direito dos contratos 20132

231
DIREITO DOS CONTRATOS Produzido por Carlos Affonso Pereira de Souza, Rafael Viola, Carolina Sardenberg Sussekind, Cristiano Chaves de Melo, Gisela Sampaio da Cruz, Laura Fragomeni e Monique Geller Moszkowicz Graduação 2013.2 FGV DIREITO RIO

Upload: saxnilsantos

Post on 25-Oct-2015

785 views

Category:

Documents


11 download

TRANSCRIPT

DIREITO DOS CONTRATOS

Produzido por

Carlos Affonso Pereira de Souza, Rafael Viola, Carolina

Sardenberg Sussekind, Cristiano Chaves de Melo, Gisela

Sampaio da Cruz, Laura Fragomeni e Monique Geller

Moszkowicz

Graduação 2013.2

FGV DIREITO RIO

Direito dos Contratos

2

SUMÁRIO:

Método de Avaliação .......................................... p. 03

Programa da Disciplina .......................................... p. 07

Roteiro das Aulas .......................................... p. 09

Direito dos Contratos

3

MÉTODO DE AVALIAÇÃO

A avaliação de desempenho do aluno na disciplina Direito dos Contratos será

realizada através do somatório de três notas, correspondentes às seguintes atividades: (i)

uma prova escrita a ser realizada no meio do semestre; (ii) uma prova escrita a ser realizada

na última aula do curso; além de (iii) um trabalho em grupo escrito e apresentado em sala

sobre contratos em espécie.

À primeira prova escrita será conferida nota de 0 (zero) a 10 (dez). A segunda prova

escrita, por sua, vez, valerá 07 (nove) pontos. Os demais 3 (três) pontos decorrem do

trabalho.

O aluno que obtiver nota inferior a 07 (sete) e superior ou igual a 04 (quatro)

pontos, deverá fazer uma prova final. O aluno que obtiver nota inferior a 04 (quatro) pontos

estará automaticamente reprovado na disciplina.

Para os alunos que fizerem a Prova Final, a média de aprovação a ser alcançada é 06

(seis) pontos, a qual será obtida conforme fórmula constante no Manual do Aluno / Manual

do Professor.

Direito dos Contratos

4

PROGRAMA DA DISCIPLINA:

Aula 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO

Parte I: Princípios Fundamentais do Direito dos Contratos

Aula 2: AUTONOMIA PRIVADA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Aula 3: CONTORNOS DA BOA-FÉ OBJETIVA

Aula 4: RELATIVIDADE E SUA FLEXIBILIZAÇÃO

Parte II: Teoria Geral dos Contratos

Aula 5: ANTES DO CONTRATO: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E CONTRATO PRELIMINAR

Aula 6: FORMAÇÃO DO CONTRATO

Aula 7: CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

Aula 8: INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS

Aula 9: VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO

Aula 10: REVISÃO DOS CONTRATOS

Aula 11: EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

Aula 12: ASPECTOS DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA

Parte III: Contratos em espécie

Aula 13: COMPRA E VENDA

Aula 14: COMPRA E VENDA (CLÁUSULAS ESPECIAIS)

Aula 15: DOAÇÃO

Aula 16: LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS

Aula 17: EMPRÉSTIMO - COMODATO

Aula 18: EMPRÉSTIMO – MÚTUO

Aula 19: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E EMPREITADA

Aula 20: DEPÓSITO

Aula 21: MANDATO

Aula 22: FIANÇA

Aula 23: SEGURO

Direito dos Contratos

5

ROTEIRO DAS AULAS:

Aula 1

Título: APRESENTAÇÃO DO CURSO

1. Caso Gerador:

O caso gerador narrado abaixo ilustra a conexão necessária entre as duas primeiras

disciplinas de Direito Civil lecionadas no curso de graduação (Introdução ao Direito Civil e

Obrigações e Responsabilidade Civil). A lide em questão foi baseada em caso julgado pelo

Superior Tribunal de Justiça. Com base nas lições apreendidas, e com a intuição natural do

bom profissional jurídico para descobrir onde estão os pontos controvertidos de um caso

concreto e, principalmente, para buscar a sua solução, leia a seguinte questão:

Três famílias de baixa renda viviam juntas, há mais de dez anos, em uma casa de

madeira construída em terreno de sua propriedade na sua periferia de Porto Alegre. Com

a expansão dos limites da cidade, uma empresa construtora procurou as três famílias com

interesse de construir no local um edifício de apartamentos. Em troca pela cessão do

terreno, as famílias receberiam dois apartamentos do edifício a ser construído. O contrato

foi devidamente celebrado entre as partes, formalizado em cartório, tendo ainda sido

oferecida em garantia do cumprimento do acordo, por parte da construtora, o imóvel onde

residia a família do proprietário da empresa.

As três famílias passaram a residir, de forma precária, na casa de amigos e

conhecidos. Os anos foram se passando e o edifício jamais foi construído. Após cinco anos

de espera, as três famílias ingressaram em juízo pleiteando que o imóvel dado em garantia

fosse levado a leilão para pagamento do valor relativo ao terreno, acrescido de eventuais

atualizações e indenização por dano moral decorrente do inadimplemento da construtora.

Nos autos do referido processo, o advogado da construtora alegou que o imóvel

dado em garantia não poderia ser objeto de execução, pois estaria protegido pelo regime

do “bem de família” (Lei n° 8.009/90).

Direito dos Contratos

6

Com base no caso acima responda:

(i) Quais princípios da teoria geral das obrigações e dos contratos estão envolvidos

na questão? Existe algum conflito entre os mesmos?

(ii) No caso narrado, como você decidiria o processo? Justifique a sua decisão com

argumentos jurídicos e com base na legislação pertinente.

O caso acima foi baseado na seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. BOA-FÉ.

Três famílias de baixa renda viviam juntas em uma pequena casa de madeira construída em

terreno de sua propriedade. Sucede que aceitaram permutá-lo por dois apartamentos a

serem edificados por uma empresa construtora, que deu em garantia do negócio

(formalizado em cartório) o imóvel em que morava a família do proprietário da firma,

sabidamente protegido pela Lei n. 8.099/1990. Desalojados, esperaram em vão pela

construção e, por onze anos, pelejaram em juízo, até que, às vésperas da praça, houve a

alegação de o imóvel dado em garantia ser bem de família. Isso posto, a Turma não

conheceu do especial, ao acompanhar o entendimento do Min. Relator de que, nessa

peculiar hipótese, a impenhorabilidade do bem de família há que ser tratada com

temperamentos, cedendo frente ao princípio da boa-fé. O Min. Relator anotou, também, não

se cuidar aqui do hipossuficiente que, impensadamente, dá seu bem impenhorável em

garantia de negócio (hipótese albergada pela jurisprudência), mas sim de parte que tinha

consciência do que estava fazendo. O Min. Carlos Alberto Menezes Direito, por sua vez,

aduziu, em apertada suma, que, diante desse específico cenário, é possível entrever a

renúncia à impenhorabilidade, renegada pelos Tribunais, mas incidente ao caso pela

peculiaridade da hipótese, e ao final, está-se, justamente, a proteger o bem de família

daqueles que foram lesados. Resp 554.622/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em

17/11/2005.

Direito dos Contratos

7

Parte I: Princípios Fundamentais do Direito dos Contratos

Aula 2

Título: AUTONOMIA PRIVADA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Ementário de temas: Autonomia Privada e Função Social do Contrato

Leitura obrigatória: MARTINS-COSTA, Judith. “Reflexões sobre o princípio da função

social dos contratos”, in Revista Direito GV nº 01 (maio/2005); pp. 41/66.

Leituras complementares: SALOMÃO FILHO, Calixto. “Função social do contrato:

primeiras anotações”, in Revista de Direito Mercantil nº 132; pp. 07/24. BUENO DE GODOY,

Cláudio Luiz. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 110/130.

1. Roteiro de aula:

Ao se iniciar o estudo da teoria e prática dos contratos, é fundamental ter-se em

mente a transição pela qual atravessa esse específico e importante campo do Direito Civil.

Tradicionalmente vinculada à soberania da vontade individual (autonomia da vontade),

insculpida nos preceitos que tutelam a liberdade contratual, a disciplina dos contratos

atualmente vê-se permeada por uma série de interesses que ultrapassam a vontade do

particular, gerando um debate sobre os limites da intervenção de dispositivos de ordem

pública na regulação das relações contratuais.

Pode-se, em linhas gerais, dizer que os princípios tradicionais, que fundamentaram a

construção clássica da teoria dos contratos são os seguintes: (i) autonomia privada (ou da

vontade); (ii) força obrigatória; e (iii) relatividade. Esses princípios encontram hoje diversas

áreas de flexibilização geradas pela ascensão de novos princípios contratuais, como (iv) a

função social do contrato; (v) a boa-fé objetiva; e (vi) o equilibrio econômico-financeiro da

relação contratual.

Todos os seis princípios acima mencionados serão trabalhados nas aulas a seguir.

Na presente aula será conferida atenção especial aos princípios da autonomia da vontade e

da chamada função social do contrato.

Direito dos Contratos

8

A autonomia privada pode ser entendida, segundo lição de Díez-Picaso e Gullón

como “o poder de se auto-ditar a lei ou preceito, o poder de governar-se a si próprio.”

Conforme complementam os mesmos autores:

“Poder-se-ia também defini-la como um poder de governo da própria esfera

jurídica, e como essa é formada por relações jurídicas, que são a causa da

realização de interesses, a autonomia privada pode igualmente conceituar-

se como o poder da pessoa de desregulamentar e ordenar as relações

jurídicas nas quais é, ou há de ser, parte.”1

O estudo da autonomia privada assume, na seara contratual, a forma da tutela da

liberdade contratual. Nesse particular é importante não confundir “liberdade de contratar”

com “liberdade contratual”. A primeira relaciona-se com o momento formativo da relação

contratual, isto é, com o grau de liberdade envolvida na decisão sobre concluir ou não um

contrato. Já a segunda diz respeito ao conteúdo do contrato.

Segundo Francesco Messineo, existem quatro significados para liberdade

contratual: (i) o fato de que nenhuma parte pode impor unilateralmente à outra o conteúdo

do contrato, e que esse deve ser o resultado de livre debate entre as partes; (ii) liberdade de

negociação, no sentido de que o objeto do contrato é livre, salvo bens indisponíveis e

exceções previstas no ordenamento; (iii) o poder de derrogar as normas dispositivas ou

supletivas; e (iv) o fato de que, em algumas matérias, é admitida a auto-disciplina, ou seja,

a regulação estabelecida pelas partes interessadas.2

Os alicerces sobre os quais se funda a liberdade de contratar podem ser encontrados

nos princípios elaborados pela Escola do Direito Natural, responsável por conferir

importância crescente à contratualidade, a partir do século XVI, sob a influência do

conceito de autonomia da vontade desenvolvido pelo Humanismo. O primado da vontade

individual é consolidado no século XVII, quando a própria existência da sociedade passa a

ser fundamentada no contrato. Essa tendência é explicita por John Gilissen:

1 Luis Diéz-Picaso e Antonio Gullón. Sistema de derecho civil. Madrid: Editorial Tecnos,

S.A., 1994, v. 1, p. 371. 2 Francesco Messineo. Il contratto in genere. Pádua: CEDAM, 1973, pp. 43 e 44.

Direito dos Contratos

9

“A Idade Média não reconhecia o primado da vontade individual; esta não

era respeitável senão nos limites da fé, da moral e do bem comum. Os

interesses da comunidade familiar, religiosa ou econômica, ultrapassam os

dos indivíduos que a compõem. (...) É à Escola Jusnaturalista que a

autonomia da vontade deve a sua autoridade, o seu primado. Mas foi

sobretudo o jurista holandês Hugo Grócio que desenvolveu a nova teoria: a

vontade é soberana; o respeito da palavra dada é uma regra de direito

natural; pacta sunt servanda é um princípio que deve ser aplicado não

apenas entre os indivíduos, mas mesmo entre as nações”.3

Após a consagração dos ideais da Revolução Francesa e a abolição dos privilégios

estamentais e corporativos, a promulgação do Código Napoleão em 1804 veio a positivar

explicitamente o primado da autonomia da vontade, na máxima de que “o contrato faz lei

entre as partes” (art. 1.134), a qual será traduzida na célebre frase de Fouillée: “quem diz

contratual diz justo”.

A conseqüência imediata desse cenário é a crescente importância conferida pela

doutrina contratualista do século XIX para a análise da manifestação da vontade e seus

vícios. Com a primazia da autonomia da vontade, interpretar o contrato tornou-se um

exercício de descobrimento das reais intenções das partes e das formas pelas quais elas

foram verbalizadas. Trata-se de uma verdadeira “mística da vontade”.

As restrições à liberdade contratual começam a surgir com a mudança do cenário

histórico, assegurando-se, inicialmente, maior igualdade de oportunidades no mercado, em

termos da proibição de discriminação em razão de gênero, raça, etnia. Posteriormente,

razões sociais passaram a determinar certas discriminações positivas, como o tratamento

mais protetivo às partes contratualmente mais vulneráveis (tais como o consumidor, o

idoso, o trabalhador).

Portanto, razões de justiça e equidade vieram a determinar a intervenção do Estado

sobre as relações contratuais, em um movimento que ficou conhecido como dirigismo

contratual. Trata-se da inserção, no ordenamento jurídico, de uma série de normas cogentes,

a delimitar os assuntos sobre os quais se pode contratar, em que limites se pode dispor de

3

John Gilissen. Introdução histórica ao direito. 2a ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 1995, pp. 738 e 739.

Direito dos Contratos

10

determinados direitos, e que cláusulas serão consideradas intrinsecamente abusivas e, por

conseguinte, nulas.

Segundo identifica Eros Roberto Grau:

“A mudança de perspectiva sobre a compreensão da autonomia da vontade

é, portanto, profunda: deixa-se de considerar o indivíduo como senhor

absoluto da sua vontade, para compreendê-lo como sujeito autorizado pelo

ordenamento a praticar determinados atos, nos exatos limites da

autorização concedida.”4

O mesmo diagnóstico dessa fase de transição é realizado por Gustavo Tepedino ao

afirmar que:

“Com o Estado intervencionista delineado pela Constituição de 1988

teremos, então, a presença do Poder Público interferindo nas relações

contratuais, definindo limites, diminuindo os riscos do insucesso e

protegendo camadas da população que, mercê daquela igualdade aparente

e formal, ficavam à margem de todo o processo de desenvolvimento

econômico, em situação de ostensiva desvantagem”.5

Todavia, a flexibilização da autonomia da vontade a preceitos contidos na legislação

não representa uma completa anulação desse princípio nas relações contratuais. Muito ao

reverso, a autonomia da vontade, e, mais especificamente, a liberdade contratual,

permanecem como princípio, e sua derivação respectivamente, a reger os vínculos

contratuais, agora atrelada à função social do contrato, consoante o disposto no art. 421:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da

função social do contrato.

Uma constatação de que a autonomia da vontade ainda desempenha papel de

destaque na formação dos contratos pode ser encontrado no art. 425 do Código Civil, o qual

determina que as partes poderão elaborar contratos atípicos, ou seja, contratos que não

seguem os modelos de contrato tipificados na legislação:

4 Eros Roberto Grau. “Um novo paradigma dos contratos”. In Revista Trimestral de Direito

Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 5, jan/mar 2001, p. 78. 5 Gustavo Tepedino. Temas de Direito Civil. 2a edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.

204.

Direito dos Contratos

11

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as

normas gerais fixadas neste Código.

A dinâmica existente entre autonomia da vontade e função social pode ser percebida

em alguns exemplos retirados da prática dos contratos de locação. Nesse sentido, vale

investigar os limites do direito de retomada do imóvel por parte do locador para uso

próprio. A lei de locações (Lei nº 8245/91) prevê, no seu art. 52, §1º, que o locador, salvo

se remunerar o locatário pelo fundo de comércio, não poderá exercer o mesmo ramo de

atividade desempenhado então pelo locatário. É a redação do artigo:

“Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: (...)

II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de

fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria

do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.

§1º - Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do

mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de

comércio, com as instalações e pertences”.

Ao interpretar o referido artigo, Fábio Ulhoa Coelho afirma que, em tela, está-se

diante de um conflito entre o direito de inerência ao ponto do locatário e o direito de

propriedade do locador. Conforme expressa o autor:

“Quando o direito de propriedade do locador entra em conflito com o

direito de inerência a ponto do locatário, está em oposição uma simples

oposição de interesses privados, individuais.”6

Complementa então o autor afirmando que a restrição ao direito de retomada,

constante do art. 52 seria inconstitucional, pois imporia restrições ao direito de propriedade.

Essa é justamente a espécie de situação em que a ampla autonomia da vontade cede

espaço para mandamentos constantes da lei, impondo a preservação de determinados

interesses. Ao afirmar que o dispositivo que veda o restabelecimento do locador no negócio

desenvolvido pelo locatário, o legislador não confronta o direito de propriedade, mas o

funcionaliza. Nessa direção, o artigo tutela não apenas a função social da propriedade, mas

6 Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial, v. I. São Paulo, Saraiva, 4ªed., 2000; p.

103.

Direito dos Contratos

12

também a função social do contrato de locação, que se transforma em incentivo para que

locatários desenvolvam cada vez melhores negócios, seguros de que não sofrerão a

retomada do imóvel sob o argumento de uso próprio para que o locador venha a se

aproveitar o trabalho realizado no ponto.

Cláusulas de não restabelecimento, ou cláusulas de não concorrência, atualmente

desempenham importante papel na configuração dos limites da autonomia da vontade nos

contratos. A cláusula de não-concorrência pode ser decorrência natural da venda de um

negócio, principalmente nos casos em que seja necessário assegurar ao comprador as

condições necessárias para que este usufrua integralmente dos benefícios diretos e indiretos

da aquisição. A referida cláusula, todavia, deve ser razoavelmente delimitada, no tempo, no

espaço e no setor relevante.

O próprio código civil estabelece que, salvo estipulação em contrário, na aquisição

de estabelecimentos empresariais o alienante não poderá concorrer com o comprador pelo

prazo de cinco anos. Essa é a redação do art. 1147 do Código Civil:

Art. 1147. Não havendo autorização expressa, o alienante do

estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos 5 (cinco)

anos subseqüentes á transferência.”

Ainda na dinâmica dos estabelecimentos empresariais, e mais especificamente nos

shopping centers, as cláusulas de não concorrência assumem a feição de cláusulas de raio,

sendo comum que no contrato de locação com a empresa que administra o shopping center

conste uma cláusula que veda a abertura de estabelecimento idêntico ao que o lojista

explora no shopping por uma certa distância especificada no contrato.

2. Caso gerador:

A administradora do Shopping Iguatemi, localizado na cidade de Porto Alegre, tem

figurado na imprensa por conta de um litígio instaurado com a cadeia de farmácias

Panvel. Segundo consta das notícias veiculadas, ela teria ingressado com ação de despejo

contra a empresa que explora a farmácia Panvel localiza no shopping por conta da

Direito dos Contratos

13

abertura de uma outra farmácia Panvel no shopping Bourbon Country, construído

posteriormente e praticamente vizinho do terreno onde se localiza o shopping Iguatemi.

Alega a administradora do Shopping Iguatemi que a abertura de uma farmácia

Panvel no shopping vizinho representaria violação da cláusula de raio estabelecida no

contrato de locação. Vale ressaltar que no shopping Bourbon Country também foram

abertas lojas das redes O Boticário e McDonalds.

Se você fosse o juiz dessa ação judicial, como seria a sua decisão? Fundamente.

Fonte: http://www.portoimagem.com

Shopping Bourbon Country Iguatemi Shopping

Direito dos Contratos

14

Aula 3

Título: CONTORNOS DA BOA-FÉ OBJETIVA

Ementário de temas: As três funções da boa-fé objetiva – Os deveres anexos de conduta –

Proibição do comportamento contraditório

Leitura obrigatória: TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. “A Boa-Fé Objetiva no

Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil”, in Gustavo Tepedino (org.)

Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005;

pp. 29/44.

Leituras complementares: NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro:

Renovar, 2002; pp. 115/153. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Insuficiências, deficiências

e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos”, in

Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 148/158.

1. Roteiro de aula:

A boa-fé tradicionalmente figura como elemento dos estudos jurídicos quando se

deve investigar se o indivíduo possui ou não ciência sobre uma determinada condição,

como, por exemplo, se o individuo conhece, ou não, um vício que macula a sua posse

sobre determinado terreno. Essa perspectiva da boa-fé convencionou-se denominar boa-

fé subjetiva.

Existe, todavia, uma outra forma de atuação da boa-fé no direito brasileiro,

denominada boa-fé objetiva, a qual foge de qualquer ilação sobre um estado de espírito

do agente para se fixar em uma análise voltada para critérios estritamente objetivos.

As três funções da boa-fé objetiva

É comum delimitar-se três funções típicas desempenhadas pela boa-fé objetiva no

direito brasileiro. Sendo assim, pode-se definir a função tríplice da boa-fé objetiva da

seguinte forma:

A boa-fé objetiva desempenha inicialmente um papel de critério para a interpretação

da declaração da vontade nos negócios jurídicos. Essa função é prevista no art. 113 do novo

Código Civil:

Direito dos Contratos

15

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e

os usos do lugar de sua celebração.

Esse dispositivo ganha relevo ao indicar que a primeira função da boa-fé objetiva é

dirigir a interpretação do juiz ou árbitro relativamente ao negócio celebrado, impedindo que

o contrato seja interpretado de forma a atingir finalidade oposta àquela que se deveria

licitamente esperar.

A boa-fé objetiva atua ainda como forma de valorar o abuso no exercício dos

direitos subjetivos, conforme consta do art. 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-

lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou

social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

E, por fim, a boa-fé objetiva é, ainda, norma de conduta imposta aos contratantes,

segundo o disposto no art. 422 do Código Civil:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do

contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

A função desempenhada pela boa-fé objetiva a partir do dispositivo no art. 422 é,

sem dúvida, a sua atuação mais comentada pela doutrina e da qual mais se vale a

jurisprudência dos tribunais nacionais.

Os deveres anexos de conduta

O motivo pelo qual a terceira função da boa-fé objetiva recebeu tamanho destaque

deriva justamente do seu próprio conteúdo: impor às partes contratantes deveres objetivos

de conduta, que não necessariamente precisam constar do instrumento contratual para que

possam ser cobrados e cumpridos. Tratam-se dos chamados deveres secundários, ou

anexos, aos quais todas as partes de um negócio devem manter estrita observância.

Essa caracterização da boa-fé objetiva como a disposição de deveres de conduta

que as partes devem guardar difere frontalmente daquela concepção clássica de boa-fé

subjetiva, ligada a um estado psicológico do agente.

Direito dos Contratos

16

Os deveres secundários impostos pelo art. 422 foram gradativamente sendo

construídos pela doutrina e pela jurisprudência, podendo-se mesmo falar em quatro deveres

básicos: (i) dever de informação e esclarecimento; (ii) dever de cooperação e lealdade; (iii)

deveres de proteção e cuidado; (iv) dever de segredo ou sigilo.

Todavia, diversas derivações podem surgir desses quatro deveres básicos, como

bem explicita Judith Martins-Costa, os deveres secundários podem abranger um vasto leque

de condutas que deverão ser observadas pelas partes, como, por exemplo:

“a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do

depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem

acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e

esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca

das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a

satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro de avisar a

contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao

paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos

efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-

contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro

contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração

negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito

das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal

(CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao

mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe

aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de

colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto

adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de

não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção

e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever

do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento

comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os

riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de

guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão

do contrato ou de negociações preliminares.”7

A imposição desses deveres se reveste de papel fundamental para a ordenação dos

contratos na prática, uma vez que se busca, com a sua afirmação, proteger um bem que se

encontra na própria essência da contratação: a confiança. Por esse motivo, o enquadramento

7 Judith Martins-Costa. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p. 439.

Direito dos Contratos

17

legal da boa-fé objetiva sempre se mostrará atrelada à tutela da confiança, sobretudo no que

diz respeito à aplicação desse princípio aos casos de responsabilidade pré-contratual.

Mas a redação do art. 422 não está afastada de qualquer espécie de crítica. Muito ao

reverso, Antonio Junqueira de Azevedo afirma que a redação do art. 422 se mostra

insuficiente, deficiente e desatualizada perante às exigências da prática contratual moderna.

Segundo o autor, o artigo seria insuficiente em sua redação pois não deixa claro se os seus

dispositivos constituem norma cogente ou meramente dispositiva, além de não mencionar

as fases pré e pós-contratuais para fins de responsabilização. O artigo seria ainda deficiente

por não prever de forma explícita quais são os chamados deveres anexos. E, por fim, o

dispositivo seria desatualizado pois confere poderes desmesurados ao juiz para interferir

nas relações contratuais, abrindo possibilidade para se incrementar a sobrecarga de

processos que impede o regular funcionamento do Poder Judiciário, além de não serem os

juizes tradicionalmente preparados para decidir casos nos quais figurem contratos de

extrema especialidade técnica. Nesse sentido, menciona o autor, a época atual estaria

passando do paradigma do juiz para o paradigma do árbitro.8

A proibição de comportamento contraditório

A proibição do comportamento contraditório representa uma das principais

contribuições dos estudos sobre boa-fé objetiva para a prática contratual. O instituto possui

especial aplicação na fase de negociações que antecede a formação do contrato, coibindo as

partes de frustrar expectativas legitimamente criadas no pólo contrário das negociações.

A expressão nemo potest venire contra factum proprium consolida a idéia de que a

ninguém é permitido agir contra a sua própria conduta prévia. Trata-se da reprovação social

à adoção de comportamentos contraditórios com efeitos perniciosos a terceiros.

O fundamento do venire contra factum proprium, como visto, reside no princípio da

boa-fé objetiva, especialmente na sua vertente voltada para a tutela da confiança. A

8 Antonio Junqueira de.Azevedo. “Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto

de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos”, in Estudos e Pareceres de

Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 148/158

Direito dos Contratos

18

ausência de regulamentação no direito positivo não impede a aplicação do instituto, o qual

vem sendo amplamente utilizado para casos de responsabilidade pré-contratual. A doutrina,

contudo, tem adotado entendimento no sentido de que a proibição de comportamento

contraditório derivaria do preceito contido no art. 3o, I, da Constituição Federal, o qual

consagra a solidariedade social.9

Os pressupostos para aplicação do venire contra factum proprium, de acordo com

Anderson Schreiber, são os seguintes: (i) um factum proprium,; (ii) a geração na outra parte

de confiança legítima no sentido de manutenção da conduta inicialmente adotada; (iii) um

comportamento contraditório violador desta confiança; e (iv) dano ou ameaça concreta de

dano derivado da contradição.10

A proibição de comportamento contraditório surge, portanto, em casos em que a

conduta adotada por uma das partes gera legítimas expectativas na outra parte, as quais

terminam por serem quebradas. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul decidiu favoravelmente a agricultores uma ação com base na quebra das

expectativas geradas por uma empresa especializada na fabricação de extratos de tomates,

uma vez que a empresa tinha por hábito entregar-lhes sempre as sementes para plantio, e

comprar o resultado da posterior colheita. No ano em que a empresa entregou as sementes e

não comprou a colheita, os agricultores alegaram ter sofrido prejuízos pela quebra de

expectativas geradas pela empresa. Segundo consta do acórdão em questão:

“Tanto basta para demonstrar que a ré, após incentivar os produtores a

plantar safra de tomate – instando-os a realizar despesas e envidar esforços

para plantio, ao mesmo tempo em que perdiam a oportunidade de fazer o

cultivo de outro produto – simplesmente desistiu da industrialização do

tomate, atendendo aos seus exclusivos interesses, no que agiu dentro do seu

poder decisório. Deve, no entanto, indenizar aqueles que lealmente

confiaram no seu procedimento anterior e sofreram o prejuízo.”11

9 Anderson Schreiber. A proibição de comportamento contraditório – Tutela da Confiança

e Venire Contra Factum Proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; p. 101. 10

Anderson Schreiber. Ob. cit.; p. 124. 11

TJRS, Ap. 591028295; j. em 06/06/91.

Direito dos Contratos

19

A aplicação da vedação ao comportamento contraditório surge na complementação

do voto vencedor, ao afirmar que, no caso, “confiaram eles lealmente na palavra dada, na

repetição do que acontecera em anos anteriores.”

2. Caso gerador:

Caso nº1:

No dia 23 de abril de 2004, Bruno e Elizabeth, um casal de namorados que residia no

apartamento 303, do prédio de nº 45, na Avenida Vieira Souto, tiveram uma discussão

acalorada. Não se sabe ao certo o motivo da discussão, mas o fato é que o casal foi

encontrado morto, no dia seguinte, pelo porteiro do prédio. O caso ainda hoje é um mistério

para as autoridades policiais. Todos os jornais de circulação na cidade divulgaram por

alguns dias a notícia da tragédia e as suas eventuais repercussões.

O fatídico apartamento 303 era alugado. O locador, Antônio Mathias, tomou o cuidado de

reformar todo o apartamento depois da tragédia. “Foi uma medida mais espiritual do que

estética” – chegou a declarar para os amigos. Depois de concluída a reforma, nada mais

naquele apartamento lembrava a existência do casal.

Mas Antônio estava resolvido a vender o imóvel. Passado algum tempo, conseguiu comprar

um outro imóvel e para lá se mudou, colocando o apartamento 303 para ser vendido através

dos classificados de um grande jornal.

Dois dias depois, Francisco e Carolina, um casal de namorados, foi visitar o apartamento.

Eles logo se encantaram com a vista e com as condições para a compra do imóvel. Depois

de providenciada toda a documentação, foi devidamente lavrada a escritura de compra e

venda do imóvel, que agora passava a ser de legítima propriedade de Francisco.

Numa manhã de domingo, ao retornar de uma caminhada na praia, Carolina encontra no

elevador com uma moradora do prédio. A senhora, sem muita cerimônia, ao perceber que

Carolina nada sabia sobre a tragédia do 303, trata de prontamente relatar todo o evento à

nova moradora.

Atordoada com a notícia, a jovem corre para contar ao namorado sobre os eventos

transcorridos em seu apartamento há menos de dois anos atrás. Francisco, indignado com a

má-fé de Antônio, imediatamente contata o seu advogado. Na segunda-feira, após reunião

com seu advogado, Francisco está certo de que o negócio será anulado através de decisão

judicial e pretende ingressar com a medida na mesma semana.

Com base no caso acima, responda:

(i) Existe algum princípio da teoria das obrigações e dos contratos aplicável ao caso

concreto?

Direito dos Contratos

20

(ii) Se você fosse o juiz desse caso, como seria a sua decisão? A venda do

apartamento 303 pode ser anulada com fundamento na tragédia ocorrida com

Bruno e Elizabeth? Justifique.

O presente caso foi baseado na decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na

Apelação Cível nº 6421/2004, rel. Des. Maldonado de Carvalho; j. em 31.04.2004.

Caso nº 2:

Jean-Michel adquiriu em abril de 2001 um carro Citröen Xsara, com todos os acessórios

possíveis, fabricado no próprio ano. Nas semanas seguintes à aquisição de seu novo

automóvel, Jean-Michel vivia por conta do carro: só conversava com os amigos sobre o

carro, só lia revistas especializadas no assunto e até mesmo criou uma comunidade no orkut

para congregar felizes proprietários do automóvel.

Todavia, o entusiasmo de Jean-Michel não foi duradouro. Passados três meses da compra

do veículo, a montadora lançou no mercado uma nova linha estilizada de automóveis

Citröen Xsara. O carro de Jean-Michel, que ontem mesmo era o automóvel do ano daquela

marca, agora era simplesmente mais um modelo anterior, ainda que do mesmo ano de 2001.

Revoltado com a conduta do funcionário da concessionária Citröen na qual o veículo foi

adquirido, que não revelou ao mesmo que uma nova versão estilizada do carro seria lançada

naquele mesmo ano, ele ingressou com ação judicial pleiteando, dentre outras coisas, a

anulação do contrato celebrado com a concessionária pela configuração de defeito no

negócio jurídico.

A ação judicial movida por Jean-Michel deve ser julgada procedente?

O caso acima é uma adaptação do Agravo de Instrumento 693303/DF, julgado pelo

Superior Tribunal de Justiça.

3. Questões de concurso:

20º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase

3. Estabeleça a distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, dando exemplos de

situações caracterizadoras de cada uma dessas modalidades de boa-fé.

21º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase

3. Um náufrago, perdido em alto-mar, em uma balsa, em situação desesperadora, a

quase míngua de víveres e água, contrata o seu resgate com um comandante de navio de

Direito dos Contratos

21

transporte de combustível que passava providencialmente no local nessa ocasião, sob a

promessa de transferir-lhe a propriedade de vultoso apartamento, metade de seu

patrimônio. O comandante assim o faz, mesmo sabendo da proibição peremptória de

estranhos a bordo por parte da companhia proprietária do navio, que terá que pagar

pesada multa contratual pessoal pelo descumprimento de tal regra e do fato que o

resgate, efetuado em condições arriscadas, atrasará a viagem em pelo menos um dia,

acarretando diversos prejuízos a seu encargo.

Chegando são e salvo ao porto, o náufrago posteriormente recusa-se a cumprir o

pactuado no resgate, sob o argumento de que o contrato efetuado em tais condições não

é válido e que conseqüentemente também não é devida ao comandante do navio

qualquer indenização pelos gastos incorridos com o resgate. Estabeleça se o

comandante do navio terá êxito judicial em uma eventual ação contra o náufrago

objetivando o cumprimento do contrato e o ressarcimento dos gastos efetuados.

6 - João e Pedro celebram a compra e venda de um fundo de comércio por R$

300.000,00 (trezentos mil reais) descrevendo condicionalmente no instrumento

contratual que a aquisição teve por motivo determinante a perspectiva de boa e

numerosa freguesia, garantida e apontada pelo vendedor Pedro no próprio contrato.

Decorridos seis meses, não se caracteriza tal perspectiva. João intenta agora anular o

negócio. Estabeleça qual o fundamento de tal pretensão e discorra sobre se terá êxito

judicial ou não a pretensão de João.

128º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase

23. Sobre a boa-fé objetiva, é INCORRETO afirmar:

(a) implica o dever de conduta probo e íntegro entre as partes contratantes.

(b) significa a ignorância de vício que macula o negócio jurídico.

(c) implica a observância de deveres anexos ao contrato, tais como informação e

segurança.

(d) aplica-se aos contratos do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

Direito dos Contratos

22

Gabarito: 23 (b).

Direito dos Contratos

23

Aula 4

Título: RELATIVIDADE E SUA FLEXIBILIZAÇÃO

Ementário de temas: Flexibilização do princípio da relatividade

Leitura obrigatória: NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Rio de Janeiro: Renovar,

2002; pp. 229/259.

Leituras complementares: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Os princípios do atual

direito contratual e a desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações

contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do

terceiro que contribui para o inadimplemento contratual”, in Estudos e Pareceres de Direito

Privado. São Paulo: Saraiva, 2004; pp. 137/147. CORREIA, A. Ferrer. “Da responsabilidade

do terceiro que coopera com o devedor na violação de um pacto de preferência”, in Estudo

de Direito Civil, Comercial e Criminal. Coimbra: Almedina, 1985; pp. 33/52.

1. Atividade em sala:

O contrato é um fenômeno social, econômico e jurídico. Sendo assim, imaginar que

a celebração de um contrato apenas interessa às partes contratantes, seria desconsiderar os

verdadeiros impactos que um contrato pode ter na própria sociedade. Terceiros não apenas

afetam o cumprimento de um contrato, como também podem ser afetados pelos termos que

regem uma relação contratual.

Dessa forma, surgem duas situações bem distintas: (i) o credor que vê a prestação

do contrato ser inadimplida por conta da atuação de um terceiro, estranho ao pactuado na

relação contratual; e (ii) um terceiro que passa a sofrer algum prejuizo em sua situação

jurídica por conta de um inadimplemento em contrato do qual o mesmo não faz parte.

A extensão desse transbordamento dos efeitos de uma relação contratual para atingir

pessoas não previamente constantes da avença é o objeto de discussão da presente aula. A

partir da leitura da reportagem abaixo, buscar-se-á compreender nessa aula a conturbada

relação entre os contratos e os terceiros.

Direito dos Contratos

24

Tendo em vista que a agência África não fazia parte do contrato entre o cantor Zeca

Pagodinho e a cervejaria Schincariol, poderia a referida agência ser acionada

judicialmente? Qual seria o fundamento dessa ação? E como enquadrar juridicamente o

comportamento do cantor?

A proposta da aula é dividir os alunos em dois grupos, um defendendo a posição da agência

Fischer América, e outro defendendo a posição da agência de publicidade África. O caso da

troca de anunciantes pelo cantor Zeca Pagodinho é interessante para que os alunos

compreendam uma série de derivações não apenas do princípio da relatividade (“o contrato

apenas tem efeito entre as partes contratantes”), como também do princípio da boa-fé

objetiva.

Direito dos Contratos

25

No que tange à possibilidade de se ingressar com ação contra a agência África, que não

fazia parte do contrato entre o cantor e a cervejaria Schincariol, veja-se a decisão do TJSP:

Na decisão conjunta dos Agravos de Instrumento 346.328.4/5 e 346.344.4/8, em 31 de

março de 2004, Relatada pelo Desembargador Roberto Mortari, a 7ª Câmara de Direito

Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão que proibira a Brahma de

veicular qualquer campanha publicitária estrelada por Zeca Pagodinho enquanto

vigorasse a cláusula de exclusividade que este havia assumido perante a Schincariol:

"ainda que a AMBEV não tenha sido signatária do contrato entre Zeca Pagodinho e

Schincariol, sua conduta, ao deixar de observar o pacto de exclusividade nele contido, é

potencialmente apta a gerar dano indenizável, o que, se de um lado deverá ser alvo de

regular contraditório na ação principal a ser proposta, lhe confere, ao menos por ora,

status para figurar no pólo passivo da demanda".

Direito dos Contratos

26

Parte II: Teoria Geral dos Contratos

Aula 5

Título: ANTES DO CONTRATO: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL E CONTRATO PRELIMINAR

Ementário de temas: Responsabilidade civil pré-contratual - Contrato Preliminar

Leitura obrigatória: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. “Responsabilidade Pré-Contratual

no Código de Defesa do Consumidor: Estudo comparativo com a responsabilidade pré-

contratual no direito comum”, in Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo:

Saraiva, 2004; pp. 173/183.

Leituras complementares: LOBO, Carlos Augusto da Silveira. “Contrato Preliminar”, in

Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (org). O Direito e o Tempo. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009; pp. 313/324.

1. Roteiro de aula:

Os negócios jurídicos, em geral, são precedidos por uma fase de entendimentos, de

negociações, comumente denominada de “tratativas”. Nessa fase do contrato que ainda há

de nascer as eventuais partes de uma futura relação contratual discutem como melhor

compor os seus interesses para a formação do contrato. A negociação de um contrato é

objeto de estudos que ultrapassam o universo estritamente jurídico e alcançam a seara das

técnicas e estratégias de negociação, amplamente difundidas através de diversas

publicações e cursos especializados.12

Pode ocorrer, todavia, que as negociações não cheguem ao estágio de formação do

contrato. É natural que alguma eventualidade ocorra e que uma das partes tenha que

abandonar as tratativas. Contudo, existem hipóteses em que a própria fase pré-contratual

gera para as então futuras partes de um contrato uma vinculação capaz de gerar danos caso

seja rompida de forma injustificada.

12

Nesse sentido, vide, por todos, Robert Mnookin. Beyond Winning: Negotiating to Create

Value in Deals and Disputes. Cambridge: Harvard University Press; 2000.

Direito dos Contratos

27

O rompimento injustificado de negociações é apenas uma das hipóteses da chamada

responsabilidade pré-contratual. Note-se que nesse momento ainda não existe contrato e

que o vínculo existente entre as partes não se baseia na reciprocidade de obrigações

devidamente contratadas, mas sim na tutela de um bem cada vez mais relevante para a

prática contratual no direito brasileiro: a confiança.

Responsabilidade pré-contratual

A responsabilidade pré-contratual, ou culpa in contrahendo, se distancia das duas

espécies tradicionais de responsabilização uma vez que não pode ser enquadrada como

responsabilidade contratual, pois que contrato ainda não existe, e nem mesmo figurar como

responsabilidade extra-contratual pois existe um vínculo prévio entre as partes que a

diferencia da situação peculiarmente encontrada na chamada responsabilidade aquiliana

(extra-contratual).

Nesse terceiro gênero de responsabilização, portanto, pode-se encontrar uma

interação voltada para a formação de um futuro contrato. Esse vínculo específico

caracteriza a responsabilidade pré-contratual. Esse vínculo impõe aos indivíduos o dever de

não frustrar as expectativas legitimamente criadas pelos seus próprios atos. A partir desse

entendimento surgirá a tutela da confiança aplicada à proibição do comportamento

contraditório (venire contra factum proprium). Claramente esse vínculo existente entre as

partes surge de um imperativo da boa-fé objetiva, princípio da moderna teoria contratual, já

estudado em aulas anteriores. É, portanto, a tutela da confiança o fundamento da

responsabilidade pré-contratual.

Especificamente no que diz respeito ao rompimento das tratativas, Regis Fichtner

Pereira identifica quatro hipóteses características dessa forma de responsabilização: (i)

quando ocorre a ruptura injustificada das tratativas; (ii) quando, no desenvolvimento das

negociações, um dos interessados cause dano à pessoa ou ao patrimônio do outro; (iii)

quando tenha ocorrido o estabelecimento de contrato nulo ou anulável e um dos

interessados conhecia, ou deveria conhecer, o vício no negócio jurídico; (iv) quando,

Direito dos Contratos

28

mesmo instaurada a relação jurídica contratual, das negociações preliminares tenham

surgido eventuais danos a serem indenizados. 13

Vale destacar que, mesmo sendo uma terceira forma de responsabilidade, apartada

das tradicionais responsabilidades contratual e extra-contratual, a responsabilidade pré-

contratual não prescinde da análise dos elementos comumente necessários para qualquer

pleito de responsabilidade civil, ou seja, a conduta culposa de uma das partes da

negociação, o dano causado e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Sendo a responsabilidade pré-contratual uma derivação do princípio da boa-fé

objetiva (tutela da confiança) no direito brasileiro, torna-se imediata a conclusão de que as

violações que geram esse tipo de responsabilidade são violações aos chamados deveres

secundários (ou anexos), típicos da composição do princípio da boa-fé objetiva.

