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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO LINHA DE PESQUISA 4: EDUCAO E ARTES

    PRTICAS MUSICAIS COTIDIANAS NA CULTURA GOSPEL: UM ESTUDO DE CASO NO MINISTRIO DE

    LOUVOR SOMOS IGREJA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Andr Mller Reck

    Santa Maria, RS, Brasil 2011

  • PRTICAS MUSICAIS COTIDIANAS NA CULTURA GOSPEL: UM ESTUDO DE CASO NO MINISTRIO DE LOUVOR SOMOS

    IGREJA

    por

    Andr Mller Reck

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Educao, Linha de Pesquisa 4 Educao e Artes, da

    Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obteno do grau de

    Mestre em Educao.

    Orientadora: Profa Dra Ana Lcia de Marques e Louro-Hettwer

    Santa Maria, RS, Brasil

    2011

  • Universidade Federal de Santa Maria Centro de Educao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado

    PRTICAS MUSICAIS COTIDIANAS NA CULTURA GOSPEL: UM ESTUDO DE CASO NO MINISTRIO DE LOUVOR SOMOS IGREJA

    elaborada por Andr Mller Reck

    como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao

    COMISO EXAMINADORA:

    Ana Lcia de Marques e Louro-Hettwer, Dra. (Presidente/Orientador)

    Jusamara Vieira Souza, Dra. (UFRGS)

    Lus Fernando Lazzarin, Dr. (UFSM)

    Marilda Oliveira de Oliveira, Dra. (UFSM)

    Santa Maria, 25 de maro de 2011.

  • RESUMO Dissertao de Mestrado

    Programa de Ps-Graduao em Educao Universidade Federal de Santa Maria

    PRTICAS MUSICAIS COTIDIANAS NA CULTURA GOSPEL: UM ESTUDO DE CASO NO MINISTRIO DE LOUVOR SOMOS IGREJA

    AUTOR: ANDR MLLER RECK ORIENTADORA: ANA LCIA DE MARQUES E LOURO-HETTWER Data e Local da Defesa: Santa Maria, 25 de maro de 2011.

    O objetivo central desta pesquisa analisar as prticas musicais, focando os processos pedaggico-musicais e a construo de identidades musicais que ocorrem no grupo de louvor Somos Igreja da comunidade evanglica Igreja em Cruz Alta-RS. A pesquisa procura compreender como se produzem essas prticas no contexto evanglico, como elas so vivenciadas e (re)significadas dentro de uma cultura musical gospel. O crescimento de adeptos no Brasil e o surgimento de novas denominaes evanglicas, principalmente neopentecostais, tem gerado uma srie de anlises do fenmeno gospel. Essas investigaes apontam para a tenso entre tradicional e contemporneo, numa rede de relaes sociais que giram em torno de um complexo sistema de mercado, entretenimento e mdia. A msica sempre esteve presente nos cultos evanglicos em mltiplas formas e contextos. Entretanto, a partir do final do sculo XX passaram a sofrer sensveis modificaes em suas maneiras de produo, concepo e distribuio. A Educao Musical, compreendida como uma rea que se articula com outras reas do conhecimento como Sociologia, Antropologia e Etnomusicologia, tem como objeto de estudo os processos pedaggico-musicais, que ensejam possibilidades de debate sobre uma educao plural que considere o contexto sociocultural dos sujeitos, suas construes de identidades musicais e suas experincias cotidianas. Nesse sentido, pesquisas sobre educao musical realizadas em diferentes espaos e contextos da sociedade contribuem para uma abertura discursiva do ensino musical, ampliando as concepes pedaggicas e as estratgias educativas. Esse pensamento possibilita refletir sobre as prticas musicais educativas contemporneas, ampliando o entendimento sobre experincia musical e os processos de construo de significados. Atravs dum vis interpretativo do universo musical gospel, realizado metodologicamente por um estudo de caso, pretende-se problematizar e anunciar algumas questes referentes educao musical, ao cotidiano e aos significados religiosos.

    Palavras chave: educao musical, cultura gospel, msica evanglica, identidades musicais.

  • ABSTRACT Dissertao de Mestrado

    Programa de Ps-Graduao em Educao Universidade Federal de Santa Maria

    EVERYDAY MUSICAL PRACTICES IN GOSPEL CULTURE: CASE STUDY ON THE PRAISE MINISTRY SOMOS IGREJA

    AUTOR: ANDR MLLER RECK ORIENTADORA: ANA LCIA DE MARQUES E LOURO-HETTWER Data e Local da Defesa: Santa Maria, 25 de maro de 2011.

    The purpose of this research is to analyze the musical practices, focusing the musical-pedagogic processes and construction of musical identities which occur in the praise group Somos Igreja, in the evangelical community Igreja em Cruz Alta RS, this research intends to comprehend how these practices are produced in the evangelical context and how they are experienced and (re)signified from a gospel musical culture. The increase of adepts in Brazil and the emergence of new evangelical denominations, mainly neopentecostals, has been inspiring several analysis of the gospel development, concerning the tension between traditional and contemporaneous, through a net of social relationships that moves around a complex trade, entertainment and media system. Music has always been present in evangelical cults, in many ways and contexts. Since the ending of the XX Century, however, it started to be remarkable modified in its manners of production, conception and distribution. Musical Education, as an area which articulates together with other fields of knowledge, as Sociology, Anthropology and Ethnomusicology, has as its purpose the study of pedagogical and musical processes to debate possibilities of a plural education. Therefore, pointing out the subjects socio-cultural context, their musical identity constructions and their everyday experiences. Thus, researches on musical education developed in different places and contexts of society have contributed to spread the speech of Musical Education, amplifying pedagogical conceptions and educational methods. This idea has made possible to reflect about contemporaneous musical educational practices, enlarging the understanding of musical experiences and the processes of meaning construction. From an interpretative perspective of the gospel musical scenery, methodologically developed through a case study, this work intends to discuss the theme and to announce some questions referring to musical education, everyday musical practices and religious meanings as well.

    Key words: Musical Education, gospel culture, evangelical music, musical identity.

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 32 FIGURA 2 39 FIGURA 3 69 FIGURA 4 79 FIGURA 5 82 FIGURA 7 91 FIGURA 8 98 FIGURA 9 103 FIGURA 10 112 FIGURA 11 118

  • EPGRAFE

    (...) -As pessoas tm estrelas que no so as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas so guias.

    Para outros, os sbios, so problemas. Para o meu negociante, era ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porm ters estrelas como ningum...

    - Que queres dizer? - Quando olhares o cu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo,

    ento ser como se todas as estrelas te rissem! E tu ters estrelas que sabem sorrir!

    E ele riu mais uma vez.

    - E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirs contente por me teres conhecido. Tu sers sempre meu amigo. Ters vontade de rir comigo. E abrirs s vezes a

    janela toa, por gosto... E teus amigos ficaro espantados de ouvir-te rir olhando o cu. Tu explicars ento: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!" E eles te julgaro maluco. Ser

    uma pea que te prego...

    E riu de novo. (...)

    ANTOINE DE SAINT-EXUPRY O Pequeno Prncipe,

    Captulo XXVI

  • HOMENAGEM ESPECIAL

    Ao meu av, msico e saxofonista, Antnio Reck (1903-1997)

  • AGRADECIMENTOS

    minha famlia: minha me Regina Mller, meu pai Luiz Eduardo Reck, meus irmos Daniel e Eduardo Reck, e minha av Irani

    Haag, pelo apoio e incentivo constantes em minha vida

    minha orientadora: Ana Lcia Louro, pela forma como o trabalho foi realizado

    Aos membros da banca: Jusamara Souza, Lus Fernando Lazzarin e Marilda Oliveira, pelos olhares e sugestes que redimensionaram

    o mbito e a construo da pesquisa

    Ao ministrio de Louvor Somos Igreja, pela colaborao e disponibilidade para a realizao dessa pesquisa, em especial aos entrevistados: Valria, Alexandre, Daniel A., Daniel, Marcelinho,

    Daiane, Bris e Douglas

    comunidade Igreja em Cruz Alta-RS, pela gentileza e hospitalidade ao me receber entre os seus

    Ao professor Marcos Krning Corra, pela orientao do meu trabalho de concluso de curso, que me encaminhou para a

    pesquisa

    Aos professores do PPGE/UFSM e do curso de msica da UFSM, pelas experincias pedaggicas e intelectuais que me

    proporcionaram diferentes perspectivas de construir o conhecimento

    Aos msicos que tive o prazer de dividir o palco nas mais variadas situaes musicais

    Aos meus amigos e meus amores, pelos momentos que fazem a vida ser escrita em versos de poesia

  • SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................... 12

    PARTE I 1. LINHAS TERICAS: PERSPECTIVAS CULTURAIS, RELIGIOSAS E PEDAGGICO-MUSICAIS ...................................................................................................... 17

    1.1 O contexto cultural ............................................................................................................ 19 1.2. A dimenso cultural da anlise religiosa ........................................................................ 20 1.3 O contexto contemporneo: reconfiguraes do pensamento ....................................... 22 1.4 O contexto religioso no cenrio contemporneo............................................................. 24 1.5 O contexto pedaggico-musical ........................................................................................ 27

    2. A MSICA EVANGLICA NO BRASIL ............................................................................ 32 2.1 Origens e definies ........................................................................................................... 32

