discipulado e missão na américa latina - maria c. bingemer
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8/17/2019 Discipulado e missão na América Latina - Maria C. Bingemer
1/9
ITAICI - Revista
de
Espiritualidade Inaciana é
uma
publicação
de
Edições Loyola,
sob
a responsabilidade do CEI-ITAICI.
ISSN
1517-7807
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JUNHO
2007
NO 17
IT I 1
REVISTA E
ESPIRITVALIDADE INACIANA
Sumário
EDlTORlAL
3 ........................................................................................................ Para alcançar Amor
TEXTO
5 .......................................................................................... Uma Mensagem Alentadora
ERNESTO CAVASSA,
SJ
PERFlL
9 ............................................................................. O Pe. Arrupe que vou conhecendo . .
IGNACIO IGLESIAS,
SJ
ARTlGOS
9
............................... Praticar na vida cotidiana a dinâmica dos Exercícios Espirituais:
o fruto da Contemplação para Alcançar Amor
ALFREDO SAMPAIO COSTA,
SJ
43 ........................................................................................................... Am or e Cuidado
Luís GoNZÁLEz-QuEvrno,
SJ
57 ........................................................................... Contemplação para alcançar Humor
FLORÊNCIO SEGURA,
SJ
ITAICI - REVISTA DE
ESPIRITUALIDADE
INACIANA Junho/2007)
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2/9
u
s
noite
está passando, o
dia
vem chegando ... (Rm 13,12)
Que nova vida
é esta que
agora começamos? (Autobiografia de
Santo Inácio, 21,3)
Ao
terminar os Exercícios Espirituais,
tu
te sentes livre e
feliz.
Retornas à
tua
vida cotidiana
com os
mesmos problemas que
te fizeram sofrer
no
passado, mas agora aprendeste a
olhar
o
mundo com olhos novos.
O passado
já
passou, está morto. Só o presente está vivo,
convidando-te para
uma
vida nova.
O discípulo perguntou
ao mestre:
Em que consiste
a
iluminação?". Ele respondeu: "Primeiro
tinha
dor; agora, continuo
com
a mesma dor, mas a dor
já
não
me
faz sofrer".
A dor existe na realidade; o sofrimento só existe em ti. Ele
surge
na
tua mente, quando resistes à dor. Se
tu
aceitasses a dor,
o sofrimento deixaria de existir.
A
Contemplação para alcançar
o
mor
te
ensinou a
ver
o que
há
por trás de todas
as
coisas:
um
imenso amor, bondade,
ternura
e compaixão por tudo o que existe.
O mundo está cheio de pesadelos, mas agora
tu
despertaste
do sono (Rm 13,11-14). Tu experimentaste: Deus é bom e te
ama
lTAICl.,, REVISTA DE ESPIRJJUALIDAD.E
INACIANA
(Junbo/2007)
d
L
Texto da
nossa
redação inspirado
e
Anthony de
Mello
SJ
Ilustração:
Mural
da
Capela
do
Noviciado
de
Campinas
José
Maria Fernandes SJ
A
utora
é eóloga
professora
e
decana
do Centro de Teologia
eCiências Humanas
da PUC-Rio e
colaboradora
desta revista.
1.Documento
de síntese,
Introdução
n.
1.
2.
Id.
ib.
s
Discipulado e Missão na
América
Latina
(convocação
à
espiritualidade inaciana)
M RI CL R LUCCHETTI BINGEMER
Igreja do continente se prepara para a V Conferência
do Episcopado latino-americano em Aparecida, Brasil,
em
2007.
A
vinda
do Papa instiga a mídia e a opinião
pública, mas a comunidade eclesial volt a os olhos para a chegada
do Pontífice
às
suas terras no
contexto
da V Conferência, evento
de importância maior para a Igreja local, já que reunirá repre
sentantes do episcopado de todos os países.
O
tema
da Conferência, Discípulos e missionários
de
Jesus
Cristo hoje, para
que
nele nossos
povos
tenham
vida , tem uma
clara
impostação cristocêntrica.
O
objetivo explícito da V Conferência,
exposto
na
introdução ao documento de síntese, consiste
em
dar
especial destaque,
na
história da Igreja latino-americana, à "pre
sença viva de Jesus Cristo,
Senhor
da história, que
se
aproxima
de todos, especialmente dos pobres e dos extraviados."
