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  • RITA DE CASSIA GOMES MACHADO

    Uma anlise dos Exames de Admisso ao Secundrio (1930-1970):

    subsdios para a Histria da Educao Matemtica no Brasil

    MESTRADO EM EDUCAO MATEMTICA

    PUC/SPSo Paulo

    2002

  • RITA DE CASSIA GOMES MACHADO

    Uma Anlise dos Exames de Admisso ao Secundrio (1930-1970):

    subsdios para a Histria da Educao Matemtica

    Dissertao apresentada Banca Examinadora

    da Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo, como exigncia parcial para obteno do

    ttulo de MESTRE EM EDUCAO

    MATEMTICA, sob a orientao do Prof. Dr.

    Wagner Rodrigues Valente.

    PUC/SPSo Paulo

    2002

  • Banca Examinadora

    ____________________________________

    ____________________________________

    ____________________________________

  • Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total

    ou parcial desta dissertao por processos de fotocopiadoras ou eletrnicos.

    Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

  • Para Marcelo, Fernanda,pais, sogros, irmos edemais familiares, peloamor demonstrado, razode minha vida, e que meabasteceu durante a fase

  • difcil de concluso destapesquisa.

    AGRADECIMENTO

    Ao Professor Dr. Wagner RodriguesValente, meu orientador, pelo incentivo,respeito, amizade, confiana, colaborao eapoio na elaborao desta pesquisa.

    s Professoras Doutoras Clia MariaCarolino Pires e Circe Mary Silva daSilva, pelas pertinentes sugestes e apoio navalidao do trabalho.

    Professora Doutora Sonia BarbosaCamargo Igliori, pelo importante apoio econfiana em um momento difcil do mestrado.

    Aos Professores do Programa de Ps-Graduao da PUC-SP em EducaoMatemtica pela colaborao e amizade.

    Ao Colgio Pedro II, em especial, aoProfessor Wilson Choeri pela valiosacooperao oferecida durante a compilaodos dados.

    Escola Estadual de So Paulo, emespecial s Professoras Maria TeresaVeneziani Sbrana,, Clia ReginaCortez de Oliveira e Irce Divina dasGraas Borges pela ajuda e apoio durantea coleta de dados.

    Ao Professor Stlio Roxo, pela doao doarquivo particular de seu pai, Professor

  • Euclides Roxo, que vem possibilitando odesenvolvimento dos trabalhos de pesquisa doprojeto Histria da Educao Matemtica noBrasil, 1920-1960.

    Aos meus amigos do grupo depesquisa e do Mestrado da PUC/SP,pela colaborao e incentivo. Em especial Aparecida e Marilene pelos bonsmomentos compartilhados.

    direo do Jardim Escola Paulista,pela aceitao de meu pedido de afastamentotemporrio das funes docentes.

    Ao Francisco O. da Silva, pela pacincia eatendimento atencioso todas as vezes em que foisolicitado.

    s Professoras Ivone Borelli e DanilaRibeiro, pela reviso do texto deste trabalho.

    CAPES, pela ajuda financeira pararealizao desta dissertao.

    A todos que direta ou indiretamente tornarampossvel a realizao desta pesquisa.

    A autora

  • RESUMO

    Este estudo intenta contribuir com a histria da Educao Matemtica no

    Brasil, no perodo 1920 - 1960, a partir da anlise das provas de Matemtica dos

    exames de admisso ao ensino secundrio. Considerando como referencial

    terico-metodolgico estudos sobre a histria das disciplinas escolares, a

    pesquisa procurou mostrar que os exames de admisso constituram entrave

    proposta de modernizao do ensino de Matemtica no Brasil. Essa proposta

    refletia no pas, o iderio do primeiro movimento de internacionalizao da

    Matemtica escolar.

    Palavras-chave: Provas de Matemtica, exame de admisso, legislao de

    ensino, ensino secundrio.

  • ABSTRACT

    This study intends to contribute to the History of Mathematics Education in

    Brazil from 1920 to 1960, from the analysis of Mathematics tests of entrance

    examination tests in secondary school. Considering theoretical-methodological

    studies about the history of school disciplines as references, the research tried to

    show that the entrance examinations constituted an obstacle to the modernization

    proposal of mathematics teaching in Brazil. This proposal reflected the design of

    the first movement of internalization of school mathematics.

    Key-words: mathematics tests, entrance examination, teaching legislation,

    secondary school.

  • SUMRIO

    INTRODUO................................................................................................. 1

    CAPTULO 1.

    CONSIDERAES TERICO-METODOLGICAS................................... 5

    1.1. PROVAS E EXAMES COMO PARTES CONSTITUINTES

    DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR........................................................ 5

    1.2. PROVAS E EXAMES COMO FONTES PARA A HISTRIA

    DA EDUCAO................................................................................... 7

    1.3. OS ARQUIVOS DA ESCOLA ESTADUAL DE SO PAULO

    E DO COLGIO PEDRO II, RIO DE JANEIRO................................... 10

    1.4. O TRABALHO COM AS PROVAS....................................................... 13

    CAPTULO 2.

    UM POUCO DA HISTRIA DO INGRESSO NO ENSINO SECUNDRIO

    DO BRASIL ANTES DA REFORMA FRANCISCO CAMPOS.................... 15

    CAPTULO 3.

    O INGRESSO NO SECUNDRIO E AS REFORMAS

    FRANCISCO CAMPOS, GUSTAVO CAPANEMA E LDBEN 4.024........... 27

    3.1. REFORMA FRANCISCO CAMPOS...................................................... 27

    3.2. REFORMA GUSTAVO CAPANEMA..................................................... 32

    3.3. LDBEN 4.024......................................................................................... 38

    CAPTULO 4.

    A LEGISLAO DE ENSINO E O EXAME DE ADMISSO...................... 42

    CAPTULO 5.

    AS PROVAS DE MATEMTICA DO EXAME DE ADMISSO................... 56

  • 5.1. CATEGORIZAO DOS EXAMES DE ADMISSO............................. 56

    5.2. ANATOMIA DO EXAME DE ADMISSO DO GINSIO DA

    CAPITAL: FORMA E CONTEDOS..................................................... 68

    5.3. ANATOMIA DO EXAME DE ADMISSO DO COLGIO

    PEDRO II: FORMA E CONTEDOS.................................................... 96

    5.4. COMPARAO ENTRE OS EXAMES DE ADMISSO DO GINSIO

    DA CAPITAL E DO COLGIO PEDRO II.............................................. 113

    CAPTULO 6.

    CONCLUSO.............................................................................................. 120

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 126

    ANEXOS........................................................................................................... i

    1. A Legislao de Ensino sobre o Exame de Admisso 1931 - 1970.......... i

    DECRETO No 19.890 de 18 de abril de 1931..................................................................................... i

    DECRETO No 21.241 de 4 de abril de 1932....................................................................................... ii

    PORTARIA de 15 de abril de 1932.................................................................................................... ii

    DECRETO No 22.106 de 18 de novembro de 1932............................................................................ ii

    CIRCULAR No 625 de 6 de setembro de 1933................................................................................... iii

    PORTARIA No 142 de 24 de abril de 1939........................................................................................ iv

    CIRCULAR No 8 de 19 de agosto de 1939......................................................................................... v

    DECRETO-LEI No 1.750 de 8 de dezembro de 1939......................................................................... vi

    PORTARIA No 479 de 30 de novembro de 1940............................................................................... vi

    CIRCULAR No 13 de 3 de dezembro de 1940................................................................................... vi

    CIRCULAR No 13 de 12 de dezembro de 1941................................................................................. vii

    DECRETO-LEI No 4.244 de 9 de abril de 1942................................................................................. vii

    PORTARIA No 193 de 13 de maio de 1950....................................................................................... vii

    PORTARIA No 458 de 27 de fevereiro de 1951................................................................................. viii

    CIRCULAR No 1 de 15 de maro de 1951......................................................................................... viii

    PORTARIA No 501 de 19 de maio de 1952....................................................................................... ix

    DECRETO No 27.017 de 14 de dezembro de 1956............................................................................ xi

    DECRETO No 29.493 de 27 de agosto de 1957.................................................................................. xiii

    DECRETO No 33.368 de 9 de agosto de 1958.................................................................................... xiv

    PORTARIA No 325 de 13 de outubro de 1959................................................................................... xvi

    CIRCULAR No 3 de 11 de novembro de 1959................................................................................... xvii

    DECRETO No 38.538 de 29 de maio de 1961.................................................................................... xviii

    LEI No 4.024 de 20 de dezembro de 1961.......................................................................................... xix

  • DECRETO No 39.900 de 15 de maro de 1962.................................................................................. xix

    DECRETO No 40.235 de 13 de junho de 1962................................................................................... xx

    CIRCULAR No 973 de 25 de maio de 1965....................................................................................... xxi

    DECRETO No 45.159 A de 19 de agosto de 1965.............................................................................. xxii

    DECRETO No 47.407 de 19 de dezembro de 1966............................................................................ xxiii

    DECRETO No 48.049 de 1 de junho de 1967..................................................................................... xxiii

    DECRETO No 52.353 de 6 de janeiro de 1970................................................................................... xxiii

    LEI No 5.692 de 11 de agosto de 1971................................................................................................ xxiv

    2. Documentos Exigidos para a Inscrio no Exame de Admisso................. xxv

    3. Certificado do Exame de Admisso.............................................................. xxix

  • Ginsio da Capital So Paulo SP

    Colgio Pedro II Rio de Janeiro RJ

  • 1INTRODUO

    Este trabalho constitui parte do projeto maior de pesquisa intitulado

    HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA NO BRASIL, 1920 1960,

    coordenado pelo Professor Doutor Wagner Rodrigues Valente, e financiado pela

    FAPESP por meio do Processo de nmero 01/03085-6, cujo objetivo :

    ...escrever a histria do percurso seguido pelo ensino de Matemtica no

    Brasil, no perodo compreendido entre o primeiro movimento de

    modernizao desse ensino e o chamado Movimento da Matemtica

    Moderna. Noutros termos, a pesquisa busca reconstruir o trajeto seguido pela

    Matemtica escolar situada entre a crtica ao formalismo clssico e a sua

    adeso axiomtica moderna. Tomando a Matemtica como um tipo de

    produo cultural, a ser apropriada e desenvolvida em diferentes contextos,

    inclusive o escolar, o estudo pretende preencher uma lacuna importante

    existente na Histria da Educao Matemtica brasileira (VALENTE,

    2001.a).

    Empreender a escrita da histria seguida pela Educao Matemtica no

    Brasil, a partir de seu primeiro movimento de modernizao, concentrar-se,

    sobretudo, no ensino secundrio que, em tempos de Repblica Nova, integra-se

    na composio da primeira reforma de organizao do sistema de ensino no

    Brasil: a Reforma Francisco Campos.

    A partir dessa reforma, cabe indagar: Quais condies eram impostas

    queles que tencionavam galgar mais um degrau da escolaridade? Que esperava

    o ensino secundrio dos egressos do ensino primrio?

