diversidade sexual: reflexÕes e prÁticas na...
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DIVERSIDADE SEXUAL: REFLEXES E PRTICAS NA ESCOLA
Tayse de Souto Silva (1)
Jos Hilton Silva Dantas (2)
(1) Universidade Estadual da Paraba [email protected] (2) Universidade Estadual da Paraba - [email protected]
Resumo: O presente trabalho teve como objetivo promover uma reflexo sobre questes relativas a
educao sexual na escola, especialmente no que se refere diversidade de identidades sexuais, numa
perspectiva de superao de (pre)conceitos e tabus que envolvem a abordagem da sexualidade. A
discusso foi realizada no intuito de aprofundar debates, valorizar a diversidade sexual na escola e
incentivar prticas educativas que contribuam para um convvio social mais democrtico, tendo em
vista que as relaes de poder que ditam padres heteronormativos colocam alguns alunos e alunas em
posio de vulnerabilidade, hierarquizando as relaes sociais. Utilizamos como aporte terico para as
discusses sobre aspectos culturais, os autores Lopes (2001, 2012); Silva (2012) Lins; Machado e
Escora (2016), Furlani (201o), Crceres (2011), no que se refere ao currculo utilizamos Brasil (1996,
1997, 1998) e para suporte metodolgico, o autora Haguete (1997) A interveno foi realizada em uma
escola estadual de ensino fundamental e mdio no municpio de Joo Pessoa, com turmas de ensino
mdio regular do turno da noite e os procedimentos metodolgicos decorreram de uma pesquisa
participativa, atravs da qual as atividades aplicadas propiciaram tanto a coleta de dados quanto a
interveno na comunidade escolar. Constatamos uma quebra de paradigmas a partir das intervenes
realizadas, em que alunos e alunas puderam expressar suas percepes e ansiedades acerca da
temtica, o que contribuiu para a fruio dos debates. Pontuamos a importncia de uma formao docente voltada para a abordagem da sexualidade por meio de um ensino/aprendizagem mais
adequado e plural no sentido de que se assumam posturas no discriminatrias e no excludentes no
ambiente escolar. Palavras-chave: Sexualidade, Diversidade Sexual, Educao, Ensino.
INTRODUO
A educao sexual constitui um processo de aprendizagem e conhecimento que
deveria ocorrer de forma mais sistematizada e organizada na escola, muito embora, possa
sofrer influncias de vrios setores como famlia, religio, poltica, entre outros segmentos
sociais. No mbito escolar, o tema sexualidade s comeou a ser discutido em 1960 e
posteriormente, com a reformulao curricular atravs da aprovao da Lei de Diretrizes e
Bases da Educao (LDB) -9394/96, foi contemplado por meio dos Parmetros Curriculares
Nacionais (PCN), no ano de 1997, que sugeriram temas transversais como campos
disciplinares a serem perpassados em todas as sries, dentre eles a orientao sexual.
Nesse sentido, os PCN - Temas Transversais - trazem a proposta de que a sexualidade,
assim como outras questes sociais e/ou atuais, deve estar presente nas discusses realizadas
na escola, pois as mesmas fazem parte do cotidiano dos educandos, e, portanto, so
vivenciadas por eles. Ou seja, por serem questes sociais, os temas transversais tm natureza
diferente das reas convencionais, tratam de processos que esto sendo
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mailto:[email protected]:[email protected] -
intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famlias, pelos alunos/as e
pelos prprios educadores em seu cotidiano e podem receber contribuio de diversas reas
do conhecimento.
Este trabalho surgiu, ento, da necessidade de uma reflexo e discusso sobre como a
sexualidade est sendo considerada no espao escolar, tendo em vista que na maioria das
vezes tratada de forma muito isolada, restrita apenas s disciplinas de Cincias e Biologia e
limitando-se ao conhecimento sobre sistemas reprodutor masculino e feminino, gravidez e
doenas sexualmente transmissveis. Essa lacuna pode ser ratificada em uma pesquisa de
mestrado (SOARES, 2014) que trabalhou com professoras de Cincias do ensino fundamental
II de trs escolas municipais de Joo Pessoa/PB acerca de seus discursos sobre sexualidade
em sala de aula. Ao longo das observaes das aulas presenciais, foi percebido o predomnio
do discurso biolgico presente na descrio de rgos sexuais, ao se falar de DST, de
reproduo e de sexo. A palavra sexualidade no foi mencionada em nenhum momento, e isso
impossibilitou que aspectos subjetivos que envolvem essa discusso fossem abordados.
