi amarrado à doca pertencente a Vincent para descarregar a carga. Levantou-se entretanto uma violenta tempestade. Para segurar devidamente o navio, a Lake Erie, através do seu representante, ordenou que o atassem fortemente à doca. Todavia, os sucessivos encontrões contra ela provocaram-lhe danos no valor de 500 dólares) • Pressupostos • que um bem juridicamente protegido somente se possa salvaguardar à

custa de outro (ou seja, pressupõe-se uma colisão de bens) e • a actualidade do perigo

• Efeitos • exclusão da ilicitude mas • eventualmente com dever de indemnizar

• 4. Consentimento do lesado É necessário: - que este se refira a direitos disponíveis (A aceita ser

conduzido por B na respectiva avioneta percebendo que, nesse instante, o segundo se encontrava fortemente embriagado; pouco depois da descolagem, o aparelho despenhou-se por causa imputável exclusivamente ao estado natural do piloto, matando B e ferindo gravemente A [Morris vs Murray & Anor])

- que se esteja a consentir na lesão de um bem individual e - não pode ser contrário a uma proibição legal nem aos bons

costumes - o consentimento supõe a capacidade de quem o manifesta e - pode dar-se expressamente ou tirar-se por presunção

• Consentimento do lesado ≠ culpa do lesado (Eckert vs Long Island R.R.) – exclusão de partes da segunda ante a primeira

• Eckert encontrava-se junto de uma linha de caminho de ferro. Uma criança, de quatro anos de idade, estava sentada em cima dela quando um comboio se aproximava. Percebendo o perigo, Eckert saltou para a via e empurrou a criança dali para fora, salvando-a. No mesmo instante, outro comboio que circulava em sentido contrário acabou por atingir o autor do salvamento, provocando-lhe a morte. Supondo que a Long Island R.R. podia ser responsabilizada a título de negligência (por descuidamente ter possibilitado o acesso da criança à via férrea), ser-lhe-ia legítimo excepcionar invocando “contributory negligence” (culpa do lesado) ou “voluntary assumption of risk” (consentimento do lesado)?

• A eficácia do consentimento do lesado pressupõe que a actuação do autor do dano não padeça de outra irregularidade a não ser aquela que decorreria da sua própria falta. A respectiva conduta não pode sofrer, portanto, de outros fundamentos de antijuridicidade .

• V.g. A, fotógrafo num evento hípico, colocou-se aquém da vedação onde se procedia a uma mostra de cavalos. Durante a competição, um dos corcéis dirigiu-se, a galope e a grande velocidade, para o banco onde A se encontrava sentado. Assustando-se com a sua aproximação, este deu um passo atrás mas, ainda assim, foi derrubado. O acidente provocou-lhe diversas lesões físicas [cf. Wooldridge vs Sumner & Anor]

• São pressupostos da válida manifestação do informed consent (modalidade especial de consentimento):

– primeiro, como sucede para o consentimento em geral, a devida competence (ainda que, habitualmente, ela se presuma); – segundo, a disclosure (do diagnóstico, do tratamento recomendado com os inerentes riscos e proveitos, do prognóstico); – terceiro, a evaluation (com base na informação revelada).

• Como é próprio de qualquer espécie de consentimento justificante, a sua largueza encontra-se preconfigurada pela vontade do autor. Por isso, ele vale para o efeito visado e para nenhum mais.

• V.g. Smith vs Charles Baker & Sons : Joseph Smith foi contratado para operar uma broca numa pedreira; na sua proximidade, para servir um outro conjunto de trabalhadores que talhava pedras, usava-se um guindaste a vapor o qual, frequentemente, as balouçava sobre a cabeça de quem se encontrasse por baixo; numa ocasião, uma das referidas pedras soltou-se e caiu sobre o plaintiff causando-lhe graves ferimentos.

