do cais para a esquina: uma in(con)fluência “beatle” na obra do clube da esquina (1972)

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- 1 - Do Cais para a Esquina: Uma In(con)fluência “beatlena obra do Clube da Esquina (1972) 1 From Pier to the Corner: A Beatle” in(con)fluence in the work of Corner Club (1972) André Carrasco Merisse RESUMO O presente artigo analisa como os Beatles influenciaram os membros do chamado “Clube da Esquina”, através a análise de depoimentos pessoais de seus membros extraídos da internet. Por um lado, partimos da construção dos músicos ingleses em figuras icônicas, através de estratégias que demonstram a consolidação de uma indústria cultural altamente organizada em termos europeus e americanos, além de demonstrarmos como a partir de meados da década de 1960 a banda inglesa começa a acompanhar as transformações culturais e sociais, alterando, da mesma forma, a sonoridade de suas canções. Por outro, apresentamos considerações sobre o “estado” da indústria cultural no Brasil no período de produção do disco objeto de análise no presente trabalho, além do momento histórico vivido e de Milton Nascimento como “aglutinador” dos talentos de seus companheiros, trazendo à obra fonográfica diversas tendências musicais. Da mesma forma, procuramos realizar um cruzamento de fontes, a fim de estabelecermos o alcance da obra fonográfica analisada, através da revista “O Cruzeiro”, do mesmo ano do disco objeto de análise. Com base em tais premissas, destacamos que houve conjunção de tendências musicais na obra estudada, transformando a inegável “influência” dos Beatles em uma “confluência”. Palavras-chave: Clube da Esquina Beatles - Influência ABSTRACT This article examines how the Beatles has influenced the members of the "Clube da Esquina", through the analysis of personal testimonials of its members extracteds from the internet. On the one hand, we started the construction of the British musicans in iconic figures, through strategies that show the consolidation of a culture industry highly organized by European and American terms, besides showing how from the mid-1960s the English band starts follow the cultural and social changes, changing, in the same way, the sound of their songs. On the other hand, we present considerations on the "state" of the cultural industry in Brazil during the disc production object of analysis in this work, besides the historical moment lived and Milton Nascimento as "gluer/unifying" of the talents of his teammates, bringing the work recording various musical trends. Likewise, we perform a cross of sources in order to establish the scope of work recording analyzed by the magazine "O Cruzeiro", of the same year the disc object of analysis. Based on these assumptions, we emphasize that there was conjunction of musical trends in the work studied, turning the undeniable "influence" of the Beatles in a "confluence". Keywords: Clube da Esquina - Beatles - Influence 1 Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação e Licenciatura em História pela Universidade Nove de Julho Uninove, sob orientação da Professora Ma. Kátia Cristina Kenez, apresentado no primeiro semestre do ano de 2013.

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Do Cais para a Esquina: Uma In(con)fluência “beatle” na obra do Clube da Esquina (1972)1

From Pier to the Corner: A “Beatle” in(con)fluence in the work of Corner Club (1972)

André Carrasco Merisse

RESUMO

O presente artigo analisa como os Beatles influenciaram os membros do chamado “Clube da Esquina”, através a análise de depoimentos pessoais de seus membros extraídos da internet. Por um lado, partimos da construção dos músicos ingleses em figuras icônicas, através de estratégias que demonstram a consolidação de uma indústria cultural altamente organizada em termos europeus e americanos, além de demonstrarmos como a partir de meados da década de 1960 a banda inglesa começa a acompanhar as transformações culturais e sociais, alterando, da mesma forma, a sonoridade de suas canções. Por outro, apresentamos considerações sobre o “estado” da indústria cultural no Brasil no período de produção do disco objeto de análise no presente trabalho, além do momento histórico vivido e de Milton Nascimento como “aglutinador” dos talentos de seus companheiros, trazendo à obra fonográfica diversas tendências musicais. Da mesma forma, procuramos realizar um cruzamento de fontes, a fim de estabelecermos o alcance da obra fonográfica analisada, através da revista “O Cruzeiro”, do mesmo ano do disco objeto de análise. Com base em tais premissas, destacamos que houve conjunção de tendências musicais na obra estudada, transformando a inegável “influência” dos Beatles em uma “confluência”. Palavras-chave: Clube da Esquina – Beatles - Influência

ABSTRACT

This article examines how the Beatles has influenced the members of the "Clube da Esquina", through the analysis of personal testimonials of its members extracteds from the internet. On the one hand, we started the construction of the British musicans in iconic figures, through strategies that show the consolidation of a culture industry highly organized by European and American terms, besides showing how from the mid-1960’s the English band starts follow the cultural and social changes, changing, in the same way, the sound of their songs. On the other hand, we present considerations on the "state" of the cultural industry in Brazil during the disc production object of analysis in this work, besides the historical moment lived and Milton Nascimento as "gluer/unifying" of the talents of his teammates, bringing the work recording various musical trends. Likewise, we perform a cross of sources in order to establish the scope of work recording analyzed by the magazine "O Cruzeiro", of the same year the disc object of analysis. Based on these assumptions, we emphasize that there was conjunction of musical trends in the work studied, turning the undeniable "influence" of the Beatles in a "confluence". Keywords: Clube da Esquina - Beatles - Influence 1 Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação e Licenciatura em História pela Universidade Nove

de Julho – Uninove, sob orientação da Professora Ma. Kátia Cristina Kenez, apresentado no primeiro semestre do ano de 2013.

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CAIS (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)

Para quem quer se soltar Invento o cais, invento mais que a solidão me dá Invento lua nova a clarear

Invento o amor e sei a dor de me lançar Eu queria ser feliz Invento o mar, invento em mim o sonhador

Para quem quer me seguir eu quero mais Tenho o caminho do que sempre quis E um saveiro pronto pra partir

Invento o cais E sei a vez de me lançar

Penny Lane (John Lennon/Paul McCartney)

Em Penny Lane há um barbeiro mostrando fotos De cada cabeça que ele teve o prazer de conhecer

E todas as pessoas vão e vem

Param e dizem “oi”

Na ESQUINA há um banqueiro com um carro

As criancinhas riem dele por suas costas E o banqueiro nunca usa uma capa na chuva

Muito estranho

Penny Lane está nos meus ouvidos e nos meus olhos

Lá embaixo do céu azul do subúrbio

Eu sento e enquanto isso

Em Penny Lane há um bombeiro com uma ampulheta

E no seu bolso há uma foto da rainha Ele gosta de manter seu motor limpo

É uma máquina limpa

Penny Lane está nos meus ouvidos e nos meus olhos

Por uma torta de peixe com dedo

No verão, enquanto isso

Atrás do abrigo no meio do carrossel

A bonita enfermeira vendendo papoula em uma bandeja E embora ela sinta como se estivesse em uma peça

Ela está mesmo

Penny Lane o barbeiro faz a barba de outro cliente

Nós vemos o banqueiro sentado esperando por um trato

E então o bombeiro corre para dentro vindo da chuva Muito estranho

Penny Lane está nos meus ouvidos e nos meus olhos Lá embaixo do céu do subúrbio

Penny Lane está no s meus ouvidos e nos meus olhos

Lá embaixo do céu azul do subúrbio Penny Lane

A inquietação move o homem e, por conseguinte, acaba por mover o

historiador na consecução de seu ofício, que é o resgate, a rememorização do

passado, daquilo que se perdeu do olhar do homem. Trazer à tona fatos ou

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acontecimentos que foram deixados de lado por uma espécie de desmemória2, tão

característica em nossos tempos, em que tudo acaba por ser descartável.

Nesse sentido, Eric Hobsbawm, na introdução do seu livro “A Era dos

Extremos”, nos faz refletir sobre o presenteísmo3 que caracteriza a humanidade em

nossa temporalidade histórica, levando ao esquecimento fatos não muito distantes

que marcaram profundamente o século XX. Trazendo essa reflexão ao Brasil, como

simplesmente nos esquecermos de um período de vinte e um anos em que vivemos

uma ditadura civil-militar?

Sabemos da mesma forma, que a história é feita de permanências e rupturas,

de continuidades e descontinuidades. É função do historiador entender a história

através dos processos onde residem as permanências e as rupturas. Aí reside sua

inquietação.

Com base nisso, a música popular constitui-se num objeto extremamente

privilegiado para o historiador, uma vez que, a nosso ver, é o fenômeno artístico que

consegue estabelecer uma aproximação mais contundente com a memória popular.

Voltando nosso olhar para as décadas de 60 e 70 do século XX, entendemos

que a música popular sofreu diversas transformações, em diversos fatores que, na

verdade, acompanharam as transformações culturais e sociais ocorridas no período.

Um dos principais catalisadores destas transformações na música são os Beatles,

banda inglesa que mudou os rumos do gênero musical chamado rock e acabou por

influenciar inúmeros artistas na produção de suas obras.

Partindo desse pressuposto, escolhemos o “Clube da Esquina” como objeto

de estudo para entendermos como se deu esta influência nos músicos brasileiros,

2 “O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo

de fazer nos reduz à impotência. A ditadura militar, medo de escutar, medo de dizer, nos converteu em surdos e mudos. Agora a democracia, que tem medo de recordar, nos adoece de amnésia; mas não necessita ser Sigmund Freud para saber que não existe tapete que possa ocultar a sujeira da memória.” In GALEANO, Eduardo “O Livro dos Abraços”, 2ª Edição, Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 109 3 “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência

pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio.” In HOBSBAWM, Eric “A Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 13

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analisando como fontes os depoimentos pessoais de vários de seus membros4,

especificamente Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Wagner Tiso, Toninho

Horta, Ronaldo Bastos e Milton Nascimento.

A fim de estabelecermos uma baliza cronológica, escolhemos o disco “Clube

da Esquina”, do ano de 1972, como objeto de estudo, uma vez que é exatamente

neste disco em que são introduzidos ao grupo mineiro Lô Borges e Beto Guedes,

que, como veremos no prosseguimento deste artigo, trazem à sonoridade do grupo

uma influência maior dos Beatles, além do que uma das músicas presentes neste

álbum chama-se “Cais”, o que nos deu a ideia do título deste trabalho, pois sabemos

que a banda inglesa é proveniente de Liverpool, uma cidade industrial e portuária.

O título também nos serve como uma reflexão de um movimento dialético

que, a nosso ver, somente a música nos proporciona, remetendo a ideia do ir e vir

permanente, principalmente quando pensamos no período estudado.

Para procedermos à análise da música como fonte, precisamos nos ater a

diversos aspectos que a ela estão intrínsecas. Nesse sentido, Marcos Napolitano5

nos elucida:

(...) em que pese a estrutura interna da obra e as intenções subjetivas do compositor, o sentido social, ideológico e histórico de uma obra musical reside em convenções culturais que permitem a formação de uma rede de escutas sincrônica e diacrônica. Sincrônica, pois uma obra erudita ou uma canção popular têm um tempo/espaço de nascimento e circulação original, caso contrário não seria uma fonte histórica. Diacrônica, pois como patrimônio cultural, ela será transmitida ao longo do tempo, sob o rótulo de obra-prima ou obra medíocre, e suas releituras poderão dar-lhe novos e inusitados sentidos ideológicos e significados socioculturais. (...) Qualquer que seja a problemática e a abordagem do historiador, fundamental é que ele promova o cotejamento das manifestações escritas da escuta musical (crítica, artigos de opinião, análises das obras, programas e manifestos estéticos etc) com as obras e sua materialidade (fonogramas, partituras, filmes).

