dislexia institucional: fogo, fumaÇa e cinzas em...

of 251 /251
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DISLEXIA INSTITUCIONAL: FOGO, FUMAÇA E CINZAS EM RORAIMA AFONSO FARIAS DE SOUSA JÚNIOR Orientadora: Profª. Dra. Maria das Graças Rua TESE DE DOUTORADO Brasília, Março de 2006

Author: phamliem

Post on 07-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

Embed Size (px)

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

    DISLEXIA INSTITUCIONAL: FOGO, FUMAA E CINZAS EM RORAIMA

    AFONSO FARIAS DE SOUSA JNIOR

    Orientadora: Prof. Dra. Maria das Graas Rua

    TESE DE DOUTORADO

    Braslia, Maro de 2006

  • ii

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

    DISLEXIA INSTITUCIONAL: FOGO, FUMAA E CINZAS EM RORAIMA

    Afonso Farias de Sousa Jnior

    Tese de Doutorado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Doutor em Desenvolvimento Sustentvel, rea de concentrao em Poltica e Gesto Ambiental. Aprovada por: ______________________________

    Maria das Graas Rua, Doutora (UnB)

    ______________________________

    Othon H. Leonardos, Doutor (UnB)

    _____________________________

    Magda E. S. Faria Werhmann, Doutora (UnB)

    ___________________________

    Bartholomeu Trres Trcolli, Doutor (UnB)

    _________________________

    Nbia Abrantes Gomes, Doutora (UFRR)

  • iii

    Braslia-DF, 17 de maro de 2006. SOUSA JNIOR, Afonso Farias Dislexia Ambiental: a miopia gerencial do compartilhamento de aes de preveno, controle de queimadas e combate aos incndios florestais em Roraima, 219 p., 297 mm. (UnB-CDS, Doutor, Poltica e Gesto Ambiental, 2006) Tese de Doutorado Universidade de Braslia. Centro de Desenvolvimento Sustentvel. 1. Gesto Compartilhada 2. Brigadas Municipais 3. Queimadas 4. Incndios Florestais 5. Interinstitucional 6. Uso do Fogo I UnB - CDS II Ttulo (srie) concedida UnB permisso para reproduzir cpias desta tese e emprestar ou vender cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta tese pode ser reproduzida sem a autorizao expressa do autor. ___________________________

    Afonso Farias de Sousa Jnior

  • iv

    Dedico este estudo a: a) todos os mestres que moldaram o meu intelecto e educaram-me. Professores maravilhosos, idealistas e dignos da denominao; b) vida, sem ela todas as possibilidades seriam inteis; e c) Mnica, ao Andrew e ao David, partes integrantes da minha razo e do meu esprito, do meu ser e estar.

  • v

    G a i a

    A pedra canta, a planta fala O rio v

    O vento sente, a chuva chora O raio l

    O peixe sonha, a rosa dana Tudo o mesmo ser

    Gaia, Gaia, tudo esta vivo Tudo respira,

    Eu e voc A nuvem sabe, a lua entende o sol nascer

    O fogo escreve, a estrela dorme O povo cr

    O cu esquece, a onda lembra Tudo o mesmo ser

    Gaia, Gaia, tudo esta vivo, Tudo respira, eu e voc

    Nilson Chaves/Eliaquim Rufino, poeta de Roraima.

  • vi

    AGRADECIMENTOS

    Sou grato aos professores do Centro de Desenvolvimento Sustentvel (CDS),

    profissionais admirveis e insistentes na labuta sobre a insero da transversalidade das questes

    ambientais nos setores governamentais, no terceiro setor e nas mentes vidas por esse encontro

    de utopias, realidades, reflexes e muita dvida. A inquietao dos docentes e discentes sobre o

    tema desenvolvimento sustentvel coopera e contribui para a constante busca, metafsica e/ou

    tangvel, das argumentaes e construes do saber acadmico do Centro. Mirades de debates

    estruturaram, consolidaram e, por fim, forjaram a minha formao doutoral. O meu

    reconhecimento aos bravos e sbios docentes.

    Pelas interminveis horas despendidas em estudo, na pesquisa e na elaborao da tese,

    agradeo a compreenso dos meus filhos e da minha esposa, que souberam me entender nos

    momentos mais delicados, mais nervosos e complicados durante o tempo em que permaneci

    desenvolvendo a minha pesquisa no CDS. Inmeros obstculos aconteceram, tanto de ordem

    tcnico-profissional como acadmica, mal-entendidos e boas intenes reinaram. Os atropelos e

    as vicissitudes somente puderam ser suportados pelo afeto, carinho e generosidade do David, do

    Andrew meus filhos e da Mnica, minha esposa, que souberam silenciar quando preciso e

    argumentar quando necessrio, mais ainda, pude perceber suas energias em mim, harmonizando

    e acalmando o meu ser, lembrando o outro eu, o mesmo eu: ns.

    Durante a minha pesquisa fiz vrias novas amizades, como o Perotto, o Joca, o Moiss, a

    Lourdinha, o Ari, o Heloso, o Lzaro, a Laurinha, o Cssio, o Catneo, a Suely, a Giselle, o Joo

    Raposo, a Tnia, a rica, a Lgia, o Marcelo, o Kleber e todos aqueles os quais entrevistei.

    Agradeo de corao o tempo que se dispuseram a conversar comigo, e no foram poucos

    minutos.

    Aos bombeiros militares do DF Ten. Cel. Matos e Ten. Marcos e aqueles de Roraima,

    Cel. Paulo Srgio, Ten. Cel. Kleber, Ten. Cidinei, que entenderam a importncia do estudo e no

    mediram esforos para me ajudar, principalmente o Comandante do Corpo de Bombeiros de RR,

    Cel. Paulo Srgio, demonstrando agigantado esprito altrusta e camaradagem, o que reflete na

    imagem da sua instituio. Para os bombeiros militares macuxis o meu impagvel dbito de

    gratido. Que sejam eternamente felizes e abenoados em suas misses.

    Ao amigo Clidenor Leite (Seplan/RR), paracuxi (paraibano e macuxi), que desvendou os

    aspectos socioantropolgicos e polticos do funcionamento das instituies pblicas em Roraima.

    Homem obstinado, profissional competente e zeloso com as questes pblicas e ambientais,

    conduziu-me ao mago dos conflitos ambientais do estado por intermdio da sua verbalizao

  • vii

    pitoresca e narrativa detalhada. Um argumentador declarado, um homem transparente, um ser em

    busca de um mundo melhor. Sem ele, tudo poderia ter sido mais difcil. Como retribuir a

    confiana depositada em mim? Mil vezes agradeo pelo carinho, ateno e pelas inmeras horas

    de conversao.

    Ao quase companheiro de caserna professor Dr. Reinaldo Barbosa (Inpa), pela disposio

    em mostrar e descrever causas e fatores impactantes das questes ambientais roraimenses. gil

    no pensar, hbil no dizer e sutil no concluir, contribuiu sobremaneira, com seus artigos e na sua

    fala, para a substncia deste trabalho. Obrigado por tudo, nobre cientista.

    Ao professor Dr. Jaime de Agostinho (UFRR e Seplan), presena amigvel, descontrado

    e profundo conhecedor dos problemas de meio ambiente de Roraima, agradeo pelos insights

    despertados e alertas sobre a situao socioambiental e poltica do estado.

    Aos Chefes de Brigadas Municipais de Roraima o meu mais profundo agradecimento.

    Homens humildes, incansveis guerreiros e idealistas, mostraram e fizeram-me consolidar a idia

    do saber tradicional. Abnegados e cumpridores das misses impossveis de combate aos

    incndios florestais, deixaram claro a sua indelvel importncia no contexto da preveno e

    combate ao fogo em Roraima. Um abrao forte e cordial para o Seu Pedro (65 anos - chefe da

    brigada do Trairo), um exemplo de dignidade, paixo pelo que faz e identificao com a

    natureza. Abraando Pedro, abrao e agradeo a todos os brigadistas do estado, guerreiros

    meninos, fortes, fracos.

    O meu muito obrigado ao Dr. Nilson e a Emilcy, ambos da Seplan, ao Jordo, da

    Secretaria Estadual do ndio, a Jane, do Incra, ao Dr. Zedequias, Promotor Pblico do MPERR,

    aos Gianluppis, Daniel (Femact) e Vicente (Embrapa), ao Haron e a Maristela Xaud (Embrapa),

    a Jane, ao Juca e ao Robson, todos da Femact, a Dra. Marta, Promotora de Meio Ambiente do

    MPDFT, ao Dr. Joo Batista, Promotor de Meio Ambiente do MPERN.

    Especial agradecimento aos integrantes da Fetag/RR, da CPT/RR e do GTA (Braslia e

    Boa Vista/RR), que apresentaram suas realidades e ampliaram a minha percepo e

    conhecimento sobre o envolvimento das entidades representativas da sociedade civil nas

    questes do fogo.

    Aos integrantes do Iteraima, da Secretaria Estadual de Agricultura de RR, da Secretaria

    Estadual de Sade de RR, meus agradecimentos pela solicitude e disponibilidade para responder

    meus questionamentos, dvidas e esclarecer sobre questes pontuais do fogo dentro das suas

    competncias institucionais.

    As docentes Dra. Magda Wehrmann e Dra. Nbia Gomes, pela disponibilidade, pelas

    correes, pelo profissionalismo, entusiasmo acadmico e precisa sintonia com a realidade.

    Aos professores Dr. Bartho Trcolli e Dr. Othon Leonardos, pelos sinceros incentivos,

    comentrios sempre pertinentes e agudo senso de humanidade e cincia.

    Aos angustiados, sofridos e talentosos amigos e amigas de sala de aula, que

    compartilharam sonhos, dvidas, discusses e at desentendimentos generalizados, sou muito

  • viii

    grato por ter convivido com pliade plural e inteligente, agentes contribuintes do meu

    aprimoramento intelectual e humano.

    Ao Ten. Brigadeiro Marcus Herndl, que acreditou no seu subordinado e apostou no

    desenvolvimento profissional e pessoal do jovem major, quando permitiu a minha liberao para

    o mestrado, meu vo intermedirio para esta conquista.

    Ao Brigadeiro Srgio Mingorance, que entendeu a importncia do estudo e enxergou o

    desenvolvimento individual como parte integrante da manuteno do capital intelectual

    institucional. Por sua viso privilegiada, estmulos e cooperao agradeo de corao pela

    compreenso e ateno dispensadas.

    Ao amigo Coronel Jairo Costa, leal companheiro e amigo das horas mais difceis, que,

    mesmo sem vnculos diretos com esta tese, foi partcipe na concretude da prpria. Ao camarada

    Jairo, a minha eterna lembrana de gratido.

    Ao professor Dr. Roberto Aguiar, quando meu professor, pelas belssimas aulas (sobre

    Direito e Vida) na faculdade de Direito da UnB, fonte de inspirao para as minhas utopias e

    devaneios intelectuais. Suas colocaes influenciaram sobremaneira a minha estada no CDS.

    Ao professor Dr. Cristvo Buarque, pelos ensinamentos utpicos e reais, isso mesmo,

    um paradoxo, que estimularam o meu pensar e aliceraram as perspectivas da mudana e

    conduta intelectuais.