Culpa

• Para fundar a obrigação de indemnizar, não basta que o autor da conduta tenha procedido de forma objectivamente inadmissível • É ainda indispensável que a atitude revelada pela sua conduta lesiva seja reprovável • E isso supõe e exige a formulação de um juízo de apreciação pelo qual se possa sustentar que tal pessoa “podia e devia ter agido de outro modo”

• A demonstração de que o agente “podia e devia ter agido de outro modo” tem um pressuposto básico: a imputabilidade

• A culpa pressupõe também que o agente imputável conheça a ilicitude da conduta lesiva - caso contrário, não se pode ter motivado segundo o que é Direito e, portanto, não “podia e devia ter agido de outro modo”

Imputabilidade na responsabilidade extracontratual• A imputabilidade é sinónimo de capacidade natural - esta é a

aptidão que certa pessoa revela em concreto para se auto-determinar segundo as regras que ao caso caibam ou, como se diz no art. 488º/nº1 do Cód.Civil, é a capacidade de “entender ou querer”

• Do ponto de vista jurídico, a imputabilidade não se prova positivamente: ela é presumida,ou seja, em princípio, o agente tem aptidão para “entender ou querer”

• A lei presume, todavia, a inimputabilidade “nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica” (art. 488º/nº2)

• A incapacidade de “entender ou querer” não pode ficar excluída quando o agente se tenha colocado censuravelmente nessa situação - é o que se pode designar como exclusão culpável da imputabilidade (actio libera in causa)

• O caso não é de responsabilidade objectiva porque a ilicitude permanece como requisito de imputação. Mas, em última análise, seguindo o entendimento tradicional, deve acabar por se reconhecer que, nesta hipótese, se forma uma espécie de presunção de imputabilidade contra aquele que, efectivamente, no momento da prática do acto, dela não dispõe.

• A inimputabilidade não isenta automaticamente o agente de responsabilidade civil. • De facto, de harmonia com o disposto no art. 489º do Cód.Civil, pode o inimputável ficar subsidiariamente obrigado a indemnizar o lesado (ou seja, obrigado para o caso de o lesado não conseguir obter a reparação actuando contra os respectivos vigilantes) se a justiça do caso concreto demandar esta solução (é, portanto, um caso de responsabilidade objectiva)

Imputabilidade na responsabilidade contratual•Na responsabilidade contratual a imputabilidade coincide, em princípio, com a capacidade jurídica de exercício - isto é, em geral, como só menor emancipado ou o maior não interdito nem inabilitado tem capacidade para celebrar negócios jurídicos, somente eles poderão ser responsáveis pelo não cumprimento de obrigações daí emergentes

• Como regra, os contratos que vinculem os inábeis para agir devem ser celebrados por meio dos seus representantes legais e também por eles devem ser cumpridos. Por isso, a regra é no sentido de os seus representados não terem capacidade para dar execução às obrigações a que se encontrem adstritos.

• O n.º 1 do artigo 764º do Cód.Civil introduz um atalho à aludida regra. Assim, no que toca ao adimplemento de obrigações assumidas por incapaz de agir (seja, normalmente, por intermédio dos seus representantes, seja, atipicamente, por si próprio):

• (i) primeiro: cabe distinguir actos de disposição, de um lado, e simples actos materiais ou actos puramente omissivos, do outro; para estes dois últimos, numa interpretação a contrario, o juridicamente inábil, que, não obstante, seja naturalmente capaz não só dispõe de aptidão para os executar, como responde ainda pelo seu eventual não cumprimento;

• (ii) segundo: para os actos de natureza dispositiva, somente o representante legal do incapaz tem legitimidade para a sua realização; mas sendo eles eventualmente executados pelo próprio devedor inapto, o credor pode, ainda assim, inviabilizar a correlativa invalidação (nos termos gerais do artigo 125º) demonstrando que com isso aquele não sofreu prejuízo ;

• (iii) terceiro: o mesmo regime que se institui para os actos dispositivos há-de estender-se, por igualdade de razão, aos actos de cumprimento que se cifrem na realização de um negócio jurídico (v.g. outorga de contrato-promessa). Pelo que o cumprimento que represente acto de administração mas que não se cifre num acto material ou numa omissão fica submetido ao mesmo regime do acto de cumprimento que tenha natureza dispositiva.

