diversidade cultural e o currÍculo escolar: indisciplina e...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – DCIE NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
DIVERSIDADE CULTURAL E O CURRÍCULO ESCOLAR: INDISCIPLINA E
ADOECIMENTO DO CORPO DOCENTE*
Solange Gonçalves Santos de Oliveira – UESC1
Karina Pereira Pinto – UESC2
RESUMO O artigo trata da relação entre adoecimento docente e indisciplina escolar, buscando
compreender como a cultura escolar pode se tornar um dispositivo produtor da
insatisfação do aluno e do professor. A pesquisa tem embasamento teórico na
genealogia de Michel Foucault e nas teorias intercríticas do currículo. Com este artigo
esperamos levantar desafios aos profissionais da educação para desconstruir práticas
escolares monoculturais e construir práticas pluriculturais capazes de entrelaçar o
universo escolar, levando em consideração as novas identidades, as transformações
que estão sendo definidas, as diversidades não só culturais, mas também de gênero e
economia, de forma a possibilitar um ambiente que se preocupa não somente com o
sujeito individual, mas também com o coletivo e o social.
Palavras-chave: Cultura; Cultura escolar; Currículo; indisciplina; adoecimento do
corpo docente.
A CENTRALIDADE DA CULTURA
A cultura adquire cada vez mais um papel significativo na vida da
sociedade. A identidade social é construída pelas culturas, pois tudo que
perpassa na vida do indivíduo é denominado como cultura. Não é possível
* Neste artigo apresentamos os resultados obtidos na pesquisa de Iniciação Científica Voluntária desenvolvida pela aluna Solange Gonçalves Santos de Oliveira, na UESC, no período de dezembro de 2011 a dezembro de 2012, e na pesquisa para elaboração de Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, além dos resultados parciais do projeto Cultura escolar e saberes psicológicos: dispositivos de produção de subjetividades, coordenado pela professora Karina Pereira Pinto. 1 Discente do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Santa Cruz. E-
mail: [email protected]
2 Docente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Santa Cruz. E-mail: [email protected]
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separar a cultura das atividades características e das interações da vida
cotidiana, porque o que acontece na vida das pessoas e suas representações
perpassam pela cultura. Isso significa que toda a prática social tem uma
dimensão cultural, além da importância das ações e das experiências dos
indivíduos nas análises dos fenômenos sociais. Segundo Hall (2012) trata-se
de um reconhecimento sobre a centralidade da cultura em nossa sociedade.
Com este reconhecimento, houve o aumento significativo nos interesses pelas
questões culturais, pois, através da compreensão deste conceito pode-se
pensar o mundo.
Segundo Moreira e Candau (2003), a expressão “centralidade da
cultura” é utilizada por Stuart Hall para ressaltar a forma como a cultura penetra
em cada recanto da vida social contemporânea, tornando-se elemento-chave
no modo como o cotidiano é configurado e modificado, e também para realçar
o lugar central da cultura no processo de formação de identidades sociais.
Ressaltam ainda que posicionar-se a favor da centralidade da cultura não
significa “considerar que nada exista a não ser a cultura”, e sim, “admitir que
toda prática social tem uma dimensão cultural, já que toda prática social
depende de significados e com eles está estreitamente associada” (p. 159).
Para compreendermos a vida e a organização da sociedade é
indispensável o estudo cultural. A cultura é o elemento chave para a vida do
sujeito, portanto, deve ser vista como fundamental, constitutiva, capaz de
determinar a forma, o caráter e a vida do indivíduo, bem como a formação de
sua identidade social.
Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de
sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a
praticam quanto para os que a observam: não em si mesma,
mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado
que os seres humanos utilizam para definir o que significam as
coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em
relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado
dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar
significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto,
eles constituem nossas culturas. Contribuem para assegurar
que toda ação social é cultural, que todas as práticas sociais
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expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são
práticas de significação (HALL, 2012, p. 15).
Diante desta afirmação, Moreira e Candau (2003) acrescentam que a
identidade social está relacionada com a cultura, o que nos leva a crer que a
cultura tem uma estreita relação com as práticas escolares. A cultura e a
educação estão interligadas, não há educação que não esteja imersa na
cultura da humanidade. Consequentemente, não haverá práticas pedagógicas
desculturalizadas. Compreende-se, pois, que a escola e a cultura estão
entrelaçadas, não podendo ser tratadas como dois polos independentes, pois a
escola é uma instituição cultural.
