dissertação gabriel e. vitullo - ufrgs - 1999
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Vitullo.Dissertação mestrado.Teorias da democracia.Democracia.TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA
Teorias alternativas da democracia: uma anlise comparada
Gabriel Eduardo Vitullo
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obteno do
ttulo de Mestre. Aprovada com conceito A.
Orientadora: Professora Cli Regina Jardim Pinto
Banca: Dr. Atilio Boron, Dr. Hlgio Trindade e Dr. Carlos Arturi
Porto Alegre, julho de 1999
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Catalogao na fonte:
V854t Vitullo, Gabriel Eduardo Teorias alternativas da democracia: uma anlise comparada/ Gabriel Eduardo Vitullo. -- Porto Alegre: UFRGS, 1999. 159 p. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e
Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica. Cli Regina Jardim Pinto, Orientadora.
1.Teorias da democracia. 2. Democracia participativa. 3. Democracia deliberativa. 4. Democracia cvico-republicana. I. Pinto, Cli Regina Jardim, Orient. II. Ttulo.
CDD 321.4
CDU 321.7 Elaborada por Nadia Vanti CRB: 10/892
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RESUMO
A presente dissertao procura analisar e comparar as tendncias ou correntes
democrticas alternativas ao paradigma pluralista ou elitista-competitivo
predominante nos crculos acadmicos. Apesar de menos difundidas, estas correntes
so fundamentais quando se procura enriquecer o significado da democracia e
entender como a questo vem sendo tratada dentro da teoria poltica
contempornea. Pretende-se demonstrar que existem divergncias importantes
dentro do prprio campo das concepes democrticas alternativas. Com tal
propsito, sero examinadas obras e textos de diversos autores que tm abordado
este tema, e extrados os conceitos e argumentos mais relevantes. A pesquisa
abordar e mostrar os pontos centrais e aspectos mais importantes da democracia
participacionista, da democracia deliberativa e da democracia cvico-republicana.
Desta forma, poder ser traado um mapa do tema em questo, avaliadas as
possibilidades de construo de um novo modelo democrtico emergente e
oferecida uma contribuio para o estudo da teoria democrtica.
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ABSTRACT
This dissertation aims at comparing and analysing the different democratic streams
that offer an alternative to the "pluralistic" or "elitist-competitive" paradigm
predominating in academic circles. In spite of being less widely known, these
streams are essential when trying to enrich the meaning of democracy or understand
how this issue is approached within contemporary political theory. We intend to
demonstrate that there are major divergencies within the very own field of
alternative democratic conceptions. For that reason, the works and texts of different
authors who have entertained this subject will be examined and the most relevant
notions and issues will be taken up. This analysis will look into the central points
and most significant aspects of participatory democracy, deliberative democracy
and civic-republican democracy. In this fashion, a map of the issue under discussion
may be drawn, the likelihood of building a new emergent democratic model
assessed, and a contribution to the study of democratic theory offered.
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................. 1 1 - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA .............................................. 8 2 - DEMOCRACIA DELIBERATIVA ............................................... 54 3 - DEMOCRACIA CVICO-REPUBLICANA ................................. 97 4 - CONCLUSES ............................................................................. 145 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................... 153
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INTRODUO
A democracia tem originado importantes debates em torno de sua definio.
Mltiplas tentativas tm se ensaiado, diversas conceitualizaes tm sido propostas,
na medida em que a democracia traz atrelada a si a ausncia de um consenso quanto
a sua caracterizao. Nas ltimas dcadas vem ganhando espao predominante uma
forte corrente de pensamento que enfatiza seu aspecto procedimental. Esta corrente,
denominada por alguns de corrente pluralista, por outros de escola elitista-
competitiva, tem sido fonte de inspirao de inmeras pesquisas e estudos
acadmicos. Entretanto, h outras formas de pensar a democracia que, mesmo sendo
menos difundidas, constituem-se em idias fundamentais quando se procura estudar
as possveis maneiras de enriquecer seu significado. Nesta dissertao se procurar
realizar uma anlise de tais correntes alternativas, com o propsito de alcanar um
maior entendimento de como vem sendo tratada a questo democrtica dentro da
teoria poltica contempornea.
Nos estudos existentes sobre as correntes alternativas, em geral, estas so
analisadas em contraposio s teorias pluralistas ou elitistas-competitivas da
democracia, destacando os contrastes e enfrentamentos entre ambos os campos.
Mas poucos so os que consideram e analisam as divergncias dentro do prprio
campo das concepes democrticas alternativas. Nesta dissertao, portanto,
pretende-se abordar essas teorizaes da democracia sob uma perspectiva
comparada e crtica que permita resgatar os pontos mais relevantes. O material
bibliogrfico e objeto de estudo estar constitudo de textos e obras dos principais
autores que tm se dedicado elaborao e anlise destas formas alternativas de
conceber a democracia e que tm contribudo para redesenhar os termos de
referncia a partir dos quais se pensa a teoria democrtica.
O objetivo central ser revisar, analisar e comparar as principais obras que
tenham articulado uma posio alternativa ao paradigma democrtico predominante.
Procurar-se- confrontar diversas idias e argumentaes a partir da leitura das
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obras mais destacadas daqueles pensadores, filsofos e cientistas sociais que tm
proposto formas de conceitualizao alternativas ao paradigma da democracia
baseado na teoria das elites.
O estudo ser dividido em trs captulos: no primeiro analisaremos a corrente
da democracia participativa, no segundo a corrente deliberativa e no terceiro
captulo a democracia cvico-republicana. A ltima parte ser dedicada a algumas
concluses gerais que se derivam da anlise e comparao do exposto naqueles trs
captulos. Nessa sesso sero esboadas algumas formulaes surgidas do estudo
destas trs vertentes em que temos dividido o campo das teorias alternativas da
democracia - vertentes que, indubitavelmente, tm revitalizado a discusso dentro
da filosofia e da teoria poltica contempornea. Assim mesmo, tentar-se- expor,
sucintamente, as perspectivas e possibilidades que se perfilam para o debate futuro.
A ordem em que sero apresentadas as trs correntes no indica uma
cronologia, uma vez que estas tm avanado, em muitos casos, de forma paralela ou
simultnea ao longo destas dcadas. Tais correntes, apesar de coincidir na sua firme
oposio ao paradigma predominante, contam com um bom nmero de elementos
que as fazem bastante diferentes umas das outras: seja pelo ponto de vista do qual
partem, seja pela nfase que colocam sobre determinadas questes ou pela direta
divergncia em relao a certos temas especficos. Ao longo dos captulos que
seguem, trataremos de explorar e mostrar os aspectos mais importantes de cada uma
destas trs vertentes do pensamento democrtico, as bases desde as quais avaliar
possveis coincidncias, superposies e desacordos entre os distintos textos e
autores, aqueles pontos que expliquem o por qu de hav-los includo em grupos ou
correntes diferentes.
As diferenas existentes entre os exponentes destas correntes alternativas da
democracia nos mostram como, mesmo coincidindo em sua veemente crtica ao
paradigma predominante, nem sempre concordam em quais seriam os pilares sobre
os quais construir uma concepo distinta ou um novo modelo democrtico
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emergente. H uma variedade de linhas divisrias, reas de conflito e enfoques
diferentes entre os pensadores que argumentam em favor de outro tipo de
democracia. E , precisamente, a partir da constatao da heterogeneidade existente
no campo das argumentaes alternativas, que poderemos traar um mapa dos
diferentes grupos e vertentes. Esta classificao partir daqueles elementos que nos
permitam agrupar diversos textos dos autores mais renomados em funo de certas
semelhanas, certos pontos de contato, compromissos e coincidncias, para poder,
desta forma, realizar uma anlise crtica mais ordenada dos argumentos que se
oferecem como alternativa maneira de entender e definir a democracia que hoje
predominaria nos crculos acadmicos. No a nica classificao possvel, nem
todos os autores que sero mencionados neste estudo concordariam em se
identificar com algum dos trs rtulos ou denominaes escolhidas. Buscar-se-,
apenas, confrontar melhor os distintos argumentos oferecidos e agrup-los a partir
de enfoques e pontos de vista semelhantes e de preocupaes e temticas comuns.
As trs vertentes tm sua origem no descontentamento face teoria poltica
imperante. Os impulsores destas concepes negam-se a aceitar que a democracia
seja to s um mtodo de seleo de lderes por parte de um conjunto de cidados
desinformados, desinteressados, alienados e apticos. No concordam com o
modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a perspectiva
atemorizada do mundo poltico. Para os autores includos nestas correntes, a
democracia deveria ir alm do simples voto individual e da escolha no refletida.
Aqueles que lutam por construir um paradigma diferente no concebem a
possibilidade de que a democracia seja um mero procedimento, carente de todo
sustento histrico e embasamento social. Procuram dotar de novos contedos as
instituies existentes e gerar outras novas, que realcem o pleno envolvimento do
homem comum nos assuntos pblicos, habilitem maiores possibilidades de
expresso e revalorizem sua cidadania.
O participacionismo prope o alargamento do comumente definido como
poltico. uma corrente que pretende democratizar todos os espaos em que
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interagem os indivduos. Procura levar a democracia vida quotidiana das pessoas
nos mais diversos mbitos, tornando estas politicamente mais responsveis, ativas e
comprometidas, estimulando-as a adquirir um maior grau de conscincia em relao
aos interesses dos outros. O deliberacionismo, por sua vez, reala a necessidade do
dilogo entre iguais e do contnuo intercmbio de argumentos e razes. Para esta
vertente, por meio do debate que poderiam ser geradas novas opes e maiores
possibilidades de expresso e reconhecimento recproco entre os diferentes grupos e
indivduos. E a terceira corrente, a cvico-republicana, ambiciona revalorizar e
restabelecer a superioridade da poltica. Considera essencial reafirmar a distino
pblico/privado e procurar uma resignificao do compromisso cvico cidado,
atravs de um maior destaque s atividades e decises relativas aos assuntos
comuns mais relevantes. Todas elas insistem no efeito psicolgico positivo que se
derivaria de uma participao mais ampla na discusso dos assuntos pblicos,
expandindo as metas e o olhar das pessoas.
