direito das sucessões - apontamentos sobre a sucessão legítima e legitimária

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 1 I – DA SUCESSÃO LEGÍTIMA 1. NOÇÕES GERAIS ÂMBITO DA SUCESSÃO LEGÍTIMA A abertura da sucessão legítima está condicionada pela sucessão legitimária e pela sucessão voluntária. Havendo sucessíveis legitimários, a sucessão legítima fica, desde logo, limitada à quota disponível; não os havendo, pode abranger toda a herança. Contudo há que contar com a sucessão voluntária: pode o autor da sucessão ter disposto, consoante os casos, de toda a quota disponível ou de parte dela, o de toda a herança ou de parte dela. Em qualquer das hipóteses, prevalece a posição dos sucessíveis designados, seja em testamento, seja, quando admitido, em pacto sucessório. A sucessão legítima abre-se quando não se verifiquem a sucessão legitimária ou a voluntária análise: Tem de se articular esta noção geral com o regime decorrente de situações de vocação anómala. O que acontece se os sucessíveis chamados – sejam legitimários, sejam voluntários – não quiserem ou não puderem suceder? O afastamento de um sucessível (porque não pode ou não quis suceder) pode determinar o funcionamento de institutos próprios da sucessão legitimária ou voluntária que não deixem espaço para a sucessão legítima (se existir direito de acrescer, direito de representação ou se se verificar uma substituição directa) Consequências de vícios que afectem os negócios mortis cause, como por exemplo se o testamento for inválido ou ineficaz tal implica a abertura da sucessão legítima? Sendo o testamento inválido é necessário ressalvar logo as situações em que a invalidade não opera plenamente, havendo redução do negócio jurídico. Se tal acontecer, a disposição sucessória mantém-se na parte não afectada pelo vício. RELAÇÕES ENTRE A SUCESSÃO LEGÍTIMA E A TESTAMENTÁRIA Muitas vezes a doutrina ocupa-se do problema das relações entre a sucessão legítima e a testamentária, a fim de saber qual delas constitui a regra e qual é a excepção. A questão, nestes termos, só faz sentido no plano do direito a constituir. Questiona-se se a extensão deve ser atribuída à liberdade de testar, porquanto da resposta que se defender sobre esta matéria resultará, implicitamente fixado, o âmbito da sucessão legitima. O problema já não se verifica de iuro condito, uma vez que a solução resulta da opção feita pelo legislador plasmada nas normas legais e por não haver aqui um verdadeiro confronto entre as normas que regem a sucessão testamentária e a sucessão legítima. A sucessão legitima tendo natureza supletiva só regula o destino dos bens de que o autor da sucessão, podendo faze-lo, não tenha disposto (validamente) por acto da sua vontade.

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 1

I – DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

1. NOÇÕES GERAIS

ÂMBITO DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

A abertura da sucessão legítima está condicionada pela sucessão legitimária e pela

sucessão voluntária. Havendo sucessíveis legitimários, a sucessão legítima fica, desde

logo, limitada à quota disponível; não os havendo, pode abranger toda a herança.

Contudo há que contar com a sucessão voluntária: pode o autor da sucessão ter

disposto, consoante os casos, de toda a quota disponível ou de parte dela, o de toda

a herança ou de parte dela. Em qualquer das hipóteses, prevalece a posição dos

sucessíveis designados, seja em testamento, seja, quando admitido, em pacto

sucessório.

A sucessão legítima abre-se quando não se verifiquem a sucessão legitimária ou a

voluntária análise:

Tem de se articular esta noção geral com o regime decorrente de situações de

vocação anómala. O que acontece se os sucessíveis chamados – sejam

legitimários, sejam voluntários – não quiserem ou não puderem suceder? O

afastamento de um sucessível (porque não pode ou não quis suceder) pode

determinar o funcionamento de institutos próprios da sucessão legitimária ou

voluntária que não deixem espaço para a sucessão legítima (se existir direito

de acrescer, direito de representação ou se se verificar uma substituição

directa)

Consequências de vícios que afectem os negócios mortis cause, como por

exemplo se o testamento for inválido ou ineficaz tal implica a abertura da

sucessão legítima? Sendo o testamento inválido é necessário ressalvar logo as

situações em que a invalidade não opera plenamente, havendo redução do

negócio jurídico. Se tal acontecer, a disposição sucessória mantém-se na parte

não afectada pelo vício.

RELAÇÕES ENTRE A SUCESSÃO LEGÍTIMA E A TESTAMENTÁRIA

Muitas vezes a doutrina ocupa-se do problema das relações entre a sucessão legítima

e a testamentária, a fim de saber qual delas constitui a regra e qual é a excepção. A

questão, nestes termos, só faz sentido no plano do direito a constituir. Questiona-se se

a extensão deve ser atribuída à liberdade de testar, porquanto da resposta que se

defender sobre esta matéria resultará, implicitamente fixado, o âmbito da sucessão

legitima.

O problema já não se verifica de iuro condito, uma vez que a solução resulta da

opção feita pelo legislador plasmada nas normas legais e por não haver aqui um

verdadeiro confronto entre as normas que regem a sucessão testamentária e a

sucessão legítima. A sucessão legitima tendo natureza supletiva só regula o destino

dos bens de que o autor da sucessão, podendo faze-lo, não tenha disposto

(validamente) por acto da sua vontade.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 2

Coloca-se a questão de saber se a sucessão legítima deverá ser vista como uma

sucessão testamentária tácita?

A doutrina não concorda com tal, uma vez que a norma supletiva não traduz a

solução que uma pessoa de media diligencia teria estipulado se tivesse previsto e

regulado a matéria que a norma supletiva rege. Deste modo, no plano da sucessão

legitima não faz sentido apurar nem a vontade real (conhecida) do de cuius, nem a

sua vontade conjectural nem a vontade normal dos autores da sucessão.

SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SUCESSÍVEIS LEGÍTIMOS

A situação jurídica dos sucessíveis legítimos em relação ao futuro autor da sucessão é

precária a mais de um título:

A relevância do seu facto designativo pode ser afectada, pela superveniência

de outros sucessíveis legítimos com melhor posição hierárquica

Releva ainda a ampla liberdade de disposição reconhecida, nesta sede, ao

autor da sucessão, quer por acto inter vivos (onerosos ou gratuitos) quer por

acto mortis causa

Em suma, a posição do sucessível legitimo não goza sequer de uma expectativa

legitima.

AS CATEGORIAS DE SUCESSÍVEIS LEGÍTIMOS

A sucessão legítima opera mediante a vocação, por determinação da lei, de certas

pessoas, à herança de outro.

Nos termos do art. 2132º, atribui-se a qualidade de sucessíveis legítimos ao cônjuge

sobrevivo, a certos parentes do falecido e ao Estado. Esta norma tem de ser, contudo,

completada com o disposto nos artigos seguintes.

O art. 2132º visa deixar bem claro a irrelevância da afinidade em matéria de sucessão

legítima e nem sequer faz referencia ao vinculo adoptativo mas que terá relevância

neste âmbito devido ao disposto no art. 2133º.

Note-se que o quadro de sucessíveis tem, hoje, de ser complementado com a

identificação dos regimes consagrados em matéria de união de facto (art. 4º) e de

protecção de pessoas que vivam em economia comum (art. 5º).

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REGRAS DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

Regras Comuns ou Gerais da Sucessão Legítima

Preferência de Classe: as várias categorias de sucessíveis legítimos não são

todas chamadas a suceder conjuntamente ou indiscriminadamente, uma vez

que o CC ordena-as em grupos que recebem a designação tradicional de

‘’classes de sucessíveis’’ – art. 2133º/1

a) Cônjuge e descendentes

b) Cônjuge e ascendentes

▲ encontra-se encoberta, subentendida ou implícita, entre a segunda

e a terceira classe, a classe ocupada pelo cônjuge quando concorre à

herança isolado, ou seja, sem descendentes ou ascendentes.

c) Irmãos e seus descendentes

d) Outros colaterais até ao quarto grau

e) Estado

▲ Há que atender aos efeitos sucessórios do vínculo de adopção, que

se projectam em várias classes, em função do seu caracter homologo

ao vínculo de parentesco.

Deste modo, havendo sucessíveis da primeira classe, não são chamados os da

segunda, que só são chamados os sucessíveis da terceira classe se não houver

os das duas primeiras e assim por diante ideia do art. 2134º; corolário desta

regra encontra-se consagrado no art. 2137º.

Note-se que a falta dos sucessíveis da classe anterior, sendo estes chamados

simultaneamente, só ocorre quando todos eles não possam ou não queiram

suceder. Nos demais casos, há que contar com o regime do direito de acrescer

e do direito de representação – art. 2137º/2 e 2138º

Preferência do Grau de Parentesco: funciona em relação às classes em que se

incluem sucessíveis de tais categorias. Encontra-se consagrada no art. 2135º.

Ou seja, na primeira classe, havendo vários descendentes, os filhos do autor da

sucessão preferem aos netos deste; na segunda classe, havendo vários

ascendentes, os pais do falecido preferem aos avos. Esta regra não sendo

aplicável, pela natureza das coisas, aos sucessíveis legítimos em relação aos

quais a noção de grau não releva – cônjuge, Estado – sofre um importante

desvio uma vez que tal coloca no mesmo plano parentes de graus diferentes,

afastando a preferência emergente da diferença do grau do parentesco – art.

2138º.

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Divisão por Cabeça: encontra-se consagrada no art. 2136º. Trata-se de uma

regra especifica das categorias de sucessíveis em que podem concorrem

simultaneamente varias pessoas em igualdade de circunstancias. Note-se que

a lei refere expressamente parentesco mas exige-se o mesmo tratamento

quanto à adopção. A imperfeição deste perfeito encontra-se também situada

quanto ao facto desta regra valer igualmente, em certos casos, para o

cônjuge, quando concorre com descendentes e ele não é parente. A lei

ressalva expressamente excepções à regra da igualdade que acabam por se

verificar na maioria das classes: (1) concurso do cônjuge com os descendentes

(art. 2139º/1); (2) concurso do cônjuge com os ascendentes (art. 2142º/1); (3)

na sucessão de irmãos do autor da sucessão, se concorrem germanos com

consanguíneos ou uterinos (art. 2146º); (4) esta regra cede também face ao

direito de representação, cas em que a sucessão de faz por estirpes e

subestirpes – art. 2138º

2. REGIME DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

Note-se que quanto à adopção poder-se-ia Incluir em cada uma das classes, a

posição dos familiares adoptivos com direito à herança obter-se-ia um tratamento

completo do regime sucessório das várias classes. Contudo, tal tem o inconveniente

de tratar parcelamente o regime sucessório da adopção que ganha em ser

considerado unitariamente, nomeadamente por referência às suas duas modalidades

(plena e restrita).

I – SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DOS DESCENDENTES

SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DOS DESCENDENTES

A primeira classe de sucessíveis é constituída pelo cônjuge sobrevivo e pelos

descendentes. Por constituir requisito do seu chamemento à sucessão legítima,

importa determinar, desde já, que o cônjuge é considerado herdeiro.

O CÔNJUGE HERDEIRO DISTINGUE-SE DO..

Cônjuge Meeiro Apanágio do Cônjuge Sobrevivo

Está em causa a cessação da comunhão

conjugal, quando exista, e a sua partilha,

por efeito da morte do outro cônjuge. O

tratamento de tal situa-se ao âmbito do

Direito da Família, sendo prévio à

determinação da herança do falecido.