Há uma grande preocupação relacionada à educação escolar e à
cultura:
A escola é uma instituição construída historicamente no
contexto da modernidade, considerada como mediação
privilegiada para desenvolver uma função social fundamental:
transmitir cultura, oferecer às novas gerações o que de mais
significativo culturalmente produziu a humanidade. Essa
afirmação suscita várias questões: Que entendemos por
produções culturais significativas? Quem define os aspectos da
cultura, das diferentes culturas que devem fazer parte dos
conteúdos escolares? Como se têm dado as mudanças e
transformações nessas seleções? Quais os aspectos que têm
exercido maior influência nesses processos? Como se
configuram em cada contexto concreto? (MOREIRA; CANDAU,
2003, p. 160).
O pensamento de transmitir o que de mais significativo produziu a
humanidade, faz com que encontremos presente na escola uma concepção
reducionista da cultura, que privilegia apenas algumas dimensões artísticas e
intelectuais, ou seja, as escolas ainda prestigiam uma cultura elitista,
engessada, clássica que por muito tempo foi considerada como única e
universal e utilizada como modelo para configuração da cultura escolar. Esta
cultura de visão elitista promove preconceito, discriminação e exclusão, por ser
pouco permeável aos universos culturais das crianças e jovens que ali estão
inseridos (CANDAU, 2000).
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A cultura é estruturante do cotidiano de todo o grupo social e é expressa
no modo de agir, se relacionar, interpretar, interagir, celebrar e atribuir sentidos.
Esta é uma consciência de que a dimensão cultural é configuradora do humano
em nível pessoal e coletivo (CANDAU, 2000). Nilda Alves (2003) contribui
afirmando que somos o acúmulo de ações e acontecimentos culturais
cotidianos que nos levam a compreender nossa necessidade de diferentes
modos de viver, conviver e criar. “Os conhecimentos são adquiridos através
dos acontecimentos culturais, de acordo com os diferentes e diversos usos que
se faz no cotidiano” (ALVES, 2003, p. 63).
De acordo com Nilda Alves (2003), a concepção hegemônica sobre
cultura é insuficiente e equivocada para apreender o cotidiano escolar. É
preciso reajustar o currículo ao cotidiano escolar através da observação do que
se passa no dia a dia da escola, e, para isso, a participação ativa de todos os
professores é fundamental, pois, desta forma, entende-se que há uma maior
dimensão e incorporação da ideia de multiplicidade. Assim, são levantados
questionamentos, inquietações, dúvidas, anseios que são importantes para
ajustar o cotidiano escolar de acordo com as necessidades e realidades dos
alunos.
Diante das diversidades culturais, exige-se dos profissionais da
educação capacitação para integrar o convívio cultural. Para isso, é
fundamental que a escola tenha um currículo pluricultural, autônomo, de forma
a propiciar a valorização e o respeito a todas as culturas.
CULTURA ESCOLAR, CURRÍCULO E IMPORTÂNCIA DA DIVERSIDADE
CULTURAL
Segundo Veiga-Neto (2003), ao longo dos últimos dois ou três séculos,
as discussões sobre cultura compreendiam apenas o conjunto de tudo aquilo
que se considerava que a humanidade havia produzido de melhor em
materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários, como se cultura fosse uma
coisa única e universal. A cultura de olhar restrito ocupava um status elevado e
foi tomada como modelo a ser atingido pela sociedade. Este pensamento
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intensificou o preconceito e a discriminação, pois aquele que era reconhecido
como culto era considerado como uma pessoa de alta cultura e aquele que não
a alcançava era tratado como uma pessoa de baixa cultura, sem prestígio,
considerado como uma pessoa “sem cultura”. Este conceito era um elemento
de diferenciação, precursor da dominação e exploração (VEIGA-NETO, 2003).
Os autores Moreira e Candau (2003) acrescentam que:
Estamos imersos em uma cultura da discriminação, na qual a
demarcação entre “nós” e “os outros” é uma prática social
permanente que se manifesta pelo não reconhecimento dos
que consideramos não somente diferentes, mas, em muitos
casos “inferiores”, por diferentes características identitárias e
comportamentos (p, 163).
Segundo Veiga-Neto (2003), o momento que estamos vivendo torna
cada vez mais visíveis as diferenças culturais. As pessoas estão mais
individualistas por conta da competitividade desencadeada pelo capitalismo
que reina fortemente neste século. É visto com clareza a opressão de alguns
sobre os outros na busca da exploração econômica e material, provocando a
discriminação e o preconceito. A escola é o palco destas manifestações de
preconceitos e discriminações de diversos tipos, porém a cultura escolar, na
maioria das vezes, não as reconhece porque a cultura privilegiada pela escola
está impregnada por uma representação padronizadora de igualdade marcada
por uma visão monocultural.
