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Page 1: Do indício ao índice ou da fotografia ao museu · gauloise uma história natural, uma lenda, um folclore. ... Renascença.10 Para além do fato de se tratar ali de uma ilusão

O que se viu...? Mas o que não se viu...? Umsonho quase no chão. Uma nota verdadeira decinco francos na redoma e as moedas maisrecentes, tudo que há no seu bolso, mas,emoldurado, encravado, estendido sobre veludode algodão acolchoado, etiquetado com letrascursivas en bâtarde1 e arredondadas. Diplomas,menções honrosas pela criação de pássarosdomésticos. Um segundo prêmio dos gatos derua, um primeiro prêmio de patos de Barbarie.Dois vasos sanitários de porcelana paralelos,brancos com fundo azul, motivos de flor efolhagem, com uma cabana romântica. Um deusMarte muito parecido, em falso bronze artístico,“artigo impecável para presente de festa”,carregando uma etiqueta presa a seu pescoçocomo uma caixa de carteiro: “À nossa queridaMadrinha, seus três gratos afilhados”. Umcoelho empalhado extremamente instrutivo.Um tamanco de madeira, soldados de chumbodo período entre as guerras. Um busto recentede Temístocles. Um carregador com seu tricicloem ferro branco e a chave para lhe dar corda,comprados na Samaritaine. Fuzis (alguns muitobonitos) e uma “ocarina”2 com a qual (a etiquetalembra discretamente) um soldado belga, em1918, tocava a “Brabançonne”.3 Uma outra,“esculpida na época”, pelo “pobre papai” dessasdonzelas e que Ramuz4 admirou bastante.Todos os tipos de patos vindos de lagosvizinhos. Uma cabeça de peru empalhada comocabide, levemente pretensiosa, com um

pescoço bastante granuloso, que repugna comouma doença. Fuinhas. Um pavão. O retrato deVercingétorix (época gaulesa) e aquele feito porAmédée (Napoleão III demais). Nas vigas,enfim, dois fetiches folclóricos que intimidam eintrigam pelo mistério inumano de seus olhosem roseta e que parecem pertencer a umquarto reino da natureza. Acreditamos primeiroque são máscaras negras, depois, cabides.Finalmente, analisando, adivinhamos cabeças decabras, mas tão infantilmente pintadas emodeladas, que poderíamos tomá-las porcabeças de cobras, esverdeadas, oceladas,5 comesses olhos que eu disse. Duas serpentes pítoncom barba e dois chifres de camurça. Éimpressionante. Há, além disso, uma cabeça decabra verdadeira envelhecida funcionando comocabide. Ela tem o pêlo tão surrado, o ar tãovivo, que tememos que ela mastigue seu chapéusobre a cabeça. Enfim, numa sala separada,dentro de um santuário mais íntimo, ovos depássaros, alguns paramentos e as obras de HenriPourrat. Nada agita mais o cérebro peloinesperado do espetáculo e a gratuidade dosurpreendente.

Assim se apresenta em Marsac o museu dassenhoritas de Comte, duas irmãs que “otornaram realidade, ao legar – por ocasião desuas mortes – seu mobiliário posto em vitrinasnuma sala do primeiro andar de sua casa”. Aomenos o escritor Alexandre Vialette assim odescrevia em uma crônica de 1952.6

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Do indício ao índice ouda fotografia ao museu

D a n i e l S o u t i f

O artigo aborda a relação entre a fotografia e o museu no instante comum donascimento de ambos, afirmando que os dois partilham de um mesmo estatuto

ontológico, aquele da mercadoria, tal como anunciado desde meados do século 19.A partir daí o autor faz uma leitura da condição indicial inerente e inelutável de

uma e outro.

Fotogra f ia , museu, expos ições , índ ice .

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O que se viu? O que não se viu? Nada. Tudo.Como você quiser. Não importa o que seja, emsuma. Isto é, como o escritor-cronista o explicacom toda clarividência: “Um Museu de museu.O Museu do museu em si. O Museu da idéiade museu”, ou seja, “a transfiguração doobjeto pela vitrina”. Como prova, umahipótese exemplar:

PPeegguuee uumm cciiggaarrrroo GGaauullooiissee,, ddeeiittee--oo ssoobbrreevveelluuddoo ddee aallggooddããoo aaccoollcchhooaaddoo,, ccuubbrraa ccoommuumm vviiddrroo,, eeiiss sseeuu cciiggaarrrroo ddiissttaannttee ee gglloorriioossoo..VVooccêê ccrriioouu uumm mmiissttéérriioo.. CCoomm uummaa aauurrééoollaa..SSeeuuss vviissiittaanntteess aacchhaarrããoo llooggoo ppaarraa sseeuuggaauullooiissee uummaa hhiissttóórriiaa nnaattuurraall,, uummaa lleennddaa,,uumm ffoollcclloorree.. EElleess vvããoo ddeessccoobbrrii--llaa.. MMeellhhoorr,,vvããoo iinnvveennttáá--llaa.. NNaasscceerrããoo ddííssttiiccooss iinnssttrruuttiivvoossee vvaappoorreess ddee ddeeffuummaaddoorr.. VVooccêê ccrriioouu uummaappooeessiiaa.. EE iirráá iinnssppiirraarr uummaa eeppooppééiiaa..7

Eu não sei se o museu das irmãs Comte honraefetivamente a pequena cidade de Marsac porconta de seu bazar heteróclito ou se ele sóexiste na imaginação de Alexandre Vialette. Maspouco importa, já que, real ou apenasimaginário, ele demarca de maneiraextremamente eficaz a idéia de museu. Melhor,ele sublinha idealmente o parentesco dessa idéiacom um outro procedimento de fratura e dedistanciamento do real: a fotografia,naturalmente. Notas de cinco francos, moedas,vasos sanitários de porcelana, coelhoempalhado, tamanco de madeira, busto deTemístocles, entregador em ferro branco, fuzis,“ocarina”, fuinhas, pavão, retrato deVercingétorix ou de Amédée, ovos de pássaros,paramentos, tudo isso poderia ter sido extraídode outro modo de seu tempo, ter sidoconservado de outro modo na desordem, nãona vitrina, mas sobre papel, fotografado, emsuma. O catálogo levantado por Vialatte, então,não seria mais aquele de um “Museu doObjeto Qualquer”, mas a lista de legendasapropriadas de um lote de fotografiasencontrado. Toda coleção fotográfica domuseu, não é, aliás, outra coisa senão, comoescreveu Jean-Marie Schaeffer,

sseemmpprree eemm ppaarrttee uummaa ccoolleeççããoo ddee oobbjjeettoosseennccoonnttrraaddooss aaoo llaaddoo ddee iimmaaggeennss qquuee ssããoooobbrraass ddee ffoottóóggrraaffooss qquuee ssee ccoonnssiiddeerraammccrriiaaddoorreess ddee vvaalloorreess eessttééttiiccooss,, eennccoonnttrraammoossaallii ffoottooss ddee rreeppoorrttaaggeemm,, cclliicchhêêss cciieennttííffiiccooss,,rreettrraattooss ddee áállbbuunnss ddee ffaammíílliiaa,, iimmaaggeennssddooccuummeennttaaiiss,, eettcc..??8

É que, antes de se tornar ela mesma objetomuseificável, a fotografia, assim como o museu,conserva. Ou melhor, sob um certo aspecto, elafunda a própria idéia de conservação, isto é,aquela de museu. Sem a fotografia, sem ointeresse conferido pela fotografia ao maismodesto dos detritos, como ao mais anônimodos humanos, podemos apostar que um museucomo esse das irmãs Comte jamais teria nascidoem qualquer lugar, seja ele Marsac ou aimaginação de um escritor inspirado.

Apesar de Marcel Duchamp, apesar dassenhoritas Comte, no fim de contas, é muitorecente a entrada maciça de não-importa-o-quê no museu sob as espécies de Pop Art, deNouveau Réalisme ou da Arte Povera, paracitar apenas algumas correntes artísticasfamosas. Até o início dos anos 60, os museusnão acolhiam efetivamente, salvo rarasexceções – em especial, objetos surrealistas –,senão produtos das belas artes, desviados,talvez, mas identificáveis, contudo, ainda comorelevantes de categorias tradicionais, isto é,como pinturas ou esculturas.

Desde a época de sua invenção por Niepce,Daguerre e Fox Talbot, isto é, no mais tardar1839, a fotografia absorveu por sua vez, talveztotalmente inconsciente, em todo caso, comabsoluta tranqüilidade, aquele não-importa-o-quê cujo paradigma se exibe, fora de todométodo, nas senhoritas Comte de AlexandreVialatte. Não teríamos desde os primeirosensaios do procedimento fotográfico, tudofotografado? A primeira fotografia da históriamostra, por volta de 1826, aquilo queNicéphore Niepce via de sua janela, nem mais,nem menos. Hoje perdida, outra fotografiaatribuída a Niepce conservava a imagem de umamesa posta. Desde 1839, ano da revelação doprocedimento ao público, pela célebrecomunicação de Arago à Academia de Ciênciasde Paris, Daguerre imortaliza sobre uma de suasplacas uma simples coleção de conchas.Reportemo-nos igualmente ao primeiro livro defotografias publicado, o célebre The Pencil ofNature, de Fox Talbot. Já encontraremos aí umaconfirmação ampla da fantástica ductilidade oudisponibilidade da invenção, ainda, contudo, naprimeira infância. Certamente destinadas mais ailustrar as maravilhosas propriedades da novatécnica do que os temas representados, aspranchas reunidas por Fox Talbot surpreendemtambém por seu caráter heteróclito. Assim, àprancha que mostra uma vista dos bulevares de

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Paris, sucedem duas outras que fazem ver,organizados sobre as prateleiras, os Articles ofChina e os Articles of Glass.9 A essas duasimagens segue aquela do busto, não mais deTemístocles como os das irmãs Comte, mas ode Pátroclo, e deste último se passa semtransição para a famosa fotografia intitulada TheOpen Door, cuja personagem principal não éoutra coisa senão uma modesta vassoura queem nada estava predestinada à semelhanteglória histórica. Seguem-se imediatamente afotografia de uma folha de planta, depois aquelade duas prateleiras carregadas de livros. Inútilinsistir, visto que outra fotografia, tirada nomesmo ano da divulgação do processo porArago, fecha, quase explicitamente, o museuna fotografia. O que mostra essa imagem tiradapor Hippolyte Bayard? Uma meia dúzia deestátuas de gesso ou, em suma, um pequenomuseu em imagem...

Recentemente quisemos estabelecer que a visãofotográfica já estava em gestação em uma certapintura, mais ou menos menor, nascida no finaldo século 18, e que, assim, a fotografia não teriainstaurado nenhuma ruptura profunda na históriadas formas de representação pictórica origináriasda invenção da perspectiva no princípio daRenascença.10 Para além do fato de se tratar alide uma ilusão retrospectiva análoga àquelaque, em geral, funda o conceito de precursor –o qual supõe que aquilo, que só depoissabemos que veio antes, veiculava, em seutempo, um sentido descoberto apenasulteriormente11 –, esse ponto de vista sobre afotografia tem evidentemente como falhaprivilegiar a relação da fotografia com a câmaraescura, isto é, a parte ótica ou geométrica eperspectiva do procedimento, à custa de suadimensão de impressão fotoquímica, nãomenos essencial, todavia. O mais grave, essainterpretação oblitera precisamente o fatoainda mais fundamental, uma vez que eledistingue radicalmente a fotografia de seusprecedentes pictóricos, de que tudo, quer dizer,não-importa-o-quê é suscetível de se tornar otema de uma fotografia.

