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UNIVERSIDADE DE SO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CATALINA NAOMI KANETA
Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte.
So Paulo 2009
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CATALINA NAOMI KANETA
Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana
Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte.
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.
rea de concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Orientadora: Prof. Dr. Walquiria Fonseca Duarte
So Paulo 2009
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na publicao Servio de Biblioteca e Documentao
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo
Kaneta, Catalina Naomi. Avaliao psicolgica: uma aplicao do teste de liderana
situacional (TLS) em psicologia do esporte / Catalina Naomi Kaneta; orientadora Walquiria Fonseca Duarte. -- So Paulo, 2009. 157p.
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Psicologia. rea de Concentrao: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.
1. Avaliao psicolgica 2. Psicologia do esporte 3. Liderana I. Ttulo.
GV706.4
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AGRADECIMENTOS
profa. Dra Walquiria Fonseca Duarte que me ensinou que para militar por uma causa preciso saber quando, onde e principalmente como fazer, pois
perseguir um objetivo tambm as vezes significa no fazer e saber aguardar por mais que isso seja difcil para uma militante.
profa. Dra Ktia Rubio que durante tanto tempo me acompanha e me ensinou o que militar por uma causa.
profa. Dra. Eda Custdio que participou da banca de qualificao e que tem me apoiado neste processo.
Ao prof. Kita que transformou em nmeros a minha militncia, mas como um
bom fsico ao perceber que os tempos de um luta nem sempre seguem um padro
retilneo sumiu na primeira curva do tempo.
A todos os colegas que fazem diferena na minha vida, espero que leiam este
agradecimento e se sintam homenageados.
Por fim, agradeo a minha famlia (mame Keiko, T, minha sobrinha predileta Luna, Paulo e a cunhada Naia) que sempre me apoiou independente das minhas lutas, sonhos, ideais e at quando no tenho nada a fazer e quero rir ou
chorar eu consigo encontrar eles.
Este espao aqui para de alguma forma reforar que este processo foi
durante este perodo importante para a minha vida. Mas para aqueles que esto
sempre no meu corao, fao reverncias todos os dias, espero que saibam e
sintam isso.
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RESUMO
KANETA, C. N. Avaliao Psicolgica: uma aplicao do Teste de Liderana Situacional (TLS) em Psicologia do Esporte. 2009. 170 f. Dissertao (Mestrado em Psicologia) Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo. 2009.
A Psicologia do Esporte uma especialidade da Psicologia. A prtica tem sido produzida junto aos tcnicos, atletas e demais membros da equipe de esporte e tem conquistado uma constante valorizao do conhecimento produzido, mas o reconhecimento pleno ainda est distante de ser alcanado. Os estudos da liderana do tcnico so uma das vertentes das pesquisas atuais por ser uma varivel de grande influncia sobre o desempenho dos atletas e no clima motivacional dos treinamentos e das competies em si. A presente Dissertao teve como objetivo verificar os estilos de liderana e a flexibilidade de estilos em tcnicos esportivos de modalidades coletivas, utilizando-se o Teste de Liderana Situacional (TLS) desenvolvido por Agostinho Minicucci com base na teoria 3D de Reddin. Foram comparados os resultados obtidos entre uma amostra de 23 tcnicos de categorias de base (formao) e uma amostra de 12 tcnicos de equipes adultas (alto nvel). Para as anlises estatsticas, a diferena entre as mdias foi realizada atravs do teste t de Student (grupos independentes), adotando-se um nvel de significncia de 5%. Os resultados mostraram que a maioria dos tcnicos (56% formao e 75% alto nvel) utilizam como estilo de liderana dominante o estilo integrado, que quando o comportamento orientado para a tarefa e o comportamento orientado para as relaes so utilizados em grande quantidade. Observou-se tambm que o estilo de sustentao adotado por ambos os grupos o estilo relacionado, sendo que o estilo separado o estilo menos valorizado, tambm por ambos os grupos. Embora os resultados indiquem uma concordncia dos grupos em relao aos estilos dominante, de sustentao e sobre-rechaado, verificou-se que os tcnicos de alto nvel, em suas respostas, utilizam com maior intensidade o estilo integrado (p
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ABSTRACT
KANETA, C. N. Psychological Assessment: an application of the Situational Leadership Test (SLT) in Sports Psychology. 2009. Dissertation (Masters in Psychology) Psychology Institute, University of So Paulo, So Paulo. 2009.
Sports Psychology is a Psychology specialty that has been developed in conjunction with coaches, athletes and other members of the sports team. The resulting knowledge has been gaining increasing acceptance, but is still far from being fully recognized. Studies in coaching leadership constitute one of the branches of current research, given that this variable has an enormous influence on athletic performance and the motivational climate of training sessions and actual competitions. The objective of this paper is to identify leadership styles and their flexibility in coaches of team sports using the Situational Leadership Test (SLT), developed by Agostinho Minicucci based on Reddins 3-D theory. The results from a sample of 23 coaches of base categories (development) and 12 coaches of adult teams (high level) were compared. In the statistical analysis, the difference between the groups was calculated through Pearson's chi-square test and the quantitative variables were compared through Student's t test (independent groups), with a significance level of 5%. The results show that the dominant leadership style of most coaches (56% in the development category and 75% in the high-level category) is the integrated style, i.e. when both task-oriented and relationship-oriented behaviors are largely used. We also observed that the sustainment style of both groups is the related style, with the separate style being less valued for both groups. Although the results indicate an agreement in the behavior of the groups in relation to dominant, sustainment and most rejected styles, the high-level coaches gave higher grades to the integrated style (p
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a modalidade esportiva em que atuam os tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu..............
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Tabela 2 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para as categorias das equipes j comandadas pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.....
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Tabela 3 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a idade dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.......................................................
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Tabela 4 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o tempo de experincia dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu......................................
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Tabela 5 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a formao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.......................................................
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Tabela 6 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a experincia em estgio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu...............................
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Tabela 7 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para a experincia como atleta dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu...............................
98
Tabela 8 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o gnero das equipes j comandadas pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento das equipes que dirigiu.....
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Tabela 9 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo dominante dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento............................................................................... 104
Tabela 10 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo de sustentao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento........................................................................ 105
Tabela 11 - Frequncias absolutas (f) e percentuais (%) para o estilo sobre-rechaado dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento........................................................................ 106
Tabela 12 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a pontuao total de cada um dos estilos de liderana situacional, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................ 107 Tabela 13 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a flexibilidade de estilos dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade...................................................................................................................... 110
Tabela 14 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o modo de interao dos tcnicos com as outras pessoas, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................ 113
Tabela 15 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o modo de comunicao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm
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so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................
Tabela 16 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a direo de comunicao dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade.....................................................................................................................
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Tabela 17 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a perspectiva de tempo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................
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Tabela 18 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para tipo de trabalho com o qual os tcnicos se identificam, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 19 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o julgamento que os tcnicos fazem dos subordinados, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 20 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o julgamento que os tcnicos fazem dos superiores, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 21 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o comportamento em atividade em grupo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 22 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o ajustamento ao trabalho dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................
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Tabela 23 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a relao com os subordinados dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................
120
Tabela 24 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao aos erros dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................
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Tabela 25 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao aos conflitos dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................
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Tabela 26 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a reao as tenses dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................
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Tabela 27 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para como os tcnicos estabelecem uma forma positiva de controle, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 28 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o manejo do grupo dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade......................................................................................................................................
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Tabela 29 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para o desempenho positivo dos subordinados valorizado pelos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade.......................................................................
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Tabela 30 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para a eficcia do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................
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Tabela 31 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para as qualidades positivas do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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Tabela 32 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para os temores do lder na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade........................................................................................................
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Tabela 33 - Valor mnimo (Mn), valor mximo (Mx), mdia (M) e desvio padro (DP) para os temores do lder em relao ao grupo na opinio dos tcnicos, segundo o nvel de treinamento. Tambm so apresentados os valores do t de Student e do nvel de significncia (p) para 33 graus de liberdade............................................................................
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Comparao da pontuao total mdia de cada estilo entre os tcnicos de equipes de formao e os tcnicos de equipes de Alto Nvel................................................ 108
Figura 2 - Diagrama de disperso e coeficiente de correlao linear de Pearson entre a Flexibilidade 1 e o tempo de experincia profissional dos tcnicos da presente pesquisa...................................................................................................................................... 111
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SUMRIO
1 INTRODUO.................................................................................................. 12 1.1 A PSICOLOGIA DO ESPORTE E PSICOLOGIA: INTERFACES COM AS
REAS DE CONHECIMENTO...................................................................... 27 1.2 APRESENTANDO O ESPORTE: HISTRICO E FORMAO DOS
ATLETAS E TCNICOS NA LINHA DO TEMPO........................................... 37 1.3 O ESPORTE NO BRASIL: PERCURSO INICIAL E A TRAJETRIA DA
FORMAO DO PROFISSIONAL DE EDUCAO FSICA E ESPORTES.................................................................................................... 52
1.4 TCNICOS ESPORTIVOS NO BRASIL: HISTRICO E UM OLHAR SOB O PONTO DE VISTA DA LIDERANA.......................................................... 66
2 OBJETIVOS..................................................................................................... 91
3 MTODO.......................................................................................................... 93 3.1 SUJEITOS..................................................................................................... 93
3.2 INSTRUMENTOS......................................................................................... 99
3.3 COLETA DE DADOS..................................................................................... 102
3.4 TRATAMENTO ESTATSTICO...................................................................... 103
4 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS............................... 104
5 CONCLUSES................................................................................................. 131
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 134 ANEXOS
ANEXO A QUESTIONRIO SOCIODEMOGRFICO...................................... 150 ANEXO B TESTE DE LIDERANA SITUACIONAL (TLS)............................... 152 ANEXO C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO............ 157
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1 INTRODUO
Considerado um dos maiores fenmenos sociais do sculo XX, o esporte
contemporneo tem estimulado diversas reas para o seu estudo, constituindo
assim o que foi denominado de Cincias do Esporte. Esses grupos de profissionais
que atuam nessa rea so compostos por mdicos, fisioterapeutas, fisiologistas,
nutricionistas, biomecnicos e ainda englobam os da Antropologia, da Filosofia, da
Sociologia e da Psicologia do Esporte (RUBIO, 2002). Segundo Rbio (2000) essa configurao das Cincias do Esporte foi
proposta pelos autores como Gill (1986) e Haag (1979, 1994), que entendem ter no esporte contemporneo um campo especfico a ser estudado e com uma
necessidade interdisciplinaridade.