    A elegncia intelectual e profunda sapincia da minha orientadora, Dra. Maria das Graas

    Rua, mulher paciente e extremamente sensvel, que, num misto de profissionalismo e

    maternidade, soube entender e debelar a minha ansiedade, assim como construir as condies

    necessrias para uma boa relao docente/discente. Agradeo pela confiana depositada, pela

    generosidade e pelas precisas intervenes. Serei eternamente grato.

    Especialssimo agradecimento ao Alexandre Perotto (Proarco), irmo de f e camarada,

    que no mediu esforos para me ajudar nesta empreitada. Profissional arguto, inteligente e

    observador, esclareceu-me, centenas de vezes, sobre as questes da gesto do fogo na Amaznia.

    Aos meus pais, Maria (das letras e dos sonhos) e Afonso (o concreto), e ao Meu av

    Chico Miguel (in memorian), que sempre depositaram infinita confiana em mim e,

    inexoravelmente, forjaram o ser curioso, pesquisador e incansvel na busca de sonhos e

    realizaes.

    Finalizando, agradeo ao meu eu por ser e estar como passageiro da nave Terra,

    experimentar sensaes virtuais e reais desta existncia e ter entendido que somente o bem

    (praticado por mim para eu mesmo e de mim para com os outros seres) leva a felicidade. Por

    tudo, por todos, obrigado Inteligncia Csmica, Divina e Maravilhosa.

  • ix

    RESUMO

    Esta tese versa sobre a gesto compartilhada do fogo, brigadas municipais e instituies envolvidas com o tema queimadas e incndios florestais. Seu objetivo principal analisar as dimenses Relacionamento (entre instituies afins), Poltico-legal (polticas pblicas e norma legal relacionadas com o tema) e Tcnico-administrativa (recursos materiais, humanos, oramentrios e financeiros disponibilizados pelas entidades envolvidas) e verificar por que os atores institucionais envolvidos com a preveno, controle de queimadas e combate aos incndios florestais (PCQIF) no conseguem desenvolver e manter uma gesto interinstitucional sustentvel para evitar as queimadas e os incndios florestais na regio. As hipteses do estudo apontam para: a ausncia de suporte financeiro, material, organizacional e educacional das brigadas municipais; as divergncias internas do Prevfogo com o Proarco e destes para com outros setores do Ibama; e a precria adeso interinstitucional s aes de PCQIF afetam negativamente o desempenho dessas aes em Roraima. Em termos metodolgicos, um estudo de caso com pesquisa de campo realizada em Roraima, mais precisamente em Boa Vista e outros seis municpios vizinhos, todos partcipes do Arco do Fogo do estado. A pesquisa foi realizada entre 2003 e 2005. Os resultados apurados indicam uma deficiente educao profissional dos envolvidos com a PCQIF na regio e no Ibama (Prevfogo, Proarco e Gerex/RR), o desinteresse dos dirigentes pblicos para com a efetiva aplicao das polticas pblicas relativas ao tema, realam a importncia das brigadas no contexto do combate aos incndios florestais e evidenciam o desconcerto interinstitucional vigente na gesto das aes estaduais de PCQIF. Adicionalmente, observou-se um hiato entre intenes polticas e governamentais expostas e aes planejadas, executadas e realizadas. O que sobressai a ausncia de iniciativas (organizacional e gerencial) dos organismos de Roraima para lidar com a questo. Apagar o fogo apenas o ltimo estgio de um processo que tem incio na maneira em que a agropecuria trabalhada. Na medida em que os dirigentes no estimulam uma agricultura familiar endereada aos Sistemas Agroflorestais (SAF) ou Agroecologia eles esto incrementando a potencialidade dos incndios a cada estiagem na regio. No imaginrio coletivo, desmatar e queimar vale mais do que deixar a floresta em p, pois pela derrubada, queimada e cultivo (do milho, do arroz, da banana ou da soja) que se consegue auferir ganhos financeiros. Por outro lado, muitos pensam que quanto mais fogo mais dinheiro, pois, pelo estado de calamidade apresentado, mais recursos financeiros, providos do Governo Federal, podem chegar para o estado. Como proposta, este estudo aponta recomendaes para serem efetuadas no cotidiano das instituies envolvidas e uma outra recomendao estratgica, baseada na estrutura e funcionamento de uma Secretaria de Proteo Socioambiental (Sepas), onde as polticas de defesa civil e de meio ambiente seriam trabalhadas conjuntamente. Nesse modelo as brigadas municipais e os Conselhos Comunitrios de Proteo Socioambiental tm papel chave, pois, no primeiro momento, as demandas (metas e valores oramentrios) locais so elaboradas por eles e, no segundo momento, so apreciadas pelo Comit Gestor do Fogo. Eles ainda esto engajados no acompanhamento, controle e avaliao das Aes de PCQIF desenvolvidas pelo Centro Integrado de Proteo Socioambiental (Cinpas).

  • x

    ABSTRACT

    This thesis discusses shared fire management, municipal fire brigades and institutions involved in intentional burning of forests and forest fires. The main aim is to analyze the relational dimensions (between similar institutions), political-legal dimensions (public policies and legal norms related to the topic) and technical-administrative dimensions (physical, human, budgetary and financial resources made available by the involved entities) and to verify why the institutional agents involved with prevention, control of burning and the combat of forest fires (PCQIF) are unable to develop and maintain sustainable inter-institutional management in order to avoid the intentional burning of forest areas as well as forest fires in the Roraima state.The hypotheses of the study point to: the lack of financial, physical, organizational and educational support due to municipal fire brigades; the internal divergences of Prevfogo with Proarco and between these and other sectors of Ibama; and to the precarious institutional addition of the actions of PCQIF which negatively affect the accomplishment of these actions in Roraima. In terms of methodology, this is a case study with field research carried out in Roraima, more specifically in Boa Vista and in six other neighboring municipalities, all of which are participants of the states Arco do Fogo. The research was done between 2003 and 2005. The results indicate inadequate professional qualification of those involved with PCQIF in the region and of Ibama (Prevfogo, Proarco and Gerex/RR), as well as, to the disinterest of public authorities to effectively apply public policy related to the topic. The results also highlight the importance of the municipals fire brigades in the context of combating forest fires and show the current inter-institutional chaos of the states actions through PCQIF. In addition, one can observe an abyss between political and governmental intentions which are shown and the actions which are planned, executed and accomplished. What is predominant is the lack of initiative (organizational and managerial) on the part of the organs in Roraima to take the lead in the question. Fire suppression is only the last stage of a process which must begin in a way in which the local and family farming in is included. As long as the leaders do not encourage family agriculture which is partnered with the Agro-Forest Systems (SAF) or with Agro-ecology, they are increasing the potential for fires in each dry spell. In the mind of the majority of people, deforestation and intentional burning is worth more than leaving the forest standing, since it is through cutting down the trees, burning them and planting corn, rice, bananas or soy beans that one is able to have financial gain. Another aspect of this is that many believe that the more fire there is, the more money they will have, since there are more financial resources coming from the federal government to the state, when a state of emergency is declared. As was proposed, this study presents recommendations to be implemented in the day-to-day routine of the institutions involved. There is also a strategic recommendation based on the structure and operation of a Secretariat of Socio-environmental Protection (Sepas), where the policies of civil defense and those of the environment would be worked on together. In this model the municipal fire brigades and the community councils of socio-environmental protection would have a key role. In the first phase the local demands (goals and budgetary amounts) would be elaborated by the brigades and councils, while in the second phase, these items would be considered by the Fire Management Committee. The brigades and councils would be involved in the follow-up, control and the evaluation of the actions of the PCQIF which would be developed by the Integrated Center of Social and Environmental Protection (Cinpas).

  • xi

    RESUMEN

    Esta tesis trata sobre la gestin compartida del fuego, brigadas municipales e instituciones involucradas con el tema de quemas e incendios forestales. Su objetivo principal es analizar las dimensiones Relacionamento (entre instituciones afines), Poltico-legal (Polticas pblicas y norma legal relacionadas con el tema) y Tcnico-administrativa (Recursos materiales, humanos, presupuestarios y financieros disponibles por las entidades involucradas) y verificar por qu los actores institucionales involucrados con la prevencin, control de quemas y combate a los incendios forestales (PCQIF), no consiguen desarrollar y mantener una gestin interinstitucional sustentable para evitar las quemas y los incendios forestales en la regin. Las hiptesis de estudio apuntan para: la falta de apoyo financiero, material, organizacional y educacional de las brigadas municipales; las divergencias internas del Prevfogo con el Proarco y de stos con los otros sectores del Ibama; y la precaria adhesin interinstitucional a las acciones de PCQIF afectan negativamente el desempeo de esas acciones en Roraima. En trminos metodolgicos, es un estudio de caso con investigacin de campo realizada en Roraima, mas precisamente en Boa Vista y otros seis municipios vecinos, todos participes del Arco de Fuego del Estado. La investigacin fue realizada entre 2003 y 2005. Los resultados obtenidos indican una deficiente educacin profesional de los involucrados con la PCQIF en la regin y en el Ibama (Prevfogo, Proarco y Gerex/RR), el desinters de los dirigentes pblicos para con la efectiva aplicacin de las polticas pblicas relativas al tema, realzan la importancia de las brigadas en el contexto del combate a los incendios forestales y evidencian el desconcierto interinstitucional vigente en las gestin de las acciones estatales de PCQIF. Adicionalmente se observ una pausa entre intenciones polticas y gubernamentales expuestas y acciones planificadas, ejecutadas y realizadas. Lo que sobresale es la ausencia de iniciativas (Organizacional y gerencial) de los organismos de Roraima para trabajar con la cuestin. Apagar el fuego es apenas el ltimo paso de un proceso que tiene inicio en la manera en que la agropecuaria es realizada. En la medida en que los dirigentes no estimulen la agricultura familiar, encaminada a los Sistemas Agroforestales (SAF) o a la Agro-ecologa, ellos estn incrementando la potencialidad de los incendios a cada sequa en la regin. En lo imaginario colectivo, desforestar y quemar vale ms que dejar la forestacin en pie, debido a que es por el derribo, quema y cultivo (de maz, de arroz, de banana o de soja) que se consigue obtener ganancias financieras. Por otro lado, muchos piensan que cuanto ms fuego ms dinero, debido a que, por el estado de calamidad presentado, ms recursos financieros, suministrados por el Gobierno Federal, pueden llegar para el Estado. Como propuesta, este estudio apunta recomendaciones a ser efectuadas en lo cotidiano en las instituciones involucradas y por otra parte, una recomendacin estratgica, basada en la estructura y funcionamiento de una Secretara de Proteccin Socio-ambiental (Sepas), donde las polticas de defensa civil y de medio ambiente seran realizadas conjuntamente. En ese modelo, las brigadas municipales y los Consejos Comunitarios de Proteccin Socio-ambiental tienen un papel importante, pues, en un primer momento, las demandas (Metas y valores presupuestarios) locales son elaborados por ellos y en segundo lugar, son apreciadas por el Comit Gestor del Fuego. Ellos an estn comprometidos en el acompaamiento, control y valuacin de las Acciones de PCQIF desarrolladas por el Centro Integrado de Proteccin Socio-ambiental (Cinpas)