Essa falta de eco e de sincronia citada nos PCN - Orientao Sexual - quando
afirmam que a abordagem normalmente no abarca as ansiedades e curiosidades das
crianas, pois enfoca apenas o corpo biolgico e no inclui as dimenses culturais, afetivas e
sociais contidas nesse mesmo corpo (BRASIL, 1998, p. 292), contudo, isso no impede que
alunas e alunos vivenciem esses aspectos subjetivos e os interpretem, levando em
considerao as sensaes, os sentimentos e os pensamentos envolvidos nessa prtica.
Precisa-se entender que a sexualidade envolve descobertas e prazeres que so
construdos culturalmente. Segundo Lins, Machado e Escoura (2016, p.73) a construo do
desejo no um processo completamente consciente e, por isso, no podemos dizer que seja
um terreno operado por escolhas livres, individuais e racionais.
Destarte, certa dificuldade e resistncia em lidar com o tema sexualidade na escola,
principalmente no que se refere diversidade sexual, so relatadas por profissionais que
acabam preferindo no interferir ou no problematizar preconceitos, transformando a escola
num lugar de reproduo de desigualdades e discriminaes (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016, p. 64).
A sexualidade est estampada no cotidiano escolar sob diferentes identidades sexuais
que nossas alunas e alunos assumem e expressam, ao mesmo tempo em que o preconceito se
faz presente nos olhares, nas falas, atitudes e comportamentos de colegas, professores ou
funcionrios, que, por assumir uma identidade considerada normativa dentro das relaes
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sociais, entendem que ser diferente algo negativo, inaceitvel ou vergonhoso para a
sociedade. Para Silva (2012, p. 50-51)
a diferena pode ser construda negativamente por meio da excluso ou da marginalizao daquelas pessoas que so definidas como outros ou forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora
Dessa forma, uma poltica pedaggica e curricular da identidade e da diferena tem a
obrigao de ir alm das benevolentes declaraes de boa vontade para com a diferena
(SILVA, 2012, p.100). Faz-se necessrio uma profunda reflexo sobre todas as relaes de
poder envolvidas na construo de esteretipos e modelos, com vistas a desmistificar ideias de
hierarquizao e inferiorizao de algumas identidades sexuais ditas diferentes, que
segundo Lins, Machado e Escoura (2016) ao pr em xeque padres de gnero tradicionais e a
heteronormatividade1, coloca essas pessoas em situao de vulnerabilidade e desvantagem
com relao a direitos.
Na escola, comum a atribuio de modelos heteronormativos e hegemnicos na
abordagem dos contedos curriculares, nos livros didticos, nas atividades desenvolvidas em
gincanas, amostras, entre outras abordagens pedaggicas. Guacira Lopes (LOURO; FELIPE;
GOELLNER, 2012) atribui a esse padro universal materializado pela cultura o termo posio
central, considerando-a como privilegiada e no problemtica, de modo que todas as outras
posies de sujeito esto de alguma forma subordinadas a ela. Assim, quando no so
excludas do currculo todas as produes da cultura construdas fora desse lugar central,
ocupam um lugar de extico, alternativo ou acessrio.
Tendo em vista a diversidade presente nas cercanias da escola, o tema sexualidade tem
que provocar um profundo debate tanto entre educadores quanto educandos com a finalidade
no apenas de promoo da sade e preveno do corpo, mas tambm de descoberta da
sexualidade, dos prazeres e responsabilidades que esto envolvidos. O conhecimento sobre o
corpo e sobre todas essas questes que envolvem o sexo e a sexualidade de extrema
importncia para o desenvolvimento integral do indivduo, para sua insero na sociedade
dentro dos diversos grupos sociais existentes, bem como, para um melhor relacionamento
entre os indivduos. indispensvel uma proposta curricular que vise uma ao
1 Heteronormatividade um termo referido a ideia de que as pessoas possuam, naturalmente, o desejo
heterossexual. Segundo Lins, Machado e Escoura (2016, p.126) parte do pressuposto de que ser heterossexual a norma e o ideal a ser seguido; qualquer tipo de comportamento que se distancie da heterossexualidade considerado um desvio, uma doena e/ou um problema.
