dissertação - rev 11d - leitura

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FUNDAO GETLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA CENTRO DE FORMAO ACADMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAO

DISSERTAO APRESENTADA POR FRANCISCA CANDIDA CANDEIAS DE MORAES

UM ESTUDO SOBRE A AUTOSUSTENTAO FINANCEIRA DAS ORGANIZAES NO GOVERNAMENTAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADMICO: FERNANDO G. TENRIO PROJETO ACEITO EM: / /01

__________________________________________________________ ASSINATURA DO PROFESSOR ORIENTADOR ACADMICO __________________________________________________________ ASSINATURA DO CHEFE DO CENTRO DE FORMAO ACADMICA E PESQUISA

Moraes, Francisca Candida Candeias de Um estudo sobre a autosustentao financeira das organizaes no governamentais / Francisca Candida Candeias de Moraes - Rio de Janeiro; A Autora; 2002 XXX folhas: il.; fig., tab., quadros Dissertao (mestrado) - Fundao Getulio Vargas. Centro de Formao Acadmica e Pesquisa, 2002 Inclui bibliografia e apndices. 1. Organizaes No-Governamentais (ONGs) sustentabilidade. 2. Organizaes No-Governamentais (ONGs) - captao de recursos. 3. Administrao - Gesto de Organizaes Sem Fins Lucrativos. 4.

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FUNDAO GETLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA CENTRO DE FORMAO ACADMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAO

UM ESTUDO SOBRE A AUTOSUSTENTAO FINANCEIRA DAS ORGANIZAES NO GOVERNAMENTAIS Francisca Candida Candeias de Moraes

Dissertao submetida ao corpo docente do Curso de Mestrado em Administrao da Fundao Getulio Vargas do Rio de Janeiro e aprovada em 31 de julho de 2002. Banca Examinadora

Professor: Fernando G. Tenrio - orientador

Professor Luiz Carlos Merege -examinador externo

Prof. Paulo Reis - examinador interno

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minha me, exemplo de mulher, que abriu mo de viver sua vida para que seus filhos pudessem viver integralmente as suas. Ao meu pai, que com toda sua simplicidade, me ensinou a acreditar nos sonhos e na aventura de viver. Aos meus irmos Sonia, Cludia, Dagoberto, Humberto, Liliane e Ariane e sobrinhos Juliana, Douglas, Grazielli, Michael, Bruno, Bianca, Tamara e Larissa, que suportaram com saudades a distncia da tia e irm na busca de um sonho. E especialmente ao Armnio, que entre luz e sombra, sabe me fazer feliz...

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AGRADECIMENTOS

Fundao Getulio Vargas, pela oportunidade de realizar um trabalho de relevncia para a consolidao da democracia e para o desenvolvimento social e humano. Especialmente ao Professor Fernando Tenrio, pela transmisso de contedo, pelo apoio ao desenvolvimento do tema, do trabalho e pelo exemplo de vida. A todos os professores do Mestrado da Fundao Getulio Vargas, pelos ensinamentos recebidos, que muito contriburam para meu crescimento profissional e pessoal. Aos entrevistados das organizaes pesquisadas e financiadores, relacionados no anexo, pela confiana depositada e pelo substancial volume de informaes fornecido. Aos grandes amigos e companheiros da RITS, em especial a Carlos Cuenca e Srgio Goes, que acreditaram em minha competncia e proporcionaram-me a chance de vivenciar a gesto de uma organizao como a RITS Rede de Informaes para o Terceiro Setor, Liliane Reis, que ajudou-me na concepo do projeto e da pesquisa, Carlos Alberto Afonso, vulgo CA, que contribuiu significativamente na definio do foco da pesquisa e no contato com as organizaes e Paulo Lima, que fez nascer a semente que futuramente ampliar minha pesquisa para mbito nacional em uma tese de doutorado, Paulo Haus, amigo e companheiro de luta para o fortalecimento da gesto do Terceiro Setor, pelas contribuies de alto nvel que tornaram possvel entender os complexos mecanismos legais que envolvem a gesto do segmento e Cssio Martinho, que contribuiu para meu entendimento e anlise dos aspectos das redes institucionais que afetam a articulao de organizaes sem fins lucrativos.

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APRESENTAO

As instituies do Terceiro Setor tm ocupado um espao relevante no atendimento s necessidades da populao mais carente e no desenvolvimento social e humano brasileiro, sendo de fundamental importncia que possam contar com estratgias capazes de garantir sua continuidade. O desafio proposto para este trabalho foi identificar os principais aspectos relacionados obteno de recursos que subsidiam o atingimento da misso institucional das organizaes sem fins lucrativos e as diferentes formas com que as mesmas obtm, controlam e aplicam os recursos obtidos, pblicos e privados, nacionais e internacionais. O estudo foi desenvolvido com base na hiptese de que, pressupondo que grande parte dessas instituies depende de recursos externos normalmente condicionados aplicao na execuo de atividades finalsticas - e que o segmento possui valores e caractersticas prprios que limitam o recebimento de recursos, a evoluo da instituio estar condicionada capacidade de gerao de recursos. Para anlise da questo abordada neste trabalho, foi escolhida como referncia principal a RITS - Rede de Informaes para o Terceiro Setor, estando prevista como amostra complementar mais cinco organizaes de destaque pelo sucesso e tempo de existncia, sob o foco de duas linhas de atuao: a) a dependncia de recursos externos, decorrente da prestao de servios fundamentais diretamente ao usurio final; b) capacidade de obteno de recursos prprios, proporcionada pela realizao de atividades geradoras de receitas com a venda de produtos ou servios, associaes e doaes. Com o objetivo de identificar questes especficas dessas instituies que possibilitaram seu sucesso - aqui definido como a capacidade de atuar de forma consistente, fortalecendo a organizao ao longo do tempo, sem conspurcar a misso, objetivos e valores - foi realizada uma pesquisa simplificada com um grupo de 56 ONGs, na qual se buscou identificar as dificuldades de que as mesmas enfrentam as similaridades e diferenas com as organizaes da amostra.

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O captulo 1 apresenta o contexto geral considerado no estudo: o cenrio histrico, os principais aspectos que lhe deram origem, as caractersticas bsicas e o enfoque adotado para a pesquisa. O Captulo 2 apresenta uma viso geral dos modelos, tipos de financiamento e o papel desempenhado pelos agentes financiadores na sustentabilidade, a conceituao adotada e sua contextualizao como uma estratgia de continuidade institucional que extrapola a obteno de recursos. No Captulo 3 encontra-se o referencial terico considerado no estudo, itemizado de acordo com os aspectos que tm maior relevncia quando se analisa a sustentabilidade como uma forma de fortalecimento das instituies - enfoque no qual a obteno de recursos ocupa um papel importante mas no nico, ocorrendo em consequncia de uma srie de aes internas e externas, sendo uma decorrncia da busca de parceiros para a causa. O Captulo 4 apresenta uma viso global sobre os financiadores dessas organizaes, tendo sido escolhida uma amostra para anlise do papel dos mesmos na sustentabilidade. O Captulo 5 aborda outras instituies importantes para o segmento, que atuam no fortalecimento ou financiamento de aes das organizaes sem fins lucrativos. No Captulo 6 so apresentados, para cada uma das organizaes analisadas em profundidade, as principais caractersticas da pesquisa, os dados levantados e analisados no estudo: informaes de identificao, perfil e histrico, descrio do modelo de financiamento, forma como a organizao planeja, controla e aplica os recursos obtidos, anlise da relao entre a gerao de recursos e dependncia de recursos externos, mecanismos utilizados na captao para garantir a misso e valores institucionais, aspectos da gesto financeira que influenciaram no seu sucesso ou insucesso, tcnicas e metodologias adotadas para a avaliao de custos e sua relao com os preos adotados e outros pontos de destaque para o sucesso das mesmas. Inclui, tambm uma viso geral sobre a pesquisa complementar simplificada, realizada com instituies de menor porte, cujos resultados serviram de contraponto para a anlise.7

No Captulo 7 feita a anlise cruzada dos dados obtidos ao longo do estudo, na qual so comparadas as informaes das instituies analisadas em cada um dos pontos descritos anteriormente e concluses da pesquisadora nesses aspectos. O Captulo 8 demonstra as principais concluses do trabalho, que possam ser utilizadas por outras instituies do segmento, de forma a contribuir para a anlise da sustentabilidade institucional. No Captulo 9 apresentado o glossrio, contendo as principais terminologias adotadas no estudo; a bibliografia consta do Captulo 10, assim como uma lista de obras complementares para o estudo da sustentabilidade de instituies sem fins lucrativos e os endereos de sites na Internet nos quais foram obtidas informaes citadas durante o trabalho .

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SUMRIO1. INTRODUO .............................................................................................................................................. 11 2. SUSTENTABILIDADE COMO UM CONCEITO AMPLO ...................................................................... 25 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 3.1. 3.2. 3.3. 3.4. 3.5. 3.6. 3.7. 3.8. 3.9. 3.10. 3.11. 3.12. 3.13. Conceituando Sustentabilidade.............................................................................................................. 25 Sustentabilidade Alm da Obteno de Recursos.................................................................................. 27 Modelos de financiamento..................................................................................................................... 31 Tipos de Financiamento......................................................................................................................... 33 Agentes Financiadores........................................................................................................................... 37 O papel dos financiadores no fortalecimento institucional.................................................................... 39 Especificidades das Organizaes sem Fins Lucrativos ........................................................................ 43 Transparncia ........................................................................................................................................ 47 Atuao em rede .................................................................................................................................... 48 Planejamento, Controle e Apresentao dos Resultados ....................................................................... 49 Desenvolvimento Institucional x Desenvolvimento Organizacional..................................................... 54 Capacidade de obteno de recursos ..................................................................................................... 56 Dependncia de Recursos Externos Instituio .................................................................................. 59 Auto-Sustentabilidade x Misso Institucional"...................................................................................... 63 Gesto Interna........................................................................................................................................ 66 Aspectos Relevantes da Gesto Financeira, Tributria e Contbil ........................................................ 71 Gesto de Recursos Humanos ............................................................................................................... 75 Processo Decisrio ................................................................................................................................ 79 Marketing Social e Responsabilidade Social......................................................................................... 80

3. REFERENCIAL PARA O ESTUDO............................................................................................................. 43