  • SUMRIO

    LISTA DE TABELAS LISTA DE FIGURAS LISTA DE QUADROS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INTRODUO 1 I. 1 ASPECTOS DO PROBLEMA 1 I.1.1 Conduzindo ao bice 1 I.1.2 Contextualizando o bice 4 I.1.3 O problema 8 I.2 OBJETIVOS 15 I.3 HIPTESES 16 I.4 DELIMITAO DO ESTUDO 16 I.5 JUSTIFICATIVA 17 I.6 O MTODO 18 I.6.1 Tipo de pesquisa 19 I.6.2 Universo e amostra 20 I.6.3 Coleta de dados 21 I.6.4 Tratamento dos dados 24 1 EXTERNALIDADES SOCIOAMBIENTAIS E ECONMICAS DO FOGO

    25

    1.1 A CRISE DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO 25 1.1.1 Brasil: o desenvolvimento inicial 29 1.1.2 O desenvolvimento na Amaznia 31 1.1.3 Um equvoco de desenvolvimento 33 1.2 IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E ECONMICOS DO FOGO 35 1.2.1 Queimadas para desmatamento 36 1.2.2 Incndios florestais rasteiros 36 1.2.3 As queimadas e os incndios em reas desmatadas 38 1.2.4 Prejuzos econmicos para os proprietrios rurais 39 1.2.5 Custos e prejuzos do fogo para a sociedade 40 1.3 COMENTRIOS FINAIS 42 2 FOGO: UM CONTRAPONTO DE PERCEPO 44 2.1 FOGO: PROBLEMA OU SOLUO. A PERCEPO DOS AGRICULTORES FAMILIARES DO SUDESTE DO PAR

    44

    2.2 USO DO FOGO POR AGRICULTORES FAMILIARES EM RORAIMA: CONFLITOS E INTERVENES SOCIOAMBIENTAIS

    48

  • 2.3 FOGO EM RORAIMA: QUESTES E ATUAO GOVERNAMENTAL 52 2.3.1 Breve histrico e localizao 52 2.3.2 Atuao governamental e gesto do fogo em Roraima 55 2.3.3 Os Incndios de 1998 e 2003 56 2.3.4 A soja e seus impactos ambientais 61 2.3.5 Agronegcio: dicotomia de percepo 64 2.4 COMENTRIOS FINAIS 67 3 DA TAREFA AO COMPARTILHAMENTO DE AES 69 3.1 CONSCINCIA E INTEGRAO DE AES 70 3.2 GESTO ECOLGICA E DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL 80 3.3 ESTUDOS INTRA E INTERORGANIZACIONAIS 88 3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONALL DAS AES DE PREVENOO E COMBATE AOS INCNDIOS FLORESTAIS NO IBAMA.

    97

    3.4.1 Ibama: criao e estrutura 97 3.4.2 Prevfogo: criao e atuao 100 3.4.3 Proarco: criao e atuao 102 3.5 GESTO COMPARTILHADA: COMPROMISSO, INTERDISCIPLINARIDADE E CONTRIBUIO EFETIVA

    102

    4 RORAIMA: FOGO, FUMAA E CINZAS NA GESTO COMPARTILHADA

    111

    4.1 DAS ENTREVISTAS COM OS CHEFES DE BRIGADAS MUNICIPAIS 111 4.2 DAS ENTREVISTAS INTRA-ORGANIZACIONAIS 123 4.3 DAS ENTREVISTAS INTERINSTITUCIONAIS 137

    CONCLUSO 157 RECOMENDAES 166 R.1 RECOMENDAES ESPECFICAS PARA O COTIDIANO INSTITUCIONAL 166 R.2 RECOMENDAES ESTRATGICAS 172 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 180 APNDICES 189 ANEXOS 208

  • LISTA DE TABELAS Tabela I.1 Causas de Incndios Florestais na Europa (1978), na Alemanha (RFA

    mdia de 1972 a 1978) e na Espanha 1979

    9

    Tabela I.2 Frequncia de Incndios Florestais em pases europeus

    9

    Tabela I.3 Incndios Florestais nos Eua e Canad

    9

    Tabela I.4 Mdias de reas Queimadas, decenal, em Pases Europeus (1980-2004)

    10

    Tabela I.5 Mdias de Incndios Florestais, decenal, em Pases Europeus (1980-2004)

    10

    Tabela I.6 Graus e atributos utilizados nos roteiros de entrevistas, nas discusses e resultados da tese

    24

    Tabela 1.1 rea desmatada, por ano, da Amaznia em quilmetros quadrados nos ltimos dez anos

    42

    Tabela 2.1 Brigadas Municipais e Bases Avanadas do CBMil existentes em RR

    55

    Tabela 2.2 rea atingida pelo fogo em Roraima em 1998, por tipo de vegetao

    57

    Tabela 4.1 Grau de satisfao do Prevfogo e do Proarco com outros setores/diretorias

    124

    Tabela 4.2 Graus de desempenho e razo de existir do Prevfogo e do Proarco

    125

    Tabela 4.3 Efeito da instrumentalizao legal ambiental nas atividades do Prevfogo e proarco em RR

    127

    Tabela 4.4 Influncia do Prevfogo e do Proarco na agenda, formulao e discusso das polticas pblicas de PCQIF no Ibama

    127

    Tabela 4.5 Grau de impacto negativo da poltica interna nas aes do Prevfogo e do Proarco

    128

    Tabela 4.6 Grau de desenvolvimento dos componentes (monitoramento, preveno e combate) do Proarco, em dezembro de 2004

    132

    Tabela 4.7 Classificao da gesto organizacional da Dipro

    134

    Tabela 4.8 Classificao da gesto organizacional das Coordenaes do Prevfogo e do Proarco

    134

    Tabela 4.9 Competncia para realizar as misses de PCQIF fora das reas de UC

    135

  • Tabela 4.10 Grau de Importncia das Brigadas Municipais nas aes de PCQIF

    140

    Tabela 4.11 Desempenho e razo de existir do Prevfogo e do Proarco

    141

    Tabela 4.12 Grau de cooperao das instituies para as aes de PCQIF em RR

    142

    Tabela 4.13 Grau de importncia da misso do Proarco e do Prevfogo

    143

    Tabela 4.14 Grau de influncia das instituies de RR na agenda, discusso e formulao de polticas pblicas de PCQIF

    146

    Tabela 4.15 Grau de impacto negativo da poltica interna institucional nas aes de PCQIF

    147

    Tabela 4.16 Empenho da cpula institucional para resoluo de problemas de PCQIF

    148

    Tabela 4.17 Grau de importncia das aes de PCQIF em cada instituio

    150

    Tabela 4.18 Causas de Incndios Florestais em RR

    151

    Tabela 4.19 Processo decisrio adotado pelas instituies de Roraima

    154

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura I.1 Brasil: Evoluo das Populaes Rural e Urbana - 1940-1995

    5

    Figura I.2 Brasil: Migraes Internas/1960-1970

    7

    Figura I.3 Brasil: Migraes Internas/1970-1990

    7

    Figura I.4 Percentual de focos de queimada na Amaznia

    8

    Figura I.5 Percentual de reas queimadas/pases do sul da Europa/2004

    10

    Figura I.6 Percentual de incndios florestais em pases do sul da Europa/2004

    10

    Figura I.7 Arco do Desflorestamento configurao dentro da Amaznia Legal

    14

    Figura 1.1 Desmatamento na Amaznia 1988/2002

    41

    Figura 1.2 Grfico demonstrativo da rea desmatada na Amaznia desde 1994 at 2004

    42

    Figura 2.1 Amaznia Legal e Mapa Poltico de Roraima

    54

    Figura 2.2 rea de cultivo da soja em RR

    61

    Figura 2.3 Expanso da soja em RR

    63

    Figura 3.1 nfases da Administrao ao Longo do Sculo XX

    69

    Figura 3.2 Relaes da empresa a partir da dcada de 1980

    70

    Figura 3.3 Organizao como um Sistema Aberto

    76

    Figura 3.4 Enfoque sistmico e ambiente organizacional

    77

    Figura 3.5 Feedback - necessidades e satisfaes

    78

    Figura 3.6 Processos de Interao

    96

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 3.1 Diferenas entre as concepes atomsticas e holsticas

    74

    Quadro 4.1 Participao das Brigadas em eventos locais

    113

    Quadro 4.2 Considerao das argumentaes dos brigadistas e da cultura local pelos coordenadores de eventos de PCQIF

    114

    Quadro 4.3 Critrios de admisso de candidatos a brigadista pelas brigadas municipais

    116

    Quadro 4.4 Grau de preparao dos brigadistas aps o curso bsico inicial de PCQIF

    118

    Quadro 4.5 rgos responsveis pelas tarefas/atividades durante as operaes de combate aos incndios florestais

    119

    Quadro 4.6 Participao dos Brigadistas na elaborao do calendrio de queima controlada

    120

    Quadro 4.7 Melhor parceiro das brigadas municipais

    120

    Quadro 4.8 Pior parceiro das brigadas municipais

    121

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABM Associao das Brigadas Municipais

    AL Amaznia Legal

    ATPF Autorizaes de Transporte para Produto(s) Florestal(ais)

    AUFPA Alternativas ao Uso do Fogo na Produo Agrcola

    CBMil Corpo(s) de Bombeiro(s) Militar(es)

    CBrig Chefe(s) de Brigada(s) Municipal(ais)

    CCIR Certificado de Cadastro de Imvel Rural (expedido pelo Incra)

    CCPY Comisso Pr-Yanomami (originalmente Comisso pela Criao do Parque

    Yanomami)

    Cemam Centro de Monitoramento Ambiental

    CGFis Coordenao Geral de Fiscalizao

    Cinpas Centro Integrado de Proteo Ambiental e Social

    Copsa Conselhos Comunitrios de Proteo Socioambiental

    CSR Centro de Sensoriamento Remoto

    Def. Civil Defesa Civil

    DF Distrito Federal

    Dicof Diviso de Operaes e Fiscalizao GEREX/RR

    Difap Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros

    Diget Diretoria de Gesto Estratgica/Ibama - Bsb

    Diliq Diretoria de Licenciamento e Qualidade Ambiental/Ibama Bsb

    Dipro Diretoria de Proteo Ambiental/Ibama Bsb

    Diraf Diretoria de Administrao e Finanas/Ibama Bsb

    Direc Diretoria de Ecossistemas/Ibama Bsb

    Ditec Diviso Tcnica GEREX/RR

  • Femact Fundao Estadual do Meio Ambiente, Cincia e Tecnologia RR

    Fetag Federao dos Trabalhadores na Agricultura (RR)

    FFAA Foras Armadas

    Gavesp Grupo de Aviao Especial. Organizao a ser criada, em gestao na Presidncia da Repblica, para atender a proteo ambiental e social

    Gerex Gerencia Executiva do IBAMA nos estados brasileiros

    GQC Grupo(s) de Queima Controlada

    GTA Grupo de Trabalho Amaznico

    Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renovveis

    IF Incndio(s) Florestal(ais)

    Incra Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    Inpa Instituto de Pesquisas da Amaznia

    Iteraima Instituto de Terras e Colonizao de Roraima

    MD Ministrio da Defesa

    MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    MI Ministrio da Integrao Nacional

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    NOA Ncleo de Operaes Areas, subordinado DIPRO/Ibama Bsb

    ONG Organizao(es) No Governamental(ais)

    PCQIF Preveno, Controle de Queimadas e Combate aos Incndios Florestais

    Prevfogo Sistema Nacional de Preveno e Combate aos Incndios Florestais. Hoje, Centro Nacional de Preveno e Combate aos Incndios Florestais

    Proarco Programa de Preveno, Controle de Queimadas e Incndios Florestais na Amaznia Legal

    SEAAB Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento (RR)

    Sepas Secrataria de Proteo Ambiental e Social

    Seplan/RR Secretaria de Planejamento do Estado de Roraima

    TI Terra(s) Indgena(s)

    UC Unidade(s) de Conservao

  • INTRODUO

    I.1 ASPECTOS DO PROBLEMA

    I.1.1 Conduzindo ao bice

    Protagonista e vtima, o homem exerceu e exerce forte influncia sobre os ecossistemas

    terrestres, com o desenvolvimento de tecnologias que rapidamente consomem o ambiente em

    que vive, produzem acelerada degradao ambiental e geram entropia ecolgica na meganave

    Terra.