  • 2Voltando a ateno Educao Matemtica, interessa, especificamente,

    indagar: Em tempos de modernizao do ensino das Matemticas, tempos em

    que ocorreu a fuso da lgebra, Aritmtica e Geometria, que eram disciplinas

    autnomas, que tipo de formao em Matemtica o aluno, que cursou o ensino

    primrio, deveria ter recebido para poder continuar seus estudos no secundrio?

    Isso remete diretamente ao exame de admisso, avaliao de carter nacional

    criada pelo governo revolucionrio de Getlio Vargas, para disciplinar, organizar e

    selecionar os alunos que desejassem ingressar no secundrio.

    O exame de admisso compreendia as provas realizadas pelos alunos

    para ingresso no ensino secundrio, que se tornaram de carter nacional pelo

    Decreto N 19.890 de 18 de abril de 1931, com a Reforma Francisco Campos.

    Assim, o Art. 18 desse decreto estabelecia que o candidato matrcula na 1

    srie de estabelecimento de ensino secundrio prestar exame de admisso na

    segunda quinzena de fevereiro. Dentre outras disposies, o exame de admisso

    constava de provas escritas, uma de Portugus (ditado e redao) e outra de

    Aritmtica (clculo elementar) e de provas orais sobre elementos dessas

    disciplinas e mais sobre rudimentos de Geografia, Histria do Brasil e Cincias

    Naturais (BICUDO, 1942:12).

    Nos 40 anos de existncia dos exames de admisso, algumas mudanas

    ocorreram como: a quantidade de questes presentes em cada exame; as

    disciplinas exigidas nas provas; o clculo da mdia final do aluno, como tambm,

    a quantidade de professores envolvidos na correo. No entanto, como ressalta

    Valente: o carter fundamental do exame mantm-se: o da seleo, da

    restrio do acesso continuidade dos estudos rumo ao ensino superior

    (2001.b).

    Valente (2001.b) afirma ainda que o exame de admisso, durante quatro

    dcadas, constituiu-se em uma divisria entre o ensino primrio e o secundrio,

    pela qual todos os estudantes precisavam passar para dar continuidade aos

    estudos. No incio de 1970, o Decreto N 52.353 prescrevia a unificao dos

    ensinos primrio e ginasial; sendo assim, a escolaridade bsica passaria para oito

    anos, sem interrupo, porm, isso somente ocorreu em carter nacional com a

    Lei N 5.692/71. Desta forma, o exame de admisso no tinha mais motivo para

  • 3existir, passou a no ser mais considerado. No entanto, a partir do momento que

    os exames de admisso no foram mais obrigatrios em territrio nacional,

    algumas escolas continuaram a us-los para a seleo de alunos.

    Aps essas consideraes e voltando a ateno s provas de Matemtica

    dos exames de admisso, algumas indagaes, desde logo, podem ser

    formuladas: As questes dos exames de admisso de Matemtica permaneceram

    intactas durante cerca de 40 anos? As exigncias feitas aos alunos sofreram

    alterao no perodo? Houve algum tipo de evoluo didtica nas questes

    formuladas?

    A busca das respostas a essas questes, pela anlise dos exames, levou-

    nos a compreender melhor quais foram as marcas que as provas de Matemtica

    dos exames de admisso deixaram na Histria da Educao Matemtica no

    Brasil.

    Assim, nosso texto organiza-se do seguinte modo:

    No primeiro captulo, tratamos da fundamentao terico-metodolgica na

    qual este trabalho encontra-se baseado, alm da apresentao dos dois colgios

    cujos arquivos escolares utilizamos.

    No segundo captulo, fazemos uma retrospectiva histrica com o objetivo

    de verificar como se dava o ingresso no ensino secundrio antes de 1931, ou

    seja, antes da Reforma Francisco Campos.

    Posteriormente, no terceiro captulo, analisamos o ingresso ao ensino

    secundrio desde a Reforma Francisco Campos, onde o exame de admisso

    ganha um carter nacional, at a unificao dos ensinos primrio e ginasial.

    No quarto captulo, tecemos comentrios sobre a legislao de ensino

    relacionada aos exames de admisso de Matemtica. Em anexo, procuramos

    incluir essa legislao com o intuito de contribuir com futuras pesquisas sobre o

    mesmo tema, dado que esse material no se encontrava, at ento, organizado e

    disposto para uma consulta imediata.

  • 4Quanto ao quinto captulo, realizamos uma anlise das provas de

    Matemtica dos exames de admisso, tanto do Colgio Pedro II, do Rio de

    Janeiro, como do Ginsio da Capital, de So Paulo.

    J no sexto e ltimo captulo, conclumos este trabalho de pesquisa

    fazendo consideraes sobre o papel das provas de Matemtica dos exames de

    admisso na trajetria histrica da Educao Matemtica no Brasil, durante o

    perodo estudado.

  • 5CAPTULO 1

    CONSIDERAES TERICO-METODOLGICAS.

    1.1. PROVAS E EXAMES COMO PARTES CONSTITUINTES DE UMA

    DISCIPLINA ESCOLAR.

    No texto Histria das disciplinas escolares: reflexes sobre um campo de

    pesquisa, Andr Chervel faz consideraes sobre a pesquisa do trajeto histrico

    de uma disciplina escolar. Dentre outros aspectos, busca responder questes

    como: O que uma disciplina escolar? Quais so suas partes constituintes?

    De acordo com Chervel, disciplina escolar o que se ensina; mas a

    histria do termo disciplina aparece aps a Primeira Guerra Mundial. A palavra

    disciplina e a expresso disciplina escolar at o final do sculo XIX,

    designavam no uso escolar a vigilncia dos estabelecimentos, a represso das

    condutas prejudiciais sua boa ordem e parte da educao dos alunos que

    contribui para isso (1990:178).

    J no final do sculo XIX e incio de XX, o termo disciplina, segundo

    Chervel, recebeu seu significado de um emprstimo do latim disciplina que

    designa a instruo que o aluno recebe do mestre. Na verdade, faz par com o

    verbo disciplinar, na forma de uma ginstica intelectual, referindo-se ao

    desenvolvimento do julgamento, da razo, da faculdade de combinao e de

    inveno (1990:179).

    O autor considera que se deva empregar o termo como contedos de

    ensino, prprios da classe escolar, independentes de toda realidade cultural

  • 6exterior escola. Enfim, os contedos de ensino (o saber escolar), que esto

    postos em forma de disciplina escolar, so produzidos pela escola, na escola e

    para o consumo escolar, tendo certa independncia de toda a realidade exterior

    escola. Em sntese, Chervel pondera que as disciplinas escolares so o preo que

    a sociedade paga para que a cultura escolar seja expressa (CHERVEL,

    1990:181).

    Ainda, segundo o autor, o processo de instalao, aceitao, discusso,

    funcionamento e abandono de uma disciplina lento, pois envolve trs fatores: o

    cultural; a transformao pelo pblico escolar do contedo dos ensinos; o esforo

    coletivo realizado pelos mestres para deixar que os mtodos, realmente, atinjam

    os objetivos propostos (CHERVEL, 1990:199).

    Quanto constituio de uma disciplina escolar, Chervel afirma que

    composta de diferentes elementos, sendo o primeiro:

    A exposio pelo professor ou manual de um contedo de conhecimentos

    um dos importantes componentes de uma disciplina escolar, para cada uma

    das disciplinas, o peso especfico desse contedo explcito constitui uma

    varivel histrica cujo estudo deve ter um papel privilegiado na histria das

    disciplinas escolares (1990:202).

    Ainda para Chervel, se os contedos explcitos constituem o eixo central

    da disciplina escolar, os exerccios so a contrapartida quase indispensvel, pois

    esses representam todas as atividades reproduzidas pelos alunos que auxiliam no

    aprendizado. Alm disso, o autor acredita que o sucesso das disciplinas depende

    de modo fundamental da qualidade dos exerccios, aos quais eles se prestam

    (1990:204).

    Outro componente da disciplina escolar descrita por Chervel a prtica da

    motivao e da incitao ao estudo que representa toda uma preparao, uma

    motivao do aluno para a aquisio de um novo conhecimento, envolvendo-o de

    tal maneira, que ele se sinta preparado para assimilar uma nova informao,

    gerando um novo aprendizado (1990:205).

  • 7Por ltimo, e, no menos importante que os outros, est a funo

    docimolgica1, termo utilizado por Chervel (1990:206) para designar as avaliaes

    escolares que englobam dois fenmenos determinantes no desenrolar das

    disciplinas ensinadas. Um deles seria a especializao de certos exerccios em

    sua funo de controle, ou seja, as provas que so realizadas durante o ano. O

    outro o que possibilita a passagem de estgio: so os chamados exames finais,

    que permitem a passagem para uma prxima etapa. Nesse ponto, relativamente a

    nosso estudo, possvel pensar nos exames de admisso que possibilitaram a

    passagem do ensino primrio ao secundrio.

    Assim como Chervel; que considera que as provas e os exames so

    elementos constituintes de uma disciplina escolar, cabe indagar sobre o papel dos

    exames de admisso e, em particular, das provas de Matemtica desses exames,

    na trajetria histrica da disciplina escolar Matemtica. Isso nos remete s marcas

    deixadas pelos exames de admisso na Histria da Educao Matemtica

    brasileira.

    1.2. PROVAS E EXAMES COMO FONTES PARA A HISTRIA DA EDUCAO.

    A escrita da histria das disciplinas escolares mostrou, desde logo, a

    necessidade de promover as fontes privilegiadas de pesquisa: os livros didticos,

    os dirios de classe de professores, os cadernos, as provas, os exames e

    exerccios propostos aos alunos, enfim, toda uma documentao que compe, de

    modo geral, os arquivos escolares e que passa a exercer grande importncia para

    o desvelamento da trajetria dos saberes efetivamente presentes no cotidiano

    escolar em um determinado perodo. Assim, o cruzamento dessa documentao

    escolar com uma documentao tradicionalmente j utilizada, como a legislao

    de ensino, e as obras de grandes pedagogos que marcam o pensamento

    educacional de uma poca e os textos de histria das cincias, podero permitir

    uma aproximao e estudo cada vez mais acurado sobre o que historicamente

    ocorreu tanto no processo de ensino-aprendizagem como na marcha de

    1 Referente docimologia, do francs docimologie (equivale ao estudo cientfico dos exames e dos

    concursos), provavelmente, um neologismo nessa lngua, pois o Larousse (Lexis) registra seu uso inicialcomo sendo de 1960. Sem registro em Portugus, ao menos no dicionrio Aurlio (CHERVEL, 1990: 206).

  • 8constituio/transformao dos saberes escolares (MACHADO & VALENTE,

    2000).

    A documentao escolar, volumosa em seu tempo, constitui-se

    posteriormente de um material raro de se encontrar. Segundo Chervel, os

    trabalhos dos prprios alunos so evidentemente fontes primrias. O conjunto da

    produo escrita realizada pelos alunos desde h quatro sculos eleva-se a cifras

    imensurveis (1990:209). Mas, onde esto as fontes primrias? Elas so difceis

    de serem encontradas, pois alm de requererem todo um cuidado para a

    conservao, muitos daqueles que as possuem no percebem esse material

    como fonte para a histria, deixando que elas se deteriorem. Por outro lado,

    existe o hbito das pessoas descartarem objetos como cadernos escolares, livros,

    redaes e provas ao trmino de um ano escolar por falta de espao.