4. O OUTRO LADO DA BALANA: OS FINANCIADORES ...................................................................... 84 5. OUTRAS ORGANIZAES RELACIONADAS AO TERCEIRO SETOR......................................... 104 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5. ABONG Associao Brasileira de Organizaes no Governamentais ........................................... 105 COMUNIDADE SOLIDRIA ........................................................................................................... 112 ABCR Associao Brasileira de Captadores de Recursos................................................................ 118 GIFE - Grupo de Institutos, Fundaes e Empresas ............................................................................ 124 Instituto Ethos de Responsabilidade Social ......................................................................................... 130

6. A SUSTENTABILIDADE NA PRTICA COTIDIANA .......................................................................... 138 6.1. A Pesquisa ........................................................................................................................................... 138 6.2. Principais pontos pesquisados nas organizaes ................................................................................. 142 6.3. Os Caminhos Trilhados pelas Organizaes ....................................................................................... 145 RITS Rede de Informaes para o Terceiro Setor.................................................................................... 146 FASE - Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional ....................................................... 170 ABIA Associao Brasileira Interdisciplinar de AIDS............................................................................. 187 ABDL Associao Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranas .................................................... 204 IBASE - Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas.................................................................. 220 CDI - Comit para Democratizao da Informtica................................................................................... 241 6.4. Pesquisa Complementar Simplificada ................................................................................................. 255 7. ANLISE COMPARATIVA ENTRE AS INSTITUIES PESQUISADAS .................................... 288 7.1. Identificao e perfil da organizao ........................................................................................................ 296 7.2. Modelo de Financiamento ........................................................................................................................ 302 7.3. Forma de planejamento, controle e aplicao dos recursos obtidos ......................................................... 308 7.4. Gerao de recursos x dependncia de recursos externos......................................................................... 312 7.5. Mecanismos para resguardar os objetivos sociais e os valores................................................................. 320 7.6. Aspectos da gesto financeira da instituio que influenciaram no sucesso ou insucesso ....................... 325 7.7. Metodologias utilizadas para avaliao de custos x preo........................................................................ 331 7.8. Pontos de destaque para o sucesso da organizao................................................................................... 335 7.9. Financiadores............................................................................................................................................ 342 7.10. Outras instituies .................................................................................................................................. 347 9

8. 9. 10.

CONCLUSES...................................................................................................................................... 354 GLOSSRIO ......................................................................................................................................... 382 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................................. 385

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA PARA O ESTUDO DO TEMA......................................................... 390 PGINAS NA INTERNET (SITES) CITADAS NO ESTUDO..................................................................... 395 ANEXO I - RELAO DE SMBOLOS E ABREVIATURAS UTILIZADAS .......................................... 396 ANEXO II - RELAO DE ENTREVISTADOS.......................................................................................... 398 ANEXO III - RELAO DE ONGS RESPONDENTES DA PESQUISA SIMPLIFICADA.................... 400 ANEXO IV - RELAO DE TABELAS........................................................................................................ 402 ANEXO V - RELAO DE FIGURAS .......................................................................................................... 403 ANEXO VI CDIGO DE TICA E PADRES DA PRTICA PROFISSIONAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE CAPTADORES DE RECURSOS - ABCR...................................................................... 404 ANEXO VII ESTATUTO DOS DIREITOS DO DOADOR....................................................................... 407 ANEXO VIII ROTEIRO DE ENTREVISTA UTILIZADO ...................................................................... 409 ANEXO IX MODELO DO QUESTIONRIO SIMPLIFICADO APLICADO....................................... 414

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1. INTRODUO

Ao longo da histria da humanidade, o homem buscou alternativas de organizao social que garantissem o cumprimento de regras gerais, capazes de maximizar os benefcios para todos, trocando vantagens pessoais pelo bem comum. Uma das formas de organizao mais duradoura desde os primrdios o Estado, que, desde sua criao, desenvolveu vrias posturas em relao ao cidado, passando pelo paternalismo completo at a atuao como simples regulador do mercado em algumas atividades. No Brasil, durante o perodo colonial, a sociedade esteve centrada em torno das grandes fazendas, na qual preponderava o clientelismo, onde a sobrevivncia dos homens livres s poderia ser garantida com o estabelecimento de relaes de dependncia entre estes e os donos dos meios de produo. De grande importncia nesse perodo foi o poder da Igreja Catlica, que possua ascendncia at mesmo sobre os reis de Portugal nas novas terras, intervindo poltica e religiosamente no pas. Esses quatro sculos de dominao s comearam a mudar a partir do processo de independncia poltica iniciado no final do sculo XVIII, em um cenrio marcado pelo escravismo e pelo paternalismo; as transformaes industriais que se seguiram foram preponderantemente negociadas pelos setores dominantes, dentro do processo de "modernizao conservadora", mantendo-se a estrutura agrria e o paternalismo e o Estado ocupando um papel primordial. Esse cenrio mostrava-se claramente inspito para que fosse possvel surgir associaes voluntrias, autnomas para prestao de servios de carter pblico e, por outro lado, qualquer atividade nesse sentido teria que ter participao central da Igreja, que, tal qual um rgo pblico, atravs de seus rituais atribuam reconhecimento social do indivduo e respondiam, com o aval do Estado, pela promoo da assistncia social, do ensino e da sade. Nesse perodo estiveram mesclados os aspectos pblico, privado, confessional e civil e a assistncia populao era feita atravs da lgica da autoridade tradicional, onde os "senhores" protegem os "pobres".

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No perodo que se segue e at a primeira repblica, houve a progressiva consolidao do controle do Estado pelos interesses agrrios, consolidando um compromisso entre o governo central e as estruturas de poder regional, fase historicamente conhecida como coronelismo, sistema complexo, centralizado e baseado em hierarquias e lealdades regionais, cuja base de funcionamento era formada por laos de parentesco e troca de votos por fatores polticos. A distino entre a Igreja e o Estado ocorre ao longo do sculo XIX, este ltimo buscando dotar-se dos recursos tcnicos e humanos necessrios para assegurar os servios pblicos anteriormente em poder da primeira. A separao final ocorre com a Constituio de 1891, que, alm de estabelecer a liberdade de culto, probe subvenes governamentais Igreja e educao religiosa, reconhece a validade apenas para casamentos civis e seculariza a educao. Sem o apoio governamental, a Igreja passa por significativa transformao, colocando-se em sintonia direta com Roma, reformando suas antigas instituies e criando novas, sob um poder nico, na forma de escolas, hospitais, obras pias e caritativas, e desde ento sua sustentao financeira vem dos fiis, em especial dos mais abastados, criando um elo com a burguesia agrria. Na dcada de 1930, ocorre um processo de colaborao entre o Estado e a Igreja, esta afirmando possuir hegemonia espiritual sobre o povo brasileiro, que, em sua misso colabora com o primeiro na manuteno da ordem social. A constituio de 1934 garante Igreja privilgios baseados na sua influncia na famlia e na moral, proibindo o divrcio, reconhecendo civilmente o casamento religioso, permitindo a admisso de padres como capeles nas Foras Armadas e autorizando o Estado a financi-la no "interesse coletivo", dentre outros. Nessa fase proliferam as entidades sem fins lucrativos nas reas de educao, sade e assistncia social mantidas pela Igreja, empresrios e grupos dominantes poca, ao lado do crescimento da atuao das Igrejas Protestantes na rea religiosa e na prestao de servios sociais. No perodo colonial, as formas de associao civil nos moldes francs e americano (correlacionando mercado-cidadania-nao) no tiveram fora para desenvolverem-se, em virtude da fragmentao regional e do escravismo,12

predominando a maonaria inglesa, proporcionando s elites coloniais mecanismos de identificao cultural com os centros europeus. O movimento mais significativo, do ponto de vista poltico institucional, nesse perodo, foi o abolicionismo, que incorporou amplas campanhas com participao dos mais diferentes atores nos centros urbanos do pas, surgindo vrias associaes civis para sua implementao, dentre as quais as sociedades de auxlio mtuo, que multiplicaram-se no final do sculo XIX nos centros urbanos e os primeiros sindicatos e os registros histricos destacam a participao ativa dos trabalhadores na ajuda aos companheiros desfavorecidos (provavelmente devido lgica religiosa de generosidade e solidariedade), mas no na manuteno das estruturas de apoio luta poltica. Um dos primeiros trabalhos que analisa o perodo 1880-1920, realizado em 1975, mostra que as associaes voluntrias de auxlio proliferaram nessa poca, em grande parte baseadas em nacionalidade, devido ao grande nmero de imigrantes, a maioria europeus, que povoavam as cidades, que arregimentaram trabalhadores e iniciaram movimentos sindicais, caracterizados por frequentes greves e choques com os sucessivos governos republicanos (Diniz; 2000). Pouco tempo depois, foram criadas as entidades de classe dos setores mdios em consolidao, como, por exemplo, a Associao Brasileira de Imprensa em 1908 ou a Associao Central Brasileira de Cirurgies Dentistas, em 1911, surgindo, posteriormente, as entidades das classes patronais; essas organizaes so citadas como o incio da construo de vias de comunicao com o poder pblico federal e regional. Na dcada de 1930, com o incio da era nacional-desenvolvimentista e centralizadora, o Estado passa a ampliar sua atuao no financiamento e na prestao direta de servios em vrias reas, entre elas, a educao, a cultura e a sade. A exemplo de pases mais avanados, a regulamentao das relaes sociais pelo Estado no Brasil seguiu um trajeto similar, no entanto, trazendo uma forma especfica de desenvolvimento da poltica social brasileira na consolidao da sociedade industrial, cujas principais caractersticas so o corporativismo, a fragmentao, a seletividade e a ineficincia.13