    Durante a Segunda Revoluo Industrial, a mentalidade era a de simplesmente

    desenvolver tecnologias para apropriar e transformar recursos naturais. poca, a idia de

    infinitude dos recursos naturais estava amalgamada s estruturas socioeconmicas reinantes.

    Hoje, a realidade impe, cada vez mais, o entendimento de que esses recursos esto

    extremamente escassos e as tecnologias criadas geraram efeitos bem alm do esperado, como

    afirma Sagan (1998, p. 81):

    A nossa tecnologia tem se tornado to poderosa que no s consciente, mas tambm

    inadvertidamente estamos nos tornando um perigo para ns mesmos. A cincia e a

    tecnologia tm salvo bilhes de vidas, melhorado o bem estar de muitas mais, ligado o

    planeta numa unio lentamente anastomosante e ao mesmo tempo tm mudado o

    mundo de tal forma que muitas pessoas j no se sentem em casa na Terra. Criamos uma

    gama de novos males: difceis de ver, difceis de entender, problemas que no podem ser

    resolvidos imediatamente e que, sem dvida, no podero ser solucionados sem

    desafiarmos aqueles que detm o poder.

    Strong (1993, p. 7), prefaciando o livro Estratgias de Transio para o Sculo XXI, de Ignacy Sachs, assinala que:

    Perdemos a inocncia. Hoje sabemos que nossa civilizao e at mesmo a vida em nosso

    planeta estaro condenadas, a menos que nos voltemos para o nico caminho vivel,

    tanto para os ricos quanto para os pobres. Para isso, preciso que o Norte diminua seu

    consumo de recursos e o Sul escape da pobreza. O desenvolvimento e o meio ambiente

    esto indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante a mudana do

    contedo, das modalidades e das utilizaes do crescimento. Trs critrios fundamentais

    devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social; prudncia ecolgica e

    eficincia econmica.

  • 2

    O cotidiano revela e afirma que a ferramenta mais poderosa em utilizao pelo homem

    o sistema capitalista de livre mercado. Atualmente, a economia clssica no tem rival e as suas

    leis, de to difundidas, parecem naturais.

    Parece claro que a continuidade desse modelo (onde se ignora, parcial ou totalmente, os

    efeitos colaterais - negativos - relevantes, mais conhecidos como externalidades) reserva

    surpresas reais e desagradveis, pois no existem manobras artificiais para mascarar os eventos

    propiciados pela natureza, enquanto na economia explica-se muita coisa com o termo fatores

    externos.

    Parece salutar uma mudana de mentalidade dos empresrios, dos governantes e da

    sociedade. Eliminar a artificialidade do modelo vigente e direcion-lo naturalidade parece ser

    o mais vivel e sensato para o momento. Algumas organizaes j vislumbram essa

    possibilidade e tentam desenvolver ferramentas que as diferenciem e as coloquem em evidncia

    perante a concorrncia. Comeam a surgir, freqentemente, novas palavras no dia-a-dia das

    empresas: desenvolvimento sustentvel, instrumentos econmicos (princpio poluidor/pagador),

    selo verde, ciclo de vida do produto, gesto ambiental, auditoria ambiental, certificao

    ambiental, ISO 14000 etc. Esses instrumentos podem reformar o status quo vigente e alavancar a

    sociedade para uma nova dimenso socioambiental, alm de reverter o atual quadro de

    formulao dos indicadores econmicos. Cavalcanti (1996, p.319) alega que:

    No pode haver dvida de que, em qualquer poca, em qualquer lugar, os problemas da

    organizao econmica devem manter uma relao profunda e determinante com a

    dimenso ambiental e depender de sua judiciosa utilizao para que possam ser

    solucionados sustentavelmente. Proferir tal afirmao no envolve originalidade alguma, at porque ela uma verdade evidente por si mesma. O condicionamento ecolgico,

    afinal de contas, atravs da base fsica de matria e energia de que o mundo feito,

    regula tudo o que o homem faz e pode fazer. O meio ambiente, e tambm a sociedade, so

    entidades naturais, no sentido de que independem do propsito humano, o primeiro tendo

    uma existncia autnoma que precede ao aparecimento da Segunda. Assim, o sistema

    econmico que uma ferramenta da sociedade, no passa de um subsistema aberto do

    ecossistema, precisando dele vitalmente como fonte supridora de recursos e como espao

    onde faz o lanamento dos dejetos resultantes das atividades produtiva e de consumo.

    Est assim irremediavelmente vinculado aos princpios e leis de funcionamento da

    ecosfera, princpios e leis esses que, como mostram as cincias da natureza, no admitem

    exceo.

    Partindo-se de uma anlise econmica do meio ambiente, percebe-se que a economia

    relaciona-se com a natureza de duas formas: por um lado, a economia usufrui dos insumos

    naturais para utiliz-los, na maioria das vezes, como matria-prima; por outro, despeja na

    natureza os dejetos desse processo. Como resultado, a economia encontra uma natureza

    perturbada pelo conjunto de efeitos gerados pela m utilizao do meio ambiente.

    A garantia do sucesso de reequilbrio ambiental passa pelas Polticas Pblicas voltadas

    para a proteo direta do meio ambiente como tambm daquelas que operem diretamente no

  • 3

    mercado. Essa poltica faz com que sejam internalizados os custos ambientais, isto , o poluidor

    paga pelos danos que causou natureza. O princpio poluidor/pagador vem garantir essa dvida.

    Para isso, adota-se o sistema de cotas. Os fundos so destinados ao financiamento, em longo

    prazo, da recuperao e reconstruo dos processos ambientais dentro da prpria empresa ou ao

    desenvolvimento e recuperao do meio ambiente. O pagamento, necessariamente, no prev a

    reparao do dano.

    O Planejamento Estratgico das empresas, outro ponto importante nas mdias e grandes

    organizaes, poderia inserir programas ambientais plausveis para modificar o atual sistema de

    gesto. Esses programas seriam constantemente controlados pelas auditorias ambientais. O

    conjunto de objetivos e normas que regulam a circulao da unidade empresarial com o conjunto

    da economia, sociedade e Estado tem o propsito de orientar o planejamento dos programas e os

    sistemas de gesto ambiental. A ecologia, como base para o planejamento, a estrutura dessa

    nova ordem econmica. A terra poderia ser vista como um ser sensvel (viso Gaia do mundo) e

    nossas obrigaes como seres humanos no so apenas para conosco, mas com a vida como um

    todo. A Terra a estrutura maior que envolve planejamento e tecnologias ecolgicas. Segundo

    John Todd, um dia os sistemas sociais e polticos espelharo as grandes obras da natureza e as

    atuais divises de direita e esquerda, conservadores, expansionistas, estado-nao, transformar-

    se-o em uma organizao e nica categoria GAIA sistmica e de mbito mundial (TODD, 2000,

    p. 124).

    Uma nova formulao de prioridades, que impulsionem o desenvolvimento sem

    deteriorao dos espaos naturais, e encontrar, urgente, novos parmetros sistmicos que

    alcancem e preservem o socioambiental e o econmico saudvel. Mais ainda, como efeito,

    remeter o ser humano ao to almejado progresso com qualidade de vida. Buarque (1994, p.253),

    quando discorre sobre o Novo Enfoque aos Velhos Problemas, relata que a revoluo das

    prioridades:

    ... tenta fazer uma revoluo conceitual, considerando diferentemente os problemas

    nacionais: subordinar os temas economicistas desemprego, dvidas, inflao etc. aos

    problemas das prioridades definidas eticamente alimentao, democracia, conservao

    da natureza etc. Isto no quer dizer que os problemas tradicionais da economia no

    existam, mas eles so problemas-meio, entraves realizao dos problemas-fins, as

    prioridades.

    A prioridade a vida (vida natural, isto , com qualidade) em toda a sua plenitude e

    forma. Hidrosfera, litosfera, atmosfera e biosfera, que se traduzem como ecosfera, tm ntimas

    relaes. Degrad-las, destru-las ou elimin-las sem a direta contrapartida dos prejuzos

    causados s vidas terrenas, perigoso para todas as formas de vida.

  • 4

    I.1.2 Contextualizando o bice

    O sculo XX foi um perodo de profundas e rpidas mudanas no sistema social e

    ambiental do planeta. Os fenmenos e estruturas, que se desenvolveram durante a Revoluo

    Industrial na segunda metade do sculo XIX, continuaram a sua evoluo durante os cem anos

    seguintes. O homem, principalmente aps o advento do liberalismo, vive de transformaes

    externas (do ambiente) com o intuito de acumular riquezas e obter poder, em todas as suas

    acepes.

    Desde a queda do absolutismo que os liberais (e agora os neoliberais) tentam e utilizam

    discursos para demonstrar que o pretendido tornar as relaes produtivas e sociais aceitveis,

    mas o que se observa so desgastes e desequilbrios socioambientais construdos pela ganncia

    (imediata) de resultados econmicos (destruindo aleatoriamente os recursos de que tanto se vale

    a economia) e pela ausncia de conscientizao, dos donos do poder, sobre os estgios de

    evoluo do indivduo, pessoa, cidado o que mantm o mundo em uma eterna tenso social.

    Essa forma de governar foi gerando distores ao longo do tempo e permitiu a criao de

    hiatos socioeconmicos, educacionais e de sade. Segundo o Relatrio do Desenvolvimento

    Humano de 2004 - do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil

    ocupa o 72 lugar entre os 177 pases analisados pela ONU quanto ao IDH (ndice de

    Desenvolvimento Humano). O ndice mede a qualidade de vida dos pases, a partir de

    indicadores de educao (alfabetizao e taxa de matrcula), sade (esperana de vida ao nascer)

    e renda (PIB per capita).

    Segundo o Boletim Brasil, do Centro de Estudos Brasileiros Ortega y Gasset, o Brasil

    um dos pases mais desiguais do planeta e no tem melhorado essa condio nos ltimos 20

    anos. Pesquisa realizada com o coeficiente de Gini (comparao) mostrou que, entre 1977 e

    1999, o Pas estabilizou-se em torno de 0,60.

    O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, coloca o Brasil em

    desvantagem perante os pases da Amrica Latina. Isso porque os 20% mais pobres ficam com

    apenas 2,5% da renda, enquanto os 20% mais ricos detm 63,4% da renda.