Esses deveres acessórios são basicamente os quatro a seguir destacados: (i) dever de

informação e esclarecimento; (ii) dever de cooperação e lealdade; (iii) deveres de proteção

e cuidado; (iv) dever de segredo ou sigilo.

O primeiro dever secundário (dever de informação e esclarecimento) tem por

objetivo tornar as comunicações típicas da negociação claras e transparantes, tudo de forma

a evitar que a parte contrária venha a incidir em erro na manifestação de sua vontade.

O dever de cooperação e lealdade, por seu turno, impõe que as partes apenas

permaneçam nas tratativas enquanto possuam um interesse sério e legítimo na formação de

um futuro contrato, contando, ainda, com situação jurídica e econômica apta para o seu

cumprimento.

O dever de proteção e cuidado comanda às partes a observância de todas as

precauções possíveis e razoáveis para que a parte contrária não venha a ser lesionada nas

tratativas e no futuro contrato.

13

Regis Fichtner Pereira. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual – Teoria Geral e

Responsabilidade pela Ruptura das Negociações Contratuais. Rio de Janeiro: Renovar,

2001. p. 102.

Direito dos Contratos

29

O quarto e último dever secundário, ou seja, o dever de sigilo tem por escopo

assegurar que as informações obtidas pelas partes durante as negociações sejam mantidas,

salvo disposição em contrário, e de forma razoável, em regime de estrita confidencialidade,

não sendo as mesmas utilizadas para fins outros que venham a ser estranhos à conclusão do

contrato.

Contrato Preliminar

O contrato está celebrado e perfeito quando coincidem as vontades dos contratantes

em um mesmo ponto e para a obtenção de certos efeitos14

. No entanto, até o momento da

convergência das manifestações de vontades dos contratantes, decorrem uma série de

momentos e atos preparatórios e sucessivos15

até se alcançar o perfeito consenso e

formação do contrato com a aceitação da proposta.

É comum, todavia, que em razão do avanço das negociações, em que as partes

acordem sobre objeto, que se ajuste um contrato em que se determina a celebração de outro

contrato. A esse tipo contratual denomina-se contrato preliminar ou pactum de

contrahendo. Por esse contrato as partes se obrigar a celebrar um futuro contrato chamado

de contrato definitivo.

Esse contrato é usualmente utilizado quando não se mostra conveniente às partes

celebrar o contrato de forma definitiva, seja pela necessidade de algum fato futuro

(liberação da carta de crédito junto à uma instituição financeira), seja porque o pagamento

será realizado de modo parcelado.

Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA1 é “aquele [contrato] por via do qual

ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que

será contrato principal”.

ORLANDO GOMES2, por sua vez o define como a “convenção pela qual as partes

criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia de

contrato que projetaram”.

14

PEREIRA DA SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense,

2006. 15

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Direito dos Contratos

30

Ainda no mesmo sentido, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO16

o define

como a “convenção provisória, contendo os requisitos do art. 104 do Código Civil e os

elementos essenciais do contrato (res, pretium e consensum), tem por objeto concretizar um

contrato futuro e definitivo, assegurando pelo começo de ajuste a possibilidade de ultimá-lo

no tempo oportuno”.

Podemos distinguir o contrato preliminar do principal, então, pois o objeto deste é

uma prestação substancial, enquanto que o daquele é concluir outro contrato (obrigação de

fazer).

Os requisitos do contrato preliminar são aqueles inerentes à qualquer outro negócio

jurídico, conforme preceitua o art. 104 do Código Civil: capacidade das partes, objeto,

forma e declaração de vontade.

No que diz respeito à capacidade das partes, é preciso que além da capacidade

gnérica para a prática dos atos da vida civil (art. 3º e 4º), os contraentes tenham a

capacidade específica para a celebração do contrato futuro4, sob pena de inviabilizar a

execução específica do contrato preliminar. Dessa forma, por exemplo, o leiloeiro jamais

poderá prometer comprar os bens de cuja venda esteja encarregado (art. 497 do CC)

Quanto ao objeto, além da necessidade dele ser lícito, possível, determinado ou

determinável, devem ser observadas as regras atinentes ao contrato principal. Sendo assim,

na promessa de venda, por exemplo, é necessário que as partes acordem na coisa e no

preço.

No que concerne à forma, é preciso tecer alguns comentários. Antes do advento do

Código Civil de 2002, discutia-se muito a necessidade do instrumento público quando o

contrato ao qual se reportava o pactum de contrahendo assim o exigisse. Para alguns a

forma do contrato preliminar deveria ser a mesma forma do definitivo, enquanto que para

outros a forma era autônoma em relação à do contrato a ser celebrado2.

O Código Civil, entretanto, pôs fim à celeuma doutrinária e jurisprudencial em seu

art. 462. Determina o artigo que o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter

todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. O dispositivo clarifica a

16

MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil. Direito das

obrigações 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2007.

Direito dos Contratos

31

problemática explicitando que o pré-contrato não está sujeito à forma do contrato

definitivo. Podemos concluir, portanto, que ainda que o contrato definitivo exija forma

pública, será válido o pré-contrato celebrado mediante instrumento particular.

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os

requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado

Cumpre ressaltar, por fim, que em tema de contrato preliminar, prevalece o

princípio da liberdade da forma (art. 107 c/c 462 do CC). Nesse sentido, parece existir

contradição entre o artigo em análise e o parágrafo único do art. 463. Esse último

dispositivo determina que o contrato preliminar deve ser levado ao registro competente.

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo

antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das

partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra

para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

A interpretação dos dispositivos, todavia, não suscita maiores dúvidas. O registro do

contrato preliminar só deverá ser observado quando as partes tiverem interesse em levá-lo

ao conhecimento de terceiros, como determina o art. 221 do Código Civil. Nesse sentido, é

o enunciado 30 da I Jornada de Direito Civil.

Enunciado 30 – A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código Civil

deve

ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros.

O art. 463 do Código Civil prevê que, realizado o contrato preliminar sem que dele

conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes poderá exigir a celebração do

contrato definitivo. Para tanto deverá assinar prazo ao outro contraente, que será aquele

previsto no contrato ou, em sua ausência, prazo razoável para o cumprimento do pactuado.

Direito dos Contratos

32

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo

antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das

partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra

para que o efetive.

E caso haja recusa de uma das partes? Nessa hipotése poderá o contratante,

mediante requerimento ao juiz, exigir o cumprimento forçado do contrato preliminar. Em

outras palavras o inadimplente é compelido a executar o contrato especificamente2,

determinando o juiz que o efeito do pré-contrato se produza, independentemente do seu

consentimento. Ou seja, o juiz suprirá a vontade da parte que descumpriu o pactum de

contrahendo e a sentença judicial equivalerá ao próprio contrato que era a pestação ajustada

no preliminar1. Essa é a solução aventada pelo Código Civil no seu art. 464 e que está em

perfeita consonância com o princípio da execução específica das obrigações e do moderno

processo civil (art. 461, 461-A, 639 e 641 do CPC).

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade

da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se

a isto se opuser a natureza da obrigação.

O dispositivo, no entanto admite uma exceção: quando, pela natureza da obrigação,

for impossível conferir caráter definitivo ao contrato preliminar. O artigo em comento

refere-se aos casos de obrigações personalíssimas ou intuitu personae em que o fato devido

pelo devedor só poderá ser prestado pelo próprio. Nas hipóteses de obrigações infungíveis

ou em que não haja mais interesse do credor na realização do contrato, a este só restará

exigir perdas e danos, conforme informa o art. 465 do mesmo diploma legal.

Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra

parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

Registre-se, por oportuno, que esta solução é subsidiária, pois que a tutela específica

das obrigações é a que melhor alcança o interesse do credor.

Direito dos Contratos

33

2. Questões de concurso:

20º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase

4. Uma grande empresa privada abre um processo seletivo para preenchimento do cargo

de Diretor de Relações Externas. Um candidato é selecionado. As partes acordam o

salário, demais condições de contratação e é fixada a data para a admissão.

Intempestivamente, sem motivar, a empresa desiste da contratação. O candidato ajuíza

em face dela ação de danos materiais e morais. Discorra sobre a fundamentação jurídica

dessa pretensão e sua possibilidade de êxito judicial.

22º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase

5 - Disserte sobre o instituto da responsabilidade civil pré-contratual, no rompimento

abrupto das negociações durante as tratativas para a celebração de um contrato, e estabeleça

a validade ou não desta no ordenamento brasileiro a partir da aprovação do Novo Código

Civil.

Direito dos Contratos

34

Aula 6

Título: FORMAÇÃO DOS CONTRATOS

Ementário de temas: Momento da formação do contrato – Algumas peculiaridades da

disciplina da oferta

Leitura obrigatória: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – vol. III

– contratos. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004; pp. 36/48.

Leituras complementares: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 17ª ed.,

1996; pp. 57/70. FISCHER, Breno. Dos Contratos por Correspondência. Rio de Janeiro:

José Konfino, 1956; pp. 77/164.

1. Roteiro de aula:

Um contrato se forma no momento em que as vontades declaradas tornam-se

coincidentes. Trata-se do chamado acordo de vontades. Caso a lei não determine que a

forma da manifestação do contrato seja expressa, a vontade poderá se manifestar também

de forma tácita.

A declaração de vontade inicial para a formação do contrato chama-se proposta ou

oferta. O seu emissor é denominado proponente ou policitante. A declaração que

corresponde à parte contrária é denominada aceitação. O seu emissor é denominado

aceitante ou oblato. Da integração entre proposta e aceitação nasce o vínculo contratual.

A oferta é a manifestação unilateral de vontade que uma das partes dirige a outra

visando à celebração do contrato. Caracteriza-se por ser uma declaração receptícia de

vontade, uma vez que é dirigida a outra parte para que a aceite.

É importante que a proposta seja séria, evitando-se o mero espírito de emulação,

uma vez que ela, guardados determinados requisitos, vincula o emissor ao seu

cumprimento.

A aceitação, por sua vez, é a manifestação de vontade através da qual o destinatário

de uma oferta declara sua aceitação aos termos da proposta, formando assim o contrato

entre as partes.

Direito dos Contratos

35

Momento da formação do contrato

Existem diversas teorias que visam a delimitar um momento específico para a

formação do contrato entre partes que não estejam simultaneamente presentes para

manifestar a sua vontade. Pode-se identificar, pelo menos, dois grandes sistemas que

apontam o momento de formação da relação contratual: o sistema da cognição e o sistema

da declaração.

De acordo com o sistema da cognição, o contrato torna-se perfeito no momento em

que o proponente tem efetivo conhecimento da aceitação da proposta. Nos contratos

epistolares, isso faz com que o mesmo não se forme enquanto o proponente leia a

mensagem que confirma o aceite.

A principal vantagem desse sistema reside na restrição ao fato de que alguém venha

a ser vinculado a contrato sem o seu conhecimento. Todavia, as suas desvantagens parecem

sobrepujar a referida vantagem, uma vez que se torna muito dificultoso estabelecer um

momento preciso para a formação do vínculo contratual. Adicionalmente, esse sistema

confere poder desmesurado ao proponente, que pode postergar a ciência do aceite.17

O segundo sistema, denominado “da declaração”, por sua vez, se divide em três

teorias: (i) teoria da declaração propriamente dita; (ii) teoria da expedição; e (iii) teoria da

recepção.

A primeira teoria, também chamada de teoria da simples aceitação, considera o

contrato formado no instante em que o oblato declara a sua vontade no sentido de aceitar a

proposta. Segundo essa teoria, independe a formação do contrato tanto da expedição do

aceite como de seu conhecimento pelo proponente. Novamente existe dificuldade em

precisar com exatidão o momento de formação do contrato.

Cumpre ressaltar que a definição de um momento a partir do qual se considera o

contrato formado é essencial para uma série de obrigações decorrentes da relação

contratual, como, por exemplo, o prazo para cumprimento de uma prestação.

17

Orlando Gomes. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 17ª ed., 1996; p. 68.

Direito dos Contratos

36

O inconveniente dessa teoria é retratado de forma contundente por Orlando Gomes

ao afirmar que o oblato “ao escrever a carta de aceitação, concluiria o contrato; destruindo-

a, o desfaria; tudo isso sem que o proponente tivesse sequer a possibilidade de saber o que

se passa.”18

A teoria da expedição, ao reverso, considera o contrato formado não quando o

oblato aceita, mas sim quando a aceitação é expedida. A principal vantagem dessa teoria

reside no fato de retirar do aceitante o desfazimento, a todo e qualquer momento, do

contrato, sem qualquer conhecimento do proponente. Essa foi a teoria adotada pelo Código

Civil, no seu art. 434, restando como exceção a previsão do art. 433, que trata da retratação

do aceite já expedido, a qual será regida pela terceira teoria desse sistema, a chamada teoria

da recepção.

Segundo a teoria da recepção, a manifestação de vontade do aceitante apenas forma

o contrato quando o proponente recebe o aceite, independentemente do seu conhecimento.

Essa teoria vigora no direito brasileiro para fins de retratação, ou seja, o contrato não será

formado se a retratação chegar ao proponente antes ou simultaneamente à aceitação. Aqui

não importa o conhecimento de ambas as manifestações de vontade: basta que a retratação

seja recebida em conformidade com o artigo 433 do Código Civil.

Os mencionados dispositivos estão assim redigidos:

Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela

chegar ao proponente a retratação do aceitante.

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a

aceitação é expedida, exceto:

I - no caso do artigo antecedente;

A dinâmica entre teoria da expedição para o aceite e teoria da recepção para a

retratação tem interesse especial para as contratações realizadas através de e-mail, uma vez

que as manifestações de vontade são expressas de forma muito mais ágil, mas, por outro

lado, ficam suscetíveis, ao bom funcionamento da rede informática e dos servidores de

18

Orlando Gomes. Ob. cit.; p. 69.

Direito dos Contratos

37

correio eletrônico. Essa possibilidade será explorada na aula destinada à contratação

realizada através de meios eletrônicos.

Algumas peculiaridades da disciplina da oferta

O Código Civil prevê no art. 427 que a “proposta do contrato obriga o proponente,

se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do

caso”. Esse dispositivo será utilizado por parte da doutrina para dividir a fase pré-contratual

em dois momentos: a “fase da oferta” e a “fase das negociações”, variando o seu regime de

responsabilização por rompimento das tratativas.19

A proposta deixará de ser obrigatória, todavia, nas circunstâncias previstas no art.

428, quais sejam: (i) se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita; (ii)

se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta

ao conhecimento do proponente; (iii) se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a

resposta dentro do prazo dado; e (iv) se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao

conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

O Código de Defesa do Consumidor tornou ainda mais abrangente os efeitos da

oferta nas relações de consumo. Segundo prevê o art. 35 do CDC, o fornecedor de produtos

ou serviços não poderá deixar de cumprir o constante da oferta, seja ela formal, seja por

simples publicidade ou apresentação do produto.

Dessa forma, a mera existência de oferta permite ao consumidor o direito de optar

dentre as seguintes situações: (i) exigir o cumprimento forçado da obrigação, conforme foi

ofertado; (ii) aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; (iii) rescindir o

contrato, com direito à restituição de qualquer quantia antecipada, somada a perdas e danos.

Essa disciplina destacada da oferta nas relações de consumo será importante para

criticar o art. 26 do projeto de lei n 4906/2001, que trata do momento da formação do

contrato nas relações de consumo estabelecidas através da Internet. A transferência do

19

Judith Martins-Costa. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais;

2000; p. 510.

Direito dos Contratos

38

momento da formação do contrato para o eventual envio de aviso de recebimento por parte

do fornecedor tiraria do consumidor a oportunidade de exigir especificamente a prestação

avençada, conforme previsto no art. 35 do CDC. Bastaria ao fornecedor não enviar o aviso

de recebimento do aceite que não haveria qualquer contrato formado.

Essas são hipóteses que conferem importância ao estudo do momento da formação

das relações contratuais e fazem com o que o mesmo não seja um mero descortinar de

teorias, mas que tenha grande relevância prática.

2. Questões de concurso:

27º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase

14. Se a proposta contiver prazo para a resposta e esta, embora expedida dentro do

prazo, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, o

contrato:

(a) Não se forma, mesmo que o policitante não dê conhecimento ao oblato de que não

houve o aperfeiçoamento do contrato;

(b) Se forma, arcando o proponente com perdas e danos, caso não comunique o

ocorrido ao aceitante;

(c) Se forma, devido a teoria acolhida pelo Código Civil no artigo 434;

(d) Se forma, arcando o responsável pelo atraso com perdas e danos.

Concurso para o cargo de Analista Processual do Ministério Público da União (2004)

59- Sob o ângulo de sua formação, o contrato com declarações intervaladas é aquele em

que:

(a) deixa de ser obrigatória a proposta se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi

imediatamente aceita;

(b) a oferta não obriga o proponente que, depois de tê-la feito, se arrepender desde que a

retratação chegue à ciência do oblato antes da proposta ou ao mesmo tempo que ela;

Direito dos Contratos

39

(c) se estabelece prazo para a esfera da resposta a uma oferta feita;

(d) na hipótese de ser o oblato ausente, o proponente deverá aguardar um lapso de

tempo suficiente para que a oferta chegue ao destinatário, calculando-se o tempo

conforme o meio de comunicação;

(e) a proposta é obrigatória ao policitante.

Gabarito: 14 (a); 59 (d).

Direito dos Contratos

40

Aula 7

Título: CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

Ementário de temas: Contratos típicos ou nominados – Contratos atípicos ou inominados

- Contratos mistos - Contratos bilaterais - Contratos unilaterais - Contratos consensuais -

Contratos formais ou solenes - Contratos reais - Contratos onerosos - Contratos gratuitos -

Contratos comutativos - Contratos aleatórios - Contratos de execução imediata ou

instantâneos - Contratos de duração ou de trato sucessivo - Contratos pessoais ou intuitu

personae - Contratos impessoais - Contrato individuais e coletivos

Leitura obrigatória: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009; pp.

83/108.

Leituras complementares: RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008;

pp. 65/112.

1. Roteiro de aula:

A classificação decorre da necessidade de ordenação e clareza das idéias. Ela se dá

por meio da organização, em categorias comuns, dos fenômenos que costumam surgir de

maneira esparsa e desordenada no cotidiano. Através da classificação é possível diferenciar

e analisar as especificidades de cada tipo contratual.

Contratos típicos ou nominados.

Diz-se contratos típicos os que, além de possuírem nome próprio (nomen juris), que

os distingue dos demais, contituem objeto de regulação específica. São, portanto, aqueles

em que suas regras disciplinadoras são deduzidas de maneira precisa nos códigos ou nas

leis (como, por exemplo, compra e venda, doação, leasing etc).

Contratos atípicos ou inominados.

São aqueles em que, em razão da liberdade de contratar, foram criados fora dos

modelos traçados na lei. Com razão, a mente humana é fértil e capaz de elaborar os mais

variados tipos negociais para alcançar os mais variados efeitos. Seria impossível ao

Direito dos Contratos

41

legislador prever todos os tipos contratuais. A atipicidade significa ausência de tratamento

legislativo específico.

O Código Civil, em seu art. 425, autoriza a criação de novos contratos, desde que

submetidos os preceitos do referido diploma legal.

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas

gerais fixadas neste Código.

Contratos mistos.

Denominam-se mistos aqueles contratos nos quais se reúnem elementos de dois ou

mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei1. Resultam da combinação de vários

tipos contratuais previstos em lei aliados a atipicidade.

Contratos bilaterais.

No que concerne à presente classificação, é necessário fazer algumas observações

acerca da concepção de bilateral. Isto se deve ao fato de que, em sua formação, todos os

contratos são bilaterais. Com efeito, todo contrato é um negócio jurídico bilateral, pois

implica em duas manifestações de vontades. Portanto, falar em contrato bilateral no sentido

subjetivo seria uma redundância.

Todavia, no que diz respeito aos efeitos, os contratos podem ser bilaterais ou

unilaterais. Bilateral é o contrato em que se criam obrigações para ambas as duas partes. A

característica fundamental do contrato bilateral é o sinalaga, ou seja, a existência de

prestações correlatas. Trata-se, em verdade, da correspectividade das prestações. Nesse tipo

de contrato, uma prestação é a causa da outra. Deixando de existir uma, por conseguinte,

deixa de existir a outra.

Doutrina, ainda, faz ressalva acerca de uma outra espécie contratual. Seriam os

contratos bilaterais imperfeitos. Nesses contratos, criam-se obrigações para uma só das

partes, contudo, é possível que surjam obrigações para o outro contratante

supervenientemente à celebração do contrato. A diferença reside no fato de que, enquanto

nos contratos bilaterais as obrigações são recíprocas e existem desde a formação, nos

Direito dos Contratos

42

bilaterais imperfeitos, a obrigação de um dos contratantes surge no curso da execução. Os

contratos bilaterais imperfeitos se subordinam às regras dos contratos unilaterais.

Contratos unilaterais.

São aqueles em que, no momento da formação, geram obrigações para somente uma

das partes.

Contratos consensuais.

Chama-se consensual o contrato que se torna perfeito e acabado por efeito exclusivo

da integração das duas vontades. Em outras palavras, formam-se exclusivamente pelo

acordo de vontades. Essa, aliás, é a regra nos contratos, conforme preceitua o art. 107 do

Código Civil: a liberdade das formas.

Contratos formais ou solenes.

São aqueles contratos em que não basta o mero acordo de vontades para sua

formação, mas ao invés, depende de uma formalidade exigida em lei. Ou seja, só se

aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma exigida em lei.

É preciso distinguir, entretanto, os contratos formais ad solemnitatem dos contratos

formais ad probationem. Nos primeiros a formalidade é da própria essência do contrato e a

sua inobservância implica, diretamente, na invalidade do negócio jurídico, de acordo com o

art. 104 do Código Civil. Exemplo de contrato formal ad solemnitatem é a fiança (art. 819

do CC).

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva

Já nos contratos formais ad probationem, a formalidade é exigida somente para a

prova do contrato. O contrato não é formal, mas a formalidade é imposta como técnica

probatória. Nesses, o contrato produz seus efeitos, embora só possa ser provado pela forma

especificada em lei. Cumpre ressaltar que, ainda que não se tenha realizado o contrato pela

forma especificada em lei, é possível a demonstração de sua existência por todos os meios

de prova admitidos em direito no curso do processo, sob pena de cerceamento de defesa

Direito dos Contratos

43

(art. 5º, LVI da CRFB/88 c/c art. 332 do CPC). Lembre-se que o art. 221, parágrafo único

admite que a prova do instrumento particular pode suprir-se por outras de caráter legal.

Exemplo desse tipo de contrato é o depósito voluntário (art. 646 do CC).

Art. 646. O depósito voluntário provar-se-á por escrito.

Contratos reais.

São os contratos que se perfazem com a entrega da coisa. Em outras palavras,

somente com a traditio se forma o contrato. São exemplos desse contrato o mútuo, o

depósito e o comodato.

Contratos onerosos.

São aqueles contratos em que cada uma das partes visa a obter vantagem. Nesses,

ambas as partes obtém proveito, ao qual, corresponde um sacrifício. Diz-se, portanto, que

os contratos onerosos são bilaterais.

Contratos gratuitos.

Chamam-se gratuitos os contratos em que somente uma das partes obtém proveito.

É o contrato em que um contratante aufere vantagens ao passo que o outro suporta o

encargo.

A importância da distinção diz respeito às conseqüências práticas. Nos contratos

gratuitos, a interpretação é sempre restritiva (art. 114 do Código Civil). São, ainda, tratados

com maior rigor, pois podem implicar em fraude contra credores (art. 158 e 159 do Código

Civil).

Em regra os contratos gratuitos são unilaterais, todavia, ORLANDO GOMES

lembra uma hipótese de contrato unilateral oneroso: mútuo feneratício. Não obstante, existe

doutrina que determina se tratar, em verdade, de um contrato bilateral.

Direito dos Contratos

44

Contratos comutativos.

Nesses contratos, a relação entre vantagem e sacrifício é equivalente. Em outras

palvras, as prestações das partes são conhecidas previamente existindo, por conseguinte,

um equilíbrio entre as prestações.

Contratos aleatórios.

Denominam-se aleatórios os contratos em que os contraentes não podem antever

ambas as prestações com certeza absoluta. Há uma incerteza para as duas partes sobre se a

vantagem esperada será proporcional ao sacrifício. Existe, portanto, um risco, uma álea. A

vantagem dessa contratação é que, por envolver um risco, o valor a ser pago pelo

contratante será menor. Importante é que haja absoluta incerteza quanto ao resultado final

da contratação e falta de equivalência entre as prestações.

O risco ou álea, pode dizer respeito ou a própria existência da coisa ou sobre sua

quantidade. No primeiro caso o contratante assume o risco da coisa sequer vir a existir.

Dessa forma, o preço será devido ainda que nada venha a existir. Trata-se da emptio spei,

prevista no art. 458 do Código Civil. Exemplo clássico é da compra de uma colheita, ainda

que nada seja colhido.

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros,

cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito

de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha

havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.

Por outro lado, se o risco for somente da quantidade, estaremos falando da emptio

rei speratae. Nesse caso, caso nada venha a existir, o preço será restituído à parte que

assumiu o risco. No entanto, caso venha a existir alguma coisa, ainda que em quantidade

inferior à esperada, o preço será devido. Invocando o exemplo da colheita, o adquirente

assume o risco, somente, da quantidade, mas alguma colheita terá que existir, sob pena de

resolver-se o contrato retornando ao status quo ante, conforme dispõe o art. 459 do Código

Civil.

Direito dos Contratos

45

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o

adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também

direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido

culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o

alienante restituirá o preço recebido.

O risco pode dizer respeito, ainda, a coisas existente, porém expostas ao risco de

perecimento ou deterioração. Neste caso, se o adquirente assumiu o risco, o preço será

devido, ainda que a coisa venha a se perder ou deteriorar, conforme preceitua o art. 460 do

Código Civil. No entanto, o art. 461 do mesmo diploma legal afirma que caso o alienante

tenha agido com dolo (conhecia da consumação do risco), o contrato poderá ser anulado.

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas

a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o

preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.

Art. 461. A alienação aleatória a que se refere o artigo antecedente poderá ser

anulada como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante não

ignorava a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa.

Contratos de execução imediata ou instantâneos.

São os contratos em que a solução se efetua de uma só vez e por prestação única.

Nesses, a prestação pode ser realizada num só instante.

Os contratos instantâneos podem, ainda, ser de execução diferida. Em tal hipótese,

mantém-se a característica de instantâneo, mas a prestação há de ser cumprida em uma

única prestação no futuro. A execução, portanto, é protraída para outro momento,

geralmente, em razão de um termo.

Direito dos Contratos

46

Contratos de duração ou de trato sucessivo.

Denominam-se contratos de trato sucessivo aqueles contrato que tem que ser

cumpridos durante certo tempo período de tempo, continuadamente. Nos contratos de

duração, a prestação não pode ser executada de uma só vez, mas de modo contínuo ou

períodico.

Eles se subdividem em contratos de execução periódica e de execução continuada.

Os primeiros executam-se mediante prestações periodicamente repetidas, ou seja, a cada

novo período surge uma nova prestação (exemplo: luz, água, telefone). Já nos contratos de

execução continuada, a prestação é única, mas interrupta (exemplo: locação, comodato)

Contratos pessoais ou intuitu personae

São contratos celebrados levando-se em consideração a pessoa de um dos

contratantes que é, para o outro, elemento determinante de sua celebração. São contratos

que admitem o erro sobre a pessoa, pois o erro sobre a pessoa foi elemento determinante e,

portanto, essencial para a celebração do contrato, possibilitando a sua anulabilidade.

Contratos impessoais

Contratos nos quais é indiferente a pessoa com quem se contrata. Esta modalidade é

freqüente no tráfego jurídico de massas, especilamente no comércio em que mercadorias

são expostas a um número indeterminado de pessoas.

Contrato individuais e coletivos

O primeiro é o contrato que se forma pelo consentimento das pessoas, cujas

vontades são individualmente consideradas. No segundo, a declaração volitiva provém de

uma coletividade, isto é, um agrupamento de indivíduos, ou uma categoria, forma o vínculo

(exemplo: contrato de trabalho coletivo).

Direito dos Contratos

47

Aula 8

Título: INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS

Ementário de temas: Teorias sobre a interpretação dos contratos – Interpretação

contratual no novo Código Civil

Leitura obrigatória: TEPEDINO, Gustavo. “Novos princípios contratuais e teoria da

confiança: a exegese da cláusula to the best knowlegde of the sellers”, in Temas de Direito

Civil, tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 241/275.

Leituras complementares: GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 17ª ed.,

1996; pp. 198/210. BESSONE, Darcy. Do Contrato. Rio de Janeiro: Forense, 1960; p.

221/238.

1. Roteiro de aula:

A interpretação dos contratos possui uma disciplina própria, a qual busca conferir

sentido às relações contratuais. No momento de criação do contrato, ambas as partes

emitem uma declaração volitiva, com poder criador de direitos e obrigações. Assim, a

vontade contratual é uma entidade que se desprende do mundo psíquico de cada parte

contratante e termina por ganhar sentido sob o escrutínio alheio.

Não raramente, caso ocorra algum desentendimento sobre a forma de execução do

contrato, ou sobre um termo específico do instrumento contratual, caberá a um terceiro

(juiz ou árbitro) perquirir qual foi a vontade das partes manifestada no contrato. Surgem

aqui as duas principais teorias de hermenêutica contratual: (i) teoria da vontade; e (ii) teoria

da declaração.

Teorias sobre a interpretação dos contratos

A interpretação do contrato geralmente torna-se o centro das atenções quando existe

controvérsia sobre o real sentido de uma cláusula, ou mesmo do instrumento como um

todo. Essa tarefa se mostra das mais árduas, dado que a interpretação dos contratos oferece

dificuldades que a interpretação da lei desconhece. A análise do contrato, por exemplo,

demanda algumas investigações de natureza bastante subjetiva.

Direito dos Contratos

48

A interpretação do contrato será subjetiva quando se voltar para a vontade das

partes, e objetiva quando analisar as cláusulas em si.

De acordo com a interpretação subjetiva, deve o intérprete buscar a intenção comum

das partes. Aqui se objetiva resguardar a substância da real manifestação das partes

contratantes, cuja compreensão pode ter sido ocultada por um vício de redação ou qualquer

formulação imperfeita do contrato.

A interpretação subjetiva do contrato privilegia a autonomia da vontade das partes.

Todavia, deve-se notar que o contrato é pautado por novos princípios, como a função

social, que podem interferir na atividade de interpretação do contrato.

A interpretação objetiva, por sua vez, visa à análise das cláusulas contratuais através

de regras pré-estabelecidas como a boa-fé; a conservação do contrato, e a extrema ratio, por

exemplo. A boa-fé impõe que se analise o contrato conforme exige a confiança e a lealdade

esperada entre as partes contratantes. A conservação do contrato visa à produção de efeitos

mais ampla pelo contrato. A extrema ratio, por fim, é regra que determina a aplicação de

presunções, quando o conteúdo de uma cláusula ou do contrato permanecer obscuro. Aqui

estão contidas as normas de interpretação mais benéfica ao consumidor, por exemplo.

No Brasil, optando por solução distinta daquela adotada pelo Código Comercial, o

Código Civil de 1916 não continha um capítulo autônomo para a interpretação dos

contratos. Clóvis Bevilaqua entendia que a enumeração de regras de interpretação poderia

tolher o ofício do juiz. O mesmo ocorre com o novo Código Civil.

Dessa forma, os artigos sobre interpretação dos contratos estão localizados na Parte

Geral, no título dos Negócios Jurídicos (arts. 110/114) e na Parte Especial, no título dos

Contratos em Geral (arts. 423 e 424).

Na França, o Código Civil estabeleceu diversas regras de interpretação, baseadas no

trabalho de Pothier, que até hoje são referências para a hermenêutica contratual. São elas:

1) O intérprete deve indagar mais a intenção comum das partes contraentes

do que o sentido gramatical das palavras.

Direito dos Contratos

49

2) Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos, deve entender-se

favoravelmente àquele que gera a produção de efeitos; e não àquele que

não geral qualquer efeito.

3) Quando em um contrato os termos são suscetíveis de dois sentidos, deve

entender-se no sentido que mais convém à natureza do contrato.

4) Aquilo que em contrato é ambíguo interpreta-se conforme uso do país.

5) Devem-se considerar implícitas em todos os contratos as cláusulas de

uso.

6) As cláusulas contratuais interpretam-se uma em relação às outras, sejam

antecendentes, sejam consequentes.

7) Na dúvida, uma cláusula deve interpretar-se contra o estipulante e em

favor do promitente.

8) As cláusulas contratuais, ainda quando genéricas, compreendem apenas

aquilo que foi objeto do contrato, e não as coisas de que os contratantes não

cogitam.

9) Compreendem-se na universidade todas as coisas particulares que a

compõem, mesmo quando das partes ao contratar não tenham tido

conhecimento destas.

10) O caso expresso para explicação da obrigação não deve considerar-se

com o efeito de restringir o vínculo, e sim que este abrange os casos não

expressos.

11) Uma cláusula expressa no plural decompõe-se muitas vezes em

cláusulas singulares.

12) O que está no fim de uma frase ordinariamente se refere a toda a frase,

e não àquilo só que a precede imediatamente, contanto que este final da

frase concorde em gênero e número com a frase inteira.

13) Interpreta-se a cláusula contra aquele contratante, em razão de cuja

má-fé, ou culpa, a obscuridade, ou ambigüidade ou outro vício se origina.

14) As expressões que se apresentam sem sentido nenhum devem ser

rejeitadas como se não constassem do texto do contrato.

Na perspectiva civil-constitucional, é importante notar a que a eventual

flexibilização da autonomia da vontade também possui reflexos no campo da interpretação,

Direito dos Contratos

50

já que a manifestação de vontade das partes não poderá ser analisada de forma destacada de

imperativos de ordem pública. Essa constatação rompe com os manuais clássicos sobre

hermenêutica jurídica, estabelecendo deveres que as partes devem observar

independentemente de suas vontades.

Essa tendência de análise já era percebida por Carlos Maximiliano, ao afirmar que:

“Parece que o Direito das Obrigações é a derradeira cidadela do

misoneísmo no campo jurídico; ali se acastelam os últimos adversários da

organização democrática, no sentido mais amplo e literal da expressão.

Entretanto, até ali a vontade individual vai cedendo terreno, embora a

custo, à solidariedade, à utilidade social.”20

A ausência de um capítulo dedicado ao tema da interpretação dos contratos pode

dificultar uma visão geral sobre o tema, mas é certo que, tanto as normas constantes da

parte sobre negócio jurídico, como aquelas previstas no capítulo dedicado aos contratos (e,

mais especificamente, aos contratos de adesão) ilustram bem essa passagem de uma

hermenêutica voltada para a manifestação de vontade do indivíduo para uma série de

condicionantes outras a serem conjugadas no trabalho do intérprete. Trata-se da derrocada

da “mística da vontade” já referida.

Interpretação contratual no novo Código Civil

São aplicáveis à interpretação contratual os artigos dedicados pelo Código Civil à

interpretação dos negócios jurídicos. Como já se comentou brevemente sobre esses

dispositivos nas primeiras aulas do curso, cumpre agora apenas fazer menção à algumas

particularidades importantes especialmente para a interpretação contratual.

O art. 111 trata dos efeitos do silêncio na interpretação das vontades manifestadas

pelas partes contratantes. O dispositivo assim está redigido:

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos

o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

20

Carlos Maximiliano. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio: Forense, 19ª ed., 2001;

pp. 275/276.

Direito dos Contratos

51

A importância desse dispositivo deriva do fato de que confere efeitos de anuência ao

silêncio mantido por uma das partes contratantes. A prática contratual costuma a denominar

tais situações de “silêncio eloqüente”.21

Todavia, só se reconhece a força criadora do silêncio quando as partes assim

convencionaram, ou um comportamento anterior tenha gerado uma legítima expectativa

(boa-fé objetiva). Não poderia todo e qualquer silêncio importar em anuência, a ponto de se

tornarem banais as negociações e a troca de vontades declaradas para a formação de um

contrato e para sua interpretação.

Assim, por exemplo, quando uma empresa envia mala-direta e faz constar dos

termos da oferta que o silêncio implicará em aceitação, não se pode considerar que o

contrato tenha se formado, pois: (i) não há acerto entre as partes nesse sentido; e (ii)

inexistiu comportamento anterior que gerasse uma legítima expectativa.

No capítulo específico sobre contratos, o Código Civil dispõe, em dois artigos,

sobre a interpretação dos contratos de adesão. Esses dois dispositivos são relevantes para

que se compreenda que a interpretação dos contratos também está submetida à mudança

pela qual atravessa a teoria contratual, com a consagração de novos princípios e com a

flexibilização da autonomia da vontade frente à interesses por vezes comandados pela

função social do contrato ou pelas derivações da boa-fé objetiva.

O contrato de adesão é resultado do fenômeno da massificação das relações

contratuais. São características desse tipo de contratação: (i) estabelecimento prévio das

condições do contrato; (ii) necessidade de contratar em massa; (iii) existência de um

desequilíbrio entre as partes contratantes com relação a aspectos econômicos, jurídicos ou

técnicos; e (iv) multiplicidade de situações uniformes.

21

Embora, em termos literários, acha discordância sobre a existência de “silêncios

eloqüentes”, pois, conforme lembra José Saramago, o “silêncio eloqüente não existe, os

silêncios eloqüentes são apenas palavras que ficaram atravessadas na garganta, palavras

engasgadas que não puderam escapar ao aperto da glote.” (O Homem Duplicado. São

Paulo: Companhia das Letras, 2002; p. 68).

Direito dos Contratos

52

Justamente para proteger a parte que está em situação de inferioridade, dispõe o art.

423, de forma bastante assemelhada ao que ocorre no art. 47 do Código de Defesa do

Consumidor, que a interpretação de cláusulas ambíguas ou contraditórias deverá ser feita de

forma a privilegiar a linha de interpretação que seja mais favorável à parte que adere ao

contrato, sem possibilidade de negociação de seus termos:

Art. 423, do Código Civil. “Quando houver no contrato de adesão cláusulas

ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais

favorável ao aderente.”

Art. 47, do Código de Defesa do Consumidor. “As cláusulas contratuais

serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”

Cláusulas ambíguas são aquelas que de sua interpretação gramatical pode-se extrair

mais de um sentido. Cláusulas contraditórias, por sua vez, são aquelas cujo conteúdos são

inconciliáveis.

Esse artigo do Código Civil termina por exercer uma função dúplice: por um lado,

ele possui uma função preventiva, pois inibe a elaboração de cláusulas abusivas, ou que

estabeleçam vantagens excessivas; por outro, ele também desempenha uma função

corretiva pois, uma vez a cláusula já inserida, a interpretação mais favorável ao aderente

compensa a sua posição de inferioridade.

O Código Civil ainda dispõe que serão reputadas nulas as renúncias antecipadas a

direitos nos contratos de adesão. Essa regra deriva do art. 424, que assim está redigido:

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a

renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do

negócio.

Evita-se através desse dispositivo a utilização de cláusulas-padrão como a não

reparação pelos danos decorrentes de defeito da coisa ou pela má prestação dos serviços.

Os dois artigos que dispõe sobre contratos de adesão no Código Civil estão em

consonância com o regramento do Código de Defesa do Consumidor, contribuindo para a

afirmação dos novos princípios da teoria do contrato. Dessa forma, percebe-se que a

interpretação do contrato, longe de ser apenas um exame da vontade manifestada das

Direito dos Contratos

53

partes, vem se tornando gradativamente uma forma de instrumentalizar o comando de

alguns princípios contratuais, como a boa-fé, a função social e o equilíbrio econômico.

2. Caso gerador:22

Frigaliment Importing Co. v. B.N.S. International Sales Corp.

A sociedade suíça Frigaliment Importing Co. celebrou com B.N.S. International

Sales Corp., companhia norte-americana com sede em Nova Iorque, um contrato de

compra e venda, por meio do qual a B.N.S. ficava obrigada a transferir e entregar à

Frigaliment Importing Co. determinada quantidade de frango (chicken) congelado,

atendendo a certas especificações de peso e qualidade23

.

Ao receber a mercadoria, a companhia suíça verificou que parte dos frangos era de

idade avançada e, portanto, imprópria para o uso comercial pretendido (alienação para

consumo alimentar). Propôs, assim, ação judicial alegando inadimplemento contratual por

parte da B.N.S., ao argumento de que o termo “frango” (chicken), no mercado

especializado, refere-se ao animal abatido ainda jovem, próprio para a indústria

alimentícia. A companhia norte-americana contestou a ação, afirmando que “frango”

(chicken) é termo empregado normalmente para designar o galináceo masculino de

qualquer idade, e que qualquer restrição ao significado da palavra deveria ter sido

especificada pela Frigaliment Importing Co. no momento de celebração do contrato.

O juiz Henry J. Friendly, responsável pelo julgamento da ação, assim iniciou o seu

voto: “The issue is, what is chicken?” (“A questão é: o que é frango?”).

3. Questões de concurso:

22

Caso gerador extraído da Apostila “Interpretação dos Contratos”, elaborada por

Anderson Schreiber e Rafael Crisafulli para os cursos de educação continuada da Escola de

Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. 23

O objeto do contrato era definido da seguinte forma: “US Fresh Frozen Chicken, Grade

A, Government Inspected, Eviscerated; 2½ – 3 lbs. and 1½ – 2 lbs. each; all chicken

individually wrapped in cryovac, packed in secured fiber cartons or wooden boxes, suitable

for export; 75,000 lbs. 2½-3 lbs: $33.00 and 25,000 lbs. 1½ – 2 lbs: $36.50 (...)”.

Direito dos Contratos

54

21º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase

1 - No que se refere a contrato firmado entre duas partes é CORRETO afirmar:

(a) A vontade manifesta de uma das partes não subsiste se esta faz reserva mental de

não mais querer aquilo que manifestou;

(b) A reserva mental é indiferente à validade do negócio jurídico, exceto quando o

destinatário da manifestação de vontade efetuada com reserva mental tiver

conhecimento da mesma;

(c) A reserva mental de uma das partes importa em erro concernente ao objeto da

declaração de vontade;

(d) O negócio realizado com reserva mental de uma das partes é anulável por não

importar em um querer definitivo.

