dissertaÇÃo linderval
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INTRODUÇÃO
José da Silva Pereira é um recifense nascido em 1960 que reside no bairro de Lote
XV, município de Belford Roxo desde o ano de 1992, época em que perdeu seu emprego
como ascensorista e em que trabalha sem carteira assinada geralmente sendo servente de
pedreiro.
Entrevistei-o em 19941 e ele inibiu-se logo de início quando pedi que descrevesse a
sua vida. José ficou em silêncio e logo depois explicou que aquele silêncio devia-se ao fato
de não perceber a importância da descrição de sua vida. Ele não era "importante" e por isso
considerava estranho alguém pedir que falasse sobre si. Viera muito cedo da região
Nordeste acompanhando seus pais. Tão cedo que mal se lembrava da viagem. Estudara
"pouco demais", abandonando "os estudo" para ajudar a família vendendo bala nos trens
suburbanos do Rio de Janeiro. Casara-se tão logo conseguira um emprego fixo porque
"achou" que deixaria a partir dali de depender do dinheiro dos biscates que fazia. Tivera
duas filhas que agora "já estavam grandes" e que exigiam confortos que ele não podia dar.
Temia pelo futuro delas porque era muito pobre. Por fim, com exceção das tardes no bar e
do futebol de final de semana essa vida era muito pouco agradável para José.
A segunda pergunta que faria a José ele respondeu-a antes mesmo que eu a
formulasse. Como para dar volume a descrição de sua vida José emendou nessa descrição o
seu dia-a-dia que segundo ele iniciava-se muito cedo, as quatro e trinta. Como não era um
trabalhador com carteira assinada perdera o direito ao vale transporte e embora bem
próximo de sua casa passassem ônibus com destino ao centro do Rio, ele preferia ir até a
estação de Belford Roxo para "pegar" o trem que era mais barato e que permitiria a ele
chegar até a Central do Brasil onde poderia, finalmente, embarcar em um ônibus
direcionado à zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
A dificuldade para chegar ao trabalho confundia-se com tantas outras dificuldades da
rotina de José que acabava não chamando a atenção. O que destacou-se realmente na fala
1 No item 2 da bibliografia existe uma listagem completa dos entrevistados e de seus dados pessoais, assim como os meios utilizados para a realização das entrevistas.ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPEREIRA, José da Silva. Entrevista
concedida em 03/06/1994Servente de pedreiro, natural de Pernambuco, nascido em 06/04/1960, morador do
bairro de Lote XV em Belford Roxo
desse entrevistado não foram tais dificuldades de deslocamento e sim a sua percepção das
gradações sociais relacionadas ao seu percurso até o local de trabalho.
José a partir de um determinado momento da entrevista iniciou um discurso que
primava pela percepção de que na volta do seu trabalho passava por locais cuja presença
pública ia diminuindo até finalmente "deixar de existir".
Para ele a Central do Brasil sempre pareceu a porta de saída do paraíso e o acesso ao
seu "inferno". Imagens incômodas vinham a sua mente naquele lugar. O cheiro do contato
entre os trilhos e as rodas dos vagões significavam sempre a lembrança dos desesperos de
uma criança que não suportava o calor sufocante daquelas viagens intermináveis em que ele
ainda pequeno se envolvia diariamente ao vender seus doces ou picolés dependendo da
estação do ano.
No período em que trabalhou com carteira assinada, tendo direito ao vale-transporte,
acabou descobrindo que podia existir algo muito mais parecido com a porta do inferno que
a tão temida Central do Brasil. Bem próximo daquela estação de trens, o terminal
rodoviário Américo Fontenelle mostrava-se um lugar mais fétido, cheio de mendigos e
loucos misturados a pivetes, prostitutas e principalmente enormes filas formadas sobretudo
por gente muito pobre que não deixava dúvidas sobre o fato de estarem voltando da
realização de trabalhos indesejáveis
Quotidianamente conforme José era levado de ônibus de Ipanema até o terminal dos
ônibus que se dirigiam à Baixada ele ia enxergando diferenças que não eram visíveis a
todas as pessoas. Aquele caminho em direção a área da Central permitia a José perceber
que a suntuosidade da cidade do Rio de Janeiro diminuía à medida em que ele chegava
próximo da área da Central do Brasil. O lixo e a presença de "marginais" era sempre um
aviso da aproximação da Central, e tais presenças iam aumentando até tornarem-se
completamente visíveis em um terreno baldio que existia até há bem pouco tempo próximo
da "Rodoviária da Central". Lá mendigos revolviam sobras deixadas pelos inúmeros
vendedores ambulantes que "moram" no terminal rodoviário. Na percepção de José todo
aquele lixo e todos aqueles marginais sociais demonstravam uma irônica e constante
saudação carioca à Baixada Fluminense e seus habitantes. José dizia que a Baixada
começava mesmo era ali na rodoviária da Central, ou na estação D. Pedro II, lugar em que
ele não via sequer um policial que vigiasse aquela "bagunça", assistia a crimes e esperava
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uma "eternidade" por um ônibus ou trem que atravessaria vias ladeadas por favelas e que
somente depois de duas horas e meia chegaria finalmente em um bairro repleto de
problemas que ele preferia não enxergar.
José é por certo um representante médio dos moradores da Baixada Fluminense e a
sua entrevista não foi usada durante a confecção desse trabalho exatamente pelo fato do
autor não tê-lo entendido como alguém que expressasse algo de novo. Afinal José era um
simples trabalhador como os milhares que existem na região da Baixada e mostrava-se
extremamente conformado com o absurdo de sua vida de ascensorista transformado à força
em servente de pedreiro improvisado às pressas. Não participava de nenhum movimento
social, não tinha opinião a respeito da vida política nacional ou baixadense e confessava-se
orgulhoso não ter ido votar nas últimas eleições e não se interessar com o fato de Belford
Roxo ser agora um município no qual o primeiro prefeito realizava obras surpreendentes. A
indiferença era a resposta de José. Ele estava alheio a quase tudo, não sendo difícil ignorar,
consequentemente, este morador da Baixada Fluminense.
Por acidente a entrevista de José acabou sendo relida e nessa segunda leitura
finalmente entendemos que diferentemente de tantos outros entrevistados aquele displicente
José acabara enxergando a Baixada Fluminense com outros olhos. O vaivém enervante
característico da vida de um proletário baixadense terminou tornando José insensível.
Mesmo assim espantou-me as comparações que fazia: o seu lugar de moradia era um
"inferno" e o município do Rio de Janeiro (principalmente a zona sul) era o "céu". Na sua
fala simples ele enumera as vantagens da zona sul como asfalto, saneamento, iluminação
pública, policiamento e lazer e atribui ao fato de ser aquela região destinada aos "bacanas"
ser ela tão diferente do seu inferno que começava simbolicamente no Rio com os mendigos,
ladrões, pivetes e prostitutas da Central. Era simples resolver: aquele era o começo do
"lugar dos pobres". Não existir nenhuma daquelas "vantagens" era normal para o
anestesiado José. Não era preciso pensar e o jeito era conformar-se com as sacolas plásticas
necessárias para o envolvimento dos pés calçados em todos os dias em que chovia se não se
quisesse chegar com "quilos de barro" sob os sapatos na estrada onde passa o ônibus que
liga Lote XV a Belford Roxo.
O antagonismo entre esses dois lugares sociais perturbava José. Mas essa perturbação
ganhava contornos incomuns na medida em que ele não se interessava em mudar sua
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situação. As palavras usadas por ele na construção do seu discurso não deixavam dúvidas
de que para ele as "coisas" deveriam ser daquele "jeito" mesmo. Não cabia a ele questionar
algo que estava solidificado, sem chances de mudança na medida em que estavam assim
mesmo antes dele chegar:
Meu pai enfrentou coisa até pior que eu enfrento hoje lá no Norte e aqui mesmo. Ele contava que quando chegou no Rio foi trabalhar em um hotel e quando entupia o esgoto era obrigado a mergulhar de cabeça dentro da fossa para fazer o trabalho de desentupimento. Não devo reclamar e devo tentar dar um futuro melhor para as meninas trabalhando sempre.
Essa conclusão enervante tornou-se chave para este trabalho. Ela provavelmente pode
significar para a maior parte do senso-comum que na Baixada as pessoas são naturalmente
conformadas e alienadas. Indiferentes a opressão que sofrem quotidianamente, podem ser
responsabilizadas pela situação geral de miséria desse que é um dos maiores bolsões de
miséria do Brasil. Ausência do poder público, corrupção, violência, etc. poderiam até ser
males em parte causados pelo Estado, entretanto a culpa maior de todos os males
baixadenses poderiam ser atribuídos à própria população da Baixada se seguíssemos a
opinião geralmente aceita como correta.2
Entretanto este é um trabalho de dissertação, e em um trabalho desse tipo pré-
conceitos, vulgarizações e opiniões devem ser deixados de lado em nome de conclusões
não definitivas, porém alcançadas através de uma ampla investigação. Tendo em mente
toda essa opinião negativa a respeito da população da Baixada Fluminense era necessário
verificar de que maneira essa população realmente organizava-se, pois era simples demais
concluir que a população baixadense constituía-se em uma massa amorfa, desorganizada,
portanto.
Ao mesmo tempo a percepção de alguma ordem não era algo simples, uma vez que o
que sobressaía principalmente através da imprensa era um retrato que fixava na mente das
pessoas a noção de que a Baixada, tal como as favelas, eram caos urbanos indesejáveis.
Porém a viagem dentro desse caos demonstrava que existia um espírito ali. Necessário se
fazia, entretanto, traduzir as maneiras como tal espírito manifestava-se.
Assumimos assim a idéia de que investigar as identidades da população da Baixada
constituía-se em uma das maneiras de tornar visível esse espírito existente ali. Aquela
2 Opinião essa que freqüentemente iguala a Baixada Fluminense às favelas cariocas. O que revela também um preconceito em relação aos moradores de favelas.
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conclusão desanimada de um dos meus primeiros entrevistados forneceu-me elementos
para concluir que era necessário entender os motivos que o levavam a anular-se tão
completamente ao mesmo tempo em que organizava coletiva, porém precariamente, o meio
onde vivia. Daquele mundo de recusas e frustrações surgiam soluções que opunham-se em
tudo àquela consideração3.
Esta dissertação nasce da contradição aparente e nessa medida é somente um esforço
na direção de compreender as maneiras encontradas pelos habitantes desse mundo
particular que é o conjunto de bairros periféricos da região da Baixada Fluminense para
tornar "menos ruim" o mundo no qual eles são "obrigados a viver".
Orientaram no caminho a ser seguido nesse trabalho a impossibilidade de se
concordar com a opinião geral sobre a população da Baixada Fluminense e a não
concordância com as conclusões do pequeno número de trabalhos acadêmicos destinados a
decifrar as identidades dos baixadenses. Fazia-se necessário enxergar a população com
outros olhos, uma vez que nem a tese de alienação geral aceita pelo senso-comum nem a
hipótese de ser a Baixada Fluminense um simples transplante da região Nordeste do Brasil
que permeia de forma até involuntária diversos dos trabalhos acadêmicos que têm como
tema a Baixada dão conta de suportar uma análises mais aprofundada a respeito da
população que desde a explosão dos loteamentos em meados da década de 1930, habita
essa parte da região metropolitana do Rio de Janeiro.4
3 O próprio entrevistado em questão ao responder a uma pergunta feita a todos os entrevistados moradores de bairros periféricos da Baixada Fluminense respondeu da seguinte maneira: "a gente aqui é obrigado a fazer isso que você falou de organizar... de trabalhar no bairro... na rua... (...). Acontece que nenhum político se interessa pelos bairros. A gente é que ajeita do jeito que dá. Ficar bom não fica, mas dá pra ir vivendo." 4 Trabalhos como os apresentados a seguir - mesmo pesando a favor de alguns o mérito de serem pioneiros em suas disciplinas - resolveram rapidamente o problema de analisar-se a população da Baixada Fluminense considerando-a como reprodutora de costumes ("valores culturais") inerentes ao campo brasileiro. Destacando-se o Nordeste brasileiro, segundo alguns atores, como a região que mais doou à Baixada a sua "cultura": BELOCH, Edith Maria. Loteamantos Periféricos: Algumas considerações sobre essa forma de moradia proletária. Tese de mestrado em Planejamento Urbano. Rio de Janeiro, PUR/UFRJ, 1980, mimeo.BELOCH, Israel. Capa Preta e Lurdinha. Tenório Cavalcanti e o povo da Baixada, Rio de Janeiro, Record, l985.SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em Geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960.SOUZA, Josinaldo Aleixo de. Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.
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Um caminho diverso deveria ser trilhado e tal caminho necessitava ser menos simples
na medida em que deveria levar em consideração o fato de serem os atuais baixadenses
homens já enraizados nessa região e que reagem de uma forma própria ante a pequena
presença do poder público encontrando soluções que explicam em grande parte a cultura
política sui generis desenvolvida na região da Baixada. Ou seja, o caminho a ser seguido
em uma investigação destinada a explicar as opções políticas dos homens da Baixada
Fluminense devem levar em consideração sobretudo o próprio homem baixadense. Pré
interpretá-lo, entendendo-o como politicamente alienado pode significar unicamente o
resultado da exposição desse homem à lentes sob as quais ele não pode ser visto
adequadamente.
Um problema colocou-se desde o início da pesquisa que originou o presente trabalho:
que documentos deveriam ser utilizados em uma dissertação destinada a investigar a partir
da visão dos próprios baixadenses as identidades da população dos bairros periféricos das
cidades da Baixada Fluminense?
Nesse sentido influenciou-nos por demais as justificativas de Carlo Ginzburg
expostas na introdução de “O queijo e os vermes”.
Para o autor de “O queijo e os vermes”, que elegeu como tema de estudos homens
que, às margens da sociedade da Idade Moderna, construíram a partir de antigas tradições
pré-cristãs e de elementos que vazavam do cristianismo uma cultura popular, as
dificuldades metodológicas acentuavam-se na medida em que pretensas bruxas, feiticeiros,
curandeiros, hereges e anabatistas, dentre outros “monstros” da Idade Moderna, geralmente
não escreviam, e quando o faziam o fruto de seus esforços raramente chegava aos “arquivos
da repressão”, fato que obrigaria o estudioso a trabalhar com uma documentação que não
espelhava opiniões próprias. Assim, apesar da grande quantidade de documentos gerados
pela Igreja durante a Idade Moderna, sua imprecisão estabelece uma barreira difícil de
transpor-se, o que por vezes faz com que o investigador resolva, tal como os inquisidores,
sugestionar a fala dos seus investigados.5
Menocchio, o personagem principal de “O queijo e os vermes”, com uma verborragia
e destemor que lhe valeram a vida, é uma preciosíssima exceção. Geralmente os indivíduos
5 GINZBURG, Carlo, “O Inquisidor como antropólogo: Uma analogia e as suas implicações” in A micro história e outros ensaios. Lisboa, Difel, 1991.
6
capturados pela santa inquisição forneciam depoimentos confusos e confissões forçadas,
uma vez que nascidas sob a dor ou somente sob o temor das terríveis sessões de tortura6.
Entretanto ao contrário da totalidade dos indivíduos pertencentes às classes subalternas,
Menocchio sabe ler e escrever, o que permite que seu “biógrafo” analise seus escritos e as
leituras que ele admite ter feito. Entretanto, conhecedor das limitações que seu objeto assim
mesmo oferece, Ginzburg frisa na Introdução à edição italiana da sua obra que o ideal seria
poder ouvir os relatos orais das bruxas, feiticeiros e demais “monstros” da Idade Moderna.
Tal desejo impossível do historiador nasce exatamente por estar defrontando-se com um
grupo social não informado do período “pré-industrial”, que apresenta, como todos os
estratos subalternos da sociedade ocidental, uma cultura estritamente oral:
Ainda hoje a cultura das classes subalternas é (e muito mais se pensarmos nos séculos passados) predominantemente oral, e os historiadores não podem se por a conversar com os camponeses do século XVI (além disso não se sabe se os compreenderiam). Precisam então servir-se sobretudo de fontes escritas (e eventualmente arqueológicas) que são duplamente indiretas: por serem escritas e em geral , de autoria de indivíduos, uns mais outros menos, abertamente ligados à cultura dominante7.
Ginzburg considera que os antropólogos sociais ao construírem habitualmente os seus
documentos estão muito à frente de historiadores na análise de fenômenos ligados a
identidade cultural de classes subalternas da sociedade ocidental ou de grupos ágrafos. O
apego aos documentos escritos estaria condicionando o comportamento dos historiadores
que para a análise de grupos populares lançam mão da chamada história quantitativa que ao
redimir as classes subalternas do esquecimento, as condenam ao eterno anonimato dos
números. Assim para fugir dos filtros e intermediários deformadores que localiza nos
documentos escritos de que é obrigado a servir-se, entenderá que a fala de Menocchio,
tradutora da sua própria memória além da memória de seu grupo, conforme o ponto de vista
assumido por Ginzburg, é a seu fonte mais confiável. A pregação da sua teogonia, as
discussões infindáveis sobre a legitimidade do poder da igreja, extensamente confirmados
nos depoimentos das diversas testemunhas, aparecem nas respostas de Menocchio perante
os inquisidores como elementos fundamentais na reconstituição da memória, ou seja, para
Ginzburg a análise da fala de Menocchio, transcrita nos autos do processo contra o moleiro,
6 TREVOR-ROPER, Hugh. “A obsessão das bruxas na Europa dos séculos XVI e XVII”, in Religião, Reforma e transformação social. Lisboa, Presença, 1978. Este capítulo demonstra exaustivamente os métodos utilizados nos interrogatórios de acusados de bruxaria e faz-nos sentir a falsidade dos depoimentos de torturados.7 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, Cia das Letras, 1989, pp. 17 e 18.
7
funcionam como a maneira alternativa de conversar menos indiretamente com o agente
construtor de cultura popular na Idade Moderna e estabelecer a identidade cultural de toda
uma classe.
O centro dessa atual pesquisa sobre a população baixadense e as suas formas de
organização foram de maneira definitiva contaminadas pelas considerações de Ginzburg na
medida em que percebemos ser necessário ouvir a população estudada. A realização de
entrevistas e a busca em periódicos locais por opiniões e reclamações dos moradores de
bairros periféricos da Baixada Fluminense favoreceram a investigação de aspectos da
cultura popular desenvolvida pela atual população da Baixada Fluminense.
Nossa pesquisa localiza-se entre os anos de 1988 e 1995. Tal recorte cronológico
curto deve-se ao fato de estarmos tomando como eixo explicativo de nossa dissertação a
passagem conturbada do primeiro prefeito de Belford Roxo, Jorge Julio Costa dos Santos, o
Joca, pela vida pública baixadense. Por inúmeros motivos discutidos no corpo desse
trabalho o primeiro prefeito de Belford Roxo, distrito iguaçuano que iniciou seu processo
emancipatório exatamente em 1988, estabeleceu-se como o exemplo lapidar da maneira do
baixadense comum organizar-se politicamente. O fato de termos feito girar a pesquisa em
torno da figura de Joca,8 não eqüivale, entretanto, a um desejo nosso de biografar este
personagem. Perceber-se-á durante a exposição que, apesar de ter incentivado o seu
processo de mitificação, Joca dificilmente pode ser lido como um líder que deseja destacar-
se da população "sujeita" a ele, podendo-se pensar maximamente em uma simbiose entre
massa e herói salvador.
Enfim este trabalho destina-se a perceber, a partir das lentes fornecidas pelos próprios
baixadenses, as maneiras como os Josés da Silva Pereira organizaram o seu meio, criando
especificidades não tão visíveis a olho nu.
8 1995, marco final da pesquisa, é exatamente o ano da morte de Joca.
8
Capítulo I
DAS VILAS ENTREPOSTOS AOS LOTEAMENTOS PERIFÉRICOS
1 - A Baixada Fluminense
Encurralada entre a suntuosa e miserável cidade do Rio de Janeiro e um interior
montanhoso e pouco habitado encontra-se a populosa região que todo o Brasil conhece
como Baixada Fluminense. É comum somente vê-la como um conjunto de casebres não
rebocados, como um dos maiores bolsões de miséria do Brasil ou compará-la com favelas.
Tal comparação e visões não destoam em nada da realidade imediata: As casas mal
construídas e não acabadas, a inexistência de serviços e aparelhos urbanos essenciais, a
função “dormitório” desses municípios e o controle que traficantes e “matadores” exercem
em grande parte dos bairros populares baixadenses, torna esta região um lugar socialmente
bem próximo das favelas brasileiras.
O que talvez mais distancie estes dois locais de moradia proletária seja o fato de que
para os problemas das favelas diversos trabalhos se voltaram desde muitos anos, enquanto
para a Baixada Fluminense um grupo de trabalhos acadêmicos que não chega a duas
dezenas tenta dar conta de estabelecer as especificidades de uma região que entre os anos
1920 e 1980 serviu como um verdadeiro depósito de sobras humanas dentro do processo de
despovoamento do campo e das sempre ineficazes medidas de combate à favelização dos
morros cariocas. Ou seja, tudo que foi dito até o dia de hoje acerca da Baixada Fluminense
é pouco para que se possa pensá-la como um tema bem estudado. Diversos aspectos da vida
social e política que pululam ali continuam intocados ou foram extremamente mal tocados,
seja pela miopia intelectual de alguns investigadores sociais, seja pelo ofuscamento que os
problemas inerentes à antiga capital federal do Brasil lança sobre as regiões urbanas
adjacentes a ela.
Os estudos acerca da cultura política baixadense produzidos ao longo das últimas
décadas inserem-se neste caso de incompreensão intelectual. Fato facilmente perceptível
9
quando, por exemplo, vê-se como são encarados os assassinatos políticos ocorridos na
Baixada ou o aparecimento sucessivo de líderes políticos providenciais pouco ortodoxos.
É comum pensar a Baixada como uma terra de ninguém assemelhada a uma cidade
fantasma de um filme de western americano ou, opinião menos simplista, mas nem por isso
mais consistente, como um simples transplante de um antigo Nordeste brasileiro com os
seus coronéis e as suas sangrentas disputas por terra e poder. Tais visões servem
minimamente como desculpa para se determinar que não vale a pena um estudo mais
aprofundado sobre esta região.
Ao se falar de Tenório Cavalcanti e seu bando de protegidos (ou protetores), por
exemplo, tornou-se inevitável compará-lo a Lampião e seu bando de cangaceiros. E a
criação de uma noção fatal, a de “jagunço urbano”, somente resolve mal um problema ou,
antes, não o resolve, envolvendo-o em um campo estranho à cultura política baixadense.
Dialogar com as visões confusas sobre a Baixada e as suas formas políticas pressupõe
que conheçamos as origens da população que recentemente ocupou esta região e como
conduziu-se o processo de semi-urbanização9 dessa área que até os anos 1930
caracterizava-se por ser um "celeiro"10 para a capital da República.
Enquanto é possível datar o surgimento das favelas cariocas, a história da ocupação
da Baixada da Guanabara por uma população em grande parte migrante ou ex-favelada, não
tem o seu início tão facilmente demarcado. O conhecimento de que durante os anos 1930
inicia-se o processo de industrialização do país com a conseqüente intensificação da
migração campo-cidade tão característica da industrialização da América Latina, conjugado
à verificação de que é exatamente nesse período de mobilidade social que ganham força os
gritos da elite carioca contra as favelas11, permite-nos saber que na região da Baixada
9 Semi-urbanização foi a melhor palavra encontrada para definir o estado atual da Baixada Fluminense: composta de cidades com baixa infra-estrutura urbana e de periferias extremamente desaparelhadas. 10 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp.56,58.11 Exemplo melhor dessa mobilização contra as favelas talvez seja a criação em 1941 da Comissão Encarregada do Estudo dos Problemas de Higienização das Favelas, que tinha como funções controlar a entrada no município do Rio de “indivíduos de baixa condição social” e recambiar os indivíduos já instalados nas favelas para os seus estados de origem ou a “Batalha do Rio” promovida pelo jornalista Carlos Lacerda em 1947 que tinha como finalidade primeira concientizar as autoridades municipais, estaduais e federais a fim de tornar possível o cercamento dos morros e o controle policial da invasão de “indigentes”. Parisse, Lucien. Favelas do Rio de Janeiro, evolução, sentido. Caderno do CENPHA 5, Rio de Janeiro, 1969.
10
Fluminense os primeiros assentamentos de proletários recém vindos de diversas áreas do
país teve o seu início durante a década de 1930.12
Pode-se apurar que esses primeiros assentamentos foram simples expansões da
periferia do Rio de Janeiro sobre o solo de antigas e fracassadas fazendas. O futuro
município de São João de Meriti e de Duque de Caxias, contíguos ao grande centro urbano
industrial foram os primeiros a terem a antiga terra agrícola retalhada pelos loteamentos.
Um parêntese nesta exposição servirá para melhor explicitar como verificaram-se as
inúmeras divisões ocorridas após os anos 1940 na Baixada Fluminense e que
transformaram Nova Iguaçu - o único município do que hoje denominamos Baixada
Fluminense até os anos 1940 - no médio município que ele é nos dias atuais.13
Nova Iguaçu deu origem aos seguintes municípios: Duque de Caxias (1943), São
João de Meriti (1947 - destacado de Duque de Caxias), Nilópolis (1947 - destacado de
Nova Iguaçu), Belford Roxo (1990 - destacado de Nova Iguaçu) Queimados (1990 -
destacado de Nova Iguaçu), Japeri, (1991- destacado de Nova Iguaçu) e Mesquita (1999)
também destacado do que restou de Nova Iguaçu. Municípios como Itaguaí, Paracambi e
Seropédica (destacado de Itaguaí em 1997), também classificados como pertencentes à
Baixada Fluminense nunca foram partes de Nova Iguaçu e não apresentam as mesmas
características sociais desses sete municípios surgidos a partir de Nova Iguaçu. Na
realidade eles assemelham-se mais aos municípios de Magé e de Guapimirim (destacado de
Magé em 1990), que têm como atividade primordial a agricultura. Tais ressalvas na
determinação do que chamar de Baixada Fluminense, longe de significar o cultivo de
preciosismos, equivale, logo de início, ao desejo de demarcar com exatidão a região que
será estudada. A intenção aqui é fazer com que a designação Baixada Fluminense evoque o
conjunto de oito municípios14 pertencentes à Região Metropolitana do Rio de Janeiro que,
12 Entretanto a tese que melhor explicou o desenvolvimento dessa região define a década de 1910 como a década em que surgem as primeiras habitações especificamente destinadas a trabalhadores urbanos . Segadas, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo pp. 21-22, ver também nota 11. 13Todo o processo de retalhamento de Nova Iguaçu é bem descrita no livro "História Social da Baixada Fluminense. Das sesmarias a Foros de Cidade" de Walter Prado. (PRADO, Walter. História Social da Baixada Fluminense. Das sesmarias a Foros de Cidade, Rio de Janeiro, Ecomuseu Fluminense, 2000.)14 Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, São João de Meriti e Queimados.
11
ocupados recentemente, caracterizam-se, resumidamente, por possuir uma grande
população proletária ocupante de um antigo solo agrícola transformado, parcialmente,
através das empresas loteadoras, em urbano.
Assim, nas décadas posteriores a 1930 as ações de expulsões dos morros cariocas, o
crescimento do movimento de migração ligado à fuga das condições adversas do campo
brasileiro, o desenvolvimento da indústria da construção civil que abriu uma espécie de
Eldorado para "peões de obra" na cidade do Rio de Janeiro, ou seja, a passagem do Brasil
agrário para o Brasil industrial promoveu a transferência do “lixo humano”15 tão necessário
à construção da economia carioca também para a região da Baixada Fluminense.
2 - A ocupação da Baixada Fluminense
Pode-se localizar dois momentos distintos na história de ocupação da Baixada
Fluminense: a partir do século XVII, em uma data não confirmada, esta região foi
lentamente ocupada em função dos caminhos que ligavam o porto do Rio de Janeiro ao
interior do Brasil. Em um período menos recuado no tempo - entre as décadas de 1930 e
início da década de 1980 - esta região recebeu explosivamente uma grande quantidade de
migrantes vindos principalmente do Nordeste e do interior da própria região Sudeste.
Nova Iguaçu16 foi ocupada primordialmente por grupos de colonos que aproveitando-
se de suas terras férteis e de uma estratégica rede hidrográfica estabeleceram-se às margens
de certos rios que passaram a possuir ancoradouros facilitadores do escoamento da
produção agrícola até o porto do Rio de Janeiro17. Tais ancoradouros, chamados
imodestamente de “portos” pelos memorialistas regionais, deram origem aos pequenos
vilarejos dos quais um dos mais importante foi Iguassú, que recebeu tal nome por
localizar-se às margens de um rio com esse mesmo nome.
15 Esta designação para a população dos loteamentos baixadenses foi ouvida pelo autor ao realizar uma entrevista com um antigo morador de Nova Iguaçu, inconformado ainda com a transformação do "Recôncavo da Guanabara" em área urbana ocupada por migrantes nordestinos.16 Conforme explicitamos acima, Nova Iguaçu é hoje o nome de uma cidade média da região da Baixada. Entretanto para este primeiro período apresentado aqui, o nome Nova Iguaçu pode ser lido como um substituto do termo Baixada Fluminense na medida em que até o ano de 1943 todo o território hoje pertencente à Região Metropolitana do Rio de Janeiro e chamado hoje de Baixada Fluminense fazia parte do município de Nova Iguaçu. 17 PEIXOTO, Ruy Afrânio, Imagens Iguaçuanas, Nova Iguaçu, mimeo, 1963, p. 18
12
Não há motivos, entretanto, para pensar-se em tais vilas ancoradouros como focos
importantes de povoamento, pois a vida ali não girava em torno de uma atividade
agregadora como a agricultura e sim do nomadismo característico da circulação de
mercadorias. Ou seja, tais vilarejos, por mais que os memorialistas regionais os idealizem,
não podem ser entendidos como os responsáveis pelo desenvolvimento dos atuais focos
populacionais da região, uma vez que cessada a necessidade de utilização das vias que
chegavam a estes vilarejos, eles transformavam-se rapidamente em ruínas.
Uma prova da impossibilidade de pensar-se nas vilas-entrepostos como focos
permanentes de povoamento pode ser obtida em uma visita ao bairro de Iguaçu Velho: o
conjunto de ruínas cercado por loteamentos fracassados e casebres perdidos no matagal e
nos alagados, mal deixam perceber que ali localizou-se a próspera vila de Iguassú tão cara
aos memorialistas regionais.
O seguinte documento datado de 1922, pertencente ao livro de memórias de um
antigo juiz de direito que exerceu sua atividade na antiga vila de Iguassú e demonstra a
rapidez e violência da decadência dessa vila:
Pouco tempo depois da minha chegada à antiga corte, fui mandado para Iguassú, como juiz municipal. A poucas horas da ponta do Caju , pela estradinha do Rio d'Ouro, a Vila de Iguassú era, então, um grande povoado morto. Constituída principalmente por uma rua larga, sinuosa e longa, a vila tivera suas horas de prosperidade atestada pelas grandes casas de sobrado e vastos armazéns alpendrados, tudo então fechado, sem moradores(...).” “A estrada de ferro, porém, drenando todo esse movimento comercial, reduziu Iguassú à penúria e à morte. A vila se despovoou; os canais, desde então abandonados, se entulharam de vegetação e de lodo; as águas cresceram, cobrindo os campos, tornando-os imprestáveis para qualquer cultura e enchendo o ar de miasmas do impaludismo e da opilação, que assolavam a pobre gente que não pôde se retirar.18
Esse rápido abandono significou unicamente uma transferência e não o final do
período inaugurado pelas vilas entroncamentos localizadas entre um rio e um conjunto de
caminhos, uma vez que a Baixada continuaria sendo ainda por determinado tempo uma
região ligada quase exclusivamente ao trânsito de mercadorias e pessoas: a antiga vila de
Iguaçu ruiu devido ao fato de em 1858, aos pés da serra de Madureira e em uma localidade
conhecida como Maxambomba, confluência de alguns caminhos e local de repouso de
caravanas de tropeiros, ter sido inaugurada uma das estações da Estrada de Ferro D. Pedro
II, futura Central do Brasil.
18 SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo pp. 64-65.
13
É razoável pensar que o antigo sistema de transporte de mercadorias através do dorso
de animais e dos rios da região caducaria rapidamente, sendo fatalmente substituído pelos
vagões de trens, responsáveis pela transformação de Maxambomba na nova sede do
município de Iguassú e na admissão do adjetivo “nova” como prefixo para este município a
partir de 191619.
A partir das estações ferroviárias que rapidamente cruzaram a região da Baixada
Fluminense20 pode-se pensar no incremento da atividade agrícola e na fixação de
população. Segundo Edith Maria Beloch,21 entre os anos de 1910 e 1930 o povoamento
desta região cresceu em média 239%. Pode-se atribuir à atividade citrícola a
responsabilidade pelo crescimento demográfico, no entanto, novamente não é correto
imaginar que será esta atividade a responsável pela transformação das estações ferroviárias
baixadenses em focos primários de povoamento permanente: a citricultura desenvolveu-se
com sucesso na região da Baixada e foi a responsável pela transformação do antigo
engenho de Maxambomba no receptor e beneficiador de grande parte dos frutos
consumidos mundialmente22, entretanto, a ausência de preocupações com o controle de
pragas, manutenção da fertilidade do solo e, principalmente, o surgimento de uma empresa
mais lucrativa, definiram o fim da cultura citrícola e a “invasão” desordenada da antiga
terra agrícola pelas empresas loteadoras.
3 - Loteamento e auto construção
Contíguo e, em certos locais, paralelamente à cultura dos frutos cítricos, encontra-se o
loteamento23. Não incorre em erro considerá-lo como uma solução final para os problemas
agrícolas tradicionalmente enfrentados pelos proprietários rurais da Baixada na medida em
que é o loteamento o responsável visível pela destruição da agricultura praticada ali.
Apesar da má vontade de alguns memorialistas regionais a respeito do loteamento, a
observação do processo de transformação da terra agrícola da Baixada Fluminense em
19 PEREIRA, Waldick. Op.cit. p. 95.20 SEGADAS, Maria Terezinha. Op.cit. p.22-25.21 BELOCH, Edith Maria. Loteamantos Periféricos: Algumas considerações sobre essa forma de moradia proletária. Tese de mestrado em Planejamento Urbano. Rio de Janeiro, PUR/UFRJ, 1980, mimeo, p. 50.22 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp. 108-109. 23 Regiões muito próximas do antigo Distrito Federal como São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias já experimentavam o fracionamento de suas fazendas bem antes do “boom” loteador ocorrido entre 1950 e 1970, O que ocorreu, segundo Segadas, exatamente devido à proximidade dessas regiões com o Distrito Federal que se expandiu, anexando antigas fazendas iguaçuanas.
14
semi-urbana demonstra-nos de que maneira surgiram algumas peculiaridades importantes
por permitirem a visualizaçao do processo de construção identitária de uma grande parcela
da atual população baixadense.