Em 1931 foi criado o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, aparelhado com recursos humanos e financeiros para a execuo da legislao trabalhista e previdenciria, sendo esta executada por sequenciais institutos oficiais de aposentadorias e penses, organizados por categoria profissional, com participao dos empregados, empregadores e governo, no entanto estabelecidos somente com reconhecimento governamental, tendo regras ditadas pelo Ministrio e sua presidncia exercida por pessoa indicada pelo presidente da Repblica. Sob a tica do Welfare State, configura um sistema de tipo "meritrio-particularista", que proporcionou a criao de uma "cidadania regulada", estruturada em um sistema de estratificao ocupacional e no em um cdigo de valores polticos, o que forava a que a expanso da cidadania acontecesse atravs da regulamentao de novas profisses. A atuao dos sindicatos esteve condicionada a um modelo nico, regulamentado em 1943, com a Consolidao das Leis do Trabalho, atrelada poltica, administrativa e financeiramente ao Ministrio do Trabalho; nessa ocasio foi estabelecido o imposto sindical, contribuio desvinculada da fundao e do funcionamento dos sindicatos, pois administrado pelo mesmo rgo pblico. Esses recursos foram largamente utilizados na promoo de atividades assistenciais atravs dos sindicatos (escolas, cooperativas, colnias de frias, etc.), o que, se considerado do ponto de vista histrico das instituies sem fins lucrativos, coloca a atuao do sindicato entre o pblico e o privado, entre o controle estatal e o controle pelas classes trabalhadoras. Nesse mesmo perodo foram criados outros mecanismos de estmulo ao setor privado sem fins lucrativos, porm controlados pelo Estado: em 1935, a criao da Declarao de Utilidade Pblica, reservada ao Presidente da Repblica, instrumento para a regulao entre essas instituies e o Estado; em 1938, o Conselho Nacional de Servio Social, subordinado ao Ministrio do Trabalho, que qualifica as instituies assistenciais a receberem subsdios governamentais; em 1942, a criao de uma agncia governamental, a Legio Brasileira de Assistncia a ser mantida com recursos de doaes particulares e recursos pblicos, cuja presidncia foi conferida estatutariamente s primeiras-damas da Repblica. A LBA penetrou cerca

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de 90% dos municpios brasileiros, sendo a forma predileta das damas da sociedade efetuarem "caridade social" e tornando-se um alvo da poltica clientelista do governo. importante ressaltar que a fase "previdencialista" da poltica social brasileira, baseada na concesso de benefcios populao produtiva, no eliminou a fase assistencialista anterior, mas sim conviveu com as estruturas passadas, atravs de pactos entre o Estado, as igrejas e as demais organizaes da sociedade civil. Por outro lado, as relaes entre o Estado e o associativismo independente e politizado foram conflituosas e excludentes, e as instituies que no compunham o sindicalismo interligado ao Ministrio do Trabalho se dissolveram, em especial aps o perodo 1937-1945, com a implantao do regime autoritrio. No final da dcada de 1950, consolida-se a fase de desenvolvimento industrial via substituio de importaes, sob a interveno econmica do Estado, que, apesar da retrica nacionalista, alia-se progressivamente aos grandes centros do capital internacional. A partir de 1961, ocorre a queda do crescimento, aliada a uma contnua crise poltica, baseada na busca de reformas estruturais por amplos setores da sociedade, que colocavam a Reforma Agrria como uma das questes fundamentais para a reinsero dos marginalizados no mercado, que culminaram com o golpe de 1964. O sindicalismo criado por Getlio Vargas estava fortemente enraizado na estrutura verticalista, fugindo ao controle estatal principalmente a partir de 1945, com a redemocratizao do pas, surgindo, desde ento, os sindicatos rurais, regulamentados na gesto de Joo Goulart (1961-64), acompanhados de outras significativas associaes civis, que dedicaram grande parte de suas foras luta por direitos civis, democracia e reformas, no entanto, ainda fortemente ligados ao governo. A partir dessa poca, as relaes entre o Estado e a sociedade so redefinidas, proliferando as entidades marcadas pela autonomia e oposio ao Estado, fortalecidas por um cenrio composto de mudana do regime poltico e das polticas sociais governamentais, da entrada de atores internacionais na cooperao no-governamental e pelas transformaes nas relaes entre a Igreja e o Estado. No entanto, a adoo de um modelo de industrializao gerador de concentrao de renda, a mudana para um regime autoritrio e o reforo do Executivo provocaram a extino das organizaes e movimentos sociais, atravs de interveno federal,15

dissoluo de partidos polticos censura da imprensa, dentre outras atitudes repressivas. Ao mesmo tempo em que desmontava a estrutura de associaes da sociedade civil, o Estado passou a abrir-se institucionalmente para interesses privados, destacando-se as polticas sociais, que foram reformuladas e centralizadas entre 1964 e 1985, criando sistemas nacionais pblicos ou com regulao estatal nas reas de bens e servios sociais bsicos, na forma de um sistema previdencirio exclusivamente estatal, sem participao da sociedade civil e favorecendo o surgimento de espaos para o jogo de poder e influncia entre a burocracia pblica e as grandes empresas privadas. A principal atuao das entidades do Terceiro Setor no Brasil ocorre na rea do associativismo, no qual a Igreja foi relevante, em especial aps a queda do regime autoritrio, estimulando e cedendo os seus espaos para a gestao de movimentos e organizaes de operrios, trabalhadores rurais e donas de casa, dentre outros grupos, que deram origem a lideranas importantes para vrios movimentos e organizaes. Mesmo internamente, a Igreja criou setores especficos para essas funes e passou a desenvolver atividades de luta contra a tortura, a censura, pela liberdade dos presos polticos e pela democracia. No perodo mais recente, ocorreu um boom de associaes civis, destacandose a criao de entidades organizadas em torno de objetivos pblicos sociais dos vrios grupos da sociedade, muitas vezes operando na clandestinidade e em oposio ao Estado, que se afastam do apoio empresarial e governamental e buscam o apoio no-governamental internacional, atravs das ONGs (Organizaes No Governamentais, que se distinguiram no cenrio brasileiro como um modelo de excelncia como organizao no governamental sem fins lucrativos), assim denominadas as instituies que se formaram aps 1970, com princpios cristos, marxistas, militncia e profissionalismo, associados cooperao internacional no governamental, objetivando a cidadania e a autonomia dos grupos de base da sociedade, e que possuem, como caracterstica bsica o direcionamento poltico de suas atividades, executadas atravs de parcerias com entidades financiadoras no governamentais internacionais, na forma de projetos de prestao de servios de ordem material populao-alvo.16

Assim, apesar tambm realizarem atividades de assistncia a segmentos mais carentes, as ONGS tm uma identidade voltada mais questo poltica, militncia, cidadania, modernidade e um sentido anti-governo, contrariamente s entidades de assistncia social histricas, concentradas em atividades de carter religioso e/ou voltadas suprir as deficincias decorrentes de polticas sociais ineficientes a grupos fragilizados. Recentemente, na medida em que os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, aliados quebradeira das multinacionais mostraram s elites governantes e classes dominantes, nos EUA e em outras naes, que a maior potncia mundial vulnervel, o capitalismo passa por uma crise que provoca a reflexo sobre a atuao e o poder do Estado (Gazeta Mercantil, 2002). Esses fatos, que demonstram que o principal exemplo do poder econmico mundial pode ser questionado, fazem surgir uma srie de discusses sobre a efetividade desse modelo capitalista e suas conseqncias do excessivo poder americano para o mundo, que vm diuturnamente contribuindo para o aumento das diferenas sociais, muitas vezes utilizando-se de estratgias autoritrias que bloqueiam o desenvolvimento dos processos sociais, provocam o aumento das desigualdades e o desaparecimento de culturas que se afastam dos interesses americanos. Os ataques, alm de seu carter terrorista, demonstram o repdio ao poderio desmedido dos EUA e ao modelo de economia global nos moldes em que foi instalado, na medida em que, se no foram a causa, mas eles serviram para dramatizar um fenmeno existente, o do desencanto em relao ao modelo americano como a soluo de todos os problemas ligados ao desenvolvimento das naes, abrindo espao para a redefinio do papel do Estado e, conseqentemente, do Terceiro Setor (Revista Veja, 2002) O Terceiro Setor no Brasil, inicialmente formado por instituies voltadas para suprir a incapacidade do Estado em atender s necessidades sociais bsicas, ao longo do tempo, tomou corpo atravs da criao de espaos para estruturao da democracia. Autoritarismo, centralizao, favorecimento de grupos de interesse estatal e no pblico, abertura do mercado nacional a empresas internacionais, fortalecimento do Executivo em detrimento dos demais poderes, desestmulo e combate associao de pessoas representantes dos diferentes segmentos da17

sociedade, ausncia de espaos de negociao Estado x sociedade, dentre outros aspectos, levaram a sociedade brasileira, ao longo do tempo, a buscar alternativas para incluso no contexto poltico e econmico do pas. Simultaneamente a esse contexto, em especial o enclausuramento do Executivo, a reduo dos espaos de articulao social e poltica, a elaborao de polticas sociais apenas por tecnocratas e a proteo estatal da burguesia, cresceram as distores e a diferenciao de tratamento de grupos sociais. Em contrapartida ao protecionismo da burguesia demonstrado pelo Estado, a Igreja demonstrou ser, num passado mais recente, em especial durante a ditadura militar, fomentadora de um espao de articulao poltica e social importante para o surgimento do Terceiro Setor no Brasil, no entanto, extremamente enraizada de ideais muito mais voltados benevolncia do que construo de uma democracia consciente. As instituies sem fins lucrativos, surgidas, em grande parte, de grupos de representantes da sociedade civil em busca da insero social, so consideradas, por muitos autores, de forma muito semelhante a empresas comerciais, sem considerar as questes especficas caractersticas desse setor (misso institucional, cultura e valores voltados ao atendimento social e/ou desenvolvimento, avaliao de resultados desvinculados de lucro, etc.), existindo poucas obras que tratem do assunto especificamente. Os acadmicos que estudam as cincias ligadas administrao somente recentemente se detiveram nas caractersticas especiais dessas instituies, ou seja, ao longo do tempo, salvo raras excees, existiu uma tendncia cultural subjacente em considerar a falta de finalidade lucrativa como ausncia de retorno financeiro suficiente para a continuidade da organizao, ao invs de enfocar a no-distribuio de lucros. Por tratar-se de um foco diferenciado em relao misso institucional, neste caso voltada ao benefcio social e construo dos processos democrticos com intensa participao da sociedade civil, inexistem estudos tcnicos suficientes para a anlise da situao, assim como alternativas metodolgicas ou prticas para subsidiar a tomada de decises visando equilibrar a relao gerao/captao de recursos x resultados.18