Encontra-se regulado no art. 2018º e

2019º e trata-se de um direto de

alimentos a favor do cônjuge supérstite e

que constitui encargo da herança, a

suportar pelos demais herdeiros e

legatários.

O cônjuge sobrevivo só é chamado à herança se o casamento subsistir, sem

vicissitudes (leia-se divórcio, separação judicial de pessoas e bens e a invalidade do

acto de casamento), à data da morte do autor da sucessão. O caso mais flagrante é

o de haver divórcio ou separação judicial de pessoas e bens já decretados por

sentença transitada em julgado à data da morte ou existir transito em julgado de

sentença já proferida à data da morte, ainda que só posteriormente aquela se torne

definitiva – art. 2133º/3.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 5

Note-se que o art. 2133º/3 in fine remete para a norma constante do art. 1785º/3 em

que se regula o caso de a morte ocorrer no decurso da acção de divórcio ou de

separação judicial de pessoas e bens: a acção pode continuar com os herdeiros,

relevando, para afastar a qualidade de sucessível legítimo do cônjuge sobrevivo, a

sentença de divórcio que venha a ser proferida após a morte do autor da sucessão.

Embora o art. 2133º/3 não se ocupe da hipótese de existir invalidade do casamento e

de tal ser declarado nulo ou anulado, não pode deixar-se de entender estar, nela,

afastado o chamado do ex-cônjuge.

No caso de concorrem à herança o cônjuge e descendentes, a regra que preside à

divisão hereditária é influenciada pelo numero de descendentes. Ou seja, o art.

2139º/1 estabelece a regra de partilha por cabeça mas tal é afastada em beneficio

do cônjuge, a quem se garante uma quota mínima de ¼ da herança havendo três

filhos é esta a regra que preside e não a da igualdade; se o cônjuge concorrer à

sucessão com quatro filhos, o primeiro recebe ¼ sendo que os restantes ¾ divididos

pelos filhos, cabendo, a cada um deles, 3/16 da herança.

Note-se que o concurso ocorre entre o cônjuge e os filhos, pelos que se os filhos não

quiserem ou não puderem aceitar a herança, os seus descendentes são chamados

representativamente – art. 2140º. Sendo tal o caso, a divisão em relação aos filhos,

mesmo no concurso com o cônjuge, faz-se por estirpes e não por cabeça.

Quanto ao direito de acrescer importa salientar que na falta de qualquer dos

chamados, seja o cônjuge ou algum dos filhos, o acrescer funciona quanto aos

restantes.

Quando a porção do cônjuge não seja igual à de cada filho, a desigualdade é

respeitada, segundo o critério do art. 2301º/2, na repartição da quota acrescida.

Os filhos que aqui se consideram são os do autor da sucessão, sejam estes de um ou

mais casamentos, ou até concebidos fora do casamento.

Exemplo:

A (autor da sucessão) foi casado duas vezes:

Primeiro Casamento com B – dois filhos, C D

Segundo Casamento com E – dois filhos, F G

C D F G são herdeiros de A. Note-se que uma vez que existem 4filhos, a quota

hereditária a E (cônjuge sobrevivo) será, no mínimo, de ¼.

Importa salientar que não deve ser esquecida a natureza supletiva das normas em

análise. Ou seja, se o autor da sucessão pode, pura e simplesmente, afastar os seus

sucessíveis legítimos, atribuindo a herança a outrem, também poderá, por tal ser uma

faculdade de menor conteúdo, aceitando a ordem da sucessão legítima, deferi-la

segundo regras diferentes das constantes no art. 2139º/1. Deste modo, será valida uma

disposição testamentária que reserve ao cônjuge sobrevivo, aos filhos, ou a qualquer

um destes, na qualidade de herdeiros legítimos, uma quota maior ou menos do que a

que lhe é atribuída por aquela norma.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 6

Note-se ainda que a lei refere-se a herança, mas deverá entender-se que está apenas

em causa a parte do património do falecido, não atribuída aos herdeiros legitimários e

de que o testador não dispõe, podendo fazê-lo. Em suma, as referencias devem

entender-se como sendo feitas à quota disponível ou a parte dela, consoante os

casos. É em função do valor dos bens a deferir segundo as regras da sucessão legítima

que os cálculos deverão ser realizados.

Exemplo

A (autor da sucessão) deixa como sucessíveis legítimos B (cônjuge) e C D E F

(descendentes – filhos).

Bens deixados por A (admitindo não existir passivo) têm o valor de 21.000

Quota Indisponível da Herança – 2/3 da Herança (art. 2159º/1) quota

indisponível: 14.000 (2/3 de 21.000) e quota disponível: 7.000 (1/3 de 21.000)

Se A tivesse deixado um legado ao seu sobrinho no valor de 1.000 a quota

disponível seria apenas de 6.000

Cônjuge – 1.5000 (1/4 de 6.000)

Descendentes – 1125/cada (3/4 de 6.000 = 4500; 4500/4)

Se vez de A ter deixado o legado ao seu sobrinho tivesse-lo deixado ao seu

cônjuge

PROF. ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA: o legado deve-se imputar na

quota que ao cônjuge cabe na sucessão legítima, calculada essa

porção do cônjuge sobre os bens de que o autor da sucessão não

dispôs valida e eficazmente. Contudo, se da aplicação de tal critério

resultar ofensa da quota legitimária do cônjuge ou dos filhos, e ainda à

sua posição quanto às relações entre a sucessão legítima e legitimária,

deve entender-se que estavam a considerar todo o valor da herança

de A, com excepção do legado.

Exemplo anterior mas estando em causa 20.000.

Cônjuge B caberia 5.000 (1/4 de 20.000) mas neste valor seria

imputado o legado pelo que o cônjuge so recebia 4.000

Para os filhos a quantia seria de 16.000 (20.000-4.000)

Retomando o exemplo anterior: a ¼ parte atribuida ao cônjuge

calcula-se sobre os bens de que o autor da sucessão não dispôs e não

sobre a quota disponível (1/4 de 6.000). Deste modo o cônjuge teria

direito a 1.500, não se imputando neste valor o legado de 1.000

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 7

SUCESSÃO ISOLADA DO CÔNJUGE OU DOS DESCENDENTES

Não existindo cônjuge sobrevivo (ou não podendo tal ser chamado – art. 2133º/3), ou

se ele não quiser ou não puder aceitar a herança, esta é atribuída aos filhos e dividida

entre eles em partes iguais, seja, consoante os casos, por direito próprio, seja por direito

de acrescer – art. 2139º/2 e 2137º/2.

Quanto à sucessão isolada do cônjuge é necessário distinguir entre:

Se não existirem filhos e, consequentemente, outros descendentes, o cônjuge

so sucede sozinho se não houver ascendentes; caso contrário a sucessão abre-

se nos termos da segunda classe de sucessíveis – art. 2141º

Existindo filhos, mas nenhum deles quiser ou puder aceitar a herança:

Se algum deles tiver descendentes opera o direito de representação

Se nenhum deles tiver descendentes o cônjuge sucede isoladamente

(pressupondo que não existem ascendentes)

II – SUCESSÃ DO CÔNJUGE E DOS ASCENDENTES

SUCESSÃO CONJUNTA DO CÔNJUGE E DOS ASCENDENTES

O chamamento conjunto do cônjuge e dos ascendentes verifica-se quando não

existem descendentes – art. 2142º/1

Embora a lei refira genericamente ascendentes, nos termos do art. 2142º/3 prevalece

nesta matéria a regra da preferência de grau. Deste modo, são chamados

prioritariamente os pais do autor da sucessão e só na falta absoluta deles serão

chamados os avós e assim sucessivamente.

A divisão da herança entre os ascendentes e o cônjuge não é igual: o cônjuge

recebe 2/3 e os ascendentes, em conjunto, independentemente do seu número, o

restante.

A divisão da quota dos ascendentes obedece à regra da igualdade – art. 2142º/3.

Se algum dos ascendentes chamados não quiser ou não puder aceitar, a sua parte

acresce à dos restantes ascendentes que concorram à herança – art. 2143º 1º parte.

Exemplo

A (autor da sucessão) morre estando casado com B e com pais (C-D) e avós (E F –

avós paternos; G H – avós maternos) vivos.

Prioritariamente serão chamados o cônjuge (B) e os pais (C D). Se C, pai do autor da

sucessão, não quiser aceitar a sua parte tal acresce a D, mãe do autor da sucessão.

Se alem de C D também não quiser ou não puder aceitar, acrescerá a parte dos pais

à do cônjuge? Parece que o art. 2143º consagra tal, mas na verdade está em causa a

articulação do art. 2137º/2 com o art. 2143º.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 8

Nos termos do art. 2137º/2 consagra-se que a propósito da vocação simultânea dos

sucessíveis da mesma classe, que, se algum ou alguns não puderem ou não quiserem

aceitam a sua quota acresce aos sucessíveis dessa classe que com eles concorram à

sucessão. Contudo esta norma na sua parte final contém uma ressalva que assenta

expressamente no art. 2143º.

Na vocação simultânea do cônjuge sobrevivo e dos ascendentes, não

podendo ou não querendo aceitar algum ou alguns dos ascendentes, a sua

quota acresce à dos outros ascendentes que concorram à sucessão, e não,

também, ao cônjuge, como pareceria resultar do art. 2137º - art. 2143º 1º parte

Não existindo ascendentes que concorram à sucessão, as partes dos que não

quiseram ou não puderam aceitar acresce à do cônjuge sobrevivo – art. 2143º

2º parte.

PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: os avós de A não são chamados, pois são

afastados pela regra da preferência de grau

PROF. ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA: nos termos do art. 2144º o

cônjuge só é chamado a toda a herança quando faltem de todo em

todo descendentes e ascendentes do de cuius. Neste caso serão

chamados os avós.

PROF. LUÍS CARVALHO FERNANDES: concorda com a opinião do PROF.

ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA, uma vez que o entendimento oposto

entra em conflito com o art. 2144º além de retirar sentido à ressalva

constante do art. 2137º/2. Segundo a regra da preferência de grau,

havendo ascendentes do primeiro grau, simultaneamente com o

cônjuge só estes são chamados. Ao ressalvar-se o art. 2143º não pode

deixar de entender-se que se quis afastar a solução de existir direito de

acrescer a favor do cônjuge sobrevivo. Se todos os ascendentes do

primeiro grau não quiserem ou não puderem aceitar, a sua parte passa

para os ascendentes dos graus seguintes que concorram à sucessão.

SUCESSÃO ISOLADA DO CÔNJUGE OU DOS DESCENTES

Os ascendentes recebem toda a herança se não existirem descendentes, nem

cônjuge – art. 2142º/2. O chamamento dos ascendentes obedece às regras da

preferência de grau e da igualdade – art. 2142º/3.

Não existindo ascendentes em absoluto o único chamado é o cônjuge (pressupondo

a falta de descendentes) – art. 2144º (classe sucessória subentendida).

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 9

III – SUCESSÃO DOS IRMÃOS E SEUS DESCENDENTES

REGIME GERAL DA SUCESSÃO DOS IRMÃOS E SEUS DESCENDENTES

A sucessão dos irmãos do autor da sucessão verifica-se quando não existam

sucessíveis de qualquer das duas classes anteriores: falta de cônjuge, descendentes e

ascendentes.

O chamamento dos irmãos obedece à regra da preferência de grau, sendo que os

descendentes dos irmãos só serão chamados por direito de representação e neste

caso a sucessão não se faz por cabeça mas por estirpes.