    2.1.1 O protestantismo no Brasil ........................................................................................... 32 2.1.2 O protestantismo histrico de misso........................................................................... 34 2.1.3 O movimento pentecostal e neopentecostal.................................................................. 36

    2.2 O crescimento da msica evanglica no Brasil ............................................................... 39 2.2.1 Crescimento evanglico na sociedade: formao de uma cultura gospel..................... 39 2.2.2 O movimento musical gospel ...................................................................................... 42

    2.3 O mercado fonogrfico evanglico no Brasil .................................................................. 47

    3. CAMINHOS METODOLGICOS....................................................................................... 50 3.1 Abordagem qualitativa .................................................................................................... 50 3.2 Estudos de caso em educao musical ............................................................................ 53 3.3 Vivncias religiosas............................................................................................................ 55 3.4 Critrios de seleo............................................................................................................ 57 3.5 A pesquisa: entrando em cena.......................................................................................... 58 3.6 Procedimentos metodolgicos........................................................................................... 59

    3.6.1 Entrevistas .................................................................................................................... 59 3.6.2 Observaes participativas ........................................................................................... 60 3.6.3 Dirios de observao................................................................................................... 61 3.6.4 Materiais especficos .................................................................................................... 62 3.6.5 Outras consideraes .................................................................................................... 63 3.6.6 Anlise dos dados ......................................................................................................... 63

    3.7 Falando de religio: algumas implicaes ....................................................................... 64 3.7.1 O Sagrado ..................................................................................................................... 65 3.7.2 Entre o pluralismo e o dualismo .................................................................................. 67

    4. A COMUNIDADE EVANGLICA IGREJA EM CRUZ ALTA - RS................................. 69 4.1 Histria ............................................................................................................................... 69 4.2 Organizao, viso e ao ................................................................................................. 73 4.3 Espao fsico ....................................................................................................................... 74 4.4 O Ministrio de Louvor Somos Igreja ............................................................................. 75

  • PARTE II Eplogo: Histrias musicais e aprendizagens no cotidiano ...................................................... 79

    1. TODOS OS RITMOS SO DE DEUS: A CULTURA MUSICAL GOSPEL NA CONSTRUO DE IDENTIDADES MUSICAIS .................................................................. 82

    1.1 Localizando o msico gospel............................................................................................. 83 1.2 O msico gospel: entre o mundo e a tradio .............................................................. 84 1.3 As mdias evanglicas: produzindo modos de ser msico gospel .................................. 87

    2. A GENTE NO UMA BANDA, A GENTE UM MINISTRIO: O CONCEITO DE MINISTRO DE DEUS.......................................................................................................... 91

    2.1 O louvor e a adorao: significados de ser um ministro de Deus ................................. 94 2.2 O lcus musical gospel: desenhando novos espaos de atuao .................................... 98

    3. VIVER EM SANTIDADE: SIGNIFICANDO PRTICAS MUSICAIS GOSPEL ....... 103 3.1 Ser santo o tempo todo: a santidade e msica no cotidiano ........................................ 105 3.2 A orao: produzindo significados musicais ................................................................. 109

    4. PRTICAS MUSICAIS NO MINISTRIO DE LOUVOR SOMOS IGREJA ............... 112 4.1 O local e a experincia musical: flexibilizando as prticas musicais .......................... 113 4.2 Prticas pedaggico-musicais: construo de conhecimentos musicais ..................... 117

    4.2.1 Prticas musicais em conjunto.................................................................................... 118 4.2.1.1 Os ensaios ............................................................................................................. 119 4.2.1.2 A passagem de som .............................................................................................. 121 4.2.1.3 O culto .................................................................................................................. 123 4.2.2 Mdias e aprendizagens .............................................................................................. 124

    ALGUMAS CONSIDERAES............................................................................................. 128

    REFERNCIAS ........................................................................................................................ 133

    ANEXOS .................................................................................................................................... 141

  • 12

    INTRODUO

    O fenmeno gospel tem gerado reflexes nas mais diferentes perspectivas e linhas de

    pensamento: scio-religiosa, comunicacional, cultural, teolgica, econmica ou poltica. Essa afirmativa torna-se possvel ao se perceber que esse tema tem sido recorrente tanto em discusses

    acadmicas e meios de comunicao, sob diferentes ngulos e pontos de vista. Partindo do objetivo central de analisar as prticas musicais que ocorrem no grupo de louvor Somos Igreja da comunidade evanglica Igreja em Cruz Alta-RS, esta pesquisa procura compreender como se produzem essas prticas no contexto evanglico e como elas so vivenciadas e (re)significadas a partir de uma cultura musical gospel.

    A partir do final do sculo passado a msica gospel no Brasil tem se destacado como um importante veculo para a divulgao do evangelho, produzindo relaes musicais entre os evanglicos em diferentes nveis. Atravs da performance musical nos cultos, como instrumento

    de louvor, e no entretenimento e consumo da msica por um mercado especfico, o evanglico produz significaes musicais, seja na escuta, no fazer ou na maneira de interpretar os cdigos musicais, dentro de contextos especficos. Se os evanglicos tm como fundamento de unidade religiosa um sistema de crenas e valores em comum, suas prticas sociais no observam uma mesma unidade, diferenciando-se na maneira de expressar sua religiosidade, ou seja, de conduzir suas prticas religiosas. Quando me refiro msica evanglica, no me remeto, portanto, a uma msica padronizada, que para satisfazer suas necessidades mercadolgicas no Brasil recebeu a denominao de msica gospel, mas de msicas evanglicas, com suas variantes e significaes, constitudas na dinmica dos sujeitos que as produzem.

    Para Souza (2002:134), a msica evanglica produto do seu tempo, de elementos simblicos e religiosos, que se somam aos conflitos da relao do homem (evanglico) com o mundo. Evita-se assim tratar a msica gospel como uma classificao genrica e totalizante, fora do fazer musical cotidiano, mas como uma importante manifestao da relao entre aspectos culturais, sociais e religiosos.

    Embora quando criana batizado na igreja luterana, no perteno a nenhuma igreja, seita ou comunidade religiosa. O interesse pela temtica surgiu em virtude do meu trabalho de

  • 13

    concluso de curso de Licenciatura em Msica, no ano de 2006, no qual realizei um estudo de caso na comunidade evanglica Igreja em Cruz Alta-RS, apresentando alguns dados sobre os processos pedaggico-musicais que ocorrem nesse ambiente (RECK, 2008). O trabalho deu origem ao projeto da presente pesquisa, que procura estabelecer um cruzamento de reflexes entre a literatura da rea de educao musical, minha experincia musical1 e a observao das prticas musicais dos grupos de louvor.

    A Educao Musical, compreendida como uma rea que se articula com outras reas do conhecimento como Sociologia, Antropologia e Etnomusicologia (SOUZA, 2001), e tendo como objeto de estudo os processos pedaggico-musicais (KRAEMER, 2000), tem debatido possibilidades de uma educao plural, refletindo e questionando sobre os mtodos tradicionais

    de ensino musical, baseados principalmente no modelo conservatorial europeu (FREIRE, 2001). Em relao ao ensino de msica ministrado no ensino superior, Louro (2008a) se pergunta se esse tipo tradicional de relao professor-aluno para o ensino de instrumentos musicais no tem embutido uma nfase no professor como fonte nica de conhecimento? (p.260).

    O contexto sociocultural dos sujeitos, suas construes de identidades musicais e suas experincias cotidianas tm promovido debates que prevem uma postura dinmica do educador musical.

    Os diferentes mundos musicais e os distintos processos de transmisso de msica em cada sociedade nos fazem perceber que a educao musical est diante de uma pluralidade de contextos, que tm mltiplos universos simblicos. Dessa maneira, somente criando estratgias plurais e entendendo a msica como algo que tem valor em si mesmo, mas que tambm nos traz outros sentidos e significados, podemos pensar num verdadeiro dilogo entre educao musical e cultura (QUEIROZ, 2004:106).

    Santos (2003) aponta o quanto a histria do pensamento pedaggico-musical tem sido a histria das prticas pedaggicas institudas (das prticas musicais institucionalizadas e seus discursos sobre ensino) (p.50) e que

    1 Entendo minha experincia musical como um multifacetado processo de construo de conhecimentos e

    significados musicais, a partir de minha atuao como msico h mais de quinze anos como tecladista em gneros musicais variados como rock n roll, hard rock, blues, jazz, MPB, reggae, etc.; minha graduao em licenciatura em msica pela UFSM em 2006; minha atuao como professor de teclado em escolas especficas de msica; alm das diversas situaes musicais que fizeram parte do meu cotidiano, como a lembrana do meu av tocando saxofone quando eu era criana, por exemplo.

  • 14

    s recentemente buscamos compreender a lgica do funcionamento das prticas sociais de ensino e aprendizagem musical marginais ao discurso pedaggico oficial (desenvolvidas paralelamente ao discurso pedaggico oficial e que nos acostumamos a chamar de no formais) (ibidem).

