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DISPUTA DE PROJETOS DA EDUCAÇÃO ENTRE AS
CORRENTES NACIONALISTA, CATÓLICA E ESCOLA NOVA
NOS ANOS 1930: A CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA DE FERNANDO
DE AZEVEDO PARA O PLANO DE EDUCAÇÃO NACIONAL NO
MINISTÉRIO CAPANEMA
Rafael Gonçalves Gumiero1 Aline Vanessa Zambello2
RESUMO: A educação perpassa o debate brasileiro em todos os níveis e épocas, mas, nos anos 1930, em especial, esse debate lançou as bases para a constituição de um conjunto de ideias que pautou reformas e mudanças. Propomos apresentar dois movimentos nessa comunição. O primeiro é apresentar em que medida houve o avanço na interpretação do diagnóstico do atraso e um prognóstico projetado por meio da educação para a modernização do Brasil. Procuramos identificar as propostas de Fernando de Azevedo, representante da Escola Nova, para o papel da educação para o desenvolvimento do Brasil, com destaque as suas obras Novos Caminhos e Novos Fins, de 1927, e A cultura brasileira, de 1943. Em um segundo movimento, a ideia de progresso formulada pelas diferentes escolas ideológicas transcendeu da arena de debates para a engenharia do Estado, encontrando o arranjo institucional adequado para a sua normatização no Ministério da Educação e Saúde, de Gustavo Capanema. Podemos afirmar o projeto de educação transitou da arena de debates para o núcleo institucional do Estado, sendo legitimada como um programa de órgãos estatais destinados a promover a expansão para todos ao ensino gratuito e universal. Dessa forma, pretendemos averiguar quais propostas da “Escola Nova” foram adotadas pelo Ministério Capanema e ressignificadas em diretrizes no Plano Nacional de Educação.
PALAVRAS-CHAVE: Ministério Capanema; Fernando de Azevedo; educação; modernização; déficit cultural;
1. INTRODUÇÃO
A partir dos anos 1930, os componentes ideológicos passaram a ter um
peso fundamental no enredo político, e a educação ocupou o centro dos
debates ideológicos. A arena de embates das ideias vinha sendo consolidada
1 Doutorando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES – Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES – Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
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nas décadas anteriores a de 1940, quando finalmente encontrou a sua forma
acabada, o que repercutiria em todo o clima político e ideológico do Brasil
(SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).
Nessa década, o meio social dos intelectuais foi balizado pelo princípio
de organização e esse tema tomou conta, como estratégia, das ações que
orientaram as mudanças no Brasil. Desse modo, podemos apontar que a
intelligentsia se constituiu nesse momento no Brasil, compreendeu:
um conjunto de atores socais que valorizou o que era o brasileiro, despertou pelo atraso cultural do país, interrogou sobre as estruturas da sociedade, procurou sua identidade social e tentou estabelecer uma ponte entre a modernidade e modernização do país, ou seja, um conjunto de atores que clamou por reformas sociais (MARTINS, 1987, p. 87).
Ao mesmo tempo em que esses intelectuais buscavam uma identidade
balizada pelos conceitos de nação, povo, eles buscaram meios para alcançar o
“moderno”. O diagnóstico do Brasil esteve associado ao tradicional, atrasado.
Em um sentimento misto pela busca da identidade e do moderno, os
intelectuais apresentaram como “redentora” desse diagnóstico a educação,
enquanto processo civilizatório, capaz de providenciar a cultura, que
modificaria o “ethos” dos indivíduos.
Antecedeu o movimento das ideias em torno da educação como
prognóstico para a superação do atraso, a interpretação proferida pelos
literários regionalistas – Euclides da Cunha, Lima Barreto, Machado de Assis,
sobre o enigma do povo brasileiro. Na Primeira República, 1989-1929, o
diagnóstico do Brasil foi resultado de déficits e que poderiam ser
compreendidos enquanto atraso. Logo, houve um inevitável digladiamento
entre os conceitos de atraso versus moderno.
Esse movimento foi primeiramente liderado pelos teóricos de literatura,
e, posteriormente, pelos teóricos que receberam, em grande medida, influência
deles e apresentaram interessantes e divergentes propostas de remediação
dessa situação no Brasil, através da educação.
O diagnóstico do Brasil para a “onda” de teóricos literários estava
associada a formação do povo brasileiro, indagando em um primeiro momento
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quem era o homem brasileiro. Euclides da Cunha (1969) se propôs à dura
tarefa de pensar o conceito de progresso da nação no tocante à influência das
diferentes raças componentes do “tipo social brasileiro”. Como em um país em
que há miscigenação de raças seria possível buscar a evolução social no
Brasil? Em sua obra, “os Sertões” o teórico apresenta pistas dessa difícil
reflexão, e aponta a análise de “tipos sociais” sertanejos em relação aos
litorâneos, partindo do pressuposto de que não existe homem ideal, mas
homem circunstancial.
Portanto, Euclides da Cunha (1969) associa o ethos do homem do litoral
ao mimetismo do padrão econômico, cultura do homem da Europa, concebida
como lócus da modernidade. Enquanto, por outro lado, ao homem do sertão a
sua luta está associada à sobrevivência no meio em que vive, é uma luta
contra a natureza, o seu meio social se formaria a partir desse embate homem
versus meio.