1
O
lema da
conferência, "Cristo
Caminho,
Verdade e Vida", é garantia
da autêntica renovação da comunidade eclesial.2
Neste artigo pretendemos oferecer
uma
reflexão teológico
espiritual sobre o
tema
da Conferênc ia: o discipulado e a missão
dos cristãos latino-americanos. Nosso método será primeiramente
percorrer de forma sintética pontos nucleares do texto bíblico
que descrevem o discipulado e a missão, começando pelo Antigo
Testamento e chegando à novidade de Jesus Cristo e sua Boa
Notícia. Aí deter-nos-emos brevemente, procurando perceber
os delicados e ao mesmo tempo exigentes matizes que implicam
o ser discípulo e missionário a partir do Novo Testamento.
Em seguida, procuraremos ver como o
caminho
em direção
ao discipulado e, - por meio dele - para a missão pode ser
ITAICl-,,REVISTA DEESPIR TUALIDADEJNACIANA {Junho/2001)·.
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Segundo o Antigo Testamento, existia em Israel uma im
portante corrente de pensamento segundo a qual se desejava a
vinda de um rei que por fim iria implantar na terra o ideal da
verdadeira justiça
6
• Isso para os israelitas era o característico do
rei: estabelecer e implantar a justiça no rp.undo, tal como se
descreve no retrato do rei ideal dos salmos 45 e 72. Em conse
qüência, o significado do rei estava determinado, entre outras
coisas, pelo sentido que ajustiç a tinha para o povo.
Não
se tratava
de justiça no sentido do direito romano: dar a cada
um
o que é
seu, emitir um julgamento imparcial. A justiça do rei, segundo
as
concepções dos povos do oriente e também segundo
as
con
cepções de Israel, desde os tempos mais antigos, consistia em
defender eficazmente aquele que por si mesmo
não
pode defen
der-se. Daí decorre que a justiça consistia, para Israel, no amparo
que o rei prestava
ou
devia
prestar-
aos necessitados, aos fracos
e aos pobres, às viúvas e aos órfãos.
Jesus retoma fielmente essa linha, mas declara agir assim porque
o Reino de Deus é a boa notícia já presente. Concretamente, é
boa notícia para os pobres e todos aqueles que sofrem, perseguidos
e marginalizados. E é claro que a única boa notícia que se pode
dar a tais pessoas é que vão deixar de ser pobres, vão deixar de
sofrer e vão sair de sua situação desesperada. Suas lágrimas vão ser
enxugadas, sua vida vai ter sentido. V ão se sentir acompanhados e
amparados.
Não
serão mais humilhados
nem
viverão expostos a
toda classe de perseguições e perigos. Aí está a significação mais
profunda do Reino de Deus
na
pregação de Jesus e em seu sentido
histórico, concreto e teológico para nós.
Se o Reino de Deus é dom e graça e deve ser acolhido e
recebido
na
pessoa de Jesus, também é missão e tarefa. Jesus em
penhou
todas as suas forças neste projeto e ensinou àqueles e
àquelas que o seguiam a fazer o mesmo. Esse grupo a quem Jesus
preparou de mane ira especial para impla ntar seu projeto e assumir
sua missão são os discípulos que aparecem no Evangelho seguin
do-o mais de perto e recebendo todos os seus ensinamentos, mes
mo os
mais radicais e exigentes. Em repetidas ocasiões,
os
evan
gelhos distinguem nitidamente este grupo do povo em geraF.
Tratava-se, portanto, de
um
grupo de pessoas, diferenciadas do
resto das multidões, com vínculos que as uniam muito estreita
mente, afetiva e efetivamente. Pode-se, por conseguinte, afirmar
que constituíam uma comunidade
TAICl.:c REVISJADEESPIRITUAUDADE INAC ANA(Junho/2007)
6.
Sl
44; 72;
s
11 3-5; 32 l.
3.15.18.
7. Cf. Mt 9 10; 14 22;
2 15;
3 9; 5 31;
6 45;
9 14; 10 46.
