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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 4 Número 11 Novembro 2013 148 DO PROFESSOR AO LIVRO DIDÁTICO: ALGUNS ENTRAVES PARA A INCLUSÃO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA Jurgen Alves de Souza (UESB) 1 [email protected] RESUMO: Este trabalho apresenta uma pesquisa realizada em uma escola pública de ensino fundamental e médio, com a finalidade de investigar o tratamento dado à variação linguística na prática docente e no conteúdo do livro didático. Os procedimentos metodológicos adotados foram uma entrevista realizada com duas professoras, uma do ensino fundamental e outra do ensino médio, acerca da abordagem dada à variação linguística em sua prática docente, bem como uma análise criteriosa no que diz respeito a esse assunto dos livros didáticos utilizados por elas. Os resultados foram comparados com os pressupostos teóricos da Sociolinguística e com as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, possibilitando a constatação de que a falta de preparo dos docentes e a abordagem equivocada dos livros didáticos ainda são entraves significativos para a inclusão da variação linguística na sala de aula de língua portuguesa, muito embora tenhamos percebido que há, em meio a tantos problemas na formação acadêmica dos docentes, professores mais bem preparados para lidar com esse assunto de forma adequada, assim como, a despeito dos muitos materiais didáticos mal elaborados, há livros didáticos que abordam a variação linguística de forma satisfatória, não se limitando a classificá-la apenas como algo rural ou regional e propondo atividades que contribuam para que os alunos percebam sua presença nos mais diferenciados contextos e locais. PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Prática docente. Livro didático. RESUMEN: En este trabajo se presenta un estudio realizado en una escuela pública primaria y secundaria, con el fin de investigar el tratamiento de la variación lingüística en la práctica docente y en el contenido del libro didáctico. Los procedimientos metodológicos utilizados fueron una entrevista con dos profesoras, una de la escuela primaria y otra de la escuela secundaria, sobre el enfoque dado a la variación lingüística en su práctica docente, así como un análisis detallada con respecto a este asunto en los libros didácticos utilizados por ellas. Los resultados se compararon con la teoría de la Sociolingüística y con las recomendaciones de las directices curriculares nacionales, lo que permite la constatación de que la falta de preparación de los docentes y el enfoque equivocado de los libros didácticos siguen siendo importantes obstáculos para la inclusión de la variación lingüística en la sala de clase de lengua portuguesa, aunque nos dimos cuenta de que hay, en medio a tantos problemas en la formación académica, profesores mejor preparados lidiar con este asunto adecuadamente, así como, a pesar de los muchos materiales didácticos mal hechos, hay libros didácticos que abordan la variación lingüística satisfactoriamente, no se limitando sólo a clasificarla como algo rural o regional y proponendo actividades que ayudan los estudiantes a darse cuenta de su presencia en los más diferentes contextos y lugares. PALABRAS CLAVE: Variación lingüística. Práctica docente. Libro didáctico. 1 Professor Assistente de Língua Portuguesa na UESB e doutorando em Língua e Cultura pela UFBA.

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DO PROFESSOR AO LIVRO DIDÁTICO: ALGUNS

ENTRAVES PARA A INCLUSÃO DA VARIAÇÃO

LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA

Jurgen Alves de Souza (UESB)1

[email protected]

RESUMO: Este trabalho apresenta uma pesquisa realizada em uma escola pública de ensino fundamental

e médio, com a finalidade de investigar o tratamento dado à variação linguística na prática docente e no

conteúdo do livro didático. Os procedimentos metodológicos adotados foram uma entrevista realizada

com duas professoras, uma do ensino fundamental e outra do ensino médio, acerca da abordagem dada à

variação linguística em sua prática docente, bem como uma análise criteriosa no que diz respeito a esse

assunto dos livros didáticos utilizados por elas. Os resultados foram comparados com os pressupostos

teóricos da Sociolinguística e com as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

possibilitando a constatação de que a falta de preparo dos docentes e a abordagem equivocada dos livros