Em princípio a divisão entre os irmãos do de cuius obedece à regra da igualdade, em

função das cabeças ou das estirpes, consoante os casos, havendo contudo de

ressalvar a situação decorrente de os irmãos puderem pertencer a categorias

diferentes.

REGIME GERAL DA SUCESSÃO DOS IRMÃOS GERMANOS E UNILATERAIS (CONSAGUÍNEOS

E UTERINOS)

IRMÃOS GERMANOS Descendem do mesmo Pai e da mesma

Mãe

IRMÃOS CONSAGUÍNEOS O Pai é comum, mas a Mãe não

IRMÃOS UTERINOS A Mãe é comum, mas o Pai não

Exemplo

E H – Pais

F G – Mães

E (m) casou-se com F (f) tiveram 2 filhos A B divórcio

E (m) casou-se com G (m) tiveram 1 filho D

F (f) casou-se com H (m) tiveram 1 filho C

Relações: (1) A com B – irmãos germanos; (2) A/B com D – irmãos consanguíneos; (3)

A/B com C – irmãos uterinos

Se A morrer, e imaginando-se que E F G H já morreram são chamados a suceder B C D.

Todos os irmãos sucedem mas não segundo a regra da igualdade.

A quota de cada irmão germano é igual ao dobro da de cada irmão unilateral, sendo

que esta regra funciona tanto quando a divisão se faz por cabeça como quando

havendo direito de representação se faz por estirpe – art. 2146º

( )

Legenda: H – valor da herança; X – nº irmãos germanos; Y – nº de irmãos unilaterais

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 10

Deste modo, supondo que o valor da herança seria de 6.000:

( ) =

=

= 1.5000

Resultado: C/D – 1.5000/cada; B – 3.000 (dobro de C/D)

IV – SUCESSÃO DOS OUTROS COLATERAIS

SUCESSÃO DOS COLATERAIS ATÉ O QUARTO GRAU

O chamamento dos colaterais que não sejam irmãos e sobrinhos do de cuius verifica-

se quando faltem sucessíveis de todas as classes anteriores – art. 2147º

Exemplo

C – pai de B/C/D

B – 1 filho A

D – 1 filho E

F – 2 filhos G/H

A – autor da sucessão, sendo que C/B tinham falecido antes dele

Parentes na Linha Colateral de A – D/F (tios – parentes de terceiro grau) e

E/G/H (primos – parentes no quarto grau)

Como aqui funciona a regra da preferência de grau e não existe direito de

representação são chamados prioritariamente D/F – art. 2147º

No caso de D/F já terem falecido, ou de nenhum deles querer ou poder aceitar,

seriam então chamados a suceder E/G/H por direito próprio. Em qualquer dos casos, a

divisão faz-se por cabeça e em partes iguais.

Ou seja, se os chamados fossem D/F cada um receberia metade da herança; se a

vocação funcionasse em relação a E/G/H a cada um caberia 1/3.

Duplo Parentesco: nestes graus mais afastados da linha colateral pode acontecer que

um dos sucessíveis seja parente por mais de uma linha. Esta qualidade não é, porém,

relevante na partilha da herança – art. 2148º Deste modo mantém-se a regra da

divisão da cabeça.

Exemplo

C casou-se com D (primeiro casamento)

C e D tiveram dois filhos B/G.

B teve um filho A

G teve um filho I

C casou-se com E (segundo casamento)

E e C tiveram um filho F

F teve um filho H

I primo pela linha paterna e materna de A

H primo pela linha paterna de A

Sendo A autor da sucessão e sendo os chamados I/H a herança reparte-se entre eles

em partes iguais, não relevando o duplo parentesco de I.

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V – SUCESSÃO DO ESTADO

CHAMAMENTO DO ESTADO

O Estado ocupa a posição de sucessível legítimo, integrando a última das respectivas

classes, esgotando a relevância sucessória dos familiares do de cuius: cônjuge,

parentes sucessíveis e adoptados ou adoptantes – art. 2152º.

O Estado intervém no fenómeno sucessório enquanto sujeito de Direito Privado, logo

como um verdadeiro herdeiro – art. 2153º.

REGIME DA SUCESSÃO DO ESTADO

As particularidades da posição sucessória do Estado, enquanto herdeiro legítimo,

respeitam à aquisição da herança e devem ser vistas à luz da razão de ser da sua

intervenção nesta modalidade de sucessão.

O Estado é o último dos sucessíveis legítimos para assegurar um destino aos bens

deixados por morte das pessoas singulares, sendo fácil entender os desvios

consagrados no art. 2154º em matéria de aceitação e repúdio.

A aquisição da herança pelo Estado opera ipso iure, sem necessidade de

aceitação, mas sim mediante investidura

Enquanto os demais sucessíveis são livres, em geral, de repudiar a herança,

igual faculdade não é reconhecida ao Estado.

VI – SUCESSÃO DA FAMÍLIA ADOPTIVA

EFEITOS SUCESSÓRIOS DA ADOPÇÃO PLENA

Uma vez que o CC não se ocupa especificamente no Livro V dos efeitos sucessórios da

adopção plena, é pela conjugação do art. 2133º com o art. 1986º que o

correspondente regime poderá ser definido.

Nos termos do art. 1986º/1, a adopção plena atribui ao adoptado a situação de filho

do adoptante, integrado na família deste, com a consequente extinção do vínculo

que ligava o adoptado à sua família natural. Ressalva-se a situação das relações com

a família natural continuarem a ser atendidas em matéria de impedimentos

matrimoniais. Ou seja, a excepção, mais aparente do que real, constante do art.

1986º/2, explica-se por não faz sentido que, sendo o adoptante casado com o

progenitor do adoptado, se apagassem os vínculos familiares com o progenitor natural

e os parentes deste para se constituírem outros vínculos familiares análogos.

Deste modo, nas relações recíprocas entre o adoptado e o adoptante e a família

deste, o vínculo criado pela adpção plena produz os mesmos efeitos da relação

familiar fundada na filiação.

Há sucessão legítima entre eles, como há nas relações familiares naturais

correspondentes. Importa salientar que a adopção plena produz também efeitos na

sucessão legitimária.

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EFEITOS SUCESSÓRIOS DA ADOPÇÃO RESTRITA

A adopção restrita produz um vínculo familiar muito menos relevante do que a

adopção plena – art. 1994º. O adoptado restrito conserva todos os direitos e deveres

em relação à família natural – art. 1996º. Importa salientar que esta irrelevância

sucessória da adopção restrita é de algum modo atenuada quanto à sucessão

legítima – art. 1999º/2 e 3.

É necessário distinguir a posição do adoptado na sucessão do adoptante e a do

adoptante na sucessão do adoptado:

Por falecimento do adoptante, o adoptado restritamente e os seus

descendentes – estes por direito de representação – integram uma posição

sucessória intercalada entre as segundas e terceiras classes. Ou seja sucedem

‘’na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes’’, isto é, antes dos irmãos

do falecido – art. 1999º/1

Por falecimento do adoptado ou de descendentes deste, o adoptante integra

uma posição sucessória intercalada entre a terceira e quarta classes. O

adoptante sucede ‘’na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes, irmãos

e sobrinhos do falecido’’, ou seja antes dos outros colaterais até ao quarto grau

– art. 1999º/3.

VII – REGIMES PARTICULARES

A POSIÇÃO SUCESSÓRIA DO MEMBRO SOBREVIVO NA UNIÃO DE FACTO – Lei nº7/2001

No plano do direito das sucessões na lei em análise regem o art. 4º/1 e 2 e o art. 5º:

Art. 4º (atribuição da casa de morada de família): se a união de facto,

validamente constituída, tiver uma duração de dois anos, quando ocorra a

morte do seu membro que seja proprietário da cada de morada comum

atribui-se ao sobrevivo o direito real de habitação sobre essa casa pelo período

de cinco anos. Confere-se também ao membro sobrevivo da união de facto o

direito de preferência da venda dessa mesma casa no mesmo prazo. Estes

direitos são contudo afastados em dois casos:

Quanto à tutela de certos familiares do falecido: se ao falecido

sobreviverem descendentes com menos de um ano, ou que com ele

vivessem há pelo menos um ano, os direitos do membro sobrevivo não

existem, se aqueles pretenderem habitar a casa da morada comum.

Quanto à tutela da autonomia testamentária do falecido: os direitos em

análise podem ser afastados por disposição testamentária em contrário.

O testador poderá limitar-se a estipular que não quer que ao membro

sobrevivo da união de facto sejam atribuídos os direitos em análise. Mais

natural, porém. Será que, quanto à casa de morada, a atribua a outro

beneficiário. Contudo nada impede que o testador atribua essa casa,

em propriedade plena ou em usufruto, ao membro da união de facto,

ou que alargue ou reduza o período legal de cindo anos de duração

do direito real de habitação.

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Art. 5º (transmissão do direito de arrendamento): do art. 1106º/1 al. a) resulta a

transmissão do arrendamento para a pessoa que, há mais de um ano, com o

arrendatário vivesse em união de facto.

QUALIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO SUCESSÓRIA DO MEMBRO SOBREVIVO DE UNIÃO DE

FACTO

A atribuição do direito real de habitação tem manifestamente natureza de um legado

deferido ex lege. Ao ser permitida a possibilidade de o testador fazer estipulações

contrárias evidencia-se a natureza supletiva de tais normas. Consagra-se um legado

legítimo.

A POSIÇÃO SUCESSÓRIA DAS PESSOAS QUE VIVEM EM ECONOMIA COMUM – LEI 6/2001

Se a situação de vida em economia comum se verificar há mais de dois anos, por

morte do proprietário da casa de morada comum atribui-se às demais pessoas que

com ele viviam o direito real de habitação sobre a mesma, pelo prazo de cinco anos

e, durante o mesmo período, direito de preferência na sua venda – art. 5º/1. Mas

existem exclusões a tal direito (nº2 e 3):

Ao falecido sobreviverem descendentes ou ascendentes que, vivendo com ele

há mais de um ano, pretendam continuar a habitar a casa;

Ao falecido sobreviverem descendentes menores que, não tendo com ele

coabitado, demonstrem ter absoluta carência de casa para habitação

própria;

O falecido tiver feito disposição testamentária em contrário

II – DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

1. NOÇÕES GERAIS

ÂMBITO DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

A sucessão legitimária respeita sempre a uma parte da herança e só se verifica

quando existam, à morte do autor da sucessão, certas categorias de sucessíveis.

Nos termos do art. 2156º consagra-se a noção de legítima. Trata-se da legítima

objectiva ou quota indisponível, caracterizando-se como a ‘’porção de bens de que o

testador não poe dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários’’.

Importa salientar que não é rigoroso identificar a legítima como sendo uma porção de

bens, uma vez que ela respeita a uma quota da herança, variável em função da

qualidade e da quantidade dos sucessíveis legitimários.

Legítima: quota da herança legalmente destinada aos sucessíveis legitimários.

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AUTONOMIA DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

Importa salientar que no primeiro CC português não existia um Capítulo especialmente

dedicado à sucessão legitimária, ao contrário do que se verificava com a sucessão

legítima e testamentária. As regras relativas à sucessão legitimária apareciam

integradas no Capítulo da Sucessão testamentária e respeitavam à legítima e às

disposições inoficiosas. Para além disso, o preceito que fixava as modalidades de

sucessão só referia a sucessão legítima e a sucessão testamentária.

Actualmente o CC começa por demarcar, no art. 2027º, no conjunto da sucessão

legal a sucessão legítima e a sucessão legitimária, que se contrapõem à testamentária

(art. 2026º).