Seguir a Jesus, portanto, segundo os evangelhos,
não
é uma
estratégia pa ra assegurar a salvação das almas em outra
vida após
O
seguimento
de Jesus
implica uma
total
disponibilidade
para
a
missão
a morte, entendendo-s e que a alma é a parte su
perior
do
ser humano devendo o corpo estar
relegado a segundo plano ou até mesmo despres
tigiado e esquecido. O seguimento de Jesus e a
pertença à sua comunidade como discípulo im
plica uma extrema atenção e uma disponibilidade
incondicional para servir
às
necessidades básicas,
materiais e corpóreas dos seres humanos: dar pão aos que têm
fome, água aos que têm sede, vestir os nus, evangelizar os pobres
e libertar os cativos. E também para consolar os aflitos, enxugar
as
lágrimas aos tristes e ajudar os infelizes e desvalidos. Implica,
portanto, u ma tota l disponibilidade para a missão que é a de Jesus
e é igual e inseparavelmente à do discípulo.
Hoje como ontem,
no
tempo de Jesus, apenas umdiscipulado
apaixonado e radical resultará na missão que constitui a Igreja e
lhe dá razão de ser frente ao mundo e
no
meio dele. Hoje como
ontem a Igreja da América Latina, se quiser impulsionar os cris
tãos do continente a serem discípulos e missionários de Jesus
Crist; a fim de que nele nossos povos tenham vida, deverá en
cont rar estratégias pedagógico-pastorais que lhe possibilitem ofe
recer a seus fiéis uma formação adequada para isso.
Parece-nos que os Exercícios Espirituais de
Santo
Inácio de
Loyola podem dar preciosa contribuição a esse desejo e a esse
esforço pedagógico-pastoral da Igreja do continente. Carregando
em seu bojo
uma
comprovada e secular metodologia de conheci
mento, identificação e seguimento de Jesus e
tendo
como obje
tivo central formar apóstolos que sejam
no
mundo servidores da
missão do mesmo Jesus, são
hoje um
instrumento
extremamente
adequado que pode, se utilizado como convém, converter-se em
meio de muita eficácia para colocar
em
prática a consigna que
propõe o tema da Conferência de Aparecida.
OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS
ESCOLA DE DISCIPULADO
CRISTÃO
Os elementos distintivos da identidade do discípulo cristão
são acima de tudo: a escuta à chamada de Jesus, a resposta de fé,
pronta e amorosa, a seu chamado, a vinculação a uma comunidade
de fé e a missão que a comunhão de vida e destino
com
Jesus vai
ITAlCl.:-: REVISTA DEESR[RITUALlD,t\DEINAClt\NA.(Juilho/2007)
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levá-lo a desempenhar. A verificação da autenticidade do disci
pulado poderá ser percebida nos frutos que daí brotarão.
O ponto de partida do discipulado cristão é, portanto, um
encontro com a pessoa viva de Jesus, que pode dar-se
em
muitos
lugares e circunstâncias:
na
escuta da Palavra,
na
mesa da comu
nhão,
em
situações vitais onde a
mente
e o coração humanos são
postos em xeque e muito especialmente
no
rosto do outro. Do
outro pobre, carente, infeliz, cuja revelação é
uma
epifania
da
presença divina.
8
As meditações e contemplações da Segunda Semana dos
Exercícios propõem
um
itinerário que
tem
como único objetivo
conduzir a essa experiência.
À
força de contemplar a pessoa de
Jesus Cristo, Inácio deseja e espera que
entre
o
Senhor
e o exer
citante
vá se criando um amor cada vez mais profundo, uma inti
midade cada vez mais amorosa e apaixonada que resultará numa
identificação sempre maior. O resultado esperado será que, ao
terminar
os Exercícios, o exercitante poderá sentir e agir não
apenas com Jesus, mas como ele e por ele,
em
todas
as
circuns
tâncias
da
sua vida.
O processo mistagógico inaciano, portanto,
aponta
para o
espiritual objetivo de fazer acontecer
no
mundo outros Cristas,
ao procurar formar discípulos e missionários que estejam tão
unidos e identificados com Jesus, seu sentir e seu agir, que repro
duzam no mundo, em todas as situações, suas palavras, seus gestos,
critérios e atitudes. E a expectativa é que
da
vida e a tuação desses
e dessas que, através dos Exercícios, foram configurados a Jesus
Cristo possam brotar frutos de vida em abundância para todos,
sobretudo para aqueles que mais necessitam.