Como esporte contemporneo, compreendemos aquele que praticado e
difundido nos dias de hoje; que tem a sua origem e desenvolvimento no seio da sociedade urbana e industrial (sculo XIX), e que sofreu as adaptaes polticas, econmicas e sociais da era moderna.
Historicamente, a Psicologia do Esporte tem sua origem datada no incio do
sculo XX na Rssia e nos Estados Unidos, a princpio, estudando aspectos
prximos fisiologia relacionados aos reflexos e seus condicionadores (WEINBERG; GOULD, 2001). Com o passar do tempo, os temas como motivao, liderana, organizao de grupo, agressividade, ansiedade, personalidade, pensamentos e
sentimentos dos atletas, aspectos esses relacionados prtica esportiva e atividade
fsica, foram acrescidos ao campo de interesse dos pesquisadores (RBIO, 2002). Gill (1979) definiu a Psicologia do Esporte como o estudo cientfico de
pessoas e de seus comportamentos nos contextos de esporte e de suas aplicaes
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prticas de conhecimento. Desde a dcada de 1970, promoveu uma discusso
apontando os cuidados para o fortalecimento da Psicologia do Esporte como
acontece at os dias de hoje. A Psicologia do Esporte pode tambm ser entendida como uma rea de
investigao dos processos psicolgicos e suas manifestaes nas atividades
esportivas, atlticas e de educao fsica em geral, centralizando-se nas questes
de adaptao do atleta, motivao, desempenho e aspectos psicossociais do
esporte (PROMM NETTO, 1985). William e Straub (1991, p.30) assim a definiram: [...] identificao e
compreenso das teorias e tcnicas psicolgicas que podem ser aplicadas ao
esporte com o objetivo de maximizar o rendimento e o desenvolvimento do atleta. Para a European Federation of Sport Psychology (EFEPSAC) a Psicologia do
Esporte consiste em:
fundamentos psicolgicos, processos e consequncias da regulao psicolgica de atividades relacionadas com o esporte de uma ou vrias pessoas atuando como sujeitos da atividade. O foco pode ser o comportamento ou diferentes dimenses psicolgicas do comportamento humano (isto , as dimenses afetivas, cognitivas, motivacional ou sensrio motoras) (1996, p.221).
De acordo com a American Psychological Association APA (1999), a Psicologia do Esporte o estudo dos fatores comportamentais que influenciam e
so influenciados pela prtica esportiva, exerccio e atividade fsica, e a aplicao
desse conhecimento adquirido. O interesse dos psiclogos do esporte, nesse caso,
est voltado para duas reas: ajudar atletas a fazerem uso de princpios psicolgicos para alcanar um nvel timo de sade mental e otimizarem os seus desempenhos;
e esclarecer como a participao em atividades fsicas e esportivas altera o
desenvolvimento psicolgico, o bem-estar e a sade de atletas e no atletas.
Weinberg e Gould (2001) reiteraram a definio de Gill (1979) afirmando que
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a Psicologia do Esporte o estudo cientfico das pessoas e seus comportamentos
em contextos esportivos e de exerccios e as aplicaes prticas de tal
conhecimento.
Segundo esses autores, os estudos da Psicologia Esportiva tm como
principais objetivos compreender como os fatores psicolgicos afetam o desempenho esportivo e a influncia da participao esportiva no desenvolvimento
psicolgico e o bem-estar de um indivduo:
Psiclogos do esporte e do exerccio procuram entender e ajudar atletas de elite, crianas, indivduos portadores de limitaes fsicas e mentais, idosos e praticantes em geral a alcanarem um desempenho mximo, satisfao pessoal e desenvolvimento por meio da participao em atividades fsicas e esportivas (WEINBERG; GOULD, 2001, p.29).
Apesar de muitos afirmarem que a Psicologia do Esporte no Brasil uma rea
que foi descoberta recentemente para estudos, pesquisa e atuao, sua histria se
iniciou por volta dos anos 1950 com o trabalho do psiclogo Joo Carvalhaes, um
especialista em psicometria que atuou por cerca de 20 anos no So Paulo Futebol
Clube e que integrou a comisso tcnica brasileira da Copa do Mundo de 1958
(RBIO, 2000). O futebol, trazido pelos ingleses em 1894, foi a porta de entrada da Psicologia
do Esporte no Brasil na dcada de 1950. Todavia, no propiciou um avano de
maior significao na poca pelas prprias condies do esporte nesses tempos e
da Psicologia em si, organizada como profisso a partir de 1962, como discute
Rubio (2002). Santos (1982) apresenta o histrico do incio das teorias e tcnicas psicolgicas no Brasil e afirma, que a grande parte desses trabalhos, tinham como
objetivo primordial conhecer a personalidade e no intervir no comportamento dos
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indivduos assim analisados.
O autor prossegue apontando os anos de 1920 a 1960 como o tempo do
apogeu da psicometria e dos estudos estatsticos relacionados com a sensibilidade,
preciso e validade dos instrumentos de avaliao psicolgica, poca em que a
Psicologia passou ento a ser considerada como a cincia da medida.
Esses procedimentos eram ento aplicados ao esporte. A resultante desse
movimento para a Psicologia do Esporte, como discute Rubio (2007), foi a utilizao dos instrumentos psicomtricos ento desenvolvidos e que procuravam medir a
inteligncia, a personalidade e o comportamento na seleo brasileira da poca.
Nas dcadas seguintes de 1960 e 1970 muitos trabalhos foram feitos com
atletas, times e grupos esportivos (RUBIO, 2007). Profissionais como Athayde Ribeiro, Joo Serapio, Paulo Gaudncio, Flvio Gikovate, Mauro Lopes de
Almeida, e outros, realizaram as suas atuaes na rea e assim contriburam para a
interface entre a Psicologia e o Esporte.
Mas foi partir da dcada de 1990 que ocorreu uma grande expanso da
Psicologia do Esporte com o aumento significativo de psiclogos que buscaram
formas de conhecimento para uma atuao focada e especfica na rea, e em
consequncia, surgiram os cursos de formao, as pesquisas e publicaes
cientficas mais constantes (RUBIO, 2000). O Comit Olmpico Brasileiro (COB), nas ltimas participaes brasileiras nos
Jogos Olmpicos (em 2000 e 2004), acenou para a importncia dos aspectos psicolgicos dos atletas. Sem muita clareza a respeito a quem competia realizar
esse tipo de interveno, contratou profissionais para acompanhar as delegaes.
Houve questionamentos por parte da imprensa brasileira acerca das tcnicas
polmicas de trabalho dos profissionais contratados e, principalmente, sobre a
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formao desses que no possuam graduao em Psicologia
(www.folha.uol.com.br). O COB em 2008 (Olimpadas de Pequim) sugeriu para que as confederaes e federaes de cada modalidade esportiva optassem em levar os
profissionais de Psicologia caso julgassem necessrio. Aps esse torneio, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, afirmou ser o
trabalho do psiclogo um dos pontos a ser destacado no prximo ciclo olmpico
(www.estadao.com.br), fortalecendo assim a importncia da atuao dos profissionais de Psicologia e ampliando a visibilidade desse caminho profissional no
esporte.
H ainda muitas discusses em torno de se considerar a Psicologia do
Esporte como uma rea de especializao da Psicologia ou uma subrea das
Cincias do Esporte (RBIO, 2004). Autores como Cratty (1989) e Schilling (1992) entendem que a Psicologia do Esporte como uma rea da Psicologia, incorporando
seus modelos tericos e as linhas de atuao.
Como especializao, a Psicologia do Esporte no Brasil foi legitimada em
2000 pelo Conselho Federal de Psicologia por meio da Resoluo n014/00,
atualizada e substituda em 2007 pela Resoluo n 013/07, que consolidou as
deliberaes relativas ao ttulo profissional de especialista e disps as normas e
procedimentos para seu registro, incluindo o do psiclogo do esporte
(www.pol.org.br). Essa Resoluo especifica que a atuao do psiclogo pode ser tanto
diagnstica, desenvolvendo e aplicando instrumentos para a determinao de perfil
individual e coletivo, avaliando capacidade motora e cognitiva voltada para a prtica
esportiva, como de interveno, onde o profissional trabalharia diretamente na
transformao de padres de comportamento correlacionados com a prtica da
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atividade fsica regular e/ou competitiva. Os profissionais que no sejam psiclogos s poderiam atuar em ensino e em pesquisa.