2 - Assinale a alternativa INCORRETA no que se refere ao silêncio nos contratos:

(a) O silêncio no sentido jurídico pode ser conceituado como aquela situação quando

uma pessoa não manifestou sua vontade em relação a um negócio jurídico, nem por

uma ação especial necessária a este efeito (vontade expressa) nem por uma ação da

qual se possa deduzir sua vontade (vontade tácita);

(b) Se alguém me apresenta um contrato e manifesta que tomará meu silêncio como

aquiescência, eu não me obrigo, porque ninguém tem o direito, quando eu não

consinto, de forçar-me a uma contradição positiva;

(c) O silêncio só produz efeitos jurídicos quando, devido às circunstâncias ou

condições de fato que o cercam, a falta de resposta à interpelação, ato ou fatos

alheios, ou seja, a abstenção, a atitude omissiva e voluntária de quem silencia induz

a outra parte, como a qualquer pessoa normal induziria, à crença legítima de haver o

silente revelado, desse modo, uma vontade seguramente identificada;

(d) O silêncio importará em anuência do contrato todas as vezes em que se estiver

diante de contratos de adesão, houver prazo obrigatório assinalado para

manifestação da parte, sob pena de não o fazendo considerar a contraparte que

houve aquiescência e a parte tiver tido ampla oportunidade de tome conhecimento

de todos os termos e cláusulas do contrato.

Direito dos Contratos

55

Gabarito: 1 (b); 2 (d).

Direito dos Contratos

56

Aula 9

Título: VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO

Ementário de temas: Vícios Redibitórios - Evicção

Leitura obrigatória: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. III.

Rio de Janeiro: Forense, 2008; pp. 121/132.

Leituras complementares: RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008;

pp. 167/188.

1. Roteiro de aula:

Vícios Redibitórios

Pode ocorrer que, nos contratos comutativos, a coisa transferida ao adquirente

possua defeitos que a tornem inadequada ao fim a que se destinam ou lhes diminuam

sensivelmente o valor. Nestes casos, poderá o adquirente rejeitar (enjeitar, são sinônimos) a

coisa, sendo restituído pelo preço pago. Com efeito, o adquirente tem direito à utilidade da

coisa24

. Ainda nesse sentido, CAIO MÁRIO PEREIRA DA SILVA preleciona que na

hipótese de transferência de coisa de qualquer natureza, deve ser assegurado ao adquirente

a sua posse útil, se não equivalente, rigorosa, ao menos relativa ao preço recebido.

Nas situações, ora em apreço, estaremos tratando dos chamados vícios redibitórios.

Esses são defeitos ocultos que afetam a coisa transferida nos contratos comutativos,

tornando-a inadequada ao fim a que se destina ou diminuindo-lhe, sensivelmente o valor.

É, segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “defeito oculto de que portadora

a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria ao uso a que se destina, ou lhe

prejudica sensivelmente o valor1”.

Para ORLANDO GOMES podemos definí-los como os defeitos ocultos que

desvalorizam a coisa ou fazem-na imprestável25

. GUSTAVO TEPEDINO, HELOISA

24

PEREIRA DA SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense,

2006. 25

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Direito dos Contratos

57

HELENA E MARIA CELINA BODIN DE MORAES26

, por sua vez, os conceituam como

“os defeitos ocultos que afetam a coisa transferida nos contratos comutativos, tornando-a

imprópria para o uso a que se destinava ou dimnuindo-lhe o valor, por tal forma que, se

conhecesse o vício, o adquirente da coisa não teria realizado o contrato ou teria oferecido

uma contraprestação maior. Este é, também, o entendimento de WASHINGTON DE

BARROS MONTEIRO27

. Dispõe o art. 442 do Código Civil:

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por

vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe

diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

É preciso deixar claro, desde já, que aos contratos submetidos às relações de

consumo não se aplica a teoria dos vícios redibitórios. Com efeito, o Código de Defesa do

Consumidor (Lei 8.078/90) inovou a disciplina dos vícios nos arts. 26 e seguintes,

garantindo uma maior proteção ao consumidor.

O fundamento dos vícios redibitórios causam certa perplexidade na doutrina.

Podemos citar três principais teorias para validá-los:

i) Teoria da Eqüidade28

. Por essa teoria, o fundamento dos vícios redibitórios é o

equilíbrio entre as prestações dos contratos comutativos. Dessa forma, o defeito na coisa

determinando a sua imprestabilidade ou o seu valor tem repercussão direta na contra-

prestação.

ii) Teoria do Erro. De acordo com essa segunda teoria, considera-se a vontade do

adquirente viciada por erro sobre uma das qualidades essenciais do objeto, pois caso ele

soubesse do vício não terio realizado a contratação. Tal teoria, entretanto, peca uma vez que

26

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de.

Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – Vol. II, Rio de Janeiro:

Renovar, 2006. 27

MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil. Direito das

obrigações 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2007. 28

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume III: contratos e atos

unilaterais. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

Direito dos Contratos

58

em se tratando de erro, a conseqüência jurídica seria a anulação do contrato e não a

redibição.

iii) Teoria do Risco. Por essa corrente, afirma-se que o alienante responde pelos

defeitos porque a lei determina que o risco deve ser por ele suportado. De fato, procede tal

afirmação. No entanto, conforme lembra ORLANDO GOMES, o “problema dos riscos

consiste em saber quem sofre a perda com a inexecução fortuita da obrigação; assim sendo,

falar de risco a propósito do vício redibitório é admitir que o alienante deve ser

responsabilizado por defeitos da coisa por ele desconhecidos, voltando-se, assim, à idéia de

garantia2”.

Apesar das teorias expostas, parece-nos que o correto fundamento dos vícios

redibitórios reside no princípio da garantia, segundo o qual, o alienante, ao celebrar o

contrato, compromete-se a garantir o perfeito estado da coisa, assegurando-lhe a

incolumidade, as qualidades anunciadas e a adequação aos fins propostos4. CAIO MÁRIO

DA SILVA PEREIRA afirma que “temo adquirente o direito de exigir do transmitente a

efetivação do princípio da garantia1”. ORLANDO GOMES complementa: “trata-se,

realmente, de garantia de natureza especial2”.

Apesar dos vícios que afetam a coisa permitirem a possibilidade de rejeitá-la, nem

todos os defeitos ou falhas possibilitarão ao adquirente responsabilizar o alienante. Segundo

CARLOS ROBERTO GONÇALVES, defeitos “de somenos importância ou que possam

ser removidos são insuficientes para justificar a invocação da garantia5”. Com efeito, para

que se possa utilizar das conseqüências jurídicas da disciplina dos vícios redibitórios, é

fundamental que o defeito apresente as seguintes características:

(i) Existência de um contrato comutativo. Conforme determina o art. 441 do Código

Civil, vícios redibitórios só tem aplicação nos contratos comutativos e, jamais nos contratos

aleatórios. Registre-se que o parágrafo único do citado dispositivo admite a aplicação do

regime dos vícios às doações onerosas.

Perceba-se que a disciplina não é exclusiva dos contratos de compra e venda, mas

de todos os contratos comutativos translativos de propriedade2. Dessa forma, andou bem o

legislador ao situá-lo na teoria geral dos contratos.

Direito dos Contratos

59

Ponto de discussão é a possibilidade de utilização dos vícios redibitórios nas

aquisições feitas em hasta pública. A razão de ser é porque o art. 1.106 do Código Civil de

1916 determinava que a disciplina não se aplicava à coisa vendida em hasta pública.

A ratio legis por trás da norma está ligada ao fato de que a exposição prévia da

coisa possibilitaria minucioso exame, como ainda pelo fato de ser forçada, em processo

judicial, em que se realiza por autoridade de justiça. Entretanto, tal dispositivo não foi

reproduzido no Código Civil vigente.

Para CARLOS ROBERTO GONÇALVES, portanto, “poderá o adquirente lesado,

em qualquer caso, mesmo no de venda feita compulsoriamente por autoridade de justiça,

propor tanto a ação redibitória quanto a quanti minoris, se a coisa arrematada contiver vício

redibitório. Não prevalece mais, pois, a hipótese excepcionada no diploma anterior como

exclusão de direito5”.

Não obstante, parece-nos mais correta a solução de CAIO MÁRIO PEREIRA DA

SILVA1 ao afirmar que persiste a vedação

3, pois a alienação é compulsória

2. Mister

ressaltar, que tal vedação não se aplica caso o alienante tenha escolhido livremente o leilão

para a alienação1.

(ii) Defeito Oculto. Os defeitos devem ser irreconhecíveis ao momento da conclusão

do negócio. Caso o vício seja aparente ou de fácil constatação, presume-se que o adquirente

os levou em consideração e, ainda assim, quis recebê-la.

Registre-se, por oportuno, que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)

alterou a sistemática dos vícios nas relações consumeristas conferindo maior proteção ao

consumidor, parte vulnerável na relação (v. Condumidor, infra).

É preciso, ainda, que o defeito oculto seja desconhecido do adquirente, ou seja, no

momento da conclusão do negócio o adquirente não pode ter conhecimento do vício. Caso

o adquirente conheça do vício oculto, estará aceitando recebê-la naquela situação.

(iii) Grave. O vício tem que ser grave de tal maneira que diminua substancialmente

o valor da coisa ou que lhe impeça de desempenhar a função a que se destina. Sem

embargo, caso o defeito seja inexpressivo, exigir a redibição do contrato implica em

exercício abusivo de um direito contratual, violando, por conseguinte, o princípio da da

boa-fé objetiva em sua segunda função (art. 187 do Código Civil).

Direito dos Contratos

60

Aliás, em se tratando de defeito insignificante, a entrega da coisa pelo alienante

implicaria no próprio adimplemento substancial. O adimplemento, nesse caso, é tão

próximo do resultado final que a sua principal conseqüência é a impossibilidade de

resolução contratual29

(v. capítulo sobre pagamento).

A análise da gravidade do defeito está ligada a frustração da legítima expectativa do

adquirente, quer tornando a coisa inadequada ao fim a que se destina, quer diminuindo-lhe

sensivelmente o valor. Em verdade, a análise há de ser casuística, verificando no caso

concreto de acordo com os termos do contrato e com a prática geral do comércio3.

(iv) Preexistente. Os defeitos devem preexistir à transferência do bem. Devem ser

preexistente à própria tradição do bem e não da celebração do contrato. Com razão, o

defeito superveniente não constitui vício, pois já está integrado ao patrimônio do

adquirente. Impera o princípio RES PERIT DOMINUS (a coisa perece para o dono).

Cabe lembrar que, mesmo a coisa perecendo após a tradição (entrega efetiva do

bem), se esta ocorrer direta e imediatamente em razão do vício anterior à celebração do

contrato, o alienante responderá. Trata-se de derrogaçào do princípio anteriormente

mencionado, conforme preceitua o art. 444 do Código Civil.

Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em

poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

O principal efeito oriundo dos vícios redibitórios é possibilitar ao adquirente os

meios de não sofrer a perda. Tem em suas mãos as chamadas ações edilícias: a ação

redibitória e a ação estimatória ou quanti minoris2.

Pode se utilizar de uma ou de outras. Trata-se, em verdade, de uma alternativa posta

à sua disposição. No entanto, uma vez eleita a via, não poderá voltar atrás. Em outras

palavras, uma vez feita a escolha, ela é irrevogável. É, nos dizeres de ORLANDO GOMES,

“uma espécie de concentração do direito de acionar2”.

A primeira ação, prevista no caput do art. 441 do Código Civil autoriza o adquirente

a rejeitar a coisa, rescindindo o contrato e pleiteando a devolução do preço pago.

29

LOBO, Paulo Luis Netto. Teoria Geral das Obrigações; Ob. Cit.; P. 74.

Direito dos Contratos

61

Contudo, pode acontecer que, não obstante o defeito, a coisa apresente ainda

alguma utilidade para o adquirente, e este decida mantê-la em seu poder mediante uma

redução da contraprestação. Nessa hipótese, o Código Civil autoriza a ação estimatória ou

quanti minoris, pela qual o adquirente obterá o abatimento proporcional do preço pago.

Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o

adquirente reclamar abatimento no preço.

Por outro lado, pouco importa a ignorância do alienante para fins de

responsabilização pela garantia. Com efeito, pouco importa a sua conduta. Para

caracterização dos vícios redibitórios, basta a existência de um vício oculto, desconhecido,

preexistente e grave.

A importância da conduta do alienante é justificável apenas para a extensão de sua

responsabilidade. Explica-se: o alienante responderá pela redibição e, por conseguinte,

restituirá o preço pago, mais despesas do contrato, ainda que desconheça o defeito que

inquina a coisa. No entanto, se conhecia o vício e, portanto, atuou de má-fé, responderá,

além da restituição do preço e despesas do contrato, pelos prejuízos que o adquirente venha

a sofrer, conforme estipula o art. 443 do Código Civil.

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que

recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor

recebido, mais as despesas do contrato.

O direito do adquirente exigir a redibição ou o abatimento proporcional do preço

está sujeito à um prazo decadencial variável, conforme a natureza do bem. Dessa forma,

passado o lapso temporal, extingue-se o direito do adquirente de redibir ou exigir o

abatimento proporcional.

O prazo para coisa móvel é de 30 dias e o de coisa imóvel é de 1 ano, ambos

contados a partir da tradição (entrega efetiva). Lembre-se que, caso o bem já esteja na posse

do adquirente no momento da celebração do contrato, os prazos serão reduzidos pela

metade.

Direito dos Contratos

62

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no

preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel,

contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação,

reduzido à metade.

§ 1o Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo

contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e

oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos

serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais,

aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras

disciplinando a matéria.

Interessante notar, ainda, as normas dos parágrafos do art. 445 do Código Civil. O

segundo parágrafo não suscita maiores dúvidas, remetendo o prazo de garantia por vícios

aos animais para as leis especiais.

Perplexidade, entretanto, é gerada pelo parágrafo primeiro do referido dispositivo.

Dispõe que quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo

contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta

dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. O disposto suscita duas

interpretações3:

(i) os prazos ali estabelecidos devem ser contados a partir do momento em

que o vício for revelado

(ii) tais prazos são o limite do prazo para ajuizamento das ações edilícias

Parece-nos que o legislador não quis estabelecer um lapso temporal indefinido para

o exercício da garantia, como quer o primeiro entendimento1. Com efeito, em nossa

sociedade massificada de consumo, todos os produtos são construídos com uma vida útil.

Admitir um prazo indeterminado é gerar instabilidade e insegurança nas contratações, pois

a qualquer momento poderá aparecer um defeito que, por sua natureza, só então pode ser

descoberto3.

Direito dos Contratos

63

Parece-nos mais razoável, portanto, o segundo entendimento. Conforme ensina

GUSTAVO TEPEDINO, HELOISA HELENA BARBOZA E MARIA CELINA BODIN

DE MORAES, “os prazos do § 1º do art. 445 se referem ao período no qual os defeitos hão

de necessariamente ser revelados. (...) Assim, seria de 180 dias (móveis) ou de um ano

(imóveis) o prazo para manifestação do defeito, iniciando-se a partir de então a contagem

do prazo decadencial previsto no caput do art. 445 (30 dias, se móvel; 1 ano, se imóvel)3”.

Em outras palavras, em se tratando de vícios ocultos que só podem ser conhecidos

posteriormente em razão de sua natureza, o prazo para que o vício se manifeste é de 210

(180 dias do §1º, mais 30 dias do caput do art. 445) dias para bens móveis e 2 anos para

bens imóveis (1 ano do § 1º, mais 1 ano do caput do art. 445).

Enunciado 174 do CJF Art. 445: Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem

os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento de preço, desde

que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo,

entretanto, a partir do conhecimento do defeito.

Por fim, é lícito às partes estabelecer garantia convencional, conforme preceitua o

art. 446 do Código Civil. A estipulação de garantia convencional tem por efeito a suspensão

dos prazos decadenciais. Todavia, a partir do conhecimento do defeito, o adquirente deverá

comunicá-lo no prazo máximo de 30 dias sob pena de decair seu direito.

Evicção

Podemos dizer que a evicção é um parente próximo dos vícios redibitórios. Com

efeito, enquanto os vícios redibitórios são uma garantia da coisa em relação aos defeitos

Direito dos Contratos

64

materiais, a evicção é a garantia30

da coisa em relação aos defeitos de direito31

. Enquanto

nos vícios se garante a posse útil, na evicção se garante a posse pacífica32

.

Podemos conceituar a evicção como a perda da coisa, mediante sentença judicial,

que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato aquisitivo. É para ORLANDO

GOMES1 dá-se evicção quando “o adquirente vem a perder a propriedade ou posse da coisa

em virtude de sentença judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela”.

Para CARLOS ROBERTO GONÇALVES, podemos definí-la como “a perda da

coisa em virtude de sentença judicial, que atribui a outrem por causa jurídica preexistente

ao contrato33

”.

O fundamento da evicção é o mesmo dos vícios redibitórios: princípio da garantia2.

Aliás, como ressalta WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO34

que o “alienante é

obrigado não só a entregar ao adquirente a coisa alienada, como também a garantir-lhe o

uso e gozo.

A teoria da evicção aplica-se, inicialmente, aos contratos onerosos. Dessa forma, o

alienante não responde nos contratos gratuitos. Nesses casos, todavia, nada impede que as

partes estipulem cláusula de responsabilidade por evicção3. Aplicam-se, ainda, às doações

onerosas.

Outro ponto que merece destaque é a possibilidade ou não de aplicação do preceito

aos contratos em que se transfere somente a posse e não a propriedade. Registre-se que o

Código Civil, em seu art. 447, nada menciona.

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta

garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

30

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 31

PEREIRA DA SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense,

2006. 32

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de.

Código Civil interpretado conforme a Constituição da República – Vol. II, Rio de Janeiro:

Renovar, 2006. 33

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume III: contratos e atos

unilaterais. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. 34

MONTEIRO, WASHINGTON DE BARROS. Curso de direito civil. Direito das

obrigações 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2007.

Direito dos Contratos

65

A doutrina, no entanto, admite expressamente a sua utilização em contratos que

transfiram somente a posse. Nesse sentido, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA afirma

que o “Código Civil espaventou a dúvida, instituindo a garantia toda vez que, por contrato

oneroso, se faça a transferência tanto do domínio quanto da posse ou do uso. Nesse sentido,

também CARLOS ROBERTO GONÇALVES4 ao expor que tem direito à garantia “não só

o proprietário, como o possuidor e o usuário”.

Aplica-se a evicção, ainda, ao contratos de cessão de crédito e de direitos

obrigacionais em geral. Frise-se, entretanto, que, conforme visto anteriormente, o cedente

não responde pela solvência do devedor, mas tão somente pela existência do crédito (art.

295 e 296 do Código Civil).

Por fim, no que concerne ao âmbito de sua aplicação, o art. 447 do Código Civil

admitiu expressamente a sua possibilidade quando se tratar de aquisição realizada em hasta

pública. Trata-se de inovação legislativa. CAIO MÁRIO PEREIRA DA SILVA,

entrementes, levanta grave questão: quem responde pela evicção?

Sem embargo, a responsabilidade pela evicção é do alienante que transfere domínio,

posse ou uso. Todavia, na hasta pública, essa transferência é compulsória, através do

Estado para favorecer um terceiro (autor da ação). A quem caberá indenizar o adquirente?

Ao alienante ou ao terceiro favorecido? CAIO MÁRIO afirma, então que “na primeira

hipótese, as chances de o adquirente vir a obter sua indenização são diminutas, tendo em

vista o provável estado de insolvência do proprietário que teve bem de sua propriedade

levado a hasta pública. Na segunda hipótese, se estará transferindo a responsabilidade pela

evicção a quem nunca foi proprietário da coisa evencida2”.

São necessários alguns requisitos para que se configure a responsabilidade do

alienante perante o evicto.

(i) Perda da Coisa. Deve ocorrer a privação do domínio, posse ou uso. Se o

adquirente não sofre qualquer perda, não há que se falar em evicção. A perda, contudo, não

precisa ser total.

Admite-se, por conseguinte, a evicção total ou parcial. Na primeira há completa

privação do direito do adquirente. Na segunda, o evicto perde apenas parte, ou fração da

coisa adquirida em virtude de contrato oneroso4.

Direito dos Contratos

66

Sendo a evicção parcial, mas considerável, permite-se a faculdade entre a rescisão

do contrato ou o abatimento proporcional. Quando a perda não for considerável, não poderá

o adquirente exigir a rescisão contratual (sob pena de violação à boa-fé objetiva em sua

função limitadora do exercício abusivo do direito – art. 187 do CC). Somente caberá,

nesses casos, a ação quanti minoris do art. 455 do Código Civil. Considerável é aquela

perda em que o adquirente não realizaria o contrato se conhecesse a verdadeira situação. É

necessário levar em conta não tanto a quantidade, mas a qualidade tendo em vista a

finalidade da coisa.

Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a

rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque

sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

(ii) Sentença. somente a perda que se opera em virtude de sentença judicial. Tal

requisito, todavia, não é absoluto. Aliás, a jurisprudência admite amplamente que desde que

o adquirente seja privado do bem por ato inequívoco de autoridade administrativa, poderá

exercer o direito de evicção. É o típico caso de veículo furtado apreendido pela autoridade

policial.

(iii) Anterioridade do Direito. Não basta a perda do direito, tampouco a sentença

judicial. É imperioso que a perda se opere em razão de causa preexistente ao contrato

aquisitivo. Somente é devida a responsabilidade decorrente da evicção no caso do direito do

terceiro ser anterior ao contrato celebrado entre o evicto e o alienante. Com efeito, a partir

É o típico caso da venda de imóvel que já foi adquirido por usucapião (modo

originário de aquisição de propriedade) antes de celebrado o contrato. Se a causa for

anterior ao contrato, caracterizar-se-á a evicção. Mas e se o prazo do usucapião tiver

iniciado antes do contrato e terminado após a celebração do contrato? Nesse caso, não

haverá qualquer responsabilidade do alienante, pois a possibilidade de interromper o prazo

prescricional aquisitivo está nas mãos do adquirente2.

Situação interessante, lembrado por CAIO MÁRIO PEREIRA DA SILVA2, é

aquela em que o prazo prescricional se completa tão próximo da celebração do contrato que

Direito dos Contratos

67

não há tempo hábil para prática de qualquer ato. Nessas hipóteses, o ilustre mestre admite a

possibilidade de aplicação da disciplina legal.

Registre-se, por fim, que se o evicto sabia da existência do defeito de direito, não

fará jus à qualquer indenização, conforme preceitua o art. 457 do Código Civil.

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era

alheia ou litigiosa.

Sem embargo, a partir o momento em que conhece do vício de duas uma não poderá

reclamar do alienante as verbas pelas evicção. No primeiro caso (sabia que a coisa era

alheia), atuou como cúmplice do apropriamento indevido. No segundo (conhecimento da

litigiosidade), assumiu o risco de obter uma decisão desfavorável4, tornando-se, por

conseguinte, um contrato aleatório.

Ocorrendo a perda judicial, através de sentença judicial, então, surgem os direitos

da evicção. São eles, de acordo com o art. 450 do Código Civil, o direito de exigir que o

alienante lhe restitua o preço pago, e mais as despesas com o contrato (despesas com

certidões, registro em cartório, ITBI, ITD etc), honorários, custas judiciais e ainda indenize

os frutos que tiver sido obrigado a restituir, bem como os demais prejuízos que da evicção

diretamente lhe resultar. Isso engloba, ainda, os lucros cessantes (art. 402 do CC) e os juros

legais (art. 404 c/c art. 406 do CC).

Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição

integral do preço ou das quantias que pagou:

I - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;

II - à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente

resultarem da evicção;

III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.

Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa,

na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de

evicção parcial.

Direito dos Contratos

68

O alienante responde, também, pela plus-valia, isto é, a diferença maior entre o

preço de aquisição e o seu valor ao tempo em que se evenceu. O mandamento encontra-se

no parágrafo único do art. 450 do referido diploma legal. Aliás, GUSTAVO TEPEDINO,

HELOISA HELENA BARBOZA E MARIA CELINA BODIN DE MORAES ensinam que

em relação ao parágrafo único do citado artigo, “em harmonia com o posicionamento

jurisprudencial (...), unificou o regime quer para a evicção parcial, quer para a evicção total.

A plus-valia ou, alternativamente, a depreciação da coisa serão levadas em conta em ambos

os casos, já que o preço a ser restituído terá como base, sempre, o valor da coisa à época da

evicção3”.

Interpretando o mesmo dispositivo, CAIO MÁRIO PEREIRA DA SILVA,

admitindo o pagamento da plus-valia pelo alienante, entende que se, “ao contrário de

valorização, estiver depreciada, a aplicação pura e simples do disposto no art. 450

desautoriza levá-la em consideração2”. Tal dispositivo é reforçado pelo art. 451 que

determina que subsiste a obrigaçào ainda que a coisa tenha se deteriorado, salvo dolo do

adquirente, pois ninguém pode se valer da própria torpeza.

Art. 451. Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada

esteja deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.

O evicto também terá direito à indenização pelas benfeitorias necessárias ou úteis,

em conformidade com o art. 453 do Código Civil. O dispositivo ressalta, no entanto, que o

adquirente fará jus à indenização somente das benfeitoras não abonadas, ou seja, não

indenizadas pelo terceiro. Caso já tenha sido feita algum abono das benfeitorias pelo

alienante, essas serão deduzidas no momento da restituição. Tais dispositivos estão de

acordo com a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC). Ainda no que

concerne às benfeitorias, dever-se-á observar o disposto no art. 1.219 do mesmo diploma

legal, pois o evicto não deixa de ser possuidor de boa-fé.

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a

evicção, serão pagas pelo alienante.

Direito dos Contratos

69

Art. 454. Se as benfeitorias abonadas ao que sofreu a evicção tiverem sido feitas

pelo alienante, o valor delas será levado em conta na restituição devida

Por fim, no que tange ao cálculo da indenização, caso o adquirente tenha sofrido

vantagens com as deteriorações da coisa, o valor dessas vantagens deverá ser deduzido da

indenização a ser paga ao adquirente. O fundamento por trás do artigo é, justamente, evitar

o enriquecimento sem causa (compensatio lucri cum damno).

Art. 452. Se o adquirente tiver auferido vantagens das deteriorações, e não tiver

sido condenado a indenizá-las, o valor das vantagens será deduzido da quantia que

lhe houver de dar o alienante.

As partes podem dispor sobre a extensão da evicção. Trata-se da liberdade

contratual, expressão da autonomia da vontade3. Elas podem optar por reforçar – como, por

exemplo, instituição de uma fiança ou uma hipoteca –, diminuir ou excluir o direito que

resulta da evicção, com base no art. 448 do Código Civil.

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a

responsabilidade pela evicção.

É preciso lembrar que em se tratando de contrato de adesão, ou seja, aqueles em que

apenas uma das partes estipula o conteúdo e os efeitos do contrato, a supressão da garantia

não parece ser possíve por força do art. 424 do Código Civil, que determina serem nulas as

cláusulas que impliquem renúncia antecipada de direitos do aderente resultantes da

natureza do contrato.

Não obstante a exclusão, o adquirente sempre poderá exigir a restituição do valor

pago, salvo se soube do risco e o tenha assumido. Conforme visto, a indenização pela

evicção vai mais além do que a mera restituição do preço pago, dessa forma, mesmo que

exista cláusula de supressão da garantia, o alienante responde pela restituição do preço

pago, de acordo com o art. 449 do Código Civil.

Direito dos Contratos

70

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se

der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não

soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Para que a exoneração seja total (inclusive a restituição do valor pago) é preciso que

haja cláusula expressa e que o adquirente, além de ter ciência do risco, o tenha assumido

(art. 449 do CC).

Por fim, para que seja possível o exercício da denunciação da lide, o art. 456 do

Código Civil, traz a exigência de que o adquirente proceda à notificação do alienante

relativamente ao litígio travado com o evincente. Se não fizer esta notificação não poderá

exercer o direito que resulta da evicção.

Com efeito, conforme ensina ARNALDO RIZZARDO, da “sentença condenatória

resulta, diretamente, a responsabilidade pela devolução do preço35

”. Dessa forma, o

adquirente notificará o alienante do litígio na forma em que a lei processual determinar.

No caso em exame, verifica-se que o Código de Processo Civil determina uma

espécie de intervenção de terceiros denominada denunciação da lide – art. 70, I do CPC.

Logo, caso o adquirente faça a denunciação da lide, não poderá exercer o direito resultante

da evicção, conforme preceitua o art. 456 do Código Civil.

Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente

notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e

como lhe determinarem as leis do processo.

Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo

manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer

contestação, ou usar de recursos.

Art. 70, CPC. A denunciação da lide é obrigatória:

35

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

Direito dos Contratos

71

I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi

transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe

resulta.

Por outro lado, o parágrafo único do art. 456 do CC determina que caso o alienante

quede-se inerte, mesmo após notificado da denunciação da lide ante a procedência

manifesta da ação, o adquirente poderá deixar de contestar ou recorrer. Trata-se de

verdadeiro abrandamento da disciplina em relação ao Código Civil de 1916.

Por fim, para concluir, importante lembrar as lições de MIGUEL MARIA DE

SERPA LOPES36

ao explicar que, ainda que o adquirente não notifique o alienante atravé

da denunciação da lide, o adquirente sempre terá, em face do alienante, ação de indenização

pela inexecução contratual. Com efeito, enquanto na de indenização o fundamento é o

inadimplemento contratual que sempre subsistirá, na evicção é a garantia que implica em

conseqüências mais graves. CAIO MÁRIO PEREIRA DA SILVA2, no entanto, entende

que não haverá nenhum direito se não for feita a denunciação da lide.

36

SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de direito civil. Ob Cit.; p.152.

Direito dos Contratos

72

Aula 10

Título: REVISÃO DOS CONTRATOS

Ementário de temas: Teoria da Imprevisão e Teoria da Onerosidade Excessiva – Teoria

da Quebra da Base do Negócio Jurídico.

Leitura obrigatória: SALLES, Raquel Bellini de Oliveira, “O desequilíbrio da relação

obrigacional e a revisão dos contratos no Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo

com o Código Civil”, in Gustavo Tepedino (org) Obrigações – Estudos na Perspectiva

Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 303/332.

Leituras complementares: TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e

BARBOZA, Heloisa Helena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da

República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 610/612. FONSECA, Arnoldo Medeiros

da. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão. Rio de Janeiro: Forense, 3ª ed., 1958; p.

197/246.

1. Roteiro de aula:

O estudo da revisão dos contratos confirma uma constatação que perpassa todas as

aulas deste curso: a necessidade de se reconhecer a convivência entre princípios

tradicionais da teoria contratual e princípios erigidos mais recentemente pela jurisprudência

e pela doutrina, recebendo posteriormente a devida consagração nos diplomas legais.

Especificamente no que se refere à revisão dos contratos, estão relacionados dois princípios

da teoria contratual: o princípio da força obrigatória e o princípio do equilíbrio econômico

financeiro dos contratos.

A partir da concepção burguesa, resultante da vitória da Revolução Francesa e da

afirmação do liberalismo econômico, a manifestação da vontade das partes contratantes,

uma vez convergindo para a formação do contrato, vinculavam as pessoas ao estrito

cumprimento do avençado, independentemente de qualquer alteração das circunstâncias

então presentes quando da celebração do termo contratual.

A força vinculante dos contratos, como já visto, operou um papel primordial no

estabelecimento do regime capitalista, fomentando a produção e a circulação de riquezas

em bases sólidas. Conforme a lição de San Tiago Dantas, o direito contratual oitocentista

“forneceu os meios simples e seguros de dar eficácia jurídica a todas as combinações de

Direito dos Contratos

73

interesses, aumentou, pela eliminação quase completa do formalismo, o coeficiente de

segurança das transações, abriu espaço á lei da oferta e da procura, levantando as restrições

legais à liberdade de estipular”.37

O postulado da pacta sunt servanda simboliza o entendimento que restava

predominante sobre a dinâmica contratual: o que foi contratado corresponde exatamente ao

que deveria ser obrigatoriamente cumprido. Usualmente o princípio da força obrigatória

dos contratos é mencionado através da expressão “o contrato é lei entre as partes”.

Circunstâncias externas à relação contratual, contudo, tomaram de assalto o

sinalagma estabelecido entre as partes contratantes, sobretudo a partir do desenvolvimento

industrial, da crescente concentração de renda e das constantes crises econômicas que se

fizeram sentir no início do século XX.

A vontade individual, livremente declarada no instrumento contratual, passava a

gerar situações de extrema iniqüidade, sendo necessário operar-se uma revisão em seus

termos, caso ainda houvesse qualquer interesse no cumprimento do avençado.

Observe-se que o equilíbrio demandado por tal cenário é bastante delicado: se por

um lado é necessário rever os termos do contrato, a utilização desse expediente de forma

abusiva, ou mesmo reiterada à exaustão, poderia engendrar a insegurança nas relações

econômicas, atuando em detrimento da própria circulação de riquezas na sociedade.

Avulta-se nesse cenário o papel do magistrado, que atuará sobre a situação de

desequilíbrio do contrato, adequando as obrigações às expectativas compartilhadas pelas

partes quando de sua celebração. È também nesse cenário que surgem as chamadas teorias

da imprevisão e da onerosidade excessiva, devendo-se abordar as mesmas em face da sua

recente – e polêmica - positivação no código civil brasileiro.

A Teoria da Imprevisão e a Teoria da Onerosidade Excessiva

37

San Tiago Dantas. Problemas de Direito Positivo. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2004;

p. 3.

Direito dos Contratos

74

O debate sobre as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva surge no

referido cenário de flexibilização da força obrigatória dos contratos. As duas teorias

apresentam requisitos distintos para efetivar a revisão dos termos do contrato e a sua

confusão gera, por vezes, denominações trocadas por parte de alguns diplomas legais.

Nesse sentido, é importante frisar que a teoria da imprevisão tem como seu signo

distintivo a necessidade de que o fator que venha a alterar o equilíbrio contratual não

pudesse ser previsto pelas partes quando da celebração do instrumento. A teoria da

onerosidade excessiva, por seu turno, requer não a imprevisão, mas sim a ocorrência de

um agravamento tal na situação de uma das partes que os termos da avenca precisem ser

revistos. É claro que as duas teorias podem convergir, gerando uma necessidade de

ambos os requisitos (imprevisão e onerosidade) para que se opere a revisão, mas esse

encontro de requisitos deve constar explicitamente da legislação aplicável. Esse é

justamente o caso da legislação brasileira.

O Código Civil brasileiro denomina como uma das causas de extinção do

contrato a “onerosidade excessiva”. Conforme será analisado, o Código Civil, na

verdade, requer muito mais do que a simples onerosidade para extinguir (ou mesmo

rever) a relação contratual, arrolando como um dos seus requisitos também a necessária

imprevisibilidade das circunstâncias que transformam o sinalagma contratual.

Nessa direção, surge ainda um outro debate: o Código Civil parece conferir

prioridade à extinção do contrato quando confrontado com os requisitos da “teoria da

onerosidade excessiva”. O tema será melhor detalhado na próxima aula, mas vale desde

já afirmar que essa opção presente no Código Civil tem sido alvo de diversas críticas por

parte da doutrina, sobretudo em prol do aproveitamento das relações contratuais e da

valorização do adimplemento quase integral das obrigações pertinentes ao contrato,

evitando que o contrato seja extinto por todo e qualquer motivo. Aqui ganha espaço a

teoria do adimplemento substancial.

Retornando ao objeto da presente aula, é importante lembrar que a “teoria da

onerosidade excessiva” encontra-se prevista no Código Civil no art. 317, o qual dispõe

sobre a sua atuação para fins de revisão do contrato (embora esteja deslocado no capítulo

Direito dos Contratos

75

sobre pagamento, ou seja, fora do título pertinente aos contratos) e nos artigos 478 a 480,

os quais tratam da onerosidade como causa para extinção das relações contratuais.

A partir de uma análise do Código Civil, pode-se afirmar que são quatro os

requisitos que possibilitam a revisão de um contrato com base na “onerosidade

excessiva”: (i) a existência de contratos de execução continuada ou diferida; (ii) a

onerosidade excessiva; (iii) a presença de extrema vantagem para uma das partes; e (iv)

a imprevisibilidade das causas geradoras da onerosidade.

O primeiro requisito aponta para a necessidade do contrato em foco se prolongar

no tempo, dando ensejo à eventual alteração das circunstâncias presentes quando de sua

pactuação. Nesse sentido, não pode aplicar a teoria da onerosidade excessiva em

contratos de execução imediata ou instantânea.

A presença de onerosidade excessiva propriamente dita, o segundo requisito para

aplicação da revisão dos termos contratuais, impõe a constatação de que a obrigação de

uma das partes sobre um aumento considerável, desequilibrando o sinalagma contratado.

A parte, quando contrata, não coloca em risco a integralidade de seu patrimônio. Ela

imagina que, dentro das expectativas concernentes àquele contrato, os riscos em se

envolver na transação podem variar dentro uma perspectiva razoável. Uma vez que o

cumprimento da obrigação passa a ameaçar mais do que razoavelmente esperado o

patrimônio de uma das partes, cabe pleitear a revisão dos termos da avença.

Mas não basta que a execução do contrato se prolongue no tempo e que haja

onerosidade excessiva sobre as obrigações de uma das partes, é necessário ainda,

conforme disposto no Código Civil, que uma das partes obtenha extrema vantagem com

relação ao outro contratante.

Esse terceiro requisito sofre críticas por parte da doutrina uma vez que podem

ocorrer situações em que uma das partes seja onerada sem que a outra tenha uma

vantagem por conta desse evento. Embora usual, o prejuízo de uma das partes não

deveria ser atrelado à existência de vantagem para a outra parte da avença.

Direito dos Contratos

76

Por fim, as circunstâncias que geram as alterações no sinalagma contratual devem

ser imprevisíveis para que se possa operar a revisão dos termos do contrato. A doutrina

elenca uma série de eventos que podem constituir fatores imprevisíveis para o

cumprimento acordado das obrigações, como catástrofes súbitas, surtos de epidemias,

revoluções, golpes de estado e etc.

Na prática, os tribunais têm buscado privilegiar o requisito da onerosidade

excessiva em detrimento do requisito da imprevisibilidade, fazendo-se presumir a

imprevisibilidade quando a onerosidade excessiva assume proporções tais que o

desequilíbrio da relação contratual não pode mais ser restaurado sem a intervenção do

Poder Judiciário. Trata-se de uma tentativa de objetivação da grande subjetividade que

pode haver na investigação sobre a real imprevisibilidade de um dado evento.

Uma situação que ganhou destaque no estudo do tema foi a mudança abrupta na

cotação do dólar ocorrida por conta das alterações levadas a cabo no Plano Real quando

do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em janeiro de 1999,

diversos contratos de arrendamento mercantil, cuja atualização dependiam da moeda

estrangeira, sofreram uma alta considerável, onerando as partes que buscavam adquirir

determinado bem através desses contratos de leasing.

Os tribunais nacionais, em sua grande maioria, reconheceram o direito das partes

contratantes em ter revistas as condições do contrato, buscando adequar a atualização das

parcelas referentes ao contrato por outro indexador que não aquele vinculado à flutuação

da moeda estrangeira.

Nesse sentido, veja-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO DO CONSUMIDOR. LEASING. CONTRATO COM CLÁUSULA

DE CORREÇÃO ATRELADA À VARIAÇÃO DO DÓLAR AMERICANO.

APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

REVISÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A VARIAÇÃO CAMBIAL.

ONEROSIDADE EXCESSIVA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA

VALORIZAÇÃO CAMBIAL ENTRE ARRENDANTES E ARRENDATÁRIOS.

RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO.

Direito dos Contratos

77

I – Segundo assentou a jurisprudência das Turmas que integram a Segunda

Seção desta Corte, os contratos de leasing submetem-se ao Código de

Defesa do Consumidor.

II – A cláusula que atrela a correção das prestações à variação cambial não

pode ser considerada nula a priori, uma vez que a legislação específica

permite que, nos casos em que a captação dos recursos da operação se dê

no exterior, seja avençado o repasse dessa variação ao tomador do

financiamento.

III – Consoante o art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor,

sobrevindo, na execução do contrato, onerosidade excessiva para uma das

partes, é possível a revisão da cláusula que gera o desajuste, a fim de

recompor o equilíbrio da equação contratual.

IV - No caso dos contratos de leasing atrelados à variação cambial, os

arrendatários, pela própria conveniência e a despeito do risco inerente,

escolheram a forma contratual que no momento da realização do negócio

lhes garantia prestações mais baixas, posto que o custo financeiro dos

empréstimos em dólar era bem menor do que os custos em reais. A súbita

alteração na política cambial, condensada na maxidesvalorização do real,

ocorrida em janeiro de 1999, entretanto, criou a circunstância da

onerosidade excessiva, a justificar a revisão judicial da cláusula que a

instituiu.

V - Contendo o contrato opção entre outro indexador e a variação cambial

e tendo sido consignado que os recursos a serem utilizados tinham sido

captados no exterior, gerando para a arrendante a obrigação de pagamento

em dólar, enseja-se a revisão da cláusula de variação cambial com base no

art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, para permitir a distribuição,

entre arrendantes e arrendatários, dos ônus da modificação súbita da

política cambial com a significativa valorização do dólar americano.”38

Note-se que, de toda forma, o julgado acima, mesmo prestigiando a onerosidade

excessiva como principal argumento a gerar a necessidade de revisão contratual, também

leva em consideração o fato da maxidesvalorização do real frente à moeda estrangeira ter

sido “súbita”, o que aponta para a convergência das duas teorias, tanto no Código Civil

como na aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A teoria da quebra da base do negócio jurídico

38

STJ, Resp nº 437660 / SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; j. em 08.04.2003.

Direito dos Contratos

78

A afirmação da teoria da quebra da base do negócio jurídico, de origem

germânica, representa uma tentativa de conferir critérios cada vez mais objetivos para a

revisão dos termos contratuais. Afastando-se de uma análise focada na vontade das

partes contratantes, essa teoria privilegia o exame dos efeitos causados pela alteração das

circunstâncias presentes no momento da contratação. Em outras palavras, o foco da

teoria reside no desequilíbrio entre as prestações recíprocas estabelecidas no instrumento

contratual.

Encontrando bastante aceitação na doutrina moderna, em grande parte devido ao

crescimento do campo de atuação do princípio da boa-fé objetiva, a teoria da quebra da

base do negócio jurídico franqueia ao juiz a revisão dos termos do contrato se o conjunto

das circunstâncias essenciais para o sentido do cumprimento contratual são alteradas,

independentemente de qualquer consideração sobre estados psicológicos das partes

contratantes, ou seja, se as partes sabiam ou não do evento.

