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DO PROFESSOR AO LIVRO DIDÁTICO: ALGUNS
ENTRAVES PARA A INCLUSÃO DA VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA
Jurgen Alves de Souza (UESB)1
RESUMO: Este trabalho apresenta uma pesquisa realizada em uma escola pública de ensino fundamental
e médio, com a finalidade de investigar o tratamento dado à variação linguística na prática docente e no
conteúdo do livro didático. Os procedimentos metodológicos adotados foram uma entrevista realizada
com duas professoras, uma do ensino fundamental e outra do ensino médio, acerca da abordagem dada à
variação linguística em sua prática docente, bem como uma análise criteriosa no que diz respeito a esse
assunto dos livros didáticos utilizados por elas. Os resultados foram comparados com os pressupostos
teóricos da Sociolinguística e com as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
possibilitando a constatação de que a falta de preparo dos docentes e a abordagem equivocada dos livros
didáticos ainda são entraves significativos para a inclusão da variação linguística na sala de aula de língua
portuguesa, muito embora tenhamos percebido que há, em meio a tantos problemas na formação
acadêmica dos docentes, professores mais bem preparados para lidar com esse assunto de forma
adequada, assim como, a despeito dos muitos materiais didáticos mal elaborados, há livros didáticos que
abordam a variação linguística de forma satisfatória, não se limitando a classificá-la apenas como algo
rural ou regional e propondo atividades que contribuam para que os alunos percebam sua presença nos
mais diferenciados contextos e locais.
PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Prática docente. Livro didático.
RESUMEN: En este trabajo se presenta un estudio realizado en una escuela pública primaria y
secundaria, con el fin de investigar el tratamiento de la variación lingüística en la práctica docente y en el
contenido del libro didáctico. Los procedimientos metodológicos utilizados fueron una entrevista con dos
profesoras, una de la escuela primaria y otra de la escuela secundaria, sobre el enfoque dado a la variación
lingüística en su práctica docente, así como un análisis detallada con respecto a este asunto en los libros
didácticos utilizados por ellas. Los resultados se compararon con la teoría de la Sociolingüística y con las
recomendaciones de las directices curriculares nacionales, lo que permite la constatación de que la falta
de preparación de los docentes y el enfoque equivocado de los libros didácticos siguen siendo importantes
obstáculos para la inclusión de la variación lingüística en la sala de clase de lengua portuguesa, aunque
nos dimos cuenta de que hay, en medio a tantos problemas en la formación académica, profesores mejor
preparados lidiar con este asunto adecuadamente, así como, a pesar de los muchos materiales didácticos
mal hechos, hay libros didácticos que abordan la variación lingüística satisfactoriamente, no se limitando
sólo a clasificarla como algo rural o regional y proponendo actividades que ayudan los estudiantes a darse
cuenta de su presencia en los más diferentes contextos y lugares.
PALABRAS CLAVE: Variación lingüística. Práctica docente. Libro didáctico.
1 Professor Assistente de Língua Portuguesa na UESB e doutorando em Língua e Cultura pela UFBA.
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1. INTRODUÇÃO
Embora atualmente esteja bem clara, pelo menos para a maioria dos estudiosos
da área linguística, a inegável relação entre linguagem e sociedade, houve uma época
em que era cientificamente improvável o desenvolvimento de pesquisas linguísticas que
levassem em conta o contexto social. No início do século XX, ao lançar as bases para a
Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure definiu a língua, por objeção à fala, como
o objeto de estudo da Linguística, defendendo que a língua é o sistema pelo qual se
aprofundam os movimentos do discurso, enquanto a fala seria apenas sua materialização
social, o que excluía “toda consideração de natureza social, histórica e cultural na
observação, descrição, análise e interpretação do fenômeno linguístico” (ALKMIM,
2001, p. 23). Surgiram, porém, a partir da década de 30, linguistas como Mikhail
Bakhtin, Roman Jakobson, Marcel Cohen e Émile Benveniste, defendendo a ideia de
que os estudos linguísticos precisavam considerar a interação entre linguagem e
contexto social, ja que é dentro da língua e pela língua que indivíduo e sociedade se
determinam mutuamente.