Portanto, ao analisarmos a música como documento histórico, temos que

analisar a linguagem musical, o contexto na qual a música está inserida, o período

vivenciado pelos olhos do próprio artista, a técnica com a qual a obra foi gravada

(como mixagem, por exemplo), a opinião da crítica, os depoimentos pessoais do

4 Os depoimentos foram extraídos do site “Museu do Clube da Esquina”

(www.museudoclubedaesquina.org.br), uma iniciativa de um dos compositores do grupo, Márcio Borges. 5 NAPOLITANO, Marcos “A História depois do papel” in PINSKY, Carla Bassanezi (org.) “Fontes

Históricas”, 2ª Edição, 1ª Reimpressão – São Paulo: Contexto, 2008, p. 259

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próprio artista sobre sua produção e a divulgação da obra fonográfica já

“industrializada”.

Assim, optamos pela análise dos depoimentos não só dos membros do Clube

da Esquina, como dos próprios Beatles, através da série de DVD´s intitulada

“Anthology”, lançada em 1995, onde estes dão seus depoimentos pessoais sobre

suas experiências enquanto estavam unidos ainda como banda, no período que

compreende os anos de 1962 até 1970. Para enriquecermos a análise das fontes,

pesquisamos na revista “O Cruzeiro”, de 1970 e 1972, no intuito de identificar a

opinião da chamada “crítica especializada” sobre as obras dos artistas objeto desta

análise.

Conforme passaremos a discutir mais adiante, entendemos que, na verdade,

os Beatles representaram na obra do Clube da Esquina não só uma inegável

influência, mas uma confluência, um encontro de ideias, de produções artísticas

diversificadas em que cada um de seus membros traz uma sonoridade

completamente diferente.

Já citamos anteriormente que Lô Borges e Beto Guedes trazem ao grupo uma

sonoridade mais aproximada ao rock e são assumidamente beatlemaníacos, o que

não é nada estranho, pois são bem mais novos que os outros membros do grupo e

estão completamente suscetíveis (como toda uma geração de pessoas) à influência

dos Beatles. Wagner Tiso, por exemplo, aproxima-se muito mais do jazz, da bossa

nova e de uma sonoridade tipicamente brasileira, trazida do interior de Minas Gerais,

desde sua infância. Milton Nascimento, além de possuir características muito

parecidas com as de Wagner Tiso, leva consigo também toda a africanidade de

nossa cultura, além de possuir uma característica que, como veremos, foi muito

importante para a consolidação de todos os músicos envolvidos: “Bituca”, como é

chamado por seus colegas, é um aglutinador de talentos, possuindo uma percepção

ímpar da capacidade artística, do talento de seus companheiros.

Nas páginas seguintes, abordaremos, pela ordem, a consolidação dos

Beatles como um fenômeno artístico de enorme importância nos anos 1960,

principalmente no que tange ao processo histórico que Eric Hobsbawm bem chama

de “Revolução Cultural”, além dos aspectos referentes à indústria cultural e à

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mudança que proporcionaram à análise do rock. Em seguida, passaremos a analisar

o disco objeto de estudo neste trabalho, conjuntamente com os depoimentos dos

membros do “Clube da Esquina” e, ao final, teceremos as considerações finais deste

trabalho.

Ladies and Gentleman: The Beatles!6

“A arte popular é mito e sonho, mas também é protesto, pois o

comum das pessoas tem sempre alguma razão para protestar.”

7 (Eric Hobsbawm)

É notório que a partir de meados da década de 1960, o mundo conheceu um

fenômeno que revolucionou a música mundial em todos os fatores: os Beatles, os

quatro rapazes de Liverpool, Inglaterra, deram um salto definitivo em suas vidas

para escrever seus nomes na História como uma das maiores bandas de todos os

tempos quando falamos em rock and roll. Também nos é sabido que o rock, como

gênero musical, tem suas raízes históricas, ou seja, seu surgimento intimamente

atrelado à própria história do século XX.

Mais que isso, há algumas reflexões que podem (e devem) ser feitas no que

se refere a dois fatores que são preponderantes: a consolidação de um processo

histórico que culminou numa indústria cultural altamente organizada, massificada e

globalizada e, ao mesmo tempo, os efeitos da contracultura e da Revolução Cultural

dos anos 1960 na produção artística do período, sobretudo na obra dos “Fab Four”8

a partir de meados da mesma década.

Com relação ao primeiro aspecto, qual seja, a indústria cultural, temos que os

Beatles fizeram parte de um processo de massificação do rock and roll como

elemento catalisador de recursos, como investimento que, num espaço meteórico de

6 Referência sobre a forma com a qual o quarteto inglês era recebido ao entrar no palco,

principalmente no programa de Ed Sullivan, nos Estados Unidos. 7 HOBSBAWM, Eric “História Social do Jazz” – São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 42

8 Termo utilizado para se referir aos Beatles pela imprensa britânica e mundial.

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tempo, gerou lucros astronômicos às gravadoras. Nesse sentido, Hobsbawm9 nos

afirma que:

A partir de 1955, quando nasceu o rock-and-roll, até 1959, as vendas de discos norte-americanas cresceram 36% a cada ano. Depois de uma pequena pausa, a invasão britânica de 1963, liderada pelos Beatles, iniciou um crescimento ainda mais espetacular: as vendas de discos nos EUA, que tinham aumentado de US$ 227 milhões em 1955 para US$ 600 milhões em 1959, ultrapassaram os US$ 2 bilhões em 1973 (incluindo agora as fitas). Setenta e cinco a 80% dessas vendas representavam gravações de rock e gêneros afins. As fortunas comerciais da indústria de discos nunca tinham dependido tanto de um só gênero musical, dirigido a uma faixa etária tão estreita. A correlação entre vendas de discos com o desenvolvimento econômico e aumento de renda era óbvia.

A citação acima é elucidativa e demonstra alguns fatores extremamente

importantes: em primeiro lugar, a indústria musical/cultural precisava, naquele

momento, de figuras icônicas que impulsionassem um mercado em ampla ascensão;

em segundo lugar, os Beatles eram quatro rapazes que possuíam um talento

inegável e precisavam adentrar nesse mercado; em terceiro e último, havia uma

população de jovens, na sua maioria de classe média, sedenta por música,

principalmente por rock nos Estados Unidos. A conjunção desses fatores

desencadeou a famosa beatlemania, a princípio adstrita à Inglaterra e que, no final

de 1963, se expandiu e caracterizou a “invasão britânica” descrita por Hobsbawm.

Sobre o processo histórico que desencadeou a “invasão britânica” no

mercado fonográfico americano, Paul Friedlander, em seu livro “Rock and Roll: uma

história social”10 nos diz:

Os Beatles, com uma combinação de inventividade musical, boa administração artística, comentários polêmicos e uma cuidadosa promoção do quarto poder, conquistaram a imaginação de uma nação. Em 1º de dezembro de 1963, eles tinham lançado seu quinto single, I Want to Hold Your Hand

11, seu segundo álbum With the Beatles, e estavam voltando

sua atenção para o outro lado do Atlântico, para os Estados Unidos. Epstein já havia tentado duas vezes convencer a Capitol, subsidiária da EMI, a lançar seus primeiros singles na América. Como nenhum grupo britânico tinha feito antes uma incursão de peso no mercado americano, a Capitol recusou. As gravadoras americanas independentes, V-J e Swan tinham lançamentos dos Beatles em 1963; nenhum deles conseguiu mais do que o 116º nas paradas.

9 Idem 7, p. 17

10 FRIEDLANDER, Paul “Rock and Roll: uma história social”, 7ª Edição – Rio de Janeiro: Record,

2012, p. 126 11

“Eu quero segurar sua mão”, tradução livre

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A princípio o empresário da banda, Brian Epstein, tentara de forma infrutífera

a incursão da banda no mercado americano, mas, como observamos, havia uma

resistência quanto a bandas ou músicos provenientes de outros lugares do mundo.

Restavam, então, as gravadoras independentes, que não possuíam o peso e nem o

alcance de uma grande gravadora como a EMI.

Porém, a beatlemania já varria a Inglaterra como fenômeno crescente de

público e renda, gerando enormes lucros àquele mercado. Com isso, Brian Epstein e

George Martin (produtor da banda) “convenceram a EMI (e consequentemente a

Capitol) a lançar os discos dos Beatles nos Estados Unidos”12 e que resultou em

ações extremamente calculadas de divulgação:

A sagacidade da gravadora fez com que se destinasse uma quantia fenomenal de 50 mil dólares para despesas promocionais. Os principais DJs da América receberam todos os lançamentos dos Beatles, uma entrevista gravada e um roteiro, o que dava aos ouvintes em Nova York, Chicago e Los Angeles cinco milhões de cartazes com a frase ‘Os Beatles estão chegando’ escrita com letras grandes e pretas em um fundo branco. (...) Quando a Capitol lançou I Want to Hold Your Hand e I Saw Her Standing There

13, em 26 de dezembro de 1963, o coração da indústria

musical americana estava totalmente preparado. Na semana seguinte o disco entrou nas paradas americanas em 83º lugar, indo para 42º na outra semana e chegando ao 1º em 15 de janeiro. (...) Além da agenda feita pela gravadora, Brian tinha planejado outras aparições. Ele convenceu Ed Sullivan (...) a agendar os Beatles no seu conceituado programa de variedades. Eles foram escalados como atração principal em três shows (dois ao vivo, um gravado) mas receberam pouco (menos de 10 mil dólares no total). Também foram marcados três shows ao vivo: um no Washington Coliseum e dois no Carnegie Hall de Nova York. A conquista dos Estados Unidos começou realmente em 07 de fevereiro de 1964, quando o voo número 101 da Pan Am aterrissou no Aeroporto Kennedy de Nova York e os ‘Fab Four’, como eram conhecidos, pisaram em solo americano – para o delírio de cerca de 10 mil fãs. A histeria da Beatlemania era evidente desde

o começo.14

A agressividade, por parte da gravadora, com a qual se deu a incursão dos

Beatles no mercado americano demonstra, através de estratégias altamente e

friamente articuladas e organizadas, a consolidação de uma indústria cultural, com

todos os seus mecanismos, incluindo a utilização de tal fenômeno como distração da

população para outros acontecimentos históricos que ocorriam no mesmo período15:

A conquista dos corações e mentes da juventude americana foi facilitada pela perda do carismático presidente John F. Kennedy. A imprensa

12

Idem 10 13

“Eu a vi esperando lá”, tradução livre 14

Ibid. 10, p. 126 e 127 15

Ibid. 10, p. 127-128

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americana, como a imprensa inglesa, inclinada a voltar suas atenções para algo menos pesado. A personalidade dos Beatles, seu bom humor e músicas animadas e voltadas para o amor ofereciam uma distração positiva para a tristeza.