Dessa forma, as aes dos psiclogos esto voltadas tanto para o esporte de
alto desempenho (ajudando atletas, tcnicos e comisses tcnicas a fazerem uso de princpios psicolgicos para alcanar um nvel timo de sade mental, maximizando
assim o rendimento), quanto para a identificao de princpios e padres de comportamentos de adultos e crianas participantes de atividades fsicas recreativas
(www.pol.org.br). O psiclogo do esporte, alm da atuao com as modalidades competitivas,
elaboraria programas e estudos de atividades esportivas educacionais, de lazer e de
reabilitao, orientando a efetivao do esporte no competitivo de carter profiltico
e recreacional, para conseguir o bem-estar e qualidade de vida dos indivduos
(www.pol.org.br). Inclui-se ainda o entendimento de como os fenmenos psicolgicos podem
afetar o desempenho fsico das pessoas e como a participao nesses contextos
pode influenciar o estado de sade fsico e psicolgico.
Em um aspecto psicossocial, o profissional pode orientar pais ou
responsveis nas questes que se referem escolha da modalidade esportiva dos
seus filhos e a consequente participao em treinos e competies, auxiliando-os
assim no desenvolvimento de uma carreira profissional.
Juntamente aos educadores e tcnicos, o psiclogo do esporte colaboraria
para a compreenso e transformao das relaes destes com os alunos e atletas
no processo de ensino e aprendizagem, e nas relaes inter e intrapessoais que
ocorrem nos ambientes esportivos (www.pol.org.br). Para Rbio (2000), o trabalho do psiclogo no esporte vasto, por no se
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restringir apenas aos aspectos dos esportes competitivos, de alto rendimento e
indivduos com nveis timos de habilidade motora, como j foi apontado. A atuao abrange ainda, na descrio da autora, as questes relacionadas prtica de
atividades fsicas em tempo livre, a iniciao esportiva no competitiva, a
reabilitao de enfermos, o auxlio de pessoas com necessidades especiais e os
projetos sociais. A Psicologia do Esporte tambm considerada por Feij (2000) como a
transposio para o contexto esportivo das teorias e das tcnicas das vrias
especialidades e correntes da Psicologia, seja no que se refere aplicao de avaliaes para a construo de perfis, assim como no uso das tcnicas de
interveno para a maximizao do rendimento esportivo. O carter dessas
intervenes , portanto, associado s questes de alto desempenho, aos
processos educativos inerentes e s questes de bem estar e sade.
Desse modo, vrios segmentos da Psicologia contriburam para a construo
do conhecimento da Psicologia do Esporte. Destacamos a Psicologia Social, a
Clnica, a Escolar e de Aprendizagem, a de Desenvolvimento Humano, a
Organizacional e as teorias de personalidade. Podemos assim definir as reas de
atuao do psiclogo do esporte, a saber, ensino, avaliao psicolgica, pesquisa e
interveno.
O que parece ser comum entre as definies de Psicologia do Esporte
apresentadas a relao direta entre Psicologia e desempenho fsico e esportivo,
como forma de melhoria, potencializao, promoo ou maximizao, independente
da prtica ser competitiva, recreativa ou de reabilitao.
Mas o que seria desempenho, to destacado na prtica esportiva?
a execuo de um trabalho com eficincia e competncia (FERREIRA,
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2004). No caso das atividades fsicas e esportivas, o desempenho se relaciona s competncias corpreas (estruturas fsicas), de aptido (flexibilidade, fora, equilbrio, coordenao e resistncia corporal), e aos aspectos psicolgicos e sociais (BHME, 2003). H, portanto, muitas facetas a serem consideradas.
Segundo Kiss et al. (2004) o desempenho esportivo um fenmeno complexo resultante de vrios processos internos e externos ao indivduo, devendo ser
compreendido como um sistema aberto, cujo resultado do atleta de um embasamento gentico, modulado por diferentes variveis ambientais, motivacionais
e emocionais. O treinamento esportivo uma interferncia ambiental que possui
uma nfase especial nesse processo como veremos a seguir.
Cada pessoa ao nascer traz uma bagagem gentica que ir determinar as
potencialidades fsicas e psicolgicas para a prtica esportiva. O treinamento ser o
conjunto de procedimentos e meios utilizados para conduzir esse indivduo a sua plenitude fsica, tcnica e psicolgica objetivando executar um desempenho esportivo mxima em um perodo determinado (DANTAS, 1995). O treinamento em geral um dos principais recursos utilizados quando se objetiva a melhoria de um determinado desempenho.
Segundo Matveiev (1986), treinamento esportivo um fenmeno pedaggico, caracterizado como um processo especializado da educao fsica orientada,
objetivando alcanar elevados resultados desportivos e altos nveis de desempenho nos atletas.
Martin, Klaus e Lehnertz (1991) apud Bhme (2003) definiram o treinamento esportivo como um processo de aes planejadas e orientadas que visa a melhoria do desempenho, tendo como base um objetivo predeterminado a ser alcanado. Acrescentam ainda a necessidade de uma situao em que possa haver a
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comprovao da evoluo mensurada a partir de uma avaliao.
Para Tubino e DaCosta (2006), focando essencialmente nos aspectos de competio, o treinamento esportivo um conjunto de meios utilizados para o desenvolvimento das qualidades tcnicas, fsicas e psicolgicas de um atleta ou de
uma equipe, tendo como objetivo final coloc-lo em eficincia mxima em determinada prova esportiva. Contudo, para esses autores, existem outras formas
de treinamento esportivo alm dessa vertente competitiva, incluindo a do tipo fsico e
para a busca de lazer e sade.
A preparao psicolgica faz parte do treinamento esportivo e tem como
funo mobilizar a vontade do atleta para que esse suporte as exigncias das
tarefas programadas com o objetivo de atingir o mximo desempenho (DANTAS, 1995).
Alm dos aspectos motivacionais da prtica esportiva, o mesmo autor divide o
trabalho de preparao psicolgica em quatro fases: psicodiagnstico; preparo
psicolgico de treinamento; preparo psicolgico de competio; e psicolgico de
pscompetio. Outras funes ainda esto includas, principalmente, a de um
planejamento de atividades de preparo psicolgico que favorea o desempenho. Barreto (2003) e Dantas (1995) concluem que o trabalho de preparao
psicolgica uma atividade na qual o psiclogo atua com e nos tcnicos
esportivos. A primeira delas visa a implementao de um treinamento psicolgico
dos atletas para a melhoria de rendimento. J o segundo, de interveno junto aos tcnicos para que esses possam estar orientados a respeito de sua atuao
enquanto figura de liderana.
Judadov (1990) apud Martini (2000) definiu o trabalho psicolgico como o desenvolvimento de conjuntos de propriedades e qualidades psquicas dos
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esportistas as quais dependem as realizaes da atividade esportiva de modo
perfeito e confivel nas condies extremas de treinamento e competio.
Para Samulski (2002), os principais objetivos da preparao psicolgica esportiva so os seguintes:
desenvolver capacidades psquicas para um bom rendimento.
criar um bom estado emocional durante os treinos e competies.
promover a qualidade de vida dos tcnicos, atletas e outras pessoas
envolvidas com o esporte.
Parece haver um consenso entre os autores destacados que definiram o
treinamento esportivo no que se refere sua importncia (planejamento, orientao, conduo, pedagogia) para a melhoria do desempenho ou rendimento, mas nem sempre, seus agentes - os treinadores - recebem destaque nas publicaes a
respeito do tema, embora sejam os principais responsveis pelos resultados. Em geral, a produo cientfica sobre treinamento esportivo (BENTO, 1989;
BHME, 1994, 1995, 2002; BHME et al., 2001; BOMPA, 2000; BURWITZ,
MOORE, WILKINSON, 1994; FERNANDES, 2001; FILIN, VOLKOV, 1998;
FRANCHINI, 1999; HEBELLINCK, 1989; MALINA, 1997; MASSA, 1999; MATSUDO,
1996; MORAES, DURAND-BUSH, SALMELA, 1999) tem como foco os atletas (estudos sobre talentos esportivos) e a investigao de suas capacidades e habilidades, principalmente as biolgicas, que podem interferir no desempenho.
Poucos destacam a preparao psicolgica e o trabalho dos tcnicos em si.
Casal (2000) afirma que, devido s relaes estreitas com as cincias biolgicas, as teorias do treinamento esportivo se apiam na crena de que o
rendimento alcanado a partir do trabalho fsico e motor, acarretando na
desvalorizao da importncia do verdadeiro processo pedaggico de ensino e,
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principalmente da educao, que deveriam estar envolvidos.
Possivelmente essa seja uma explicao para o tcnico esportivo no ser destacado nas pesquisas a respeito do treinamento esportivo, uma vez que so
apenas reprodutores dos conhecimentos de fisiologia, bioqumica e biomecnica,
no constituindo ainda em um agente com conhecimento prprio construdo.
Durante 120 anos, a educao fsica sofreu influncias das cincias
biolgicas e, consequentemente, com reflexos sentidos at os dias de hoje. As pesquisas realizadas na rea at a dcada de 1970 seguiram exclusivamente o
modelo das cincias naturais de cunho positivista, valorizando a fisiologia, a
biomecnica e a cineantropometria do treinamento e desempenho esportivos
(CARLAN, 1997). Nas dcadas de 1980 e 1990 h uma anlise mais crtica dessas questes
com base nas produes cientficas na rea, sinalizando para mudanas mais
significativas e na tentativa de uma aproximao com as cincias humanas e sociais
(NEVES; NETO, 2006). Foi nesse contexto que surgiram os principais tericos e pesquisadores da Psicologia e Sociologia do Esporte (ABBOTT, COLLINS, 2004; BLOOM, 1985; CT, 1999; CSIKSZNTMIHALYI, RATUNDE, WALEN, 1997; GOULD, 2001; HOLT, MORLEY, 2004; MORAES, RABELO, SALMELA, 2004;
RUBIO, 2000; WEINBERG, GOULD, 2001) com a preocupao de estudar os fenmenos psquicos dos atletas e os aspectos ambientais que influenciam o
desempenho esportivo, como os tcnicos e treinadores esportivos (JOWETT, COKERILL, 2003; MAGEAU, VALLERAND, 2003; SIMES, 1987; VAZOU, NTOUMANIS, DUDA, 2006).