Contudo, é na década de 60, a partir do surgimento da Sociolinguística, que essa
proposta de se estudar a linguagem atrelada ao contexto social ganha força. Mencionado
pela primeira vez na célebre pesquisa do linguista William Labov, em 1963, sobre a fala
dos moradores da ilha de Martha’s Vineyard, no litoral do Massachusetts, o termo
Sociolinguística se fixou como uma nova área dos estudos linguísticos em 1964, através
de um congresso organizado pelo linguista William Bright na Universidade da
Califórnia, em Los Angeles, quando se definiu a variação linguística como seu objeto de
estudo. A Sociolinguística parte da premissa de que língua e sociedade são
indissociáveis, sendo necessário, na busca por explicar os fenômenos linguísticos,
relacionar a heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social. Vale a ressalva,
porém, de que reconhecer esse caráter heterogêneo e variável da língua não a torna
aleatória e desordenada, mas a visualiza como um sistema estruturado, organizado e
“que possibilita a expressão de um mesmo conteúdo informacional através de regras
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diferentes, todas igualmente lógicas e com coerência funcional” (BAGNO, 2007a, p.
43).
Nesse sentido, a variação linguística é justamente essa possibilidade que os
falantes de uma língua têm de expressar a mesma informação de diferentes maneiras e,
como vemos, faz parte de um sistema complexo que vai muito além do limitado
conceito de “certo” e “errado” perpetuado pela tradição escolar. Aliás, é em virtude da
falta de uma melhor compreensão acerca dessa uma engrenagem tão complexa na qual
se insere a variação linguística que há, muitas vezes, um grande empecilho à sua
adequada inserção no ambiente escolar.
É lamentável que uma coisa tão maravilhosa, complexa e apaixonante tenha
sido reduzida, na tradição escolar, a uma divisão estúpida entre ‘certo’ e
‘errado’, ainda mais estúpida porque se baseia em preconceitos sociais e
culturais que já devíamos ter abandonado há muito tempo. (BAGNO, 2007a,
p. 43)
Diante do flagrante contraste entre a visível heterogeneidade linguística
observada no uso cotidiano da língua e a suposta homogeneidade linguística idealizada
pela gramática normativa ensinada nas escolas, a Sociolinguística recorre ao conceito de
norma linguística, por meio do qual os aspectos funcional e social da linguagem se
interpenetram. Sendo assim, seria possível diferenciar três tipos de norma: padrão, culta
e popular. A norma-padrão seria aquela que “reuniria as formas contidas e prescritas
pelas gramáticas normativas” (LUCCHESI, 2002, p. 65), ao passo que a norma culta
seria aquela que “conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos
plenamente escolarizados, ou seja, dos falantes com curso superior completo”
(LUCCHESI, 2002, p. 65). A norma popular, por sua vez, seria aquela que “se define
pelos padrões de comportamento linguístico da grande maioria da população alijada de
seus direitos elementares e mantida na exclusão e na bastardia social” (LUCCHESI,
2002, p. 87).
No caso específico do Brasil, os diferentes usos da língua falada em território
nacional, característicos de sua constituição sócio-histórica, apontam para o intenso
processo de variação linguística que os muitos estudos sociolinguísticos comprovam.
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Todavia, de acordo com Alkimim (2001), não se pode negar que existe um processo de
valoração social estabelecido pela nossa estrutura sociopolítica e cultural, por meio do
qual a norma-padrão, cujo uso é requerido pela comunidade em situações mais formais
e definido como o modo “correto” de falar, goza de maior prestígio, ao passo que a
norma popular, utilizada pelos falantes que não dominam a norma-padrão, é marcada
pela estigmatização e pelo preconceito. Bagno (2007a) afirma que esse preconceito
linguístico é fruto de uma confusão criada ao longo da nossa história entre língua e
gramática normativa, sendo reproduzido e alimentado diariamente pelos meios de
comunicação em massa, pelos livros didáticos e pela própria escola.