A espécie de “cereja do bolo” da indústria veio com a inserção dos quatro

rapazes de Liverpool no cinema, através do filme “A Hard Day´s Night”, transformado

em disco do mesmo nome, que colaborou enormemente para a consolidação dos

Beatles como ícones mundiais. Como veremos mais adiante, tanto o filme quanto o

disco tiveram repercussão direta na influência dos Beatles em Lô Borges e Beto

Guedes, principalmente a música “I Should Have Known Better”16. Nos é salutar,

uma vez mais, citarmos Paul Friedlander:

O filme reforçou o conceito já popular de que a banda não consistia em um líder e três seguidores, mas de quatro pessoas separadas, com personalidades individuais. John era o extrovertido, Paul, o bonitinho e inteligente, George, o mais calmo e Ringo, o ursinho vulnerável que dava vontade de abraçar. As fãs tinham quatro potenciais arrasadores de coração

para escolher.17

Os Beatles estavam, portanto, consolidados mundialmente como ícones da

música, através de toda a conjunção de fatores que procuramos demonstrar até

aqui, o que na nossa percepção também constitui numa igual consolidação da

indústria da música e todo seu aparato.

A partir daqui direcionaremos nossa análise ao segundo aspecto que

identificamos ser importante para discorrermos sobre os Beatles, intimamente ligado

ao primeiro e que se constitui, a partir de meados da década de 1960 num

importante catalisador: os efeitos da contracultura e da Revolução Cultural dos anos

1960 sobre a produção artística do grupo.

Iniciaremos nossa análise citando novamente o ilustre Eric Hobsbawm:

(...) o rock se tornou o meio universal de expressão de desejos, instintos, sentimentos e aspirações do público entre a adolescência e aquele momento em que as pessoas se estabelecem em termos convencionais dentro da sociedade, família ou carreira: a voz e a linguagem de uma ‘juventude’ e de uma ‘cultura jovem’ conscientes de seu lugar dentro das sociedades industriais modernas. Poderia expressar qualquer coisa e tudo ao mesmo tempo dentro dessa faixa etária, mas embora o rock tenha desenvolvido variantes regionais, nacionais, de classes ou político-ideológicas claras, sua linguagem básica, da mesma forma que a vestimenta vulgar-populista associada à juventude (principalmente os jeans), atravessou fronteiras de países, classes ou ideologias. A exemplo do

16

“Eu deveria ter conhecido melhor”, tradução livre 17

Ibid. 10, p. 128

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ocorre na vida dos integrantes desses grupos etários, no rock o público e o privado, o sentimento e a convicção, o amor, a rebeldia e a arte, a dramatização e a postura assumida no palco não são distinguíveis uns dos outros. Observadores de mais idade, por exemplo, acostumados a manter a revolução separada da música e a julgar cada uma dessas coisas por seus próprios critérios, devem ter ficado perplexos com a retórica apocalíptica

que podia envolver o rock no auge da rebelião da juventude (...)18

O rock, dessa forma, a partir de meados da década de 1960 acabou por se

tornar um fio condutor pelo qual passavam e se transmitiam as transformações

socioculturais ocorridas no mesmo período. O que antes estava quase que

exclusivamente atrelado ao “amor adolescente”, começa a abordar um leque de

temas de toda ordem. Historicamente, neste período ocorreram talvez as maiores

transformações sociais e culturais num espaço de tempo extremamente curto. As

reivindicações por direitos de inúmeros grupos sociais, como os negros, as

mulheres, os pobres, os homossexuais, começaram a ganhar uma força

incomensurável. Além disso, a evolução tecnológica como um todo, desde os

instrumentos musicais às técnicas de gravação em estúdio, também sofreram

alterações.

Os Beatles, no auge de sua produção, não estavam de fora. Pelo contrário,

começaram a explorar caminhos até então quase nunca explorados:

As letras dos Beatles estavam sofrendo uma simultânea evolução de temas – intensificada pelos amigos e conhecidos, principalmente do mundo das artes, que viviam estilos de vida culturais alternativos. Como os americanos, os ingleses estavam em busca de uma análise filosófica e política do status quo, oferecendo também uma solução que consistia em variados graus de mudança ou escape. Os Beatles participaram dessas mudanças, refletindo

musicalmente com modificações tanto na forma quanto no conteúdo.19

A mudança de sonoridade acompanhou as mudanças sociais e culturais. O

disco “Rubber Soul”20 inaugurou esta mudança:

Uma metamorfose estava acontecendo, transformando a banda de músicos pop otimistas e despreocupados em artistas culturalmente consequentes. O rock, um gênero que nem mesmo seus mais sérios defensores poderiam chamar de filosoficamente importante, estava adquirindo uma dimensão “séria”. E os Beatles estavam entre os pioneiros. A grande virada veio com o lançamento de Rubber Soul em dezembro de 1965. As canções que utilizaram a fórmula simples do amor romântico sumiram; elas foram substituídas por referências abstratas (Norwegian Wood), crítica social (Nowhere Man), uma das favoritas de

18

Ibid. 7, p. 18 19

Ibid. 10, p. 132 20

“Alma de Borracha”, tradução livre

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Lennon sobre amizade e amor (In My Life) e a pesada The Word, entoando a mensagem AMOR.

21 (grifo nosso)

Portanto, o rock, até então criticado por não possuir uma dimensão séria,

começa a dar sinais de que poderia adquirir um conteúdo crítico até então nunca

visto, principalmente no que se refere aos conteúdos das letras. Cabe aqui frisar que

as letras estavam acompanhadas de inovações estilísticas também até então nunca

vistas.

Nesse sentido, utilizaremo-nos da música Norwegian Wood22 como ponto de

análise. Marcos Napolitano nos dá a seguinte diretriz para a análise da música como

fonte histórica23:

(...) o pesquisador pode trabalhar com quatro abordagens fundamentais: a letra de uma canção, em si mesma, dá o sentido histórico-cultural da obra; o sentido assumido pela letra depende do ‘contexto sonoro’ mais amplo da canção, tais como entoação, colagens, acompanhamentos instrumentais, efeitos eletroacústicos, mixagens; a letra ganha sentido na medida em que a sua materialidade sonora (palavras, fonemas, sílabas) está organizada conforme as alturas que constituem as frases melódicas de uma canção; o sentido sociocultural, ideológico e, portanto, histórico, intrínseco de uma canção é produto de um conjunto indissociável que reúne: palavra (letra); música (harmonia, melodia, ritmo); performance vocal e instrumental (intensidade, tessitura, efeitos, timbres predominantes); veículo técnico (fonograma, apresentação ao vivo, videoclipe). (grifo nosso)

A harmonia, a forma com a qual a música é reproduzida, pensada e composta

nos diz muito sobre a sociedade que a cerca, conforme a citação transcrita. Nesse

sentido, Norwegian Wood é um exemplo factível das transformações ocorridas no

período, uma vez que ocorre uma fusão entre a música ocidental e a música

oriental, representada pela adição de uma cítara indiana na composição da canção.

Mais que isso: a letra da canção apresenta um olhar do compositor (nesse caso,

John Lennon) sobre aquilo que o cerca.

Iniciaremos esta análise transpondo aqui a letra da canção:

Madeira Norueguesa (Este Pássaro Tinha Voado)

Uma vez tive uma garota, ou devo dizer, que ela me teve...

Ela me mostrou seu quarto, não é bom?

Madeira norueguesa?

21

Ibid. 10, p. 133 22

“Madeira Norueguesa”, tradução livre 23

Idem 5, p. 271

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Ela me pediu para ficar e me disse para sentar em qualquer lugar.

Então eu olhei ao redor e notei quer não havia uma cadeira.

Sentei-me sobre um tapete, aguardando meu tempo, bebendo seu vinho.

Nós conversamos até às duas e, então, ela disse

“É hora de dormir”

Ela me disse que trabalhava de manhã e começou a rir

Eu disse a ela que eu não e rastejei para dormir no banheiro

E, quando eu acordei, estava sozinho, este pássaro tinha voado

Então eu acendi um fogo, não é bom? Madeira norueguesa24

(grifos nossos)

Conforme analisamos acima, há novos elementos na música composta por

Lennon que diferem (e muito) das músicas anteriormente compostas por ele. O

primeiro aspecto que notamos ao analisar a letra é a frase “ela me pediu para ficar e

me disse para sentar em qualquer lugar, então eu olhei ao meu redor e notei que

não havia uma cadeira”. Tal frase demonstra que o compositor (Lennon) está

notando uma mudança comportamental no meio em que vive e que está surpreso

com isso, o que vai de encontro com as transformações sociais e culturais já citadas

anteriormente.

Outro aspecto diz respeito à pequena frase “aguardando meu tempo”25, que

denota, na construção da frase por completo que John, na verdade, está

aguardando sua vez para praticar relações sexuais com a mulher que conhecera.

Para os padrões da época, isto é uma novidade, uma vez que a frase, apesar de

tratar do assunto de forma velada, introduz mais uma mudança comportamental

ocorrida no período, qual seja, a revolução sexual e as reivindicações da mulher por

espaço numa sociedade predominantemente patriarcal. Corroborando no mesmo

raciocínio está a frase “ela me disse que trabalhava de manhã e começou a rir”, ou

seja, a mulher com a qual John Lennon se relacionava naquele instante era uma

“pessoa comum”, que ingressava logo nas primeiras horas da manhã em seu

ambiente de trabalho e que precisava dormir (E, então, ela me disse ‘É hora de

dormir’).

24

“Norwegian Wood (This bird has flown), tradução livre. 25

“Biding My Time”, em inglês.

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Finalizando a análise adstrita à letra da canção aqui proposta, Lennon faz

uma referência às drogas, outro fator marcante não só na carreira dos Beatles como

na sociedade naquele período, quando diz: “Então eu acendi um fogo, isso não é

bom?26.

Para enriquecermos nossa análise, transcrevemos agora um depoimento do

próprio Lennon27:

Norwegian Wood era sobre um caso que eu estava tendo. Fui muito cuidadoso e paranoico porque eu não queria que minha mulher, Cyn, descobrisse que realmente havia alguma coisa acontecendo fora de casa. Eu sempre tive algum tipo de caso, então estava tentando ser sofisticado ao escrever sobre aquele, mas numa tal cortina de fumaça que não desse demais na vista. Não me lembro de uma mulher específica, eu estava escrevendo a partir das minhas experiências, mulheres, apartamentos, essas coisas.

Portanto, Lennon nos confirma com suas próprias palavras a análise que

fizemos de sua canção. Num segundo aspecto, qual seja, a linguagem musical, a

adição da cítara indiana demonstra igualmente uma sociedade em transformação,

haja vista a utilização do instrumento citado como elemento de uma outra cultura

(ocidental), em perfeita harmonia com o ocorrido na época.