Um levantamento realizado por Castillo, lvarez e Balaguer (2005), com base em um total de pesquisas publicadas que tm como tema os aspectos psicossociais
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do esporte encontrados na base de dados PsycInfo entre os anos de 1887 e 2001,
indicou um total de 1988 trabalhos apresentados. Contudo, a maioria foi publicada a
partir do ano de 1985, com 1661 trabalhos encontrados at o ano 2001.
Alm de quantificarem os totais desses trabalhos, Castillo, lvarez e Balaguer (2005) classificaram o levantamento encontrado por temas como motivao, gnero, autoconceito, emoes, e coeso grupal. No utilizaram o tcnico esportivo como
uma das categorias, o que sugere uma baixa frequncia de trabalhos especficos
sob esse recorte e durante o perodo escolhido.
Para Dobrnszky (2004), a Psicologia do Esporte tem procurado investigar, com uma maior regularidade a partir da dcada de 2000, o papel do tcnico no
desempenho esportivo de um atleta. No Brasil, esses estudos so raros.
Em um levantamento dos trabalhos publicados entre os anos de 1994 e 2004
nos peridicos The Sport Psychologist (publicao americana) e Revista Paulista de Educao Fsica (publicao brasileira), o prprio autor obteve o total de 8% dos trabalhos no peridico estrangeiro com o tema tcnico esportivo, em contrapartida
a 3% na revista brasileira.
Embora ainda seja em nmero restrito, h o interesse dos pesquisadores em realizarem estudos centrados nos tcnicos, que at ento tinham um carter
essencialmente de agentes (pessoas que exercem uma ao), passando a serem investigados como promotores (determina, favorece o progresso, fomentador) do treinamento esportivo.
Para Gallon (1980), o treinador esportivo representa quatro personagens distintos: professor, representante, treinador e lder. As categorias tm em comum o
papel de formador de grupos de pessoas para o alcance de metas no esporte.
Segundo Daiuto (1981, p.16), os tcnicos das equipes esportivas so
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elementos que, a par da preparao fsica, tcnica e ttica, devem conhecer
profundamente cada um dos atletas para trabalharem com os pontos fortes e fracos
de seus comandados, promoverem bem-estar pessoal, a harmonia do grupo, e, com
todas essas informaes, organizarem os planos de treinamento e as tticas a
serem empregadas.
Dantas (1995) destacou tambm o papel do treinador enquanto um professor que ensina uma determinada modalidade esportiva, utilizando-se para isso os
recursos da preparao tcnica e ttica. O tcnico recorre s suas caractersticas de
liderana para influenciar na formao do carter do jovem competidor. Dobrnszky (2004) destaca esse papel de lder e situa o tcnico como
principal responsvel pelo desenvolvimento de uma equipe ou do indivduo.
Essas consideraes a respeito das funes do tcnico e de sua influncia no
desempenho esportivo apontam para o carter de formao e desenvolvimento do
atleta, nos mbitos fsico, tcnico, ttico, psicolgico e social.
Para Ldorf (2002) grande parte dos estudos encontrados sobre treinamento esportivo, em geral, ainda esto sob influncia das matrizes positivistas que tendem
a utilizar como metodologia as abordagens emprico-analticas que buscam teorias
para predio e controle.
Segundo Casal (2002), sendo o treinamento esportivo um processo pedaggico, uma das preocupaes do treinador deveria tambm ser com a
dialtica instruo e educao. Por dialtica entende-se o modo de compreender a
realidade como essencialmente contraditria e em permanente transformao
(SINGER, 2003). As pesquisas a respeito do tcnico poderiam ento contemplar os referenciais
tericos que propiciassem discusses filosficas e dialticas sobre a influncia do
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modelo esportivo construdo durante os tempos na prtica esportiva em uma
sociedade com os seus valores sociais vigentes. Castellani Filho (1994) discute essa questo.
inegvel que o fenmeno esportivo complexo (FELTZ, 1989; GILL, 1989; MORGAN; 1989) e com mltiplas variveis, indicando que para a sua compreenso seja necessria a aproximao da Psicologia do Esporte com outras subdisciplinas das Cincias do Esporte no sentido de compor teorias, construtos, metodologias e
instrumentos de investigao que caminhem em uma mesma direo (RBIO, 2004).
A Psicologia do Esporte com nfase nas avaliaes de perfis individuais dos
esportistas teve o seu incio na psicometria na dcada de 1950, sendo esse o
suporte terico e tcnico para os primeiros trabalhos. Com isso as pesquisas
realizadas, particularmente, podem partir dessa premissa uma vez que o
nascimento da Psicologia cientfica tambm se deu num clima intelectual banhado
pelo positivismo Comtiano (JAPAIASSU, 2001, p. 27). No entanto, a metodologia de pesquisa pode e deve ser ampliada, contemplando-se as abordagens
fenomenolgicas e dialticas fazendo interfaces com outras reas da psicologia e
estendendo para os estudos do campo esportivo sob o enfoque interdisciplinar.
O alinhamento bsico para a sustentao de uma tarefa em Psicologia do
Esporte envolve uma harmonizao das habilidades tticas e tcnicas, habilidades
emocionais e habilidades fsicas que ocorrem dentro de um campo psicossocial. As
variveis como motivao, ansiedade e outras j destacadas devem estar integradas com as de liderana dos tcnicos, coeso do grupo e rotinas pr-competitivas, apoio
dos pais, influncias das torcidas, por exemplo. A construo do conhecimento do
psiclogo esportivo est alm das Cincias do Esporte e ainda est se delineando
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com o tempo.
A proposta desta Dissertao de Mestrado foi ento realizar uma pesquisa
que focalizasse os tcnicos esportivos de equipes coletivas sob embasamento
terico da Psicologia do Esporte com especializao da Psicologia e no como uma
subrea das Cincias do Esporte como tem sido encontrada nas pesquisas
realizadas at ento.
Como um educador, promotor de estratgias tcnicas de desempenho e
motivacionais, o tcnico um dos elementos do par educativo que procuraremos
investigar sob o ponto de vista da liderana e, assim, contribuir com os seus
resultados para a ampliao das pesquisas na rea da Psicologia do Esporte.
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1.1 A PSICOLOGIA DO ESPORTE E PSICOLOGIA: INTERFACES COM AS
REAS DE CONHECIMENTO
No captulo anterior foi mencionado como vrios segmentos da Psicologia
contriburam para a construo do conhecimento da Psicologia do Esporte. Como
subrea das Cincias do Esporte, ela tem um carter interdisciplinar, embora ainda
no represente uma prtica desse porte propriamente dita, como aponta Rubio
(2002). A Psicologia do Esporte busca uma compreenso das necessidades que
esto implcitas nas atividades esportivas e sua relao com os processos de
regulao psicolgica e diferentes dimenses da afetividade, cognio, motivao,
conduta motora, tenacidade dirigida para metas, liderana, dinmicas de grupo,
relaes grupais, criatividade, identidade, prtica da cidadania, sade psicolgica e
bem estar (TOLEDO, 2000). A rea de atuao inclui os diversos contextos tericos de aprendizagem e
desenvolvimento de atletas, alunos e praticantes de atividade fsica, os grupos
esportivos em si, enfim, variveis que se interseccionam diretamente com a
Psicologia Geral, do Desenvolvimento e Escolar, da Personalidade, Clnica e Social.
inegvel como tambm j foi destacado, que ainda no h a valorizao plena da Psicologia do Esporte no cenrio do esporte no Brasil, quando comparada
aos estudos de estratgias direcionadas aos fatores tcnicos, tticos e da fisiologia
do corpo dos atletas.
No obstante, foi observado como os avanos j consolidam um caminho diferenciado para o profissional da Psicologia, o que torna importante o
delineamento de alguns eixos tericos e de tcnicas que especifiquem o trabalho do
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psiclogo do esporte e que caracterizam a sua identidade profissional em uma rea
de conhecimento da Psicologia que envolve o fenmeno esportivo propriamente dito.
Segundo Lesyk (1998) o Centro Olmpico Americano em 1983 indicou trs reas de atuao para os profissionais de Psicologia do Esporte:
Clnica: cuja funo atuar com atletas, equipes esportivas, clubes e selees. A formao desse profissional deve ser especialista em
Psicologia Esportiva.
Pesquisa: cujo objetivo o de estudar ou desenvolver um determinado conhecimento em/na Psicologia do Esporte. Esse profissional no
necessita de uma formao especfica (especialista ou ps-graduao).
Educao: que ministra a disciplina de Psicologia do Esporte na rea
acadmica e que pode no possuir especificidade em sua formao que
restrinja a sua atuao (exceto aquelas diretrizes de formao educacional que determinam a atuao acadmica em geral).
Weinberg e Gould (2001) caracterizaram dois tipos de especialidades da Psicologia do Esporte:
Psicologia Esportiva Clnica: psiclogos que possuem extensivos
treinamentos em Psicologia para detectar e tratar indivduos com
transtornos emocionais no esporte.