Inserido nesse cenário, o presente trabalho apresenta uma pesquisa realizada
com a finalidade de investigar o tratamento dado à variação linguística na prática
docente e no conteúdo do livro didático, tomando por base uma entrevista com duas
professoras de escolas públicas, uma do 3º ano do ensino médio e outra do 9º ano do
ensino fundamental, além de uma análise criteriosa dos livros didáticos adotados por
elas, comparando os resultados obtidos com as recomendações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN's) e com os estudos sociolinguísticos mais recentes.
2. COMO OS PROFESSORES TRATAM A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?
É importante ressaltar, antes de qualquer coisa, que defender a necessidade de se
incluir a variação linguística no universo de sala de aula não significa empreender uma
campanha contra o ensino da norma-padrão, até porque são notórias, como foi
mencionado na na introdução, as relações de poder que estão envolvidas no uso da
língua. Conhecer a norma-padrão prescrita pela gramática normativa é, de fato,
necessário, uma vez que ela será exigida em algumas situações do cotidiano, podendo
ser um instrumento de ascensão ou de exclusão social.
Não se deve esquecer, no entanto, que essa é a apenas uma das variedades da
língua, sendo imprescindível que o estudante tenha ciência da existência de outras
variedades linguísticas para que possa se desfazer do preconceito que muitas vezes lhe
incutiram a respeito do seu próprio modo de falar. Nesse sentido, os Parâmetros
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Curriculares Nacionais orientam, desde 1998, que a variação linguística seja trabalhada
em sala de aula, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, no intuito de
conduzir os alunos a reconhecer a legitimidade de todas as variedades linguísticas,
inclusive as que se afastam da tradição gramatical.
Os PCN's analisam o ensino de língua portuguesa como algo que desenvolve no
aluno seu potencial crítico. Não é necessário que os alunos memorizem as regras
gramaticais, mas os mesmos devem ter meios para ampliar conhecimentos e
competências, isto é, é necessário que os alunos saibam se comunicar nas diversas
situações de suo da língua:
O ensino de língua portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu
potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão
linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos
representativos de nossa cultura. Para além da memorização mecânica de
regras gramaticais ou das características de determinado movimento literário,
o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e
competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da
língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do
trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55)
Diante disso, os PCN's esclarecem ainda que professores e alunos devem ter
consciência de quem são seus interlocutores:
Para que se encarem adequadamente as diversas situações comunicativas que
se apresentam na escola, professores e alunos devem ter consciência do lugar
de onde falam e dos interlocutores a quem se dirigem. O professor deve estar
consciente de que dele se espera que saiba dispor dos conhecimentos próprios
de sua especialidade. No caso do professor de Língua Portuguesa, a
expectativa é que saiba adequar seu discurso a um bate-papo menos formal
na resolução de um impasse cotidiano ou a uma aula mais expositiva, em que
compartilhe seus conhecimentos sobre um tema recorrente na literatura ou
um tópico gramatical. (BRASIL, 2002, p. 75)
Logo, o professor não pode ensinar uma receita, mas criar situações
linguísticas para que o aluno conheça melhor sua língua. Afinal de, acordo com os
PCN's, a aquisição de língua materna também está relacionada com o meio cultural:
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Toda língua é um patrimônio cultural, um bem coletivo. A maneira como
paulatinamente nos apropriamos dela – com a mediação da família, dos
amigos, da escola, dos meios de comunicação e de tantos outros agente –
determina, em grande medida, os usos que dela fazemos nas mais diversas
práticas sociais de que participamos cotidianamente. (BRASIL, 2002, p. 55)
Os PCN's reconhecem, portanto, que existe um grande número de variedades
linguísticas e que, por serem formas legítimas de uso da língua, merecem ser
respeitadas. Ou seja, a escola deve oferecer ao aluno diversas situações de discurso para
que tenham oportunidade de avaliar a adequação das variedades linguísticas às
circunstâncias comunicativas, não devendo a norma culta, e menos ainda a norma-
padrão, ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado
ao aluno.
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis.
Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação
normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa, está se falando de
uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja
relativa unidade linguística e apenas uma língua nacional, notam-se
diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de
construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de
comunidades linguísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam
em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades
fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes
variedades linguística, geralmente associadas a diferentes valores sociais.