A grande máquina loteadora teve como motores alguns fatos díspares: de um lado o
tradicional raquitismo da agricultura baixadense não sustentou por muito tempo o título de
maior produtor mundial de cítricos24 e afundou os fazendeiros em um mar de dívidas que os
levou a enxergar na partilha e na venda das frações de terra em forma de lotes o único
socorro disponível. De outro lado a necessidade proletária de obter moradia a baixo custo e
a ausência de uma política oficial de assentamento de trabalhadores, fato que primeiro fez
crescerem as favelas cariocas, determinou que a auto construção se estabelecesse como
regra definidora de diversos outros comportamentos.
Segundo o resumo de um geógrafo defensor da Baixada como um local destinado à
agricultura e que estudava a Baixada Fluminense em pleno auge da empresa loteadora, um
loteamento pode ser comparado a um “cemitério” onde jazem “antigas tradições
agrícolas”25. Mas este local é também de nascimento e pode-se pensar que a antiga terra
agrícola orientou até a maneira como se dividiriam as cidades baixadenses após a expansão
dos lotes.
Certa continuidade permitiu que se chamasse o conjunto de municípios que
circundam o ex Distrito Federal por um mesmo nome: a existência de uma população
proletária que utilizou originariamente o conjunto de bairros que circundam as cidades que
cresceram às margens das estações ferroviárias como local de moradia / dormitório (daí a
estranha designação cidade-dormitório que fornece-nos uma imagem mental
incomodamente explicativa).
Uma rápida exposição do processo de surgimento dos loteamentos permitirá que se
pense como essa forma de habitação proletária auxiliou na configuração das maneiras
24 Na realidade a produção de cítricos na Baixada não sustentou-se por muito tempo. Desde as primeiras plantações até o seu final não existem sequer 50 anos, hoje cultuados fervorosamente por memorialistas que contrapõem esta época aos loteamentos engrandecendo aquela para esquecer-se dos "grandes males" causados pelos migrantes. Dois exemplos disso são apresentados aqui. O primeiro é uma espécie de poesia produzida em 1963 pelo professor Ruy Afrânio Peixoto. O segundo é o símbolo da prefeitura municipal de Nova Iguaçu administrada por um antigo aluno do professor: Nelson Bornier – ver Anexos I e II no final do capítulo. 25 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, IBGE, 1956, p. 185.
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através das quais a população baixadense organizou-se em seu novo e hostil ambiente e de
que maneira essa população migrante e/ou fugitiva das favelas cariocas26 construiu suas
especificidades identitárias.
É possível contar a história dos loteamentos baixadenses voltando os olhos para uma
série de trabalhos que se ocuparam do processo de transformação da Baixada em um local
habitado por uma grande massa de proletários migrantes. Acima, sem a preocupação de
detalhar, seguimos este caminho. Existe, entretanto, uma segunda possibilidade e nossa
investigação trilhou preferencialmente por este caminho diverso: ouvir os moradores dos
loteamentos, tentando conhecer as maneira como esses homens e mulheres enxergam-se e
sentem os seus locais de residência enquanto constróem suas casas e seus bairros. Eis o
resultado:
Para o homem do loteamento o horizonte é dúbio. Ao mesmo tempo em que se
considera um "privilegiado" por possuir algo de seu e estar finalmente distante do aluguel,
das condições adversas de uma favela e das incertezas da agricultura, encontra-se inseguro
em um local estranho e no qual tudo se encontra por fazer. Sua providência primeira é a
construção da casa: a responsável imediata pela sua fuga do aluguel.
É importante salientar que para o trabalhador construtor da sua casa em um
loteamento, esta edificação surge como algo extremamente valioso pois, invariavelmente,
ele constrói sua casa em um momento de incertezas. O projeto de possuir o seu “canto”
aparecerá como um fator estratégico na diminuição de tais incertezas, daí constituir-se algo
repetitivo um discurso assemelhado a este:
Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente que era muito pobre. Pensa bem chegar... chegar aqui no Rio, vindo de onde eu vim e ter que encarar ao mesmo tempo uma sacaria ganhando pouco... - pra quem tava acostumado com uma enxada é ruim demais - ... e no mesmo tempo morar de aluguel e ter de sustentar mulher, mãe e filharada. Rapaz! a única coisa que eu pensava naquela época era comprar o terreno e fazer o barracão.27
Considerando que o seu “barracão” não está, após vinte anos pronto e que ele
continuou até aposentar-se trabalhando em um serviço pesado, a utilização do verbo no 26 Em algumas das entrevistas realizadas para a confecção deste trabalho procurou-se saber qual a opinião do morador dos loteamentos sobre as favelas cariocas, local de passagem de vários desses migrantes. Invariavelmente eles entendem que a favela é um local mais ameaçador que o seu bairro. O que incentivou-nos a qualificá-los como "fugitivos das favelas cariocas". 27 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSANTOS, Clenio de Lima. Entrevista
concedida em 01/11/1995 Aposentado do setor químico, natural de Pernambuco, nascido em 02/04/1945,
morador do Morro da Cocada em Belford Roxo
16
passado - "era" - para designar a sua situação financeira enquanto construía a casa, serve
para enfatizar o valor que ele doa à construção dessa casa.
As condições em que o proletário construirá sua casa explicam, em parte, o aspecto
dos bairros que circundam as diversas cidades da Baixada: as condições financeiras do
homem do loteamento e o sentido pragmático destas construções não permitem a mínima
preocupação com a estética, fazendo com que o conjunto de casas não acabadas que
formam um bairro popular façam grandes porções da Baixada assemelharem-se a locais
arruinados.
Tais construções foram feitas geralmente pelo próprio proprietário acompanhado de
seus parentes e amigos. Segundo um estudo feito durante a década de 1970 no bairro de
Bom Pastor, localizado no maior distrito de Nova Iguaçu - Belford Roxo - gastava-se em
média dois dias para que a primeira parte da casa ficasse pronta28. Esta primeira parte
geralmente era composta por cozinha e quarto, cômodos essenciais para a ocupação da casa
que o proprietário continuaria construindo (a partir daí geralmente sozinho ou com ajuda de
membros de sua família) durante anos nas suas raras horas de folga nos finais de semana.
Segundo este outro entrevistado esta casa foi a responsável pela modificação de certas
"idéias" suas, na medida em que ele já tinha uma família grande e “criada” e acabou tendo
que concordar com o fato de sua mulher e filhas trabalharem fora, o que para ele sempre
fora algo inaceitável:
[...] acabou acontecendo que eu não conseguia ao mesmo tempo construir pagar o lote e sustentar todo mundo. A mulher foi trabalhar em casa de família e minhas filhas passaram a trabalhar fora. Eu não concordava com isso, mas foi o único jeito de não perder este terreno e o alicerce que já tinha nele.29
O retrato simples dessa casa proletária não ficaria completo se não incluíssemos aí a
sua paisagem: um lote de aproximadamente 360 metros quadrados que ocupa parte de uma
quadra cercada por ruas abertas recentemente pelas máquinas responsáveis pela derrubada
dos últimos laranjais. A infra-estrutura básica necessária à adequação urbana, obtida através 2830 LIMA, Maria Helena de Beozzo. Em busca da casa própria: Auto-construção na periferia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1979, mimeo, p. 25. Através da leitura deste trabalho entramos em contato com noções usualmente utilizadas pelos urbanistas, como auto-construção e equipamentos urbanos. Tais noções se tornaram importantíssimas na determinação das maneiras como a região da Baixada Fluminense foi ocupada pelos proletários. 29 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISFREITAS, Otacílio José de. Entrevista
concedida em 21/11/95Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo nascido em 08/03/1960, morador do
bairro de Bom Pastor em Belford Roxo
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dos mínimos equipamentos urbanos, foi esquecida tanto pelo agente loteador como pelo
poder público. Restando ao proprietário do lote o encargo de organizar o espaço que, na sua
opinião, não deveria estar sob a sua responsabilidade, mas...
E você acha que a gente é porco prá deixar a rua virar um chiqueiro? O jeito foi ir cavando vala, tirando o matagal da rua, fazendo cobertura para os pontos de ônibus e mais um bocado de coisa que não era prá gente fazer.30
É recorrente em trabalhos que tratam dos loteamentos baixadenses a consideração
deste como algo não assistido pelo poder público31. Na realidade o loteamento surge como
uma iniciativa extremamente lucrativa levada adiante por alguns particulares não
preocupados com a legalização desse local de moradia ou com a construção da infra-
estrutura necessária à ocupação humana de uma determinada área. Para alguns autores o
poder público municipal mostra-se omisso aí porque, na realidade, era do seu interesse que
as diversas propriedades rurais deixassem de existir dando lugar aos loteamentos, melhor
substitutos dos incertos impostos rurais na medida em que poderiam gerar impostos
urbanos a partir da construção das casas dos operários e da intensificação da atividade
comercial.32 Ou seja, segundo essa visão a não observação de regras elementares na
preparação de uma área para a ocupação humana anteciparia as maneiras como o poder
30 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista
concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do
bairro de Chatuba em Mesquita 31 As seguintes obras produzidas invariavelmente por urbanistas e geógrafos tratam de uma forma direta ou tangencial a questão dos loteamentos nas periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Na feitura desse trabalho embasamo-nos também em tais obras com a finalidade de construir um retrato dos loteamentos: 1) CASTRO, Marre. “Qualidade de vida urbana: crítica e autocrítica” in Anais do Simpósio de Estudos do Planejamento Urbano e Habitacional. Rio de Janeiro NEURB/PUC, 1978, mimeo. 2) LIMA, Maria Helena de Beozzo. Em busca da casa própria: Auto-construção na periferia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1979, mimeo3) RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados. As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997.4) SANTOS, Carlos Nelson dos. “Voltando a pensar em favelas por causa das periferias” in Anais do Simpósio de Estudos do Planejamento Urbano e Habitacional, NEURB, PUC, Rio de Janeiro, 1978.5) SEGADAS, Maria Terezinha. Nova Iguaçu; absorção de uma célula urbana pelo grande Rio de Janeiro. Tese de livre-docência em geografia, Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, l960, mimeo.6) GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IBGE, 1956. 32 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp. 123 - 124.
18
público municipal encararia os novos bairros formados através da junção dos loteamentos:
indiferente.
Tal indiferença causará a apropriação por parte dos novos moradores de
responsabilidades pertencentes ao poder público. Enquanto um loteamento vai crescendo,
necessidades vão surgindo e o modelo de construção da casa proletária exposto acima
acaba por atravessar os limites de cada lote para a rua: para o novo morador é impossível
sobreviver "decentemente" em um local sem rede de esgoto, onde todos os dejetos são
lançados na rua ou no quintal do vizinho. Também se torna inconveniente permitir-se que
as ruas abertas com as separações dos quarteirões que formam o loteamento sejam tomadas
novamente pela vegetação que ocupa os lotes ainda não vendidos. O morador entrará em
cena como construtor e mantenedor precário dos equipamentos urbanos necessários às
mínimas condições de salubridade e conforto.
A noção auto construção utilizada por nós ao falarmos da edificação das casas
proletárias nos loteamentos, é elástico o suficiente para dar conta desta construção de
equipamentos urbanos que caracterizou a ocupação recente da Baixada Fluminense e que,
conforme veremos adiante, perpetuou-se, estabelecendo-se como um padrão de ocupação
espacial.
Além dos depoimentos orais e de algumas opiniões divulgadas pela escassa imprensa
regional da época, não existem documentos que testemunhem as maneiras “escolhidas”
pela população de recentes migrantes para ocupar os loteamentos. Depoimentos como o
seguinte podem auxiliar-nos na compreensão da maneira como os recentes moradores dos
bairros originários dos loteamentos percebiam-se e reagiam ante a apatia do poder público
em suas diversas esferas:
A gente vive aqui respeitando algumas regrinhas. Quando eu comprei o terreno ainda não tinha muita casa mas as regras já existiam. É diferente de favela em que cada um faz o que quer.Nunca existiu uma associação forte... cada um sabe que não pode fazer o que quer, e alguns ajudavam os que tinham mais expediente a ajeitar o bairro. Por exemplo: ali embaixo tem um valão que foi a gente que fez. Aqui perto não tem rio e as valas acabavam indo parar na outra rua. A gente fez entre as ruas uma vala maior até virar aquele valão que hoje em dia um montão de político vem limpar mas que ninguém se lembra de canalizar33
33 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do bairro de Chatuba em Mesquita
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Não pretendemos apresentar um morador ideal que resolve seus problemas revelando
sentimentos altruístas. Tal opinião ingênua poderia surgir do fato de estarmos coletando a
opinião das pessoas sobre fenômenos vivenciados por elas mesmas. O homem do
loteamento não faz muito mais que reagir às condições impostas a ele. Sua percepção de
que reivindicar junto à prefeitura municipal é inútil levou-o a pensar em seu bairro como
um lugar para o qual os olhos oficiais não se voltarão por não ser o próprio morador desse
bairro significante ante um organismo distantíssimo chamado por ele de “prefeitura”:
Não foi somente na época que eu vim pra cá que a prefeitura não se interessa por isso aqui... até hoje eles só aparece... fazer obra aqui só quando tem política. A prefeitura daqui só faz obra no centro ou no bairro onde mora os parentes do prefeito. Acho também que a gente não pode reclamar muito não porque na verdade a gente nem existe pra eles: isto aqui era um loteamento ilegal e ninguém paga imposto nenhum. Até hoje não se paga nada pra eles.34 A prefeitura faz pouco e a gente não pede nada. Eles são tão imprestáveis que todo mundo aqui ainda paga imposto territorial mesmo sendo assim lotado de casa.
Eles podiam no mínimo lançar esse tantão de obra e ter mais recurso de imposto.35
A estrutura de carências na Baixada Fluminense pode ter sua origem localizada no
momento de ocupação da antiga terra agrícola, ou seja, no momento de loteamento da
Baixada.
A verificação da expansão da auto-construção para os bairros formados pelos
loteamentos dá-nos oportunidade de investigar algo desenvolvido ao longo da ocupação
proletária e tornado em comum na medida em que os loteamentos transformavam-se em
bairros populares.
Pode-se pensar a partir da indiferença estatal verificada na exposição dos mecanismos
de ocupação proletária da região da Baixada e da conseqüente extensão da auto construção
34 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISNOVAES, Guilherme Antônio.
Entrevista concedida em 10/10/95.Aposentado do setor químico, natural do interior do estado do Rio de
Janeiro, nascido em 08/03/1948, morador do bairro da Prata em Belford Roxo35 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida
em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em
Belford Roxo
20
para além do lote proletário, a formatação de um problema que pode ser organizado dentro
do seguinte esquema:
1) ausência do Estado na resolução de problemas básicos;
2) percepção de que as reivindicações populares não surtem efeito;
3) auto resolução dos problemas a partir da criação de uma rede que realimenta a
ausência do Estado;
4) fortalecimento e dinamização da rede que designamos de resolução de problemas
práticos.
Logo de saída, necessário faz-se determinar que, diferentemente do que à princípio
pode-se pensar, não é a rede de resolução de problemas práticos algo perceptível e
individual como o serviço comunitário organizado por um morador ou como um mutirão no
qual participam os moradores de uma rua ou de um bairro. Entendemos como contidos
nesta ampla resposta da população à ausência do poder público quaisquer atividades que
tenham a ver com a construção e manutenção de obras infra-estruturais de caráter público,
pois, conforme expomos, na gênese desta rede encontra-se a ineficiência do poder público
em resolver problemas básicos. Atribuímos a esta rede um caráter amplo por percebermos
estarem contidas dentro dela desde ações simples como a manutenção da frente da própria
residência limpa quanto o recurso aos grupos de extermínio como maneira de se manter a
segurança em um bairro baixadense.
4 - A rede de resolução de problemas práticos e a construção de
ideologias populares na Baixada Fluminense
A Rede de resolução de problemas práticos é uma noção imaginada por nós e que se
pretende explicativa na medida em que funciona como uma maneira original de verificar-se
como a população baixadense articula-se na construção de suas identidades36, ou seja,
agindo dentro desse organismo o baixadense faz moverem-se os meios de amenização da
situação desvantajosa ocupada por ele em sua relação com o poder público. No universo
político do homem baixadense encontra-se de maneira muito clara a idéia de que não existe
36 POLLAK, Michael. “Memória e identidade social”. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 10,1992, pp. 200-215. IDEM. “Memória, esquecimento, silêncio”. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 02, n.03, 1989, pp. 03-15
21
nenhuma possibilidade de atrair a atenção do poder público para si, o que transfere para a
rede um caráter ideológico se entendermos ideologia como resposta e motor de ações, ou,
dizendo-se de outra maneira, de re-ações, às ideologias populares construídas pela
população proletária da Baixada Fluminense teriam como suas características oposições
mudas ao caráter ausente encarnado pelo Estado nesta região periférica do Rio de Janeiro.37
Tratar ideologia da forma como pretendemos compreendê-la aqui, equivale a usar um
instrumental teórico bastante diferente do tradicionalmente utilizado para trabalhar-se com
este termo tornado dúbio. Pensar no estabelecimento de uma cultura política própria da
população proletária da região da Baixada e submeter a essa cultura as ideologias populares
baixadenses talvez seja o caminho mais curto na direção de desmentir-se o entendimento de
que ideologias populares são unicamente uma deturpação das ideologias transferidas aos
estratos inferiores de uma sociedade pelas classes imediatamente superiores às classes
subalternas.
As ideologias construídas/vivenciadas pela população da Baixada Fluminense não
poderiam ser comparadas, por exemplo, a ideologia isebiana na medida em que não
eqüivaleria a algo articulado dentro de um conjunto de valores políticos definidos e sim a
uma maneira involuntária de reagir a um conjunto de adversidades que configuraram-se no
momento mesmo de ocupação dessa região periférica da segunda maior metrópole
brasileira.
Se pensarmos com Geertz38 que ideologia é um sistema cultural responsável pela
transformação do homem em um animal político, é possível renovar-se a maneira de
encarar-se o conceito de ideologia, sendo a partir da renovação desse conceito necessário
pensar-se que as ideologias populares são construídas por camadas subalternas de uma
sociedade em momentos nos quais esses estratos sociais sentem o seu conjunto tradicional
de valores ameaçados por pressões surgidas nas camadas elevadas da sociedade.
37 As conclusões acerca de ideologia dentro desse trabalho têm como inspiração principal o trabalho de Clifford GEERTZ. "A ideologia como sistema cultural" in A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1989. Auxiliaram de forma tangente para as nossas conclusões as seguintes obras:VOVELLE, Michel. Ideologies and mentalities, Cambridge, 1990.DUBY, Georges. “História social e ideologia das sociedades.” In História, Novos Problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995. 38 GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1989.
22
Nesse sentido o conceito de cultura política tal como proposto por Karina Kschnir e
Leandro Piquet Carneiro39 abarcaria a ideologia popular que seria enxergada como um
componente da cultura política oposto às ideologias oficias (aquelas terminadas em -ismo
tornadas em objeto execrável para grande parte dos estudiosos do social durante o século
XX). Elemento fundamental, entretanto, na medida em que determinaria as ações dos
agentes políticos das classes subalternas, formatando dessa forma comportamentos.
Tomando como exemplo a própria população proletária da Baixada, ao introduzir-se
o conceito de ideologia popular na análise da cultura política dessa população é possível
passar a não rotular a idéia baixadense de que a reivindicação de direitos é uma "besteira" 40
como alienação. Em lugar de tal rotulação, dever-se-ia considerar que essa idéia nasceu de
experiências concretas experimentadas em conjunto por essa população ao tentar acessar o
poder público que mostrou-se inatingível através de simples reivindicações. Ao mesmo
tempo é possível imaginar ser tal idéia uma das principais responsáveis pela expansão do
ideal de auto construção para fora dos primeiros lotes e pela dinamização da rede de
resolução de problemas práticos exemplificada na fala transcrita logo abaixo. Fala que
pertence a adolescentes bastante distantes do momento em que seus avôs migrantes
chegaram ao loteamento porém ainda reprodutores de práticas iniciadas há duas gerações:
[...] você deve ter visto que não temos luz nessa rua apesar da gente pagar todo mês iluminação pública na conta de luz. Foi besteira reclamar e a gente comprou os bocais e foi roubando luz da Light e colocando luz em cada poste. 41
"Água é a mesma coisa. Todo mundo aqui tem porque pagou para uns cara furar o cano da adutora que passa na rua de trás. A CEDAE nunca veio aqui legalizar e a gente vai gastando sem pagar. Adianta reclamar? 42
39 "(...) conjunto de atitudes, crenças, e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores." CARNEIRO, Leandro Piquet e KSCHNIR, Karina. "as dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia da política", in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, vol. 13, nO 24, 1999. pp. 227-250. 40 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Raul Leonardo. Entrevista concedida em 29/03/99.Porteiro, natural de Ceará, nascido em 30/06/1949, morador do morro da Galinha em Belford Roxo 41 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Fabiano da Silva. Entrevista
concedida em 29/10/98.Comerciário, natural de Belford Roxo, nascido em 20/12/1983, morador do bairro
Barro Vermelho em Belford Roxo42
ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMATOS, Fernando Ferreira. Entrevista
concedida em 09/04/99.Comerciário , natural de Duque de Caxias, nascido em 11/05/1983, morador do bairro
23
No decorrer da nossa pesquisa no Jornal de Hoje deparamo-nos com uma coluna
diária que trazia reclamações dos moradores de municípios da Baixada Fluminense sobre as
condições em que esses moradores viviam em seus bairros. Inicialmente chamou-nos a
atenção o fato dessa coluna de nome sugestivo - "Boca no Trombone" - reproduzir
fielmente a fala dos moradores dos bairros periféricos da Baixada. Além dessa fala em
estado puro chamou-nos a atenção a possibilidade de se conseguir com a leitura daquelas
reclamações estabelecer-se uma tipificação das reclamações populares. Sendo diária a
coluna e apresentando cinco reclamações por edição e, em cada edição, sendo vizinhos os
entrevistados, nascia a possibilidade de se qualificar essas reclamações populares através de
uma leitura que nos possibilitasse perceber quais problemas mais afligiam os baixadenses.
O recolhimento desses dados tinha uma intenção definida: comprovar a hipótese que
estava na gênese da noção rede de resolução de problemas práticos. Tínhamos a esperança
de comprovar que os problemas que mais chamariam a atenção dos moradores seriam os de
difícil resolução informal, ou seja, quanto mais difícil para a própria população resolver um
problema mais ele chamaria a atenção. Problemas geralmente enxergados como alarmantes
para qualquer observador externo (a violência, por exemplo) talvez sequer fossem
percebidos pelos entrevistados uma vez que maneiras internas de resolverem-se tais
problemas os transformassem em menores ou inexistentes, talvez.
Coletamos dados publicados nesta coluna entre o período próximo ao decréscimo do
processo de migração para a Baixada, 1982, e 1997, época em que a coluna Boca no
Trombone foi substituída pela coluna Seu Bairro, também destinada a apresentar problemas
urbanos da Baixada, porém não mais reproduzindo a fala dos próprios moradores.
Unicamente ler as reclamações populares não é surpreendente por não se encontrar no
elenco de problemas apontados pelos baixadenses ouvidos algo que se distancie
significativamente de reclamações comuns encontráveis em qualquer região periférica de
metrópoles brasileiras. Assim a ausência de saneamento básico, policiamento,
pavimentação, hospitais e escolas públicas, lotes abandonados, lixo acumulado, opções de
lazer, dentre outros, surgem como os principais problemas a se resolver ou mal resolvidos.
de Lote XV em Belford Roxo
24
A organização na ordem decrescente de importância desses problemas é que sugerem
que os baixadenses importam-se mais acentuadamente com problemas estritamente ligados
à ação efetiva do Estado. A organização dos problemas em ordem de importância
demonstra-nos que a falta de hospitais é o que mais aflige essa população, quando, devido
aos números alarmantes da ausência de fornecimento de água potável, de esgotamento
sanitário e de pavimentação, ou da grande disparidade representada na relação
policial/habitantes esperava-se que o saneamento básico ou a segurança pública surgissem
como problemas campeões na lista de reclamações populares.
A exposição de algumas dessas reclamações facilita o entendimento da maneira como
os baixadenses encaravam os problemas do seu bairro no momento da visita dos
jornalistas43:
"Adelaide da Costa - moradora do bairro Geraldo Danon, Nova Iguaçu:
'Falta muita coisa nesse bairro mais o pior é a falta de um hospital e de diversão para
as crianças. Escola tem pouca e eu nem preciso falar do calçamento que você mesmo vê
que só tem poeira aqui' - 18/03/1988"
__________________________________________
"Maria de Freitas Mota - moradora do bairro Palhada, Nova Iguaçu:
'Acho aqui uma coisa horrível mais as três piores coisas do bairro são a falta de
asfalto, de água encanada e de telefone' - 01/08/1984"
__________________________________________
"Moacir da Silva - morador do bairro Casa Verde, Belford Roxo, Nova Iguaçu:
'Aqui com certeza os piores problemas são a falta de hospital, de saneamento básico e
de iluminação nas ruas. Quando chove entope tudo e as casas acabam inundadas ' -
08/01/1983"
__________________________________________
"Marcolino da Silva Fernandes - morador do bairro Paraíso, Nova Iguaçu:
43 Lemos um número não determinado de reclamações, isolando dentre essas 2000 reclamações. É importante frisar que chamou-nos mais a atenção o fato do repórter perguntar aos entrevistados o seguinte: "Quais os três maiores problemas de seu bairro?" É perceptível que os moradores não se prendiam somente a três problemas. A natureza da pergunta, no entanto, induzia o entrevistado a pensar de imediato no que mais o preocupava dentro de seu bairro, acreditamos.
25
'Acho que as piores coisas daqui são falta de telefone, escola, água encanada, asfalto,
luz e lazer' - 23/02/1990"
__________________________________________
"Edileuza da Silva - morador do bairro Wona, Belford Roxo:
'O maior problema aqui é mesmo este esgoto entupido e a lama, quando chove. Mas
também quando não chove tem essa poeira. Por causa dela já tive que levar minha filha ao
médico com problemas respiratórios' - 22/06/1990"
__________________________________________
"Osmar Andrade - morador do bairro Casa Verde, Belford Roxo:
'Isto aqui está abandonado. A prefeitura esqueceu da gente. Tanto que a associação de
moradores do bairro é quase inoperante. Não adianta nada levar nossos problemas para o
prefeito. Ele não escuta mesmo' - 21/02/1987"
Reclamações desse tipo, entretanto, são extremamente raras:
"Oswaldo Mariano Mota - morador do bairro K11, Nova Iguaçu:
'A única coisa que tira o meu sono aqui é a insegurança. Já tive dois carros roubados
aqui no bairro e os moradores estão pensando já em pagar uma firma de segurança privada.
Ficou muito ruim principalmente depois que esses traficantes do Rio resolveram fugir para
a Baixada' - 09/08/1996"
__________________________________________
"Praxedes de Paula Andrade - morador do bairro D. Rodrigo, Nova Iguaçu:44
'Vim para cá há dez anos e sempre gostei daqui por causa da tranquilidade que eu não
encontrava na Tijuca onde tenho casa também. Só que de uns tempos para cá a violência
está aumentando acontecendo assalto a qualquer hora. É preciso mais polícia aqui no bairro
com toda a certeza.' - 23/02/1997
A tabela que segue fornece em números absolutos e percentuais o resultado da
pesquisa realizada na coluna de reclamações populares Boca no Trombone:
44 Os bairros iguaçuanos K11 e D. Rodrigo são considerados de "classe média" dentro da Baixada Fluminense.
26
PROBLEMAS NÚMEROS
TOTAIS
PORCENTA
GEM
Hospitais 500 25,0%
Lixos e pragas 400 20,0%
Segurança
pública
340 17,0%
Saneamento
básico
240 12,0%
Transporte
deficiente
180 9,0%
Telefones
públicos
180 9,0%
Creche, escolas 120 6,0%
Iluminação
pública
20 1,0%
Lotes
abandonados
10 0,5%
Opções de lazer 10 0,5%
TOTAL 2000 100%
Não temos a pretensão de fazer um retrato definitivo dos problemas baixadenses a
partir dos dados inseridos. O longo período investigado, dentro do qual diversas
modificações sociais, políticas e econômicas foram introduzidas, diluiu bastante as
possibilidades de se estabelecerem retrato momentâneos, o que fatalmente se imporia se
usássemos dados de um período mais curto. Sendo assim, a única pretensão que esta tabela
pode carregar é a de estabelecer uma hierarquia para as ausências flagrantes na região da
Baixada Fluminense e, partindo de tal hierarquização, estabelecer um caminho para
investigar-se o caráter das reações populares a estas ausências.
A hierarquização das reclamações permite-nos pensar que alguns problemas ou não
causam tanta preocupação, o que contraria a opinião dessa população, uma vez que eles
27
foram apontados, ou existem maneiras alternativas deles serem resolvidos, o que os torna
menores, mas não inexistentes.
A falta de hospitais aparece como primeiro problema lembrado.45 O que não
surpreende se considerarmos o baixo nível social da população dos bairros onde foram
feitas as perguntas e imaginarmos as dificuldades enfrentadas por esta população ao tentar
montar um serviço paralelo complexo como seria a construção de unidades comunitárias de
saúde. Em contrapartida, a falta de escolas chama menos atenção dos populares do que a
ausência de telefones públicos ou a ineficiência dos serviços de transporte coletivo: o
adiamento indeterminado da educação dos filhos e o recurso à maneiras alternativas de se
locomover, podem ter transformado estes problemas em menores que a dificuldade de se
comunicar através de telefones.
A complexidade de resolução rege a hierarquização dos problemas. Assim a falta de
rede de esgotos e o lixo sempre acompanhado de diversas pragas são menos importantes
que os hospitais, na medida em que a abertura de valas negras e os vertedouros clandestinos
de detritos significam um alívio imediato para estes problemas. Algo, entretanto, chama-
nos mais a atenção, merecendo uma análise mais detalhada: o terceiro lugar alcançado pela
ausência sistemática de policiais nos bairros baixadenses. Apesar de dados oficiais
estabelecerem como relação policial / habitantes a fração 1/450046 a ausência de policiais
não parece incomodar principalmente se percebermos não existirem reclamações nos
bairros mais pobres a respeito dos assassinatos constantes ou ao descobrirmos que somente
25% do total de reclamações relativas a segurança pública foram obtidas nos bairros
periféricos tradicionalmente mais "barra pesada", sendo a maior parte dos reclamantes
sobre segurança pública moradores dos centros de cidades baixadenses ou de bairros mais
urbanizados.47
A hierarquização dos problemas urbanos fornecida pela análise das reclamações
populares, aliada a algumas declarações obtidas em entrevistas com elementos populares e
a percepção da mudança do ideal de auto construção presente na Baixada para além do lote
45 Pesquisa do IBGE realizada em 1997, apontou para o fato de existir naquele momento nos municípios da Baixada Fluminense unicamente um Hospital Geral.46 “Suplemento Especial Pró Baixada”, Jornal de Hoje 26/11/95.47 Mais digno de nota é o fato de as reclamações sobre a ausência de policiais sempre partirem daqueles bairros considerados pela polícia como "menos problemáticos", sendo problemático para os policiais um bairro com grande número de assassinatos ou dentro do qual existam lutas entre grupos rivais. Por "menos problemáticos" entende-se o bairro que tem como crimes mais freqüentes o furto e o roubo.
28
popular, leva-nos a concluir que algumas demandas se auto resolvem diminuindo a
necessidade de ação do poder público ou pelo menos mascarando certos problemas que
deveriam, se seguirmos um certo padrão de explicação, explodir em forma de um ideal
reivindicativo.
Retomando-se sob novos prismas o conceito de ideologia, a atitude dos baixadenses
pode ser encarada como uma reação que invalida a pré-noção dessa população como
alienada política, o que faz-nos pensar se o arsenal de explicações usualmente utilizadas
para discutir-se as relações entre elites políticas e classes populares necessita de uma nova
interpretação.
5) Elites versus povo: uma alternativa para se pensar clientelismo e assistencialismo
Temos a esperança de que tornou-se claro a partir das análises elaboradas até aqui
não ser a cultura política baixadense construída unicamente pelas classes superiores
presentes nessa região, ensejando essa constatação uma necessária crítica a algumas leituras
do par clientelismo / populismo na política brasileira. Leituras essas que concluíram ser o
locus onde vivem os agentes políticos as classes produtoras de conhecimento e detentoras
da maior parte da riqueza nacional, enquanto para a massa urbana de trabalhadores caberia
o lugar de "parceiro-fantasma"48 de um jogo político para o qual somente é a "massa"
chamada devido ao fato de que na passagem do Brasil rural para o Brasil urbano surgiu a
necessidade desses proletários justificarem o poder político das elites através dos seus
votos.49
O populismo - expressão máxima do clientelismo no Brasil contemporâneo -,
segundo Weffort, seria marcado, portanto por uma ruptura resultante de uma modificação
superficial sofrida pela sociedade nacional em que o antagonismo eterno classes produtoras
versus elites se perpetuaria agora sob uma nova roupagem. Estruturalmente, entretanto, a
sociedade brasileira não se modificara e tal como nos campos os trabalhadores
48 WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980.49 Segundo Francisco WEFFORT a industrialização do Brasil acabou forçando as elites a inserirem as massas populares no jogo político em um processo chamado por ele de “tarefa trágica de toda democracia burguesa” que se processará maquiando a efetiva exclusão popular e traindo a massa citadina. WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980, pp. 123-142
29
experimentavam a clara manipulação exercida pelo coronel, aqui, nas cidades, esses
mesmos trabalhadores deveriam ser apascentados pelo político populista, que levava uma
desvantagem em relação ao coronel por necessitar elaborar um discurso que soasse
melodiosamente ao ouvido das massas urbanas uma vez que já não existia a possibilidade
de exercer-se o poder político através da intimidação explícita. Entrar-se-ia, seguindo-se
esta linha de raciocínio, em uma infinda discussão a respeito do caráter das relações entre
diferentes estratos da sociedade brasileira bem como a maneira elaborada pelas elites para
manter, após 1930, uma distância necessária das antigas "classes perigosas".
De uma maneira genérica encara-se o populismo como contido dentro de uma
estrutura designada clientelismo, que consiste em uma troca de favores entre um superior
que tem como função doar, e um inferior que recebe passivamente, podendo tal troca
fundamentar-se em laços de parentesco (nepotismo), de amizade (compadrio), de mero
interesse ou ainda mesclando essas características.
Passa-se a partir dessas constatações simples a pensar que o clientelismo no Brasil é
bem mais que uma prática restrita a um âmbito individual, de exceção, configura-se como o
modo de o povo brasileiro relacionar-se entre si e com seus governantes.
Vincula-se facilmente essa configuração política a uma espécie de condicionamento
de origem histórica, provocado pelo abandono da população por parte do Estado no
provimento de suas necessidades (que acabaram sendo providas por individuais, seja o
senhor de engenho, o coronel ou o "político amigo"), pela descaracterização do povo como
agente de sua própria história, e pelo interesse da classe dominante em manter essa forma
de exercer a sua hegemonia.