A sociedade brasileira, de uma forma geral, em especial o conjunto representado pelo Terceiro Setor e o meio acadmico, tem interesse na anlise do tema, tendo surgido, frequentemente, artigos analisando o assunto; no entanto, a maior parte enfoca apenas a anlise externa da situao, tratando os aspectos internos de forma superficial. Por outro lado, na maior parte dos estudos realizados pressups-se que as tcnicas oriundas da Administrao poderiam ser aplicadas diretamente a essas instituies, assim como feito em relao s organizaes privadas, sem considerar a fundo outros aspectos especficos inerentes a esse segmento, dificilmente percebidos por observadores no participantes. Uma srie de questes econmicas, polticas e sobre a participao cidad provocaram o aumento do nmero de instituies do Terceiro Setor, normalmente iniciadas por pessoas com perfil de atuao direta junto ao beneficirio, sem contar com profissionais que tivessem preparao tcnica adequada para gerir os recursos obtidos pela instituio de forma profissionalizada. Esse fato tem provocado, frequentemente, a inadequada utilizao dos recursos obtidos e, por vezes, o encerramento dessas instituies, o que gera um distanciamento do objetivo final (atendimento ao beneficirio) e descrdito por parte dos interessados em colaborar. fundamental a identificao de mecanismos que favoream o atendimento das necessidades sociais, no qual o Terceiro Setor ocupa papel importante e, para isso, necessrio profissionalizar os responsveis pela gerao, captao e gesto de recursos dessas instituies, principalmente quando considerada sua escassez no mundo atual, em qualquer segmento. A gesto de instituies sem fins lucrativos envolve vrios focos de anlise, entre os quais podemos citar: a) as prprias instituies; b) os beneficirios (populao atendida); c) o Governo, enquanto primeiro responsvel pelo atendimento da populao e, ao mesmo tempo, regulamentador e regulador dos incentivos a doadores para desconto nos impostos devidos; d) doadores (de bens e/ou servios), na forma de pessoas fsicas e jurdicas; e) o contribuinte, que tem interesse em que seus impostos tenham a melhor utilizao possvel, em geral desejando que a aplicao seja feita diretamente populao-alvo.

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Neste trabalho foram abordados os mecanismos utilizados pelas instituies sem fins lucrativos na busca de recursos que garantiram sua continuidade institucional e as diferentes formas com que as mesmas obtm, controlam e aplicam os recursos obtidos, pblicos e privados, nacionais e internacionais e o grande desafio foi analisar os aspectos relacionados capacidade de gerao de recursos prprios e fornecer subsdios que possam ajudar a solucionar o problema: Como garantir a autosustentao financeira de instituies sem fins lucrativos

Para a adequada gesto dos recursos disponveis, necessria a identificao dos aspectos estratgicos, tticos e operacionais da instituio que possam interferir na capacidade de auto-sustentao financeira, ao mesmo tempo, respeitando as caractersticas especiais desse segmento. Este trabalho no pretende esgotar o tema, mas identificar, na amostra selecionada, os principais aspectos de gesto considerados na administrao dos recursos financeiros que garantiram a sua continuidade sem comprometer a misso e objetivos organizacionais e que possam ser utilizados por outras organizaes.

A Pesquisa Este estudo foi desenvolvido com o objetivo final de identificar os principais aspectos relacionados obteno de recursos que subsidiam o atingimento da misso institucional das organizaes sem fins lucrativos e como objetivos intermedirios responder s vrias questes, pressupostamente responsveis pela sustentao financeira: Qual a relao existente entre a capacidade de gerao de recursos e a dependncia de recursos externos na continuidade da instituio? Quais os mecanismos adotados para resguardar os objetivos sociais e os valores da20

organizao na captao de recursos? Quais os aspectos relativos gesto financeira da instituio que influenciaram no seu sucesso ou insucesso? Quais os caminhos adotados para avaliar sua capacidade de autosustentao financeira ao longo do tempo, que possam fornecer indcios para a formulao de indicadores que possam ser utilizados por outras organizaes do segmento? Quais as metodologias utilizadas para avaliao de custos x preo, assim como a forma de mensurao de recursos no financeiros (doaes, voluntariado, etc.) e sua incorporao aos custos finais dos produtos/servios? Quais os aspectos de maior preocupao dos doadores, na forma de doao em espcie ou em bens e servios? A pesquisa iniciou-se a partir da hiptese de que o segmento das instituies sem fins lucrativos no pode ter sua sustentabilidade financeira garantida atravs da simples aplicao das tcnicas e princpios da Administrao, devendo ser desenvolvidas metodologias especficas de gerao, captao e gesto, que incorporem os seguintes pressupostos: esse segmento possui uma cultura prpria, com foco principalmente nos benefcios sociais e valores morais e filosficos (confiana, humanidade, etc.); esse segmento originou-se, no Brasil, de movimentos polticos voltados construo da democracia, o que provoca um sentimento de unidade corporativa especial, no qual as relaes pessoais muitas vezes so mais fortes que as institucionais; dentre outras razes, a diminuio de recursos externos destinados ao Brasil e as mudanas cambiais aps o Governo Collor e principalmente aps o Governo Fernando Henrique Cardoso provocaram a escassez dos recursos e a conseqente necessidade de profissionalizao dos gestores dessas instituies; a histria poltica do financiador fator fundamental na aceitao ou no dos recursos, na forma de doaes ou emprstimos; em grande parte dos casos, as atividades dessas instituies so mantidas atravs de recursos no financeiros (voluntariado), ato que pressupe uma relao de identificao pessoal com a instituio e a causa.21

Assim, a gerao, captao e gesto de recursos para manuteno das atividades das organizaes do Terceiro Setor devem ser estudadas a partir de uma lgica distinta das instituies do Estado e do Mercado, pois embora o resultado financeiro no seja distribudo, ele deve ser suficiente para subsidiar a manuteno da estrutura organizacional e a continuidade da instituio. Com o intuito de identificar, na literatura existente, os autores que se dedicaram ao estudo dos aspectos relacionados sustentabilidade financeira, foco principal deste trabalho, foi realizado um levantamento bibliogrfico, contemplando as vrias facetas da gesto que influenciam a capacidade de obteno e adminsitrao dos recursos ao longo do tempos. Os principais aspectos encontramse destacados no captulo que trata das referncias bibliogrficas, que so identificados por grifo. Considerando que grande parte dessas instituies depende de recursos de terceiros, normalmente dirigidos especificamente execuo de projetos finalsticos e que o segmento possui valores e caractersticas prprias que limitam o recebimento de recursos, a evoluo da instituio estar condicionada capacidade de gerao de recursos livres de condicionantes impostas na obteno, de forma a que possam ser destinados ao fortalecimento institucional. Por outro lado, na medida em que sustentabilidade um conceito que incorpora vrias facetas, a pesquisa teve a inteno de abordar o foco financeiro, assim entendido como a capacidade de no apenas obter os recursos suficientes para a execuo dos projetos, mas, tambm adquirir a competncia organizacional suficiente para o adequado gerenciamento dos mesmos, simultaneamente ao desenvolvimento institucional no que se refere ao respeito misso e objetivos estratgicos, em seus aspectos objetivos e subjetivos, instrumentais e conceitos. Diante da impossibilidade de anlise de todos os aspectos relativos gesto de recursos, o propsito inicial deste trabalho foi analisar os principais fatores que interferem diretamente na capacidade de sustentao financeira das instituies sem fins lucrativos: processo decisrio de escolha das formas de gerao/obteno de recursos e dos financiadores potenciais, planejamento financeiro e oramentrio, formas de controle e relacionamento com os agentes financiadores.22

O estudo foi realizado atravs de uma amostra do segmento, selecionada por critrios de acessibilidade geogrfica e de abertura da instituio pesquisa, analisando-se duas linhas de atuao: a) a dependncia de recursos externos; b) a capacidade de gerao de recursos. A primeira linha comum nas instituies nas quais a atividade principal est voltada prestao de servios fundamentais diretamente ao cidado-beneficirio final, tais como educao e sade; a segunda tem maior possibilidade de ocorrncia nas organizaes cuja misso institucional proporciona a realizao de atividades capazes de gerar receitas, tais como a venda de pesquisas, livros, vdeos, servios intermedirios de apoio ou suporte institucional. O foco principal da anlise foi a RITS - Rede de Informaes para o Terceiro Setor, instituio criada em 1997, com o apoio do Conselho da Comunidade Solidria no mbito do Programa de Fortalecimento da Sociedade Civil, na forma de uma organizao no governamental, com o objetivo de criar e disseminar informaes e facilitar a interao entre entidades pblicas e privadas e organizaes da sociedade civil. Complementarmente, foram estudadas, dentro dos focos inicialmente definidos: ABIA Associao Brasileira Interdisciplinar de AIDS; ABDL - Associao Brasileira de Desenvolvimento Local; FASE - Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional; IBASE - Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas e CDI Comit para a Democratizao da Informtica. Como essas instituies atuam h muito tempo e tm facilidades internas e externas decorrentes de sua atuao em grande escala, foi aplicado um questionrio simplificado com organizaes de menor porte, objetivando conhecer as dificuldades encontradas atualmente pelas mesmas. Visando conhecer o ponto de vista do financiador, buscou-se obter a viso dos representantes de algumas organizaes, que atuam ou atuaram no financiamento de projetos de instituies sem fins lucrativos, quanto aos critrios para apoio de projetos e avaliao dos resultados, atravs de entrevistas e anlise de material disponvel no site ou publicaes.

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Alguns exemplos de outras organizaes relevantes para o segmento, seja na articulao institucional ou na execuo de projetos de interesse do Terceiro Setor, tambm foram abordadas, na medida em que podem influenciar direta ou indiretamente a sustentabilidade e o fortalecimento dessas organizaes.

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2. SUSTENTABILIDADE COMO UM CONCEITO AMPLO

2.1.