Antonio Viñao Frago (1998) define a cultura escolar como:
un conjunto de teorías, principios o criterios, normas y praticas
sedimentadas a lo largo del tiempo en lo seno de las
instituiciones educativas. Se trata de modos de pensar y actuar
que proporcionan estrategias y pautas para organizar y llevar la
clase, interactuar con los compañeros y con otros miembros de
la comunidad educativa e integrarse en la vida cotidiana del
centro docente (VIÑAO FRAGO, 1998, p. 168-169).
Esta cultura escolar está impregnada por uma visão monocultural que
normatiza os discursos, as linguagens e as práticas dos atores que adentram
nesta instituição. Uma série de dispositivos compõe e faz funcionar a cultura
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escolar: as disciplinas escolares, com seus conteúdos e livros didáticos, além
de inúmeros exercícios e exames; o espaço escolar, que pode ser
compreendido tanto como “lugar”, que tende a se fragmentar em uma
variedade de usos e funções, quanto como território, relacionando-se com o
que está à sua volta, com outros espaços e lugares; e o tempo escolar, que é
um tempo pessoal, institucional e organizativo, sendo a escola
uno de los instrumentos más poderosos para generalizar y
presentar como natural y única, en nuestras sociedades, una
concepción y vivencia del tiempo como algo mensurable,
fragmentado, secuenciado, lineal y objetivo que lleva implícita
las ideas de meta y futuro. Es dicir, que proporciona – al menos
como posibilidad – una visión del aprendizaje y de la historia no
como procesos de selección y opciones, de ganancias y
pérdidas, sino de avance y progreso (VIÑAO FRAGO, 1998, p.
176-177).
Neste contexto, práticas são desenvolvidas de forma rotineira,
constituindo modos de atuar que, sedimentados ao longo do tempo, são
adaptados e interiorizados de modo automático e não reflexivo por toda
comunidade escolar (VIÑAO FRAGO, 1998). Desta forma, criam-se códigos de
significação que dão sentido às ações dos atores envolvidos no contexto
escolar e que possibilitam a interpretação das ações uns dos outros de forma
significativa. A este conjunto de códigos, significados e sentidos, dá-se o nome
de cultura escolar.
Estes códigos precisam ser problematizados, desvelados e modificados,
evitando que a escola esteja a serviço da reprodução de padrões de conduta
reforçadores dos processos discriminadores presentes na sociedade. Diante
destas questões, nota-se a necessidade de trabalhar nas escolas com a
diversidade cultural e as diferenças, buscando sempre conscientizar os
educadores e os educandos da diversidade presente na sociedade e a
importância desta para a constituição dos sujeitos. Mas, para intervir na cultura
escolar é necessário desconstruir as representações historicamente
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construídas. É preciso desnaturalizar3 certas concepções, libertando-se de
práticas de caráter monocultural e construir novas práticas multiculturais e não
discriminatórias, de forma a possibilitar um trabalho de multiplicidade de
culturas existentes no mundo e nas próprias regiões em que a escola está
inserida (VEIGA-NETO, 2003).
Os professores, no entanto, encontram dificuldades em tornar a cultura
eixo central do currículo escolar, bem como de desenvolver práticas
pedagógicas multiculturais (MOREIRA; CANDAU, 2003). A maioria dos
profissionais da educação não sabe trabalhar com a diversidade cultural e,
quando se deparam com esta realidade em sala de aula, começa a indagar:
Como lidar com essa criança tão “estranha”, que apresenta
tantos problemas, que tem hábitos e costumes tão “diferentes”
dos da criança “bem educada”? Como “adaptá-la” às normas,
condutas e valores vigentes? Como ensinar a estas crianças os
conteúdos dos livros didáticos? (MOREIRA; CANDAU, 2003, p.
156).
Estas indagações demonstram o preconceito existente nas salas de
aula, pois os educadores, mediante esta forma de pensar, dificultam o ensino e
aprendizagem das crianças que têm hábitos diferentes dos convencionais, ou
seja, hábitos diferentes dos costumes da sociedade elitista. De acordo com
Moreira e Candau (2003), os professores encontram dificuldades em tudo,
como se a cultura definisse o nível de inteligência e capacidade dos sujeitos.
Dentro das escolas tudo ganha rótulos, pois estes ambientes procuram
hierarquizar, rotular como capazes ou menos capazes, com problemas ou não
de aprendizagem, inteligente e acelerado ou lento e desacelerado, normais ou
deficientes. Com essa visão e hierarquização, os profissionais da educação
acabam construindo um currículo para poucos e essa mesma construção serve
de justificativa para classificações excludentes. Essa visão precisa ser
3 “Desnaturalização é um método de desconstrução de ideias que acreditamos serem naturais.