didáticos ainda são entraves significativos para a inclusão da variação linguística na sala de aula de língua

portuguesa, muito embora tenhamos percebido que há, em meio a tantos problemas na formação

acadêmica dos docentes, professores mais bem preparados para lidar com esse assunto de forma

adequada, assim como, a despeito dos muitos materiais didáticos mal elaborados, há livros didáticos que

abordam a variação linguística de forma satisfatória, não se limitando a classificá-la apenas como algo

rural ou regional e propondo atividades que contribuam para que os alunos percebam sua presença nos

mais diferenciados contextos e locais.

PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Prática docente. Livro didático.

RESUMEN: En este trabajo se presenta un estudio realizado en una escuela pública primaria y

secundaria, con el fin de investigar el tratamiento de la variación lingüística en la práctica docente y en el

contenido del libro didáctico. Los procedimientos metodológicos utilizados fueron una entrevista con dos

profesoras, una de la escuela primaria y otra de la escuela secundaria, sobre el enfoque dado a la variación

lingüística en su práctica docente, así como un análisis detallada con respecto a este asunto en los libros

didácticos utilizados por ellas. Los resultados se compararon con la teoría de la Sociolingüística y con las

recomendaciones de las directices curriculares nacionales, lo que permite la constatación de que la falta

de preparación de los docentes y el enfoque equivocado de los libros didácticos siguen siendo importantes

obstáculos para la inclusión de la variación lingüística en la sala de clase de lengua portuguesa, aunque

nos dimos cuenta de que hay, en medio a tantos problemas en la formación académica, profesores mejor

preparados lidiar con este asunto adecuadamente, así como, a pesar de los muchos materiales didácticos

mal hechos, hay libros didácticos que abordan la variación lingüística satisfactoriamente, no se limitando

sólo a clasificarla como algo rural o regional y proponendo actividades que ayudan los estudiantes a darse

cuenta de su presencia en los más diferentes contextos y lugares.

PALABRAS CLAVE: Variación lingüística. Práctica docente. Libro didáctico.

1 Professor Assistente de Língua Portuguesa na UESB e doutorando em Língua e Cultura pela UFBA.

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1. INTRODUÇÃO

Embora atualmente esteja bem clara, pelo menos para a maioria dos estudiosos

da área linguística, a inegável relação entre linguagem e sociedade, houve uma época

em que era cientificamente improvável o desenvolvimento de pesquisas linguísticas que

levassem em conta o contexto social. No início do século XX, ao lançar as bases para a

Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure definiu a língua, por objeção à fala, como

o objeto de estudo da Linguística, defendendo que a língua é o sistema pelo qual se

aprofundam os movimentos do discurso, enquanto a fala seria apenas sua materialização

social, o que excluía “toda consideração de natureza social, histórica e cultural na

observação, descrição, análise e interpretação do fenômeno linguístico” (ALKMIM,

2001, p. 23). Surgiram, porém, a partir da década de 30, linguistas como Mikhail

Bakhtin, Roman Jakobson, Marcel Cohen e Émile Benveniste, defendendo a ideia de

que os estudos linguísticos precisavam considerar a interação entre linguagem e

contexto social, ja que é dentro da língua e pela língua que indivíduo e sociedade se

determinam mutuamente.

Contudo, é na década de 60, a partir do surgimento da Sociolinguística, que essa

proposta de se estudar a linguagem atrelada ao contexto social ganha força. Mencionado

pela primeira vez na célebre pesquisa do linguista William Labov, em 1963, sobre a fala

dos moradores da ilha de Martha’s Vineyard, no litoral do Massachusetts, o termo

Sociolinguística se fixou como uma nova área dos estudos linguísticos em 1964, através

de um congresso organizado pelo linguista William Bright na Universidade da

Califórnia, em Los Angeles, quando se definiu a variação linguística como seu objeto de

estudo. A Sociolinguística parte da premissa de que língua e sociedade são

indissociáveis, sendo necessário, na busca por explicar os fenômenos linguísticos,

relacionar a heterogeneidade linguística com a heterogeneidade social. Vale a ressalva,

porém, de que reconhecer esse caráter heterogêneo e variável da língua não a torna

aleatória e desordenada, mas a visualiza como um sistema estruturado, organizado e

“que possibilita a expressão de um mesmo conteúdo informacional através de regras

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diferentes, todas igualmente lógicas e com coerência funcional” (BAGNO, 2007a, p.