    Pesquisas sobre educao musical realizadas em diferentes espaos e contextos da sociedade (ARROYO, 1999; CRREA, 2000; ARALDI, 2004; PRASS, 2004; KLEBER, 2006; MEDEIROS, 2009) tm contribudo para uma abertura discursiva do ensino musical, ampliando as concepes pedaggicas e as estratgias educativas. Esse pensamento tem possibilitado refletir sobre as prticas musicais educativas contemporneas, ampliando o entendimento sobre

    experincia musical e os processos de construo de significados. Levando-se em conta o importante momento histrico com que a Educao Musical se

    depara hoje no Brasil, com a promulgao da lei 11.769 de 18 de agosto de 2008, que dispe sobre a obrigatoriedade do contedo de msica no ensino bsico2, parece justificvel a discusso acerca de diferentes narrativas musicais, de forma a redimensionar a gama de reflexes e problematizaes que envolvem a prtica musical e seus processos educativos em relao ao desenho scio-cultural em que so produzidos. Dessa maneira percebe-se a importncia de refletir sobre os mltiplos espaos de educao musical para a partir deles, entender diferentes relaes e situaes de ensino e de aprendizagem da msica (QUEIROZ, 2004:102).

    A compreenso de multiplicidade e de diversidade cultural e social, assim como o respeito

    s diferenas, tem sido amplamente discutida e apontada como desafio e fator decisivo de qualidade da educao contempornea. Todavia, embora a discusso acerca do assunto tenha

    gerado experincias e contribuies tericas, ainda no podemos considerar que uma orientao multicultural numa perspectiva emancipatria costume nortear as prticas curriculares das escolas e esteja presente, de modo significativo, nos cursos que formam os docentes que nelas ensinam (MOREIRA; CANDAU, 2003:156-157).

    Ainda que o fenmeno musical gospel tenha proporcionado anlises sob diferentes enfoques, no tem sido um tema corrente no que se refere educao musical. A pesquisa, portanto, pretende lanar um olhar sobre as prticas pedaggico-musicais produzidas no mbito gospel, enfatizando o meio evanglico pentecostal, suas experincias e construes de

    2 Para discusses sobre o processo de implementao da lei 11.769 e sua eficincia efetiva no sistema escolar, ver

    FIGUEIREDO (2007) e SOBREIRA (2008).

  • 15

    significados e identidades musicais sob uma perspectiva de educao musical e cotidiano (SOUZA, 2000).

    Na primeira parte do texto, o captulo 1 procura estabelecer alguns entendimentos sobre religio, cultura e educao musical, procurando tratar desses enunciados atravs de uma viso multidimensional atentando para a polissemia dos termos e de suas utilizaes em pensamentos diversos. Ao se aventurar entre os labirintos tericos que envolvem questes de religiosidade, cultura, identidade, diferena, educao, moral e tica, notvel a dificuldade em sistematizar esses termos em conceitos fixos, o que ocasiona em certas reflexes mais questionamentos do que propriamente respostas, no pretendendo dar conta dos possveis impasses tericos.

    Embora a complexidade do tema exija uma compreenso interdisciplinar, o foco de ateno da pesquisa em ltima instncia o fazer musical e seus desdobramentos como prticas educativas. o olhar do educador musical, portanto, que toma emprestadas as lentes sociolgicas e antropolgicas, utilizando-as como instrumentos de observao e reflexo. Para melhor compreender o cenrio evanglico nacional, e a msica que nele se produz, o captulo 2 procura mapear as denominaes evanglicas que operam no Brasil, principalmente as vertentes do protestantismo histrico e o movimento neopentecostal. O crescimento numrico dos evanglicos, assim como a maneira como eles tm se relacionado com a realidade contempornea, tem provocado uma srie de anlises, tanto do ponto de vista acadmico atravs de estudos nas reas da Comunicao, Sociologia, Antropologia, Cincias da Religio, entre outros; como do ponto de vista miditico, tornando-se referncia em jornais, revistas e documentrios.

    Evidencia-se a emergncia de um modo de vida gospel, representado na identificao com um determinado sistema de crenas, e que se estabelece a partir das tenses entre o modo de ser evanglico tradicional, representado pela rigidez da identidade, e do modo de ser evanglico contemporneo, que contempla a dinmica social dos indivduos. Esses modos de ser so

    adotados e consumidos com relativa transitoriedade, atravs de um sistema de comunicao que integra redes de TV, rdio e mdias em geral e um mercado especfico que movimenta diversos

    setores.

    A msica sempre exerceu uma importante funo histrica na religiosidade protestante, e sua assimilao e reproduo est determinada pelo contexto em que ela produzida. Falar no Brasil de msica evanglica tradicional e msica evanglica contempornea se reportar a duas

  • 16

    concepes musicais histricas, que se processam ao mesmo tempo mediadas por um sistema de informaes e um mercado em comum. Essas concepes informam muitas significaes quando so adotadas pelo msico evanglico, pois tratam da aceitao ou no de elementos como a utilizao de determinados gneros musicais, a utilizao de certos instrumentos musicais, a postura corporal, as tcnicas instrumentais permitidas, etc.

    No terceiro captulo so indicados os caminhos metodolgicos que orientaram a investigao. Partindo de uma perspectiva interpretativista, proposto um estudo de caso, realizado atravs de observaes participantes em ensaios, festivais e nos cultos, assim como entrevistas semi-estruturadas e anlise de materiais de mdia produzidos pelo grupo. Os estudos de caso tm sido utilizados em pesquisas que se ancoram na perspectiva da sociologia da

    educao musical, que tem como argumento central a viso de que prticas musicais so experincias sociais (SOUZA, 2009:523).

    O capitulo 4 trata da apresentao da comunidade evanglica Igreja em Cruz Alta-RS e do grupo de louvor Somos Igreja, que sero os colaboradores da pesquisa. A escolha do grupo em questo se justifica pela acessibilidade ao mesmo, mediada por familiares; pelo fato de que eu j havia feito uma primeira aproximao com o grupo atravs de um estudo de caso realizado em virtude da monografia de concluso de curso, e portanto uma pr-compreenso do universo investigado; e tambm por entender que o grupo apresenta caractersticas representativas da cultura musical gospel.

    A segunda parte da dissertao trata da anlise de dados, dividida em quatro captulos que procuram abordar as prticas musicais do grupo de louvor Somos Igreja focando questes como construes de identidades musicais, relaes entre msica e significados religiosos, e os processos pedaggicos musicais. importante ressaltar que no inteno do trabalho realizar uma sistematizao ou uma tipologia generalizante da prtica musical gospel, isolando-a do contexto especfico em que ela produzida, mas apontar elementos que se relacionam com o

    cotidiano dos sujeitos e seus horizontes de significados, constitudos a partir de uma cultura musical evanglica em constante tenso entre o tradicional e o contemporneo.

  • 17

    PARTE I

    1. LINHAS TERICAS: PERSPECTIVAS CULTURAIS, RELIGIOSAS E PEDAGGICO-MUSICAIS

    Se as comunidades evanglicas de uma forma geral, em suas diferentes denominaes, possuem entre si um sistema de unidade simblica de ritos e significados, cada comunidade ainda deve apresentar variantes desse sistema, construdo a partir de contextos locais de ordem social,

    poltica, cultural, etc.

    A religio um elemento rico em detalhes e caractersticas, principalmente quando analisado em um contexto cultural especfico. Entretanto podemos definir como base da estrutura geral do fenmeno religioso dois fatores: a crena e o ritual. A crena corresponde ao corpo terico da religio e tem como essncia as concepes a respeito da divindade. O ritual refere-se ao aspecto prtico da f, a expresso em atos do que se pensa, acredita e deseja do transcendente (divindade) (SILVA, 2007:44).

    A tenso entre elementos scio-religiosos tradicionais e contemporneos acaba por criar uma teia de significados que permeiam o meio evanglico, desde um sistema de ritos at um mercado de consumo em comum, configurando uma cultura gospel. As relaes que se estabelecem nesse meio, portanto, necessitam de uma interpretao referente complexidade do

    sistema, presumindo a descrio dos fatos explicao dos mesmos, entendendo dessa forma a necessidade de uma abordagem de pesquisa qualitativa.

    A religiosidade uma dimenso cultural que est presente em praticamente todas as sociedades. A presente pesquisa, dada a complexidade do fato, no pretende compreender as significaes e funes sociais da f religiosa do ponto de vista teolgico, mas procura descrever de que maneira essas significaes podem influenciar na produo dos processos musicais que

    ocorrem em comunidades evanglicas, partindo assim de um ponto de vista da Educao Musical, e necessitando o aporte de uma viso sociolgica e antropolgica.

    Compreendendo a experincia religiosa dentro de um sistema de religio, e portanto social, tomo aqui a religiosidade como o conjunto de aes que os indivduos manifestam para

  • 18

    expressar suas crenas, e que so observveis em sua cotidianidade e em suas relaes sociais. Francisco Rolim atenta para um olhar sociolgico na compreenso de religiosidade:

    primeiro, que quando falamos em religiosidade, estamos nos referindo a coisas que se fazem, a gestos e ritos que se praticam e que podem ser observados. A estes elementos vinculam-se crenas de que a sociologia tambm se ocupa na medida em que so matrias de observao. Vale dizer que as crenas se manifestam e so suas manifestaes que a sociologia vai estudar. Afasta-se, portanto, a tentao de penetrar na intimidade da f. Religiosidade , pois, uma expresso aqui tomada, no no sentido de disposio e de inclinao subjetiva, mas no sentido de prticas e crenas, na medida em que estas so suscetveis de observao3.