Segundo Larenz, um dos autores mais mencionados sobre o tema, a quebra da

base do negócio jurídico pode ocorrer por dois motivos: (i) a ocorrência de desequilíbrio

exagerado entre as prestações, de forma que não há mais sentido em se referir à

“prestação e “contraprestação”; e (ii) o desaparecimento da “finalidade objetiva do

contrato”, mesmo ainda sendo possível o cumprimento da prestação por parte do

devedor.39

A principal contribuição dessa teoria, além da tentativa de objetivação do debate,

reside no fato de que é permitido ao juiz rever os termos do contrato, ou mesmo

extinguí-lo, pelo fato de que o seu escopo tornou-se frustrado.

Diversas são as hipóteses de aplicação dessa teoria podem ser encontradas no

direito brasileiro. A mudança objetiva nas circunstâncias existentes quando da

celebração do contrato foi, por exemplo, o motivo para que o contrato fosse revisto no

julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Recurso Especial nº 135151/RJ, em

outubro de 1997, do qual se extrai o seguinte trecho:

39

Karl Larenz. Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos. Madri: Editorial

Revista de Derecho Privado; p.41.

Direito dos Contratos

79

“O fato superveniente da inflação em índices imprevistos ao tempo da

celebração do contrato, celebrado sem cláusula de correção monetária

alterou substancialmente a base objetiva em que se fundava o negócio de

promessa de compra e venda, com prestações a vencer a longo prazo,

época em que já se fazia sentir o retorno galopante da inflação. Esse fato,

previsível ou não, determinou uma modificação objetiva das

circunstâncias existentes ao tempo em que as partes manifestaram a sua

vontade e elaboraram as cláusulas da avença, o que não pode ser

desprezado para o exame da economia do contrato. Essa modificação

que justificava a revisão do contrato determinou conseqüentemente que a

atualização das prestações, vencidas a partir da data consignada no

pedido inicial, deve ser calculada de modo a considerar, neste reajuste a

inflação verificada depois da data do contrato, porquanto a

desvalorização da moeda já ocorria antes do vencimento da prestação

diferida. ‟‟40

Vale destacar que a decisão acima se distancia de um entendimento, majoritário

no início dos anos 90, no sentido de que as alterações sofridas nas relações contratuais

por força do aumento inflacionário, conseqüência dos sucessivos planos econômicos

utilizados pelo governo federal nos anos 80 e 90, não possibilitaria a revisão contratual.

Nessa direção, tornou-se célebre o entendimento de que “plano econômico e aumento

inflacionário não são imprevisíveis”.

Atualmente, embora a desvalorização de uma moeda possa ser tomada como uma

circunstância de certa forma previsível, a intensidade de sua valorização ou

desvalorização poderá dar ensejo ao pleito de revisão, ou mesmo de extinção do

contrato. Esse posicionamento parte de bases mais objetivas para avaliar a possibilidade

de interferência do Poder Judiciário na dinâmica das relações contratuais.

2. Caso gerador:41

Engerato Serviços de Engenharia Ltda. era uma sociedade empresária de porte

modesto que estava começando a se lançar no mercado. Diante da abertura de uma

40

STJ, Recurso Especial nº 135151-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em out/1997. 41

O presente caso gerador foi extraído da Apostila “Revisão dos Contratos”, elaborada por

Pedro Oliveira da Costa e Sergio Negri para os cursos de educação continuada da Escola de

Direito da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro.

Direito dos Contratos

80

Licitação pela empresa pública Enerminas, a empreiteira viu sua grande chance de

despontar em meio às outras empresas concorrentes.

Escolhida pela referida empresa pública, a Engerato celebrou um contrato de

implementação do canteiro de obras da vila dos funcionários que trabalhariam na

edificação de uma grande usina hidrelétrica. Convencionou-se o prazo de 2 anos para a

execução e conclusão da empreitada, estabelecendo um sistema de ajuste periódico dos

preços conforme sua variação no mercado durante o decorrer do contrato.

Todavia, a Enerminas não agiu da maneira esperada e, por sua culpa, a obra

estendeu-se por 5 anos, ao invés dos 2 contratualmente ajustados.

Tornando-se completamente inoperante o sistema de reajuste de preços estipulados

para os dois anos convencionados, a Engerato contraiu uma série de dívidas e entrou em

uma grave crise financeira. Sujeitou-se a vários processos e requerimentos de falência.

Formulou, então, pedido de revisão de contrato que, depois de negado pela dona da obra,

veio a ser acolhido em recurso administrativo, pelo Ministério das Minas e Energia.

Aproveitando-se da situação da Engerato, que era de total aflição financeira e de

iminência de ter a sua falência decretada, a Enerminas ofereceu-lhe como saída imediata

do impasse a suplementação de preço que cobriria apenas os valores dos títulos

protestados e dos créditos que instruíram os pedidos de falência. Nada mais do que isso se

dispunha a pagar.

Para evitar a quebra iminente, a empreiteira aceitou a ínfima oferta e deu a total

quitação exigida pela empresa pública, tendo recebido, na verdade, cerca de um décimo do

prejuízo já então definitivamente apurado, isto é, do verdadeiro crédito existente entre as

partes.

De acordo com os fatos anteriormente narrados, analise as seguintes questões:

1. Seria válido o segundo acordo firmado entre a Enerminas e a Engerato? Em caso

negativo, quais seriam as causas da invalidação?

Direito dos Contratos

81

2. Poderia a Engerato instaurar algum tipo de ação de modo a desfazer o acordado

com a Enerminas? Sob qual(is) fundamento(s)?

3. Existiria alguma forma de a Enerminas resolver a situação mantendo o negócio

jurídico com a empreiteira?

4. Imagine que a Engerato estivesse passando por uma grave crise financeira advinda

de um contrato de risco com uma terceira empresa. O fato de não ter sido a

Enerminas uma das responsáveis pela crise da empreiteira altera as condições sob

as quais ocorreu o acordo firmado com a Engerato, totalmente prejudicial a esta?

3. Questão de concurso:

126º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase

24. Relativamente à onerosidade excessiva, é correto afirmar:

(a) No Código de Defesa do Consumidor a onerosidade excessiva deve sempre advir de

evento extraordinário e imprevisível, que dificulta o adimplemento da obrigação de

uma das partes;

(b) No Código de Defesa do Consumidor não há qualquer menção à resolução

contratual por onerosidade excessiva;

(c) O Código Civil adotou a teoria da onerosidade excessiva tendo atrelado a esse

conceito a teoria da imprevisão. Assim, havendo desequilíbrio no contrato, somente

por acontecimento superveniente extraordinário ou imprevisível, poder se-á pleitear

a resolução do contrato;

(d) A onerosidade excessiva, no Código Civil, independe da demonstração de fato

superveniente imprevisível ou extraordinário, bastando a demonstração

do desequilíbrio contratual.

Gabarito: 24 (c).

Direito dos Contratos

82

Aula 11

Título: EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

Ementário de temas: Extinção normal do contrato - Causas de extinção anteriores ou

contemporâneas ao vínculo contratual - Causas de extinção supervenientes à formação do

vínculo - Resolução por inexecução voluntária do contrato - Resolução por inexecução

involuntária - Resolução por onerosidade excessiva - Resilição bilateral (distrato) -

Resilição unilateral - Flexibilizando a opção pela resolução contratual - A Teoria do

Adimplemento Substancial – Exceção de contrato não cumprido.

Leitura obrigatória: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – vol. III

– contratos. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004; pp. 147/168.

Leituras complementares: BECKER, Anelise. “A doutrina do adimplemento substancial no

direito brasileiro e em perspectiva comparatista”. In Revista da Faculdade de Direito da

UFRGS, vol. 9, n. 1; BESSONE, Darcy. Do Contrato. Rio de Janeiro: Forense, 1960; p.

319/332.

1. Roteiro de aula:

Quando termina o contrato? O estudo da extinção da relação contratual é mais

complexo do que simplesmente identificar um momento a partir do qual as partes

contratantes deixam de estar vinculadas pelos termos de um instrumento contratual. Com

mais ênfase na moderna teoria contratual, erigida sob os princípios de funcionalidade e

sociabilidade do contrato, a análise de sua extinção passa por diversas considerações sobre

a oportunidade de se encerrar o contrato (como visto na aula anterior, optando-se, certas

vezes, pela revisão em detrimento da extinção do vínculo) e sobre os impactos decorrentes

de seu cessamento.

Fale-se em “extinção” do contrato, mas a doutrina prestigia uma série de outras

expressões ao abordar o tema da presente aula, como “resolução”, “resilição” ou “rescisão”.

Nesse sentido, é importante, antes de tratar das hipóteses de extinção do vínculo contratual,

delimitar exatamente o sentido de cada um desses termos.

Pode-se dividir as formas de extinção de um contrato em três grupos: (i) a extinção

pelo esgotamento de seu objeto, com o adimplemento das respectivas obrigações; (ii) a

Direito dos Contratos

83

extinção, que não pela via normal, por causas anteriores ou contemporâneas ao nascimento

do vínculo contratual; e (ii) a extinção, que não pela via normal, por causas supervenientes

à sua formação. No segundo caso, o vício que irá fulminar o contrato remonta à sua

formação. No último caso, o fator que irá extinguir a relação contratual surge apenas

durante a vida do contrato.

Extinção normal do contrato

O contrato se encerra com o adimplemento de suas obrigações. A execução do

contrato é, portanto, a sua forma normal de extinção. Com ela libera-se o devedor, restando

satisfeito o credor. A satisfação do credor será atestada através de um instrumento

denominado quitação.

A quitação é a principal prova do cumprimento da obrigação por parte do devedor

(documento escrito). Receber a quitação é um direito do devedor, de forma que ele poderá

reter o pagamento se a mesma não lhe for entregue, ou o for de modo irregular, podendo

consignar a quantia devida (arts. 319 e 335, I do CC). Conforme a redação dos

mencionados dispositivos:

Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o

pagamento, enquanto não lhe seja dada

Art. 335. A consignação tem lugar:

I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o

pagamento, ou dar quitação na devida forma;

É essencial que a quitação disponha sobre a prestação específica, mas não pode o

devedor deixar de recebê-la se o credor fizer menção à outra dívida.

Os requisitos da quitação encontram-se no artigo 320 do Código Civil. São eles: (i)

designar o valor e a espécie da dívida quitada; (ii) o nome do devedor, ou quem por este

pagou; (iii) o tempo e o lugar do pagamento; e (iv) assinatura do credor ou de seu

representante.

Direito dos Contratos

84

Ainda sobre o termo de quitação, vale lembrar que o mesmo não precisa conter a

mesma forma pela qual o contrato foi celebrado. Essa permissão é bastante importante para

contratos celebrados através de escritura pública, não sendo requerida tal formalidade para

a entrega da quitação. Situação distinta ocorrerá com o distrato, que deverá seguir a forma

exigida em lei para o contrato, conforme visto adiante.

Mesmo sem todos os requisitos, vale a quitação se dos seus termos for possível

depreender o pagamento da obrigação. Apesar de ser a prova mais contundente, o

adimplemento poderá ser provado por outras formas, inclusive por prova testemunhal.

Causas de extinção anteriores ou contemporâneas ao vínculo contratual

No segundo grupo de formas de extinção do contrato, encontram-se aquelas

derivadas de causas anteriores ou contemporâneas ao vínculo contratual, como a (i)

nulidade; (ii) a condição resolutiva; e (iii) o direito de arrependimento.

A nulidade é a sanção por meio da qual a lei priva o contrato celebrado sem atenção

aos seus requisitos de validade para produzir efeitos jurídicos. A nulidade absoluta (arts.

166, I a VII e 167 do CC) é a sanção voltada para quem viola preceito de ordem pública,

operando de pleno direito. O contrato não poderá ser confirmado e não produz efeitos desde

a sua formação (art. 169 do CC). Os mencionados artigos estão assim redigidos:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua

validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

Direito dos Contratos

85

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem

cominar sanção

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem

convalesce pelo decurso do tempo.

Como já visto, a nulidade relativa (art. 171 do CC) atinge os contratos celebrados

pelos relativamente incapazes ou por quem tenha prestado o seu consentimento por erro,

dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. Esses contratos são apenas

anuláveis, produzindo efeitos até a sua anulação. Eles poderão ainda, vale ressaltar, ser

confirmados, conforme disposto no art. 172 do Código Civil.

O tratamento da condição resolutiva, por sua vez, depende da diferenciação de duas

modalidades: as condições resolutivas tácitas e as expressas. A condição resolutiva tácita

(arts. 475 e 476 do CC) está subentendida em todos os contratos bilaterais sinalagmáticos.

Caso uma parte não cumpra com as suas obrigações, pode a outra pedir a rescisão

contratual – ou o seu cumprimento – somado às perdas e danos. O cumprimento de uma

obrigação fundamenta a execução da outra, o que motiva a extinção do contrato.

O pronunciamento da rescisão do contrato deverá ser judicial (art. 474 do CC), não

se rescindindo o contrato de pleno direito. Nada impede, todavia, que as partes estipulem

uma cláusula resolutiva expressa. Nesse caso, a extinção do contrato independe de decisão

judicial (art. 474, 1ª parte, do CC), ocorrendo de pleno direito com a inexecução das

obrigações de uma das partes.

O direito de arrependimento, por fim, também é uma causa de extinção do contrato

anterior ou contemporânea à sua formação. Os contratantes podem estipular que, dentro de

um determinado prazo, as partes podem desistir do contrato. Comumente se estabelece uma

multa pelo exercício desse direito, encerrando-se então o vínculo contratual.

O direito de arrependimento pode, contudo, decorrer da lei (art. 420 do CC, ou

mesmo o art. 49 do CDC). O art. 49 do CDC prevê que o consumidor tem até 7 (sete) dias

para desistir do contrato, observadas as seguintes circunstâncias:

Direito dos Contratos

86

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de

sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a

contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do

estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto

neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo

de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Causas de extinção supervenientes à formação do vínculo

O estudo das causas de extinção supervenientes à formação do vínculo contratual

traz à tona o debate sobre as diversas expressões utilizadas pela doutrina para se referir à

extinção do contrato.

Dentro desse terceiro grupo, pode-se arrolar como causas de extinção do contrato as

seguintes hipóteses: (i) resolução por inexecução voluntária do contrato; (ii) resolução por

inexecução involuntária do contrato; (iii) resolução por onerosidade excessiva; (iv)

resilição bilateral ou distrato; e (v) resilição unilateral.

Para fins de uniformização da linguagem, resolução é a extinção do contrato ligada

ao inadimplemento contratual. Nesses casos, a inexecução pode ser voluntária ou

involuntária. Conforme expressa Ruy Rosado de Aguiar Jr:

“Resolução é um modo de extinção dos contratos, decorrente do exercício

do direito formativo do credor diante do incumprimento do devedor. Pode

constar de cláusula contratual expressa (resolução convencional, art. 474

do Código Civil); mas, exista ou não previsão contratual, a regra do art.

475 do Código Civil incide sobre todos os contratos bilaterais, autorizando

o credor pedir em juízo a resolução do contrato descumprido (resolução

legal)”42

.

Resilição, por sua vez, é a extinção do contrato por vontade de uma ou todas as

partes contratantes, podendo assim ser unilateral ou bilateral.

42

Aguiar Junior, Ruy Rosado de, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor –

resolução. 2a ed., Rio de Janeiro, AIDE Editora, 2003, p. 12.

Direito dos Contratos

87

Abaixo serão analisadas as quatro hipóteses em separado.

Resolução por inexecução voluntária do contrato

Nessa hipótese o contrato é extinto pela inexecução voluntária de suas obrigações

por parte de um contratante.

Se o contrato for de execução continuada, a sua extinção não implica na devolução

das parcelas já pagas. Todavia, no CDC (art. 53) é vedada a retenção pelo credor de todas

as prestações pagas, quando o mesmo retomada a coisa alienada por conta da inexecução.

Resolução por inexecução involuntária

A inexecução provém aqui de fato alheio à vontade das partes. Como não há culpa,

a parte faltosa não se submete ao pagamento de perdas e danos, e o liame contratual é

encerrado sem a necessidade de declaração judicial. Caso o motivo da inexecução seja

provisório, o contrato pode ser suspendido ao invés de rescindido.

Resolução por onerosidade excessiva

O princípio da autonomia da vontade, como visto, não é absoluto, sofrendo

limitações por força do dirigismo contratual (supremacia do interesse público nas relações

privadas). Aqui, a ocorrência de fatos posteriores ao vínculo torna, de um lado, uma

obrigação muito onerosa, e de outro, criam vantagem não justificada.

O Código Civil, como visto, utiliza tanto a “teoria da imprevisão” como a “teoria da

onerosidade excessiva” nos dispositivos de revisão/extinção da relação contratual. Segundo

o Código, a onerosidade excessiva, decorrente de evento imprevisível e extraordinário, que

dificulta o adimplemento de obrigação, é motivo de resolução contratual, ou mesmo de sua

revisão.

São requisitos para a resolução do contrato por onerosidade excessiva: (i) a vigência

de um contrato de execução continuada; (ii) alteração radical das condições econômicas;

Direito dos Contratos

88

(iii) onerosidade excessiva para uma das partes e benefício exagerado para a outra; e (iv)

imprevisibilidade e extraordinariedade do evento.

Os dispositivos que regem a matéria no Código Civil têm a seguinte redação:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação

de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema

vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e

imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da

sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar

eqüitativamente as condições do contrato.Art. 480. Se no contrato as

obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a

sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de

evitar a onerosidade excessiva.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,

poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo

de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Como já visto, isolado na seção sobre “pagamento” do Código Civil, o art. 317, que

também é aplicável à matéria, tem redação em certos pontos conflitante com o regime da

resolução. O art. 317 trata da revisão do contrato por onerosidade excessiva, e assim está

redigido:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção

manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua

execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que

assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Sobre a teoria da onerosidade excessiva (ainda que se valendo dos requisitos de

imprevisão, conforme comandado pelo Código Civil), vale lembrar que a sua consagração

no Código não representa a revogação, ou extinção da autonomia da vontade como

princípio contratual, mas apenas a sua flexibilização perante outros interesses que não

apenas aqueles detidos pela parte que se aproveita de uma relação contratual. Conforme

afirmando por Arnoldo Wald:

Direito dos Contratos

89

“Dentro do nosso sistema, que é o da legalidade ocidental, as restrições à

liberdade contratual não devem ser interpretadas como um declínio do

direito, na expressão autorizada mas saudosista de Ripert”.

“A teoria da imprevisão não extingue a autonomia da vontade; consiste

numa interpretação construtiva do conteúdo dessa vontade. À lei e ao juiz

cabe a função de garantir os direitos individuais dentro dos limites em que

podem ser exercidos no interesse superior da sociedade. E a teoria da

imprevisão realiza a superior conciliação do interesse individual e da

necessidade social, da justiça e da segurança, que são as finalidades

precípuas do direito.”43

Com a introdução, nos arts. 478/480, de regras relativas à onerosidade excessiva, o

novo Código Civil apenas passou a prever expressamente aquilo que já era defendido pela

doutrina e vinha sendo aplicado pela jurisprudência em diversas ocasiões. Conforme bem

explicita Silvio Rodrigues:

“A tendência inovadora da doutrina refletiu-se, de maneira muito marcante,

na tentativa de se estabelecer a imprevisão na legislação brasileira. Essa

tendência é bastante antiga e se manifestou em todas as tentativas de

reforma da legislação civil brasileira”44

Novamente recorrendo à lição de Arnoldo Wald, pode-se destacar que:

“Também em relação à teoria da imprevisão, o novo Código não chega a

inovar radicalmente, por já existir a revisão legalmente prevista em

determinados contratos, como os de locação comercial, e ter sido a mesma

generalizada pela jurisprudência no tocante ao contrato de empreitada,

tanto no campo do direito privado como na área do direito administrativo.

Houve, no caso, a transformação de uma norma, que já foi considerada

excepcional, em verdadeiro princípio geral do direito, que, no fundo, deflui

da própria vedação ao enriquecimento sem causa.”45

De qualquer sorte, a inserção da resolução por onerosidade excessiva no novo

Código Civil representa um avanço, consignando no corpo do diploma legal comando em

tudo alinhado aos preceitos que informam a nova teoria contratual, flexibilizando-se a força

43

Arnoldo Wald. Direito das Obrigações. São Paulo, Malheiros, 2001, p. 261/262.

44

Silvio Rodrigues. Direito Civil, v. III. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 22. 45

Arnoldo Wald. “O novo Código Civil e o Solidarismo Contratual”, in Revista de Direito

Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem nº 21, pp. 38/39.

Direito dos Contratos

90

obrigatória dos contratos em homenagem a outros princípios como o equilibrio econômico-

financeiro do contrato (visto na aula anterior) e a própria função social do contrato.

Resilição bilateral (distrato)

A resilição bilateral do contrato é a dissolução do vínculo contratual pela

manifestação da vontade de ambas as partes contratantes. Também conhecido como

distrato, trata-se de verdadeiro negócio jurídico que é celebrado pelas partes para o fim de

romper o vínculo contratual.

Distintamente do que ocorre com a quitação, o distrato deve seguir a forma exigida

em lei para o contrato que se pretende extinguir. Se a forma é livre por lei, mas as partes

recorreram à formalidade para celebrar o contrato porque assim quiseram, o distrato não

obrigatoriamente precisa seguir essa forma. A formalidade que se exige do contrato é

aquela prevista na legislação, caso a mesma requeira forma especial para celebração do

contrato.

Resilição unilateral

Nessa última hipótese são enfocados os contratos que comportam a extinção do

vínculo pela simples manifestação de vontade de uma das partes contratantes, como no

mandato. Nos contratos por prazo indeterminado, é natural que uma das partes decida

encerrar o vínculo, concedendo à outra um aviso prévio.

São formas especiais de resilição unilateral: (i) a revogação, que ocorre quando a lei

permite que a parte contratante, cumpridas algumas exigências, opere a resilição (como no

mandato); e (ii) a renúncia, ato pelo qual um contratante notifica o outro que não mais

pretende exercer um direito.

Os dispositivos sobre o contrato de mandato ilustram bem essas duas hipóteses:

Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não

se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram;

mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber

contra o procurador.

Direito dos Contratos

91

Art. 687. Tanto que for comunicada ao mandatário a nomeação de outro,

para o mesmo negócio, considerar-se-á revogado o mandato anterior.

Art. 688. A renúncia do mandato será comunicada ao mandante, que, se for

prejudicado pela sua inoportunidade, ou pela falta de tempo, a fim de

prover à substituição do procurador, será indenizado pelo mandatário,

salvo se este provar que não podia continuar no mandato sem prejuízo

considerável, e que não lhe era dado substabelecer.

Por fim, vale ressaltar que a resilição unilateral não requer pronunciamento judicial.

Flexibilizando a opção pela resolução contratual - A Teoria do Adimplemento Substancia:

No cerne de todo o debate sobre a valorização do vínculo contratual e a mudança da

extinção do contrato como regra, e a sua revisão como exceção, encontra-se a chamada

teoria do adimplemento substancial.

A mencionada teoria se originou na Inglaterra, no século XVIII, a partir do caso

Boone v. Eyre. Ela parte da premissa de que todo contrato possui obrigações dependentes,

que são interdependentes entre si – com perdão da ênfase, e independentes, ou seja,

acessórias, cujo descumprimento geraria resultados diversos.

A lição de Anelise Becker esclarece a distinção, como foco no direito anglo-saxão:

“A distinção é muito clara; se as estipulações recíprocas concernem à

totalidade da consideration de parte a parte, são conditions mútuas e cada

qual tem o efeito de suspender a outra. Ao contrário, se concernem somente

a uma parte da consideration, a inexecução pode ser reparada por perdas e

danos. Modernamente, tal distinção transformou-se na oposição entre

conditions e warranties. As conditions são cláusulas essenciais, constituindo

a própria substância do contrato, cujo cumprimento é imprescindível à

manutenção do sinalagma. As warranties, por sua vez, correspondendo

àquelas „obrigações independentes‟, estão em uma segunda ordem de

importância e seu descumprimento, portanto, não afeta o equilíbrio

contratual (consideration)”46

.

46

Anelise Becker. “A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em

perspectiva comparativista”. In Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 9, n.1,

p.62.

Direito dos Contratos

92

Uma vez violada uma condition, a extinção do contrato seria levada a cabo por

quebra do equilíbrio contratual. A violação de uma warranty, por seu turno, ainda garante à

parte prejudicada a possibilidade de pleitear o adimplemento. É comum que esse pleito seja

realizado com a adição de perdas e danos relacionados ao inicial descumprimento da

obrigação.

Novamente com base no texto de Anelise Becker, pode-se afirmar que:

“A tendência atual da jurisprudência inglesa é no sentido de adotar como

critério geral, para fins de resolução do contrato, a própria base da

distinção, que tem caráter estritamente objetivo. Trata-se de verificar se o

inadimplemento é ou não fundamental (fundamental breach).

Conseqüentemente, está-se dando maior poder de apreciação para o

julgador. Uma vez que o critério é objetivo, ele não mais estará vinculado

tão estritamente às estipulações contratuais acerca do que seja ou não

condition: verificará a relação de fato entre o adimplido e a totalidade da

prestação [...]. Se o inadimplemento de um dos contratantes constituir uma

fundamental breach, o outro poderá resolver o contrato, do mesmo modo

como se se tratasse de um inadimplemento total. Do contrário, as

conseqüências serão as de um adimplemento substancial”47

.

Não há um conjunto de regras pré-definidas que determinem se um adimplemento

foi ou não substancial. Todavia, a elaboração dessa doutrina serve de suporte para o

julgador fazer valer o princípio da boa-fé na prática contratual, privilegiando o

cumprimento o mais próximo possível da integralidade das obrigações e evitando a

extinção do contrato como regra para a solução dos conflitos gerados no relacionamento

entre as partes.

Exceção de Contrato não Cumprido

O capítulo sobre a extinção do contrato no Código Civil menciona ainda a exceção

do contrato não cumprido. A referida exceção tem lugar em contratos de natureza bilateral,

no qual as partes contratantes são reciprocamente devedores e credoras. Aqui, as obrigações

são interdependentes, isto é, a obrigação de uma das partes tem como causa a obrigação da

outra parte e vice-versa.

47

Anelise Becker, ob. cit., p. 62.

Direito dos Contratos

93

Segundo dispõe o artigo 476 do Novo Código Civil: “Nos contratos bilaterais,

nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da

do outro”.

Existe uma imprecisão técnica cometida no tratamento dado à exceptio non

adimpleti contractus, incluída como causa determinante de extinção do contrato. Na

verdade, ela constitui apenas uma oposição temporária do devedor à exigibilidade do

cumprimento de sua obrigação enquanto não cumprida a contraprestação do credor.

Sobre a exceptio, vale mencionar que a sua aplicação nos contratos administrativos

sofre alguma limitação, por força de dispositivo especial constante da Lei nº 8666/93, assim

redigido:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela

Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas

destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública,

grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o

direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que

seja normalizada a situação;

A operacionalização da exceptio em muito se relaciona com os ditames de boa-fé,

estudados em aulas anteriores. Conforme expõe Caio Mário, trata-se de “instituto animado

de um sopro de eqüidade”, o qual “deve à sua invocação presidir a regra da boa-fé, não

podendo erigir-se em pretexto para o descumprimento do avençado. Assim é que, se ambas

as prestações têm de ser realizadas sucessivamente, é claro que não cabe a invocação da

exceptio por parte do que deve em primeiro lugar, pois que a do outro ainda não é devida;

mas, ao que tem de prestar em segundo tempo, cabe o poder de invocá-la, se o primeiro

deixou de cumprir. Sendo simultâneas, a sua interdependência funcional autoriza a recusa,

sob alegação de falta de cumprimento pois que non servanti fidem non est fides

servanda”.48

48

Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil – vol. III – contratos. 11ª ed.

Rio de Janeiro, Forense, 2004; pp. 160-161.

Direito dos Contratos

94

2. Caso gerador:49

Em agosto de 2004 começaram as obras para a construção do novo shopping de

Leopoldina, cidade de Minas Gerais. Vários proprietários de lojas interessaram-se pela

instalação de seus negócios no novo estabelecimento. E, dentre eles, José Agostino Avelar,

dono da conhecida loja Ryplei, que comercializava roupas infanto-juvenil na cidade.

José, então, celebrou com a Construtora Garcia & Garcia Ltda, responsável pela

construção do shopping, contrato de promessa de compra e venda, que tinha por objeto a

aquisição de uma das lojas.

Passados oito meses, dentro da data prevista, a construção foi finalizada e as lojas

vendidas ou locadas a eventuais interessados. Contudo, o estabelecimento que seria

adquirido por José Agostino não saiu exatamente como ele queria. Havia uma coluna

passando no centro da loja, o que diminuía em alguns centímetros o espaço acordado com

a construtora.

O contrato preliminar já havia sido celebrado e, então, a Construtora requereu

junto a José que este assinasse a avença principal para se efetuar, de fato, a compra da

loja. Este, por sua vez, recusou-se a celebrar o acordo sob o argumento de que a

Construtora não seguiu exatamente o estabelecido no contrato de promessa de compra e

venda.

A partir dos fatos anteriormente narrados, analise as seguintes questões:

1) A celebração do contrato de promessa de compra e venda vincularia tanto José

Agostino quanto a Construtora Garcia & Garcia Ltda à celebração do contrato

principal de compra e venda? Por que?

2) A coluna erguida no centro da loja modificaria a destinação que seria, a princípio,

conferida ao estabelecimento? O fato de ter reduzido em alguns centímetros o

49

O presente caso gerador foi extraído da Apostila “Extinção dos Contratos”, elaborada por

Pedro Oliveira da Costa e Juliana Melhado para os cursos de educação continuada da

Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro.

Direito dos Contratos

95

espaço previsto para o estabelecimento modifica a situação em que fora

estabelecido o contrato preliminar?

3) Caberia ação rescisória do contrato de compra e venda por parte de José Agostino

Avelar? Sob qual (is) argumento (s)?

3. Questões de concurso:

25º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase

42. Sobre a extinção dos contratos, assinale a opção correta:

(a) No caso de resolução por onerosidade excessiva, os efeitos da sentença que a

decretar retroagirão à data da citação;

(b) A cláusula resolutiva tácita independe de interpelação judicial, operando-se de

pleno direito;

(c) A exceção do contrato não cumprido cabe tanto nos contratos bilaterais quanto nos

unilaterais;

(d) A resilição unilateral opera-se, em regra, mediante retenção da prestação pela parte

que não mais deseja o contrato.

123º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase

24. “A” comprou de “B” uma casa, por escritura pública, pelo preço de R$ 200.000,00,

pagando R$ 20.000,00 de sinal. “A” obrigou-se a pagar o restante do preço, ou seja, R$

180.000,00, com financiamento da Caixa Econômica Estadual, a ser obtido no prazo de

3 meses. Acontece que, após ter sido pago o sinal, referida Caixa fechou sua Carteira de

Financiamento, pelo período de um ano, o que impossibilitou o comprador “A” de

completar o pagamento do preço. Esse fato, em si:

(a) acarreta a extinção do contrato por resolução;

(b) acarreta a extinção do contrato por resilição unilateral;

(c) acarreta a extinção do contrato por rescisão unilateral;

Direito dos Contratos

96

(d) não acarreta a extinção do contrato.

Gabarito: 42 (a); 24 (a).

Direito dos Contratos

97

Aula 12

Título: ASPECTOS DA CONTRATAÇÃO ELETRÔNICA

Ementário de temas: Forma dos documentos eletrônicos - Valor probante dos

documentos eletrônicos - Algumas peculiaridades da contratação eletrônica.

Leitura obrigatória: MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no Comércio Eletrônico e a

Proteção do Consumidor. São Paulo: RT, 2004; pp. 240/280.

Leituras complementares: MENKE, Fabiano. Assinatura Eletrônica no Direito Brasileiro.

São Paulo: RT, 2005; pp. 97/150. LORENZETTI, Ricardo. Comércio Eletrônico. São Paulo:

RT, 2004; pp. 126/147. DE LUCCA, Newton. Aspectos Jurídicos da Contratação

Informática e Telemática. São Paulo: Saraiva, 2003; pp. 109/128.

1. Roteiro de aula:

A disciplina dos contratos eletrônicos não se resume ao estudo das peculiaridades da

contratação via Internet. O seu estudo mais aprofundado inclui, necessariamente, uma

análise do enquadramento da documentação eletrônica no ordenamento jurídico nacional,

para que, posteriormente, possa se analisar a contratação eletrônica em si.

Forma dos documentos eletrônicos

Em termos genéricos, pode-se conceituar “documento” como qualquer base de

conhecimento, fixada materialmente e disposta de modo que possa ser extraída cognição do

que está registrado.50

No dizer clássico de Chiovenda, é “toda representação material

destinada a reproduzir determinada manifestação de pensamento, como uma voz fixada

duradouramente”.51

Desse conceito básico, é importante notar que, para a plena validade probatória do

documento, é preciso que ele possua a capacidade de armazenar informações de forma que

impeça ou permita detectar eliminação ou adulteração de conteúdo. Essas considerações

levaram ao surgimento de conceitos derivados como o de “documento autêntico”, que

50

Ivo Teixeira Gico Júnior. “O conceito de documento eletrônico”, in Repertório IOB de

Jurisprudência nº 14 (jul/2000), caderno 3; p. 305. 51

Giuseppe Chiovenda. Instituições de Direito Processual, vol. III. Campinas, Bookseller,

1998; p. 151.

Direito dos Contratos

98

designa o documento que permita a identificação de seu autor. As exigências relativas à

detecção de alteração no conteúdo ou o seu impedimento serão fundamentais para o

reconhecimento do valor probatório do documento, como se verá mais à frente, mas não se

relacionam necessariamente com a sua validade.

O documento eletrônico, por sua vez, é definido, nos termos do art. 2º, I, do Projeto

de Lei 4.906/2001, como “a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou

comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-eletrônicos ou similares”. Em outras

palavras, o documento eletrônico pode ser entendido como aquele que possui, como meio

físico, um suporte eletrônico.52

O Código Civil adotou o princípio da liberdade de forma para a manifestação da

vontade, no que concerne aos negócios jurídicos, conforme dispõe o art. 107, determinando

que ela “não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.

Tomando por base o conceito de documento, e a liberdade de formas para a

manifestação da vontade, entende-se que a forma eletrônica é portanto perfeitamente válida

no ordenamento jurídico brasileiro. Esse entendimento é ratificado pelo já mencionado

Projeto de Lei nº 4906/2001, ao dispor em seu art. 3º que:

Art. 3º - “Não serão negados efeitos jurídicos, validade e eficácia ao

documento eletrônico, pelo simples fato de apresentar-se em forma

eletrônica.”

Deve-se ter em mente que, se o contrato verbal é admitido no direito civil brasileiro,

já nas disposições do Código Civil de 1916, não há motivo para se negar validade, em

pleno século XXI, à forma de expressão da vontade que propicia um registro corpóreo,

como o documento eletrônico.

A questão da validade do documento eletrônico está relacionada tão somente com a

possibilidade de servir como uma “representação material de um fato”. Cumprido esse

requisito, o documento será válido. Assim, a Lei Modelo da UNCITRAL – United Nation

52

Esse suporte poderá ser um disquete, um Cd-rom, ou um DVD, por exemplo (cf. Rodney

de Castro Peixoto. O Comércio Eletrônico e os Contratos. Rio, Forense, 2001; p. 86).

Direito dos Contratos

99

Commission on International Trade Law - para o comércio eletrônico prevê, em seu artigo

6º, que “quando a lei requer que a informação seja fornecida por escrito, esta exigência é

alcançada se a informação contida na mensagem é acessível para ser utilizada em futuras

referências”.53

Dessa forma, a mensagem eletrônica constitui um documento válido no

ordenamento jurídico nacional, uma vez que ela opera como representação material de uma

declaração, fornecendo-lhe o suporte no qual a sua existência permanece registrada e

passível de posterior consulta.

O questionamento juridicamente relevante sobre o documento eletrônico não reside,

porém, em sua validade, mas sim em seu valor probatório, pois nesse caso será necessário

averiguar o grau de segurança que pode disponibilizar o documento à informação nele

contida.

Valor probante dos documentos eletrônicos

Assentada a premissa de que o documento eletrônico é válido no ordenamento

jurídico brasileiro, cumpre avançar para a discussão sobre o seu valor probatório,

enfocando aqui especificamente a mensagem eletrônica.

O Código Civil, no art. 212, consagra a liberdade de forma na produção de provas,

excepcionando apenas os negócios para os quais se exige forma especial. Sendo assim, o

fato jurídico pode ser provado mediante confissão, documento, testemunha, presunção ou

perícia. O Código de Processo Civil, no seu art. 332, reforça esse princípio, ao dispor que:

“Art. 332 – Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,

ainda que não especificados nesse Código, são hábeis para provar a

verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa.”

Todavia, para fazer prova, o documento deverá estar sujeito ao implemento de uma

forma de proteção de sua autoria e conteúdo, pois somente assim, poderá ser afirmado com

53

O texto em português da Lei Modelo da UNCITRAL pode ser encontrado no endereço

http://www.dct.mre.gov.br/e-commerce/seminario_e-commerce_lei. htm (acessado em

30.05.2005).

Direito dos Contratos

100

certeza quem o produziu e a exatidão de seus termos. Essa é a complexidade que demanda

uma análise mais cuidadosa no que se refere ao documento eletrônico.

De fato, a doutrina endossa o entendimento de que, se para a validade do documento

basta a representação material de um fato, para o regime probatório o documento deverá

superar algumas exigências. Segundo expõe César Santolim, o documento deverá

apresentar as seguintes características:

“a) permita livremente a inserção dos dados ou a descrição dos fatos que se

quer registrar; b) permita a identificação das partes intervenientes, de modo

inequívoco, a partir de sinal ou sinais particulares; c) não possa ser

adulterado sem deixar vestígios localizáveis, ao menos através de

procedimentos técnicos sofisticados, assim como ocorre com o suporte

cartáceo.”54

Portanto, pode-se sintetizar as exigências para a produção de valor probatório por

parte de um documento na possibilidade de indicação de sua autoria e integridade de

conteúdo. São justamente essas duas exigências que, por não serem usualmente atendidas

no envio de uma mensagem eletrônica, fazem surgir questionamentos sobre a sua eficácia

probatória.

A mensagem proveniente de correio eletrônico, não raramente, é enviada sem que

sobre a mesma incida qualquer forma de proteção específica. O usuário, na maior parte das

vezes, apenas escolhe o destinatário, elabora o conteúdo e envia a mensagem, sem que se

tome qualquer precaução sobre o resguardo da autenticidade ou integridade do conteúdo.

Conseqüentemente, a mensagem eletrônica ordinária, sem qualquer forma de

proteção, enfrenta sérias restrições para ser admitida para que se faça prova sobre a sua

autoria ou conteúdo. Isso ocorre porque a mensagem eletrônica pode ser facilmente

interceptada em seu caminho até o destinatário, tendo o seu trajeto interrompido em um dos

diversos servidores routers que garantem o seu encaminhamento na rede mundial de

computadores.

54

César Viterbo Matos Santolim. Formação e Eficácia Probatória dos Contratos por

Computador. São Paulo, Saraiva, 1995; p. 36.

Direito dos Contratos

101

Uma vez enviada a mensagem, até alcançar o seu destinatário, passa por diversos

servidores, que são computadores destinados a dar prosseguimento ao tráfego de dados na

Internet. Nessa trajetória, caso não exista qualquer proteção, a mensagem poderá ser

interceptada, e ter o seu conteúdo alterado, o que compromete a sua utilização como prova

em juízo. O correio eletrônico, tal qual hoje desenvolvido na rede mundial de

computadores, é uma forma de comunicação que oferece um sensível grau de risco para a

integridade da mensagem, caso ela não seja protegida.55

Por isso, deve-se buscar uma forma de proteção para a mensagem eletrônica que

legitime a produção de valor probatório. Esse impasse foi resolvido pela legislação

francesa, conforme exposto por André Bertrand e Thierry Piette-Coudol, com a edição da

Lei nº 2000-203, de 13 de maio de 2000, a qual, alterando o capítulo sobre prova escrita do

Código Civil, estabeleceu a adaptação do regime probatório francês aos meios eletrônicos.

Segundo os autores, a lei enuncia duas modalidades de documento escrito – aquele escrito

em papel, e o realizado sob forma eletrônica –, não havendo qualquer espécie de hierarquia

entre elas. Dessa forma, conforme dispõe o artigo 1316-1 do Código Civil:

“Art. 1316-1. L‟écrit sous forme électronicque est admis en preuve au même

titre que l‟écrit sur support papier, sous réserve que puisse être dûment

identifiée la personne dont il émane et qu‟il soit établi et conservé dans des

conditions de nature à en garantir l‟integrité.”56

Novamente surgem como parâmetros para a segurança de um documento eletrônico,

e a conseqüente possibilidade de produzir valor probatório, a garantia de autenticidade e

integridade. Para efetuar essa proteção, a forma mais utilizada atualmente é a denominada

assinatura eletrônica, que permite assegurar a autoria e a integridade de um documento

eletrônico, através do emprego de criptografia com sistema de chaves assimétricas.

O conceito de criptografia pode ser apreendido a partir da própria etimologia da

palavra, posto que o termo deriva de dois vocábulos gregos: kriptós, que significa

55

Sobre a insegurança dos e-mails, vide, dentre outros, Amaro Moraes e Silva Neto, “O E-

mail como Prova no Direito Brasileiro”, in

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1785 (acessada em 30.05.2005). 56

André Bertrand e Thierry Piette-Coudol. Internet et le Droit. Paris, PUF, 2ª ed., 2000; p.

57

Direito dos Contratos

102

“escondido”, ou mesmo “dissimulado”, e grápho, que significa “escrita”. Assim, torna-se já

evidente que a criptografia é uma forma de escrita que proporciona a transmissão de

informações de modo que apenas os envolvidos na atividade comunicativa possam ter

acesso ao seu conteúdo.

Conforme exposto por Erica Barbagalo, a criptografia é “uma metodologia em que

se aplicam complexos procedimentos matemáticos que transformam determinada

informação em um complexo de bits de modo a não permitir seja tal informação alterada ou

conhecida por terceiros.”57

Em linhas gerais, a criptografia opera a conversão de uma mensagem, através de

uma chave digital, em uma informação de caráter ininteligível, somente podendo ser

convertida novamente para a sua forma originária com a utilização da chave respectiva, que

poderá ser a mesma previamente utilizada, ou uma outra chave que lhe corresponda, de

acordo com o sistema de criptografia utilizado.