O clímax da ideia de embate em Euclides da Cunha (1969) entre o
homem do sertão e o do litoral se daria na concepção de progresso para o
país. Para o referido teórico, o progresso para a civilização deveria ser
derivado de elementos nacionais, essencialmente da sua diversidade. Nesse
sentido, em sua análise houve uma preocupação aguda com os rumos do país
e as alternativas de projeto nacional para a evolução social do Brasil.
Outros teóricos partiram dessa constatação de atraso no Brasil para
pensar prognósticos para o desenvolvimento desse país. O Brasil permaneceu
durante longo tempo após a proclamação da republica sem um projeto de
âmbito nacional da educação. Contudo, a partir dos anos 1920 foi forjado um
amplo movimento nacional que defendia a educação como meio para instituir o
progresso da nação, e consequentemente, o seu desenvolvimento. Sob essa
perspectiva, o fenômeno do atraso no Brasil seria solucionado por meio da
educação, enquanto ferramenta capaz de instituir não apenas educação
gratuita para o povo, mas inserir o ethos necessário para alcançar a
modernização da sociedade civil, da econômica e da política, e assim por
diante.
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Como salientado anteriormente, a educação passa a ocupar espaço
central no campo de disputas ideológicas, e, logo, foram apresentadas
propostas de projeto nesse arena por representantes das chamadas “Escola
Nova” e a Igreja Católica.
As propostas da Escola Nova foram direcionadas pela defesa da escola
pública, universal e gratuita. Entre as suas linhas mestras, se destacaram a de
que todo o povo brasileiro deveria ter acesso ao ensino gratuito. Dessa forma,
a educação emergiria como “balança de equilíbrio” na geração de
oportunidades, aperfeiçoaria as qualidades de cada um dos indivíduos.
Naturalmente, que essa tarefa de grande envergadura caberia ao Estado e o
projeto da escola nova agregaria novos princípios pedagógicos, o que se
afastava da concepção de doutrina na educação autoritária, repetitiva de
conhecimentos, ensinamentos e apresentava como contraproposta métodos
mais criativos e menos rígidos de aprendizagem (SCHWARTZMAN, BORMEY,
COSTA, 2000).
Alguns atores e teóricos marcaram esse intenso embate de ideias, em
torno de projetos da educação. Entre eles destaco as figuras a seguir:
1) Anísio Teixeira foi diretor de Instrução Pública no Distrito Federal, de
1931 a 1934, mais tarde nomeada para a Secretaria da Educação e
Cultura, permanecendo até 1935 e Secretário da Educação da Bahia;
2) Fernando Azevedo, diretor de Instrução Pública do Distrito Federal
(1926-30) e do estado de São Paulo (1933), foi presidente da
Associação Brasileira de Educação, diretor da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP, entre 1941 e 1942, e autor de uma vasta
produção bibliográfica;
3) Manuel Lourenço Filho, responsável pela reforma na educação no
estado do Ceará na década de 1920, diretor geral do Ensino Público em
São Paulo, nos anos 1930, organizador do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos em 1938;
4) Francisco Campos, responsável pelas reformas educacionais em Minas
Gerais, nos anos 1920, e primeiro ministro da Educação e Saúde de
Vargas (SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).
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A Igreja Católica buscava papel político e apostava na educação como
área estratégica. Diante da proposta lançada pela Escola Nova, de conciliar a
educação com ensino mais prático, em um contexto de emergência do ideário
da industrialização, voltado para o desenvolvimento de habilidades exigidas
para a transformação concreta. Nesse sentido, as propostas da Nova Escola
despontavam em relação às da Igreja Católica, por meio de uma doutrina que
propunha conciliar a racionalização da fé, como um método científico aplicável
a sociologia, filosofia e à religião, consistindo na tarefa de “reespirutalizar a fé”
(SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).
Nesse contexto, se apresentou o projeto político facista de Francisco
Campos. Em sua obra O Estado Nacional elabora uma feroz defesa a criação
do Estado Totalitário para substituir o Estado liberal-democrático. Segundo o
referido teórico, o processo de integração política será realizada no momento
em que houver o deslocamento da área de conflito para fora do contexto social
interno, ou seja, em um processo de internacionalização do conflito. O
problema crucial a ser apresentado era o de manter as massas em permanente
estado de irreflexão, de excitação e de inconsciência (SCHWARTZMAN,
BORMEY, COSTA, 2000).
No projeto político do Estado Novo, a educação desponta como uma das
áreas estratégicas que visava modelar o pensamento da juventude ao novo
ambiente político e para a convivência no Estado totalitário. Nesse paradigma
era indispensável para que o plano fosse bem sucedido a “idolatria” aos
símbolos. Nesse sentido, a participação da Igreja Católica seria importante,
enquanto mobilizadora de símbolos e rituais a partir da religiosidade da
população brasileira. Contudo, a nomeação de Capanema para o Ministério da
Educação arrefeceram essas medidas propostas por Campos.
O projeto educativo das Forças Armadas seria balizado a substituição de
punições físicas e castigos por um treinamento formalizado em disciplinas
como: a educação moral, a educação cívica, religiosa, familiar e educação
nacionalista. O Exército seria responsável pela educação da juventude.