Consciência da ilicitude

• Ainda que o agente tenha capacidade para “entender ou querer”, a conduta lesiva pode não ser susceptível de reprovação na medida em que aquele seja, desculpavelmente, desconhecedor da ilicitude por: • 1. o agente desconhecer certa proibição ou interdição (v.g.

proibição eticamente incolor) • 2. o agente possuir “todo o conhecimento razoavelmente

indispensável para tomar consciência da ilicitude do facto” e todavia não o ter alcançado (v.g. suposição errónea sobre a existência de certa causa de exclusão da ilicitude – v.g. aborto que era crime na antiga Berlim Ocidental mas não em Berlim Oriental) • Assim, o agente actua censuravelmente apenas se teve a

possibilidade de determinar-se segundo o que é Direito - o que pressupõe a susceptibilidade genérica de tomar conhecimento sobre a ilicitude do facto

Censurabilidade

• Na falta de indicação de outro critério, “a culpa é apreciada … pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” (arts. 487º/nº2 e 799º/nº2 • Este critério surge estabelecido para apreciar o cumprimento de um dever de diligência e serve apenas, portanto, para averiguar acerca da presença de negligência •Quer dizer, por causa do critério enunciado, que a (mera) culpa se avalia em abstracto - ou seja:

- a existência de culpa e a modalidade de culpa aquilatam-se certamente perante o caso concreto

- mas atendendo ao critério da pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente

•Na responsabilidade extracontratual, “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa” (art. 487º/nº1) • Ao invés, na responsabilidade contratual, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (art. 799º/nº1)

• Presunções de culpa: • Na hipótese de art. 491º do Cód.Civil, presume-se a culpa dos vigilantes, a qualquer título, de pessoas naturalmente incapazes pelos danos que estas tenham causado a terceiro • Na hipótese do art. 492º, também do Cód.Civil, presume-se a culpa daqueles que, novamente a qualquer título, tenham o dever de zelar pela conservação de edifícios ou de outras obras, se por defeito de conservação a sua ruína causar danos a terceiro

•Na hipótese do art. 493º/nº1, ainda do Cód.Civil, presume-se a culpa daqueles que tiverem, de novo a qualquer título, o dever de vigiar coisa imóvel ou móvel pelos danos que a sua simples detenção tenha causado a terceiro •Nos termos do art. 493º/nº2 do Cód.Civil, presume-se a culpa daqueles que tenham causado danos a terceiro no desenvolvimento de uma actividade “perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”

• A concorrência de culpa do lesado (art. 570º, Cód.Civil) é um factor que pode atenuar ou inclusive eliminar a culpa do autor da lesão •Quando, porém, a culpa do autor do dano resulte de presunção legal (como sucede, por exemplo, nas hipóteses dos arts. 491º, 492º e 493º do Cód.Civil), a culpa do lesado exclui, em princípio, a responsabilidade daquele (art. 570º/nº2, Cód.Civil)

Exigibilidade

• Pode dar-se o caso de por razões reconhecidamente insuperáveis não ser possível ao agente actuar segundo o que é Direito • São situações em que a liberdade de motivação, sem estar excluída, surge grandemente condicionada ou limitada - reconduzem-se às chamadas causas de exclusão da culpa ou causas de desculpabilidade

• 1. Na comissão do ilícito por omissão e por negligência, vale genericamente como causa de exclusão da censurabilidade a inexigibilidade de um comportamento conforme ao direito • 2. Estado de necessidade desculpante: pode suceder que, não cumprindo com os requisitos do art. 339º, a conduta em causa se destine a salvar bens jurídicos fundamentais: a vida, a integridade física, a liberdade pessoal do agente ou de terceiro próximo

O que irresponsabiliza: - nos termos do nº2 do art. 338º - não existindo o dever de suportar o perigo

• 3. Erro sobre a ocorrência de uma causa de justificação: o agente actua na convicção de que uma causa de exclusão da ilicitude está preenchida quando efectivamente os seus pressupostos factuais não estão presentes • Supõe-se: - que a causa de justificação exista e - que exista também erro sobre o modo do seu desempenho

O que irresponsabiliza nos termos do art. 338º/nº2

• 4. Não verificação dos requisitos de que depende o preenchimento de uma causa de exclusão da ilicitude:

O que irresponsabiliza se for desculpável (337º/nº2) • 5. O agente actua na convicção de estar a exercer um direito que afinal não tem ou estar legitimado para provocar uma intrusão em esfera jurídica alheia quando na realidade não está

O que irresponsabiliza se for desculpável (art. 338º)