Cada uma das correntes do pensamento democrtico alternativo trata com
maior nfase alguns temas e desenvolve menos outros. As crticas que podem
sofrer, e que sero analisadas ao longo deste estudo, encontram em geral sua origem
mais na omisso de certas problemticas do que em discordncias profundas sobre
pontos centrais. No caso do participacionismo, muitos tm apontado para o risco de
paroquializao dos assuntos a discutir nos processos de tomada de decises e o
esquecimento das grandes questes nacionais que este tipo de propostas poderia
implicar. No que diz respeito ao deliberacionismo, h quem tenha assinalado, como
sua principal debilidade, a falta de aprofundamento no estudo das condies
concretas que poderiam facilitar um debate genuinamente democrtico. E no que se
refere ao republicanismo-cvico, diversos autores tm destacado, entre outras coisas,
o perigo de cair em tendncias perfeccionistas, que possam levar imposio da
participao poltica como ideal supremo e universal de felicidade.
Os autores que sero analisados nesta dissertao nem sempre consideram o
papel fundamental que deveriam desempenhar os partidos polticos em um formato
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democrtico alternativo. Tampouco so muitos os pensadores que realizam um
exame pormenorizado das novas funes que haveriam de ter os meios de
comunicao em uma democracia distinta. E nem todos fazem explcita a relao
entre mudanas poltico-institucionais e a transformao da estrutura social.
Precisamente, com este estudo, procurar-se-, alm de analisar e comparar as
diversas vertentes do pensamento democrtico alternativo, ressaltar, quando for o
caso, a omisso destes temas e questes.
Para cada uma das trs correntes sero selecionados alguns de seus autores
mais relevantes, que por seu peso intelectual bem podem refletir os pressupostos e
valores fundamentais de cada uma delas. No caso da democracia participativa,
incluiremos escritos de alguns pensadores que esto entre seus exponentes mais
conhecidos e so, talvez, quem melhor a representem. Entre eles, a professora
britnica Carole Pateman, autora que tem desempenhado um papel destacado entre
os crculos feministas e tem desenvolvido interessantes anlises onde confluem as
preocupaes pelos direitos da mulher com os desejos de fundar as bases para uma
nova teoria poltica e um novo modelo de democracia; o politlogo Peter Bachrach,
autor do renomado estudo Crtica de la teora elitista de la democracia; Crawford
B. Macpherson, prestigioso professor da Universidade de Toronto, autor de uma
vasta obra dedicada anlise da democracia. Tambm sero considerados textos de
Carol Gould, que tem procurado atualizar as teses dos autores anteriores e
aprofundar, desde uma tica crtica, suas propostas. Alm dos j apontados, sero
citadas as opinies de Samuel Bowles e Herbert Gintis, professores de economia na
University of Massachusetts, os quais tm realizado um grande aporte para a
elaborao de modelos democrticos alternativos fundados na nfase que tm dado
ao estudo das possibilidades de democratizao da esfera econmica.
Sob o rtulo de democracia deliberativa, sero abordadas propostas como as
de James Bohman, professor da Saint Louis University, autor de Public
Deliberation: Pluralism, Complexity, and Democracy e de New Philosophy of
Social Science: Problems of Indeterminancy; John Dryzek, e seus Discursive
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Democracy e Democracy in Capitalist Times; James Fishkin, professor da
University of Texas, autor entre seus livros mais recentes de Democracy and
Deliberation, The Voice of the People: Public Opinion and Democracy e The
Dialogue of Justice. Tambm sero analisadas, neste captulo, as posies em
relao a estes temas de Cass Sunstein, professor da University of Chicago Law
School, assim como as opinies de David Miller do Nuffield Collge de Oxford.
Revisaremos, tambm, as propostas do filsofo argentino Carlos Nino, as idias da
destacada pensadora feminista Iris Marion Young, textos de Bernard Manin,
professor do Centre National de la Rcherche Scientifique de Pars e de Joshua
Cohen, professor de filosofia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e
autor de Association and Democracy in the Modern World.
Dentro da democracia cvico-republicana haveremos de trabalhar,
fundamentalmente, com textos de autores tais como a filsofa alem Hannah
Arendt, entre cujas obras mais famosas encontramos: The Origins of Totalitarism,
The Human Condition e On Revolution. O professor estadunidense Benjamin
Barber, que alcanou notoriedade a partir de seu livro Strong Democracy e Sheldon
Wolin, professor de filosofia poltica na Princeton University e da University of
California, em Berkeley, pensador que conta com uma prolfica produo em
relao ao tema sob estudo. Tambm sero abordados textos de outros autores,
como o caso de Jane Mansbridge, quem com seu volumoso estudo Beyond
Adversarial Democracy, sobre dois exemplos de democracia em pequena escala,
tem aportado uma srie de sugestivas formulaes em relao a muitos dos assuntos
a serem desenvolvidos nesta pesquisa.
Trabalharemos, por outro lado, ao longo destes captulos, com textos de
estudiosos que tm se proposto a buscar respostas, a oferecer sugestes e a formular
crticas aos argumentos das distintas vertentes em que temos dividido o campo das
teorias alternativas da democracia. Assim o caso de David Held, professor da Open
University, que conta entre suas publicaes com Models of Democracy e Political
Theory Today; Chantal Mouffe, professora no Collge International de Philosophie
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em Pars; Seyla Benhabib, professora da New School for Social Research, autora
entre outras obras de Critique, Norm, and Utopia e Situating the Self; Robert Dahl,
autor de citao obrigatria quando se estudam as teorias da democracia; Michael
Walzer e seu interessante ensaio Un da en la vida de un ciudadano socialista; e o
politlogo italiano Danilo Zolo, autor que prope um projeto de refundao da viso
realista da democracia sobre novas bases, e cujos livros incluem Scienza e poltica
in Otto Neurath, La democrazia difficile e Democracy and Complexity.
Sero considerados, da mesma maneira, textos de autores talvez algo menos
conhecidos, que tambm tm escrito e realizado importantes comentrios sobre as
distintas correntes alternativas da democracia, como Mark Warren, professor na
Georgetown University; a professora Anne Phillips, do City of London Polytechnic,
autora que tem se destacado no estudo das relaes entre o feminismo e a teoria da
democracia; William Rehg, professor da Saint Louis University, co-editor, junto a
James Bohman de Deliberative Democracy; John Keane, diretor do Centre for the
Study of Democracy e professor da University of Westminster, autor de livros tais
como Public Life and Late Capitalism e Democracy and Civil Society; Terrence
Cook e Patrick Morgan, editores da compilao Participatory Democracy; Ronald
Pennock e seu livro Democratic Theory Today, onde tem se proposto a historizao
e anlise de diversas teorias e correntes da democracia; David Trend, professor da
San Francisco State University e editor da Socialist Review; Ian Budge, professor
da University of Essex e autor de numerosos livros e artigos sobre eleies, partidos
e teoria democrtica, entre outros.
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1 - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
- I -
Pretende-se, neste primeiro captulo, fazer uma reviso daquelas obras que
tm fundamentado as bases para construir uma das teorias ou formas alternativas de
pensar e conceber a democracia: o modelo da democracia participativa. Apesar de
no se tratar de um tema novo, pode-se considerar primordial analisar, partindo de
uma viso crtica desta corrente, quais so os alicerces que do sustento a estas
idias, avaliar quais so as fortalezas destas teorizaes e quais os pontos dbeis ou
aspectos nos quais apresentam maiores fragilidades. Tentar determinar que novos
caminhos tm sido abertos e quais as possibilidades de seguir progredindo no seu
desenvolvimento.
Tomarei algumas obras de pensadores que, como dissera, j tm se tornado
clssicos no estudo destes temas, como o caso de Peter Bachrach, Carole Pateman
e Crawford B. Macpherson, os quais bem podem ser considerados como
representativos da vertente participacionista. Analisarei, igualmente, textos de
outros autores que tambm tm abordado e desenvolvido estas questes ao longo
das ltimas dcadas. Autores tais como Norberto Bobbio, David Held, Robert Dahl,
Carol Gould, Herbert Gintis e Samuel Bowles. Por sua vez, revisarei sumariamente
a literatura crtica, atravs de escritos de estudiosos que tm se dedicado a comentar
ou a resenhar este tipo de propostas.
As idias que configuram a proposta democrtica participativa comearam a
ser esboadas nos anos sessenta, respondendo a esse clima de poca que se vivia
nos campus universitrios, nas escolas, nas fbricas, nos lares, nas ruas das grandes
urbes. Os participacionistas buscavam dar sustento e consistncia terica s
propostas alternativas dos novos atores que apareciam em cena, e dar algum grau de
sistematicidade a suas demandas e reivindicaes. Procuravam construir um modelo
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de democracia que, resgatando a participao como um valor fundamental, pudesse
se opor ao modelo centrado na teoria das elites, j ento predominante. Anne
Phillips, ao recuperar as razes deste movimento, o resenha do seguinte modo:
entre los radicales europeos y estadounidenses, el principal brote de entusiasmo
por una democracia ms amplia ocurri en los aos sesenta, cuando el fascismo se
haba retirado en las sombras y la democracia liberal pareca estar en su lugar con
toda firmeza. Las complacencias de esta ltima se desecharon y, reclamando la
tradicin de la democracia directa que tuvo su principal exponente en Rousseau, el
movimiento estudiantil y la Nueva Izquierda pusieron la participacin una vez ms
sobre el mapa (Phillips, 1996, p.22).