43).

Nesse sentido, a variação linguística é justamente essa possibilidade que os

falantes de uma língua têm de expressar a mesma informação de diferentes maneiras e,

como vemos, faz parte de um sistema complexo que vai muito além do limitado

conceito de “certo” e “errado” perpetuado pela tradição escolar. Aliás, é em virtude da

falta de uma melhor compreensão acerca dessa uma engrenagem tão complexa na qual

se insere a variação linguística que há, muitas vezes, um grande empecilho à sua

adequada inserção no ambiente escolar.

É lamentável que uma coisa tão maravilhosa, complexa e apaixonante tenha

sido reduzida, na tradição escolar, a uma divisão estúpida entre ‘certo’ e

‘errado’, ainda mais estúpida porque se baseia em preconceitos sociais e

culturais que já devíamos ter abandonado há muito tempo. (BAGNO, 2007a,

p. 43)

Diante do flagrante contraste entre a visível heterogeneidade linguística

observada no uso cotidiano da língua e a suposta homogeneidade linguística idealizada

pela gramática normativa ensinada nas escolas, a Sociolinguística recorre ao conceito de

norma linguística, por meio do qual os aspectos funcional e social da linguagem se

interpenetram. Sendo assim, seria possível diferenciar três tipos de norma: padrão, culta

e popular. A norma-padrão seria aquela que “reuniria as formas contidas e prescritas

pelas gramáticas normativas” (LUCCHESI, 2002, p. 65), ao passo que a norma culta

seria aquela que “conteria as formas efetivamente depreendidas da fala dos segmentos

plenamente escolarizados, ou seja, dos falantes com curso superior completo”

(LUCCHESI, 2002, p. 65). A norma popular, por sua vez, seria aquela que “se define

pelos padrões de comportamento linguístico da grande maioria da população alijada de

seus direitos elementares e mantida na exclusão e na bastardia social” (LUCCHESI,

2002, p. 87).

No caso específico do Brasil, os diferentes usos da língua falada em território

nacional, característicos de sua constituição sócio-histórica, apontam para o intenso

processo de variação linguística que os muitos estudos sociolinguísticos comprovam.

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Todavia, de acordo com Alkimim (2001), não se pode negar que existe um processo de

valoração social estabelecido pela nossa estrutura sociopolítica e cultural, por meio do

qual a norma-padrão, cujo uso é requerido pela comunidade em situações mais formais

e definido como o modo “correto” de falar, goza de maior prestígio, ao passo que a

norma popular, utilizada pelos falantes que não dominam a norma-padrão, é marcada

pela estigmatização e pelo preconceito. Bagno (2007a) afirma que esse preconceito

linguístico é fruto de uma confusão criada ao longo da nossa história entre língua e

gramática normativa, sendo reproduzido e alimentado diariamente pelos meios de

comunicação em massa, pelos livros didáticos e pela própria escola.

Inserido nesse cenário, o presente trabalho apresenta uma pesquisa realizada

com a finalidade de investigar o tratamento dado à variação linguística na prática

docente e no conteúdo do livro didático, tomando por base uma entrevista com duas

professoras de escolas públicas, uma do 3º ano do ensino médio e outra do 9º ano do

ensino fundamental, além de uma análise criteriosa dos livros didáticos adotados por

elas, comparando os resultados obtidos com as recomendações dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN's) e com os estudos sociolinguísticos mais recentes.