Psicologia Esportiva Educacional: profissionais cujo conhecimento se restringe ao desenvolvimento das habilidades psicolgicas dos indivduos
nas prticas esportivas sem, no entanto, lidarem com os transtornos
emocionais.
Gill (1986) procurou sistematizar as reas de especializao do psiclogo do esporte classificando-as em aprendizagem e controle motor, desenvolvimento motor
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e Psicologia do Esporte.
Rbio (2004) associou e caracterizou essas reas com o que seriam as de linhas de estudo da Psicologia:
Aprendizagem e controle motor: aproximando-se dos estudos referentes
cognio e percepo.
Psicologia experimental, da aprendizagem e comportamento.
Desenvolvimento de padres motores, que se aproxima da Psicologia do
Desenvolvimento Humano.
Psicologia do Esporte: englobando estudos dos aspectos scio-culturais
que modelam e podem influenciar o desempenho esportivo, associando-os
aos do desenvolvimento, aspecto cognitivo e da personalidade com
influncias sociais.
Com isso a Psicologia do Esporte no Brasil reconhecida como uma
especialidade da Psicologia pelo Conselho Federal, oficializada por meio da
Resoluo n 013/07, dentro de um conjunto de onze especialidades: Escolar/Educao, Clinica, Organizacional e do Trabalho, Trnsito, Jurdica,
Hospitalar, Psicopedagogia, Psicomotricidade, Neuropsicologia, Social e do Esporte
(www.pol.org.br). Para Barreto (2003) vrios campos da Psicologia Aplicada servem como base
cientfica da Psicologia do Esporte. O autor aponta a Psicologia Experimental, do
Desenvolvimento, da Personalidade, Educacional e Clinica como reas que auxiliam
nessa construo do saber. As interfaces ocorrem, portanto, com as vrias reas de
conhecimentos da Psicologia e que permitem uma especificidade do trabalho do
psiclogo do esporte, ao mesmo tempo em que confere uma diversidade de
conhecimentos para a rea.
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Iniciamos com a interface com a Psicologia do Desenvolvimento Humano,
rea que estuda o desenvolvimento do indivduo em sua totalidade, levando-se em
conta os aspectos: fsico e motor (crescimento orgnico e maturao); intelectual (aprendizagem, pensamento e raciocnio); afetivo emocional (como o indivduo adquire e interage com as experincias afetivas); e o social (o indivduo em relao com as outras pessoas), desde o nascimento at a idade adulta, quando atinge o completo grau de maturidade e estabilidade (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1997).
A Psicologia do Desenvolvimento Humano um dos pontos de partida
importantes para a compreenso dos fenmenos psicolgicos no esporte.
Considerando a Psicologia do Esporte uma cincia aplicada para a melhoria do
desempenho esportivo (FREITAS, 2005), vrios fatores, em permanente interao, que afetam o desenvolvimento humano, como as cargas genticas que estabelecem
o potencial do indivduo, o crescimento fsico e os aspectos proprioceptivos, a
maturao neurofisiolgica que proporciona a aquisio de informaes, o meio
ambiente e a oferta de estmulos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1997) so fundamentais.
O conhecimento desse quadro amplo, mas relevante para a compreenso do
indivduo, torna indispensvel para a Psicologia do Esporte, como j destacavam Serenini e Samulski (1997).
Outra interface da Psicologia do Esporte a ser destacada com a Psicologia
da Aprendizagem. Existem muitas teorias de aprendizagem e o conjunto destas compe as cincias do comportamento humano, cujo foco da ateno dirigido para como as pessoas aprendem e a determinao das condies que so necessrias
para esse objetivo (EYSENCK; KEANE, 1994). O educador tem um papel primordial nesse processo ao desenvolver o
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conhecimento, as habilidades e atitudes que permeiam cada uma das teorias dessa
rea da Psicologia. O aluno, o professor e a situao de aprendizagem so os
elementos centrais do aprendizado escolar. So equivalentes ao atleta ou no atleta,
o tcnico e a situao de aprendizagem esportiva.
As vrias teorias de aprendizagem tm como ponto de partida que o aprendiz
um elemento ativo que busca o conhecimento dentro de um contexto significativo.
Para haver a aprendizagem, a inteligncia, as habilidades e a construo do
conhecimento so elementos importantes, mas tem que incluir a identificao
pessoal e a relao por meio da interao entre as pessoas, para que o aprendizado
se torne mais significativo.
Nessa perspectiva, o interesse e a motivao so fundamentais para o
aprendizado para que se obtenha um bom resultado (ROGERS, 1971). Vygotsky (1986), em sua teoria scio-cultural da aprendizagem, props que o
desenvolvimento no precede a socializao. As estruturas sociais e as relaes
sociais levam ao desenvolvimento das funes mentais. Nessa teoria, h um
destaque para como o conhecimento surge primeiramente no grupo para depois ser
interiorizado Quando os signos culturais so internalizados pelo sujeito quando esses adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada
(VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1991). O indivduo deve estar inserido em um grupo social, aprendendo o que o grupo produz.
A experincia cognitiva caracterizada por um processo de integrao no
qual os conceitos novos se integram com os j existentes, incorporando o novo material e, ao mesmo tempo, modificando-se (AUSBEL et al., 1990).
Reconhece-se, dessa maneira, que as pessoas, em especial as crianas,
aprendem por meio de aes partilhadas mediadas pela linguagem e pela instruo,
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fazendo com que a interao entre adultos e crianas, e entre as crianas, seja fundamental na aprendizagem. A Psicologia da Aprendizagem, aplicada educao
e ao ensino, busca valorizar a interao entre professor e alunos e o
desenvolvimento conseqente de um saber e da cultura que assim vo se
acumulando (POZO, 1998). Nessa interseco entre esporte, educao e aprendizagem esto localizados
os estudos sobre interao de tcnicos e atletas, aquisio de valores como normas,
condutas e regras, o fair-play, auto-estima e o planejamento do treinamento esportivo de longo prazo.
Erikson (1976) aponta o perodo entre 13 a 18 anos do desenvolvimento como o estgio de aquisio versus confuso de identidade, quando o indivduo
adquire sua identidade psicossocial: o adolescente necessita entender o seu papel
no mundo, ao mesmo tempo em que obtm a conscincia de sua singularidade. Tal
confuso apontada pelo autor como algo importante, pois a partir dela, recapitula-
se e redefinem-se os elementos da identidade j adquiridos (BEE, 1997). A aquisio dessa uma nova identidade permite que os indivduos se identifiquem com
grupos diferentes do ncleo familiar.
Considerando que o grupo esportivo pode representar esse grupo de
identificao distinto do ncleo familiar, o tcnico que coordena a prtica esportiva,
assim como os professores das escolas, parecem ento representar um papel
importante no desenvolvimento da criana e dos adolescentes em formao
esportiva.
Essa seria uma interface da Psicologia Esportiva com a Psicologia
Escolar/Educacional que trata dos mtodos pedaggicos do ensino de uma
determinada habilidade motora (BARRETO, 2003). De um modo mais amplo, a
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interseco pode se ampliar com a rea da Psicologia da Aprendizagem como j destacado, que alm dos mtodos de ensino estuda as formas como o aprendizado
ocorre (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA; 1997). Prosseguindo nos fundamentos da Psicologia da Aprendizagem que fazem
interface com a Psicologia do Esporte, destacaremos o enfoque da abordagem
behaviorista e dos estudos comportamentais.
Pereira (2003) discute essa interseco que tem permeado o trabalho e as pesquisas de muitos profissionais em Psicologia do Esporte a partir da dcada de
1980, como tambm assinalam Robins, Gosling e Craik (1999), apontando a dominncia do paradigma do behaviorismo em muitos desses campos de interesse.
H um olhar diferenciado dos comportamentos decorrentes das funes
cognitivas e emocionais visando a melhoria do comportamento esportivo, por meio
de estudos de variveis como ansiedade e estresse.
Dessa forma, as tcnicas e estratgias em anlise experimental do
comportamento esto sendo cada vez mais aplicadas para o desenvolvimento das
competncias que envolvem a parte tcnica, ttica, fsica e psicolgica, que no seu
conjunto influenciam o desempenho esportivo. . Cillo (2000), ao discutir as caractersticas do treinamento sob esse enfoque,
destaca a importncia dos tcnicos serem conscientizados para o uso de
procedimentos especficos de modificao do comportamento cuja efetividade tem sido demonstrada em inmeras outras reas da Psicologia.
Acrescenta ainda, que o automonitoramento e a avaliao dos prprios
comportamentos do tcnico durante e depois das aplicaes das tcnicas de anlise
comportamental, o conduz a uma atuao mais eficaz e estabelece ainda uma
relao positiva entre a utilizao desses procedimentos e comportamentos
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esportivos de bons resultados individuais e de grupo.
A Psicologia Clnica outra rea da Psicologia que tem trazido as suas
contribuies para a Psicologia do Esporte. Aqui so includos os estudos nos
campos da ansiedade, estresse, biofeedback e o que se relaciona com os campos
da sade psquica na prtica esportiva competitiva e no competitiva.
Consultando o Diretrio dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPQ
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) encontramos a linha de pesquisa denominada Psicologia Clnica do Esporte. Partindo do princpio
de que o procedimento em Psicologia Clnica uma maneira de escutar e olhar o
fenmeno humano, os pesquisadores desse grupo (Observatrio de Psicologia do Esporte) desenvolvem estudos que objetivam a organizao de procedimentos de interveno no esporte com os recursos da rea (http://dgp.cnpq.br).