Os traços distintivos da sucessão legitimária revelam-se na diversidade do seu

fundamento, das classes de sucessíveis legitimários, do seu objecto e da natureza das

normas que a consagram.

SUCESSÃO LEGITIMÁRIA SUCESSÃO LEGÍTIMA

DIVERSIDADE DAS CLASSES DE SUCESSÍVES

Há classes de sucessíveis comuns a estas duas modalidades de sucessão e a sua

hierarquia é igual – art. 2157º - verifica-se tal quanto ao cônjuge sobrevivo, aos

descendentes e ascendentes.

Sucessíveis legítimos compreendem

muitas mais categorias e classes

preenchidas por diversos parentes e

familiares adoptivos do de cuius e até

pelo Estado.

Note-se que dizendo respeito tal à quota

disponível basta que o autor da sucessão

haja disposto de toda esta quota a favor

de terceiros, para os seus descendentes

chamados a suceder, manterem a

qualidade de sucessíveis legitimários mas

não de legítimos.

DIVERSIDADE DO OBJECTO

Respeita sempre e apenas a uma quota

da herança.

Para assegurar a consistência da posição

dos respectivos sucessíveis, além dos bens

deixados no momento da morte do de

cuius, há que atender no cálculo da

herança às liberalidades feitas em vida

pelo autor da sucessão

Em certos casos abrange toda a

herança, muito embora possa surgir

também limitada pelo concurso, tanto da

sucessão legitimária como da voluntária.

Em regra assegura o destino dos bens

que existem no momento da morte de

certa pessoa, seja no todo, seja em parte.

DIVERSA NATUREZA DAS NORMAS JURÍDICAS

São em regra normas injuntivas

São em regra normas dispositivas que o

autor da sucessão pode afastar por acto

da vontade

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NATUREZA JURÍDICA DA LEGÍTIMA

Legítima enquanto:

Parte da herança: a legítima representa uma parte (ou quota) da herança,

calculada, esta, segundo o critério consagrado no art. 2162º. O legitimário tem

a posição de sucessor, em particular de herdeiro. Parece ser esta a solução

que resulta da lei:

Noção legal consagrada no art. 2156º

Lei identifica claramente o legitimário como herdeiro

Princípio da intangibilidade da legítima – art. 2163º

Redução das liberalidades inoficiosas que por vezes se faz em espécie –

art. 2174º/1 1ºparte

Parte dos bens: esta tese não confere mais do que direito a uma parte do valor

(abstracto) desses bens, o legitimário não tem, consequentemente, a posição

de verdadeiro herdeiro, mas de credor da herança.

CATEGORIAS E CLASSES DE SUCESSÍVEIS LEGITIMÁRIOS

O art. 2157º identifica três classes de sucessíveis: o cônjuge sobrevivo, os descendentes

e os ascendentes. Note-se que o legislador não atendeu ao facto de na adopção

plena, nos termos do art. 1986º/1, o adoptante e o adoptado terem também a

qualidade de sucessíveis legitimários, ocupando, consoante os casos, a posição de

ascendentes ou dos descendentes. Deste modo, deve considerar-se que aqui

também se inserem os correspondentes vínculos familiares emergentes da adopção

plena. Estes sucessíveis ordenam-se segundo as classes da sucessão legítima.

SITUAÇÃO JURÍDICA DOS SUCESSÍVEIS LEGITIMÁRIOS

A situação jurídica dos sucessíveis legitimários, em vida do autor da sucessão,

desmarca-os dos sucessíveis legítimos uma vez que aqueles possuem uma verdadeira

expectativa jurídica.

Como manifestação da tutela dos sucessíveis legitimários em vida do autor da

sucessão é, em geral, apontado o regime de arguição da nulidade dos negócios

simulados, celebrados pelo autor da sucessão com a intenção de os prejudicar (art.

242º/2).

O legitimário tem ainda em vida do de cuius outra forma de tutela, sendo que tal

assenta nas limitações impostas ao de cuius em sede de livre disposição dos seus bens

a título gratuito, seja por acto inter vivos seja mortis cause. A redução por

inoficiosidade só se torna efectivo após a morte do autor da sucessão mas tal

resolubilidade e o inerente direito potestativo à sua efectivação traduzem uma forma

de tutela do interesse do legitimário ainda antes da abertura da herança, porque o

põem ao abrigo de liberalidades excessivas feitas pelo de cuius, inclusive de

liberalidades inter vivos.

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REGRAS DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA; SENTIDO DA REMISSÃO DO ART. 2157º

A sucessão legitimária rege-se pelas mesmas regras que dominam a sucessão legítima

– art. 2157º. Importa salientar que esta norma remete para os art. 2134º a 2138º.

É manifesto que tal remissão significa que a sucessão legitimária é regida pelas regras

da preferência de classes, da preferência de grau e da divisão por cabeça, com o

conteúdo que lhe foi atribuído em sede de sucessão legítima.

São ainda aplicáveis à sucessão legitimária as regras particulares da sucessão do

Cônjuge, dos descendentes e dos ascendentes que se contêm nos art. 2139º a 2144º.

Note-se que segundo a regra da preferência de classes, os ascendentes só são

chamados, como sucessores legítimos, na falta de descendentes e do cônjuge

sobrevivo. Nada impede, contudo, o autor da sucessão de atribuir toda a quota

disponível aos ascendentes, com afastamento dos descendentes e do cônjuge

deixando no mais funcionar as regras gerais e particulares da sucessão legítima.

Em sede da regra de divisão por cabeça, esta cede na sucessão legítima do cônjuge

e dos filhos, se o numero destes for superior a três. Ao cônjuge é então atribuída ¼ dos

bens a partilhar. Contudo, pode o autor da sucessão validamente dispor, apenas, no

testamento que a divisão da quota disponível entre o cônjuge e os filhos se fará

sempre por cabeça, independentemente do número destes, deixando no mais

funcionar a sucessão legítima.

Nenhuma destas disposições testamentárias será válida no domínio da sucessão

legitimária. As regras gerais e particulares da sucessão legítima para que o art. 2157º

remete vale na sucessão legitimaria como injuntivas.

2. REGIME DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

I – CÁLCULO DA LEGÍTIMA

GENERALIDADES

A determinação do valor da legítima, no sentido de quota indisponível, ou seja da

legítima objectiva, é uma das operações fundamentais da sucessão legitimária.

Neste problema envolve-se o apuramento do montante da quota indisponível e a

determinação da unidade sobre que deve ser calculada. Ou seja, trata-se de saber o

que se deve entender por herança para efeitos da sucessão legitimária.

DIVERSIDADE E VARIABILIDADE DA LEGÍTIMA OBJECTIVA

Nos termos do art. 2158º a 2161º resulta que em função da qualidade e da quantidade

dos sucessíveis chamados, a legítima objectiva poderá ter os seguintes valores:

1/3 da herança

½ da herança

2/3 da herança

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A medida da legítima apura-se no momento da abertura da sucessão contudo é

necessário completar tal afirmação com certas situações.

Se existirem nascituros, só no momento do seu nascimento e consequente

vocação é que se verifica qual o número efectivo de filhos a quem vai ser

atribuída a quota indisponível.

Coloca-se ainda a questão de saber qual o sentido a atribuir ao requisito da

existência que decorrer do art. 2159º/2 que se relaciona com o requisito da

sobrevivência?

PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: se, por qualquer causa, o herdeiro não for

chamado (pré-morte; indignidade anterior à abertura da sucessão;

deserdação) não conta para o cálculo da legítima. Mas se existir uma

resolução do chamamento, o herdeiro, que chegou a ser chamado,

deve ser considerado para determinação do valor da quota

indisponível.

Note-se que o exemplo apresentado pelo autor é o da ingnidade por

causa posterior à abertura da sucessão, mas a mesma solução não

pode deixar de ser dada se existir repúdio.

Como é manifesto, o entendimento defendido quanto ao requisito da

existência afasta o direito de não descrescer mas não o direito de

representação.

Deste modo, conclui-se que para além do facto de a legítima objectiva não ter um

valor fixo, admitindo medidas diversas, é também variável em função das

circunstancias concretas da vocação.

A NOÇÃO DE HERANÇA PARA CÁLCULO DA LEGÍTIMA OBJECTIVA

A noção de herança relativamente a certos momentos do fenómeno sucessório

refere-se aos bens deixados por morte do autor da sucessão (relicta) ainda que, para

efeitos do apuramento da responsabilidade pelo seu passivo, a lei estabeleça um

sentido próprio que daquela noção se afasta – art. 2069º

Contudo, em relação ao cálculo da quota indisponível existe uma noção diferente de

herança.

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A herança em função da qual se calcula a legítima apura-se em função do art.

2162º/1, devendo atender-se:

Aos bens existentes no momento da

morte do de cuius (relictum)

Atende-se ao património activo do autor

da sucessão, tal como ele existe no

momento da sua morte

Ao valor dos bens doados

(donatum/donata)

São consideradas todas as que sejam

feitas em vida do autor da sucessão,

independentemente de os donatários

serem sucessíveis ou terceiros. Não releva,

portanto, se estão ou não sujeitas a

colação. O regime da colação é

atendido para excluir certos bens a que a

colação não respeita, ou seja daqueles

que tenham perecido em vida do autor

da sucessão, por facto não imputável ao

donatário – art. 2162º/2 remete para o

art. 2112º

Ao valor das despesas sujeitas a colação

(donatum/donata)

Em função do regime da colação

apuram-se as despesas feitas pelo autor

da sucessão em favor de sucessíveis a

quem a colação é imposta, uma vez que

tais só entram no cálculo da legítima

quando estejam, elas mesmas, sujeitas a

colação – art. 2110º/1

Às dívidas da herança (elemento passivo)

A doutrina tende a incluir nelas todos os

encargos enumerados no art. 2068º, com

excepção dos legados (o objecto do

legado constitui elemento do relictum e

envolve um acto de disposição gratuita

que pode afectar a legítima)

A questão mais controversa do cálculo da legítima é a de saber como conduzir as

operações do respectivo apuramento:

ESCOLA DE COIMBRA: o donatum não responde pelo passivo, sendo a sua

inclusão na herança dirigida à tutela do legitimário e não à tutela dos

credores, que não podem ter, após a morte do devedor, melhor posição do

que a que tinham em vida dele – e esta confinava-se ao seu património.

O cálculo deve fazer-se ordenando as referidas operações nos

seguintes termos: (1) abate-se o passivo ao relictum + (2) soma-se o

donatum. Sobre o resultado de tal calcula-se a quota indisponível.

( )

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ESCOLA DE LISBOA: o alargamento do quinhão legitimário, por via do art. 2162º,

vem a traduzir aquilo que o herdeiro efectivamente recebe nessa qualidade,

ou seja, aquilo por que ele responde pelo passivo hereditário, segundo o art.

2071º, em conexão com o art. 2068º. O donatum havia de ser afectado pelo

passivo.

Soma-se primeiro o donatum ao relictum, abatendo-se de seguida o

passivo

( )

Estas duas teses só conduzem a resultados diferentes se a herança for deficitária, ou

seja se o passivo for superior ao relictum.

Exemplo

A (autor da sucessão) – dois filhos (sucessíveis prioritários)

Relictum – 5.000

Passivo – 2.000

Donatum – 3. 000

Escola de Coimbra: (relictum – passivo) + donatum = (5.000 – 2.000) + 3.000 = 6.000

Escola de Lisboa: (relictum + donatum) – passivo = (5.000 + 3.000) – 2. 000 = 6. 000

Independentemente de qual as teses o valor da herança é sempre de 6.000.