    Reservada a inteno de questionamentos morais ou de veracidade quanto aos critrios da f, fica a interpretao dos eventos religiosos luz do seu prprio tempo, empreendida interpretativamente. Isso significa compreender determinados conceitos pela sua evoluo histrica e pelo uso que deles se faz na sociedade contempornea, e no pelo seu valor metafsico, universal. Palavras caras para o discurso religioso como F, Verdade ou Eterno assumem diferentes contextos na forma como so compreendidas e relacionadas com as

    condies culturais dos indivduos. Isso implica que ser um evanglico hoje no como s-lo no incio do sculo XVI ou mesmo no sculo XX. Ou seja, o discurso religioso, embora eventualmente se apresente em forma de dogmas, constitudo no dilogo com as transformaes sociais e histricas. No entendimento da religio como um conjunto de valores e crenas constitudos historicamente fica a possibilidade de compreend-la como uma construo simblica, que se manifesta atravs de diferentes formas de religiosidade. A religio no teria, assim, uma

    essncia prpria, e estaria sujeita s condies e relaes de poder que se estabelecem nas relaes sociais. A religio, focada aqui na crena evanglica, no implica portanto a idia de uma identidade fixa e pr-concebida, mas produzida pelo meio e gerando diferentes maneiras de religiosidade sob uma mesma religio.

    3 ROLIM, Francisco C. Religiosidade popular. Em: http://pensocris.vilabol.uol.com.br/religiosidade.htm acessado

    em 02/06/2010

  • 19

    1.1 O contexto cultural

    As sociedades humanas sempre demonstraram contrastes em relao a seus costumes, desde aspectos religiosos, polticos e de construo e utilizao de smbolos. Ao contrrio do que se pensava anteriormente, essas diferenas no so de ordem biolgica ou evolutiva, negando assim as distines de raa e superioridade que promoveram diversos discursos colonizadores e

    totalizantes, mas construdas a partir das relaes sociais que se estabelecem em determinado grupo.

    Consideraes relativas cultura, seus conceitos e atribuies, tornam-se imperativas para a compreenso da realidade investigada. Dessa forma a cultura tomada aqui como um processo que se estabelece como um conjunto de sistemas ou cdigos de significados que do sentido s nossas aes e prticas sociais. Essa perspectiva ancorada na concepo de sistemas simblicos, defendida por Clifford Geertz, que prev o estudo da cultura como um estudo de um cdigo de smbolos compartilhados pelos membros dessa cultura.

    O conceito de cultura que eu defendo (...) essencialmente semitico. Acreditando, como Max Weber, que o homem um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua anlise; portanto no como uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa, procura do significado (GEERTZ, 1989:4).

    Para Santos (1994:8), cada realidade cultural tem sua lgica interna, a qual devemos procurar conhecer para que faam sentido as suas prticas, costumes, concepes e as

    transformaes pelas quais estas passam. Dessa forma, o entendimento de que cada cultura constri seus significados e que a partir deles exerce sua compreenso do mundo e da realidade

    imprescindvel no processo da pesquisa. As relaes de interao entre os membros de uma comunidade se estabelecem a partir de um sistema de valores que do significado a essas interaes. Esse sistema de valores, que suportam a unidade e a idia de pertena em uma comunidade, estabelece seus prprios critrios de verdade, f e moral, que orientam as prticas sociais, dentro de uma sociedade mais ampla.

    O estudo da cultura procura entender o sentido que fazem essas concepes e prticas para a sociedade que as vive, buscando seu desenvolvimento na histria dessa

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    sociedade e mostrando como a cultura se relaciona s foras sociais que movem a sociedade (SANTOS, 1994:41).

    A essas reflexes percebe-se a necessidade de compreender a cultura evanglica como um fenmeno social no esttico, ou seja, como uma cultura em formao e em negociao com outras culturas, tanto pela condio contempornea das identidades culturais (HALL, 2006) como pelo processo de globalizao, reconfigurado atravs de um sistema de informaes promovido pelo avano tecnolgico.

    Os elementos culturais que envolvem os atores da pesquisa, embora subjacentes a uma significao de ordem religiosa unificadora, so partes constituintes de uma realidade social dinmica, e portanto devem ser levados em considerao em seu contexto. Fatores sociais,

    econmicos e pessoais tendem a influenciar o modo de compreender e de se relacionar com a cultura gospel em geral, gerando novas interpretaes e significados. Evita-se aqui, portanto, o

    entendimento de uma cultura como algo fechado e estratificado, estranha em relao a outras culturas, mas sim em fluxo e transformao, com sua lgica interna e enunciados em constante negociao com o meio em que se inserem, em seus diferentes aspectos fsicos e ideolgicos.

    1.2. A dimenso cultural da anlise religiosa

    O contexto religioso no mbito social um aspecto complexo e se apresenta de vrias

    formas, desde maneiras de representao da realidade at princpios ticos. Os atores da pesquisa, enquanto grupo sociocultural heterogneo, tm como principal determinante de identidade a sua

    concepo religiosa.

    Para Geertz, um conjunto de smbolos sagrados, tecido numa espcie de todo ordenado, o que forma um sistema religioso (1989:95). Sendo que para os que se comprometem com ele, tal sistema religioso parece mediar um conhecimento genuno, o conhecimento das condies essenciais nos termos das quais a vida tem que ser necessariamente vivida (ibid.).

    Partindo de pressupostos que consideram a cultura como um sistema de smbolos interpretativos, a pesquisa procura compreender a dimenso cultural da anlise religiosa, a partir

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    da perspectiva proposta por Geertz (1989). Dessa forma os smbolos4 religiosos so compreendidos como padres culturais ou complexo de smbolos, que podem ser interpretados, e que do significado s prticas sociais de determinados grupos.

    Esses smbolos religiosos, ao sintetizar o ethos de um grupo e sua viso de mundo, funcionam tanto para representar um tipo de vida ideal, concebido a partir de valores e disposies morais e estticas, como para compreender a realidade emprica de forma que essas disposies possam ser interpretadas e correspondidas dentro de um quadro de inteligibilidade.

    Essa confrontao e essa confirmao mtuas tm dois efeitos fundamentais. De um lado, objetivam preferncias morais e estticas, retratando-as como condies de vida impostas, implcitas num mundo com uma estrutura particular, como simples senso comum dada a forma inaltervel da realidade. De outro lado, apiam essas crenas recebidas sobre o corpo do mundo invocando sentimentos morais e estticos sentidos profundamente como provas experimentais da sua verdade. Os smbolos religiosos formulam uma congruncia bsica entre um estilo de vida particular e uma metafsica especfica e, ao faz-lo, sustentam cada uma delas com a autoridade emprestada do outro (GEERTZ, 1989:67)

    Uma ao social, ao ser interpretada atravs de sua funo simblico-religiosa, compreende uma ao determinada por um conjunto de elementos e crenas que compe um modelo da realidade em que o sujeito se move e lhe d significados ao agir de tal maneira, a partir de tal conduta, pois sua ao reflexo de um contexto maior, que lhe justifica. Geertz (1989) lembra que atravs dos smbolos sagrados a religio ajusta as aes humanas a uma ordem csmica e projeta imagens da ordem csmica no plano da experincia humana. Compreender uma prtica religiosa inscrita no contexto cultural compreender todo um conjunto de crenas que se movimentam entre uma concepo idealstica de valores e disposies, e a possibilidade de realizao dessas concepes no fazer emprico.

    Para Alves (1986:24), com os smbolos sagrados o homem exorciza o medo e constri diques contra o caos. Nos smbolos religiosos esto dispostos elementos conceituais que no

    apenas explicam o mundo e a existncia humana a partir de determinadas leis, mitos ou estados naturais, mas que orientam e estabelecem modos de viver a partir dessas determinaes. A prtica

    musical gospel como smbolo religioso no pode, portanto, ser considerada fora de um parmetro

    4 Entendidos como qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relao que serve como vnculo a uma

    concepo. A concepo o significado do smbolo (GEERTZ, 1989:67-68).

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    de complexos simblicos que do significados no somente prtica musical, mas a toda uma rede de prticas sociais que se estabelecem no cotidiano. Dessa forma a presente anlise, do ponto de vista cultural, no trata da msica gospel como uma msica religiosa pelo fato de que ela realizada em um ambiente sacralizado, opondo-se assim a um tipo de msica no-religiosa; mas principalmente porque sua compreenso contextual s pode ser considerada se levada em considerao uma srie de significados que no se limitam ao campo musical, mas representam modos de ser no mundo, que respondem a questes de ordem existencial e implicam critrios especficos acerca do conhecimento e a verdade.

    1.3 O contexto contemporneo: reconfiguraes do pensamento

    Boaventura Santos, no prefcio do volume I da Crtica da Razo Indolente, chama-nos ateno logo na primeira frase: h um desassossego no ar (SANTOS, 2000:41). Esse desassossego seria uma resposta tcita poca instvel pela qual passamos, uma poca de reconfigurao dos padres que antes eram tidos como verdadeiros e imutveis, uma poca que Santos (2000) chama de transio paradigmtica e responde por uma crise de questionamentos nos diversos campos de conhecimento e produo cultural realizada pelo homem ao longo de sua histria.