A
Segunda
Semana
dos Exercícios
tem como pórtico
a
meditação do Reino, parábola de intr odução ao seguimento de
Jesus que vai tomar o centro do percurso até seu final. Apresen
tando
o Senhor Ressuscitado que chama para estar
com
ele'',9
Santo Inácio vai propor como composição de lugar as vilas; sina
gogas e aldeias onde Cristo Nosso
Senhor
pregava
10
A petição
chama especialmente a atenção, já que se trata de uma petição
que envolve em si mesma atit ude e coração de discípulo: pedir
a graça que quero. Será aqui
pedir
graça a nosso Senhor
para
que não
seja surdo ao seu
chamamento,
mas pronto
e
diligente em cumprir
sua santíssima vontade.
ITAICl .. REVISTA DE
ESPIRJTUALIDADE
INACIANA (Junho/2007)
8. Cf. João Paulo II.
Novo
Millenio
Ineunte n. 49 : O
século
e o milênio que c
0
•
meçam terão que ver
ainda
e é
de
desejar que o
vejarr:
de modo evidente, a que
grau
de
entrega pode chegar
a caridade para os
mais
po
bres. Se
verdadeiramente
houvermos partido
da
con
templação de Cristo, temos
que saber d escobri-lo
sobre
tudo no rosto
daqueles
com
os que ele mesmo quis iden
tificar-se: «tive fome e me
destes de comer, tive
sede
e
me hão dado de beber; fui
forasteiro
e
me
hospedastes;
nu e
me
vestistes, doente
e
me visitastes,
encarcerado
e viestes para ver-me» (Mt
25,35-36).
9. Vir comigo .
10.
.
11. .
12.
Cf. os
livros
de
Isaías,
Jeremias, Ezequiel e Da·
niel, assim como os
dos
profetas
menores.
13.
.
14.
Cf.
sobre
a
vida de Jesus
como
horizonte epigenético
da vida do exercitante o
belo texto
de Ulpiano
VAZ·
QUEZ MORO,
A
orien-
tafão espiritual: mistagogia
e
t:eografia São Paulo: Edições
Loyola,
2001. 86
p. ( Leitu·
ras
Releituras ,
3).
Claras ressonâncias bíblicas se fazem aí presentes, referindo
se ao ouvido, esse órgão pelo qual, para o povo
da
Bíblia, pene
trava
na
vida humana a Palavra de Deus,
com
seu chamado e
convite. Essa atitude de escuta que, posta
em
prática, se torna
obediência pronta e diligente , vivida às vezes com grande dor
e paixão pelos profetas,
2
à qual tantas vezes se refere o próprio
Jesus como atitude sua diante do Pai e como atitude que espera
de seus discípulos, é o que o exercitante suplica ao preparar-se
para contemplar o
Senhor
e seu chamado fascinante e exigente.
O Senhor
me abriu
o ouvido e
eu não
resisti nem
recuei.
(Is 50,
4 ). Esta docilidade que escuta no desejo de amar e responder ao
amor com todo o afeto possível é a atitude própria do discípulo.
Aquilo que foi recebido
na
amorosa obediência que escuta o
Senhor e se dispõe a colocar
em
prática sua vontade transbordará
na língua de discípulo... para que
saiba
sustentar com minha palavra
ao
cansado
(Is 50,4). A continuação dos exercícios da Segunda
Semana não serão mais do que a exercitação e o aprendizado dessa
escuta e dessa conduta.
No
final da meditação do Reino, o ex ercitante será conduzido
a fazer uma oblação de maior estima e momento,
não
apenas
oferecendo-se inteiramente ao traba lho missionário que o aguar
da,
em
companhia de Jesus, mas oferecendo toda a sua pessoa
para comungar em tudo da vida e do destino d' Aquele que o
chama, junto a quem deseja estar e a quem deseja seguir
bem
de
perto, imitando-o
em
passar
todas as injúrias
e
todo
o desprezo e
toda a
pobreza assim
atual como
espiritual
se assim for do desejo
e da vontade do
Senhor
que o
chama
e o escolhe e que é o único
que
tem
poder sobre sua vida e sua pessoa por inteiro.