Este método é utilizado por autores como Foucault, Guattari e Deleuze, e possui como objetivo entender os processos pelos quais algumas categorias são criadas pelo pensamento humano. Estas categorias, que são criadas sócio-historicamente, ganham autonomia e passam a ser vistas, equivocadamente, como „verdades naturais‟” (PINTO, 2011, p. 117).
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repensada, pois toda a mente humana tem a capacidade de aprender
(ARROYO, 2008).
É fundamental a desconstrução dessa visão mercantilizada dos
profissionais da educação e dos currículos. Entretanto, existe outra imagem
presente e determinante da docência e da administração escolar que deve ser
desconstruída. É a forma como veem os alunos: as escolas não conseguem
vê-los como iguais perante aos saberes e as capacidades de aprender. Essa
visão marcada pela desigualdade dos alunos diante do conhecimento é uma
marca da cultura escolar (ARROYO, 2008).
Percebe-se que há na escola um grande desafio antes ausente no
espaço escolar. Hoje reconhecemos a existência de grupos sociais e culturais
diferenciados, tornando o universo escolar multicultural. Moreira e Candau
(2003) declaram que as escolas não se deram conta das demandas
provocadas pelos processos de globalização econômica e cultural que
intensificaram a multiculturalidade da sociedade contemporânea. Estas
mudanças que ocorrem no cotidiano colocam para a educação escolar novos
desafios. Contudo, estes desafios ainda não foram devidamente explorados,
aprofundados e equacionados. Há uma necessidade de desconstrução de uma
série de elementos da cultura escolar para uma reconstrução de um ambiente
escolar que se preocupa com o sujeito na sua totalidade e diversidade.
É preciso que os profissionais da educação construam e desenvolvam
currículos autônomos, coletivos e criativos, de forma a possibilitar um ambiente
escolar sem rotina, sem repetição, tornando-o um espaço de reflexão,
criatividade, heterogeneidade, defendendo os interesses dos menos
favorecidos, favorecendo a multiplicidade de forma de vida e, ao mesmo
tempo, levando a todos uma escolarização em comum. Outrossim, é preciso
desenvolver estratégias pedagógicas que abordem a diversidade e a
pluralidade cultural no currículo escolar, pois um currículo monocultural provoca
distinção e rotulação dos indivíduos, contribuindo para uma ambiente de
tensões e conflitos. Por isso a importância de uma pedagogia com base na
justiça curricular, pois produz menos desigualdade nas relações sociais
interligadas ao sistema educacional (MOREIRA; CANDAU, 2003).
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De acordo com Connell (apud MOREIRA; CANDAU, 2003. p. 157), “se
os currículos continuarem a produzir e a preservar divisões e diferenças,
reforçando a situação de opressão de alguns indivíduos e grupos, todos,
mesmo os membros dos grupos privilegiados, acabarão por sofrer”. É preciso a
construção de um currículo sem preconceito, discriminação e opressão.
A teoria pós-crítica de currículo multiculturalista reconhece a existência
de uma multiplicidade de culturas em nossas sociedades. Ao analisarmos as
conexões entre currículo e multiculturalismo, no entanto, precisamos estar
atentos às várias matizes que o multiculturalismo apresenta, dentre elas o
multiculturalismo liberal e o multiculturalismo crítico. Segundo Silva (2009), o
multiculturalismo liberal enfatiza um currículo “baseado nas ideias de
tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas” (p. 88). Para o
multiculturalismo crítico, no entanto, estas noções de tolerância e convivência
são insuficientes, pois deixam intactas as relações de poder que estão na base
da produção das desigualdades sociais. De acordo com Silva (2009), “apesar
de seu impulso aparentemente generoso, a ideia de tolerância, por exemplo,
implica certa superioridade por parte de quem mostra tolerância” (p. 88). Sendo
assim, do ponto de vista do multiculturalismo crítico, a tolerância não faria as
desigualdades e injustiças sociais serem desconstruídas e modificadas,
estariam, sim, sendo “sendo constantemente produzidas e reproduzidas
através de relações de poder. As diferenças não devem ser, simplesmente,
toleradas” (p. 88). E acrescenta ainda:
Um currículo inspirado nessa concepção [do multiculturalismo
crítico] não se limitaria, pois, a ensinar tolerância e o respeito,
por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em
vez disso, numa análise dos processos pelos quais as
diferenças são produzidas através de relações de assimetria e
desigualdade. Num currículo multiculturalista crítico, a
diferença, mais do que tolerada ou respeitada, é colocada
permanentemente em questão (SILVA, 2009, p. 88-89).