    Pode-se pensar que este desassossego tpico dos tempos de passagem de sculo e, sobretudo, de passagem de milnio, sendo por isso um fenmeno superficial e passageiro. (...), pelo contrrio, o desassossego que experienciamos nada tem a ver com as lgicas de calendrio. No o calendrio que nos empurra para a orla do tempo, e sim a desorientao dos mapas cognitivos, interacionais e societais em que at agora temos confiado (Ibidem).

    Para identificarmos melhor esse perodo de transio paradigmtica e suas implicaes,

    devemos antes verificar em que bases esto assentados os elementos que constituem o paradigma dominante, ou seja, o paradigma scio-cultural da modernidade ocidental, para que depois possamos tentar antever rapidamente algumas questes referentes ao paradigma emergente.

    O projeto da modernidade, construdo a partir de mudanas significativas no modo de vida do final do sculo XV e incio do sculo XVI e arquitetado filosoficamente atravs do

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    Iluminismo, traz em seu arcabouo uma rede de conceitos e definies que aos poucos vo se mostrando ineficazes frente s contnuas mudanas em nossa sociedade. O uso exclusivo da razo, o progresso da cincia e o avano tecnolgico desenfreado no cumpriram suas promessas de desenvolvimento para uma sociedade igualitria, livre e fraterna, ideais que simbolizavam a trade que formaria a sociedade moderna.

    Para Santos (2000), o paradigma da modernidade muito complexo e se fundamenta principalmente em dois pilares: o da regulao e o da emancipao, sendo que cada um constitudo por trs princpios ou lgicas. O pilar da regulao seria constitudo pelos princpios do estado, do mercado e da comunidade; j o pilar da emancipao seria constitudo pelas lgicas da racionalidade esttico-expressiva, a racionalidade cognitivo-instrumental e a racionalidade

    moral-prtica. Partindo de um projeto ambicioso e revolucionrio, a modernidade pretendia um

    desenvolvimento harmonioso e recproco entre os pilares da regulao e da emancipao. Mas, se por um lado a envergadura das suas propostas abre um vasto horizonte inovao social e cultural; por outro, a complexidade dos seus elementos constitutivos torna praticamente impossvel evitar que o cumprimento das promessas seja nuns casos excessivos e noutros insuficientes (SANTOS 2000:50). Essa harmonizao, portanto, no ocorreu. Houve um processo de gradativa maximizao das dimenses desses conhecimentos, e a hegemonia de uma delas sobre todas as outras: a dimenso da racionalidade cognitivo-instrumental, caracterizada pela cincia moderna.

    O pensamento cientfico moderno, preconizado por Galileu Galilei (1564-1642) no sculo XVI e baseado no empirismo ingls de Francis Bacon (1561-1621) e no racionalismo francs de Ren Descartes (1596-1650), passou, a partir do sculo XIX e impulsionado pela tradio positivista de Augusto Comte (1798-1857), a confundir-se com a prpria teoria do conhecimento, de tal forma que todo o conhecimento considerado legtimo passou a ter sua

    fundamentao na pesquisa cientfica (BORTONI-RICARDO, 2008:13). Essa forma de saber, baseada principalmente nos princpios da razo e no dualismo

    sujeito/objeto, passou a vigorar como a forma de saber dominante, em oposio vertical ao conhecimento construdo a partir do senso comum e dos processos de construo de identidades das outras sociedades.

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    Portanto, a crise epistemolgica em que se encontra o paradigma dominante proporciona espaos para a emergncia de outras formas de conhecimento, de outras narrativas, de outros discursos que ficaram soterrados e marginalizados pelo crescimento unidimesional de uma cultura especfica. Esta, ao contrrio de ser um paradigma global ou universal, seria um paradigma local que se globalizou com xito (SANTOS, 2000:18), tornando-se parmetro em relao s demais prticas sociais. Esse momento nos proporciona a possibilidade de

    escavar no lixo cultural produzido pelo cnone da modernidade ocidental para descobrir as tradies e alternativas que dele foram expulsas; escavar no colonialismo e no neocolonialismo para descobrir nos escombros das relaes dominantes entre a cultura ocidental e outras culturas possveis relaes mais recprocas e igualitrias (Ibidem).

    A reconfigurao do paradigma da modernidade representa uma necessidade de reviso

    dos conceitos e valores que foram construdos a partir desse discurso, trazendo-os luz de uma nova perspectiva, destitudos da f inabalvel no uso da razo e do conhecimento cientfico como aretes do progresso humano.

    1.4 O contexto religioso no cenrio contemporneo

    O crescimento do nmero de evanglicos hoje no Brasil tem chamado a ateno da mdia como um fenmeno tanto religioso como social.

    Desde a dcada de 80 cientistas polticos, antroplogos e socilogos, sem contar padres e freiras, tentam entender um mistrio digno das melhores elucubraes de telogos catlicos, de Santo Agostinho a Hans Kung: a converso pacfica de 8 milhes de brasileiros s mais de 100 denominaes evanglicas que existem no pas. um crescimento da ordem de 100%. No mesmo perodo, a populao brasileira aumentou 31%, o que significa que os evanglicos se multiplicaram a uma taxa trs vezes maior que a do pas5.

    Embora a contemporaneidade seja marcada por discursos que pluralizam e desestabilizam os conceitos absolutistas de verdade e identidade, parece haver um retorno a formas, mais ou menos tradicionais, de religio (CRESPI, 1999:9), que seriam caracterizadas pela tendncia a

    5 A ascenso social dos evanglicos: soldados da f e da prosperidade. Revista Veja, 02/07/1997. Disponvel em

    http://veja.abril.com.br/020797/p_086.html. Acessado em 15/12/2009.

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    considerar os contedos da f como verdades absolutas e fontes de certeza (Ibid.), desenvolvendo uma funo de compensao dos males da existncia e de garantia a respeito da nossa identidade e pertena (Ibid.).

    A renovao atual do interesse pela religio, portanto, pode ser explicada, ao menos em parte, como reao a situaes de desorientao generalizada provocadas, na sociedade contempornea, pelo aumento de complexidade decorrente da acentuao da diferenciao dos mbitos de significado e pelo pluralismo das fontes de produo dos valores e dos modelos culturais. Nesse contexto, tanto para os indivduos quanto os grupos sociais tm dificuldades para achar referncias de sentido suficientemente unitrias e coerentes e, por isso, so levados a procurar novas formas de integrao e de identificao, cuja funo justamente reduzir tal complexidade (Ibidem).

    Esse sentimento de pertena tende a aglutinar diferentes identidades urbanas, como o movimento hip-hop, skatistas e roqueiros, numa perspectiva crist, servindo de costura para

    outras vivncias sociais e produzindo uma religiosidade que, como fio condutor social, permite o dilogo entre diferentes contextos culturais. Na rede de relacionamentos virtuais Orkut possvel encontrar diversas comunidades que se caracterizam por estilos musicais e comportamentais dos mais diversos: rap, reggae, heavy metal ou hip hop, mas que se identificam com a crena em Jesus Cristo. uma forma de vivenciar identidades sociais instveis, no tradicionais, mas ainda fazer parte de uma cultura em comum.

    A atual retomada do interesse pelas concepes religiosas no aparece como um fenmeno novo, mas como o reaparecimento daquela funo essencial de integrao e de certeza que, nas sociedades do passado, foi em grande parte desempenhada pelas diversas religies. De resto, desde as suas origens, a sociologia destacou a importncia da religio como forma de mediao simblica apta para consolidar os laos sociais e fortalecer as ordens normativas (CRESPI, 1999:14).

    Costurando entre diferentes cenrios que sofrem com as condies existenciais contemporneas, o fio evanglico busca consolidar esses laos sociais atravs de aes que promovem uma espcie de retorno s bases estveis que a religio parece oferecer. Em maio de 2009, o Jornal Nacional exibiu pela Rede Globo uma srie de reportagens que mostravam o trabalho social que vrias igrejas evanglicas no Brasil realizam com desabrigados, crianas abandonadas, pessoas em situao de risco e ndios, por exemplo. Cada vez mais presente na

    dinmica da sociedade, a religio tem buscado de certa forma se articular com a realidade

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    concreta, deixando as trincheiras encouraadas em volta dos templos para promover aes efetivas. Essa abrangncia tem por sua vez alcanado grupos de pessoas esquecidas pelo poder pblico e oriundas das mais diversas realidades culturais, ganhando adeptos e constituindo a colcha de retalhos cultural evanglica.

    A crise epistemolgica da cincia e de outros campos do conhecimento, apontada geralmente a partir do sculo XX, tambm produz caminhos para o retorno s religies. Com a divulgao, no sculo XVIII, das idias iluministas de validao do pensamento racional como nica forma de conhecimento e representao da verdade, a dimenso religiosa e mtica acabou em segundo plano, geralmente considerada como um estgio no avanado do conhecimento cientfico, como uma forma arcaica e supersticiosa, e foi aos poucos substituda pela crena no

    mito do progresso cientfico e tecnolgico e pelas grandes narrativas de utopias sociais (CRESPI, 1999). No entanto, a partir do sculo XX, a crena no progresso cientfico como desenvolvimento humano e na utopia socialista de uma estrutura igualitria passou a sofrer abalos frente s experincias devastadoras do uso de energia atmica a partir da II Guerra Mundial e da crescente desigualdade e explorao econmica entre as camadas sociais, por exemplo. Se, no entanto, existe uma retomada pelas religies em diferentes contextos sociais, h ao mesmo tempo um certo abandono das religies institucionais tradicionais, como o catolicismo6 ou o protestantismo histrico. Esse movimento mostra um descompasso entre o aumento da religiosidade no cenrio social e o declnio do poder nas religies institucionalizadas.