Mais judiciosamente, desde que o WalterBenjamin de “A obra de arte na era de suareprodutibilidade técnica” se tornou – de formajusta – uma das referências obrigatórias dareflexão teórica relativa tanto à arte como àfotografia, tem-se com regularidade destacado areprodutibilidade da fotografia para opô-la àunicidade das imagens pintadas. O parentesco

da fotografia com a mercadoria industrial e serialconstitui assim um dos topoi, dificilmentecontornável, de toda reflexão sobre o tema. Poroutro lado, temos observado mais raramente,que, se a fotografia é de fato reprodutível, outrapropriedade não menos notável de seu regimede funcionamento é a proliferação sem limite deseus temas. Não só qualquer pessoa podefotografar, mas, além disso, tudo pode serfotografado, sem reserva, com a condição,claro, de que certas condições técnicas, aliás,incessantemente recuadas, sejam respeitadas.Nesse sentido, um só medium, a escrita, écomparável à fotografia, que merece, pois,perfeitamente seu nome de “grafia” luminosa.12

Qualquer que seja essa analogia, então, sórestam dos astros até a vassoura de Fox Talbot,passando para uma gota de leite flutuante noespaço ou pelas estátuas de Hippolyte Bayard,tudo aquilo que é suscetível de emitir ou derefletir um feixe de raios luminosos na direçãode uma superfície sensível, poderá deixar umaimpressão fotográfica identificável como tal.Certamente, tudo não podia ainda serfotografado, certas coisas talvez jamaispoderão, mas, de agora em diante, milhões deobjetos possuem suas representaçõesfotográficas, e a todo momento a fotografiaproduz a mesma fratura no tecido do real, omesmo distanciamento, literalmente,revelador: fotografado, o tema da fotografia éipso facto transformado em objeto e, comoescreve Roland Barthes sobre o retratofotográfico, “até mesmo, se pudermos dizer,em objeto de museu”.13

Basta dizer que seria completamente legítimoparafrasear a passagem de Vialatte citada maisacima, substituindo a vitrina do museu pelafotografia: “Pegue um gauloise... Uma vezfotografado, eis seu cigarro distante e glorioso.Você criou um mistério. Com uma auréola...”Inútil precisar que essa paráfrase não faz mais doque reforçar a legenda de uma fotografia jáexistente. Para citar apenas um exemplo, não foipara repousá-la sobre papel fotográfico queMarcel Duchamp tirou de sua própria veste depapel sua Cigarette de 1936?

Afora o museu imaginário de André Malraux,que visou pura e simplesmente à abolição dasparedes do museu – Museum without walls(Museu sem paredes), informa a traduçãoamericana para o título da obra de Malraux –em favor de sua substituição pelo papelfotográfico, a conjunção da instância museal e da

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instância fotográfica já foi assinalada muitas vezescom maior ou menor clareza. Assim, em umartigo intitulado On the Museum´s Ruins,Douglas Crimp fundava uma análise pós-modernista da noção de museu sobre umainteressante referência às diversas obras deRauschenberg que recorrem às fotografiasserigrafadas. Aproximando o museu de diversasinstituições de exclusão e de confinamento, oasilo, a clínica e a prisão, estudados por MichelFoucault, Crimp as associa por outro lado, àfotografia, ou “talvez mais precisamente” ao “usorepressivo e seletivo da fotografia”, museu efotografia constituindo assim juntos “asprecondições do discurso que nós chamamosde arte moderna”.

Combinando como que ao acaso fotografiasem diversas obras no início dos anos 60,Rauschenberg teria desconstruído essaligação de “precondições” implícita nodiscurso do museu. Mais precisamente, é aoexibir na superfície de suas telas o predicadocomum ao museu e à fotografia queRauschenberg, segundo Crimp, efetuariaessa desconstrução tipicamente pós-modernista. Esse predicado comum tem umnome: heterogeneidade absoluta. Comefeito, se acreditarmos em Crimp,

[[EEssssaa]] aabbssoolluuttaa hheetteerrooggeenneeiiddaaddee,, qquuee éé ooccaammppoo ddiivviiddiiddoo ppeelloo mmuusseeuu ee ppeellaaffoottooggrraaffiiaa,, éé eesstteennddiiddaa ssoobbrree aa ssuuppeerrffíícciiee ddeeccaaddaa oobbrraa ddee RRaauusscchheennbbeerrgg.. MMaaiissiimmppoorrttaannttee,, eellaa ssee aammpplliiaa aa ccaaddaa oobbrraa..

Assim, “o sonho de Malraux” se teria tornado,sempre segundo os termos de Crimp, “ogracejo de Rauschenberg”.14

Certamente não falta pertinência a essa análise,e, sobretudo, ela tem o imenso mérito decolocar em evidência um ponto essencial àinteligência da modernidade. No entanto, falta-lhe uma dimensão fundamental. Se aheterogeneidade absoluta é, de fato, umpredicado partilhado pelos universos respectivosque constituem o museu e a fotografia, essepredicado no fim das contas não constitui maisdo que um sintoma, e não uma causa. Assinalare nomear esse sintoma é um passoconsiderável, o problema é que a suainterpretação não permanece menos completa.Em outras palavras, a questão que convémagora colocar é aquela, tanto teórica comohistórica, da natureza exata das relaçõeshomológicas (ou não) que, fundando o

parentesco de fotografia e museu, sãosuscetíveis de explicar a heterogeneidadecomum àquilo que ambos expõem.

Uma das vias desse problema foi largamentedesobstruída, uma vez que a fotografia foi desdeentão objeto de numerosos estudos quetouxeram à tona seus traços maisfundamentais.15 A este respeito, nós noscontentaremos, pois, em lembrar ou precisarcertos pontos para as conclusões necessárias àanálise. Ao contrário, em se tratando do museu,ainda que os estudos históricos sejamnumerosos, o ponto crucial que permiteinterpretar o parentesco de museu e fotografianão parece ter sido percebido ainda com amesma clareza, mesmo que algumas vezes setenha aproximado bastante dele.16 Digamos,para resumir em poucas palavras essa situação eindicar já o sentido da proposta que será feitaaqui, que, se desde então se tornou comumconsiderar as fotografias a um só tempo ícones,indícios e índices, não se tentou ainda analisar ainstituição museal com a ajuda desses mesmosinstrumentos conceituais cuja origem está paraser procurada nos trabalhos semióticos deCharles S. Peirce. Se isso tivesse sido feito,teríamos evidentemente concluído que o museunão pertence nem à classe dos ícones, nemàquela dos indícios, mas, ao contrário, salientamuito claramente aquela dos índices.

Para começar, voltemos, então, ao significadodos termos “ícone”, “indício” e ”índice”[“icône”,“indice”, “index”].17 Segundo a definição clássicade Peirce, o ícone remete a seu objeto emvirtude de sua semelhança com ele, o quesignifica que certas propriedades do íconedevem corresponder homologicamente a certaspropriedades do mesmo objeto. Imagens,diagramas, fórmulas lógicas ou algébricas,metáforas podem, assim, ser consideradas, atítulos e graus diversos, icônicas. Em seu limite,o ícone perfeito de um objeto dado é o próprioobjeto, mas, nesse caso, a iconicidadepropriamente dita se dissolve, e então podemosconcluir desse limite que o ícone deve aomenos sob algumas configurações diferir de seuobjeto, sob o risco de não se confundir com elee desaparecer enquanto ícone. Que asfotografias sejam, assim como as pinturasfigurativas, ícones, é indubitável, mas essa não éa sua qualidade primeira. Assim comonumerosos autores sublinharam, a iconicidadefotográfica – que não é necessariamenteevidente, uma vez que numerosas fotografias,

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detalhes tirados do conjunto, por exemplo, nãodeixam adivinhar automatica ou imediatamentede quais objetos elas são representação – é umefeito do processo ao mesmo tempogeométrico e físico-químico que gera aimagem fotográfica. Impressão da luz emitidaou enviada por um objeto sobre umasuperfície fotossensível, a fotografia, comefeito, pertence em primeiro lugar a outraclasse de signos, que Peirce distinguiu tantodos ícones quanto dos símbolos.

No que concerne a essa classe de signos quecompreende a um só tempo os indícios [indices]e os índices [index], é necessário, entretanto,tomar cuidado para evitar – o que é essencialaqui – a confusão, de fato bem mais grave,entre dois termos, duas subclasses bem distintasque a compõem. Essa confusão, infelizmentecorrente, encontra sua origem, é verdade, nospróprios escritos de Peirce. Ele, com efeito,utilizava uma só palavra – a palavra inglesa index– para designar tanto os índices no sentidopróprio do termo quanto os indícios. SegundoPeirce, um índice é

uumm ssiiggnnoo oouu uummaa rreepprreesseennttaaççããoo qquueerreemmeettee aa sseeuu oobbjjeettoo nnããoo ttaannttoo ppoorrqquuee tteemmqquuaallqquueerr ssiimmiillaarriiddaaddee oouu aannaallooggiiaa ccoomm eelleenneemm ppoorrqquuee sseejjaa aassssoocciiaaddoo ààssccaarraacctteerrííssttiiccaass ggeerraaiiss ddee qquuee eessssee oobbjjeettoo sseeaacchhaa ppoossssuuííddoo,, mmaass ppoorrqquuee eessttáá eemmccoonneexxããoo ddiinnââmmiiccaa ((aaqquuii ccoommpprreeeennddiiddaaccoommoo eessppaacciiaall)) ccoomm oo oobbjjeettoo iinnddiivviidduuaall,, ddeeuummaa ppaarrttee,, ee,, ddee oouuttrraa,, ccoomm ooss sseennttiiddooss oouuaa mmeemmóórriiaa ddaa ppeessssooaa ppaarraa aa qquuaall eellee sseerrvveeddee ssiiggnnoo..18

Se certos exemplos citados por Peirce –baromêtro baixo e ar úmido como sinal dechuva, cata-vento como sinal da direção dovento – implicam uma relação causal entre oque ele chama de objeto do signo e o signoem si, outros, a começar pelo indicador (odedo) apontado para indicar um objeto ouuma direção, supõem ao contrário umasimples relação espacial. Umberto Eco estábem fundamentado ao sublinhar aambigüidade do conceito de índice no sentidode Peirce. Trata-se, como pergunta Eco, deum “signo que tem com o objeto indicadouma conexão de contigüidade física (o dedoapontado) ou uma conexão causal (a fumaçaproduzida pelo fogo)”?19

A pergunta é muito importante, em particular noque nos interessa aqui, pois que em um

determinado caso – a contigüidade espacial –, apresença do objeto indicado é requerida,enquanto em outro – a relação causal –, ésobretudo sua ausência que está em questão:claro, assim que visível, o fogo não precisa maisser sinalizado pela fumaça. Como conseqüência,Eco propõe-se a nomear como vetores deatenção os signos do primeiro tipo cujo “papelconsiste em assinalar que a atenção doDestinatário deve ser fixada sobre um objeto ouuma situação particular”.20

Seria não menos simples e mais conforme àlógica da língua reservar a esses “vetores deatenção” o nome de “índice” e nomear“indícios” os signos ou as representaçõesresultantes de uma relação causal com seuobjeto. Essa solução característica também seráadotada aqui.

A distinção é, em todo caso, tão importante,que os dois termos se aplicam, de dois pontosde vistas diferentes, em relação à fotografia,enquanto só um dos dois vale para o museu.Na qualidade de impressão, a fotografia éevidentemente indicial [indicielle]. Toda imagemfotográfica é – a coisa é bem conhecida – oefeito, no sentido determinista do termo,daquilo que, por outros caminhos, ela mostra,isto é, se preferirmos, daquilo que ela é tambémo ícone. É inclusive a natureza particular daestrutura causal própria à fotografia, sua archè,para retomar a expressão judiciosa de Jean-Marie Schaeffer,21 que condena a fotografia àiconicidade. Sendo cada partícula da superfíciefotográfica regulada geometrica e físico-quimicamente pelo objeto fotografado, essasuperfície toda não pode deixar de manter umarelação de homologia, ela mesma regulada porpelo menos uma parte desse objeto do qual elaserá, assim, necessariamente o ícone. Podendooutros tipos de estruturas causais gerar outrostipos de indícios, segue-se naturalmente quetodos os indícios não estão, a exemplo dafotografia, condenados à iconicidade; assim, afumaça não é ícone do fogo, não menos do queo sintoma geral não é aquele da doença. Ícone,portanto, por ser indício de um tipo particular, afotografia é, inversamente, índice – ou antes,como veremos, “quase-índice” – porque ela éícone. Em outros termos, sendo tudo o efeitodaquilo do que ela é imagem, a fotografia apontasimultaneamente com o dedo para aquilo queela mostra assim automaticamente comoimagem. Sem dúvida, o objeto, como exige aaplicação da função indicadora [indicielle] à

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fotografia, está certamente ausente do campoque lhe é próprio, mas simultaneamente está alipresente, ou antes, quase presente, apresentadase quisermos, uma vez que sua imagem éoferecida ao olhar, ou melhor, dada a ver comocomportando um interesse ao menos suficientepara ter dado lugar a uma fotografia. Uma vezque somente o objeto propriamente dito, emcarne e osso, pode ser considerado a causa dafotografia, é a combinação, portanto, de suaausência real com sua quase presença icônicaque permite considerar a fotografia a um sótempo indicial e (quase) indiciável / (quase)indicializável [indicielle et (quasi-) indexicale].Essa combinação constante não deve,entretanto, conduzir, como acontecefreqüentemente, à confusão ou, ao menos àindistinção dessas duas funções.