Exercício este de tal modo enraizado, que os próprios membros dessa elite o
consideram uma prática "normal”, não concebendo outra forma de se fazer política e
sociedade que não a clientelista, tornando-se a prática clientelística, então, em uma técnica
de controle social historicamente consagrada.
Não é difícil concluir a partir da "evolução" histórica do Brasil que o poder local foi
algo vivenciado desde o início da colonização brasileira tendo inicialmente a intenção de
atrair investimentos para a nova terra, através da idéia de que se apropriaria de um poder
absoluto aquele que para cá viesse aventurar-se, adicionando a esse "solitário poder" a
possibilidade de obtenção de fantásticos lucros oriundos da agricultura comercial.
30
Pode-se concluir a partir desse fato que as estruturas políticas formadas no Brasil
colonial giravam em função do engenho, sendo os senhores de engenho elementos
fundamentais em uma estrutura na qual dominavam tudo e todos com poderes absolutos.
Observa-se então, que dentro dessa perspectiva, para o "povo brasileiro", composto por
escravos, mulheres e brancos pobres, a noção do Estado como algo impessoal, (cuja função
seria a de promover o bem-estar da coletividade e no qual tais segmentos sociais teriam o
direito de participar) não existia: o que existia era a figura do senhor, único responsável por
qualquer bem-estar (ou mal-estar) de seus dependentes e o único que, faria algo que
ajudasse seus agregados.
Urgia pois, estar sempre na graça do senhor, dar-lhe apoio em qualquer circunstância,
sob pena de exclusão da própria sociedade.
Tais fatos levaram à desconsideração e descaracterização da maior parte da população
brasileira como segmento com real importância política e social, propiciando, por um lado,
a formação de poderosas oligarquias nas províncias e, por outro, a eclosão de movimentos
de revoltas populares (expressão da tensão subjacente nesta sociedade totalitária) incapazes
de articular uma organização política em torno de um objetivo concreto.
Os poucos movimentos populares que alcançaram o poder no Brasil, (a revolta dos
Cabanos no Pará em 1833, a revolta dos Balaios no Maranhão em 1837, entre outros),
foram marcados eles próprios por práticas clientelísticas, não conseguindo manter o "povo"
no poder por muito tempo.50
Com o advento da Constituição de 1891 que consignava em seu bojo algumas
reivindicações liberais (como a forma republicana de governo e a extensão do voto a todos
os maiores de 21 anos, o que colocava o Brasil no rol dos países "democráticos") passa a
ser imprescindível à burguesia cafeeira estimular vividamente o poder local, baseando-se na
força do coronel e no enfraquecimento do poder municipal para manter o controle dos
novos segmentos sociais emergentes e garantir a estabilidade institucional, para o
desenvolvimento da cultura cafeeira e a preservação dos interesses elitistas , internos e
externos.
50 REIS, João José Reis. Rebelião escrava no Brasil, São Paulo, Brasiliense, 1986.FREITAS, Decio. Cabanos os guerrilheiros do imperador, Rio de Janeiro, Graal, 1982. DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja, Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1996.
31
A função do coronel dentro da política do "café com leite" era a de apropriar-se das
funções de Estado de tal modo que a população de determinada comunidade dependesse
unicamente dele para a satisfação das suas necessidades mais elementares, diferindo, dessa
maneira, muito pouco o padrão colonial de clientelismo dessa nova sujeição popular.
A capacidade de conseguir eleições favoráveis à situação determinava o próprio
poder do coronel junto à sua comunidade, uma vez que ele também dependia dos recursos
financeiros das esferas superiores de poder, doadoras-mor de assistência.
Estabelecia-se, assim, a relação clientelista em três níveis: comunidade-coronel-
governo, onde o governo só libera as verbas para o coronel satisfazer a comunidade e
manter o seu prestígio se este conseguir os votos da comunidade para o candidato do
governo.
A comunidade reconhece por sua vez, a autoridade do coronel e é grata a ele pelos
favores que faz atendendo-a.
Observa Maria de Lourdes, M. Janotti sobre esse fenômeno:
“Um dos pontos interessantes de serem notados é o reconhecimento tácito que a
Comunidade tem da autoridade do coronel. Abandonada pelos poderes públicos no que se
refere à saúde, à justiça e à instrução, pois o município não tinha condições de atendê-lo,
via o coronel como protetor natural(...).51
As instituições políticas e administrativas em seu caráter impessoal, estavam longe de
ser compreendidos pelo homem do campo. Os poderes da República eram personificados
no presidente, no governador, nos deputados, prefeitos e vereadores. Assumia o
coronelismo uma conotação de "direito natural" do mais forte e do mais rico.
A sucessão elitista ocorrida em 1930 significou principalmente a chegada ao poder
de uma burguesia industrialista que recorreu, através de Getúlio Vargas, a uma política de
massas em que entre as "funções" dos trabalhadores constava a de enxergar na figura de
Getúlio Vargas não o delegado político do qual se espera a utilização de verbas públicas
para promover o bem-estar de toda a sociedade, mas um salvador que se dignou preocupar-
se com a situação do "povo brasileiro", premiado por leis trabalhistas, do sufrágio secreto
51 JANOTTI, Maria de Lourdes. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, ed. Brasiliense, 1987. LEAL, Vítor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; o município e o regime representativo no Brasil, 2 o ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975
32
para todos os maiores de dezoito anos, indústrias de base e uma política mais autônoma e
menos dependente do exterior.
Durante a vigência da "República Populista" estabeleceram-se pactos entre "povo" e
políticos, o que resultou, apesar do relativo desenvolvimento econômico e político
característico dessa época, na não "evolução" do povo brasileiro, mantido da condição de
massa, e não agindo como classe: Os trabalhadores brasileiros não conseguiam identificar
na figura do patrão o “outro”, não existia a noção da contradição do sistema. Isso deve-se à
própria política de massas, que acentuava o caráter paternalista das relações de produção, e
a necessidade de manutenção das aquisições econômicas do proletariado:
Enquanto o universo social e cultural está predominantemente impregnado dos valores e padrões comunitários e patrimoniais, os trabalhadores não podem formular as suas reivindicações em termos propriamente políticos (...). Nesse universo, as tensões sociais desdobram-se no misticismo ou na violência individualizada e anárquica.52
Podendo-se, então, observar claramente a continuidade histórica do padrão
clientelista de dominação.
Salientamos, quando falávamos da época Colonial no Brasil, o caráter de favor,
assumido pela assistência que dava o senhor ao seu dependente. No coronelismo, o
abandono do município por parte do Estado e a dependência da comunidade dos
mandatários locais acentuava esse caráter, sendo que naquele momento histórico,
observava-se uma nítida troca de favores: O apoio político incondicional ao coronel versus
o que ele pudesse trazer de assistência para a comunidade. Durante a "República Populista"
ocorre o mesmo fenômeno clientelista do período colonial brasileiro, apenas adaptado às
modificações históricas, mas, no fundo, sempre o mesmo clientelismo que perdura até hoje.
Do exposto, conclui-se que o clientelismo no Brasil, muito mais do que uma
circunstância particular, é uma técnica de controle social da classe dominante sobre as
dominadas.
A "técnica" tem como ponto chave a desarticulação das classes dominadas através da
centralização do poder nas mãos de pessoas da classe dominante que confiscam para si as
funções da máquina estatal como se esta fosse sua propriedade.
52JANOTTI, Maria de Lourdes. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo, ed. Brasiliense, 1987, p.05.
33
Paralelamente verifica-se a criação do mito que estas pessoas são “especiais” (e não
meros funcionários públicos) e que não só têm o direito natural de estar no poder, como
está subentendido, no ato da eleição, que, ao ocupar seu cargo, poderá esta pessoa
“especial” fazer o que bem entender nele.
Como este político é considerado “amigo” pela comunidade que o elegeu, esta espera
que o seu padrinho faça algo em seu benefício, sem que algum retorno seja realmente
exigido.
A sistemática adotada provoca como conseqüência a descaracterização e o descrédito,
por parte da população, naquelas instituições que poderiam vir a ser uma ameaça ao poder
dominante (caso fossem utilizados em benefício da população) como os partidos políticos,
o governo, as leis e o próprio Estado.
A população, no clientelismo, torna-se dependente e incapaz de organizar-se e
participar efetivamente do jogo político do poder, que é totalmente comandado, então, pelas
elites. Possuindo a máquina estatal e o controle do jogo político, podem as elites utilizá-los
para a preservação e consecução de seus interesses.
A conclusão óbvia da visão maniqueísta apresentada acima, é que essa "evolução"
histórica anômala do "povo brasileiro", somente poderia resultar no acirramento dos
conflitos de classe (ou deveria ser de massa? [sem-terra x latifundiário, grevistas x patrões,
miséria das periferias x conforto dos centros urbanos]), que deverão simplesmente
"explodir" nossa sociedade fazendo com que o nosso centenário sistema clientelista
aproxime-se finalmente de um colapso.
Tal leitura equivocada e comum é bastante injusta tanto com as nossas elites quanto
(e principalmente) com as nossas classes subalternas chamadas genericamente de "povo".
Pode-se tomar como exemplo do estranhamento elitista em relação à inclusão das
classes populares no jogo político democrático o conjunto de "ideologias" elaboradas pelos
intelectuais ligados ao ISEB. Mas as conclusões se diferenciam muito das retiradas do
conjunto de idéias maniqueístas expostas acima.
Surgindo em um momento no qual a vida política brasileira caracterizava-se pelo
extremo dinamismo político, as formulações teóricas isebianas não deixaram uma marca
34
profunda na história do pensamento intelectual brasileiro, porém definiram formas
escolhidas por determinadas frações da elite intelectual e política para desenvolver o novo
conceito de nação que intentava-se criar naquele momento de urbanização acelerada do
país.
Longe de pretender estabelecer novas maneiras de se encarar as idéias isebianas, a
exposição de algumas delas neste trabalho justifica-se somente por serem aqueles
intelectuais contemporâneos da passagem do Brasil rural ao Brasil urbano, iniciarem as
suas atividades durante o início da "república populista" e terem pensado no
estabelecimento de ideologias de desenvolvimento nacional intrinsecamente ligadas ao que
alguns isebianos chamavam de "grandes massas" nacionais. Foram os isebianos, portanto,
intelectuais extremamente preocupados com o estabelecimento de uma ideologia nacional
desenvolvimentista baseada em idéias que consideravam ser "verdadeira" a ideologia capaz
de unir todas as classes da nação, transformando o país em um local no qual haveria a paz
social tão necessária ao desenvolvimento.
Para além de constituírem em qualquer uma de suas diversas fases as principais idéias
isebianas fontes principais de ideologias oficiais do Brasil anterior ao golpe militar de 1964,
demonstra-nos essas idéias a enorme distância existente entre o que arquitetavam as elites
governamentais do país e o conjunto da população brasileira principalmente se
debruçarmo-nos sobre os isebianos que se preocupavam com a formulação de uma
ideologia específica destinada ao desenvolvimento da "nação". Ora, em 1956 ano de
transformação do IBESPE em ISEB, não era mais possível para a elite política brasileira
negar o fato de que qualquer plano de construção nacional deveria necessariamente
abranger o conjunto de trabalhadores que agora habitavam as cidades brasileiras,
transformadas rapidamente em enxames humanos. Surgirão dentro do ISEB idéias
desenvolvimentistas que enxergarão nas "massas" trabalhadoras as esperanças de se chegar
à "realidade".53
Em relação à necessidade de estabelecer-se uma ideologia nacional de
desenvolvimento baseada nas massas trabalhadoras, duas correntes aparentemente opostas
dentro do ISEB surgirão: a primeira encabeçada por Hélio Jaguaribe e secundada por
nomes como Cândido Mendes e Corbisier, defenderá teses que têm como característica
53 PINTO, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional. Rio de Janeiro, ISEB, 1960. Vol. I, p. 64.
35
geral a percepção da massa como um elemento importante dentro do processo de
desenvolvimento nacional. Tal importância detida pelas classes populares reveste-se,
entretanto da necessidade de manter-se uma distância segura demonstrada pela
consideração de Hélio Jaguaribe segundo o qual as massas deveriam ser "conscientizadas"
pelas classes empreendedoras, que têm como uma das suas funções demonstrar às
"grandes massas" que o desenvolvimento levado adiante pelas classes proprietárias é o
principal responsável pela elevação do nível de vida da própria massa. Para Jaguaribe e seu
grupo, portanto, as classes subalternas assumiriam um lugar de destaque na medida em que
menos se manifestassem. Esse autor pensa que muito raramente as "aspirações sociais" de
um determinado grupo correspondem aos seus reais "interesses" fazendo com que as
classes sociais sejam constantemente "vítimas da própria ideologia perdendo a
oportunidade de organizar em função dela [a ideologia] a sociedade a que pertencem."54
Aparentemente bem distante dessa anulação das ideologias populares parece
localizar-se Alberto Vieira Pinto. Em sua obra Ideologia e desenvolvimento Nacional este
autor define a ideologia de desenvolvimento nacional como "necessariamente" um
fenômeno de massas. Para transformar-se em verdadeira ideologia nacional
desenvolvimentista essa ideologia deveria proceder da consciência das massas pois para
Vieira Pinto é o trabalho o elemento essencial das transformações não somente materiais
mas também das transformações de consciência. Ora, é portanto a consciência das massas
trabalhadoras o ingrediente essencial na elaboração de qualquer ideologia
desenvolvimentista que se pretenda nacional. Em tal aspecto as idéias de Vieira Pinto
parecem diferir em muito das idéias de Jaguaribe, sendo essa distância, entretanto,
aparente: Vieira Pinto até de uma forma mais radical determina serem os estudiosos da
sociedade brasileira e os governantes da nação os únicos arautos dessa consciência,
cabendo a eles o fardo de interpretar a consciência das massas - pois essa consciência não
surgiria claramente - transformando tal consciência em "verdade" capaz de moldar uma
ideologia nacional de desenvolvimento que não atenda aos interesses de uma única classe.
Capaz, entretanto de satisfazer tanto a burguesia quanto as massas trabalhadoras da nação.
54 JAGUARIBE, Hélio. Nacionalismo na atualidade brasileira. ISEB, Rio de Janeiro, 1959, p. 49
36
A importância de lembrar e expor idéias de isebianos sobre o conjunto de
trabalhadores brasileiros tem nesse trabalho unicamente a intenção de mostrar a grande
distância entre um determinado discurso oficial55 e a prática de elementos das classes
trabalhadoras. Exatamente no momento em que a classe trabalhadora ganhava esses
cicerones desconhecidos por ela, cavavam-se nos terrenos dos loteamentos baixadenses os
buracos dos alicerces das casas proletárias sem que para tal fato se voltassem os olhares do
Estado. Na realidade o discurso oficial quando leva em consideração as classes subalternas
somente pode encará-las como um rebanho pronto para ser conduzido, negando a essas
classes a capacidade de organizar-se e adaptar-se nesse novo ambiente que é a metrópole
para onde afluem massas gigantescas de trabalhadores rurais empurrados pelas misérias do
campo brasileiro e atraídos pela possibilidade de um recomeço sobre novas bases.56
Enfim, a ação popular na Baixada que não pôde ser enxergada pelo poder público no
momento em que surgiam os primeiros loteamentos, conviveu com interpretações a respeito
da inserção das classes subalternas na vida urbana brasileira que idealizaram
(negativamente) o "povo" em lugar de perceber poderem as classes subalternas
organizarem-se. As tentativas isebianas de se fazer surgir da "consciência das massas"
uma ideologia ideal e toda a interpretação que considerava o populismo como uma relação
monologal demonstra dois grandes equívocos quando comparamos as interpretações
oficiais e as ações proletárias na região da Baixada Fluminense: o primeiro equívoco revela
uma incapacidade do Estado em suas diversas esferas de perceber o organismo que nascia
do encontro das maneiras paralelas de se resolver problemas urbanos. A rede de resolução
de problemas práticos nascida desse encontro de soluções informais é hoje utilizada por
alguns prefeitos baixadenses,57 explicitando que o desprezo demonstrado pela elite regional
55 A lembrança das idéias isebianas nos limites desse trabalho fez-se basicamente com a intenção de manter um discurso que prima pela prática. Quando falamos em ausência do poder público reportamo-nos a um conjunto de práticas oficias realizadas na região estudada por nós. Práticas essas que ignorando a população que ali assentava-se, ocasionaram o surgimento de reações populares. De uma maneira geral as práticas oficiais - melhor exemplo talvez seja o ISEB - durante a "República Populista" primaram por uma desconfiança em relação ao elemento popular e a explícita despreocupação em construir as bases de uma nação possuidora de menores diferenciações sociais. 56 Em municípios baixadenses como Belford Roxo a porcentagem de pessoas não nascidas no município chega a 84% segundo dados apresentados pelo IBGE em 1997. Verificar Anexo III no final desse capítulo.57 No capítulo II a ação de prefeitos dos novos municípios baixadenses surgidos a partir de 1990 com o desmembramento final dos distritos iguaçuanos é analisada, considerando-se esses prefeitos como os representantes de uma nova elite governamental oriunda da dinamização da rede de resolução de problemas práticos com o desenvolvimento de um tipo sui generis de liderança que chamamos de marginal.
37
governante58 durante a época de ocupação proletária da Baixada Fluminense somente
reforçou as dificuldades enfrentadas pelos grupos de proletários que inicialmente ocuparam
os loteamentos.
O segundo equívoco revelado sobre a ação proletária na Baixada Fluminense
relaciona-se com o entendimento de que existe passividade popular no desconhecimento de
deveres e direitos e na negação das reivindicações como algo efetivamente solucionador de
problemas políticos inerentes à ação de governos. Aquele tradicional entendimento de que
cabe ao governo a responsabilidade por resolver todos os problemas, aspecto do
paternalismo extremamente aprofundado em nossas instituições políticas, é criticado
involuntariamente por esse morador que se orgulha do fato de não depender do governo
para manter sua rua transitável e seu bairro parcialmente organizado:
Não passava lixeiro? Não tinha era nada. Era um monte de terreno sem casa e com um monte de mato no meio daquelas terra tinha ainda uns pezinhos de laranja tudo arrasado. As rua toda esburacada e com mato. Sem iluminação nenhuma. Só pra encurtar a conversa: eu que tava chegando do interior do Espírito Santo quase voltei pra trás na mesma hora. Eu esperava um lugar organizado e era um arraso. Olha só hoje. Frente da casa capinada, luz na rua, ponto de ônibus coberto, tudo saneado. Me pergunta se a prefeitura ajudou? Ajudou nem um pouquinho. Também não dava pra ficar só reclamando e esperando pelos outros. Brasileiro tem mania de achar que tudo é responsabilidade dos outros. Eu capino a frente da minha casa, levo o lixo pra estrada de Madureira onde passa o caminhão todo dia, mantenho a luz do meu poste funcionando e ainda ajudo o pessoal da comunidade a construir um posto de saúde comunitário no bairro. Depois a gente vai pagar o médico prá vim aqui uma vez na semana. Não dá prá depender de quem não se importa com a gente. Político aqui não tem vez. A gente resolve quase tudo e ainda se sente gente porque tá ajudando o outro quando faz alguma coisa em comunhão com o irmão da gente que vive aqui do seu lado.59
O desprezo ao poder oficial revelado na fala desse habitante de um antigo
loteamento iguaçuano choca-se frontalmente com a solução conciliadora do ideal
reivindicativo e ao mesmo tempo introduz uma crítica ao paternalismo preconizado pelas
medidas assistencialistas utilizadas por uma série de políticos brasileiros. Para além disso a
fala do entrevistado permite-nos pensar nele como alguém que orgulha-se de substituir a
ação oficial da prefeitura iguaçuana, atribuindo a si e ao seu grupo de vizinhos -"irmãos" -
a responsabilidade pela construção de equipamentos urbanos mínimos, porém capazes de
58 Ver Anexo I no final do capítulo.59 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Marcos Vinícius da. Entrevista concedida em 02/09/1998Vendedor ambulante, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/10/1968, morador do bairro Bom Pastor em Belford Roxo
38
tornar o seu bairro em um lugar menos desprezível. A passividade passa distante do
discurso desse entrevistado. Não ter certeza de seus direitos e deveres significou para ele
unicamente a possibilidade de construir para si e para o seu grupo um conjunto de direitos
e deveres próprios - não escritos - dentro do qual manter a frente da casa limpa é algo
imperativo, sendo um dever de todos ajudar o "irmão" realizando obras que na verdade
beneficiarão todo o bairro.
Tal ponto de vista de um indivíduo pertencente a uma comunidade baixadense
choca-se claramente com a visão maniqueísta acerca das relações políticas entre desiguais
que apresentamos acima ou com uma consciência-matéria-prima buscada pelos isebianos,
por exemplo.
A fala do entrevistado de uma certa maneira afina-se com as novas visões sobre o
clientelismo que estudos mais recentes trouxeram para o campo político nacional, na
medida em que essa categoria, segundo essas novas visões, não se constituiria exatamente
em uma relação de dominação levada adiante por um membro da elite política que encara o
conjunto dos trabalhadores urbanos como sua massa amoldável.
Não exatamente ao contrário, porém de uma maneira diversa do que disseram os
pioneiros estudiosos dos fenômenos relacionados ao clientelismo no Brasil, um conjunto de
novos pensadores sociais entende que existe na realidade um diálogo entre elite política e
classes subalternas, não havendo unicamente uma relação de simples troca desvantajosa
entre os dois atores (elite política e povo)60. Mesmo em um período extremamente eivado
pelas práticas assistencialistas como a república dos coronéis é difícil pensar-se em uma
sujeição completamente muda dos "oprimidos" pelos "opressores" como mostra-nos José
Murilo de Carvalho,61 que em um diálogo com Vitor Nunes Leal demonstra, auxiliado por
estudos realizados por Paul Cammack, que o voto, agente intermediador básico entre os
agentes políticos envolvidos nessa trama não possuía um peso tão elevado como aquele
pensador entendeu ter. Na realidade não existiu uma expansão da base eleitoral apesar do
advento da República brasileira, não podendo, portanto, afirmar-se que os coronéis (agentes
opressores fundamentais da república velha) assentavam o seu poder unicamente sobre o
60 LEAL, Vítor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; o município e o regime representativo no Brasil, 2 o ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975 61 CARVALHO, José Murilo de. "O coronelismo", in Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (1930-1983). FGV, v. II, pp.932-934, Rio de Janeiro, Forense Universitária / FINEP, 1984.
39
controle do voto dos elementos sujeitos a ele, conforme o afirmado por Vitor Nunes Leal
em 1949.
Também verificando as relações existentes entre elite política e classes subalternas
brasileiras a partir de 1930, Angela de Castro Gomes em artigo de 199662, após um balanço
bibliográfico sobre o tema, ofereceu uma análise baseada no seu próprio trabalho sobre
relações clientelísticas dentro do Governo Vargas63. Seguindo um conjunto de trabalhos que
reavaliavam o papel dos atores políticos dentro do Brasil urbano pós-1930, essa autora
demonstra não ser possível conformar-se com o ponto de vista que considera os
trabalhadores brasileiros conclamados pelo líder providencial Getúlio Vargas como uma
massa inerte e manipulável, distante disso a sua "abordagem se recusava atribuir aos
trabalhadores uma posição política passiva, não importando se mais ou menos
completa."64 Sendo necessário "atribuir aos trabalhadores um papel ativo - vale dizer: uma
presença constante na interlocução com o Estado - significava reconhecer um diálogo
entre atores com recursos de poder diferenciados, mas igualmente capazes de se apropriar
e reler as propostas político-ideológicas um do outro."65 Admitindo-se essa visão mais
autônoma torna-se possível reavaliar o papel das classes subalternas da sociedade brasileira,
abrindo-se a partir daí a possibilidade de visualizá-las "relendo" as ideologias das classes
superiores ou - e é este o nosso ponto de vista talvez mais radical - reagindo as ideologias
oficiais ao criar mecanismos que preenchem os locais deixados vazios pelo Estado.
Resolvido o problema de reavaliar-se as tradicionais visões acerca dos atores políticos
brasileiros resta perceber como a prática assistencialista que permeia as relações entre
sujeitos políticos desiguais pode ser percebida não necessariamente como algo apenas
negativo, mas como uma prática que permite aos elementos populares alcançar o que esses
estratos sociais consideram como seus direitos.
Se por um lado as práticas assistencialistas ensejam o surgimento de máquinas
políticas geralmente postas em ação para beneficiar seus construtores e mantenedores66 -
62 GOMES, Angela de Castro. O populismo e as Ciências Sociais no Brasil, in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58. 63 IDEM. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994. 64 GOMES, Angela de Castro. "O populismo e as Ciências Sociais no Brasil", in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58. p. 5365 Ibid., p. 53
40
fato que é constantemente lido como negativo principalmente por possibilitar a corrupção67
-, por outro lado esse assistencialismo resolve de forma imediata problemas enfrentados
quotidianamente por diversos estratos das classes subalternas, transformando-se dentro de
determinados espaços urbanos na forma essencial de obtenção de benfeitorias geralmente
não alcançáveis através das reivindicações.
A partir de um trabalho como O cotidiano da política68 em que se pode acompanhar o
dia-a-dia de dois políticos cariocas que transformaram em "curral eleitoral"69 um bairro
periférico da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro é possível verificar-se a existência de
algumas peculiaridades que envolvem tanto os dois elementos da elite política como - e
principalmente - a população do bairro que garante a estes políticos as suas sucessivas
eleições.
Os dois políticos - pai e filha - já tornaram em tradicionais as suas presenças no poder
legislativo do estado do Rio de Janeiro (o pai) e da capital desse estado (a filha).
Notabilizam-se os dois dentro do bairro, entretanto, não pela sua eficiência legislativa mas
sim por uma espécie de abandono dos objetivos desse poder a partir da transformação deles
em agentes facilitadores dos diálogos entre a "comunidade" do bairro e o poder executivo,
garantindo para a "comunidade" do bairro condições adequadas de sobrevivência como
creches, escolas bem cuidadas, policiamento, saneamento básico, etc. Conforme esses
próprios políticos dizem em entrevistas realizadas para a confecção do trabalho de Karina
Kuschnir, seus mandatos não teriam sentido se não se constituíssem em elementos que
obtém "acessos" ao poder executivo. Todo e qualquer aspecto da vida política é de menor
importância para esses dois políticos que essa pavimentação de caminhos que facilitem a
chegada (indireta) dos elementos populares aos centros executivos de poder, o que explica
as constantes trocas de partido realizadas pelos dois legisladores e a escolha de assessores
que podem auferir vantagens econômicas a partir da influência dos dois parlamentares e ao
mesmo financiar suas "obras sociais" e campanhas políticas, aliás, facilitadas pelo fato de
66 DINIZ, Eli. Voto e máquina política; patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1982.67 BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção : um estudo sobre poder publico e relações pessoais no Brasil, Rio de Janeiro, Relume-Dumara, 1995. 68 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.69 O termo "curral eleitoral" embora já desgastado, parece encaixar-se perfeitamente no caso desses dois políticos que conseguiram eleger-se sucessivas vezes sempre arrebanhando dentre do bairro de sua influência uma quantidade grande de votos.
41
não precisarem se expandir por toda a cidade do Rio de Janeiro, mas unicamente pelo
bairro de atuação dos parlamentares e para as suas cercanias.
A atuação desses dois parlamentares no bairro suburbano carioca de Roseiral 70 tem a
intenção primeira de criar uma máquina política garantidora da permanência desses atores
no centro da vida política. Inegavelmente, no entanto, essa máquina não exatamente se
realimenta da manutenção da "estrutura de misérias",71 mas sim da possibilidade de se
poder alcançar mais benfeitorias ou manterem-se as já conseguidas por esses "eficientes"
políticos que "escolheram" Roseiral como "sua área de influência".
Configura-se a partir do exposto uma troca entre desiguais. Tal troca não é, no
entanto, desvantajosa para a população envolvida. O assistencialismo que reveste todas as
relações entre a vereadora, seu pai e a "comunidade" suburbana de Roseiral é capaz de
trazer benefícios reais à população desse bairro que se destaca de alguns outros do subúrbio
carioca exatamente por estar melhor assistido pelo poder público que se torna (sempre
indiretamente) alcançável através das estradas - "acessos" políticos - abertas e
pavimentadas pelos dois parlamentares.
Poderia parecer que esse assistencialismo benfeitor é unicamente uma forma de
disfarçar uma anomalia política. Tal consideração, entretanto, pressupõe que consideremos
a existência de um padrão de comportamento político, ou seja, que exista um
comportamento ideal e que qualquer desvio desse ideal deva ser considerado
negativamente.
O calcanhar de aquiles das visões tradicionais sobre assistencialismo, talvez residam
exatamente aí, uma vez que elas sempre partem do respeito a esse ideal político72, o que faz
com que invariavelmente tais visões consigam adjetivar unicamente de maneira negativa as
relações políticas entre desiguais.73 O que é algo lógico, pois, existindo um ideal, qualquer
70 Segundo a autora é esse um nome criado por ela a fim de facilitar o anonimato dos personagens do livro. 71 DINIZ, Eli. Voto e máquina política; patronagem e clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Paz e terra, 1982.72 Ideal personificado pela democracia representativa, que por sua própria natureza, pressupõe o afastamento do cidadão dos mecanismos de gerenciamento do Estado, obrigando, entretanto que os componentes do corpo social somente recebam adequadamente o título de cidadão quando pressionam o Estado através da fiscalização e da reivindicação de direitos.73 Como exemplos de adjetivos comumente utilizados pelos tradicionais estudiosos do fenômeno assistecialista/clientelista para designar as classes populares temos: alienadas, manipuladas, massificadas, fracas, passivas, desorganizadas, destinatárias, objetos, cooptadas, enganadas, inconscientes, etc.
42
fuga dele constitui-se em anomalia e, portanto, resolvido está, através da rotulação,
qualquer problema.
O que talvez deva ser pensado é se é papel do investigador social analisar um fato
qualquer inserindo-o em um conjunto pré-definido de valores, ou seja, se é papel da
investigação social estabelecer ideais ou comparar comportamentos definindo como
anômalo o comportamento que não cabe em um determinado modelo.
Uma conclusão relacionada a essa questão de ser legítimo estabelecer-se um padrão
de comportamento político pode ser encontrado no já citado artigo de Angela de Castro
Gomes74, que ao deparar-se com o processo de construção da classe operária brasileira
concluiu não poder existir uma maneira correta ou incorreta de uma sociedade construir e
remodelar o seu campo político, não podendo um processo histórico de construção de
classe sofrer "desvio", já que não existe uma meta para se alcançar.
É possível concluir a partir das considerações expostas acima que as reavaliações das
relações políticas necessariamente existentes entre classes subalternas e elites políticas
diferenciam-se de tal forma das conclusões inerentes às visões tradicionalmente aplicáveis
às classes populares brasileiras que tornou-se possível a partir dessas novas visões
construírem-se trabalhos que primem pela visualização das maneiras criadas pelas próprias
classes populares para vivenciar o político. Não se trata de negar completamente a validade
dos tradicionais pontos de vista acerca das relações clientelísticas, uma vez que continuam
a existir intercâmbios entre elites políticas e classes subalternas. A natureza desses
intercâmbios, entretanto, é que deve ser revista, não devendo sobreviver qualquer visão que
leve a formulações de juízos de valor.
O capítulo seguinte de uma forma mais objetiva demonstrará as maneiras como o
conjunto de elementos proletários habitantes da Baixada Fluminense organizaram-se com a
finalidade última de fazer frente às diversas ausências causadas pelo poder público em suas
diversas esferas. Será retomada então uma discussão já iniciada no presente capítulo que
pauta-se pelo estabelecimento de maneiras diversas das tradicionalmente encontradas para
74 GOMES, Angela de Castro. "O populismo e as Ciências Sociais no Brasil", in Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, no 2, 1996, pp.31-58.. p. 52
43
resolverem-se problemas oriundos o mais das vezes pela negação do poder público em
presentificar-se nos bairros periféricos das diversas cidades baixadenses.
ANEXO I
UM TREM QUE PARTE75
Ruy Afrânio Peixoto
75 PEIXOTO, Ruy Afrânio, Imagens Iguaçuanas, Nova Iguaçu, mimeo, 1963, p. 03
44
Longe, ainda longe, na curva de Mesquita, já se ouvia o apitar do trem.
Movimentava-se a Estação. Era o “Fumaça” que ia chegar, como já anunciara o sinozinho
do Agente.
Garotos, a postos, preparavam seus sacos de laranjas, suas cestinhas de biscoitos,
doces de leite e roletes de cana.
As janelas abriam-se curiosas e das chácaras de laranjeiras que se debruçavam até a
linha férrea, saiam espectadores ansiosos.
O trem ia chegar...
Se bem que diário, era um acontecimento festivo, contudo, para essa pacata
Maxambomba, sem grandes preocupações.
Os trilhos já gargarejavam à aproximação da máquina ofegante, rumorosa, na
majestade de civilização.
Da rua, onde pacientes burros tropeiros pisoteavam a lama, surgiam, ronceiramente,
os retardatários.
O trem esperava...
O ar se impregnava de carvão e a máquina, exalando um ofegante suspiro, parava
finalmente.
Começava o movimento.
Fisionomias eufóricas, sorrisos, amabilidades, trocas de cortesias.
Eram conhecidos os que chegavam, porque só os conhecidos chegavam.
Com um plangente apito, que se perdia no eco das serras, partia, vagarosamente, o
trem.
E o tempo passou...
* * *
Centenas de pessoas, acotovelando-se, comprimindo-se, esperam, na extensa faixa de
cimento, o trem que não tarda.
E ele chega, o elétrico, rápido, como rápido estanca sua imensidão metálica, rangendo
nos trilhos suas rodas freadas a ar comprimido.
A um só tempo, mais de uma dezena de portas se abre para uma avalanche humana
que se choca com a outra comprimida, cá fora, que vai afoguetando, para dentro do trem,
homens socalcados.
45
São fisionomias suarentas, cansadas, esgotadas do trabalho.
Empurrões, impropérios, palavrões.
Ainda há centenas de pessoas na estação, enquanto já outras centenas cascateiam-se
pelas escadas, aos atropelos, para se arremessarem aos ônibus e lotações que se agitam,
impacientes, nos seus motores de explosão.
Uma buzina curta despótica, anuncia, a um tempo, o cerrar das portas e a partida do
trem, instantânea, como uma veloz lacraia metálica do progresso.
Progresso...
Oh! Nova Iguaçu por que não ficaste sempre Maxambomba?