Quota Indisponível (art. 2159º/1): 2/3 de 6.000 = 4.000

Sendo o valor da herança de 6.000, sendo a quota indisponível de 4.000 e havendo

uma doação no valor de 3.000 conclui-se que esta era inoficiosa podendo ser

reduzida para 2.000.

Imagine-se agora que a herança tinha um activo de 5.000 e um passivo de 6.000 e

havia uma doação no valor de 6.000

Escola de Coimbra: (relictum – passivo) + donatum = (5.000 – 6.0000) + 6.000

herança deficitária 5.000 – 6.000 = - 1. 000 = 0. Deste modo: 0 + 6.000 = 6. 000

Quota Indisponível (art. 2159º/1): 2/3 de 6. 000 = 4. 000

Escola de Lisboa (relictum + donatum) – passivo = (5.000 + 6.000) – 6.000 = 11.000 –

6.000 = 5. 000

Quota Indisponível (art. 2159º/1). 2/3 de 5. 000 = 3. 334

O método da escola de Lisboa conduz a um menos valor da legítima, sacrificando o

interesse dos legitimários e dos credores.

O art. 2069º destina-se a determinar quais os bens da herança que respondem pelo

seu passivo e respeita às relações entre os herdeiros em geral e os credores do de

cuius.

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O art. 2162º visa o cálculo da legítima, situando-se no plano das relações entre os

herdeiros legitimários e os beneficiários de disposições gratuitas que afectem a

legítima objectiva e, como tal, sejam redutíveis por inoficiosidades.

Deste modo, é inadequado projectar na interpretação do art. 2162º a questao da

responsabilidade da herança pelo seu passivo, com o risco, de resto, de se cair em

contradição com o disposto no art. 2068º e ss.

A ordem das operações de cálculo nas duas teses em presença – quando a herança

seja deficitária – implica entendimento mais favorável aos legitimários (a primeira tese)

ou aos credores e aos beneficiários de liberalidades inoficiosas (a segunda).

Atendendo ao regime da sucessão legitimária, no seu conjunto, não pode deixar de

se entender que a verdadeira ratio leges do art. 2162º é em rigor a tutela dos

legitimários, pelo que se deve seguir a tese da Escola de Coimbra.

COLAÇÃO: NOÇÃO; A IGUALDADE DA PARTILHA

A colação encontra-se regulada no art. 2104º e 2118º sendo configurada como um

instituto privativo da sucessão dos descendentes.

Nos termos do art. 2104º/1, a colação é dirigida à igualação da partilha dos

descendentes, consistindo, grosso modo, na restituição fictícia à herança de bens que

foram doados em vida ao descendente que pretende entrar na sucessão.

A finalidade da igualação da partilha respeita apenas à sucessão legitimária ou

projecta-se também na sucessão legítima?

O art. 2104º tem uma formulação ampla pelo que se poderá considerar que além de

se aplicar à sucessão legitimária também se aplica à sucessão legítima. Contudo, tal

entendimento levanta algumas dificuldades quando se analisa o art. 2105º. Ou seja,

ao atribuir relevância, na sujeição à colação, à qualidade de presuntivo herdeiro

legitimário que o beneficiário da doação deve ter ao tempo desta, o preceito sugere

ser esta qualidade um elemento decisivo do instituto esta critica é afastada pelo

art. 2108º/1 que consagra que a colação respeita à quota hereditária (logo, legitima e

legitimaria) do descendente e não apenas à sua quota legitimária.

Note-se que se em princípio a colação se dirige à igualação quanto possível da

posição hereditária global dos descendentes, na partilha, a verdade é que não tem

de a assegurar necessariamente em todos os casos. Ou seja, nos termos do art. 2108º/2

estabelecem-se soluções diferentes consoante esteja em causa o preenchimento

(igualitário) da quota legitimária ou o da quota hereditária:

Se o preenchimento igualitário da quota hereditária não puder ser alcançado,

ou seja, se não puder ser levada a igualação até o ponto de ela se alcançar

também em sede de sucessão legítima nem por isso a doação sujeita a

colação é reduzida.

Se a igualação for posta em causa quanto à quota legitimária a redução por

inoficiosidade deve verificar-se.

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A redução verifica-se não por efeito da colação, em si mesma, mas por a doação ser

inoficiosa!

Exemplo

Por morte de A sucedem-lhe, como únicos herdeiros, os seus filhos B e C.

A deixou bens no valor de 7 mil

Não existe passivo

Legítima é de 2/3 – art. 2159º/2

Situação1

A em vida fez uma doação a B, sujeita a colação, no valor de 2mil

Para efeito do cálculo da quota indisponível o valor da herança é de 9 mil (7

mil + 2 mil)

Existindo dois herdeiros, dois filhos, o valor da herança é de 6 mil (2/3 de 9 mil),

cabendo a cada filho 3 mil. A quota disponível é de 3 mil (9 mil – 3 mil), cabendo a

cada filho 1.500. Deste modo, a quota hereditária de cada filho é de 4500.

Aplicando o art. 2108º, B além da doação recebe: mil (a título de legítima – deveria

receber 3 mil mas 2 mil já se tem na sua posse pela doação que era sujeita a colação)

e 1500 (quota disponível). Deste modo, do valor dos bens deixados por A que

somavam 7 mil ficam consumidos 2. 500 (1000 + 1500). Os restantes 4.500 cabem a C,

ficando igualada, em absoluto, a partilha.

Situação2

A em vida fez uma doação a B, sujeita a colação, no valor de 11mil

Para efeitos do cálculo da quota indisponível o valor da herança é de 18 mil

(11 mil + 7 mil)

Existindo dois herdeiros, dois filhos, o valor da herança é de 12 mil (2/3 de 18 mil),

cabendo a cada filho 6 mil. Quanto ao valor da quota disponível esta será de 6 mil (18

mil – 12 mil) cabendo a cada filho 3 mil. Deste modo, a quota hereditária de cada filho

é de 9 mil.

A doação feita a B excede o valor da quota hereditária em 2 mil, mas os bens da

herança deixados à data da morte asseguram a legítima de C (foram deixados 7 mil e

C tem direito a 6 mil).

Mesmo que C receba os restantes bens deixados por morte de A a igualação não é

alcançada, mas como a legitima não é atingida não será reduzida a doação (art.

2108º/2). Em suma, B mantém toda a doação que lhe foi feita e C recebe todo o

relictum.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 22

Situação3

A em vida fez uma doação a B, sujeita a colação, no valor de 17 mil

Para efeitos do cálculo da quota indisponível o valor da herança é de 24 mil

(17 mil + 7 mil)

Existindo dois herdeiros, dois filhos, o valor da herança é de 16 mil (2/3 de 24 mil),

cabendo a cada filho 8 mil. Quanto ao valor da quota disponível esta será de 8 mil (24

mil – 16 mil) cabendo a cada filho 4 mil. Deste modo, a quota hereditária de cada filho

é de 12 mil.

No presente caso, encontra-se afectada a quota indisponível, não chegando sequer

os bens deixados à data da morte (7mil) para preencher a legítima de C (8 mil). Deste

modo, a doação de B, será inoficiosa, pelo que terá de ser reduzida em mil. Deste

modo, a legítima de C é preenchida (relictum – 7 mil - + redução da doação de B –

1000). Deste modo, C fica com 8 mil e B com 16 mil (redução por inoficiosidade da sua

doação em mil: fica com 8 a título de legítima e 8 a título de quota disponível). Note-

se que a igualação obtém-se, no âmbito da sucessão legitimária, por efeito da

redução, mas não quanto à quota hereditária.

Poderá ser afastado por vontade expressa do autor da sucessão em termos de ser

assegurada a igualdade plena, mediante o que é corrente designar por colação

absoluta?

Trata-se de uma estipulação em que o doador declare que a liberalidade é feita por

conta da legítima ou da parte indisponível, ou que não quer avantajar o donatário.

Deste modo, o donatário fica obrigado a conferir tudo o que tiver recebido?

Maioria da Doutrina: sim

C. Pamplona Corte Real: sem por em causa a possibilidade de o testador, no

uso da sua autonomia, fazer estipulações naquele sentido, entende que não

está então a operar o mecanismo da colação mas tão-só a estrita observância

da vontade do autor da sucessão, da sua livre disposição dos bens por morte.

Não fica, contudo, afastado o estrito âmbito da colação.

Prof. Carvalho Fernandes: Não suscita qualquer dúvida admitir a validade de

uma estipulação do tipo das que são exemplificadas pelos defensores da tese

da colação absoluta, mas não podem, deixar de ser feitas duas reservas.

Está-se fora do instituto da colação, tal como a lei o configura

A estipulação em causa não pode ter outra eficácia que não seja

obrigacional, sob pena de violar o Princípio da Tipicidade das

limitações reais do direito de propriedade – art. 1306º, o que lhe retira

em larga medida eficácia, se o donatário não se sujeitar

voluntariamente à redução, quando ela esteja em causa.

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 23

COLAÇÃO: CAMPO DE APLICAÇÃO; A POSIÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVO

Quando o cônjuge concorre com descendentes, ocupando uma posição análoga à

destes, o cônjuge sobrevivo deve estar ou não sujeito à colação?

Segundo o Prof. Oliveira Ascensão existem três possíveis soluções, uma vez que se está

face a uma lacuna da lei.

Seguindo de perto a letra da lei (art. 2105º), o cônjuge não está sujeito à

colação, embora beneficie do regime de colação dos filhos.

O cônjuge não estaria sujeito à colação, mas também não beneficiava de tal,

funcionando a igualação apenas quanto aos descendentes

O cônjuge encontrava-se sujeito à colação, tal como os descendentes,

quando com estes concorram à sucessão.

Segundo o Prof. Carvalho Fernandes a melhor solução de iure condendo assenta na

sujeição do cônjuge à colação, quando concorra com descendentes.

Contudo, como afirma o Prof. Pereira Coelho só um legislador inteiramente inepto

deixaria de atender, ao elevar o cônjuge à dignidade de sucessível legitimário e ao

coloca-lo na primeira classe as consequências decorrentes dessa modificação do seu

regime sucessório em matéria de colação. O art. 9º/3 não permite interpretar nessa

base, devendo partir-se da presunção contrária.

Considera-se ainda que as considerações do Preâmbulo do DL 496/77 possam trazer

contributo válido à tese da sujeição do cônjuge sobrevivo à colação. Bem pelo

contrario, uma vez que tais considerações revelam que o legislador ponderou bem as

soluções a adoptar quanto à melhoria da posição sucessória do cônjuge, pelo que

não se mostra adequado defender que ele se tenha esquecido da colação.

Deste modo, considera-se que o cônjuge sobrevivo não esta sujeito à colação.

Contudo, também seria incorrecto fazê-lo beneficiar dela. A colação será, na

adequada interpretação da lei, uma matéria privativa dos descendentes, só entre eles

funcionando, até onde for possível a igualação. Ressalva: não se deve admitir que tal

conduza à atribuição, aos descendentes, de melhor posição do que a que lhe

caberia perante o cônjuge, o que constitui contrapartida de não poder beneficiar da

colação.

Regime da Imputação da Doação feita ao Cônjuge: não estando as doações feitas a

cônjuge, nessa qualidade, sujeitas ao regime da colação, o regime da sua imputação

não deve subordinar se às disposições que, nesse conjunto de normas, se lhe referem.