Responsabilidade objectiva

• Regras gerais: - Por um lado, no que toca aos danos indemnizáveis,

permanecem as regras gerais constantes dos arts. 562º a 572º do Cód.Civil, salvo se a lei, para algum modelo particular, instituir normas especiais – como sucede, por exemplo, no âmbito do disposto no art. 504º do Cód.Civil

- No que respeita aos titulares do direito à indemnização, estendem-se novamente as regras aplicáveis à responsabilidade subjectiva, a menos que cânones específicos tenham sido instaurados – como sucede, outra vez por exemplo, com o referido art. 504º do Cód.Civil

• É no que concerne ao nexo de causalidade que especialidades de maior monta podem surgir – ainda que esteja razoavelmente assente que na responsabilidade objectiva importa apenas determinar se o dano concretamente ocorrido está (ou não) dentro do domínio dos riscos imputáveis a alguém • Pelo que se deve operar aqui também com a causalidade adequada mas na sua formulação positiva

Responsabilidade do comitente

• Pressupostos

• 1. Para que de um comitente se possa falar é necessário que exista um comissário e, por isso, uma relação de comissão entre ambos • Uma relação de comissão é uma qualquer relação da qual resulte uma subordinação daquele que é encarregue do exercício de uma função àquele que disso o encarrega

• Em segundo lugar, é indispensável que o comissário tenha causado um dano a terceiro “no exercício da função que lhe foi confiada” (distinguindo-se detour and frolic?) • É indispensável ainda que sobre o comissário “recaia também a obrigação de indemnizar”

•O comitente responde objectivamente perante terceiro pela indemnização que ao comissário cabe também realizar - na verdade, ambos respondem solidariamente (art. 497º, por força do disposto no art. 499º, ambos do Cód.Civil) •O comitente responde, porém, como garante, isto é, assegurando ao terceiro lesado a indemnização devida pela conduta lesiva do comissário

• Se apenas a conduta do comitente for censurável, a responsabilização deste dá-se nos termos gerais da responsabilidade extracontratual (art. 483º/nº1) -a censurabilidade da actuação do comitente pode revelar-se, por exemplo, na designação do comissário (culpa in eligendo), nas instruções que lhe tenha dado (culpa in instruendo) ou na vigilância da sua actuação (culpa in vigilando)

• As regras relativas à responsabilização do comitente são extensíveis à responsabilização do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas por actos de gestão privada praticados pelos seus órgãos, agentes ou representantes

• O cerne desta susceptibilidade de responsabilização assenta na distinção entre actos de gestão privada e actos de gestão pública - só aos primeiros se manda aplicar o regime contido no art. 500º do Cód.Civil. Os segundos sujeitam-se ao disposto nos arts. 22º, 27º/nº5, 29º/nº6 e 271º/nº1 da C.R.P. e ao regime constante da Lei nº 67/2007

• “São actos de gestão pública os que forem praticados no exercício de uma função de interesse público submetida a um regime de direito público no âmbito da Administração Pública”

Responsabilidade civil do Estado (por actos de gestão pública)

Por actos administrativos: a) responde só o Estado se: - houver culpa leve do agente ou - houver funcionamento anormal do serviço

b) responde o Estado solidariamente - se houver dolo ou culpa grave (e o regresso é de exercício obrigatório)

• Similar à responsabilidade do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas (artigo 501º do Cód.Civil) é a responsabilidade das pessoas colectivas de direito privado pelos actos dos seus representantes, agentes ou mandatários (artigo 165º do Cód. Civil), a qual, de resto, se constrói também por remissão para os termos da responsabilidade do comitente

• Actos dos representantes legais ou auxiliares - na responsabilidade contratual “o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor” • • Tal como na responsabilidade do comitente, pressupõe-se que, não fora a sua função de colaborador, o representante ou o auxiliar seria responsável perante o credor pela respectiva conduta

• Esta responsabilidade do devedor “pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública”

Danos causados por veículos de circulação terrestre • O responsável pelos riscos envolvidos na utilização de um

veículo de circulação terrestre (art. 503º) é individualizado pela conjugação de dois critérios:

- um principal: a direcção efectiva de veículo da referida espécie;

- outro acessório: utilização do mesmo no interesse próprio

Tem a direcção efectiva do veículo quem dominar factualmente o seu uso - não importa, pois, a natureza da situação jurídica de que disponha aquele que exerce o domínio de facto (direito, real ou pessoal, dever, expectativa, etc), nem sequer se tal domínio de facto tem carácter lícito ou ilícito