2. COMO OS PROFESSORES TRATAM A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?

É importante ressaltar, antes de qualquer coisa, que defender a necessidade de se

incluir a variação linguística no universo de sala de aula não significa empreender uma

campanha contra o ensino da norma-padrão, até porque são notórias, como foi

mencionado na na introdução, as relações de poder que estão envolvidas no uso da

língua. Conhecer a norma-padrão prescrita pela gramática normativa é, de fato,

necessário, uma vez que ela será exigida em algumas situações do cotidiano, podendo

ser um instrumento de ascensão ou de exclusão social.

Não se deve esquecer, no entanto, que essa é a apenas uma das variedades da

língua, sendo imprescindível que o estudante tenha ciência da existência de outras

variedades linguísticas para que possa se desfazer do preconceito que muitas vezes lhe

incutiram a respeito do seu próprio modo de falar. Nesse sentido, os Parâmetros

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Curriculares Nacionais orientam, desde 1998, que a variação linguística seja trabalhada

em sala de aula, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, no intuito de

conduzir os alunos a reconhecer a legitimidade de todas as variedades linguísticas,

inclusive as que se afastam da tradição gramatical.

Os PCN's analisam o ensino de língua portuguesa como algo que desenvolve no

aluno seu potencial crítico. Não é necessário que os alunos memorizem as regras

gramaticais, mas os mesmos devem ter meios para ampliar conhecimentos e

competências, isto é, é necessário que os alunos saibam se comunicar nas diversas

situações de suo da língua:

O ensino de língua portuguesa, hoje, busca desenvolver no aluno seu

potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão

linguística, sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos

representativos de nossa cultura. Para além da memorização mecânica de

regras gramaticais ou das características de determinado movimento literário,

o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e

competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da

língua com que se depara, na família, entre amigos, na escola, no mundo do

trabalho. (BRASIL, 2002, p. 55)

Diante disso, os PCN's esclarecem ainda que professores e alunos devem ter

consciência de quem são seus interlocutores:

Para que se encarem adequadamente as diversas situações comunicativas que

se apresentam na escola, professores e alunos devem ter consciência do lugar

de onde falam e dos interlocutores a quem se dirigem. O professor deve estar

consciente de que dele se espera que saiba dispor dos conhecimentos próprios

de sua especialidade. No caso do professor de Língua Portuguesa, a

expectativa é que saiba adequar seu discurso a um bate-papo menos formal

na resolução de um impasse cotidiano ou a uma aula mais expositiva, em que

compartilhe seus conhecimentos sobre um tema recorrente na literatura ou

um tópico gramatical. (BRASIL, 2002, p. 75)

Logo, o professor não pode ensinar uma receita, mas criar situações

linguísticas para que o aluno conheça melhor sua língua. Afinal de, acordo com os

PCN's, a aquisição de língua materna também está relacionada com o meio cultural:

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Toda língua é um patrimônio cultural, um bem coletivo. A maneira como

paulatinamente nos apropriamos dela – com a mediação da família, dos

amigos, da escola, dos meios de comunicação e de tantos outros agente –

determina, em grande medida, os usos que dela fazemos nas mais diversas

práticas sociais de que participamos cotidianamente. (BRASIL, 2002, p. 55)

Os PCN's reconhecem, portanto, que existe um grande número de variedades

linguísticas e que, por serem formas legítimas de uso da língua, merecem ser

respeitadas. Ou seja, a escola deve oferecer ao aluno diversas situações de discurso para

que tenham oportunidade de avaliar a adequação das variedades linguísticas às

circunstâncias comunicativas, não devendo a norma culta, e menos ainda a norma-

padrão, ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado

ao aluno.

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis.

Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação

normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa, está se falando de

uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja

relativa unidade linguística e apenas uma língua nacional, notam-se

diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de

construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de

comunidades linguísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam

em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades

fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes

variedades linguística, geralmente associadas a diferentes valores sociais.