Esta nova construção curricular requer dos profissionais da educação
uma postura diferenciada, com novos saberes, novos objetivos, conteúdos,
estratégias e novas formas de avaliação. Logo, será necessário que o
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professorado esteja disposto a capacitar-se para reformular o currículo e a
prática docente baseados nas perspectivas, necessidades e identidades de
classes e grupos subalternizados. (MOREIRA; CANDAU, 2003).
Para desconstruir e reconstruir um novo currículo escolar deve-se levar
em conta as novas identidades, os processos que estão sendo definidos, as
diversidades não só culturais, mas também de gênero e economia. Desta
forma espera-se que este novo currículo não permita a exclusão, classificação,
a discriminação e o preconceito entre as culturas.
Segundo Moreira e Candau (2003) a escola é o lugar onde se
concentram os diferentes, portanto, tem uma função séria, inescapável, por ser
um espaço privilegiado de encontros com a diversidade cultural. No entanto, a
cultura escolar põe em funcionamento dispositivos que tratam todos da mesma
forma, normatizando. Segundo Rocha (2001), a escola objetiva normatizar o
indivíduo mediante a subjetividade burguesa. Essa normatização ainda está
muito presente no cotidiano escolar na atualidade e é um dos fatores que
promove a indisciplina entre os alunos.
Podemos afirmar que, para o cumprimento da prática normativa, a
cultura escolar e o currículo são formados a partir de práticas disciplinares,
tendo como aliada a vigilância, ainda que disfarçada. Desta forma, há um
determinado controle sob os alunos, pois estes estão sempre sobre vigilância.
Conforme Tragtenberg (1986), as escolas são fundadas na vigilância, o que
significa que os discentes são mantidos sob um olhar direcionado que limita,
registra, contabiliza todas as observações a respeito do aluno.
As normas pedagógicas têm o poder de marcar, salientar os
desvios, reforçando a imagem de alunos tidos como
„problemáticos‟, estigmatizados como „negrão‟, „o índio‟, o
„maloqueiro‟ ou morador da „favela‟. A escola, ao dividir os
alunos e o saber em séries, graus, salienta as diferenças,
recompensando os que se sujeitam aos movimentos regulares
impostos pelo sistema escolar. Os que não aceitam a
passagem hierárquica de uma série a outra são punidos com a
„retenção‟ ou a „exclusão‟ (TRAGTENBERG, 1986, p. 1).
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De acordo com Guirado (1996), o poder exercido sobre o outro, é como
uma força maior, capaz de construir ou destruir, mas que, na maioria das
vezes, oprime, cria obstáculo, restrições e paralisa. No entanto, há outras
práticas existentes nas escolas que reforçam a vigilância e a punição: são as
observações e registros em boletins individualizados, os portfólios dos alunos,
a avaliação. Estes mecanismos geram estereótipos, classificação e, por vezes,
a punição em forma de repetência. As escolas, segundo Tragtenberg (1986),
são centros de discriminações, pois reforçam tendências que existem no outro
lado do muro da escola, “o mundo de fora”. O modelo pedagógico objetiva, na
sua construção, efetuar a vigilância constante, sendo que estas vigilâncias e
punições não têm intuito de trabalhar o aluno ou „recuperar‟, mas demarcá-los,
expô-los, ridicularizá-los, diferenciando-os dos chamados “normais”. Desta
forma, a escola expõem os que não se adéquam às normas escolares,
estereotipando de desordeiro ou pré-disposto à loucura e à criminalidade.
O modelo pedagógico de nossas escolas está bastante permeado pelo
poder disciplinar, tal qual o conceituou Foucault (1999a). Trata-se de um poder
que não está subordinado a instâncias econômicas, não é uma coisa, nem é
natural, não se encontra localizado no Estado nem em lugar nenhum, não
possui um titular e não se sabe ao certo quem o detém. O poder é uma prática
social historicamente construída, e “só existe em ação” (FOUCAULT, 1999b, p.
175), pois é uma relação de forças, uma prática, é algo que se exerce, que
funciona. Ele não age diretamente sobre as pessoas, mas sobre as ações que
as mesmas exercem (FOUCAULT, 1989). Esse poder está situado no corpo
social, penetra na vida cotidiana das pessoas e possui procedimentos técnicos
em um nível de micropoderes “que realizam um controle detalhado, minucioso
do corpo – gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos” (MACHADO,
1999, p. XII). Funciona como uma espécie de rede de dispositivos ou
mecanismos dos quais ninguém escapa, pois não há exterior possível a ele –
está disseminado por toda estrutura social, se exercendo como uma
multiplicidade de relações de forças.