Para os participacionistas, a democracia no se restringe a um regime
poltico: sim um tipo de regime, mas remete tambm a muitas outras coisas. A
democracia apreciada enquanto forma de sociedade, projeto de sociedade futura e
ideal de emancipao. considerada um estilo de vida, algo que deveria permear
todas as relaes sociais das quais participa qualquer ser humano ao longo de sua
vida. Sendo assim, a participao torna-se um componente chave ou essencial,
implica o traspasse do poder poltico comunidade. Os indivduos devem poder
participar plenamente, em p de igualdade, na adoo daquelas decises coletivas
que os comprometem ou os afetam de forma direta (cf. Dahl, 1993, p.211). Sem
participao, para os autores que se inscrevem nesta corrente, no seria possvel
pensar em uma sociedade mais humana e eqitativa. Os impulsores das teorias
participacionistas buscam redefinir a poltica e alcanar o controle popular da vida
quotidiana (cf. Phillips, 1996, p.22). Tentam repensar a teoria da democracia e
estender os processos de tomada de decises democrticos s esferas econmica,
social e cultural. Procuram desenvolver e aprofundar as formas tradicionais de
democracia poltica e lev-las a novos contextos (cf. Gould, 1988, p.1,2,84).
Referindo-se aos movimentos radicais dos anos sessenta, Jane Mansbridge aponta:
the goals for the emerging radical movement, urged that we make politics more
participatory by subjecting both public and private burocraties to critical public
scrutinity, by making representatives more accountable, and by giving people more
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voice in decisions that affected their lives. These measures, it predicted, would
reduce apathy and improve not only the outcomes of decisions but the quality of
citizens lives (Mansbridge, 1983, p.299).
A participao apresentada como um fim em si mesma. Deixa de ser
considerada como um mero instrumento sem nenhum valor intrnseco. A
participao no seria um custo a pagar que o cidado procuraria evitar por
consider-lo maior do que os benefcios que dela obteria - como argumentam os
defensores da democracia elitista-competitiva. Os autores aludidos nestas pginas
coincidem em afirmar que a participao fundamental para contribuir ao
autodesenvolvimento individual, ao auto-aprendizado, auto-explorao e
construo de um cidado livre e ativo que lute por compartir o poder com os
demais. Ela possibilitaria o surgimento de melhores homens e mulheres, de
melhores cidados e cidads. Transformaria profundamente a psicologia dos e das
participantes, suas crenas, valores, atitudes e sensibilidades. Como afirma Peter
Bachrach, la participacin es un medio esencial para el pleno desarrollo de las
aptitudes humanas, vendo este autodesenvolvimento como o caminho face vida
boa (Bachrach, 1973, p.23-24), tal como a imaginavam os filsofos clssicos.
Seguindo Bowles e Gintis, dois autores que tm se dedicado com determinao ao
estudo das possibilidades de uma democratizao da esfera econmica, a meta
principal da democracia participativa deveria ser a de tornar as pessoas fazedoras
das suas prprias histrias, making people more nearly the authors of their
personal and collective histories, projeto que apontaria para a conformao de uma
nova ordem social e uma nova forma de vida, ... the construction of a social order
and a way of life that is at best prefigured only in the interstices of liberal
democratic capitalist societies today (Bowles & Gintis, 1986, p.26).
Para os autores que se enquadram nesta corrente, a participao entendida
como uma maneira que os indivduos tm de moldar melhor seus interesses e de
tomar conscincia mais clara de suas necessidades, assim como de se aproximar das
preocupaes e problemas que afligem aos seus semelhantes. O procedimento
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democrtico no considerado como algo exclusivamente formal, mas algo que
implica, tambm, uma forma de justia ou eqidade na distribuio dos recursos de
poder. Nas palavras de Robert Dahl - que nos seus ltimos escritos vem aderir com
maior fora a esta linha de pensamento -, el derecho a autogobernarse no es
meramente un proceso, porque es tambin una clase importante de procedimiento
de justicia distributiva, ya que contribuye a determinar la distribucin de recursos -
decisivos - del poder y la autoridad, influyendo as en la de todos los dems
recursos (Dahl, 1993, p.211-212).
Os participacionistas no se contentam com o simples fato do
comparecimento s urnas cada dois, trs ou quatro anos, como a nica e quase
exclusiva atividade que cabe ao cidado comum em uma democracia. Ambicionam
atividades mais comprometidas, aspiram a estabelecer a democracia direta em
diversas esferas e atividades. Procuram maximizar as oportunidades de todos os
cidados em intervir, por eles mesmos, na adoo das decises que afetam suas
vidas, e em todas as discusses e deliberaes que levem formulao e
implementao de tais decises. Enfatizam a necessidade de que as mulheres e
homens que vivem em uma democracia participativa possam alcanar um forte
sentido de compromisso, que adquiram a noo de fazer parte de um projeto
comum, que sintam que tm contribudo sua elaborao, que compartilhem
objetivos e metas, que alcancem um esprito de identificao com seus pares, que
sejam mais tolerantes e abertos aos desejos de seus semelhantes. Nas palavras de
um comentarista: those who talk about participatory democracy wish to
maximize the opportunities for all citizens to take part themselves, to share in
making the decisions that will affect their lives, and of course in the deliberations
and group activities of all kinds that lead to these decisions ... meaningful
participation may be defined as occurring when a person has a sense of where his
efforts fit into an overall plan, when he identifies with respect to the
accomplishment of the goals, and has a stake in the results of the total enterprise
(Pennock, 1979, p.440).
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O tomar parte, de forma pessoal, no processo de decises que tm relao
direta com suas vidas, faria com que as pessoas se vissem estimuladas a estar mais
atentas aos assuntos pblicos, mais e melhor informadas, motivadas a alcanar um
maior grau de responsabilidade por suas aes polticas e pelas conseqncias que
se derivassem destas, if people become actively involved in the processes of
government, so the arguments run, they will be motivated to obtain more, better,
and more coherent information on public affairs. Also feeling more responsible for
their political actions and the consequences thereof, their self-interested desires will
tend increasingly to be tempered by moral concern for the well-being of others, not
to mention a heightened awareness of their own true interests (Pennock, 1979,
p.442). Citando a Mark Warren, outro autor que tem se dedicado a comentar, a
partir de um apoio crtico, este tipo de projetos, if individuals were more broadly
empowered, especially in the institutions that most directly affect their everyday
lives, their experiences would have transformative effects. Individuals would
become more public spirited, more tolerant, more knowledgeable, more attentive to
the interests of others, and more probing of their own interests ... institutions that
make collective decisions in radically democratic ways will tend to generate new
forms of solidarity, cooperation, and civic attachment (Warren, 1996, p.241). A
democracia, em um formato participativo, teria um efeito transformador do prprio
ser, do indivduo comprometido nos assuntos comuns (veja-se tambm Warren,
1992).
Em geral, todos os pensadores que se enquadram nesta corrente de idias
ressaltam os efeitos benficos da participao sobre o participante, que contribuiria
para o desenvolvimento moral e intelectual individual, como j dissera John Stuart
Mill - tomado por muitos, e apesar de suas facetas contraditrias, como uma
referncia obrigatria quando se discute sobre temas relacionados com a
democracia participativa. O cidado sentiria que sua opinio conta, que sua
participao vale, e conseguiria apreci-la e v-la traduzida em frutos concretos. O
cidado ao participar incrementaria o prprio sentido de dignidade e de valor moral
que tem por si mesmo. A participao popular nas decises coletivas permitiria um
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maior controle sobre as circunstncias da prpria vida e as decises que afetam a
todos (cf. Beetham, 1993, p.62). Um indivduo que no participa do poder, que no
toma parte no processo de elaborao das decises que tero conseqncias sobre
sua vida, em contrapartida, se tornaria um ser aptico, insensvel s necessidades de
seus congneres, se fecharia sobre si mesmo e incorreria em atitudes de ndole
individualista ou egosta. Como diz Warren, a democracia precria demais quando
depende apenas dos juzos e decises de indivduos isolados, democracy works
poorly when individuals hold preferences and make judgements in isolation from
one another, as they too often do in todays liberal democracies (Warren, 1996,
p.242).
David Held, citando ao prprio Mill, resume do seguinte modo os aspectos
bsicos da proposta participacionista: sin la oportunidad de participar en la
regulacin de los asuntos que le interesan a uno, es difcil descubrir las propias
necesidades y deseos, llegar a juicios probados y contrastados y desarrollar las
excelencias mentales de tipo intelectual, prctico y moral. La participacin activa
para determinar las condiciones de la propia existencia es el mecanismo
fundamental para el cultivo de la razn humana y para el desarrollo de la moral.
Se violara la justicia social, porque las personas son mejores defensoras de sus
propios derechos e intereses de lo que cualquier representante no elegido pueda
nunca llegar a ser. La mejor salvaguardia contra la desatencin de los derechos de
un individuo es que pueda participar de forma rutinaria en su articulacin.
Finalmente, cuando los individuos estn comprometidos en la resolucin de los
problemas que los afectan o afectan a la colectividad en su conjunto, se desatan
energas que aumentan las posibilidades de crear soluciones imaginativas y
estrategias exitosas. En resumen, la participacin en la vida social y pblica reduce
la pasividad y aumenta la prosperidad general en proporcin a la cantidad y
variedad de las energas personales juntadas para promoverla (Held, 1992,
p.113-114). Nesta mesma linha, Held tambm sustenta que la participacin en la
vida poltica es necesaria no slo para la proteccin de los intereses individuales,
sino tambin para la creacin de una ciudadana informada, comprometida y en
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desarrollo. La participacin poltica es esencial para la expansin ms alta y
armoniosa de las capacidades individuales (Ibid., p.129).