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transformadora e humanstica. Para Carvalho (2008, p.19), a educao deve empenhar-se em
concentrar esforos sintonizados na construo de saberes universalistas que no neguem
nenhuma forma de diversidade.
Acreditamos que uma educao que tem como alicerce os direitos humanos, que
motive alunas e alunos a se posicionarem como protagonistas de suas realidades, entendendo
o seu espao social, de modo que todas e todos tenham vozes no processo educativo, contribui
para uma melhor convivncia social. O entendimento da escola como um ambiente plural,
sendo fortalecido com projetos desse tipo, podem, ainda, contribuir para a diminuio do
ndice de evaso e proporcionar melhorias no rendimento escolar dos envolvidos/as. Nesse
contexto, o trabalho objetivou promover uma reflexo e debate sobre as questes relativas
diversidade sexual, de modo que alunas e alunos entendam a complexidade dos aspectos
envolvidos em suas sexualidades e desenvolvam posturas e atitudes que contribuam para a
valorizao dos direitos humanos. Paralelamente, temos o objetivo de problematizar prticas
discriminatrias que tornam o ambiente escolar excludente e normativo, e consonantemente,
incentivar o respeito expresso de emoes, anseios e desejos das mais diversas identidades
ali presentes.
METODOLOGIA
Os procedimentos metodolgicos decorreram de uma pesquisa do tipo participativa,
por meio da qual o pesquisador desenvolve as atividades junto ao grupo ou comunidade de
estudo, coleta seus dados e realiza a sensibilizao. De acordo com Haguete (1997), na
pesquisa participativa, o problema se origina na comunidade em estudo e a ltima finalidade
da pesquisa a transformao estrutural fundamental e melhoria da vida dos envolvidos. Os
sujeitos participantes dessa pesquisa foram alunas e alunos do Ensino Mdio de uma escola
pblica do turno da noite, no municpio de Joo Pessoa.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram: Questionrio semiestruturado,
aplicado em todas as turmas do turno da noite, totalizando 90 alunas/alunos. Buscou-se
diagnosticar a percepo do corpo discente acerca da sexualidade e sua abordagem na escola,
almejando identificar possveis situaes discriminatrias dentro da escola. Realizou-se
tambm conversa informal com os alunos acerca dos resultados dos questionrios, bem como,
contextualizao sobre a escolha da temtica do projeto e de sua necessidade no ambiente
escolar. No que se refere ao processo de interveno, foi utilizado o recurso filme atravs da
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obra "Oraes para Bobby2"; Desenvolveu-se ainda atividades de pesquisa na internet acerca
de termos desconhecidos pelos alunos, conforme constatados na anlise do questionrio de
sondagem, e conhecimento acerca de dados matemticos de crimes e ocorrncias de natureza
homofbica para problematizao do tema; Foram orientadas algumas atividades a serem
criadas e desenvolvidas pelas alunas/os como apresentaes teatrais, estudos de caso atravs
de entrevistas com homossexuais da comunidade onde os alunos esto inseridos;
performances musicais de danas com temticas de valorizao da diversidade. Outra ao se
deu atravs de uma palestra sobre sexualidade com o artista visual e ativista LGBT Wagner
Pina, que abordou conceitos e explicitou a situao de vulnerabilidade de algumas identidades
sexuais, o que gerou um debate e participao das alunas/os. Finalmente, realizou-se uma
apresentao por meio de uma ciranda cultural para a socializao das atividades
desenvolvidas ao longo de trs bimestres e uma gincana que correspondeu a culminncia do
projeto.