[…] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da
linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos
manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre o que se deve e o
que não se deve falar e escrever, não se sustenta na análise empírica dos usos
da língua. (BRASIL, 1998, p. 29)
Contudo, ainda que haja uma orientação formal para esse tipo de prática
docente, trabalhar variação linguística nas aulas de língua portuguesa não é tarefa fácil,
principalmente quando o professor não está devidamente preparado e, por conseguinte,
não valoriza a inclusão desse conteúdo no universo de sala de aula.
O professor, que é a peça essencial no processo, terá de ser evidentemente
muito bem preparado tanto na sua formação linguística – o que não ocorre
hoje no Brasil – como na sua formação pedagógica geral, para entender essa
complexa problemática que envolve a diversidade dialetal falada e a relativa
homogeneidade que se apresenta na escrita. (MATTOS E SILVA, 2004, p.
76)
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Ao contrário, porém, do que ocorre com a maioria dos docentes do ensino
fundamental e médio, as professoras entrevistadas, ambas formadas em Letras pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, destacaram a importância de se trabalhar
com esse tema, explicando que todo falante de uma determinada língua precisa
conhecer as variedades de sua língua e deve aprender a utilizá-la com competência, nos
mais variados contextos. Além disso, elas afirmaram que o conhecimento do aluno
acerca das variedades existentes vai gerar o respeito por elas, minimizando o
preconceito linguístico e facilitando a conversação desse aluno com pessoas falantes de
variedades diversas. Com isso, as professoras demonstram uma atitude valorativa em
relação ao ensino da variação linguística na sala de aula de língua portuguesa,
destacando a necessidade de instrumentalizar o aluno para que saiba se comporte de
forma adequada nas diversas situações sociocomunicativas.
Em relação à abordagem da variação linguística em sala de aula, as professoras
entrevistadas salientaram que, em suas aulas, o conhecimento linguístico é trabalhado
em todas as suas vertentes, desde a coloquial até a mais culta, embora não explicitem
claramente que recursos são utilizados para esse fim. Tal atitude condiz com a
orientação de que o docente de língua portuguesa deve criar situações que se
aproximem da realidade linguística dos alunos, para que, partindo dessa
contextualização, procure ampliar o conhecimento linguístico dos mesmos.
O professor não ensina gramática básica, ou o vernáculo ao aluno, seu
trabalho deve ter como objetivo criar situações linguísticas diferenciadas e
continuadas para que ele estenda o conhecimento da sua língua já adquirido:
da sua variedade vernacular para outras variedades, da variedade de sua
classe social para a de outros, de um único estilo para vários etc. (SILVA,
2002, p. 262)
Quando questionadas em relação à recepção dos alunos ao assunto da variação
linguística, as professoras afirmaram que tal temática aguça-lhes a curiosidade em
conhecer as diversas formas de uso da linguagem presentes em território nacional, mas
apenas uma delas, a do ensino médio, declarou que se coloca como mediadora desse
processo de conhecimento da diversidade linguística brasileira ensejado pelos alunos,
descrevendo uma série de atividades de pesquisa que costuma desenvolver com eles.
Ela destacou ainda que esse conteúdo aproxima os alunos de sua realidade linguística e
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permite a quebra de preconceitos linguísticos que eles tinham a respeito de suas próprias
comunidades de fala. A professora do ensino fundamental, porém, não deixa claro se
costuma estimular seus alunos a pesquisarem acerca da diversidade linguística brasileira
ou mesmo se esse tipo de pesquisa faz parte do conteúdo programático da disciplina, o
que seria recomendável.