Neste ínterim, nossa proposta é trabalhar como a educação passa a ser
apresentada como prognóstico para a superação do atraso no Brasil. Esse
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movimento das ideias suplantou a interpretação formulada pelos literários e
houve uma geração de intelectuais que se debruçaram em apresentar projetos
de ideias concorrentes, tendo a educação como eixo para o desenvolvimento
do Brasil. Nesse embate de ideias se destacou Fernando de Azevedo, que
apresentou uma visão de Brasil e apresentou a proposta de um plano nacional
de educação, de acordo com as diretrizes da Escola Nova para o
desenvolvimento do Brasil. Desse modo, pretendemos apresentar como a
concepção de superação do atraso é apresentado pela educação e como é
adequada ao ser institucionalizada como política, alcançando o seu ápice com
a formulação do Ministério da Educação, sob a gestão de Capanema.
2. FERNANDO DE AZEVEDO – ENTRE A PRÁTICA E A REFLEXÃO
Fernando de Azevedo pode ser classificado como um teórico que fez
parte da intelligentsia nacional, esteve dividido entre suas funções em
instituições públicas e na produção bibliográfica. A sua trajetória intelectual e
sua atuação institucional é vasta, o que permite Fernando de Azevedo seja
analisado em diferentes recortes. Evidentemente, pela limitação que as normas
impõe a esse trabalho optamos por fazer um recorte em sua longa trajetória,
priorizando o tratamento dado por ele ao papel da educação para o
desenvolvimento do Brasil, com destaque aos livros Novos Caminhos e Novos
Fins, de 1927, e A cultura brasileira, de 1943.
Fernando de Azevedo teve agitada participação na vida pública, isto é,
atuando dentro de instituições do Estado. Nos anos 1920, participou da
institucionalização da Sociologia no ensino superior, juntamente na campanha
em prol da criação da universidade pública. Nessa década, as reformas
educacionais foram empreendidas por Azevedo e Lourenço Filho, o que veio a
contribuir para o delineamento do sistema nacional de ensino no Brasil. Foram
signatários do movimento da Escola Nova e promoveram mudanças na
estrutura legal e administrativa dos Estados do Ceará (1922-23) e do Rio de
Janeiro (1927-30) e se firmaram como representantes da intelligentsia capaz
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de projetar, executar, conduzir e explicar as transformações necessárias para a
organização de instituições educacionais, culturais, científica do país.
Em 1933, foi diretor da Instrução Pública no Estado de SP, mesmo ano
de criação do “Código de educação”, o documento que formalizava a formação
docente no ensino superior e assegurou as condições necessárias para que o
Instituto de Educação3 (IEUSP) fosse a primeira instituição a ser criada no
Brasil. Nos anos 1930, também assumiu importante função como editor da
Companhia Editora Nacional, momento em que a Sociologia4 é estabelecida
como ferramenta científica e houve forte demanda por livros nessa área de
conhecimento no Brasil.
Azevedo se destacou como protagonista nesse processo por fomentar o
surgimento de novas e diferentes demandas por obras especializadas, a partir
do surgimento da Fundação do Instituto de Educação (IEUSP) e da FFCL, e na
direção de do projeto da Biblioteca Pedagógica Brasileira (BPB) da Cia Editora
Nacional. Essa coleção foi estruturada em cinco seções cientificas: 1) Literatura
Infantil; 2) Livros Didáticos; 3) Atualidades Pedagógicas; 4) Iniciação Científica;
5) Brasiliana. Azevedo foi responsável pelas últimas três seções5, dirigida por
ele no período de 1931 a 1946.
Dutra (2006 - Política, Nação e Edição - o Lugar dos Impressos na
Construção da Vida) compreende que a Coleção Brasiliana teve papel
fundamental na formação da intelligentsia no Brasil e na legitimização do
campo que a Sociologia estava estabelecendo no processo de inserção no
campo da cultura no Brasil, nos anos 1930. A autora dirime a seguinte
percepção sobre essa coleção:
3 O IEUSP foi importante para a institucionalização da Sociologia como área de
conhecimento e uma das disciplinas para o curso superior de formação de professores, o que estimulou a produção por livros especializados nessa área de conhecimento. Complementa esse painel, o papel desse instituto na formação do ensino e pesquisa para o surgimento de um número maior de intelectuais brasileiros, preocupados em colaborar para uma sistematização crescente das teorias e das metodologias sociológicas nesse país. 4 A Sociologia assumiu o epicentro de transformações sociais sofridas pelo Brasil a partir
da fundação da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933, e, a criação da USP, em 1934, em conjunto com a estruturação da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, que contou com a colaboração de Azevedo. 5 A partir da formação dessa grandiosa Coleção, podemos apreender que a COLEÇÃO
BRASILIANA foi responsável por reorientar a percepção sobre o significado do Brasil, A atualidades pedagógicas ficou responsável por instituir um novo léxico normativo no campo educacional do Brasil e a Coleção científica caracterizou-se no sentido de apresentação e introdução das ciências ao povo.
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Destacaram-se três implicações dessa organização da Brasiliana: a primeira, a efeito cognitivo da leitura de suas obras para a elaboração de uma interpretação a respeito da identidade nacional marcada pela pluralidade de abordagens teórica metodológica. Segunda, a concepção brasiliana de Estado Nação e, nesse, caminho, o suporte para conformar os diagnósticos e as alternativas para o Brasil, colaborando para a formulação de políticas públicas nos diferentes ramos. E, terceiro, o fato de a Brasiliana ter funcionado simultaneamente como “espaço estruturado” e “estruturante”, ou seja, se materializado nos livros, e desse modo, contribuído para moldar a mentalidade dos leitores orientando suas visões sobre o país.