•O segundo critério complementa o primeiro para aquelas circunstâncias em que quem tenha a direcção efectiva do veículo seja pessoa distinta daquela em cujo interesse se exerce o domínio de facto correspondente – é o caso paradigmático do comissário por fazer a utilização do veículo no interesse do comitente e não no seu (mas já não é o caso do locador ou o do comodante)

• Quando exista uma relação de comissão, para além da responsabilização pelo risco do comitente nos termos do disposto nos arts. 500º ou 503º/nº1, pode acrescer a responsabilização pela culpa do comissário nos termos do art. 503º/nº3

• A presunção estabelecida pelo referido nº3 do art. 503º tem eficácia interna – isto é, na relação comitente/comissário – mas tem também eficácia externa – ou seja, na relação entre comitente/comissário, de um lado, e terceiro lesado, do outro (o que pode levar à aplicação do 500º/nº3)

• Não se ilidindo esta presunção, entra em funcionamento o regime geral da responsabilidade do comitente, ou seja, o regime instituído pelo referido art. 500º - pelo que o comissário responde por factos ilícitos culposos (art. 483º/nº1) e o comitente responde como garante (art. 500º) • Ilidida a presunção decorrente do nº3 do art. 503º, só o comitente

responderá nos termos do nº1 do mesmo artigo • A vantagem prática resultante, para o lesado, da instituição da

presunção em causa reside, pois, no afastamento da regra dos limites máximos de indemnização (art. 508º), a qual somente opera na responsabilidade pelo risco originada, neste caso, pela utilização de veículos de circulação terrestre e que já não actua no campo da responsabilidade do comitente, ou seja, do garante

Colisão de veículos

•O art. 503º apenas abrange os danos causados a terceiro por causa do risco associado à utilização de veículos de circulação terrestre. • Se os danos forem o resultado da colisão de veículos vigora a disposição contida no art. 506º, ainda que a aplicação desta possa envolver, para cada um dos intervenientes, a aplicação das normas contidas no referido art. 503º

• Assim, em caso de colisão de veículos, basicamente importa distinguir se pode ou não censurar-se o comportamento dos condutores.

1. Estando preenchidos os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos censuráveis a) para ambos os condutores, ambos respondem pelos danos causados, em princípio em igual medida, a menos que se consigam determinar diferentes proporções de contribuição para o dano.

b) estando tais requisitos verificados apenas em relação a um dos intervenientes, apenas esse será responsável por todos os danos.

2. O mesmo mutatis mutandis para o caso de inexistir censurabilidade e a colisão for fruto exclusivo da concretização dos riscos inerentes à utilização dos veículos que colidiram: cada qual participa na proporção do risco que criou para a produção da colisão, presumindo-se igual essa proporção na falta de prova em sentido contrário

• Beneficiários da responsabilidade pelo risco instituída pelos arts. 503º e 506º são terceiros em geral, incluindo as pessoas transportadas no veículo (art. 504º).

a) No caso de transporte contratado a qualquer título, as pessoas transportadas têm direito a ser indemnizadas por danos pessoais e por danos sofridos em coisas transportadas (art. 504º/nº2)

b) No caso de transporte fundado em razões familiares, de amizade ou de cortesia, a responsabilidade compreende apenas os danos pessoais (art. 504º/nº3, Cód.Civil

• A responsabilidade pelo risco fundada no disposto no art. 503º/nº1 cessa numa de três hipóteses (art. 505º):

- se o dano for exclusivamente imputável ao próprio lesado;

- se o dano for imputável a terceiro; - se o dano resultar “de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo” •Quer dizer que, nestes casos, taxativamente enumerados, o nexo de causalidade considera-se não estabelecido

Danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás•O regime estabelecido pelo disposto no art. 509º é muito similar àquele que resulta do art. 503º • Assim, o responsável pelos danos derivados “de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás”, abrangendo os “danos resultantes da própria instalação” é aquele que: - tiver a respectiva direcção efectiva - e a utilizar no próprio interesse

• Tal responsabilidade fica excluída em duas hipóteses: - devido a força maior, ou seja, a qualquer “causa exterior

independente do funcionamento e utilização da coisa” (art. 509º/nº2)

- ou, ainda que somente em relação aos danos provocados pela própria instalação, quando “esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação” (art. 509º/nº1/in fine)

- “Os danos causados por utensílios de uso de energia não são

reparáveis” nos termos da disposição contida no art. 509º (nº3).