    Pedro Nava (1903-1984), relembrando seus tempos de ex-aluno do

    Internato do Colgio Pedro II, deixou registrada essa preocupao com a

    preservao da produo intra-escolar, ao perguntar:

    Mas onde estaro as atas da Sociedade Recreativa de 1857 e de outras

    entidades literrias do Internato e do Externato? e O Tamoio? em que saiu a

    primeira publicao de Taunay. Quem poder dar a notcia de O Escudo de

    Minerva? que era manuscrito setenta anos antes da nossa A Tocha. Quem

    lembra aquela luxuosa revista em papel couch dos alunos de Internato no

    princpio deste sculo? No consigo recuperar seu nome e s recordo a

    impresso que me trouxe um artigo sobre a guilhotina acompanhado da

    fotografia do terrvel instrumento! Onde esto as flores dantanho? e

    sobretudo onde? onde? estaro os Livros de Parte em cujas folhas, com

    lavores literrios e bela letra cursiva, o Pastel, o Caturrita, o Corcovado, o

    Candinho-Jacar, o Pires-Ventania, o Salatiel-Mirin e os outros inspetores

    comunicavam nossos atentados ao Bacharel Quintino do Vale Chefe de

    Disciplina, Familiar do Santo Ofcio, Senhor tonante do nosso destino e de

    nossas sadas (NAVA, 1977:274).

    De todo modo, h um certo alento em relao preservao das fontes

    escolares. Como nos informa Ribeiro, est crescendo o nmero de iniciativas

    destinadas criao de centros de memria, ncleos de documentaes,

  • 9memoriais, museus, tudo com o objetivo de preservar a memria do prprio pas

    (1992:47).

    Assim, quando existe a oportunidade de estarmos em contato com

    arquivos escolares, a discusso fica mais rica e fortalecida pelo fato de melhor

    podermos analisar o que ocorreu no cotidiano escolar. Quando encontramos

    disposio fontes primrias, tais como arquivos pessoais de professores,

    pronturios de alunos e, dentro dos mesmos, provas e exames, podemos

    perceber a importncia do caminho a percorrer. Ou ainda:

    Quando se tem disposio exames e provas de alunos, ganha-se a

    possibilidade de anlise de ingredientes fundamentais da prtica pedaggica.

    Em especial, elementos que podero permitir que se escreva uma histria da

    avaliao escolar para alm do que a legislao do ensino prescreveu sobre o

    assunto (MACHADO & VALENTE, 2000).

    Os exames e as provas dos alunos fazem parte dos arquivos das escolas.

    Conforme ressalta Ribeiro: ainda se desconhece que os arquivos das escolas,

    como os demais arquivos, so celeiros da histria e depsitos da memria

    coletiva, podendo, por isso, tornar-se um lugar especial para a pesquisa

    histrica... (1992:48). Na maioria das vezes, sabemos que tais documentos esto

    acumulados em arquivos mortos2 ou, pelo menos, deveriam estar. Entretanto,

    com o passar do tempo, muitos desses documentos, que fazem parte da vida

    escolar, somem. Vrios motivos envolvem esses desaparecimentos: seja o

    professor que joga fora tanto as provas como os trabalhos dos alunos que ficaram

    em suas mos, alm de no conservarem seus pertences de trabalho, como livros

    didticos, materiais utilizados na sala de aula, rascunhos de provas etc.; seja a

    secretaria da escola, por no possuir lugar suficiente, que tambm no guarda por

    muito tempo provas e ou exames e dirios de classe. Quanto aos materiais que

    ficam em poder dos alunos, sempre possvel pensar na me orgulhosa que

    guarda com carinho e capricho seus cadernos, provas, sobretudo com notas

    2 Arquivo morto a denominao comumente utilizada em escolas e outros estabelecimentos para designaro depsito onde se acumulam os documentos j no mais necessrios administrao, mas que aindaguardam valor legal. Ao organizar a documentao, permitindo-lhe acesso a pesquisadores e comunidade,tais depsitos podem ser transformados em arquivos permanentes ou histricos, de carter definitivo, emfuno de seu valor (CAMARGO & BELLOTTO, 1996:8).

  • 10

    altas, mas, em determinado dia, numa faxina, o filho no hesita em jogar esse

    material no lixo.

    Em texto recente, Valente indaga: O que resta, ento, da memria das

    escolas, das prticas pedaggicas, de cotidianos escolares vividos noutros

    tempos? (2001.b). H muitos documentos sendo produzidos nesse meio escolar,

    mas como existe o problema de espao, a legislao brasileira vem dando maior

    importncia preservao daqueles com valor probatrio, como certido de

    nascimento, comprovantes de matrculas, desligamento ou transferncia do aluno,

    fichas de notas e freqncia do aluno e outros como dirios de classe, boletins de

    trabalhos e provas que podem ser incinerados aps um determinado tempo

    (RIBEIRO, 1992:58).

    Uma das preocupaes do projeto de pesquisa em que nos inserimos,

    refere-se conservao desses documentos, constituindo-se, portanto, um dos

    motivos para que fosse incorporado ao projeto a produo de um CD-ROM

    (VALENTE, 2001.c) que pudesse reunir os antigos exames de admisso.

    1.3. OS ARQUIVOS DA ESCOLA ESTADUAL DE SO PAULO E DO COLGIO

    PEDRO II, RIO DE JANEIRO.

    Por intermdio do professor orientador deste estudo, foi possvel descobrir

    as fontes deste trabalho, que se constituem nos exames de admisso

    encontrados nos pronturios dos alunos do antigo Ginsio da Capital, atualmente,

    Escola Estadual de So Paulo, localizada na regio central da cidade de So

    Paulo.

    O Ginsio da Capital ou Ginsio do Estado foi o primeiro ginsio pblico e

    seriado em So Paulo. Antes dessa instituio ser criada, o ensino secundrio

    particular em So Paulo somava 44 estabelecimentos (NADAI, 1987:57).

    Segundo a autora, as aulas do Ginsio da Capital iniciaram-se em 19 de

    dezembro de 1894, funcionando as trs primeiras sries. No entanto, em 15 de

    outubro do mesmo ano, foram realizados os exames de suficincia para admisso

    dos alunos no estabelecimento recm-criado, perante uma banca de trs

  • 11

    membros. Os alunos foram avaliados por meio de provas orais e escritas de

    Gramtica e Leitura, Geografia, Histria, Aritmtica e Geometria (1987:112).

    Assim, o ingresso neste estabelecimento de ensino dava-se pela aprovao no

    exame de admisso desde a sua fundao.

    Ao longo de sua histria, esse ginsio recebeu vrios nomes: Ginsio de

    So Paulo, Colgio de So Paulo, Colgio Estadual Franklin Delano Roosevelt,

    Colgio Estadual Presidente Roosevelt, Colgio Estadual de So Paulo, Escola

    Estadual de So Paulo, Escola Estadual de 2 Grau de So Paulo e, atualmente,

    Escola Estadual de So Paulo. O colgio tambm foi marcado por vrias

    mudanas de localizao: Travessa da Glria era o endereo quando foi

    inaugurado. Depois passou pela Rua Boa Morte, atualmente, Rua do Carmo; pela

    Rua Conde do Pinhal; em seguida, foi transferido ao Liceu de Artes e Ofcio;

    permaneceu desde 1933 at 1940 no Parque D. Pedro II e Rua do Carmo,

    mudando-se, posteriormente, para a Rua Frederico Alvarenga n 121 continuando

    neste endereo at 1960. Atualmente, encontra-se na Rua da Figueira n 500,

    Parque D. Pedro II.

    Pelo colgio passaram nomes ilustres como: Jlio Prestes, Armando Salles

    de Oliveira, Ranieri Mazzili, Carvalho Pinto, Csper Lbaro, Paulo Setbal, Jos

    Carlos de Macedo Soares, Orgenes Lessa, Carlos Pasquale, Benedito Castrucci,

    Eleazar de Carvalho, Euclides de Figueiredo, entre outros.

    A atual Diretora3 da Escola Estadual de So Paulo a principal

    responsvel pelo excelente estado em que se encontra o arquivo do primeiro

    ginsio oficial da capital.

    Conforme relato da Diretora, esses arquivos estavam em um depsito

    mido, onde entrava gua da chuva. Percebendo o valor dos documentos, a

    diretora resolveu organiz-los com sua equipe de trabalho. Desse modo, foi feito

    um admirvel movimento para a organizao do arquivo, visto que os

    encarregados no eram especialistas no assunto. Assim, todas as atas foram

    encapadas, os pronturios dos alunos guardados dentro de arquivos e os

    documentos, em local apropriado e de fcil acesso.

    3 Professora Maria Teresa V. Sbrana h 16 anos diretora da Escola Estadual de So Paulo e responsvel,tambm, pela organizao do arquivo morto da escola.

  • 12

    O arquivo foi organizado, em um local adequado para sua guarda. Somado

    a isso, a conscincia da importncia desse material pelos profissionais que atuam

    no colgio permite a produo de pesquisa que muito pode contribuir com

    histrias de prticas pedaggicas. Como afirmam Carvalho e Nunes, as visitas

    aos arquivos tm um significado prprio dentro da prtica do historiador e

    exercem um poder polivalente4, sendo o poder do usurio, no caso, o

    pesquisador, muito importante, pois representa o contato com documentos,

    muitas vezes raros, e a capacidade de contribuir com seu prprio estudo e com a

    escrita de uma parte da histria da educao (1993:26-27).

    No colgio encontram-se, desde a data de sua fundao, as atas das notas

    dos alunos e os livros de ocorrncias muito bem organizados. Mas, em razo da

    umidade do local onde se encontravam, muitos desses documentos se perderam

    e outros se acham parcialmente danificados, porm grande parte do arquivo est

    preservada.

    Para a realizao desta pesquisa, separamos um exemplar de cada exame

    desde 1931 a 1969, perodo em que os exames de admisso eram considerados

    de carter nacional. No ano de 1965, por algum problema que no sabemos

    explicar, no foi possvel encontrar nenhum exemplar. Nos dados das tabelas do

    captulo 5, pode-se perceber que, s vezes, em um ano havia mais de um modelo

    de prova ou porque eram de datas diferentes, fevereiro ou dezembro, ou porque

    havia mais de um modelo na mesma data.

    No decorrer de nosso trabalho, com os exames feitos em So Paulo,

    tivemos acesso tambm s provas do Colgio Pedro II. Assim, surgiu a idia da

    anlise desses exames, ampliando a amostra para estudo. Consideramos que os

    arquivos escolares da Escola Estadual de So Paulo e do Colgio Pedro II tm

    grande importncia histrica.