George Harrison foi o responsável pela adição do instrumento na música que

temos por objeto. Vejamos seu depoimento28:

“Norwegian Wood” foi a primeira vez em que usamos cítara nas nossas gravações. Durante as filmagens de Help!, havia alguns músicos indianos na cena do restaurante e eu brinquei com uma. Lá pelo fim do ano ouvi o nome de Ravi Shankar. Ouvi várias vezes e, lá pela terceira, um amigo meu perguntou: “Já ouviu esse cara, Ravi Shankar? Talvez você goste da música dele”. Então eu saí, comprei um disco e foi isso: achei incrível. (...) Então comprei uma cítara numa loja da Oxford Street, que se chamava Indiacraft – vendia estatuetas e incenso. Era uma cítara meio vagabunda, na verdade, mas eu comprei e meio que desprezei um pouco. De qualquer jeito, tínhamos gravado a base de “Norwegian Wood” (violão de seis e doze cordas, baixo e bateria) e a música precisava de alguma coisa a mais. A gente começou a procurar no armário, para ver se conseguia alguma coisa, um som novo, e eu peguei a cítara – que estava lá jogada, não tinha descoberto o que fazer com ela. Foi bem espontâneo. Eu tirei as notas e toquei. Encaixou e funcionou.

Harrison, espontaneamente, encaixou os acordes na música, conforme

verificamos em ambas as análises e funcionou porque se tratava de uma discussão

26

“So, I lit a fire, isn´t good?”, em inglês. 27

ROYLANCE, Brian et alii “Beatles – Antologia”, São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 196 28

Idem 27, p. 196

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sobre um mundo em movimento. A adição da cítara, como linguagem musical,

acompanha a linguagem poética da letra. Em síntese, letra e música estavam

completamente conectadas.

Os depoimentos de John Lennon e Ringo Starr29 sobre a adição da cítara são,

da mesma forma, elucidativos:

(LENNON) George tinha acabado de comprar a cítara e eu perguntei: “Você pode tocar essa parte?”. Nós fizemos várias versões diferentes da música. Nunca dava certo e eu estava começando a ficar irritado, não estava ficando como queria. Eles disseram: “Faz como você quiser” e eu toquei o violão bem forte perto do microfone e cantei ao mesmo tempo. George tinha a cítara, então eu perguntei se ele podia tocar a parte que eu tinha pronta. Ele não tinha certeza se conseguiria tocar ainda, porque não havia praticado muito com a cítara, mas estava a fim de tentar, daí ele aprendeu o pedaço e gravou por cima depois.

(RINGO STARR) Foi tão incrível ter um instrumento estranho assim no disco. Estávamos todos abertos para qualquer coisa quando o George apareceu com a cítara: você podia vir com um elefante para o estúdio, contanto que fosse produzir uma nota musical. Tudo era viável. Toda a nossa atitude estava mudando. Tínhamos crescido um pouco, eu acho.

Em suma, a “mudança de atitude” citada por Ringo em seu depoimento está

intimamente ligada com a mudança ocorrida no período. Na conjunção letra e

música, neste caso, há um casamento perfeito que está conectado com o mundo ao

redor dos Beatles.

O restante da história dos quatro rapazes de Liverpool já é bem conhecida:

após o álbum e a música utilizados em nossa análise, seguiram-se outros LPs de

enorme importância para a arte contemporânea, sobretudo a música, dentre eles

Revolver, Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (elogiado até mesmo por

Hobsbawm, que o rotulou como “rock sinfônico”), White Album, Abbey Road, além

dos demais.

Com efeito, o importante para nosso trabalho e finalizando esta breve análise

sobre a banda inglesa, são os dois fatores por nós apontados e aqui discutidos, que

Paul Friedlander, mais uma vez, discute em sua análise30:

As vendas fenomenais de álbuns do grupo foram um catalisador para muitas outras mudanças. Os artistas, criadores do produto, ganharam mais poder na mesa de negociações. Os percentuais de royalty de gravação dos Beatles cresceram de 3 por cento em 1962 para 17,5 por cento em 1970. As

29

Ibid. 27, p. 197 30

Ibid. 10, pp. 148-149

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gravadoras, vislumbrando lucros enormes a serem conseguidos pelas vendas de música popular, se apressaram a contratar praticamente qualquer banda com sotaque britânico. No final desta época, a venda de discos tinha ultrapassado todas as outras áreas de entretenimento, incluindo filmes e esportes. (...) Os Beatles provaram mais uma vez um apropriado axioma: não se pode tirar o rock de seu contexto social. Os jovens dos anos 60, que construíram o comportamento rebelde da década anterior, criaram seu próprio estilo, desafiaram a moral prevalecente e inauguraram uma época de criatividade e experimentação. Os Beatles se utilizaram dos fundamentos do rock clássico e, ao mesmo tempo, abriram um caminho que expandiu continuamente as fronteiras do rock. Sua integridade criativa, idealismo e espontaneidade colocaram o desafio para os principais críticos – levar a sério a forma e o conteúdo do rock. Os Beatles possibilitaram a discussão do rock and roll como forma de arte. Na jornada da cultura popular ocidental dos anos 60, os Beatles estavam no cesto da gávea, berrando “terra à vista!”.

O rock havia se transformado em arte. O “cais” passou a permear e influenciar outros

músicos e outros artistas. Voltemos então nossa atenção, a partir de agora, à “esquina”.

Esquina da Rua Divinópolis, Belo Horizonte, Brasil31

“Estou compondo aqui neste quarto com o meu violão, mas não esqueço da realidade do meu país e do mundo. Nordeste, Minas, Vietnã, Irlanda - entram todos neste quarto” (Milton Nascimento - Revista “O Cruzeiro”, 12/04/1972)

Como os Beatles influenciaram e como foi o impacto de sua obra na produção

musical do Clube da Esquina? Esta é a pergunta principal que procuramos

responder neste artigo.

Porém, outros questionamentos são extremamente importantes para a análise

do período estudado, mais precisamente o ano de 1972 (ano de lançamento do

disco): o “estado” da Indústria Cultural no Brasil, como os fatos ocorridos no período

exerceram influência na obra fonográfica e como Milton Nascimento, talvez o

principal expoente deste grupo de músicos, exerceu o papel de “aglutinador” de

talentos.

Partindo dessas premissas, escolhemos trabalhar com depoimentos do grupo

extraídos pela internet, mais especificamente pelo site “Museu do Clube da

31

Há divergências nos depoimentos quanto à origem do nome “Clube da Esquina”. Porém, é certo que os membros do grupo se reuniam na esquina da Rua Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte e a maioria das entrevistas atribui o nome à forma pejorativa com a qual a mãe de Lô Borges, um dos membros do grupo, se referia à esquina em que o mesmo permanecia.

Page 16: Do Cais para a Esquina: Uma In(con)fluência “beatle” na obra do Clube da Esquina (1972)

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Esquina”. Além disso, procuramos realizar a análise partindo dos pressupostos

sugeridos por Marcos Napolitano em seu artigo “A historiografia da música popular

brasileira (1970-1990): síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa

histórica”32, onde, entre outros assuntos, nos remete ao fato de que devemos

realizar um cruzamento de fontes, no intuito de apercebemo-nos do “estado” da

obra.

Tratando do principal objeto do presente trabalho, identificamos que são dois

os músicos que trazem ao grupo a sonoridade beatle, por influência: Lô Borges e

Beto Guedes.

Salomão Borges Filho, nascido em 10 de janeiro de 1952 em Belo Horizonte,

conhecido artisticamente como “Lô Borges”, nos dá uma algumas pistas33:

Beatles foi a coisa absolutamente avassaladora, assim, na cabela da gente, porque eu passando ali em frente do Cine Acaiáca, ali na Avenida Afonso Pena, estava escrito “Os Reis do Iê Iê Iê” e um monte de fotos de uns caras cabeludos, não sei o que lá, aí, eu queria ver esse filme. Não lembro quem me levou, se eu fui sozinho. Já ouvi dizer que o Marcinho me levou, que o Bituca me levou, eu lembro que o Marcinho e o Bituca me deram um disco, o disco do filme, mas eu acho que eu fui ver com um amigo, assim, fomos.

Alberto de Castro Guedes, nascido em 13 de agosto de 1951, em Montes

Claros, conhecido artisticamente como Beto Guedes, também nos dá pistas

importantes34:

A paixão pelos Beatles foi realmente muito marcante. Eu lembro que o Lô trouxe um compacto e me deu. Eu lembro de I should have known better. Eu escutei aquilo uma vez e não entendi nada do que estava acontecendo. Botei mais uma vez. Falei: “Nossa, que trem esquisito”. Botei pela terceira vez. E aí sim, abriu minha cabeça. Eu fiquei mais fascinado. Nunca fiquei tão fascinado na vida com uma coisa como aquela.

Analisando os depoimentos acima, percebemos logo dois aspectos

importantes levantados por nós no tópico anterior: a estratégia utilizada pelo

empresário dos Beatles (Brian Epstein) em inserir os músicos no cinema,

aumentando o alcance dos quatro rapazes de Liverpool, dera certo. Não só deu

certo como ajudou a construir a imagem icônica do grupo inglês, além da inegável

32

NAPOLITANO, Marcos “A historiografia da música popular brasileira (1970-1990): síntese bibliográfica e desafios atuais da pesquisa histórica” in Artcultura: Revista de História, Cultura e Arte, v. 8, n.º 13, 2006 - Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de História. 33

Fragmento de depoimento de Lô Borges extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/lo-borges/> 34

Fragmento de depoimento de Beto Guedes, extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/beto-guedes/>

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ampliação do alcance da obra fonográfica. Corroborando com isso, Lô Borges diz

mais35:

(...) aquilo me impressionou muito, a beleza das canções, a beleza dos caras, o carisma dos caras, e principalmente, o que, o poder transformador que eles tinham em cima das pessoas, as pessoas corriam atrás deles como se eles fossem deuses e aquilo me impressionou muito e, aí cara, eu assisti esse filme umas 45 vezes. Eu ia pro cinema todo dia, até que um dia o Beto, eu já era amigo do Beto, levei o disco quando eu ganhei, levei o disco pro Beto, levei o disco dos Beatles pro Beto, o Beto olhou a capa, não gostou da capa, falou, o Beto assim meio na praia dele lá de Montes Claros, falou “Esses cabeludos são veados, esses caras tão com cara de veado, não sei o que...”. E eu falei: “Bicho, escuta, põe a primeira faixa, vamos escutar, o LP”, na época, aí, ele escutou, assim, na terceira faixa o Beto já era mais beatlemaníaco do que eu. Aí já acabamos a audição do disco, fomos pro cinema ver o filme. Ele assistiu também milhões de vezes, deixou o cabelo crescer, eu também deixei o cabelo crescer.