Conceituando Sustentabilidade Inicialmente, ao analisar o tema sustentabilidade das organizaes, o primeiro

ponto ao qual nos remetemos capacidade de obter recursos, de forma a sustentar, manter, atender todas as necessidades; no entanto, quando se fala sobre instituies sem fins lucrativos com finalidade de interesse pblico, parece-me mais adequado conceituar sustentabilidade com o significado de obter as condies necessrias para "manter uma opinio, idia ou palavra, etc; defender uma idia, tese, teoria" (Biderman, 1998:882), na medida em que esssas organizaes surgem a partir de uma idia, uma causa a ser defendida. Por outro lado, parece-me extremamente pertinente utilizar tambm o conceito recente, importado da ecologia, conforme definido por Fritjof Capra: "o que chamamos sustentabilidade, portanto, o resultado de um padro de organizao, observado inicialmente em ecossistemas - e, depois, mais precisamente, em sistemas moleculares vivos, como clulas - mas que tambm pode ser encontrado, mutatis mutandis, em outros sistemas complexos." (Franco, 1997). Conceito ainda questionvel por alguns tericos quando relacionado a desenvolvimento, alguns afirmam que sustentabilidade parte de um movimento histrico, como contraponto sociedade industrial, enquanto outros consideram que surgiu a partir do esgotamento do atual modelo econmico mundial (Parceria 21, 1998; in www.rededlis.org.br), as dimenses apresentadas na viso de sustentabilidade ampliada j incorporada por parte da sociedade, complementares dimenso econmica, que, apesar de referir-se questo ecolgica, aplicam-se s organizaes analisadas no contexto deste estudo: tica, na medida em que o equilbrio desejado pressupe no apenas o estabelecimento padro de organizao da sociedade, mas o destino das geraes futuras; temporal, na medida em que estabelece o princpio da precauo e demonstra a necessidade do planejamento de longo prazo; social, que considera que apenas uma sociedade com diversidade poltica e menos desigualdade social ser capaz de atingir o desenvolvimento sustentvel; prtica, considerando que necessrio romper com hbitos anteriores.25

Por outro lado, no de pode deixar de analisar as comunidades humanas como seres vivos, na medida em que apresentam os mesmo princpios bsicos de organizao, como redes organizacionalmente fechadas, mas que trocam energias e recursos com o meio no qual esto instaladas e as mudanas estruturais pelas quais passam redefinem sua estrutura e inteligncia intrnseca a partir da capacidade de aprendizado inerente aos processos de vida. Os princpios bsicos da ecologia podem ser plenamente aplicados s comunidades humanas, especialmente: a) a interdependncia - o sucesso da comunidade depende do sucesso de cada um de seus integrantes, o que por sua vez, s pode ocorrer se o primeiro acontecer; uma ao em um dos elos da corrente trar impacto em todos os outros; b) a reciclagem para a sustentabilidade das comunidades humanas, necessrio criar formas de organizao social cclicas, que permitam a transformao dos resduos em novos recursos consumveis; c) a parceria o ser humano tem a tendncia natural de estabelecer relaes de cooperao com outros para a obteno de resultados e, a partir do momento em que esta se estabelece, passa a entender melhor as necessidades do outro; d) a flexibilidade os sistemas humanos so sujeitos a constantes modificaes no meio ambiente, necessitando reestruturar-se para adequar-se novamente, o que, conseqentemente, provoca mudanas internas; se a presso for superior ao que o sistema capaz de resistir, tanto em durao, intensidade ou na capacidade de resoluo de conflitos internos, poder provocar a completa desestruturao do mesmo; e) a diversidade a amplitude de membros de origem diversificada aumenta, proporcionalmente, a capacidade de elasticidade, sobrevivncia e reorganizao, desde que haja o equilbrio na rede de relaes e influncia de seus partcipes; Similarmente ecologia, a sustentabilidade, sexto princpio, a conseqncia natural das organizaes que aplicam adequadamente os demais (Silveira e Reis, 2001).

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Dessa forma, na medida em que um conceito que pode ser aplicado s organizaes de formas distintas, o enfoque central deste trabalho foi estabelecido considerando a sustentabilidade do ponto de vista financeiro; assim, a conceituao adotada para sustentabilidade a capacidade de obter os recursos suficientes para a execuo dos projetos, adquirindo competncia organizacional suficiente para o adequado gerenciamento dos mesmos, simultaneamente ao desenvolvimento institucional no que se refere ao respeito misso e objetivos estratgicos, em seus aspectos objetivos e subjetivos, instrumentais e conceituais.

2.2.

Sustentabilidade Alm da Obteno de Recursos No obstante o importante papel que a obteno de recursos representa na

sustentabilidade, existem outras questes que afetam a continuidade plena de uma organizao sem fins lucrativos, relacionados a aspectos externos e internos. Observa-se, na prtica, que vrias instituies obtm os recursos suficientes para executar o primeiro projeto, no entanto, pela falta de viso ampla da forma de atuao dessas organizaes, no conseguem dar prosseguimento s demais atividades da estrutura interna, o que, em alguns casos, provoca a extino das mesmas. Em geral, esse fato observado nos casos em que no buscou estruturar os mecanismos internos de fortalecimento institucional, destacando-se aqueles voltados capacidade de execuo, prestao de contas e desenvolvimento organizacional, o que acaba resultando em uma consequente dificuldade na obteno de recursos. A obteno de recursos para uma instituio sem fins lucrativos que atua no atendimento a demandas sociais tem um carter de busca de parceiros para a causa, distanciando-se da viso mercadolgica de "venda"; assim, outras variveis precisam ser contempladas quando se buscam recursos para essas organizaes, tais como o comprometimento dos apoiadores com a misso e objetivos institucionais. Por outro lado, observa-se no Brasil uma srie de mudanas no segmento, que provocaram uma maior dificuldade na obteno de recursos por essas instituies: o27

aumento significativo do nmero de organizaes atuantes, incluindo-se aquelas organizadas e mantidas por empresas, que anteriormente operavam somente como financiadoras; a mudana na canalizao dos recursos internacionais para outros pases; a facilidade de acesso das informaes pelo pblico externo, que passou a exigir uma atuao mais efetiva, eficiente e transparente das organizaes, mudando de mero apoiador financeiro para o papel de participante ativo, muitas vezes atuando como voluntrio das organizaes de seu interesse, dentre outros fatores. Essa mudana do enfoque dessas instituies motivou a alterao da forma e mtodos de avaliao da instituio pelo pblico externo, que passou a ser feita a partir de outros critrios, que contemplam, alm dos resultados sociais efetivos, a atuao interna s mesmas, a responsabilidade que demonstra em gerenciar recursos com finalidade pblica e a forma como o faz, assim como a competncia em informar a sociedade sobre sua atuao e resultados. Essa nova postura da sociedade trouxe consigo a necessidade de desenvolver capacidades internas diferentes das exigidas nas fases anteriores, onde o foco principal concentra-se nos resultados efetivos, como demostra Armani, no artigo "Comentrios ABONG ao Levantamento de Instituies que Prestam Servios s ONGS", publicado no site da ABONG em 2000:"O desenvolvimento institucional das ONGs no Brasil parece ter passado por trs ciclos at agora: (i) um primeiro referente realizao de avaliaes externas e introduo do planejamento estratgico, entre o final dos anos 80 e o incio dos 90; (ii) um segundo relativo crise financeira e conseqente reduo forada da escala das organizaes e concomitante implantao de sistemas de PMA (planejamento, monitoramento e avaliao), na primeira metade dos anos 90; e (iii) o atual, onde os maiores desafios concentram-se na captao de recursos nacionais e nas suas implicaes para a identidade e misso institucionais." (Armani, in www.abong.org.br)

Em outro artigo elaborado para a ABONG ("Breve Mapa do Contexto das ONGs Brasileiras"), ARMANI aponta os caminhos buscados por essas organizaes para atender s novas demandas sociais em relao ao desempenho:"... possvel afirmar que, via de regra, a tentativa de se adaptar a este novo contexto e de buscar novas bases de sustentabilidade, tm levado as ONGs brasileiras a um mix institucional composto (i) por28

uma estabilizao/reduo dos recursos financeiros e a correspondente reduo de recursos humanos permanentes e de reas de trabalho, (ii) pela tentativa de introduzir aperfeioamentos tcnico-metodolgicos visando a uma maior eficincia e eficcia da organizao, e (iii) pela busca de novas parcerias de trabalho e de novos canais de sustentao institucional..." (Armani; in www.abong.org.br)

Conforme afirma Valarelli no artigo "Uma Noo Ampliada de Captao de Recursos", publicado no site da RITS, a sustentabilidade no se extingue na captao ou gerao de recursos, ao contrrio, essa atividade tem que contribuir para a continuidade da instituio, no entanto, deve ser realizada com vinculao direta misso e objetivos estratgicos, na medida em que uma boa estratgia de captao de recursos tambm contribui para que uma organizao seja mais autnoma frente s mudanas ou exigncias por parte das fontes de financiamento, com maior capacidade de manter sua identidade e no abrir mo de sua misso e valores. Mais do que auto-sustentao que foi um conceito que virou moda no universo das ongs h alguns anos trata-se de garantir a sustentabilidade dos propsitos e iniciativas da organizao, atravs da ampliao e diversificao das fontes de recursos. Deste modo, reduzem-se a vulnerabilidade e a subordinao to comuns quando se depende de poucas fontes financiadoras (Valarelli, in www.rits.org.br). Armani destaca as caractersticas que passam a estar no centro das preocupaes dessas instituies para atender s novas demandas e indica alguns caminhos observados no segmento no artigo "Breve Mapa do Contexto das ONGs Brasileiras", diretamente relacionados sustentabilidade em sua configurao atual:"Novos espaos e oportunidades de interveno tm gerado novos desafios em termos das formas de ao das ONGs. Dentre as principais mudanas pode-se citar (i) a ampliao da escala do trabalho, articulando o local com o regional e o nacional e mesmo o internacional (scalling up), (ii) a necessidade de saber desenvolver e tirar proveito de formas de trabalho em rede e em parceria com outras organizaes (movimentos sociais, ONGs, poder pblico, universidades, etc.), (iii) a exigncia por um elevado grau de profissionalismo e especializao, condies para uma postura mais propositiva, e (iv) a necessidade de combinar aes de resistncia, denncia e proposio poltica com a experimentao de alternativas e a gerao de benefcios concretos para a populao. Novas tambm so as exigncias quanto implementao de sistemas de29

planejamento, avaliao e monitoramento do trabalho... (Armani; in www.abong.org.br)