Em um sistema de criptografia simétrica, tem-se apenas a utilização de uma mesma

chave, tanto para criptografar a mensagem, como para retorná-la ao seu conteúdo original.

Assim, a chave utilizada para converter a mensagem em um código ininteligível é enviada

para quem o remetente deseja que tenha acesso ao seu conteúdo. Aplicando sobre a

mensagem a chave que lhe foi enviada, o destinatário poderá conhecer o seu teor, expresso

de forma original e legível. Esse sistema é usualmente denominado de criptografia

simétrica, pois é a mesma chave que efetua as duas operações. Todavia, a proteção

oferecida por esse procedimento é bastante relativa, pois existe o risco de interceptação da

chave no seu envio do remetente para o destinatário.

57

Erica Brandini Barbagalo, Contratos Eletrônicos. São Paulo, Saraiva, 2001; p. 42. Sobre

a definição de criptografia, veja-se ainda a contribuição de Amaro Moraes e Silva Neto,

segundo o qual: “A criptografia (que certamente teve seu nascedouro com a própria escrita)

é a ciência de se escrever cifradamente, de modo que apenas os que detêm a chave da

cifragem possam ler a mensagem em questão. É a possibilidade de se misturar letras. Em

poucas palavras: é transformar dados legíveis em ilegíveis aos olhos indesejáveis.” (in

Privacidade na Internet, cit.; p. 112.)

Direito dos Contratos

103

Esse problema é minimizado quando se utiliza o sistema de criptografia assimétrica.

Esse sistema é baseado na existência de duas chaves, uma pública e uma privada,

matematicamente correspondentes, possuindo tanto o remetente, como o destinatário, um

par de chaves, contendo uma chave pública e uma privada, respectivamente. As chaves são,

na verdade, dois códigos de computador que se relacionam de modo que uma desfaz o que

a outra faz.

Existe, portanto, uma necessária relação entre as chaves pública e privada que

compõe um par, conforme ressalta Augusto Tavares Rosa Marcacini:

“A criptografia assimétrica, ao contrário da convencional, utiliza duas

chaves: uma das chaves dizemos ser a chave privada, e a outra, a chave

pública. Encriptando a mensagem com a chave pública, geramos uma

mensagem cifrada que não pode ser decifrada com a própria chave pública

que a gerou. Só com o uso da chave privada poderemos decifrar a

mensagem que foi codificada com a chave pública. E o contrário também é

verdadeiro: o que for encriptado com o uso da chave privada, só poderá ser

decriptado com a chave pública.”58

A chave privada é de exclusivo conhecimento de seu titular, ao passo que a chave

pública é acessível para terceiros, podendo ser livremente distribuída. Visando a assegurar a

integridade do conteúdo da mensagem eletrônica, o remetente a criptografa com a chave

pública do destinatário, o qual, ao receber a mensagem, converte o texto para um teor

legível mediante a utilização de sua chave particular. Nesse caso, como o destinatário é o

único que possui o código de sua chave privada, somente ele poderá operar a conversão,

garantindo a integridade do conteúdo da mensagem.

No que toca à preservação da autenticidade da mensagem, outro procedimento é

adotado: o remetente criptografa a mensagem com a sua chave privada e a envia para o

destinatário. Esse, por sua vez, ao recebê-la, converterá o texto para o seu formato original

mediante a utilização da chave pública do remetente. Como somente o remetente possui o

código de sua chave privada, assegura-se a autenticidade da mensagem, pois apenas ele

poderia tê-la criptografado com aquela chave.

58

Augusto Tavares Rosa Marcacini. Direito e Informática – Uma abordagem jurídica

sobre criptografia. Rio, Forense, 2002; p. 24.

Direito dos Contratos

104

A partir da combinação das duas possibilidades de se utilizar a criptografia

assimétrica, acima introduzidas, pode-se obter concomitantemente a integridade e a

autenticidade no envio de mensagens eletrônicas.

De fato, para se obter o referido resultado, basta que: (i) o remetente criptografe a

mensagem utilizando a sua chave privada, (ii) criptografe o resultado da primeira operação

com a chave pública do destinatário, (iii) e envie a mensagem para o destinatário, que ao

recebê-la (iv) converterá a mensagem para forma legível utilizando a sua chave privada e

(v) a chave pública do remetente, garantindo-se assim a integridade e a autenticidade da

mensagem, respectivamente.

Com a utilização do sistema de criptografia acima descrito, confere-se à mensagem

de correio eletrônico a possibilidade de produzir amplo valor probatório, sobretudo com

relação à sua autoria e integridade.

O ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, em

entrevista sobre o tema da insegurança das comunicações eletrônicas, afirmou que:

“O documento eletrônico tem que ser autêntico e para conseguir-se isso,

usa-se a assinatura eletrônica, que não é uma subscrição, mas o modo de

garantir que o documento é proveniente do seu autor e que seu conteúdo

está integro.”59

Adicionalmente, é usual que se providencie a certificação digital das chaves

empregadas na criptografia de um documento, como forma de se garantir a sua titularidade.

Trata-se de procedimento bastante semelhante ao tradicional reconhecimento de firma,

operado para certificar a identidade de quem apõe uma assinatura.

No Brasil, a Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, instituiu o

sistema de Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que estabelece a

presunção de que são verdadeiras as declarações constantes de documentos eletrônicos

certificados por entidades credenciadas por tal sistema, e admite prova de autoria e

59

In Jornal do Commercio, edição de 13.02.2001, p. B-8.

Direito dos Contratos

105

integridade de outros documentos eletrônicos, desde que reconhecido pelas partes como

válido ou aceito pela pessoa a quem seja oposto.

A Medida Provisória foi muito criticada por ter sido expedida sem atenção aos

requisitos constitucionais de relevância e urgência, previstos no art. 62 da Constituição

Federal.60

Adicionalmente, a sua redação, por vezes dúbia, gerou alguma controvérsia na

doutrina, sobretudo com relação ao seu artigo 1º, que está assim redigido:

“Art. 1o – Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira -

ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade

jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e

das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a

realização de transações eletrônicas seguras.”

A principal crítica a esse artigo decorre da utilização da palavra “validade”, uma vez

que, a sua utilização indica que a Medida Provisória dispõe não apenas sobre o valor

probatório dos documentos eletrônicos, mas estabelece também novo requisito formal para

a própria existência jurídica do documento. Ainda sob a égide do Código Civil de 1916,

vale transcrever a crítica de Marcos da Costa e Augusto Tavares Rosa Marcacini:

“A MP 2.200 pretende tratar da „validade jurídica de documentos em forma

eletrônica‟. A redação deste artigo 1º, um tanto quanto ambígua, parece ter

a intenção de que tal medida provisória não trate apenas da prova por

documento eletrônico, mas da validade do próprio ato jurídico praticado em

meio eletrônico.

(...) Do ângulo jurídico, isto se constitui em verdadeira aberração: nosso

Código Civil, em vigor desde 1917, permite contratações verbais! Mas a

nova medida provisória aponta para a exigência de forma especial, caso a

contratação - mesmo a compra de um mero CD - se faça por meio

60

Vide, dentre outros, Gilberto Marques Bruno, “Considerações sobre a criação da infra-

estrutura de chaves-públicas brasileira e seu comitê gestor”, in

http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2174 (acessada em 30.05.2005), e Marcos da

Costa e Augusto Tavares Rosa Marcacini, “A urgência e relevância em violentar a Internet

brasileira”, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2291 (acessada em

30.05.2005).

Direito dos Contratos

106

eletrônico. Isto porque, reitere-se, confunde valor de prova com “validade

jurídica”.61

Sobre a prova de documentos eletrônicos, cumpre, por fim, destacar que a Lei nº

8.935/94, em seu art. 7º, III, prevê que aos tabeliães de notas compete “lavrar atas

notariais”. Essas atas podem ser utilizadas para que o oficial portador de fé pública presente

em diligência ateste a verificação de determinados fatos, inclusive os observados em meios

eletrônicos.

Em síntese, pode-se afirmar que a mensagem proveniente de correio eletrônico

carece usualmente das formas de proteção disponíveis para que exerça pleno valor

probatório. Essa circunstância é decorrente da natural fragilidade das comunicações

eletrônicas no ambiente da Internet. Todavia, uma vez protegida a sua autenticidade e

integridade, através de sistema como o da criptografia assimétrica, poderá a mensagem

fazer ampla prova em juízo.

Algumas peculiaridades da contratação eletrônica

Uma pluralidade de nomenclaturas para os contratos celebrados através da Internet

surgiu com os estudos sobre os aspectos jurídicos do comércio eletrônico: contratos

telemáticos, contratos eletrônicos, contratos informáticos e etc. Nesse sentido, é importante

desde logo delinear através do conceito o objeto de análise da presente aula, ou seja, a

chamada contratação eletrônica.

Entende-se por “contratos de informática” aqueles instrumentos contratuais que

possuem por objeto um bem ou serviço informático. Assim, a licença de um software em

papel, bem como a licença de um software à qual o usuário adere na Internet com um clique

no botão “aceito”, são contratos de informática. Já os contratos eletrônicos, por sua vez, são

aqueles celebrados através da utilização de meios eletrônicos, independentemente do seu

objeto.

61

Marcos da Costa e Augusto Tavares Rosa Marcacini. “O apagão do comércio eletrônico

no Brasil”, in http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2284 (acessada em

30.05.2005).

Direito dos Contratos

107

Uma das celeumas criadas sobre o tema da contratação eletrônica foi a sua

submissão ao regime dos contratos entre ausentes. Atualmente, a maior parte da doutrina

afirma ser a contratação eletrônica uma forma de contrato entre ausentes. Esse

entendimento está baseado na premissa de que a maioria das transações celebradas através

do uso da rede mundial de computadores se dá: (i) através do acesso, por parte do aceitante,

a página eletrônica disponível na Internet; ou (ii) através de sucessivas trocas de mensagens

eletrônicas (e-mails).

Sendo assim, são plenamente aplicáveis aos contratos celebrados pela Internet o

disposto nos artigos 433 e 434 do Código Civil, adequando-se a teoria da expedição para a

formação dos contratos eletrônicos. Conforme consta dos mencionados artigos:

Art. 433 – Considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela

chegar ao proponente a retratação do aceitante.

Art. 434 – Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a

aceitação é expedida, exceto:

I) no caso do artigo antecedente;

Cumpre notar, contudo, que o enquadramento dos contratos eletrônicos às regras

dos mencionados dispositivos do Código Civil poderá ser alterado, caso seja aprovado nas

Casas Legislativas federais o projeto de lei nº 4906/2001. O artigo 26 do referido projeto de

lei visa a alterar o regime de formação dos contratos eletrônicos, distinguindo-o daquele

contemplado no Código Civil. Assim está redigido o citado artigo:

Art. 26 – Sem prejuízo das disposições do Código Civil, a manifestação de

vontade das partes contratantes, nos contratos celebrados por meio

eletrônico, dar-se-á no momento em que:

I) o destinatário da oferta enviar documento eletrônico manifestando, de

forma inequívoca, a sua aceitação das condições ofertadas; e

II) o ofertante transmitir resposta eletrônica transcrevendo as informações

enviadas pelo destinatário e confirmando seu recebimento.

Cumpre tecer uma crítica pontual à redação do mencionado art. 26, uma vez que o

mesmo, em primeira leitura, parece favorecer o consumidor em suas relações contratuais

Direito dos Contratos

108

celebradas através da Internet, pois determina que caberá ao fornecedor enviar ao

consumidor aviso de recebimento indicando o recebimento do aceite por parte do

consumidor. Todavia, o mesmo artigo vincula esse momento à formação do contrato. Esse

detalhe mostra-se de todo pernicioso para o estabelecimento da confiança no comércio

eletrônico, uma vez que transfere para uma conduta do fornecedor o instante de formação

do contrato.

Essa medida, sem que se faça qualquer julgamento prévio sobre a idoneidade do

fornecedor, é prejudicial ao desenvolvimento do comércio eletrônico pois, na medida em

que o aceite foi expedido, qualquer consumidor tem, em foro íntimo, a convicção de que o

produto ou serviço foi adquirido (“foi comprado”). Depender de recebimento de qualquer

tipo de aviso ou confirmação, ao invés de trazer maior segurança às transações comerciais

na Internet, terminará por permitir que bens e serviços não sejam prestados pois

efetivamente, caso o fornecedor não se manifeste, não haverá contrato formado entre ambas

as partes.

Como se sabe, a partir da formação do contrato, o consumidor é legitimado para

exigir o cumprimento da obrigação avençada, ou seja, a entrega do bem ou a prestação do

serviço. O disposto no artigo 26 terminará por minar essa disposição aberta ao consumidor

pelo Código de Defesa do Consumidor, restando ao mesmo apenas a solução do impasse

em perdas e danos.

Outra peculiaridade da contratação através da Internet é o estabelecimento da lei e

do lugar do contrato. Nesse sentido, cumpre lembrar que a Lei de Introdução ao Código

Civil Brasileiro determina, em seu artigo 9º, o seguinte:

Art. 9º - Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em

que se constituírem

§ 2º - A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em

que residir o proponente.

Na prática, cláusulas de eleição de lei aplicável e o foro do contrato são comuns nas

transações celebradas na Internet. Caso seja feita uma consulta ao website

www.amazon.com, poderá ser notado que toda e qualquer aquisição de produtos através do

Direito dos Contratos

109

referido site, por exemplo, estará sujeita às leis do Estado de Washington, conforme

cláusula abaixo reproduzida:

APPLICABLE LAW

By visiting Amazon.com, you agree that the laws of the state of Washington,

without regard to principles of conflict of laws, will govern these Conditions

of Use and any dispute of any sort that might arise between you and

Amazon.com or its affiliates.

No direito interno pátrio, o projeto de lei nº 4906/2001 busca conferir maior

segurança ao consumidor quando da contratação através da Internet. Segundo o seu art. 31,

uma série de informações deverá ser disponibilizada pelos websites brasileiros aos seus

consumidores, como forma de assegurar maior confiabilidade no meio para aquisição de

bens e serviços. Consoante o referido artigo, as seguintes informações deverão ser

disponibilizadas pelas empresas que operem websites destinados ao comércio eletrônico: (i)

nome ou razão social do ofertante; (ii) número de inscrição do ofertante no respectivo

cadastro geral do Ministério da Fazenda e, em se tratando de serviço sujeito a regime de

profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador;

(iii) domicílio ou sede do ofertante; (iv) identificação e sede do provedor de serviços de

armazenamento de dados; (v) número do telefone e endereço eletrônico para contato com o

ofertante; (vi) tratamento e armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das informações

fornecidas pelo destinatário da oferta; (vii) instruções para arquivamento do contrato

eletrônico pelo aceitante, bem como para sua recuperação em caso de necessidade; (viii)

sistemas de segurança empregados na operação.

Direito dos Contratos

110

Aula 13

Título: Contrato de Compra e Venda

Ementário de temas: Introdução – Natureza Jurídica – Elementos – Despesas do Contrato e

Garantia – Riscos da Coisa – Limitações à Compra e Venda – Regras Especiais

Bibliografia obrigatória:

Arts. 481 a 504 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 265 a 304.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 145 a 169.

Bibliografia complementar:

BESSONE, Darcy, Da compra e venda, 4.ed., São Paulo: Saraiva, 1997.

JÚNIOR, José Osório de Azevedo, Compra a venda, troca ou permuta, vol. III, São

Paulo: Revista de tribunais, 2005.

LÔBO, Paulo Luiz Neto, In Antonio Junqueira de Azevedo (coord.), Comentários ao

Código Civil, vol.VI, Saraiva: São Paulo, 2003.

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, v. II.

Direito dos Contratos

111

1. Caso Gerador

O Sr. Eduardo e sua mulher, dona Mônica, abriram o primeiro mercadinho, na década de

80, em Brasília. O que começou com uma loja de conveniência, que visava atender apenas

a região, rapidamente ocupou um lugar cativo na vizinhança e a freguesia se tornou cada

vez mais fiel.

Com o passar dos anos, a pequena empresa de Eduardo e Mônica foi experimentando um

contínuo sucesso e o negócio foi crescendo junto com seus filhos gêmeos, Jeremias e Maria

Lúcia.

Cerca de dez anos após o começo das atividades, a Pechincha Comércio Varejista Ltda. foi

brindada com uma oportunidade de expansão dos seus negócios. Um velho comerciante de

Brasília resolveu aposentar-se e voltar a morar com a filha, no interior de São Paulo, sendo

que antes decidiu conferir a Eduardo e Mônica a condução dos seus negócios, vendendo-

lhes algumas posses, alugando outras e, de uma maneira geral, transferindo o fundo de

comércio para a Pechincha Ltda.

A partir de então, o senhor Eduardo ampliou seus negócios e hoje é sócio majoritário de

uma sociedade que possui uma modesta rede de supermercados, com três lojas e um

armazém. Com o passar do tempo, porém, o senhor Eduardo foi paulatinamente

transferindo a administração de seus negócios para seus filhos.

Maria Lúcia sempre teve tino para os negócios, e sempre foi capaz de enxergar uma boa

oportunidade. Dessa forma, quando nosso cliente a procurou para lhe fazer uma proposta de

compra da Pechincha Ltda., mesmo diante da resistência inicial de seus pais e seu irmão,

conseguiu convencê-los de que se tratava de uma chance de ouro para a família, e recebeu

autorização deles para iniciar as conversas com o interessado.

Nosso cliente, a companhia Grana Certa Empreendimentos S/A, presidida pelo senhor Odin

Heiro, que é um investidor profissional, com negócios na área atacadista pretende começar

a atuar no segmento de distribuição alimentícia, motivo que o levou a se interessar pela

Pechincha Ltda. Além disso, vislumbrou a possibilidade de expandir ainda mais os

negócios, dada a fidelização da clientela do senhor Eduardo, e a escassez de bons

supermercados na região.

Direito dos Contratos

112

Como de costume em negócios deste gênero, nosso primeiro trabalho será realizar uma due

diligence ou diligência legal ou auditoria jurídica na companhia Pechincha Ltda..

A diligência legal tem por objetivo conhecer os aspectos jurídicos da empresa, de forma

que os potenciais compradores saibam o que realmente estão comprando. Isso normalmente

se dá por meio de uma análise de todas as operações da empresa, com o exame criterioso de

seus contratos, bem como de uma tentativa de identificação de suas dívidas ou passivos

mais relevantes, sejam eles tributários, trabalhistas, cíveis, ambientais etc.

O resultado de uma diligência legal pode determinar o sucesso ou não da operação e

geralmente influi no preço a ser pago.

Coube a nós, então, a tarefa de fazer a diligência legal na área de contratos da Pechincha

Ltda. Para tanto, deveremos solicitar todos62

os contratos da empresa a ser adquirida.

Ao fim do processo de diligência legal, muitas vezes é elaborado um relatório descrevendo

a situação da empresa, destacando todos os pontos e questões identificados durante o

processo de diligência legal e que podem afetar a situação financeira e legal da companhia.

Esse relatório serve de instrumento para que o potencial comprador pondere se deve

prosseguir com a aquisição do negócio, e, se o fizer, quais são os riscos a que estaria

submetido.

62

Dependendo do tamanho da empresa, os compradores estabelecem um valor base para

análise dos aspectos jurídicos, chamado de critério de materialidade. Nesses casos, a

diligência é feita apenas nos processos judiciais ou administrativos, contratos e demais

áreas que envolvam valor igual ou superior ao critério de materialidade.

Direito dos Contratos

113

Como você, na qualidade de advogado da Grana Certa S/A, começaria o processo de

diligência? Quais seriam os primeiros contratos que você solicitaria ao advogado da

Pechincha Ltda.? Quais os riscos que, considerando o negócio por ela desenvolvido, você

concentraria mais sua atenção? Que problemas você vislumbra que ela pode ter nos

contratos existentes?

2. Roteiro de Aula

A) Introdução

O contrato de compra e venda, verbal ou escrito, é a espécie mais comum dos contratos.

Em nosso dia-a-dia realizamos inúmeras operações de compra e venda, muitas vezes sem

prestar atenção. Por exemplo, quando saímos para jantar, compramos um chiclete na

barraquinha, vamos ao supermercado, estamos realizando pequenas operações de compra e

venda.

Não é à toa que essa é a primeira espécie a ser tratada pelo Código Civil, sendo que outros

contratos, como permuta, são regulados também pelas disposições do contrato de compra e

venda.

O contrato de compra e venda não gera efeitos reais, ou seja, não transfere, por si só, o

domínio do bem alienado. O contrato de compra e venda gera: para o vendedor, a obrigação

de transferir a coisa vendida; para o comprador, a obrigação de pagar o preço ajustado.

Porém, a transferência do domínio só ocorre com a tradição (entrega) do bem, no caso de

bem móvel, e com o registro do título de compra no Registro de Imóveis na hipótese de

bem imóvel. (arts. 1.267 e 1.245 da Lei n° 10.406/2002)

Os artigos 481 e 482 da Lei 10.406/2002 dispõem:

Direito dos Contratos

114

“Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o

domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

“Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que

as partes acordarem no objeto e no preço”.

A partir da leitura desses dois artigos, podemos extrair a natureza jurídica e os elementos do

contrato de compra e venda.

B) Natureza jurídica:

Consensual e (em regra) não solene

Depende apenas da vontade das partes. Estando ambas de acordo com o objeto e o preço, o

contrato é realizado. Não se exige, em regra, formalidade específica para o contrato de

compra e venda, que só será obrigatória quando prevista especificamente em lei. Tanto é

assim que a compra de um chiclete no baleiro da esquina perfaz uma compra e venda

perfeita, embora não formalizada em contrato escrito. Pode-se dizer, sem medo de errar,

que a maioria esmagadora das operações de venda é feita sem formalidades específicas

previstas em lei.

Todavia, não se pode esquecer que, para algumas espécies de compra e venda, a

observância de determinadas formalidades poderão alterar os efeitos do contrato. Na venda

de bem imóvel de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no país,

Direito dos Contratos

115

é necessária a realização de contrato escrito mediante escritura pública e seu registro no

RGI para que gere efeitos perante terceiros. Importante: o contrato de compra e venda de

imóvel realizado por meio de instrumento particular é negócio jurídico existente, válido e

plenamente eficaz, mas somente entre as partes.

Existem outros contratos que, embora não necessitem de formalidades especiais para seu

aperfeiçoamento, necessitam de um determinado registro para que a tradição do bem –

apesar de móvel – tenha sua eficácia plena, inclusive perante terceiros. Cite um exemplo.

Sinalagmático (ou bilateral)

Envolve prestações recíprocas de ambas as partes. O comprador deve entregar o preço

enquanto o vendedor deve entregar a coisa.

Oneroso

Tanto o comprador quanto o vendedor tem prestações a cumprir, que envolvem

transferência de seu patrimônio. A gratuidade da compra e venda, expressa na desproporção

manifesta entre o valor da coisa transferida e o preço acordado, desfigura o contrato. O

correspondente gratuito da compra e venda é a doação.

C) Elementos:

Os elementos do contrato de compra e venda encontram-se destacados em negrito no artigo

482 acima, quais sejam:

Direito dos Contratos

116

Consentimento

Comprador e vendedor têm que chegar a acordo quanto ao objeto e o preço.

Preço

Conforme artigo 481 da Lei n° 10.406/2002, o preço deve ser pago em dinheiro. Por quê?

Além disso, o preço não deve ser irrisório, pois senão pode ser considerado uma doação e

não uma compra e venda. Como visto acima, deve haver uma proporcionalidade entre o

valor da coisa e seu preço.

O preço deve ser determinado ou determinável. Ou seja, a lei permite que o preço não

esteja determinado no contrato e que as partes indiquem: (i) terceiro para fixá-lo; ou (ii)

taxa do mercado ou da bolsa, em certo e determinado dia e local; ou (iii) índices ou

parâmetros, desde que possam ser determinados objetivamente. A fixação do preço em

regra segue o livre consentimento das partes. Sendo assim, qualquer fórmula estipulada

para fixação do preço é permitida. Pode o preço, inclusive, ser ajustado no tempo, ou seja,

mesmo após a tradição do objeto o preço pode estar sujeito a ajustes posteriores.

Marvin (comprador) e Vital (vendedor) firmaram contrato de compra e venda no qual

deixaram de definir o preço. E agora?

Direito dos Contratos

117

Não é possível, porém, estabelecer que o preço será fixado de acordo com a vontade de

apenas uma das partes, pois nesse caso seria uma hipótese de condição potestativa63

,

vedada pela Lei n° 10.406/2002.

Coisa

Em teoria, todas as coisas que não estejam fora do comércio podem ser objetos do contrato

de compra e venda.

Sua amiga, Mônica, conta que está super empolgada com o presente que ganhou do

namorado. Imagine que Eduardo inovou desta vez: comprou-lhe a constelação das Três

Marias!!! Ela lhe pergunta quanto vale esse presente. Um pouco constrangido (a) com a

situação, você explica que esse presente, embora possa ter muito valor sentimental, não tem

qualquer valor econômico. Por quê?

Isso não quer dizer, entretanto, que só podem ser objetos de venda os bens tangíveis. Os

bens imateriais, ou intangíveis, também podem ser alienados, como as marcas e o fundo de

comércio.

- É possível alienar algo que não existe?

Nada impede que seja contratada a alienação de um bem que ainda não existe. Como vimos

anteriormente, no direito brasileiro, o contrato de compra e venda não transfere o domínio

do bem. Ele representa a obrigação de transferir um bem no presente ou no futuro, de

acordo com a combinação das partes. Tanto é assim, que é possível alienar um

63

Relembrando: Condição potestativa é aquela que é sujeita ao puro arbítrio de uma das

partes.

Direito dos Contratos

118

empreendimento imobiliário, mesmo antes da construção dos prédios. Qual seria um outro

exemplo de venda de coisa futura?

D) Despesas do contrato e garantia

Em regra, as despesas de escritura e registro ficam a cargo do comprador e as despesas com

a tradição ficam sob responsabilidade do vendedor. As partes podem, porém, estabelecer

regra diversa.

No contrato de compra e venda à vista, quem tem que cumprir primeiro com sua obrigação:

o vendedor ou o comprador?

Além disso, no caso de venda a termo, o vendedor pode deixar de entregar a coisa, se o

comprador torna-se insolvente, até que o comprador lhe dê garantia de que efetuará os

pagamentos no prazo ajustado.

Essa regra do art. 495 está em consonância com a previsão da exceção de contrato não

cumprido64

estudada anteriormente. Há uma diferença entre elas. Qual é?

E) Riscos da coisa

64

Art. 477 da Lei nº 10.406/2002: “Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das

partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar

duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe

incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe comete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”.

Direito dos Contratos

119

Res perit domino – princípio segundo o qual a coisa perece em poder de seu dono, sofrendo

este os prejuízos.

Esse princípio foi utilizado pelo legislador ao determinar, no art. 492, que “até o momento

da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do

comprador”.

Tendo em vista que a celebração do contrato de compra e venda não é suficiente para

transferir o domínio da coisa até o momento da tradição (para bens móveis) e do registro

(para bens imóveis), a coisa continua a pertencer ao alienante. Por isso, até o momento de

sua efetiva entrega ou registro, os riscos com a coisa são do vendedor.

Porém, os riscos com a coisa correm por conta do comprador quando:

- a coisa encontra-se à disposição do comprador para que ele possa contar, marcar ou

assinalar a coisa e, em razão de caso fortuito ou força maior, a coisa se deteriora;

- o comprador solicita que a coisa seja entregue em local diverso daquele que deveria ser

entregue;

- o comprador está em mora de receber a coisa, que foi posta à disposição pelo vendedor no

local, tempo e modo acertado. Esta hipótese é uma exceção ao princípio da Res perit

domino, pois neste caso não houve a tradição da coisa. Não seria justo, entretanto, que o

vendedor arcasse com os riscos da coisa, uma vez que cumpriu sua parte do contrato.

- houver mútuo acordo entre as partes.

Direito dos Contratos

120

F) Limitações à compra e venda

A lei veda que determinadas pessoas participem de compra e venda. Essa vedação não

resulta da incapacidade das pessoas para realizar essa operação, mas sim da posição na

relação jurídica. No caso, eles não têm legitimidade para realizar determinadas operações.

Isto ocorre nas seguintes situações:

- tutores, curadores, testamenteiros e administradores não podem comprar, ainda que em

hasta pública, os bens confiados à sua guarda ou administração;

- servidores públicos não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens ou direitos

da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração, direta ou indireta;

- juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da

Justiça não podem comprar, ainda que em hasta pública, os bens ou direitos sobre que se

litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua

autoridade;

- leiloeiros e seus prepostos não podem adquirir, ainda que em hasta pública, os bens de

cuja venda estejam encarregados.

- descendentes não podem adquirir bens do ascendente, sem consentimento expresso dos

demais descendentes e do cônjuge do alienante.

Direito dos Contratos

121

Quais são os motivos pelos quais o legislador resolveu restringir a aquisição pelas pessoas

elencadas acima?

O condômino de coisa indivisível pode alienar sua parte a terceiros, desde que dê direito de

preferência aos demais condôminos, ou seja, ele precisa oferecer aos demais condôminos

sua parte pelo mesmo preço e condições pelos quais pretende vender a terceiros. O que

ocorre se houver mais de um condômino interessado em adquirir a quota parte a ser

alienada?

G) Regras especiais

Venda por Amostra

Ocorre quando a venda ocorre com base em amostra exibida ao comprador. O comprador

tem direito de receber coisa igual à amostra.

Venda ad corpus e venda ad mensuram

Venda ad mensuram – as partes estão interessadas em uma determinada área. Exemplo:

Fazendeiro tem interesse em adquirir mil hectares para poder plantar. O objetivo do

adquirente é comprar uma coisa com determinado comprimento necessário para

desenvolver uma finalidade.

Venda ad corpus - as partes estão interessadas em comprar coisa certa e determinada,

independentemente da extensão. Exemplo: Fazendeiro tem interesse em adquirir a Fazenda

Direito dos Contratos

122

Boa Esperança. Nestes casos, entende-se que a referência à medida do terreno é meramente

enunciativa.

Embora em alguns casos seja difícil determinar se a venda foi feita ad mensuram ou ad

corpus, por vezes essa distinção se faz necessária em razão das regras peculiares a cada

uma.

No caso de venda ad mensuram, o comprador tem o direito de exigir que a coisa vendida

tenha as medidas acertadas e não o tendo pode pedir a complementação da área, ou caso

isso não seja possível, rescindir o contrato de compra e venda.

Já no caso de venda ad corpus, o comprador não teria esse direito, caso verifique que as

medidas do imóvel adquirido não correspondem exatamente as medidas que constaram do

contrato.

Defeito oculto nas vendas conjuntas

“Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a

rejeição de todas”.

Esse artigo sofre críticas de importantes autores. Quais são elas e como esse artigo deve ser

interpretado para atenuar as críticas?

3. Questões de Concurso

Direito dos Contratos

123

(Prova: 29º Exame de Ordem - 1ª fase) Quanto à classificação, o contrato de compra e

venda de imóveis se apresenta da seguinte forma:

a. Consensual, bilateral, oneroso e solene;

b. Consensual, bilateral, oneroso e não solene;

c. Bilateral, oneroso, formal e aleatório;

d. Oneroso, bilateral, não formal e consensual.

(Prova: 27º Exame de Ordem - 1ª fase) Com relação ao contrato de compra e venda,

NÃO É CORRETO afirmar:

a. É nula a pactuação firmada que deixa ao exclusivo arbítrio de uma das partes a

fixação do preço

b. É válida a venda de ascendente solteiro a descendente, que obtém o consentimento

dos demais descendentes, quando da realização de avença

c. Na venda “ad mensuram” as referências às dimensões do imóvel são meramente

enunciativas, não cabendo demanda quanto a uma eventual diferença nas medições

d. O condômino em coisa indivisível, ao desejar vender a sua parte no bem, deve,

antes de vendê-la a um estranho, dar direito de preferência na aquisição, tanto por

tanto, aos demais condôminos

(Prova: 26º Exame de Ordem - 1ª fase) A quem cabem as despesas com a escritura de

compra e venda de imóvel residencial?

a. Necessariamente ao comprador

b. Necessariamente ao vendedor

c. Ao comprador, podendo haver disposição em contrário

d. Ao vendedor, podendo haver disposição em contrário

(Prova: 05º Exame de Ordem - 1ª fase) A proibição de venda do ascendente aos

descendentes sem a concordância dos demais, configura:

a. Falta de aptidão intrínseca do agente; falta de capacidade;

b. Falta de legitimação; incapacidade de fato;

c. Falta de legitimação, ainda que haja capacidade;

d. Desde que haja capacidade, não existe proibição.

Direito dos Contratos

124

(Prova: 05º Exame de Ordem - 1ª fase) Considerando-se o instituto da tradição no direito

civil, podemos afirmar que:

a. Executam-se as obrigações assumidas verbalmente;

b. Não se transfere o domínio dos bens móveis;

c. Transfere-se o domínio de qualquer bem imóvel;

d. Transfere-se o domínio dos bens móveis.

(Prova: 03º Exame de Ordem - 1ª fase) A compra e venda de bens móveis é contrato:

a. Unilateral;

b. A título gratuito;

c. Formal;

d. Comutativo.

4. Modelo de lista de due diligence

DILIGÊNCIA LEGAL

Durante a diligência legal serão analisadas cópias dos documentos abaixo discriminados,

referentes à sociedade limitada a ser adquirida e, se for o caso, a todas as suas controladas e

coligadas.

I - NOTA INTRODUTÓRIA:

Alguns dos documentos solicitados podem não existir ou não ser aplicáveis à sociedade

objeto da diligência legal e, se for o caso, a suas controladas e coligadas. Neste caso,

bastará que a sociedade formule declaração por escrito nesse sentido.

Direito dos Contratos

125

Se a sociedade mantiver filiais, as certidões a serem providenciadas deverão abranger a

matriz e todas as filiais.

Solicitamos que os documentos sejam ordenados e/ou relacionados seguindo a ordem e

numeração constante deste check list, a fim de agilizar o procedimento de sua identificação

e análise.

II - ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE:

1. Organograma societário da sociedade, com identificação de seus sócios,

subsidiárias, coligadas, controladas e demais sociedades nas quais participe;

2. Contrato constitutivo da sociedade e respectivas alterações contratuais posteriores,

bem como Atas de Assembléias ou Reuniões de Sócios, com comprovantes de

arquivamento na Junta Comercial e respectivas publicações;

3. Certidão de Breve Relatório da Junta Comercial competente;

4. Todos os Livros Societários da sociedade, especialmente o de Atas de Assembléias

ou Reuniões de Sócios;

5. Lista de endereços completos de todos os escritórios, filiais (com os respectivos

números de inscrição no CNPJ), depósitos e quaisquer outras operações da

sociedade;

Direito dos Contratos

126

6. Lista dos nomes dos sócios, membros da administração da sociedade que ocupam

e/ou ocuparam tais cargos durante os últimos 02 (dois) anos, incluindo suas funções

e responsabilidades;

7. Acordo de Sócios e Aditivos, arquivados ou não na sede da sociedade;

8. Opções, garantias, promessas de compra e venda, cauções e outros gravames, se

existentes, tendo por objeto as quotas da sociedade;

9. Planos de Opção de Compra de Ações/Quotas oferecidos aos seus administradores

e/ou empregados;

10. Registro das ações ou quotas de outras sociedades de que participa a sociedade;

11. Relatório indicando todas as procurações outorgadas pela sociedade (ad judicia e ad

negotia), bem como respectivas cópias;

12. Protocolos de cisão, incorporação e fusão em que tenha sido parte a sociedade ou

tendo por objeto suas quotas;

13. Em caso de cisão ou redução do capital social da sociedade, cópia das publicações

exigidas em lei;

Direito dos Contratos

127

14. Contratos de consórcio, associação ou “joint venture”;

15. Convenção de grupo de sociedades de que a sociedade participe;

16. Demonstrações financeiras da sociedade, bem como as suas respectivas

publicações;

III - CONTRATOS:

17. Fornecer lista elaborada pela administração da sociedade contemplando todos os

contratos em vigor dos quais a sociedade seja parte signatária ou interveniente,

informando objeto, valor, vencimentos, situação (adimplemento ou

inadimplemento), prazo e com o fornecimento das respectivas cópias;

18. Fornecer cópias dos modelos de contratos-padrão utilizados pela sociedade;

19. Informar sobre a eventual existência de inadimplemento de cláusulas contratuais

contendo obrigações de caráter econômico-financeiro (tais como cláusulas

limitando o futuro endividamento da sociedade, cláusulas estabelecendo proibição

de ultrapassar determinado limite entre capital próprio e capital de terceiros

(“debt/equity”) e etc.);

20. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de distribuição, representação

comercial e de fornecimento (ativo ou passivo) envolvendo a sociedade;

Direito dos Contratos

128

21. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de licença e/ou cessão envolvendo

marcas, patentes, direito autoral, desenhos industriais, contratos de transferência de

tecnologia, contratos de assistência técnica e/ou contratos de franquia ou outros

contratos envolvendo bens de propriedade intelectual eventualmente firmados pela

sociedade, acompanhados dos respectivos certificados de averbação no INPI e de

registro no Banco Central;

22. Informar sobre e fornecer cópia dos contratos de empréstimo ou financiamento

(inclusive por meio de emissão de valores mobiliários), e/ou outros instrumentos de

natureza financeira;

23. Informar sobre e fornecer cópia de Cartas de Conforto (comfort letters) ou

quaisquer instrumentos, correspondências, acordos laterais etc., que definam o

modo de cumprimento de cláusulas contratuais, ou modifiquem seus termos;

24. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de locação, arrendamento mercantil ou

comodato de bens imóveis ou móveis;

25. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantias reais

(e.g. hipoteca, penhor, caução) em favor da sociedade e respectivas certidões ou,

ainda, instrumentos tendo por objeto alienação fiduciária e compra e venda com

reserva de domínio;

26. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantia pessoal

(e.g fiança, aval) em favor da sociedade, bem como comprovação de poderes de

representação do signatário do garantidor;

Direito dos Contratos

129

27. Informar sobre e fornecer cópia de documentos de constituição de garantias reais

(e.g hipoteca, penhor, caução) concedidas pela sociedade em favor de terceiros ou,

ainda, instrumentos tendo por objeto alienação fiduciária de bem da sociedade ou

compra e venda com reserva de domínio;

28. Informar sobre e fornecer cópia de documento de constituição de garantias pessoais

(e.g fiança, aval) concedidas pela sociedade em favor de terceiros;

29. Informar sobre e fornecer cópia de Notas Promissórias emitidas pela sociedade, com

a informação, se de conhecimento da mesma, da eventual cessão pelo beneficiário

das referidas notas;

30. Fornecer todas as apólices de seguros contratados;

31. Informar sobre e fornecer cópia de contratos na área de tecnologia da informação,

tais como:

31.1. Locação de hardware;

31.2. Licenciamento de software;

31.3. Manutenção de hardware;

31.4. Manutenção de software;

Direito dos Contratos

130

31.5. Serviços técnicos;

31.6. Desenvolvimento de software;

32. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de prestação de serviços de publicidade

e propaganda;

33. Informar sobre e fornecer cópia de contratos de prestação de consultoria, assistência

técnica ou serviços de qualquer outra natureza;

34. Informar sobre e fornecer cópia de compromissos, cartas de intenção ou

entendimentos com terceiros em que a sociedade figure como parte, que não tenham

sido previstos na presente lista.

Informamos, finalmente, que qualquer referência a contratos inclui seus aditivos e anexos,

cujas cópias deverão ser igualmente fornecidas.

IV - PROPRIEDADE INTELECTUAL:

Solicitamos informações e cópias de todos os bens e documentos referentes à propriedade

intelectual da sociedade no Brasil e em outros países, incluindo, mas não se limitando a:

35. Marcas, patentes e/ou desenhos industriais depositados/registrados;

Direito dos Contratos

131

36. Obras intelectuais de titularidade da sociedade;

37. Nomes de domínio registrados pela sociedade;

38. Processos administrativos e/ou judiciais envolvendo os bens de propriedade

intelectual da sociedade;

39. Processos administrativos apresentados contra marcas de terceiros no Brasil e/ou no

exterior;

40. Informação acerca de segredos de negócio de propriedade da sociedade;

41. Todos os softwares utilizados pela sociedade;

42. Todos os softwares criados pela sociedade;

43. Qualquer outra documentação que seja relevante e/ou que afete os bens de

propriedade intelectual da sociedade;

V - PROPRIEDADES E ATIVOS:

Direito dos Contratos

132

44. Prova da propriedade dos bens móveis de valor individual acima de R$10.000,00

(dez mil reais) integrados ao ativo da sociedade;

Caso a sociedade possua bens imóveis:

45. Prova da propriedade dos bens imóveis da sociedade, inclusive certidões atualizadas

com filiação vintenária, com negativa de ônus/servidões/alienações, dos registros de

imóveis competentes, bem como da ausência de aforamento (enfiteuse);

46. Certidões negativas do INSS relativas aos bens imóveis da sociedade;

47. Certidões negativas relativas ao IPTU, expedidas pelos Municípios onde se

encontram os imóveis da sociedade;

VI – ASPECTOS FISCAIS:

48. Informações sobre aproveitamento de créditos tributários, indicando (i) forma do

aproveitamento: compensação com outros tributos, repetição do indébito, utilização

de créditos extemporâneos, etc., (ii) valores envolvidos, já utilizados e a utilizar,

(iii) existência ou não de medida judicial que permita a utilização dos créditos;

49. Relatório atualizado discriminando parcelamentos de tributos da sociedade e/ou

participação em programas de recuperação fiscal (“REFIS” ou “PAES” - no âmbito

federal, estadual ou municipal), referente aos últimos 05 (cinco) anos, indicando: (i)

tributo parcelado, (ii) início do parcelamento, (iii) número de parcelas, (iv)

quantidade de parcelas pagas, (v) garantia oferecida, (vi) documentação apresentada

Direito dos Contratos

133

à autoridade fiscal competente discriminando os débitos fiscais incluídos no REFIS

e/ou PAES e (vii) prova de quitação de todos os pagamentos até a presente data;

50. Disponibilizar o LALUR referente ao último ano, com a indicação, já em reais, de

todos os valores pendentes de tributação eventualmente registrados na parte B e

demonstrativo do prejuízo fiscal acumulado e da base negativa da Contribuição

Social, com a mesma data do último Balancete que será disponibilizado;

51. Relatório atualizado identificando todos os eventuais benefícios fiscais e/ou

tratamentos fiscais (federais, estaduais ou municipais) concedidos à sociedade.