    De fato, constata-se que as manifestaes efervescentes de misticismo e de religiosidade no final do sculo XX realizam-se justamente nos centros onde a secularizao, a burocratizao, e as instituies educacionais e cientficas se haviam estabelecido de forma mais forte (ALVES, 1984:168 apud MENDONA; KERR, 2007), sugerindo uma reao contra a racionalizao dos modelos de organizao teolgica tradicionais.

    Nota-se portanto a persistncia cultural da religio ao mesmo tempo em que h um aumento da religiosidade sem religio, isto , sem o vnculo institucional. O contnuo surgimento de novos grupos religiosos desvinculados de grandes organizaes eclesisticas retrata uma pulverizao da centralizao institucional religiosa resultante tanto da busca individual de autonomia em relao aos monoplios religiosos como, paradoxalmente, da reao dessacralizao da vida religiosa (MENDONA,2008:224).

    6 Em contrapartida nota-se o crescimento de movimentos de renovao carismtica catlica (RCC), que procuram

    redimensionar a experincia religiosa pessoal, questionado algumas das formas tradicionais institucionalizadas e se aproximando em alguns aspectos com a cultura evanglica.

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    Novas denominaes evanglicas, dinmicas em relao esfera social em que se inserem, tm ganhado cada vez mais adeptos. Enquanto nas igrejas protestantes histricas a necessidade de filiao condicional, em muitas denominaes evanglicas, especialmente neopentecostais, comum a migrao dos adeptos de uma denominao a outra, respondendo aos seus contextos de ordem social.

    Nas sociedades ps-tradicionais, et pour cause, decaem as filiaes tradicionais. Nela os indivduos tendem a se desencaixar de seus antigos laos, por mais confortveis que antes pudessem parecer. Desencadeia-se nelas um processo de desfiliao em que as pertenas sociais e culturais dos indivduos, inclusive as religiosas, tornam-se opcionais e, mais que isso, revisveis, e os vnculos quase s experimentais, de baixa consistncia (PIERUCCI, 2004:17).

    possvel observar dessa forma nas religies evanglicas um fenmeno scio-religioso contemporneo de duas vias. Se por um lado a dimenso religiosa, articulada em um processo religioso de valores e crenas, influencia no modo de vida social do adepto, atravs de uma tica e representao da realidade baseadas em verdades absolutas, tambm sua vida social influencia

    na escolha da denominao a qual ele quer fazer parte, seja essa escolha representada por desejos e interesses no fixos, passveis de transformao, e sem a necessidade de vnculos duradouros.

    Embora, como foi dito anteriormente, a pesquisa no pretenda compreender teologicamente as significaes e funes da f religiosa, necessrio ter em vista que essas significaes podem alterar a dinmica da vida social, ao mesmo tempo em que a dinmica da vida social pode contribuir na escolha e na aceitao dessas significaes, e como essa negociao pode influenciar na produo dos processos pedaggico-musicais que ocorrem a partir desse contexto.

    1.5 O contexto pedaggico-musical

    A partir dessas consideraes possvel perceber que as prticas musicais no podem ser vistas desconectadas de um contexto mais amplo, ancorando-se em perspectivas de outras reas do conhecimento cientfico. Kraemer (2000) contribui com um entendimento das dimenses e funes do conhecimento pedaggico-musical:

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    A pedagogia da msica ocupa-se com a relao entre as pessoa(s) e a(s) msica(s) sob os aspectos de apropriao e transmisso. Ao seu campo de trabalho pertence toda a prtica msico-educacional que realizada em aulas escolares e no escolares, assim como toda a cultura musical em processo de formao (KRAEMER, 2000:51).

    O autor destaca que a pedagogia da msica divide seu objeto com as disciplinas ocasionalmente chamadas de cincias humanas (ibidem:52), e se relaciona com aspectos filosficos, histricos, psicolgicos, sociolgicos, musicolgicos e pedaggicos. Dessa forma, embora o plo de orientao da pesquisa pertena ao campo terico da Educao Musical, necessrio uma transversalizao de conhecimentos, em busca de uma

    teoria pedaggica responsvel e esttica fundamentada, uma vez que os processos prprios da apropriao e transmisso musicais de indivduos em uma situao histrico-sociocultural so realizados no contexto do seu respectivo cotidiano msico-cultural, e necessitam da interpretao em relao de sentido para possibilitar orientaes e oferecer perspectivas (KRAEMER, 2000:66).

    Para a Educao Musical, ao reconhecer a importncia da dimenso institucional, histrica e sociocultural no processo de transmisso e apropriao de conhecimentos musicais, o termo pedaggico no se restringe, portanto, somente aos processos de ensino e aprendizagem, mas entendido com um campo pluridimensional conectado (KLEBER, 2006:27). Ao tratar da relao de transmisso e apropriao entre as pessoas e a msica, a pedagogia da msica no se esgota ao investigar os processos que ocorrem em ambientes institucionalizados de prticas educativas e se estende alm, mergulhando no fluxo da dinmica social e das prticas cotidianas.

    A msica uma construo humana. na natureza social e pessoal das relaes que o ser humano estabelece com a msica que se elaboram significados e que uma sociabilidade se constri pela e com a msica. A educao musical na contemporaneidade est baseada nesse entendimento da msica como prtica socialmente construda, que influencia e influenciada pelo contexto da qual faz parte, sendo uma prtica social baseada na interao referenciada scio-histrica-culturalmente entre pessoas e msicas, e no meramente no produto musical em si mesmo, como se este pudesse existir sem a interveno humana (RIBAS, 2008:146).

    O complexo e dinmico contexto scio-cultural dos participantes da pesquisa, atravessado pela dimenso religiosa, que influencia o meio enquanto influenciada pelo mesmo, no deve, portanto, ser visto como um pano de fundo esttico onde as relaes musicais se estabelecem. Ainda que a perspectiva religiosa seja altamente relevante no processo da pesquisa, ela se integra

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    a outras perspectivas7, compondo um quadro social que demanda um entendimento plural de educao musical. Ao investigar a produo de conhecimento em Educao Musical no Brasil, Santos (2003) aponta novas perspectivas, com influncias de tendncias da pedagogia crtica e ps-crtica8, que tm colocado em pauta temticas como: identidades sociais e culturais, pedagogizao cultural, os princpios que sustentam as escolhas de procedimentos, contedos, seqencia de ensino, etc. O peso recai sobre o mltiplo, a alteridade, o diverso, expresso nas maneiras de se relacionar com a msica (organizao, sistematizao, transmisso) conforme se do em seus contextos especficos. Observa-se a pluralidade ao invs de padronizaes, generalizaes tericas; assim como a utilizao de mtodos etnogrficos de pesquisa.

    O trnsito de elementos tericos e analticos produzidos em outros campos do conhecimento, em especial das chamadas cincias humanas, contribuem para um alargamento de possibilidades interpretativas na Educao Musical. Pesquisas qualitativas, com distintos aspectos metodolgicos e com abordagens sociolgicas e antropolgicas, tem focado mltiplas narrativas e experincias musicais, contribuindo para a construo de uma concepo musical que permita ajustar seus sistemas de validade e organizao a partir das relaes e das significaes que se estabelecem em determinado contexto. Outros olhares tm provocado a sugesto de novas leituras em educao musical:

    Vemos o desenvolvimento de pesquisas realizadas em grupos com prticas musicais de tradio oral - como o jongo, o congado, o funk, o rap, grupos musicais de rua, rodas de capoeira, samba, choro, bandas de rock formadas por adolescentes e jovens brasileiros, a banda Lactomia (Salvador, BA) e seu sistema de ensino e aprendizagem musical, o aprendizado de danas dramticas (o Cavalo-Marinho) e do repertrio de cultos afro-brasileiros. Vemos pesquisas baseadas em histria de vida de msicos das ruas, de chores, dos que tiram msica de ouvido e aprendem sozinhos, de professores e de estudantes sobre sua relao com msica no cotidiano social, familiar, escolar. E registros sobre processos de ensino e aprendizagem musical vivenciados por adolescentes na escola e sua utilizao em fazeres musicais no escolares (SANTOS, 2003:55).

    7 Falar de perspectiva religiosa' , por implicao, falar de uma perspectiva entre outras (...) uma forma particular

    de olhar a vida, uma maneira particular de construir o mundo, como quando falamos de uma perspectiva histrica, uma perspectiva cientfica, uma perspectiva esttica, uma perspectiva do senso comum (...)(GEERTZ, 1989:81). 8 vemos o aumento das pesquisas que se localizam nas tendncias crticas do pensamento pedaggico e curricular e

    nos estudos culturais e sociais ps-crticos. Entre crtico e ps-crtico no h necessariamente superao, mas um alargamento da anlise da dinmica do poder, misturando-se categorias dos estudos culturais e do pensamento ps-moderno (SANTOS, 2003:54).

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    Trabalhos como o de Arroyo (1999), de orientao etnogrfica, e Queiroz (2004), com perspectivas que se aproximam da Etnomusicologia, discutem sobre a ampliao da perspectiva antropolgica na formao do educador musical e colocam nfase na relao entre as prticas musicais e seus significados culturais.