No período de 1941-43, Azevedo dirigiu um dos núcleos centrais – A
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), onde atuou como catedrático
de Sociologia Educacional e depois de Sociologia II. Nessa instituição de
ensino e pesquisa, Azevedo organizou a vinda de professores estrangeiros
para lecionar na FFCL, na área de pesquisa e ensino das Ciências Sociais.
Azevedo, figura como um dos interpretes do Brasil, que produziu um
diagnóstico calcado na situação cultural e educacional desse país. Ele foi um
dos mentores, articuladores e difusores do projeto de criação de uma
universidade no estado de São Paulo. Nesse sentido, Azevedo é reconhecido
como intelectual, que apostou no projeto de modernização pela educação no
Brasil.
A produção bibliográfica de Azevedo se propôs a um desafio, o de
investigar os caminhos práticos da organização e da mudança social no Brasil
e de proporcionar diretrizes para pensar cientificamente o Brasil, ou seja, ele
produziu a partir de uma refinada seleção, um repertório para a organização
instrumental teórico-metodológica da Sociologia até meados do século XX.
Esse instrumental teórico esteve direcionado para a reflexão a respeito do
legado científico, teórico e prático para o desenvolvimento do país, para uma
abordagem da cultura e da educação.
De acordo com Nascimento (2012) o conjunto de obras produzidas por
Azevedo permite que sejam apresentadas diferentes fases do seu pensamento:
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1) as obras Da Educação Física (1915), Novos Caminhos e Novos Fins (1932),
A cultura brasileira (1943) trabalharam direcionadas para a compreensão do
papel das ciências (Sociologia) no desenvolvimento da Sociologia brasileira; 2)
o conjunto de obras A cidade e o campo na civilização industrial, de 1962,
Princípios de Sociologia,de 1935, Sociologia educacional, de 1940, A cultura
brasileira, de 1943, As ciências no Brasil, de 1955, revisa a sua versão sobre a
institucionalização da Sociologia do país, assim como aponta algumas
definições conceituais que compuseram a sua versão sobre o instrumental
teórico metodológico dessa ciência;3) as obras A cidade e o campo na
civilização industrial (1962), Canaviais e engenhos na vida política do Brasil
(1948) e Um trem corre para o Oeste (1950) reuniu como tema a transição da
oposição entre a modernidade e tradição pela ideia de complementaridade
entre desenvolvimento e mudança social.
Destas diferentes fases do pensamento de Azevedo pretendemos
aprofundar a primeira, que trabalha com a disputa de campo ideológico da
educação entre os defensores da Escola Nova, liderada por Azevedo, e os
católicos. A educação emerge como principal alternativa para o progresso do
Brasil e a identificação desse país como Nação. Portanto, nessa fase do
pensamento de Azevedo é defendida a ideia de proposta de revolução
reformista, isto é, realizada dentro do status quo, da ordem, a educação
dedicada à orientação e a mudança social, com o propósito de garantia da
unidade nacional.
3. EM DEFESA À ESCOLA NOVA
Para Azevedo (1963) apreender as diversidades e as suas conexões em
uma sociedade, sobretudo considerando a alma do povo, a terra, os homens e
as instituições são elementos basilares na formação do Brasil. A busca pela
interpretação da identidade do povo brasileiro para o referido teórico nos anos
1930 estava em processo de transformação devido as mudanças econômicas e
sócio-culturais do país, o que se distanciava da interpretação pautada na
influência do clima, da raça na composição da sociedade brasileira.
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O pensamento de Azevedo aponta a cultura como portadora de uma
importante função na sociedade brasileira e é interpretada como o eixo da
modernização. Nesse aspecto a educação assume papel principal na
circulação e introdução de valores estabelecidos pela cultura. As instituições de
ensino herdaram essa tarefa como meio para o progresso da nação.
Portanto, dentro da longa trajetória da produção bibliográfica de
Fernando de Azevedo optamos por estabelecer um recorte menor, com ênfase
na potencialização que a cultura adquiriu, compreendida como racionalidades,
e ferramenta que pode provocar mudanças no ethos da sociedade brasileira.
Nesse recorte utilizamos as seguintes obras de Fernando de Azevedo: Novos
Caminhos e Novos Fins, de 1927; A Cultura Brasileira, de 1943. Essas obras
nos ajudam a estabelecer um novo parâmetro para pensar o moderno versus o
atraso, apresentando como alternativa para superação do atraso a inserção da
educação na sociedade, que em certa medida propõe que o intelectual deve
assumir a tarefa de difusão da cultura na sociedade. Nas palavras de Azevedo:
Essa função é, por conseguinte, uma função de produção, de circulação e de organização no domínio espiritual: criadora de valores e de bens espirituais, com que instaura um domínio que é uma pátria e um asilo para todos, a inteligência não só os distribui e se esforça por torná-los acessíveis a um maior número possível, como empreende a organização da sociedade, segundo pontos de vista espirituais, “atingindo a sua mais alta expressão quando empreende organizar a vida moral”. A cultura, pois nesse sentido restrito, e em tôdas as suas manifestações, filosóficas e científicas, artísticas e literárias, sendo um esfôrço de criação, de crítica e de aperfeiçoamento, como de realização de ideais e valores espirituais, constitui a função mais nobre e mais fecunda da sociedade, como a expressão mais alta e mais pura da civilização (AZEVEDO, 1963, p. 38).