13
Já se
faz
presente aí, antes de iniciar
as
contemplações
da
vida de Cristo, um desejo
tomado
explícito por parte do exerci
tante, movido pelo Espírito Santo, de uma identificação pessoal
e radical com Jesus, paradigma no qual buscará a referência de
seu caminho de discípulo e missionário. Jesus Cristo passará a ser
então o horizonte epigenético a partir do qual ele compreenderá
sua vida e seu destino.
14
Em seguida, iniciam-se
as
contemplações, a partir da Encar
nação. Desde aí e sempre da mesma forma, o exercitante feito
discípulo por sua oblação anterior, pedirá uma só graça: conhe-
cimento interno do Senhor que, por mim,
se
fez homem, para que
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de Deus, mas
também anunciá-lo
a
toda criatura. Ser
cristão é,
portanto,
viver
em missão.
Isso que é dado a cada cristão no momento mesmo de seu
Batismo,
como
dom e tarefa, Inácio sabe por lhe ter sido ensinado
1
D
1 . 21
pessoa
mente por
eus,
como um
mestre esco a a
um menmo
.
Depois, o
comprovou
por sua
própria experiência
de peregrino e
incansável buscador da vontade de Deus. O ardente convertido
que
sonhava em
levar
vida penitente
em
Jerusalém vai
enten
dendo ao longo de seu caminho que não se J?Ode servir ao Deus
de Jesus
Cristo sem
a mediação de sua Igreja. E ao
compor
seus
Exercícios, narrativa existencial e sistematização metodológica
de seu itinerário espiritual,
vai
conduzir seus exercit antes
à con
firmação da eleição e do
discernimento
espiritual que se deu
na
contemplação
do mistério de Jesus, na realidade santa e pecadora
da
comunidade
eclesial.
O discipulado se dá na Igreja e se converte em missão por
mediação da mesma Igreja. ela que efetiva o envio
do
e ~ h o r
recebido como carisma e
dom
e realizado como missão. E na
comunidade
que a missão
vai
se fazer verda de,
quando
todos são
enviados enquanto comunidade missionária ao mundo, para
anunciar a Boa Notícia. Éaos discípulos reunidos
em
comunidade
que o Ressuscitado aparece e derrama o dom de sua alegria,
exercendo simultaneamente seu ofício de consolador, a fim de
que a missão seja
intrépida
e gozosa e enfrente
todo
e qualquer
perigo e risco.
Pensando em
todos os colóquios realizados ao final de cada
exercício
do
livrinho de
Inácio
de Loyola,
não
podemos
menos
que afirmar que este vai desdobrando, diante do exercitante, todo
um lento
e longo processo de amizade
com
Jesus, que se vai afir
mando
e reafirmando, consolidando e reconfigurando para, final
mente,
culminar
na
Quarta Semana, quando o
exercitante,
ha
vendo passado pelas consolações e desolações da contemplação
e pela dor da Cruz, é
convidado
a entrar plenamente
na
alegria
do Crucificado, agora Ressuscitado e vivo, que se dedica a
con
solá-lo,
como
amigo que é.
Essa amizade,
íntima
e profunda, é
para
o
exercitante,
que
andou todo este caminho, sua única
fonte
de alegria.
Alegria
gratuita e descentrada, alegria que tem como
fonte
o Amigo
sem
outro
ofício senão o de consolar.
Alegria
que não
pode
perma
necer
somente
em termos de gozo íntimo e subjetivo, mas que
ITAICL-::
REVISTADE
ESPIBITUALIDADE lNACJANA Junho/2007)
21. Cf. Autobiografian.
27
22.
Nesse
sentido, não
pode
deixar
de chamar-nos a
atenção
a
escassez
de refe-
rências
que traz o documen-
to de síntese do
CELAM
com vistas a Aparecida so-
bre a questão da
vida
espi-
ritual propriamente dita.
Palavras como oração ,
contemplação ,
mística
não aparecem no documen-
to. A palavra ascética
aparece duas
vezes. A pala-
vra
espiritualidade apare-
ce
mais.
Não impede que
nos
pareça ainda insufi
ciente.