    O Colgio Pedro II, fundado em 1837, introduziu os estudos simultneos e

    seriados, foi institudo, desde sua fundao, como padro nacional. At 1856,

    esse colgio tinha um regime de externato e, aps esta data, manteve tambm o

    internato. O Pedro II um estabelecimento federal, mas mesmo assim, no incio

    4 Segundo Le Goff, esse poder polivalente o poder do doador, do organizador dos acervos e do usurio queos manipula (1984:104) (apud CARVALHO & NUNES, 1993:26).

  • 13

    de sua fundao, era um colgio pago, com bolsas de estudos para alunos que

    no pudessem pagar. Atualmente, o Colgio Pedro II possui cinco unidades no

    Rio de Janeiro.

    O arquivo morto do Colgio Pedro II no est to organizado como o da

    Escola Estadual de So Paulo. No arquivo morto dos ex-alunos, h muitos

    documentos espalhados em um corredor de, aproximadamente, 2,40 metros de

    largura por 8 de comprimento. Alguns dos pronturios de alunos esto dentro de

    arquivos de ferro, outros envolvidos em sacos plsticos, misturados com atas de

    alunos aprovados em exames e com livros contendo ofcios. Desta forma, no

    nos foi possvel encontrar exames em todos os anos do perodo de 1931-1969,

    mesmo porque no eram todos os pronturios de alunos que continham provas

    dos exames de admisso.

    Finalmente, cabe mencionar que os exames de admisso encontrados na

    Escola Estadual de So Paulo foram digitalizados e passaram a constituir um guia

    de fontes de pesquisa denominado Os exames de admisso ao ginsio,

    1931-1969. Tal material foi elaborado pelo grupo de pesquisa do projeto maior

    Histria da Educao Matemtica no Brasil, 1920-1960, de que esta pesquisa

    parte integrante.

    1.4. O TRABALHO COM AS PROVAS.

    No temos conhecimento de referenciais tericos que tenham sido

    produzidos com o fim de orientar as anlises das provas escolares como fontes

    de pesquisas histricas. Assim, tudo indica que justamente com base no contato

    com as provas dos alunos que se ganha a possibilidade de formular hipteses

    que possam ser testadas relativamente contribuio dos exames de admisso

    para a Histria da Educao Matemtica. No h, portanto, procedimentos

    metodolgicos a priori que devam ser aplicados ao conjunto emprico.

  • 14

    O captulo 5 trata de elucidar como o contato progressivo com as provas de

    Matemtica do exame de admisso foi possibilitando o desenvolvimento de uma

    metodologia de anlise para o estudo.

  • 15

    CAPTULO 2

    UM POUCO DA HISTRIA DO INGRESSO NO ENSINO

    SECUNDRIO DO BRASIL ANTES DA REFORMA

    FRANCISCO CAMPOS.

    No Imprio, o ensino secundrio possua um carter propedutico: tinha o

    objetivo de preparar os candidatos para as escolas superiores. O ato adicional de

    1834 (Lei N 16, de 12 de agosto), confiava s provncias o direito de legislar

    sobre a instruo pblica e estabelecimentos prprios a promov-la, excluindo as

    faculdades de medicina, os cursos jurdicos, academias ento existentes e outros

    quaisquer estabelecimentos que no futuro fossem criados por lei geral. Assim,

    notamos que havia dois sistemas de ensino: o provincial, responsvel pelos

    ensinos primrio e secundrio, e o geral, pelo ensino superior. Porm, o Poder

    Geral exercia grande influncia no secundrio, pois este era um dos caminhos

    para ingresso no ensino superior. Por sua vez, havia um descaso quase total pelo

    ensino primrio, porque servia unicamente s classes populares e na poca no

    era considerado como necessrio para ingresso no secundrio.

    Dessa forma, no perodo imperial, os cursos secundrios eram encarados

    como preparatrios para o ingresso ao ensino superior; os conhecimentos

    exigidos nos exames preparatrios eram os mesmos ensinados nos

    estabelecimentos provinciais e particulares do ensino secundrio brasileiro

    (HAIDAR, 1972:47). Os cursos preparatrios apresentavam as seguintes

    caractersticas:

  • 16

    - tinham um carter predominantemente humanstico e literrio (na poca, s

    incluam Geometria nos exames);

    - os exames no exigiam o trmino do curso secundrio;

    - as aulas eram avulsas e os exames, parcelados;

    - no fixavam o tempo de freqncia nas aulas;

    - no apresentava dispositivos legais para coibir os abusos de professores e

    estudantes.

    Haidar (1972:48) descreve a situao em que se encontravam os cursos

    preparatrios na dcada de 30 do sculo XIX. Segundo a autora, havia uma

    desorganizao dos cursos anexos, que se resumiam em um amontoado de aulas

    avulsas. Esses cursos eram desprovidos de qualquer estrutura, alm de serem

    desmoralizados por professores relapsos que, muitas vezes, deixavam suas aulas

    oficiais de lado e lecionavam em casa, para aumentar seu salrio; desse modo,

    no cumpriam com suas obrigaes.

    Para moralizar os exames preparatrios, o Governo interferiu, pois na

    poca, o papel fundamental da seletividade escolar era exercido por esses

    exames. Os novos Estatutos determinavam novas regras s aulas menores5, aos

    professores e aos exames, com o intuito de corrigir as falhas que vinham

    acontecendo. Professores e substitutos passaram a ser selecionados por exames

    que passariam a ter validade por dois anos; criaram-se bancas examinadoras

    para evitar fraudes; os estudantes do Colgio Pedro II que terminassem o curso

    secundrio, passaram a obter o ttulo de Bacharel em Letras e a iseno de

    exames preparatrios, ingressando direto no curso superior.

    O Colgio Pedro II foi fundado em 1837 e tornou-se uma referncia

    fundamental no modelo de ensino secundrio, como opo para o ingresso ao

    ensino superior, pois os exames preparatrios continuavam existindo de modo

    paralelo.

    Pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, o Seminrio de So Joaquim,

    antigo Seminrio dos rfos de So Pedro, foi transformado pelo Ministro do

    5 As aulas menores ou avulsas eram aulas ministradas por professores em casas, geralmente alugadas ques eram supervisionadas por um agente da municipalidade no que dizia respeito s condies sanitrias.Eram totalmente independentes. O aluno assistiria s aulas menores at conseguir passar nos examespreparatrios, parcelados, para ingressar no ensino superior (TAVARES, 2002:26).

  • 17

    Imprio Bernardo Pereira de Vasconcelos, em estabelecimento de instruo

    secundria com o nome de Colgio Pedro II, na tentativa de instituir um curso

    secundrio mais estruturado. Segundo Haidar:

    ...o regulamento de 31 de janeiro de 1838, introduziu, a exemplo dos colgios

    franceses, os estudos simultneos e seriados, organizados em um curso

    regular de 6 a 8 anos. Ensinar-se-iam no novo colgio as lnguas latina,

    grega, francesa e inglesa, a gramtica nacional e a retrica, a Geografia e a

    Histria, as Cincias Naturais, as matemticas, a msica vocal e o Desenho.

    O Colgio Pedro II, primeiramente, tinha um regime de internato e, a partir

    de 1856, o duplo regime de internato e externato. Aos bacharis em Letras

    pelo Colgio Pedro II, foi concedido o direito matrcula em qualquer das

    Faculdades do Imprio, independente de novas provas (1972:22).

    O Colgio Pedro II teria um curso seriado, alm de como afirmou Silva:

    ... inicia o ensino nominalmente secundrio, desde logo, pelo enciclopedismo que

    ser sua caracterstica constante na evoluo posterior (1969:199). Assim, aos

    alunos aprovados em todas as matrias do curso desse colgio seria concedido o

    diploma de Bacharel em Letras, alm do ingresso direto nas faculdades do

    Imprio. Mas isso no atraia aqueles cujo objetivo era o ingresso no ensino

    superior, pois os preparatrios eram o caminho mais fcil e rpido para se chegar

    s Academias.

    A concluso do curso secundrio no Colgio Pedro II era uma forma de

    ingressar no ensino superior. Mas cabe a indagao: Como seria o ingresso no 1

    ano desse colgio?

    Pelo Decreto N 4.468 de 1870, foram criados os exames de admisso

    para o ingresso no Colgio Pedro II, foram institudos e regulamentados pelo

    Decreto N 981 de oito de novembro de 1890 (GABAGLIA, 1914:94).

    Anteriormente a essa data, no temos registro de como se dava o acesso ao

    colgio. No Artigo 7 do Decreto N 4.468, estava descrito:

    Nenhum aluno ser admitido matrcula do primeiro ano sem que, em

    exame, mostre saber bem doutrina crist, ler e escrever corretamente as

    quatro operaes fundamentais da Aritmtica, o sistema decimal de pesos e

  • 18

    medidas, as noes elementares da gramtica portuguesa (HAIDAR,

    1972:126).

    Alm disso, para fazer a inscrio no exame de admisso e,

    conseqentemente, para cursar o 1 ano do secundrio, o candidato deveria ter

    pelo menos 12 anos de idade, ser vacinado e exibir certificado de estudo primrio

    do 1 grau ou obter no prprio Ginsio (Colgio Pedro II) a aprovao em todas as

    matrias daquele curso (GABAGLIA, 1914:94).

    No entanto, alm de criar o exame de admisso, forma de selecionar quem

    estivesse interessado em dar continuidade ao ensino secundrio, o novo

    regulamento destinou o primeiro ano desse curso, exclusivamente, para cobrir as

    lacunas do ensino elementar, ou seja, alm da criao de um exame para o

    ingresso, estava embutido o questionamento da validao do ensino primrio6, o

    que, provavelmente, sugeria que os alunos no atendiam s expectativas

    esperadas pelo colgio. Alis, foi possvel perceber isso em uma das reunies da

    Congregao do Colgio Pedro II, transcrita em ata de 13 de dezembro de 18917,

    em que houve um debate sobre o desempenho dos alunos que tinham acabado o

    ensino primrio e cursado o primeiro ano do secundrio, discutindo a validao do

    prprio exame de admisso. Vale a pena reproduzi-la abaixo:

    ...o Senhor Presidente abre a sesso e l o ofcio do Sr. Dr. Inspetor Geral em

    que consulta, por ordem do Sr. Ministro da Instruo, a Congregao sobre a

    prorrogao das aulas do 1 ano do Internato. O Sr. D. Reitor do Internato

    historia o que motivou a presente consulta e conclui, insistindo pela

    prorrogao das aulas do 1 ano. Joaquim Gonalves Guilhon, professor de

    Matemtica, ope-se prorrogao das aulas do 1 ano do Internato por sua

    improficuidade. Joaquim Monteiro Caminho diz que a questo simples e que

    as aulas no podem ser prorrogadas por duas razes: 1) ser contrria lei, os

    professores, cansados, ficariam sem frias; 2) os alunos precisam se preparar

    particularmente para prestar o exame de segunda poca, como lhes faculta o

    regulamento. O Sr. Presidente diz que o Sr. Inspetor Geral lhe declarou que o 6 O ensino primrio compunha-se de: leitura e escrita, ensino prtico da Lngua Portuguesa, contar ecalcular, Aritmtica prtica at regra de trs, taquimetria (Geometria prtica), elementos de Geografia eHistria, especialmente, do Brasil, lies de coisas e noes concretas de Histria Natural, instruo Moral eCvica, Desenho, elementos de Msica, Ginstica e exerccios militares; trabalhos manuais (para meninos) outrabalhos de agulhas (para meninas), e noes prticas de agronomia (GABAGLIA, 1914:95).7 A transcrio desta ata por completo encontra-se em TAVARES (2002:39), que analisa o debate sobre amodernizao da Matemtica a partir das atas da Congregao do Colgio Pedro II.