ANEXO II
SÍMBOLO DO GOVERNO MUNICIPAL IGUAÇUANO ENTRE 1996-2000:
46
ANEXO III
A BAIXADA FLUMINENSE EM NÚMEROS76
Belford Roxo
Área total (1997): 73,5 km2
Data de instalação: 01/01/1993
Demografia
População (1996): 393.520
Densidade Demográfica (1996): 5.354,0 hab/km2
Óbitos: 1962
Óbitos violentos: 385
Porcentagem de migrantes: 84%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,76%
Taxa de urbanização (1991): 100,0%
Área social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 44
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 3
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 310
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 50
Municipal: 69
Particular: 44
Número de eleitores (1996): 221.456
76 FONTE: (http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm )
47
Delegacias de Polícia (1996): 1
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 70.360
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 100.715
Terminais telefônicos instalados (1995): 8.734
Telefones públicos (1995): 162
Economia
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 1.572.906
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 33.447
Duque de Caxias
Área total (1997): 465,7 km2
Data de instalação: 01/01/1944
Demografia
População (1996): 712.370
Densidade Demográfica (1996): 1.529,7 hab/km2
Óbitos: 4204
Óbitos violentos: 951
Porcentagem de migrantes: 70%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,30%
Taxa de urbanização (1991): 99,4%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): -
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 16
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1.661
48
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 94
Municipal: 96
Particular: 70
Número de eleitores (1996): 487.397
Delegacias de Polícia (1996): 5
Corpo de Bombeiros (1996): 1
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 79.894
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 124.151
Terminais telefônicos instalados (1995): 34.792
Telefones públicos (1995): 473
Economia
Número de estabelecimentos (1993)
Extrativa Mineral: 3
Indústria de Transformação: 818
Construção Civil: 116
Comércio: 1.774
Serviços: 1.250
Administração Pública: 17
Agropecuária: 27
Outras: 480
Número de empregados (1993)
Extrativa Mineral: 50
Indústria de Transformação: 24.179
Construção Civil: 2.899
Comércio: 14.018
Serviços: 25.109
Administração Pública: 9.412
49
Agropecuária: 11
Outras: 5.690
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 3.211.745
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 707.126
Itaguaí
Área total (1997): 279,3 km2
Data de instalação: 11/02/1820
Demografia
População (1996): 69.961
Densidade Demográfica (1996): 250,5 hab/km2
Óbitos: 757
Óbitos violentos: 209
Porcentagem de migrantes: 79%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 2,88%
Taxa de urbanização (1991): 93,6%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 50
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 4
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 268
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)(1)
Federal: 2
Estadual: 22
Municipal: 48
Particular: 11
Número de eleitores (1996): 60.208
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 1
50
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996)(1): 12.952
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996)(1): 17.898
Terminais telefônicos instalados (1995)(1): 5.280
Telefones públicos (1995)(1): 73
Economia
Número de estabelecimentos (1993)(1)
Extrativa Mineral: 50
Indústria de Transformação: 63
Construção Civil: 20
Comércio: 328
Serviços: 207
Administração Pública: 8
Agropecuária: 16
Outras: 97
Número de empregados (1993)(1)
Extrativa Mineral: 190
Indústria de Transformação: 2.288
Construção Civil: 357
Comércio: 1.493
Serviços: 3.019
Administração Pública: 2.506
Agropecuária: 93
Outras: 3.056
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 613.557
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 26.821
(1) Inclui o município de Seropédica
Japeri
51
Território
Área total (1997): 82,9 km2
Data de instalação: 01/01/1993
Demografia
População (1996): 66.427
Densidade Demográfica (1996): 801,3 hab/km2
Óbitos: 532
Óbitos violentos: 57
Porcentagem de migrantes: 81%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,21%
Taxa de urbanização (1991): 100,0%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 9
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 3
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 220
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 8
Municipal: 16
Particular: 6
Número de eleitores (1996): 45.674
Delegacias de Polícia (1996): 0
Corpo de Bombeiros (1996): 0
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): - dados não disponíveis
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): - dados não disponíveis
Terminais telefônicos instalados (1995): 300
Telefones públicos (1995): 6
52
Economia
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 24.913
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 496
Magé
Área total (1997): 390,7 km2
Data de instalação: 12/06/1789
Demografia
População (1996): 180.550
Densidade Demográfica (1996): 462,1 hab/km2
Óbitos: 1376
Óbitos violentos: 182
Porcentagem de migrantes: 79%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,97%
Taxa de urbanização (1991): 93,9%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 65
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 5
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 440
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 32
Municipal: 52
Particular: 20
Número de eleitores (1996): 120.673
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 1
53
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 13.977
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 18.210
Terminais telefônicos instalados (1995): 4.211
Telefones públicos (1995): 64
Economia
Número de estabelecimentos (1993)(1)
Extrativa Mineral: 9
Indústria de Transformação: 130
Construção Civil: 22
Comércio: 495
Serviços: 217
Administração Pública: 7
Agropecuária: 32
Outras: 110
Número de empregados (1993)(1)
Extrativa Mineral: 74
Indústria de Transformação: 3.620
Construção Civil: 165
Comércio: 2.214
Serviços: 2.030
Administração Pública: 2.363
Agropecuária: 134
Outras: 919
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 189.235
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 9.651
(1) Inclui o município de Guapimirim
Mesquita
54
Área total (1997): 35,36 km2
Data de instalação: 01/01/2001
Demografia
População (1999): 141,995
Densidade Demográfica (1996): 4.016 hab/km2
Taxa de urbanização (1991): 100%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 3
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 0
Nilópolis
Área total (1997): 19,2 km2
Data de instalação: 22/08/1947
Demografia
População (1996): 155.190
Densidade Demográfica (1996): 8.082,8 hab/km2
Óbitos: 1245
Óbitos violentos: 84
Porcentagem de migrantes: 91%
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): -0,37%
Taxa de urbanização (1991): 100,0%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 40
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 4
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 442
55
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 15
Municipal: 14
Particular: 28
Número de eleitores (1996): 142.180
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 1
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 29.870
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 39.238
Terminais telefônicos instalados (1995): 9.178
Telefones públicos (1995): 230
Economia
Número de estabelecimentos (1993)
Extrativa Mineral: 0
Indústria de Transformação: 87
Construção Civil: 18
Comércio: 417
Serviços: 260
Administração Pública: 7
Agropecuária: 8
Outras: 107
Número de empregados (1993)
Extrativa Mineral: 0
Indústria de Transformação: 1.090
Construção Civil: 116
Comércio: 2.423
Serviços: 2.730
Administração Pública: 2.229
56
Agropecuária: 0
Outras: 1.542
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 492.171
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 5.747
Nova Iguaçu
Área total (1997): 566,6 km2
Data de instalação: 29/07/1833
Demografia
População (1996): 801.036
Densidade Demográfica (1996): 1.413,8 hab/km2
Óbitos: 5421
Óbitos violentos: 901
Porcentagem de migrantes: 83
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,73%
Taxa de urbanização (1991): 99,6%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 110
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 8
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1.502
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 103
Municipal: 82
Particular: 92
Número de eleitores (1996): 526.724
Delegacias de Polícia (1996): 4
57
Corpo de Bombeiros (1996): 1
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 74.420
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 112.143
Terminais telefônicos instalados (1995): 28.858
Telefones públicos (1995): 618
Economia
Número de estabelecimentos (1993)(1)
Extrativa Mineral: 19
Indústria de Transformação: 600
Construção Civil: 107
Comércio: 2.477
Serviços: 1.496
Administração Pública: 15
Agropecuária: 31
Outras: 611
Número de empregados (1993)(1)
Extrativa Mineral: 473
Indústria de Transformação: 14.388
Construção Civil: 1.331
Comércio: 16.800
Serviços: 21.318
Administração Pública: 6.325
Agropecuária: 91
Outras: 9.505
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 1.611.982
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 51.566
(1) Inclui os municípios de Belford Roxo, Japeri e Queimados
Paracambi
58
Área total (1997): 179,3 km2
Data de instalação: 13/11/1960
Demografia
População (1996): 38.844
Densidade Demográfica (1996): 216,6 hab/km2
Óbitos: 291
Óbitos violentos: 20
Porcentagem de migrantes: 83
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,29%
Taxa de urbanização (1991): 92,0%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 23
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 6
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 2.161
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 7
Municipal: 18
Particular: 4
Número de eleitores (1996): 29.422
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 1
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 4.314
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 5.614
Terminais telefônicos instalados (1995): 1.648
Telefones públicos (1995): 21
59
Economia
Número de estabelecimentos (1993)
Extrativa Mineral: 2
Indústria de Transformação: 27
Construção Civil: 1
Comércio: 112
Serviços: 66
Administração Pública: 1
Agropecuária: 4
Outras: 32
Número de empregados (1993)
Extrativa Mineral: 10
Indústria de Transformação: 1.762
Construção Civil: 0
Comércio: 344
Serviços: 1.992
Administração Pública: 318
Agropecuária: 0
Outras: 214
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 71.644
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 775
Queimados
Área total (1997): 78,0 km2
Data de instalação: 01/01/1993
Demografia
População (1996): 108.531
Densidade Demográfica (1996): 1.391,4 hab/km2
Óbitos: 794
Óbitos violentos: 87
60
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 1,89%
Porcentagem de migrantes: 79
Taxa de urbanização (1991): 100,0%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 15
Hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 1
Leitos para internação em hospitais credenciados pelo SUS (abril/1997): 57
Estabelecimentos de ensino existentes (1996)
Federal: 0
Estadual: 17
Municipal: 18
Particular: 10
Número de eleitores (1996): 71.008
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 0
Infra-estrutura
Ligações faturadas de água do sistema CEDAE (1996): 19.112
Economias ligadas ao sistema de água da CEDAE (1996): 25.602
Terminais telefônicos instalados (1995): 1.646
Telefones públicos (1995): 52
Economia
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 735.838
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 40.649
Seropédica
Área total (1997): 266,6 km2
Data de instalação: 01/01/1997
61
Demografia
População (1996): 54.252
Óbitos: 209
Óbitos violentos: 52
Densidade Demográfica (1996): 203,5 hab/km2
Taxa média geométrica de crescimento anual da população(1991-1996): 0,71%
Porcentagem de migrantes: 90%
Taxa de urbanização (1991): 75,1%
Área Social
Estabelecimentos ambulatoriais credenciados pelo SUS (março/1997): 10
Leitos hospitalares:
Número de eleitores (1996): 33.118
Delegacias de Polícia (1996): 1
Corpo de Bombeiros (1996): 0
Economia
Estimativas do PIB, a preços correntes, a custo de fatores - 103 R$ (1995): 39.372
Arrecadação de ICMS - 103 R$ (1996): 1.698
Capítulo II
A REDE DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS PRÁTICOS
Conforme verificamos no capítulo I, juntamente com o parcelamento da Baixada
Fluminense em forma de loteamentos, um modelo de construção efetivou-se nessa região: a
62
auto construção, que transferiu-se das habitações populares para os mínimos equipamentos
urbanos presentes nos bairros populares. Com o incremento do povoamento na região da
Baixada Fluminense, tal estrutura radicalmente ligada à ineficiência dos poderes públicos,
realimentou-se tornando crônica a inexistência de infra-estrutura básica nos bairros
baixadenses oriundos da junção de loteamentos distintos.
A informalidade da resolução dos problemas baixadenses introduziu-se como regra
geral, permitindo visualizar tanto a ausência dos poderes públicos, quanto perceber a
"incapacidade" popular de organizar-se formalmente com a intenção de pressionar as
diversas esferas do poder público através de um ideal reivindicativo.
O presente capítulo tem como objetivo analisar a dinâmica de surgimento e de
funcionamento do que designamos rede de resolução de problemas práticos, ao mesmo
tempo em que visa demonstrar como o modelo político tributário desse organismo
configurou fenômenos como a formação desenfreada de novas municipalidades, a
transformação das câmaras municipais em órgãos executivos auxiliares das prefeituras
municipais geridas por políticos de origem popular que se elegeram exatamente por
auxiliarem essa forma de organização popular e que somente conseguiram chegar às
esferas formais de poder exata-
mente por diferirem do tipo de político tradicionalmente encontrado na região da
Baixada Fluminense.
1 - Dissecando a rede de resolução de problemas práticos
Durante o mês de setembro de 1998 algumas disputas ocorridas em um distante bairro
baixadense refletiram-se nas colunas políticas de alguns jornais locais. Elas tiveram como
personagens principais um líder comunitário e um vereador do município de Nova Iguaçu e
apresentavam certos elementos característicos: o vereador acusava o líder comunitário de
estar, a partir da formação de um movimento denominado “roça limpa”, cobrando dos
moradores desse bairro pela "proteção policial" oferecida pelo grupo de extermínio
chefiado pelo líder comunitário e de efetuar alguns serviços, como por exemplo o
63
recolhimento do lixo doméstico e a dragagem de um rio que corta o bairro, exigindo em
troca desses serviços pagamento por parte da população. O líder comunitário defendia-se
alegando estar sofrendo ameaças por parte do “vereador da área” que, sendo qualificado
pelo líder como “omisso”, não participava de nenhuma maneira da melhoria do bairro que
se caracterizaria por não ser assistido de nenhuma maneira pelo poder público e ter no
trabalho de seus moradores a única forma de manutenção das melhorias conseguidas
unicamente em épocas de campanha eleitoral, uma vez que o “vereador da área” não se
preocuparia com o bairro, visitando-o somente para cuidar de sua padaria e para aproveitar-
se dos votos da comunidade”. Durante este mês de trocas de acusações entre o vereador
Daniel da Padaria e o cabo bombeiro Elias Santos alguns jornais regionais e algumas seções
especiais de jornais cariocas de grande circulação explicitaram fotos do líder comunitário
realizando serviços essenciais como a limpeza de valas negras ou o recolhimento do lixo
doméstico. Além do cabo bombeiro, chamavam a atenção nessas fotos alguns moradores
que participavam ativamente das atividades comunitárias retratadas.
Setembro de 1998 foi-se e com ele foram-se as disputas referidas através de um
acordo em que o cabo submetia-se ao vereador. Algo manteve-se, entretanto: a manutenção
de aparelhos urbanos realizada pelos moradores que apareciam nas fotos dos artigos de
periódicos que tratavam das disputas entre os dois líderes. Nos diversos vasilhames
transformados em latas de lixo, mantidos nas esquinas principais do bairro e nos quais se lê:
"movimento comunitário roça limpa", a população continua depositando o lixo
doméstico que é recolhido por um caminhão pertencente ao senhor Ademir, “morador da
localidade e que transporta para o ‘lixão’ localizado perto dali todos os detritos recolhidos
das casas”.77
Perto do trabalho comunitário que subsistiu às disputas citadas, não passa de um
rótulo o nome “movimento comunitário roça limpa”. Todo o "serviço" orgulhosamente
organizado pelo cabo bombeiro Elias Santos já era silenciosamente realizado pela
população desse bairro proletário localizado nos limites de Nova Iguaçu e Belford Roxo
muito tempo antes do cabo bombeiro ter convidado jornalistas para documentar o seu
"trabalho comunitário". Distantes da atenção de qualquer esfera do poder público, e
escondidos em um bairro que não atraía a preocupação dos políticos iguaçuanos, os
77 Jornal Hora H, 23/10/199, pág. 02.
64
moradores dessa região de Nova Iguaçu acostumaram-se a manter as mínimas condições
garantidoras da vida urbana desse grupo de bairros constantemente inundados por um
conjunto de riachos que corta essa área somente parcialmente drenada pelas obras de
saneamento da Baixada Fluminense realizadas durante a década de 1930.78
A consideração do vereador da "área" como "omisso" por parte desses moradores fez-
se por dois motivos: em primeiro lugar os bairros localizam-se em uma área não preparada
para a urbanização que fez-se ali de uma maneira desorganizada perpetuando os problemas
oriundos das inundações dos riachos chamados de "valões" pela população. Em segundo
lugar é exatamente a dificuldade de resolução ou pelo menos a impossibilidade de
mascaramento dos problemas desses bairros que afastam deles outros políticos, vistos como
"omissos" na medida em que não diminuem as agruras dessa população que é assim
obrigada a limpar os "valões", iluminar a estrada que liga os bairros à via que conduz ao
centro do município de Nova Iguaçu, recolher os detritos de todas as casas, organizar
patrulhas noturnas a fim de garantir a volta das "crianças" dos colégios, evitando
parcialmente a ação de estupradores e ladrões, dentre diversos outros tipos de trabalho
incorporados ao dia-a-dia dos moradores desses bairros.
Qualificar esse tipo de trabalho realizado pela população da Baixada como mudo
serve para que pensemos na rede de resolução de problemas práticos como algo pouco
perceptível exatamente pelo seu caráter espontâneo, surgindo por isso mesmo, tal como nas
fotografias dos artigos elencados para ilustrar as disputas, como imperceptível.
Dizendo-se de uma maneira diversa: moradores de bairros periféricos de cidades da
Baixada Fluminense convivem com o fato de precisarem construir e manter as mínimas
condições urbanas presentes nesses bairros, porém essa ação cotidiana somente se torna
explícita em momentos de crise, de agudização dos problemas como o momento vivido no
conflito entre os dois indivíduos. Nesses momentos os problemas oriundos da baixíssima
78 Os problemas decorrente do caráter inundável dessa região foram parcialmente resolvidos somente em 1936, época em que o governo federal, desejando explorar de forma mais eficiente o potencial agrícola de toda a Baixada criou o Serviço de Saneamento da Baixada Fluminense. Órgão que, levando adiante diversas tentativas frustradas de saneamento das áreas inundadas, contribuiu para tornar habitável uma grande área anteriormente isolada pelos brejos e pela malária. As diversas tentativas frustradas ou bem sucedidas de saneamento da Baixada Fluminense encontram-se detalhadamente descritas no relatório de Hildebrando de Araújo Góis (GÓIS, Hildebrando de Araújo. O Saneamento da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense, 1939).
65
infra-estrutura urbana ensejam o surgimento de movimentos caracterizados por
emprestarem à práticas solitárias e cotidianas um caráter extraordinário. Pode-se encontrar
em diversos jornais regionais exemplos de movimentos surgidos a partir da agudização do
abandono de um determinado bairro baixadense. Porém, tal como o “movimento
comunitário roça limpa” esses não tiveram um caráter permanente deixando antever,
entretanto, um conjunto de soluções preexistentes (e pós existente) à constituição do
"serviço".79 É exatamente a essa ação pré-existente e pós-existentes a esses movimentos
concretos que designamos rede de resolução de problemas práticos.
Os serviços comunitários ou os mutirões formados para resolver problemas imediatos
distinguem-se dessa rede na medida em que surgem unicamente em momentos de crise ou
de agudização de problemas ou nascem do desejo de alguns líderes locais de se destacarem
politicamente através do aproveitamento do serviço já comumentemente realizado pelos
moradores de bairros periféricos. Não são esses serviços, por isso, espontâneos, surgem
com uma finalidade determinada e deixam de existir tão logo atinjam o seu objetivo.
Diferentemente desses serviços a rede de resolução de problemas práticos pode ser
adjetivada como muda por revelar uma forma sui generis de convivência urbana: a
cotidianização de problemas e a transformação das suas resoluções em algo inerente à vida
do conjunto de uma população de proletários. Enfim a informalidade de resolução dos
problemas seria algo estrutural e não fortuito ao contrário dos diversos serviços
comunitários baixadenses.
Deparamo-nos com uma população que utiliza-se de dados memoriais para conviver
com um meio urbano inóspito o que pode ser constatado nas diversas entrevistas que
realizamos e em outras entrevistas realizadas para a confecção do trabalho "Da coleta do
79 Os seguintes artigos do Jornal de Hoje de diferentes datas tratam de agudizações de problemas decorrentes da baixa infra-estrutura urbana e da conseqüente formação d e grupos comunitários destinados ao protesto ou a resolução dos problemas : "Moradores criam grupo para resolver problemas da região:Cansados de buscar inutilmente nos órgãos públicos a solução para os seus problemas, moradores dos bairros Jardim Tropical, Ulisses, Margarida e Monte Líbano decidiram se unir e criar o grupo comunitário geração 2000.... " - Jornal de Hoje, 11/05/1989"Moradores de Austin fazem manifestação contra abandono" - Jornal de Hoje, 22/01/1990"Manifestação em Lote XV acaba em tumulto" - Jornal de Hoje, 02/06/1998"Comunidade em mutirão faz reforma de escola em Moquetá"- Jornal de Hoje, 13/02/1990"Comunidade constrói nova ponte no bairro Aliança "- Jornal de Hoje, 14/07/1993"Moradores Juntam lixo e espalham na rua principal de Miguel Couto como protesto"- Jornal de Hoje, 10/05/1992
66
lixo a cidadania ativa? Estudo sobre o grupo de representantes de rua de Rancho Fundo" 80 de Janecleide de Aguiar que propôs-se investigar um movimento comunitário baixadense
e que utilizamos por não terem sido realizadas intencionando confirmar questionamentos
semelhantes aos nossos, porém, pretendendo demonstrar a possibilidade da população
baixadense organizar-se formalmente a fim de pressionar órgãos públicos.
Uma vez que citamos um trabalho que tem exatamente a intenção de estudar um
grupo comunitário formal, torna-se necessário enfatizar que o fato de identificarmos uma
rede de resolução de problemas que caracterizaria a maneira como a população baixadense
"organiza-se" a fim de resolver questões relativas ao arranjo do seu meio urbano, não
eqüivale exatamente a uma negação da existência de grupos comunitários formais
constituídos com a intenção final de resolver uma ou mais questões específicas. A rede de
resolução de problemas práticos, entretanto, não é temporária e gradua a sua ação informal
de acordo como se apresentem os problemas de uma determinada área da Baixada
Fluminense. É nesse sentido que ela é muito mais ampla que qualquer grupo comunitário
formal: Independente de querer ou não, o morador dos bairros periféricos baixadenses
participam de tal rede porque necessariamente ocupam os lugares deixados vagos pela
ação estatal, o que ocorre quotidianamente na vida do morador baixadense, independendo
quase sempre da sua vontade de participar ou não da resolução de problemas.
Incluir nessa rede a ação de grupos de extermínio baixadenses, demonstra a
amplitude de tal organismo social incorporador até de certas atitudes mentais, uma vez que
seria ilógico pensar no morador comum da região da Baixada, geralmente trabalhador e
religioso, como um membro de grupos exterminadores que geralmente matam após um
julgamento particular os suspeitos de cometerem crimes. É, porém, perceptível que o
baixadense médio encara tais grupos como a mais eficaz - talvez a única - forma de se
manter a "paz" em bairros da periferia das diversas cidades baixadenses. Essa atitude
mental justificaria a ação dos matadores justiceiros que dominam uma "área" tendo a
certeza de que sua ação criminosa encontra-se dentro dos limites do código de valores que
orientam o cotidiano dos moradores desses bairros populares.
80 AGUIAR, Janecleide Moura de. Da coleta do lixo a cidadania ativa? Estudo sobre o grupo de representantes de rua de Rancho Fundo. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.
67
Na memória da população estudada solidificou-se algo ímpar traduzido pela idéia
principal da declaração a seguir:
Não passa lixeiro, tem uma rua aqui e não passa lixeiro, ruas que passam carros, tá entendendo? Eu achava isso daí incrível. Eu comecei a conversar com os vizinhos: nunca passou lixo? Não, nunca tinha passado lixo aqui, em trinta, quarenta anos que moram ali. ‘Mas vocês nunca se juntaram?’ ‘Ah, nós tentamos, mas não adianta, sabe? Saneamento básico, não sei o que lá.’ Também não adiantava ir lá na Prefeitura, porque os políticos não têm nada. Não era possível continuar daquele mesmo jeito...o lixo tinha que ir embora de algum jeito e aquelas vala fedorenta... a gente tinha que mudar e juntando a gente passou a fazer por a gente mesmo, porque se não ajeita a gente mesmo os político é que não vai arrumar, entendeu? Você perguntou sobre grupo de extermínio. Conheço gente que participa desses grupos e que matam sem nenhuma dó. Não concordo porque sou cristão. Mas por outro lado bandido é que nem mato: quanto mais arranca mais aparece. O jeito é matar mesmo. 81
A auto-resolução não é, portanto, uma escolha: ela apresenta-se como uma reação não
sentida e tende a configurar novas maneiras da população baixadense relacionar-se com o
poder público e mesmo a solidificação de um novo entendimento de como deve ser
administrado um município: na região da Baixada o extremo parcelamento administrativo
causado pela criação de novos municípios espelha a percepção da ineficiência do poder
público, demonstrando ao mesmo tempo uma das faces do processo de dinamização da rede
de resolução de problemas práticos.
1.1 - A municipalização de distritos baixadenses
A criação de novas municipalidades no Brasil contemporâneo não é algo exclusivo da
região da Baixada Fluminense. A partir da nova constituição de 1988 criaram-se as
condições para que diversas elites distritais transformassem os seus distritos em novos
municípios. Pode-se dizer que tal fato ocorreu devido a maior autonomia dada aos
municípios pela Carta de 1988, quando essas sub-unidades da Federação passaram a
receber um tratamento diferenciado por parte dos legisladores que dotaram os municípios
de poder constitucional próprio (art. 29). Nessa linha de autonomia, a Constituição de 1988
atribuiu aos Municípios competências tributárias próprias (arts. 30, III, 45, III e art. 156), e
81 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida
em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em
Belford Roxo
68
participações no produto da arrecadação de impostos da União (art. 158, I e III), e em
impostos estaduais (art. 158, III), bem como no repasse do Fundo de Participação dos
Municípios (arts. 115, I, "b") e participação dos Municípios do estado nos recursos que este
receber por conta de sua participação no produto da arrecadação do imposto federal sobre
produtos industrializados (art. 159, III).
Em contrapartida passou a ser bastante ampla a esfera de obrigações de prestação de
serviços públicos essenciais, que ficou por conta dos municípios, no campo da educação,
saúde, transportes e assistência social.
A partir da autonomização dos distritos municipais,82 surgiram, como era de se
esperar, uma quantidade enorme de novos municípios, pois sendo ouvida a população do
distrito somente ("...às populações diretamente interessadas...") passava a ser simples
emancipar um distrito municipal mesmo se ele não possuísse uma vida econômica
autônoma: passava a ser sustentável o novo aparato administrativo através das verbas
repassadas obrigatoriamente pelos governos estaduais e federal. Não sendo as leis
complementares estaduais geralmente rigorosas no que concerne a criação de novos
municípios, desenhou-se um quadro caracterizado pelo surgimento de municipalidades
completamente carentes de recursos próprios e dependentes, portanto, do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM).
O seguinte trecho de um artigo publicado em um jornal paulista, serve como
demonstrativo dos equívocos cometidos a partir da inexistência de uma lei estadual que
regulamente a repartição municipal:
Atualmente, no Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 651, de 31/07/1990, não exigiu um número mínimo de população, mas apenas um mínimo de 1.000 eleitores. E bastam 100 eleitores da área que se deseja emancipar, por exemplo, de um Distrito, para desencadear o processo perante a Assembléia Legislativa, sendo considerada favorável a consulta plebiscitária se obtiver a maioria dos votos válidos, tendo votado a maioria absoluta dos eleitores. Ou seja, na melhor hipótese em um Distrito com 1.000 eleitores, precisariam votar validamente 501, dos quais bastavam 251 para aprovar a criação do novo Município! E, provavelmente, gerar a inviabilidade imediata e futura.Em conseqüência, e considerando-se também os Municípios criados anteriormente, pode-se dizer que segundo o recenseamento de 1996, existem no
82 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.(...)§ 4º – A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas.
69
Estado, 40 Municípios com população de até 3.000 habitantes, sendo 14 deles com menos de 2.000 e 5 abaixo de 1.500. Considerando o eleitorado em 1998, há 39 municípios com menos de 2.000 eleitores.Ora, com esses números, com que população economicamente ativa podem contar esses Municípios? E assustadoramente mínimo será o número de contribuintes. À toda evidência não conseguirão produzir atividade econômica suficiente, muitas vezes não gerando receitas sequer para cobrir o custo da estrutura político-administrativa, quanto mais para a prestação de serviços essenciais à população, no campo da educação, saúde, transporte, assistência social e outros serviços públicos que os munícipes esperam do seu governo local. Ficam na dependência de repasses de verbas estaduais e federais.83
A experiência de autonomização de distritos brasileiros transformados em
municípios após a Constituição de 1988, pode também ser explicada pelo momento político
vivido pelo país: a queda definitiva do regime militar e a redemocratização do país enchiam
de esperanças a população brasileira que mostrava-se bastante otimista por descobrir-se
como participante dos destinos da nação. Para a população dos distritos iguaçuanos o
"SIM" respondido nos plebiscitos equivalia, dessa forma, a renovação da esperança de um
recomeço, daí o entendimento de que Nova Iguaçu era "um atraso" e a valorização das
lideranças políticas distritais. Não se levava em consideração as desvantagens oriundas da
criação de uma nova administração, somente se conseguia vislumbrar a possibilidade da
inauguração de um novo tempo a partir da separação de Nova Iguaçu, que perdeu boa parte
dos impostos, do seu território, de empresas localizadas nos distrito, tendo ao mesmo tempo
que arcar com as despesas de um número maior de funcionários que, na ausência de leis
complementares estaduais eram simplesmente devolvidos pelos antigos distritos que se
organizam criando diversos novos empregos públicos.84
Apesar do retalhamento da Baixada Fluminense e a criação de municípios na Baixada
ser uma conseqüência do caráter autonomista da Constituição de 1988 e da esperança de
um recomeço que caracterizou aquele momento da vida nacional, há especificidades que
funcionaram como causa das emancipações de distritos iguaçuanos. Para além de admitir-se
83 CITADINI, Antonio Roque, Diário Comércio & Indústria, 24 e 25 de novembro de 1998, pp. 4 -5. 84 A porta aberta pela Constituição de 1988 parece ter começado a fechar-se a partir da Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que deu nova redação ao parágrafo 4º do artigo 18 da Constituição, que dispõe sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios. Essa Emenda estabelece que somente pode ocorrer a criação de novos municípios dentro do período determinado por lei complementar federal, impedindo a influência de campanhas eleitorais e de acordo com lei estadual, porém dependendo de consulta prévia mediante plebiscito, às populações dos municípios, consulta que só pode ser realizada "após a divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei". Passa a ser vedado, portanto, a possibilidade de fazer-se um plebiscito somente dentro do distrito a emancipar-se, o que provavelmente tornará pouco prático novos retalhamentos municipais.
70
como verdadeira a visão de que a criação de novos municípios a partir do grande município
de Nova Iguaçu foi ao encontro do desejo de determinados grupos de melhor controlar seus
“currais eleitorais” criando novas municipalidades ou tornar mais eficiente uma
determinada máquina política através da criação de toda uma nova estrutura administrativa,
percebe-se nas entrevistas realizadas o entendimento popular de que a municipalização dos
distritos possibilitaria o controle do poder por alguns líderes regionais que, conhecedores
dos problemas populares, principalmente por não serem “estrangeiros”, poderiam
finalmente atuar no sentido de transformar a estrutura de carências:
[...] é claro que nós tinha que querer ficar livre de Nova Iguaçu. Tudo quanto era prefeito naquela época era estrangeiro, morador da Barra. Que que ia querer fazer por Bom Pastor, Barro Vermelho.85 Agora com a emancipação foi outra coisa. O primeiro prefeito já fez coisa que a gente nem sonhava em ver um dia aqui.”86
"Com certeza Belford Roxo só seria melhor se não fosse ligado a Nova Iguaçu. Basta olhar para a economia do município o tanto de fábrica que temos... Só a Bayer deve representar boa a maior parte dos impostos municipais, só que nada era investido aqui que continuava sempre dando e nunca recebendo em troca. Além de tudo isso o povo daqui era muito mais participante da política, ao contrário de Nova Iguaçu em que ninguém fiscaliza, participa de nada."87
A seguinte observação recente feita por um morador do município de Queimados
enfatiza a consideração de Nova Iguaçu como a personificação do mal em oposição ao bem
representado pelo distrito:
Queimados até hoje é um município meio rural, só que na época que estávamos presos a Nova Iguaçu isso era uma bagunça geral por que Nova Iguaçu não se preocupava com isso. Nenhum bairro era asfaltado e até o centro era uma lamaceira só. Não dá pra dizer que tudo está excelente. Falta arrumar muita coisa. Mas já tem viaduto, bastante escola e asfalto em alguns bairros e no centro. Devagar o prefeito vai tentando fazer voltar as indústrias que saíram do distrito industrial daqui. Na minha opinião Nova Iguaçu só se preocupava em tirar dinheiro dos moradores daqui e investir no centro de Nova Iguaçu mesmo. Além disso o que existia de corrupção por lá era muito grande, basta lembrar do Paulo Leone88 e antes dele de Ruy Queiroz que destruiu as escolas do município para favorecer os colégios dele. Se a gente pensar bem acaba descobrindo que Nova
85 Bairros populosos do atual município de Belford Roxo. 86 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISALMEIDA, Jacinto de. Entrevista
concedida em 12/09/1998.Operário da construção civil natural de Pernambuco, nascido em 06/09/1942,
morador do bairro de Areia Branca em Belford Roxo.87 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida
em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador
do bairro da Prata em Belford Roxo
71
Iguaçu sempre foi um foco de político ladrão. E esses ladrões viviam as custas de Queimados, Belford Roxo e Japeri. É por isso que não tinha nada feito aqui.89
Para o morador do distrito emancipado passa a ser fundamental que o político
municipal seja alguém bem próximo dele, para quem ele possa falar ou pedir algo
importante durante uma simples conversa ou com quem possa contar tal como se conta com
um amigo ou parente próximo:
A vantagem da emancipação era muito grande. Só assim podia assumir a prefeitura gente muito parecida com a gente. Daqui de Belford Roxo mesmo. Gente que conhecia nossas necessidades, que tinha interesse em melhorar isso aqui. O dinheiro daqui passava a ficar aqui mesmo e as obras tinham que sair porque a gente podia pressionar os políticos que era na verdade gente que a gente conhecia e não um monte de gente desconhecida e que precisava ter influência para se poder falar com ele. Apesar da roubalheira melhorou muito isso daqui depois de emancipado.90
Algumas das entrevistas permite-nos pensar que a população dos distritos iguaçuanos
enxergava nas emancipações uma maneira de no mínimo encontrar agentes auxiliares no
seu costumeiro trabalho de auto resolução de problemas. Essa esperança da população é
demonstrada pelo fato dos entrevistados valorizarem constantemente as lideranças dos
movimentos de emancipação e expressarem sempre o desejo de que assumissem as novas
prefeituras elementos que já auxiliassem a população através dos diversos "serviços
sociais" espalhados através dos distritos:
[...] emancipação significava pra mim poder escolher alguém que já se preocupava com a gente, que já ajudava a gente que era pobre. Antes a gente não tinha voz. Depois da primeira eleição ficou mais fácil ser atendido até porque o prefeito era um cara daqui. Era rico mas era daqui e dava pra encher o saco dele fácil, fácil. O doutor Jorge91 era um homem que já ajudava a gente antes. Com a
88 Prefeito iguaçuano entre 1984 e 1988. Acabou não concluindo o mandato pois ocorreu uma intervenção estadual em Nova Iguaçu devido às acusasões de corrupção no executivo. Jornal de Hoje, 23/05/1992, p.03.89 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISARAÚJO, José. Entrevista concedida em
12/12/1997Pequeno comerciante, natural de Minas Gerais, nascido em 04/04/1962, morador do bairro Paraíso
em Queimados.90 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGÓIS, Caio Silveira. Entrevista
concedida em 13/08/1998Pedreiro , natural do Piauí, nascido em 08/03/1960, morador do bairro da Prata em
Belford Roxo91
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prefeitura na mão era mais fácil pra gente ser ajudado. Foi por isso que ele foi eleito.92
A partir das opiniões emitidas nas entrevistas é possível pensar-se que para o
Baixadense médio a criação de municípios é uma maneira de dinamizar a rede de resolução
de problemas práticos . Se considerarmos que para boa parte da população baixadense era
comum resolver seus problemas urbanos cotidianos através da auto resolução, a criação do
novo município permitiria que ele fortalecesse o seu parceiro na resolução de problemas: a
liderança política local, que, mesmo quando eleita, tinha o seu raio de ação limitado pelo
fato de estar atuando na distante Nova Iguaçu. Agora tornava-se possível conversar
diretamente com a liderança política. E se esses líderes se notabilizavam exatamente por
auxiliarem a população baixadense responsável pela manutenção das condições mínimas de
urbanidade, à frente do poder regional seria muito mais fácil para ele auxiliar a rede de
resolução de problemas práticos, dinamizando-a, por conseguinte:
A gente não parou de fazer serviço que devia ser feito pela prefeitura com a emancipação. Só que agora era diferente: eu lembro que uma vez o prefeito, veio aqui, viu o problema, não prometeu nada e eu disse pra ele que a gente da rua tava disposto a ajudar na solução do problema. Só que nós não tinha dinheiro pro material. Ele pensou um pouco, olho de novo pro valão e foi-se embora sem falar nada. No dia seguinte um vereador chegou com uns homens da prefeitura e com manilhão grande (dava um homem dentro) daí o vereador disse que o Joca mandou dizer que tava sem verba e que só podia ceder aqueles homens e por poucos dias. A gente tinha de organizar um jeito de fazer o trabalho. Aí nós se juntou e fizemos o encanamento da rua. Depois veio o asfaltamento e acabou daí pra frente aquelas enchentes. 93
A criação do novo município possibilita o ser ouvido e o recebimento da ajuda
daqueles que já ajudavam anteriormente. A diferença é que esses agora detêm o poder
municipal, o que significa minimamente a chance de fortalecer o parceiro já auxiliar no
trabalho mudo da população baixadense.
ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISRIBEIRO, Fátima Silva. Entrevista
concedida em 10/03/1998Empregada doméstica, natural do município do Rio de Janeiro, nascida em
30/06/1951, moradora do bairro Belmonte em Queimados92 Jorge Pereira da Cunha, prefeito de Queimados entre 1992 e 1996.93 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGIL, Jorge de Souza. Entrevista
concedida em 10/10/1998Servente de pedreiro, natural de Pernambuco, nascido em 18/02/1954, morador do
bairro de Bom Pastor em Belford Roxo
73
2 - A criação do município de Belford Roxo
Com a finalidade de verificar de forma melhor o processo de dinamização da rede de
resolução de problemas práticos através das emancipações distritais resolvemos
acompanhar uma dessas emancipações. Escolhemos o processo de emancipação do
município de Belford Roxo dentre todos os outros dessa última fase de emancipações não
somente por ser ele o primeiro, portanto o modelar para o posterior retalhamento do
município de Nova Iguaçu que chegou a 1999 unicamente com dois de seus antigos seis
distritos, mas principalmente porque a observação da transformação de Belford Roxo em
município funcionou como algo exemplar na medida em que este distrito caracterizava-se
por fornecer a Nova Iguaçu uma grande quantidade de políticos sendo ao mesmo tempo
palco de contradições ímpares, situação esta explorada ao máximo pelos líderes
emancipacionistas nos seus discursos. Assim, apesar de metade dos vereadores iguaçuanos
serem oriundos de Belford Roxo e de em 1988 mais de 50% da renda municipal ter saído
dali, o serviço de coleta de lixo doméstico conseguia atingir somente 27% das residências, a
população atendida por água encanada, esgotamento sanitário e pavimentação das ruas mal
chegava a 1%, não existia no distrito nenhum pronto-socorro e somente 31 escolas públicas
tentavam - sem conseguir - atender a todas as crianças, ficando aproximadamente 40%
delas sem vagas94. Tais números não conhecidos mas vivenciados pelos belfordroxenses
traduziram-se em um apoio maciço ao “SIM” propagandeado pelos políticos locais durante
a campanha de emancipação do distrito.
A melhor hipótese para a situação ímpar de Belford Roxo dentro de Nova Iguaçu é a
que determina ser o antigo distrito resultado de um crescimento rápido, voraz e não
planejado. Fatos como a inauguração da rodovia Presidente Dutra no início da década de
1950 e a eletrificação dos trilhos da linha auxiliar de trens (Rio D'ouro) que ocorreu no
início dos anos 1960 e que determinou a transformação de Belford Roxo em estação
terminal uma vez que dali até a localidade iguaçuana de Tinguá, no sopé da serra do mar,
os trilhos foram abandonados sob a alegação de não existirem passageiros em número
9418 Dados retirados de uma pesquisa realizada pela Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) e publicada no Jornal de Hoje em 10/09/1988.
74
suficiente para a manutenção da linha,95 garantiram a expansão urbana do distrito e o
incremento demográfico que havia se iniciado com o loteamento da antiga fazenda do
Brejo e que terminou por não restringir-se unicamente às proximidades da sede da antiga
fazenda - que transformou-se no centro do distrito - devido também à chegada de algumas
indústrias que explicam o rápido crescimento demográfico ocorrido a partir do início da
década de 1960, crescimento este que garantiu a ocupação rápida da vasta região agrícola
que circundava o centro do distrito e que transformou-se no conjunto de bairros
pertencentes hoje ao atual município de Belford Roxo.
Enquanto o centro de Nova Iguaçu possuía ainda laranjais decadentes, o distrito de
Belford Roxo convivia já com a violência urbana que perturbava um articulista do Jornal
Correio da Lavoura quando este enumerou os prejuízos que o distrito iguaçuano
experimentava com a implantação da empresa multinacional Bayer no local, assinalando o
aumento da violência nos bairros da periferia como algo novo e assustador, sendo já
possível nomear uma série de bandidos famosos que “infestam” a região 96.
A consideração de Belford Roxo como uma “caricatura da Baixada”, observação de
um ex-prefeito iguaçuano interessado em evitar a emancipação97, torna-se válida se
pensarmos que os problemas típicos de uma ocupação rápida e não planejada refletiram-se
ali de uma maneira contundente, autorizando-nos imaginar que é Belford Roxo um objeto
de estudo capaz de lançar luz sobre o conjunto maior Baixada Fluminense.
95 No antigo Brejo repetiu-se o fenômeno já descrito no capítulo anterior em que a substituição de uma via (a linha de trens que ia até Tinguá) acaba eliminando a necessidade da manutenção de uma vila. Aqui, no entanto, a construção da Via Dutra drenou a produção que era escoada antes pelos sempre atrasados trens da Estrada de Ferro Rio d'Ouro fazendo o distrito de Belford Roxo transformar-se em uma parede para o povoamento iguaçuano. Belford Roxo a partir daí apresentou-se como um local próspero para os loteadores pois apresentava uma estação terminal (propagandas a respeito do fato de poder-se embarcar no trem elétrico sem precisar estar de pé durante as viagens até a Central do Brasil costumavam surtir efeito durante as décadas de 1950 e 1960), possuía uma grande proximidade com a Via Dutra e acesso fácil com o centro do município através da pavimentada estrada Plínio Casado e localizava-se em uma região onde as obras de saneamento da Baixada Fluminense conseguira alcançar sucesso.96 Correio da Lavoura, 30 de junho de 1963, p. 02. Na realidade este articulista revela-se equivocado se realmente encarava a Baixada como um local "bucólico" antes da industrialização e do conseqüente incremento populacional. No ano de 1963 certas regiões da Baixada Fluminense experimentavam uma rápida transformação caracterizada pela decadência dos citricultores e pelo advento das empresas loteadoras. A luta pela terra nessa região que recebia migrantes revestia-se, às vezes, de grande violência, o que pode ser confirmado na observação da vida de Tenório Cavalcanti durante esse período. 97O prefeito iguaçuano Paulo Leone ridicularizava os que desejavam a emancipação do Distrito de Belford Roxo chamando esse Distrito de caricatura da Baixada, defendendo a sua idéia de que sozinho aquele Distrito perpetuaria a sua principal marca: "o fato de ser o local onde mais se morre assassinado em todo o planeta". Jornal de Hoje, 29/06/1985.
75
Belford Roxo não foi o primeiro distrito iguaçuano a emancipar-se. Conforme
expomos no primeiro capítulo, até 1943 quase a totalidade do que é hoje a região da
Baixada Fluminense constituía-se no grande município de Nova Iguaçu. A partir dessa data
o rápido crescimento do então Distrito Federal acabou por tragar o seu "celeiro natural"98,
transformando áreas contíguas a este em regiões exclusivamente destinadas ao abrigo de
migrantes e de ex-favelados.
A Duque de Caxias em que Tenório Cavalcanti notabilizou-se durante a década de
1940 era ainda parte de um distrito de Nova Iguaçu99. Distrito afastado, entretanto, quase
totalmente rural, mas onde a especulação imobiliária desenvolveu-se rapidamente, gerando
problemas para os quais a distante Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu não estava
preparada para enfrentar, fazendo com que Tenório, relembrando o seu passado na Baixada,
e justificando os seus atos violentos colocasse entre os conselhos de sua mãe o seguinte:
“...quando a justiça dos homens falha a nossa tem que ser feita...A vida a gente
constrói com as próprias mãos”.100
A Duque de Caxias de Tenório havia se transformado rapidamente em uma "terra de
ninguém", assemelhada ao Nordeste, segundo Tenório, porque a lei que ali imperava era a
"lei do bacamarte".
Não é possível dentro dos limites deste trabalho apontar as causas desse primeiro
retalhamento municipal, entretanto não é difícil perceber que algumas áreas do antigo
distrito de Meriti já se desassemelhavam tanto do conjunto maior representado pelo
município de Nova Iguaçu que tornou-se incômodo para os novos habitantes dessa região
conviverem com a "desordem" que imperava em Caxias já acostumada a assistir crimes
horríveis sem que alguma autoridade existisse ali para interferir. Como bom filho, surge
Tenório no livro de memórias escrito por sua filha como alguém que tomando ao pé da letra
os conselhos maternais, popularizou-se por investir-se de poderes múltiplos todos eles
utilizados para que a "justiça" se estabelecesse.
98 GEIGER, Pedro Pinchas & MESQUITA, Miriam Gomes Coelho. Estudos Rurais da Baixada Fluminense. Rio de Janeiro, IBGE, 1956, pp.56,5899 Duque de Caxias durante a década de 1940 era uma localidade do distrito iguaçuano de Meriti. PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens iguaçuanas, Rio de Janeiro, 1960, mimeo, pp. 58,59.100 As frases atribuídas a Tenório Cavalcanti foram todas retiradas do livro de memórias escrito por uma das filhas desse famoso político baixadense. CAVALCANTI, Sandra Tenório. Tenório, Meu Pai. Rio de Janeiro, Global Editora, 1996.
76
Tenório era um político importante o suficiente para que algumas obras - acadêmicas
ou não - tenham se preocupado com a sua vida e trajetória política. Porém as opiniões a
respeito dele divergiram bastante, provavelmente devido ao seu caráter contraditório e
ímpar. Pode-se dizer que em comum as opiniões a respeito dele consideram-no como um
representante de uma elite nordestina decadente que especificamente na região de Duque de
Caxias inaugurou o assistencialismo capaz de garantir-lhe um fiel rebanho político. Para
manter tal rebanho, entretanto, "o homem da capa preta" precisava proteger seus aliados
políticos e eleitores da ação de pistoleiros à serviço das antigas elites rurais desse lugar que
se urbanizava a olhos vistos. Para garantir tal proteção palavras não bastavam, sendo
necessário Tenório Cavalcanti falar mais alto que seus inimigos eliminando-os antes que
fosse eliminado por eles.
Definitivamente a Duque de Caxias de Tenório Cavalcanti não pode ser considerada
o berço do organismo por nós aqui analisado, porém especificidades existentes na Duque
de Caxias de Tenório perpetuaram-se e pode-se pensar que Belford Roxo emancipou-se por
razões no mínimo semelhantes. Vejamos:
Se ao contrário de Duque de Caxias o distrito de Belford Roxo apresentava-se
geograficamente próximo do centro do município de Nova Iguaçu, era uma sensação
presente ali a idéia do abandono por parte da prefeitura iguaçuana, afinal de contas mesmo
antes da propaganda emancipacionista a população belfordroxense entendia ser o seu
distrito rico o suficiente para prescindir de Nova Iguaçu caso todos os recursos
provenientes das indústrias e do comércio fossem investidos no próprio distrito. Tal fato
fica bem mais claro quando percebe-se de que forma a própria população avaliava o seu
distrito sob o controle iguaçuano:
[...] acho difícil o senhor me convencer de que não separar era uma solução prá gente. O senhor sabe melhor que nós que isso daqui foi controlado mais de duzentos anos por Nova Iguaçu. E o que nós tinha aqui? Mesmo tendo um montão de indústria e até que bastante loja, mais ou menos setecentos mil moradores tinha que se contentar com as migalha de Nova Iguaçu. Se ficar junto fosse solução a gente sempre teria sido um ótimo lugar de viver e não a desgraça que era”.101
101 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISALVES, José da Costa. Entrevista concedida em 09/06/1998 Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo nascido em 08/03/1960, morador do bairro de Bom Pastor em Belford Roxo.
77
O desprestígio iguaçuano era unânime entre a população que construía um discurso
uno e sempre variando entre a exaltação do seu distrito e o fato de sentirem-se tão "órfãos
dos políticos"102 e da prefeitura iguaçuana que restava a eles mesmos "tocarem" obras que
eram obrigações da prefeitura:
[...] agora você vê só: além de trabalhar igual um animal de carga a gente é obrigado ainda a cuidar do valão, porque se não ele entope e a nossa casa vira um chiqueiro. Era lixo pra todo lado e nem adiantava brigar com os outros por que esse valão vem de longe e recebe o lixo de uma montueira de bairro. Eu não esqueço o dia que debaixo de um toró eu e os vizinhos saímos correndo pra limpar o valão que já tava quase entupido em baixo da ponte. Foi um Deus nos acuda com água de esgoto até a altura dos peito. Cortei o meu pé todinho em caco de vidro e depois ainda fiquei doente, tudo porque a prefeitura de Nova Iguaçu não recolhia nem uma ponta de cigarro de lixo e os burro morador lá de cima enchia o valão de lixo”.103
A seguinte reflexão estabelece uma postura um pouco diferente dividindo
responsabilidades, mesmo assim define as diversas esferas do poder público como estáticas:
Não é que a gente nunca ache que é preciso trabalhar em um mutirão ou mesmo sozinho arrumando alguma coisinha na rua, mas isso também era ridículo: ter que fazer cobertura de ponto de ônibus, colocar luz na rua, limpar vala pra evitar enchente, arrumar rua esburacada, fazer creche...se você reclamasse só vai perder tempo. A coisa é tão feia que você nem sabia com quem reclamar.”104
É impossível ouvindo as entrevistas de belfordroxenses não entender que o recurso à
construção e manutenção dos equipamentos urbanos era a única saída que eles percebiam
para não tornar a sua vida ali insuportável. Uma vez que consideravam ser inútil
reivindicar, o acionamento da rede funcionaria como a maneira de criar e manter as
condições para a sobrevivência na Baixada Fluminense.
102 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCABRAL, João Meirelles. Entrevista
concedida em 19/05/1998 Aposentado da indústria química, natural do Espírito Santo nascido em 14/09/1942,
morador do bairro de Interlândia em Belford Roxo.103
ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISQUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em 25/12/1964, morador do bairro da Prata em Belford Roxo 104 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPESSANHA, Capitiliano Ferreira.
Entrevista concedida em 07/07/1998Motorista, natural do Piauí, nascido em 08/04/1967, morador do bairro
Xavante em Belford Roxo
78
Diferentemente de Duque de Caxias, em Belford Roxo a emancipação política insere-
se no que consideramos acima um processo de dinamização da rede de resolução de
problemas práticos, ou seja, a percepção das ausências do poder público alcançou um grau
tão alarmante que a massa de trabalhadores absorveu de forma gradativa a idéia de que
seria a emancipação a única forma de fortalecer os agentes assessores do conjunto de
serviços comumentemente realizados de maneira informal.
Pode-se pensar, portanto, nos diversos movimentos emancipacionistas da região da
Baixada Fluminense, iniciados a partir de 1988,105 como algo abraçado pela população
baixadense por razões precisas e não como um movimento unicamente levado adiante por
políticos interessados na transformação de um distrito em um novo município alimentador
de uma máquina política determinada. Para o morador de um novo município baixadense a
emancipação definiria um novo horizonte onde finalmente o poder público se
presentificaria, pelo menos auxiliando o trabalhador na sua prática muda dentro da rede de
resolução de problemas práticos:
[...] presta atenção no jeito que eu pensava: se emancipa diminui, e era muito mais fácil governar uma cidade menor. Isso que você falou da gente continuar fazendo esse serviço [na rua] não passou pela cabeça que eu ia parar de limpar isso tudo aí...o que eu pensei foi assim: 'sendo uma cidade sozinha isso pode melhorar porque eu vou poder pelo menos saber a quem pedir ajuda'. Antes a gente até pedia, mas o vereador que morava aqui e que exercia em Nova Iguaçu ia falar com o prefeito e voltava com promessa demais mas depois acabava sumindo porque não conseguia nada e a gente sempre boiando nessa lama”.106
Transformar Belford Roxo em município poderia até fortalecer alguns políticos mas
isso parecia pouco importante perto das vantagens enumeradas pela população:
[...] pensar que a gente tava sendo usado pra ajudar alguns políticos a ficar mais rico ainda?...nem passou isso pela minha cabeça. Mas acho que de um jeito ou de outro eles rouba mesmo. Pelo menos se mudasse um pouco mais o lugar que a gente vive, já melhorava bem mesmo.107
105 Esse é o ano de realização de alguns plebiscitos que visavam a emancipação de distritos iguaçuanos.106 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPAULINO, José Mota. Entrevista concedida em 01/04/1998Pedreiro , natural do Pará, nascido em 08/03/1949, morador do bairro de Babi em Belford Roxo 107 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSANTOS, Jorge Costa. Entrevista
concedida em 10/05/1998Fiscal de Ônibus, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951,
morador do bairro da Prata em Belford Roxo
79
Percebe-se na grande maioria dos discursos de entrevistados escolhidos para esta
pesquisa, além do entendimento de que com a emancipação Belford Roxo transformara-se
de tal maneira que não se poderia pensar na união com Nova Iguaçu como uma escolha
inteligente, a nítida idéia de não ser mais possível tolerar o volume de trabalho advindo da
expansão da auto construção para a rua. Ou seja, o volume de trabalho realizado de
maneira informal aumentara de tal forma que transformava-se em extremamente incômodo
na medida em que os problemas tornavam-se mais complexos, o que fazia com que
deixassem de ser facilmente resolvidos através da pura informalidade, ou seja, Belford
Roxo crescera muito rapidamente. Na mesma proporção desse crescimento,
desenvolveram-se problemas cuja solução não poderia ser dada pela informalidade da rede
de resolução de problemas práticos. A emancipação significava a possibilidade de renovar
as soluções informais, dinamizar a rede e ao mesmo tempo possibilitar o assessoramento
desse organismo pelos representantes de um tipo sui generis de liderança caracterizada
exatamente por auxiliar os personagens que fazem mover-se a informalidade de resolução.
Escolhemos o termo marginal para designar o líder comunitário que assessora a
população baixadense dentro da rede de resolução de problemas práticos. Essa designação
escolhida para definir um tipo específico de liderança baixadense é incômodo na medida
em que permite a ocorrência de equívocos que talvez façam a utilização de termos menos
chocantes como paralelo ou alternativo mais aconselháveis. Marginal, entretanto, surgiu-
nos como mais explicativo na medida em que, radicalmente ligado à população, o agente
político baixadense representante desse tipo de liderança, se caracterizaria precipuamente
por assessorar o organismo informal de resolução de problemas, mantendo-se para isso à
margem de qualquer esfera do poder político. O líder marginal necessariamente é um
membro da comunidade que, destacando-se na realização dos serviços informais,
transformou-se em uma referência visualizada pela população principalmente quando da
ocorrência de emergências capazes de mobilizar grande número de indivíduos de uma
determinada comunidade.
Em nenhum momento é possível confundir este tipo de líder com aquele agente
assistencialista - muito freqüente na região da Baixada Fluminense também - que se
aproximaria de uma determinada comunidade com a única e exclusiva intenção de através
da prestação de determinado serviço auferir benefícios eleitorais. Tais agentes são
80
geralmente profissionais liberais ou comerciantes que disponibilizam parte de seu tempo,
capital ou propriedades para "servir" à comunidade em épocas de campanha eleitoral. Ao
contrário desse "benfeitor", o líder marginal baixadense encontra-se radicalmente ligado à
população ao qual passa a servir, evidenciando-se por fazer funcionar de forma mais
eficiente a rede de resolução de problemas práticos, ele consegue ganhar a confiança da
maior parte de seus pares para os quais aparece ou como o solucionador informal de
problemas freqüentes cuja resolução escapa a uma solução imediata ou um elemento capaz
de aproximar o poder público do conjunto da população desses bairros seja através da
proximidade dele com um político municipal ou com a própria elevação desse líder
marginal a um cargo político.
Discursos formulados por baixadenses moradores de Belford Roxo e de bairros
periféricos de Nova Iguaçu ajuda-nos a definir um perfil mais preciso do líder marginal
baixadense:
Sempre aparece alguém que acaba liderando a gente na organização de algum trabalho. Tem gente que tem o dom de ajudar e juntando com isso um dom de juntar todo mundo e tomar decisão acaba aparecendo aquele sujeito que junta todo mundo e que tira da cama no domingo quem gosta de dormir pra poder ir ajudar em algum tipo de trabalho aí no bairro.108
Se não tem o seu Joaquim aqui isso tava bem pior. Ele é meio grosso mais chega e resolve logo. Não gosta da ajuda de político e quer sempre que todo mundo ajuda. 109
A dona Maria sempre foi aqui uma liderança forte. Ela até já tentou organizar uma Associação de Moradores mas acaba sempre não dando certo porque o povo daqui é desunido e desconfiado demais. Eles acha que ela quer dinheiro dos outro. Mesmo sem Associação ela consegue ajudar muito a gente. Faz pouco tempo que a chuva derrubou a ponte e ela reunia gente pra ir na prefeitura reclamar...tá certo que eles nem ligaram e ela não desistiu junto o pessoal, conseguiu cimento nas lojas de material e acabou com a ajuda do Tuninho110, refazendo a ponte que agora não cai mais porque não é de madeira mais.111
108 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORDEIRO, Lílian Expedito. Entrevista
concedida em 22/07/1998 Auxiliar de serviços gerais, natural de Alagoas, nascida em 01/01/1958, moradora
do bairro de Bom Pastor em Belford Roxo., 109 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMOREIRA, João da Silva. Entrevista
concedida em 30/06/1998Ladrilheiro , natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 31/07/1946,
morador do bairro da Prata em Belford Roxo110 Tuninho Távora: vereador por Nova Iguaçu desde finais da década de 1980. 111
81
A proximidade do líder com os elementos da comunidade é a característica principal
da liderança marginal baixadense. Como líder ele funciona como agente facilitador da
resolução de problemas práticos. E a elevação de um indivíduo a este status parece
relacionar-se muito mais à sua capacidade de incentivar a resolução prática de problemas
que a sua proximidade com elementos ou órgãos ligados às esferas oficiais de poder. Aliás
para alguns dos representantes dessa liderança os "políticos" representam um mal do qual a
sua comunidade deve manter-se o mais distante possível:
Desculpa a minha desconfiança no telefone é que eu já estou vacinado contra político e ainda mais agora com essa decisão de recusar água da CEDAE e construir um reservatório próprio para o bairro chove de político mal intencionado querendo se aproveitar de um trabalho que eles nunca tiveram.112
O senhor Antônio de Souza Leite durante as suas declarações sempre refere-se a
representantes do poder público como homens mal intencionados que se caracterizariam na
sua visão por desejarem aproveitar-se sempre de um trabalho comunitário nunca apoiado
pelo próprio político. Morador antigo do bairro da Chatuba, no município de Mesquita, o
senhor Antônio de Souza Leite passou a chamar a atenção dos periódicos locais quando
resolveu escrever uma longa carta para as redações de alguns periódicos informando sobre
uma decisão desafiadora: ele se cansara de reclamar e de "encher o saco" dos seus
vizinhos para exigir que a CEDAE normalizasse o abastecimento de água para esse grande
bairro mesquitense. Decidido, ele diz na carta:
[...]resolvi processar a referida empresa que há quatro anos recusa-se a abastecer de água o meu bairro alegando que o crescimento demográfico na área esgota todas as possibilidades de abastecimento. O seu antecessor na direção dessa empresa disse-me saber como resolver este problema, no entanto não faz isto devido ao fato de os moradores do bairro da Chatuba não possuírem nenhuma ‘influência política’.113
ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISBARCELOS, Vítor Augusto. Entrevista concedida em 10/09/1999Mestre de obras, natural do interior Fluminense, nascido em 10/10/1957, morador do bairro de Piam em Belford Roxo. 112 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista
concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do
bairro de Chatuba em Mesquita 113 LEITE, Antônio de Souza. “Carta ao Sr. José Maurício Nolasco. Presidente da CEDAE”. Correio de Maxambomba, 24/11/95, p.02.
82
Utilizando-se do que o senhor Antônio de Souza considerava o seu último e
desesperado recurso, organizou uma comissão encarregada de estudar a possibilidade de
[...]utilizando recursos e mão-de-obra unicamente da comunidade desse bairro, canalizar água de nascentes da Serra de Madureira, que abasteceriam uma represa que seria a responsável pelo abastecimento do bairro através dos canos da própria CEDAE, que enterrou os tubos no chão mas nunca se preocupou em fazer a água chegar às casas. Na verdade em uma eleição os caminhões da CEDAE somente serviram para fazer a campanha política de alguns candidatos que saíram pelo bairro com os canos prometendo resolver nossos problemas de abastecimento."114
Não possuir "influência política" é para o senhor Antônio algo que somente pode ser
resolvido através da "organização de órgãos paralelos que consigam substituir o
governo e que não precise submeter a comunidade aos políticos". É compreensível
através das palavras desse líder popular os motivos pelos quais não se deve confiar nas
Associações de Moradores: "sem nenhuma exceção essas associações se juntam a um
bando de políticos que somente esperam a ajuda do nosso trabalho para colocar
depois de uma obra porca pronta uma faixa em que a comunidade agradece o
trabalho sujo do bandido do político. Além disso todo presidente de associação acaba
virando político. Não dá pra confiar mesmo."
Sobressai das palavras do senhor Antônio a nítida impressão de que o seu papel de
liderança dentro da região onde vive a mais de 45 anos somente é reconhecido na medida
em que ele consiga mobilizar os seus vizinhos conscientizando-os de que ele mesmo já
experimentou reclamar e se a utilização de sua energia não adiantou, resta unicamente
agora como esperança de "dias melhores para a Chatuba" colocarem os moradores
mesmos a "mão na massa", fazendo para a comunidade o que a prefeitura de Nova Iguaçu
e o governo do estado115 nunca se preocuparam em fazer.
O perfil do líder marginal da região da Baixada Fluminense traçado até aqui permite-
nos chegar às seguintes conclusões: é esse elemento alguém necessariamente integrado à
comunidade em que vive, ele não existiria sem a informalidade de resolução de problemas
114 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISLEITE, Antonio de Souza. Entrevista
concedida em 21/08/1995 Estivador aposentado, natural de Pernambuco, nascido em 08/03/1933, morador do
bairro de Chatuba em Mesquita 115 A confusão reinante aqui onde os municípios de Mesquita e Nova Iguaçu sobrepõem-se deve-se ao fato de Mesquita ter se emancipado somente em 1999. Como escrevemos em 1999 e falamos de fatos ocorridos em 1995, a confusão estabeleceu-se.
83
práticos, pois, conforme vimos, é ele parte integrante dessa informalidade, agindo como um
elemento facilitador na medida em que organiza os trabalhos realizados dentro da rede.
Desvinculado da rede, o líder marginal poderia surgir unicamente como mais um dos
"políticos" que pululam na região ignorando o trabalho mudo da rede de resolução de
problemas práticos, ou - mais comumentemente - se aproveitando da boa vontade de
alguns inocentes para conseguir votos através da realização de "obras de maquiagem"
que, segundo o senhor Antônio, "acabam com a primeira chuva".
Muito embora a presença desse tipo de liderança nos bairros baixadense seja comum,
a imprensa local somente os focaliza em momentos extremos, quando, por exemplo, uma
ponte derrubada há muito tempo é reconstruída pelos moradores de um bairro, quando a
falta de água potável determina planos alternativos para a captação e distribuição desse
produto, quando um membro da comunidade cansado da insegurança resolve, com a ajuda
de vizinhos, organizar um grupo de extermínio destinado "à limpeza do bairro",116 ou
quando mutirões organizam-se para desobstruir "valões". A distância do poder público seria
uma marca desses líderes e uma ojeriza aos políticos percebe-se nos seus discursos.
116 O jornal de Hoje do dia 30/01/1987 noticiou o sucessivo surgimento de cadáveres em uma das ruas do Bairro Barro Vermelho em Belford Roxo. Curioso era que os cadáveres sempre apareciam em um mesmo local: próximo de um muro em que se podia ler a seguinte inscrição "estamos limpando o bairro". Aliás a inclusão entre os trabalhos da rede de resolução de problemas práticos dos justiçamentos tão comuns na Baixada choca-se em completo com a tese de Josinaldo Aleixo de Souza (Os grupos de extermínio em Duque de Caxias -Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo.) que abordou o tema dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense entendendo-os como organismos criados por policiais pagos por comerciantes ou traficantes interessados em manter o controle sobre regiões das quais dependem (à moda das favelas) para manter os seus negócios e a sua impunidade. Esqueceu-se o autor de investigar quem preferencialmente são as vítimas dos matadores. Se houvesse investigado apropriadamente ele perceberia que em sua maior parte são delinqüentes moradores do próprio bairro onde acabam morrendo, não existindo na Baixada por parte da população aquela comoção habitualmente vista na morte de traficantes de favelas cariocas. Ao contrário nos bairros baixadense uma certa sensação de alívio surge do fato de estarem sendo mortos os "malandrinhos" de um determinado bairro. Esqueceu-se o autor de demonstrar a participação popular nesses justiçamentos. Como dito acima não é possível ignorar a atitude mental da população baixadense em relação aos assassinatos. E a população da Baixada Fluminense consegue até ultrapassar crenças religiosas no entendimento de que é necessária a prática dos extermínios: “Não acredito que o Joca fosse matador, mas também se fosse não veria nada de tão monstruoso nisso. Esses caras matam quem precisa morrer mesmo. Obedecer essas frescuras de defesa dos direitos humanos é piada para gente como a gente que aqui não tem direito a nada. Dizer que quem entra na casa de quem trabalha, estupra a mulher e as filhas dos outros e mata trabalhador tem direito chega a ser maldade. Para mim só importa saber que ele foi o único homem público que se importava com o povo. Se ele matava, era falso, indo a igrejas evangélicas e a macumbas (o entrevistado é evangélico), desviava o dinheiro da prefeitura... isso todo político faz. Pelo menos Belford Roxo deixou de ser a terra de ninguém que era quando não era emancipada. QUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95.
84
Ao longo do tempo a liderança do tipo marginal foi-se transformando até estabelecer-
se como uma liderança nitidamente diferenciada do que a imprensa local chama de
"lideranças políticas locais tradicionais".117 Os líderes marginais eleitos vereadores,
prefeitos e deputados estaduais são em grande parte os responsáveis por movimentos de
mobilização popular como as emancipações distritais ou o incentivo ao trabalho realizado
em mutirões compostos por moradores de bairros periféricos das cidades baixadenses. Não
seria, portanto, completo o perfil do líder marginal se não entendermos que grande parte
desses líderes lentamente, porém de forma decisiva, tomaram assento primeiramente nos
legislativos municipais e depois nas prefeituras dos distritos iguaçuanos emancipados. Essa
"invasão" é facilmente constatada verificando-se, por exemplo, que entre os componentes
da Câmara Municipal de Belford Roxo, grande parte dos vereadores é oriunda de bairros
periféricos, onde destacaram-se anteriormente como líderes comunitários.
No trabalho já referido sobre a ação de grupos de extermínio na Baixada
Fluminense118, o cientista social, Josinaldo Aleixo de Souza chamou esta casa de "Câmara
de padeiros", sendo padeiro, segundo o autor um vocábulo comumentemente utilizado para
designar justiceiros na região da Baixada Fluminense. Como geralmente a população
belfordroxense entende serem os vereadores em sua maior parte "matadores", a observação
do cientista social conduz-nos a pensar que em sua maioria os moradores de Belford Roxo
entendem serem os vereadores líderes marginais ligados a grupos de extermínio - tal como
em toda a Baixada Fluminense119 - muito comuns em Belford Roxo.
O primeiro prefeito de Belford Roxo surgiu-nos como um exemplo lapidar da
liderança marginal baixadense na medida em que experimentou uma rápida ascensão
política completamente ancorada na sua eficiente ação social substituidora do poder público
e no seu forte carisma pessoal. Acompanhar tal ascensão permite-nos compreender ao
mesmo tempo as razões que orientam a o desenvolvimento da liderança marginal e a
mutação que tal estilo de lidar com o poder público imprime no próprio poder público: a
chegada de Joca à prefeitura de Belford Roxo determinou a inauguração de um estilo 117 Jornal de Hoje, 23/08/1992, p. 04. 118 SOUZA, Josinaldo Aleixo de. Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1997, mimeo, pp. 123,124119 Entre os candidatos a vereador do município de Queimados para as eleições do ano 2000 um apelido chama a atenção de quem não reside naquele município e não conhece o famoso cabo da Polícia Militar e "matador" Beto Capeta.
85
diverso de governo. Em lugar da negação da reivindicação política como algo eficiente na
resolução dos problemas, a população belfordroxense aposta que se Joca comportar-se à
frente da prefeitura como comportou-se como um líder marginal de seu bairro e como
vereador iguaçuano, "Belford Roxo, nunca mais será a mesma"120.
Poder-se-ia pensar que somente o carisma pessoal de Joca é que força o surgimento
de opiniões favoráveis a seu respeito. Porém isso desfaz-se ao acompanharmos algo como
uma galeria publicada pelo Jornal de Hoje em que todos os candidatos às primeiras
eleições municipais belfordroxense são apresentados.