[…] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da

linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos

manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre o que se deve e o

que não se deve falar e escrever, não se sustenta na análise empírica dos usos

da língua. (BRASIL, 1998, p. 29)

Contudo, ainda que haja uma orientação formal para esse tipo de prática

docente, trabalhar variação linguística nas aulas de língua portuguesa não é tarefa fácil,

principalmente quando o professor não está devidamente preparado e, por conseguinte,

não valoriza a inclusão desse conteúdo no universo de sala de aula.

O professor, que é a peça essencial no processo, terá de ser evidentemente

muito bem preparado tanto na sua formação linguística – o que não ocorre

hoje no Brasil – como na sua formação pedagógica geral, para entender essa

complexa problemática que envolve a diversidade dialetal falada e a relativa

homogeneidade que se apresenta na escrita. (MATTOS E SILVA, 2004, p.

76)

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Ao contrário, porém, do que ocorre com a maioria dos docentes do ensino

fundamental e médio, as professoras entrevistadas, ambas formadas em Letras pela

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, destacaram a importância de se trabalhar

com esse tema, explicando que todo falante de uma determinada língua precisa

conhecer as variedades de sua língua e deve aprender a utilizá-la com competência, nos

mais variados contextos. Além disso, elas afirmaram que o conhecimento do aluno

acerca das variedades existentes vai gerar o respeito por elas, minimizando o

preconceito linguístico e facilitando a conversação desse aluno com pessoas falantes de

variedades diversas. Com isso, as professoras demonstram uma atitude valorativa em

relação ao ensino da variação linguística na sala de aula de língua portuguesa,

destacando a necessidade de instrumentalizar o aluno para que saiba se comporte de

forma adequada nas diversas situações sociocomunicativas.

Em relação à abordagem da variação linguística em sala de aula, as professoras

entrevistadas salientaram que, em suas aulas, o conhecimento linguístico é trabalhado

em todas as suas vertentes, desde a coloquial até a mais culta, embora não explicitem

claramente que recursos são utilizados para esse fim. Tal atitude condiz com a

orientação de que o docente de língua portuguesa deve criar situações que se

aproximem da realidade linguística dos alunos, para que, partindo dessa

contextualização, procure ampliar o conhecimento linguístico dos mesmos.

O professor não ensina gramática básica, ou o vernáculo ao aluno, seu

trabalho deve ter como objetivo criar situações linguísticas diferenciadas e

continuadas para que ele estenda o conhecimento da sua língua já adquirido:

da sua variedade vernacular para outras variedades, da variedade de sua

classe social para a de outros, de um único estilo para vários etc. (SILVA,

2002, p. 262)

Quando questionadas em relação à recepção dos alunos ao assunto da variação

linguística, as professoras afirmaram que tal temática aguça-lhes a curiosidade em

conhecer as diversas formas de uso da linguagem presentes em território nacional, mas

apenas uma delas, a do ensino médio, declarou que se coloca como mediadora desse

processo de conhecimento da diversidade linguística brasileira ensejado pelos alunos,

descrevendo uma série de atividades de pesquisa que costuma desenvolver com eles.

Ela destacou ainda que esse conteúdo aproxima os alunos de sua realidade linguística e

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permite a quebra de preconceitos linguísticos que eles tinham a respeito de suas próprias

comunidades de fala. A professora do ensino fundamental, porém, não deixa claro se

costuma estimular seus alunos a pesquisarem acerca da diversidade linguística brasileira

ou mesmo se esse tipo de pesquisa faz parte do conteúdo programático da disciplina, o

que seria recomendável.