Partindo deste depoimento, percebemos a importância da inserção dos

Beatles no cinema e o quanto isto influenciou para que as pessoas em geral se

interessassem pela produção do grupo. O próprio Lô Borges, ao afirmar quando

trata do quarteto inglês que “as pessoas corriam atrás deles como se fossem

deuses” reforça a ideia de que o cinema foi um fator importantíssimo na

transformação dos Beatles em figuras icônicas. O recurso cinematográfico, por sua

característica imagética, funcionou como um fator propulsor de influência. Nesse

sentido, Flavio Villas-Boas Trovão, em seu livro “O Exército Inútil de Robert Altman:

cinema e política”, trabalho instigante sobre o cinema e também quanto à forma com

a qual devemos abordar as chamadas “novas fontes históricas”, elabora uma

reflexão que julgamos igualmente interessante, quando utiliza de Michel Foucault

para nos dizer que “a representação reside no estabelecimento das relações

internas à obra, que permitem processos de identificação e presentificam uma

impressão passada”36.

O “salto definitivo” estava dado: a beatlemania que, como vimos, varreu a

Inglaterra, chegou não só aos Estados Unidos como ao restante do mundo e, por

consequência, ao Brasil. Mais que um fator preponderante, a sonoridade da banda

inglesa foi “aglutinada” a outras sonoridades. Mais uma vez Lô Borges nos diz37:

35

Idem 33 36

TROVÃO, Flávio Vilas-Bôas “O Exército Inútil de Robert Altman: cinema e política (1983) - orientador Arnaldo Daraya Contier - São Paulo: 2010, p. 26 37

Ibid. 33

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(...) eu comecei a me interessar mesmo por música e ouvindo a bossa nova, foi a primeira manifestação, assim, clara de que eu queria aprender a tocar violão, (...) Toda aquela história que já existia pra mim de Tom Jobim, de João Gilberto, aquilo passou, eu já tinha uns 13 para 14 anos de idade. (...) Então, a minha cabeça fez um mix, assim, total, fez assim, continuou um pouco de João Gilberto e Tom Jobim. Beatles ficou enorme na minha cabeça e os festivais da canção ficaram grandes também, porque surgiu Milton, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes (...)

Inseridos neste contexto, Beto Guedes e Lô Borges chegaram a montar uma

banda, intitulada “The Beavers”, em que reproduziam as músicas dos “Fab Four”38:

Fizemos uma banda que chamava “The Beavers”. Garotos de 12, 13 anos que cantavam músicas dos Beatles em programas de auditório, programas de televisão em Belo Horizonte e fizemos o maior sucesso na época, porque os Beatles já eram novidade, já eram uma grande novidade e garoto de Belo Horizonte cantando música dos beatles era mais novidade ainda, então, eu acho, que ali se iniciou a primeira coisa semi-profissional, de se apresentar pra público, programas de auditório.

Beto Guedes, filho de um marceneiro, foi ainda mais longe em sua paixão

pelos músicos ingleses39:

(...) eu cismei de fazer um contrabaixo igual ao do Paul McCartney, um Rofner. E fui fazendo. Fiz o corpo. E quando chegou no braço, começou a complicar muito, porque fugia ao equipamento do meu pai. E braço de instrumento musical, de guitarra, de baixo, é uma coisa muito complicada de fazer se você não tem ferramentas adequadas. Mas eu lembro que acabei fazendo. (...) Então eu resolvi fazer um instrumento de três cordas. Eu lembro que eu queria fazer uma coisa parecida com a cítara de “With You Without You”, do “Sargent Pepper´s”. Era uma música do George Harrison no “Sargent Pepper´s”. Aí eu queria fazer um instrumento que fizesse um som parecido com a cítara. Acabei fazendo um tal instrumento com três cordas. Depois de pronto, ficou uma droga. Eu ia jogar fora quando o Lô me pediu de presente. E eu dei para ele. Eu não sei se o Lô ainda o tem.

Notamos então que ambos os músicos/compositores do Clube da Esquina,

por sua paixão pelos Beatles, trouxeram a sonoridade do “rock” para o álbum que

procuraremos trabalhar em maiores detalhes mais à frente. Mais que isso, a

transcrição do depoimento acima demonstra que a mudança de sonoridade dos

Beatles em sua obra, abordada no tópico anterior, também chegou aos ouvidos dos

músicos brasileiros, ao ponto de Beto Guedes tentar “imitar” com um instrumento

construído por ele mesmo o som de uma cítara.

Neste ponto, chegamos a outro aspecto que está intimamente ligado à nossa

análise: os efeitos do meio na produção artística do Clube da Esquina. É sabido que,

quando o disco foi lançado, no ano de 1972, enfrentávamos no Brasil uma ditadura

38

Ibid. 33 39

Idem 34

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civil-militar que chegava ao seu ponto considerado mais sangrento. Nesse sentido, o

livro “Brasil: nunca mais”40, que trata das torturas durante o regime ditatorial, é

elucidativo quanto ao período em que o disco foi lançado:

Em agosto de 1969, ocorre o episódio obscuro da enfermidade que afastou

Costa e Silva da presidência e ensejou um “Golpe Branco” desfechado

pelos três ministros ao impedirem a posse do vice-presidente civil, Pedro

Aleixo. Constata-se um círculo vicioso: a resistência armada intensifica suas

ações e parte para os sequestros, exigindo em troca a libertação de presos

políticos; a Junta Militar, por sua vez, adota as penas de morte e banimento,

tornando mais duras as punições previstas na Lei de Segurança Nacional

(Decreto-Lei n.º 898), além de outorgar uma Constituição mais autoritária,

que é batizada de Emenda Constitucional n.º I. O Congresso Nacional é

reaberto apenas para referendar o nome do General Emílio Garrastazu

Médici, indicado para a presidência da República, após uma luta surda nos

quartéis. Sob o lema “Segurança e Desenvolvimento”, Médici dá início, em

30 de outubro de 1969, ao governo que representará o período mais

absoluto da repressão, violência e supressão das liberdades civis de nossa

história republicana. Desenvolve-se um aparato de “órgãos de segurança”,

com características de poder autônomo, que levará aos cárceres políticos

milhares de cidadãos, transformando a tortura e o assassinato numa rotina.

O governo do general Médici durou até 1973, posterior, portanto, ao

lançamento do disco. Como procuramos demonstrar até aqui, a música, como objeto

de estudo, proporciona ao historiador uma fonte quase inesgotável de informações e

de retratação de uma época. Na obra dos Beatles, percebemos as mudanças sociais

e culturais ocorridas no período, usando como exemplo a música Norwegian Wood e

seus próprios depoimentos. No caso do Clube da Esquina, seguimos o mesmo

padrão.

Ronaldo Bastos Ribeiro, nascido em 21 de janeiro de 1948, em Niterói, um

dos compositores do grupo e conhecido artisticamente como Ronaldo Bastos, dá o

seu depoimento41 quanto ao período de produção do disco:

Eu acho que teve uma coisa que marcou muito, o primeiro sentimento de você não se sentir bem, que foi a ditadura, o Golpe Militar. (...) O efeito da

40

ARNS, Dom Paulo Evaristo (Prefácio) “Brasil: nunca mais”, 38ª edição - Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, pp. 60-61 41

Fragmento de depoimento de Ronaldo Bastos extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/ronaldo-bastos/>

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ditadura na minha vida, vendo hoje em dia, não parece que é tão grande, mas para um jovem é como se fosse um pesadelo. Você diz assim: “Nunca mais vai acabar”. A ideia básica nessa época - e que foi a ideia básica principalmente através do Clube da Esquina - era mudar o mundo. Pelo menos nessa época, e eu acredito que seja a ideia básica da juventude, era mudar o mundo. Mas é mudar o mundo pela justiça social.

Analisando o depoimento acima, observamos dois fatores importantes:

primeiro não há como desatrelar a produção do artista, neste caso do compositor, do

meio em que vive; segundo, há uma clara intenção em “mudar o mundo” através da

música. E, trazendo a reflexão para o Brasil, “mudar o mundo” possui um significado

específico, qual seja a volta de democracia.

A situação política do país não ficava de fora dos temas das letras. Ao

contrário, estava presente, devido ao quadro do período. Fernando Rocha Brant,

nascido a 09 de outubro de 1946 em Caldas Novas, compositor do grupo e

conhecido como Fernando Brant, também nos fala no seu depoimento42 sobre a

ditadura militar:

A política está presente o tempo todo. Eu tinha 15, 16 anos quando teve o Golpe e isso me atingiu muito. Até 67, 68 estava manso, era ditadura mais branda. Quer dizer, havia muita perseguição, mas ainda não era um negócio violento demais. Em 68, com a morte do Édson Luiz, começam as passeatas, e a gente participava das passeatas aqui. Ás vezes eu participava no Rio. Ficava parecendo até que eu era de algum grupo político, mas eu não era. Mas como eu mexo com música, às vezes eu estava lá. Os meus amigos todos iam e eu ia também. Participei dessas passeatas até que veio o AI-5 em dezembro, e o AI-5 da universidade, que é o 477, que foi um negócio horroroso. Então, a solução pra muitos caras que eram meus contemporâneos era ou recuar, parar com aquilo, ou então avançar, que foi o que alguns fizeram e não deu coisa boa. Essa percepção eu estou sempre tendo, acompanhando. O Carlos Heitor Cony, o Márcio Moreira Alves e o Hermano Alves, do Correio da Manhã, eram leitura o tempo todo. Eu sempre estava lendo jornal pra saber da política, e acompanhando mesmo. Mas eu pertenci a nada. Era só um cidadão e a política entrava, como todas as coisas da vida - amizade, amor, infância - entrava nas letras de música também.

Entrando agora no disco objeto de estudo neste trabalho, a faixa que abre a

obra fonográfica em questão é elucidativa. De autoria de Lô Borges e Márcio

Borges, “Tudo o que você podia ser” reflete, a nosso ver, o abordado até então:

Tudo o que Você Podia Ser

Com sol e chuva você sonhava

Que ia ser melhor agora

42

Fragmento de depoimento de Fernando Brant extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/fernando-brant/>

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Você queria ser o grande herói das estradas

Tudo o que você queria ser

Sei um segredo você tem medo

Só pensa agora em voltar

Não fala mais da bota e do anel de Zapata

Tudo o que você devia ser sem medo

E não se lembra mais de mim

Você não quis deixar que eu falasse de tudo

Tudo o que você podia ser na estrada

Ah! Sol e chuva na sua estrada

Mas não importa não faz mal

Você ainda pensa e é melhor do que nada

Tudo que você consegue ser ou nada

Portanto, há um aspecto crítico do regime ditatorial na obra acima relatada.

Não há, como observamos, uma característica de engajamento político, mas, ao

mesmo tempo, não há como desatrelar a produção artística do Clube da Esquina à

época em que se deu a produção.

Passemos agora, então, a analisar outro aspecto, a nosso ver, importante: o

“estado” da Indústria Cultural no Brasil. Conforme abordado no tópico anterior, os

Beatles foram transformados em agentes catalisadores de uma Indústria Cultural

altamente organizada. E no Brasil? Como estávamos nesse sentido?