Se nos voltamos agora para o lado do museu,perceberemos não menos claramente que anatureza de seu funcionamento leva a colocá-lona classe dos índices, e apenas nessa, ao menosse quisermos permanecer nas três classes postasantes em jogo. Além disso, um museu pode sercertamente considerado um símbolo de poder,de autoridade, ou simplesmente de riqueza, masjamais um ícone nem um indício [indice].22 Emcontrapartida, o museu é evidentemente umvetor de atenção, isto é, um dedo apontadosobre os objetos que ele expõe, dito de outromodo, um índice. Prova – evidente – é o fatode o museu exigir a presença efetiva dos objetossobre os quais ele tem por função chamar aatenção de seus visitantes. Privado de objetospara expor, o museu perde sua função indicial[indexical] ou, ao menos, torna-se um índicevazio, ainda que não seja certo que, vazio detodo conteúdo, o museu possa por si sócontinuar a se impor como tal. O fato, aliás, éque nenhuma arquitetura especificamentemuseal foi antes necessária à constituição domuseu enquanto instituição e que todos ostipos de edifício, palácios principescos como oLouvre e o Palácio de Luxembourg, em Paris,igrejas desativadas, conventos e, hoje em dia,entrepostos industriais, garagens ou usinasdesativadas, podem ser investidos da funçãomuseal.23

Antes de examinar certas propriedades domuseu considerado enquanto índice, ocontra-exemplo constituído por umainterpretação célebre – mas, de certo modoerrônea ou aproximativa – de uma obrahistórica emblemática – o ready made

duchampiano – deveria permitir sustentar ahipótese que será adiantada.

Coube a Rosalind Krauss ter sido a primeira achamar atenção não apenas para o parentescoque liga a prática artística de Duchamp àfotografia, mas, mais especificamente, para opapel da função indicial desse parentesco. Emum artigo famoso, Notes on the Index,24 RosalindKrauss repertoriava primeiro um conjunto deprocedimentos fotográficos em diversas obrasdo artista, a começar pelo Grand Verre e,particularmente, Tu M’. Depois, apoiando-se emum texto de Duchamp que identificava o readymade a um instantâneo, ela chegava às seguintesconclusões a respeito dessas obras todasprontas roubadas da indústria:

OO ppaarraalleelloo ddoo rreeaaddyy mmaaddee ccoomm aaffoottooggrraaffiiaa éé eessttaabbeelleecciiddoo ppoorr sseeuu pprroocceessssooddee pprroodduuççããoo.. EEllee ssee ddeevvee aa uummaattrraannssppoossiiççããoo ffííssiiccaa ddee uumm oobbjjeettoo ddee sseeuuccoonnttiinnuuuumm ddaa rreeaalliiddaaddee ppaarraa aa ccoonnddiiççããooffiixxaa ddaa iimmaaggeemm ddee aarrttee ppoorr uumm mmoommeennttooddee iissoollaammeennttoo oouu sseelleeççããoo..25

Dessa similaridade, Krauss concluía que aconseqüência do ready made seria não apenas oíndice [index], mas, mais precisamente, umcomutador, isto é, um desses signos que como“aqui”, “agora”, “eu”, “tu”, etc. não têmsignificação senão por referência direta a umobjeto ou um ser realmente presente, que essessignos têm precisamente por função designarem uma situação de um dado discurso, fora daqual eles se esvaziam de conteúdo. É indubitávelque os comutadores sejam índices [index]; queos ready mades tenham algo a ver com osindícios e os índices [indices et index], nãomenos. Em contrapartida, o que é bastantediscutível é que eles sejam identificáveis aosíndices [index]. Se o ready made – por exemplo,o inevitável Fountain assinado R. Mutt – partilhacom a fotografia o procedimento de extraçãoque o recorta e o tira da fatia de real ao qual elepertencia antes da intervenção do artista, elepermanece, apesar de tudo, fisicamente omesmo, isto é, a bipolaridade – a fumaça e ofogo, o dedo apontado para o objeto indicado –característica tanto dos indícios [indices] quantodos índices [index] não é dada ipso facto pelaoperação de fratura ou extração que, como afotografia, exige todo ready made. Em seulimite, a Fountain poderia ser considerada íconede um urinol, uma vez que ela permaneceupraticamente idêntica a ele, ou ainda o indício

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[indice] de seu processo de produção industriale serial, mas certamente não um índice [index]que nesse caso apontaria para si mesmo, o que,claro, todo índice faz – voltaremos a isso –, massob a condição de apontar também para outracoisa que não seja ele, sem a qual ele não seriaum índice [index]. Basta dizer que o ready madesó começa a ter relação com a função indicial[indexicale] a partir do instante em que ele nãoapenas é tirado de seu contexto original, mas étambém colocado em outro, no qual ele seencontra indexado. Um tal contexto só poderiaser – é evidente – um lugar de exposiçãoespecificamente artístico, isto é, para ser franco,o museu, o qual, só ele, na operação, mereceser considerado indexante e análogo, senão àfotografia, ao menos ao aparelho e ao suporte –o papel – fotográficos. Em outro estudo maisrecente e desenvolvido a respeito de MarcelDuchamp e a fotografia, Krauss se aproximou,aliás, dessa conclusão, mas de outro ponto devista, posto que então escrevia:

AAoo pprroodduuzziirr aa FFoonnttaaiinnee,, ee aaoo iinnvvooccaarr aaeessttrraattééggiiaa ddoo rreeaaddyy mmaaddee,, DDuucchhaammppccoonnvveerrttiiaa oo uurriinnooll ddee sseeuu eessttaattuuttoo ddeerreepprreesseennttaannttee ddee uummaa ccllaassssee aa uummaaccoonnddiiççããoo ddee eeqqüüiiddiiddaaddee,, qquuee ééeexxcclluussiivvaammeennttee aa ddeessttee oobbjjeettoo aaqquuii.. DDeessddeeeennttããoo,, eellee nnããoo éé mmaaiiss oo ssiiggnniiffiiccaannttee aattrraavvééssddoo qquuaall uummaa ccllaassssee ssee eexxpprriimmee,, mmaass ssiimmuummaa ddeeccllaarraaççããoo ddee uunniicciiddaaddee qquuee ddeeppeennddeeddoo eeiixxoo ffííssiiccoo ddee uumm eelloo,, oo eelloo eennttrree eesstteeoobbjjeettoo pprreecciissoo ee ssuuaa bbaassee,, oo qquuaall éé eemmúúllttiimmaa iinnssttâânncciiaa oo eelloo eennttrree eessttee oobbjjeettoo eesseeuu eessppaaççoo ddee eexxppoossiiççããoo..26

Mas esse novo texto, não mais do que oprecedente, não distingue claramente entre oindício e o índice, ainda que a confusão entreestrutura indexante e objeto indexadopermaneça, senão completa, ao menos aindaativa o suficiente para que, em todo caso, semantenha bastante à margem à evidenciação dopapel do lugar de exposição na complexa

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operação de transmutação que, finalmenteconduz à constituição do ready made enquantotal. Se o ready made é, portanto, parentepróximo da fotografia, se, sem ela, eleprovavelmente teria sido inconcebível, convémobservar, entretanto, que esse parentesco passapelo meio-termo do museu. Sem o parentescodeste com aquela, isto é, sem a função indicialdo museu, produzir um ready made seria, comefeito, impossível.

Neste ponto é necessária, portanto, umaanálise de função indicial própria ao museu.Não faremos aqui mais do que esboçar algunstraços dessa lógica do índice museal. Essestraços dirão respeito (em ordem) àreflexividade desse índice, a sua complexidadeestrutural e, enfim, a sua relação com as outrasfunções do museu, particularmente, a funçãohistórica ou, antes, historiadora.

Em primeiro lugar, convém assinalar que, comotodo índice e, mais genericamente, como todosigno,27 o museu considerado enquanto índicedesigna a si mesmo como tal. Sob a condição demostrar algo, o museu mostra-se tambémmostrando algo. É dessa reflexividade que omuseu tira sua capacidade de exercer, por outrolado, uma função de tipo simbólico. Mostruáriode riqueza, signo de poderio político,manifestação mais ou menos suntuosa da solidezhistórica e cultural, instrumento pedagógico, omuseu aspira sempre à qualidade demonumento. Não por acaso, um dos primeirosmuseus criados durante a Revolução Francesa foio famoso Museu dos Monumentos Franceses,sem contar os textos de época em que se tratados “monumentos das artes e das ciências”.28 Opredicado simbólico não podia deixar de deslizardo conteúdo para o continente. Monumento aseu modo, o museu surgiu imediatamente sobuma época enfática que lhe permitiu, emcontrapartida, valorizar as potências políticasque o alimentavam, como sublinha, porexemplo, esta anotação de Daniel J. Shermanacerca dos envios de obras para as provínciaspelo Estado francês:

DDiiffiicciillmmeennttee eexxaaggeerraammooss aaoo ddiizzeerr qquuee ooEEssttaaddoo ddeeuu mmeennooss iimmppoorrttâânncciiaa ààssppiinnttuurraass pprroopprriiaammeennttee ddiittaass ddoo qquuee ààsseettiiqquueettaass nneellaass ccoollooccaaddaass,, ccoomm aaiinnssccrriiççããoo:: ““ddooaaççããoo ddoo IImmppeerraaddoorr””,, oouu,,mmaaiiss ttaarrddee ee mmaaiiss mmooddeessttaammeennttee –– mmaassnnããoo mmeennooss ccllaarroo –– ““DDééppôôtt ddee ll’’EEttaatt”” [[ssoobbaa gguuaarrddaa//aacceerrvvoo ddoo EEssttaaddoo]]..29

Inútil enfatizar que observação semelhantepoderia, mutatis mutandis, ser renovada emnossos dias não só a respeito do Estado, masigualmente ao mecenato.

O fato de, por outro lado, o índice museal auto-indexar-se dessa maneira constituievidentemente a origem dos conflitos que, aolongo de sua história, opuseram com mais oumenos regularidade os defensores das obras e,naturalmente, os artistas. Que eles estejamconvencidos da autonomia das obras e,portanto, do necessário apagamento dodispositivo de sua exposição ou, ao contrário,persuadidos, a exemplo de Quatremère deQuincy,30 de que o museu as mutila ao as extrairde suas respectivas situações originais, todosaqueles que defendem a obra contra o museuse prendem de fato a sua reflexividade, isto é, asua propriedade de mostrar-se tanto quantoaquilo que exibe. Conflito clássico, que sintetizabem a célebre sentença chinesa segundo a qualseria um idiota aquele que, quando lhe mostrama lua, olha o dedo.