Embora ambas as professoras entrevistadas tenham afirmado não enfrentarem

resistência por parte dos alunos em relação à abordagem da variação linguística em sala

de aula, a professora do ensino fundamental, quando questionada se os alunos

encaravam a variedade deles como mais “correta” que as demais – como a fala rural,

por exemplo –, reconheceu que, apesar de se restringir a uma quantidade mínima de

alunos (um ou dois por turma), ainda há uma pequena confusão quanto à noção de

“certo” e “errado”, mas que ela tem buscado o amparo de textos teóricos consistentes

sobre o assunto na busca por sanar o problema. Sobre essa questão, o linguista Marcos

Bagno afirma que:

No primeiro modo de ver as coisas, isto é, na perspectiva das ciências da

linguagem, não existe erro na língua. Se a língua é entendida como um

sistema de sons e significados que se organizam sintaticamente para permitir

a interação humana, toda e qualquer manifestação linguística cumpre essa

função plenamente. […] A noção de erro – que está no segundo modo de ver

a língua – se prende a fenômenos sociais e culturais, que não estão incluídos

no campo de interesse da Linguística propriamente dita, isto é, da ciência que

estuda a língua “em si mesma”, em seus aspectos fonológicos, morfológicos,

sintáticos etc. Para investigar esses dois pontos de vista, a gente tem que

recorrer a uma outra disciplina, necessariamente interdisciplinar, que

precisamente a Sociolinguística. (BAGNO, 2007b, p. 61)

Na verdade, os professores precisam distinguir o que é e o que não é necessário

ensinar nas aulas de língua portuguesa, para que não se perca tempo com aquilo que

pouco ou nada acrescenta à bagagem linguística do aluno e se evite que a escola, ao

invés de contribuir para seu crescimento individual, acabe formando pessoas ignorantes

a respeito de sua própria realidade linguística e, por isso mesmo, mais propensas ao

preconceito linguístico.

Muito tempo de sala de aula é desperdiçado com práticas irrelevantes de

ensino de coisas que a criança já sabe e domina, como boa falante da língua,

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enquanto outras coisas, mais importantes e interessantes, são deixadas de

lado. (BAGNO, 2007a, p. 53)

Merece destaque o posicionamento das professoras entrevistadas em reconhecer

que a variação já faz parte do currículo, afinal esta instrução está presente nos PCN's,

apesar de muitos profissionais não seguirem tal recomendação. Desta forma, elas

demonstram coerência com um ensino que contribui para a formação do aluno,

preocupando-se em desenvolver sua competência linguística, livre de qualquer

preconceito. Corroborando esse posicionamento, o linguista Carlos Alberto Faraco

afirma que:

O tema é rico para aprofundarmos nossa busca de alternativas pedagógicas

que permitam pôs a escola na vanguarda, sensibilizando as crianças e os

jovens para a variação e para seus sentidos sociais e culturais; contribuindo

para uma reconstrução do nosso imaginário nacional sobre a nossa realidade

linguística e, acima de tudo, combatendo a violência simbólica que ainda

atravessa nossas relações sociais. (FARACO, 2008, p. 182)

Se não existe apenas a norma-padrão ou a norma culta da língua portuguesa,

mas existe também a norma popular, utilizada pela maioria dos falantes, os professores

devem reconhecer o português como uma língua heterogênea e procurar tornar seus

alunos competentes linguisticamente, livres de preconceitos e capazes de se comunicar

em diferentes contextos. Portanto, assim como as professoras entrevistadas, outros

docentes devem reconhecer a importância do ensino da variação linguística em sala de

aula.

3. COMO O LIVRO DIDÁTICO ABORDA A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?

Um dos grandes entraves para a adequada inclusão da variação linguística no

universo de sala de aula é a falta de livros didáticos que abordem a questão de maneira

coerente, sem o exagerado posicionamento de que “agora pode tudo” no uso da língua e

sem o preconceituoso julgamento de que ensinar o aluno a reconhecer a legitimidade da

variação linguística seria “ensinar a falar errado”. O cerne da questão, portanto, está em

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ter um material didático que, de fato, leve em conta as recomendações dos PCN's acerca

do que é ensinar língua portuguesa.