RESULTADOS
O questionrio foi aplicado a um total de 90 alunos entre as turmas de 1 a 3 anos, que
totalizam 7 turmas. Destes, 57,8% so do sexo masculino e 42,2% do sexo feminino. Com
relao escolha religiosa, 43,3% se declararam catlicos, 28,9% so evanglicos; 8,9%
responderam que so cristos; 3,3% no possuem religio e 11% no respondeu. Apenas
atravs de uma observao direta, percebemos que alguns alunos que frequentam religies
como candombl e umbanda no quiseram expor sua religio, o que pode indicar a opresso
sofrida por religies de origem afro-brasileira.
Quando perguntado se ter amigos ou pessoas prximas homossexuais provoca
vergonha ou incmodo (item 3 do questionrio diagnstico), obtivemos respostas afirmativas
e com as seguintes justificativas: porque as pessoas vo pensar que estou me juntando a
eles; acho um pecado, pois Deus criou homem e mulher; acho que devemos valorizar a
sexualidade que Deus deu. Apesar de muitos associarem suas opinies a questes religiosas,
nem todo tipo de preconceito est ligado religiosidade, uma vez que a falta de conhecimento
sobre o assunto tambm era motivo para pr-julgamentos. Para Cceres (2011) tratar as
questes de sexualidade e gnero dentro do espao escolar, requer quebra de paradigmas,
muitas vezes internos, pois nos deparamos com situaes que envolvem desde nossa criao,
2 Filme de direo de Russell, ano 2009. Baseado na histria verdica de um jovem gay de famlia muito
religiosa que, por no compreender sua sexualidade, nem ter apoio de sua famlia, comete suicdio.
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o que recebemos de nossos pais, nossas concepes em relao religio, credo, entre outros.
Sabemos que como educadores tambm temos nossa identidade, mas precisamos nos pautar
na concepo de que somos mediadores do conhecimento das crianas, quebrando tabus,
muitas vezes internalizados em ns mesmos.
Com relao orientao sexual 56,7% se declaram heterossexuais; 3,3%
homossexuais; 0% bissexual; 33,3% desconhece esses termos. Com base nesses dados
observamos uma minoria de pessoas, declaradamente gay, presentes na escola, o que nos leva
a supor certa dificuldade de se posicionar e ter voz dentro de um contexto massivamente
heteronormativo.
Ainda analisando o item 3 do questionrio (Voc se incomoda em ter amigos gays ou
amigas lsbicas?) quantificou-se que apenas 10% mencionou que sim; 8,8% que s vezes;
1,1% que no tm amigos gays e a grande maioria (80%) que no se incomodam. No entanto,
mesmo alguns alunos que disseram no se incomodar escreveram algumas ressalvas, como
por exemplo, desde que respeitem, no gosto de ficar perto, o nus dele e ele faz o
que quiser, no comum , mas acho que devemos valorizar a sexualidade que Deus nos
deu, gosto mas no concordo, no acho que porque somos gays temos que ficar nos
pegando por a, porque as pessoas vo pensar que estou me juntando a eles entre outros.
E os que disseram que se incomodam, justificaram com frases, como: porque quando
estamos reunidos a pessoa fica no centro das atenes temos que nos dar o respeito,
porque um desvio de carter , tem gay amostrado, essas pessoas no mostram
respeito, porque gays gostam de coisas diferentes, so escrotos e ficam falando
palavres.
Constatamos um certo preconceito e at mesmo certo receio das pessoas que se
declaram heterossexuais terem pessoas com orientao sexual diferente da sua participando
do seu convvio social, o que, por muitas vezes, provoca, dentro do ambiente escolar, uma
diviso de grupos, onde os homossexuais, em geral, so minoria e se sentem excludos e
discriminados. A ideia que quanto menos os/as jovens souberem sobre homossexualismo,
tanto mais estaro protegidos/as em relao a ele. Ou seja, o no conhecer pode ser preventivo
de decises consideradas no adequadas ou fora da norma (SILVA; SOARES, 2012, p.89)
Cceres (2011) nos esclarece que a escola se incumbiu de separar os sujeitos
tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela no tinha acesso, dividiu
internamente os que l estavam, atravs de mltiplos mecanismos de classificao,
ordenamento e hierarquizao e ainda nos foi legada pela sociedade ocidental moderna,
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comeando por separar adultos de crianas, catlicos de protestantes, ricos de pobres e por
fim, meninos de meninas.