Não se deixará de notar na passagem que umatensão análoga se reencontra, de modo aindamais pronunciado, na fotografia, tão próximaàquela que em um caso (o do museu) conduz àfunção simbólica e, em outro (o da fotografia),reconduz diretamente da indexação à funçãoindicial [indicielle] e, portanto, à colocação entreparênteses de toda função simbólica. Comefeito, todo mundo sabe muito bem que,quando se olha uma fotografia, a percepçãobalança entre duas direções opostas: o objetorepresentado ou a fotografia considerada porsua vez objeto. Assim, Schaeffer pergunta:

CCoommoo ddiisscceerrnniirr eennttrree oo qquuee éé pprróópprriioo ààiimmaaggeemm ee oo qquuee ssee rreemmeettee aaoo rreeaall,,qquuaannddoo nnooss eennccoonnttrraammooss ffrreennttee aa uummaaiimmaaggeemm qquuee nnããoo oo éé eemm ssuuaaeessppeecciiffiicciiddaaddee,, sseennããoo eennqquuaannttooaapprreeeennddiiddaa ccoommoo rreeggiissttrroo ddoo rreeaall??31

Olhar a fotografia enquanto fotografia, isto é, emuma perspectiva modernista, enquanto arte queexibe a especificidade de seu medium, é, emoutros termos, tentar esquecer o tema, maspara se ver imediatamente reconduzido aomesmo, uma vez que a especificidade dafotografia não é outra coisa senão o indício[indice] desse tema. É, aliás, precisamente nessecírculo que se debate a análise modernista doSzarkowski de The Photographer’s Eye.32 A

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fotografia, com efeito, nada pode fazer alémgerar a simples certeza de que seu tema, um diaou outro, existiu em algum lugar. “Isso foi”, dizBarthes admiravelmente a este respeito.33 Masnós não conseguiríamos extrair dessa certeza oque é que estaria sobre o plano simbólico. Sema legenda, cuja ligação obrigatória com afotografia foi vigorosamente destacada porBenjamin, nenhum alcance simbólico pode, comefeito, surgir dessa certeza existencial, a menosque ela permaneça reduzida a si mesma – o queé o caso, se nos detivermos estritamente aoque é dado no interior dos limites da moldurada fotografia. Do museu, ao contrário, pode-sedizer que, enquanto índice, ele constitui umalegenda monumental que, por definição,destaca, em todo caso, para além da moldura,os objetos presentes em seu interior e – umavez que estes continuam, tanto dentro comofora, a ser distintos dele – e destaca em si,simultaneamente, carga simbólica mais oumenos considerável.

Índice [index] auto-reflexivo, o museu é, alémdisso, um índice complexo, articulado. Separtirmos das obras, o museu forma umsintagma pluridimensional que começa namoldura do quadro ou na base da escultura eprossegue com as cartelas,34 a parede, a sala eassim por diante até o edifício todo. Talcomplexidade é evidentemente devedora deorganizações variadas, devidas, às vezes, aoacaso, depois, cada vez com mais freqüência, àmedida que nos distanciamos do período daformação original dos museus, a umadeliberação consciente, às vezes diretamentecomandada pela teoria estética ou filosófica. Écerto que nem todos os museus se apresentamcom o aspecto do bricabraque reunido pelasirmãs Comte. Muito pelo contrário. Éprecisamente pelo viés da organização dediversas articulações do índice museal queintervém a ligação – e, às vezes, submissão – dainstituição a outras funções, sendo a principaldelas a função histórica, isto é, o papel exercidopelo museu enquanto ilustração de uma históriada arte concebida de modo cronológico. Assim,desde 1791, isto é, desde a aurora daRevolução Francesa, um dos membros daComissão dos Monumentos, chamadoLemonnier, vislumbrava em uma carta “esta idéiamagnífica de fazer no Império tantos espaços35

públicos para as Ciências e as Artes para quantasprovíncias36 houver”, esclarecendoimediatamente que os museus assim

constituídos permitiriam salvar os quadros, para“fazê-los servirem à história da arte”.37

Do mesmo modo, em 1795, quando aComissão de Instrução Pública homologará oprojeto de um Museu dos Monumentosfranceses lançado por Alexandre Lenoir, elaespecificará que se deverá tratar de um

mmuusseeuu hhiissttóórriiccoo ee ccrroonnoollóóggiiccoo eemm qquuee sseeeennccoonnttrraarrããoo aass ééppooccaass ddaa eessccuullttuurraaffrraanncceessaa eemm ssaallaass ppaarrttiiccuullaarreess,, ddaannddoo aaccaaddaa uummaa aa ccaarraacctteerrííssttiiccaa,, aa ffiissiioonnoommiiaaeexxaattaa ddoo ssééccuulloo qquuee eellaa rreepprreesseennttaa..38

Uma tal cronologia linear não é senão o maissimples dos esquemas aos quais a função domuseu se submeterá. Assim, na Alemanha, porexemplo, ela (a função do museu) não deixaráde dialetizar hegelianamente.

Estudando a formação do arquétipo queconstitui o Altes Museum, aberto ao público deBerlim em 1830, Douglas Crimp pôde,efetivamente, mostrar como o monumentoarquitetônico neoclássico concebido porSchinkel responde, palavra por palavra, aosmomentos da estética dialética do filósofo queprofetizou o fim da arte e sua superação peloconceito filosófico. Assim como o mostraCrimp, ao se apoiar sobre o exemplo darotunda central, em torno da qual gravita aomesmo tempo a arquitetura de Schinkel e avisita que ela devia programar, o Altes Museumpretendia operar também a síntese das obras edo museu, termos, ao contrário,irredutivelmente antagônicos aos olhos dosadversários de seu projeto que, como AloisHirt, pensavam que os “objetos de arte nãoestão ali para o museu” e que “antes, o museu éque é construído para eles”.39

Conquanto arquetípico, não é certo que omodelo fornecido pelo Altes Museum se tenhaefetivamente imposto para todos os museus. Oestudo de Sherman sobre os museus francesesno século 19 fez, com efeito, aparecer a eficáciade outras determinações que não aquelasderivadas da história da arte. Dessa maneira –enfatiza Sherman várias vezes – o papel dosfatores geográficos. Esse papel aparece, porexemplo, na insistência das autoridadesresponsáveis pelos museus do interior quandoprocuram obter do Estado o envio de obrasligadas à história da região em questão ou,reciprocamente, no fato de o Estado concedermais facilmente sua ajuda financeira nos casos de

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aquisições desse tipo, de uma obra que sejaligada à região por seu tema, ou pela origem deseu autor.40 Sobretudo, apesar da racionalizaçãodo museu sob o efeito da autoridade da históriada arte, estamos longe de o museu bricabraqueter-se tornado, segundo a fórmula de Yve-AlainBois, “uma lembrança para os pintoresmodernistas como Courbet e Manet”. Muitopelo contrário, uma vez que, como esclareceesse autor após ter comentado certoselementos evidenciados por Crimp, “foi grandea queixa de numerosos artistas contra aconfusão que representava para eles as salas doLuxembourg ou mesmo do Louvre”.41

Bricabraque, ilustrações sistemáticas de umafilosofia de história da arte de tipo hegelianonão são, aliás, os únicos casos de aparênciaspossíveis. Outras estruturações do índicemuseal foram empregadas. No mesmo estudo,Yve-Alain Bois comenta, a esse respeito, ocaso do Landesmuseum de Hannover, dirigidonos anos 20 por Alexander Dorner, que aliinstituiu não uma linearidade histórica simples,mas uma articulação entre minisséries (asdiversas épocas) definidas cada uma comoanimadas – segundo um conceito tomado deempréstimo a Aloïs Riegl – por um Kunstwollen(querer artístico42) específico. Ao universalismode Schinkel opôs-se assim em Hannover umtipo divergente de indexação das obras, quevisava recriar para cada família históricacondições de visibilidade as mais próximaspossíveis daquelas que caracterizavam suasituação original. O limite dessa tendência éevidentemente a Period Room, no qual o museuprocura dissimular uma parte de seu poderindexante, isto é, mais precisamente aquelaque toca diretamente a obra, a fim de restituir-lhe – de maneira absolutamente ilusória, éclaro – seu contexto temporal próprio. De suaparte, o museu contemporâneo tem adotadofreqüentemente uma fórmula radicalmenteoposta àquela da Period Room, cujo White Cube(cubo branco), teorizado por Brian O’Doherty,43 marca, no outro extremo doespectro, limite não menos nítido.

Não insistiremos mais sobre esse ponto, umavez que de agora em diante ele estásuficientemente estabelecido como um índice[index] complexo: o museu não pode deixar desuscitar a questão da articulação dos elementosque constituem sua capacidade de indexarobjetos, cuja maioria – com exceção, claro,daqueles pertencentes ao campo da pintura e da

escultura modernistas – não era, quer setratasse de um retábulo do século 14 ou de ummictório do 20, destinada inicialmente a essefim. Todo o problema da articulação do índicemuseal reside efetivamente ali. Exceto osobjetos expressamente produzidos para omuseu – e, ainda uma vez, não mais para essedomínio do que para outros –, a intenção nãoequivale à realização, a separação entre o que omuseu deve deixar penetrar seus muros – istoé, indexar como digno desse privilégio – eaquilo que, ao contrário, deve ser abandonado aseu lugar e a seu tempo não é dada pornenhum critério prévio à constituição eorganização mais ou menos fundada em teoriapor seu poder indexante. Em outras palavras,retire o índice museal: com ele se apagaráinelutavelmente também – no caso de elepossuir um – seu fundamento teórico. O querestará, então? O mesmo bricabraque do pontode partida, aquele, em suma, das irmãs Comte.

E eis o museu reconduzido à fotografia.Conseqüência inevitável, uma vez que, tanto emum caso como no outro, trata-se de fraturar –indício e índice em um caso, apenas o índice nooutro – espaço e tempo! Museificar isto ouaquilo, fotografar isto ou aquilo, é ir igualmenteao mesmo. Salvo que o aparelho fotográfico émais leve do que o aparelho museal, o que nãosignifica, longe disso, que a fotografia seja menospesada, mas, quando muito, que seu imensopeso está alhures.

Tudo muda, diz Walter Benjamin em sua“Pequena História da Fotografia”, “se dafotografia como arte se passa para a artecomo fotografia”.44

Essa passagem – isso agora está claro –, coubeao museu efetuá-la. A concomitância temporalda invenção da fotografia e da formação dosmuseus não é, portanto, um acaso histórico,mas sim uma convergência que vai buscaralhures suas razões, alhures, quer dizer, em umdeterminismo ao qual se submeteram tanto afotografia e sua invenção quanto o museu.Ocorreu, mais uma vez a Walter Benjamin, tersido o primeiro a juntar os elementos essenciaisdesse quebra-cabeça cuja peça central eranaturalmente o conceito de mercadoria e cujosdemais elementos, além da fotografia e domuseu, são o fetichismo e, no ponto supremo –se não por sua constituição, ao menos por suamanifestação –, as Exposições Universais que, apartir de 1851, marcaram o século 19.45

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A se acreditar em Benjamin, na segunda versãode “Paris, capital do século 19”, “As ExposiçõesUniversais idealizam o valor de troca dasmercadorias. Elas criam um quadro no qual seuvalor de uso passa para o segundo plano”.46

Nesta última formulação, Benjamin faz mais doque resvalar a aplicação da função de indexação– “uma moldura...” – das Exposições Universais.Em um só golpe, ele revela com toda clareza odeterminante subjacente a essa função partilhadaindiretamente, tal como se viu, pelo museu epela fotografia. Esse determinante não é outracoisa senão, evidentemente, a identidadeabstrata – o valor de troca, isto é, o sermercadoria – que se dissimula sob aheterogeneidade absoluta – o valor de uso – detodos os objetos exponíveis, sejam elesexpostos à luz que inscreverá sua imagemsobre o papel fotográfico ou àquela, “feérica”dos universos de cristal que, a exemplo doCrystal Palace (construído por Paxton paraaquela [exposição], inaugural, de Londres em1851), foram as Exposições Universais ou,enfim, sob aquela – não mais feérica, mas outramagia – eternizante do universo dito fora dotempo do museu. E se, em todo caso, énecessário um índice [index] para ao mesmotempo colocar o objeto – fotografado,museificado ou simplesmente exposto – àdistância e designá-lo à atenção, é para,exibindo-a, uma vez que apenas ela é visível,anular a heterogeneidade absoluta.