Embora ambas as professoras entrevistadas tenham afirmado não enfrentarem
resistência por parte dos alunos em relação à abordagem da variação linguística em sala
de aula, a professora do ensino fundamental, quando questionada se os alunos
encaravam a variedade deles como mais “correta” que as demais – como a fala rural,
por exemplo –, reconheceu que, apesar de se restringir a uma quantidade mínima de
alunos (um ou dois por turma), ainda há uma pequena confusão quanto à noção de
“certo” e “errado”, mas que ela tem buscado o amparo de textos teóricos consistentes
sobre o assunto na busca por sanar o problema. Sobre essa questão, o linguista Marcos
Bagno afirma que:
No primeiro modo de ver as coisas, isto é, na perspectiva das ciências da
linguagem, não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um
sistema de sons e significados que se organizam sintaticamente para permitir
a interação humana, toda e qualquer manifestação linguística cumpre essa
função plenamente. […] A noção de erro – que está no segundo modo de ver
a língua – se prende a fenômenos sociais e culturais, que não estão incluídos
no campo de interesse da Linguística propriamente dita, isto é, da ciência que
estuda a língua “em si mesma”, em seus aspectos fonológicos, morfológicos,
sintáticos etc. Para investigar esses dois pontos de vista, a gente tem que
recorrer a uma outra disciplina, necessariamente interdisciplinar, que
precisamente a Sociolinguística. (BAGNO, 2007b, p. 61)
Na verdade, os professores precisam distinguir o que é e o que não é necessário
ensinar nas aulas de língua portuguesa, para que não se perca tempo com aquilo que
pouco ou nada acrescenta à bagagem linguística do aluno e se evite que a escola, ao
invés de contribuir para seu crescimento individual, acabe formando pessoas ignorantes
a respeito de sua própria realidade linguística e, por isso mesmo, mais propensas ao
preconceito linguístico.
Muito tempo de sala de aula é desperdiçado com práticas irrelevantes de
ensino de coisas que a criança já sabe e domina, como boa falante da língua,
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enquanto outras coisas, mais importantes e interessantes, são deixadas de
lado. (BAGNO, 2007a, p. 53)
Merece destaque o posicionamento das professoras entrevistadas em reconhecer
que a variação já faz parte do currículo, afinal esta instrução está presente nos PCN's,
apesar de muitos profissionais não seguirem tal recomendação. Desta forma, elas
demonstram coerência com um ensino que contribui para a formação do aluno,
preocupando-se em desenvolver sua competência linguística, livre de qualquer
preconceito. Corroborando esse posicionamento, o linguista Carlos Alberto Faraco
afirma que:
O tema é rico para aprofundarmos nossa busca de alternativas pedagógicas
que permitam pôs a escola na vanguarda, sensibilizando as crianças e os
jovens para a variação e para seus sentidos sociais e culturais; contribuindo
para uma reconstrução do nosso imaginário nacional sobre a nossa realidade
linguística e, acima de tudo, combatendo a violência simbólica que ainda
atravessa nossas relações sociais. (FARACO, 2008, p. 182)
Se não existe apenas a norma-padrão ou a norma culta da língua portuguesa,
mas existe também a norma popular, utilizada pela maioria dos falantes, os professores
devem reconhecer o português como uma língua heterogênea e procurar tornar seus
alunos competentes linguisticamente, livres de preconceitos e capazes de se comunicar
em diferentes contextos. Portanto, assim como as professoras entrevistadas, outros
docentes devem reconhecer a importância do ensino da variação linguística em sala de
aula.
3. COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?
Um dos grandes entraves para a adequada inclusão da variação linguística no
universo de sala de aula é a falta de livros didáticos que abordem a questão de maneira
coerente, sem o exagerado posicionamento de que “agora pode tudo” no uso da língua e
sem o preconceituoso julgamento de que ensinar o aluno a reconhecer a legitimidade da
variação linguística seria “ensinar a falar errado”. O cerne da questão, portanto, está em
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ter um material didático que, de fato, leve em conta as recomendações dos PCN's acerca
do que é ensinar língua portuguesa.