Esperemos
que a
Conferência propriamente
dita
possa
sanar
esse
estado
de
coisas, já
que
a experiên-
cia
de Deus parece
ser
o
único ponto de partida pos-
sível para a finalidade da
Conferência, qual
seja, for-
mar
discípulos e missioná-
rios
de
Jesus
Cristo, para
que
sejam agentes
de
vida
em abundância
para
os po-
vos
do
continente.
abre
para
a alteridade ferida e necessitada do irmão,
para
a urgên
cia evangelizadora da missão da Igreja,
para
o vasto e imenso
campo
do
mundo,
com
suas prioridades e necessidades,
no
qual é
necessário
implantar
e fazer crescer o
projeto
do Reino de Deus.
O Ressuscitado Consolador, em Seu Espírito,
vai
delicada e
lentamente
facilitando a passagem do exercitante da moção à
missão. A missão, vivida em
comunidade no meio
do mundo,
será o lugar
onde
daqui
em diante experimentará
a consolação
alegre, selo do Espírito de Vida, marca do Ressuscitado.
CONCLUSÃO EXPERIÊNCIA DO
DEUS
DE JESUS
COMO FONTE DO DISCIPULADO E DA MISSÃO
Nos tempos que correm, a razão
potente
da
modernidade
entrou definitivamente em crise e o discurso eclesial encontra
difícil ancorag em em corações e mentes pós-modernos, que se
regem mais pelas sensações
do
que pelo pensar. Em meio a esse
estado de coisas, a
experiência
passou a ser o
ponto
de partida
obrigatório
para
qualquer tentativa vigorosa e
consistente
de
mobilização do mundo cristão. Se for intenção da V
Conferência
do
episcopado
latino-americano lançar
todo o
povo
de Deus que
se encontra
no
continente
em
ardent e impulso missionário, tendo
como base
um
discipulado que leve em seu centro a pessoa e o
mistério de Jesus Cristo, parece-me
não haver
outro caminho
senão o da experiência de Deus.
2
As
normas morais e os
enunciados
dogmáticos
já não
são
mobilizadores, a menos que aterrissem
em
solo fecundado
pela
experiência de Deus que abre corações e espíritos, de modo que
estes possam abraçar, amorosa e alegremente, o que lhes é pro
posto como caminho de
vida
e de adesão. E como o caminho do
discipulado é de escuta,
obediência
e identificação sempre
maior
e mais total com a pessoa de Jesus, miste r se faz que esse caminho
aconteça a
partir
de uma experiência
profunda
do De us de Jesus,
única capaz de configurar os cristãos ao Senhor e dispô-los a serem
por Ele mesmo, em sua Igreja, enviados em missão.
Toda
a convivência de Jesus com seus discípulos foi um pro
cesso progressivo e paulatino de formação.
Os
quatro evangelhos
são itinerários que descrevem as etapas, os destinatários, os espa
ços, os meios,
as
formas didáticas e
as
finalidades
para
as quais
desejava formá-los. A formação do discípulo tem como primeira
finalidade ajudar a desenvolver a assimilação a Jesus, o processo
ITAICI .:- REVISTA DE
ESPlRIIUAUDADE
JNACIANA Juoho/2007)
-
8/17/2019 Discipulado e missão na América Latina - Maria C. Bingemer
8/9
pelo qual o discípulo poderá chegar a
ter
os mesmos sentimentos
de Jesus Cristo .
23
No
interior desta progressiva e radical identi-
23.
Cf. Fil
2 4.
ficação, o discípulo compre ende a missão de Jesus, deixando-se
amar por Ele, e fortalece sua própria identidade, que
não
é outra
senão a do Mestre mesmo.
O
discípulo
bem
formado será como
seu mestre .
24
A formação é, pois, um verdadeiro processo de 24. Cf. Lc
6
40.
cristificação que determinará um novo estilo de viver.
Este estilo de vida suporá, para o discípulo, a tomada de
consciência
constante
das formas concret.as pelas quais Jesus o
ama e continua amando. Assim, será chamado a redescobrir cada
dia o sentido de sua vocação e missão,
tendo em conta
que foi
chamado por Jesus
com nome
próprio, a fim de permanecer
em
seu amor e dar frutos de justi ça e santidade. A resposta do discí
pulo será, então, a prá tica obedie nte ao amoroso desejo d' Aquele
que o amou primeiro, seguindo-o
com
fidelidade e coerência.