    No Brasil, os economistas Ricardo Paes de Barros e Rosane Mendona (apud KUNTZ,

    1997, p.1), quando estudaram O Impacto do Crescimento Econmico e de Redues do Grau de

    Desigualdade sobre a Pobreza (estudo solicitado pelo Ipea), afirmaram que o crescimento do

    bolo s servir para reduzir a pobreza muito lentamente se ao mesmo tempo no se combater a

    desigualdade na distribuio das fatias. Se a desigualdade brasileira se equiparasse da

    Venezuela, isso reduziria a porcentagem de pobres tanto quanto se o produto per capita

    crescesse ao ritmo de 7,1% ao ano por uma dcada. Seria preciso, portanto, mais que dobrar o

    bolo para obter o mesmo resultado. Quanto maior a desigualdade, e a do Brasil uma das

  • 5

    36,245,1

    75,581,25

    63,854,9

    24,518,75

    56,0

    67,0

    79,0

    44,0

    33,0

    21,0

    0102030405060708090

    1940 1950 1960 1970 1980 1991 1995 2000

    maiores do mundo, tanto maior a expanso econmica necessria para diminuir a populao

    abaixo da linha da pobreza.

    Concentrando renda e acumulando riquezas, os ricos foram ampliando as suas

    propriedades e expulsando os minifundirios do campo. Foi nos idos de 1964 que o problema

    agravou-se, nesse ano foi concebido o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), que ditava o

    seguinte: jornada de trabalho de oito horas, salrio mnimo, frias acumuladas, repouso semanal

    remunerado etc. Os proprietrios rurais no quiseram (ou no puderam) arcar com os encargos

    sociais decorrentes do ETR, demitiram os seus empregados e passaram a tirar vantagens da nova

    situao: institucionalizaram o trabalhador temporrio (sem direitos e sem perspectivas). Isso fez

    com que muitas pessoas abandonassem o campo e fossem para as cidades em busca de melhores

    condies de vida, pois nessa poca comeava a se tornar realidade o sonho da industrializao

    brasileira. As cidades comearam a inchar. Disso resultou o nascimento da periferia dos grandes

    centros urbanos e o consequente fenmeno da conurbao (ADAS e ADAS, 1998, p.382, 518-

    20).

    A figura abaixo apresenta a evoluo das populaes rural e urbana no Brasil, no perodo

    de 1940 a 1995. Nessa figura notria a disparidade entre as populaes rural e urbana. Vale

    salientar que entre 1960 e 1970 aconteceram as menores variaes entre essas duas populaes.

    Mas de 1940 at 1995, a populao rural s decresceu. Em 1995, ela representava 21 % da

    populao brasileira. Hoje, segundo os nmeros do censo 2000 (IBGE), representa menos de 20 %.

    Para Rattner (1999, p.134), as crises e os conflitos (tnicos, econmicos, religiosos)

    motivam as pessoas a deixarem as suas terras nativas e procurarem melhores condies de

    sobrevivncia. A falta de capacidade do governo em atender as expectativas da sociedade em

    Fig. I.1: BRASIL: Evoluo das Populaes Rural e Urbana - 1940-1995 Fonte: IBGE, Anurio Estatstico do Brasil, 1992, p.207; PNAD 1995, p.6. IBGE, Censo Demogrfico 2000.

    Pop. Urbana %

    Pop. Rural %

  • 6

    termos de incremento de qualidade de vida, faz com que as pessoas se tornem irrequietas,

    ansiosas, frustradas ou revoltadas diante da ausncia de perspectiva reinante. Isso estimula as

    pessoas a migrarem das suas terras e as guiam na direo de novas plagas na inteno de

    sobreviver condignamente. Provavelmente, esses fatores supraditos tenham contribudo para o

    povoamento intenso do Arco do Desflorestamento (Figuras 1.3 e 1.5).

    Esses movimentos causam desequilbrio social nas cidades invadidas e constituem

    agravantes e conseqncias da crise relativa escassez crescente de recursos naturais e

    degradao progressiva do meio ambiente.

    Outro fator que se deve considerar a concentrao da propriedade da terra, um grave

    problema brasileiro, ela em nada contribui para o desenvolvimento social, econmico e poltico

    do Pas. Esse bice, aos poucos, vai fazendo com que as insatisfaes se agigantem e os

    movimentos pr-reforma agrria se intensifiquem, gerando conflitos de consequncias nefastas,

    tanto para o Governo Federal quanto para a populao desamparada. Os conflitos representam a

    resistncia contra a vigncia de um modelo de desenvolvimento agropecurio arcaico e

    excludente.

    De 1978 a 1994, segundo o levantamento do Instituto Nacional de Coloniza e Reforma

    Agrria (Incra) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais e Sem Terra (MST), de 1994

    (RATTNER, 1999, p.397), a Regio Norte foi a que mais assentou famlias (54.217 famlias) e a

    que mais rea doou (3.911.205 ha). O Nordeste vem em segundo lugar 1965.835 famlias

    assentadas em 40.600 ha.

    Essas polticas geraram novos movimentos migratrios pelo pas. O contingente sulino

    passou a buscar a Regio Centro-Oeste e Norte (norte do Mato Grosso, norte de Gois e leste de

    Rondnia, Figuras 1.2 e 1.3) para poder obter o seu quinho terra e poder produzir. As terras

    eram baratas, s vezes, nem dono tinham; portanto, no tinham preo, praticava-se um uti

    possidetis1 interno, e comeou-se a desmatar para plantar e criar pastagens voltadas criao do

    gado. Nada mais lgico, pois era essa a cultura imposta pelos governantes e pelos produtores de

    sucesso existentes, imitava-se o modelo vigente. Aliar a produo s benesses da floresta era

    assunto no questionado. O pretendido era produzir com a cultura e conhecimento existente.

    Desmatar era necessrio e compulsrio. Governos, local e nacional, e populao no se

    permitiam olhar a floresta como recurso econmico que poderia desenvolver, no mdio prazo,

    melhor qualidade de vida e renda para todos. O aspecto econmico imediatista e a ganncia de

    exploradores da regio implantaram parmetros de produo no adequados quelas plagas.

    Resultado: agresso e contnua degradao do meio ambiente.

    1 Uti possidetis - Expresso latina que significa como possuir agora, dizer-se na condio em que a se encontra

    naturalmente, para exprimir a idia que a coisa deve ser mantida na situao em que se encontra. Frmula diplomtica que estabelece o direito de um pas a um Territrio. Direito esse fundado na ocupao efetiva e prolongada, independente de qualquer ttulo.

  • 7

    Fig. I.2: Brasil: Migraes Internas/1960-1970. Fonte: OLIVEIRA, Ariovaldo U. Integrar para no entregar: polticas pblicas e amaznia. 2 ed. Campinas: Papirus, 1991, p.76.

    Aliado a tudo isso, a seca no Nordeste fazia com que milhares de indivduos

    abandonassem as suas razes e fossem tentar a vida noutras localidades. Muitos nordestinos

    saram de suas cidades e rumaram para o Sudeste do pas (Fig. 1.2 e 1.3). L no morreriam de

    sede, nem de fome. Conseguiriam um emprego, sobreviveriam. Com o passar do tempo, a

    proliferao da misria nos grandes centros fez com que essa migrao se voltasse para a Regio

    Norte.

    Fig. I.3: Brasil: Migraes Internas/1970-1990. Fonte: SCHAEFER, Jos Renato. Apud Oliveira, Ariovaldo

    U. Amaznia: monoplio, expropriao e conflitos. Campinas: Papirus, 1991, p.92.

  • 8

    Cabe observar que levas de trabalhadores nordestinos j tinham buscado a Amaznia

    para trabalhar nos seringais e/ou trabalhar em servios diversos na Regio do Meio Norte

    (Maranho). A seca nessa rea era praticamente inexistente, nela predomina uma vegetao de

    transio (incio da floresta equatorial).

    Nos ltimos 40 anos, a ao humana vem se tornando um grande bice ao meio ambiente

    na Amaznia meridional em virtude da exploso demogrfica que vem sofrendo as cidades nela

    contida, Figuras 1.2 e 1.3, sobre as imigraes internas no Brasil, no perodo de 1960 a1990.

    As principais aes do homem no Arco do Desflorestamento (termo que ser explicado

    na seco seguinte) so: desmatamento, queimadas e incndios florestais. No prximo tpico,

    abordar-se- o problema do fogo nessa regio, bem como as aes governamentais para impedir

    o alastramento das queimadas e incndios florestais no Arco do Desflorestamento.

    I.1.3 O problema

    A Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e a Alimentao (FAO) vem

    alertando os governos mundiais para a problemtica dos incndios florestais. Eles vm crescendo

    muito rapidamente, principalmente nos ltimos 40 anos.

    A FAO aponta que a diminuio da cobertura vegetal, nos pases em desenvolvimento,

    est intimamente ligada escassez de terra aproveitvel e ao crescimento demogrfico (FAO,

    1975, p. 26-7). Alega ainda que, nos pases desenvolvidos, os fogos em florestas tm aumentado

    com a dinmica do turismo (nacional e internacional) nas zonas de matas. grande a

    possibilidade de fogo devido prpria natureza das matas. Muitas vezes, a chama inicial de um

    incndio resultante de um descuido qualquer de alguma ao humana; outras vezes pode ter

    motivao intencional (Figura 1.4 e Tabela 1.1).

    Fig. I.4 Percentual de focos de queimada na Amaznia

    Fonte: IPAM/2000

  • 9

    Tabela I.1 Causas de Incndios Florestais na Europa (1978), na Alemanha (RFA mdia de 1972 a 1978) e na Espanha 1979.

    Causas Europa - % Alemanha - % Espanha - %

    Desconhecidas 46 32 41

    Incendirios 28 12 42

    Negligncia 20 39 13

    Raios 1 1 3

    Outras 5 16 1

    Fonte: Goldammer (1982, p. 11)

    Em 1970, na Espanha e sul da Frana, os incndios devastaram em torno de 160 mil

    hectares de mata e mataram 21 pessoas. A Califrnia (EUA) tambm experimentou esse ano

    como um dos piores em termos de incndios florestais. Possuidora de clima mediterrneo, em

    poucas semanas de outono californiano arderam mais de 240 mil hectares, 722 casas foram

    queimadas e perdidas 16 vidas humanas.

    Mesmo com todo o aparato e experincia voltados preveno e ao combate aos

    incndios florestais, a Europa, os EUA e o Canad sofreram incremento de incidncia desses. As

    Tabelas 1.2 a 1.5 e as Figuras 1.5 e 1.6 explicitam alguns dados.

    Tabela I.2 Frequncia de Incndios Florestais em pases europeus

    Pas rea

    Florestal

    Perodo rea Queimada -

    ha

    % em relao

    rea total

    Perdas

    US $1.000

    Frana 16.600 1970-79 46.701 0,34 100.796

    Grcia 8.460 1970-79 19.972 0,24 60

    Itlia 7.993 1970-79 44.000 0,55 16.288

    Espanha 14.092 1970-79 175.631 1,25 350.156

    Polnia 8.551 1970-79 2.054 0,02 1.500

    Fonte: Goldammer (1982, p.7), adaptado pelo autor.

    Tabela I.3 Incndios Florestais nos Eua e Canad

    Pas Ano Nmero de Focos de

    Incndios

    rea Queimada (ha)

    Estados Unidos 1997-1998 24.817 28.455 198.390 241.236

    Canad 1997-1998 1.313 3.148 9.478 580.120

    Fonte: National Interagency Fire Center , Idaho-EUA, apud Ibama/Proarco, 1998.