De acordo com os PCN's, ensinar língua portuguesa para o ensino médio não é
apenas trabalhar com literatura e gramática, mas também dirigir atenção para a
produção de textos e oralidade. Na verdade, a exploração da literatura, da gramática, da
produção de textos e da oralidade pressupõe habilidades ligadas à literatura, aos
conhecimentos linguísticos, à leitura e à fala. Seria interessante, portanto, que o material
didático contemplasse esses eixos. Os PCN's explicam que deve haver uma valorização
da variante linguística de cada aluno, afinal o aluno, ao entrar na escola, já possui uma
bagagem linguística:
Cabe à escola propiciar que o aluno participe de diversas situações de
discurso, na escrita e na fala, para que tenha oportunidade de avaliar a
adequação das variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas. A
norma culta, considerada como uma das variedades de maior prestígio
quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma
língua, deve ter lugar garantido na escola, mas não pode ser a única
privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao
aluno. (BRASIL, 2002, p. 75-76)
Evidentemente, isso não significa desprezar a norma-padrão, afinal os alunos
necessitam do conhecimento da mesma para algumas situações formais da vida
cotidiana. Cabe, então, à escola e aos materiais didáticos por ela utilizados propiciar o
estudo dos mais diversos padrões de fala e de escrita, a fim de instrumentalizar o aluno
com as ferramentas necessárias para fazer uso da língua de forma adequada em toda e
qualquer circunstância.
No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se
almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da
forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do
contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a
variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber
coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que
modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa –
dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é
de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada
da linguagem. (BRASIL, 1998, p. 31)
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Bagno (2007c) explica a importância de analisar se o tratamento da variação
linguística no livro didático é limitado apenas às variedades rurais ou regionais, ou se o
livro aborda a variação a partir de variedades autênticas. O professor pode trabalhar, por
exemplo, com gravações e filmagens das diversas variedades linguísticas brasileiras, de
modo que os alunos saibam o conceito real de variação:
Em vez de ficar recorrendo à já cansada listinha de palavras que variam de
um lugar para outro ou à imitação grotesca dos sotaques, a gente pode tentar
conseguir filmagens ou gravações autênticas de falantes representantes das
diversas variedades linguística brasileiras e explorá-las em sala de aula. […]
O mais importante de tudo é preservar, no ambiente escolar, o respeito pelas
diferenças linguísticas, insistir que elas não são “erros” e até mesmo tentar,
na medida do possível, mostrar que a lógica linguística delas. (BAGNO,
2007c, p. 125)
O que se espera, então, é que o livro didático possibilite a professores e alunos o
desenvolvimento de uma consciência linguística que os conduza a reconhecer e a
respeitar as muitas variedades linguísticas que fazem parte da língua falada por eles.
Os sujeitos que participam do processo de ensino e aprendizagem devem ter
consciência de que qualquer língua, entre elas a portuguesa, comporta um
grande número de variedades linguísticas, que devem ser respeitadas. Tais
variedades são mais ou menos adequadas a determinadas situações
comunicativas, nas quais se levam em consideração os interlocutores, suas
intenções, o espaço, o tempo. (BRASIL, 2002, p. 75)
Um bom material didático deve evidenciar que as variedades devem se adequar
à situação comunicativa, sendo necessário levar em consideração seus interlocutores e
avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações
da língua. É justamente por conta dessa recomendação dos PCN's que este trabalho
também procurou analisar o tratamento dado à variação linguística nos livros didáticos
adotadas por cada uma das professoras entrevistadas.
Seguindo a recomendação dos PCN's, o livro Viva português, utilizado no 3º
ano do ensino médio, aborda a variação linguística e, surpreendentemente, não restringe
o assunto à fala de comunidades rurais ou aos dialetos regionais e não o abordar apenas
em um capítulo isolado e sem conexões com os outros capítulos. Já o livro Língua
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portuguesa interativa, utilizado no 9º ano do ensino fundamental, aborda a variação
linguística de forma superficial, estanque e pontual, usando apenas exemplos de gírias e
de alguns falares tipicamente regionais.
A maioria dos livros didáticos utilizados nas salas de aula de língua portuguesa
costuma passar a equivocada ideia de que a variação linguística tem relação com os
falares regionais, especialmente os de comunidades rurais, o que na verdade evidencia
que as variedades urbanas, embora também sejam fortemente marcadas pela variação
linguística, gozam de maior prestígio no processo de valoração social, fazendo com que
os alunos compreendam erroneamente a variação como sinônimo de “erro” e
promovendo, consequentemente, o preconceito linguístico.