A galeria, composta de uma fotografia do candidato, do seu nome e apelido contém
como parte mais importante um breve relato da vida política de cada candidato. Os diversos
candidatos - quase todos vereadores por Nova Iguaçu ou deputados estaduais - eram
apresentados como eficientes ou não dependendo quase exclusivamente da sua tradição na
realização de serviços comunitários. Projetos desses vereadores e deputados sequer foram
citados no artigo e o maior espaço foi destinado ao vereador Joca que justamente naquele
momento sem dúvida nenhuma era a figura política mais tenazmente ligada ao atendimento
das comunidades belfordroxenses, evidenciando a sua pequena biografia a percepção dos
belfordroxenses de que necessário fazia-se um administrador não exatamente
comprometido com a manutenção da tradição mas um construtor. Alguém que se mostrasse
capaz de remodelar o distrito de Belford Roxo, substituindo por completo a necessidade da
recorrência ao trabalho de construção e manutenção de equipamentos urbanos mínimos
realizado pelas comunidades belfordroxense.
Caso extremo de liderança marginal, Joca se estabeleceu na Prefeitura Municipal de
Belford Roxo não somente como o candidato eleito por mais de 80% do eleitorado: foi-se
transformando ele paulatinamente - na medida em que ia substituindo a rede de resolução
de problemas práticos - em uma espécie de herói. A opinião popular a respeito de Joca
caracteriza esse processo de heroicização:
Primeiro a gente percebeu que ele não mentia nem prometia e já fazia. Eu ouvia falar que ele ajudava muita gente lá de dentro de Belford Roxo com as ambulâncias que ele comprou antes de ser vereador. Ele como vereador de Nova Iguaçu era um tal de ver ambulância por aqui... Acho que ele doou as
120 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMEDEIROS, Matheus Eulálio da Silva. Entrevista concedida em 09/06/1998 Pedreiro , natural do Piauí, nascido em 08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford Roxo
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ambulâncias dele e comprou muito mais delas. Mudou o centro todo como prefeito mas mesmo antes disso pela primeira vez na vida eu me senti gente quando o asfalto e a água encanada passou aqui na minha rua por causa dele brigar até conseguir fazer o prefeito de Nova Iguaçu colocar asfalto aqui. Sem prometer ele brigava e ia limpando tudo e fazendo isso tudo virar cidade de verdade. Pode ter existido político igual, mas melhor que ele é impossível. Como Getúlio Vargas, Juscelino e Tancredo ele também foi morto por que se preocupava com o povo.121
Percebe-se no relato dessa moradora uma gradação que conduz-nos a pensar que Joca
notabilizou-se gradualmente e que todo o seu prestígio adveio do fato de não ter frustrado
as expectativas populares. As ambulâncias parecem surgir do relato como o ato inicial e
espetacular. Mesmo antes de inserir-se em qualquer esfera de poder público estas
ambulâncias parecem significar a oportunidade de Joca manter-se muito próximo dos seus
futuros eleitores na medida em que permitem que Joca destaque-se do conjunto de líderes
informais, uma vez que a manutenção de um serviço de transporte de doentes transforma
Joca em um benfeitor permanente e presente nos momentos de grande desespero da
população atingida pelas suas ações sociais.
Logo após essas ambulâncias vieram os "serviços sociais"122 e uma eleição
consagradoramente expressiva para o legislativo iguaçuano. Eleito vereador, Joca se
especializará em negar a sua função legislativa continuando em ação agora através do seu
serviço social e da sua assistência pessoal às comunidades belfordroxenses. A gradação
chega ao ápice quando a moradora iguala Joca a personagens levados à categoria de heróis
salvadores nacionais (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves) através de
mortes trágicas. Ganha o nosso personagem o título de salvador123 destinado a redimir
Belford Roxo da péssima imagem de "pior município da Baixada". Vê-se que para a
entrevistada é a ação de Joca o fator determinante no aumento da sua auto estima na
medida em que ela afirma ter passado a se entender como gente devido a uma dessas ações
gratuitas do líder marginal que agora postado em esferas superiores de poder continua,
entretanto, ligado a massa belfordroxense da qual emergiu não unicamente para beneficiar-
121 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista concedida em 10/09/1998Empregada doméstica, natural do interior Fluminense, nascido em 09/03/1960, moradora do bairro de Nova Píam em Belford Roxo 122 Não unicamente na Baixada Fluminense mas muito nessa região tornou-se uma prática comum o oferecimento de serviços diversos em locais chamados de "serviços sociais" por candidatos a cargos públicos.123 A idéia de um salvador político é melhor tratada no capítulo III; servindo como base para esse assunto o capítulo sobre o mito do salvador do livro "Mitos e mitologias políticas" de Raoul Girardet. GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.
87
se mas para transformar-se em um autêntico representante do "povo" de Belford Roxo para
o qual a discussão de idéias e a proposição de leis destinadas a uma melhoria a longo prazo
da vida assemelha-se ao discurso daqueles políticos tradicionais fazedores de promessas e
conhecidíssimos da população Belfordroxense exatamente por prometerem "mundos e
fundos"124 e nunca cumprirem suas promessas. Afastado desses dois pólos, situa-se o líder
marginal que ancorado na sua estreita ligação com a população da qual geralmente emergiu
encarna um estilo próprio de governo.
O próximo capítulo esmiuça tal estilo baixadense de governar ao acompanhar de
forma sucinta a trajetória política de Joca e as suas inúmeras maneiras de relacionar-se
com a rede de resolução de problemas práticos.
Capítulo III
"ANDANDO PELO VALE DA SOMBRA DA MORTE": A TRAJETÓRIA
POLÍTICA DE JOCA
1 - Esperando o cadáver
A morte é, invariavelmente, um dos momentos mais marcantes na trajetória de alguns
indivíduos. Esquecem-se aí diversas características, geralmente as negativas, da vida desses
indivíduos, passando-se a construir uma segunda pessoa, essa sempre ideal, em um
processo de mitificação, tão corriqueiro no mundo ocidental que pode-se pensar ser ele um
dos grandes responsáveis pela criação de heróis diversos destinados geralmente a
representar esperanças perdidas ou exemplos a se seguir. Entende-se que a mitificação, por
maior que seja o carisma 125 pessoal do defunto, é sempre algo conduzido por um grupo que
o admirava em vida e que exatamente por isso sente-se na obrigação de não deixar sua
memória desaparecer e, indo mais além, retocar seu retrato através da pintura de novas
124 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISCORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista
concedida em 10/09/1998Empregada doméstica, natural do interior Fluminense, nascido em 09/03/1960,
moradora do bairro de Nova Píam em Belford Roxo125 WEBER, Max. On charisma and institution building : selected papers., : University of Chicago, 1968 Chicago (The heritage of sociology).
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imagens, sempre ideais e mais fáceis de se fazer uma vez que construídas distantes de quem
mais poderia anuviar este retrato: o morto.
Em resumo, a morte corresponde a um momento supremo de construção e retoque de
memórias, sendo óbvio pensar que tais memórias deverão variar de acordo com o morto.
Ser este morto um homem público carismático pode eqüivaler à construção de memórias
conflitantes, afinal muito provavelmente personagens de tal tipo juntam em torno de si
grupos diversos e as disputas entre os membros desses grupos pode eqüivaler a criação de
retratos diversos, por vezes opostos.
O personagem sobre a vida e morte do qual nos debruçaremos abaixo foi um líder
apressado e contraditório que atuando em Belford Roxo transformou-se, a partir de sua
morte em um mito político126 para a população desse município baixadense. A verificação
de sua vida feita por nós aqui não se constitui em uma tentativa de biografá-lo. Seguir a sua
ascensão até o cargo máximo de seu município pressupõem que consideramos ser ele o
melhor representante de um tipo particular de liderança que embora possa parecer solitário,
gravita em torno das maneiras "escolhidas" pela população baixadense para relacionar-se
com o poder público e com as dificuldades cotidianas encontradas pelos que ocupam a
região da Baixada Fluminense.
Iniciar a descrição da sua vida exatamente pelo final dela prende-se a uma
necessidade de ordem prática: aqui podemos encontrar o líder carismático muito próximo
da massa belfordroxense que em outros momentos parecerá submetida a ele. A passividade
de um morto pode servir-nos para definir de uma maneira mais clara a simbiose que existiu
entre Joca e a população de Belford Roxo. Iniciar a descrição dessa vida em um outro
momento qualquer provavelmente não daria a este capítulo o tom que desejamos que ele
tenha: o de uma união entre líder e massa popular.
126 Conforme dissemos anteriormente a nossa interpretação de mitologias políticas é baseada no capítulo sobre o mito do salvador do livro "Mitos e mitologias políticas" de Raoul Girardet. (GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.)As seguintes obras servem-nos como referências para tratar o tema da mitologia política:ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1991HARRIS, Marvin. Vacas porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.
89
2 - Assassinato
Não era difícil imaginar que Joca acabaria a sua vida assassinado, afinal ele era
considerado - e orgulhava-se dessa consideração - participante de um grupo de extermínio,
havia sido apontado como receptor de cargas roubadas, 127 sendo famosa sua falta de
medidas: mobilizava grande quantidade de seguranças a fim de proteger-se, mas acumulava
desafetos, esbofeteando opositores políticos em pleno centro da cidade de Belford Roxo ou
participando de ataques armados à casa de vereadores que teimassem em não pensar
segundo as suas "sugestões".128 Se a morte violenta era previsível, ela ocorreu, entretanto,
no momento em que ninguém esperava: Joca estava no auge de seu governo e talvez por
causa da quantidade de seguranças ou devido as duas pistolas que gabava-se de portar, era
difícil imaginar o primeiro prefeito belfordroxense abatido por onze tiros dados durante um
assalto mal sucedido ocorrido quando Joca e outros prefeitos baixadenses encaminhavam-
se para uma reunião entre eles e o ex-governador fluminense Marcello Alencar129. Mas,
enfim, é preciso manter-se preso a algo concreto e o fato é que ele aproximadamente às
18:30 do dia 20 de junho de 1995 foi assassinado após reagir a um assaltante apelidado de
ratinho (apelido provavelmente proveniente do pequeno tamanho do ladrão) que, atraído
pelo grosso colar e pulseira de ouro do prefeito, aproximou-se do carro dirigido por Joca
quando este parou em um engarrafamento próximo ao túnel Santa Bárbara. Segundo o
então prefeito de São João de Meriti - que viajava ao seu lado e tinha a perna imobilizada,
conseguindo mesmo assim afastar-se do local do crime enquanto os tiros eram disparados -
Joca recusou-se a entregar suas jóias ao bandido, tentou abrir a porta do carro e utilizar suas
armas ao mesmo tempo. O bandido, inexperiente e impressionado com o tamanho de Joca,
"assustou-se" e descarregou uma pistola no corpo do prefeito que morreu instantaneamente,
127 A forma pela qual Joca conseguiu enriquecer não é muito clara. Nas suas entrevistas dizia ter sido baleiro em trens, carroceiro, cobrador e motorista de ônibus, lutador de luta livre, até ter se transformado em empresário do ramo de transportes e material de construção. Como não existiu uma maneira de investigar-se isso sem correr riscos, preferimos conformarmo-nos com as versões divulgadas pela imprensa local que falam de uma transformação rápida de Joca em empresário bem sucedido. Os meios utilizados por ele para chegar a isso (trabalho, apara de cargas roubadas, etc.) não sabemos. 128 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISA.D.F. Entrevista Concedida em
09/09/1995Não disponíveis129 Especula-se atualmente na região da Baixada que a reunião com Marcello Alencar trataria do afastamento do deputado federal Nelson Bornier do cargo de secretário especial da Baixada.
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ficando estendido no asfalto à mercê de curiosos130 tal como dezenas de corpos que todos os
dias são abandonados na Baixada Fluminense considerada por um dos prefeitos dessa
região um "estado cujo governador é Joca".131
Algumas horas mais tarde (três horas da madrugada do dia seguinte) uma equipe do
Jornal O Dia chegando ao centro de Belford Roxo encontrou uma multidão concentrada na
praça Eliakim Araújo, que é a principal praça do pequeno centro municipal de Belford
Roxo. Incentivada por um dos filhos de Joca a multidão atacou a equipe desse jornal que
era acusado de ter retirado fotos de Joca assassinado enquanto a perícia policial realizava os
seus trabalhos deixando Joca somente de sunga. A multidão apoderou-se do equipamento
dos jornalistas que somente deixaram de ser agredidos devido à interferência de alguns
conhecidos políticos e jornalistas locais que impediram o pior colocando-se entre a
multidão enfurecida e a equipe do jornal carioca.132
A imprensa local calculou que na madrugada do dia 21 de junho mais de cem mil
pessoas concentravam-se na praça central do município esperando pelo corpo de Joca. É
significativo verificar como a população lamentava-se pelo prefeito morto: é certo que um
ar de perplexidade pairava sobre aquela multidão que tentava localizar dentro das
informações desencontradas um culpado pelo ultraje ao seu líder. Não existia certeza
nenhuma a respeito de como aconteceu a morte mas os relatos de pessoas que
acompanharam o cortejo deixam perceber que pensava-se coletivamente de uma forma
assemelhada à seguinte:
[...] hoje se diz que ele foi morto em um assalto. Mas lá na praça ia dar risada o povo se alguém conta uma história dessas. Aquele homem grande daquele jeito, que só andava armado e com um monte de segurança, morrer assaltado...nem dá pra pensar. Você perguntou o que que eu sentia. Sentia tristeza pela morte de um parente, porque pra mim ele era que nem um da família. Desde muito tempo ele ajudava a gente lá de casa dando colégio prás criança estudar(...) levava doente pro hospital qualquer hora da madrugada, dava material pra obra (...) porque eu e meus filhos é que fizemos obra pra morar, meu marido morreu há muito tempo e sobrou pra nós... ele nem era político ainda e já ajudava (...) era um pai pros meus filhos (...) gostava de gente pobre porque ele também era trabalhador e pobre (...)
130 A versão apresentada aqui para a morte de Joca foi retirada dos seguintes periódicos Jornal de Hoje, 21/06/95 - p. 3-7, O Dia 21/06/95 - pp. 3-5 e Hora H, 21/06/95 - p. 2-5. 131 O primeiro prefeito do município de Japeri Carlos Moraes Costa costumava chamar Joca de o "governador da Baixada" devido ao fato do prefeito de Belford Roxo ser o presidente da “Associação de Municípios da Baixada Fluminense e Adjacências”. Jornal de Hoje, 06/11/93 - p. 2. 132 Jornal de Hoje, 23/06/1993
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eu tinha que ficar naquele frio esperando o corpo que nunca chegava, era que nem uma obrigação pra mim (...) nunca vai existir um outro político aqui igual ele. Têm uns aí que cisma de dar pão e sopa pra gente mais é falsidade. Passa a eleição eles desaparece (...) ele não era só político era um homem que ajudava se tinha ou não eleição. Tava presente o ano todo.133
Cem mil pessoas não ocupariam uma praça na madrugada de quinta para sexta-feira
para esperar um cadáver não querido, é lógico. Existem aspectos dessa espera, entretanto,
que a diferenciam de um simples desejo coletivo de homenagear um político popular morto.
Escapa do depoimento a nítida impressão de que a entrevistada considera o seu
deslocamento como uma obrigação. Joca trata-se para dona Maria de um "membro da
família", ou até mais que isso pois ela chegará em outra parte da entrevista à afirmar que
quando "gente da minha mesma família me abandonou, ele me ajudou". O líder morto,
neste momento de velório, está mais que durante toda a sua vida política unido à população
belfordroxense, que não é para aí conduzida, mas, em um típico comportamento de massa,
conduz-se com a finalidade única de reverenciar alguém considerado por essa massa como
um herói. O comportamento da massa de belfordroxenses legitima o entendimento de Joca
como uma espécie de salvador.
Representantes da antiga elite política local sentiam-se também desamparados ante a
morte do primeiro prefeito belfordroxense, prova esse fato o editorial em tom profético do
Correio da Lavoura do dia 23 de junho de 1995 que concluía:
[...] correr Belford Roxo o perigo de retornar ao período negro da sua história, quando bandidos conhecidos notabilizaram-se por infernizar a vida de sua população que experimentou por um prazo muito curto a paz garantida por um dos maiores líderes políticos dessas plagas.134
A idéia de estabilidade do governo Joca lembrada pelo editor de "O Correio da
Lavoura" talvez deva-se à lembranças fortes como a evocada por um entrevistado que
justificava sua admiração ao prefeito morto relembrando um acontecimento inusitado
vivido pelo prefeito que foi a única pessoa a conseguir fazer com que alguns traficantes
133 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISGUIMARÃES, Maria Teixeira.
Entrevista concedida em 02/09/1995.Doméstica, natural do Rio de Janeiro, nascida em 08/03/1960, moradora
do Morro da Cocada em Belford Roxo,134 Correio da Lavoura, 23/06/1995, p.01.
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permitissem que os bombeiros recolhessem o cadáver de um desafeto deles que, morto já
há quatro dias, contaminava com sua podridão toda a vizinhança. Segundo o entrevistado,
morador de uma bairro popular próximo ao centro do município, o prefeito ao saber por
parte de moradores do acontecido, abandonou seu gabinete na prefeitura e subiu o Morro da
Galinha junto com o carro dos bombeiros. Chegando lá, Joca não se contentou em assistir
ao recolhimento do cadáver: procurando o traficante que havia impedido a retirada anterior
do corpo, fez com que o próprio traficante levasse o defunto até a viatura dos bombeiros135.
Por mais inverossímil que essa história seja (e não é possível apurar a sua veracidade), ela
ilustra-nos o modo como Joca era visualizado pela população: para além de ser um político
ele era considerado como o proprietário de soluções para problemas que, apesar de
poderem ser considerados como simples, perpetuavam-se ganhando o status de insolúveis.
A espera na madrugada fria é parte de um processo de mitificação, no entanto é
perceptível que tal espera longe de simbolizar a construção de um exemplo através das
aparas da imagem de um político tradicional, eqüivale a uma homenagem a quem melhor
conseguiu aproximar-se do povo e de suas práticas de resolução de problemas. O papel do
mito aqui sofre uma espécie de inversão: apesar de continuar à reboque de uma construção,
não existiu espaço para nenhum elemento da elite política regional construir a imagem ideal
de Joca: ao contrário disso, o retrato prevalecente foi o construído pela própria população.
Tendendo o resultado a espelhar soluções pouco convencionais para problemas tornados
crônicos ante a pequena presença de ações estatais na região da Baixada.
Amanheceu o dia 21 de junho de 1995. O centro comercial de Belford Roxo logo se
tornou pequeno demais para comportar a multidão que teimava em não organizar-se a fim
de ver o corpo de Joca. A fila que se estendeu por mais de dois quilômetros deu lugar
rapidamente a uma procissão que teve como destino final o cemitério da Solidão, tendo
inicialmente percorrido todo o pequeno centro da cidade de Belford Roxo. Indo até o
ostentoso pórtico de entrada da cidade construído um ano antes pelo prefeito agora morto.
A multidão pára sob o pórtico. Enfatiza um jornal local ser possível durante essa parada
135 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISNOVAES, Mário Geraldo . Entrevista
concedida em 02/09/1995Funcionário público aposentado , natural de Alagoas, nascido em 08/03/1940,
morador do bairro de Areia Branca em Belford Roxo
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ouvirem-se lamentos traduzidos em frases curtas como: "perdemos nosso pai!" e
"Belford Roxo nunca mais será a mesma". Após essa parada a procissão seguiu seu
destino que era o túmulo onde futuramente seria gravada a frase “Serei sempre Joca” e um
coração construído com lâmpadas fluorescentes.
Durante todo o cortejo fúnebre e até no cemitério percebe-se uma disputa realizada
por políticos baixadenses que desejam homenagear o prefeito através de discursos, as
lamentações populares, entretanto, sufocam tais tentativas de homenagem. Seguindo as
descrições expostas pelos periódicos locais e mesmo por alguns jornais cariocas percebe-se
que ocorre nessa condução do cadáver uma apropriação popular da figura de Joca. Sobra
pouquíssimo espaço para os correligionários do prefeito. A massa formada em torno da
morte de Joca determina a impossibilidade de pensar-se que essa morte possa funcionar
como uma oportunidade para que um grupo de amigos inicie isoladamente um processo de
mitificação política. Nos dias seguintes a essa procissão e enterro, o túmulo de no 2409 do
Cemitério da Solidão passou a receber uma grande quantidade de visitantes, alguns deles
deixando alguns pequenos bilhetes como os de algumas alunas de um colégio particular do
município:
“Joca, desejamos que você esteja em paz. Pelo sorriso que você tinha e pelo prefeito
que você era, um beijo dos alunos do Centro de Educação Moderna.” Ou esses bilhetes
deixados por populares que não se identificaram:
“Tio Joca, ilumine os nossos dirigentes de onde você estiver.”
“Continue ajudando Belford Roxo a ser a cidade do amor.”
“Nunca mais teremos um prefeito como você, que foi o único a se preocupar com
pobre.”
Descartada a possibilidade de imaginar que existiu uma condução para o processo de
mitificação política de Joca, resta-nos pensar que ele notabilizou-se por refletir anseios
populares e somente é possível pensar nele como alguém que corporificou inúmeros
anseios dessa população fundida a ele. A identificação é aí direta, sendo difícil pensar em
Joca como alguém destacado da população belfordroxense. Ele é tal como demonstraremos
em seguida o resultado extremado de uma maneira popular de resolver problemas políticos.
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3 - O Salvador
Dias 20 e 21 de junho de 1999: O túmulo de Joca no cemitério da Solidão em Belford
Roxo não contrastaria em muito com aquele mesmo túmulo no dia 21 de junho de 1996136
se não fosse por um detalhe: segundo os funcionários do cemitério público a rotina nesse
dia em nada lembrava uma data especial: logo cedo um carro da prefeitura parou em frente
ao cemitério e dois ramalhetes de flores foram conduzidos ao túmulo de Joca. Menos de
dez pessoas visitaram o túmulo nesse dia - quarto aniversário da morte de Joca - nem
sequer uma nota foi publicada na imprensa local. Estranho isso ocorrer com o prefeito que
mesmo depois de morto conseguiu reunir em torno de si aliados e adversários políticos
conduzindo ao executivo municipal sua esposa e ao legislativo municipal e estadual
candidatos que pautaram suas campanhas enfatizando uma estreita ligação com as práticas
do ex-prefeito. Teria o mito político se desfeito? As condições que permitiram a Joca
exercer um poder tão invejado pelos demais prefeitos baixadenses dissolveram-se?
Em lugar de decepcionar, o silêncio demonstrado pela população belfordroxense
poucos anos após a passagem de Joca pela prefeitura desse município revela-nos algo
fundamental para entender-se a peculiaridade das soluções encontradas pela população
baixadense e o recurso a indivíduos que contribuem para a solução desses mesmos
problemas. A mitificação política de Joca é fluida porque na realidade todo o seu carisma
embasava-se muito menos nos seus atos espetaculares e muito mais na percepção popular
de que Joca era parte do povo belfordroxense e de que suas soluções somente diferiam em
grandeza das soluções tradicionalmente encontradas pela população baixadense. Não era
possível, portanto, que o processo de mitificação política de Joca se restringisse a objetos
concretos como um túmulo, um livro de memórias, uma estátua ou uma rua. Muito mais
próximo que todos os objetos que possam lembrar Joca está a convivência diária com
problemas para os quais Joca significava em primeiro lugar uma solução. Solução que
mesmo parcialmente já era proporcionada pela rede de resolução de problemas práticos.
Considerar Joca como o homem que age em conformidade com essa rede auxilia no 136 Completou-se nessa última data um ano da morte de Joca. E o cemitério foi tomado por uma multidão que durante todo o dia visitou o túmulo. Mesmo com a prefeitura municipal de Belford Roxo não promovendo naquele momento em que era ocupada por um opositor de Joca nenhuma comemoração que lembrasse o falecimento do líder, diversos políticos se conduziram para o Cemitério da Solidão a fim de homenagear "o principal cabo eleitoral das eleições municipais" daquele ano. Eleições que terminaram garantindo à esposa de Joca o cargo de prefeita logo no primeiro turno. Jornal de Hoje, 23/06/1996, pp. 01-03.
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entendimento dos motivos existentes para o "esquecimento" popular da figura de Joca. Ele
assemelhou-se a um símbolo e mesmo morto esse símbolo, o que o gerou continua atuando
e dirigindo a sua atenção para outros agentes espetaculares ou mesmo para a muda ação de
construção e manutenção de equipamentos urbanos tão comum na Baixada Fluminense.
Não se deve em momento algum entender Joca como superior a todo o conjunto de
soluções encontradas pela população baixadense. O fato de ser transformado em mito
revela unicamente uma profunda identidade entre Joca e a população "submetida" a ele.
Identidade forte o suficiente para dispensar a necessidade da manutenção do mito que
parecerá ser enterrado em um tempo recorde.
O "esquecimento" que a população belfordroxense infligiu ao seu herói deve-se
também a alguns fatos relacionados diretamente a vida política de Joca. Eleito prefeito em
1992 e assassinado em 1995, sua vida política como prefeito foi muito curta e embora
algumas de suas ações fossem espetaculares, elas não conseguiram fixar-se de forma
permanente na memória da população belfordroxense pois ele não conseguiu sequer
terminar o seu mandato como prefeito. Além disso seus herdeiros políticos frustaram as
expectativas de continuidade do seu estilo de governo. Exemplo maior dessa frustração foi
a sua esposa Maria Lúcia que eleita prefeita em 1996, revelou-se incapaz de lidar
adequadamente com a população belfordroxense. Servindo como motivo de piadas, pois a
população de Belford Roxo entendia que era uma "prefeita-fantoche". Não guardando
nenhuma semelhança com o falecido marido. Pode-se pensar que Joca não encontrou
eficientes guardiões da sua memória, sendo esses guardiões, segundo Pollak
fundamentalmente necessários no processo de conservação e reelaboração da memória.137
A tese defendida por Raoul Girardet em 1978138 que considerou ser um campo
político conflituoso um local privilegiado para o aparecimento de uma espécie sui generis
de personagem: o salvador, elevado pelos cidadãos (ou súditos) - geralmente
desesperançados naquele momento - em uma espécie de herói, transformou-se em clássica.
Certamente Girardet baseou-se no mito do messias quando iniciou suas formulações
sobre o salvador, uma vez que este mito de origem judaico cristã fixou-se tão radicalmente
137 POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. in Estudos Históricos, RJ, vol. 02, n.03, 1989, pp. 03-15138 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987.
96
na cultura do mundo ocidental, fazendo com que se transformasse em um fenômeno de
massa facilmente descoberto em situações extremas nas quais toda a esperança esvaiu-se e
uma determinada massa já não acredita ser possível resolver através dos métodos
tradicionalmente experimentados suas angústias. Nesse sentido pode-se pensar que Girardet
ao tratar das contemporâneas formas de mitologia, de uma forma acidentalmente irônica,
restaurou ao seu campo original - a política - um antigo mito oriental extremamente
radicalizado no mundo ocidental: o do herói salvador infalível e redentor.
Sobre os messias, o antropólogo Marvin Harris demonstra-nos em um livro
destinado a contextualizar "aberrações" produzidas coletivamente por grupos sociais
diversos139 que esses personagens não habitariam somente a cultura judaica e cristã como
também diversas outras culturas. O mito do messias presente na cultura ocidental é, no
entanto, uma derivação do messiah hebreu (título dado primeiramente ao rei Davi, e que
tem, dentre outros, o significado de escudo, protetor ungido pela divindade, etc.)
equivalente para os hebreus a um general poderosíssimo prometido por Iavé e que, livraria
o povo eleito de seus inimigos. Para Harris o mito do messias hebreu ganhou cada vez mais
força devido exatamente à força agregadora da religião que serviu como contrabalanço ante
a desvantagem geográfica da Terra Prometida, disposta como um corredor que
historicamente serviu de passagem para os soldados de poderosos exércitos da Antigüidade.
A esperança na vinda de um general poderosíssimo, capaz de fazer renascer a era
expansionista do rei Davi foi a saída não convencional para que o povo de Israel
mantivesse a esperança de não desaparecer sob os pés de filisteus, babilônicos, assírios,
gregos e romanos.
O cristianismo (kristos era o nome pelo qual os judeus se referiam ao seu esperado
místico salvador militar ao falarem em grego), como ingrediente essencial da formação
cultural ocidental, trouxe, portanto, desde a sua origem - o judaísmo - o mito do messias, do
espetacular salvador prometido futuro. E muito embora se possa dizer que Jesus não tenha
sido o príncipe guerreiro anunciado pelos profetas,140 a noção de uma salvação futura e
definitiva fixou-se de tal forma na cultura ocidental que a continuidade desse mito é
inegável.
139 HARRIS, Marvin. Vacas porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978.140 Marvin Harris duvida especulativamente da bondade e cordialidade de Jesus, tentando demonstrar as suas vinculações com pelo menos dois grupos rebeldes de sua época. Op. cit., pp. 136-155
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Insere-se o trabalho de Raoul Girardet naquele conjunto de trabalhos que a partir de
finais da década de 1970 esforçaram-se na renovação de enfoque da história política: Se até
aquele momento evitava-se de uma certa forma como objetos temas do campo político,
nesse exato momento ensejou-se vincular a política a diversos outros campos com a nítida
intenção de, ao se permitir o contato entre os fenômenos políticos e diversas outras áreas do
conhecimento humano, tornar tal campo menos sujeito a factualidade.
Algumas considerações de Girardet sobre o fenômeno político/mítico do salvador
devem ser ressaltadas para que se possa pensar no surgimento tempestuoso dos salvadores
como personagens emblemáticos das relações políticas vivenciadas quotidianamente por
sociedades inteiras.
Girardet desenha um cenário caracterizado pelo fato de ser o agente político salvador
alguém possuidor de soluções excepcionais para uma sociedade determinada. Surgirá ele
necessariamente em momentos marcados pela instabilidade das instituições
tradicionalmente aceitas por aquela sociedade, sendo portanto "o salvador"
necessariamente o habitante de um mundo em crise, estando o seu atributo de salvador
intimamente ligado a essa crise. Dizendo-se de um outro modo: "o salvador" não seria
notado se o mundo em que habita não possuísse um alto grau de instabilidade política.
Com a intenção de checar a validade de suas conclusões, alguns personagens serão
eleitos por Girardet como modelos de agentes políticos salvadores. O primeiro desses
personagens - o Senhor Pinay - é real e o segundo - Tête d'Or - foi retirado pelo autor da
literatura de seu país.
O Sr. Pinay é o presidente do Conselho empossado pela Assembléia Nacional
francesa em 1951, momento complexo em que a França caracterizava-se por experimentar
uma profunda crise econômica responsável pela desvalorização exagerada do Franco. O
salvador nesse momento instável da economia francesa moldar-se-ia perfeitamente na
figura de um pai: candura, banalidade, bom senso, enfim, "um homem qualquer", que no
entanto passa a não pertencer-se mais unicamente porque o tempo em que vive
transformou-o em um símbolo "em que inumeráveis franceses reconheceram o que
desejavam para a França..." 141. O desejo de retornar a um passado cada vez mais
141 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo, Cia. das Letras, 1987
98
ameaçado pelas incertezas exige a admissão de um herói em nada aventureiro. Na realidade
um técnico avesso às maneiras abruptas de se fazer política. Para o novo presidente do
Conselho a política pode ser tudo menos um jogo.
Habitando o mundo da ficção o personagem de Paul Claudel (Tête d'Or) parece não
poder ser comparado em nada ao Sr. Pinay, brusco, excepcional e louco ele transforma-se
de homem comum em ser adorado, temido e ao mesmo tempo amado, quando imagina-se
destinado a um grande futuro que somente poderia ser alcançado através da usurpação do
trono de um antigo imperador representante do marasmo de uma vida condenada a uma
eterna repetição. Tête d'Or é, então o herói de um mundo instável, não exatamente por
estar ameaçado de deixar de existir, mas sim por correr o risco de existir sempre. O herói
claudeliano Tête d'Or não tem como lema de vida restabelecer um passado ideal (a idade
de ouro). Ele existe, ao contrário disso, para criar um presente sem se importar com um
futuro e sobre o túmulo do passado. É um herói salvador da exceção, portanto.
Em comum Tetê d'Or e o Sr. Pinay têm a rapidez com que passaram pelos seus
mundos. Nenhum dos dois deixou rastro, sendo o primeiro eliminado pela própria
"canalha" desprezada por ele e o outro superado pela sua própria mediocridade.
Girardet usa esses dois personagens com a intenção nítida de estabelecer um padrão
do agente político salvador. Concluirá ele ao final que o amálgama das personalidades
desses dois modelos extremos de salvadores é que constituiria um retrato mais de acordo
com o agente salvador político real; aquele que mais freqüentemente surgiu na vida política
do ocidente contemporâneo.
Seguirá Girardet não mais buscando modelos explicativos, mas expondo salvadores
europeus facilmente identificáveis por significarem em momentos especiais da vida das
nações européias soluções adequadas para mundos em franca decomposição.
Muito embora cite Mircea Eliade142 que apontou Jesus Cristo como o modelo
primeiro desses salvadores ocidentais, Girardet difere desse estudioso romeno na medida
em que não pensa no salvador como um elemento que se esforça para santificar-se ou que
é o objeto de um culto que necessite da força a fim de impor-se. Tal diferença entre o héroi
Girardiano e o salvador mítico de Eliade, aponta para o fato de que o salvador político
142 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1991
99
traçado por Girardet pode ser lido muito mais como uma resultante do que como um agente
espetacular na medida em que ele ao surgir já encontraria um cenário caótico montado,
cabendo ao salvador tomar o seu lugar nesse caos, eliminando-o logo em seguida.
De que maneira enquadra-se Joca no papel do heróico salvador retratado acima?
A mitificação política de Joca poderia por si só defini-lo como um herói do tipo
salvador?
É inegável que a reação popular à morte de Joca e os gestos populares relacionados
aos seus funerais dificilmente poderiam deixar de dar a ele os louros da vitória de uma
santificação. Por si só a sua morte retira da obscuridade qualquer dúvida de ser ele o herói
salvador destinado a conduzir a população belfordroxense até um porto seguro distante o
bastante do caos a que pode ser comparado a Baixada Fluminense.143
Joca, tal como os salvadores girardianos, é o habitante de um mundo em crise e
assume um papel relevante na indicação de soluções para os inúmeros problemas que
atingem a população belfordroxense fundida à sua imagem.
Comparada com os mundos habitados pelos salvadores girardianos, a Baixada
Fluminense é um mundo em constante crise, uma vez que para ali se destinaram indivíduos
oriundos do interior do Brasil, desamparados completamente pelo poder público em suas
diversas esferas. Estabeleceu-se na Baixada Fluminense uma estrutura de carências capaz
de alimentar as condições adversas já existentes desde os momentos iniciais da ocupação.