  • 10

    Portugal41%

    Itlia12%Grcia

    3%

    Espanha40% Frana

    4%

    Espanha39%

    Frana4%

    Portugal37%

    Itlia17%

    Grcia3%

    Tabela I.4: Mdias de reas Queimadas, a cada dez anos, em Pases Europeus (1980-2004)

    Portugal Espanha Frana Itlia Grcia Total

    Mdia (1980-1989) 74.486 244.788 39.157 148.485 52.417 559.331

    Mdia (1990-1999) 102.203 161.323 22.695 108.890 44.108 439.219

    Mdia (2000-2004) 189.532 129.106 32.078 76.764 36.610 464.090

    Mdia (1980-2004) 108.582 188.265 31.156 118.303 45.932 492.238

    TOTAL 2.714.547 4.706.633 778.900 2.957.572 1.148.298 12.305.950 Fonte: European Comission/2005

    Tabela I.5: Mdias Incndios Florestais, a cada dez anos, em Pases Europeus (1980-2004) Portugal Espanha Frana Itlia Grcia Total

    Mdia (1980-1989) 6.778 9.514 4.910 11.571 1.264 34.036

    Mdia (1990-1999) 22.250 18.151 5.537 11.352 1.748 59.039

    Mdia (2000-2004) 26.059 20.779 4.207 7.696 1.891 60.633

    Mdia (1980-2004) 16.823 15.222 5.020 10.709 1.583 49.357

    TOTAL 420.573 380.551 125.503 267.718 39.570 1.233.912

    Fonte: European Comission/2005

    Fig I.5 : Percentual de reas queimadas/pases do sul da Europa/2004. Fonte: Forest Fires in Europe 2004/European Communities 2005.

    Fig. I.6: Percentual de incndios florestais/pases do sul da Europa/2004. Fonte: Forest Fires in Europe 2004/European Communities 2005.

  • 11

    Nos EUA, o aumento de focos de incndios entre 1997 e 1998 foi de aproximadamente

    16% e, no Canad, foi de mais de 6.000%. O maior incndio florestal localizou-se na regio de

    Alberta, onde foram queimadas mais de 50 mil hectares de mata.

    A Indonsia, no Sudeste Asitico, tambm foi vtima de uma forte incidncia de

    incndios florestais em 1997. Kalimatan (Bornu), Sumatra e Irian Java foram as regies mais

    afetadas. Na realidade, mais de 1,7 milho de hectares representam a totalidade da rea

    envolvida nesse tipo de desastre, com aproximadamente 100 mil hectares queimados.

    Os cientistas afirmam que um dos grandes (seno o principal) causadores de incndios

    florestais o fenmeno denominado EL NIO (nome dado pelos pescadores peruanos significa

    o menino em espanhol). Ele caracteriza-se por um aquecimento anormal das guas do Pacfico

    Tropical Centro-Leste (entre 1997 e 1998, as guas do Pacfico equatorial elevaram-se 4 C

    acima do normal) e geraram mudanas, em grande escala, nas condies climticas de vrias

    regies do planeta. As secas da ndia, do Nordeste do Brasil, da Austrlia, da Indonsia e da

    frica provm dele, assim como as enchentes no Peru, Equador, Meio Oeste dos EUA e Sul e

    Sudeste do Brasil. Em outras reas ainda ocorrem elevaes de temperatura superiores s mdias

    histricas e excesso de frio e neve. Todos esses desequilbrios so produzidos pelo El Nio,

    fenmeno que embute elevada quantidade de energia em seus processos (Ibama, 1998, p. 9 -11)

    Efeitos opostos ao El Nio so produzidos pela La Nia, isto , pesquisadores

    estadunidenses e europeus alegam que os ventos alsios aumentam e levam as guas quentes

    superficiais para a sia (causando chuvas) e ocasionando fortes chuvas no Norte e Nordeste do

    Brasil e estiagem no Sul (GRISI, 2000, p. 52).

    Pesquisadores apresentam o El Nio como cclico (porm sem perodo regular), que

    reaparece no intervalo de dois a sete anos, e que data de pelo menos 6 mil anos atrs (SILVA et

    al, 1999, p. 91 e Ibama/Proarco, 1998, p.9).

    No Brasil, vrias regies tm sentido os seus efeitos, mais precisamente desde 1997. Ele

    afetou a regio Sul e Sudeste da seguinte forma: altas temperaturas durante os meses de janeiro;

    e chuvas excessivas no Sul (outubro e novembro). Quanto Amaznia, a partir da segunda

    metade de 1997 comeou a produzir estiagem em diversos locais, gerando efeitos sinrgicos

    diversos (na atmosfera, no clima, na temperatura, na vegetao e na ao humana etc) e

    contribuindo decisivamente para a incidncia de incndios florestais no estado de Roraima, no

    qual os ndices pluviomtricos (de abril a setembro) ficaram abaixo do normal e a seca iniciou-

    se, em julho, antes do habitual - outubro/maro.

    Os habitantes de Roraima fazem queimadas nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro

    para preparar as roas. No incio do ms de maro, com a ausncia das chuvas, as queimadas se

    alastraram dos cerrados para as reas de vegetao de transio, tambm chamada de floresta de

  • 12

    contato. Da em diante, gerou-se o incndio que se tornou o maior do Brasil. Segundo Barbosa

    (1998, passim) e publicaes do Ministrio das Relaes Exteriores (MRE) sobre os Desafios

    Brasileiros na rea Ambiental, o grande incndio de Roraima (1998), na avaliao dos sistemas

    naturais e agroecossistemas alterados pelo fogo em Roraima, queimou aproximadamente 3,2%

    da rea de floresta do estado, em torno de 7.000 km2. O fogo queimou uma faixa de

    aproximadamente 400 km, que se estendeu do norte ao sudeste de Roraima. Os hospitais locais

    relataram aumentos significativos de problemas respiratrios, causados pela fumaa em

    suspenso. Os aeroportos foram fechados para pouso e decolagem durante vrios dias, tambm

    pelo mesmo motivo. Poos e crregos secaram e, quando as chuvas voltaram, foram poludos

    pela enxurrada de sedimentos da terra queimada. O incndio s terminou quando as chuvas

    comearam a cair no final de maro de 1998.

    No combate ao incndio foram envolvidos o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

    Recursos Naturais Renovveis (Ibama), brigadas municipais locais, as Foras Armadas (FFAA),

    a Defesa Civil, diversos Corpos de Bombeiro Militares, a Fora Tarefa, e as Foras Areas da

    Argentina e da Venezuela. Essa atuao evidenciou a total descoordenao relativa s aes

    integradas de combate aos incndios florestais. Segundo o Ibama (Processo de Prorrogao do

    Proarco, setembro de 2001), como resultado dessa operao, o tesouro nacional destinou 28

    milhes de reais em fundos de assistncia para a reconstruo das reas afetadas.

    As florestas virgens da Amaznia funcionam como barreiras midas ao longo da

    paisagem, prevenindo a expanso do fogo iniciado, acidental ou intencionalmente, em pastagens

    e campos agrcolas. Se as florestas perderem essa funo protetora, grandes reas amaznicas

    estaro sujeitas a queimadas peridicas. Isso poder trazer impactos negativos para a

    biodiversidade e resultar na reduo da biomassa estocada na floresta e na quantidade de gua

    liberada pela vegetao para a atmosfera, necessrias para manter os ciclos da gua e de chuvas.

    O incndio florestal causa danos, s vezes, inestimveis. Ele pode danificar as estruturas

    de um povoamento, bem como destrui-lo totalmente. Segundo Goldammer (1982, p. 11) , os

    danos provocados por incndios florestais so:

    - Danos econmicos para a indstria florestal e madeireira;

    - Danificao do stio: por meio da destruio da vegetao e da camada de hmus, que

    podem gerar eroso e depauperao do solo;

    - Diminuio do potencial de regenerao pela queima das rvores matrizes, do sistema

    radicular e da rebrotao;

    - Danificao e enfraquecimento de povoamentos que ficam susceptveis s pragas,

    como insetos e fungos;

    - Prejuzo paisagem, s plantas e aos animais; e

  • 13

    - Danificao de outros ramos econmicos e ameaa aos seres humanos.

    Nepstad et al. (2001, p.2), discorrem sobre a incapacidade do Brasil em lidar com os

    incndios florestais na regio amaznica:

    Os incndios florestais produzem respostas de emergncia, mesmo que sejam uma

    caracterstica crnica da Amaznia rural. No Brasil, avies e tropas dos Corpos de

    Bombeiro Militares so despachados para as florestas ardentes medida que so

    reportados pela mdia. Em 1998, os incndios florestais penetraram sobre as Terras

    Indgenas Yanomami, em Roraima, e o governo respondeu com tropas de Bombeiros

    Militares e helicpteros, com pouco efeito sobre as chamas (Barbosa e Fearnside, 2000).

    Mais tarde no mesmo ano, fogos ameaaram os ndios localizados no alto do rio Xingu, e

    as tropas foram novamente acionadas. Enquanto isso, centenas de outros incndios

    florestais de menor importncia aconteceram pela Amaznia, sem a devida capacidade

    de resposta das foras de emergncia do Brasil.

    Em virtude do exposto, percebeu-se a necessidade de se criar um programa para

    combater, de forma coordenada, incndios florestais de grandes propores na Amaznia Legal.

    Assim, o Decreto n. 2.662, de 8 de julho de 1998, criou uma Fora Tarefa, um Ncleo

    Estratgico e instituiu o Programa de Preveno e Controle de Queimadas e Incndios Florestais

    na Amaznia Legal (Proarco). Cabe salientar que j existia o Prevfogo, antigo Sistema Nacional

    de Preveno e Combate aos Incndios Florestais, hoje intitulado Centro Nacional de preveno

    e Combate aos Incndios Florestais.

    Em 30 de setembro de 1999, o Governo Brasileiro e o Banco Mundial assinaram o

    Acordo de Emprstimo n. 4389BR, no valor total de US$ 20 milhes (US$ 15 milhes do BIRD

    mais US$ 5 milhes de contrapartida), com validade at 31 de dezembro de 2001. Ele objetivava

    implementar o Proarco, fato acontecido somente em fevereiro de 2000, quando da efetividade do

    programa, conforme artigo VI, do Acordo de Emprstimo citado. Na realidade, a greve de

    diversos setores do governo federal a poca fizeram com que o primeiro repasse financeiro s

    acontecesse em junho de 2000, portanto nove meses aps a assinatura do Acordo, reduzindo o

    tempo til de execuo contratual, que passou a ser apenas 13 meses.

    O Proarco tem como objetivo prevenir e combater a ocorrncia de queimadas e incndios

    florestais, em larga escala, na Amaznia Legal (AL), especialmente no Arco do

    Desflorestamento. Ele possui como componentes estruturantes o monitoramento e avaliao de

    riscos de incndios florestais, a preveno e combate aos incndios florestais e o gerenciamento

    do projeto, Abrangendo vrios estados da AL: Acre, Amazonas, Maranho, Mato Grosso, Par,

    Rondnia, Roraima, Amap e Tocantins. O Arco do Desflorestamento compreende o Nordeste do

    Par, o Sudoeste do Maranho, Noroeste do Tocantins, Norte do Mato Grosso, Oeste de Rondnia,

    Sul do Amazonas e o Leste do Acre. Tem aproximadamente 3 mil km de extenso, variando at 600

    km de largura, perfazendo um total de 1,7 milho de km2 (Figura 1.7).