Com efeito, utilizamo-nos aqui das reflexões de Renato Ortiz, em sua obra “A

Moderna Tradição Brasileira”. Para o autor não possuíamos até meados da década

de 60 uma Indústria Cultural consolidada, o contrário do que se percebe na análise

referente à Europa e aos Estados Unidos.

A Indústria Cultural no Brasil só se consolidou através do Golpe Civil-Militar

de 1964, constituindo-se, antes disso, num mercado completamente incipiente43:

O advento do Estado militar possui na verdade um duplo significado: por um lado se define por sua dimensão política; por outro, aponta para transformações mais profundas que se realizam no nível da economia. O aspecto político é evidente: repressão, censura, prisões, exílios. O que é menos enfatizado, porém, e que nos interessa diretamente, é que o Estado

43

ORTIZ, Renato “A Moderna Tradição Brasileira”, São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 113-114

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militar aprofunda medidas econômicas tomadas no governo Juscelino, às quais os economistas se referem como “a segunda revolução industrial” no Brasil. Certamente os militares não inventam o capitalismo, mas 64 é um momento de reorganização da economia brasileira que cada vez mais se insere no processo de internacionalização do capital; o Estado autoritário permite consolidar no Brasil o “capitalismo tardio”. Em termos culturais essa reorientação econômica traz consequências imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais.

Percebemos pela citação acima que, no momento da produção e lançamento

do álbum objeto de estudo neste trabalho, estávamos experimentando uma

transição entre a incipiência e a consolidação de um “mercado de bens culturais”.

Mais uma vez buscamos nos depoimentos analisados para a consecução deste

artigo respostas mais aprofundadas, e, nesse sentido, Ronaldo Bastos44 demonstra

o estado da indústria cultural:

(...) a primeira vez que eu entrei num estúdio foi na gravação do primeiro disco do Bituca, logo depois que eu conheci ele; foi aquele disco “Travessia”, que ele gravou com o Tamba Trio, com os arranjos do Luiz Eça. Eu fiquei deslumbrado! Mas depois, quando ele foi para a Odeon, que foi a primeira grande gravadora onde ele fez a obra, inclusive o “Clube da Esquina n.º 2”, eu não tinha tanta segurança no estúdio. Todo dia você tem que deixar a carteira de identidade; tinha as pessoas que podiam entrar direto e as que tinham que deixar documento. E aí virei o cara que podia entrar, só que aí eu entrava todos os dias - eu virei um funcionário. Trabalhei praticamente dez anos na EMI Odeon sem nunca ter tido um emprego. No fim, quando queria as coisas, pegava um memorando, um documento na sala de alguém que ia levar uma semana, descia as escadas e dizia: “Assina aí”. Aí voltava e dizia: “Tá assinado”. Porque eu queria realizar as coisas, então eu ia fazendo isso. E fui virando produtor porque eu frequentei muito o estúdio; eu ia para a EMI todos os dias. No fim, acho que eu já dormia lá, já tinha escova de dentes, muda de roupa. (...) O disco “Clube da Esquina” era algo fora do parâmetro de tudo - inclusive o som. (...) Se você pegar, com raríssimas exceções, os discos dessa época, como os discos do início do Tropicalismo, são discos bacanas e tudo, mas o som... (...) Gravava-se muito bem naquela época. Gravava-se, talvez, com a tecnologia da época, melhor do que se grava hoje em dia.

Percebemos no depoimento acima transcrito que ao mesmo tempo em que

não havia uma organização propriamente dita na gravadora, a tecnologia de estúdio

já apresentava inovações que auxiliavam na gravação do trabalho fonográfico, o que

demonstra a fase transitória em que nos encontrávamos nesse sentido e que foi

experimentada pelos músicos e compositores. Wagner Tiso, compositor e arranjador

do disco, também nos dá algumas pistas45 quanto ao abordado:

44

Idem 41 45

Fragmento de depoimento de Wagner Tiso extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/wagner-tiso/>

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A Gravação do “Clube da Esquina” foi no Rio, na Odeon. Eu toquei a maioria das coisas no órgão. Para esse “Clube da Esquina”, os arranjos eram feitos ali no estúdio. Dava um tempo enorme pra se fazer disco, não tinha esse problema que existe hoje, de hora de estúdio. A Odeon liberava o estúdio pra você criar o seu disco ali, mesmo porque, Milton, Caetano e muitos outros demoraram muito tempo pra vender bem disco. Eles acreditavam no artista. Hoje acreditam no produto, mas eles acreditavam no artista. Mas eu lembro que ficávamos ali, o Bituca já trazia as coisas dele praticamente prontas, aquela coisa que o Bituca tinha nas vozes e no violão. Eu distribuía pro pessoal do grupo: “O baixo vai fazer isso”. A mesma coisa com o “Trem Azul”: “Quem vai solar? O Toninho sola aqui, o órgão entra aqui”. A gente distribuía aquilo lá dentro do estúdio, porque não tinha orquestra. Os arranjos de base eram feitos em conjunto, isso que era uma maravilha! Você via que aqueles discos tinham um calor. Além do som ser analógico, um som gostoso de ouvir, não tem aquela mixagem perfeita e agudinha de hoje, tem aquele calor humano de todo mundo estar junto fazendo música, porque estão fazendo música dentro do estúdio. (…) No “Clube da Esquina” parecia um clube mesmo, funcionando. Todo mundo trabalhava junto, cada um chegava com suas ideias (...)

O depoimento acima demonstra que havia uma maneira improvisada de

gravação das canções, quase que uma “reprodução” do que possivelmente se faria

numa apresentação ao vivo. Ademais, também se percebe que, de fato, houve

avanços quanto à tecnologia empregada para a gravação do disco, o que corrobora

com a discussão que fazemos até o momento.

Outro aspecto igualmente importante, diz respeito à forma com a qual o disco

foi recebido pelo público. Para tanto, buscamos realizar a pesquisa de acordo com o

que nos sugere Marcos Napolitano46:

(...) na chamada 'grande' imprensa, bem como na imprensa alternativa (Pasquim, Movimento, Opinião e outros jornais), a música ganhava cada vez mais espaço, em artigos mais ágeis (como em críticas de discos e entrevistas) ou mais aprofundados (análise de conjunto de obras, movimentos ou temas sociológicos ou históricos ligados à MPB). Essa produção, enorme e dispersa, chegou a ser catalogada, em fins dos anos 1970, constituindo-se hoje num importante corpo documental ainda pouco pesquisado.

Nesse sentido, examinamos exemplares da revista “O Cruzeiro”, de grande

circulação no período estudado, a fim de estabelecermos como o disco “Clube da

Esquina” foi recebido. Nesse sentido, cabe-nos salientar que tal análise pode servir

como uma espécie de parâmetro para sabermos como o público, de forma geral,

recebeu o trabalho.

Ao pesquisarmos nas fontes, constatamos que o disco, antes mesmo de ser

divulgado, estava cercado de expectativas. Na reportagem que identificamos, o

46

Idem 32, p. 143

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grupo de músicos visita a cidade de Diamantina47 (onde há inclusive um encontro

com o ex-Presidente Juscelino Kubitschek):

Os projetos atuais são exatamente estes: um álbum com dois discos, músicas de Milton e Lô, com letras de Ronaldo, Fernando e Márcio. Cerca de 20 músicas, além de três outras que não pertencem a nenhum deles. (…) percorrendo becos e ruínas, Milton Nascimento e seus amigos visitaram Diamantina, como quem volta às origens, como quem busca forças para prosseguir, obrigação de todos, apesar de tudo. E de lá partiram para os arranjos e ensaios, é hora de preparar os discos e o show, tem muita gente esperando por isso.

Em 12/04/1972, a mesma revista publicou em sua sessão “discos” uma

matéria48 onde tece as seguintes considerações sobre o disco:

A primeira ideia sobre o novo álbum de Milton Nascimento, Clube da Esquina, que está sendo lançado pela Odeon é que ele é irresumível. (…) uma viagem, uma excursão pelo mundo de Milton e de seus amigos. Mundo, ou, como eles chamam carinhosamente, o Clube da Esquina. A função abre com Tudo o que Você Podia Ser (Lô & Márcio), com a deslumbrante guitarra de 12 cordas de Tavito & percussão. E vem Cais (Milton-Ronaldo Bastos), onde o achado é a própria invenção de um cais mas também o piano & vocalise de Milton. Sobre nuvens desliza o Trem Azul (Lô-Ronaldo) e nós com ele e ele concosco, “o sol na cabeça”. Fernando Brant e Milton propõem toda uma bandeira pra sair desta maré. Na Nuvem Cigana (Lô-Ronaldo), tudo é possível com uma só condição: “se você deixar o coração bater sem medo”, Cravo e Canela (Milton-Ronaldo) é um sabor a mais a somar a este disco que Milton temperou de todos os perfumes que sente mas também suor de realidade. (…) É com esses fios de sonho e realidade que Milton Nascimento fez o risco de seu bordado: sua arte. E com ela está dizendo coisas que “ficaram muito tempo por dizer”.

De forma até poética, a coluna faz um comentário positivo sobre o trabalho

dos músicos neste disco. Em reportagem de 03/05/197249, na mesma coluna, diz

que “vamos correr em massa, ao encontro deste álbum – até agora o melhor de

1972.”, considerando, portanto, o disco como o melhor daquele ano. Notamos então

que o disco, antes de seu lançamento, já estava cercado de expectativas e, após,

estas se confirmaram, dando ao grupo e ao seu trabalho uma notoriedade ímpar.

Até o momento, verificamos que Lô Borges e Beto Guedes trazem a

sonoridade dos Beatles ao álbum objeto de análise, além de delinearmos outras

considerações necessárias no que se refere ao período em que o disco foi

produzido, ao “estado” da Indústria Cultural no Brasil e à recepção do disco pela

grande mídia (neste caso, a revista “O Cruzeiro). Para finalizarmos, temos uma

47

Revista “O Cruzeiro”, novembro de 1971, acervo da Biblioteca Mário de Andrade. 48

Revista “O Cruzeiro”, 12/04/1972, acervo da Biblioteca Mário de Andrade. 49

Revista “O Cruzeiro”, 03/05/1972, acervo da Biblioteca Mário de Andrade.

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última questão: Milton Nascimento, o “Bituca”, funcionou como um aglutinador de

talentos.

Iniciaremos este ponto com o depoimento de Toninho Horta50, um dos

músicos que participam do disco, onde retrata seu primeiro encontro com Milton

Nascimento:

O orgulho do meu irmão sempre foi me apresentar. Que legal isso! Falou assim: “Toca aí umas músicas pro Milton”, Não, não era Milton, era Bituca. “Gente, esse aqui é o Toninho, meu irmão, está fazendo umas musiquinhas.” Aí toquei o “Barquinho veio”, “Flor que cheira saudade”, “O ciúme da areia”. As três primeiras músicas que eu tinha feito. Depois o Bituca pegou o violão. Aí ele mostrou “Barulho de trem”, deve ter mostrado “Crença”, uma das músicas mais antigas com o Márcio, eu não me lembro exatamente. E se criou uma primeira empatia.