A gesto adequada dos recursos tambm tem sido uma das questes exigidas das ONGs, em especial aps a mudana na cooperao internacional no Brasil, como relata Armani no mesmo artigo:No menos importantes so os desafios emergentes para as ONGs em relao s formas de gesto institucional ... O grande desafio aqui reside em construir novos formatos institucionais que combinem os tradicionais elementos de informalidade e democracia interna, tpicos das ONGs brasileiras, com novos patamares de eficincia organizacional, transparncia e responsabilidade pblica (accountability)... Fundamental ainda o desafio representado pela busca de sustentabilidade financeira das ONGs. A reconfigurao da cooperao internacional com o Brasil e as novas oportunidades de captao de recursos nacionais, pblicos e privados, tm desafiado as ONGs brasileiras a um processo crescente de nacionalizao ... A sistematizao e a maior socializao de tais experincias poderia contribuir grandemente para o avano da sustentao das ONGs. Por fim, as ONGs brasileiras tm sido confrontadas com o desafio de garantir que sua interveno concreta especfica resulte na elevao da qualidade de vida da populao e ao mesmo tempo promova um novo modelo de desenvolvimento para o pas. " (Armani, in www.abong.org.br)

A pesquisa teve o desafio de avaliar as organizaes de forma sistematizada, de forma a identificar os pontos que promoveram o sucesso das mesmas e as deficincias que eventualmente tenham ameaado sua sustentabilidade, em um contexto de crescentes mudanas econmicas e sociais, conforme cita Domingos Armani no texto "Breve Mapa do Contexto das ONGs Brasileiras", disponvel no site da Associao Brasileira de ONGs - ABONG:"... a tentativa de se adaptar a este novo contexto e de buscar novas bases de sustentabilidade, tm levado as ONGs brasileiras a um mix institucional composto (i) por uma estabilizao/reduo dos recursos financeiros e a correspondente reduo de recursos humanos permanentes e de reas de trabalho, (ii) pela tentativa de introduzir aperfeioamentos tcnico-metodolgicos visando a uma maior eficincia e eficcia da organizao, e (iii) pela busca de novas parcerias de trabalho e de novos canais de sustentao institucional." (Armani; in www.abong.org.br)

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Ao longo do tempo, as instituies do Terceiro Setor encontram a melhor forma de obter sua sustentao, que pode ser estruturada de vrias maneiras: financiamento de projetos especficos, venda de produtos e/ou servios, campanha de doaes, etc. A seguir sero explorados os modelos e tipos de financiamento e financiadores.

2.3.

Modelos de financiamento Pode-se afirmar que no existe um modelo timo, necessrio que a

organizao analise seus pontos fortes e fracos e, atravs da lente de sua misso e objetivos estratgicos, defina qual o modelo de financiamento que mais se adequa instituio, que podem ser resumidos em:

Organizao Financiada por Pool de Financiadores Algumas organizaes buscam apoiadores que se responsabilizem por toda a organizao, no apenas por projetos especficos; nesses casos, existe um conjunto de mantenedores que, identificados com o trabalho da organizao, assumem (total ou parcialmente) os custos decorrentes da manuteno interna da instituio. Em alguns casos, a instituio postulante apresenta aos mantenedores potenciais o seu planejamento estratgico, no qual so descritos os programas, os projetos e as atividades que pretende realizar em um determinado perodo (com respectivo oramento detalhado), que avaliam quais so os que tm afinidade com seus objetivos e decidem pelo apoio de acordo com o interesse institucional no escopo dos projetos e da disponibilidade financeira que possuem para esse fim. Essa forma no comum, depende de vrios fatores, destacando-se a coerncia entre os objetivos propostos pelo solicitante e as linhas de apoio do(s) financiador(es) e da construo de uma relao de confiana entre o beneficirio e o(s) mantenedor(es) ao longo do tempo. Algumas organizaes conseguem o auxlio por determinado tempo, de forma a poderem estruturar-se e construir sua prpria forma de autosustentao, cessando o sustentculo aps o perodo definido.31

Esse modelo propicia organizao maior disponibilidade, mas esta fica restrita utilizao para as aes previstas no plano apresentado aos financiadores, com pequena margem de manobra no uso dos recursos, que, quando necessria, precisa ser negociada previamente com os mantenedores, sob pena de ser considerada inelegvel para fins de prestao de contas.

Organizao com Financiamento de Projetos Especficos Determinadas organizaes buscam o financiamento de projetos e no das atividades internas, mantendo-as com outras fontes de recursos, tais como venda de produtos, prestao de servios, associaes ou doaes individuais. Alguns projetos so apresentados com previso de que uma parcela do total seja destinada manuteno dos trabalho internos da instituio, no entanto, alguns financiadores possuem restries a financi-las, concentrando seu apoio na realizao de projetos especficos, que tm afinidade com suas linhas de apoio. Nesse modelo, os financiadores apiam apenas os projetos relacionados com as linhas de ao de interesse de fomento, a utilizao dos recursos vinculada aos resultados esperados e as modificaes em relao forma e finalidade de utilizao previstas tambm s podem ocorrer desde que negociadas previamente.

Organizao Autnoma (Autofinanciada) Existe uma outra linha de organizaes, que buscam a sustentabilidade atravs de recursos prprios, vendendo produtos ou servios que tm demanda externa suficiente para manter seus funcionamentos, ou ainda, so mantidas com recursos dos prprios fundadores. Exemplos desse modelo so as instituies mantidas por igrejas ou empresas. Forma rara de funcionamento, depende principalmente de sua capacidade de produzir produtos ou prestar servios de qualidade, de manter aes de interesse de consumo pela sociedade ou seus fundadores tenham capacidade financeira para32

gerar recursos suficientes para a execuo dos projetos e para a manuteno das atividades internas. A liberdade de execuo deste modelo condicionada apenas aos objetivos e metas propostos pela direo da organizao, havendo poucas restries externas que possam impedir a mudana de rumo, exceto aquelas oriundas do controle social, seja ele manifestado por grupo de beneficirios ou de cidados que participam do financiamento, da gesto ou dos conselhos da instituio. O risco que esta modalidade apresenta est na priorizao de interesses dos mantenedores, em funo do poder efetivo que possuem, ou da incorporao de conceitos de mercado inadequados misso e objetivos institucionais.

Financiamento Misto Este o modelo de financiamento mais comumente adotado pelas organizaes, que se mantm com recursos de vrios tipos de apoio: doaes de empresas e organismos nacionais e internacionais, de pessoas fsicas, convnios e utilizao de fundos pblicos e privados, venda de produtos ou servios, colaborao de voluntrios, dentre outros. A liberdade de utilizao das verbas neste caso diretamente proporcional fonte de origem, variando desde a exigncia do uso exclusivamente nas atividades e oramento propostos, at completa liberdade de mudana das atividades, oramento ou cronograma inicialmente previstos.

2.4.

Tipos de Financiamento Outra forma de analisar os financiamentos a partir dos tipos, ou seja, o

conjunto de caractersticas que envolvem o que est sendo financiado e a forma pela qual ocorre.

33

Institucional O financiamento institucional tem como objetivo a busca de recursos capazes de manter a instituio de uma forma geral, tanto para a execuo de seus projetos atuais e futuros, como para a manuteno das atividades internas, tais como pagamento dos salrios e encargos trabalhistas, pagamento de contas de concessionrias (gua, luz, telefone, etc.), despesas de viagens e as decorrentes das aes estruturais da organizao.

Projetos Especficos O financiamento de projetos especficos tem exatamente essa finalidade: obter recursos para a execuo dos planos de interesse da instituio; neste caso, a manuteno das atividades internas concentra-se naquelas que daro suporte ao projeto, no sendo consideradas aquelas voltadas manuteno interna da organizao.

Venda de produtos e servios Nesse caso, a organizao busca recursos atravs da produo e/ou comercializao de produtos e/ou na prestao de servios, que podem financiar a execuo de projetos ou das atividades internas da organizao, em funo de que a liberdade na aplicao condicionada apenas por regras internas.

Associaes As associaes so outro tipo de financiamento que amplia a possibilidade de continuidade da instituio, em especial pela maior liberdade na utilizao dos recursos, normalmente utilizados para a manuteno das atividades no apoiadas pelos financiadores de projetos especficos, alm de promover o comprometimento dos associados com o destino da organizao. comum que esse tipo de recurso origine-se de pessoas ou organizaes que desejam promover um apoio34

prolongado, tm afinidade com os objetivos institucionais e muitas vezes com interesse em participar ativamente da organizao. Normalmente materializadas na forma de recursos financeiros, em algumas pocas so dedutveis do imposto de renda, desde que emitidos os respectivos documentos que classifiquem a associao como doao, de acordo com a legislao vigente.

Doaes As doaes, normalmente originadas de pessoa fsica, tambm tm o mesmo nvel de liberdade de uso que as associaes; neste caso, os apoiadores tm afinidade com os objetivos institucionais ou com projetos especficos. No entanto, em parte das vezes so motivadas por razes pessoais e nem sempre os financiadores individuais tm interesse na participao contnua, podendo limitar-se a uma nica ao nesse sentido, na forma de recursos financeiros, bens ou servios. Algumas circunstncias podem estimular esse tipo de ao, tais como a possibilidade de deduo do valor no imposto de renda em algumas pocas ou o conhecimento dos resultados obtidos pela organizao com as doaes anteriores. No anexo, apresentado o estatuto dos direitos do doador, elaborado em 1992 pelas organizaes American Association of Fund-Raising Council (AAFRC), Association for Healthcare Philanthopy (AAHP), Council for Advancement and Support of Education (CASE), National Society of Fund Raising Executives (NSFRE), Planned Giving (NCPG), National Catholic Development Conference (NCDC), National Council for Resource Development (NCRD) e United Way of America, utilizado por um grupo de profissionais brasileiros, captadores de recursos para projetos e instituies (originado em numa lista de discusso virtual na Internet sobre fund raising), com o objetivo de alimentar o debate em torno da criao de uma instituio brasileira que atuasse nessa rea, que foi o princpio para a criao da Associao Brasileira de Captadores de Recursos (www.abcr.com.br).

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Voluntariado O voluntariado, apesar de no constituir um financiamento propriamente dito, , na prtica, uma fonte de recursos para a organizao, na medida em que esta deixa de utilizar fundos financeiros para o pagamento das atividades realizadas pelos voluntrios, que, em geral, manifestam a preferncia em atuar nas atividades diretas dos projetos. Tradio em alguns pases, como, por exemplo, os Estados Unidos, essa forma de participao social tem sido recentemente estimulado no Brasil, como pode ser observado nos estudos realizados pelo Programa Voluntrios, criado no mbito da Comunidade Solidria. Esse tipo de contribuio fundamental no apenas do ponto de vista da sustentao financeira, mas tambm institucional, na medida em que legitima a organizao no contexto em que est inserida, alm de criar vnculos efetivos com participantes da sociedade civil.