Os participacionistas estimam que a definio do que se entende por poltica
deveria alongar-se, deveria superar as fronteiras convencionais e gerar, desta
maneira, legitimidade para a luta por relaes mais justas, humanas e igualitrias
em outras esferas tradicionalmente consideradas no polticas, tais como a famlia, o
matrimnio, o escritrio, a fbrica, a escola, a administrao, as foras armadas ou a
comunidade. A prpria definio do que poltico deveria ser submetida a debate,
tornar-se objeto central da discusso poltica. E assim estes autores chegam, em
alguns casos, at limites antes insuspeitados, como quando assumem como prpria a
postura sustentada pelos movimentos de mulheres, os quais, na sua tentativa de
sacudir os padres sexistas milenares existentes em nossas sociedades, postulam a
consigna o pessoal poltico, buscando estender a democracia a mbitos at ento
vistos como privados. Ao redesenhar o que era considerado poltico, como
assinala Anne Phillips, do um novo tratamento s esferas econmica e social,
levam a democracia a novas arenas de poder. Incluem, na busca do controle sobre
cada aspecto da vida quotidiana, a eliminao da desigualdade domstica, questes
de identidade, o controle sobre a sexualidade por parte das mulheres, mudanas na
representao cultural, o controle comunitrio sobre as instituies do Estado
Providncia e uma maior eqidade no acesso aos recursos pblicos (cf. Phillips,
1993, p.79-80).
A nfase dada necessidade de outorgar oportunidades aos indivduos de
decidir sobre questes nas quais realmente estejam interessados, sobre assuntos
concretos que os afetem de maneira direta em sua vida quotidiana, fica claramente
manifestada nas palavras de Carole Pateman, quando sustenta: a indstria e outras
esferas fornecem reas alternativas, onde o indivduo pode participar na tomada de
decises sobre assuntos dos quais ele tem experincia direta, quotidiana, de modo
que quando nos referimos a uma democracia participativa estamos indicando
algo muito mais amplo do que uma srie de arranjos institucionais a nvel
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-
nacional (Pateman, 1992, p.52). Para a professora britnica, a industria a mais
poltica de todas as reas nas quais os indivduos se inter-relacionam, e pode
permitir, por suas dimenses, a participao direta dos interessados (cf. ibid.,
p.113). A participao seria mais alta quanto mais relacionada estivesse com os
assuntos que afetam diretamente a vida das pessoas (cf. Held, 1992, p.18).
Todos estes autores, cabe insistir, consideram que a participao, nos lugares
onde os indivduos passam a maior parte do seu tempo, permitiria-lhes adquirir um
novo sentido de eficcia poltica e de potencial das suas capacidades. Estimularia os
poderes de pensar, sentir e atuar dos indivduos e aguaria o sentido de dignidade,
independncia e respeito pelos outros. Ao tomar conscincia dos efeitos
transformadores que derivam da sua participao, os indivduos passariam por um
processo educativo e de socializao que os prepararia para se envolver e
comprometer, posteriormente, tambm em outros espaos. O desejo de
participao, baseado na prpria experincia dela, pode muito bem transferir-se do
local de trabalho para reas polticas mais amplas. Os que demonstraram sua
competncia num dos tipos de participao, e obtiveram confiana de que podem
ser eficazes, sero menos deslocados pelas foras que os tm mantido apticos,
mais capazes de raciocinar a maior distncia poltica dos resultados, e mais aptos
a perceber a importncia das decises a distncias maiores de seus interesses mais
imediatos (Macpherson, 1978, p.107). Em suma, as pessoas se capacitariam para
julgar melhor, por exemplo, a conduta de seus representantes nos rgos
legislativos, se tornariam mais preparadas para exigir-lhes uma atuao e rendio
de contas mais responsveis.
Iris Marion Young - autora fundamental da corrente do pensamento
feminista e sobre a qual voltaremos no prximo captulo - considera, referindo-se
realidade que vivenciam as sociedades contemporneas, que most people in these
societies do not regularly participate in making decisions that affect the conditions
of their lives and actions, and in this sense most people lack significant power (cf.
Young, 1990, p.56). A impotncia poltica, a falta de autoridade e de status,
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refletiriam em uma perda de auto-estima, em uma inibio do desenvolvimento das
prprias capacidades (cf. ibid., p.57-58). O que explica que, para ela, a democracia
no lugar de trabalho seja um requisito iniludvel para conseguir avanar na
democratizao de outras esferas, includa a governamental: governos democrticos
e lugares de trabalho democrticos se reforariam mutuamente. Participation in
decision-making in the workplace contributes to the development of an interest in
and capacity for participation in decision-making in the city and the state (Young,
1990, p.223). Peter Bachrach, continuando nesta mesma linha argumentativa,
pergunta se o desinteresse e a indiferena pelos assuntos polticos no diminuiria
sensivelmente caso los sectores polticos que ganaren reconocimiento como tales
fueran la fbrica, la oficina, la empresa, destacando que es all donde se revela
plenamente ... en todo su horror, la dominacin del hombre por el hombre, y es all,
en consecuencia, donde debe establecerse y llevarse a la prctica la democracia.
Agregando, igualmente, que la educacin poltica resulta ms eficaz en el plano
en que desafa al individuo a cooperar en la solucin de los problemas concretos
que lo afectan a l y a su comunidad inmediata. En el pasado, la asamblea popular
de Nueva Inglaterra cumpli, idealmente, esta tarea; en los Estados Unidos del
siglo XX puede cumplirla eficazmente la comunidad fabril (Bachrach, 1973, p.160-
161).
A meta principal dos defensores da democracia participativa encontrar um
conceito novo e mais amplo de cidadania, um conceito que permita impulsionar a
desconcentrao do poder poltico e que faa ingressar o homem comum no
processo de tomada de decises, participatory democracy connotes
decentralization of power for direct involvement of amateurs in authoritative
decision-making (Cook & Morgan, 1971, p.4). Os participacionistas querem
romper com o exclusivo monoplio dos representantes escolhidos e dos
especialistas designados por estes ltimos, descentralizando ou dispersando o locus
de tomada de decises relevantes para a vida dos indivduos em uma variedade de
novos espaos e esferas. Aspiram levar a autoridade a um plano mais prximo dos
diretamente afetados, a mbitos onde os indivduos possam participar de forma
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-
direta, e com pleno conhecimento de causa, sobre os assuntos que tm imediata
relao com suas vidas quotidianas. Procuram generalizar o direito da sociedade de
decidir sobre seu prprio destino, por meio de seu efetivo autogoverno. O objetivo
dos participacionistas seria multiplicar as prticas democrticas,
institucionalizando-as dentro de uma maior diversidade de relaes sociais, dentro
de novos mbitos e contextos: instituies educativas, instituies culturais,
servios de sade, agncias de bem-estar e servios sociais, centros de pesquisa
cientfica, meios de comunicao, entidades esportivas, organizaes religiosas,
instituies de caridade, em definitivo, na ampla gama de associaes voluntrias
existentes nas sociedades atuais. Tambm aludem necessidade de democratizar a
famlia, o cuidado e educao dos filhos e as regras de convivncia no lar, para
criar, deste modo, as condies para um pleno autodesenvolvimento individual (cf.
Mouffe, 1993, p.18; Gould, 1988, p.255).
A democracia participativa motivaria os participantes a adquirir uma
informao mais abundante, completa e coerente sobre os assuntos pblicos. Os
participantes se inteirariam, desta forma, da existncia de novas solues, de
possveis respostas alternativas para os problemas que os afligem, estariam melhor
equipados para fazer eleies mais racionais quando tivessem de optar entre
distintas polticas pblicas (cf. Cook & Morgan, 1971, p.9). A mudana benfica na
psique dos indivduos poderia ajudar, tambm, para desterrar definitivamente os
males polticos prprios de nossas sociedades, beyond improvement of the
participant in the matter of knowledge direct participation may also effect benefical
changes in attitudes and values. To the extent that it overcomes the syndrome of
helplessness and ignorance, it may also overcome the political malaise of modern
man: his political cynism, alienation, and anomie (Ibid., p.9). Robert Dahl, em La
democracia y sus crticos, afirma que a participao poderia facilitar o
desenvolvimento pessoal, moral e social dos cidados e permitir-lhes proteger e
promover melhor seus principais direitos, interesses e inquietudes (cf. Dahl, 1993,
p.113).
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E alm destas mudanas e transformaes nos indivduos, na forma de
pensar destas mulheres e homens comuns que passam a tomar nas suas mos as
decises que construiro seus destinos, a participao direta das pessoas, para
muitos destes tericos, poderia contribuir tambm para gerar melhores decises. As
polticas adotadas atravs da participao de todos os interessados seriam
intrinsecamente mais valiosas, pois se haveria contemplado maior quantidade de
interesses em jogo - operando mais e melhores controles -, surgiriam depois de ter-
se escutado mais vozes e opinies e maior quantidade de posies, seriam resultado
de um debate social mais amplo, rico e profundo - ponto fundamental, como
veremos posteriormente, para os defensores da democracia deliberativa.