  • 19

    prprio Sr. Ministro mostrava escrpulos em atender a reclamao do D. Reitor

    do Internato e que por isto ia consultar a Congregao para dividir com ela a

    responsabilidade. O Sr. Dr. Matoso Maia diz que poucos alunos esto no caso

    de fazerem exames do primeiro ano ainda mesmo concedendo-se a prorrogao

    das aulas. Como professor pode afirmar que a maior parte deles no sabem ler

    nem escrever, e admira-se de que o seu ilustre colega Dr. Agostinho Gama

    quisesse arcar com a responsabilidade de preparar alunos atrasadssimos, que

    nem em seis meses se poderiam preparar para os exames de admisso. A

    prorrogao das aulas, alm de ilegal dispendiosa e no devemos contribuir

    para despesas inteis. O Sr. Fausto Barreto diz que no pode deixar passar em

    silncio a insinuao do seu colega Dr. Matoso Maia. Os alunos do 1 ano

    quando prestaram exames de admisso foram argidos, de acordo com a lei e

    aprovados com escrpulo e iseno de esprito. Os exames foram feitos de

    acordo com o regulamento e se algum colega seu entender que eles deveriam

    ser mais ampliados o programa, com isso nada tem que ver, porquanto o Sr.

    Inspetor Geral apurou o procedimento da mesa examinadora que procedia de

    acordo com as instrues do Sr. Vice-Reitor. J a muita considerao que lhe

    merece o seu colega Dr. Matoso Maia obriga a dar esta explicao repelindo,

    como mais, a grosseira insinuao de que a comisso julgadora dos exames de

    admisso habilitava alunos analfabetos. Dr. Frana diz que vota contra a

    prorrogao das aulas pela sua ilegalidade. Os alunos do primeiro ano no

    puderam preparar-se e nem podero porque impossvel com o atual programa,

    fazer-se este milagre. Sr. Dr. Drago diz que antes de tudo protesta os seus

    agradecimentos ao Sr. Ministro pela considerao dispensada a Congregao

    que hoje no representa o papel importante de ontem, hoje ela rene-se

    unicamente para aprovar propostas de bancas de honra e nada mais, em seguida

    trata desenvolvidamente do assunto, mostra irregularidades cometidas nos

    exames de admisso e conclui votando contra a prorrogao das aulas por que

    est convencido de que nem em 4 nem em 6 meses os atuais alunos se podero

    preparar por mais hbil e por mais ilustrado que seja o professor que tanto se

    abalasse. O Sr. Caminho pede o encerramento da discusso, no que

    aprovado. O Sr. Presidente diz que vai proceder a votao. O Srs. Lentes que

    concordassem com a prorrogao diro sim e os que no concordassem diro

    no. Votam contra a prorrogao 14 lentes e a favor, 2.

    Na discusso acima, observamos uma tentativa de amenizar o problema

    detectado pelos professores em relao aos alunos do 1 ano que, segundo eles,

    no sabiam nem ler, quanto menos escrever. Um dos professores props a

    prorrogao do curso; alis, foi colocado em votao a prorrogao ou no do 1

  • 20

    ano do ginsio daquele ano. At foi discutida a avaliao do exame de admisso,

    colocando os examinadores em uma situao constrangedora, e estes se

    justificaram, citando que os exames eram elaborados conforme o regimento.

    Encontrarmos um exemplar do exame de admisso de 1887 do Colgio

    Pedro II, que constitua-se de um ditado e de uma operao de diviso. Como se

    pode observar no destaque abaixo, a avaliao desse aluno foi considerada boa,

    ou seja, ele sabia ler e fazer conta. Teve Ditado bom e Conta boa.

    Alm disso, tivemos acesso a um exame de 1904 do mesmo colgio. Na

    prova de Portugus, constava um ditado, alm de ser acrescentada uma prova

    oral; na prova de Aritmtica, trs questes e, dessa forma, mais contedos foram

    contemplados. Tudo nos leva a crer que possa ter ocorrido uma modificao na

  • 21

    estrutura do exame, motivada pelas discusses vistas na Ata descrita. No

    podemos ter certeza da reestruturao, pois h apenas um exemplar, mas

    notamos que houve alguma mudana. A prova de Aritmtica foi composta de uma

    operao de multiplicao, uma diviso de fraes e uma reduo ao mesmo

    denominador comum. Assim, o aluno precisava saber operar tanto com os

    nmeros decimais como com os fracionrios.

    Em relao ao Estado de So Paulo, mais precisamente no primeiro

    ginsio pblico, o Ginsio do Estado de So Paulo ou Ginsio da Capital, fundado

    em 1894, tambm havia o exame de admisso ou de suficincia, como era

    chamado, para seleo dos candidatos primeira srie do curso secundrio.

  • 22

    Abaixo aparece transcrita uma parte da segunda sesso ordinria da

    Congregao do colgio8, que trata do assunto:

    2 sesso ordinria da Congregao de mil oitocentos e noventa e quatro,

    nesta cidade de So Paulo, no edifcio provisrio do Gymnsio... . Declaro o

    Sr. Presidente que a presente sesso foi convocada para o fim de tratar-se dos

    exames de suficincia necessrios matrcula no 1 ano do curso, visto ter

    sido aprovado pelo Governo a deliberao tomada pela Congregao em

    referncia a tais exames, cujas inscries j foram abertas e encerradas,

    precedendo publicao de editais e de mais diligenciais da lei. Cumpre agora

    a Congregao designar as mesas examinadoras, marcar dia e hora para os

    exames e tomar qualquer alvitre que julgasse de convenincia em relao ao

    assunto, punha, portanto a matria em discusso. Pede a palavra o Sr. Cnego

    Jos Valois de Castro e prope: 1) que os exames se realizem no dia quinze

    do corrente; 2) que sejam nomeadas duas mesas examinadoras; 3) que cada

    uma das mesas seja composta de trs membros.

    Conclumos que desde a fundao do colgio, o exame de admisso ou de

    suficincia, j fazia parte de seu regulamento interno.

    Para a inscrio e matrcula ao primeiro ano, eram necessrios: idade

    superior a 12 anos; certificado de aprovao em todas as matrias do curso

    preliminar; atestados comprobatrios de vacina contra varola e de no

    padecimento de molstia contagiosa ou repugnante; pagamento de uma taxa de

    50$000 (ris)9. Os exames versavam sobre o programa de ensino das escolas

    preliminares que era o seguinte: Leitura e princpios de gramtica, escrita e

    caligrafia; clculo aritmtico sobre nmeros inteiros e fraes; Geometria prtica

    (taquimetria) com as noes necessrias para suas aplicaes em medio de

    superfcie e volume; sistema mtrico decimal; Desenho mo livre; Moral prtica;

    Educao Cvica; noes de Geografia Geral; Cosmografia; Geografia do Brasil,

    especialmente do Estado de So Paulo; noes de Cincias Fsicas, Qumicas e

    Naturais nas suas mais simples aplicaes, especialmente, higiene; Histria do

    8 Ata da Congregao do Ginsio da Capital, 1894:3 Arquivo da Escola Estadual de So Paulo.9 Regulamento dos Ginsios do Estado, 1895, artigo 77 (apud NADAI, 1987:104).

  • 23

    Brasil e leitura sobre a vida dos grandes homens da Histria; leitura de msica e

    canto; exerccios ginsticos, manuais e militares10.

    Em 1901, a reforma de Epitcio Pessoa assinalava uma nova fase da

    evoluo do ensino secundrio, retratando dois pontos importantes: a

    consolidao da equiparao ao Colgio Pedro II, tanto dos colgios particulares

    como estabelecimentos estaduais e sua transformao em instrumento de

    rigorosa uniformizao de todo ensino secundrio nacional. A equiparao foi

    consolidada pelo Decreto N 3.890, de 1 de janeiro de 1901. Os requisitos para

    sua concesso ficam sendo, alm de condies patrimoniais e de freqncia,

    assecuratrias do funcionamento regular dos estabelecimentos, a observncia do

    regime e dos programas de ensino do estabelecimento federal (SILVA,

    1969:258-259). Desta forma, fica competncia do Colgio Pedro II a

    organizao dos programas, o nmero e seriao das disciplinas, bem como as

    regras para os exames de admisso, promoo e de madureza.

    O pargrafo 164 do Regulamento do Colgio Pedro II, aprovado pelo

    Decreto N 3.914 de 26 de janeiro de 1901, tambm especificou o programa para

    o exame de admisso ao 1 ano do secundrio, para o Ginsio da Capital, pois

    esse era equiparado ao Colgio Pedro II. Ambos deveriam seguir o mesmo

    programa:

    Art. 28 Os exames de admisso ao 1 ano far-se-o perante uma comisso

    de trs lentes, designada pelo diretor.

    Art.29 Estes exames constaro de provas escritas e orais. As escritas

    versaro: 1) sobre um ditado de 10 linhas impressas de Portugus

    Contemporneo; 2) sobre Aritmtica prtica limitada s operaes e

    transformaes relativas aos nmeros inteiros e s fraes ordinrias e

    decimais. As orais constaro de leitura de um trecho suficientemente longo

    de Portugus contemporneo, estudo sucinto de sua interpretao no todo ou

    em partes, ligeiras noes de gramtica Portuguesa e de argio sobre

    Aritmtica prtica nos referidos limites, sistema mtrico decimal, morfologia

    geomtrica, noes de Geografia e de Histria do Brasil. Nas provas escritas,

    os candidatos devero exibir regular caligrafia.

    10 Regulamento da Instruo Pblica de 27/11/1893, artigo 62 e Regimento dos Ginsios do Estado, 1895,artigo 82, (apud NADAI, 1987:104).

  • 24

    Nesse mesmo artigo, estavam descritos os programas de Aritmtica e

    Morfologia Geomtrica, como observamos abaixo:

    Observa-se uma diferena entre o programa descrito acima e o Regimento

    dos Ginsios de 1895. O regulamento do incio do sculo XX especificou todos os

    contedos que deveriam ser contemplados nos exames de admisso, inclusive,

    apresentando todos os programas, tanto os de Aritmtica e Morfologia

    PROGRAMAS DE ADMISSO

    ARITMTICA

    Conhecimento prtico. Exame escrito e oral.

    Preliminares Numerao decimal (noes).

    Operao sobre nmeros inteiros, inclusive elevao potncia e extrao

    de razes.

    Critrios de divisibilidade por 2, 3, 5 e 9.

    Prova dos nove.

    Fraes ordinrias. Reduo ao mesmo denominador.

    Operaes sobre fraes e nmeros mistos.

    Fraes decimais. Operaes sobre fraes decimais.

    Transformar uma frao ordinria em frao decimal e vice-versa.