  • 14

    Fig. I.7: Arco do Desflorestamento configurao dentro da Amaznia Legal. Fonte: Ibama/Inpe

    O Proarco foi iniciado em 1998, mas com efetiva operao a partir de 2000, quando

    aconteceu o primeiro repasse financeiro internacional para o Ibama. No que se refere parte do

    Acordo de Emprstimo com o BIRD, ele foi prorrogado duas vezes. Em 2005, o Programa ainda

    funcionou, mas sem montantes internacionais, pois o acordo de emprstimo foi encerrado em

    dezembro de 2004.

    Frente aos desencontros reinantes sobre o tema em questo, o Brasil precisa ainda

    enfrentar:

    - as constantes ameaas de incndios florestais na Amaznia;

    - a interrupo na transmisso de energia eltrica na regio;

    - a intensificao da alterao da cobertura vegetal;

    - a desconfiana dos governos e entidades internacionais quanto competncia de

    atuao dos rgos nacionais com relao ao combate a incndios florestais e

    proteo do meio ambiente na Amaznia;

    - a necessidade de gerar habilidades e competncias (iniciais e continuadas) nos

    profissionais que atuam diretamente no controle de queimadas, monitoramento,

    preveno e percia em incndios florestais, alm do manejo do fogo;

  • 15

    - a fragilidade do envolvimento da sociedade frente s aes de preveno,

    monitoramento e combate aos incndios florestais;

    - a fragilidade de coordenao entre os diversos rgos envolvidos; e

    - os prejuzos decorrentes do fechamento de aeroportos e rodovias em funo dos

    incndios florestais.

    Frente ao exposto e diante das mudanas climticas, que envolvem todo o planeta, a

    ocupao desordenada de reas na regio mais meridional da Amaznia, a baixa eficincia e

    eficcia na preveno, combate e controle do fogo na regio e da ausncia de fato de

    Polticas Pblicas integradas no intuito de facilitar a atuao conjunta e combinada para eliminar

    ou minorar os incndios florestais na Amaznia Legal, aponta-se um problema de pesquisa para

    esse estudo: Quais as relaes entre as dimenses Relacionamento, Poltico-legal e Tcnico-

    administrativas e as Gestes Intra-organizacional e Interinstitucional das aes de preveno e

    combate aos incndios florestais em Roraima?

    I.2 OBJETIVOS

    O objetivo geral deste estudo analisar as relaes entre as dimenses Relacionamento,

    Poltico-legal e Tcnico-administrativas e as gestes intra-organizacional e interinstitucional

    das aes de preveno e combate aos incndios florestais em RR e, a partir dessa anlise,

    propor um modelo de gesto compartilhada dessas aes para o estado de Roraima.

    Quanto aos objetivos operacionais, tm-se:

    - identificar e analisar as Polticas Pblicas direcionadas ao tema;

    - levantar as reais necessidades da existncia do Prevfogo/Proarco e de seus

    desdobramentos;

    - identificar e estudar as dificuldades dos diversos rgos que trabalham com o

    assunto;

    - levantar os bices institucionais e profissionais (Ibama) que dificultam o

    cumprimento da misso organizacional;

    - analisar como os rgos envolvidos desenvolvem os trabalhos junto a outros rgos

    (federais, estaduais e municipais) e s comunidades;

    - identificar as tcnicas e equipamentos, bem como os meios areos, utilizados para a

    preveno e supresso dos incndios florestais;

    - analisar a capacitao dos recursos humanos envolvidos na preveno e combate aos

    incndios florestais; e

  • 16

    I.3 HIPTESES

    A Teoria dos Sistemas e a Teoria da Contingncia impelem pensar as instituies como

    entidades abertas e susceptveis de pronta resposta aos novos elementos (sociais, tecnolgicos,

    ambientais, polticos, institucionais, econmicos, culturais), bem como apresentar rpida

    capacidade de adaptao s mudanas e que todos se envolvam com a misso institucional. No

    caso do Ibama, da Defesa Civil, das FFAA, da Embrapa e dos Bombeiros Militares, por serem

    entidades da Administrao Direta, portanto integrantes do Poder Executivo e envolvidas com o

    combate aos incndios florestais, j no podem mais se limitar s atribuies estritas das normas

    especficas de cada rgo. Elas habitam uma dimenso mais abrangente, pois possuem uma

    cultura informal que lhes d vida, integram-se (ou no) com as comunidades onde se localizam;

    atendem (ou no) a misso para qual foram constitudas; referem-se (ou no) aos apelos, desejos

    e anseios da sociedade; coordenam-se (ou no) entre si para poderem obter resultados (aqueles

    previamente delineados e que se apresentam como fatos geradores de suas existncias) e

    justificar os motivos pelos quais foram criadas e se devem ainda manter-se como instituies

    (organizaes) que promovem aes que impactam positiva e diretamente nas

    pretenses/necessidades da sociedade.

    Fazer o sistema funcionar harmonicamente e empregar meios direcionados ao

    cumprimento do objetivo maior, faz com que esse se desenvolva com eficincia e eficcia, pois

    em tese todos os ingredientes do sistema (inputs, withinputs, throughtputs, outputs, outcomes e

    feedback) devem possuir a mesma essncia de microestruturas e estar voltados para o

    cumprimento da misso maior comum a todos.

    Pelo exposto, as hipteses deste estudo esto assim delineadas: a) a percepo da

    importncia das brigadas municipais e o reduzido suporte (financeiro, educacional, material e

    organizacional) dos rgos pblicos e b) as divergncias internas do Ibama (entre o Prevfogo e o

    Proarco, e destes com outros setores) somadas c) a precria adeso interinstitucional s aes de

    preveno, controle de queimadas e combate aos incndios florestais (PCQIF) afetam

    negativamente o desempenho dessas aes em Roraima.

    I.4 DELIMITAO DO ESTUDO

    Sem a pretenso de esgotar o assunto, longe de abordar com perfeio o tema e sabedor

    que diversos fatores podem influenciar para a gerao de eficincia e eficcia sistmica, foram

    abordadas trs dimenses neste estudo: Relacionamento, Poltico-legal e Tcnico-

    administrativa. A dimenso Relacionamento objetivou entender como as entidades (setores,

  • 17

    diretorias e rgos) se relacionam entre elas e, no caso interinstitucional, com as comunidades

    locais; a dimenso Poltico-legal analisou como a norma legal e as Polticas Pblicas

    relacionadas com o tema impactam na gesto de PCQIF; e a dimenso Tcnico-administrativa

    averiguou como os recursos (humanos, materiais, tecnolgicos, instalao e equipamentos,

    veculos areos e terrestres) so utilizados na preveno e combate aos incndios florestais.

    Essas dimenses foram inseridas nos trs ambientes pesquisados: Brigadas Municipais

    (com os Chefes de Brigadas localizadas no Arco do Fogo de RR), Intra-Organizacional (no

    mbito do Ibama, sede/Braslia e Roraima) e Interinstitucional (entre os organismos envolvidos

    com a gesto do fogo em RR)

    I.5 JUSTIFICATIVA

    O entendimento de que os recursos naturais so finitos, o conhecimento em maior

    profundidade da biodiversidade amaznica e as presses internacionais referentes preservao

    das florestas tropicais tem causado efeito na Amaznia Legal (AL), embora em ritmo lento, mas

    acontecendo.

    Hoje, diversos programas e projetos tm foco na AL. Tem-se o Programa Piloto para a

    Proteo das Florestas Tropicais no Brasil (PPG7), o Sistema de Proteo da Amaznia/Sistema

    de Vigilncia da Amaznia (Sipam/Sivam), o Calha Norte, o Projeto de Auxlio Financeiro aos

    Municpios da Faixa de Fronteiras (PAFMFF), o Zoneamento Ecolgico-Econmico (ZEE) da

    regio. Todos preocupados em ocupar e/ou desenvolver sustentavelmente a Amaznia. O

    Proarco mais um deles.

    Envolvendo quantia vultosa (US$ 20,000.000.00) e atuando em conjunto com vrias

    entidades federais (Ministrio da Integrao Nacional - Defesa Civil; Ministrio da Defesa -

    Aeronutica e Exrcito; Ministrio da Agricultura Empresa Brasileira de Pesquisa

    Agropecuria Embrapa; Ministrio da Justia Polcia Federal), estaduais (rgos estaduais de

    meio ambiente - Oemas, Bombeiros Militares); municipais (prefeituras); e comunitrias (comits

    e brigadas), o programa possuidor de interfaces complexas de funcionamento. Vrias esferas

    do poder pblico inter-relacionam-se e entram em jogo os tradicionais problemas da esfera

    pblica: morosidade nas aes, burocracia (aspecto pejorativo), gastos excessivos, falta de

    coordenao entre os setores, ausncia de avaliao e controle tcnico-financeiro, deficincia de

    pessoal, emprego inadequado de meios e recursos, divergncias polticas entre esferas pblicas e

    divergncias intra-organizacionais e interinstitucionais.

  • 18

    Os governos, de qualquer esfera, no podem (e no devem) gerar despesas sem o devido

    comprometimento com a sociedade, pois eles no so plenipotencirios do poder. O Estado no

    tem finalidade nele prprio. Ele, o governo, e a administrao pblica fazem-se presentes para

    atender s necessidades, os anseios e s pretenses da sociedade. Esta, sim, deve conduzir os

    desgnios de um povo e estar preparada para discutir com conhecimento e profundidade os

    problemas locais, regionais e nacionais. dentro desse diapaso que se busca entender como

    esto funcionando as aes de PCQIF para onde caminham.

    As organizaes podem e devem buscar uma gesto compartilhada2 pelo aprimoramento

    das aes de PCQIF institucionais e comunitrias e o seu comprometimento socioambiental, de

    modo que as diversas partes integrantes no percam substncia com discrepncias poltico-

    institucionais e/ou distores (legais, organizacionais, administrativas, interinstitucionais e

    pessoais) no emprego de meios para o atingimento da misso. No so as instituies que se

    beneficiam, a sociedade que se apropria dos benefcios das atividades pblicas e com elas deve

    cooperar, formal ou informalmente. Atingir eficincia (otimizao dos recursos utilizados para

    obteno de resultados) e eficcia (alcanar os objetivos - institucionais e da sociedade -

    socioeconmicos previamente delineados) o desejvel.

    A importncia deste estudo reside na carncia de trabalhos cientficos direcionados ao

    tema na regio estudada, nas sugestes que podero advir da anlise crtica dos resultados

    encontrados, na contribuio para o alcance de unidade de esforos e coordenao no Ibama,

    assim como na estrutura e funcionamento dos organismos estaduais, e, acessoriamente, para a

    melhoria do sistema.