Na obra de Grandville, Benjamin vê acaricatura exata do fetichismo e, portanto,aquilo que ele julga ser o comentário maisjusto das Exposições Universais, esses bazaresplatônicos devotados à glorificação do valor detroca: “A entronização da mercadoria e oesplendor das distrações que a envolvem, eis aío tema secreto da arte de Grandville”.47

Sem reduzir a uma dimensão caricatural,diríamos, evidentemente, o mesmo dafotografia, e Benjamin não esteve longe de daresse passo. Na versão de 1935 do mesmotexto, figurava, com efeito, imediatamenteantes daquele consagrado às ExposiçõesUniversais e à Grandville, um parágrafo –“Daguerre e os panoramas” – no qual eramsublinhadas, por um lado, a presença dafotografia na Exposição parisiense de 1855 e,de outro, o fato de, desde a segunda metadedo século, a fotografia ter ampliado

ccoonnssiiddeerraavveellmmeennttee oo ccíírrccuulloo ddaa eeccoonnoommiiaammeerrccaannttiill,, aaoo jjooggaarr nnoo mmeerrccaaddoo eemmqquuaannttiiddaaddee iilliimmiittaaddaa ppeerrssoonnaaggeennss,,ppaaiissaaggeennss,, aaccoonntteecciimmeennttooss qquuee aattéé eennttããoonnããoo eerraamm ddee ffoorrmmaa aallgguummaa eexxpplloorráávveeiiss,, oouuuunniiccaammeennttee ssoobb aa ffoorrmmaa ddee uumm qquuaaddrrooppaarraa oo cclliieennttee..48

Basta dizer que Benjamin teria podido muitobem aplicar à fotografia as observações quereservou ao caricaturista, tanto em 1935 – “Asfantasias de Grandville dão a todo o Universo acaracterística de uma mercadoria...” – quantoem 1939 – “As Exposições Universaisconstruíram um mundo feito de‘especialidades’. As fantasias de Grandvillerealizam a mesma coisa”.49

Sem reduzir ao conceito de fetichismo – o que,claro, não é pouca coisa, mas sua teorização porMarx só virá à luz em 1867, com a publicaçãodo primeiro livro do Capital – certosobservadores da época, além disso, discernirambastante bem, apesar da confusão insensataoferecida pelas Exposições Universais, asingularidade do lugar reservado à fotografia,assim como seu parentesco direto com amercadoria e a indústria. Tal é notadamente ocaso do personagem surpreendente e prolíficoescritor que foi o conde Leon de Laborde.Arqueólogo respeitado, conservador da seçãode Antigüidades do Museu do Louvre, membrodo Institut,50 Laborde foi também um dosfundadores da Sociedade Heliográfica e daSociedade de Fotografia.51 A esse curiosocoquetel de competências, o mesmopersonagem acrescentará, ainda, aquela deobservador e comentarista privilegiado daprimeira Exposição Universal que, comosabemos, aconteceu em Londres, em 1851.Encarregado do relatório sobre as belas artes,ele consagrou mais de mil páginas a essa missão.Nesse caudaloso documento aparece – oh!quão premonitoriamente – a tese segundo aqual “abaixo de um certo limite desuperioridade, arte, ciência e literatura, tudo éindústria”.52

Argüindo a observação de que romances,poesias, quadros não cessam de proliferar àscentenas ou aos milhares, Laborde concluilogicamente que “as produções da arte setornaram uma mercadoria (...) e os artistas,os fabricantes”.

Certamente, apenas algumas obras primassobrevivem finalmente a essa corrente de obras

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banais. Assim, em um século, para cada quatroou cinco retratos dignos desse nome, segundoLaborde, “Fazem-se cerca de 500.000 retratos,sem contar dois ou três milhões de retratos emdaguerreótipo (apenas em 20 anos)”.

Obras primas ou não, não saberíamos, diantede tal abundância, manter as “distinções pueris”e continuar a separar drasticamente as“produções de arte” e os “produtos daindústria”. É necessário ousar concluir, eLaborde o faz com absoluta clarividência, compalavras que ainda hoje praticamente nãoperderam a atualidade:

EEnnttrraammooss nnaa ssaallaa ddooss lleeiillooeeiirrooss ccoommoo ssee vvaaiiaaoo mmeerrccaaddoo;; ppoorr qquuee aass oobbrraass ddee aarrttee nnããoosseerriiaamm jjuullggaaddaass,, aapprreecciiaaddaass,, ccoottaaddaasssseegguunnddoo rreeggrraass qquuee aass ccoonnffuunnddeemm ccoomm aassrraaiiaass ee ooss lliinngguuaaddooss ddoo mmeerrccaaddoo aaoo llaaddoo??SSeerriiaa lloouuccuurraa qquueeiixxaarr--ssee ddiissssoo,, nnããoo sseerriiaajjuussttoo qquuee oo oobbjjeettoo ddee aarrttee eessccaappaassssee ddeesssseeccoonnttaattoo;; éé oo ddeessttiinnoo ddee ttooddaa mmeerrccaaddoorriiaa..

Em suma então, afora a parte ínfima que sereserva ao gênio e sua obra prima, toda arte éindústria e, reciprocamente, toda indústria éarte. É necessário, então, fazer de todos osoperários, de todo mundo, artistas. Nessefantástico concerto artístico-industrial que ignorapura e simplesmente o antagonismo das classessociais, pois, desde a Revolução de 1789,“verdadeiro ponto de partida da arte moderna”,“o reconhecimento dos princípios democráticosarrasta consigo a igualdade em todas as classes eem todas as coisas”, a fotografia ocupa,certamente, um lugar que não é apenas deprimeiro plano. Em um arrebatamento que énecessário citar in extenso, ela é, além do mais,apresentada por Laborde como condutora dahistória da reprodução rumo a seu termo e,então, da identificação da arte com a indústria.Eis o texto que, escrito quase simultaneamenteao evento, antecipa em praticamente 80 anosos trabalhos de Benjamin:

AA iinntteerrvveennççããoo ddaass mmááqquuiinnaass ffooii,, nneessssaapprrooppaaggaaççããoo ddaa aarrttee,, uummaa ééppooccaa ee ooeeqquuiivvaalleennttee aa uummaa rreevvoolluuççããoo:: ooss mmeeiioossrreepprroodduuttoorreess ssããoo oo aauuxxiilliiaarr ddeemmooccrrááttiiccoo ppoorreexxcceellêênncciiaa.. CCoonntteessttaarr eessssaa aaççããoo éé cceegguueeiirraa::ddeessddeennhhaarr eessssaa iinnfflluuêênncciiaa sseerriiaa iinnsseennssaatteezz;;nnããoo pprreevveerr oo ffuuttuurroo ddeessssaa aassssoocciiaaççããoo ddooggêênniioo ddaass aarrtteess ccoomm aa ppoottêênncciiaa ddooss nnoovvoossmmeeiiooss ddee rreepprroodduuççããoo ddee bbaaiixxoo ccuussttoo sseerriiaaccooiissaa ddee uumm eessppíírriittoo ttaaccaannhhoo.. AA ffoonnttee ddoobbrroonnzzee qquuee mmuullttiipplliiccoouu aass oobbrraass pprriimmaass ddaa

AAnnttiiggüüiiddaaddee ffoorraa aaccoollhhiiddaa ppeellaa GGrréécciiaa ccoommrreeccoonnhheecciimmeennttoo;; aa IIddaaddee MMééddiiaa rreecceebbeeuuccoommoo uumm ddoomm ddoo ccééuu aa iimmpprreennssaa,, qquuee éé aaeessccrriittuurraa mmeeccâânniiccaa;; ((......)) hhoojjee,, aa ffoottooggrraaffiiaa,,oouu,, aa aarrttee mmeeccâânniiccaa eemm uummaa ppeerrffeeiiççããooiiddeeaall,, iinniicciiaa oo mmuunnddoo ààss bbeelleezzaass ddaassccrriiaaççõõeess ddiivviinnaass ee hhuummaannaass..

Frase surpreendente que, lida ao pé da letra, fazda fotografia a origem e o fundamento de toda aestética. Confundidas em uma mesma epifaniapela ação da luz sobre os sais de prata, a belezanatural (divina) e a beleza artificial (humana)esperam que a fotografia venha revelá-lasmecanicamente aos olhos do mundo.

A visão de Laborde rompe consideravelmente,por conta de seu radicalismo, com aquelas deoutros comentaristas da época, absorvidos emsua maioria nas controvérsias suscitadas peloestatuo – artístico ou não? – da fotografia.Certos aspectos dessas controvérsias são, nãoobstante, bastante significativos. É necessárioaqui assinalar notadamente que o próprio lugarda fotografia das Exposições Universais eraocasião de discussões mais ou menos vivas.Reagindo ao fato de a fotografia ter sido instalada– aparelhos e provas – no Palácio da Indústria(nos Champs-Elysées) e não naquele, naAvenida Montaigne, em que tinham sidoagrupadas a pintura, a escultura e a gravura, umdos membros fundadores da SociedadeFrancesa de Fotografia, Paul Périer, protestavacontra essa discriminação em nome dos“fotógrafos artistas”, cujas obras deveriam,segundo ele, “encontrar seu lugar no santuáriodas artes”.53 O que se revela nessas polêmicas éa posição estratégica da fotografia na grandecena fetichista da Exposição, posição-chaveentre arte e indústria, de agora em dianteestando ambas submissas à transitividadegeneralista da mercadoria. Os industriais, emtodo caso, não se enganaram, ecompreenderam rápido que entre essas duasexposições, que, em suma, não se produziamtão freqüentemente, restaria sempre apossibilidade de expor suas mercadorias nãodentro de uma vitrina, mas em papel fotográfico.O júri de 1855 não observara, acerca dasimagens expostas pelos irmãos Bisson, que deseu ateliê saíam “com igual sucesso”reproduções de estampas de Rembrandt ou“fotografias de luminárias e candelabros” eoutras “provas de modelos e de desenhos”,tendo as fábricas dos industriais recorrido a seusserviços?54 Não é mais necessário multiplicar as

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referências, uma vez que deveria estar claroagora que, se a Grandville coube tercaricaturado o mundo feito de “especialidades”que se revelava nas Exposições Universais, afotografia pôde vangloriar-se de se ter feito sobo modo da generalidade absoluta, a um sótempo indício e (quase) índice. E foi apenasnesse contexto, (in)formado de algum modopela fotografia, que o museu teria podidorealizar sua função própria, isto é, aquela deíndice não de toda mercadoria, como afotografia, que pode (quase) indexar tudo aquiloda qual ela pode ser indício [indice], mas,especificamente, da mercadoria absoluta: ohiperfetiche, a obra de arte, devotada, de agoraem diante, nesses novos tempos de “arte comofotografia”, a presentificar esta divindade invisívelreguladora, de agora em diante, do curso dascoisas humanas, o mercado.55

Não obstante, é apenas nas fotografias de Atgetmostrando a cidade, “esvaziada como umimóvel que ainda não encontrou um novolocatário”, que Benjamin verá enfim surgir amanifestação fotográfica do movimento, “pelaqual o homem e o mundo ambiente se tornamestranhos um ao outro”, ao passo que se abre“esse campo livre em que toda intimidade cedelugar ao aclaramento dos detalhes”.56 Esseestranhamento, essa perda de intimidade jáestavam, todavia, em toda sua evidência,inscritos, desde a aurora da fotografia, nasuperfície de algumas das primeiras imagensimpressas pela luz sobre as placas de Daguerre,os papéis de Fox Talbot ou de Bayard. A essasimagens, e a numerosas daquelas que asseguiram, ampliando cada vez mais o campo deação do procedimento, poderíamos, portanto,aplicar esta outra observação, tomada deempréstimo do autor do mais fotográfico emuseal de todos os livros, livro dos livros e ruínados livros ao mesmo tempo, o famoso Livro dasPassagens, que, de fato, é constituídoexclusivamente por citações indexadas, isto é,em suma, fotografadas, expostas, museificadas:

AAss EExxppoossiiççõõeess UUnniivveerrssaaiiss ffoorraamm uummaa eessccoollaa,,nnaa qquuaall aass mmuullttiiddõõeess,, sseeppaarraaddaass àà ffoorrççaa ddooccoonnssuummoo,, ccoonnvveenncceerraamm--ssee ddoo vvaalloorr ddeettrrooccaa ddaass mmeerrccaaddoorriiaass aa ppoonnttoo ddee sseeiiddeennttiiffiiccaarr ccoomm eellaass:: ““ÉÉ pprrooiibbiiddoo ttooccaarr oossoobbjjeettooss eexxppoossttooss””..57

Essa proibição, própria ao museu e a todaexposição, seja ela universal ou não, nãonecessita ser enunciada naquilo que concerne à

fotografia: está inscrito na própria natureza deseu procedimento, de sua archè. Triplamenteinscrita, aliás, uma vez que, enquanto para oespectador da fotografia o objeto fotografado setorna intocável, ainda que permaneçaplenamente visível, puramente visível, é semtocar nem o objeto fotografado, nem suaimagem – pois esta é acheiropoiete,58 não feitapela mão do homem, fetiche perfeito, emsuma59 – que a fotografia se apodera tanto deum quanto do outro.