Outros financiamentos Da mesma forma que o voluntariado, existem algumas outras alternativas que contribuem para o financiamento das organizaes, dentre as quais podemos citar a obteno de ttulos que propiciam isenes especiais de tributos e encargos, tais como: os certificados de utilidade pblica, de entidade filantrpica ou isenes fiscais (ICMS, ISS, etc.). A obteno desses ttulos propicia organizao no recolher aos cofres pblicos uma parte de alguns tributos e encargos, de forma que permite sua utilizao em outras atividades da organizao.Ou funcionam como uma espcie de selo de qualidade, que contribuem para a credibilidade junto aos financiadores potenciais. Outra forma tambm normalmente no contemplada como financiamento a atuao em redes organizacionais. Da mesma forma que os ttulos, uma maneira de minimizar o dispndio de recursos financeiros da entidade, j que essa modalidade permite a execuo de projetos conjuntos, normalmente com maior produtividade e reduo de custos. A atuao em parceria deve ser cuidadosamente avaliada, j que pode representar um grande benefcio quando acontece com organizaes com alto conceito ou o suicdio organizacional se for realizada com36

instituies que tenham histrico incompatvel com a misso e objetivos organizacionais.

2.5.

Agentes Financiadores Agentes financiadores uma das formas usuais para denominar as

organizaes que apiam o desenvolvimento de projetos especficos ou atividades das entidades do Terceiro Setor. Esse termo congrega vrios tipos de apoio, e so comumente classificados como pblico ou privado, nacional ou internacional, conforme especificado a seguir. Pode-se incluir as pessoas fsicas como agentes financiadores, no entanto, so abordadas neste trabalho apenas as pessoas jurdicas, que tm exigncias usualmente maiores do que as primeiras. Financiadores pblicos devem ser entendidos como as entidades integrantes do conjunto da Administrao Pblica direta (rgos federais, estaduais ou municipais) ou indireta (fundaes e autarquias), que disponibilizam recursos financeiros, materiais e humanos para fomentar as atividades de interesse pblico. Normalmente possuem fundos especficos ou complementares de apoio a essas aes, cujos recursos so transferidos atravs de convnios para as organizaes do Terceiro Setor, que passam a ser responsveis por sua execuo e prestao de contas. No Brasil, a modalidade de repasse de verbas atravs de convnios extremamente ampla, sendo usualmente adotados modelos previstos na Instruo Normativa n. 1, de 1997, da Secretaria do Tesouro Nacional (popularmente conhecida como IN 1, que pode ser obtida no site da mesma instituio), que prev a adoo de procedimentos e formulrios especficos e complexos para apresentao do projeto e prestao de contas dos recursos recebidos, nos quais so demonstrados de forma detalhada, inicialmente a previso (oramento) e, posteriormente, os documentos que comprovem a adequada aplicao dos recursos, tanto em termos financeiros quanto tcnicos (atividades realizadas e resultados obtidos frente ao previsto). Essa instruo obriga a entidade a apresentar certides de regularidade nos mais variados aspectos legais, previdencirios e fiscais, muitas vezes desconhecidos pela organizao e de difcil obteno, em funo das exigncias dos rgos pblicos. Neste caso, na apresentao do projeto so37

designados os gestores do convnio (responsveis pela execuo e comprovao da utilizao dos recursos na finalidade e objetivos previstos), que alm da prestao de contas sociedade (controle social), ficam sujeitos pelo perodo de 5 (cinco) anos prestao de contas aos rgos de controle pblicos. Uma nova forma de repasse de recursos foi instituda com a criao da nova modalidade de organizao denominada OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico, criada pela Lei no. 9.790/99 (Brasil, 1999), que pode ser obtida em vrios sites de organizaes pblicas e privadas envolvidas com o tema. Essa legislao prev a utilizao do termo de parceria, que pretende atender aos requisitos mnimos de controle previstos para o repasse de recursos pblicos a entidades privadas, porm de forma mais flexvel e simplificada do que a estabelecida pela legislao que rege os convnios. Financiadores privados so aquelas organizaes de interesse privado ou associadas a estas (em geral, fundaes criadas no mbito das empresas), que apiam projetos ou instituies com as quais tm afinidade. Recentemente, com o crescimento do interesse da mdia em assuntos como Responsabilidade Social e Marketing Social, observa-se um grande interesse de instituies com fins lucrativos em realizar aes sociais, seja realizando projetos diretamente atravs de institutos e fundaes prprios ou apoiando outras organizaes do Terceiro Setor. Tema extremamente polmico e recente, a razo do interesse da empresa uma das questes principais a serem analisadas pela organizao beneficiria antes do aceite do apoio, pois a primeira pode querer utilizar a segunda para melhorar sua imagem e no efetivamente contribuir para a causa desta. Nesse caso, importante que a organizao avalie corretamente as obrigaes a que estar sujeita com o recebimento desses recursos, sob risco de comprometer-se a realizar aes contrrias misso e objetivos institucionais. Outra forma de classificar as organizaes a origem da organizao, que, quando nacional, est sujeita legislao brasileira em todos seus aspectos, o que significa que suas exigncias visaro atender s normas do pas que regem o funcionamento legal, a transferncia de recursos, a regulamentao tributria e fiscal, dentre outras. O fato de ter que atender s regras nacionais em geral pode facilitar ou dificultar a obteno e execuo dos recursos: por um lado, em alguns38

casos, como j citado no caso de convnios, extremamente complexa; de outro, grande parte das vezes apresenta facilidade em virtude da maior disponibilidade das informaes e pessoas conhecedoras do assunto. Os financiadores internacionais, em contrapartida, esto sujeitos legislao do pas de origem, s vezes conflitante com a nacional ou que exigem maior quantidade de informaes da instituio. s vezes, a organizao apoiadora est condicionada apenas s normas vigentes em sua nao; no entanto, a aplicao dos recursos pela entidade apoiada tem que obedecer s regras internas brasileiras. Por exemplo, alguns financiadores autorizam a utilizao das verbas apenas para o pagamento dos honorrios dos profissionais para atuar em projetos, sendo indiferente forma de contratao; todavia, a legislao trabalhista nacional determina certas condies que obrigam ao recolhimento de encargos, que, nesses casos precisam ser cobertos por recursos de outra fontes da organizao. A exigncia de determinados documentos em outro idioma tambm pode ser um impeditivo, entretanto, parte dos financiadores providencia a traduo dos mesmos para envio matriz. Em geral, os financiadores internacionais tm menores exigncias quanto execuo, mas oferecem algumas dificuldades diferentes das nacionais, j que em muitos casos fornece manuais e orientaes na lngua do pas de origem, o que dificulta a obteno de informaes sobre a aquisio de recursos, execuo dos projetos ou prestao de contas.

2.6.

O papel dos financiadores no fortalecimento institucional Buscar o desenvolvimento institucional, como afirma Armani em "Comentrios

ABONG ao Levantamento de Instituies que Prestam Servios s ONGS", no tem sido facilitado em decorrncia da ausncia de organzaes de ensino que atuem nessa frente:"No caso do Brasil, importante frisar, as atividades de desenvolvimento institucional das ONGs parecem passar mais por iniciativas das prprias ONGs e pela iniciativa de agncias de cooperao dentro de redes especficas e/ou atravs de consultores independentes, do que pela oferta de servios por parte de instituies especializadas." (Armani; in www.abong.org.br)39

Outro aspecto dificultador para a capacitao que a atuao individual na habilitao se concentra nos grandes centros:"Por outro lado, h inmeros profissionais prestando servios de desenvolvimento institucional s ONGs brasileiras, especialmente nas rea de planejamento estratgico, avaliao institucional, desenvolvimento e aprimoramento de sistemas de PMA (planejamento, monitoramento e avaliao) e, crescentemente, captao de recursos. Estes profissionais tendem a se concentrar no eixo Rio-So Paulo e no Nordeste do pas." (Armani; in www.abong.org.br)

Mesmo existindo instituies acadmicas voltadas para esse tema, ainda no so capazes de atender demanda existente (Armani; in www.abong.org.br): Alguns financiadores, conscientes de que a sustentabilidade das instituies ocorre como resultado de aes que extrapolam a captao de recursos, estando diretamente associados ao desenvolvimento gerencial, tm contribudo com instrumentos elaborados com esse fim, como a Management Sciences for Health MSH, instituio que atua no Brasil junto a organizaes da rea de sade. Em manual desenvolvido a partir de uma metodologia anterior (Management and Organizational Sustainability Tool - MOST), apresenta o instrumento APROGE, que permite avaliar o estgio de desenvolvimento da organizao nas quatro reas gerenciais bsicas e seus 13 componentes (para os quais so elaborados indicadores adequados instituio), conforme a seguir descrito para cada um deles, conforme o exemplo apresentado, que se refere ao componente "Conhecimento" (MSH, 1999): MissoComponente gerencial: Conhecimento Estgio 1 - No existe uma declarao formal e especfica da misso da organizao; ou a declarao da misso existe mas est desatualizada ou incoerente com o propsito atual da organizao Estgio 2 - Somente o pessoal de cargos mais altos conhece a misso da organizao Estgio 3 - A misso foi compartilhada com o staff e as lideranas, mas clientes e parceiros no a conhecem Estgio 4 - A misso conhecida e entendida por todo o pessoal da organizao, lideranas, clientes e parceiros, atravs de um ou mais canais como: apresentao nas atividades de integrao e de desenvolvimento de recursos humanos; referncia em negociaes com parceiros; explicao de programas-chave a Terceiros; aparece com destaque no manual de polticas da organizao; apresentao em manuais da organizao; exibio nas instalaes da 40

organizao.