Para Foucault (1999a) o poder não está em lugar nenhum, e sim na
relação entre as pessoas, e ele se exerce através das práticas. O poder deve
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ser considerado também por sua positividade, por sua capacidade de gerir a
vida das pessoas de forma a controlá-las, aperfeiçoando, gradual e
continuamente, suas potencialidades, extraindo das pessoas, ao mesmo
tempo, uma rentabilidade econômica máxima, através do aumento da
capacidade para o trabalho, e uma força política mínima, diminuindo a
capacidade de revolta.
Foucault (1999a) fala de uma relação específica de poder sobre os homens
que incide sobre seus corpos de forma minuciosa, através de uma tecnologia própria
de controle: a disciplina ou o poder disciplinar.
Pouco a pouco – mas principalmente depois de 1762 – o
espaço escolar se desdobra; a classe torna-se homogênea, ela
agora só se compõe de elementos individuais que vêm se
colocar uns ao lado dos outros sob olhares do mestre. A
ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a
grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar:
filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação
atribuída a cada um em relação a cada tarefa e cada prova;
colocação que ele obtém de semana em semana, de mês em
mês, de ano em ano; alinhamento das classes de idade umas
depois das outras; sucessão de assuntos ensinados, das
questões tratadas segundo uma ordem de dificuldade
crescente. E nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios,
cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu
comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o
tempo todo numa série de casas; umas ideais, que marcam
uma hierarquia do saber ou das capacidades, outras devendo
traduzir materialmente no espaço da classe ou do colégio essa
repartição de valores ou dos méritos. [...]. Organizou uma nova
economia do tempo de aprendizagem. Fez funcionar o espaço
escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar,
de hierarquizar, de recompensar (FOUCAULT, 1999a, p. 126).
Pode-se dizer que o poder disciplinar, ao mesmo tempo em que fabrica
indivíduos, impondo-lhes uma visibilidade que os transforma em instrumentos de seu
exercício, se exerce através de sua invisibilidade produzindo subjetividades. A
disciplina comporta uma série de instrumentos, de técnicas, de procedimentos e de
níveis de aplicação, exercendo-se como uma modalidade de poder que não se
identifica com uma instituição ou um aparelho específico, e sim com:
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[...] o conjunto das minúsculas invenções técnicas que
permitiram fazer crescer a extensão útil das multiplicidades
fazendo diminuir os inconvenientes do poder que, justamente
para torná-las úteis, deve regê-las (FOUCAULT, 1999a, p.
181).
O poder disciplinar distribui os indivíduos no espaço, criando espaços
complexos que são simultaneamente arquiteturais, funcionais e hierárquicos, já que
eles fixam e fazem circular, segmentam e fazem ligações, marcam lugares e indicam
valores (FOUCAULT, 1999a). Esses espaços transformam multidões confusas em
multiplicidades organizadas, constituindo-se tanto como uma técnica de poder, ao
gerar uma organização, quanto um processo de saber, ao possibilitar a produção de
instrumentos para melhor percorrê-lo.
A disciplina pune através de micropenalidades perpétuas do tempo, da
atividade, do comportamento, dos discursos, do corpo, da sexualidade; torna
penalizáveis as frações mais ínfimas da conduta, através de penas que são da
ordem do exercício, corretivas, que têm que ser muitas vezes repetidas, tendo
também um caráter de gratificação-sanção. Essas micropenalidades perpétuas
operam uma diferenciação dos indivíduos, avaliando-os através de uma
suposta verdade:
A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e
controla todos os instantes das instituições disciplinares
compara, diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma
palavra, ela normaliza (FOUCAULT, 1999a, p. 153 - grifo no
original).
Para que o poder disciplinar se exerça, no entanto, dois elementos lhe
são indispensáveis: que aquele sobre o qual as relações de força se exercem
seja não apenas reconhecido, mas também mantido como sujeito agente; e
que haja uma abertura às relações de poder em termos de possibilidade de
respostas, ações e reações.
O exercício do poder é um conjunto de ações sobre ações
possíveis; ele opera sobre o campo de possibilidade onde vai
se inscrever o comportamento dos sujeitos agentes: ele incita,
induz, seduz, facilita ou dificulta, amplia ou restringe, torna
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mais ou menos provável; no limite ele vai coagir ou impedir
totalmente; mas vai ser, como sempre, um modo de agir sobre
um ou mais sujeitos agentes, se eles agirem ou forem levados
a agir. Uma ação sobre ações (FOUCAULT, 1989, p. 14).
Foucault (1989) ressalta, como uma forma de investigar as relações de
poder, colocar em evidência as resistências que, de certo modo, agem como
catalisadores, possibilitando “ver onde elas [relações de poder] se inscrevem,
descobrir seus pontos de incidência e os métodos que utiliza” (FOUCAULT,
1989, p. 04), analisá-las a partir de seus afrontamentos e não de sua
racionalidade interna.