Nos anos sessenta, dos que nos separam j quase quatro dcadas,
predominava um slido convencimento de que existiria um crculo virtuoso que
levaria a que a prpria participao, uma vez posta em ao, geraria ainda maiores
graus de interesse e compromisso pelos assuntos comuns, negando explicitamente
argumentaes como as apresentadas por Schumpeter (1961) ou Sartori (1989), os
quais postulavam o carter irremedivel e inevitvel da apatia cidad nas sociedades
contemporneas. A um maior interesse do cidado e da cidad pelos temas
compartidos sucederia uma participao mais intensa, contnua e comprometida, e a
esta seguiria um novo aumento na informao e conhecimento, um renovado
interesse e uma melhor predisposio e um mais profundo sentimento de
solidariedade para se fazer cargo da adoo de decises que possam afetar os
cidados em suas vidas comuns.
Crawford Macpherson, referindo-se s democracias liberais ocidentais,
passada j a euforia inicial e rondando os finais da dcada de setenta, continuava
ostentando esta postura otimista. Via com boas perspectivas o processo de
profundizao da conscincia de classe entre os setores trabalhadores e o
fortalecimento dos novos e velhos movimentos sociais, fatores que redundariam,
ineludivelmente, em um considervel aumento e melhoria na qualidade da
participao. Ao lograr esse salto, tanto quantitativo como na substncia do
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contedo da participao cidad, entrar-se-ia, segundo Macpherson, nesse crculo
virtuoso auto-reprodutivo to esperado. Haveria uma conscincia cada vez maior
dos nus do crescimento econmico; dvidas crescentes quanto capacidade do
capitalismo financeiro de satisfazer as expectativas do consumidor enquanto
reproduzindo a desigualdade; crescente conscincia dos custos da apatia poltica
... cada um desses pontos est contribuindo para possivelmente atingir as condies
indispensveis para a democracia de participao: juntos, eles conduzem a um
declnio da conscincia do consumidor, a uma diminuio da desigualdade de
classes, e ao aumento na participao poltica atual. As perspectivas para uma
sociedade mais democrtica no so, portanto, inteiramente infundadas. O
movimento nesse sentido exigir e estimular um grau crescente de participao. E
isso agora parece pertencer ao reino do possvel (Macpherson, 1978, p.109).
Os pensadores participacionistas, baseando-se nessa slida confiana no
futuro, procuram reverter a verso que tm produzido os defensores do elitismo-
democrtico, para os quais, segundo Peter Bachrach, son las masas, no las elites,
las que se han convertido en amenazas potenciales para el sistema, y las elites, no
las masas, las que han pasado a ser sus defensoras (Bachrach, 1973, p.29). Os
impulsionadores da democracia participativa buscam advertir que as maiores
ameaas contra o sistema derivariam de sua elitizao, como j assinalaram os
tericos clssicos da democracia. a concentrao de poder, e no sua
redistribuio a estratos mais amplos e de forma mais igualitria, o que poderia
levar ao esvaziamento ou extino da democracia. Outra vez citando a Bachrach,
hay pocos motivos para suponer que las elites estn ms dispuestas a defender
derechos de procedimiento a riesgo de poner en peligro su propio status, prestigio
y poder personal ... pensar que existe armona entre los intereses creados de las
elites y el buen funcionamiento de la democracia es privar a esta ltima de la
audacia y capacidad imaginativa que la caracteriz en el pasado ... significara
limitar la expansin de la democracia a un mbito en que no constituya una
amenaza para los intereses fundamentales de las elites dominantes (Ibid., p.164-
165).
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A fim de ilustrar o que foi dito at aqui, podemos nos remeter a algumas
passagens da pensadora estadunidense Carol Gould, no seu livro Rethinking
Democracy. Gould, em sua tentativa de assentar as bases normativas e oferecer os
argumentos filosficos para uma nova concepo da democracia, analisa as vises
alternativas que tm fundado os pilares para o desenvolvimento de suas prprias
teses e idias, reconhecendo assim a influncia, entre outras, da obra de Macpherson
em seus textos. O professor canadense prope, segundo Gould, o poder de
desenvolvimento ou habilidade para exercer e expandir as capacidades individuais
como o objetivo central de uma sociedade democrtica, o qual implicaria um igual
direito efetivo para todos os indivduos a viver to plenamente e humanamente
como eles desejassem. Critrio que seria semelhante concepo de
autodesenvolvimento que ela defende: a liberdade individual plena em sentido
positivo. De acordo com sua prpria definio: self-development connotes the
process of concretely becoming the person one chooses to be through carrying out
those actions that express ones own purposes and needs. This is not to say,
however, that in such activity people realize some fixed, innate, or pre-given nature,
or tentialities, but rather that they create or develop their natures through their
activity ... this process of self-development thus consists in the formation of new
capacities and in the elaboration or enrichment of existing ones ... In this
development of capacities, individuals may be said to achieve a greater freedom of
action, in the wider range of choices that are opened for their action and in the
power to realize their purposes which their increased competence affords (Gould,
1988, p.47).
Para Gould, o pleno desenvolvimento da pessoa inclui o compartilhar
atividades e aes com os outros, j que os projetos de cada um no poderiam
conceber-se em termos estritamente individuais. Tais projetos, em geral, tero
tambm sua dimenso social, podem implicar no apenas mudanas internas no
indivduo, mas tambm no seu entorno social, no ambiente externo. Assim se
conseguiria o desenvolvimento da pessoa como um todo, integrando uma variedade
20
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de intenes e de aes, e a formao de seu carter e personalidade (cf. Gould,
1988, p.48). Ela resume seus postulados no seguinte princpio democrtico: every
person who engages in a common activity with others has an equal right to
participate in making decisions concerning such activity. This right to participate
applies not only to the domain of politics but to social and economic activities as
well. The scope of such decision-making includes both the determination of the ends
of the common activity and the ways in which it is to be carried out ... For if and
individual were to take part in common activity without having any role in making
decisions about it and under the direction of another, then this would not be an
activity of self-development, since such self-development requires determining the
course of ones activity (Ibid., p.84-85). Postulado semelhante ao que David Held
denomina como princpio de autonomia democrtica, segundo o qual, los
individuos deberan disfrutar de los mismos derechos (y, por consiguiente, de las
mismas obligaciones) en el marco que genera y limita las oportunidades a su
disposicin; es decir, deberan ser libres e iguales en la determinacin de las
condiciones de sus propias vidas, siempre y cuando no dispongan de este marco
para negar los derechos de otros (Held, 1992, p.399).
Indubitavelmente, para pr em funcionamento uma democracia
substancialmente participativa, novas instituies deveriam ser criadas. Os autores
ensaiam algumas propostas, com distinto grau de detalhe e elaborao. Muitos deles
pem praticamente toda a nfase na proposta de novas formas de relacionamento
laboral, no desenho de novos espaos para os trabalhadores tomarem decises sobre
suas condies de trabalho. Mencionam-se ferramentas tais como a co-
determinao, onde os leigos passariam a compartilhar o poder no processo de
tomada de decises com os especialistas, para o qual novos espaos e mecanismos
institucionais deveriam ser pensados. Tambm propem-se vias que levem
autodeterminao para certas questes, deixando aos cidados comuns maior
liberdade e espao para tomar decises por si mesmos, e de forma exclusiva, em
assuntos que lhes digam respeito de maneira direta ou que os afetem em suas vidas
quotidianas. Mecanismos semelhantes so sugeridos para serem aplicados nas
21
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escolas e universidades por alunos e professores, para que, por meio destes, possam
tomar parte na adoo de decises sobre os mtodos de ensino, contedos,
programas e outros aspectos da vida acadmica. Assim mesmo formulam-se opes
deste tipo para os grupos tnicos discriminados, para as mulheres e, em geral, para
todas as minorias oprimidas.
Entretanto, so poucos os tericos que se arriscam a esboar uma proposta de
reelaborao geral das instituies polticas estatais. Uma destas excees a de
Macpherson: ele imagina um sistema de conselhos piramidal, com instncias de
democracia direta na base, e processos e mecanismos de delegao para os nveis
superiores. Sistema que deveria contar, segundo ele mesmo esclarece, com mtodos
fortes de responsabilizao e a possibilidade de revocabilidade de mandatos para
aqueles que se afastassem das instrues dadas pelas bases. O critrio que prope o
professor canadense para tal estruturao governamental seria territorial,
comeando pelas unidades de bairros e ascendendo gradativamente at chegar a um
grande rgo nacional (cf. Macpherson, 1978, p.100). Segundo Chantal Mouffe, as
opinies de Macpherson sobre esta matria, seriam bastante ambguas: o modelo
institucional que imagina, segundo ela, implicaria em uma noo altamente perigosa
de democracia participativa, a qual no tomaria em conta a crucial importncia para
a moderna democracia das instituies polticas liberais. Mouffe diz que Norberto
Bobbio estabeleceria os corretivos necessrios proposta de Macpherson, ao
advertir que no se pode esperar a emergncia de uma forma completamente nova
de democracia, e que as instituies liberais devero, inevitavelmente, fazer parte de
qualquer modelo alternativo (cf. Mouffe, 1993, p.104).
David Held tambm sugere algumas linhas a partir das quais pensar as
possibilidades institucionais para um novo modelo de democracia. Assim ele
promove: participacin directa de los ciudadanos en la regulacin de las
instituciones clave de la sociedad, incluyendo el lugar de trabajo y la comunidad
local; reorganizacin del sistema de partidos, haciendo a los cargos del partido
directamente responsables ante sus afiliados; funcionamiento de los partidos
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participativos en la estructura parlamentaria o del congreso; mantenimiento de un
sistema institucional abierto, que garantice la posibilidad de experimentar con
formas polticas (Held, 1992, p.315-316). Entretanto, Held mesmo reconhece que
falta desenvolver mais e melhor as idias, admite que se precisa uma concepo
mais detalhada dos arranjos institucionais necessrios para proteger um novo
modelo de democracia e que esta no tem sido ainda alcanada, e agrega tambm
que la participacin directa y el control sobre los escenarios inmediatos, junto con
la competencia entre partidos y grupos de inters en las cuestiones
gubernamentales, es la forma ms realista de avanzar los principios de la
democracia participativa (Held, 1992, p.328,313). Como aponta um comentarista
da obra do professor Macpherson: there is a lack of detailed attention to
practicalities ... Macpherson also fails to explain the process of change from a
liberal capitalist society to a more satisfactory one (Morrice, 1994, p.660), crtica
que bem podemos estender, de um modo geral, tambm ao restante dos autores
participacionistas.