Tocar ou não tocar? Essa questão, indicial emseu princípio, coloca-se no centro tanto dahistória da pintura quanto naquela da fotografia.Ela é até mesmo anterior, segundo alguns,àquela da mímesis, uma vez que, pintadas comoestêncil, as mãos de Lascaux podem ser vistas,tal como enfatizou Philippe Dubois, se nãocomo fotografias, ao menos como fotogramasou raiogramas, do mesmo modo que a sombradesenhada, a qual, nos dizeres de Plínio, seria averdadeira origem de todos os quadros.60

Transformada em imperativo sacralizante – nãotoque! –, a palavra que gera essa questãoinscreve-se igualmente em todos os cantos domuseu, uma vez que, desde que atravessamos aentrada, a regra absoluta, sem a qual o índicemuseal perderia sua eficácia, é que não se tocarámais aquilo que o índice determina como se,ainda que oferecido à vista, tudo aquilo setivesse fixado para pertencer, de agora emdiante fora do tempo, a um outro mundo,estranho àquele dos humanos e de suas mãos.Sombras, espelhos e outras imagensacheiropoietes, entre as quais se deve contarnaturalmente na primeira fila o Santo Sudário deTurim, atravessam, portanto, a pintura e afotografia, a arte toda, pela simples razão de quetodos esses ícones se formam sob o modoindicial da conexão física com seus referentes:tocando-os, de uma maneira ou de outra, elesse formam sem que ninguém, sobretudo umartista, tenha posto a mão.

Um sintoma singular dessa dialética do contato –tato e não tato – é oferecido pela pintura foto-realista, que surgiu principalmente nos EstadosUnidos por volta do final dos anos 60. Quaissão, portanto, as propriedades partilhadas pelasobras que foram denominadas foto-realistas?Nas prática, essas propriedades se reduzem aduas: 1.) um quadro foto-realista deve seoferecer à vista como pintura, isto é, sob omodo do “isto não é uma fotografia”; 2.)simultaneamente, ele deve deixar transparecer a

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fotografia sob a qual a pintura estaria como quedepositada, sem obliterar o “isto é umafotografia” que requer a imagem que serve a umsó tempo de suporte e guia desse depósito.

Em certo sentido, portanto, a pintura foto-realista inscreve-se na tradição do trompe-l’oeilsalvo em raras exceções (o espelho é oparadigma, mas voltaremos a isto mais tarde), adialética do trompe-l’oeil clássico confronta apintura diretamente ao objeto em favor do qualela pretende paradoxalmente mimetizar seupróprio esvanecimento. Ao contrário, a pinturafoto-realista é trompe-l’oeil porque quer fazercrer na presença real não de um objeto, massim de uma fotografia sobre a qual ela pretende,de um lado, se dissimular pelo mimetismo, aomesmo tempo em que ela o recobre, seafirmando, portanto, não obstante comopintura. Se nos ativermos por um instante aoprocedimento empregado pela maioria dospintores foto-realistas, descobriremos umaestranha encruzilhada, na qual, por um lado, setoca novamente um dos aspectos maiscontroversos do século 19 a respeito da artefotográfica e, por outro, prefigura-se, de certomodo, toda uma dimensão da arte de hoje.

Como sabemos, a maioria das pinturas foto-realistas é, se quisermos, depositada,praticamente ponto por ponto, sobre a tela naqual, durante a operação, é projetado odiapositivo da fotografia que serve de matriz; istoé, o pintor foto-realista, armado freqüentementede um aerógrafo, toca a fotografia com apintura. Se quisermos nos lembrar que aquestão do retoque foi no século 19 um dospontos sensíveis do debate envolvendo asambições artísticas da fotografia, começaremos aentrever que o foto-realismo pode aparecerplenamente como um retoque gigantesco, umrepintar monstruoso, dedicado ao trabalhoimpossível de recobrir a fotografia de um filmeou de uma película – é assim mesmo – depintura mimética, esta última naturalmente nãocessando de transbordar por todas as partes.

DDeeiixxee--mmee ttooccaarr mmeeuuss nneeggaattiivvooss,, ee mmeessmmoommeeuuss ppoossiittiivvooss,, ssee eeuu ooss mmeellhhoorroo ee ooss eelleevvoouumm ppaattaammaarr aacciimmaa..

Nessa petição – datada de 1855 – de PaulPérier,61 naturalmente é a questão do estatutoda fotografia que está em jogo: arte ou não?Mas, para além desse debate enviesado,desenrola-se outra batalha mais profunda. Apalavra “tocar” utilizada por Périer assinala essa

batalha, mas é na resposta que ela vai receberde Eugène Durieu que ela se revela com toda asua clareza. Debate de fotógrafos, uma vez queDurieu era nada menos que o presidente daSociedade Francesa de Fotografia, na qual Périer,de sua parte, assumira a vice-presidência. Maisainda, debate de fotógrafos do mesmo quilate,dado que a Sociedade em questão agrupava –apesar de suas diferenças – os partidários doestatuto artístico da fotografia. Portanto, dessedebate duplamente interno, é necessárioprecisar os termos, pois, pioneiramente talvez,ali se exprimiu com clareza um dos pontos deinflexão essenciais da modernidade. Visando –como já observáramos – admitir a fotografia no“santuário das artes”, Périer está pronto, emvirtude do princípio de que apenas os resultadoscontam, a todas as concessões, isto é, como elediz, a romper o “pacto de fidelidade até amorte” que liga a fotografia a “objetivas ebacias”. Para galgar o nível de arte, mesmo que,modestamente, pela menor porta, o fotógrafodeve, portanto – segundo ele –, ousar tomar deempréstimo os meios da pintura e se fazer“desenhista hábil ou colorista”, permanecendo,contudo, “um colaborador prudente erespeitoso”. Em uma palavra, visto que isso lhepermite aceder à arte, Périer está pronto a tocarsuas fotografias. E é isso que Durieu recusa demaneira absoluta, afirmando energicamente:“Chamar o pincel em socorro da fotografia sobo pretexto de introduzir-lhe arte é exatamenteexcluir a arte fotográfica.62

Durieu – é interessante lembrar que elecolaborou com Delacroix em uma série defotografias na qual o pintor se inspirou63 –recusa, portanto, o retoque e, se ele o recusa, éporque ele toca na especificidade do meiofotográfico. Cada arte, segundo ele, possui suasregras especiais e, ao se querer transgredir essaespecificidade misturando-as, nada se obtémalém de “apenas alguma coisa qualquer semnome, que apresenta no máximo um interessede curiosidade”.

De passagem, nota-se que, ainda que dotado deum nome, cada quadro foto-realista é umaexemplificação exata de apenas alguma coisaqualquer desse gênero. Mas, antes de retornar aisso, é necessário destacar o caráterextremamente avançado, audacioso até, daposição de Durieu. Mais de 100 anos antes datentativa de delimitação da especificidade domeio fotográfico por Szarkowski e seu ThePhotographer’s Eye, a argumentação de Durieu já

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é estritamente modernista. No momento emque o impressionismo (freqüentementecreditado por ter iniciado – coagido e forçadopela fotografia – simultaneamente a dobra dapintura sobre sua própria especificidade e omodernismo como tal) ainda se encontrava nolimbo, um fotógrafo, com certeza singularmenteclarividente, antecipou, pois, essa mesmadémarche por seu próprio medium. Por contadesse simples fato, parece legítimo concluir quea participação da fotografia na constituição damodernidade é ainda mais importante, porqueainda mais positiva do que aquela, no entantoconsiderável, que correntemente se lheconcede. A outra conclusão, mais escondida,mas não menos essencial, que se impõeigualmente é que uma das dimensões surdasdessa dialética gravitava sempre – começamos apercebê-la somente nos últimos 15 anos – emtorno da questão do tato, do contato, do toqueou do tocar, em síntese, do indício e do índice.

A remissão dessa discussão esclarece, em todocaso, sob um novo ângulo o sintoma foto-realista. Mesmo sem a ajuda da referência àcontrovérsia entre Périer e Durieu, eracertamente fácil ver que o foto-realismo iriainscrever sua síntese de meios em um contextomarcado pelo formalismo modernista, do qualele é sem dúvida contemporâneo, mesmo quepatológico, da Pop Art ou da arte conceitual,ainda que também possamos encontrar paraele, por outros caminhos, uma genealogia que oliga a antecedentes – trompe-l’oeil à la WilliamFrederick Harnett ou John F. Peto, precisionismode Demuth, Sheeler ou Crawford –característicos da tradição pictórica americana.Tudo isso é verdade, mas a lembrança daspolêmicas dos primeiros fotógrafos em torno daquestão do retoque conduz, entretanto, àhipótese de que na pictorialidade híbrida, quaseteratológica, do foto-realismo aconteceu algomais do que uma simples regressão ou umasimples negação da pintura modernista. Essealgo mais evidentemente não é outra coisasenão a tentativa, naturalmente desesperada, deanular a eficácia – sobre a pintura e, para alémdela, sobre a arte – das funções que têm pornome indício e índice.

Ao depositar uma camada de pintura miméticasobre fotografias, o foto-realismo quis obliterar ocaráter indicial da fotografia e esperava obteressa anulação com um procedimento que dealgum modo macaqueia esse mesmo caráter.“Máquina atrelada a uma máquina” – a

expressão não é de Warhol, mas de Delacroix64

–, o pintor foto-realista deixa a fotografia guiarsua mão como se a pintura não pudesse maissubsistir senão fazendo-se o indício da fotografia,como se o suporte da pintura, a tela, se tivessetornado a própria fotografia. Nesse sentido, ofoto-realismo pretende assim assumirplenamente todas as incidências da fotografiasobre a pintura ou, se quisermos, todos osquadros que, de maneira mais ou menosconfessada, mais ou menos negada, tomaramsuas imagens emprestadas do inimigo.65 E essaadmissão consiste precisamente em opor atodas as formas de abstração que quiseramsalvar a pintura da fotografia por seu virar-sesobre um meio cada vez mais estreitamentedelimitado, uma estratégia que, ao contrário,parece radicalmente baixar as armas frente aoadversário. Isso, porém, não passa de umaarmadilha. Pois se, antes mesmo de pintar, opintor foto-realista instala logo de entrada aimagem fotográfica sobre o suporte da pintura –aquela famosa tela virgem, sobre a qualGreeneberg disse um dia que chagáramos aoponto obrigatório de reconhecê-la já como umquadro–, é para, uma vez que ele [o pintor]comece a pintar, tocar essa imagem, cujaespecificidade, como bem o queria Durieu,implica precisamente não se dever (re)tocá-la.Em outras palavras, depositando de maneiraindicial [indicielle] a pintura sobre a fotografia, ofoto-realismo pretende de fato privá-la de seupróprio estatuto de indício [indice]. Essaestratégia, claro, fracassa. Reduzida a reencenarum episódio da história da fotografia, não podeevitar, como o diz um texto célebre de Marxacerca de outro assunto, cair na comédia, istoé, o simulacro.

Tentativa de anular a fotografia pelo apagamentode seu caráter indicial [indiciel], o foto-realismovisa simultaneamente romper a lógica do índiceque, implicado pela fotografia e encarnado nainstituição do museu, abre a obra de arte aobricabraque do real. Todos conhecem, aliás, atemática partilhada pelos pintores foto-realistas:motos, carros, trailers, luminosos, vitrinas,cavalos, garotas vestidas com rendas e por aí vai.Uma vez pintado, esse bricabraque não requermais nem o índice da fotografia, nem o domuseu. Descolado da fotografia, uma vez queele permanece e que a fotografia torna-seausente pela camada de pintura, essebricabraque é então devolvido a seu real deorigem, simples referente da imagem, e nãomais sua causa. Do mesmo modo, ele se vê

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assim separado do museu, já que a pintura foto-realista pretende exatamente tirar a manchetepara si mesma, isto é, indexar a si mesmaenquanto arte em detrimento tanto da fotografiaquanto do referente que essa (quase)indicializava [(quasi-) indexait]. Dito de outromodo, a presença da palavra “realismo” naqualificação foto-realista não é portanto senãoum ardil, como é um ardil ou um engodo areferência ao espelho que corre tanto na históriada pintura quanto da fotografia.