Joca surgiu então exatamente no momento em que essa estrutura de carências públicas
explodia sob a forma das emancipações distritais. No final da década de 1980 torna-se
insuportável para a população baixadense conviver com a inacessibilidade do poder público
municipal representado pela prefeitura iguaçuana. Passa a ser de fundamental importância
nesse momento decisivo para cada ex-distrito iguaçuano fazer subir ao poder um
representante distrital, uma vez que os antigos líderes populares distritais transformados em
vereadores e estabelecidos como pontes entre suas regiões e a prefeitura iguaçuana não dão
conta de amenizar as situações desvantajosas que se impõem aos moradores de cada um
143 O termo Baixada Fluminense muito embora tenha sido apropriado pelo senso comum que retirou dele toda a sua seriedade geográfica, traz às mentes de membros da elite baixadense lembranças incômodas que os faz negar a validade de chamar-se estes municípios por este nome, optando por sinônimos menos comprometedores como "recôncavo" ou "recôncavo fluminense". Jornal de Hoje, 08/03/97, p.03
100
desses distritos. Nesse momento decisivo surge Joca que passaria despercebido caso não
fosse o portador de soluções eficientes dirigidas para o estabelecimento de organismos
públicos capazes de substituir a rede de resolução de problemas práticos.
Não seria possível pensar Joca como um salvador político no estilo de um Tiradentes
ou um Marechal Floriano Peixoto144 na medida em que sua imagem não se prestou a uma
construção intencional. Ao contrário da missão de um salvador construído, Joca
emoldurou-se a uma tela já construída pela população da Baixada Fluminense enquanto
esta ampliava a auto construção para o espaço público. Ele destaca-se exatamente por
assemelhar-se à população Baixadense. Nesse aspecto não é um herói da exceção mas sim
o elemento mais capacitado a ocupar o poder público exatamente por destacar-se dos
demais políticos representantes de um elite política regional.
Concluí-se, portanto, que a mitificação política de Joca não atende à necessidade de
um determinado grupo de eleger um símbolo como elemento sintetizador dos anseios da
preservação de um mundo político. Joca é, ao contrário, o aprovado e prático autor de
mudanças profundas (destrutivas/construtivas) em um mundo caótico.
4 - De baleiro a prefeito
Acompanhar a transformação pessoal sofrida por Joca no seu caminho até a prefeitura
de Belford Roxo permitirá que se pense melhor na sujeição deste a todo um conjunto de
antigas práticas criadas pela própria população belfordroxense.
A mídia não era algo muito querido por Joca. Muito provavelmente por isso durante
toda a sua vida pública poucas foram as entrevistas concedidas por ele. É fácil concluir as
razões dessa ojeriza à imprensa: ele somente chorara duas vezes depois de adulto e uma
dessas vezes devera-se aos jornalistas145. Manter distância da imprensa era então uma boa
estratégia, segundo o prefeito para "sofrer menos". Na realidade tal estratégia não
funcionava muito bem porque os atos de Joca primavam pelo espetáculo e isso determinava
144 SIMAS, Luiz Antônio. O evangelho segundo os jacobinos Floriano Peixoto e o mito do salvador da República brasileira, Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, 1994, mimeo.145 Jornal de Hoje, 18/10/93, p.05
101
que a imprensa local quase que diariamente se ocupasse da descrição desses espetáculos.
Aliás a atitude hostil dessa imprensa existiu até o momento em que Joca passou a ser
considerado uma figura política marcada para a liderança de seu município: logo após a
eleição de 1992 um articulista do Jornal de Hoje cobra de Joca uma atitude em relação ao
editorial "Eleições manchadas de sangue"146 publicado no Jornal do Brasil em que,
segundo o articulista, a população belfordroxense foi atacada quando o Jornal do Brasil
considerou, segundo o articulista do Jornal de Hoje, a escolha de um "matador" para o
executivo de um município fluminense como o exemplo de quanto essa mesma população
era "alienada" e "ignorante".147
Os processos judiciais abertos contra Joca não pesavam mais para a imprensa da
Baixada, para a qual ele era agora "o prefeito de um dos mais ricos municípios dessa
região" e não mais o "participante de um grupo de extermínio". Apesar das raras entrevistas
concedidas por ele, constituem essas pequenas entrevistas contidas em periódicos locais as
únicas fontes capazes de nos informar sobre a sua origem e a maneira como ele destacou-se
dentre os demais migrantes fluminenses até tornar-se o prefeito do município onde viveu
por quarenta anos antes de tornar-se prefeito.
Joca, tal como grande parte da população de Belford Roxo, não era originário da
região da Baixada. Ele viera bem cedo do interior do estado do Rio de Janeiro e segundo
seu próprio relato começou a trabalhar ainda criança, pois pertencia a uma família muito
grande e pobre (treze irmãos filhos de uma merendeira e de um operário da Rede
Ferroviária Federal). Vendeu bala nos trens, foi ajudante-de-obras, pedreiro, cobrador e
motorista de ônibus, lutador de luta livre e carroceiro antes de transformar-se em um bem
sucedido empresário do setor de transportes e construções.148 A leitura de entrevistas de
Joca deixa claro que não é importante para ele relembrar esse passado comum a grande
parte dos migrantes belfordroxenses, nem mesmo que a sua intenção possa ser vangloriar-
se pelo fato de destacar-se em relação a grande massa socialmente submetida da qual
emergiu. A parte da sua vida que merece destaque, segundo ele, é aquela que inicia-se
quando ele resolve, “ ...não pensando em exercer nenhum cargo, fazer o trabalho social". E
tal prática inicia-se, segundo o prefeito, de uma maneira bastante simples: ele constatou
146Jornal do Brasil, 18/10/1992, p.07 Jornal do Brasil, 19/10/1992, p.12147 Jornal de Hoje, 22/10/1992, p.04 148 Jornal de Hoje, 21/11/93, p.5.
102
que... "Ambulância sempre foi uma coisa muito difícil por aqui e achei que essa era a
melhor maneira de ajudar. Hoje mantenho catorze unidades, uma delas com UTI"149.
Muito embora Joca não se preocupe em detalhar como foi o início do seu serviço
social, alguns entrevistados informaram que tudo começou com um carro velho (um
volkswagem tipo brasília) que recebeu uma pintura com o nome de Joca, tendo a figura de
um coração substituindo graficamente a letra "O" do apelido Joca, e passando a partir daí a
servir como ambulância:
[...] como não tinha nada... e ele nas piores horas, de madrugada, servia o povo levando pra hospital do Rio. A gente batia na casa dele qualquer hora quando precisava em uma emergência e ele nunca se negava a atender...acho que ele começou a fazer isso no início sem tanto interesse em ser alguma coisa. Aqui no bairro só tem pobre e ele sendo mais rico passou a ter pena de nós eu acho...depois é que pode ser que ele já não fizesse tanto por pena mas também por interesse de se eleger. 150
Ainda como morador do bairro de Heliópolis151, na periferia de Belford Roxo, Joca
passou da ambulância improvisada à construção de um "serviço social" e durante a década
de 1980, quando começava a ganhar força a antiga idéia de emancipar-se o distrito de
Belford Roxo, Joca, apesar de não ser ainda candidato passou a distribuir cestas básicas,
sopa, materiais de construção, e proteção a moradores ameaçados por bandidos. Sua fama
de benfeitor e de homem valente atraía políticos e fez nascer nesse migrante
"desinteressado" a percepção de ser possível para ele candidatar-se à Câmara de Vereadores
de Nova Iguaçu.
Da velha brasília para os muros, o nome Joca - agora acompanhado do slogan "O
homem que ama Belford Roxo" - revela logo na primeira e única eleição para vereador
possuir uma farta energia eleitoral.
Em um resumo rápido a trajetória eleitoral de Joca pode ser apresentada da seguinte
maneira: candidatou-se à Câmara de Vereadores de Nova Iguaçu em 1988 e elegeu-se nesse
149 Jornal de hoje, 21/11/1993, p.5.150 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISMONTEIRO, Florêncio Marcos.
Entrevista concedida em 23/11/95Mestre de obras , natural do interior do Rio de Janeiro, nascido em
28/01/1950, morador do bairro Xavante em Belford Roxo151 Oficialmente Joca nunca deixou de ser morador de Heliópolis, porém não tinha somente uma casa. Era famoso em Belford Roxo por ser amante de pelo menos cinco mulheres. Mantinha cada uma delas em uma casa sua e visitava suas amantes regularmente. Porém, sua esposa oficial, Maria Lúcia, continuava morando em Heliópolis.
103
pleito com o maior número de votos válidos (mais de cinco mil votos). Em 1992 elegeu-se
prefeito de Belford Roxo com 69,8% do total de votos, dispensando o segundo turno.152
Muito embora ao relembrar o seu primeiro cargo eletivo o prefeito tenha admitido
não ter sido um vereador assíduo e combatente: um acidente grave, segundo ele, obrigou-o
a afastar-se da Câmara Municipal por um ano e quatro meses153, as muletas, que diz ter
usado durante onze meses, não atrapalhou-lhe na demonstração da sua preocupação para
com "o seu povo". Mostra essa preocupação o fato de mesmo enquanto não podia
freqüentar a Câmara Municipal ter continuado "atendendo aos pedidos da população" em
seu serviço social.
Como saldo da sua primeira aventura eleitoral ostentou o saneamento de l49 ruas e a
construção de 9 postos médicos. Revelando-se um conhecedor profundo das principais
necessidades da população que o elegeu, o vereador Joca utilizou o cargo para estender a
sua influência junto aos moradores de seu distrito. Fazendo a sua primeira troca de partido
(troca o Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB], partido que abrigava a
elite política regional, pelo Partido Democrático Trabalhista [PDT]) ele estreitou sua
aproximação com o prefeito de Nova Iguaçu Aluisio Gama. Aproximação essa que
permitiu a Joca demonstrar ao "seu povo" que além de ser um vereador ativo mantinha
relações com elementos que poderiam favorecer a futura emancipação de Belford Roxo e a
imediata realização de obras que pudessem diminuir as agruras da população do distrito.
É preciso lembrar que naquele momento Aluisio Gama - prefeito iguaçuano entre
1988 e 1992 - era favorável a emancipação de Belford Roxo e mantinha com Joca uma
relação amistosa, sempre atendendo as indicações de obras propostas pelo vereador. Fato
que servia para que Joca, se destacasse dos demais vereadores que tinham como origem
Belford Roxo. Ao mesmo tempo era para o prefeito iguaçuano estratégico manter-se
presente no distrito de Belford Roxo e vincular a sua imagem a alguém tão carismático,
uma vez que ali existia uma quantidade grande de eleitores que poderiam auxiliá-lo na
continuidade da sua carreira política. Provavelmente visando o seu futuro Aluisio Gama
reorganizou todo o centro do distrito de Belford Roxo mesmo após a decisão de que o
152 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 5 / 20/03/1992, p. 03. Se levarmos em consideração somente o total de votos válidos Joca se elegeu com mais de 80% dos votos.153 Apresentando sucessivos pedidos de afastamento, não encaminhando nenhum projeto e não se pronunciando sequer uma vez, na realidade o prefeito enquanto foi vereador de Nova Iguaçu caracterizou-se pela nulidade da sua representação. Atas da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, 1990 - 1993.
104
distrito deixaria de pertencer a Nova Iguaçu. Fato que auxiliou Joca na sua escalada rumo à
primeira prefeitura belfordroxense, já que as obras realizadas na administração Aluisio
Gama foram indicações do vereador Joca.
Apesar de ter sua importância aumentada, as matérias de periódicos locais sobre o
vereador Joca revelam um homem tão acanhado politicamente a ponto de desconhecer a
sua própria influência, fato que o levou a aceitar uma composição política em que seria
lançado vice-prefeito caso um mandato-tampão ocorresse em 1990154. Ou seja, apesar de
assediado por candidatos de diversos partidos, Joca ainda reconhecia a liderança política
tradicional existente no novo município.
A ação das suas ambulâncias, dos materiais de construção que distribuía, das cestas
básicas e das sopas e a aliança com o prefeito de Nova Iguaçu acabou convencendo Joca de
que era possível vôos independentes e solitários. Vôo alçado em 1991 quando lançou-se
candidato à prefeitura belfordroxense desvinculado da elite política tradicional do ex-
distrito.
Necessário faz-se pensar no fenômeno Joca delimitando as fronteiras da sua figura,
definindo-o como diverso dos habitantes de seu métier político. No sucinto relato da
transformação do homem comum Joca em prefeito de um município importante da região
da Baixada Fluminense destacam-se três tempos distintos: em um primeiro Joca é alguém
que, confundido com todos os outros habitantes de Belford Roxo, poderia ser definido
como aquele que percebe de uma maneira diversa sua realidade e a de seus circundantes
desenvolvendo o que ele mesmo chamou de "sensibilidade social"155.
Em um momento intermediário, em que talvez graças a esta "sensibilidade" parece
perceber não ser a informalidade algo muito confortável, nosso personagem imaginará,
corretamente, que pode fazer muito mais pelos "seus" transformando-se em um
representante oficial dos belfordroxenses que são seus "vizinhos".
154 Jornal de Hoje, 13/04/1992, p. 03155 Jornal de Hoje, 11/10/ 1992, p. 05
105
Finalmente é possível encontrar nosso homem - à princípio timidamente - tomando
consciência de que ele é bem mais que um simples representante popular, ele é, sim, o
eleito: Aquele que ao contrário de vários outros políticos regionais156 pode alçar vôo livre
solitariamente, lançar-se contra toda a tradicional classe política local que, aliás, golpeou-o
de início, para depois submeter-se acelerando a sua escalada para o centro das atenções
políticas locais.
Se, conforme Norbert Bobbio, a elite de uma determinada região é representada por
aquelas pessoas existentes na sociedade que detêm a maior parte dos poderes por serem
mais organizados e por possuírem interesses comuns, situação que os transforma em
solidários pelo menos na manutenção das regras do jogo157, pode-se afirmar que em Belford
Roxo existia uma elite bastante aproximada em seus interesses.
Algumas famílias tradicionais haviam possuído propriedades importantes no "Velho
Brejo", porém pode-se pensar que constituía a elite local tradicional de Belford Roxo
elementos que se destacaram dentro do ex-distrito como comerciantes, profissionais liberais
e industriais a partir principalmente do loteamento dessa região. Fato que transformou
Belford Roxo em um local excelente para o desenvolvimento de atividades econômicas
relacionadas ao comércio e à indústria. A elite regional belfordroxense não diferia em 1991
de forma acentuada da elite existente em todos os municípios da Baixada: pessoas
enriquecidas às custas de atividades recentemente praticadas nessa região e que na
realidade haviam substituído os citricultores da década de 1950, de tal forma que se
tivéssemos de pensar em uma época para o surgimento da elite baixadense que opunha-se a
Joca deveríamos pensar não em um passado muito remoto, mas sim na época de transição
econômica quando os loteamentos surgiram salvando parte dos citricultores, transformados
forçadamente em loteadores, e dando à região da Baixada uma função dormitório. Função
156 Em um artigo publicado em 30/11/1991 um articulista do Jornal de Hoje admira-se com o fato de representantes de tradicionais famílias se acotovelarem disputando a possibilidade de Joca servir como candidato a vice em chapas sempre encabeçadas por essas lideranças. O articulista lê nessas disputas a evidência maior de que "a política em Belford Roxo gira em torno de Joca", vereador por Nova Iguaçu eleito com mais de cinco mil votos todos eles de belforroxenses e que tinha "a cara e a simplicidade política do povo respondendo sempre com franqueza e sobremaneira preocupado com a eliminação das vergonhas que assolam aquele ex-distrito iguaçuano com toda a certeza o mais abandonado de todos os distritos de Nova Iguaçu". Jornal de Hoje, 30/11/ 1991, p. 02157 BOBBIO, Norberto.(org.) Dicionário de política. Brasília, Ed. UNB, 1986, pp. 385-391.
106
que permitiu o acúmulo de capitais por parte de alguns elementos que para melhor garantir
as suas conquistas terminaram ocupando os executivos e legislativos municipais
baixadenses.
Em Belford Roxo especificamente pessoas como Ediraldo Gomes, Waldir Vilela,
Ricardo Gaspar, José Haddad e Osvaldo Lima transformaram-se em representantes
políticos da elite regional. Há vários anos lutando pela "supremacia política"158 de Belford
Roxo, esses políticos conformavam-se com um certo padrão de comportamento,
caracterizado pela indiferença à população mais pobre, somente procurada em épocas de
campanha eleitoral. A sobrevivência desses políticos dentro dos distritos iguaçuanos
habitados principalmente por elementos populares não chega a ser uma façanha se
considerarmos que a população belfordroxense não se preocupava acentuadamente com a
competência dos seus governantes e representantes. Prefeitos e vereadores eram elementos
estranhos, distantes, sendo "natural" para os belfordroxenses serem esquecidos pelos
políticos vistos sempre como "espertalhões". O momento da eleição sobressaía como o
mais importante da relação na medida em que se poderia negociar o voto, alcançando-se
assim alguns benefícios pessoais ou coletivos:
Antes da emancipação e do governo do Joca, os político espertalhão comandava aqui... comandava não é verdade: eles era eleito. Só que como a gente era obrigado a votar, trocava a promessa de votar em qualquer um por alguma coisa pra gente ou para o bairro. Era natural a gente só ser lembrado na política (eleição) depois tudo mudou muito. A gente passou a ser ouvido todo o tempo tanto pelo prefeito como pelos vereadores.159
A diferença entre Joca e outros políticos é simples: ele conhecia a vida dura e se preocupava em dar alguma melhoria pro povo. Não pensava só nele só. Antes era tão diferente. Prometiam. Ninguém acreditava. Conseguia às vezes alguma coisa e depois nem se via o candidato. Depois do Joca não. A gente é valorizado e via o prefeito e os vereadores sempre.160
158 PEIXOTO, Ruy Afrânio. Imagens iguaçuanas, Rio de Janeiro, 1960, mimeo, p. 54.159 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISPIRES, Marcelino de Freitas. Entrevista concedida em 12/04/1997. Vendedor ambulante, natural de Minas Gerais, nascido em 19/11/1949, morador do bairro de Andrade de Araújo em Belford Roxo 160 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISFERNANDES, Paulo. Entrevista
concedida em 02/09/1998. Operário do setor químico, natural de Nova Iguaçu, nascido em 28/06/1964,
morador do bairro da Prata em Belford Roxo
107
Pode-se pensar que em toda a região da Baixada Fluminense a indiferença popular
aos políticos representantes das elites regionais - que chamamos aqui de tradicionais -
correspondia a uma regra, o que pode ser exemplificado pelos atos de "protesto" político
praticados por alguns eleitores nas eleições municipais de 1992 quando a soma de votos
nulos e abstenções em Nova Iguaçu chegou a 33% do total, chamando mais a atenção
cédulas que continham restos de fezes e um número excessivo de votos em times de
futebol, jogadores e em personagens de novelas161.
Para além da percepção da oposição entre os políticos tradicionais e Joca (um líder
marginal carismático), é possível pensar através da fala dos entrevistados que a política
ordinariamente praticada na Baixada, passou a significar algo incômodo. Em comparação
com o político tradicional, o líder marginal é um elemento inovador. A sua aceitação por
parte da população baixadense exigiu uma adaptação dos políticos tradicionais, algo que
não ocorreu, entretanto. Estabelecendo-se uma sujeição de elementos da elite política
baixadense aos novos líderes marginais, destacando-se dentre esses Joca, que durante a sua
ascensão política nunca esqueceu-se de um personagem sempre presente nas suas
entrevistas. Na realidade esse personagem sempre esteve presente nas fases da carreira
política de Joca: os "vizinhos".
Todas as distinções políticas de Joca somente podem ser visualizadas se pensarmos
na ação desse líder junto a essa massa socialmente subalterna da periferia da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro ou, dizendo-se de uma maneira diferente, deve-se sempre
pensar em Joca como um personagem produzido e conduzido em função da vontade
popular. De início ele não é em nada diferente de seus vizinhos. Infernizado exatamente
pelos mesmos problemas, Joca inicia o seu descolamento ao tornar-se uma voz ativa, ou
melhor, uma ação ativa e que extrapola a auto-resolução de problemas em que ele estava
diretamente envolvido: Joca deixa de ser o sujeito que conversa com dois de seus colegas
de rua e resolve, por exemplo, manilhar uma vala negra que passa em frente da sua casa:
ele "preocupa-se" em "fazer o serviço social"162 o que eqüivale a uma maneira mais efetiva
de substituir o Estado.
161 Jornal de Hoje, 21/11/1992, p. 06.162 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05
108
Pode-se pensar em Joca com toda a justeza como o representante típico da maneira
original do baixadense resolver o seu problema de diálogo com o poder público.163 Tanto é
assim que o vereador Joca (1988-1992) não deixou na Câmara Municipal de Nova Iguaçu
nenhuma marca da sua passagem. Toda a sua preocupação nesse período ia ao encontro de
otimizar sua ação como agente executivo. O que lhe garantiu chegar à prefeitura
belfordroxense sendo o proprietário de um serviço social que contava com: "catorze
unidades [ambulâncias], uma delas com UTI"164, uma ampla rede de distribuição de
cestas básicas, máquinas que serviam na abertura e limpeza de valas negras e na reabertura
de ruas tomadas pelo mato, com um grupo de funcionários que atendem pessoas com
problemas como ausência de vagas em colégios ou falta de emprego, dois postos de saúde e
duas clínicas.165 Para além disso, Joca - bem distante da imprensa - orgulha-se por
conseguir "intimidar bandidos". O que fazia inúmeras pessoas procurarem-no diariamente
na prefeitura a fim de conseguir proteção dada por grupos de extermínio controlados por
"amigos do Joca"166. Esta última característica do prefeito acabará fazendo com que as
pessoas atribuam a ele as morte de bandidos, alimentando a antiga acusação de ser ele o
chefe de um grupo de extermínio167.
Era comum durante o período de ascensão política de Joca compará-lo a Tenório
Cavalcanti. Alguns jornalistas locais chegavam a pensar em Joca como o "sucessor
legítimo"168 daquele político que viveu em um tempo conturbado em que a região da
Baixada sepultava a sua antiga tradição rural e transformava-se muito rapidamente em uma
das regiões onde a disputa por terra gerava enormes conflitos que jogavam grandes e
decadentes proprietários de terras contra miseráveis migrantes nordestinos que buscavam
na Baixada a chance de obter casa própria e ao mesmo tempo manterem-se distantes das
favelas cariocas. A trajetória política de Tenório é bem conhecida e sobressai de sua
biografia o fato de que este político, que chegou à Baixada durante a década de 1940
fugindo dos assassinos de seu pai, destacou-se por estar inserido em uma rede clientelística
163 O Anexo IV no final desse capítulo é a transposição integral de um artigo do Jornal de Hoje em que Joca aparece em contato íntimo com a população de bairros periféricos de Belford Roxo. Fica claro na leitura desse artigo as estratégias políticas de atuação de Joca. 164 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05 165 Jornal de hoje, 01/07/1992, p. 07166 Jornal de Hoje, 21/11/ 93, p. 05167 Jornal de Hoje, 11/10/ 92, p.05168 Correio de Maxambomba, 11/12/91, p.04
109
que conseguiu atingi-lo no distante estado de Alagoas: quando fugiu de seu estado Tenório,
foi trabalhar na fazenda de um parente de sua mãe que devia favores ao seu falecido pai
antes desse empobrecer. Tenório agiu durante todo o tempo dentro de uma intrincada rede
clientelística onde casou-se com a filha de um antigo prefeito de Nova Iguaçu ligado ao
parente de sua mãe que o recebeu primeiramente. Jamais Tenório distanciou-se desse tipo
de relação baseada no comprometimento entre semelhantes. A população da Baixada entra
nesse jogo como um desigual, surgindo para Tenório como uma forma eficiente de garantir
o seu poder através da ocupação da região por gente de sua confiança, principalmente
"cabras"169 valentes que o servissem nos momentos de confronto com os antigos
proprietários. É possível encarar Tenório, dessa forma, como o sujeito que distingui-se dos
demais na medida em que partindo de um papel subalterno dentro de uma rede
clientelística, transforma-se no líder de uma facção que se caracterizará pelo uso da
violência como maneira de galgar posições antes ocupadas por adversários. O uso da
violência que inicialmente serviu para alcançar posições, posteriormente garantiu - como
que por acidente - a proteção da população migrante que não cessou de chegar em Duque
de Caxias até a década de 1980. Tenório Cavalcanti, seguramente o primeiro dos políticos
assistencialistas dessa região, não pode somente por isso ser pensado como um líder
popular se considerarmos que a população da Baixada era para Tenório Cavalcanti
unicamente algo assemelhado aquele parceiro fantasma celebrizado por Weffort ao falar no
papel do povo citadino responsável pela ascensão do político populista170, estando
entretanto o político Tenório Cavalcanti e a massa recentemente mobilizada e sujeita a ele
distanciadíssimos pela prática de uma série de subterfúgios necessários ao ofuscamento
popular e ao impedimento de uma efetiva participação no jogo político.
Ao contrário de Tenório Cavalcanti, entre Joca e a população belfordroxense não há
uma distância sensível. Nesse caso comparações que não cessem na proximidade
geográfica tendem a criar anacronismos, e mesmo se pensarmos no assistencialismo de
Joca, existem distinções claras, pois se essa prática é possibilitada pelo cenário de
desolação social que, perpetuamente, é a Baixada Fluminense, as intenções são diversas:
Joca continuaria existindo sem o seu assistencialismo. Ele não se elegeu "enganando" seus
169 CAVALCANTI, Sandra Tenório. Tenório, Meu Pai. Rio de Janeiro, Global Editora, 1996, p.50. 170 WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. São Paulo, Paz e Terra, 1980.
110
"vizinhos", existiu toda uma história anterior que permitiu ao baixadense morador de
Belford Roxo identificar-se com Joca e que, para além disso, permitiu ao homem comum
perceber que os métodos de Joca não diferiam, senão em intensidade, dos atos que o
próprio morador praticou durante toda a sua vida em Belford Roxo. A identificação entre o
líder e a massa é tão intensa que Joca não se percebeu como parte da elite política da sua
região, aceitando em 1990 ser o vice-prefeito em uma legenda encabeçada por um político
que possuía uma aprovação popular muito menor que a aprovação de Joca. Já naquela
época171 ele se definia como alguém "querido pelo fato de ter a cara de seu povo"172.
Inexiste em Joca nesse momento a percepção de que a distância entre ele e os demais
políticos reside exatamente no fato de ser ele "parte do povo" belfordroxense.
O período que corresponde a definição de candidatos à prefeitura de Belford Roxo
eqüivale a uma modificação na maneira como Joca encara-se. A percepção de que seu
apelo popular tende a transforma-lo em um objeto eleitoral por parte de pretensos
candidatos "naturais" pertencentes a tradicional elite política local, faz com que ele procure,
finalmente, um espaço político próprio. Tal busca o conduziu a outra migração partidária e
ele que havia trocado o Partido do Movimento Democrático Brasileiro [PMDB] pelo
Partido Democrático Trabalhista [PDT] - dentro do qual permaneceu somente cinco meses -
com a finalidade de aproximar-se do prefeito de Nova Iguaçu, agora resolve que o PDT,
partido que tem em Laerte Bastos173 um "candidato natural", deve ser substituído pelo
Partido Liberal [PL]174 - troca que ocorreu em 1991.
171 O jornal de Hoje editado no dia 13/04/1990 discute sobre os nomes que participariam das eleição municipais excepcionais que ocorreriam em outubro daquele mesmo ano. Joca empenhara sua palavra a Ediraldo Matos e seria o seu vice. Enfatizava o jornal, entretanto, que Joca seria muito mais feliz se fosse o candidato a prefeito. Alegava o jornalista possuir indicações de que independente do candidato a prefeitura, se Joca fosse o vice a candidatura seria vitoriosa. Jornal de Hoje, 13/04/1990, p.03.172 Jornal de Hoje, 13/04/1990, p.03. 173 Laerte Bastos: político militante do PDT. Antes do fenômeno Joca era o líder político mais popular de Belford Roxo. Migrante também, a sua carreira política notabilizou-se a partir da sua participação em grupos responsáveis pela organização de trabalhos comunitários destinados a construção de casas em mutirão. Participante das Ligas Camponesas, acabou sendo preso e torturado durante o regime militar. Foi o segundo colocado nas eleições municipais que consagraram Joca, sendo naquele momento deputado federal e vice prefeito de Nova Iguaçu. Jornal de Hoje, 21/05/1992.174 Joca consegue eleger-se como primeiro prefeito de Belford Roxo em 03/10/1992, sendo o candidato de uma frente de partidos que incluía além do Partido Liberal (PL), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o Partido da Frente Liberal (PFL), o Partido Democrata Cristão (PDC), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Democratatico Social (PDS) Jornal de Hoje 11/10/1992, p. 05.
111
A submissão à elite política local a que Joca sujeitara-se até aquele momento finaliza-
se com um rompimento radical que gerou grande parte dos inimigos políticos de Joca. A
partir daí e durante toda a campanha os grupos que antes o cortejavam passaram a opor-se a
todas as suas ações. As acusações de participação em grupos de extermínio e em quadrilhas
de aparas175 de cargas roubadas transformam-se por essa época em processos e o antigo
líder comunitário deixa de ser reconhecido pela imprensa unicamente como "um homem
do povo" para ser considerado também como um dos principais "chefes de grupos de
extermínio da Baixada".
Deve-se ter em mente que o elenco de acusações que pesaram sobre o prefeito nunca
foram provadas e muito embora para a realização desse trabalho tenhamos nos deparado
com entrevistados que garantiram terem assistido execuções realizadas com a participação
de Joca, no seu conjunto os depoimentos e as matérias de periódicos locais indicam uma
simples aproximação de Joca com grupos de extermínio. Participações indiretas prevalecem
como testemunhos mais freqüentes em entrevistas: ou seja: pessoas que conviveram com
Joca em diferentes períodos de sua vida lembram que ele era amigo de exterminadores e
que não condenava tal prática, pelo contrário, considerava necessária e bem-vinda a morte
de elementos socialmente problemáticos176. Até nessas considerações não existem
diferenças em relação ao que geralmente a população dos bairros mais pobres da Baixada
pensam. Novamente Joca destaca-se pela sua proximidade com o que chamava de "seu
povo", podendo-se entender que ele incentivava as ações de justiçamento. De qualquer
maneira as acusações de participação em grupos de extermínio e em receptação de cargas
roubadas mais freqüentes nos jornais locais a partir da saída de Joca do PDT e da sua
entrada no PL, servem para mostrar os efeitos de um rompimento entre Joca e a elite
política local. Ser verdade ou não tais acusações é algo pouco relevante na medida em que
o que importa para nós é entender de que maneira ocorria a interação entre Joca e a
população de Belford Roxo.
5 - O governador da Baixada
175 Na linguagem policial dá-se o nome de "apara" ao ato de receptar carga roubada. A promotora Tânia Maria Sales Moreira, que investigava a ação dos grupos de extermínio na Baixada apontou Joca em 1985 como chefe de grupo de extermínio e receptor de cargas roubadas. Entretanto ele nunca foi a julgamento devido a falta de provas. Jornal de Hoje, 22/06/95, p.03. A176 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAIST.M. Entrevista concedida em
12/09/1995Dados não disponíveis
112
Uma das primeiras aparições públicas de Joca como prefeito foi para, juntamente
com um grupo de fiscais improvisados, fechar estabelecimentos comerciais em que as
licenças de funcionamento não estivessem pagas. Recheadas com fotos do próprio prefeito
lacrando lojas, as edições de jornais regionais do dia seguinte anunciavam a inauguração de
um "novo tempo"177.
Comparado com o tempo anterior, este diferenciava-se pela observância de regras
básicas, como a fiscalização do pagamento de impostos, o condicionamento de novas
construções à liberação de plantas na prefeitura e ao pagamento de taxas, e, principalmente,
a extensão dos serviços públicos básicos a parte mais pobre da população belfordroxense.
Caminhões destinados a recolher detritos passaram a rodar por Belford Roxo todos os dias,
muros pintados nas cores do novo município (azul e branco), não receberam mais
pichações, ativaram-se antigos postos de saúde e anunciou-se para breve a construção de
outros postos e de um moderno hospital. Prometeu-se a construção de um batalhão da
polícia militar e de mais escolas. Promessas, entretanto, não eram o forte de Joca e por isso
ele se apressou em desapropriar terrenos baldios do centro e de bairros mais populosos que
abrigavam lixeiras transformando-os rapidamente em praças com brinquedos. Uma grande
quantidade de ruas recebeu saneamento e pavimentação e para que fosse diminuída a
periculosidade do trânsito, instalaram-se diversos redutores de velocidade no centro do
município. Enfim, a população tinha motivos para surpreender-se ante a enxurrada de
benfeitorias que de repente caia sobre Belford Roxo. O centro, marcado pela eterna sujeira,
pelas inundações freqüentes, e pelo desrespeito ao espaço público, ganhou uma grande área
de lazer, permanecendo limpo e conservado. Nos bairros o recolhimento do lixo, as obras
de saneamento e as promessas de novos colégios e de melhoria do serviço de saúde e
segurança alimentavam as esperanças da transformação de Belford Roxo em uma “cidade-
modelo”. Para além disso tudo desabavam os índices de violência, excetuando-se aí o
número de homicídios que aumentaram sensivelmente principalmente morrendo pessoas
através de chacinas nitidamente caracterizadas, segundo a polícia, como obra de
justiceiros.178
177 Jornal de Hoje, 03/01/1993, p. 09 Correio de Maxambomba, 05/01/1993178 Jornal de Hoje, 20/03/1993, p. 09
113
Joca assumiu a prefeitura de Belford Roxo em primeiro de março de 1993. Para
alguns entrevistados que o conheceram bem antes da época em que era prefeito, ele por
essa época não lembrava mais o "líder comunitário" de 1983 ou o vereador que em 1989
entendia, apesar do amplo apoio popular, não ser qualificado o suficiente para assumir a
prefeitura de seu município. Ele era, em certos aspectos o contrário de tudo o que havia
sido até ali:
O poder subiu a sua cabeça. Reclamava o tempo todo da preguiça de todo mundo. Visitava colégios municipais para fiscalizar o trabalho das professoras e às vezes humilhava algumas em público. Chegava em postos de saúde antes de todo mundo e ficava esperando para ver se os médicos chegariam tarde. Fazia questão de acompanhar a fiscalização quando dava blitz no comércio. Ele mesmo lacrava as portas das lojas. Irritava-se com qualquer opositor e chegou a bater na cara de um vereador aqui na praça, na frente de todo mundo.179
O comportamento agressivo era explicado por Joca da seguinte maneira:
"Não existia melhor opção que ele para Belford Roxo",179 o que fazia com que
considerasse "Belford Roxo um "brinquedo" seu." 179 Entendendo-se como a única
esperança de salvação para o caos que era o seu município, Joca se notabilizaria pelo
estabelecimento de símbolos que vinculavam sua imagem pessoal ao seu "brinquedo"
(Belford Roxo): o símbolo da sua campanha à prefeitura havia sido um coração. Esse
símbolo pessoal passará a ocupar o centro do Brasão do município, que é um coração
envolto por correntes e uma mensagem que lembra o slogan de campanhas eleitorais de
Joca: "Paz e progresso", as laterais dos pontos de ônibus mandados construir por Joca e
um monumento no centro do novo município.