Carol Gould tambm enumera os caminhos que deveriam abrir-se em prol de
alcanar uma participao poltica mais ampla: organizaes locais no partidrias
no mbito da vizinhana ou comunidade que tomem decises por si mesmas sobre
um amplo espectro de assuntos, democratizao da eleio de candidatos,
democratizao dos partidos polticos, etc. Assim mesmo Gould apela para o uso da
tecnologia eletrnica, a fim de tornar possveis mecanismos de consulta permanente
cidadania e uma melhor e maior difuso da informao. Esta autora pe muita
nfase na necessidade de que os representantes sejam responsveis perante seu
eleitorado, atravs de eleies freqentes, de procedimentos de revogatria, de
consultas populares e referenduns sobre as decises mais importantes. Embora ela
reconhea, ao mesmo tempo, que se deve deixar certa margem de liberdade aos
representantes para que possam negociar e tomar decises (cf. Gould, 1988,
p.225,260).
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Para Ian Budge, o nvel de educao, a sofisticao e a civilidade dos
indivduos tm aumentado bastante, pelo que se pergunta, por que no podemos
renovar e reformar as instituies polticas, adaptando-as s condies modernas e
deixando para trs as premissas do sculo XIX sobre as que ainda repousam.
Segundo Budge, as instituies centrais da democracia j no seriam mais os
parlamentos, mas os partidos polticos, os quais estariam alm do seu papel de
intermedirios entre a populao e o governo. Para ele, a partir de um enfoque mais
pragmtico da democracia direta, os partidos poderiam funcionar como iniciadores
de polticas e corpos que clarificam, como na verdade j o vm fazendo. A mudana
fundamental estaria dada pelo fato de que os partidos viriam a guiar e organizar
diretamente o voto popular, e no mais o voto dos seus representantes no
parlamento. O governo de partidos submeteria os atos legislativos e outras decises
sobre assuntos polticos ao voto popular, tal como se faz nas democracias
contemporneas com o voto das cmaras legislativas (cf. Budge, 1993, p.139-141;
veja-se tambm Budge, 1996).
Outros autores tambm outorgam grande importncia ao fortalecimento dos
partidos polticos no contexto de um modelo democrtico alternativo. Chantal
Mouffe considera que os partidos poderiam desempenhar um papel relevante, dando
expresso diviso social e ao conflito de interesses (cf. Mouffe, 1993, p.5). Held,
resenhando a proposta de Macpherson, escreve: Macpherson argumenta a favor de
una transformacin basada en un sistema que combine unos partidos competitivos
y organizaciones de democracia directa ... el sistema de partidos mismo debe
reorganizarse, sin embargo, de acuerdo con principios menos jerrquicos, que
hagan a administradores y dirigentes polticos ms responsables ante el personal
de las organizaciones que representan. Se creara una base sustancial para la
democracia participativa si los partidos se democratizaran con arreglo a principios
y procedimientos de democracia directa, y si estos partidos genuinamente
participativos operaran dentro de la estructura parlamentaria o del congreso,
complementada y controlada por organizaciones de pleno autogobierno, en el
lugar de trabajo y en las comunidades locales (Held, 1992, p.310-311).
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Assunto fundamental, assim mesmo, o das instituies que ajudariam no
processo de educao dos futuros cidados. Em favor da construo de um modelo
democrtico participativo, dever-se-ia diagramar certo tipo de educao que
estimulasse nos indivduos, j desde seus primeiros anos de vida, o desejo de
participar nos assuntos pblicos, assim como fizesse nascer neles o respeito pelas
preferncias e necessidades de seus congneres e um forte sentido de tolerncia face
s diferenas. Para Amy Gutmann, civic education should educate all children to
appreciate the public value of toleration, j que, em sentido contrrio, citizens
who are educated to assume that their political position is unique reasonable erode
legitimate support for liberal democratic government, teaching toleration, mutual
respect, and deliberation does not homogeneize children or deny the value of
genuine differences that are associated with diverse ways of individual and
communal life. Quite the contrary, teaching these civic virtues supports the widest
range of social diversity that is consistent with the ongoing pursuit of liberal
democratic justice (Gutmann, 1995, p.559,579).
O processo educativo seria fundamental, dado que, como afirma Carol
Gould, determinados tipos de carter ou personalidade levariam a uma maior
participao dos indivduos e a uma maior assuno de responsabilidades na adoo
das decises coletivas. Segundo ela, haveria certas caratersticas relevantes que
definiriam uma personalidade democrtica, como por exemplo: a auto-atividade, o
fato de ter a capacidade racional de iniciativa, o fato de contar com uma forte
disposio reciprocidade (disposio a entender o outro, a respeit-lo e esperar
que o outro atue de forma equivalente), sentido de reconhecimento, esprito de
tolerncia, flexibilidade e mente aberta, compromisso e responsabilidade,
comunicatividade, ter um sentido de comunidade, possibilidade de levar uma vida
compartida e disposio a brindar assistncia e cooperao (cf. Gould, 1988, p.284-
294). Todos estes aspectos e atitudes, ao serem estimulados na vida dos indivduos
desde cedo, facilitariam em alto grau o desenvolvimento de uma slida democracia
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participativa e dariam contedo a suas instituies, as quais, por sua vez,
garantiriam a continuao e o crescimento de tais sentimentos nos participantes.
- II -
Ao submeter estas propostas a um exame rigoroso, muitos so os pontos
obscuros ou flancos dbeis que encontraramos. Entretanto, nos limitaremos a fazer
uma rpida referncia dos assuntos mais destacados na literatura sobre o tema, para
depois, sim, determo-nos mais detalhadamente sobre alguns deles.
Alguns crticos tm mostrado como uma participao mais ampla poderia
ajudar a legitimar o sistema poltico atual, fechando a possibilidade para mudanas
mais profundas, ou complicando, ao menos, a realizao de mudanas estruturais no
plano poltico e social. Ditos comentaristas ressaltam ademais que, desta maneira,
poder-se-ia incorrer em uma forte contradio com as motivaes radicais que
inspiram as vertentes participacionistas da democracia, com as aspiraes de
transformaes sociais revolucionrias e os resultados que se costumam postular e
se esperam alcanar. Neste sentido, Ronald Pennock, por exemplo, destaca que o
produto ou resultados governamentais se tornariam mais aceitveis e legitimados,
sendo que algo que os participacionistas, em geral, no destacam o suficiente (cf.
Pennock, 1979, p.442). Cook e Morgan tambm assinalam que para muitos que
pretendem seguir a linha de pensamento de John Stuart Mill, a participao ajudaria
a formar atitudes individuais mais orientadas sociedade, contribuindo para
aumentar a legitimidade do sistema poltico. Entretanto, estes autores observam que,
para outros, que se opem a este tipo de raciocnio, a participao deveria servir
como saudvel escola de subverso da ordem existente, como ferramenta para
modificar a forma de pensar das pessoas ou como instrumento que ajudasse a
superar o sistema vigente e no a legitim-lo (cf. Cook & Morgan, 1971, p.10-11).
No so muitos os participacionistas que tornam explcito o risco de que suas
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teorizaes possam dar lugar a derivaes ambguas, ou at diretamente antagnicas
com as intenes originais.
Outro problema que mencionado com bastante freqncia pelos que tm-se
dedicado ao estudo destes temas, o perigo de cair em uma trivializao dos
assuntos tratados, em uma prejudicial paroquializao das questes. Pennock
argumenta que se reduzssemos em demasia a escala, os assuntos poderiam tornar-
se to banais que a maioria perderia interesse neles (cf. Pennock, 1979, p.460).
Cook e Morgan alegam que a democracia participativa poderia fazer proliferar
unidades de tomada de decises com interesses extremamente paroquiais,
absorvendo toda a ateno no trivial a expensas daquilo que realmente importante.
Correramos o risco, insistem estes comentaristas, de ter unidades democrtico-
participativas que transformassem em pico o trivial, ou que estivessem
preocupadas com assuntos de menores conseqncias, ao custo de uma ateno
inadequada para os grandes temas. A democracia participativa poderia produzir uma
ineficincia poltica considervel; para preveni-la dever-se-ia definir com preciso a
esfera de competncias de cada unidade e de cada nvel (cf. Cook & Morgan, 1971,
p.29,34,38). Como sustentam alguns crticos da poltica fomentada por certos
crculos feministas, este tipo de atitudes, em relao escala dos temas a considerar,
podem servir para legitimar a retirada das instncias de discusso dos grandes
assuntos polticos (cf. Phillips, 1996, p.116). Mal formuladas, estas propostas
poderiam chegar a dar aval ao encerramento no pequeno mundo e a gerar um
considervel desinteresse pelo que se passa alm da porta do lar, da fbrica ou dos
limites da aldeia.