    Manejo dos pesos e medidas do sistema mtrico decimal.

    Nota: Na prova escrita, sero dadas questes que envolvam as diversas

    operaes sobre nmeros inteiros e fraes, bem assim as diversas

    transformaes.

    MORFOLOGIA GEOMTRICA

    Exame oral

    Conhecimento intuitivo e traado mo livre das principais figuras

    geomtricas, estudadas no curso primrio, considerando-se, porm, entre as

    curvas s a circunferncia do circulo.

  • 25

    Geomtrica como os de Portugus, Histria do Brasil e Geografia. No Regimento

    dos Ginsios, os contedos no foram explcitos, porm a essncia do que

    deveria ser contemplado nos exames era a mesma; no caso de Aritmtica,

    deveria conter as operaes com nmeros inteiros, fracionrios e o sistema

    mtrico decimal.

    No Regulamento Interno do Estado de So Paulo de 1914, foram

    especificados os contedos sobre as Noes de Geometria:

    1 Corpo, superfcie, linha e ponto geomtrico; 2 ngulos, retas,

    perpendiculares, oblquas e paralelas; 3 Reconhecimento de polgonos:

    tringulos e quadrilteros; 4 Circunferncia. Cordas e tangentes; 5

    Problemas simples que se resolvem por meio da rgua e do compass, sobre o

    traado da perpendicular e da paralela; 6 Polgonos regulares: inscrio na

    circunferncia; 7 Reconhecimento dos diferentes slidos geomtricos.

    Nota: - O aluno deve conhecer as formas das figuras e saber desenhar no

    quadro negro as figuras geomtricas, sendo dispensado de todo o processo

    demonstrativo ou deduo de frmula. As figuras que devem ser

    reconhecidas sero apresentadas ao candidato no ato do exame11.

    Em 1925, a Reforma Rocha Vaz, oficializou o ensino secundrio como

    prolongamento do ensino primrio. Assim, quem conclusse os estudos de seis

    anos, receberia o diploma de bacharel em Cincias e Letras; quem cursasse os

    cinco primeiros anos de estudo teria o direito de prestar exames vestibulares para

    qualquer curso superior, suprimindo, assim, os exames parcelados de

    preparatrios. Portanto, com essa reforma ficou implantado o regime seriado de

    estudos nos colgios particulares e todos deveriam passar pelo secundrio para o

    ingresso no ensino superior (NUNES, 2000).

    Desta forma, o secundrio tornou-se uma etapa a ser vencida para

    ingresso no superior; caracterizado pelos exames de admisso. At ento, essa

    etapa era dada pelos preparatrios. Com a Reforma Francisco Campos, em 1931,

    o exame de admisso ganhou carter nacional, ou seja, em todo o pas comeou

    a ocorrer uma seleo para os candidatos ao secundrio. Isso representou,

    consequentemente, um adiantamento da seletividade do ensino superior, visto

    11 Regulamento do Ginsio do Estado, aprovado em 6 de outubro de 1914.

  • 26

    que as pessoas que cursavam o ensino secundrio, tinham como objetivo nico o

    ensino superior.

    Antes e tambm posteriormente criao do Colgio Pedro II, sabe-se que

    em vrios Liceus Provinciais j havia um objetivo bem definido para a educao

    secundria, voltada elite: a preparao para o ensino superior. As Reformas

    Francisco Campos e Gustavo Capanema afirmaram bem a diferena entre o

    ensino primrio e o profissional para as classes menos privilegiadas e o ensino

    secundrio e superior para as classes dominantes (NUNES, 2000).

    As provas de admisso, at serem consideradas como exames de carter

    nacional, o que ocorreu em 1931, continuaram sendo utilizadas com o fim de

    seletividade em colgios como o Pedro II e em escolas mais requisitadas por pais

    e alunos.

  • 27

    CAPTULO 3

    O INGRESSO NO SECUNDRIO E AS REFORMAS FRANCISCO

    CAMPOS, GUSTAVO CAPANEMA E LDBEN 4.024.

    3.1. REFORMA FRANCISCO CAMPOS.

    Em outubro de 1930, o Governo do Presidente Washington Luiz foi

    derrubado por um movimento armado iniciado no Sul do pas e que teve

    repercusses em vrios pontos do territrio brasileiro. Com a vitria da Revoluo

    de 1930, como se convencionou cham-la, formou-se um novo governo, a

    princpio provisrio, que teve como presidente, Getlio Vargas, que permaneceu

    no poder at 1945. Foram 15 anos marcados por um perodo mais instvel 1930

    a 1937 e uma ditadura 1937 a 1945 (ROMANELLI, 1986:47).

    Quando Getlio Vargas assumiu a Presidncia da Repblica, uma de suas

    preocupaes foi fixar no pas uma Educao Nacional, ou seja, haveria um

    Currculo Nacional para que todos os Estados seguissem.

  • 28

    O Primeiro-Ministro do recm-criado Ministrio da Educao e Sade

    Pblica, Francisco Campos12, reformulou todo o ensino secundrio no pas. A

    Reforma Francisco Campos, como ficou conhecida, inicialmente por meio do

    Decreto N 19.890, de 18 de abril de 1931, depois consolidada pelo Decreto

    N 21.241, 4 de abril de 1932, foi a primeira tentativa de estruturao de todo o

    curso secundrio, que deu aos exames de admisso um carter nacional.

    Na Exposio de Motivos, da Reforma Francisco Campos diagnosticou

    alguns dos problemas do ensino secundrio e sugeriu a reforma com o fim de

    atingir o real objetivo do ensino secundrio, para que este no fosse considerado

    apenas como um preparatrio para o ensino superior:

    ...o ensino secundrio tem sido considerado entre ns como um simples

    instrumento de preparao dos candidatos ao ensino superior, desprezando,

    assim, a sua funo eminentemente educativa que consiste, precisamente, no

    desenvolvimento das faculdades de apreciao, de juzo e de critrios

    essenciais a todos os ramos da atividade humana, e, particularmente, no

    treino da inteligncia em colocar os problemas nos seus termos exatos e

    procurar as solues mais adequadas. O importante, porm, que o ensino

    superior acabou por transformar-se em uma finalidade puramente externa e

    convencional do ensino secundrio, isto , este finalmente dominado pela

    absorvente preocupao do primeiro, perdeu as suas caractersticas prprias e

    especficas, passando a ser um curso de finalidade exclusiva utilitria,

    despido, assim, da finalidade interna, fundamentalmente educativa, em torno

    da qual, para que exercesse o seu insubstituvel papel na formao intelectual

    e moral da juventude, deveriam organizar-se as disciplinas do seu curriculum,

    os seus programas e os seus processos didticos.

    Continuando a Exposio, Campos faz um resumo do secundrio da

    poca:

    o ensino secundrio um simples curso de passagem e um mero sistema de

    exames destitudo de virtudes educativas e reduzido s simples linhas

    12 Francisco Lus da Silva Campos, natural de Dores do Indai, Minas Gerais, nasceu em 18/11/1891 efaleceu em Belo Horizonte no dia 1/11/1968. Formado na Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte, emdezembro de 1914, alm do trabalho na advocacia, ocupou vrios cargos pblicos: professor concursado deDireito Pblico Constitucional da faculdade onde se formou, tendo incio em 1918; Deputado Federal porMinas Gerais (1926 - 1930), Ministro da Educao e Cultura (1930 1932), Consultor Geral da Repblica(1933 1937) e, finalmente, Ministro da Justia (1937 1941) (ROCHA, 2001:178-179).

  • 29

    essenciais de sua estrutura estreitamente pragmtica e utilitria de

    instrumento de acesso aos cursos superiores.

    Para Francisco campos o objetivo do ensino secundrio deveria ser:

    a formao do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,

    construindo no seu esprito todo um sistema de hbitos, atitudes e

    comportamentos que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer

    situao as decises mais convenientes e mais seguras13.

    Euclides Roxo14, diretor do Internato do Colgio Pedro II, foi convidado por

    Francisco Campos para reestruturar o ensino das Matemticas. Todas as idias

    reformistas propostas por Roxo e implantadas no Colgio Pedro II, em 1929,

    foram preservadas na reforma. Dentre outras mudanas, a durao do curso

    passou a ser de sete anos, divididos em dois ciclos: o primeiro, de cinco anos,

    denominado curso secundrio fundamental, e o segundo, de dois anos, chamado

    de curso complementar, que foi subdividido em trs especialidades,

    correspondendo a trs grupos de cursos superiores: Engenharia e Agronomia;

    Medicina, Odontologia, Farmcia Veterinria; Direito.

    No que se refere aos exames de admisso, os artigos 18 e 22, do Decreto

    N 19.890, descreviam respectivamente:

    O candidato matrcula na 1 srie de estabelecimento de ensino secundrio

    prestar exame de admisso na segunda quinzena de fevereiro; O exame de

    admisso constar de provas escritas, uma de Portugus (redao e ditado) e

    outra de Aritmtica (clculo elementar), e de provas orais sobre elementos

    dessas disciplinas e mais sobre rudimentos de Geografia, Histria do Brasil e

    Cincias Naturais (BICUDO, 1942:12).

    13

    Exposio de Motivos da Reforma Francisco Campos.14

    Euclides de Medeiros Guimares Roxo, nascido a 10 de dezembro de 1890 em Aracaju, faleceu em 21 desetembro de 1950 no Rio de Janeiro. Bacharelou-se em 1909 pelo Colgio Pedro II. Formou-se EngenheiroCivil na Escola Politcnica do RJ em 1916. Em 1915, era professor substituto no Colgio Pedro II, e em 1919foi nomeado professor catedrtico de Matemtica e Espanhol. Foi Diretor do Externato do Colgio Pedro II(1925 1930) e do Internato (1930 1935). Tambm era examinador de Francs, Latim e Matemtica nosexames do Colgio Pedro II. Foi convidado pelo ministro Francisco Campos para elaborar os novosprogramas de Matemtica, redigindo tanto os programas quanto as instrues pedaggicas para essadisciplina. Foi responsvel pela proposta de fuso das matemticas (Aritmtica, lgebra e Geometria) emuma s disciplina, chamada Matemtica, e scio da ABE (Associao Brasileira de Educao) (DASSIE,2001:4).

  • 30

    Portanto, o exame de admisso era constitudo de provas realizadas pelos

    alunos para o ingresso no ensino secundrio. Com a reforma, passou a ter carter

    nacional, o que significava que todo o pas deveria realiz-lo, e mais, este exame

    passaria a ter carter de documento, devendo fazer parte do pronturio escolar de

    todo aluno.

    No discurso de posse, Francisco Campos disse que trataria do ensino

    primrio:

    Em matria de ensino, porm, a questo capital cujo vulto reclama esforos

    correspondentes envergadura e propores do seu tamanho, , sem

    contestao, a Unio indiferente extenso do mal que, naquele terreno, nos

    aflige. Cumpre combat-lo por todos os meios, seja o da interveno indireta,

    se conveniente a direta. O que no se concebe que o Brasil possa andar para

    diante e para cima, enquanto no reduzir e aligeirar a sua massa de inrcia

    representada nos nossos milhes de analfabetos15.