A estreita vinculação entre Joca e Belford Roxo é, entretanto, melhor entendida
quando lembramos o fato do prefeito ter mandado gravar um coração em um de seus dentes
de ouro e o de ter encomendado um hino oficial que apresentava como tema não o passado
de seu município mas a sua figura comparada no hino a um salvador heróico e solitário:
“Ele chega carregando uma bandeira
18/08/1993, p. 05. 15/11/1993, p. 10, Correio de Maxambomba,18/05/1993, p.0317/12/1993, p.02179 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida
em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador
do bairro da Prata em Belford Roxo
114
Traz o símbolo da ‘paz e liberdade’
Sobe morro, desce morro
Dia-a-dia sem parar
À procura de crianças para ajudar
Olha ele aí, olha ele aí
Sempre ao lado de Deus
Fazendo esse povo feliz
Joca, Joca
Amigo de ontem
Amigo de hoje
Amigo de sempre”180
Ao lado da ampla aprovação popular, acusações sucediam-se: agora ele não era
somente o receptador de cargas roubadas e líder de grupos de extermínio baixadenses.
Também é um voraz consumidor das verbas municipais que encara como seus recursos
pessoais. Alguns inimigos mais corajosos destacam ser a grande quantidade de automóveis
exibidos por Joca e por seus parentes mais próximos incompatível com uma administração
honesta e alguns vereadores reclamam entender o prefeito não poder existir oposição a sua
pessoa e ao seu governo, entendimento que fez com que a casa de alguns deles se
transformasse em alvo de atentados em vésperas de votações de projetos importantes para o
prefeito.181
A cooptação dos vereadores belfordroxenses não se fez, entretanto, sempre sob uma
chuva de balas: em pouco tempo Joca conseguiu eliminar grande parte da oposição que se
fazia a ele de uma maneira que distingue o governo Joca dos antigos governos iguaçuanos
ao mesmo tempo em que possibilita-nos pensar nesse governo como o estabelecedor de um
padrão de gestão levada adiante pelos líderes marginais da região da Baixada Fluminense.
180 Três últimas estrofes de “Mensagem ao tio Joca”, hino oficial do município de Belford Roxo. Jornal de Hoje, Edição de Belford Roxo, 12/11/93 entre os anos de 1993 e 1995. p. 09. Após sua morte o hino oficial do município de Belford Roxo deixou de ser o“Mensagem ao tio Joca", passando a referir-se a fatos históricos ligados ao antigo distrito de Belford Roxo. 181 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAIST.M. Entrevista concedida em
12/09/1995Dados não disponíveis
115
Não muito depois de iniciar seu governo no início de 1993, Joca iniciou negociações
com os empresários belfordroxenses a fim de definir um plano que deveria servir de base
para a "reconstrução de Belford Roxo",182 plano esse que não deveria somente levar em
consideração as verbas municipais mas que deveria contar com a participação de todos os
empresários interessados em obter o apoio do governo municipal, potencial garantidor de
uma expansão econômica dentro do município. Seguindo o discurso de Joca na reunião que
encerrou tais negociações, a existência de oposição era indesejável pois era pouco prática,
propiciando unicamente um excesso de discussão que emperrava o prosseguimento das
medidas emergenciais propostas e efetivadas por Joca. Portanto cada um dos empresários
deveria preocupar-se em doar ao município o que estivesse dentro das suas condições a fim
de permitir à nova prefeitura manter o enorme canteiro de obras em que transformara-se o
ex-distrito iguaçuano.
A multinacional Bayer do Brasil, maior empresa privada da região, ficou encarregada
de organizar a defesa civil municipal, fornecendo para isso sua brigada interna de
bombeiros e doando à prefeitura as viaturas que serviriam ao novo município. Além disso
os vasilhames destinados a abrigar temporariamente o lixo de todo o município tinham
como origem essa multinacional que pintava seus tambores de produtos químicos vazios
com as cores do novo município espalhando-os por todos os bairros. A cooperação entre as
empresas e a prefeitura tornou-se essencial para que Joca se mantivesse como o mestre de
obras que revelou-se durante todo o seu curto governo.
A parceria com as empresas municipais parece ter inspirado Joca no caminho de
transformar a Câmara de Vereadores em sua aliada incondicional. Algo que foi facilitado
pelo fato desse primeiro legislativo municipal belfordroxense ser formado quase
exclusivamente por líderes marginais representantes de grupos de bairros dos quais esses
vereadores dependiam na medida em que "faziam o trabalho social" auxiliando a rede de
182 A Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) mesmo antes da posse de Joca já contribuía com o governo do novo município encomendando ao Instituto Brasileiro de Administração Muniucipal (IBAM) um projeto que quantificava o que todos já sabiam: Belford Roxo era um município que nascia com fontes de renda definidas, porém apresentava uma quantidade enorme de problemas relacionados principalmente ao crescimento desordenado da população que terminou por levar a uma péssima ocupação do solo urbano e ao desaparecimento da pouca infra-estrutura existente no antigo ex-distrito iguaçuano. No seu discurso de agradecimento o prefeito eleito enfatizou a necessidade de realizar um governo integrado no qual os empresários e as associações de moradores deveriam participar de forma efetiva a fim de construir um município forte. Jornal de Hoje, 20/09/1992, p. 07.
116
resolução de problemas práticos, o que os caracterizava portanto, como representantes
distritais diversos de um simples vereador.
Nada melhor para Joca que o loteamento dos bens públicos municipais,
transformados em moedas utilizadas largamente na compra da fidelidade dos vereadores.
Dividindo o município em áreas de atuação, em que o vereador - conforme a sua potencial
fidelidade ou a sua condição econômica - receberia escolas, postos de saúde e ambulâncias
que deveriam ser usadas unicamente no atendimento de necessidades da população dos
bairros responsáveis pela sua eleição. Tal prática transformava os primeiros vereadores
belfordroxenses em clientes políticos de Joca extremamente preocupados em debelar
qualquer sombra de oposição ao líder do poder executivo municipal. Jogada de mestre que
possibilitava ao novo prefeito dividir suas responsabilidades e carrear para si louros de uma
espécie de trabalho de assessoria realizado pelos vereadores.
É possível pensar que a estratégia imaginada e posta em prática por Joca elimina
grande parte da oposição existente na Câmara Municipal. Não significa isso que ele não
continue acumulando desafetos entre a antiga elite política regional e até entre membros de
associações de moradores. Característico desse movimento de criação de inimigos foi a sua
reação à ausência da população de um determinado bairro em uma reunião marcada por ele
na Associação de Moradores. Irado pela ausência dos "principais interessados", os chamará
de preguiçosos e dirá que se fosse para fumar maconha ou cheirar cocaína todos estariam
ali. 183
O talento para criar inimigos políticos é o responsável por diversas versões populares
para a sua morte prematura. A conspiração surgia como motivo recorrente para explicar
essa morte. Dizia-se que ele fora morto à mando do governador Marcello Alencar que
estaria preocupado com o crescimento da sua importância política e também que sua
mulher (a atual prefeita de Belford Roxo Maria Lúcia) mandara matar Joca com a
finalidade de apropriar-se de toda a riqueza que ele acumulara como prefeito de Belford
Roxo.
183 ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTADADOS PESSOAISSILVA, Odmar da. Entrevista concedida
em 28/11/95.Funcionário público, natural do município do Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador
do bairro da Prata em Belford Roxo
117
Apesar de suas estratégias de cooptação, vereadores recalcitrantes mantém-se na
câmara municipal, porém sua oposição não sensibiliza a população espantada com a
substituição do seu tradicional trabalho de auto construção pelo papel de "fiscais da
prefeitura" que Joca passa a atribuir a população de Belford Roxo. Característico desse
novo papel desempenhado pelos belfordroxenses é o seguinte diálogo mantido entre um
morador e a prefeita de Belford Roxo Maria Lúcia, esposa de Joca: "Prefeita, não adianta
jogar asfalto. A tubulação de escoamento tem um diâmetro ridículo. Vai tudo encher
novamente na primeira chuva. Quando o falecido (Joca) passava aqui a gente falava e era
ouvido numa boa. Agora a senhora fica toda alterada. Eu sei que a senhora é boa, mas é
preciso ouvir o povo". Maria Lúcia devolve: "Vocês é que são meus fiscais. Por que não
mandou parar a obra?".184
Acabam surtindo efeito inverso do esperado as acusações de seus oposicionistas na
medida em que acusar Joca de corrupto não demove os belfordroxenses, sobremaneira
interessados em justificar todos os atos do seu líder providencial.
Os pará-choques das inúmeras ambulâncias que Joca mantinha como veículos
essenciais do seu serviço social ostentavam a seguinte frase: "O senhor é meu pastor e
nada me faltará"185. Encontramos três versículos abaixo desse um outro trecho bíblico
capaz de expressar melhor a maneira escolhida pelo primeiro prefeito para conduzir sua
vida política e seu governo: "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte mal
nenhum temeria..."186
Os dois anos e três meses do governo Joca caracterizaram-se pelo extremismo,
especializou-se ele em manter holofotes apontados em sua direção. Tendo diante de si um
município pequeno, densamente povoado, possuidor de diversas fábricas e de uma
atividade comercial média quando comparada a outros municípios da Baixada,187 Joca
demonstrou saber desde o primeiro dia de mandato que a última necessidade de sua gente
era possuir um prefeito burocrático tal como os antigos prefeitos de Nova Iguaçu, alguns 184 Veja Rio, 09/04/1997, p. 10. 185 Salmo 23 versículo 01.186 No mesmo salmo acima citado, o versículo 04.187 Belford Roxo em 1990 possuía 376.000 habitantes espalhados em 73 Km2. Segundo a Associação Comercial e Industrial de Belford Roxo (ACIBER) em setembro de 1992 existiam 400 instalações industriais no município.
118
dos quais originários de Belford Roxo e eleitos, portanto, com amplo apoio desse ex-
distrito.
Inexistindo leis, funcionários necessários a burocracia municipal, Joca iniciou seu
governo de uma maneira improvisada, marcada pela atuação direta. Ele supervisionava
pessoalmente as diversas obras emergenciais como a eliminação dos vazadouros
clandestinos de lixo, a pintura dos muros das cidades e a intimidação aos principais
pichadores que residiam em um dos morros localizados no centro da cidade188.
As ações iniciais de Joca tiveram como marca principal a percepção de que tudo
estava para ser feito e de que a sua missão fundamental era criar um poder público que
pudesse ser definido como presente. Com essa finalidade tornava-se necessário obter
impostos driblando de imediato a primeira grande dificuldade apontada pela prefeitura
iguaçuana que estimava ser de mais de 70% o índice de inadimplência no município189.
Cônscio disso Joca iniciou o esforço no sentido de, por exemplo, regularizar todas as
construções, uma vez que os governos iguaçuanos nunca exigiram regularidade das
construções que oficialmente, portanto, inexistiam, pagando por isso unicamente impostos
territoriais. O conhecimento dessa situação inspirou a sua primeira grande ação pública
como prefeito: fechar o comércio irregular e multar as diversas construções não informadas
à prefeitura.
Arrecadar fundos, abandonar quotidianamente o seu gabinete a fim de acompanhar a
realização das obras que inauguravam o novo município, passam a ser marcas do governo
Joca, conseguindo ele não somente juntar em torno de si o apoio dos belfordroxenses mas
também a admiração da população de outros municípios da Baixada Fluminense, o que fez
com que seu estilo de governo passasse a ser imitado por diversos outros prefeitos dessa
região, contaminando-se de forma definitiva os distritos restantes de Nova Iguaçu com a
idéia de que somente através das emancipações distritais e da eleição de líderes
188 "Subiu no morro e foi falar direto com o chefe do tráfico. Disse que não interferiria no comércio dele desde que ele conseguisse manter a paz por aqui. Perguntou quem eram os pichadores e mandou recado pelo líder do tráfico: a partir daquele dia quem sujasse qualquer prédio na cidade teria de conversar com ele. Acabaram as pichações." ADF. Entrevista concedida em 02/09/1995189 No Correio de Maxambomba de 10/09/1995 o prefeito Altamir Gomes, de Nova Iguaçu, afundado no que ele chamou de a pior crise vivida por Nova Iguaçu desabafou: “A prefeitura não tem condições de sustentar-se. Nenhum governo até hoje preocupou-se em verificar quantos moradores pagam os seus impostos. Nossos levantamentos apontam para uma inadimplência de mais ou menos 70%, e nesse exato momento estão construindo mais casas que nós sequer sabemos que existem. Com as emancipações ficamos com todos os funcionários e perdemos metade da receita. Não temos condições de sobreviver.”
119
identificados com as necessidades populares seria possível resolver os graves problemas
decorrentes das omissões representadas pela prefeitura de Nova Iguaçu.
As ações de Joca como prefeito belfordroxense sobretudo demonstraram uma
profunda ligação com o ideal de auto construção vivenciado exaustivamente pelos
belfordroxenses.
Muito mais que um hábil manipulador de corações e mentes da população do seio da
qual destacou-se, Joca deve ser lido como o produto de um meio de cultura cultivado pelos
próprios belfordroxenses. Ele foi, portanto, um parceiro do seu "povo" no estabelecimento
de uma alternativa ao desprestígio da massa belfordroxense ante os organismos
oficialmente representativos das diversas esferas do poder estatal. Embebido de seu sucesso
popular ele entregou-se a essa população pauperizada habitante de Belford Roxo,
transformando-se em uma espécie espetacular de herói salvador político mesmo antes de
localizar-se no posto máximo do município ao qual ajudou construir.
ANEXO IV
120
VEM AÍ O JOCÃO190
O vereador Jorge Julio - Joca - está em contato com vários empresários de peso, de
todo o Grande Rio, para criar, em Belford Roxo, uma rede de mercadões - os Jocões - com
artigos, não só comestíveis, mas de uso indispensável da população. Seu projeto - a
exemplo do que vem sendo feito em Curitiba pelo prefeito Jaime Lerner - visa reunir num
mesmo espaço, alimentos, roupas, sapatos e utilidades, que os empresários forneceriam, no
caso de industrializados, a preços abaixo dos vigentes na praça. Por exemplo: as chamadas
“pontas de estoques”, desde fogões, rádios, etc., teriam suas lojas, ao lado de roupas, muitas
também fora de linha. A parte alimentar ficaria por conta dos produtores que quisessem
ocupar o espaço, desde que compromissados a venderem por preços acessíveis à maioria da
população. A idéia nasceu dos debates que o vereador, provável candidato do PL a prefeito
de Belford Roxo, no próximo ano, realiza todas as quintas-feiras, em Santa Amélia - na
chamada piscina - com moradores de diferentes bairros.
Dali já surgiram o mutirão para limpeza e conservação de ruas, a construção de
manilhas etc. Tudo feito pelos próprios moradores, aos quais são fornecidos os meios para
sua execução. Com isso, garante Joca, já foram atendidas mais de 600 ruas, desde o Lote
XV ao Centro do novo município, dentro do seu projeto “Adeus às valas negras”. Os mo-
radores, com a brita, areia e cimento e as formas que lhes são fornecidas, também já
construíram e colocaram cerca de 400 manilhas. Paralelamente, o atendimento de saúde é
feito pelas ambulâncias que o vereador adquiriu e colocou sediadas nos bairros de Lote XV,
Vila Paulina, São Bernardo, Interlândia, Heliópolis, Nova Aurora, Areia Branca, Redentor
e Miguel Couto. “Eu sei quanto é dura a vida - diz ele, lembrando que trabalha desde os 6
anos de idade, desde baleiro em trens, a engraxate, carroceiro, motorista até chegar a
proprietário de uma empresa de transportes de cargas. Joca explica que sua saída do PDT
não significa rompimento com o Prefeito Aluísio Gama, a quem continua apoiando na
Câmara e com quem conversou, reservadamente, durante quase duas horas na quarta-feira.
190 Jornal de Hoje, 12/12/1991, p. 03.
121
CONCLUSÃO
No centro da cidade baixadense de Nova Iguaçu, na praça da Liberdade mais
precisamente, ergue-se um monumento à memória do Comendador Francisco Soares de
Souza Mello. Morto no século XIX, este ilustre componente de uma grande família de
latifundiários, considerado pelos memorialistas regionais um dos principais responsáveis
pela emancipação da antiga vila de Iguassú, é lembrado unicamente na data do aniversário
de emancipação da cidade191, ocasião em que o prefeito iguaçuano assiste - quase sozinho -
a uma missa na Catedral de Santo Antônio de Jacutinga e depois leva algumas flores ao
obelisco localizado no centro da praça.192
Embora praticamente esquecido, o Comendador Soares é um morto privilegiado pois
dos seus pares políticos nem sequer um monumento desgastado ergueu-se em toda a cidade.
Ao Comendador homenageou-se com o nome de um bairro de uma rua e com o
monumento citado.
191 Em 09 de janeiro de 1833 a então vila de Iguassú ganhou status de município.192 Jornal de Hoje, 10/01/1995, p.06.
122
A maneira de fazer-se política dos políticos representante das elites regionais da
região da Baixada Fluminense teve poucas chances de prosperar entre os migrantes
habitantes dessa região.
A maneira informal, violenta, porém eficiente de encarar-se a política levada a cabo
pela liderança marginal surgida nessa região vale bem mais que o mais correto ato de
políticos mantenedores de costumes tradicionais e que colocam-se como o modelo de
bondade e justiça a ser seguido.
Enfim, segregados e condenados a auto construírem casas e equipamentos urbanos, os
homens dos loteamentos desenvolveram durante todos estes anos de ocupação e
esquecimento um conjunto de atitudes defensivas que tornaram em caminho inóspito para a
política tradicional a lama sobre a qual assenta-se a Baixada Fluminense.
A inércia ante a política tradicional não foi substituída, como se poderia esperar, pelo
abraço à reivindicação dos direitos. Na realidade são também desprezados aqueles partidos
e agentes políticos que elegem como discurso um ideal não muito visível. Idealismos não
fazem sucesso entre baixadenses médios.
Abraça-se, empurrado pelas circunstâncias, a auto construção, a aceitação das
adversidades como algo natural, ao desprezo pela reivindicação dos direitos, pelas fórmulas
políticas tradicionais e a eleição dos líderes marginais como a solução auxiliar de uma rede
de resolução de problemas práticos suadamente construída e mantida pelos moradores dos
bairros originários da junção dos diversos loteamentos urbanos "invasores" desse antigo
"celeiro fluminense" com a finalidade de amenizarem-se os efeitos adversos da ausência de
ações sociais capitaneadas pelo Estado.
A auto resolução de problemas urbanos está na origem das diversas emancipações
municipais ocorridas na região da Baixada Fluminense a partir do momento em que a
Assembléia Constituinte de 1988 facilitou as autonomizações distritais, possibilitando a
criação de novas municipalidades. O desejo de grupos elitistas distritais de criar novas
máquinas políticas existiu - e essas novas máquinas foram criadas com efeito - porém é
sobretudo perceptível no novo município de Belford Roxo o início de um processo que
123
propagou-se por grande parte da região da Baixada: o novo município criado não teve como
ocupante do poder executivo e da câmara de vereadores representantes da elite política
regional. Um líder popular (chamado no nosso trabalho de marginal) submeteu os
candidatos representantes da elite regional. Tal processo de inversão193 equivale à vitória
das ideologias populares baixadenses, configurando a inauguração de um novo estilo de
governo, onde passam a pesar junto às autoridades municipais as formas de resolução de
problemas vivenciadas pelas comunidades baixadenses.
Poder-se-ia alegar que o surgimento da liderança marginal como assessora das ações
levadas adiante pela rede de resolução de problemas práticos corresponderia a uma
contaminação desse organismo popular pelo clientelismo tão característico da política
brasileira. Tal alegação revelaria dois erros facilmente perceptíveis. O primeiro seria o de
se pensar na rede de resolução de problemas práticos como algo puro. O segundo seria
considerar como unicamente negativas todas as relações clientelísticas.
É óbvio que os líderes marginais imiscuem-se na rede com a intenção final de auferir
maior capital político através do aumento do seu poder de doação194, o que não se deve
deixar de observar na Baixada é que o líder marginal é um elemento da própria
comunidade, não deixando em momento algum de dialogar com as suas "bases"195 o "seu
povo" ou os seus "vizinhos". Se por um lado a população baixadenses perde parte da sua
autonomia ao relacionar-se com o político marginal, por outro lado ela possibilita a
pavimentação de caminhos que podem conduzi-la ao outrora distante poder público. Aliás,
no caso específico da Baixada e mais especificamente de Belford Roxo e do prefeito Joca, o
líder marginal não é exatamente um pavimentador de acessos,196 ele assume o papel de um
construtor não unicamente do caminho entre população e governos mas construtor da
própria estrutura governamental do novo município.
Eleito em 1992 prefeito de Belford Roxo com uma votação esmagadoramente
convincente (mais de 80% dos votos válidos), Joca não decepcionou o seu "povo"
exatamente por não ter se julgado superior aos seus "vizinhos". Ao contrário disso ele
193 No caso de Joca a inversão foi bastante nítida, uma vez que em 1990 seria vice em uma chapa encabeçada por um representante da tradicional elite local (Ediraldo Gomes). Em 1992 acabou transformando-se em cabeça de chapa tendo como vice um outro representante da elite política local (Ricardo Gaspar). 194 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. p.135195 BEZERRA, Marcos Otávio. Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1999.196 KUSCHNIR, Karina. O cotidiano da política. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. P 88-107.
124
lançou mão da prática quotidianamente experimentada na Baixada Fluminense de auto
resolver problemas para estender o serviço que já realizava entre 1988 e 1992 como
vereador iguaçuano. Chamando-se um "prefeito mestre de obras"197, Joca desde o início de
seu governo se notabilizou por estabelecer-se como aquele que ouvia o "seu povo". Mas do
que ouvir ele chamava homens e mulheres de Belford Roxo de "seus fiscais". Não se
negando a atender os apelos populares, Joca até a sua morte não deixou de auxiliar a
população belfordroxense quando alguma comunidade pertencente a essa população
sugeria a organização de mutirões que resolvessem imediatamente qualquer problema
urbano.
Enfim, as formas de atuação do prefeito Joca diferiram frontalmente da maneira de
ação dos políticos representante das elites regionais da Baixada. Isso não quer dizer que ele
não lançasse mão em momentos especiais de práticas antigas como a distribuição de
materiais de construção, de cestas básicas e de sopas, tornando-se famosas as suas
ambulâncias. O atendimento no caso de Joca, entretanto, foi algo paralelo, servindo
principalmente para possibilitar a eleição de indivíduos ligados a ele. Ao contrário de
Tenório Cavalcanti, com o qual era constantemente comparado, Joca não se destacava por
ser um assistencialista contumaz. Seu sucesso devia-se muito mais a sua capacidade de
construir um novo município a partir das "cinzas". Ao seu caráter organizador e
desbravador.
O momento trágico da morte de Joca fez parecer que sua figura caminhava para uma
mitificação política. A comoção popular fortalecia a certeza de que o caráter inovador de
Joca não conseguiria um substituto. De uma certa maneira isso corresponde a realidade,
pode-se pensar que o patrimônio político de Joca foi dilapidado de tal maneira que ele não
conseguiu repetir a façanha de, mesmo morto, servir como cabo eleitoral de um grande
número de candidatos, algo alcançado facilmente em 1996, quando "conseguiu" eleger sua
esposa como prefeita de Belford Roxo. É correto então pensar que o herói salvador Joca
não teve a sua herança política bem cuidada. Na memória popular Joca, embora não tenha
desaparecido, eclipsou-se.
197 Jornal de Hoje, 23/01/1993
125
Constituí-se também em uma verdade que a ausência de prosseguimento do processo
de mitificação política não implica na negação de que Joca tenha sido um herói salvador
girardiano. Inserido à força em um mundo caótico (Joca era migrante), ele revoltou-se com
essa situação inserindo-se na rede de resolução de problemas práticos como um elemento
transformador. Aproveitando-se dos espaços vazios deixadas pelo Estado, Joca acabou se
transformando em um líder marginal capaz de elevar-se politicamente até chegar ao cargo
máximo de seu município. Pensar que mesmo com o esquecimento ou com a ausência de
mitificação política Joca continua sendo um herói salvador, nasce do fato de entendermos
que o primeiro prefeito era para a população belfordroxense um símbolo gerado pela
comprovação de que a rede poderia ser eficiente e de que a maneira de resolver problemas
na região da Baixada Fluminense constituía-se em algo sui generis.
Tínhamos a intenção de, acompanhando a trajetória política de Joca, estabelecer um
padrão de comportamento político da população da Baixada Fluminense. O risco que
corríamos ao se fazer mover a investigação era perceber ser verdadeiro o que o senso-
comum anunciava sobre o baixadense. Caso comprovássemos isso a conclusão deveria ser
mais ou menos assim:
Os baixadenses são indolentes, alienados e, portanto, facilmente manipuláveis pelas elites políticas brasileiras. Constituem-se em elementos comuns pertencentes às massas de manobra. A sua distância do poder público é culpa exclusivamente sua, pois, devido a sua alienação política, não conseguiram desenvolver a capacidade de indignar-se e reivindicar seus direitos."
Bastante distante disso, concluímos que os baixadenses constituem-se em seres que
desenvolveram ideologias próprias. Chamamos nos limites desse trabalho essas ideologias
de populares não simplesmente por terem elas se originado de uma população subalterna
porém por se oporem elas às ideologias oficiais.
É estranho pensar na formação de ideologias em uma região caótica como a Baixada.
Mas tal estranheza só existe quando se pensa na conceituação clássica de ideologia. Se se
iguala ideologias populares a reações ante ataques vindos de cima, é possível e desejável
dizer-se que a região da Baixada Fluminense comporta uma população que se organiza
126
levando sempre em consideração os espaços deixados vazios pelo poder público em suas
diversas esferas.
Na realidade esse trabalho pretendeu mostrar essa organização de espaço por parte
dos elementos populares da Baixada Fluminense e de como tal organização espacial
permitiu o surgimento de algo que em momento algum suplantou a própria organização
popular. Daí pensarmos que os esforços de mitificação política do prefeito Joca também
não alcançaram um sucesso permanente por representar ele unicamente uma maneira
popular de se resolver problemas práticos. Muito mais que agente, Joca era um fio
condutor, potente, é verdade, porém no limite, ele mesmo era descartável.
Com ou sem Joca a rede de resolução de problemas práticos continua a existir,
tornando a Baixada em um lugar tolerável para se viver.
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A constatação de que alguns entrevistados sentiam-se incomodados ao saberem que
suas falas estavam sendo gravadas, levou-nos a somente gravar entrevistas daqueles que
não se recusassem a isso, ou que não demonstrassem inibição ante o gravador. Isso fez com
que boa parte das entrevistas fosse realizada sem a utilização de gravações, só existindo de
boa parte da entrevistas transcrições resultantes de apontamentos.
ENTREVISTADO / DATA DA ENTREVISTA DADOS PESSOAIS
1. A.D.F. Entrevista Concedida em 09/09/1995 Não disponíveis
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Operário da construção civil natural de
Pernambuco, nascido em 06/09/1942, morador do
bairro de Areia Branca em Belford Roxo.
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09/06/1998
Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo
nascido em 08/03/1940, morador do bairro Palhada
em Nova Iguaçu.
4. ARAÚJO, José. Entrevista concedida em 12/12/1997 Pequeno comerciante, natural de Minas Gerais,
nascido em 04/04/1962, morador do bairro Paraíso em
Queimados.
5. BARCELOS, Vítor Augusto. Entrevista concedida em
10/09/1999
Mestre de obras, natural do interior Fluminense,
nascido em 10/10/1957, morador do bairro de Piam
em Belford Roxo.
6. CABRAL, João Meirelles. Entrevista concedida em
19/05/1998
Aposentado da indústria química, natural do
Espírito Santo nascido em 14/09/1942, morador do
bairro de Interlância em Belford Roxo.
7. CORDEIRO, Lílian Expedito. Entrevista concedida em
22/07/1998
Auxiliar de serviços gerais, natural de Alagoas,
nascida em 01/01/1958, moradora do bairro de Bom
132
Pastor em Belford Roxo.,
8. CORRÊA, Odília de Freitas. Entrevista concedida em
10/09/1998
Empregada doméstica, natural do interior
Fluminense, nascido em 09/03/1960, moradora do
bairro de Nova Píam em Belford Roxo
9. FERNANDES, Paulo. Entrevista concedida em
02/09/1998.
Operário do setor químico, natural de Nova
Iguaçu, nascido em 28/06/1964, morador do bairro da
Prata em Belford Roxo
10. FREITAS, Otacílio José de. Entrevista concedida em
21/11/95
Vendedor ambulante, natural do Espírito Santo
nascido em 08/03/1960, morador do bairro de Bom
Pastor em Belford Roxo
11. GIL, Jorge de Souza. Entrevista concedida em
10/10/1998
Servente de pedreiro, natural de Pernambuco,
nascido em 18/02/1954, morador do bairro de Bom
Pastor em Belford Roxo
12. GÓIS, Caio Silveira. Entrevista concedida em
13/08/1998
Pedreiro , natural do Piauí, nascido em
08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford
Roxo
13. GUIMARÃES, Maria Teixeira. Entrevista concedida
em 02/09/1995.
Doméstica, natural do Rio de Janeiro, nascida
em 08/03/1960, moradora do Morro da Cocada em
Belford Roxo,
14. LEITE, Antonio de Souza. Entrevistas concedidas em
21/08/1995 e em 01/12/95
Estivador aposentado, natural de Pernambuco,
nascido em 08/03/1933, morador do bairro de
Chatuba em Mesquita
15. MATOS, Fernando Ferreira. Entrevista concedida em
09/04/99.
Comerciário , natural de Duque de Caxias,
nascido em 11/05/1983, morador do bairro de Lote
XV em Belford Roxo
16. MEDEIROS, Matheus Eulálio da Silva. Entrevista
concedida em 09/06/1998
Pedreiro , natural do Piauí, nascido em
08/03/1960, morador do bairro da Prata em Belford
Roxo
17. MONTEIRO, Florêncio Marcos. Entrevista concedida
em 23/11/95
Mestre de obras , natural do interior do Rio de
Janeiro, nascido em 28/01/1950, morador do bairro
Xavante em Belford Roxo
133
18. MOREIRA, João da Silva. Entrevista concedida em
30/06/1998
Ladrilheiro , natural do município do Rio de
Janeiro, nascido em 31/07/1946, morador do bairro da
Prata em Belford Roxo
19. NOVAES, Guilherme Antônio. Entrevista concedida em
10/10/95.
Aposentado do setor químico, natural do interior
do estado do Rio de Janeiro, nascido em 08/03/1948,
morador do bairro da Prata em Belford Roxo
20. NOVAES, Mário Geraldo . Entrevista concedida em
02/09/1995
Funcionário público aposentado , natural de
Alagoas, nascido em 08/03/1940, morador do bairro
de Areia Branca em Belford Roxo
21. PAULINO, José Mota. Entrevista concedida em
01/04/1998
Pedreiro , natural do Pará, nascido em
08/03/1949, morador do bairro de Babi em Belford
Roxo
22. PEREIRA, José da Silva. Entrevista concedida em
03/06/1994
Servente de pedreiro, natural de Pernambuco,
nascido em 06/04/1960, morador do bairro de Lote
XV em Belford Roxo
23. PEREIRA, Kléber Gervásio. Entrevista concedida em
11/06/1998
Motorista, natural do Ceará, nascido em
05/03/1955, morador do bairro de Xangrilá em
Belford Roxo
24. PESSANHA, Capitiliano Ferreira. Entrevista concedida
em 07/07/1998
Motorista, natural do Piauí, nascido em
08/04/1967, morador do bairro Xavante em Belford
Roxo
25. PIRES, Marcelino de Freitas. Entrevista concedida em
12/04/1997.
Vendedor ambulante, natural de Minas Gerais,
nascido em 19/11/1949, morador do bairro de
Andrade de Araújo em Belford Roxo
26. QUEIROZ, Fabiano da Silva. Entrevista concedida em 29/10/98. Comerciário, natural de Belford Roxo, nascido
em 20/12/1983, morador do bairro Barro Vermelho
em Belford Roxo
27. QUEIROZ, Jorge. Entrevista concedida em 29/10/95. Eletricista, natural de Belford Roxo, nascido em
25/12/1964, morador do bairro da Prata em Belford
Roxo
28. RIBEIRO, Fátima Silva. Entrevista concedida em Empregada doméstica, natural do município do
134
10/03/1998 Rio de Janeiro, nascida em 30/06/1951, moradora do
bairro Belmonte em Queimados
29. SANTOS, Clenio de Lima. Entrevista concedida em
01/11/1995
Aposentado do setor químico, natural de
Pernambuco, nascido em 02/04/1945, morador do
Morro da Cocada em Belford Roxo
30. SANTOS, Jorge Costa. Entrevista concedida em
10/05/1998
Fiscal de Ônibus, natural do município do Rio
de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador do bairro
da Prata em Belford Roxo
31. SILVA, Marcos Vinícius da. Entrevista concedida em
02/09/1998
Vendedor ambulante, natural do município do
Rio de Janeiro, nascido em 30/10/1968, morador do
bairro Bom Pastor em Belford Roxo
32. SILVA, Odmar da. Entrevista concedida em 28/11/95. Funcionário público, natural do município do
Rio de Janeiro, nascido em 30/06/1951, morador do
bairro da Prata em Belford Roxo
33. SILVA, Raul Leonardo. Entrevista concedida em
29/03/99.
Porteiro, natural de Ceará, nascido em
30/06/1949, morador do morro da Galinha em Belford
Roxo
34. SOUZA, José Francisco de Souza. Entrevista concedida
em 17/09/1998
Auxiliar de serviços gerais, natural de Nova
Iguaçu, nascido em 01/01/1971, morador do bairro
Farrula em Belford Roxo
35. T.M. Entrevista concedida em 12/09/1995 Dados não disponíveis
3 - Periódicos
PERIÓDICO INTERVALO
S TEMPORAIS
ASSUNTOS EXPLORADOS
1. Jornal de Hoje (a)1970-
1980 /(b) 1988-
1995
(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória
pública de Joca e as sucessivas divisões municipais
2. Jornal do Brasil 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
135
municipais
3. Jornal Hora H 1993-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
municipais
4. Jornal O Correio de
Maxambomba
(a)1950-
1980 /(b) 1988-
1995
(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória
pública de Joca e as sucessivas divisões municipais
5. O Correio da Lavoura (a)1950-
1980 /(b) 1988-
1995
(a) o processo de ocupação da região, (b) a trajetória
pública de Joca e as sucessivas divisões municipais
6. O Dia 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
municipais
7. O Globo 1988-1999 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
municipais
8. Revista Ilustrada 1988-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
municipais
9. ZM notícias. 1993-1995 A trajetória pública de Joca e as sucessivas divisões
municipais
4 - Internet
(http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm) - Site "CIDADES" do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
136