Muitas vezes tem-se apontado tambm o perigo de cair, ainda que
indiretamente, em um processo no desejado de elitizao dentro das novas esferas
de deciso a serem criadas. Por uma questo aritmtica elementar poderiam acabar
auto-selecionando-se uns poucos. A trivializao dos temas poderia levar a que a
maioria perdesse interesse e as minorias manejassem tudo em nome dos demais,
arrogando-se uma representao que no tm (cf. Pennock, 1979, p.456-457,462). A
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forma em que as decises seriam tomadas nas novas instncias no tem sido muito
estudada, no tem merecido a suficiente ateno por parte dos promotores de uma
democracia com direta participao popular. H quem tenha alegado que os espaos
onde operaria a democracia participativa poderiam chegar a resultar, em certas
circunstncias, extremamente antidemocrticos, alm de ineficientes, demorados e
incompetentes na adoo das decises (cf. Cook & Morgan, 1971, p.30;
Mansbridge, 1983, p.166-169).
Existiria o risco de incorrer em uma tirania em pequena escala. Os tericos
participacionistas, com freqncia, tm menosprezado o valor dos procedimentos
formais de tomada de decises, dando uma nfase exagerada espontaneidade e ao
carter no estruturado do processo de formulao das polticas pblicas,
ressaltando a importncia da vontade aberta, livre e amorfa dos participantes. Como
bem destacam Cook e Morgan, no se encontram com demasiada freqncia regras
explcitas de ingresso, regulaes eleitorais e procedimentos do tipo parlamentrio
nesta classe de argumentaes. Em geral prevalece a idia de que as discusses no
estruturadas, as resolues e as votaes geraro a verdadeira expresso da vontade
das pessoas (cf. ibid., p.30). James Bohman - autor sob o qual voltaremos no
prximo captulo - indica que muitas teorias participacionistas deveriam revisar seu
antiinstitucionalismo e sua crena excessiva no hiper-racionalismo da tomada de
decises polticas (cf. Bohman, 1996, p.246). No poderia outorgar-se legitimidade,
pela via da participao, a uma realidade profundamente antidemocrtica?
Problemas como este ltimo, oferecem sustentao s crticas que os
defensores do modelo democrtico elitista-competitivo fazem s perspectivas
alternativas. Giovanni Sartori, por exemplo, apoiando-se em concluses como as
analisadas, afirma que la prueba democrtica es la prueba electoral; pues slo las
elecciones expresan un consenso general, es decir, las opiniones de todo el pueblo
(que se preocupa de expresar su opinin). Por el contrario, las voces que se dejan
sentir por encima y ms all de las elecciones son voces minoritarias o de lites;
son las voces de una fraccin normalmente reducida del pueblo. E incluso, millones
28
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de manifestantes no son el pueblo (mientras se deje sin voz a muchos ms millones
de ciudadanos) (Sartori, 1989, p.120). O politlogo italiano agrega tambm: si la
democracia concede - como lo hace - el derecho de decidir su destino a todo el
pueblo, las opiniones que indican un consenso general o, a la inversa, un disenso
general respecto al gobierno son las expresadas por los votantes en general en las
elecciones, y solamente va elecciones (Ibid., p.120-121). A democracia, segundo
este autor, entendida sob uma forma mais radical, poderia negar sua voz maioria,
degeneraria em um elitismo ainda mais acentuado daquele que se procurava
neutralizar, por meio da substituio das elites existentes por contra-elites. O
participacionista acabaria convertendo-se, ele tambm, em elitista, dado que a
participao intensa apenas seria possvel em grupos pequenos. Para Sartori, a
democracia representativa, pelo contrrio, garantiria que os moderados e passivos
tivessem, ao menos, a oportunidade de opinar (cf. ibid. 154,157; Sartori 1997; veja-
se tambm em relao a este ponto os comentrios de Phillips, 1996, p.50).
Outras questes que tm sido objeto de insistentes comentrios: como
estabelecer qual seria a unidade adequada ou o contexto para cada tipo de decises?
Como determinar em que mbitos a democracia participativa seria desejvel ou
relevante? Seria operativo um critrio exclusivamente territorial para a criao de
novas esferas de participao e adoo de decises? Cook e Morgan sustentam que
uma definio territorial poderia ter sentido para aqueles que vivem e trabalham em
pequenas localidades ou em reas rurais, mas pode no t-lo para a grande maioria
dos cidados de qualquer pas industrializado: enormes contingentes cruzam
diariamente os limites de seu espao de residncia para trabalhar, para ir fazer suas
compras, para ocupar seu tempo de cio e vrios milhes de pessoas mudam de
domiclio a cada ano (cf. Cook & Morgan, 1971, p.22-25). Outro ponto relacionado:
caso se realizasse uma descentralizao territorial profunda demais se poderia
chegar a omitir a considerao de assuntos e fatores interlocais, inter-regionais e
nacionais, fatores que no possam ser compreendidos e tratados mediante a
implementao de unidades exageradamente reduzidas (cf. Pennock, 1979, p.459).
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Este tema da relao entre o tamanho da unidade de tomada de decises, as
oportunidades para que as pessoas realmente participem de forma direta e as
possibilidades de adoo e implementao de polticas coerentes e compatveis em
espaos maiores, seria fundamental no momento de pensar na viabilidade dos
modelos de democracia participativa que se propem. Como j apontavam Cook e
Morgan, a incios dos setenta, as presses para manejar os assuntos sociais e
polticos mais relevantes em unidades maiores esto em crescimento, em geral os
grandes problemas que enfrenta a humanidade levam a subir a escala das unidades
governamentais, mais do que a diminu-la (cf. Cook & Morgan, 1971, p.27-29).
Economia, meio ambiente, segurana nacional, sobrevivncia, dependeriam em
grau crescente de foras e atores externos, que estariam alm das fronteiras dos
estados nacionais. A transnacionalizao dos assuntos limitaria severamente a
capacidade de ao dos cidados e de seus governos (cf. Dahl, 1993, p.382-383).
Nas pginas que se seguem tentaremos deter-nos sobre alguns pontos que
deveriam considerar-se de primordial importncia para o desenvolvimento de uma
teoria ou modelo mais acabado que pugnasse por uma democracia genuinamente
participativa. Basicamente poderiam ser agrupados ao redor de quatro questes: a) a
anlise das classes sociais, o conflito de classes e da propriedade dos meios de
produo; b) a objetvel relao que os tericos participacionistas estabelecem entre
a poltica local e a poltica nacional; c) a forma em que analisada a questo da
complexidade dos assuntos de governo; e, por ltimo, um tema fundamental: d) a
maneira em que os autores participacionistas encaram o fenmeno da apatia cidad.
a) No que se refere s classes sociais, o conflito de classes e a propriedade
dos meios de produo, nem todos os participacionistas analisam estes temas com a
profundidade suficiente. Assim, por exemplo, Carole Pateman afirma que pouco se
disse a respeito da propriedade da indstria em um sistema participativo, uma vez
que isso nos afastaria muito de nosso tema principal (Pateman, 1992, p.143, n.1).
Como pensar em uma democracia qualitativamente distinta e no tratar a questo
central de quem ser o detentor dos meios de produo? No haver, talvez,
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veladamente, uma definitiva resignao manuteno do sistema capitalista?
Seguindo Atilio Born, na sua crtica a posturas como as de Ernesto Laclau e
Chantal Mouffe - em certo sentido continuadores da corrente participacionista -,
poderia afirmar-se que postular uma democracia radical no nos deveria levar a
renunciar superao do capitalismo (cf. Born, 1996, p.38). Caberia coincidir,
tambm, com a comentarista Brbara Epstein, que espera que o fato de pugnar pela
disperso da democracia em mais campos, esferas e espaos, no implique
abandonar a luta pela democratizao do prprio Estado. Muitos autores estariam
procurando substituir o socialismo como ideal pela democracia radical, conceito,
segundo Epstein, perigosamente mais fcil de ser apropriado e deformado por parte
dos setores conservadores (cf. Epstein, 1996). David Trend aponta que a busca de
uma democracia radical e plural no deve levar a minimizar a importncia dos
assuntos econmicos, a no se ocupar mais da redistribuio e da estrutura
econmica e a dedicar-se to somente ao sujeito e suas definies (cf. Trend, 1996b,
p.16).
Assim como a discusso da propriedade nem sempre aparece, tampouco est
o suficientemente destacado por todos os participacionistas o estudo das classes
sociais, o estudo do conflito de classes. Ser que os autores supem que por meio de
simples arranjos institucionais e sem levar em conta a densidade das foras sociais
em pugna, vo poder transformar a democracia? O professor Macpherson reconhece
que os expoentes da democracia desenvolvimentista no sculo XX foram ainda
menos realistas que Mill quanto a isso: de modo geral, eles escreveram como se os
problemas de classes se houvessem dissipado, ou estivessem desaparecendo,
cedendo lugar a diferenas pluralistas que eram no apenas mais controlveis
como tambm positivamente benficas (Macpherson, 1978, p.54). Macpherson
aponta como pr-requisitos de uma democracia participativa, a mudana da
conscincia do povo (ou da sua inconscincia) [e] uma grande diminuio da atual
desigualdade social e econmica (Macpherson, 1978, p.102-103). Mas, apesar de
sua clara conscincia no sentido de que a democracia requer mudanas econmicas
profundas, como indica um comentarista da sua obra, Macpherson rarely refers to
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class and is concerned largely with the problem of securing maximum individual
development (Morrice, 1994, p.659). Ainda quando faa numerosas aluses sobre
o tema em outras de suas obras (cf. por exemplo La realidad democrtica [1966],
1968), C.B. Macpherson no alcanaria em sua anlise um grau de desenvolvimento
mais extenso e profundo sobre este ponto.