Fornecer toda documentação (Instruções Normativas, Portarias, etc.) relacionada ao

regime especial e/ou benefício fiscal concedido à sociedade até a presente data.

Informar, ainda, a existência de eventuais requerimentos ou questionamentos

pendentes quanto aos mesmos;

52. Consultas fiscais, formalmente protocoladas perante os órgãos da administração

tributária, envolvendo a sociedade, cujas decisões foram proferidas nos últimos

5(cinco) anos, tendo por objeto matéria tributária;

53. As 3 (três) últimas demonstrações financeiras e os 3 (três) últimos Balancetes

consolidados da sociedade;

54. Pareceres dos auditores independentes, acompanhados dos receptivos termos,

declarações, cartas de representação e/ou outras informações formais prestadas

pelos administradores aos auditores, para fins de auditoria;

55. Toda e qualquer documentação relativa a penhores, garantias, direitos de retenção

ou qualquer outra forma de restrição de qualquer natureza sobre qualquer ativo da

Direito dos Contratos

134

sociedade listando tais ativos e os relacionando aos respectivos processos judiciais

ou administrativos, nos níveis federal, estadual ou municipal.

VII - LITÍGIOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS:

Certidões:

56. Fornecer originais de Certidões atualizadas dos cartórios distribuidores de ações da

Justiça Federal, Justiça Estadual e Justiça do Trabalho das comarcas da matriz e

onde a sociedade mantém estabelecimentos ou filiais, abrangendo feitos Cíveis,

Criminais e Fiscais, bem como Trabalhistas, e, ainda, Interdições e Tutelas,

Falências e Concordatas (i.e., Certidões da Justiça Federal dos Distribuidores de

Ações e Execuções Cíveis, Criminais e Fiscais e Certidões da Justiça Estadual dos

Distribuidores Cíveis e Fiscais e Certidões dos Distribuidores da Justiça do

Trabalho);

57. Fornecer originais de Certidões atualizadas passadas por todos os Cartórios de

Protestos das comarcas onde a sociedade mantém estabelecimentos ou filiais,

cobrindo o período de 10 (dez) anos (i.e., Certidões dos Cartórios de Protestos de

Letras e Títulos);

58. Fornecer originais de Certidões atualizadas do INSS (CND), em nome da

sociedade, abrangendo todas as suas filiais;

59. Fornecer originais de Certidões de quitação de Tributos e Contribuições Federais

– “CQTF” (IR, IPI, CSLL, COFINS, PIS), Certidões de quitação de Tributos

Estaduais (ICMS) (Certidão de quitação de Tributos Estaduais) e Certidões de

quitação de Tributos Municipais (ISS) (Certidão de quitação de Tributos

Direito dos Contratos

135

Municipais), passadas em nome da sociedade, com relação a cada um de seus

estabelecimentos ou filiais, e referentes a processos administrativos, inclusive

parcelamentos em andamento; bem como de relatório emitido pela Secretaria da

Receita Federal, Secretaria Estadual de Fazenda e Secretaria Municipal de Fazenda

indicando os processos administrativos, relativamente a tributos federais, estaduais

e municipais, em curso em nome da sociedade, ainda não inscritos em dívida ativa;

60. Fornecer originais de Certidões de Dívida Ativa – (CDA) em nome da sociedade,

expedidas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, Estadual e Municipal, as

duas últimas para cada estado ou município onde a sociedade possui

estabelecimentos;

61. Certidão de Quitação do FGTS;

Caso tenha havido alteração de sede nos últimos 05 (cinco) anos, favor solicitar as certidões

aplicáveis também em relação ao(s) antigo(s) endereço(s).

Relatórios:

62. Fornecer Relatório elaborado pelos advogados responsáveis pelos respectivos casos,

identificando todos os eventuais processos fiscais, judiciais e administrativos,

pendentes (nos quais a sociedade figure como autora, ré ou terceira interessada) ou

em vias de ser iniciados, com a indicação de: (i) tributo envolvido; (ii) foro; (iii)

objeto e fundamentos do pedido; (iv) andamento (status) atualizado; (v) valores

envolvidos (atualizados ou em UFIR); (vi) valor da causa; (vii) chances de êxito e

respectivo critério utilizado; (viii) provisões e/ou depósitos judiciais e (ix) quaisquer

informações relevantes com respeito a tais processos;

Direito dos Contratos

136

63. Composição analítica das principais contas que compõem depósitos judiciais e

provisões para contingências fiscais e suas correlações com os processos fiscais

administrativos e judiciais em andamento;

64. Disponibilizar cópias das peças fundamentais dos processos fiscais, judiciais e

administrativos em que a sociedade seja parte ou tenha interesse, pendentes de

julgamento, execução ou cumprimento, tais como, inicial, contestação, despachos,

sentenças, recursos e acórdãos;

65. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais intimações, notificações,

inspeções ou investigações realizadas, instauradas por órgãos governamentais ou

terceiros;

66. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais processos de

desapropriação em que a sociedade figure como autora, com a estimativa de valores

envolvidos;

67. Fornecer Documentos e relatórios (inclusive os Termos de início e encerramento de

fiscalização tributária) contendo informações sobre eventuais intimações,

notificações, inspeções ou investigações realizadas, instauradas por órgãos

governamentais ou terceiros;

68. Fornecer Relatório contendo informações sobre eventuais reclamações baseadas em

defeitos constatados nos produtos fabricados pela sociedade ("product liability") ou

em garantias concedidas pela sociedade na venda dos produtos;

69. Fornecer Relatório contendo informações sobre processos administrativos que

envolvam as sociedades controladas ou coligadas;

Direito dos Contratos

137

70. Fornecer Cartas encaminhadas pelos advogados externos aos auditores

independentes sobre processos judiciais e administrativos;

VIII – ASPECTOS TRABALHISTAS:

71. Relatório identificando todos os empregados, contendo (i) data de admissão; (ii)

local de trabalho; (iii) cargo ou função; e (iv) salário atual (partes fixas e variáveis);

72. Cópia dos modelos de contrato de trabalho (contrato de experiência, contrato por

prazo determinado etc.) e do regulamento interno ou regulamento de pessoal da

sociedade;

73. Relativamente à jornada de trabalho, relatório informando:

73.1. Horário de trabalho, horário de intervalo e dia de folga semanal dos

empregados. Informar eventuais horários de trabalho diferenciados por

setor ou sistemas de revezamento. Como é feito o controle de horário? A

anotação é feita pelo próprio empregado ou por pessoa específica? Onde

são feitas tais anotações? Os empregados assinam tal registro?

73.2. Relação dos empregados não subordinados a controle de horário, com

indicação das respectivas funções e salários;

Direito dos Contratos

138

73.3. Relação dos empregados que utilizam telefone celular ou equipamento

similar, ficando à disposição da sociedade. Informar a forma de

remuneração das horas à disposição;

73.4. Acordos de compensação e de prorrogação da jornada de trabalho,

inclusive banco de horas, se houver. Informar o saldo atual de horas

trabalhadas e ainda não compensadas pelo “banco de horas”;

74. Relativamente à remuneração, relatório informando:

74.1. Quais as verbas percebidas além do salário fixo e horas extras? Há

empregados recebendo comissões, prêmios, gratificações, bonificações ou

ajudas de custo? Quais funções recebem as ditas parcelas? Qual o critério

de pagamento?

74.2. Há empregados recebendo benefícios tais como, uso de automóvel, auxílio

moradia, auxílio educação, despesas de representação, planos de saúde,

previdência privada, auxílio alimentação etc.? Qual o critério de pagamento

de cada benefício? É efetuado desconto no salário? Caso haja desconto,

informar se: (i) os empregados podem optar por tais benefícios; (ii) existem

empregados que optaram pelo não recebimento; (iii) existe autorização dos

empregados para o desconto. Caso afirmativo, cópia do modelo de

autorização de desconto salarial relativo aos benefícios concedidos; (vi) o

benefício integra o salário para efeito de cálculo do FGTS, Previdência

Social, Imposto de Renda, férias e décimo terceiro salário;

75. Relativamente à alimentação, relatório informando:

Direito dos Contratos

139

75.1. A alimentação é fornecida pela própria sociedade ou são concedidos

vales-refeição? Há desconto no salário ou é fornecida gratuitamente?

75.2. A sociedade participa do PAT – Programa de Alimentação do

Trabalhador? Caso positivo, apresentar cópia dos comprovantes anuais de

inscrição.

76. Cópia do plano de cargos e salários, se existente. Indicar se houve homologação do

plano pelo Ministério do Trabalho, Conselho Nacional de Política Salarial ou norma

coletiva;

77. Cópia do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e

Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA);

78. A sociedade tem organizada a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de

Acidentes? Caso positivo, apresentar relação dos atuais integrantes e cópias das atas

de reunião dos últimos 02 (dois) anos;

79. Relatório identificando todos os empregados com estabilidade permanente ou

temporária (CIPA, empregados com cargo de direção em sindicatos ou associações

profissionais, empregadas grávidas, empregados acidentados, etc.);

80. Cópia do plano de opção de compra de ações, do programa de opção de compra de

ações e a relação dos empregados e executivos elegíveis a tal plano;

Direito dos Contratos

140

81. Cópia de Plano de Participação nos Lucros e/ou Resultados, se houver. Informar o

valor despendido pela sociedade com o pagamento de tal participação;

82. A sociedade instituiu, nos últimos 05 (cinco) anos, plano de demissão incentivada?

Caso afirmativo, esclarecer os critérios do plano, bem como fornecer respectivos

documentos, acaso existentes. Foram ajuizadas reclamações trabalhistas em razão

do plano de demissão?

83. Cópia das convenções coletivas, acordos coletivos, decisões judiciais proferidas em

dissídio coletivo, inclusive termos aditivos. Informar se são observadas convenções,

acordos, ou dissídios próprios para categorias diferenciadas (secretárias,

telefonistas, motoristas e profissionais liberais);

84. Relação dos empregados desligados da sociedade nos últimos 02 (dois) anos, bem

como cópias, por amostragem, das respectivas rescisões do contrato de trabalho e

homologação pelo Sindicato ou pela DRT;

85. Há serviços terceirizados na sociedade? Apresentar cópia dos contratos de prestação

de serviços firmados com empresas prestadoras de serviços; cooperativas; empresas

de mão-de-obra temporária ou trabalhadores autônomos e relatório informando: (i)

se os empregados alocados para atender a sociedade são sempre os mesmos; (ii) se

trabalham diariamente nas dependências da sociedade; (iii) quem controla os

serviços de tais empregados (a sociedade ou a prestadora de serviços); (iv) a quem

estão subordinados; (v) período dos serviços; (vi) número de trabalhadores

envolvido; (vi) valores mensais pagos e se a sociedade exige mensalmente os

comprovantes de recolhimento previdenciário e do FGTS;

86. Relatório identificando todas as reclamações trabalhistas e procedimentos

administrativos (DRT e MPT) em curso contra a sociedade, contendo (i) partes

Direito dos Contratos

141

envolvidas; (ii) foro; (iii) pedidos; (vi) estimativa dos valores envolvidos; (vii)

estimativa de êxito; e (v) situação atual;

87. Cópia dos Autos de Infração lavrados contra a sociedade nos últimos 02 (dois) anos

e respectiva defesa/decisão administrativa/recurso ou guia comprovando pagamento

da multa administrativa;

88. Cópia das principais peças de todas as ações trabalhistas em curso contra a

sociedade, tais como petição inicial, decisões proferidas em todas as instâncias,

cálculos de liquidação, cálculos homologados e depósitos efetuados;

89. Cópia do Livro de Inspeção do Trabalho de todos os estabelecimentos da sociedade;

90. Cópia dos termos de ajustamento de conduta, inquéritos administrativos, autos de

infração, ações civis públicas ou outras ações de natureza trabalhista;

91. Informar o valor da provisão com relação aos processos judiciais e administrativos

em andamento, explicitando os critérios de tal provisão.

IX - APROVAÇÕES GOVERNAMENTAIS E LICENÇAS:

92. Registros e inscrições da sociedade junto às autoridades fiscais federais, estaduais e

municipais (tais como CNPJ, INSS, ISS, alvará da prefeitura etc.);

Direito dos Contratos

142

X – ASPECTOS AMBIENTAIS:

93. Licenças Ambientais: Licenças Prévias, de Instalação e Funcionamento emitidas

pelo órgão ambiental competente;

94. Certidão de Uso do Solo;

95. Outorgas do Uso da Água;

96. Inscrição no Cadastro Técnico Federal das Atividades Potencialmente Poluidoras;

97. Comprovante de pagamento do TCFA - Taxa de Controle de Fiscalização

Ambiental;

98. Certificado de Licença de Funcionamento emitido pelo Ministério da Justiça;

99. Licença de substâncias sujeitas a controle especial emitida pelo Departamento de

Polícia Federal;

100. Alvará do Corpo de Bombeiros;

101. Alvará de Licença e Localização emitido pela Prefeitura;

Direito dos Contratos

143

102. Habite-se;

103. Licença de Funcionamento emitida pela Vigilância Sanitária;

104. Licença do órgão sanitário competente para ambulatórios e refeitórios;

105. Listagem das ações judiciais e processos administrativos de cunho ambiental e seus

respectivos andamentos;

106. Relatório informando a respeito de atividades passadas desenvolvidas nos imóveis

onde a sociedade desenvolve suas atividades.

5. Modelo de contrato de compra e venda de quotas

Além da alteração do contrato social necessária para transferir quotas, que deve ser

arquivada no registro competente, as partes podem celebrar adicionalmente um contrato de

compra e venda de quotas, conforme modelo abaixo.

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE QUOTAS

[NOME E QUALIFICAÇÃO], doravante denominado simplesmente “Comprador”; e

Direito dos Contratos

144

[NOME E QUALIFICAÇÃO], doravante denominado simplesmente “Vendedor”;

e, ainda, na qualidade de interveniente-anuente:

[NOME E QUALIFICAÇÃO DA SOCIEDADE CUJAS QUOTAS ESTÃO SENDO

ALIENADAS], doravante denominada simplesmente “Sociedade”;

CONSIDERANDO QUE:

(i) O Vendedor é legítimo possuidor e proprietário de 15.000 (quinze mil) quotas

representativas de 50% (cinqüenta por cento) do capital social da Sociedade (“Quotas”); e

(ii) O Vendedor deseja alienar as Quotas, e que o Comprador deseja adquiri-las, nos

termos ajustados pelo presente instrumento,

O Vendedor e o Comprador (doravante referidos simplesmente como “Partes”) têm,

entre si, justa e contratada a celebração do presente Contrato de Compra e Venda de Quotas

(“Contrato”), de acordo com as seguintes cláusulas e condições:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DA COMPRA E VENDA DAS QUOTAS

1.1. Pelo presente Contrato e na melhor forma de direito, o Vendedor cede e transfere,

com todos os respectivos direitos e obrigações, a totalidade de suas Quotas representativas

Direito dos Contratos

145

do capital social da Sociedade ao Comprador, pelo preço certo e ajustado estabelecido na

Cláusula 2.1 abaixo.

1.2. O Vendedor, neste ato, declara que as Quotas foram regularmente integralizadas e se

encontram inteiramente livres e desembaraçadas de ônus, gravames, encargos, turbações,

usufrutos ou qualquer outra restrição à posse e/ou a qualquer outro direito inerente a tais

Quotas.

CLÁUSULA SEGUNDA - FORMA DE PAGAMENTO

2.1. O preço certo, total e ajustado para a aquisição das Quotas é de R$ 100.000,00 (cem

mil reais) (“Preço”), a ser pago pelo Comprador ao Vendedor da seguinte forma:

(a) R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pagos neste ato, por meio da entrega pelo

Vendedor ao Comprador do cheque administrativo nº [...] da conta-corrente nº

[...] da agência [...] do Banco [...]; e

(b) R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) a serem pagos em até 90 dias a contar

desta data, mediante depósito na conta-corrente nº [...] da agência [...] do Banco

[...];

2.1.1. Uma vez creditado na conta-corrente do Vendedor, o pagamento das parcelas que

perfazem o Preço, constantes do item 2.1 acima, o Vendedor outorgará ao Comprador,

plena, rasa e geral quitação com relação ao valor pago.

CLÁUSULA TERCEIRA – TRANSFERÊNCIA DAS QUOTAS

Direito dos Contratos

146

3.1. A transferência das Quotas será formalizada no ato do pagamento pelo Comprador,

da totalidade do Preço devido ao Vendedor, mencionado na Cláusula Segunda, mediante a

assinatura da competente alteração do contrato social da Sociedade.

CLÁUSULA QUARTA - DISPOSIÇÕES GERAIS

4.1. O presente Contrato é celebrado em caráter irrevogável e irretratável e obriga e

aproveita às Partes e à Sociedade, seus sucessores, herdeiros, cessionários e representantes

legais, a qualquer título, e somente poderá ser alterado por instrumento escrito devidamente

assinado por todas as Partes.

4.2. O não exercício ou atraso por qualquer das Partes e/ou da Sociedade, no exercício de

qualquer direito previsto neste Contrato deverá ser interpretado individualmente e não

poderá ser considerado como renúncia por qualquer das Partes ou novação de qualquer

obrigação contida neste Contrato, sendo considerada como mero ato de liberalidade.

4.3. Na hipótese de qualquer disposição ou parte de qualquer disposição deste

Contrato ser tida como nula, anulada ou inexeqüível, por qualquer motivo, essa

disposição será suprimida e não terá nenhuma força e efeito. Entretanto, se essa

disposição suprimida prejudicar a execução deste Contrato, as demais disposições

serão modificadas para preservar sua exeqüibilidade.

4.4. Fica ajustado entre as Partes que as despesas decorrentes do arquivamento da

alteração contratual referida na cláusula 3.1 do presente Contrato será de exclusiva

responsabilidade do Comprador, inclusive quaisquer despesas decorrentes de serviços

profissionais por ele contratados.

4.5. Toda e qualquer alteração das disposições do presente Contrato somente será

válida e exeqüível, e somente produzirá efeitos, se formalizada mediante instrumento

escrito assinado pelas Partes e pela Sociedade.

Direito dos Contratos

147

4.6. O presente Contrato constitui o acordo final, cabal e exclusivo entre as Partes

com relação à compra e venda das Quotas, substituindo todos os acordos,

entendimentos e declarações anteriores, orais ou escritos, a esse respeito.

4.7. O presente Contrato ou quaisquer direitos e/ou obrigações dele oriundos não

poderão ser cedidos sem o prévio e expresso consentimento das Partes e da Sociedade.

4.8. Todas as notificações e comunicações a serem feitas com relação ao presente

Contrato serão elaboradas por escrito e serão enviadas para os endereços constantes do

preâmbulo deste Contrato (i) por meio de Cartório de Títulos e Documentos, (ii) através de

carta registrada, ou (iii) com outra comprovação inequívoca de recebimento.

4.8.1. Quaisquer dos endereços constantes do preâmbulo poderão ser alterados, a qualquer

tempo, mediante comunicação dada na forma prevista acima, entretanto a respectiva

comunicação de alteração de endereço só tornar-se-á efetiva após o recebimento pela outra

Parte e/ou pela Sociedade, conforme o caso.

4.9. As Partes declaram e reconhecem que o presente Contrato, assinado por 02 (duas)

testemunhas, constitui título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 585, inciso II, do

Código de Processo Civil, assim como as obrigações de fazer aqui contidas comportam

execução específica, nos termos dos artigos 461, 632, 639 e seguintes do Código de

Processo Civil.

4.10. Fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, para dirimir quaisquer questões

oriundas deste Contrato, à exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que possa ser.

E por estarem certas e ajustadas, as Partes assinam este Contrato em 03 (três) vias de

igual teor e efeito, na presença de 02 (duas) testemunhas.

Direito dos Contratos

148

Rio de Janeiro, [dia] de [mês] de [ano].

Assinatura das Partes e da Sociedade

Testemunhas:

1.

Nome:

CPF/MF:

2.

Nome:

CPF/MF:

Direito dos Contratos

149

Aula 14:

Título: Contrato de Compra e Venda - Cláusulas Especiais da Compra e Venda

Ementário de temas: - Retrovenda - Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova –

Preempção ou Preferência - Venda com reserva de domínio – Da venda sobre

documentos

Bibliografia obrigatória:

Arts. 505 a 532 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 305 a 324.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 175 a 204.

Bibliografia complementar:

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 172 a 201.

1. Caso gerador:

Jeremias encontra você trabalhando na diligência legal e aproveita para lhe fazer uma

consulta “informal”. Ele conta que, apesar de morar em Brasília, sempre gostou muito do

Rio de Janeiro e que os cariocas têm muita sorte de conviver com uma paisagem tão

privilegiada... Após alguns minutos enaltecendo a beleza da cidade, ele diz que pelo menos

uma vez por ano vai ao Rio e que há alguns anos atrás decidiu parar de se hospedar em

Direito dos Contratos

150

hotéis e comprou um loft na Barra da senhora Ermelinda Silva. Ele diz que está surpreso

porque agora recebeu uma notificação de um tal de Olavo Evolto, informando que exerceu

o direito de retrovenda do imóvel em face da senhora Ermelinda, e que, portanto, Jeremias

deve devolvê-lo. Ele diz que nunca ouviu falar em retrovenda e lhe pergunta o que fazer.

Embora não seja advogado do senhor Jeremias, quais são as duas principais perguntas que

você deve fazer a ele para poder dar uma orientação inicial sobre o caso?

2. Roteiro de Aula

A) Retrovenda

Direito de recobrar = Direito de retrato = direito de resgate = vendedor tem direito de exigir

que o comprador lhe revenda o imóvel.

Muitos entendem que a retrovenda caiu em desuso em razão do compromisso de compra e

venda. “...o compromisso de venda e compra preenche, com muito mais eficácia e maior

economia, o papel que durante algum tempo a retrovenda desempenhou. Daí ser ela, hoje,

instituto superado”65

.

Para que tenha efeito erga omnes66

, o direito de retrovenda deve ser registrado no registro

de imóveis, juntamente com a escritura pública de compra e venda.

Analisando o artigo 505 da Lei 10.406/2002, podemos extrair alguns requisitos da

retrovenda. Quais são eles?

65

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, vol. 3; pág. 187. 66

Oponível a terceiros

Direito dos Contratos

151

“Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo

máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as

despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuarem com a

sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias”.

Por que você acha que o legislador restringiu o instituto da retrovenda apenas aos bens

imóveis?

O prazo para recobrar o imóvel é decadencial. Relembrando, quais são as conseqüências de

ser um prazo decadencial e não prescricional?

B) Da Venda a Contento e da Sujeita a Prova

A venda a contento é cada vez mais rara atualmente em razão da “padronização de

mercadorias, a difusão dos preços fixos, a despersonalização das relações entre as

partes...”67

.

Apesar de ser mais rara, ela ainda pode ocorrer. Dona Mônica, por exemplo, compra roupas

da boutique Charmosa há mais de dez anos. Dona Mônica é uma cliente muito querida e

conhecida por todas as vendedoras da loja. Ela sempre é atendida pela dona Marli. Dona

Marli acompanhou em todos esses anos a vida da família Russo. Assim, sempre que

chegam novas peças que Marli acha que são do gosto de Mônica, ela manda para a casa da

senhora Russo as novas peças para que ela possa experimentar e decidir se vai comprá-las

ou não.

Esse exemplo nos mostra que, no caso da venda a contento, embora haja a tradição do bem

móvel, o domínio do bem não é transferido. Somente com a concordância do comprador, o

67

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, vol. 3; pág. 189.

Direito dos Contratos

152

domínio é transferido. A concordância do comprador é, portanto, uma condição suspensiva

para a alienação.

Tendo em vista o que aprendemos nas aulas anteriores, quais são as conseqüências do

domínio não ser transferido pela tradição da coisa móvel?

Duas semanas se passaram e dona Mônica ainda não deu retorno a dona Marli sobre as

roupas. Está demorando mais do que o normal para ela se manifestar. A gerente da loja já

está pressionando Marli, pois vai querer vender as peças a outras clientes. E agora? O que

dona Marli deve fazer?

C) Preempção ou preferência

Ao vender um bem, o vendedor pode vir a resguardar seu direito de preempção ou direito

de preferência. Assim, caso o comprador queira vender esse bem a terceiros, ele estará

obrigado a oferecer o bem ao vendedor, que se pagar o mesmo valor oferecido pelo

terceiro, terá preferência sobre ele.

Para que esse direito exista são necessários os seguintes requisitos:

- o comprador tem que querer vender o bem adquirido;

- o vendedor tem que querer recomprar o bem, estando disposto a pagar ao comprador o

preço que ele tiver conseguido com terceiros;

- o vendedor tem que exercer o direito no prazo.

Direito dos Contratos

153

O prazo para exercer o direito de preferência não poderá ser superior a 180 dias se o bem

for móvel, ou a 2 (dois) anos, se o bem for imóvel. Se o prazo não for estipulado, o direito

de preferência caducará em 3 (três) dias, no caso de bem móvel, e em 60 (sessenta) dias, no

caso de bem imóvel. O prazo começa a contar a partir da notificação do proprietário

(comprador) ao vendedor informando sobre seu interesse em vender o bem.

Quais são as diferenças entre a preempção e o direito de retrovenda?

O direito de preferência é um negócio acessório, geralmente vinculado à compra e venda.

Porém, não é raro vermos a estipulação de direito de preferência em outros contratos. A

cláusula de direito de preferência é muito comum, por exemplo, em acordos de acionistas68

.

Tanto é assim que a Lei nº 6.404/197669

, que dispõe sobre as sociedades por ações,

reconheceu que o direito de preferência é um dos tópicos que pode ser tratado em acordo de

acionistas. Deste modo, por meio de acordo de acionistas, os contratantes podem

convencionar que se um deles desejar vender sua participação a terceiro será obrigado a

oferecer as suas ações primeiro aos demais acionistas, que poderão comprá-las pelo mesmo

preço e condições oferecidos ao terceiro.

Vamos supor que, após a realização da diligência legal e da celebração do contrato de

compra e venda das quotas da Pechincha Ltda., nosso cliente seja procurado pelo senhor

Oportunista, sócio detentor de apenas 1% das quotas da Pechincha Ltda., que lhe afirma

que a venda das quotas não foi válida, uma vez que há três anos atrás fez um acordo de

quotistas com o senhor Eduardo, no qual, entre outros acertos, o senhor Eduardo se

68

“Destina-se o acordo de acionistas a regrar o comportamento dos contratantes em relação

à sociedade de que participam, funcionando, basicamente, como instrumento de

composição de grupos. Sendo um contrato, a ele se aplicam os preceitos gerais,

concernentes a essa categoria jurídica. Assim, e como contrato atípico, vinha sendo

celebrado no período anterior à atual lei das sociedades anônimas” (Borba, José Edwaldo

Tavares. Direito Societário – 7 ed. rev. aum. e atual. – Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pág.

322). 69

“Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre compra e venda de suas ações, preferência para

adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela

companhia quando arquivados na sua sede”.

Direito dos Contratos

154

comprometia a oferecer direito de preferência a esse outro sócio no caso de alienação de

suas quotas.

Tendo em vista que esse acordo de quotistas nunca foi divulgado e nem sequer mencionado

na diligência legal, como se resolveria esta situação utilizando-se apenas as regras previstas

no Código Civil?

D) Venda com reserva de domínio

A venda com reserva de domínio popularizou-se com o aumento das vendas com

pagamento em prestações.

No caso de venda com reserva de domínio, assim como na venda a contento, embora o bem

seja entregue ao potencial comprador, o domínio permanece com o vendedor até que a

última prestação seja paga pelo comprador.

A venda com reserva de domínio é uma venda condicional que se aperfeiçoa na ocorrência

de um evento futuro e incerto: o pagamento do preço.

A venda com reserva de domínio restringe-se aos bens móveis e exige forma escrita.

Afinal, se não há previsão expressa da reserva de domínio, aplica-se a regra geral de que a

propriedade do bem móvel transfere-se com a tradição do bem. Além disso, para que seja

oponível a terceiros, o contrato deve ser registrado no Registro de Títulos e Documentos.

A venda com reserva de domínio pode trazer insegurança jurídica uma vez que, ao

contrário do que ocorre com os bens imóveis que exigem solenidade para sua transferência,

Direito dos Contratos

155

é comum que pessoas realizem operações de venda de bem móvel sem consultar registros

ou sem exigir a prova da propriedade do vendedor. Silvio Rodrigues comenta:

“Teoricamente tal sistema é perfeito. Apenas ele não funciona na prática, principalmente

nos grandes centros e tendo em vista a quantidade fantástica de bens móveis duráveis

vendidos, diariamente, com reserva de domínio”70

.

Se o comprador está em mora, o vendedor tem duas opções: mover ação de cobrança das

prestações vencidas e vincendas e o que mais lhe for devido ou reaver a posse da coisa

vendida.

E) Da venda sobre documentos

O Código Civil de 1916 não previa essa modalidade de venda.

“A venda sobre (ou contra) documentos tem por finalidade dar mais agilidade às transações

mercantis que envolvam venda de mercadorias. Por sua natureza, apenas pode ter por

objeto coisa móvel. A obrigatoriedade da tradição da coisa é satisfeita com a entrega ao

comprador de documento representativo, para que seja exigível o pagamento do preço. O

vendedor se libera da obrigação de entregar a coisa remetendo ou entregando ao comprador

o título representativo da mercadoria”71

.

70

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, vol. 3; pág. 176. 71

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In:

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2003, vol.. 6, pág. 216

Direito dos Contratos

156

3. Questões de Concurso

(Prova: 18º Exame de Ordem - 1ª fase) Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando

o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato ou pedir o preço.

Essa cláusula especial à compra e venda é denominada:

a. Venda a contento;

b. Retrovenda;

c. Preempção;

d. Pacto comissório.

4. Modelo

Exemplo de cláusula de direito de preferência em Acordo de Acionistas:

“VI – ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE AÇÕES

6.1. Cada uma das Partes se obriga, neste ato, em caráter irrevogável e

irretratável, a não vender, prometer vender, permutar, doar, ou por qualquer outra forma

alienar ou transferir, a qualquer título, as ações de sua titularidade, senão mediante venda,

para pagamento em moeda corrente nacional, observado o disposto nesta Cláusula 6ª,

ficando a Parte que desejar alienar, no todo ou em parte, suas ações da COMPANHIA (a

seguir, a “Parte Cedente”), obrigada a primeiramente oferecê-las, por escrito, às demais

Partes (a seguir, as “Demais Partes”), para que estas possam exercer o seu direito de

preferência, nos termos deste Acordo.

6.2. As comunicações a que se refere o item anterior indicarão o potencial

adquirente, fornecendo inclusive as informações previstas no item 6.2.1 abaixo (a seguir o

“Potencial Adquirente”), o preço e condições de pagamento, bem como a especificação da

quantidade e espécie das ações a serem alienadas (as “Ações Ofertadas”).

6.2.1. Caso o Potencial Adquirente seja uma sociedade, a comunicação do item 6.1

supra, deverá identificar também as respectivas Partes ou sócios que

detenham o controle do Potencial Adquirente e/ou participações societárias

Direito dos Contratos

157

que representem 10% (dez por cento) ou mais de seu capital votante e/ou de

seu capital total e assim sucessivamente, até atingir as pessoas físicas.

6.3. Na proporção do número de ações que possuírem, as Demais Partes terão

preferência para adquirir as Ações Ofertadas, pelo mesmo preço e condições oferecidos

pelo Potencial Adquirente, observando-se, ainda, o seguinte:

(a) a preferência deverá ser exercida no prazo de 60 (sessenta) dias a

contar da data do recebimento da comunicação referida no item 6.1

supra e abranger todas e não menos do que todas as Ações Ofertadas;

(b) será facultado às Demais Partes estenderem seu direito de preferência

à aquisição de sobras, se houver, desde que se manifestem nesse

sentido no prazo de 60 (sessenta) dias fixado na letra (a) deste item;

(c) caso sejam recebidas manifestações de exercício de preferência que

totalizem quantidade de ações superior a das Ações Ofertadas,

proceder-se-á ao respectivo rateio entre as Partes interessadas,

proporcionalmente às Ações que possuírem; e

(d) exercida a preferência, a aquisição deverá ser efetuada nos 30 (trinta)

dias seguintes ao decurso do prazo referido nas alíneas anteriores.

6.4. Não havendo manifestação das Demais Partes, a Parte Cedente poderá, nos

60 (sessenta) dias seguintes, alienar todas, mas não menos do que todas as Ações Ofertadas

ao Potencial Adquirente indicado e ao mesmo preço e nas mesmas condições constantes

das comunicações referidas no item 6.1 supra, desde que observado o procedimento

previsto no item 6.4.1 abaixo.

Direito dos Contratos

158

6.4.1. Na hipótese do item 6.4, o instrumento contratual de compra e venda das ações

deverá conter cláusula pela qual o adquirente manifeste sua adesão incondicional

ao presente Acordo, com os mesmos direitos e obrigações da Parte Cedente,

devendo as Demais Partes igualmente subscrever o instrumento, como

intervenientes anuentes, como condição para sua validade e eficácia, ficando

obrigadas as Demais Partes, contudo, a assinar o citado instrumento, desde que

tenham sido observadas as formalidades previstas nesta Cláusula 6ª”.

Direito dos Contratos

159

Aula 15

Título: Doação

Ementário de temas: Características do contrato de doação – Aceitação - Espécies de

doação - Restrições à liberdade de doar - Doação de ascendente para descendente -

Resolução e revogação da doação.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 538 a 564 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 253 a 264.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 207 a 226.

Bibliografia complementar:

ALVIM, Agostinho, Da doação, 3.ed., São Paulo: Saraiva, 1980.

MORAES, Maria Celina Bodin de, Notas sobre promessa de doação In Revista

Trimestral de Direito Civil, vol. XXIV, 2005.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, Contratos nominados II, vol. IV, 2.ed., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

1. Caso gerador:

Dentre os contratos recebidos, você notou o contrato abaixo:

INSTRUMENTO PARTICULAR DE DOAÇÃO

Direito dos Contratos

160

EDUARDO RUSSO, brasileiro, casado, empresário, portador da carteira de identidade nº

xxxxxxxxx, inscrito no CPF/MF sob o nº 01010101, residente e domiciliado em Brasília,

Distrito Federal, doravante denominado simplesmente “DOADOR”;

JEREMIAS RUSSO, brasileiro, solteiro, empresário, portador da carteira de identidade nº

yyyyyyyyy, inscrito no CPF/MF sob o nº 02020202, residente e domiciliado em Brasília,

Distrito Federal, doravante denominado simplesmente “DONATÁRIO”.

DOADOR e DONATÁRIO doravante denominados, em conjunto, simplesmente como

Partes.

CONSIDERANDO QUE:

(i) O DOADOR é titular de 99.000 (noventa e nove mil) quotas representativas de 99%

do capital social da sociedade limitada denominada Pechincha Comércio Varejista Ltda.,

com sede em Brasília, Distrito Federal, com seus atos constitutivos registrados na Junta

Comercial de Brasília sob o número 11111111, doravante denominada “Sociedade”;

(ii) O DONATÁRIO é herdeiro necessário do DOADOR;

(iii) O DOADOR deseja doar, em vida, ao DONATÁRIO, 50.000 (cinqüenta mil)

quotas (“Quotas”), para iniciar a transferência dos negócios da família e fomentar negócios

das futuras gerações da sua família;

(iv) O DOADOR sujeita tal doação à execução integral e tempestiva, por parte do

Donatário, de determinados encargos, abaixo estabelecidos, todos relacionados com a

Direito dos Contratos

161

finalidade de manter a tradição da família preocupada com o bem estar da comunidade em

que vive, incluindo dos funcionários do Supermercado Pechincha (“Funcionários”); e

(v) as quotas representativas do capital social da Sociedade, objeto da presente doação,

encontram-se livres e desembaraçadas de quaisquer dívidas, ônus ou encargos de qualquer

natureza;

resolvem as Partes de comum acordo e na melhor forma de direito celebrar o presente

Instrumento Particular de Doação (“Instrumento”), que vigerá de acordo com as seguintes

cláusulas e condições, observados os artigos 538 e seguintes do Código Civil Brasileiro:

1. O DOADOR, de livre e espontânea vontade, sem qualquer induzimento ou coação,

decide doar, como na verdade efetivamente doa, ao Donatário, as Quotas, que representam

50% do capital social da Sociedade.

2. Esta doação fica sujeita ao cumprimento dos encargos abaixo estabelecidos,

conforme autoriza o artigo 553 do Código Civil Brasileiro, ficando, portanto, o Donatário,

obrigado a cumprir, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da data de

assinatura deste Instrumento, as seguintes obrigações:

2.1 O DONATÁRIO deverá providenciar um clube para que os funcionários possam

desfrutá-lo nos dias de folga. O clube deverá atender aos seguintes requisitos:

(a) O clube deverá ter no mínimo: (i) duas quadras polivalentes para a prática de

esportes em grupo; (ii) uma piscina rasa para crianças até 5 anos; (iii) uma piscina

profunda, com pelo menos as seguintes medidas...; (iv) um bar; (v) um play para

crianças, com escorrega, balanço e, pelo menos, outros dois brinquedos do gênero.

Direito dos Contratos

162

(b) O clube deverá funcionar todos os fins de semana e feriados.

(c) O clube deverá empregar pelo menos 20 funcionários para segurança, limpeza e

bom funcionamento do clube.

(d) Os funcionários e seus cônjuges, descendentes e ascendentes terão direito de

desfrutar do clube mediante pagamento de mensalidade em valor simbólico, nunca

superior a 5% de seu salário.

(e) O clube será aberto apenas aos Funcionários e seus familiares, não sendo mais

permitido o seu acesso em caso de demissão ou desligamento.

2.2 O DONATÁRIO deverá, com auxílio jurídico, providenciar a constituição legal do

clube e a contratação da mão de obra necessária para o funcionamento do clube.

2.3 O DONATÁRIO poderá alugar, comprar ou arrendar um terreno para que o clube

seja instalado.

3. A doação ora feita é obrigatória para as partes contratantes, herdeiros e sucessores.

4. Fica registrado que o imposto de doação incidente sobre a presente operação foi

recolhido, mediante o DARJ cuja cópia constitui o Anexo I ao presente Instrumento.

Direito dos Contratos

163

5. Fica eleito o foro Central da Comarca de Capital do Estado do Rio de Janeiro, com

a renúncia expressa de qualquer outro, por mais privilegiado que venha a ser, para dirimir

as questões decorrentes do presente Instrumento.

E por estarem assim justas e contratadas, as partes firmam o presente Instrumento em 02

(duas) vias de igual forma e teor, na presença das 02 (duas) testemunhas abaixo assinadas.

Brasília, 24 de abril de 2004.

Eduardo Russo Jeremias Russo

Testemunhas:

1. 2.

Nome: Nome:

CPF/MF: CPF/MF:

Esse contrato deixou nossa equipe de diligência apreensiva, pois, de acordo com ele, o

senhor Eduardo Russo não seria mais o proprietário de 99% das quotas, como havíamos

sido informados no início da diligência legal. Seu filho, Jeremias, que sempre demonstrou

ser contra a realização do negócio entre o senhor Eduardo e o nosso cliente, aparentemente

detém 50% das quotas da Pechincha Ltda., podendo, portanto, inviabilizar a compra do

negócio. E agora? Que pontos devem ser levados em consideração? A doação é válida?

Tem alguma medida que possa ser tomada para anular essa doação?

Direito dos Contratos

164

Supondo que você fosse o advogado do senhor Eduardo Russo e tivesse sido consultado

antes do contrato ser assinado, você teria alguma sugestão?

2. Roteiro de Aula

A) Características do contrato de doação

O contrato de doação é:

- Unilateral – envolve prestação de apenas uma das partes;

- Gratuito – em regra, o doador não espera qualquer prestação do donatário. É uma

liberalidade do doador;

- Solene – a lei impõe forma escrita para doação, exceto nos casos de bens móveis de

pequeno valor, havendo a tradição imediatamente depois. (art. 541)

Lucy, grande fã dos Beatles, conta que ganhou de sua prima a coleção de discos desse

famoso grupo inglês. Curioso (a) você pede para ver a coleção. Lucy conta, porém, que

ainda não recebeu os discos porque eles estão guardados na casa de veraneio de sua tia.

Analisando, do ponto de vista legal, Lucy já pode se considerar proprietária da coleção?

O sorteio da Mega Sena estava acumulado e o prêmio estimado em vinte milhões de reais.

Seu amigo José resolveu fazer uma aposta. Chegando a casa, ele contou a sua avó que havia

jogado na Mega Sena. Percebendo que ela, que se encontrava doente e com dificuldade

para se movimentar, ficou muito triste porque não conseguiria jogar, José deu para a avó o

bilhete da Mega Sena. Ocorre que a família era pé quente e os números escolhidos por José

Direito dos Contratos

165

foram sorteados! Analisando esta situação, você consideraria que foi uma doação de

pequeno valor?

B) Aceitação

A aceitação pelo donatário é elemento indispensável para a doação e pode ser:

- expressa – quando é manifestada de forma verbal, escrita ou por gestos.

- tácita – quando resulta de comportamento do donatário incompatível com sua recusa à

doação.

- presumida pela lei – nos casos previstos nos arts. 539, 543 e 546 da Lei nº 10.406/2002.

C) Espécies de Doação

Doação pura – é pura liberalidade. O doador não espera do donatário qualquer ato ou

prestação por parte do donatário.

Doação remuneratória – tem o objetivo de pagar um serviço prestado pelo donatário, mas

que não podia ser exigido pagamento pelo doador. Por exemplo, prêmio pago a alguém que

encontrou seu cachorro desaparecido.

Doação com encargo – nessa espécie de doação, o doador impõe ao doador uma

contraprestação que resulta em vantagem para o próprio doador ou para terceiro. Exemplo:

Doador doa recursos ao donatário, mas o donatário fica obrigado a pagar uma mesada a um

parente do doador.

Direito dos Contratos

166

A doação remuneratória e a doação com encargo perdem a característica da gratuidade?

D) Restrições à liberdade de doar

- Doação de todos os bens do doador – art. 548 da Lei nº 10.406/2002

O objetivo dessa restrição é proteger o doador e também a sociedade, evitando que o

doador passe a ficar totalmente desamparado e tenha que ser assistido pelo Estado.