Danos causados por animais

• Enquanto o disposto no art. 493º do Cód.Civil tem por objecto a responsabilidade daqueles que têm o dever de vigiar animais (entre outras coisas), o disposto no art. 502º do mesmo diploma dirige-se ao utente ou utilizador de qualquer animal • É responsável por tais danos quem no “seu próprio interesse” utilizar quaisquer animais - alcança-se, portanto, o proprietário, o usufrutuário, o usuário, o comodatário, o locatário, em geral o titular de qualquer direito pessoal de gozo, o possuidor, etc

• Esta responsabilidade é mais intensa do que a do utente de veículo porque:

- não estão instituídos limites máximos para a correspectiva obrigação de indemnizar

- o utilizador não pode isentar-se da responsabilidade invocando força maior na medida em que, primeiro, tal causa de exclusão não está prevista e, segundo, dado que a generalidade das circunstâncias que se poderiam considerar de força maior estão compreendidas no perigo especial que envolve a utilização do animal

Responsabilidade civil do produtor (DL nº 383/89 de 06/11)

• O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação. Trata-se, pois, de responsabilidade objectiva pelo risco.

• Noção de produtor: • 1. O fabricante do produto, de uma parte componente ou matéria-prima • 2. Quem se apresente como fabricante através da aposição do nome, marca ou outro sinal distintivo (fabricante aparente) • 3. Aquele que, no exercício da sua actividade comercial, distribua na União Europeia produtos fabricados no exterior • 4. Qualquer fornecedor de produto quando o respectivo produtor ou importador não estiver identificado

• Noção de produto: - qualquer coisa, originária e naturalmente, móvel (artigo 3º) ainda que integrada em outra coisa móvel ou imóvel. - dizendo-se coisa originária e naturalmente móvel, daí decorre que se aplica o regime da responsabilidade do produtor mesmo quando ela tenha sido incorporada num imóvel (seja a título de parte integrante, seja a título de parte componente – artigo 408º/n.º 2, Cód.Civil), imobilizando-se por associação a este último (artigo 204º/n.º 3, Cód.Civil).

• Noção de defeito: a falta da segurança esperada tendo em conta, nomeadamente: – a apresentação do produto; – a sua função típica; – o momento da sua entrada em circulação.

• Atendendo a este último aspecto, pode garantir-se, à partida, que inexiste defeito se a posteriori surgir um produto mais aperfeiçoado (artigo 4º/n.º 2). Remete-se para o conceito de state of the art: obedecendo o produtor aos standards técnicos em vigor no momento em que foi distribuído , o produto não tem defeito ainda que depois se descubram, inventem, adoptem, concebam, etc., outros padrões de produção que permitam obtê-lo em moldes mais aperfeiçoados.

• Causas de exclusão da responsabilidade: a) Que o defeito se deve ao respeito por normas imperativas ditadas por autoridades públicas;

b) Que, no caso de parte componente: - o defeito se deve à concepção do produto em que se fez incorporação

- o defeito é devido às instruções dadas pelo fabricante do mesmo

• Regras de indemnização: • 1. A responsabilidade do produtor obedece à regra da solidariedade • 2. A concorrência de um facto do próprio lesado pode atenuar ou eliminar a responsabilidade, mas não a concorrência de um facto de terceiro (excepto nas relações internas entre produtor e terceiro) • 3. São ressarcíveis os danos derivados da morte ou da lesão à integridade pessoal, bem como os provocados noutras coisas destinadas ao uso privado (desde que se lhes estivesse a dar tal uso)

• 4. Há limites máximos de indemnização mas apenas para os danos causados em pessoas – os danos em coisas não têm limite de indemnização • 5. Para os danos pessoais, o limite máximo é global e não para cada uma das vítimas • 6. Os danos sofridos pelo próprio produto defeituoso não estão abrangidos por esta espécie de responsabilidade (seguem antes as regras próprias da compra e venda de coisas defeituosas)