    Se a cultura entendida como uma rede de significados, de acordo com Geertz (1989), as prticas de educao musical, escolares ou no escolares, so espaos de criao e recriao de significados e, portanto, de cultura. Nesse sentido, educao musical deve ser muito mais do que aquisio tcnica; ela deve ser considerada como prtica cultural que cria e recria significados que conferem sentido realidade. Essa interface da educao musical com a cultura encontra, na Antropologia, uma sustentao terica capaz de desvelar rea um novo sentido, como prtica cotidiana e como rea acadmica de conhecimento (ARROYO, 2000:19).

    Souza (2000), a partir de um vis sociolgico, tem promovido debates a respeito de uma Educao Musical que compreenda os sujeitos em seus cotidianos. Valoriza-se as experincias musicais concretas carregadas de significaes simblicas e narrativas que podem ser

    interpretadas e reconstrudas, retratando os sistemas de valores e crenas, assim como as relaes em que essas significaes ganharam sentido. As msicas que o sujeito produz e consome em seu dia-a-dia so vivenciadas de acordo com sua posio em determinada trama de relaes sociais, e suas preferncias e renncias musicais so influenciadas por elementos que fazem sentido a partir de seus significados, inseparveis de seu contexto. Sob a perspectiva do cotidiano, o processo de anlise pedaggico-musical prope a superao de modelos metodolgico-instrumentais universais ou de categorias amplas e generalizantes. Uma perspectiva da sociologia da vida cotidiana nos processos de transmisso e apropriao musicais

    se compromete com a anlise individual histrica, com o sujeito imerso, envolvido num complexo de relaes presentes, numa realidade histrica prenhe de significaes culturais. Seu interesse est em restaurar as tramas de vida que estavam encobertas; recuperar a pluralidade de possveis vivncias e interpretaes; desfiar a teia de relaes cotidianas e suas diferentes dimenses de experincias fugindo dos dualismos e polaridade e questionando dicotomias (SOUZA, 2000:28).

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    Essas consideraes tm orientado pesquisas9, que embora apresentem contrastes em suas abordagens metodolgicas e uma ampla gama de lcus de investigao, procuram retratar e interpretar as experincias musicais compreendidas dentro de um sistema de valores, estruturas e organizaes que so construdas historicamente (SOUZA 2000:175). Estudos tm sido desenvolvidos em projetos sociais (SANTOS, 2007) e ONGs (KLEBER, 2006); com grupos de hip hop (ARALDI, 2004), escolas de samba (PRASS, 2004) e msicos de famlia (GOMES, 2009); sobre processos de auto-aprendizagem musical (CORRA, 2000) e na relao das mdias e educao musical (GOHN, 2003); apenas para ilustrar brevemente alguns contextos. O reconhecimento da diversidade cultural, engrenada pela velocidade e fluxo das informaes, coloca o educador numa posio em que lhe possvel vislumbrar diferentes formas

    e posturas pedaggicas, que se transfiguram e se conceituam definidas pelo contorno scio-cultural em que se inserem.

    Nesse panorama, concepes de educao emergem ampliando o espao restrito do contexto escolar, implicando muitos desafios para qualquer educador atuar hoje. E penso ser significativo destacar aqui que um dos focos a ser fortemente considerado o olhar para a cultura que evoca diferentes dimenses da vida social. Essa questo est ligada construo das identidades socioculturais e conseqente valorizao e desvalorizao de grupos sociais e suas inseres nos processos polticos, ticos e estticos10.

    Um olhar para mltiplas prticas musicais, sem consider-las estranhas ou exticas, mas sim como um processo de produo de conhecimento de um grupo determinado de pessoas, estimula o educador a abrir seus horizontes metodolgicos e lhe proporciona uma gama de novas possibilidades de concepes musicais, aliceradas no fazer musical e em suas significaes.

    9 Souza (2008), apresenta discusses sobre a perspectiva das teorias do cotidiano em educao musical reunindo

    diferentes pesquisas desenvolvidas a partir desse vis. 10

    KLEBER magali. Fluxos Musicais. A diversidade dos contextos socio culturais e a formao do educador musical. Disponvel em http://www.fluxosmusicais.com/debate/a-diversidade-dos-contextos-socioculturais-e-a-formacao-do-educador-musical/ acessado em 23/03/09.

  • 32

    2. A MSICA EVANGLICA NO BRASIL

    Figura 1

    2.1 Origens e definies

    2.1.1 O protestantismo no Brasil

    O protestantismo a definio dada ao conjunto de igrejas crists e doutrinas que se originaram a partir do movimento reformador da Igreja Catlica Romana no sculo XVI, que teve como principal personagem o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546). Essas reformas, entretanto, no foram aceitas por grande parte da Europa crist, estabelecendo-se uma ciso entre a Igreja Catlica e a emergente Igreja reformada, denominada protestante. As idias e doutrinas da reforma atingiram a Inglaterra a partir da segunda metade do sculo XVI, e com o movimento colonizador chegaram Amrica do Norte no sculo XVII, e finalmente ao Brasil no sculo

    XIX11.

    11 Entre os sculos XVI e XVII, protestantes franceses no Rio de Janeiro e holandeses no Nordeste tentaram, sem

    sucesso, implantar prticas protestantes no Brasil.

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    No Brasil os protestantes geralmente so identificados pelo termo evanglicos, que compreende por sua vez uma complexa rede de denominaes e segmentos que, de uma forma ou de outra, derivam do protestantismo europeu do sc. XVI12. O termo, adotado como forma de auto-identificao, teria surgido atravs de missionrios norte americanos adeptos de um protestantismo conservador, que se autodenominavam angelicals (evanglicos), e que promoveram as Alianas Evanglicas em todo o mundo, um movimento de unio dos protestantes a fim de fazer frente ao movimento catlico.

    A influncia desse movimento alcanou o Brasil expressivamente no incio do sculo XX, com os avanos dos projetos missionrios protestantes em todo o mundo, patrocinadas pelas Alianas Evanglicas. Muitas denominaes brasileiras acrescentaram aos seus nomes a expresso evanglica e o termo crente, j usado de forma pejorativa, foi substitudo por evanglico para designar os adeptos e as igrejas no-catlicas (CUNHA, 2004:17).

    O protestantismo chegou definitivamente ao Brasil principalmente por dois modos: atravs dos imigrantes europeus, e pelos missionrios americanos, ambos no sculo XIX. Para melhor tentar compreender a organizao protestante no Brasil, resultado principalmente das doutrinas trazidas pelos imigrantes anglicanos ingleses e luteranos alemes, e dos missionrios americanos congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas, e ainda pelo movimento pentecostal implantado no incio do sculo XX, utilizo-me da sntese elaborada por Cunha (2004) que apresenta a seguinte classificao:

    a) Protestantismo histrico de migrao, que tem origem na Reforma do sc.XVI, e chegou ao Brasil atravs do fluxo migratrio estabelecido a partir do sc. XIX, sem preocupaes missionrias. Representado pelas Igrejas Luterana e Anglicana13;

    b) Protestantismo histrico de misso (PHM) com origens protestantes do sculo XVI, foi trazido ao Brasil por missionrios norte-americanos no sculo XIX. Corresponde s

    Igrejas Congregacional, Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal;

    12 Para um estudo histrico das diferentes maneiras de caracterizar o protestantismo e seus termos, consultar

    WATANABE, Tiago Hideo Barbosa. A construo da diferena no protestantismo brasileiro. Revista Aulas n 4, 2007. Disponvel em http://www.unicamp.br/~aulas/Conjunto%20III/4_22.pdf acessado em 31/05/2010 13

    Mendona (2005:50) prefere considerar a Igreja Anglicana como um caso parte das igrejas protestantes. A Igreja da Inglaterra resulta, sem dvida, da Reforma Religiosa, mas, como se diz com freqncia, ficou a meio caminho entre Roma e as igrejas protestantes, tanto luteranas como calvinistas. De fato, a ala propriamente dita anglicana recusa o ttulo de protestante.

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    c) Pentecostalismo histrico, baseado nas confisses histricas da Reforma e trazido ao Brasil pelo movimento missionrio no incio do sculo XX. Caracteriza-se pela doutrina do Esprito Santo, de um segundo batismo, marcado pela glossolalia. Composto pelas Igrejas Assemblia de Deus, Congregao Crist no Brasil e Evangelho Quadrangular;

    d) Protestantismo de Renovao ou Carismtico, surgido a partir de cismas no interior das chamadas igrejas histricas, e influenciados pela doutrina pentecostal. Mantm vnculos com a tradio da Reforma e com a estrutura de suas denominaes de origem. Formado pelas Igrejas Metodista Wesleyana, Presbiteriana Renovada e Batista de Renovao, entre outras;

    e) Pentecostalismo Independente14, j sem razes histricas na Reforma do sculo XVI, surgiu a partir da segunda metade do sculo XX, de divises nas denominaes histricas. Entre elas podemos citar: Deus Amor, Brasil para Cristo, Casa da Beno e Universal do Reino de Deus, entre outras;

    f) Pentecostalismo Independente de Renovao, aparece no final do sculo XX e incio do sculo XXI. Possui as caractersticas do Pentecostalismo Independente, porm tendo como pblico-alvo as classes mdias e a juventude, estruturando seu modo de ser para alcan-lo. Composto pelas Igrejas Renascer em Cristo, Sara a Nossa Terra e Bola de Neve, entre outras; Esta seria para a autora, basicamente, a teia complexa que forma o mundo evanglico

    brasileiro, o qual vem experimentando transformaes vrias ao longo de sua histria, influenciado pelos diferentes contextos scio-histricos nos quais est inserido (CUNHA, 2004:19). Dessa forma, o termo evanglico passa a se referir aos adeptos do cristianismo no-catlico-romano que compe o cenrio das igrejas protestantes no Brasil.