Demonstrado está que Bituca identificava com facilidade um talento. Talvez

um dos relatos mais importantes é o de Fernando Brant51, compositor que,

incentivado por Milton Nascimento, escreveu uma das músicas de maior sucesso de

seu repertório:

(...) um dia, lá por 67 – não sei exatamente quando, porque a gente deve ter feito a letra lá pra junho, mas ele deve ter me mostrado antes, março, abril – ele mostrou a música e eu achei bonita. Ele falou assim: “Eu queria que você fizesse letra pra ela”. “Mas eu não mexo com isso, não sei, nunca fiz.” E ele falou: “Eu acho que essa música não é nem pra mim, nem pro Márcio. Tem um jeito seu”. (…) Nessa época eu não escrevia. Escrevia, mas no jornal de colégio. Lá no colégio universitário a gente tinha um jornal em que a gente fazia mil coisas. Quer dizer, escrever eu escrevia, mas só exercitando. Então, quando ele me pediu pra escrever, eu falei: “Não, não tem nada a ver”. Mas o Bituca insistiu, e aí eu resolvi escrever. Ele tinha me dado um tema que seria assim: como se fosse um caixeiro-viajante, que passava, ficava um tempo na cidade, criava ambiente lá, acabava namorando, mas quando o negócio ficava meio assim, ele ia embora e mudava de praça. O cara ia deixando um amor em cada cidade. Tanto que na música, antes daquela introdução ele cantava: “Quem quer comprar meu sonho...”. Originalmente chamaria “Vendedor de Sonhos”, mas na hora de fazer eu achei que não era bem aquilo, então eu tive a ideia de alguém que vai embora e o outro fica desesperado, mas depois... pô, a vida continua. Então já não cabia o “Vendedor de Sonhos”. Aí eu achei o negócio da “Travessia”. (…) eu devo ter custado pra mostrar o papel. E quando eu mostrei, ele pegou o violão pra tocar, pra ver se estava tudo certo.

A história da música “Travessia” é elucidativa para demonstrar como Milton

Nascimento possuía a capacidade de encontrar em seus amigos um potencial

50

Fragmento de depoimento de Toninho Horta extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/toninho-horta/> 51

Idem 42

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criativo. Fernando Brant nos demonstra em seu depoimento que nem mesmo

gostaria de compor, mas com a insistência de Bituca, passou a escrever para as

melodias que este último compunha, o que se tornou uma das mais belas parcerias

da música brasileira.

Lô Borges uma vez mais nos dá algumas pistas da capacidade de Milton

Nascimento em enxergar os potenciais criativos de seus companheiros52:

Olha, o Bituca que foi o maior entusiasta da nossa banda, dos nossos Beavers, da nossa bandinha que cantava música dos Beatles. Só que ele queria inserir no nosso repertório música brasileira, uma ou duas músicas brasileiras e, aí, como ele não era da banda, do nosso grupo, a gente não aceitou a opinião dele. A gente queria cantar só Beatles mesmo, e ele queria que a gente cantasse uma música do Dorival Caymmi no meio das músicas dos Beatles, que é uma ideia legal, é uma ideia do Bituca, o Bituca tem ideias legais. Eu lembro que, eu mesmo, acho que até que eu fui dos que topava essa ideia, mas eu fui minoria na bandinha, lá o pessoal não queria mexer com música brasileira naquele momento, queria que fosse exclusivo música dos Beatles.

Milton já procurava e identificava em Lô Borges um potencial criativo e, como

observamos no depoimento, muito mais que isso: a possibilidade de assimilação da

sonoridade do “rock” à música brasileira, numa espécie de fusão.

Wagner Tiso, que acompanhou Milton Nascimento desde sua infância em

Três Pontas, mostra em seu depoimento outras características muito importantes,

além de demonstrar as primeiras influências musicais de Bituca53:

O Milton eu conheci nessa época que eu ia pro colégio; eu passava sempre em frente ao alpendre dele. Isso diariamente. E imediatamente tinha um som: era o Bituca sentadinho no alpendre, nos degraus da escadinha, com as perninhas compridas… Ele botava uma gaita entre os joelhos, ali ele tocava a melodia, com a sanfoninha embaixo do braço ele se acompanhava. Eu achava aquilo muito fantástico. “Mas que jeito diferente, que cara estranho. Como é que ele consegue fazer isso?” Tocava umas coisas bonitas, tocando gaita e se acompanhando ao mesmo tempo. Ele inventou essa história. E eu sempre tive muita curiosidade: “Eu preciso conhecer esse cara.” E nós tínhamos um amigo em comum, e o Bituca tava ensaiando num conjunto vocal na casa da Quitéria – onde eu passava também e ouvia aquele som de conjunto vocal – e achava aquilo interessante. Até que o Dida, nosso amigo, que cantava nesse grupinho do Bituca, me levou com meu acordeom. Eu cheguei lá com meu acordeom, devia ter 11 anos. Sentei lá, eles cantaram e eu comecei a acompanhar. E o Bituca gostou daquilo, ele gostou do jeito que eu tocava, achou que combinava com o jeito do grupo, aquela coisa toda. Mas aí ele me confessou: “Poxa, eu fiz uma promessa que jamais um Tiso iria tocar comigo, porque em Três Pontas dizem que só Tiso sabe tocar”. Mas ele me aceitou naquele grupinho e formamos ali uma amizade. E aquele dia

52

Ibid. 33 53

Idem 45

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descobri coisas. Depois, ele foi locutor da rádio. A gente ficava escolhendo discos e ouvindo as coisas que a gente mais gostava. Quando a gente ouviu Ray Charles ali, pela primeira vez, cantando “Stella by Starlight”, a gente só faltou desmaiar. A gente olhava um pro outro e não acreditava. O Bituca falou assim pra mim: “Tá vendo, homem também sabe cantar”. Aquilo era muito interessante. E assim eu conheci o Bituca. Fizemos amizade, eu fui pra Alfenas, levei o Bituca, que foi morar lá em casa com a minha família, e ficamos lá, morando juntos. Fizemos o grupo W’s Boys, em que ele era o crooner. Todo mundo começava com W, menos o guitarrista, o Dalton, que passou a chamar Walton, e o Bituca, que não queria chamar Wilton; achava feio e botou Milton Willer. Era o crooner, o Milton, e tocava aquele sininho. E ali a gente fez essa amizade pra vida toda. Depois, ele foi a Belo Horizonte. Ele viu um grupo de gente tocando muito bem. Quando ele voltou, ele falou: “Temos que ir pra Belo Horizonte, que tem um pessoal lá que toca muito bem. A gente vai mostrar o que a gente sabe e ainda vai aprender muita coisa”. Aí encarei. Chegamos juntinhos lá, de ônibus. Chegamos lá em Belo Horizonte, foi cada um pro seu ladinho, procurar sua pensãozinha e ficamos lá. Ficamos fazendo, em princípio, bailinhos no Ponto dos Músicos.

Ronaldo Bastos, em seu depoimento54, confirma nossa teoria:

O núcleo do que eu chamo o Clube da Esquina eram jovens compositores, instrumentistas, que se reuniram em torno do amor àquela música, que uniram em torno de uma figura catalisadora, chamada Milton Nascimento. O Bituca, pra quem não conhece, é uma pessoa que, se chegar aqui agora, vai ser impossível não prestar atenção nele. Ele tem uma coisa assim. Quando eu o conheci, nessas noites que eu falei antes, eu fui numa festa com ele em que todo mundo falava dele e ninguém o conhecia. Era uma festa na casa do maestro Erlon Chaves, onde estavam o Dori Caymmi, o Edu Lobo, Francis, várias pessoas da música, todos aqueles caras… Na hora que ele começou a tocar, as pessoas ficaram paradas, porque era uma música que a gente ficava apaixonado por ela. Então, o Clube da Esquina é uma coisa reunida em torno dessa música, desse cara e da força dele. E a partir daí eu acredito que ele também tenha se transformado, porque, com essa intimidade, a gente criou uma coisa que, num determinado momento, foi como se fosse uma coisa só.

Portanto, está demonstrado o quanto Milton Nascimento foi capaz de aglutinar

ao seu redor os músicos e compositores deste disco e, por possuir tal característica,

foi o responsável, mesmo que indiretamente, por trazer a sonoridade “beatle” ao

disco.

O depoimento do próprio Milton Nascimento55 também nos serve como

parâmetro para analisarmos as questões apresentadas:

Eu tinha um negócio, que eu pegava a sanfona e a gaita, sentava na frente da varanda, punha a sanfona perto do meu pé, a gaita no joelho e ficava tocando aqueles negócios lá, do jeito que eu sabia. E uma coisa que eu nunca notei foi que o Wagner Tiso passava ali e na hora que ele via que eu estava fazendo isso ele se escondia, pra não me perturbar, e ficava lá. E ele nesta entrevista dizendo que ali ele sacou que eu seria companheiro dele

54

Ibid. 41 55

Fragmento de depoimento de Milton Nascimento extraído da Internet, vide <http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/milton-nascimento/>

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pra vida. E assim foi. Então a gente fez um conjunto vocal e no primeiro ensaio apareceu o Wagner Tiso lá, com acordeon, e eu até não queria muito não, mas tinha o Dida que é amigo meu e amigo do Wagner, e acabou o Wagner entrando pras nossas vidas. Dai a gente começou a fazer as coisas juntos. E aí tinha o movimento da bossa nova, tinha o do rock-n’-roll, tinha coisa acontecendo adoidado, tango e tudo que tinha. E quando começou a bossa nova, a gente pegava as músicas pelo rádio, e aí tinha a cantora, que era a Tereza Sacho. E ela, quando começava uma música que a gente estava gostando, pegava a caneta e ia escrevendo a letra do jeito que dava, ou eu também. E eu e Wagner íamos pegando a melodia, porque a harmonia era a coisa mais difícil de se ouvir, porque o rádio era muito ruim. (...) todo lugar, antes, que eu ia, o pessoal perguntava: “qual é estilo a tua música?” Eu nunca soube que estilo que era, porque era samba? era mas não era, era jazz? era mas não era, era rock? era mas não era. Aí, quando eu fui a primeira vez que eu fui na Dinamarca, tinha lá o cartaz do festival de jazz, não sei quê, então, tinha lá, por exemplo, Miles Davis, jazz, Fulano de Tal, rythm and blues, Milton Nascimento, Milton. (risos) Por falar em rock, eu tenho uma boa pra contar. Uma vez o Jim Capaldi veio aqui no Brasil e aí o pessoal da imprensa perguntou pra ele o que ele curtia de rock aqui no Brasil. Aí, ele falou: “Milton Nascimento.” Aí o pessoal começou a rir e falaram: “olha, mas Milton Nascimento não é rock.” Aí ele falou assim: ” Pois então vocês não entendem nada de rock.”