A condição permanente para a existência das relações de poder está,
justamente, na possibilidade de resistência, na insubmissão, implicando
estratégias de luta, sendo sempre possível modificar uma dominação do poder
(FOUCAULT, 1989).
Com base em Foucault, Guirado (2005), afirma que “o poder em sua
forma modelarmente disciplinar, gera indisciplina” (p. 68). Isto quer dizer que
tudo que se depreende do conceito, a rede de relações disciplinares faculta a
indisciplina. Portanto, a indisciplina na educação é constituída no processo de
disciplinarização (GUIRADO, 1996). O olhar hierarquizado do poder, bem como
suas normas e pressupostos precisam ser desconstruídos.
Nota-se que a indisciplina não é descontextualizada, e este
comportamento é uma forma de manifestação, resistência à normatização.
Consequentemente esta distinção causa exclusão, que gera a indisciplina,
mecanismo que, para muitos docentes, é uma transgressão às normas, um
comportamento em desacordo com as regras presentes na escola, mas que,
na realidade, pode ser compreendida como uma forma de resistência e
manifesto por parte dos alunos.
A cultura engessada, predominante nas escolas, é pouco permeável ao
contexto dos universos culturais das crianças e jovens que nela estão
inseridos. É de um padrão cultural único, elitizado, machista e com forte
conotação judaico-cristã, além de eurocêntrico (VEIGA-NETO, 2003). A escola
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não garante a democracia, nem condições de igualdade de acesso e
permanência no ambiente escolar. Consequentemente, essa distinção causa
exclusão, que gera a indisciplina. Rocha (2001) enfatiza que tanto a indisciplina
quando a violência são desestabilizadoras, sendo consideradas nos tempos
atuais como os principais obstáculos que dificultam o processo de ensino e
aprendizagem na escola. Além disso, são os problemas contemporâneos que
mais estressam os professores, por encontrarem dificuldades em lidar com a
indisciplina.
A dificuldade encontrada pelos docentes em lidar com os alunos em sala
de aula os faz adoecer (ROCHA, 2001). Esta questão vem se destacando na
literatura educacional, em diversos países, como um dos temas que mais
inquietam os educadores, além de ser o fator principal que afeta o ambiente de
ensino-aprendizagem (GARCIA, 2009).
As indisciplinas são caracterizadas pelo grau de mau comportamento,
desrespeito às figuras de autoridade, bagunça, tumulto, falta de limites, aluno
fora da sala de aula ou sem atenção, e até mesmo pela violência, que é vista
por Marisa Rocha (2001) como uma extrapolação da indisciplina causando
dano físico ou moral. Essas desorganizações em sala de aula deixam o
professor com sensação de impotência, causando-lhe adoecimento físico,
psicológico, o que causa desestímulo ao profissional da educação (ROCHA,
2001).
De acordo com Machado (2005), a escola desconsidera o processo de
produção do fenômeno analisado, naturalizando o que é produzido
historicamente e individualizando o que é da ordem do coletivo. Isso faz com
que os educadores não tenham espaço para discutir os casos presentes em
sala de aula nas reuniões dos professores, deixando com que os docentes
sintam-se sozinhos em uma situação delicada, sem apoio de colegas com que
possam compartilhar suas dificuldades. Esta falta de parceria aumenta a
angústia do professor.
Diante dos diversos problemas encontrados pelos educadores nas
escolas, tais como salas de aula cheias, crianças irrequietas e barulhentas,
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falta de material didático, ausência de estimulo salarial, falta de preparo para
agir em situações inesperadas, além da falta de apoio da escola, os mesmos
acabam por adoecer. Pode-se perceber quando um professor começa a
adoecer através do seu desestímulo em sala de aula, estresse, apatia,
dificultando a relação professor- aluno, provocando nos discentes alterações de
comportamentos como agressividade, agitação, dificuldade de aprendizado,
dentre outros.
Segundo Machado (2005) o que também tem chamado atenção
frequentemente na instituição escolar e que pode interferir no bom
desenvolvimento emocional do discente, é a inclusão que acaba por vezes
excluindo. Há professores que defendem ações democráticas, inclusivas, mas
que, na prática cotidiana, revelam um abismo perigoso entre os discursos e as
ações, promovendo, na verdade, uma inclusão excludente. Desta forma há
uma separação que intensifica processo de subjetivação nos quais passamos a
naturalizar a segregação (MACHADO, 2005).