É que em tais preceitos trata-se do regime de doações que potencialmente estarão

sujeitas à colação.

COLAÇÃO: REGIME JURÍDICO; A OBRIGAÇÃO DE CONFERIR

A delimitação subjectiva da colação respeita à determinação concreta das pessoas

que devem conferir as liberalidades recebidas em vida do de cuius, se quiserem entrar

na sucessão – art. 2105º e 2104º

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 24

Para ficar sujeito à colação é necessário que, no momento em que lhe é feita a

atribuição patrimonial gratuita, o beneficiário tenha a qualidade de presuntivo

herdeiro legitimário do doador. Ou seja, se o óbito do autor da liberalidade ocorresse

nesse momento o beneficiário seria considerado seu sucessível legitimário e prioritário

(alcance do art. 2105º).

Exemplo

Se o autor da sucessão, A, fizer ao neto C uma doação, em vida de B, pai e C, este

não é presuntivo herdeiro de A, pelo que não esta sujeito à colação; mas estaria se ao

tempo da doação B já tivesse falecido.

Note-se que o art. 2104º/1 consagra que o herdeiro legitimário pode livrar-se da

colação não entrando na sucessão do autor da liberalidade, ou seja repudiando-a

(art. 2114º/2). Se, porém, a colação não se verificar por motivo de repúdio da herança

por parte de quem estava obrigado a conferir, não havendo direito de

representação, a doação deverá ser imputada na quota indisponível – art. 2114º/2.

Visa-se evitar que com o repúdio seja afectado o cálculo da legítima e

nomeadamente atingidos outros donatários que podiam, caso contrario, ver a sua

doação reduzida por inoficiosidade.

Em regra, a colação é imposta ao beneficiário da liberalidade – art. 2106º 1ª parte. Tal

regra sofre um desvio quando não vindo o beneficiário a suceder, são chamados os

seus representantes – a colação incumbe a estes, ainda que não tenham retirado, eles

próprios, beneficio da liberalidade – art. 2106º 2ª parte.

Análise do art. 2107º

Se a doação for feita apenas a um dos cônjuges e o presuntivo herdeiro

legitimário do autor da sucessão for outro, não esta este sujeito a colação – art.

2107º/1

Se a doação for feita a ambos os cônjuges conjuntamente só a parte do que

for presuntivo herdeiro do de cuius está sujeita a colação – art. 2107º/2. Apesar

de a doação beneficiar também quem é estranho à matéria da colação,

nada justificaria que, quanto ao presumido herdeiro legitimário deixasse de

funcionar o entendimento que preside à colação e a configura como puro

adiantamento da legítima.

Se a doação for feita em nome de um dos cônjuges, sendo o regime do seu

casamento o da comunhão geral de bens, o simples facto de ser esse o regime

de bens do casal não implica que a doação se considere feita a ambos, para

efeitos de colação – art. 2107º/3. Tem de existir uma manifestação de vontade

do doador no sentido de beneficiar ambos os cônjuges.

Note-se que nem todas as liberalidades feitas a presuntivos herdeiros legitimários estão

sujeitas a colação. Ela é dispensada em diversos casos, quer por vontade do autor da

sucessão, quer por força da lei. O autor da liberalidade pode dispensar a colação,

tanto no próprio momento em que ela é feita como posteriormente – art. 2113º/1

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 25

Ocorre consoante os casos ou a existência de uma cláusula acessória da doação ou

a existência de um novo negócio jurídico que altera a doação já feita.

A força da dispensa encontra-se regulada no art. 2113º/2 sendo necessário distinguir

consoante ela seja feita no acto da doação ou posteriormente:

Se a dispensa for realizada no acto da doação, ou seja sendo a cláusula de

dispensa acessória da doação, ela segue, necessariamente, as formalidades

desta, sejam as impostas por lei (forma legal) sejam as adoptadas, de sua

iniciativa, pelas partes (forma voluntária).

Se a dispensa for realizada posteriormente, ou seja quando a dispensa tenha

autonomia, compreende-se que vista a importância da alteração de regime

que dela decorre, que a forma do acto de dispensa seja determinado pela

forma da própria doação. Se esta for acompanhada de alguma formalidade

a dispensa da colação só pode ser feita pela mesma forma ou em testamento.

Estão em causa formalidades inerentes à forma legal e à voluntária adoptada

pelas partes.

A colação presume-se sempre dispensada, nos termos do art. 2113º/3, em dois casos:

Nas doações manuais

Nas doações remuneratórias

COLAÇÃO: REGIME JURÍDICO; OBJECTO

O objecto privilegiado da colação são as doações a favor dos descendentes.

Contudo, a lei equipara às doações, para efeitos de colação, outras atribuições

patrimoniais gratuitas feitas a descendentes: estão também sujeitas a colação as

despesas realizadas (gratuitamente) pelo autor da sucessão em proveito dos seus

descendentes – art. 2110º:

Nº1: aponta no sentido de todas as despesas realizadas (gratuitamente) pelo

autor da sucessão em proveito dos seus descendentes estarem sujeitas a

colação

Nº2: existem várias despesas que não estão sujeitas a colação, dependendo

tal de dois elementos:

Natureza: despesas feitas com o casamento, com a alimentação, com

o estabelecimento e a colação do descendente.

Valor das Despesas: estas despesas (ver as consagradas na natureza) só

são excluídas da colação se se mostrarem adequadas ao fim a que se

destinam. O apuramento da adequação das despesas faz-se:

Em função dos usos e condição social das pessoas envolvidas

Com base na situação económica do seu autor (critério

objectivo)

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 26

A colação respeita ao bem doado pelo autor da doação, ou seja quando haja

doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, o donatário confere metade

na sucessão de cada um dos doadores – art. 2217º/1

A colação respeita ao bem doado em si mesmo, uma vez que é relativamente a ele

que funciona a ideia subjacente ao instituto, que vê na doação uma antecipação da

quota do donatário. O beneficio mantém-se em vida do autor da sucessão, mas deve

ceder em vista do objectivo que preside à colação, ou seja a igualação da partilha –

esta é a ideia do art. 2111º e 2115º.

O donatário faz seus os frutos da coisa doada recebida em vida do doador; só os

recebidos depois da abertura da sucessão devem ser conferidos – art. 2111º.

O donatário sujeito a colação, quanto a benfeitorias feitas na coisa doada, beneficia

do tratamento do possuidor de boa fé – art. 2115º remete para o art. 1273º; tal

remissão tem de ser vista em correlação com o modo por que a colação opera em

geral, há simples imputação de valores, mas pode também existir restituição em

substancia:

Havendo imputação de valores, segundo a natureza das benfeitorias

realizadas, o donatário terá direito a indemnização, ou a ser delas

compensado, segundo as regras do enriquecimento sem causa. Trata-se de

avaliar as benfeitorias, segundo o direito que caiba ao donatário, não sendo o

seu valor considerado na imputação de valores em que a colação se traduz.

Havendo restituição em substância, aplica-se o art. 1273º directamente.

Note-se que a remissão em análise significa que no caso de haver deterioração da

coisa doada, pode a correspondente obrigação ser compensada com o direito a

indemnização por benfeitorias.

Consequência da perda da coisa (art. 2112º): é necessário distinguir em função da

causa de perecimento da coisa, ou seja

Se o perecimento da coisa foi imputável ao donatário, este continua sujeito à

colação – o donatário responde pelas deteriorações que, com culpa sua, o

bem doado tenha sofrido (art. 2116º)

Se o perecimento da coisa não for devido a causa imputável ao donatário,

não existe colação.

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COLAÇÃO: REGIME JURÍDICO; VALOR A CONFERIR

Existem duas soluções quanto ao valor que deve ser conferido:

Atende-se ao valor da coisa doada no momento da doação

Atende-se ao valor da coisa doada no momento da abertura da sucessão

critério adoptado pelo legislador no art. 2109º/1 e art. 2117º/2 (por morte de

cada um dos doadores, há colação quanto a metade da coisa doada

segundo o seu valor à data da abertura de cada uma das sucessões).

Mesmo quando aos bens que possam ter sido consumidos, alienados,

onerados ou que perecem por culpa do donatário atende-se ao valor

destes à data da morte do autor da sucessão se nenhum dos referidos

eventos tivesse ocorrido – art. 2109º/2

Note-se que o art. 2109º não se ocupa da deterioração dos bens

doados, qualquer que seja a sua causa, sendo que nesse caso:

Se for imputável ao donatário, este responde por ela – art. 2116º

Se não for imputável ao donatário, a deterioração é tomada

em conta na avaliação, projectando-se no valor do bem, no

momento da abertura da sucessão.

Caso Particular: doação de dinheiro e o da existência de encargos, em dinheiro,

impostos à doação, que tenham sido cumpridos pelo donatário art. 2109º/3 manda

aplicar o regime próprio das obrigações de valor consagrado no art. 551º.

COLAÇÃO: REGIME JURÍDICO; MODO COMO OPERA

Quanto ao modo como a colação opera existem duas soluções:

Restituição material, em espécie, da coisa doada, quando possível: a coisa

doada passa a reintegrar a herança, para todos os efeitos, nomeadamente o

da partilha depende da aceitação de todos os herdeiros (art. 2108º/1

segunda parte)

Conferimento do valor da coisa doada: o valor da coisa doada é tomado em

conta no cálculo do quantum da herança, operando-se a sua imputação

regra (art. 2108º/1 primeira parte)

COLAÇÃO: O ÓNUS REAL

O art. 2118º qualifica aquilo que entende como sendo o ónus real determinado a sua

inscrição no registo predial; de resto o regime da doação não é mesmo admitido sem

o ónus (art. 2118º/1 e 2).

Nos termos do art. 2º/1 al. q) do C.Reg.Predial determina-se o registo do ‘’ónus de

eventual redução das doações sujeitas a colação’’.

PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: a colação não importa redução das doações; a

verdadeira causa de redução é a sua inoficiosidade.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 28

Note-se que esta questão nem se coloca quanto à redução em substância uma vez

que esta depende do acordo de todos os interessados, que não é possível, quanto ao

donatário, se ele alienou o objecto doado. Importa ainda salientar que se se verificar

a eventual redução à inoficiosidade, a garantia de terceiros, visada com a sujeição a

registo, não podia ser limitada às doações feitas a descendentes, mas a quaisquer

donatários.

Note-se que as doações mais sujeitas a risco de redução por inoficiosidade – quanto

aos descendentes – são as que não têm de ser trazidas à colação, que não estão

sujeitas a registo.

A IMPUTAÇÃO

A existência de sucessão legitimária implica sempre a divisão da herança por duas

quotas, qualquer que seja o modo por que elas são preenchidas e o regime da sua

atribuição. Deste modo é necessário atender aos termos em que o autor da sucessão

dispôs dos seus bens:

Se não tiver feito atribuições patrimoniais gratuitas, por negócio mortis causa ou

inter vivos, está apenas em causa, na atribuição da herança, a determinação

do quinhão de cada um poderá ate acontecer, pela coincidência que, em

geral, se verifica entre as categorias e as classes de sucessíveis legitimários e

legítimos, e as regras que regem a sua vocação, que a herança se reparte

entre eles sem ganhar relevância prática a sua qualidade

Poderá não ser assim, ou seja mesmo sem haver atribuições

patrimoniais, próprio sensu, do autor da sucessão basta que ele

disponha quanto à quota disponível para ocorrer um afastamento das

regras da sucessão legítima

Se houver atribuições patrimoniais gratuitas feitas pelo de cuius, sejam doações

ou legados, coloca-se de imediato a questão de saber a que quota da

herança (indisponível ou disponível) elas devem ser afectadas. Trata-se de uma

operação essencial para vários efeitos sucessórios:

Preenchimento de quotas em si mesmo

Colação

Apuramento da existência de disposições gratuitas inoficiosas

Note-se que o legislador não traçou um regime geral da imputação fazendo apenas

referências (dispersas): art. 2108º, 2114º e 2165º.