Nesse contexto a escola deve repensar seu currculo e encontrar metodologias acerca
das discusses sobre as questes de gnero capazes de mudar posturas e hbitos para que o
ambiente escolar seja um espao democrtico e que garanta que todos tenham as mesmas
oportunidades e direitos.
Segundo Furlani (2010, p. 49),
as polticas pblicas e os currculos escolares da educao formal tm tido a preocupao de pensar no bem comum. Esse entendimento de vida em sociedade, necessariamente, s possvel se as diferenas forem vistas como positivas, como boas, como inerentes de uma multiplicidade prpria da espcie humana. Essa reflexo imprescindvel para quem se prope a educar gnero e sexualidade para uma sociedade da paz.
A sexualidade continua sendo um tabu em nossa sociedade, pois um tema
subordinado a muitos aspectos como: cultura, religio, crenas pessoais e mitos que impedem
que seja tratado de forma neutra e clara. Um outro ponto a ressaltar a falta de preparo dos
docentes para lidar com o tema. Desse modo, tende-se a aumentar o abismo das diferenas e
incentivar, mesmo que inconscientemente, a discriminao por parte dos grupos majoritrios e
dominantes.
Com relao ao item 4 e 5 do questionrio, objetivou-se analisar a opinio dos alunos
acerca da homossexualidade. Ento, 51% dos entrevistados acham normal ver pessoas do
mesmo sexo andando de mos dadas ou beijando-se em pblico ou na mdia; 30% acha
desnecessrio, afirmam que no se deve expor esta orientao sexual e 18% consideram um
absurdo por no ser, este, um comportamento normal. Quando perguntado sobre ter um filho
ou algum prximo gay/lsbica, 13,3% disseram que no aceitariam e ignorariam; 71,1%
afirmam que aceitariam "numa boa" e 8,9% expulsariam de seu convvio. Ainda 2,2%
escreveram que desconheciam sua reao. Percebemos que a maioria dos alunos j
compreendem a homossexualidade de maneira natural e entendem o direito individual de
expresso de sua sexualidade e da sexualidade do outro. No entanto, ainda uma relevante
parcela considera desnecessrio ou um absurdo, o que coloca a homossexualidade como algo
inaceitvel ou fruto de mera escolha. Entendemos e esclarecemos que condutas
preconceituosas acabam por afastar homossexuais, bissexuais ou transexuais do convvio
escolar, por serem, estes, constantemente alvo de olhares, de julgamentos ou at mesmo de
chacotas ou piadas de mau gosto. Esse tipo de comportamento, por sua vez, gera violncia e
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agrava o percentual de jovens que abandonam seus estudos e/ou trabalhos e comeam a
participar de empregos marginalizados como a prostituio.
Um outro assunto que foi abordado durante as discusses diz respeito aos ndices de
suicdios e mortes por causa da homofobia, lesfobia, bifobia ou transfobia. Vale ressaltar aqui
que dois dos questionrios com relao pergunta o que faria se tivesse um parente
gay/lbica?, obtivemos como resposta mataria, sinalizando um pensamento de que a
homossexualidade deve ser extinta por ser algo que de alguma forma pudesse corromper a
ordem da sociedade.
Para Louro (2001, p. 89)
O processo de ocultamento de determinados sujeitos pode ser flagrantemente
ilustrado pelo silenciamento da escola em relao aos/s homossexuais. No
entanto, a pretensa invisibilidade dos/as homossexuais no espao
institucional pode se constituir, contraditoriamente, numa das mais terrveis
evidncias da implicao da escola no processo de construo das diferenas.
De certa forma, o silenciamento parece ter por fim eliminar esses sujeitos,
ou, pelo menos, evitar que os alunos e as alunas normais os/as conheam e
possam desej-los/as. A negao e a ausncia aparecem, nesse caso, como
uma espcie da garantia da norma.