Portanto, essas obras de Azevedo foram produzidas subjacentes às
transformações que ocorreram no Brasil nos anos 1930 – 1940, focando no
florescimento de instituições educacionais, de ensino geral e especializado,
com o intuito de transmissão da cultura em seus mais diversos aspectos.
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Em 1927, Azevedo foi convidado para empreender a reforma do ensino
no Rio de Janeiro, Distrito Federal do Brasil. Nessa oportunidade ele publicou o
livro “Novos Caminhos e Novos Fins”, que resultou de uma coletânea de
conferências realizadas por ele, na posição de diretor da Instrução Pública do
Distrito Federal-RJ, respondendo em tom de defesa aos intelectuais católicos.
Ele utilizou essa obra para publicar e difundir no meio cultural, político e
educacional brasileiro os ideias da Escola Nova.
No livro, a “Cultura brasileira”, de 1943, Azevedo tratou das questões
ligadas a tradições culturais e reafirmou que a educação era a instituição
responsável por transmitir valores, visões, enfim patrimônio material de uma
geração a outra, assegurando a coesão social. E, em um momento de crise, a
educação se transformou em um instrumento privilegiado para desencadear
novas tradições e superar as antigas. Assim, a vitória das novas tradições
representaria a garantia do restabelecimento do equilíbrio social e da evolução
civilizacional do país. Essa obra foi produto do censo de 1940, encomendado a
Azevedo, e parte do projeto Coleção Científica Brasiliana. Completa esse
enfoque, a ideia de proposta de revolução reformista, isto é, revolução
realizada dentro do status quo, da ordem, dedicada a orientação e a mudança
social, com o propósito de garantia da unidade nacional.
É difícil separar o protagonismo que Azevedo exerceu como
representante dos ideais da “Escola Nova” em instituições de ensino, do teórico
que produziu uma extensão bibliográfica. É possível afirmar que a militância de
Azevedo em defesa da “Escola Nova” se fez presente em todas as instâncias
que ocupou, podendo ser interpretada as duas obras referidas desse teórico
como tom de resposta aos projetos concorrentes de educação, bem como nas
instituições exerceu o papel de policy markers.
Azevedo (1963) registra um importante momento pela renovação das
diretrizes da educação no Brasil, no manifesto dos pioneiros da educação
nova, apresentado ao povo e ao governo e publicado em 1932, no Rio de
Janeiro e São Paulo, as diretrizes de uma política escolar, inspirada em novos
ideais pedagógicos e sociais, com objetivo de alcançar uma civilização urbana
e industrial, de modo que rompesse contra as tradições individualistas da
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política do país, apresentando como ideias norteadoras a solidariedade
nacional, a adaptação das diretrizes escolares as mudanças econômicas e
sociais em processo no país.
A defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e do ensino técnico e profissional, a criação das universidades e de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa e científica, constituíam alguns dos pontos capitais dêsse programa de política educacional, que visava fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar ou estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões, facilitando-lhes o acesso, sem privilégios, ao ensino secundário e superior, e alargar, pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a sua esfera e os seus meios de ação (AZEVEDO, 1963, p. 667).
A formulação e divulgação das diretrizes de uma política da educação
estabeleceu novo marco para reposicionar o papel dela no processo de
desenvolvimento do Brasil. Ademais, permitiu inaugurar uma nova fase de ação
amparada pelo domínio das ideias. Apesar de diferentes posicionamentos de
grupos de educadores frente as diretrizes que a educação deveria tomar,
houve consenso pela renovação da educação e a execução de um plano
escolar para o Brasil (AZEVEDO, 1963).
A campanha para a renovação pedagógica foi intensamente debatida
em conferências e esboços de planos empreendidos pelo acalorado embate
entre os representantes da Escola Nova e os católicos. Em 1932, na V
Conferência Nacional de Educação, sediada em Niterói, foi aprovada um
desenho do plano nacional de educação. No ano seguinte, no simpósio
organizado pelo Departamento do Rio de Janeiro da Associação Brasileira de
Educação, o conselho diretor concluiu o texto final da proposta de um plano
nacional de educação, que conciliou demandas da Escola Nova e da corrente
católica (AZEVEDO, 1963).
A Carta de 1934 instituiu medidas que assegurasse a formulação de um
plano nacional de educação. Entre as suas diretrizes destacamos as demandas
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levadas pela corrente da Escola Nova, que reconheceu a educação como um
direito de todos, instituindo a liberdade do ensino em todos os graus, a
gratuidade e obrigatoriedade do ensino primária ao ulterior. A educação tomou
bases democráticas ao instituir essas diretrizes, ao difundir o ensino de uma
pequena fração da população adolescente, que estava concentrada na
burguesia (AZEVEDO, 1963).
A obra, Novos Caminhos e Novos Fins, de Azevedo foi produzida em
paralelo com a sua atuação no cargo de diretor da Instrução Pública do Distrito
Federal. Nessa instituição Azevedo tomou como ponto de partida a realização
do recenseamento escolar para formular o diagnóstico da situação educacional
do Distrito Federal.
Em sua obra propôs medidas para a reorganização da diretoria do
ensino normal, entre elas se destacaram: a) alteração do ensino normal; b) a
construção de novos prédios, c) organização do ensino primário, que se tornou
obrigatório e gratuito; d) remodelação das escolas, seguindo a vocação
econômica de cada região; e) obrigatoriedade da ginástica pedagógica em
todas as escolas e a construção de praças de jogos; f) a formação de
professores e o desenvolvimento de uma parceria com esses atores
(AZEVEDO, 1935).