- Doação de parte que caberia à legítima – art. 549 da Lei nº 10.406/2002

Essa restrição visa proteger o patrimônio dos herdeiros. De acordo com o art. 1.846,

pertence aos herdeiros necessários72

a metade dos bens da herança. Sendo assim, se o

doador tem herdeiros necessários, ele só pode doar metade de seus bens, tendo em vista que

a outra metade constitui a legítima, e é assegurada aos herdeiros necessários. No momento

da doação deve ser aferido se o bem a ser doado é superior à metade dos bens do doador.

Por outro lado, se o doador não tiver herdeiros necessários, ele terá ampla liberdade de doar

seus bens, observando-se apenas as demais restrições previstas no Código Civil, como visto

anteriormente.

- Doação que prejudique os credores do doador – art. 158 da Lei nº 10.406/2002

Embora esta restrição não esteja expressa no capítulo sobre doação do Código Civil, ela

está prevista no art. 158 do Código Civil, que trata da fraude contra credores. Para proteger

72

Os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. (art. 1.845 da

Lei nº 10.406/2002).

Direito dos Contratos

167

os credores quirografários73

do doador, o código prevê que eles podem anular a doação

quando o doador estiver insolvente com eles ou ficar insolvente com os credores por ter

doado bens a terceiros.

- Doação do cônjuge adúltero a seu cúmplice – art. 550 da Lei nº 10.406/2002

Essa restrição tem como propósito proteger o cônjuge e os herdeiros necessários.

E) Doação de ascendente para descendente

Como já vimos anteriormente, o legislador preocupou-se em tentar evitar que um dos filhos

seja beneficiado pelos pais em detrimento do outro.

Dessa forma, no caso da compra e venda, vimos que é anulável a venda de ascendente a

descendente, exceto se os outros descendentes expressamente consentirem. Na permuta

entre descendente e ascendente, é anulável a troca de valores desiguais, sem consentimento

dos outros descendentes.

Qual foi o mecanismo adotado no caso da doação?

E se o pai realmente quiser doar algo para um dos filhos em detrimento dos outros?

73

Credor Quirografário ou simples: “aquele que não tem título que lhe dê preferência;

possui os mesmos direitos que os credores comuns, sendo pago em rateio do saldo que

houver, depois de ressarcidos os privilegiados”. (Dicionário Técnico Jurídico/ organização

Deocleciano Torrieri Guimarães; coordenação Luiz Eduardo Alves de Siqueira – 3 ed. rev.

e atual. São Paulo: Rideel, 2001.)

Direito dos Contratos

168

Com a morte de seus pais, Ruth e Raquel abriram o inventário. Raquel pede que o juiz

considere como adiantamento de legítima à Ruth os gastos que os pais tiveram com a festa

de casamento de Ruth. Ruth, por sua vez, solicita que o juiz considere como adiantamento

de legítima a Raquel, todas as despesas que os pais tiveram para pagamento do doutorado

de Raquel em Paris. Se você fosse o juiz, o que você faria?

F) Resolução e revogação da doação

A doação pode ser desfeita:

- por motivos comuns a todos os contratos – embora não esteja prevista no capítulo

específico sobre doações, aplicam-se as regras gerais a todos os contratos, ou seja, os

defeitos74

que podem macular o ato jurídico, como erro, dolo, coação, simulação e fraude,

são motivos para anular a doação.

- por ser resolúvel o negócio – ocorre, por exemplo, no caso previsto no art. 547, no qual o

doador sobrevive ao donatário e o domínio do bem volta ao patrimônio do doador.

A doação pode ser revogada:

- por descumprimento do encargo – no caso de doação com encargo, se o donatário não

cumprir o encargo no prazo assinalado pelo doador, o doador pode desfazer a doação.

74

Rever arts. 138 a 155 (erro, dolo e coação) e arts. 158 a 165 (fraude) e 167 (simulação).

Direito dos Contratos

169

- por ingratidão do donatário – o legislador visou punir o donatário, mas restringiu a

possibilidade de revogar a doação por ingratidão a determinadas causas e regulou seus

efeitos.

Rita foi visitar sua mãe na casa de veraneio e aproveitou para buscar a coleção de discos

dos Beatles e entregá-la a Lucy. Lucy ficou muito satisfeita com a prima, mas isso não foi

suficiente para apagar a velha briga que tem com o seu vizinho Paul, que é também irmão

de Rita. Paul é um péssimo vizinho, que, além de fazer barulho até altas horas da

madrugada, não paga em dia as cotas do condomínio do prédio onde vivem. Para

completar, uma noite, ao chegar bêbado, acabou por bater no carro de Lucy que estava

estacionado na garagem do prédio. Essa foi a gota d’água para Lucy que, no dia seguinte,

encontrando-o na entrada do prédio, acabou perdendo a paciência e, na frente dos porteiros

e de alguns moradores que aguardavam o elevador, chamou de irresponsável e outros

adjetivos de baixo calão que não convém replicar para nosso leitor. Paul se disse muito

ofendido por Lucy. Lucy diz que Rita é muito ligada a seu irmão e diz que teme que esse

incidente com Paul possa ter impacto na doação de Lucy. Lucy tem razão de ficar

preocupada? E se Lucy tiver alugado a coleção para um amigo?

3. Questões de Concurso

(Prova: 10º Exame de Ordem - 1ª fase) Não constitui regra aplicável às doações a que

abaixo se destaca:

a. A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima;

b. A doação poderá conter cláusula de retorno do bem ao doador, se sobreviver ao

donatário;

c. A doação deverá ser feita por escrito, ainda que se trate de bem móvel de pequeno

valor;

d. É anulável a doação do Cônjuge adúltero ao seu cúmplice.

Prova: 22º Exame de Ordem - 2ª fase

PROVA DISCURSIVA

Direito dos Contratos

170

João acreditando que Alfredo era seu filho natural (filho biológico não registrado) do

namoro que manteve com mãe do Alfredo, resolveu fazer uma doação de um apartamento

para ele. Depois que fez a doação descobriu que Alfredo não era seu filho e então pretende

anular a doação. Esclareça se existe algum vício na manifestação de vontade, indicando em

caso positivo qual o seu fundamento.

Direito dos Contratos

171

Aula 16:

Título: Contrato de locação. Locação de coisas.

Ementário de temas: Introdução – Elementos do contrato de locação – Obrigações do

locador – Obrigações do locatário

Bibliografia obrigatória:

Arts. 565 a 578 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 329 a 350.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14.ed., págs. 229 a 254.

Bibliografia complementar:

ESPÍNOLA, Eduardo, Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, Campinas:

Bookseller, 2002.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, Contratos nominados II, vol.IV, 2.ed., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 249 a 288.

1. Roteiro de Aula

A) Introdução

Modernamente, ao se falar em locações, se fala sempre em locação de coisas. A locação de

serviços e de obras, tratadas no direito romano como espécies de locação, evoluiu para a

prestação de serviços (e para o Direito do Trabalho, quando há vínculo empregatício) e para

Direito dos Contratos

172

a empreitada, respectivamente. Portanto, no âmbito destas aulas, quando se fala em

locação, ter-se-á sempre em mente a idéia de locação de coisas (locatio rei).

Todavia, ainda hoje existe uma diferenciação no ordenamento quanto às diversas espécies

de locação; algumas são consideradas tão especiais pela mens legis, que merecem um

regramento especial próprio, e o maior exemplo disto é a locação de prédios urbanos

(residenciais, comerciais e de temporada), que são regidos por legislação especial,

conforme diretiva do próprio código (art. 2.036 do código e Lei nº 8.245/1991).

Conceito do contrato de locação.

O núcleo do contrato de locação é a cessão de uma coisa não fungível entre o seu

proprietário – o locador – e aquele que se utilizará da coisa – o locatário.

Código Civil

Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra,

por tempo determinado ou não, o uso e gozo de uma coisa não fungível,

mediante certa retribuição.

Do claro conceito legal, pode-se extrair as características principais do contrato: a cessão da

coisa (“ceder à outra... uso e gozo de uma coisa não fungível”), preço (“certa retribuição”),

consentimento (“se obriga a”) e prazo (“por tempo determinado ou não”).

Trata-se de contrato:

(i) bilateral, porque confere obrigações e direitos recíprocos às duas partes;

Direito dos Contratos

173

(ii) oneroso, como se vê do próprio conceito legal, pois é da natureza do contrato a

retribuição econômica por parte do locatário;

(iii) consensual, pois se forma só pelo acordo de vontades, sem exigir forma

específica75

; a tradição da coisa, como na compra e venda, já diz respeito à fase

da execução do contrato, não se trata de contrato real;

(iv) comutativo, porque as partes já tem conhecimento de suas respectivas

prestações, em regra, na celebração da avença; e

(v) não solene, pois a lei não exige forma específica para sua validade. Todavia, os

efeitos do contrato podem ser diferentes conforme houver registro ou não. A

proteção do locatário, em caso de alienação do bem, é maior se houver registro

(art. 576).

Em regra, o contrato de locação não é personalíssimo, embora possa se tornar mediante

consentimento das partes. Além disso, o contrato de locação é de execução continuada ou

de trato sucessivo, pois envolve prestações seguidas no tempo; o pagamento de uma

prestação não exaure o contrato, ao contrário da compra e venda, mas tão somente é

considerado como contrapartida pelo uso em um determinado período, normalmente

mensal.

B) Elementos do contrato de locação

75

Note-se que, no caso de locações prediais urbanas, a lei dá (art. 46 da lei 8.245) um

tratamento especial às locações reduzidas a contrato escrito, incentivando sua utilização,

como se verá no ponto específico.

Direito dos Contratos

174

Os elementos do contrato são, simplificadamente, o tempo, o preço e o objeto do negócio,

isto é, a coisa, embora alguns autores76

enxerguem também o consentimento e a forma

como seus elementos.

I) A cessão da coisa – o objeto do contrato de locação

Embora seja uma confusão bastante comum, o objeto do contrato de locação não é a coisa

em si, mas seu uso e gozo por alguém que não o seu proprietário, transferidos por meio de

manifestação de vontade.

O principal atributo da coisa que será objeto de locação é a sua infungibilidade. Disso

decorrem algumas conseqüências: (i) segundo o art. 569, IV, do Código Civil, o locatário é

obrigado a restituir a coisa no estado em que a recebeu, salvo as deteriorações do seu uso

regular; ou seja, a lei privilegia a não-fungibilidade do bem; (ii) não se destinam à locação

as coisas consumíveis no seu primeiro uso, como o dinheiro; e (iii) por outro lado, pode ser

objeto da locação se algum acessório da coisa for consumido, sem que ela perca a sua

infungibilidade (ex.: corte de árvores em casa de campo).

O fato de um bem ser inalienável não impede o seu uso em locação, como bens fora do

comércio ou bens públicos.

Pode ser objeto da locação bens móveis ou imóveis, contanto que sejam infungíveis.

Ressalte-se que, embora a Lei do Inquilinato tenha tomado para si a normatização de boa

parte dos imóveis urbanos, seu art. 1º, parágrafo único, exclui diversos tipos de imóveis,

que continuam sendo tratados pelo código (ou por legislação especial, se houver), como,

por exemplo, as vagas autônomas de garagem. O aluguel de lojas em shoppings centers

também possui toda uma sistemática própria, havendo um grande avanço jurisprudencial na

matéria.

76

Caio Mário, pág. 276.

Direito dos Contratos

175

É muito comum considerar o contrato de leasing ou arrendamento mercantil como uma

locação de coisas móveis; todavia, tal contrato possui peculiaridades específicas com

relação à locação comum de coisas regulada pelo Código Civil (como, por exemplo, a

opção de compra ao final do prazo contratual), e, portanto, com ele não se confunde.

Em regra, a celebração da locação transfere a posse do bem, salvo se houver previsão

contratual específica em contrário. O art. 566, II, do Código Civil, determina ser obrigação

do locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa durante o tempo do contrato.

II) Preço – o aluguel

Como dito anteriormente, o pagamento do aluguel é o que diferencia a locação do

comodato. Há de haver, sob pena de invalidação do contrato ou de sua configuração em

empréstimo disfarçado ou até mesmo comodato, uma certa proporcionalidade entre o valor

do bem e o aluguel cobrado.

Podem as partes estipular aluguel que não seja em dinheiro? Por quê?

No âmbito da discricionariedade das partes, podem ser deduzidos do aluguel as obras e

benfeitorias feitas pelo locatário.

III) Prazo – o tempo da locação.

Direito dos Contratos

176

A definição legal do contrato de locação já permite que ela seja celebrada tanto por prazo

determinado quanto por prazo indeterminado, embora a sua temporariedade o diferencie,

por exemplo, do instituto extinto da enfiteuse, em que a transferência da posse é perpétua.

A lei, contudo, dá efeitos diferentes (mais sensíveis ainda no caso da locação de prédios

urbanos sujeitos à Lei nº 8.245/1991) ao contrato de locação conforme o seu prazo.

O art. 571 estabelece que, na locação por prazo determinado, por um lado o locador não

pode exigir a devolução da coisa antes do término do contrato, a não ser que pague as

perdas e danos correspondentes, mas, por outro, o locatário também não poderá devolver a

coisa sem o pagamento proporcional da multa contratual. Numa interpretação a contrario

sensu, portanto, sendo o contrato sem prazo determinado, qualquer das partes pode resilir o

contrato sem o pagamento de penalidades.

Sendo o contrato por prazo determinado (arts. 573 e 574), extingue-se a locação pelo mero

decurso do tempo, sem necessidade de notificação ou aviso. Caso, todavia, o locatário, sem

oposição do locador, permaneça com a posse da coisa, presume-se prorrogada a locação por

prazo indeterminado.

Essa presunção legal admite prova em contrário?

C) Obrigações do locador

As obrigações do locador estão dispostas no art. 566 e seguintes do Código Civil. Dentre

todas, a fundamental é a de proporcionar ao locatário o uso e gozo da coisa locado, a qual

pode ser desdobrada, basicamente, nos deveres de entrega, manutenção e garantia da coisa

locada.

Direito dos Contratos

177

Entrega – A entrega da coisa, conforme art. 566, I, deve ser feita em estado de servir ao fim

a que se destina. Por exemplo: o locador não pode alugar uma televisão com o tubo de

imagem queimado, pois o locatário não poderá fazer o uso esperado dela.

A entrega é o ato por meio do qual a coisa locada muda de possuidor, e presume-se que

deve ser feita imediatamente, junto com os seus acessórios e pertenças, salvo se em

contrário dispuser o contrato.

Manutenção – Não basta isso, todavia, já que o mesmo artigo fala que o locador deve

mantê-la neste estado (dever de manutenção). Esse dever, assim como o de garantia,

prolonga-se durante o prazo da locação, embora não caiba a retenção do aluguel como

contrapartida a ausência do cumprimento deste dever.

A questão da manutenção da coisa envolve, naturalmente, o tratamento jurídico da

conservação e reparação do bem, em razão de sua natural deterioração. O art. 567 do

Código Civil reza que, se não houver culpa do locatário, pode este pedir a redução

proporcional do aluguel, ou até mesmo a resolução do contrato, se deteriorar-se a coisa

durante a vigência do contrato.

Como proprietário da coisa, e, portanto, principal interessado na manutenção do seu valor

econômico, em regra se atribui ao locador o dever de promover as obras necessárias à sua

conservação, sem, contudo, sob esse pretexto, mudar a destinação da coisa alugada, embora

seja normal que o locatário responda pelas despesas de conservação de pequeno porte,

consertos, reparos etc.

A prática, porém, especialmente nos imóveis urbanos, é que o contrato de locação

estabeleça exatamente que tipo de despesas caberá o locatário e ao locador, sendo esse

assunto inclusive objeto de regramento próprio na Lei do Inquilinato.

Direito dos Contratos

178

Garantia – o já mencionado art. 566, II, determina ser obrigação do locador garantir ao

locatário o uso pacífico da coisa, para o fim a que se destina. Isso quer dizer, conforme

sistematiza Caio Mário da Silva Pereira, que o locador deve garantir o locatário quanto a:

(i) vícios da coisa, ou defeitos que possam prejudicar o seu uso. Art. 568, in fine,

respondendo pelas perdas e danos (graduados pelo seu grau de culpa, sobretudo

para os vícios ou defeitos posteriores ao contrato) e sujeitando-se à resolução do

contrato, ou à redução proporcional do aluguel, conforme a escolha do locatário

(v. tb. Art. 567). Isso vale somente para os vícios ocultos ou também para os

vícios aparentes?

(ii) incômodos ou turbações de terceiros, embora caiba ao locatário “o desforço que

a lei lhe assegura (Código Civil, art. 1.210, §1º)”77

, conforme o mesmo art. 568.

Esse dever é imposto mesmo no caso de turbações feitas por colocatários.

(iii) Abstenção de incômodos. Se o locador deve garantir ao locatário o uso pacífico

da coisa com relação a terceiros, com muito mais razão não pode ele praticar

atos que venham a prejudicar esta utilização pacífica, sob pena de resolução do

contrato e pagamento das perdas e danos correspondentes.

(iv) Evicção. Se for total, além da resolução do contrato decorrente da própria

evicção, o locatário deve ser indenizado dos frutos que tiver que restituir, as

despesas dela oriundas, além das perdas e danos. Caberia ao locatário o pedido

de restituição dos aluguéis pagos? Se parcial a evicção, o locatário pode pedir a

resolução do contrato ou abatimento proporcional no aluguel.

(v) Atos da administração pública – não só a desapropriação, mas também os

chamados fatos do príncipe que desnaturem a coisa ou o uso a que ela se

destina, exceto se causadas pelo próprio locatário (ex.: fechamento de

estabelecimento comercial pela vigilância sanitária), caso em que pode o

locador solicitar as perdas e danos sofridas. A desapropriação tem um

regramento próprio, na medida em que em regra o contrato não pode ter

sobrevida pelo interesse público subjacente. Se o locador tinha conhecimento do

decreto expropriatório, responde pela indenização. Se, todavia, ela sobrevier na

vigência do contrato, o locador indenizará o locatário pelas benfeitorias e os

aluguéis são devidos até que o ente público seja imitido na posse da coisa.

77

Caio Mário, pág. 289.

Direito dos Contratos

179

D) Obrigações do locatário:

Estão dispostas fundamentalmente no art. 569 do Código Civil.

A mais importante delas é a de pagar pontualmente o aluguel, na forma ajustada no

contrato. O aluguel está para a locação assim como o preço está para a compra e venda. A

lei estabelece inclusive um penhor legal sobre os móveis que guarnecem o imóvel locado

como garantia de pagamento, conforme o art. 1.467, II do código.

Deve também o locatário usar a coisa para os usos convencionados ou presumidos,

tratando-a como se sua fosse (art. 569, I). A eventual tolerância do locador, em regra, não

permite afastamento desta regra. O desvio de finalidade é analisado no caso concreto,

conforme as circunstâncias do contrato, do local em que ele é celebrado e o princípio da

boa-fé objetiva.

O locatário deve ter a diligência esperada para o cuidado com a coisa, de maneira, por

exemplo, a impedir a deterioração do bem se ela é evidente, sem prejuízo de seu dever de

pequenos reparos e consertos já mencionado.

O locatário é obrigado a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros. Isso é

contrapartida do dever do locador de garantir a coisa locada. Esse dever de informação

deve ser exercido de modo a permitir a que o locador possa tomar todas as providências

para o exercício do seu próprio dever, isto é, tão logo o locatário tome conhecimento da

turbação, deve notificar o locador, para que ele, por exemplo, possa entrar com as medidas

judiciais cabíveis para a proteção de sua propriedade e da posse do locador.

Direito dos Contratos

180

Por fim, findo o contrato de locação, deve o locatário restituir a coisa no estado em que a

recebeu, salvo por sua deterioração natural. As únicas exceções permitidas por lei são as em

é conferido ao locatário direito de retenção, como se verá a seguir.

Caso o locatário descumpra esse dever, a lei provê a solução no art. 575: ficará responsável

pelos aluguéis enquanto mantiver a coisa em seu poder, no valor arbitrado pelo locador, e

responderá pelos danos a ela, ainda que proveniente de caso fortuito.

Alienação do bem durante o prazo locatício

A questão está regulada no art. 576 do código, sem prejuízo das regras específicas da Lei nº

8.245. O adquirente do bem somente estará obrigado a respeitar a locação se o contrato

contiver cláusula expressa e tiver sido submetido ao registro próprio.

Direito de retenção

É um poder, uma defesa que a lei dá ao locatário de conservar em sua posse a coisa alheia

locada, mesmo depois de findo o prazo contratual, enquanto não lhe forem indenizadas as

despesas ou perdas sofridas em razão da coisa. Pode-se dizer até que é um dos poucos casos

de “Justiça privada” aceita pelo Direito brasileiro.

Direito dos Contratos

181

A lei confere direito de retenção ao locatário pelas benfeitorias necessárias78

, e também

pelas úteis79

, caso tenham sido feitas com o consentimento do locador (art. 578). Tratando-

se de norma dispositiva, contudo, podem as partes dispor em contrário no contrato.

78

Art. 96, parágrafo 3º da Lei nº 10.406/2002: “São necessárias as que têm por fim

conservar o bem ou evitar que se deteriore”. 79

Art. 96, parágrafo 2º da Lei nº 10.406/2002: “São úteis as que aumentam ou facilitam o

uso do bem”.

Direito dos Contratos

182

Aula 17: Empréstimo (Comodato)

Ementário de temas: Introdução. Características. Obrigações do comodatário.

Extinção do comodato.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 579 a 585 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 384 a 389.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 309 a 314.

Bibliografia complementar:

ESPÍNOLA, Eduardo, Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, Campinas:

Bookseller, 2002.

1. Caso gerador:

Recebemos na diligência o contrato de comodato de um dos imóveis utilizados pela rede de

Supermercados Pechincha. Tendo em vista a importância desse imóvel para a rede de

Direito dos Contratos

183

supermercados e, conseqüentemente, para o nosso cliente, potencial adquirente do negócio,

que comentários você teria a fazer com relação ao contrato abaixo?

CONTRATO DE COMODATO

XYZ LTDA, sociedade limitada com sede na Rua dos Oitis, São Paulo-SP, inscrita no

CNPJ/MF sob nº 00000000, neste ato representada por seu representante legal, doravante

denominada simplesmente “Comodante”; e

PECHINCHA COMÉRCIO VAREJISTA LTDA., com sede em Brasília, Distrito Federal,

com seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial de Brasília sob o número

11111111, neste ato representada por seu representante legal, Sr. Eduardo Russo, doravante

denominada simplesmente “Comodatária”;

Comodante e Comodatária são doravante, conjuntamente, denominadas “Partes” e,

individualmente, “Parte”.

CONSIDERANDO QUE:

Direito dos Contratos

184

a Comodante é proprietária e legítima possuidora do imóvel localizado no Lago Sul,

Quadra ABC (o “Imóvel”), matrícula 555 do Cartório de Registro de Imóveis do Distrito

Federal;

a Comodatária tem interesse na utilização do Imóvel e que a Comodante deseja dar

em comodato à Comodatária parte do Imóvel,

RESOLVEM, Comodante e Comodatária, celebrar o presente Contrato, que será

regido pelo artigo 579 e seguintes do Código Civil, e pelas seguintes cláusulas e condições:

1. Do Objeto.

1.1. Pelo presente Contrato, a Comodante cede em comodato à Comodatária o

Imóvel.

1.2. A Comodante declara, para todos os fins de direito, que o Imóvel se

encontra livre e desembaraçado de quaisquer ônus reais, pessoais ou fiscais, ou ainda

restrições de qualquer natureza.

1.3. A Comodatária será a responsável exclusiva pelo custeio de todas e

quaisquer despesas decorrentes de adaptações e reformas eventualmente realizadas a fim de

permitir a instalação e o funcionamento das atividades da Comodatária no Imóvel. Tais

adaptações e reformas, se realizadas pela Comodatária, serão consideradas despesas

necessárias para o uso e gozo do Imóvel, e as benfeitorias delas decorrentes a ele se

incorporarão. Fica desde já ajustado entre as Partes que as benfeitorias realizadas pela

Comodatária no Imóvel não criarão para a Comodatária direito a qualquer indenização, não

Direito dos Contratos

185

podendo a Comodatária reter o Imóvel nos termos deste Contrato pelas benfeitorias nele

realizadas.

2. Da Utilização da Área.

2.1. A Comodatária declara que utilizará o Imóvel ora dado em comodato

exclusivamente para a consecução de seus objetivos sociais, em conformidade com o seu

Contrato Social e respectivas alterações, ficando, desde já, vedada sua utilização para

qualquer outra finalidade sem o prévio e expresso consentimento da Comodante, sob pena

de responder por perdas e danos, na forma do artigo 582 do Código Civil.

2.2. Fica, desde já, vedado à Comodatária o aluguel ou comodato do Imóvel,

bem como a cessão ou transferência dos direitos e obrigações oriundos deste Contrato, sem

o expresso e inequívoco consentimento da Comodante.

2.3. Durante a vigência do presente Contrato, a Comodatária se obriga, ainda, a

preservar e manter em perfeito estado de conservação e limpeza o Imóvel cedido.

3. Da Imissão na Posse.

3.1. Neste ato, na melhor forma de direito, a Comodatária é imitida na posse do

Imóvel, obrigando-se, a partir da posse, a defendê-la contra ameaças, turbações ou esbulhos

e a preservar o Imóvel como se seu fosse, comprometendo-se a não lhe causar danos ou

avarias e a conservá-lo no mesmo estado em que o recebeu, ressalvado o desgaste natural

decorrente do uso regular do Imóvel.

Direito dos Contratos

186

4. Das Despesas.

4.1. A Comodatária será exclusivamente responsável pelo pagamento de todas as

despesas ordinárias tais como, água, luz, gás, taxas, impostos e demais encargos que recaiam

sobre o Imóvel, bem como sobre o exercício de suas atividades.

5. Da Vigência e da Rescisão.

5.1. O presente Contrato é celebrado por prazo indeterminado, podendo ser

rescindido por qualquer das Partes mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias.

5.2. O presente Contrato poderá ser rescindido por qualquer uma das Partes, sem

prejuízo das sanções aplicáveis, em caso de inobservância, pela outra Parte, de qualquer de

suas cláusulas e/ou condições, caso tais irregularidades não sejam sanadas dentro de 02

(dois) dias contados a partir da data do recebimento de aviso escrito enviado pela Parte

prejudicada.

5.2.1. A Comodante reserva-se o direito de rescindir este Contrato,

mediante notificação com efeitos imediatos, na ocorrência de qualquer uma das seguintes

hipóteses: (a) protesto de títulos de responsabilidade da Comodatária; ou (b) pedido de

concordata ou falência da Comodatária; ou (c) utilização do Imóvel para outros fins além

daqueles descritos neste Contrato.

6. Das Notificações.

Direito dos Contratos

187

6.1. Todas as notificações, avisos ou comunicações exigidas, permitidas ou

decorrentes deste Contrato, por qualquer das Partes à outra, deverão ser feitas por carta com

aviso ou protocolo de recebimento ou, ainda, por notificação judicial ou extrajudicial, fax,

e-mail com comprovação de recebimento, dirigidos e/ou entregues às Partes nos endereços

constantes do preâmbulo deste Contrato ou em outro endereço que uma das Partes venha a

comunicar à outra, a qualquer tempo, na vigência deste instrumento.

7. Das Penalidades.

7.1. A Parte que infringir qualquer das cláusulas ou condições do presente

Contrato ficará sujeita ao pagamento, à Parte inocente, das perdas e danos a que tiver dado

causa.

8. Do Foro.

8.1. As Partes elegem o foro da comarca da capital do Estado de São Paulo como

competente para solucionar qualquer conflito decorrente do presente Contrato, com

renúncia expressa de qualquer outro, por mais privilegiado que seja.

POR ESTAREM ASSIM JUSTAS E CONTRATADAS, as Partes assinam o

presente Contrato de Comodato em três vias de igual teor e forma na presença de duas

testemunhas abaixo assinadas.

Brasília, 10 de novembro de 1995.

Pechincha Comércio Varejista Ltda.

Direito dos Contratos

188

Testemunhas:

Nome: Nome:

RG: RG:

2. Roteiro de Aula

A) Introdução

Empréstimo é o contrato pelo qual uma das partes entrega um bem à outra, para ser

devolvido em espécie ou gênero.

Existem duas espécies de empréstimo: comodato e mútuo. Nesta aula, veremos as

características do comodato e na próxima aula estudaremos as diferenças entre comodato e

mútuo e as regras específicas do mútuo.

“O comodato é o empréstimo de coisa não fungível80

, eminentemente gratuito, no qual o

comodatário recebe a coisa emprestada para uso, devendo devolver a mesma coisa, ao

termo do negócio”81

.

80

Relembrando: art. 85 da Lei nº 10.406/2002: “São fungíveis os móveis que podem

substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”.

Direito dos Contratos

189

B) Características

Art. 579 da Lei nº 10.406/2002: “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não

fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto”.

Pela análise do artigo acima, é possível extrair três elementos desse contrato: a gratuidade,

a não-fungibilidade do objeto e a necessidade de sua tradição para o aperfeiçoamento do

negócio.

A natureza jurídica do contrato de comodato, portanto, é:

- Gratuito – caso fosse oneroso, poderia ser confundido com a locação, já analisada neste

curso.

- Real – é necessário que o bem seja transferido ao comodatário para que o contrato exista.

Não basta a mera troca de consentimentos.

- Unilateral – após a entrega do bem, incumbem obrigações apenas ao comodatário.

- Não solene – a lei não prescreve qualquer forma.

Vale notar que no comodato, embora haja transferência do bem, o domínio não é

transferido ao comodatário.

C) Obrigações do comodatário

81

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol. 3, pág. 255.

Direito dos Contratos

190

- Velar pela conservação da coisa – O comodatário deve zelar pela coisa como se própria

fosse. Assim, mesmo em caso de força maior, o comodatário responde pelo dano que venha

a ser sofrido pelo comodante, se em caso de risco, o comodatário privilegiar a segurança de

seus bens próprios, abandonando os bens do comodante.

- Usar a coisa de forma adequada – O bem em comodato só poderá ser usado, pelo

comodatário, para a finalidade e de acordo com os termos do contrato de comodato. Se o

contrato for omisso quanto à finalidade, deve ser entendido que a coisa foi emprestada para

ser utilizada de acordo com sua natureza.

- Restituir a coisa emprestada no momento devido – O comodatário deve restituir o bem no

prazo acordado. Não havendo prazo expressamente pactuado, deve ser restituído findo o

prazo necessário para a finalidade para a qual ele foi emprestado. A princípio, o comodante

não pode exigir o bem antes do termo do contrato, exceto se ele comprovar necessidade

urgente e imprevista para exigi-lo antes.

O comodatário, que descumpra a obrigação de devolver o bem no prazo, fica em mora e,

portanto, sujeito aos efeitos da mora82

.

Um dos diferenciais do Supermercado Pechincha é o atendimento aos clientes. Há, por

exemplo, uma área perto da seção de confeitaria, onde os clientes podem tomar um gostoso

cafezinho. Para tanto, o Supermercado Pechincha entrou em acordo com uma renomada

empresa de café expresso, que cedeu duas máquinas em comodato ao supermercado para

que os clientes comprem os produtos e coloquem nas máquinas que ficam ali à disposição.

Recebemos o contrato celebrado entre o Supermercado Pechincha e a empresa de café e

notamos que, embora as máquinas permaneçam no supermercado, o prazo do contrato já

terminou. Que conseqüências podem resultar desse fato?

82

Rever arts. 394 a 401 da Lei nº 10.406/2002.

Direito dos Contratos

191

D) Extinção do Comodato

O contrato de comodato se extingue:

- pelo decurso do prazo pactuado ou, caso não haja termo ajustado, após o uso pelo

comodatário de acordo com a finalidade para que foi emprestada.

- pelo comodante, se o comodatário descumpre qualquer de suas obrigações.

- pelo comodante, caso prove a superveniência de necessidade imprevista e urgente. Nesse

caso, a rescisão decorrerá de sentença judicial que reconheça o advento de necessidade

urgente e imprevisível à época do negócio.

Irene e Vital eram amigos desde a época do colégio. Sabendo que Irene tinha acabado de

abrir um restaurante e que queria implementar um serviço de entrega em domicílio, Vital

deu sua moto em comodato a Irene. Ocorre que, infelizmente, Irene veio a falecer poucos

dias depois. Apesar de estar muito chateado, Vital pleiteou em juízo a resolução do contrato

de comodato, alegando que somente tinha feito aquele contrato porque conhecia muito bem

Irene e que agora não fazia sentido manter o contrato de comodato. Os herdeiros de Irene,

por sua vez, alegaram que o contrato de comodato ainda estaria em vigor e que a moto era

responsável por uma boa parte da renda do restaurante uma vez que viabilizava o serviço de

entrega em domicílio. Além disso, de acordo com os herdeiros, embora o contrato de

comodato tivesse sido celebrado com Irene, o comodante estava ciente de que não era ela

quem dirigia a moto. Se você fosse o juiz, como julgaria a questão?

Direito dos Contratos

192

Aula 18

Título: Empréstimo (Mútuo)

Ementário de temas: Diferenças entre mútuo e comodato – Características - Mudança

na situação econômica do devedor - Mútuo oneroso ou feneratício - Prazos no mútuo.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 586 a 592 da Lei nº. 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 389 a 395.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 314 a 321.

Bibliografia complementar:

ESPÍNOLA, Eduardo, Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, Campinas:

Bookseller, 2002.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso, Contratos nominados II, vol. IV, 2.ed., São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011.

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 307 a 319.

1. Caso gerador:

Nosso cliente, Grana Certa Empreendimentos S.A., pretende obter recursos, por meio de

mútuo, para viabilizar a compra da participação na Pechincha Comércio Varejista Ltda..

Ele comenta que soube que houve muita discussão a respeito da cobrança de juros com a

edição do novo Código Civil e lhe consulta sobre esta questão. Ao explicar a situação, não

deixe de apontar as diferenças entre o regime geral do mútuo no Código Civil e o mútuo

bancário.

Direito dos Contratos

193

2. Roteiro de Aula

A) Diferenças entre mútuo e comodato

Embora ambos sejam espécie do gênero empréstimo, apresentam algumas diferenças, tais

como:

- Objeto – Como vimos na aula anterior, o comodato é o empréstimo de coisas não

fungíveis. Já o mútuo, conforme art. 586 da Lei nº 10.406/2002, é o “empréstimo de coisas

fungíveis”. As coisas fungíveis são substituíveis por outras. Dessa diferença decorre a

segunda distinção entre comodato e mútuo.

- Transferência de domínio – Enquanto no comodato, o comodatário recebe coisa não

fungível, tendo que devolvê-la ao comodante ao final do comodato, no mútuo, como o bem

emprestado é fungível, o mutuário tem que entregar ao mutuante, no prazo pactuado, um

bem que tenha as mesmas características do que o recebido, mas não necessariamente o

mesmo recebido. Desta forma, diferentemente do que ocorre no comodato, no mútuo, o

domínio do bem é transferido pelo mutuante ao mutuário.

Jeremias vinha conversando muito com um amigo que se dizia entendido de investimentos

na bolsa de valores. Curioso e atraído pela conversa de seu amigo, Jeremias decidiu investir

em ações. Como não tinha recursos para fazê-lo, Jeremias pediu R$ 500.000,00 a João

Alberto, para devolvê-lo no prazo de seis meses. Jeremias entregou o dinheiro ao amigo

para que ele fizesse o investimento na bolsa. Ocorre que a bolsa de valores despencou,

assim como o valor das ações que foram adquiridas pelo amigo de Jeremias. No dia fixado

para pagamento do mútuo, Jeremias lhe procura e pergunta se tem obrigação de devolver a

João Alberto os R$ 500.000,00, tendo em vista que agora ele só tem metade desse valor.

Ele lembra que certa vez uma das máquinas de café expresso emprestadas para uma das

filiais do supermercado quebrou e que o supermercado teve apenas que devolvê-la a

empresa proprietária das máquinas. Dessa forma, assim como o supermercado pôde

Direito dos Contratos

194

entregar apenas a máquina quebrada, sem ter a obrigação de consertá-la ou pagar pelo seu

conserto, ele também pagaria ao João Alberto apenas o que havia sobrado. O que você

responde?

Quais são as principais diferenças entre a locação e o comodato e a locação e o mútuo?

B) Características

O mútuo é contrato:

- Real – Só se aperfeiçoa com a entrega da coisa, não bastando o acordo entre as partes.

- Unilateral – Como o contrato somente se concretiza com a entrega do bem pelo mutuante

ao mutuário, é possível dizer que a partir desse momento apenas o mutuário tem obrigações

para com o mutuante, uma vez que a única obrigação do mutuante seria a entrega da coisa,

mas essa é necessária para que o contrato exista.

- Gratuito ou oneroso – O contrato de mútuo tanto pode ser gratuito, no caso de ajuda a um

amigo, como também oneroso, com a previsão de juros sobre o valor emprestado, por

exemplo. Atualmente, tem sido cada vez mais comum a pactuação de mútuos onerosos.

- Não solene – A lei não determina uma forma obrigatória para a celebração do mútuo. Para

provar a existência do mútuo, contudo, aplica-se a regra geral83

de que, no caso de negócios

83

Caput do art. 227 da Lei nº 10.406/2002: “Salvo os casos expressos, a prova

exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o

décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados”. Vale

Direito dos Contratos

195

jurídicos de valor superior a dez salários mínimos, não é admitida apenas a prova

testemunhal, sendo conveniente, portanto, celebrar esse tipo de contrato por escrito.

C) Mudança na situação econômica do devedor

Seguindo a orientação de proteção ao credor, prevista no art. 333 da Lei nº 10.406/2002, o

legislador prevê no art. 590 da mesma lei, que no caso de notória mudança na situação

econômica, o mutuante pode exigir do mutuário garantia de que poderá cumprir sua

obrigação de pagar o mútuo.

D) Mútuo Oneroso ou Feneratício

O caso mais usual de mútuo é o empréstimo de dinheiro. No mútuo oneroso ou feneratício,

o mutuário deve devolver ao mutuante valor equivalente ao recebido, acrescido de juros,

que é a remuneração pelo uso do capital.

A cobrança de juros vem sendo discutida durante a história, inclusive, do ponto de vista

moral e religioso. Atualmente, a cobrança de juros não só é aceitável, como também é

muito comum.

“Os juros, de um modo geral, são definidos como o rendimento do capital, os frutos

produzidos pelo dinheiro, da mesma forma que o aluguel é o rendimento produzido pela

coisa cedida em locação. É bem acessório e depende do principal”84

.

Os juros são classificados em juros remuneratórios e juros moratórios.

lembrar que o art. 402 do Código de Processo Civil prevê exceções a regra do arts. 227 da

Lei nº 10.406/2002 e 401 do Código de Processo Civil. 84

“Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espécies de contratos”. Vol. 7.

Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003.

pág. 174.

Direito dos Contratos

196

“Os juros remuneratórios podem ser definidos como os frutos de um capital emprestado,

resultantes da utilização permitida desse capital”85

.

“Os juros moratórios, por sua vez, são definidos como a compensação, a indenização por

descumprimento de uma obrigação pecuniária. Aplicam-se quando o devedor deixar de

cumprir sua obrigação no tempo acordado como credor”86

.

Os juros também podem ser legais ou convencionais. Os juros legais decorrem de

imposição legal e os juros convencionais decorrem da vontade das partes.

Como o art. 591 da Lei nº. 10.406/2002 não faz referência a um tipo específico de juros,

podemos afirmar que ele refere-se aos dois tipos: remuneratórios e moratórios.

No Código Civil de 1916, a fixação dos juros tinha que ser expressa. Já no Código Civil de

2002, mesmo que não haja previsão expressa de cobrança de juros, eles são

presumidamente devidos no caso de mútuo para fins econômicos.

O art. 591 da Lei nº. 10.406/2002 remete ao art. 406 da mesma lei para fixar teto para a taxa

de juros:

Art. 406 da Lei nº. 10.406/2002: “Quando os juros moratórios não forem convencionados,

ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados

85

“Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espécies de contratos”. Vol. 7.

Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003.

pg. 175. 86

“Comentários ao Código Civil. Parte Especial. Das várias espécies de contratos”. Vol. 7.

Teresa Ancona Lopez; (coord) Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003.

pág. 175.

Direito dos Contratos

197

segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à

Fazenda Nacional”.

A taxa em vigor para pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a taxa

referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC)87

.

Dessa forma, as partes são livres para pactuar a taxa de juros, desde que seja observado o

limite máximo estabelecido no referido art. 406.

E) Prazos no mútuo

Caso as partes não convencionem o prazo para o término do mútuo, o Código Civil

estabeleceu prazos em seu artigo 592.

Vale ressaltar o prazo previsto no inciso III do referido artigo: “do espaço de tempo que

declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível”. Essa regra não se aplica ao

mútuo de dinheiro ou de produtos agrícolas, pois esses bens têm disciplina específica

prevista nos incisos anteriores.

A princípio, portanto, o mutuante poderá intimar o mutuário para restituir o bem no prazo

que fixar. Esse prazo deve ser razoável para que o mutuário possa usar e gozar do bem

mutuado.

3. Questões de concurso

(Prova: 12º Exame de Ordem - 1ª fase) João tendo emprestado certa importância a seu

primo José, não cuidou de obter sua assinatura em documento que tornasse hábil a futura

87

Lei nº 9.065/95

Direito dos Contratos

198

cobrança, diante do constrangimento decorrente da relação de parentesco, sendo certo que

tais tratativas verbais ocorreram na presença de Manoel e Joaquim. Diante desta hipótese

João poderá:

a. Nada poderá fazer, pois dívida não se comprova com testemunha;

b. Poderá se valer de prova testemunhal, independentemente do valor contratado, face

ao impedimento moral existente;

c. Só poderá se valer de testemunhas se estas forem em número de quatro ou mais;

d. Não existe previsão legal para esta hipótese.

Direito dos Contratos

199

Aula 19:

Título: Prestação de Serviços. Empreitada.

Ementário de temas: Prestação de Serviços – Introdução. Características da Prestação de

Serviços. Empreitada – Introdução. Características da Empreitada. Riscos com aumento

ou redução de preços. Espécies de Empreitada. Obrigações do Empreiteiro.

Obrigações do dono da obra.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 593 a 626 da Lei n° 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 351 a 361

(Prestação de serviços); págs. 362 a 372 (Empreitada).