A abordagem dessa temtica na escola abre reflexes sobre a necessidade de
compreender conceitos e valorizar a natureza humana acima de qualquer determinao de
diferenas, quer sejam raciais, religiosas, sociais, culturais ou sexuais.
Com relao aos casos de discriminao na escola, 26,7% disseram que j haviam
presenciado. Dentre os casos mais comuns, citaram: agresses verbais, alguns viram o
rosto, xingamentos, piadas e humilhaes, querer estar longe de gays, chamar de gay
ou viado, alguns professores, brincadeiras de mau gosto. Ressaltamos a necessidade
de trabalhar essa temtica com o corpo docente, pois foram mencionadas condutas
preconceituosas por parte de alguns professores. Um outro ponto relevante que, em um dos
questionrios, um aluno do sexo masculino escreveu que a discriminao que presenciou foi a
de alunos chamando a professora de biologia, que a autora do presente projeto, de lsbica.
Aproveitando essa resposta, achamos pertinente discutir com os alunos sobre a questo dos
esteretipos e julgamentos baseados em achismos e sobre a ideia de responsabilizao de
questes sociais independente do lugar de onde falamos, ou seja, o fato de no nos
identificarmos com um grupo no nos exime da responsabilidade de discutir e refletir acerca
do nosso comprometimento com o coletivo. Essa discusso foi importante, tambm, pois
dentre as respostas para a pergunta do questionrio: Como voc reagiria a uma situao de
violncia por homofobia dentro da escola? 30% dos alunos responderam que no se meteria
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e ainda 3,2% no defenderia por achar uma falta de vergonha essa orientao sexual. Este
dado preocupante visto que enquanto seres humanos e sociais devemos ter o entendimento
da responsabilizao social mencionada anteriormente, como busca de uma sociedade de paz.
Sendo a escola um espao de construo de identidades e socializao de ideias, ela
deve trazer ao debate o entendimento das hierarquias que sempre marcaram as diferenas,
sejam elas de etnia, gnero ou identidade. O combate s hierarquias de gnero, no significa
apagar todas as diferenas, de modo que igualdade no a anulao das divergncias, mas
garantir que tais variaes no sejam usadas para e estabelecer relaes de poder, hierarquias,
violncias e injustias. (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016)
importante retomar a discusso de que a sexualidade tratada apenas levando-se em
considerao seu aspecto biolgico, estando a escola incumbida, especialmente na figura do
professor de biologia, de ensinar sobre reproduo, doenas sexualmente transmissveis e
gravidez na adolescncia. Essa prtica, pode ter contribudo para que 27,8% dos alunos
respondessem que no acham que esse tema seja importante para se discutir em sala de aula.
Dentre os argumentos apresentados, destacam-se: no gosto de debater essas coisas, cada
um que cuide de sua sexualidade, no devemos querer mudar a opinio do outro, cada
um segue seu caminho sem precisar da opinio de ningum, acho feio discutir isso, cada
um que cuide da sua sexualidade. Porm, a grande maioria (71, 1%) respondeu que eram
importantes questes a serem discutidas e dentre os argumentos destacamos: para
aprender, ajudaria a abrir a mente, ensinar o certo e o errado, mostrar que a
sexualidade faz parte do dia-a-dia e no se refere s ao sexo, tirar dvidas, mostrar que
a homossexualidade algo normal e que hoje no existe barreiras.
Dentre os assuntos que os educandos gostariam de ver abordados e discutidos em sala,
destacam-se: debater sobre o preconceito, esclarecer mais sobre gnero, sobre tudo,
muito importante, adoo de crianas entre casais homossexuais, homofobia, como
os homossexuais se descobrem, violncia contra a mulher, travestis. Observamos que
existe uma curiosidade muito grande acerca dessa temtica e muitas dvidas a serem
esclarecidas. Infelizmente, a homossexualidade ainda um assunto que requer mais
visibilidade, assim como todas as questes que se referem sexualidade.