No Brasil, no início dos anos 1930, o avanço da industrialização gerou
uma civilização em mudança, inaugurou um novo repertório para o conceito de
desenvolvimento. Segundo Azevedo (1935), a reforma da educação emergiu
como uma solução para a situação de déficits na sociedade brasileira Sendo
assim, a educação nova, assumiu como diretrizes a ideia de igualdade, de
solidariedade social e de cooperação que constituem os fundamentos do
regime democrático subjacente às ideias de pesquisa racional, trabalho criador
e progresso cientifico.
Nesse sentido, pautada nessas diretrizes a educação emergiu
prognóstico para o Brasil, e, mais do que isso, ela se tornou um aparelho
dinâmico para projetar a transformação social.
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Para este fim, a reforma articulou a escola com o meio social, modificou a sua estructura, remodelando-a num regimen de trabalho e de vida em commum, sob a feição de uma comunidade em miniatura, em que seriam utilisadas as diversas formas de actividade social, que desenvolvem o sentimento de responsabilidade, de sociabilidade e de cooperação. A reorganização estructural da escola, a instituição do exercício normal do trabalho em commum e a utilização, na escola, das formas de actividade social (caixas econômicas, bancos, cooperativas escolares etc) são os meios para a escola socializada adaptar-se cada vez mais ao fim social que a reforma attribuiu aos seus esforços (AZEVEDO, 1931, p. 22).
A educação nova surge como um plano de ação balizada pela ideia de
cooperação social, que atrai um fim comum de todas as forças e instituições
sociais, como a escola, a família, os pais e professores. A sua proposta é de
união das diferentes classes em torno dessa diretriz, e o incentivo a interação
do sistema pedagógico com o seu meio social, foi introduzida na sociedade.
Para Azevedo é no nível das ideias morais que é possível fazer a
métrica do grau de civilização de um povo. A noção de cooperação deve ser
introduzida na sociedade, o que contribuíra para a conscientização da
necessidade esforço, o sentimento de responsabilidade e o espírito de
cooperação, rompendo com o individualismo e subjetivismo em um ambiente
espiritual de trabalho e de alegria.
O ideal da reforma proposto pela Escola Nova é a ação, isto é, o espírito
de iniciativa, a consciência da necessidade do esforço para afirmar-se, o gosto,
o hábito, a técnica do trabalho e o respeito a personalidade de outro, afirmando
o sentimento de trabalho em cooperação. Sendo assim, ela está dividida em
três importantes alicerces: 1) escola única; 2) escola do trabalho; 3) escola
comunidade.
O Estado deve providenciar para a população um sistema de educação
conforme as condições sociais e econômicas do meio. O Estado deve viabilizar
um ensino público para toda sociedade, para a formação e desenvolvimento do
espírito de uma democracia social, de modo que a educação se torne
obrigatória e gratuita.
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A sociedade é regida pela sistemática da organização do trabalho,
partindo a ideia de conciliação entre a escola e o trabalho. A escola é a
atividade que é aproveitada como instrumento ou meio de educação. O
pressuposto dessa linha de pensamento associa o trabalho manual a prática de
aprendizado, colaborando para despertar o hábito e a técnica de trabalho.
Logo, a escola que era apenas teórica passou a ser um laboratório, que
estimula orientando e praticando as atividades educativas.
O terceiro princípio fundamental da escola nova é o de comunidade.
Essa doutrina propõe por uma forma de vida e de trabalho em comum,
ensinando a viver em sociedade e a trabalhar em cooperação. O aluno não
deve exercer a sua atividade isoladamente, mas quando possível em grupos,
exercendo a cooperação. Não se trata de preparar o indivíduo para o processo
de aprendizagem, mas à sociedade, incutindo a ideia social, desenvolvendo a
habilidade de colaboração para aperfeiçoar o rendimento do trabalho,
instituindo a organização do trabalho em uma sociedade.
A formação das classes dirigentes e a educação das massas populares
são duas faces de um problema, cuja sua resolução depende a estabilidade da
estrutura social e o próprio equilíbrio político das instituições. Azevedo ressalta
que a ausência da educação popular, a elite formada em centro universitário
constituíram uma sociedade aristocrática. Por outro lado, a educação da
população com ausência da formação de elites capazes de orientá-las e dirigi-
las, mobilizaria forças para a pior das demagogias. Portanto, tornando as elites
acessíveis às camadas populares, pela sua educação progressiva e por outro
lado, expandindo a ação das elites intelectuais, devido a extensão cultural,
estabelece a renovação de dirigentes em um sistema de circulação,
característica das democracias.
Dessa forma, a concepção nova, do papel da escola na sociedade
repercutiu fortemente na conscientização do papel dos educadores como
operadores, com função social, dessa “reforma” na sociedade. O confronto da
escola com outras instituições sociais criou uma nova política de educação,
reorganizando a escola, um regime de vida e de trabalho em sintonia. Essa
nova concepção de organização introduzida na sociedade pela educação
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buscava dar uma eficiência maior a esses setores da sociedade, levando-os a
cooperar com outras instituições sociais. O professor nesse processo foi
considerado como o “agente social”, com alto espírito de cooperação. Portanto,
a nova concepção do lugar da escola na vida e compreensão mais nítida da
sua função social despertou a necessidade de transformar a escola num centro
de influências educativas, capazes de repercutir sua ação em outras
instituições políticas, sociais e religiosas.