Retomando a formao dos grupos e a incluso dos indivduos nessa unidade
social, um dos objetivos da Psicologia do Esporte a compreenso dos comportamentos que se manifestam dentro de determinados grupos e os tipos de
aprendizagem importantes ocorridos por meio dos grupos esportivos (MOSQUERA, 1984). Assim se estabelece a interface da Psicologia do Esporte com a Psicologia Social.
Em geral, a compreenso do desenvolvimento de uma pessoa tem como
base a identificao das mudanas de padres advindos da idade, ou levando-se
em conta as experincias individuais, influenciadas pelas variaes ambientais.
Existe, no entanto, a necessidade de entendimento dos modelos sociais pelas quais
as experincias foram passadas, para que se possa compreender o indivduo atleta
com o qual se est trabalhando e a sua influncia no grupo esportivo no qual est
inserido. A relao da Psicologia do Esporte com a Psicologia Social auxilia a uma
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melhor compreenso desse processo de formao, da coeso dos grupos esportivos
e da identidade psicossocial.
De acordo com Martins (2003) os autores, em geral, definem grupo como sendo uma unidade que se forma quando h uma interao entre os indivduos que
compartilham algumas normas e objetivos. Paiva (2005) cita os autores Tajfel (1972, 1981) e Turner (1985, 1987) que definiram a compreenso da identidade psicossocial como a noo que o indivduo adquire de pertencer a um grupo a partir
de categorizaes que provoca a distino inter grupos, isto , identificao com as
caractersticas existentes em um grupo e no existentes em outro.
Ainda em relao ao estudo de grupos, Albuquerque et al. (2005) citam Myers (2000) que discute as ocorrncias de uma identificao grupal:
identificao cultural do sujeito com o grupo.
o sujeito pessoalmente tem uma forte identificao com o grupo.
uma situao de conflito ameaa a identidade de um grupo de status
incerto e provoca identificao e coeso grupal.
Um grupo de atletas tem a sua identidade a ser considerada no trabalho de
treinamento da equipe e que consequente das percepes sociais de seus
integrantes, da comunicao por eles estabelecida e dos papis sociais
estabelecidos. So todos conceitos inerentes Psicologia Social e que o psiclogo
do esporte tem que incluir em seu trabalho, alm do estudo das emoes, das
crenas e dos estilos comportamentais que se formam ao longo do desenvolvimento
dos atletas e suas relaes sociais.
A prtica do esporte facilita os relacionamentos interpessoais, aspecto esse
de grande importncia para a evoluo do atleta, em especial, nos esportes
coletivos (EPIFHANIO, 2005). Primordialmente, o esporte envolve interao social
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com o tcnico e atletas, e sofre influncia dos pais, familiares, torcedores,
telespectadores e da mdia, com as variveis torcidas, violncia, agresso e
cooperao. Todos esses temas tm na Psicologia Social o campo mais amplo e
favorvel para os estudos dos comportamentos e da experincia social. Mostram-se,
portanto, como fundamentais para a ampliao de conhecimento na Psicologia do
Esporte, como discute Sousa Filho (2000). A Psicologia Social do Esporte e Estudos Socioculturais do Movimento
Humano outra linha de pesquisa do CNPQ. Os estudos e pesquisas desse grupo
(grupo de Estudos Olmpicos) partem da perspectiva social para a compreenso do fenmeno esportivo contemporneo. Ampliam as questes que envolvem
essencialmente as habilidades dos esportistas e os situam em um contexto social
(http://dgp.cnpq.br). As relaes destacadas neste captulo no esgotam a questo. Apenas do
um destaque para a sua complexidade e a importncia de que a atuao em
Psicologia do Esporte h vrios referenciais que os profissionais tm buscado.
Seja o fenmeno esportivo visto a partir de seus elementos internos de desenvolvimento psicolgico e externo, inerentes formao nos grupos, o
conhecimento a ser construdo vasto e que ainda carece de maiores estudos.
Kremer e Scully (1994) j apontavam como o conhecimento do esporte dentro da Psicologia significativo para a rea, reforando a preocupao constante com a
formao e reconhecimento crescente do futuro profissional.
A proposta deste captulo foi de indicar algumas das inseres tericas que
delimitaram e delimitam o campo de atuao em Psicologia do Esporte, ao mesmo
tempo em que ampliam o conhecimento da Psicologia do Esporte.
Ratificando. Este captulo no esgota a questo e nem foi essa a inteno.
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Objetivou destacar a importncia das interfaces da Psicologia do Esporte com uma ampla gama de reas de conhecimento da Psicologia para a compreenso do
fenmeno esportivo, como destaca Rbio (2004). Os recortes feitos procuram apresentar como alguns pesquisadores utilizaram e discutem o conhecimento da
Psicologia para a produo de um conhecimento em Psicologia do Esporte.
1.2 APRESENTANDO O ESPORTE: HISTRICO E FORMAO DOS ATLETAS E TCNICOS NA LINHA DO TEMPO
Iniciamos com a apresentao da origem do esporte com o recuo nos tempos
pr-histricos, quando o homem utilizava manifestaes corporais para rituais de
reverncia, proteo e comemorao dos fenmenos da natureza, encantadores e
aterrorizantes, dependendo das circunstncias.
Nesse sentido, as competies que avaliavam fora, rapidez, velocidade e
habilidade consistiam em prticas esportivas com objetivos ritualsticos: o salto em altura correspondia ao crescimento das espigas de milho, o jogo de futebol servia para espantar os maus espritos, enquanto que os rituais de velocidade valorizavam
a plenitude da vida juvenil (RBIO, 2001). Machado (2006) aponta que existem indcios de que o Egito foi o bero das
primeiras manifestaes atlticas, mas que a Grcia, com os seus jogos atlticos, pode ser considerada a principal referncia sobre a origem das prticas esportivas.
Os gregos foram os primeiros povos europeus a atingir alto grau de civilizao
e so considerados os pioneiros na sistematizao da prtica do esporte. Nenhuma
outra cultura exerceu tanta influncia sobre o mundo ocidental como a grega.
A Grcia localizada em meio ao mar Mediterrneo ficava em uma posio
privilegiada entre as rotas comerciais e martimas. Constantemente em guerras pelo
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domnio territorial, era necessrio ter homens capazes de defender suas cidades e,
ao mesmo tempo, que conduzissem a agricultura, j que a topografia de sua regio no permitia o uso de animais, a fora humana predominava (MACHADO, 2006).
Fortaleceu-se a imagem do homem guerreiro com profundo respeito s foras
da natureza e dos deuses que as controlavam, os quais o povo grego era
dependente em sua vida diria (MACHADO, 2006). No incio e por um longo perodo da histria, os Jogos eram manifestaes
espordicas associados a rituais fnebres. Posteriormente, com um carter religioso
incorporado a eles com o objetivo de homenagear divindades em troca de proteo, passaram a ter uma periodicidade definida, fazendo com que os eventos
adquirissem cada vez mais prestgios (MACHADO, 2006). Em rituais religiosos o homem buscava transcender a condio de humano na
tentativa de se aproximar dos deuses. Uma maneira encontrada foi por meio das
demonstraes de destrezas fsicas em jogos atlticos. Essas manifestaes serviam para enaltecer a juventude que tinha a posse
de um corpo capaz de resistir a todas as formas de disputa, seja na pista de corridas ou na fora fsica. A perfeio para essa sociedade representava a aproximao
com Deus, sendo que um corpo esteticamente belo era to importante quanto uma
mente brilhante na busca da divindade (MACHADO, 2006). Para os gregos, as participaes nas guerras e nos Jogos determinavam a
notoriedade das pessoas pelo vigor fsico, feitos e inteligncia (RBIO, 2001). Assim foi atribuda a condio de heri ao mortal que realizava essa tarefa digna dos
deuses, associando em suas conquistas a fora, a coragem e a astcia. Pelos
desempenhos atlticos vitoriosos, os indivduos eram comparados aos heris
mticos (RBIO, 2001).
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O mito do heri, segundo Henderson (1990), o mais comum e conhecido em todo mundo. Pode ser encontrado na mitologia clssica da Grcia e Roma, nos
contos da Idade Mdia, nas fbulas do extremo oriente e entre as tribos primitivas
contemporneas.
a histria do heri de nascimento humilde, que apresenta uma fora extrema de modo precoce. Este batalha triunfante contra as foras do mal e passa
pelo declnio devido a uma traio ou sacrifcio herico, acarretando em muitos
casos em morte.
O grupo dos heris, seres humanos que mais se assemelham aos deuses, foi
revelado em tempos de guerras e das grandes dificuldades na Grcia (MACHADO, 2006). Posteriormente, esses heris foram vinculados aos eventos atlticos que eram realizados para aproximar o ser humano da divindade. A associao entre
heri e atleta permaneceu historicamente sustentando o imaginrio de todas as
pessoas (RBIO, 2001). Os jogos atlticos eram celebrados em Delfos, Corinto e Nemia, mas foi em
Olmpia, um santurio sagrado localizado s margens do rio Alfeu, que se realizaram
as maiores manifestaes sociais, polticas e esportivas da antiguidade (MACHADO, 2006).
Por volta de 776 antes de Cristo (a.C.) foi organizado o primeiro Jogos Olmpicos com periodiocidade quadrienal, passando-se a fazer os registros
ininterruptos dos vencedores das disputas competitivas. O prmio era uma palma ou
coroa de oliveira (rvore smbolo da Grcia, que representava proteo), alm de outras recompensas de sua cidade, para a qual a vitria representava uma grande
glria (RBIO, 2001). De volta terra natal, os vitoriosos eram acolhidos de modo festivo, podendo
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inclusive terem iseno de impostos, penso vitalcia e alimentao gratuita pelo
resto de suas vidas. A homenagem podia consistir at na construo de uma esttua
pelo feito conquistado e poemas escritos por Pndaro, poeta lrico que produziu
diversas obras, destacando-se hinos em louvor s vitrias de atletas gregos (RBIO, 2001).