Esse seguimento o levará a dar ao amor de Jesus resposta seme
lhante
à
que o mesmo Jesus deu ao amor do Pai.
Formado pela identificação total a seu
Senhor
e pela pertença
a
uma
comunida de de amigos nesse mesmo Senhor, o discípulo é
enviado ao
mundo
para ali construir e fazer crescer o Reino de
Deus, já presente na mesma pessoa de Jesus. Sua missão, entre
tanto, ele a viverá em profunda união
com
sua comunidade, onde
é chamado a compartilhar suas angústias e esperanças e amoro
samente convidado a viver a
comunhão
que deverá partilhar
gratuitamente
com
outros. Na vida comun itária desenvolver
se-ão as diversas lideranças, ministérios e serviços, nos quais o
discípulo entregará e perderá
com
gosto sua vida, a exemplo do
Mestre e identificando-se com Ele, até a paixão e a cruz,
com
a
esperança firme
na
Ressurreição.
Parece-nos que
os
Exercícios Espirituais de
Santo
Inácio são
um
meio adequado e
pertinente
para que a conteça essa formação
de discípulos e missionários de Jesus Cristo na América Latina de
hoje, a fim de que n'Ele
os
povos do continente tenham vida.
Facilitando a experiência do Deus de Jesus, através
da
contem
plação dos mistérios da vida do mesmo Jesus, o método inaci ano
desdobra diante daquele
ou
daquela que se dispõe a segui-lo
em
busca do rosto de Deus, a possibilidade de
uma
identificação
sempre mais
íntima com
Jesus. Identificação que se mostra
em
seu caminho humano até a morte e em sua ressurreição pela ação
poderosa de Deus Pai no Espírito.
lTAiCI . :c
BEVlSTADE ESE IBITUAUDADE INACIANA (Juril:io/2007)
25. .
Ao mesmo tempo
em
que pede a graça de conhecer, amar e
seguir a Jesus, o exercitante inaciano é movido pelo Espírito do
mesmo Jesus. Qual discípulo humilde e atento , auxiliado po r seu
acompanhante
espiritual, vai aprender, através da leitura e do
discernimento das moções de consolação e/ou de desolação que
experimenta, por onde passa o caminho de Jesus a quem tanto
deseja seguir.
Assim
também
experimentará a graça de ser enviado em
missão
com
e como Jesus.
Sendo
admitido
dentro
do universo
das testemunhas do
Senhor
vivo, mor to e ressuscitado, o exerci
tante faz a experiência de um Deus que aparece em sua vida
pelos santíssimos efeitos que trasformam e iluminam o mundo
a seu redor, revelando-lhe sua divina transparência. Mas que ao
mesmo tempo desaparece e se subtrai, deixando -o
com
a prova e
o sabor da aparição , em um
mundo
ainda não reconciliado.
Essa experiência pedida e procurada
não
pode ser desvin
culada do compartilhar
com
Jesus a paixão dos crucificados da
história, nos quais o
Senhor
ainda vive sua agonia e Paixão.
No
fundo, são dois momentos de uma mesma e profunda experiência:
ser companheiro e seguidor de Jesus, compartilhar seu serviço
até o fracasso e também seu triunfo, segui-lo
na pena
e
na
glória.
25
Sofrer
com
sua Paixão, alegrar-se intensamente
com
sua Ressur
reição. Viver a graça e a realidade de ser, desde já, hoje e para
sempre, discípulos e missionários de Jesus Cristo para que todos
tenham
vida
em
abundância.
E
porque a conformação a Jesus Cristo
ainda não
se mani
festou
em
plenitude
na
vida dos discípulos, a missão deve dar-se
em difícil dialética de já e ainda não . O mesmo ofício de
consolador do Ressuscitado e de seu
Santo
Espírito é dado como
missão e serviço aos discípulos que devem fazer aparecer no
mundo, por seu serviço amoroso e consolador, a vida
em
abun
dância que lhes é dado experimentar já por pura graça. Enquanto
a plenitude
não
acontece inteiramente, é preciso exercitar-se
no
aprofundamento da experiênci a e na dedicação integral à missão.