4. O MINISTÉRIO CAPANEMA: ENQUADRAMENTO DOS PROJETOS
CONCORRENTES DE EDUCAÇÃO
Gustavo Capanema é um nome importante quando falamos de
educação. Foi ministro durante parte do governo Vargas (de 1934 a 1945) e foi
peça importante de várias mudanças no campo da educação no Brasil.
Como já foi indicado no texto, a década anterior foi palco de uma série
de disputas para assumir o projeto educacional no Brasil, considerado então, a
saída para o problema nacional.
Não é a toa que assim que Capanema assume, ele recebe Alceu
Amoroso Lima, representante intelectual da Igreja Católica, que entrega um
grande documento que continha uma série de medidas a serem adotadas em
diversas áreas. Na questão da educação onde, além de pedir que o ensino
religioso católico seja parte da educação básica, bem como a facilidade da
implantação de Universidades Católicas, também, indica que deve haver
diretrizes nacionais da educação, bem como a elaboração de um plano
nacional.
O Ministro, que já assumiu em meio a uma disputa entre projetos
educacionais, em janeiro de 1936, distribuiu um questionário entre diversos
meios: professores, estudantes, jornalistas, políticos, cientistas, contendo 207
quesitos e que funcionaram de bases para a construção de um Plano nacional
de educação.
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Tanto a Liga de Defesa Nacional quanto a Igreja Católica se
organizaram para produzir um documento ao ministério depois de ter recebido
o questionário. Ambos produzem um documento com o posto de vista das
instituições, o que demonstra uma retomada sobre a questão da disputa sobre
projetos de educação.
O questionário, portanto, aponta não só o debate da época, mas como
os atores estavam se organizando em relação aos recursos disponíveis.
Em resumo, podemos entender que os representantes da corrente da
“Escola Nova” apoiavam a centralização da educação no estado em nome da
democratização do ensino, cultura e igualdade social. A centralização permitiria
que os cargos que eles já ocupavam fizessem a ponte com a realização dos
seus projetos.
Por outro lado, a Igreja Católica defendia a total liberdade de ensino
(inclusive o religioso) e a autonomia das escolas, dado que a possibilidade da
subordinação da educação pelo estado poderia impedir a educação religiosa,
como já havia acontecido nos estado de São Paulo, em 1932, por intermédio
da interventoria de Fernando de Azevedo.
Enquanto isso, os militares colocavam o papel da educação com o
propósito de servir à segurança, ordem e continuação da nação e passam a se
colocar como especialistas em educação nacionalista. Eles defendem a
educação moral e cívica.
A partir das respostas do questionário foi produzido um Plano com 504
artigos e metas para 10 anos de existência. O plano abrangia diversos temas
como diretrizes, finalidades, modalidades, controle e financiamento. Em 17 de
maio de 1937 é assinada a versão final do anteprojeto. No dia seguinte o
anteprojeto foi enviado ao Presidente que encaminhou à Câmara dos
Deputados para a apreciação e aprovação para efeito de lei. Em 23 de agosto
de 1937 implantou-se a “Comissão do Plano Nacional de Educação” que
discutiu amplamente todos os pontos até que, pelo fechamento do congresso
em novembro de 1937, o plano foi impedido de ser posto em prática. (CURY,
2010).
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Alguns pontos do plano são de importante destaque. A definição da
educação adotada pelo plano tinha como objetivo “formar o homem completo,
útil à vida social, pelo preparo e aperfeiçoamento de suas faculdades morais e
intelectuais e atividades físicas, sendo tarefa precípua da família e dos poderes
públicos” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 182).
A educação religiosa ficou garantida em todos os níveis de ensino de
acordo com a religião do aluno e no ensino público deveria ser regulado pelas
autoridades locais, isso garantiria o atendimento aos anseios da Igreja.
Também se grarantiria a educação moral e cívica, regulando-a
minuciosamente, assim, os militares também estavam contemplados.
Por fim, o ministro dava grande importância para a educação superior.
No referido plano, havia 40 páginas e 195 artigos somente dedicados à
educação superior. Além disso, em comunicação com o presidente Getúlio
Vargas em 14/11/1935, quando entrega o projeto de reorganização do
Ministério da Educação, indica:
“No plano que lhe entrego, há um ponto para o qual peço o seu maior interesse. É a universidade. É preciso que a União dê à sua universidade o máximo relevo. É preciso que esta universidade seja realmente uma instituição brilhante e poderosa, que tenha prestígio entre as demais existentes no país, e que este prestígio seja incontrastável. Chegou o momento de se dotar a Universidade Federal dos instrumentos essenciais de que ela carece. (...)” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 330)
Nesse sentido, o Ministério Capanema também ficou conhecido pelo seu
grande projeto universitário. As elites resolveriam o problema civilizador
brasileiro. O termo elite poderia ser compreendido também em formato de
corpo técnico e não somente de escritores e artistas. Só com verdadeiras elites
se resolveria, não somente o problema do ensino primário, mas o da
mobilização de elementos capazes de movimentar, desenvolver, dirigir e
aperfeiçoar todo o mecanismo de nossa civilização (SCHWARTZMAN,
BOMENY e COSTA, 1984: 206).