    2.1.2 O protestantismo histrico de misso

    Ao contrrio dos Estados Unidos, que se mostrou para os colonos protestantes ingleses uma terra propcia para a disseminao de suas doutrinas, o Brasil j tinha constituda uma forte

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    cultura religiosa, influenciada pelo catolicismo europeu e manifestaes religiosas indgenas e africanas. Os missionrios americanos passaram a operar negando essas manifestaes religiosas, assumindo uma forte tendncia anti-catlica, com base na herana europia puritana de reforma popular. O objetivo era convencer os novos adeptos a assumirem uma postura de mudana radical frente a seus antigos hbitos, rompendo com suas tradies profanas.

    O anticatolicismo, aliado s prticas missionrias, levou o PHM a adotar uma viso de mundo predominantemente anglo-sax. Os missionrios traziam outra linguagem e, junto com a doutrina protestante, pregavam tambm os seus valores culturais. As ilustraes dos textos didticos, as vestimentas, a postura do corpo, os instrumentos musicais, a hinologia revelavam estilos peculiares aos norte-americanos (CUNHA 2004:70).

    A imposio moral e de costumes dos missionrios estrangeiros, no adaptados nem ressignificados com o modo de vida brasileiro, gerou um afastamento dos adeptos com a sociedade, reforando um abismo entre o mundo religioso e o secular. O isolamento poltico se revelou atravs da idia de uma Teologia da Igreja Espiritual que, com base no preceito bblico dai a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus, insistia em que igreja importavam as questes espirituais e as materiais e polticas ao Estado (MENDONA, 2005:54). As festas, feiras, teatros, danas eram proibidos para os novos protestantes, que assumiam em suas vestimentas e em seu modo de vida sua identidade de crentes. Instrumentos musicais de cordas e percusso eram rejeitados e a hinologia era composta de verses de hinos tradicionais e canes europias e norte-americanas.

    Apesar da uniformidade de costumes e tradies, no havia um pensamento ecumnico organizado e eram mltiplas as denominaes e segmentos que operavam no Brasil, resultando em diversas rupturas e dissidncias15. A crise se manifesta com a briga de autoridades protestantes brasileiras que se opunham ao excesso de autoritarismo estrangeiro por parte dos missionrios, que insistiam na incompreenso dos hbitos brasileiros e na demonstrao de

    superioridade tnica; com as proibies constantes das comunidades em participaes festivas; com a negao das expresses culturais autctones e de condutas de comportamento vigentes,

    14 Na literatura corrente comum encontrar a denominao de neopentecostalismo, ao invs de pentecostalismo

    independente e independente de renovao, para caracterizar a chamada 3 onda pentecostal no Brasil, diferenciando-se do pentecostalismo histrico. 15

    Em 1925, os batistas brasileiros, atravs do movimento conhecido como Questo Radical, obtiveram parcial autonomia na gesto de fundos, movimento que prosseguiu sempre na direo da autonomia completa e de maneira complicada, dado o princpio batista da autonomia absoluta das igrejas locais (MENDONA, 2005:57).

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    que acabaram por afastar os mais jovens; e enfim com o xodo rural, sendo que muitos adeptos, ao levarem consigo a doutrina protestante, no a adaptaram ao contexto urbano e industrializado, distanciando-se ainda mais de sua participao social.

    Alguns movimentos ecumnicos e de restaurao foram se desenvolvendo a partir de 1950 em diversas igrejas histricas, mas a partir do final do sculo XX que as transformaes na maneira de se relacionar com a sociedade passam a ser sentidas com mais nfase. Com o fenmeno do neopentecostalismo, que tomou grandes propores a partir dos anos de 1980, houve uma reconfigurao do modo de ser evanglico, refletindo intensamente nas igrejas do protestantismo histrico de misso.

    2.1.3 O movimento pentecostal e neopentecostal

    O pentecostalismo histrico tem sua origem na religio protestante do sculo XVI e chegou ao Brasil atravs de missionrios norte-americanos. O nome deriva de Pentecostes, data comemorativa religiosa dos judeus que representa o dia em que o Esprito Santo se manifestou para os apstolos. A crena fundamentada na Bblia uma caracterstica em comum dos pentecostais em relao s igrejas protestantes tradicionais, distinguindo-se principalmente pelo batismo no Esprito Santo e a orao em lnguas desconhecidas (glossolalia). A partir do sculo XVIII comearam a surgir nos Estados Unidos manifestaes de carter pentecostais, tambm chamados avivamentos, tendo como caracterstica um extremo emocionalismo entre os participantes, que chegavam a ter reaes fsicas violentas, tanto de medo como de alegria (SANTOS, 2002:16), e passaram a ser mais frequentes no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Mas tradicionalmente aceito que o ponto de partida do movimento pentecostal, que hoje atinge vrios continentes, ocorreu em 1906, numa velha igreja metodista de Azuza Street, em Los Angeles, Estados Unidos (ibidem).

    O movimento pentecostal marcado no Brasil principalmente por trs fases, ou

    momentos distintos:

    A primeira onda a de 1910, com a chegada quase simultnea da Congregao Crist (1910) e da Assemblia de Deus (1910). A segunda onda pentecostal dos anos 50 e nicio de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relao com a sociedade se dinamiza e trs grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a

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    Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus Amor (1962). A terceira onda comea no final dos anos 70, e ganha fora nos anos 80. Sua representante mxima a Igreja universal do Reino de Deus (1977) (SANTOS 2002:19).

    Os primeiros movimentos pentecostais que chegaram ao Brasil esto ligados diretamente ao movimento de Los Angeles e so representados principalmente pelas igrejas Congregao Crist no Brasil e Assemblia de Deus, ambas fundadas em 1910 por missionrios europeus de origem presbiteriana e batista, respectivamente, mas que tomaram contato com o movimento pentecostal nos Estados Unidos. At 1950, essas foram as maiores representantes do pentecostalismo histrico, sendo discreta sua presena no Brasil (SANTOS 2002). Em estudo sobre a Congregao Crist no Brasil, Silva (2008) ressalta a doutrina conservadora e tradicional, caracterstica das denominaes pentecostais histricas, que so

    preservadas at hoje

    de difcil compreenso que em pleno sculo XXI a Congregao Crist preserve nas celebraes de seus cultos a diviso de gneros dentro dos templos, homens de um lado, mulheres de outro, a liderana ministerial do corpo da igreja e cltica exercida por leigos do sexo masculino, pois as mulheres no possuem participao ministerial, evidenciando um certo preconceito com base nas doutrinas bblicas, onde os costumes so transmitidos de forma oral, sendo proibido qualquer forma de divulgao miditica (p.3).

    Na segunda metade do sculo XX, atravs da Cruzada Nacional de Evangelizao, campanhas de curas milagrosas em tendas de lonas realizadas principalmente em So Paulo e

    organizadas pelo missionrio norte-americano Harold Willians, o pentecostalismo passou a ganhar espao no Brasil. A utilizao das rdios para divulgao da mensagem e a realizao de

    cultos mais espontneos garantiu maior alcance na evangelizao.

    Santos (2002) aponta nas prticas da Igreja do Evangelho Quadrangular no Brasil, fundada em 1951 por Harold Willians, aspectos de aproximao com os adeptos:

    Alm da Igreja procurar participar das questes polticas e econmicas do pas (h inclusive deputados da IEQ no Congresso), ela tambm se preocupa com os aspectos socioculturais da comunidade, criando assim, certas condies para que todos vo a Igreja e se sintam bem nela, Por isso preocupa-se em desenvolver na IEQ atividades que envolvam e levem em considerao os interesses dos membros, abrangendo todas as faixas etrias (p.26).

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    A partir da dcada de 1970 comea a se articular um novo movimento pentecostal, considerado neopentecostalismo, que rapidamente se espalha pelo pas atravs de intensa programao miditica, e passa a influenciar diretamente as denominaes protestantes histricas e at mesmo a Igreja Catlica16.

    No neopentecostalismo, identificado por Cunha (2004) como Pentecostalismo Independente, mantm-se o carter emocional na expresso religiosa, mas difere-se do Pentecostalismo histrico, pois enquanto este se baseia em doutrinas e costumes rgidos, herdados dos missionrios, o Pentecostalismo Independente baseia-se nas propostas de cura, de exorcismo e de prosperidade sem enfatizar a necessidade de restries de cunho moral e cultural para se alcanar a bno divina (p.85).

    A maior representao desse movimento pode ser encontrada na Igreja Universal do Reino de Deus, que investe na utilizao dos diversos espaos de comunicao, como rdios, jornais e canais de TV, para a divulgao de seus cultos, que passam a adquirir carter de espetculo