Por causa dos preconceitos que vigoram na nossa sociedade, algumas
variedades linguísticas sofrem mais discriminação que as outras: as rurais
frente às urbanas, as nordestinas frente às não-nordestinas (quando o falante
vive fora do Nordeste), as dos homens frente à das mulheres, a das classes
sociais privilegiadas frente às das classes desfavorecidas e por aí vai.
(BAGNO, 2007c, p. 129)
Apesar de afirmar que temos contato com variedades linguísticas de regiões
diferentes através da literatura, a exemplo dos romances de Jorge Amado, o livro Viva
português evidencia que na escola também é possível encontrar outras variedades,
propondo, inclusive, que os alunos se reúnam em equipes e escolham um grupo social
que tenha um uso específico da língua, a fim de que possam trazer exemplos reais e
apresentar, posteriormente, as descobertas feitas pelas equipes. O livro Língua
portuguesa interativa, por outro lado, sequer faz menção à existência de processos de
variação em variedades urbanas prestigiadas, colocando tais variedades, por meio de um
escala de “correção”, num extremo oposto ao das variedades rurais estigmatizadas,
deixando transparecer que a variação linguística seria restrita ao ambiente rural ou
quando muito à periferia das zonas urbanas, além de ser considerada um “erro”, a ponto
de propor atividades de “transformação” para aplicar a correção às frases que se
distanciam da norma-padrão.
É possível afirmar que o livro Viva português leva em consideração, em alguns
momentos, a situação comunicativa e seus interlocutores, já que, em uma atividade de
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produção textual, os alunos são instruídos a usar a variedade padrão, mas com a ressalva
de que o ideal é que a linguagem se adapte à realidade de quem lê, já que se trata de
uma carta. Contudo, em outro momento, o mesmo livro propõe a realização de um
seminário e explica como deve ser apresentada a atividade proposta, mostrando que, por
se tratar de um contexto de maior monitoramento, os alunos devem utilizar apenas a
variedade padrão. As autoras dão quase que uma “receita” da linguagem que deveria ou
não deveria ser usada a partir da noção de “certo” e “errado”, evidenciando, nesse caso,
uma confusão muito comum nos contextos escolares entre norma-padrão e norma culta.
No livro Língua portuguesa interativa, a abordagem da variação linguística mostra-se
tão reduzida que não há qualquer menção a uma possível diferença entre a norma culta e
a norma-padrão, o que permite deduzir que muito provavelmente os autores tomem uma
pela outra indistintamente.
Essa confusão entre a língua realmente empregada pelos falantes urbanos
escolarizados e o padrão de “língua certa” estabelecido nas gramáticas
normativas está presente em praticamente todos os livros didáticos. Nessas
obras, impera a ideia de que “o português são dois” quando, na verdade, o
português brasileiro são três: uma norma-padrão, que não é a língua de
ninguém; um conjunto de variedades estigmatizadas e um conjunto de
variedades prestigiadas, cada um deles caracterizando grupos sociais
específicos. (BAGNO, 2007c, p. 131)
O livro Viva português aborda, ainda, a respeito da adequação ou inadequação
de determinados registros em diferentes situações da língua, principalmente quando
trata da concordância verbal, já que apresenta inicialmente as regras e, posteriormente,
sugere uma atividade que exige atenção para as diferentes modalidades da língua,
demonstrando como a concordância aparece na modalidade escrita e depois pedindo que
os alunos analisem se ocorre da mesma forma na modalidade oral. O livro Língua
portuguesa interativa, por sua vez, apresenta alguns exemplos que até dão conta da
diferença existente entre oralidade e escrita, mas, assim como ocorre com os níveis de
variação, esses exemplos não são usados com a finalidade de explicitar tal diferença,
fazendo do ensino de língua portuguesa um mero curso de etiqueta gramatical, que não
possibilita ao aluno o desenvolvendo da competência linguística necessária às mais
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variadas situações sociocomunicativas e o igualmente necessário respeito à diversidade
linguística e cultural que enriquece a nação da qual ele faz parte.