Estão em causa as liberalidades feitas pelo autor da sucessão, independentemente de

estarem ou não sujeitas a colação tal estende-se no sentido de a imputação

respeitar a liberalidades sujeitas a colação, mas dela dispensadas.

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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 29

Consideram-se imputadas na quota indisponível:

As liberalidades sujeitas a colação e a ela trazidas, salvo na parte em que

excedam a quota do legitimário – art. 2108º/1

As liberalidades sujeitas a colação, se o sucessor repudiar a sucessão, sem ter

descendentes que o representem – art. 2114º/2

O legado em substituição da legítima e o legado por conta da legítima, salvo

em que excederem o valor da legítima subjectiva – art. 2165º/4

Consideram-se imputadas na quota disponível:

As liberalidades feitas a descendentes não sujeitas a colação – art. 2114º/1

As liberalidades em vida ou por morte feitas a terceiros – art. 2114º/1

As liberalidades sujeitas e trazidas à colação na parte em que excedam a

quota do legitimário – art. 2108º/1, a contrario

Os legados em substituição e por conta da legítima na parte em que excedam

a quota do legitimário – art. 2165º/4, a contrario

O pré legado – art. 2264º

E quanto às liberalidades feitas a presuntivos herdeiros legitimários em relação aos

quais o instituto da colação não funciona: cônjuge sobrevivo e ascendentes?

Poder-se-ia pensar que não estando a liberalidade sujeita a colação, nos termos do

art. 2114º/1, a imputação havia de ser na quota disponível. Contudo é necessário

atender que:

uma coisa é estar certa liberalidade sujeita a colação, mas dela ser

dispensada, seja por vontade do seu autor, seja por força da lei: o afastamento

da colação justifica a ilação de a liberalidade constituir um meio de avantajar

o donatário, visado pelo autor da sucessão ou por lei.

outra é ela não estar, em absoluto, sujeita a colação: a menos que do título da

liberalidade resulta a intenção de criar ao beneficiário uma posição

avantajada, o entendimento adequado é o de imputar a liberalidade feita a

legitimários não abrangidos pela colação na quota indisponível.

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 30

O HERDEIRO DONATÁRIO

O funcionamento conjugado das regras da colação e da imputação pode conduzir à

situação de a quota do legitimário – mesmo a sua quota hereditária – ser totalmente

preenchida com bens que recebeu por efeito de liberalidades que lhe foram feitas

pelo autor da sucessão e em vida deste.

Em tal caso, o legitimário ainda é herdeiro? Tendo essa qualidade é lhe aplicável o

correspondente regime?

Embora a sua posição hereditária esteja já realizada por atribuições recebidas em

vida do autor da sucessão, é na qualidade de herdeiro (e não de donatário) que elas

se lhe consideram feitas.

Contudo, nem por isso, deixa de fazer sentido, no regime de efeitos da sucessão, o

modo por que a posição sucessória do legitimário foi preenchida: o legitimário, neste

caso, não responde por dívidas:

Os bens que preenchem a sua quota não integram a herança para efeitos de

satisfação do passivo

Os dívidas acompanham os bens, que, do relictum, vão ser atribuídos aos

demais herdeiros tais bens entram na partilha pelo seu valor liquido, ou seja,

dando nelas como abatidas as dívidas

Exemplo

A (autor da sucessão)

Herdeiros: B C D (filhos de A)

Deixou bens no valor de 2.000

Passivo de 200

Doação, em vida, a B no valor de 900

O valor da herança para cálculo da legítima é de 2.700 (2.000 – 200 + 900)

O valor da Quota Indisponível é de 1.800 (2/3 de 2.700) e o da quota disponível de 900

(2.700 – 1. 800). Cada um dos filhos têm uma legítima subjectiva de 600 (1/3 de 1.800),

cabendo ainda a cada um 300 da quota disponível (900/3)

A doação feita a B, no valor de 900, preenche a sua quota hereditária (quota

indisponível (600) + quota disponível (300)), nada mais tendo a receber.

Deste modo, o valor liquido do relictum (2.000 – 200) ou seja 1800 é dividido pelos seus

irmãos, ocorrendo a igualação da partilha (1800/2 = 900). Bem vistas as coisas, C e D

recebem 1.000 ficando cada um responsável pelo pagamento de 100 da dívida.

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 31

II – TUTELA DA LEGÍTIMA

GENERALIDADES

Nos termos do art. 2163º proíbe-se o autor da sucessão de impor encargos sobre a

legítima e também de contra a vontade dos legitimários designar os bens que a hão-

de-integrar.

Deste modo, estabelece-se um Princípio de Intangibilidade da legítima do ponto de

vista qualitativo – e não meramente quantitativo – pois respeita para além do seu

valor, aos bens que devem caber ao legitimário e à qualidade desses bens, uma vez

que eles não podem ser onerados com encargos. Contudo, tal norma não pode ser

entendida em termos rígidos, uma vez que depois será atenuada pela cautela

sociniana e pelo legado em substituição da legítima.

A tutela da legítima é ainda assegurada sob o ponto de vista quantitativo, uma vez

que aos legitimários, no seu conjunto, e a cada um deles, em particular, é garantida

uma quota da herança, que não pode ser afectada pelo autor da sucessão – art.

2156º.

A forma de cálculo da legítima constitui, por si mesma, uma via de realização da sua

intangibilidade quantitativa, uma vez que pouco significativo seria este principio se o

autor da sucessão o pudesse atingir com atribuições patrimoniais gratuitas feitas por

acto entre vivos ou mortis causa.

De qualquer modo o regime de cálculo da legítima não constitui so por si uma tutela

eficaz da intangibilidade quantitativa, havendo que atribuir ao sucessor o direito de

atacar as atribuições gratuitas feitas pelo autor da sucessão, seja por acto inter vivos

seja mortis causa, quando, pelo seu valor, ultrapassem a quota disponível e atinjam a

legítima redução por inoficiosidade.

A CAUTELA SOCINIANA

Nos termos do art. 2164º, com ressalva da proibição genérica constante no art. 2163º,

permite-se ao testador, mesmo quando tenha sucessíveis legitimários, deixar a outrem

um usufruto ou constituir a favor de alguém uma pensão vitalícia que, em qualquer

dos casos, atinja a legitima.

Aqueles sucessíveis não ficam inteiramente indefesos perante tal tipo de disposição

testamentária, assegurando-lhes a chamada cautela sociniana um meio de contra

ela reagir. Deste modo, a tutela que este mecanismo assegura aos legitimários não

consiste em manter a intangibilidade da legítima (não existem meios para se opor à

disposição testamentária) mas atribui-se, em alternativa, e à sua opção exclusiva, o

direito de adoptar um de dois comportamentos perante a disposição do testador:

Cumprir o legado, ou seja, consoante os casos, admitir o usufruto ou pagar a

pensão vitalícia.

Entregar ao legatário a quota disponível

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DIREITO DAS SUCESSÕES – DA SUCESSÃO EM PARTICULAR FDUCP

Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Página 32

Cabe aqui ao legitimários, perante as circunstâncias do caso, avaliar qual das

soluções é para ele a menos gravosa, uma vez que segundo o comportamento de

uma pessoa normal, não deixara de selecionar a que se lhe afigure mais favorável.

Perante o silencio da lei, havendo uma situação de contitularidade (vários legitimários)

o entendimento correcto é o de recorrer ao regime da compropriedade – art. 1404º

PROF. OLIVEIRA ASCENSÃO: apesar de o art. 2164º se referir a duas modalidades de

encargos, o professor entende que tal norma poderá ser alargada a outros encargos,

como seja o caso da substituição fideicomissária.

LEGADO EM SUBSTITUIÇÃO DA LEGÍTIMA

Neste caso, são pelo testador atribuídos, ao herdeiro legitimário, a título de legado, os

bens que ele vai receber.

No legado em substituição da legítima a vontade do autor da sucessão é a de dispor,

a favor do legitimário, de bens determinados que substituem a sua quota legitimária –

art. 2165º/1.

Note-se que a vontade do testador não é de todo determinante na fixação do

herdeiro legitimário, uma vez que a este é concedida a liberdade de optar por uma

de duas soluções: aceitar o legado ou a legítima, sendo que a aceitação de um

importa o repúdio de outro – art. 2165º/2.

Note-se que a liberdade reconhecida ao legitimário, quanto à aceitação do legado

ou da legítima, não pode ser exercida em termos de afectar o direito de outros

sucessores, a quem interessa saber por que bens afinal opta o legitimário. Deste modo,

caso o legitimário atrase a opção aplica-se o art. 2049º. Feita a notificação, se o

herdeiro nada declarar considera-se que ele aceita o legado – art. 2165º/3.

Aceitando o sucessor o legado, tem direito a recebe-lo mesmo que exceda o valor da

quota legitimária – art. 2165º/4. A imputação começa por ser feita na legitima

subjectiva do legitimário; a parte excedente da quota do legitimário é imputada na

parte disponível da herança, enquanto esta o comportar.

O legado em substituição da legítima está sujeito a redução se, ultrapassando a quota

hereditária do legitimário a quem é atribuído, chegar a atingir a legitima de outros.

Se o legado for inferior ao valor da legítima subjectiva do legitimário, mas este, mesmo

assim aceitar o legado, perde igualmente o direito à sua legitima. Se tal acontecer, a

parte da legitima objectiva deixada livre cabe aos outros legitimários, se os houver,

que a recebem por efeito do direito de não acrescer. Não havendo outros

legitimários, a legitima objectiva fica limitada ao valor do legado e a parte livre passa

a considerar-se disponível.

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Qual a verdadeira posição do legitimário que aceita o legado: herdeiro ou legatário?

Se o legitimário aceitar o legado não pode deixar de se admitir que recebe bens

determinados, o que aponta para a sua qualificação como legatário, mas por outro

lado, estes são lhe atribuídos em substituição da sua quota legitimaria e neste sentido

a titulo de quota, pelo que a sua situação seria a de herdeiro. Deste modo participa

de certo modo em ambos os regimes: herdeiro e legatário.

Por outro lado, se da quota disponível restar algo, e o legado em substituição não

esgotar a quota hereditária do legitimário, também não existe razão, em face da

posição defendida quanto à verdadeira autonomia da sucessão legitimaria, para o

beneficiário do legado em substituição da legitima não concorrer com os demais

herdeiros legitimas na sua atribuição.

LEGADO POR CONTA DA LEGÍTIMA

Neste caso, o testador faz uma atribuição de bens a certo legitimário para estes serem

levados em conta (imputados) na sua quota legitimaria, ou seja o testador designa

bens para preencher essa quota – art. 2163º caso do herdeiro ex re certa

Embora o CC não se ocupe especificamente destas modalidade de legado, ele não

pode deixar de se considerar admitido em função do art. 2163º.

Deste modo, em si mesmo, o legado é válido, mas não pode ser imposto ao

legitimário, ficando, a sua eficácia dependente da aceitação deste.