Certamente Leonardo aconselhava aospintores controlar sua obra, uma vezacabada, comparando-a ao reflexo de seutema em um espelho:

SSee qquuiisseerr vveerr ssee oo eeffeeiittoo ggeerraall ddee ssuuaappiinnttuurraa ccoorrrreessppoonnddee aaoo oobbjjeettoo rreepprreesseennttaaddoosseegguunnddoo aa nnaattuurreezzaa,, ppeegguuee uumm eessppeellhhoo eeccoollooqquuee--oo ddee mmooddoo aa rreefflleettiirr oo oobbjjeettoo rreeaall,,ddeeppooiiss ccoommppaarree oo rreefflleexxoo ccoomm ssuuaa ppiinnttuurraa eeccoonnssiiddeerree ccuuiiddaaddoossaammeennttee ssee oo tteemmaa ddaassdduuaass iimmaaggeennss eessttáá ccoonnffoorrmmee aaooss ddooiiss,,ppaarrttiiccuullaarrmmeennttee aaoo eessppeellhhoo.. DDeevveemmoossttoommaarr oo eessppeellhhoo ppoorr mmeessttrree –– qquueerroo ddiizzeerr,,oo eessppeellhhoo ppllaannoo –– ppooiiss ssoobbrree ssuuaa ssuuppeerrffíícciieeaass ccooiissaass ooffeerreecceemm mmuuiittooss ppoonnttooss eemmccoommuumm ccoomm uummaa ppiinnttuurraa...... SSuuaa ppiinnttuurraa,, sseevvooccêê ssaabbee ccoommppôô--llaa ddiirreeiittoo,, pprroodduuzziirraaiigguuaallmmeennttee oo eeffeeiittoo ddee uummaa ccooiissaa nnaattuurraallvviissttaa eemm uumm eessppeellhhoo..66

Mas, então, o que se passava quando umpintor queria representar em seu quadro umespelho? Essa questão é colocada por DanielArasse em um estudo admirável intitulado LesMirois de la peinture (“Os espelhos da pintura”).Eis sua resposta:

PPaarraa ppeerrmmiittiirr qquuee ssee rreeccoonnhheeççaa eemm sseeuuqquuaaddrroo uumm eessppeellhhoo ccoommoo ttaall,, iissttoo éé,, ppaarraaffaazzeerr rreeccoonnhheecceerr ccoommoo ttaall oo eessppaaççoorreefflleettiiddoo ddoo eessppeellhhoo,, oo ppiinnttoorr ddeevveeiinnssttaauurraarr,, ppaarraa aaqquueellaa ppoorrççããoo ddaassuuppeerrffíícciiee ppiinnttaaddaa qquuee ooccuuppaa oo eessppeellhhoo,,uumm eeffeeiittoo ddee rreeaalliiddaaddee ddiiffeerreennttee ddaaqquueellee–– sseejjaa eellee qquuaall ffoorr –– qquuee ssuubbtteennddee ooqquuaaddrroo eemm sseeuu ttooddoo..67

Uma vez que o espelho é o espaço do reflexo,a representação do espelho, tornada por suavez objeto de outro reflexo (aquele efetuadopor essa pintura do qual supõe ser seu modelo),não pode passar senão por ser a deformação doobjeto que ele mesmo reflete. No contextoperspectivo, o jogo de ângulos legitima, aliás,

essa deformação. É a conseqüênciapropriamente pictural dessa encruzilhada que,seguindo Arasse, reteremos aqui. Refletidoduas vezes, o objeto visto em um espelhopintado no quadro tende ao informe e, comoescreve Arasse,

mmeessttrree ddoo ppiinnttoorr ppoorr ssuuaa ppuurreezzaa qquueerreemmeettee iimmppeeccaavveellmmeennttee ((sseemm mmaanncchhaa,, ssiinneemmaaccuullaa) oo rreefflleexxoo eexxaattoo ddoo oobbjjeettoo,, ooeessppeellhhoo ssee ttoorrnnaa nnoo qquuaaddrroo oo rreeiinnoo ddaammaanncchhaa,, iissttoo éé,, ppoorr eessssaa mmeessmmaa rraazzããoo ooeemmbblleemmaa ddaa ppiinnttuurraa..68

Espelho pintado por Van Eyck no centro doretrato do casal Arnolfini ou erigido por Manetatrás da balconista do Bar des Folies Bergère,para retomar dois dos exemplos comentadospor Arasse, o espelho é sempre o lugar noquadro em que a pintura se vê forçada a sedesmarcar em relação a seu referente para sefazer pura maculação, mancha cega e cegante.69

Os únicos retoques que Eugène Durieuaceitava de bom grado conceder que secolocassem sobre uma fotografia eram aquelesque consistiam em “fazer desaparecer com umtraço de nanquim um ponto branco que umabolha de ar ou algum acidente análogo tenhadeixado na prova”.70

Os retoques em questão visavam, portanto, aosuprimir as manchas que não são o indício doreferente, restituir a integridade perfeita do meiofotográfico para uma imagem que, por umarazão ou outra, estaria localmente privada dela.Basta dizer, e Durieu o disse, que essesretoques não são verdadeiramente retoques,mas antes clausuras acrescentadas ao meio parapreservar sua pureza. Ali se fecha também oimpasse aberto pelo foto-realismo. Imitando seuimenso retoque, seu repintar paranóico, pontopor ponto sobre a fotografia, a pintura foto-realista fracassa frente a essa [n]aquilo que ospintores do passado foram bem-sucedidosfrente aos espelho que, digamos, eles tomavampor mestres. As manchas de pintura com asquais o foto-realismo toca a fotografia, jamaisproduzem mancha, ainda que aquilo que – àcusta da pintura – não pára de retornar às telasfoto-realistas é, apesar da obliteração de suaindexação pelo indício fotográfico, o objeto e oreal, isto é, nesse caso, a versão americana domuseu das irmãs Comte. Finalmente, a pinturafoto-realista não teria, portanto, outro valorsenão o de se ter feito o catálogo antecipado da

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arte – fotográfico de ponta a ponta – do qual elanão soube proteger o museu.

Do indício ao índice, isto é, nessa franja deinterferência que ao mesmo tempo perturba afotografia e explica a perturbação que elainstaura, isto é, ainda nesse passo que vai dafotografia ao museu, trama-se desde mais deum século e meio a maioria das questões queagitam, constroem ou desconstroem aprodução de arte. Aparelho fotográfico,aparelho museal remetem um ao outro comoem espelho. Já presente no dispositivo museal,a fotografia não pode entrar nele uma segundavez. Simetricamente, ao passar a porta domuseu, a pintura se perde, tal como o clamavaQuatremère de Quincy desde a aurora desseprocesso. Como todo resto, ela se devota –valor de troca hiperfetichista – a não ser maisdo que a fotografia de si mesma. Começa,segundo a palavra de Baudelaire, sua“decrepitude” e, no mesmo movimento, aporta do monumento – que deveria ter sidoseu paraíso – se abre largamente para esse realmultiforme cujo estafeta foi o mictóriotravestido em fonte por Marcel Duchamp. Aoquerer proteger o museu do bricabraque coma ajuda do curto-circuito que ele esperava deum fino filme de pintura, o foto-realismo nãofaria – uma vez que esse circuito estava fechadohá muito tempo – outra coisa senão indexar opeso desmesurado da fotografia.

Daniel Soutif é filósofo e crítico de arte. Atualmente é diretor do Centrode Arte de Prato (nas cercanias de Florença). De suas inúmeras obras, amais recente é L'Art du XXe siècle – De l'art moderne à l'artcontemporain. 1939-2002, coletânea de ensaios de vários autores porele organizada. Uma versão anterior e resumida deste artigo foipublicada com o título “Pictures and an Exhibition” em Artforum, número7, março de 1991. A tradução para o português foi feita a partir daversão integral publicada em Les Cahiers du Musée National d’artModerne, número 35, (edição especial “Exposition de la photographie”).Paris: Centre Georges Pompidou, primavera 1991.

Tradução: Ana Tereza Lopes, Guilherme Bueno

Revisão técnica: Glória Ferreira, GuilhermeBueno

NNoottaass

1 En bâtarde: tipo de letra cursiva utilizada em documentosantigos. (N.Rt.)

2 Ocarina – instrumento de sopro feito em argila queproduz som semelhante ao da flauta. No original“canne-ocarina”. (N.Rt.)

3 La Brabançonne – hino nacional da Bélgica. (N.Rt.)

4 Ramuz, Charles-Ferdinand (1878-1947), escritor e poetasuíço, considerado um dos maiores autores de seu país

no século 20. (N.Rt.)

5 Oceladas (ocelés, no original) – a palavra provém de“ocelos”: em forma de olho, olhos pequenos, olhossimples dos artrópodes; cada um dos pontos quematizam certos órgãos, como penas, pêlos, etc. (N.Rt.)

6 Vialatte, Alexandre. Chroniques,1952. Apud: Dagognet,François Le musée sans fin. Seysell: Le champ vallon,1984: 143 sq.

7 Id., ibid.: 147.

8 Schaeffer, Jean-Marie. L´ image précaire, du dispositifphotographique. Paris: Seuil, 1987: 158.

9 Talbot, Willian Henry Fox. The Pencil of Nature, A facsimile ofthe 1844-46 Edition with New Introduction by BeaumontNewhall. Nova York: Da Capo Press, 1969.

10 Ver Galassi, Peter. “Before Photography” no catálogo daexposição Before Photography, Painting and theInvention of Photography, Nova York: Museu de ArteModerna, 1981 (Trad. francesa no catálogo daexposição L´invention d´un art, Paris: Centre GeorgesPompidou, 1989).

11 “O precursor é aquele que só sabemos posteriormente queveio antes”, fórmula atribuída à Georges Canguilhem porJean-Jacuqes Salomon, “Georges Canguilhem ou lamodernité”, Revue de métaphysique et de morale, 1985,n. 1, Paris: Armand Colin: 53. Cf.: “Um precursor seriaum pensador de vários tempos, do seu próprio edaqueles ou daqueles que nós lhe assinalamos comoseus continuadores, como os executadores de suaempreitada inacabada. O precursor é, portanto, umpensador que o historiador crê poder extrair de seuenquadramento cultural para inseri-lo em outro, aqueleque retorna para considerar os conceitos, os discursos eos gestos especulativos ou experimentais como podendoser deslocados ou recolocados em um espaçointelectual, em que a reversibilidade das relações foiobtida pelo esquecimento do aspecto histórico do objetode que ele é tratado.” (Georges Canguilhem, Etudesd´histoire e de philosophie des sciences , Paris, Vrin, 1968:21.). Os historiadores de arte ganhariam muito em seinspirar nessas linhas que dizem respeito à história dasciências, mas que, mutatis mutandis, valem igualmenteno seu próprio campo de estudo.

12 A respeito da primeira invenção do verbo “fotografar” –phôteinographeistaï – por Filoteu, o sinaíta, igualmentechamado Filoteu de Batos, ver o breve mas brilhante,estudo de Georges Didi-Huberman. “Aquele queinventou o verbo ‘fotografar’...” Antigone, revue littérairede photographie, n. 14, inverno 1990: 23 sq

13 Barthes, Roland, La chambre claire, note sur la photographie.Paris: Cahiers du Cinema/Gallimard/Seuil, 1980: 29(tradução em língua portuguesa: Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2000).

14 Crimp, Douglas “On the Museum´s Ruins” In: October n. 13.Cambridge: MIT Press, verão 1980: 41-57.

15 Ver especialmente Barthes, op. cit.; Vanlier , Henri. Philosofiede la photographie. Brax: Les Cahiers de la Photographie(edição especial), 1983; Dubois, Philippe L´actephotographique et autres essais, Bruxelas: FernandNathan-Labor, 1989 (reeditado com o título L’ActePhotographique et autres essais. Paris: Fernand Nathan,1990. Edição brasileira: O ato fotográfico e outros

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ensaios. Campinas: Papirus, 2003). Schaeffer, op. cit.Krauss, Rosalind E. Le photographique , pour une théoriedes écarts, Paris: Macula, 1990.