    A preocupao com os analfabetos, a quem Francisco Campos se referiu

    no discurso, virou letra morta, pois, na verdade, Campos dedicou-se educao

    das elites e valorizou somente o ensino secundrio e o superior, relegando o

    ensino primrio (ROCHA, 2001:194).

    Houve uma grande mudana nos programas de Matemtica do curso

    secundrio fundamental a partir da reforma. Eis o novo programa do 1 ano do

    curso:

    15 CAMPOS, F. Posse no Ministrio da Educao e Sade Pblica, 1931:119 (apud ROCHA, 2001:194).

  • 31

    A seguir, mostramos o programa do 1 ano do secundrio, antes da

    Reforma Campos:

    I Iniciao geomtrica

    Principais noes sobre formas geomtricas.

    rea do quadrado, retngulo, paralelogramo, tringulo e trapzio; circunfernciae rea do crculo.Volumes do paraleleppedo retngulo, do cubo, do prisma triangular, do cilindroe do cone circular (retos). Frmulas.

    II Aritmtica

    Prtica das operaes fundamentais. Clculo abreviado. Exerccios de

    clculo mental.

    Noo de mltiplo e de divisor. Caracteres de divisibilidade.Decomposio em fatores primos; aplicao do mdc e mmc.Fraes ordinrias e decimais. Prtica das medidas de comprimento, superfcie,volume e peso.Sistema ingls de pesos e medidas.Quadrado e raiz quadrada de nmeros inteiros e decimais; aproximao noclculo da raiz.Traado de grficos.

    III lgebra

    Smbolos algbricos; frmulas; noo de expoente.Nmeros relativos ou qualificados. Operaes. Explicao objetiva das regrasdos sinais.Clculo do valor numrico de monmios e polinmios. Reduo de termossemelhantes; adio e subtrao.Multiplicao de monmios e polinmios, em casos simples. Explicao objetivapela considerao de reas.Potncias de monmios. Quadrado de um binmio.Primeira noo de equao com uma incgnita; resoluo de problemasnumricos simples.

  • 32

    possvel notar que, o 1 ano possua apenas o curso de Aritmtica, mas,

    aps a reforma, comearia com um curso de Geometria Intuitiva. Em relao s

    provas de Matemtica dos exames de admisso, antes de 1931, alm de

    Aritmtica, constavam questes que envolviam noes geomtricas; depois dessa

    data, as provas passaram a ter apenas questes de Aritmtica. Dessa forma, ao

    mesmo tempo em que se acrescenta no 1 ano do secundrio a Geometria,

    proveniente da reforma, nos exames de admisso esse tema no foi mais

    contemplado.

    Quanto aos exames de admisso, a reforma Francisco Campos foi um

    importante marco, pois regulamentou e obrigou a existncia do mesmo em carter

    nacional como j mencionamos.

    3.2. REFORMA GUSTAVO CAPANEMA.

    Os programas de Matemtica do curso secundrio fundamental

    implantados pela Reforma Francisco Campos sofreram muitas reaes, conforme

    relata Dassie (2001:32):

    Aritmtica

    Problema sobre nmeros inteiros. Raiz cbica com uma aproximao dada.Regra de sociedade.

    Maximo divisor comum. Raiz cbica das faces ordinrias. Cambio direto.

    Mnimo mltiplo comum. Raiz quadrada com uma aproximao dada.Problemas sobre misturas e ligas.

    Faces ordinrias. Potncias. Problemas sobre aplices.

    Fraes decimais. Determinao do resto de uma expresso, sem efetu-la(divisores: 4, 25, 8, 9 e 11). Desconto racional.

    Dizimas peridicas. Provas das operaes pelo resto (divisores 9,11). Cambioindireto (regra conjunta).

    Sistema mtrico decimal. Diviso proporcional. Porcentagens.

    Propores. Sistema de unidades inglesas. Desconto comercial.

    Regras de trs. Nmeros complexos. Vencimento mdio.

    Raiz quadrada das fraes ordinrias. Juros. Calculo aritmtico dos radicais.

  • 33

    esta reforma ultrapassou todas as anteriores pela amplitude do seu plano.

    Mas, como quase todas as reformas do ensino no Brasil, os seus dispositivos

    legais no foram cumpridos integralmente, por falta de tenacidade, de

    disciplina e de idealismo dos rgos encarregados de os aplicar.

    Em 1934, Gustavo Capanema16, ento secretrio do Interior e da Justia,

    assumiu o posto de Ministro da Educao e Sade e pelas reaes adversas da

    Reforma de 1931, objetivou elaborar um Plano Nacional de Educao. No mesmo

    ano, a nova Constituio entrou em vigor e deu competncia para a elaborao

    do referido plano que seria submetido aprovao do Poder Legislativo. Segundo

    Chagas, a Constituio de 1934 incluiu pela primeira vez um captulo especial

    sobre Educao. Lanou, por exemplo, o princpio da educao como direito de

    todos; prescreveu a obrigatoriedade da escola primria integral, ... extensiva aos

    adultos (1980:46).

    Em 1936, Capanema distribuiu um questionrio intitulado: Plano Nacional

    de Educao para um inqurito. A respeito desse plano afirmou:

    Dirige-se o questionrio aos brasileiros professores, estudantes, jornalistas,

    escritores, cientistas, sacerdotes, militares, polticos, profissionais das vrias

    categoria - a todos quantos estejam convencidos de que a educao o

    problema primeiro, essencial e bsico da Nao e, por isso, a queiram

    orientada no mais seguro sentido e dotada da melhor organizao17.

    Esse questionrio possua 213 perguntas que:

    inquiriram sobre todos os aspectos do ensino: princpios, finalidade, sentido,

    organizao, administrao, burocracia, contedo, didtica, metodologia,

    disciplina, engenharia, tudo, enfim, que se fizesse necessrio considerar para

    a definio, montagem e funcionamento de um sistema educacional

    (SCHWARTZMAN, 2000:193).

    16 Gustavo Capanema (1900-1985), natural de Pitangui, Minas Gerais. Formou-se, pela Faculdade de Direitode Minas Gerais, professor da Escola Normal e advogado em Pitangui (1925-1929). Vereador da CmaraMunicipal de Pitangui (1927-1929), foi Secretrio do Interior e Justia (1929-1933) e em 1933 assumiuinterinamente o cargo de interventor federal de Minas Gerais. Em 1934, ocupava o cargo de Ministro daEducao e Sade, permanecendo no cargo at 1945 (DASSIE, 2001:33-34).17 Duas Palavras, in Plano Nacional de Educao: questionrio para um inqurito (apud DASSIE, 2001:34).

  • 34

    Treze das questes, referiam-se ao ensino secundrio. Uma dessas dizia

    respeito matrcula:

    42 Quais condies de matrcula no curso secundrio? Qual o mnimo e o

    mximo de idade para o ingresso no curso secundrio? Deve-se exigir do

    candidato matrcula certificado de concluso do curso primrio? Como se

    far o exame de admisso ao primeiro ano do curso secundrio? Sobre que

    matrias deve versar este exame?

    Como j foi mencionado, o questionrio foi distribudo para professores,

    sacerdotes, militares e outros para que fosse respondido. A esse propsito, no

    Arquivo Pessoal de Euclides Roxo (APER18) foi encontrado um documento, sem

    data, que diz respeito ao exame vestibular para o curso ginasial, apresentando

    tambm sugestes para a elaborao da reforma de ensino por Capanema. Na

    carta de agradecimento pelo convite para anlise da Reforma, Roxo dizia:

    ...atrevo-me a sugerir pequenas alteraes que em nada alteram a estrutura da

    lei e que traduzem idias amadurecidas atravs da minha longa experincia de

    professor secundrio (APER, ER.T.3.176).

    Dentre outras consideraes, o documento destaca:

    A eficincia do ensino secundrio tem que se basear em uma slida instruo

    primria. Uma das maiores dificuldades no cumprimento dos programas de

    ensino secundrio a deficincia de preparo dos alunos que ingressam, sem o

    devido preparo, na primeira srie secundria.

    Ora, o exame vestibular para ingresso no curso ginasial (atual exame de

    admisso) feito nos prprios estabelecimentos particulares, a que se destinam

    os alunos, uma verdadeira burla, pois o interesse do diretor e dos prprios

    professores em aumentar a matrcula do estabelecimento anula a fiscalizao

    do inspetor.

    , pois, indispensvel dar a este vestibular o mesmo carter oficial que o

    projeto, sabidamente, atribui aos exames de madureza (APER, ER.T.3.176).

    18 APER (Arquivo Pessoal de Euclides Roxo), consta de, aproximadamente, 700 documentos organizadospelo grupo de pesquisa que fazemos parte.

  • 35

    Roxo tambm fez algumas sugestes de mudanas na legislao de

    ensino:

    Art. 28. Os exames vestibulares para ingresso no curso ginasial sero

    prestados unicamente em escolas federais ou equiparadas e sero vlidos para

    matrcula na escola em que so prestados e em qualquer outro

    estabelecimento reconhecido.

    1 Esses exames constaro de trs provas escritas, uma de Portugus, outra

    de Matemtica e a terceira de Histria e Geografia ptrias, noes de

    Geografia e de conhecimentos gerais.

    2 Ser considerado aprovado o candidato que obtiver, pelo menos, a nota

    quarenta em cada uma das provas e, pelo menos, nota global cinqenta, que

    ser a mdia aritmtica das trs provas.

    3 Realizar-se-o os exames vestibulares em duas pocas; na primeira

    quinzena de dezembro e na segunda quinzena de fevereiro.

    4 S podero prestar exames vestibulares de segunda poca os alunos que

    se no tiveram inscrito na primeira, ou que, inscritos, no tiverem podido

    prest-lo por motivo de fora maior, ou, ainda, os que, tendo alcanado nota

    global no inferior a cinqenta, tiverem obtido mdia inferior a 40 em uma

    das trs provas.

    5 Nas cidades em que no houver estabelecimento oficial, ou equiparado; o

    exame vestibular ser realizado em um dos estabelecimentos reconhecidos

    escolhido pelo Ministrio da Educao e Sade e perante um fiscal e

    examinadores designados pelo mesmo Ministrio.

    Nesse documento, percebe-se que Roxo favorvel ao exame de

    admisso, e critica os exames nos estabelecimentos particulares de ensino, pois

    os mesmos eram burlados.