Segundo Moreira e Candau (2003), “a escola sempre teve dificuldade
em lidar com a pluralidade. Tende a silenciá-la e neutralizá-la. Sente-se mais
confortável com a homogeneização e a padronização” (p.161). Esta instituição
está convocada a enfrentar o grande desafio de abrir espaços à diversidade, à
diferença e ao cruzamento de culturas. Logo, os professores precisam ser
preparados para enfrentar o desafio provocado pelo multiculturalismo presente
na escola e na sociedade de forma a superar o daltonismo cultural (MOREIRA;
CANDAU, 2003).
CONCLUSÃO
Para Arroyo (2008) uma forma de repensar e reestruturar o currículo é o
trabalho e o planejamento coletivo, importantes para a construção de
parâmetros de ação profissional. Há necessidade de desconstruir o currículo
engessado, pois os discentes não são apenas uma produção da escola, tão
pouco do currículo, da docência ou da administração. São pessoas que
chegam à escola com identidades de classe, raça, etnia, gênero, território, por
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isso, o ordenamento curricular não deve ser neutro, e sim constituído por essa
pluralidade de imagens sociais como um conjunto de construção e seleção de
conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e em dinâmicas
sociais, políticas e culturais, assim como intelectuais e pedagógicas.
Juntamente com o desafio para a desconstrução de práticas escolares
naturalizadas, vem a necessidade do trabalho coletivo, e da união de forças,
pois não se consegue mudar nada caminhando sozinho. A construção de
práticas multiculturais críticas e não discriminatórias só é possível na
coletividade, na ação conjunta. Desta forma, espera-se um currículo claro,
flexível, que garanta a democracia, o direito e os deveres de cada um. Espera-
se também, a formação de educadores atuantes como agentes sociais e
culturais capazes de formar cidadãos críticos e democráticos (MOREIRA;
CANDAU, 2003).
Para que haja uma mudança curricular positiva, é preciso que os
educadores superem o daltonismo cultural presente na instituição escolar, de
forma que possam aprender a trabalhar com o arco-íris de culturas, valorizando
e levando em conta a riqueza existente nas diferentes culturas presentes no
espaço escolar (MOREIRA; CANDAU, 2003). Para poder desenvolver um
trabalho respeitando o multiculturalismo crítico, é fundamental reconhecer a
existência das diversas culturas, respeitando-as e valorizando-as sem
distinção. Desta forma, acredita-se que os professores serão levados a
desenvolver estratégias pedagógicas pluriculturais.
Em concordância com Moreira e Candau (2003) salientamos que não
basta apenas formular currículo multicultural, é necessário desenvolver um
olhar sensível e humano. É fundamental que os educadores façam uma
releitura da própria visão de educação. Reconstruir um currículo é buscar
práticas mais consistentes com a garantia do direito à educação, à formação e
ao desenvolvimento humano.
Nos currículos atuais há as múltiplas aprendizagens dadas nas escolas,
entretanto há também o não aprendizado, por serem ignoradas, não
valorizadas ou até mesmo negadas pela cultura escolar as práticas
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multiculturais. É necessário flexionar o currículo formal – que determina a
prática pedagógica concreta e de caráter limitado – ao currículo real, em que
constam todas as aprendizagens que os discentes fazem no contexto escolar,
ultrapassando o currículo escrito e mostrando a necessidade de ampliar o
significado da cultura escolar (CANDAU, 2000). Desta forma nas instituições
escolares não haverá espaço só para o racional, para a produção intelectual.
Haverá espaço também para a interação, o dinamismo e para o brincar,
diminuindo a necessidade dos discentes em transcender as normas para saciar
as suas necessidades, pois o currículo contemplará uma pedagogia integrada
na ludicidade, no respeito as diversidade culturais.
Estes objetivos não podem estar dissociadas do currículo. Precisam
estar profundamente articulados com as propostas curriculares. Segundo
Moreira e Candau (2003), o trabalho educacional deve ser maior do que apagar
incêndios: tem de ser um trabalho de construção.
É fundamental desnaturalizar práticas de caráter monocultural e
construir uma sociedade e uma educação democráticas, construídas na
articulação entre igualdade e diferença, na perspectiva do multiculturalismo
emancipatório (MOREIRA; CANDAU, 2003), no intuito de tornar a educação
escolar cada vez melhor valorizando e reconhecendo o próximo como sujeito
de direito em sua singularidade e identidade. Esse objetivo só será alcançado
se a escola for um ambiente acolhedor, de qualidade, de aconchego, de
diversidade, capaz de reconhecer igualmente o direito de cada um, de forma a
valorizar as diferenças, afastando deste ambiente a desigualdade e garantindo
a todos o direito de aprender.
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