O legitimário é inteiramente livre de aceitar ou repudiar o legado:

Se aceitar, nem por isso perde a qualidade de herdeiro legitimário, tendo em

consequência direito a preencher a sua quota legitimaria com os bens que

para alem do legado sejam necessários para a integrar.

Ou seja, o legado por conta interfere com o aspecto qualitativo da legitima e não

com o seu aspecto quantitativo.

Se a quota disponível não estiver esgotada, o legitimário a quem foi feito um legado

por conta tem direito de a ela concorrer com os demais herdeiros legítimos.

Em suma, a aceitação do legado não lhe faz perder a sua qualidade de herdeiro,

ainda que possa implicar a consequência de o legitimário, aceitando-a, passar a

participar de alguns pontos do tratamento do legitimário. Deste modo, faz sentido

qualifica-lo como herdeiro legatário.

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A REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE: NOÇÃO

A garantia quantitativa da legítima não pode bastar-se com a proibição de o autor

da sucessão fazer, em vida ou por morte, disposições patrimoniais gratuitas que a

ofendam. É necessário que caso tais atribuições se verifiquem seja assegurado aos

sucessores legitimários um meio de contra elas reagir e de reintegrar a legítima

redução por inoficiosidades

São inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos

herdeiros legitimários – art. 2168º.

A ofensa quantitativa da legítima pode ser analisada de dois pontos de vista:

Objectivo: respeita à quota indisponível no seu todo

Subjectivo: respeita à quota legitimária de cada de sucessor

A tutela quantitativa da legítima abrange ambas as situações, pelo que a

inoficiosidade pode-se verificar em relação a atribuições feitas a sucessíveis não

legitimários ou em relação a terceiro, que não entre, sequer, na sucessão, mas

também a um herdeiro legitimário.

Note-se que com a aferição das atribuições patrimoniais gratuitas interfere igualmente

o regime da imputação, pelo que só por via desta operação, e uma vez ela feita, se

sabe, em definitivo, se certa disposição é ou não inoficiosa.

Verificando-se uma situação de inoficiosidade, aos herdeiros legitimários é

reconhecido o direito (potestativo) de redução da liberalidade violadora da legítima

em tanto quanto for necessário para esta ser preenchida – art. 2169º. Note-se que a

redução poderá anda ser requerida pelos sucessíveis dos herdeiros legitimários.

O direito de redução deve ser judicialmente exercido e dentro do prazo de dois anos

e conta-se da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário – art. 2178º. Decorrido o

prazo caduca a acção de redução, sendo que em rigor o que caduca é o direito à

redução.

Note-se que é nulo o acto jurídico de renúncia em vida do autor da sucessão relativo

ao direito de redução das disposições inoficiosas – art. 294º.

A REDUÇÃO POR INOFICIOSOADE: REGIME JURÍDICO; ORDEM DE REDUÇÃO

Coloca-se o problema de saber se a redução obedece a uma ordem específica

sempre que existam varias liberalidades e estas, no seu conjunto, afectem a legitima.

Sendo que em qualquer dos casos qualquer uma delas, em abstracto, pode ser tida

por inoficiosa é necessário determinar qual delas deve ser efectivamente reduzida, ou

sendo varias as afectadas por que ordem.

Nestes casos atende-se à natureza da disposição e se necessário e justificado, ao

tempo em que ela foi feita, estabelecendo-se uma ordem de redução – art. 2171º a

2173º.

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Ordenação das Liberalidades

Disposições testamentárias a título de herança

Disposições testamentarias a título de legado

Disposições feitas em vida

se a reintegração da legítima se puder obter, no todo, à custa das atribuições

testamentárias a título de herança, sendo estas várias, a redução faz-se

proporcionalmente ao seu valor – art. 2172º/1.

Ou seja, só se passa à redução dos legados se, no seu todo, a das disposições a título

de herança não assegurar a plena reintegração da legítima.

Devendo vários legados ser atingidos, mais uma vez a redução quanto elas realizar-se-

á na proporção do seu valor – art. 2172º/1.

Contudo, estas regras possuem dois desvios:

O primeiro dá relevância à vontade do autor da sucessão, podendo este,

consequentemente, estipular que determinadas disposições devem produzir

efeito de preferência a outras – art. 2172º/2. Tal disposição é válida e significa

que as disposições a que foi atribuída a preferência só são reduzidas se o valor

integral das restantes não assegurar o preenchimento da legítima.

O segundo desvio, de fonte legal, estabelece preferência idêntica para as

deixas remuneratórias qualquer que seja a sua natureza – art. 2172º/3. Deste

modo, estas serão reduzidas em último lugar.

As liberalidades feitas em vida do autor da sucessão só são atingidas pela reduçao por

inoficiosidades quando o valor das testamentárias (a título de herança e de legado)

não assegure o preenchimento da legítima.

Sendo esse o caso, a redução das liberalidades decorrentes de actos inter vivos faz-se

segundo a sua data, começando-se pela última, ou seja, pela mais recente em

relação ao momento da abertura da sucessão.

Se tiverem de ser reduzidas liberalidades feitas em vida, que constem do mesmo título

ou que tenham a mesma data, a sua redução far-se-á quanto a elas, rateadamente,

ou seja na proporção do seu valor – art. 2173º/1 primeira parte.

Note-se que releva a natureza remuneratória da liberalidade, que goza de

preferência nos mesmos termos das deixas testamentárias de igual natureza – art.

2173º/2 segunda parte.

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A REDUÇÃO POR INOFICIOSIADADE: REGIME JURÍDICO; MODO COMO OPERA

Em princípio, a redução é feita em espécie, se tal for possível – art. 2174º e 2175º. Se

assim não puder acontecer a redução faz-se em valor.

Teoricamente, a redução tende a projectar-se apenas sobre uma parte dos bens que

são objecto da liberalidade, tendo o legislador prestado uma atenção especial à

natureza divisível e indivisível dos bens deixados ou doados – art. 2174º/1 e 2

Contudo, essa diferente natureza dos bens é irrelevante se a redução abranger um

bem determinado no seu todo. Deste modo, o art. 2174º/1 e 2 só releva quando a

redução implique o fracionamento do bem deixado ou doado.

Se o bem for divisível, a redução por inoficiosidade determina a separação do

bem atingindo da parte necessária para reintegrar a legítima – art. 2174º/1

Se o bem for indivisível, tal operação não é viável, pelo que é necessário

atender ao valor da parte que devia ser separada:

Se essa parte exceder metade do valor do bem, este pertence, no seu

todo, ao herdeiro legitimário, que deverá entregar ao legatário ou

donatário o restante valor em dinheiro – art. 2174º/2 primeira parte

Se o valor da parte a reduzir for inferior a metade do valor do bem, o

legatário ou o donatário manterá o seu direito ao mesmo, pagando

então ao legitimário, em dinheiro, a parte correspondente ao valor da

redução – art. 2174º/2 segunda parte

Regime Particular – Caso de a Redução Respeitar a Quantia Despendida

Gratuitamente a Favor de Herdeiros Legitimários: a reposição do valor será feita em

dinheiro – art. 2174º/3. Operando a redução, se a pessoa que, segundo a ordem

estabelecida, dever suportar o encargo da redução for insolvente, daí não resulta a

responsabilidade dos demais – art. 2176º

A redução mediante a reposição em espécie não é possível se os bens em causa

tiverem perecido, qualquer que seja a causa do seu perecimento ou tiverem sido

alienados ou onerados. O beneficiário da liberalidade sujeita a redução responde, em

dinheiro, pelo preenchimento da legítima até ao valor daqueles – art. 2175º. Neste

caso, a insolvência da pessoa a quem cabe o encargo da redução não determina a

responsabilidade dos demais – art. 2176º.

À semelhança do que se verifica na colação, o donatário sujeito à redução é

considerado como possuidor de boa fé até à data do pedido de redução – art. 2177º.

Deste modo, faz seus, nessa qualidade, os frutos da coisa doada, e quanto às

benfeitorias, é-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime consagrado no

art. 1273º a 1275º.

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III – DOS HERDEIROS LEGATÁRIOS E DA SUA LEGÍTIMA

Existem três classes de sucessíveis, consoante concorram à sucessão:

Cônjuge e descendentes

Cônjuge e ascendentes

Cônjuge isolado

Note-se que quanto à adopção plena que o adoptante e o adoptado, bem como os

ascendentes do primeiro e os descendentes do segundo são herdeiros legitimários uns

dos outros. Não tem qualquer relevância na sucessão legitimária a adopção restrita –

art. 1996º/1 e art. 1999º/1.

SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DESCENDENTES – PRIMEIRA CLASSE DE SUCESSÍVEIS

Podem verificar-se duas situações:

Vocação do cônjuge e descendentes

A quota indisponível, independentemente do número de filhos, é de 2/3

da herança – art. 2159º/1

Valendo as regras da sucessão legítima, a quota indisponível é dividida

entre o cônjuge e os descendentes, em principio, por cabeça:

Havendo mais de três filhos o cônjuge tem direito a ¼ da quota

indisponível (1/4 de 2/3 = 2/12 = 1/6 da herança)

Havendo mais de três filhos e tendo em consideração que o

cônjuge tem direito a 1/6 da herança, repartem-se entres os

filhos os restantes ¾ da quota indisponível (3/4 de 2/3 = 6/12 =

1/2 da herança). Deste modo, havendo 4 filhos cada um

recebe 1/8 da herança (1/2: 4 = ½ x ¼)

Vocação de descendentes: a quota indisponível depende do número de

filhos.

Existindo apenas um filho, o valor da quota indisponível é de ½ da

herança

Existindo dois ou mais filhos, o valor da quota indisponível é de 2/3 da

herança e a divisão faz-se por cabeça.

Os descendentes do segundo grau e seguintes têm direito à legítima que caberia aos

seus ascendentes, sendo a parte de cada um a que lhes for atribuída segundo as

regras da sucessão legítima – art. 2160º. Ou seja, tais descendentes só são chamados

representativamente, fazendo-se a partilha por estirpes ou subestirpes, e dentro de

cada uma, por cabeça.

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SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DOS ASCENDENTES- SEGUNDA CLASSE DE SUCESSÍVEIS

É necessário distinguir entre:

O cônjuge e os ascendentes

Se o cônjuge concorrer na sucessão com os ascendentes, qualquer seja

o grau destes, a quota indisponível é de 2/3 da herança – art. 2161º/1

Cônjuge tem direito a 2/3 da quota indisponível (2/3 de 2/3 = 4/9 da

herança) – art. 2142º/1

Os ascendentes têm direito a 1/3 da quota indisponível (1/3 de 2/3 = 2/9

da herança) – art. 2142º/1 a divisão faz-se por cabeça. Importa não

esquecer que ao chamamento dos ascendentes preside a regra da

preferência de grau de parentesco, valendo tal tanto para o caso de

os ascendentes concorrem com o cônjuge, como para o de

sucederem sozinhos.

Os ascendentes isolados (art. 2142º/2): o valor da quota indisponível depende

do grau de parentesco dos chamados, sendo certo que a divisão da quota

indisponível entre os ascendentes, independentemente de qual for o caso, será

sempre feita por cabeça:

Se forem ascendentes do primeiro grau, o valor da quota indisponível é

de ½ da herança

Se os ascendentes forem do segundo grau ou seguintes, o valor da

quota indisponível é de 1/3 da herança

SUCESSÃO DO CÔNJUGE ISOLADO

Não existindo descendentes nem ascendentes do de cuius, o cônjuge sucede isolado.

A quota indisponível é de metade da herança – art. 2158º