    I.6 O MTODO

    A cincia tem como objetivo fundamental a proximidade veracidade dos fatos, e para

    que um conhecimento seja considerado cientfico torna-se necessrio determinar o mtodo que

    possibilitou chegar a esse conhecimento. Em ltima anlise, o mtodo cientfico um conjunto

    2 Gesto Compartilhada - so aes sistmicas e continuadas de planejamento, execuo, controle e avaliaes desenvolvidas em empreendimento nico por um conjunto de organizaes parceiras (que direta ou indiretamente se relacionem com a misso do empreendimento) onde todas contribuem com recursos humanos, oramentrios/financeiros ou materiais (no mnimo com dois tipos de recursos), assim como, por intermdio de Comit Gestor, so elencadas as atribuies (organizacionais) e as responsabilidades (dos gerentes/coordenadores) de cada membro do empreendimento. Ela subentende o envolvimento das esferas pblicas, entidades representativas da sociedade civil (associaes, ong, sindicatos etc.) e da iniciativa privada, bem como uma gesto centrada em deliberaes do Comit Gestor, composto por representantes internos do empreendimento e das organizaes parceiras integrantes. O coordenador do Comit Gestor escolhido periodicamente por intermdio de eleio direta. Os eleitores so os profissionais vinculados e registrados no empreendimento. Os integrantes da funo controle/avaliao no devem participar de outras atividades de gesto do empreendimento.

  • 19

    de procedimentos intelectuais e tcnicos adotados para se atingir o conhecimento (GIL, 1991, p.

    29).

    Foram objetos deste estudo as literaturas sobre incndios florestais direcionados

    preveno e ao combate a queimadas e incndios florestais; gesto interdisciplinar na

    administrao pblica; gesto integrada intra e interinstitucional; educao ambiental; e aspectos

    socioeconmicos do meio ambiente. Toda a estrutura do trabalho est calcada nos ditames do

    Desenvolvimento Sustentvel, principalmente naqueles critrios de sustentabilidade afirmados

    por Sachs (2000, p. 85-8): social, cultural, ecolgico, ambiental, territorial, econmico e poltico

    (aspectos nacionais e internacionais). Acrescenta-se ainda a esses critrios a institucionalizao.

    Este estudo ainda fundamentou-se nas documentaes (Diretrizes, Memorandos, Leis,

    Decretos, Portarias e Instrues Normativas e Orientaes especficas) existentes nos rgos

    diretamente envolvidos (Ibama, Defesa Civil, Embrapa, Femact, Incra, Corpo de Bombeiros

    Militares) com o problema.

    O referencial terico baseou-se em livros, teses, dissertaes e monografias sobre o tema

    em questo. Foram pesquisados ainda artigos, trabalhos tcnicos, revistas e jornais que relatavam

    sobre o assunto, assim como a Internet.

    I.6.1 Tipo de pesquisa

    Pela precariedade de literatura especfica, sistematizada e ordenada, voltada questo

    abordada e no intuito de buscar soluo para o problema concreto, foi procedida uma pesquisa

    exploratria no Ibama e na Defesa Civil. Foram realizadas observaes diretas nas instituies

    afins localizadas em Roraima com o intuito de efetuar dilogos informais e entender a percepo

    dos envolvidos com o problema. Essas averiguaes voltaram-se ao entendimento e ao

    funcionamento do sistema: quem eram os responsveis, como trabalhavam, do que dispunham,

    como interagiam, o que prejudicava as aes, quais eram as causas do problema, quando e

    porque agiam.

    O mtodo adotado como base cientfica neste trabalho foi a pesquisa qualitativa e

    caracteriza-se como um estudo de caso. A pesquisa qualitativa trabalha com um universo de

    percepes, significados, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao

    mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos

    operacionalizao de variveis (DESLANDES, 1994, p. 22).

    Segundo essa perspectiva, os fenmenos e as relaes sociais podem ser melhor

    compreendidas no contexto em que ocorrem, e do qual fazem parte, possibilitando uma anlise

    integrada. O estudo de caso permite essa vivncia da realidade a partir da delimitao de um

    objeto de estudo, e busca solues por meio das relaes entre a teoria e a prtica.

  • 20

    Como alega Yin (2005, p.32-33), o estudo de caso uma investigao emprica que

    investiga um fenmeno contemporneo dentro do contexto da vida real, especialmente quando os

    limites entre o fenmeno e o contexto no esto claramente definidos. Ele baseia-se em vrias

    fontes de evidncias, com os dados precisando convergir em formato de tringulo, e, como outro

    resultado, beneficia-se do desenvolvimento prvio de proposies tericas para conduzir a coleta

    e a anlise de dados.

    Este tipo de estudo promove incremento de conhecimento no pesquisador e tem como

    produto final um problema mais esclarecido, passvel de investigao mediante processos mais

    sistematizados.

    A pesquisa iniciou-se em meados de 2003 e prolongou-se at outubro de 2005. As

    entrevistas formais foram realizadas entre maio e setembro de 2005.

    I.6.2 Universo e amostra

    O estudo direcionou-se rea territorial abrangida pelo Arco do Desflorestamento, mais

    especificamente o estado de Roraima, lcus que deu origem criao do Proarco.

    Institucionalmente, foram entrevistados profissionais de doze rgos, trs localizados em

    Braslia (BSB) e nove em Roraima: Ibama/MMA (na sede/BsB e em Roraima), Secretaria de

    Defesa Civil/MI, Fora-Tarefa de Braslia/Batalho Florestal do CBMil do DF, Fundao

    Estadual de Meio Ambiente, Cincia e Tecnologia de Roraima (Femact), Incra/RR, Federao

    dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Estado de Roraima (Fetag), Grupo de Trabalho

    Amaznico (GTA), Secretaria de Agricultura de RR, Defesa Civil/CBMil de Roraima,

    Embrapa/RR, Secretaria do ndio/RR, Seplan/RR, Inpa/RR e Instituto de Pesquisas da Amaznia

    (Inpa). Os representantes dessas instituies, um de cada, foram escutados nas entrevistas

    interinstitucionais, exceto o Ibama, que participou com quatro pessoas, e a Femact, com duas.

    No Ibama sede, foram entrevistados quatro profissionais do Proarco, quatro profisionais

    do Prevfogo, um da Coordenao Geral de Fiscalizao (CGFIS), um do Centro de

    Sensoriamento Remoto (CSR), um da Diviso de Controle e Fiscalizao (Dicof) RR, um da

    Diviso Tcnica (Ditec) RR, um da Gerex/RR e um de cada diretoria operacional da sede (Dipro,

    Diref, Direc, Diget), totalizando 13 servidores. Quatro (um do Prevfogo, um do Proarco, um da

    Dipro e um da Gerex/RR) deles foram ouvidos nas entrevistas interinstitucionais e os demais nas

    intra-organizacionais.

    Relativo aos brigadistas, das doze brigadas existentes em RR, foram escolhidos seis

    Chefes (pessoas experientes no trato com a supresso de IF) de Brigadas localizadas no Arco do

    Fogo de RR: Alto Alegre, Amajar (Vilarejo do Trairo), Mucaja, Cant, Caracara e Iracema.

    A escolha dos entrevistados, no mbito das instituies, deu-se pelo domnio com a

    questo, em termos poltico-estratgico, gerencial e operacional. No momento anterior ao incio

    da pesquisa, a inteno era entrevistar uma gama maior de servidores, mas aos poucos, percebeu-

    se que somente alguns profissionais sabiam informar sobre os fundamentos histricos, legais,

  • 21

    institucionais, estratgicos, gerenciais e s um nmero mais reduzido de pessoas compreendiam

    a contextualizao macro, causas e efeitos das aes de preveno e combate aos IF na

    Amaznia Legal. Assim, foram escolhidos profissionais com experincia no assunto, bem como

    outros que ocupavam cargos que trabalhavam diretamente ou indiretamente a questo da PCQIF.

    I.6.3 Coleta de dados

    Trs roteiros de entrevistas foram elaborados: o primeiro, voltado aos Chefes de Brigadas

    do Arco do Fogo em RR, doravante chamado de roteiro das brigadas, abordou questes sobre a

    criao, procedimentos, relaes e dificuldades de operao; o segundo, direcionado a analisar as

    discrepncias (de relacionamento, de recursos, de percepo e de atuao interna) intra-

    organizacionais do Ibama, no que diz respeito as aes de PCQIF; e o terceiro, endereado

    problemtica (relacionamentos entre os rgos, coordenao e liderana das atividades, processo

    decisrio conjunto/compartilhado, estilos de gesto, impactos da politica interna nas aes

    conjuntas, envolvimento poltico-partidrio) das questes interinstitucionais, que buscou

    entender as relaes e dificuldades entre as instituies envolvidas na preveno e combate ao

    fogo em RR, assim como identificar o tipo de gesto empregado para as aes de PCQIF.

    Os roteiros (APNDICE A) foram estruturados em trs dimenses: Relacionamento,

    Poltico-Legal e Tcnico-Administrativa. O pesquisardor foi, na totalidade das entrevistas, o

    entrevistador.

    A seguir, detalhar-se- os roteiros das Brigadas, o Intra-Organizacional e o

    Interinstitucional.

    a) Para a entrevista com os Chefes de Brigada, o roteiro buscou identificar e

    compreender as trs dimenses supraditas relativas a atuao dos brigadistas junto aos rgos

    pblicos (federal, estadual e municipal).

    Quanto dimenso Relacionamento, buscou-se conhecer com quem e em qual nvel se d

    o relacionamento dos brigadistas com as instituies, bem como identificar os problemas de

    relacionamento existentes. Alm disso, buscou-se saber sobre os eventos dos quais os brigadistas

    participam regulamente e como se configura a relao instituio/brigadistas nos prprios.

    Outros pontos observados foram: a existncia de envolvimento formal ou informal entre

    os brigadistas dos municpios em questo e de atividades desenvolvidas pelos brigadistas com os

    produtores locais.

    A segunda dimenso, Poltico-Legal, destinou-se a entender como as brigadas esto

    juridicamente constitudas e quem, legalmente, as suporta, em termos de recursos materiais,

    financeiros e administrativos. Adicionalmente, intentou-se saber como as esferas pblicas

    influenciaram na estruturao e funcionamento delas.

    Relativo dimenso Tcnico-Administrativa, averiguou-se as brigadas em termos de:

    Constituio, critrios de seleo e capacitao de pessoal, assim como formao de lideranas;

    aquisio e manuteno de materiais e equipamentos; planejamento e avaliao das aes de

  • 22

    PCQIF; existncia de equipamentos de comunicao (computadores, rdios, telefones, etc.);

    conhecimentos acerca da inflamabilidade da vegetao e sobre focos de calor; suporte logstico

    para as aes de PCQIF; participao em atividades oficiais realizadas pelas esferas pblicas;

    dados e informaes referentes ao clima, temperatura, ao vento, vegetao, provenientes das

    instituies federais, estaduais e municipais; remunerao; e parcerias.

    b) A entrevista Intra-organizacional, reuniu treze integrantes do Ibama, dez de Braslia

    (dois do Prevfogo, trs do Proarco, um da CGFis, um do CSR, um da Direc, um da Diref, um da

    Diget) e trs de Roraima (um do Prevfogo, um da Ditec e um da Dicof). O roteiro buscou

    entender e identificar as aes de PCQIF no mbito da instituio e segundo as dimenses

    Relacionamento, Poltico-Legal e Tcnico-Administrativa.

    Referente a dimenso Relacionamento, procurou-se conhecer como a instituio se

    conduz em termos de:

    - satisfao dos servidores com os outros setores e diretorias;

    - participao dos setores e diretorias em empreendimentos conjuntos;

    - relacionamento entre o Prevfogo e o Proarco, assim como destes com outros setores;

    - receptividade das aes do Prevfogo e o Proarco noutros setores;

    - percepo do desempenho do Prevfogo e do Proarco por outros setores.

    Quanto dimenso Poltico-Legal, tencionou-se identificar e entender:

    - a importncia da mis