O
tema
do discipulado e da missão pode ser
uma
excelente
oportunidade para que a Igreja latino-americana mostre um rosto
de discípula mais que de mestra. Tudo o que se dirá do discípulo
e do discipulado terá forte impacto sobre uma Igreja que é convi
dada a ser discípula ela também, inclusive a nível hierárquico.
Uma
Igreja que, portanto, sem fugir da sua missão de ensinar e
JTAICJ,::.BEVISTA DE ESE IRITUALIDADEINACIANA
Junl:io/200])
-
8/17/2019 Discipulado e missão na América Latina - Maria C. Bingemer
9/9
transmitir, é chamada igualmente a aprender: aprender dos pobres
como servi-los; aprender dos jovens como falar-lhes e ser com
preendida; a prender das outras religiões como dialogar
com
elas;
aprender dos intelectuais e formadores de opiniã o quais
as
novas
idéias e os novos elementos que vão forjando
hoje uma
nova
cultura; aprender daqueles que dão suas vidas pela paz, cons truin
do o perdão e a reconciliação, as vias para a erradicação da violên
cia e
da
morte. A V Conferência pode ser
uma
ocasião de ouro
para dizer à América Lati na e ao mundo que. a Igreja quer anunciar
Jesus Cristo e suscitar seus discípulos, mostrando-se ela mesma
como primeira discípula, confessando-se ela mesma ignorante,
pecadora e necessitada de ouvir, escutar, aprender muitíssimas
coisas, a fim de poder falar realmente como fiel porta voz do
Mestre e
não
como anunciadora de si mesma.
Os
Exercícios Espirituais de
Santo
Inácio, pérola de grande
valor do patrimônio eclesial,
podem
ser um eficaz instrumento
de formação pessoal e comunitária que configure a Igreja como
discípula e missionária hoje.
t
O
autor
é
ormado
em
Ciências
sociais e,
atualmente,
estuda
Filosofia
na
Faculdade
jesuíta
de Filosofia
e
Teologia
FAJE),
em
Belo
Horizonte
1
GIDDENS A. Sociolo-
gia Porto Alegre: Artmed
2005. p.
42.
Dante Alighieri
(1265-1321)
s
Dante
Alighieri
e Inácio
de Loyola:
a justa medida do
amor
JULIANO TADEU DOS ANJOS ÜLJVEIRA,
S
comum, nos mais diversos ambientes, ouvir-se a expressão:
o
homem
é fruto do meio
em
que vive . Mais do que
ser uma afirmação do senso comum, esta assertiva en
contra
eco nas ciências humanas, sobretudo
na
Sociologia e
na
Antropologia.
Enquanto ser social, nascido num
contexto
sócio-cultural
específico, o ser
humano
é, sem dúvida, determinado por experiên
cias e visões de mundo próprias de seu tempo e do ambiente que o
cercam. Apr endendo o modo de vida de sua sociedade, a pessoa
passa pelo que os estudiosos denominam
processo
de
socialização
Segundo o sociólogo A. Giddens, o processo pelo qual as
crianças, ou outros novos membros da sociedade, aprendem o
modo de vida de sua sociedade é chamado de
socialização
A
socialização é o principal canal para transmissão da cultura através
do tempo e das gerações.
1
A Baixa Idade Média, época
em
que viveu Dante Alighieri,
foi marcada por um forte domínio da Igreja Católica que extra
polou o âmbito religioso e permeou toda a vida da Europa Me
dieval. Em prol da ma nutenção de
um
poder acumulado durante
séculos, mais especificamente desde que o Cristianismo
tomou-
se religião oficial do Império Romano, a Igreja exerceu
um
rígido
contro le dos aspectos morais e sociais e, dada sua influência, dis
seminou e consolidou
uma
mentalidade
da
qual encontramos
resquícios até mesmo nestes tempos pós-modernos.
Apesar de ser considerado uma figura à frente de seu tempo,
até mesmo um precursor do Renascimento, e criador de
uma
obra
original e genial,
Dante não
escapou da influência do catolicismo
medieval e incorporou
em
sua principal obra, A
Divina
IIAICJ '
REVISJ
A DEESPIBffUALIDADETNAOIANA(Junlio/2001)