Devido importncia social dos Jogos, os participantes eram motivo de
orgulho para suas famlias. Recebiam um cuidado extremo com o corpo fsico e
freqentavam, com privilgio, os ginsios estatais, lugares que proporcionavam as
condies necessrias de treinamento e repouso (MACHADO, 2006). A prtica de atividades fsicas nas escolas tambm era um meio de
desenvolvimento corporal de suma importncia. Alm de defender suas cidades nas
guerras, os jovens gregos tinham que representar suas regies nos jogos que disputavam. A educao completa do cidado envolvia aulas de msica, tica,
poesia e a prtica de atividades corporais (MACHADO, 2006). Para Jaeger (2003) apud Machado (2006) essa educao tinha incio desde o
nascimento com os pais e a ama, que ensinavam valores de justia (justo e injusto) e esttica (belo e o feio), e continuava nas escolas, com a aprendizagem de ordem, leitura, escrita, manejo da lira, poemas e msica.
Mais tarde eram introduzidos os estudos dos poemas lricos e ritmos, Seguia-
se ento a educao realizada pelos Paidotribas (educadores) que ensinavam nas escolas a ginstica para o fortalecimento do corpo e preparo para as guerras e
jogos. A educao grega, de certa forma, preparava os jovens com base nos ideais
originados dos Jogos, isto , na busca de um homem equilibrado e perfeito dentro
dos princpios da virtude (aret) e na busca da excelncia que era a aproximao
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com os deuses, assim transcendendo sua condio de ser humano (RUBIO; CARVALHO, 2005).
Com a popularizao dos Jogos atlticos, a educao passou a ser baseada
nos princpios da kalocagathia, que segundo Machado (2006), um desdobramento dos princpios da aret, mas com uma maior nfase ao corpo.
Na prtica da atividade fsica estava a base para tornar o corpo belo e, em
consequncia, educar o esprito (JAEGER, 2003, apud MACHADO, 2006). Os jovens eram educados em suas cidades e buscava-se um nvel de
formao atltica ideal e competitiva. Realizam treinamentos pelo menos dez meses
ao ano e por um ms permaneciam nas Elis, local onde eram treinados pelo
Helandicas (rbitros das competies), que aprovavam ou no as participaes nos eventos a serem realizados (DURANTEZ, 1979; MUNGUIA, 1992 apud MACHADO, 2006).
No perodo ureo dos Jogos Olmpicos por volta do sculo VI a.C. o objetivo da educao no era selecionar um heri e sim formar uma cidade inteira de heris
e de soldados dispostos da lutarem pela ptria (MACHADO, 2006, p.93). A decadncia dos Jogos Olmpicos da Era Antiga comeou por volta do
sculo IV a.C. atribuda ao declnio dos valores simblicos e religiosos a eles
inerentes.
A importncia extrema concedida s prticas atlticas, em detrimento aos
outros valores humanos, e o desejo exclusivo pela vitria a qualquer custo buscando honras e premiaes materiais feriam os conceitos de formao e perfeio humana
em sua totalidade (MUNGUIA, 1992 apud MACHADO, 2006). Os Paidotribos educadores responsveis pela ginstica nas escolas e
considerados treinadores estatais foram substitudos pelos treinadores particulares
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que tornavam os atletas cada vez mais especialistas em provas especficas
(MACHADO, 2006). Quando os romanos invadiram e dominaram a Grcia, por volta do sculo II
a.C., o esprito original dos Jogos de integrao entre corpo e alma, em reverncia
ao divino, foi aos poucos sendo deixado de lado. As disputas, antes cordiais,
passaram a serem encaradas como combates.
O pblico preferia a exibio de violncia, em especial a luta corporal. Os
jogos e competies tinham carter marcadamente militar. A principal diferena entre a atitude grega e a romana era que os gregos organizavam seus jogos para os atletas e os romanos para o pblico. Os Jogos foram perdendo seu sentido original
de carter religioso, para se tornar apenas uma diverso e entretenimento
(BARROW; BROWN, 1988 apud MACHADO, 2006). Em 393 depois de Cristo (d.C.) o imperador romano Teodsio I extinguiu os
Jogos em nome do cristianismo, por consider-los festas pags. Para Capinussu
(2007) a completa distoro dos valores dos Jogos fez com que Teodsio I, seguidor da doutrina neo-platonista, proibisse a realizao dessas festividades, pois
condenava o culto ao corpo.
A partir desse perodo e durante toda a Idade Mdia, principalmente com a
ascenso do cristianismo, o culto ao corpo era um verdadeiro pecado e, em
consequncia, o esporte foi pouco praticado (MACHADO, 2006). A atividade fsica passou a ser utilizada somente em preparao militar das
pessoas que participariam das Cruzadas e as guerras santas organizadas pela
igreja durante os sculos XI, XII e XIII d.C. (CAPINUSSU, 2005). Alm dos exerccios fsicos requisitados pelos militares, durante a Idade
Mdia so encontrados registros de uma prtica fsica por meio da esgrima, arco e
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flecha, equitao e corrida, restritas apenas para a nobreza. Tambm eram
promovidos os Torneios e Justas, jogos que tinham como objetivo enaltecerem a bravura, a lealdade e o esprito cavalheiresco (CAPINUSSU, 2005), mas que no possibilitaram um maior desenvolvimento do esporte (MACHADO, 2006).
O perodo da Idade Mdia se encerrou por volta do sculo XV d.C., dando
incio Idade Moderna a partir do Renascimento (ou Renascena), um perodo histrico caracterizado por uma ampla gama de transformaes culturais, sociais,
econmicas, polticas e religiosas ocorrida na transio do feudalismo para o
capitalismo.
Durante a Renascena, o referencial humanista (antropocentrismo) fez explodir novamente a cultura fsica do ser humano proibido pelo cristianismo durante
a Idade Mdia. A beleza do corpo, antes pecaminosa, era novamente explorada,
surgindo grandes artistas como Da Vinci e Michelangelo (OLIVEIRA, 1983). Foi nesse perodo que surgiram os primeiros destaques nos estudos da
anatomia humana e, em consequncia, o crescente interesse no desenvolvimento
do indivduo em sua totalidade incluindo os ensaios sobre os movimentos.
Considerado um dos referenciais da anatomia moderna, o mdico Andr
Vesalius publicou em 1543 o atlas da anatomia humana, Human Corporis Fabrica.
Os artistas como Da Vinci e Michelangelo realizavam estudos do corpo humano para
usar em suas obras, em busca da simetria de um corpo belo e perfeito (ASSIS, 2007). O pensamento cartesiano contribuiu para uma nova abordagem do corpo; Descartes considerou o homem constitudo de duas partes, pensamento (natureza espiritual) e corpo (natureza material) que influenciou vrios pensadores da era moderna (NARCIZO, 2006).
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O Renascimento e Idade Moderna foram marcados por transformaes na
concepo do corpo. O novo olhar do homem para o mundo dessacralizado, o
componente religioso substitudo pela natureza fsica e biolgica do corpo, agora
objeto da cincia (NARCIZO, 2006). Para Oliveira (1983), o Humanismo renascido e inspirado nas obras da
Antiguidade voltou a valorizar novamente o belo corpo e a Educao Fsica tornou-
se o foco dos intelectuais na tentativa de reintegrar o fsico e o esttico nos objetivos educacionais.
Para os pedagogos renascentistas, segundo Bononino (1931) apud Arantes et al. (2001, p.78), todos os exerccios e as atividades que desenvolvessem as faculdades fsicas e as energias morais do homem eram considerados meios
educativos destinados as crianas e aos jovens. Essas atividades se tornavam mais complexas medida que as crianas cresciam, o que representava uma
preocupao em destaque com o desenvolvimento biolgico (orgnico) dos indivduos (ARANTES et al., 2001).
Na metade do sculo XVIII ocorreu um movimento intelectual filosfico
nomeado de Iluminismo, que enfatizava a razo e a cincia como formas de explicar
o universo. Rousseau, apud Arantes et al. (2001), um dos principais filsofos do Iluminismo, props a Educao Fsica como algo necessrio na educao infantil. A
educao deveria formar o homem. A prtica dos exerccios fsicos, a alimentao e
o ambiente saudvel foram considerados elementos essenciais para a sade e o
desenvolvimento corporal.
Para Rosseau, assim como para Pestalozzi (sucessor das obras de Rosseau), prosseguem os autores, acreditava que o desenvolvimento essencialmente orgnico e, portanto, que existia uma determinao biolgica e
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gradativa no desenvolvimento infantil (NICOLAU, 1989). Essas caractersiticas consideradas inatas deveriam ter um ambiente propcio
para se desenvolverem em sua plenitude e o professor (educador) era apontado como o principal responsvel pelo processo em manter o corpo forte para uma
mente saudvel (NICOLAU, 1989). Com o idealismo de um estado democrtico que poderia garantir uma
igualdade social, Rosseau (1979/2004) defendia o direito da educao para todos. Incluia a Educao Fsica que proporcionava o bom funcionamento da mente:
Para aprender a pensar preciso, portanto, exercitarmos os nossos membros, nossos sentidos, nossos rgos, que so instrumentos de nossa inteligncia; para tirar todo o proveito possvel desses instrumentos preciso que o corpo que os fornece seja forte e so (ROUSSEAU, 1979/2004, p.121).