No que diz respeito pergunta sobre o que voc entende por gnero, observamos um
desconhecimento e confuso muito grande de conceitos e concepes. 26,1% respondeu que
no sabia o significado de gnero e 16,2% no respondeu a esta questo. Dentre as respostas
obtidas destacamos: diviso entre o feminino e masculino, ser homem ou mulher, um
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tipo de sexo, ser homem e ser mulher, diferena sexual, opo sexual,
personalidade, defeitos, sexo de um modo geral, uma coisa prpria, de voc mesmo,
qualidade de cada pessoa, orientao sexual, diversidade, escolha de cada um,
demonstrao de carter, estilo de vida de cada um, a unio entre um homem e
uma mulher.
O conceito de gnero muitas vezes confundido com o de sexo, orientao sexual ou
sexo biolgico, homem/mulher. De fato, este um conceito um tanto complexo, pois no est
ligado s questes biolgicas apenas. De acordo com Meyer (2012) gnero refere-se aos
comportamentos, atitudes ou traos de personalidade que a cultura inscrevia sobre o corpo
sexuado. Ou ainda, um dispositivo cultural, constitudo historicamente, que classifica e
posiciona o mundo a partir do que se entende como feminino e masculino, operando sentidos
para as diferenas nos nossos corpos dentro de uma estrutura de poder. (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Chamamos a ateno para que a abordagem da sexualidade na escola no
se limite apenas a questes biolgicas, pois o no entendimento de que ela tambm est ligada
vivncias e experincias construdas culturalmente contribui para o fortalecimento de
preconceitos. Assim, as questes de gnero, por serem incompreendidas, so afastadas das
discusses no mbito escolar.
Nesse contexto, aps as intervenes com os debates, discusses, exibio do filme e
palestra, como mencionados na metodologia, as alunas/os construram e reconstruram seus
conhecimentos atravs de atividades desenvolvidas pelos mesmos sob orientao das
professoras/es, cujas temticas recaram sobre o problema social da discriminao por
orientao sexual e identificao de gnero, no intuito de valorizar as diversas expresses da
sexualidade. A culminncia das atividades se deu atravs de uma gincana com a participao
de toda escola numa espcie de circuito cultural, onde os alunos produziram encenaes,
danas, exibio de estudos de caso decorrentes de entrevistas na comunidade, desfile,
pardias e apresentaes orais atravs de data show. Conduzido desta forma, este trabalho
ajudou na quebra de paradigmas e do silncio que permeia a escola sobre a abordagem da
sexualidade, principalmente no que cerne diversidade sexual, contribuindo para que cada
vez mais prticas preconceituosas sejam extintas do currculo escolar em prol de uma
educao democrtica e inclusiva.
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CONCLUSES
Ao final de todo o projeto, percebemos que os alunos estavam mais receptivos ao
dilogo sobre sexualidade, muitos apresentaram discursos espontneos de combate ao
preconceito e desmistificaram a ideia de que apenas as minorias afetadas pelos discursos
hegemnicos devem lutar por seus direitos, direitos estes que devem estar garantidos por lei.
Os discursos e as linguagens produzidas pelos alunos nos textos das encenaes e pardias
demonstraram uma modificao positiva no que concerne aos (pre)conceitos sobre a
diversidade de orientaes sexuais, sobre o sexo, sobre as identidades de gnero entre outros
pontos abordados. Nesse contexto, paradigmas foram quebrados e espaos foram abertos para
o aprofundamento da temtica da sexualidade na escola, com o intuito coibir condutas
preconceituosas no ambiente escolar.
O fundamental, quando se refere Orientao Sexual, o desenvolvimento de um
trabalho informativo, de valorizao humana atravs de uma interveno pedaggica
adequada, que possibilite ao jovem um lugar de fala, independente das categorias que o
classificam. Projetos como este necessitam da ativa participao dos professores/professoras,
inclusive na busca de formao continuada que lhe garantam condies de trabalho com a
temtica de modo a desmistificar medos, anseios, tabus e/ou dvidas. Dessa forma, esta
pesquisa sinaliza a necessidade de formao do docente para atuao junto aos
adolescentes/jovens e a criao de parcerias e polticas integradas ao currculo na busca por
um ensino/aprendizagem mais adequados e plurais.
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