Um ensino eficaz de língua materna incorpora a bagagem cultural do aluno,
promovendo uma ampla prática de leitura e produção de textos nas mais
variadas situações de comunicação, desenvolvendo também sua capacidade
de reconhecer os sentidos e valores ideológicos que a língua veicula em cada
situação. Nesse ensino, é imprescindível promover a consciência acerca da
diversidade linguística como reflexo inexorável da diversidade cultural. E
esta formação cidadã para o respeito à diferença não entra em contradição
com o ensino da norma culta, que deve permanecer. (LUCCHESI, 2011, p.
184)
Por tudo isso, pode-se dizer que, apesar de alguns equívocos, o livro Viva
português trata da variação linguística de forma adequada, não limitando a abordagem
do assunto a um capítulo desconectado dos demais, mas permitindo sempre que se
encontre algum tipo de referência à variação linguística ao longo de todo o livro. Ao
contrário, porém, pode-se dizer que as poucas páginas do livro Língua portuguesa
interativa dedicadas ao assunto, além de limitarem a abordagem da variação linguística
a um capítulo desconectado dos demais, dão apenas uma visão geral e pouco
aprofundada acerca da diversidade linguística brasileira, apesar de surpreendentemente
tratar, mesmo que en passant, do preconceito linguístico, expondo o estigma sofrido por
pessoas que não dominam a variedade socialmente privilegiada.
4. CONCLUSÃO
Levar a variação linguística brasileira para a sala de aula de língua portuguesa
é, antes de tudo, uma atitude reveladora de respeito ao próprio usuário da língua,
desenvolvendo-lhe a competência linguística necessária para o reconhecimento de que
cada variedade linguística tem o seu lugar e o seu papel no âmbito do processo
comunicativo para o qual a língua se presta.
É preciso, porém, que essa inclusão da variação linguística nas aulas de língua
portuguesa esteja acompanhada de um melhor preparo do docente, sendo essencial que
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ele tenha acesso a um sólido arcabouço teórico a respeito do assunto, para que esse tipo
de trabalho não seja, como muitas vezes ocorre, interpretado como uma tentativa de
abolir o ensino da gramática normativa ou como a instituição do temido “tudo pode”.
No caso das professoras entrevistadas, ficou patente a diferença entre a desenvoltura
teórica da professora do ensino médio e a da professora do ensino fundamental, embora
ambas tenham demonstrado uma prática docente que não valoriza apenas o que é
imposto pela gramática normativa, mas também procura valorizar e ampliar o
conhecimento do aluno em sala de aula. Essa busca pelo aperfeiçoamento cada vez mais
necessário ao papel de educador que o professor exerce, precisa fazer com que ele, a
exemplo das docentes em questão, saia da inércia intelectual e procure amparo na
extensa literatura que tem se produzido acerca desse assunto tão debatido no meio
acadêmico.
Não menos importante para uma adequada inclusão da variação linguística nas
aulas de língua portuguesa, o livro didático utilizado precisa abordar o assunto de
maneira séria e comprometida com o processo de ensino/aprendizagem, fazendo com
que os alunos possam compreender e reconhecer como legítimas quaisquer variedades
linguísticas, inclusive as mais afastadas da norma-padrão preconizada pela gramática
normativa, contribuindo, assim, para desfazer ou, ao menos, amenizar o latente
preconceito linguístico que permeia nossa sociedade. No caso dos livros aqui
analisados, percebeu-se que o livro Viva português, embora ainda incorra em alguns
equívocos, apresenta um tratamento razoavelmente adequado da variação linguística,
atendendo de forma satisfatória ao que se espera de um bom livro didático. Por outro
lado, o livro Língua portuguesa interativa apresentou um tratamento superficial,
inadequado e, por vezes, preconceituoso acerca da variação linguística, não
correspondendo às expectativas de qualidade que se enseja para um bom livro didático.
É importante lembrar que, sem esse amparo de um material elaborado em consonância
com os estudos sociolinguísticos mais recentes e com as recomendações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, professores e alunos correm o risco de ter compreensões
errôneas a respeito da variação linguística e de sua relevância para as aulas de língua
portuguesa.
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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.