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O núcleo desse projeto foi a Universidade do Brasil – uma continuação
da Universidade do Rio de Janeiro. A universidade deveria ser centrada na
faculdade de Filosofia e Letras, coisa que não aparecereria tão cedo na
Universidade do Brasil, nesse quesito a USP saiu na dianteira.
O projeto da Universidade do Brasil se desdobra em quatro atividades
principais: o desenvolvimento da própria concepção da universidade; seu
planejamento físico, que deveria se materializar na Cidade Universitária; a
criação de uma faculdade de filosofia, ciência e letras e a construção do
campus universitário. A Universidade do Brasil deveria servir de modelo para o
todas as universidades em âmbito nacional.
O plano foi bem criticado pela mídia e chamado de megalomania, na
qual a educação primária ficaria sucateada em favor do gasto enorme na
educação superior.
“Os anos e esforços dispensados no planejamento da cidade universitária foram em vão, já que o atual campus da Universidade do Rio de Janeiro foi construído em outro local e com outros projetos. A faculdade nacional de filosofia, apesar de ter-se consolidado em alguns de seus cursos e programas, não chegou a capturar a mística e as esperanças que cercara a Universidade do Distrito Federal, nem conseguiu se equiparar ao nível de qualidade de sua congênere e antecessora paulista, criada em 34. A tentativa de dar à nova faculdade um conteúdo ético e filosófico de cunho católico não chegou a ganhar corpo, tendo a própria igreja partido para a criação de sua universidade independente. A faculdade de economia jamais chegou a ser constituir no centro de formação de líderes nacionais a que se destinava incialmente” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 226)
De um modo geral, o ministério teve sucesso em implantar uma série de
reformas administrativas e procedimentos. O maior foi conseguir incutir a
necessidade de que o sistema universitário precisava de suporte legal,
padronização de currículos e padrões que fossem válidos em todo o país. Mas
foi fracassado no projeto universitário em sua execução literal.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa comunicação podemos compreender que três possíveis
movimentos foram detectados em relação ao repertório proposto pela “Escola
Nova” e em específico Fernando de Azevedo. O primeiro foi a superação do
discurso do determinismo geográfico proferido pelos literários regionalistas. A
ideia de educação propõe uma nova concepção de atraso para o Brasil e
introjeta a noção de modernização por intermédio da expansão e
universalização da educação, de modo que transformasse o ethos da
sociedade brasileira.
O segundo movimento apresentado foi o da “disputa de ideias” entre as
correntes de pensamento da educação, a Igreja Católica, a Escola Nova e as
Formas Armadas. Nessa arena, a disputa atravessa a questão simbólica, ou
seja, do debate no campo de interpretação sobre qual projeto de educação
seria o mais adequado para ser introduzida na sociedade brasileira, a disputa é
por espaço político dentro da engenharia institucional do Estado.
Nessa arena, Azevedo se destacou como ator e interprete, conciliando a
sua atuação técnica e a sua produção bibliográfica sobre educação. Para o
referido teórico a educação era o aparelho dinâmico para projetar a
transformação social. A educação seria a portadora de energias sociais para
civilizar um povo.
O terceiro movimento foi a adaptação das ideias que movimentaram os
projetos concorrentes das escolas de pensamento para a esfera institucional do
Ministério da Educação de Capanema. Esse movimento foi gerado através da
conciliação entre as ideias dos diferentes projetos de educação, mas a ideia de
expansão do ensino permaneceu a frente desse grande projeto. O ensino
superior foi projetado com grande audácia com intenções de expansão para o
Brasil, circunscrito no projeto da Universidade do Brasil.
Apesar das divergentes ideias entre as escolas de pensamento sobre
quais diretrizes deveriam ser implementadas no projeto de educação no
Ministério Capanema, algumas inovações podem ser atribuídas a esse
momento. O diagnóstico de déficit cultural na sociedade brasileira é consenso
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entre os projetos de educação. Mais do que isso, a educação emergiu no
repertório da intelligentsia como saída para esse atraso e caminho para a
modernização do Brasil. A inovação principal dentro desse movimento foi
apresentada pela técnica que conduziriam essa ideia motora de modernização,
foi a técnica de planejamento através das instituições estatais. Podemos
afirmar que se nenhum projeto de educação foi o “vencedor” nessa disputa de
ideias para ser o projeto hegemônico de educação dentro do Ministério
Capanema, houve uma conciliação das propostas tendo como norte a
universalização da educação, representado pela Política Nacional de
Educação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins. A nova política da educação no
Brasil (1935).
BORGES, Juliano Luis. Raça e evolução social em “Os Sertões” de Euclides da
Cunha. Revista Espaço Acadêmico, nº 58 – março de 2006.
CUNHA, Euclides Rodrigues Pimenta Da. Os sertões: campanha de Canudos. 5 ed.
Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1969.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Por um Sistema Nacional de Educação. São Paulo:
Editora Modera, 2010.
DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean Yves. Política, Nação e Edição - o Lugar
dos Impressos na Construção da Vida. Editora Annablume, 2006.
MARTINS, L. A gênese de uma intelligentsia: os intelectuais e a política no Brasil -
1920 a 1940. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.2, n.4, p.65-87,
1987.
NASCIMENTO, Alessandra. Fernando de Azevedo: dilemas da institucionalização da
sociologia no Brasil. Editora Unesp/Cultura, 2012.
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria
Ribeiro. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.