O Iluminismo foi sobretudo intenso na Frana, onde influenciou a Revoluo
Francesa com o lema liberdade, igualdade e fraternidade. No Antigo Regime (antes da revoluo), a sociedade era dividida em clero, nobreza, burguesia e os trabalhadores da cidade e do campo.
Com o fim dessa estrutura, por consequncia da revoluo, os burgueses
tiveram liberdade comercial para ampliarem significativamente seus negcios, uma
vez que eliminado o absolutismo real, foram tirados no s os privilgios do clero e
nobreza, como tambm permitiram aos burguesas as prticas mercantilistas que
antes eram proibidas para a classe (GRESPAN, 2003). Essa nova estrutura social promoveu o progresso comercial e urbano,
fortalecendo uma organizao poltica, econmica e social nomeada de Capitalismo.
A estrutura capitalista surgiu antes mesmo das revolues promovidas pela
burguesia. Suas caractersticas aparecem no final da Idade Mdia com a decadncia
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do feudalismo e o centro da vida social e econmica transferidos dos feudos para as
cidades. Ao mesmo tempo, o Mercantilismo em busca de ouro, prata, especiarias e
matria prima que no eram encontradas na Europa, enriqueciam essas metrpoles.
Muitos autores classificam essa fase como pr-capitalismo ou capitalismo comercial.
A segunda fase capitalista caracterizada pela Revoluo Industrial, iniciada
na Inglaterra, que se constituiu em uma srie de mudanas tecnolgicas nos
processos produtivos que interferiam nas estruturas scio-econmicas da poca.
O esporte contemporneo apresentado, praticado e difundido nos dias de
hoje tem a sua origem no seio da sociedade urbana e industrial do sculo XIX, evoluindo e estruturando-se de acordo com o desenvolvimento do capitalismo
mundial. Com isso, assumiu algumas formas e contedos que refletem
essencialmente a ideologia burguesa (PRONI, 2002). De acordo com Tubino (1992, 1999), o primeiro registro da concepo de
esporte moderno datada em 1828, Inglaterra, por Thomas Arnold, diretor do
Colgio Rugby. Ele utilizou os jogos fsicos praticados pela aristocracia e pela burguesia, transformando-os em mtodos educativos de fair play (atitude cavalheresca), de respeito s regras, adversrios e arbitragens.
A idia de Arnold se estendeu para alm dos muros escolares e por toda a
Europa. Com a popularizao mundial dessa prtica esportiva, surgiram os clubes,
associaes e federaes com o objetivo de coordenarem e regulamentarem a prtica e a competio (BHME, 2003).
O esporte amador praticado nas escolas particulares inglesas, tornou-se no
final do sculo XIX proletarizado e profissionalizado (HOBSBAWN,1984). Assim como no Grcia Antiga na qual as atividades corporais eram
associadas educao, o esporte moderno tambm possuiu esse vnculo inicial. No
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entanto, conforme atendia s necessidades sociais da poca, as atividades foram
cada vez mais direcionadas para suprirem as demandas de defesa do Estado e ao
aumento da produo capitalista (RBIO, 2001). O esporte moderno passou a ser metfora dos jogos capitalistas, voltados
para a formao fsica e moral daqueles que iriam explorar e colonizar o mundo.
Esses futuros lderes, por meio dos jogos, aprendiam noes de liderana, lealdade, cooperao, autodisciplina, iniciativa e tenacidade (RBIO, 2001).
Brohm (1982) apud Proni (2002) considera que o esporte moderno foi organizado em torno da ideologia do capitalismo industrial, possuindo nfase no
mximo rendimento, na especializao do trabalho e no movimento corporal
robotizado. Servia ainda de aparelho ideolgico do Estado, que por meio dos
espetculos, distraiam as massas com o intuito de desviar a ateno dos adultos da
prtica poltica consciente.
Nessa ideologia do capitalismo industrial de produo de um produto, o
treinamento esportivo adquire um carter importante j que representa o principal meio de formao dos atletas competitivos.
Para Dantas (1995) a evoluo do treinamento esportivo est relacionada histria dos Jogos Olmpicos dividindo-se em sete perodos:
da arte (I Olimpada da antiga Grcia/778 a.C. at a I Olimpada da era Moderna/1886).
da improvisao (de 1886 at 1920 na Anturpia).
do empirismo (de 1920 at 1952 em Helsinque).
do perodo pr cientfico (de 1952 at 1964 em Tquio).
do cientfico (de 1964 at 1980 em Moscou).
do tecnolgico (de 1980 at 1992 em Barcelona).
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o perodo de marketing esportivo, at os dias atuais.
Os Jogos Olmpicos foram proibidos por Teodsio em 393 d.C. Mas no final
do sculo XIX, o francs Pierre de Frdy, conhecido como Baro de Coubertin,
iniciou um movimento para a restaurao do evento extinto pelo Imprio Romano,
retomando o iderio humanista de que o esporte poderia estimular as relaes
humanas, valorizar a competio leal e sadia, o culto ao corpo e a atividade fsica.
Em 1896, como resultado desse trabalho, foram realizados os I Jogos
Olmpicos da Era Moderna (RUBIO, 2001; BHME, 2003). Assim, como os Jogos Olmpicos realizados na Grcia Antiga, esse evento idealizado por Coubertin ocorreu
de quatro em quatro anos e em toda a histria (de 1892 a 2008) s foi cancelado trs vezes devido s guerras mundiais.
Embora as idias defendidas por Coubertin fossem norteadas pelo ideal dos
Jogos da Grcia antiga, Rubio (2001, p.133) considera que os Jogos da era moderna seguiram as tendncias internacionais ditadas pelos interesses que
despertavam no momento, ou seja, em um cenrio capitalista, o amadorismo que foi um dos fundamentos do movimento olmpico da era moderna, aos poucos foi
esquecido e substitudo pela profissionalizao dos atletas.
Durante o sculo XX, a estrutura socioeconmica e cultural estabelecida pelo
Renascimento e Iluminismo, alm das Revolues Francesa e Industrial, trouxeram
transformaes ao papel do atleta que antes era praticante da atividade de forma
amadorstica e que passou a assumir um papel de profissional, com habilidades e
competncias especficas, desenvolvidas, praticadas e avaliadas dentro de um
espao e tempo mensurveis (RUBIO, 2001). Acrescentam-se ainda as transformaes mundiais que ocorreram nos
perodos de guerra e ps-guerra e as influncias sobre o esporte. A Primeira Guerra
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(1914-1918) e, principalmente, a Segunda Guerra e a Guerra Fria trouxeram avanos tecnolgicos utilizados a favor dos atletas para melhoria do rendimento
esportivo.
As guerras se associaram s disputas polticas e de poder que tambm
ressoaram no cenrio esportivo. Na Grcia Antiga os Jogos representavam perodos
de trguas nas guerras e conflitos, mas os Jogos Olmpicos da era moderna foram
interrompidos devido s Grandes Guerras. Sofreram boicotes dos Estados Unidos e
da Unio Sovitica durante a dcada de 1980, com uma clara indicao de que o
movimento olmpico no era apoltico como defendido por alguns (RUBIO, 2001). O perodo da Guerra Fria, caracterizado pelas disputas estratgicas e
conflitos indiretos entre Estados Unidos e Unio Sovitica, pode ser destacado como
exemplo de como o esporte e poltica possuem uma relao estreita.
Segundo Bracht (2002, p.197) [...] o movimento olmpico foi o principal responsvel pela aderncia da categoria da nao ao esporte o que favoreceu com
que os Jogos Olmpicos fossem um local de batalha entre as naes, substituindo-
se assim os confrontos das guerras.
Como a Guerra Fria se caracterizou pelas batalhas indiretas, a tecnologia e a
cincia aplicadas no atleta para maximizar o desempenho esportivo substituram os
armamentos blicos e as disputas por medalhas puderam ser as representaes do
domnio territorial.
O esporte contemporneo teve, portanto, o seu desenvolvimento no sculo
XIX, sofrendo grandes influncias desse perodo histrico e principalmente das
guerras, mas acumulando tambm influncias de todas as outras culturas das
pocas em que as atividades fsicas e atlticas estiveram presentes. Desde os
rituais pr-histricos at a prtica de alto rendimento dos tempos modernos.
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Hoje o esporte um fenmeno construdo, desenvolvido e modificado pelas sociedades (RUBIO, 2002), adquirindo e refletindo os valores dos grupos sociais de cada perodo histrico. Em consequncia, os atletas protagonistas da prtica
esportiva atual, so personalidades que representam vrios papis: heris,
guerreiros, aprendizes, artistas, produtos e esportistas, que juntos, formam o conceito do atleta contemporneo. Um misto de todas as influncias possveis e
inerentes sua constituio.
No obstante, a predominncia de um papel sobre o outro, a classe de heris
e no aprendizes, ou de guerreiros e no artistas dependem fundamentalmente de
conquistas e vitrias.
A meta de vencer ou vencer o objetivo a ser atingido nos esportes de competio no mundo atual. Diferentemente do que proclamava o Baro Coubertin
quando dizia que o importante no era a vitria, mas a competio em si. A
modificao imposta a base do espetculo exigido pelo esporte durante os tempos
e at pelos reflexos dos valores da sociedade atual.
So as vitrias e conquistas que conferem aos atletas, como na prpria
histria do esporte, o papel de celebridades. Aqueles que alcanam o primeiro lugar
so valorizados e suas proezas enaltecidas. Na persistncia, ao perseguirem seus
objetivos, essas pessoas so com