16 Ver, para citar apenas um exemplo, Buren, Daniel.“Fonction du musée” (1970), reeditado em Bronson,A.A, Pery Galé (ed.). Museums by Artists, Toronto: ArtMetropole, 1983: 57 sq. (Para a edição em português dotexto de Buren, ver: Duarte, Paulo Sergio (org.). Textos eentrevistas escolhidos [1967-2000]. Rio de Janeiro:Centro de Arte Hélio Oiticica, 2001: 57-62).

17 Ainda que indice e index também possam ser traduzidossimultaneamente para o português como índice, optamospor seguir a outra possibilidade de vertê-los para, indícioe índice, respectivamente, que nos parece conforme aoespírito do texto. Em outras passagens, sobretudo noscasos em que as derivações das palavras puderemresultar em ambigüidades, indicaremos o original entrecolchetes. (N.Rt.)

18 Charles S. Peirce, Dictionary of Philosophy and Psychology,artigo “index” (1901). (Tradução francesa in: Peirce,Charles S. Écrits sur le signe [traduzidos e comentadospor Gerard Deledalle] Paris: Seuil, 1978: 158.

19 Eco, Umberto. Le signe. Histoire et analyse d’un concept.Bruxelas: Labor, 1988: 63. Antes mesmo de contigüidadefísica, Eco deveria ter falado, para o primeiro caso, emcontigüidade espacial.

20 Id., ibid: 65.

21 Schaeffer, op. cit.: capítulo I, passim.

22 Sejamos mais precisos: talvez seja possível considerar osmuseus o índice do poder ou da riqueza que elessimbolizam, mas jamais do que eles mostram.

23 Desde um dos primeiros relatos – aquele apresentado porL.G. Brecquigny em 2 de dezembro 1790 junto aComissão dos Monumentos – consagrados sob aRevolução Francesa aos dépôts dos monumentos dasciências e das artes que ela pretendia instituir, a questãodo abrigo desses “museus” foi abordada. Brecquignyescreveu: “Escolheríamos para servir de museu algumasigrejas desativadas daquelas numerosas que serãosuprimidas e que sem essa [função] permanecerãoinutilidade absoluta. Ao consagrá-la a esse uso, avantagem será dupla. O edifício será construído, e adisposição será tal que ali haveria poucas mudanças afazer a fim de torná-lo própria ao novo serviço para oqual será usado”. Edouard Pommier, que cita essapassagem (“Naissance de musées de province” In: Nora,Pierre, Les lieux de mémoire II , La nation 2. Paris:Gallimard: 472-473) acrescenta, conforme Brecquigny, odetalhe de que o “guarda” – o futuro conservador –“será colocado no campanário...” Sobre a constituiçãodos museus franceses e sobre a natureza dos prédiosutilizados para guardar as obras de arte do início doséculo 19, ver também Sherman, Daniel J. WorthyMonuments, Art Museums and the Politics of Culture inNineteenth-Century France. Cambridge, Massachusetts eLondres: Harvard University Press, 1989. Sobre aconcepção de uma arquitetura especificamente museal –de inspiração hegeliana – (cf. adiante o exemplo do AltesMuseum de Berlin construído por Schinkel), ver tambéma nota 39.

24 Krauss, Rosalind E. “Notes on the Index” October n. 3 e 4.Cambridge: MIT Press (primavera- outono 1977),reeditado em Krauss, The Originality of the Avant-Gardeand Other Modernist Myths, Cambridge, Massachusetts eLondres: The MIT Press, 1985: 196-221 (ediçãofrancesa: L’originaltié de l’avant-garde et autres mythesmodernistes. Paris: Macula, 1993: 65-91).

25 Id., ibid.: 206 (edição francesa: 74. A tradução do mesmotexto por Jean-Pierre Criqui apresenta ligeirasmodificações em relação àquela feita por Soutif. N.Rt.).Depois de Krauss, Philippe Dubois formula a mesma tesede maneira que deixa aparecer mais claramente ainsuficiência. Segundo esse autor (op. cit.: 229), os readymades podem ser descritos “como casos extremos emque o produto final não só não se parece, mas não énem mesmo o traço físico de um objeto exterior a ser“representado”: ele é o próprio objeto que se tornouobra enquanto tal, por um ato de decisão artística, porsimples operação de seleção, de suspensão docontinuum do real e da inscrição no universo da arte”. Ébem verdade, ainda que falte a análise da funçãopropriamente dita desse “universo”.

26 Krauss, Rosalind E. “Marcel Duchamp ou le champimaginaire” In: Degrés, n. 26-27, primavera 1981,reeditado e traduzido in: Krauss , Le photographique,op. cit.: 85.

27 Cf. Recanati, François. La transparence et l´ énonciation.Paris: Seuil, 1979.

28 Cf. Pommier, op. cit., passim.

29 Sherman, op. cit.: 14.

30 De Quincy, Quatremère. Considérations morales sur ladestination des ouvrages de l´art. Paris: Crapelet, 1815(Reimpressão: Corpus des oeuvres de philosophie enlangue française. Paris: Fayard, 1989).

31 Schaeffer, op. cit.: 158.

32 Szarkowski, John. The photographer´s Eye, Nova York: TheMuseum of Modern Art, 1966, e igualmente, ocomentário desse texto por Phillips, Christopher in: “TheJudgment Seat of Photography”, October n. 22.Cambridge: MIT Press, outono 1982. (republicado in:Bolton, Richard (ed). The Contest of Meaning. CriticalHistories of Photography. Cambridge, Massachusetts eLondres: The MIT Press, 1989: 15 sq.) Esse artigo étraduzido aqui com o título de “Le tribunal de laphotographie”: 19 sq.

33 “O nome do noema da fotografia será, portanto: ‘foiassim’” (“Le nom du noème de la photographie seradonc: “Ça-a-été” ...)” Barthes, op. cit.: 120.

34 Cartela – espaço liso, em pedestal, ou em ornatoarquitetural no qual se inscreve uma legenda;enquadramento decorativo esculpido que cerca ummotivo, um quadro, um objeto. No original, cartel.(N.Rt.)

35 Dépôt, no original (N.Rt.).

36 Département, no original – divisão do território francês emvigor desde a Revolução Francesa, chefiado por umprefeito assistido por um conselho geral. (N.Rt.)

37 Citado por Pomier, op. cit.: 473.

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38 Citado por Poulot, Dominique. “Alexandre Lenoir et lesMonuments français”. In: Nora, Pierre (dir.), Les lieux demémoire, op. cit.: 504.

39 Citado por Crimp, Douglas. “The Post-ModernMuseum”, Parachute n. 46, Montreal, mar-abr-mai1987: 61 sq. A parte desse artigo que se refere aoAltes Museum foi republicada com um aparato de notasmais completas com o título de “The End of Art andthe Origin of the Museum” in Art Journal, XI.VI. n. 4 ,inverno 1987: 261-266.

40 Sherman, op. cit.: 29, 43-44.

41 Bois, Yve-Alain. “Exposition: esthétique de la distraction,espace de démonstration”, Cahiers du Musée national d´art moderne n. 29, outono 1989, Paris, Centre GeorgesPompidou: 62.

42 O termo Kunstwollen de Riegl tem apresentado as maisdiversas traduções, dadas as inúmeras interpretaçõesde que tem sido alvo desde sua origem. Fizemos aquia tradução literal, conforme procedeu o autor doartigo. (N.Rt.)

43 O’Doherty, Brian. Inside the White Cube, Ideology of theGallery Space. Santa Monica: The Lapis Press, 1986.

44 Benjamin, Walter. “Petite histoire de la photographie”(1931), in Essais 1, 1922-1934, Paris, Denoël-Gonthier, 1983: 164.

45 Ver acerca desse ponto os desenvolvimentos apresentadosem Soutif, Daniel. “Du bon et du mauvais usage del´objet”. Transversalité 1, Bordeaux: CapcMusée d ´artcontemporain, 1990: 33-38.

46 Benjamin, Walter. “Paris capitale du XIXe siécle, exposé de1939”, in Paris, capitale du XIXe siécle. Le livre despassages, trad. franc., Paris: Cerf, 1989: 51.

47 Id., ibid.48 Id., ibid.: 38.49 Id., ibid.: 40 e 51.

50 L’Institut – L’Institut de France, criado em 1795, é a instânciaoficial máxima da intelectualidade e uma das instituiçõesmais respeitadas da França por reunir as cinco grandesAcademias do saber: a Académie Française, a Académiedes Inscriptions et Belles Lettres, a Académie deSciences, a Académie de Beaux Arts e a Academie deSciences Morales et Politiques (N.Rt.).

51 Sobre Laborde, ver Jammes, André, Eugenia Parry Janis, TheArt of French Calotype with a Critical Dictionary ofPhotographers, 1845-1870. Princeton: PrincetonUniversity Press, 1983: 196-197.

52 Laborde, Léon de. Travaux de la Comission française surl’industrie des nations, Exposition Universelle de Londres, t.VIII, 1856: 450-503, apud. Rouillé, André. Laphotographie en France. Textes et controverses: uneanthologie 1816-1871, Paris: Macula, 1989: 218-225.

53 Périer, Paul “Exposition Universelle”. In: Bulletin de la Sociétéfrançaise de photographie, maio 1955, apud Rouillé, op.cit.: 210.

54 Exposition Universlle de 1855 , Rapports du jury mixteinternational publiés sous la direction de S.A.I. le prince

Napoléon, 1856. Id., ibid.: 191.

55 Cf. Soutif, op. cit.: 37.

56 Benjamin, “Petite histoire…” In: Essais 1, op. cit.: 162.

57 Cf. notas 50 e 51.

58 Acheiropoiete (literalmente, “não feito por mãos humanas”,como traduzido em seguida pelo autor) é um termousado por historiadores de arte e teólogos para se referira determinados ícones sagrados que teriam sidoproduzidos diretamente por meio do divino, sem aintervenção ou intermediação humana, tais como o véude Verônica, faces do Cristo, etc. Ver a esse respeito –de onde essa referência foi extraída: Latour, Bruno. Whatis iconoclash? Or is there a world beyond the imagewars? (In: www.ensmp.fr/~latour/article/84-ICONOCLASH%20PDF.pdf.) e Mondzain, Maria-José.Qu’est-ce oir une image? (In: www.canal-u.fr/canalu;procurar a conferência pelo nome da autora). (N.Rt.)

59 Cf. Soutif, op. cit.: 34-35.

60 Cf. Dubois, op. cit.: 116 sq.

61 Périer, Paul. “Exposition Universelle: photographes français”Bulletin de la Société française de Photographie, julho1855, apud Rouillé, op. cit.: 273.

62 Durieu, Eugène. “Sur la retouche des épreuvesphotographiques”, Bulletin ..., outubro 1855, apudRouillé, op. cit.: 275.

63 Cf. Sagne, Jean. Delacroix et la photographie. Paris:Herscher, s.d.

64 Delacroix, Eugène. “Revue des arts”, Revue des deuxmondes, setembro 1850, apud Rouillé, op. cit.: 406. Cf.Sagne, op. cit.: 11.

65 Ver sobre esse tema, outra obra clássica de Aaron Scharf,Art and Photography, Harmondsworth: Pelican, 1974:Coke, Van Derek The Painter and the Photograph: fromDelacroix to Warhol, Albuquerque: University of NewMexico Pres, 1964 (reimpressão 1986) e Billeter, ErikaMalerei und Photographie im Dialog von 1840 bis Heute,Zurich: Kunsthaus, 1977.

66 Da Vinci, Leonardo. Carnets, Paris: Gallimard, 1987,tome 2: 252.

67 Arasse, Daniel. “Les miroirs de la peinture”. In: L´imitation,aliénation ou source de liberté? Rencontres de l´École duLouvre. Paris: La Documentation Française, 1984: 74.

68 Id., ibid.

69 A esse respeito é necessário assinalar um pequeno textopouco conhecido de Benedetto Croce intitulado Unethéorie de la “tache” (Trad. francesa in: Croce, Benedetto,Gilles A. Tiberghien (org. e trad.). Essais d’Esthétique.Paris: Gallimard, 1991), na qual o filósofo italianoapresenta a teoria de um autor chamado VittorioImbriani. Nesse texto lemos: “E a mancha é o sine quanon do quadro, o essencial indispensável que pode porvezes fazer esquecer certas outras qualidades ausentes,mas que não pode ser substituída por nenhuma outra”(p.24).

70 Durieu, op. cit.: 274.

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