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 339 a 347 (Prestação de serviços); 277 a 287 (Empreitada).

Bibliografia complementar:

CARVALHO, J.M de, BARRETO, Plínio, ESPÍNDOLA Eduardo e DANTAS San Tiago.

Empreitada – Construção por administração e pelo preço de custo, In Revista dos

Tribunais, n. 254, dez., 1956, págs.24-57.

PEREIRA, Caio Mario da Silva, Empreitada Clausula de revisão de preço –

reajustamento lícito. Quer em face do art. 1.246 do Código civil. quer à vista do curso

legal da moeda. In Revista dos Tribunais, n. 245, mar., 1956, págs.07 – ss.

RÁO, Vicente, Empreitada, Modalidades do contrato, In Revista dos Tribunais, n. 254,

dez., 1956.

Direito dos Contratos

200

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 319 a 341 (Prestação de Serviços); 341 a 382 (Empreitada).

1. Caso gerador

Em visita a uma das filiais do supermercado Pechincha, para análise de contratos que

ali estavam, encontramos Maria Lúcia, filha do senhor Eduardo Russo e

administradora das lojas, que está completamente irada. Ela conta que contratou, há

mais de cinco meses, Pedro, um rapaz conhecido por ser um bom empreiteiro, como

executor de uma obra para ampliação do estacionamento da loja. A previsão inicial

era de que a obra duraria três meses e custaria R$ 20.000,00. Ocorre que a obra já

ultrapassou tanto a previsão de tempo quanto a de custo e Pedro ainda está cobrando

de Maria Lúcia valores adicionais pela obra. Perguntado sobre o descumprimento do

prazo e do orçamento previstos, Pedro alega que alguns materiais necessários para a

obra tiveram seus preços reajustados e que o projeto original sofreu modificações

durante a obra, que ele não tinha como prever quando foi contratado. Para piorar,

Pedro acaba de avisar à Maria Lúcia, que em razão de um acidente ocorrido no dia

anterior, o material que iria ser utilizado para revestir as paredes do estacionamento

deteriorou-se e que será necessário repor boa parte do material. Se fôssemos

advogados do Supermercado Pechincha, como orientaríamos Maria Lúcia? E se, ao

contrário, fôssemos advogados do empreiteiro, o que poderíamos alegar?

2. Roteiro de Aula

A) Prestação de Serviços - Introdução

No Código Civil anterior, a prestação de serviços era tratada como “locação de serviços”.

Modernamente, o termo “locação” é utilizado apenas para coisas e não mais para pessoas.

Direito dos Contratos

201

O trabalho com vínculo empregatício é regulado pelo Direito do Trabalho. O Código Civil

regula a prestação de serviços residual, ou seja, o “trabalho avulso feito por pessoa física ou

jurídica (geralmente microempresa) e o trabalho dos profissionais liberais”. Há serviços

específicos que são tratados em seção específica do Código Civil, como transporte,

corretagem, agência e distribuição, ou até mesmo em lei específica, como os serviços de

telefonia e bancário.

Desde que respeitados os pressupostos e requisitos88

para os negócios jurídicos, qualquer

espécie de serviço pode ser objeto do contrato de prestação de serviço.

B) Características da Prestação de Serviços

Relembrando nossa primeira aula, como poderíamos classificar o contrato de prestação de

serviços?

[Bilateral – há obrigações e direitos recíprocos par ambas as partes.

Consensual – aperfeiçoa-se com o simples acordo entre contratante e contratado.

Oneroso – a remuneração é da essência da prestação de serviços. Não há presunção de

gratuidade em qualquer trabalho. Neste ponto, vale a pena comentar da Lei n° 9.608/1998

que disciplina o trabalho voluntário.

88

Relembrando: capacidade das partes, objeto lícito e forma.

Direito dos Contratos

202

Não solene – a lei não exige forma determinada para sua validade.]

Tendo atuado muitos anos no comércio varejista, o senhor Eugênio foi contratado com

exclusividade pelo Supermercado Pechincha para prestar serviços de pesquisa de técnicas

de atração ao consumidor. Durante a diligência, tivemos conhecimento de que Jeremias

Russo vinha mantendo conversas e negociações com o senhor Eugênio para que ele parasse

de prestar serviços ao supermercado e passasse a trabalhar para o seu sócio em um novo

negócio que Jeremias estava pensando em abrir. Ao saber disso, nosso cliente, o senhor

Odin Heiro, preocupado, nos pergunta se há alguma providência que possa ser tomada caso

o senhor Eugênio resolva parar de trabalhar para o Supermercado Pechincha.

C) Empreitada - Introdução

Empreitada é o contrato por meio do qual o empreiteiro “se compromete a executar

determinada obra, pessoalmente ou por terceiros, em troca de certa remuneração fixa a ser

paga pelo outro contraente – dono da obra -, de acordo com instruções deste e sem relação

de subordinação”89

.

Quais são as diferenças entre o contrato de empreitada e o de prestação de serviços?

D) Características da Empreitada

89

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol 3, pág.243.

Direito dos Contratos

203

O contrato de empreitada é:

Bilateral ou sinalagmático – envolve prestação de ambas as partes. O empreiteiro entrega a

obra e o dono da obra entrega o preço.

Consensual – se aperfeiçoa com a mera vontade das partes, sem que seja necessária a

entrega da coisa, como ocorre no mútuo.

Oneroso – envolve um “sacrifício” patrimonial para ambas as partes.

Não solene – a lei não impõe forma específica para sua execução. Pode ser ajustado

verbalmente.

E) Riscos com aumento ou redução de preços

Em regra, salvo estipulação em contrário, os riscos da alta ou baixa do preço dos materiais

e do salário são assumidos pelo empreiteiro. (art. 619 da Lei n° 10.406/2002).

O empreiteiro só pode exigir acréscimo no preço do dono da obra se forem feitas

modificações no projeto a ser implementado, por meio de instruções por escrito do dono da

obra e, no caso de não haver autorização escrita do dono da obra, se esse presente às obras

verificou a alteração no projeto e não protestou, sendo a ausência de protesto considerada

uma aceitação tácita do dono da obra.

Direito dos Contratos

204

F) Espécies de empreitada

Empreitada de lavor – aquela em que o empreiteiro contribui apenas com seu trabalho.

Empreitada mista – aquela em que o empreiteiro contribui com mão-de-obra e materiais.

Por que é importante distinguir entre a empreitada de lavor e a empreitada mista?

G) Obrigações do empreiteiro

A principal obrigação do empreiteiro é entregar a coisa no tempo e na forma acertados.

Caso o empreiteiro não cumpra as obrigações do contrato, fica sujeito à obrigação de

reparar o prejuízo, conforme regra geral90

.

Além disso, se o empreiteiro não atende as especificações contratadas, o dono da obra tem

duas alternativas: rejeitar a coisa ou recebê-la com abatimento do preço.

Ao ser entregue, a obra pode ter defeitos aparentes ou ocultos. Para os defeitos aparentes, a

lei criou as alternativas referidas acima.

90

Art. 389 da Lei nº 10.406/2002: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por

perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente

estabelecidos, e honorários de advogado”.

Direito dos Contratos

205

Para os vícios ocultos, aplicam-se as regras de vício redibitório91

.

A lei prevê ainda uma regra específica no caso de empreitada de edifícios e outras

construções consideráveis, segundo a qual o empreiteiro de materiais e execução

responderá pela solidez e segurança do trabalho, em razão dos materiais como do solo,

durante o prazo de cinco anos .

H) Obrigações do dono da obra

A principal obrigação do dona da obra é efetuar o pagamento do preço. Embora não haja

previsão legal, a doutrina entende que o empreiteiro tem direito de retenção, como garantia

do pagamento do preço.

O dono da obra tem obrigação de receber a coisa, não podendo recusar injustificadamente o

seu recebimento. Caso o dono da obra recuse o recebimento da coisa sem motivo, ele será

tido como em mora, ficando responsável pelos efeitos decorrentes da mora.

Maria Lúcia está muito insatisfeita com o trabalho do senhor Pedro, devido a isso

pensa em extinguir o contrato que mantém com ele. Ela lhe procura com a seguinte

pergunta: qual é a regra geral para suspensão dos serviços no caso de empreitada?

3. Questões de concurso

(Prova: 29º Exame de Ordem - 1ª fase) "A" obrigou-se a construir para "B" um edifício, de

10 andares, cuja obra foi concluída segundo afirmativa categórica de "A" no prazo

91

Arts. 441 e seguintes da Lei n° 10.406/2002.

Direito dos Contratos

206

estabelecido pelo contrato. Por sua vez, "B" alega que houve cumprimento insatisfatório e

inadequado da obrigação por parte de "A", que não observou, rigorosamente, a qualidade

dos materias especificados no memorial de incorporação. Assim "B" suspende os últimos

pagamentos devidos a "A":

a. Aguardando que este cumpra, corretamente a obrigaçao;

b. Ajuizando ação com fundamento na exceptio non adimpleti contractus;

c. Ajuizando ação com fundamento na cláusula rebus sic stantibus;

d. Ajuizando ação com fundamento na exceptio non rite adimpleti contractus.

Gabarito: 15 - D

Direito dos Contratos

207

Aula 20

Título: Depósito

Ementário de temas: Introdução. Depósito Voluntário. Depósito Necessário.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 627 a 652 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 26. ed., 2007, págs. 413 a 423.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14.ed., págs. 325 a 336.

Bibliografia complementar:

ESPÍNOLA, Eduardo, Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, Campinas:

Bookseller, 2002.

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 382 a 417.

1. Caso gerador

Os Supermercados Pechincha ficam em Brasília, por isso, durante a diligência, tivemos que

fazer algumas visitas ao supermercado. Em nossa última viagem, ficamos hospedados no

Hotel Descanse em Paz.

Um dia, ao voltarmos do trabalho para o hotel, para nossa surpresa, encontramos nossos

quartos revirados e percebemos que alguns itens pessoais, como relógios e aparelhos de

celular, haviam sido furtados. Aborrecidos com o acontecimento, fomos conversar com o

gerente do hotel. Este, no entanto, nos disse que o hotel nada tinha a fazer e que um

Direito dos Contratos

208

eventual prejuízo deveria ser imputado à própria omissão dos hóspedes, por não terem

utilizados os cofres eletrônicos de segurança postos à disposição nos apartamentos em que

nos hospedamos. Como argumento final, ele nos mostrou uma placa afixada na recepção

que assim dizia: “O HOTEL NÃO SE RESPONSABILIZA PELOS OBJETOS

DEIXADOS NO INTERIOR DOS APARTAMENTOS”. E agora? O gerente tem razão?

2. Roteiro de Aula

A) Introdução

Conforme dispõe o artigo 627 da Lei nº 10.406/2002, o contrato de depósito é aquele

segundo o qual “recebe o depositário um bem móvel, para guardar, até que o depositante o

reclame”.

Qual é a principal diferença entre o contrato de depósito e o contrato de comodato?

O depositário não pode utilizar a coisa depositada, a não ser que tenha expressa autorização

do depositante. (art. 640 da Lei nº 10.406/2002).

O depósito tem por objeto apenas bens móveis.

Há duas espécies de depósito reguladas pelo Código Civil: o voluntário e o necessário.

Direito dos Contratos

209

B) Depósito voluntário

É aquele ajustado única e exclusivamente em razão da vontade das partes.

O contrato de depósito voluntário é classificado como:

- Real – o contrato de depósito só se aperfeiçoa com a entrega do bem, não basta apenas a

celebração do contrato.

- Não solene – embora o art. 646 da Lei nº 10.406/2002 disponha que o “depósito

voluntário provar-se-á por escrito”, muitos autores entendem que não há forma prevista

para a validade do ato, apenas para sua prova.

“Assim, independentemente do debate a respeito das duas espécies de forma, podemos

concluir que esta não é da essência do contrato de depósito, que pode ser pactuado sem

qualquer formalidade pelas partes e mesmo assim existirá e será válido. Entretanto, para a

sua prova, se exceder ao décuplo do salário mínimo vigente, necessitará de prova outra, que

não a testemunhal, admitindo-se, para tanto, qualquer começo de prova escrita (cf. Art. 227

do CC de 2002)”92

.

- Gratuito ou oneroso – De acordo com o Código Civil, em regra, o contrato de depósito é

gratuito. Nada impede, porém, que as partes convencionem uma retribuição ao depositário.

Quando o depósito é gratuito, entende-se que ele é um contrato intuitu personae, pois tem

por base a confiança que o depositante tem no depositário. Já no depósito oneroso, muitos

sustentam que não há o caráter intuitu personae.

92

LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In:

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2003, vol. 7, p. 414.

Direito dos Contratos

210

- Unilateral ou bilateral – após o aperfeiçoamento do contrato, com a entrega do bem pelo

depositante ao depositário, cabem obrigações apenas para o depositário. No caso de

depósito oneroso, porém, cabe ao depositante a obrigação de pagar ao depositário.

É necessário, portanto, analisar o caso específico para classificar o depósito como gratuito

ou oneroso e unilateral ou bilateral.

Obrigações do depositário:

- Obrigação de guardar a coisa alheia – é a obrigação inerente e principal do contrato de

depósito. A Lei prevê que o depositário poderá devolver a coisa ou depositá-la

judicialmente, se o depositante se recusar a recebê-la, quando, por motivo plausível, não

puder continuar a guardá-la (art. 635 da Lei nº 10.406/2002).

- Obrigação de conservar a coisa alheia – essa obrigação é uma conseqüência da obrigação

de guardar. Conforme artigo 629, o depositário é obrigado a conservar a coisa como se sua

fosse. O depositário não responde pela deterioração ou perda do bem em caso de força

maior, cabendo a ele, porém, provar a ocorrência de força maior (art. 642 da Lei nº

10.406/2002).

Caso o depositário não cumpra essa obrigação, deverá reparar o prejuízo do depositante.

- Obrigação de restituir a coisa – O depositário deve devolver o bem ao depositante quando

solicitado, independentemente do prazo inicialmente ajustado entre as partes.

Direito dos Contratos

211

A coisa deve ser restituída no estado em que foi recebida pelo depositário, acompanhada

dos frutos e acrescidos.

Uma das sanções previstas para o descumprimento da obrigação de restituir o bem

depositado é a prisão civil, sendo assim uma das exceções ao princípio de que ninguém

pode ser preso em razão de dívidas.

Nesse sentido, o art. 652 da Lei n 10.406/2002 dispõe: “Seja o depósito voluntário ou

necessário, o depositário que não restituir quando exigido será compelido a fazê-lo

mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.

Nosso cliente, senhor Odin Heiro, nos procura para falar sobre um assunto pessoal. Ele

desabafa que está com problemas porque descobriu que seu pai, já falecido, era depositário

dos seguintes bens: um baú de madeira, um conjunto de xícaras de porcelana e um

automóvel. Desconhecendo a existência desse contrato de depósito, ele se desfez do baú de

madeira e do conjunto de xícaras, vendendo-os a terceiros. Quanto ao carro, ele manteve o

mesmo na garagem do pai, mas descobriu que o mesmo foi deteriorado em um recente

incêndio ocorrido no prédio. Dias atrás, a senhora Juracema, depositante dos bens, sabendo

do falecimento do pai do senhor. Odin Heiro, procurou nosso cliente, mostrou o contrato

que foi celebrado entre eles, e pediu a devolução dos bens. Diante dessa situação, ele nos

pergunta: O contrato de depósito se extingue com a morte do depositário? O herdeiro tem

alguma responsabilidade quanto aos bens depositados? O que fazer tendo em vista que

alguns bens foram vendidos e outro foi deteriorado? Ele reparou que, de acordo com o

contrato, a senhora Juracema deveria ter pago ao seu pai uma quantia semestral como

pagamento pelo depósito e que sabia que ela não havia efetuado o pagamento de, pelo

menos, duas últimas contribuições. Alguma providência a tomar quanto a esse caso?

Obrigações do depositante:

Direito dos Contratos

212

Como vimos, o contrato de depósito é unilateral quando o contrato é gratuito e bilateral

quando o contrato é oneroso. Mesmo nos casos em que o contrato é unilateral, cabem ao

depositante algumas obrigações que não decorrem da natureza do contrato de depósito em

si, mas sim de obrigações subsidiárias, como a de reembolsar as despesas feitas pelo

depositário na guarda da coisa e de indenizá-lo pelos prejuízos que venha a ter em razão do

depósito.

Depósito de coisas fungíveis

É o chamado depósito irregular. Em regra, ocorre quando o bem depositado é dinheiro. O

legislador entendeu que nesses casos deveriam ser aplicadas as regras referentes ao mútuo.

Há discussão na doutrina quanto à natureza do depósito bancário, pois de acordo com

Teresa Ancona Lopez: “... nos depósitos bancários, feitos como meio de guardar valores e

perceber rendimentos e juros, não há um depósito, mas um genuíno empréstimo por força

da intenção das partes”93

. A autora conclui: “em conclusão, os chamados depósitos

bancários não são depósitos, mas sim empréstimos”94

.

C) Depósito Necessário

O depósito necessário ocorre nas seguintes hipóteses:

- depósito para desempenho de obrigação legal; e

- depósito que se faz em situação de calamidade.

93

LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In:

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2003, vol. 7, p. 411. 94

LOPEZ, Teresa Ancona. Parte Especial. Das várias espécies de contratos. In:

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.). Comentários ao Código Civil. São Paulo:

Saraiva, 2003, vol. 7, p. 412.

Direito dos Contratos

213

Estes são equiparados ao depósito necessário e ao depósito de bagagens em hospedarias.

Ao contrário do depósito voluntário que se presume gratuito, o depósito necessário

presume-se oneroso.

Direito dos Contratos

214

Aula 21: Mandato.

Ementário de temas: Introdução. Classificação. Procuração e Substabelecimento.

Obrigações do Mandatário. Obrigações do Mandante. Revogação e Extinção do Mandato.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 653 a 692 da Lei nº 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 26. ed., 2007, págs. 424 a 437.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 359 a 379.

Bibliografia complementar:

ASSIS, Arakén de, Contratos nominados II, vol. IV, 2.ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2009.

KROETZ, Maria Cândida do Amara, A representação voluntária no Direito Brasileiro,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SCHREIBER, Anderson, A Representação no Novo Código Civil, In Gustavo Tepedino

(Coord.), A parte geral do Novo Código civil: Estudos na perspectiva civil –Constitucional,

Rio de Janeiro, 2003, 2.ed..

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, v. II, págs. 417 a 472.

Gustavo Tepedino In Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.), Comentários ao novo

código civil, vol. X, Rio de Janeiro: Forense, 2008, págs. 25-208.

1. Caso gerador

Direito dos Contratos

215

Sabendo que estaria fora do país na provável época da assinatura do contrato de

compra e venda das quotas da Pechincha Comércio Varejista Ltda., o senhor Odin

Heiro, na qualidade de diretor e representante da Grana Certa Empreendimentos

S.A., outorgou uma procuração a um dos funcionários de sua confiança, o senhor

Justin Case, para adquirir a participação na Pechincha Ltda.

Ao ser comunicado desse fato, o senhor Justin Case nos contou que o senhor Odin

Heiro se esqueceu apenas de um pequeno detalhe: há uma boa probabilidade de a

assinatura do contrato ocorrer justamente no período no qual Justin Case ia tirar

férias para se casar com sua noiva no Paraná.

Sem querer desapontar o senhor Odin Heiro e muito menos a sua noiva, o senhor

Justin Case lhe pergunta: ele poderia casar por procuração, ou seja, ele poderia

outorgar a um amigo uma procuração para se casar em seu lugar? Ele poderia

substabelecer a outro funcionário da companhia os poderes que lhe foram outorgados

na procuração para assinar o contrato de compra e venda?

2. Roteiro de Aula

A) Introdução

Por meio do mandato, o mandante se faz representar pelo mandatário. O mandatário age em

nome do mandante.

Qual a diferença entre o mandato e a comissão?

B) Classificação

O mandato é contrato:

Direito dos Contratos

216

- Consensual – para que se aperfeiçoe basta a vontade das partes.

- Não solene – embora a lei determine que a procuração é o instrumento do mandato, é

possível o mandato tácito e o verbal (art. 656 da Lei n° 10.406/2002)

- Gratuito – não havendo estipulação de remuneração, presume-se que o mandato é

gratuito, exceto quando tem por objeto a realização de atos que o mandatário realiza

profissionalmente. O mandato outorgado a advogado, por exemplo, não se presume

gratuito, pois ele é um instrumento para que o advogado possa defender os interesses de seu

cliente e exercer seu ofício.

- Unilateral – sendo o mandato gratuito, ele será unilateral. Havendo remuneração prevista,

ou seja, sendo oneroso, será bilateral, pois implicará obrigações para ambas as partes.

O mandato é intuitu personae, uma vez que o mandante confere poderes a alguém de sua

confiança. Dessa forma, havendo morte de uma das partes, o mandato será extinto, salvo

raras exceções que serão vistas adiante.

Pode um advogado prestar serviço advocatícios sem mandato e vice-versa?

De acordo com Teresa Ancona Lopez, “... no exercício da advocacia os contratos quase

sempre aparecem juntos, mas podemos ter prestação de serviços de advogado sem mandato,

como no caso de um parecer ou de defesa oral sem procuração. Porém mandato advocatício

sem prestação de serviços parece-nos impossível. ((LOPEZ, Teresa Ancona. Parte

Especial. Das várias espécies de contratos. In: AZEVEDO, Antônio Junqueira de. (coord.).

Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 7, p. 207)

Direito dos Contratos

217

C) Procuração e Substabelecimento

A procuração é o instrumento do mandato. A procuração pode ser outorgada por

instrumento público ou particular.

Tendo em vista que a lei admite mandato tácito, a procuração não é indispensável para

conclusão de negócios, exceto para aqueles que exigem instrumento particular ou público.

Substabelecimento “é o ato pelo qual o mandatário transfere ao substabelecido, os poderes

que lhe foram conferidos pelo mandante”95

.

Sendo o mandato outorgado por instrumento público, naturalmente o substabelecimento

deverá ser outorgado também por instrumento público, certo?

Para efetuar determinados atos como alienar, hipotecar, transigir, o Código Civil exige que

a procuração contenha poderes expressos. Assim, um mandato com poderes de

administração em geral não bastaria para que o mandatário assinasse escritura de hipoteca

em nome do mandante.

Antes de contratar com alguém que se apresente como mandatário do outro contratante, é

indispensável conferir a procuração e os poderes que foram outorgados para não correr o

risco de que o contrato seja ineficaz em relação ao mandante, tendo em vista que o artigo

662 da Lei n 10.406/2002 dispõe que: “os atos praticados por quem não tenha mandato, ou

95

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de

vontade. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002, vol 3, pág. 289.

Direito dos Contratos

218

o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram

praticados, salvo se este os ratificar”.

D) Obrigações do Mandatário

As obrigações do mandatário são:

- Agir em nome do mandante (art. 653 da Lei n 10.406/2002) – O mandatário deve atuar

respeitando os poderes outorgados na procuração. Se o mandatário agir extrapolando os

poderes que lhe foram conferidos, o ato é inválido para o mandante, a não ser que este

venha a ratificar o ato posteriormente.

- Agir com o zelo necessário e diligência habitual na defesa dos interesses do mandante

(art. 667 da Lei n 10.406/2002) – o mandatário é responsável pelos prejuízos causados ao

mandante, quando eles resultarem de culpa do mandatário. Cabe ao mandatário provar que

não houve culpa sua para se livrar de ser responsabilizado pelo prejuízo que venha a ser

sofrido pelo mandante.

- Prestar contas de sua gerência ao mandante e transferir ao mandante todas as vantagens

obtidas nos negócios – (art. 668 da Lei n 10.406/2002)

- Prosseguir no exercício do mandato mesmo após extinção do mandato por morte,

interdição ou mudança de estado do mandante, para concluir negócio já iniciado ou até ser

substituído quando for para impedir que o mandante ou seus herdeiros sofram prejuízo (art.

647 da Lei n 10.406/2002).

Um amigo seu lhe conta que o pai dele havia nomeado um conhecido como procurador dele

para adquirir uma bela casa em Itaipava. Aproveitando-se das ótimas condições do negócio,

Direito dos Contratos

219

o tal conhecido acabou adquirindo a casa para si próprio, deixando a família de seu amigo

“na mão”. Muito chateado com a situação, ele diz que acha que não há nada mais a ser

feito, neste caso, até porque o tal conhecido já até devolveu ao pai dele a quantia que havia

recebido para pagar o sinal do imóvel. Como você orienta o seu amigo?

E) Obrigações do Mandante

- Cumprir os compromissos assumidos pelo mandatário em seu nome (arts. 675 e 679 da

Lei n 10.406/2002) – O mandante, porém, somente se vincula dentro dos termos previstos

na procuração. Vale notar que, se o mandatário contrariar as instruções do mandante, mas

não exceder os limites do mandato, o mandante ficará obrigado a cumprir as obrigações

perante terceiros, tendo apenas ação de perdas e danos contra o mandatário pela

inobservância das instruções.

- Adiantar ao mandatário os valores necessários ou reembolsá-lo pelas despesas efetuadas

em razão do cumprimento do mandato (arts. 675 e 676 da Lei n 10.406/2002).

- Pagar ao mandatário a remuneração ajustada, caso o mandato seja oneroso (art. 676 da Lei

n 10.406/2002).

- Indenizar o mandatário pelos prejuízos que venha a sofrer em cumprimento ao mandato,

desde que não resultem de culpa do mandatário ou de excesso de poderes (art. 678 da Lei

n 10.406/2002).

F) Revogação e Extinção do mandato

Direito dos Contratos

220

O senhor Eduardo Russo outorgou uma procuração ao seu filho, Jeremias, para

contratar pessoas para trabalharem em sua fazenda, podendo, inclusive fazer

entrevistas e ajustar salários. Meses depois, um pouco decepcionado pelo andamento

dos trabalhos do filho, o senhor Eduardo Russo resolveu outorgar procuração, com

poderes idênticos, a sua filha, Maria Lúcia. Mesmo tendo conhecimento da nova

procuração, Jeremias continuou a utilizar a procuração que havia recebido e a fazer

entrevistas, tendo, inclusive, contratado alguns empregados. Maria Lúcia lhe

pergunta: afinal, ambos são mandatários do pai? Jeremias pode continuar a

desempenhar os poderes que a ele foram outorgados? A contratação dos empregados

é válida?

O senhor Odin Heiro lhe procura, preocupado, pois, em razão de alguns acordos

familiares, ele havia sido constituído mandatário de sua tia Gertrudes para transferir

a ele próprio um imóvel que era de propriedade da referida tia. Ocorre que,

infelizmente, tia Gertrudes faleceu inesperadamente, antes mesmo que ele houvesse

efetuado a transferência do imóvel para seu nome. E agora? Ele ouviu dizer que o

mandato se extingue com a morte de uma das partes. É verdade?

3. Questões de concurso

(Prova: 28º Exame de Ordem - 1ª fase) A procuração outorgada a vários procuradores com

esfera de atuação devidamente delimitada, cabendo a cada um agir apenas em seu setor,

caracteriza:

a. Mandato plural fracionário;

b. Mandato plural solidário;

c. Mandato plural conjunto;

d. Mandato plural substitutivo.

Gabarito: A

Direito dos Contratos

221

(Prova: 26º Exame de Ordem - 1ª fase) Dentre as características abaixo arroladas, diga qual

não está adequada à procuração em causa própria:

a. É irrevogável

b. É outorgada no interesse exclusivo do mandatário que, conseqüentemente, fica

isento de prestar contas ao mandante

c. É essencial para o advogado que postula em Juízo em causa própria

d. Subsiste mesmo após a morte do mandante

Gabarito: C

(Prova: 13º Exame de Ordem - 1ª fase) Maria José, na qualidade de procuradora de Pedro,

utilizando-se dos poderes especiais constantes da procuração, outorgou escritura definitiva

de imóvel prometido vender a Estela, vez que o preço já se achava quitado. Posteriormente,

veio a saber que Pedro falecera dias antes, vítima de um acidente automobilístico. Diante

do ocorrido, podemos dizer que:

a. Ato praticado é nulo de pleno direito, vez que, com a morte, cessou o valor da

procuração;

b. Ato é anulável, mas dependerá da iniciativa dos interessados;

c. Ato é tido como inexistente ou insubsistente;

d. Ato é perfeitamente válido uma vez que visava a ultimação de negócio já iniciado.

Gabarito: D

Prova: 26º Exame de Ordem - 2ª fase

PROVA DISCURSIVA

4 - Tício prometeu vender a Caio um imóvel, outorgando-lhe procuração para que Caio

assine por Tício a escritura definitiva quando Caio tiver quitado integralmente o preço.

Posteriormente, Tício revogou a procuração. É válida a revogação ou poderá Caio assinar a

escritura de compra e venda, representando Tício quando tiver quitado o preço?

Direito dos Contratos

222

Aula 22: Fiança.

Ementário de temas: Introdução. Classificação. Efeitos da Fiança. Extinção da Fiança. A

Fiança na Música.

Bibliografia obrigatória:

Arts. 818 a 839 da Lei n. 10.406/2002.

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., págs. 536 a 542.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., págs. 449 a 458.

Bibliografia complementar:

PASQUALOTTO, Adalberto, Contratos nominados III, vol.IX, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008.

SIDOU, J.M. Othon, Fiança: convencional, legal, judicial: no Direito vigente e no

projeto de Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2000.

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, vol. II, págs. 629 a 655.

1. Caso gerador

O Sr. Odin Heiro novamente nos procura apreensivo com uma questão pessoal. Dessa

vez, ele nos conta que entrou como fiador em um empréstimo que seu cunhado, Olavo,

tomou com o banco. Ele descobriu que seu cunhado ficou desempregado e deixou de

Direito dos Contratos

223

pagar algumas parcelas do empréstimo. Para piorar, descobriu, conversando com sua

irmã, que Olavo e o banco recentemente aditaram o contrato para aumentar o valor

do empréstimo e, conseqüentemente, da fiança. Como você pode orientá-lo?

2. Roteiro de Aula

A) Introdução

A fiança é uma espécie de garantia. A garantia pode ser real ou pessoal.

Garantia real é aquela que recai sobre um bem, móvel ou imóvel, que servirá como garantia

do cumprimento de determinada obrigação. Ocorre, por exemplo, na hipoteca e no penhor.

Garantia pessoal ou fidejussória “consiste apenas na segurança que, individualmente,

alguém presta, de responder pelo cumprimento de obrigação se faltar o devedor

principal”96

. Em outras palavras, a garantia pessoal é aquela dada por um terceiro, que se

compromete a cumprir a obrigação, caso o devedor não o faça. A fiança é garantia pessoal.

A fiança pode ser:

- convencional - resulta da vontade das partes;

- legal – resulta de lei

96

Dicionário Técnico Jurídico. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.); SIQUEIRA,

Luiz Eduardo Alves de. São Paulo: Rideel, 2001.

Direito dos Contratos

224

- judicial – resulta de imposição do juiz.

A fiança a ser analisada nesta aula é a fiança convencional, que é ajustada por meio de

contrato.

B) Classificação

A fiança é contrato:

- Acessório – A fiança visa assegurar o cumprimento de outra obrigação, objeto do contrato

principal, que pode ser um mútuo, locação...

A fiança pode ser contratada no mesmo contrato da obrigação principal ou em contrato em

separado, mas sem perder seu caráter acessório.

Conforme já havíamos sido informados, Jeremias tem o péssimo hábito de jogar pôquer por

dinheiro. Maria Lúcia nos contou que estava aborrecida porque na semana passada, os

parceiros de pôquer de Jeremias, desconfiando da sua capacidade de pagar, exigiram um

fiador. Depois de ser pressionada por Jeremias, Maria Lúcia acabou aceitando ser sua

fiadora. Como sempre, Jeremias perdeu uma boa quantia em dinheiro e agora Maria Lúcia

estava preocupada de ser executada porque assinou um instrumento no qual se dizia fiadora

da dívida de Jeremias.

Por ser acessória, a fiança não pode ser mais onerosa que a dívida principal. Se isto ocorrer,

a fiança não será nula, apenas será reduzido o montante da fiança até o valor da obrigação

principal.

Direito dos Contratos

225

- Unilateral – Uma vez contratada a fiança, ela só gera obrigações do fiador para com o

credor.

- Solene – A lei impõe forma escrita para a validade da fiança.

- Gratuito – Em regra, a fiança é contrato gratuito. É possível, porém, que o fiador queira

receber remuneração em troca da garantia que oferece. É o que ocorre na fiança bancária,

na qual o banco garante a obrigação em troca de um percentual sobre o montante garantido.

Nesses casos, a fiança é onerosa.

Na diligência legal, encontramos um contrato de locação, segundo o qual o

Supermercado Pechincha alugava uma parte de um dos supermercados à confeitaria

Guloseimas Ltda. Notamos que o contrato de locação prevê que a senhora Teresa

Assunção, brasileira, casada e proprietária da Guloseimas Ltda., assina o contrato na

qualidade de fiadora, garantindo o pagamento do aluguel, caso a Guloseima Ltda. não

efetue o pagamento em dia. Notamos ainda que o contrato não foi assinado pelo

marido de dona Teresa. Há algum problema nesse fato? Mesmo após a promulgação

da Constituição Federal, que estabeleceu a igualdade jurídica dos cônjuges, dona

Teresa precisaria de autorização do marido para prestar fiança? Sendo a autorização

necessária, qual é a conseqüência de não tê-la?

C) Efeitos da Fiança

Podemos notar a existência de duas relações distintas no contrato de fiança: uma entre

fiador e credor e outra entre fiador e devedor.

O credor tem o direito de exigir do fiador o pagamento da dívida garantida. Esse direito

pode ter algumas limitações:

- Benefício de ordem – O fiador tem o direito ao benefício de ordem. Em outras palavras,

ele pode exigir que, até a contestação da lide, seja primeiramente executado o devedor. Para

Direito dos Contratos

226

se valer desse benefício, o fiador deverá indicar bens do devedor, localizados no mesmo

muncípio e que estejam livres e desembaraçados, que sejam suficientes para pagar a dívida.

O fiador não tem direito ao benefício de ordem se: (i) renunciar expressamente ao mesmo;

(ii) se obrigar como principal pagador, ou devedor solidário; ou (iii) o devedor for

insolvente ou falido.

- Benefício da divisão – Havendo mais de um fiador, a presunção legal é a de que são

solidariamente responsáveis pela dívida (art. 829 da Lei n° 10.406/2002). A lei permite,

porém, que cada fiador reserve apenas uma parte da dívida como de sua responsabilidade.

A relação entre o fiador e o devedor só passa a existir se o fiador é obrigado a efetuar o

pagamento da dívida, passando, assim, a ter o direito de exigir do devedor o reembolso do

valor por ele, acrescido de juros, perdas e danos que pagar ao credor e perdas e danos que

vier a sofrer em razão da fiança (art. 832 e 833 da Lei n° 10.406/2002).

D) Extinção da Fiança

Sendo a fiança, em regra, um contrato intuitu personae, a morte do fiador extingue a

fiança?

Não havendo prazo determinado previsto no contrato, a fiança pode ser extinta pelo fiador,

que ficará liberado de sua obrigação 60 dias após a notificação ao credor para esse fim.

A fiança também é extinta se:

- o credor conceder moratória97

ao devedor, sem o consentimento do fiador;

- o credor tornar impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências. Ocorre, por

exemplo, quando o credor renuncia seu direito à hipoteca ou a direito de retenção,

implicando assim, na perda de direitos que o fiador teria caso efetuasse o pagamento da

dívida.

- o credor aceitar receber em pagamento bem diverso do que foi originalmente ajustado.

Ainda que o credor venha a perder, por evicção, o bem aceito em pagamento, a fiança não

será restaurada.

- o fiador opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas da obrigação, se

não resultarem apenas de incapacidade pessoal.

E) A Fiança na Música

97

“Moratória – dilação de prazo que se concede ao devedor para pagar a dívida depois de

vencida. (...)”. (Dicionário Técnico Jurídico. GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.);

SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. São Paulo: Rideel, 2001)

Direito dos Contratos

227

O Direito é incrível mesmo! Podemos encontrá-lo em todos os cantos, inclusive na música.

Veja abaixo a letra de “Samba do Grande Amor”, do genial Chico Buarque. Que motivo

teria o autor para fazer menção à fiança nesse grande samba?

Samba do Grande Amor

Chico Buarque

Tinha cá prá mim que agora sim

Eu vivia enfim o grande amor, mentira

Me atirei assim de trampolim

Fui até o fim, um amador, ôôôô

Passava um verão a água e pão

Dava o meu quinhão pro grande amor, mentira

Eu botava a mão no fogo então

Com meu coração de fiador, ôôôô

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito

Exijo respeito, não sou mais um sonhador

Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor

E dou risada do grande amor, mentira

Fui muito fiel, comprei anel

Botei no papel o grande amor, mentira

Reservei hotel, sarapatel e lua de mel em Salvador, ôôôô

Fui rezar na Sé prá São José

Que eu levava fé no grande amor, mentira

Fiz promessa até prá Oxumaré

Que subir a pé o redentor, ôôô

3. Questões de concurso

(Prova: 01º Exame de Ordem - 1ª fase) Olavo Bento de Souza, bancário, casado e com 21

anos de idade, obrigou-se como fiador e principal pagador num contrato de locação, onde

figurava como locatário seu amigo Armando Amaro Gomes, que não cumpriu a obrigação

de pagar o preço ajustado. Executado pela dívida de seu afiançado, pretende Olavo alegar o

benefício de ordem. Tal alegação é procedente?

Direito dos Contratos

228

a. Sim, pois ele não é o devedor principal;

b. Sim, pois no caso há solidariedade passiva;

c. Não, porque ele se obrigou como principal pagador;

d. Sim, porque sendo ele o executado, é de se supor que seu afiançado não tenha bens

suficiente para responder pela execução.

Gabarito: C

Prova: 27º Exame de Ordem - 2ª fase

PROVA DISCURSIVA

4 - Crasso e Mário se obrigaram solidariamente como fiadores de Pompeu, num contrato

em que o credor é Marco Antonio, sem terem estabelecido o beneficio de divisão previsto

no artigo 829, do Código Civil.

Como Pompeu não pagou o débito no vencimento, não tendo bens para serem executados,

Crasso, executado por Marco Antonio, pagou o débito na sua totalidade.

Pode Crasso, que não estabeleceu o benefício de divisão com Mário, cobrar de Mário

metade do que pagou a Marco Antonio?

Direito dos Contratos

229

Aula 23. Seguro.

Ementário de temas: Introdução – Seguro. Classificação - Seguro. Elementos do Contrato

de Seguro. Obrigações do Segurado. Obrigações do Segurador.

Bibliografia obrigatória:

GOMES, Orlando, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, 26. ed., 504 a 525.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense,

2010, vol. III, 14. ed., 409 a 427.

Bibliografia complementar:

TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina de. Código

Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,

vol. II, págs. 559 a 612.

1. Roteiro de Aula

A) Seguro - Introdução

O seguro é regulado pela Lei n 10.406/2002 e por diversas leis esparsas, que regulam

minuciosamente os tipos de seguro. Em nossas aulas daremos ênfase às regras previstas no

novo Código Civil.

B) Classificação – Seguro

O contrato de seguro é:

- Bilateral – gera obrigações para ambas as partes.

- Oneroso – requer desembolso patrimonial para segurado e para o segurador.

Direito dos Contratos

230

- De adesão – ao segurado não é dada opção de alterar as cláusulas do contrato. O segurado

pode aceitar ou não as cláusulas impostas na apólice de seguro. Aplicam-se, dessa forma, as

regras previstas nos artigos 423 e 424 da Lei n 10.406/2002, que protegem os aderentes.

C) Elementos do Contrato de Seguro

Os elementos do contrato de seguro são:

- Segurador - Somente pode ser segurador entidade legalmente autorizada para esse fim. O

Decreto-Lei nº 2.063/1940 estabelece algumas exigências para que a entidade possa atuar

como seguradora. Exemplo: capital mínimo, nacionalidade dos sócios, autorização

governamental.

- Segurado – É o contratante. Ele paga o prêmio ao segurador para transferir a este o risco.

- Risco - O objeto do contrato de seguro é o risco. Dessa forma, a Lei n 10.406/2002

prevê uma multa (dobro do prêmio recebido) a ser paga pelo segurador que expedir apólice

de seguro mesmo sabendo que não é possível o risco que se pretende cobrir. O objetivo do

legislador é tentar coibir essa prática. Afinal, se não há risco, não há contrato de seguro.

Nos seguros privados, é possível estipular a espécie ou combinação de espécies de seguro.

- Prêmio – É a prestação devida pelo segurado ao segurador para que este assuma os riscos

do segurado e pague indenização em caso de sinistro.

- Apólice - Assim como o instrumento do mandato é a procuração, o instrumento do seguro

é a apólice. A apólice deve conter os requisitos previstos no art. 760 da Lei n 10.406/2002,

tais como os riscos cobertos e o prêmio devido. As apólices podem ser nominativas, à

ordem ou ao portador. A lei veda que a apólice de seguro de pessoas seja ao portador.

D) Obrigações do Segurado

O segurado tem obrigação de:

Direito dos Contratos

231

- veracidade – A declaração falsa ou omissão de informações pode levar o segurador a fixar

prêmio diverso do que fixaria ou até mesmo a aceitar seguro que normalmente não aceitaria

se tivesse acesso a todas as informações.

- pagar o prêmio.

- não agravar os riscos do contrato – se o segurado passa a se comportar de forma diferente

da que vinha se comportando, que resulte em um aumento de seus riscos, ele está, de certa

forma, alterando unilateralmente o contrato, pois estará sujeitando o segurador a riscos

distintos dos previstos no momento da celebração do contrato.

- comunicar ao segurador qualquer fato que possa aumentar o risco do bem sob pena de

perder o direito à garantia (art. 769 da Lei n° 10.406/2002).

Analisando os contratos de seguro contra danos do supermercado, notamos que cada um

dos estabelecimentos onde o supermercado funciona, foi segurado por duas seguradoras

diferentes. Ao ser perguntada sobre esse fato, a senhora Maria Lúcia nos explica que seu

pai estava tão preocupado em evitar prejuízos decorrentes de eventual sinistro, que resolveu

segurar duplamente os estabelecimentos. Você vê algum problema nessa situação?

E) Obrigações do Segurador

A principal obrigação do segurador é pagar ao segurado os prejuízos decorrentes de sinistro

sobre o bem segurado.