Tabela 1- Modelo de quadro de avaliao de estgios das organizaes -MSH

As quatro reas gerenciais bsicas e seus respectivos componentes gerenciais considerados pela MSH so: misso: conhecimento e aplicao; estratgia: coerncia com a misso e coerncia com as demandas sociais; estrutura: papis e responsabilidades e tomada de deciso; sistemas: planejamento, coleta de dados e uso da informao, garantia de qualidade, administrao de suprimentos, administrao financeira, captao de recursos financeiros e desenvolvimento de recursos humanos. A mesma organizao, em uma de suas publicaes para as organizaes apoiadas, apresenta uma lista de aes prticas para tornar a organizao sustentvel (MSH, 1999: 361-375): Desenvolver a estabilidade organizacional 1. Definir uma misso clara 2. Desenvolver uma liderana forte e inovadora 3. Recrutar funcionrios de qualidade e remuner-los altura 4. Fortalecer os sistemas gerenciais em todos os nveis 5. Ser flexvel na adaptao s mudanas de ambiente e de necessidades dos usurios 6. Investir a longo prazo Ampliar a demanda e estender o atendimento s populaes de baixa renda e sem acesso a servios 1. Entender as necessidades dos usurios e atend-las 2. Prestar servios de alta qualidade 3. Fazer uma promoo eficaz dos servios de planejamento familiar Ampliar o aporte de recursos e exercer maior controle sobre elas 1. Desenvolver estratgias para a captao de recursos 2. Ampliar a base de recursos 3. Encontrar meio de reduzir os custos 4. Desenvolver um sistema de informaes sobre os custos do programa 5. Planejar e monitorar as despesas 6. Basear as decises nos resultados efetivos do programa 7. Descentralizar o gerenciamento e a administraoTabelas 2 a 4 - Lista de aes prticas para tornar a organizao sustentvel - MSH

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Em relao figura do captador de recursos, Clia Silveira, da FASE, que mantm um fundo para pequenos projetos, destaca a diferena entre o projeto ser apresentado por pessoas envolvidas com ele e por algum que no est engajado com os objetivos que pretende atingir:"... o melhor vendedor do projeto o dono do projeto esse o vendedor, ele acredita naquilo que est propondo e sabe os detalhes que outras pessoas no sabem. Ele no vai usar uma lgica mercantilista para conseguir os recursos no momento da negociao do projeto; ele est sendo um sujeito poltico, no um marqueteiro, no vai fazer um convnio com algum que est implementando uma poltica que ele acha contrria..." (informao verbal em entrevista)

Assim, conforme o exposto, sustentabilidade pressupe a perenidade da instituio; um conceito que enfoca uma srie de habilidades e competncias institucionais, nas quais a capacidade de obteno e gesto dos recursos consiste em uma caracterstica importante, mas que no garante a continuidade das instituies sem fins lucrativos, na medida em que esse segmento opera dentro de um universo conceitual que abrange outras competncias fundamentais, que a afetam direta ou indiretamente.

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3. REFERENCIAL PARA O ESTUDO

Partindo da premissa de que a anlise de instituies sem fins lucrativos deve ser feita luz de suas especificidades, o referencial terico foi desenvolvido tendo por base a ponderao das teorias existentes que possam ser aplicadas, destacando-se os pontos a seguir descritos, diretamente apropriados a esse segmento ou atravs da comparao de linhas de pensamento e prticas que possam ajudar na compreenso e entendimento do problema em foco.

3.1.

Especificidades das Organizaes sem Fins Lucrativos O Terceiro Setor tem que ser estudado de forma inovadora, tanto em relao

instituio quanto s ferramentas de gesto e cultura organizacional, na medida em que um um segmento especfico, distinto dos demais, como afirma Cardoso, uma das principais responsveis pela criao do Programa Comunidade Solidria:"Recorremos hoje expresso Terceiro Setor para distingu-lo do primeiro, que o setor pblico, e do segundo, representado pelas atividades lucrativas. Com essa denominao, queremos tambm enfatizar o carter autnomo e indito desse algo novo que est mudando a sociedade e que se define por no ser nem governo nem empresa, por no querer submeter-se nem lgica do mercado nem lgica governamental." (in Ioschpe, 1997:8)

Conforme Costa e Vergara, necessrio considerar as especificidades das ONGs antes de propor-se a aplicao das proposies da teoria organizacional. (Costa e Vergara, 1997:45). Assim, grande a diferena de valores ticos entre as ONGs e o mercado. A respeito do segundo, Ramos afirma que"deixado sua prpria dinmica, o sistema de mercado trabalha contra a constituio da vida humana associada, entendida como uma comunidade de homens e mulheres. Esse fato tem mesmo sido admitido pelos prprios economistas. Por exemplo, em 1913 Phillip H, Wicksteed descreveu o 'mundo industrial' como uma 'organizao destinada a transmudar aquilo que cada homem tem naquilo que ele deseja, sem qualquer considerao ao que seus desejos possam ser'. Para neutralizar essa conseqncia, imaginou ele um tipo de economia subordinada a ' consideraes ticas', porque a sanidade43

dos desejos dos homens mais importante do que a abundncia de seus meios de concretiz-los. opinio dele, tambm, que 'o mercado no diz, de nenhuma forma fecunda, quais so as necessidades nacionais, sociais ou coletivas, ou os meios de satisfao de uma comunidade, porque ele s nos pode dar somas." (Ramos, 1989:38)

Em relao razo de englobar tal heterogeneidade de instituies englobadas dentro do mesmo termo (Terceiro Setor), Fernandes aponta quatro razes que ilustram algumas das caractersticas especiais das quais se reveste esse segmento, no apenas na retrica, mas em programas e plataformas de natureza prtica:"Faz contraponto s aes de governo. Destaca a idia de que os bens e servios pblicos resultam no apenas da atuao do Estado, mas tambm de uma formidvel multiplicao de iniciativas particulares... Faz contraponto s aes do mercado. Abre o campo dos interesses coletivos para a iniciativa individual... Empresta um sentido maior aos elementos que o compem... Modifica, pois, os termos da oposio central do perodo anterior (Estado x Mercado), realando o valor tanto poltico quanto econmico das aes voluntrias, sem fins lucrativos... Projeta uma viso integradora da vida pblica. Chama-se terceiro porque supe que exista um primeiro e um segundo. Enfatiza, portanto, a complementaridade que existe (ou deve existir) entre aes pblicas e privadas..." (in Ioschpe, 1997:29).

Landim afirma que a anlise de questes que envolvem o terceiro setor no Brasil, em qualquer contexto, tem que passar pela Igreja e grupos religiosos. (Landim, 1998:9) Alberoni e Veca apresentam um conceito que pode ser aplicado no apenas captao de recursos, mas maior parte das relaes que ocorrem no universo das instituies sem fins lucrativos:"A inteno sincera, a bondade de alma, a participao das alegrias e dos sofrimentos dos outros, a generosidade, a pureza de corao, so importantes no somente porque o amor inspira a nossa ao moral. So importantes para alcanar o objetivo da prpria ao moral...E se estas forem as necessidades essenciais dos seres humanos, ento a moral ter que consider-las essenciais... Qualquer moral que decida passar sem a inteno, limitando-se mera ao, desprovida de sentido, pois a inteno condio indispensvel para a eficcia." (Alberoni e Veca, 1990:88-89)

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Segundo Costa e Neves (in Costa e Vergara, 1997:45), o tipo de racionalidade que direciona as aes das ONGs a substantiva, na medida em que elas possuem forte estrutura tico-normativa e adeso simblica a seus propsitos, vistos como causas sociais, o que se aplica a um dos principais focos de atuao das ONGs:"enquanto a preocupao da racionalidade instrumental a busca, pura e simples, da consecuo de objetivos predeterminados em uma relao mecnica entre meios e fins, a racionalidade substantiva se apia em uma estrutura tico-normativa (julgamento de valor) possuindo pretenso emancipatria e buscando contribuir para o aprimoramento da conscincia crtica e autonomia do ser humano." (in Costa e Vergara, 1997:42).

Alguns pontos de diferenciao das ONGs em relao aos demais segmentos, apontados por Costa e Neves so considerados vlidos, em especial: a postura alternativa em relao s organizaes burocrticas, a ausncia de foco no lucro, a ferrenha defesa de seu patrimnio da apropriao privada, a desvinculao ao Governo, o compromisso com a transformao social e a articulao com movimentos sociais (in Costa e Vergara, 1997:44). Costa e Neves abordam, ainda, a questo das caractersticas da cultura das ONGs, que afetam a gesto dos recursos financeiros:"...tais organizaes, geralmente muito influenciadas pelo ativismo, espontaneidade e pela informalidade, vivem o dilema de terem de se estruturar, de forma a evitar a anomia, sem se burocratizar... agilizar o processo decisrio, sem abrir mo de uma gesto democrtica." (in Costa e Vergara, 1997:53)

Segundo Curty "... vale destacar um aspecto que julgamos antecedentes a todos os demais: a imagem de ser humano que habita o inconsciente de todas as ONGs." o que tem um impacto substancial na gesto interna dessas organizaes, pois trata-se de um conceito bsico, do qual partem todas as aes empreendidas (in Costa e Vergara, 1997:82).

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Um risco que se apresenta s instituies do Terceiro Setor com grande intensidade nos ltimos anos a tendncia a obrigar a execuo e avaliar seus resultados com base em critrios econmicos, extrados da lgica do Mercado, nos quais prevalecem a preocupao com o planejamento e a utilizao tima dos recursos, relegando a segundo plano a principal contribuio dessas organizaes: o crescimento coletivo, a troca de experincias individuais para o bem comum e, especialmente, para a construo de de espaos democrticos, nos quais cada pessoa vista como um agente especial para a sociedade, que contribui com novos conhecimentos e relaes capazes de modific-la. Essa forma de pensamento provoca, tambm, o desprezo pela forma de atuao em coletividade que esses movimentos costumam apresentar, com respeito dignidade humana e socializao do conhecimento nos vrios espaos coletivos nos quais seus membros interagem. A compreenso de que o ser humano deve ser caracterizado como agente que contribui significativamente com o sistema do qual se beneficia uma das questes fundamentais para o estudo dessas organizaes (Tenrio, 1999:85-102). Em relao ao quadro de recursos humanos, as instituies sem fins lucrativos, mesmo aquelas que realizam processos seletivos similares ao que o mercado efetiva para obter profissionais, atrai pessoas que tm vnculo com a causa defendida, que devem ser considerados quando da anlise dessas organizaes, em especial porque tm motivaes que extrapolam o vnculo empregatcio. A esse respeito, afirma Kisil que o corpo tcnico normalmente resulta de profissionais que geralmente se ligam organizao por razes filosficas e tem um fort