Peter Bachrach, em contrapartida, d uma importncia maior ao tema, ainda
que em um livro bastante posterior ao seu j conhecido Crtica de la teora elitista
de la democracia (1973), onde nem considerou a questo. apenas ento com
Power and Empowerment: A Radical Theory of Participatory Democracy (1992),
escrito junto com Aryeh Botwinick, que Bachrach postula como essencial entender
que a luta de classes positiva para a democracia. Nas suas palavras: Working-
class struggle should thus be encouraged as a way of revitalizing our failing
democratic polity by realigning political parties along class lines and expanding
citizen participation and public awareness of issues of national concern (Bachrach
& Botwinick, 1992, p.x). Destacando tambm, neste novo livro, que fundamental
limitar o poder das grandes corporaes e politizar os trabalhadores, como formas
de revitalizar e expandir a democracia poltica; e imperioso, outrossim, propiciar
coalizes entre estes ltimos e outros grupos mobilizados, tais como as feministas,
os ecologistas, os vizinhos e os lutadores pelos direitos civis. Em resposta s crticas
sofridas por aqueles que se limitavam a estudos que no transcendiam as portas das
fbricas, Bachrach e Botwinick alegam que seus objetivos so muito mais amplos
do que a simples democratizao da indstria. Seus objetivos implicariam uma
redistribuio do poder na sociedade em termos de classe, a substituio de regras
oligrquicas por regras democrticas em todas as esferas e a mudana das normas
sociais que tm um vis classista e favorecem a certos grupos privilegiados. Estes
autores reafirmam, ademais, em numerosas oportunidades ao longo desta obra, que
a luta de classes uma forma democrtica de mudana social. A luta de classes
poderia facilitar a expanso e o fortalecimento da democracia, ao contrrio do que,
em geral, argumentam aqueles que aderem verso competitiva-elitista, para os
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quais qualquer conflito que se gerasse entre as classes colocaria em srio risco a
sobrevivncia do sistema democrtico (cf. ibid., passim).
Evidentemente, para no mnimo pensar em uma democracia mais viva, mais
forte, mais audaz, radical, profunda e participativa, dever-se-ia considerar o conflito
de classes, pois a democracia sob um sistema capitalista encontra limitaes de
classe que impedem sua expanso. Daria a impresso de que, s vezes, certos
autores insinuam uma democracia harmoniosa demais, como se os conflitos no
fossem subsistir, ainda incluso em uma hipottica, e por eles nem sempre
imaginada, sociedade sem classes. Imaginar uma sociedade sem conflitos implicaria
a eliminao de toda diferena, e sem pluralismo ficariam suprimidas,
indubitavelmente tambm, a poltica e a prpria democracia. Como diz o pensador
mexicano Carlos Pereyra, una teora de la democracia que apuesta a situaciones
de armona universal se mueve en el vaco (Pereyra, 1988, p.101). A democracia
nunca poderia pressupor a ausncia de disputas, de projetos ou vises discordantes;
mas ao que sim pode e deveria aspirar, a encontrar formas e mecanismos
pacficos, justos e igualitrios de resolver tais conflitos. O antagonismo tem um
carter irredutvel. Em poltica sempre o interesse pblico assunto de debate, e um
acordo final nunca pode ser alcanado. Imaginar tal situao seria sonhar com uma
sociedade sem poltica. Poder-se-ia ambicionar no a eliminao do desacordo, mas
tratar de cont-lo dentro de formas que respeitassem a existncia das instituies
democrticas.
Quem sim d um lugar mais destacado a estes temas so autores como Carol
Gould ou Samuel Bowles e Herbert Gintis. Concentrando-nos nas argumentaes de
Gould, podemos ver como ela prope um modelo onde a democratizao da esfera
econmica um dos elementos fundamentais. Tal modelo seria baseado na
autogesto dos trabalhadores, na combinao de mecanismos de mercado e de
funes de planificao e regulao e em formas de redistribuio do ingresso. Para
esta autora, a autogesto implicaria a propriedade do capital, o controle e a gesto
de cada firma, por aqueles que trabalham nela (cf. Gould, 1988, p.250). Para Gould
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deveria se dar uma maior nfase ao estudo da esfera produtiva, e no apenas ao
espao da distribuio. A justia, na organizao da produo, seria conseqncia
da autogesto dos trabalhadores na tomada direta de decises econmicas no
processo produtivo, assunto que nem todos os autores encarariam desta forma:
although other theorists have argued for such workersself-management, they have
not seen it as required by justice, but rather by such other values as meaningful
work, property rights, or productive efficiency, or most generally, by the value of
democracy itself (Ibid., p.133).
Os trabalhadores, na autogesto da empresa, se ocupariam de questes de
planificao e organizao da produo ou da proviso de servios, taxas de
produtividade, distribuio de tarefas, horas de trabalho, disciplina, poltica de
distribuio de ingressos e dividendos. Sem que isto implique, necessariamente, que
todos os trabalhadores devam tomar parte em todas e cada uma das decises que
tm relao com a produo e venda dos produtos, pois poder-se-iam delegar
funes a diretores e gerentes que os prprios trabalhadores escolheriam: It is
clear, then, that workers self-management as it is described here involves more
than worker participation in the management decisions of privately owned
corporations. Rather, it is understood as worker control, that is, as involving
property rights of ownership, as well as management rights. In this way, this view
entails a conception of social or cooperative ownership of the means of production
by the participating workers in a firm (Gould, 1988, p.145, cf. tambm p.250).
Cabem alguns esclarecimentos: face a eventuais crticas, de destacar que no
modelo de Carol Gould no h espao para a existncia de um mercado de trabalho,
o trabalho como mercadoria ficaria suprimido. Tambm cabe ressaltar a previso
que a autora realiza em relao s questes sociais e econmicas mais amplas, que
transcendem os limites da empresa, para as quais deveriam criar-se mecanismos de
planificao local, regional ou nacional - investimentos, tributao e Estado
Providncia, por exemplo - nos quais poderiam participar todos os atingidos, e no
to somente os trabalhadores. Tais assuntos fariam parte, deste modo, do processo
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poltico de tomada de decises em um governo democrtico. Atravs da regulao
dos mercados e da criao de comisses de planificao e de investimento -
democraticamente representativas -, se poderiam assegurar os interesses sociais
mais gerais, prevenir abusos no sistema mercantil e atender certas necessidades
sociais e polticas de pesquisa cientfica e inovao tecnolgica (cf. Gould, 1988,
p.146,252-254).
No que se refere especificamente atuao dos trabalhadores dentro das
empresas, Gould distingue os seguintes pares de opes contrastantes: Do workers
simply have a right to some input into managerial decisions that are ultimately
made by others (that is, to what has been called worker participation); or do they
have a more extensive right to make managerial decisions themselves, either
directly or through a right to appoint and recall managers (what has been called
worker control)? What is the locus of such decision-making? Is it at the level of
the immediate or smallest work unit or shop committee, or is it at the level of the
firm? Or again, is such decision-making properly located at the level of workers
representation in industrywide or national economic policy-making and planing?
(Gould, 1988, p.2-3). A autora, evidentemente, defende uma viso ampla da
participao operria nas indstrias, com quotas importantes de poder de deciso
tanto nas empresas, quanto em relao capacidade real de opinio e resoluo
sobre os grandes assuntos econmicos nacionais.
Gould busca diferenciar sua proposta e anlise daquele efetuado por
Macpherson. Segundo ela, Macpherson analisaria a participao democrtica nos
processos de tomada de decises sob uma forma quase que exclusivamente poltica.
Ainda quando mencionasse tambm a participao nos assuntos econmicos, ele
apontaria principalmente para a participao nas decises polticas sobre a vida
econmica, advogaria por incrementar o controle poltico democrtico estatal sobre
as esferas econmica e social. Macpherson no contemplaria a idia da participao
dos trabalhadores na tomada de decises relativas a seus prprios lugares de
trabalho. Macpherson does not elaborate the idea of direct participation by
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workers in decision-making concerning their workplaces or firms. That is, there is
little consideration of questions of workersself-management or worker control,
issues that are central to my own argument for the extension of democracy to the
sphere of economic life (Gould, 1988, p.20,186).
Iris Young, em Justice and the Politics of Difference aponta em igual
sentido: basic decisions about enterprise should be made by a democratically
elected and representative legislature accountable to those who elected them. Such
basic decisions might include what will be produced, or what services will be
provided; the basic plan and organization of the production of service provision
processes, including the basic structure of the division of labor; the basic wage and
profit-sharing structure; the capital investment strategy; the establishment of
bylaws and basic rights of workers within the enterprise, as well as procedures for
protecting those rights and adjudicating disputes; and the basic rules for hiring and
promotion, as well as procedures for choosing elected officials. E deixa claro que
os trabalhadores devem participar, indubitavelmente, nas questes relacionadas com
seu trabalho imediato e no meio em que o realizam, tornando suas vidas mais
interessantes e brindando oportunidades para um melhor desenvolvimento de suas
habilidades e capacidades. Young resgata, tambm, que a comunidade deveria ter
seus representantes em todos aqueles assuntos que afetassem a vida social fora da
empresa (Young, 1990, p.223-224).
Voltando objeo central que fizramos a alguns dos autores
participacionistas, cabe ressaltar, como o faz David Held, que a transformao das
relaes capitalistas de produo e a eliminao da rgida diviso social do trabalho
seriam requisitos fundamentais para o florescimento da democracia, de modo tal
que as pessoas pudessem participar plenamente na regulao da vida poltica,
econmica e social (cf. Held, 1992, p.330). Bowles e Gintis, em igual sentido,
procuram a progressiva extenso da capacidade das pessoas de governar suas vidas
pessoais e histrias sociais, para o qual haveria de se eliminar as instituies da
economia capitalista, making good this commitment, we will argue, requires
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establishing a democratic social order and eliminating the central institutions of the
capitalist economy (Bowles & Gintis, 1986, p.3). Concordando com Dahl, pode-se
afirmar, tambm, que la transformacin de una economa de propiedad privada a
otra de propiedad social o pblica eliminara, o reducira enormemente, los
conflict