    Quando Roxo era diretor do Internato, em 1933, enviou uma carta ao

    Diretor Geral de Educao, comentando que o Colgio Pedro II era o nico

    pensionato secundrio mantido pela nao e, dessa forma, deveria ter uma

    rigorosa seleo da capacidade dos jovens, tanto no caso dos cursos pagos

    quanto nos gratuitos. Mais uma vez, comentou sobre o exame de admisso,

  • 36

    sugerindo ao Diretor Geral de Educao que acatasse seus apelos. Seguem

    abaixo alguns dos apelos contidos na carta:

    ... 4 Parece-me, entretanto, que o atual regime de exame de admisso

    adotado no Pedro II e que o mesmo dos colgios particulares, no permite

    fazer aquela seleo rigorosa. Esse exame consta apenas de duas provas

    escritas, uma de Portugus e outra de Aritmtica, e de cinco provas orais,

    que, como sabido, no permitem estabelecer uma rigorosa graduao entre

    as aptides dos candidatos. Alm disso, a nota de aprovao sendo a mdia

    aritmtica das notas obtidas nas cinco matrias (Portugus, Aritmtica,

    Geografia, Histria do Brasil e Cincias), no exprime de modo algum o grau

    de cultura elementar global do candidato. Basta ver que o candidato que

    obtivesse grau zero em Portugus e Aritmtica (matrias essenciais), poderia,

    ainda assim, se alcanar dez (10,0) nas outras trs, obter aprovao com grau

    seis (6,0).

    5 Acresce ainda que, tratando-se de lugares que oferecem enormes

    vantagens aos que os conquistam, a nsia de alcan-los levam os

    pretendentes a importunar de tal modo os examinadores de admisso, que no

    podem deixar de perturbar a serenidade e a imparcialidade do julgamento, o

    que s se poderia evitar reduzindo todo o exame a provas escritas.

    6 Julgo, pois, de meu dever sugerir ao Governo que sejam adotadas as

    seguintes medidas:

    (...)

    d) O concurso de admisso ao Internato constar de cinco provas escritas:

    uma de Portugus, igual a que existe, acrescida de uma parte com a forma de

    teste que versar sobre anlise lxica, sinonmia, etc; uma de Aritmtica, uma

    de Noes de Cincias Fsicas Naturais, uma de Geografia e Histria do

    Brasil, todas as trs com a forma de testes e ainda um teste de inteligncia.

    Todas essa provas sero julgadas de zero a 100, devendo os testes contar de

    100 questes. Ser considerado habilitado para a matrcula no Internato o

    estudante que alcanar mdia 5,0 no conjunto e 30 pontos em cada uma das

    provas. Haver trs examinadores, um para Portugus e inteligncia, outro

    para Aritmtica e Cincia, e o terceiro para Geografia e Histria do Brasil19.

    19 Foram feitas vrias visitas ao Colgio Pedro II, no Rio de Janeiro, com o objetivo de encontrar documentosdos anos 1920-1960, perodo do projeto maior. Os materiais selecionados foram fotografados e pretende-se,posteriormente, montar-se um banco de dados com essas imagens. Atualmente, est sendo feito o processode catalogao desses documentos (Ata-Documento 2, imagem 81-83).

  • 37

    A princpio, essa carta foi destinada para a realizao de mudanas nos

    exames de admisso do Colgio Pedro II, mas, se fossem acatadas, as escolas

    equiparadas teriam o mesmo regimento, portanto a inteno de Roxo era uma

    mudana, no s no Pedro II, mas tambm, em todos os colgios que o

    seguissem. Na verdade, o objetivo era aumentar o rigor na seleo dos

    candidatos, pois, como Roxo alertou, os exames continham apenas duas provas

    escritas de Portugus e Aritmtica, e o restante eram provas orais. Alm disso, o

    clculo para aprovao seria a mdia aritmtica das cinco matrias, mas, no

    desmerecendo as outras disciplinas, o candidato poderia anular suas notas nas

    provas de Portugus e Aritmtica e ter xito nas orais, obtendo nota satisfatria e,

    portanto, ser aprovado, embora no soubesse nem escrever e nem calcular.

    No possvel afirmar que as sugestes de Euclides Roxo foram atendidas

    na reforma, mas est claro que o aluno precisava possuir um bom curso primrio.

    Roxo fez comentrios sobre a importncia desse curso, advertindo que deveria

    ser a base de tudo. Assim, o valor atribudo ao curso primrio na Reforma

    Capanema foi reforado pelo parecer de Roxo.

    Em relao Constituio de 1937, no houve a mesma nfase ao dever

    do Estado como educador, que houve na Constituio anterior. possvel

    observar isso no Artigo 129:

    infncia e juventude, a que faltarem os recursos necessrios educao

    em instituies particulares, dever da Nao, dos Estados e dos Municpios,

    assegurar, pela fundao de instituies pblicas de ensino em todos os seus

    graus, a possibilidade de receber uma educao adequada s suas faculdades,

    aptides e tendncias vocacionais (apud ROMANELLI, 1986:153).

    A Lei Orgnica do Ensino Secundrio (Reforma Capanema), homologada

    em 9 de abril de 1942, pelo Decreto-Lei N 4.244, reestruturou o ensino

    secundrio em dois ciclos: o primeiro de quatro anos, foi chamado de curso

    ginasial; e o segundo de trs anos, foi subdividido em clssico e cientfico.

    Na Reforma Capanema, para o ingresso no curso ginasial, era necessrio

    para o candidato uma idade mnima de 11 anos, alm de ter recebido satisfatria

  • 38

    educao primria e ter revelado, em exames de admisso, aptido intelectual

    para os estudos secundrios20.

    Em relao aos programas de Matemtica advindos com a Reforma

    Capanema, o curso de Geometria Intuitiva no 1 ano do secundrio foi preservado

    e nas provas de Matemtica, do exame de admisso, continuavam constando

    apenas questes de Aritmtica.

    O curso de Geometria Intuitiva permaneceu nos programas de Matemtica

    at 1951, pois a Portaria N 1.04521 prescreveu ao primeiro ano do ginsio

    apenas curso de Aritmtica, como mostramos a seguir:

    Desde 1931, o primeiro ano ginasial tinha incio com Geometria Intuitiva,

    ou seja, somente quase 20 anos depois, o primeiro ano do ginsio passou a ser

    uma continuao do exame de admisso, privilegiando to somente o ensino de

    Aritmtica.

    3.3. LDBEN 4.024.

    Em 1946, uma nova Constituio comeou a vigorar no pas, mas no que

    diz respeito educao, era semelhante de 1934. No Art. 166 lia-se: A

    educao direito de todos e ser dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos

    princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana e no Artigo 16722:

    a educao dever do pas. Portanto, a nova Constituio distanciava-se da

    20 Decreto-lei No 4.244, de 9 de abril de1942, captulo V, artigo 31.21 Portaria No 1.045, de 14 de dezembro de 1951 Expede os planos de desenvolvimento dos programasmnimos de ensino secundrio e respectivas instrues metodolgicas.22 Art. 167 O ensino dos diferentes ramos ser ministrado pelos poderes pblicos e livre iniciativaparticular, respeitadas as leis que o regulem.

    1 srie

    I Nmeros inteiros; operaes fundamentais; nmeros relativos.

    II Divisibilidade aritmtica; nmeros primos.

    III Nmeros fracionrios.

    IV Sistema legal de unidades de medir: unidades e medidas usuais.

  • 39

    anterior, que isentava praticamente os poderes pblicos do dever de proporcionar

    e garantir a educao (RONAMELLI, 1986:170).

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN) foi sancionada

    em 20 de dezembro de 1961 sob o N 4.024. Mas, para a aprovao da LDBEN

    4.024, passaram-se 13 anos de discusses; o anteprojeto, encaminhado em

    1948, foi votado apenas em dezembro de 1961.

    Em relao durao dos cursos, a estrutura do ensino ficou da seguinte

    forma:

    Ensino primrio de quatro anos, podendo ser estendido por mais dois,

    ampliando os conhecimentos do aluno e iniciando-o em tcnicas de artes

    aplicadas, adequadas ao sexo e idade23. Segundo Chagas, esse curso

    complementar de dois anos dava acesso segunda srie do 1 ciclo, ainda

    assim mediante adaptao, em lugar de conduzir diretamente terceira

    srie, como se pretendia a corrente mais progressista (1980:61);

    ensino mdio administrado em dois ciclos: o ginasial em quatro e o colegial

    em trs anos, ambos compreendendo o ensino secundrio e o ensino

    tcnico (industrial, agrcola, comercial e de formao de professores);

    ensino superior, com a mesma estrutura j consagrada anteriormente.

    Com respeito ao ingresso no primeiro ano ginasial, o Artigo 36 dessa Lei, o

    aluno precisa ser aprovado no exame, em que fique demonstrada satisfatria

    educao primria.

    Na consolidao da LDBEN, em 1965, ficaram mais claros e especficos os

    termos que diziam respeito ao exame de admisso, em relao ao que foi descrito

    na prpria Lei N 4.024/61, como pode ser observado:

    Art. 1 O exame de admisso tem por objetivo verificar se o candidato

    possui satisfatria instruo primria para ingressar na primeira srie ginasial.

    Pargrafo nico O exame de admisso poder ser feito mediante a prestao

    de provas ou limitar-se- verificao da autenticidade e idoneidade do

    certificado de aprovao em curso primrio reconhecido e fiscalizado pela 23 LDBEN No 4.024/61, Ttulo VI, Captulo II, pargrafo nico.

  • 40

    autoridade competente, com durao mnima de quatro sries previstas nos

    artigos 16 e 29 da LDBEN.

    (...)

    Art. 3 O exame de admisso, quanto poca, disciplinas, programas,

    examinadores, critrios de aprovao, novas chamadas, classificao de

    candidatos e demais questes, ser definido no regimento do estabelecimento

    de ensino.

    O Artigo 2 no foi transcrito, pois dizia respeito idade de ingresso,

    documentao necessria etc; encontra-se apresentado no Anexo 1. O pargrafo

    nico do Art. 1 d aos estabelecimentos de ensino a oportunidade de escolherem

    dois caminhos para a seleo dos alunos: a prestao de um exame por parte do

    candidato; a verificao da autenticidade e idoneidade do certificado de

    aprovao em curso primrio, ou seja, a desobrigao de prestar uma prova.

    Assim, os estabelecimentos de ensino passaram a ter mais autonomia, sobretudo,

    quanto seleo de programas e critrios para a avaliao. Acreditamos que a

    causa dessa flexibilidade na legislao foi a expanso do ensino secundrio e,

    com ela, a criao de novos estabelecimentos, portanto, um maior nmero de

    vagas oferecidas. Todos esses acontecimentos conduziriam unificao dos

    cursos primrio e ginasial, em um s curso.

    Nacionalmente, com a LDB 5.692/71, deu-se a unificao do primrio e

    ginsio em um mesmo curso, denominado 1 Grau. Essa lei fixou as diretrizes e

    bases para o 1 e o 2 Grau. A partir de ento, no haveria mais motivo para a

    existncia do exame de admisso, que foi extinto no mesmo ano.

    Resumindo a estrutura do ensino no Brasil desde a poca do Imprio,

    segundo Chagas (1980:115), temos:

  • 41

    Antes de 1930 Para o ingresso no superior, era necessrio fazer os

    cursos preparatrios para depois curs-lo.

    Anos 1930 O aluno precisava prestar o exame de admisso para

    ingressar no secundrio e curs-lo em sete anos,

    depois prestar o exame vestibular para acesso ao

    superior.

    Anos 1940 Havia os cursos preparatrios para o exame de

    admisso.O candidato deveria prestar o exame para

    o ingresso no secundrio, que seria realizado em

    sete anos, depois