O depoimento acima é muito esclarecedor: Milton Nascimento utilizou para

construir sua própria arte de todas as tendências que surgiam, ao ponto que não se

conseguia mais discernir sobre qual a tipificação a ser dada para seu trabalho.

Bituca aglutinou não só pessoas em torno de si, mas, da mesma forma, fundiu

inúmeras tendências musicais, como o jazz, a bossa nova e, mas especificamente, o

rock à sonoridade que procurava assumir, o que, a nosso ver, torna sua obra ímpar.

Concluímos então que a mistura de tendências musicais, encabeçada por

Milton Nascimento, gerou um impacto imediato na sonoridade da obra que é objeto

de estudo neste trabalho. Muito mais que isso, tratava de temas recorrentes, como a

própria ditadura militar e, além disso, abria espaço para as influências advindas do

rock britânico, mais especificamente os Beatles.

Como dissemos no tópico anterior, o “cais” veio até a “esquina”. E a

“esquina”, como veremos a seguir, através de um movimento extremamente

dialético, “embebeu-se” de “cais” e se transformou em algo novo.

Uma In(con)fluência

Influência: autoridade política ou intelectual adquirida por um país, uma cultura, um movimento de ideias, numa dada época e num dado lugar

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Confluência: fato de haver coincidência de (duas ou mais coisas); convergência, encontro; fato de se convergirem (dois ou mais cursos de água, geleiras ou correntes marinhas); convergência

Conforme percebemos no abordado até aqui os Beatles estavam presentes

no trabalho do Clube da Esquina de 1972, através da adição de Lô Borges e Beto

Guedes ao grupo mineiro, que se caracterizavam como “beatlemaníacos” naquele

período.

Vimos também que os Beatles exerceram influência sobre os dois músicos

através do cinema, fator que consideramos preponderante, como instrumento de

propulsão na transformação dos quatro músicos ingleses em figuras icônicas.

Além disso, percebemos que a música possui um caráter que nos permite

desvendar através de diversos aspectos as mudanças sociais, culturais econômicas

e políticas de determinado período histórico, como demonstramos até então.

Quanto ao Brasil, destacamos que os músicos do Clube da Esquina

experimentaram quando da produção do disco uma transição de uma incipiência à

uma sofisticação do que chamamos de Indústria Cultural, além de verificarmos que a

música do grupo, apesar de não possuir um “engajamento” propriamente dito estava

inserida completamente no contexto histórico do período, onde vivíamos a ditadura

civil-militar.

Destacamos também algumas notícias da Revista “O Cruzeiro”, que nos

permitiram analisar tanto a expectativa criada em torno do lançamento do disco

quanto a impressão causada pela obra fonográfica.

Milton Nascimento, o Bituca, através de uma característica que lhe é inerente

de identificar os talentos das pessoas, conseguiu unir diversos músicos, cada um

com uma característica completamente diferente, com uma sonoridade

completamente diferente, para elaborar algo novo.

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Para concluirmos o presente trabalho, nos utilizaremos de mais dois

fragmentos de depoimentos de dois dos músicos: Toninho Horta e Lô Borges.

Conosco, Toninho Horta56:

Foi uma coisa muito livre, e acho que resultou numa coisa muito original. Tem músicas que o Beto toca bateria, tem outra que outro está no teclado. O “Clube da Esquina” foi uma felicidade total. O repertório todo de alto nível musical, e com aquela pulsação da juventude, que na época todo mundo estava aí com vinte e poucos anos. O Lô e o Beto com a influência do rock, de Beatles e sei lá quem mais, Rolling Stones; a parte do pop rock que eu peguei, James Taylor, mais light, Emerson, Lake and Palmer, Creem, aquelas bandas, Almond Brothers. Eu venho de uma escola mais jazzística, de harmonia. O Wagner já vem da escola erudita, com a mãe dele. Nivaldo Ornellas já vem com a coisa meio barroco mineiro. O Milton com o negócio do canto, aquelas coisas modais. A junção disso tudo é que foi a riqueza do “Clube da Esquina”. E feliz do Milton, e de nós todos, de ele realmente ter sacado as pessoas naquela época.Esse disco pra mim é um marco da música brasileira. O “Clube da Esquina”, mais que o “Tropicália”, é uma revolução musical. O tropicalismo é coisa mais da estética, da letra, da revolução de costume, porque eles colocaram guitarras na música popular brasileira. Os baianos, como os cariocas ou o pessoal que vive nas praias, têm muito mais oratória, mais descontração. E o mineiro é aquela coisa contida, meio arredia. Mas a potencialidade musical que cada um tinha era absurda. O tempo provou que depois dos primórdios da música brasileira, da época de ouro, Lamartine, Ary Barroso, Ismael Silva e todos aqueles grandes craques da época de ouro, e depois da bossa nova, que foi uma revolução já, uma coisa harmônica, um pouco influenciada pela harmonia européia com balanço de João Donato, e também de uns compositores importantes ali entre o samba de raiz da época de ouro e a bossa nova, depois disso, com certeza, está o Clube da Esquina. A história provou que musicalmente foi uma revolução da harmonia, da melodia.

Como percebemos no depoimento acima, que nos ajudará na finalização

deste artigo, podemos chegar à conclusão de que a sonoridade do disco ganhou

uma característica mais apurada musicalmente devido à junção de diversos estilos e

tendências musicais. E Milton Nascimento, percebendo cada um dos estilos, os

trouxe para perto. A melodia das músicas traz uma fusão.

Lô Borges já nos diz que57:

(...) o disco Clube da Esquina foi um momento de grande criação do Milton, ele estava numa fase muito criativa, eu, iniciando a minha fase de compositor, estava numa fase super criativa também. Eu estava muito criativo naquele momento e eu acho que o grande barato desse disco, o que chamou atenção desse disco até no mundo inteiro, etc e tal, foi exatamente essa mistura. (...) acho que a grande coisa desse disco é exatamente a mistura das músicas do Milton, que é ligado à africanidade, ao samba, ao jazz, às coisas do próprio Milton mesmo, com as minhas músicas que traziam uma outra influência, aquela influência dos Beatles, que era outra coisa. Então, essa mistura das minhas músicas, que tem uma

56

Idem 50 57

Ibid. 33

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origem de outras influências, de outras coisas, com as músicas do Bituca, que são outras referências também. Esse casamento da música do Milton Nascimento com a música do Lô é que deu a liga pro disco ser uma coisa diferente do que se fazia, entendeu?(...) Essa mistura é que fez a graça do disco. (...) na verdade as minhas canções não são canções assim baseadas nos Beatles, são canções, a coisa brasileira, porque eu sou um brasileiro, são as coisas brasileiras, mas com um sotaque, mas com uma história ligada um pouco ao rock britânico, esse tipo de coisa. Por exemplo, o Tom Jobim teve essa sensibilidade de gostar do “Trem Azul” e gravar o “Trem Azul”, que é uma balada feita de palheta, uma balada meio na levada de Beatles, mas se você vai olhar a harmonia dela, a harmonia dela é brasileira, ela é brasileira, entendeu? Então, isso eu acho legal da minha contribuição nesse álbum, não é? Foi trazer a mistura das coisas brasileiras que me comoviam, que eu já citei Chico Buarque, Tropicália, Jovem Guarda, todas essas coisas misturadas com as coisas dos Beatles, porque nós éramos aficionados pelos Beatles, e aí o disco virou uma coisa, virou um álbum interessante, que você escuta até hoje. É uma coisa interessante que esse mix da música do Milton Nascimento com a música do Lô Borges, eu acho isso fundamental pra que o álbum tenha se tornado algo original.

A característica mais importante que destacamos neste depoimento é a fusão

das tendências musicais. Como o próprio Lô Borges diz acima, não significa que

pelo fato de ser “beatlemaníaco” ele “copiava” as músicas do quarteto inglês. Muito

pelo contrário, utilizava-se desta influência para criar algo totalmente novo, pois

possuía outras influências na música. E este é o ponto nodal de toda a nossa

discussão.

Antes de concluirmos, cabe-nos aqui frisar que ainda há muitas

características sobre o assunto a ser aprofundadas sobre o assunto aqui abordado,

como a análise de índices de vendagem do disco, a fim de determinarmos o alcance

da obra fonográfica, além de utilizarmos de mais fontes no que se refere ao impacto

do disco perante à chamada crítica especializada. Percebemos da mesma forma, na

audição do disco, uma sonoridade muito semelhante à dos Beatles em algumas

músicas, especificamente em “Cais” e em “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, o

que nos leva a crer que uma análise mais aprofundada da linguagem musical pode

ser interessante para um aprimoramento desta pesquisa.

Os próprios depoimentos, tanto dos Beatles quanto dos membros do Clube da

Esquina, merecem uma análise igualmente mais aprofundada, a fim de ressaltarmos

outras características que podem enriquecer a pesquisa realizada.

Em suma, concluindo nossas discussões, temos que os Beatles exerceram

não só uma influência sobre o grupo, mas se constituíram em uma confluência.

Como procuramos demonstrar no início destas considerações finais, ocorreu uma

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convergência artística. Utilizando-nos de uma metáfora, ocorreu um encontro de dois

rios num mesmo ponto.

No início do trabalho, trouxemos para reflexão as músicas “Cais”, de autoria

de Milton e Fernando Brant e “Penny Lane”, de John Lennon e Paul McCartney. É

nesse ponto que chegamos ao final de nossa discussão: o “cais”, representado pelo

quarteto de Liverpool, criou novas formas de sonoridade em sua obra, auxiliou na

transformação do “rock” em arte e a “esquina”, representada pelos músicos que

estudamos até aqui, não só assimilou aquela sonoridade, mas a transformou,

através de elementos de brasilidade, de africanidade, do jazz, entre outros. Dois rios

se encontraram num mesmo ponto e, partindo do “cais”, a “esquina” inspirou-se,

viajando pelo seu “trem azul” com “o sol na cabeça” trazendo-nos algo novo de lá,

restando-nos concluir que, absolutamente, depois disso, “nada será como antes”.

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FRIEDLANDER, Paul “Rock and Roll: uma história social”, 7ª Edição – Rio de

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FONTES

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<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/beto-guedes/>

Depoimento de Fernando Brant extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/fernando-brant/>

Depoimento de Lô Borges extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/lo-borges/>

Depoimento de Milton Nascimento extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/milton-nascimento/>

Depoimento de Ronaldo Bastos extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/ronaldo-bastos/>

Depoimento de Toninho Horta extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/toninho-horta/>

Depoimento de Wagner Tiso extraído da Internet, vide

<http://www.museuclubedaesquina.org.br/museu/depoimentos/wagner-tiso/>

Revista “O Cruzeiro”, novembro de 1971, acervo da Biblioteca Mário de Andrade.

Revista “O Cruzeiro”, 12/04/1972, acervo da Biblioteca Mário de Andrade.

Revista “O Cruzeiro”, 03/05/1972, acervo da Biblioteca Mário de Andrade.