De acordo com os PCN's, ensinar língua portuguesa para o ensino médio não é

apenas trabalhar com literatura e gramática, mas também dirigir atenção para a

produção de textos e oralidade. Na verdade, a exploração da literatura, da gramática, da

produção de textos e da oralidade pressupõe habilidades ligadas à literatura, aos

conhecimentos linguísticos, à leitura e à fala. Seria interessante, portanto, que o material

didático contemplasse esses eixos. Os PCN's explicam que deve haver uma valorização

da variante linguística de cada aluno, afinal o aluno, ao entrar na escola, já possui uma

bagagem linguística:

Cabe à escola propiciar que o aluno participe de diversas situações de

discurso, na escrita e na fala, para que tenha oportunidade de avaliar a

adequação das variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas. A

norma culta, considerada como uma das variedades de maior prestígio

quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma

língua, deve ter lugar garantido na escola, mas não pode ser a única

privilegiada no processo de conhecimento linguístico proporcionado ao

aluno. (BRASIL, 2002, p. 75-76)

Evidentemente, isso não significa desprezar a norma-padrão, afinal os alunos

necessitam do conhecimento da mesma para algumas situações formais da vida

cotidiana. Cabe, então, à escola e aos materiais didáticos por ela utilizados propiciar o

estudo dos mais diversos padrões de fala e de escrita, a fim de instrumentalizar o aluno

com as ferramentas necessárias para fazer uso da língua de forma adequada em toda e

qualquer circunstância.

No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se

almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da

forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do

contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a

variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber

coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que

modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa –

dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é

de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso, de utilização adequada

da linguagem. (BRASIL, 1998, p. 31)

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Bagno (2007c) explica a importância de analisar se o tratamento da variação

linguística no livro didático é limitado apenas às variedades rurais ou regionais, ou se o

livro aborda a variação a partir de variedades autênticas. O professor pode trabalhar, por

exemplo, com gravações e filmagens das diversas variedades linguísticas brasileiras, de

modo que os alunos saibam o conceito real de variação:

Em vez de ficar recorrendo à já cansada listinha de palavras que variam de

um lugar para outro ou à imitação grotesca dos sotaques, a gente pode tentar

conseguir filmagens ou gravações autênticas de falantes representantes das

diversas variedades linguística brasileiras e explorá-las em sala de aula. […]

O mais importante de tudo é preservar, no ambiente escolar, o respeito pelas

diferenças linguísticas, insistir que elas não são “erros” e até mesmo tentar,

na medida do possível, mostrar que a lógica linguística delas. (BAGNO,

2007c, p. 125)

O que se espera, então, é que o livro didático possibilite a professores e alunos o

desenvolvimento de uma consciência linguística que os conduza a reconhecer e a

respeitar as muitas variedades linguísticas que fazem parte da língua falada por eles.

Os sujeitos que participam do processo de ensino e aprendizagem devem ter

consciência de que qualquer língua, entre elas a portuguesa, comporta um

grande número de variedades linguísticas, que devem ser respeitadas. Tais

variedades são mais ou menos adequadas a determinadas situações

comunicativas, nas quais se levam em consideração os interlocutores, suas

intenções, o espaço, o tempo. (BRASIL, 2002, p. 75)

Um bom material didático deve evidenciar que as variedades devem se adequar

à situação comunicativa, sendo necessário levar em consideração seus interlocutores e

avaliar a adequação ou inadequação de determinados registros em diferentes situações

da língua. É justamente por conta dessa recomendação dos PCN's que este trabalho

também procurou analisar o tratamento dado à variação linguística nos livros didáticos

adotadas por cada uma das professoras entrevistadas.

Seguindo a recomendação dos PCN's, o livro Viva português, utilizado no 3º

ano do ensino médio, aborda a variação linguística e, surpreendentemente, não restringe

o assunto à fala de comunidades rurais ou aos dialetos regionais e não o abordar apenas

em um capítulo isolado e sem conexões com os outros capítulos. Já o livro Língua

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portuguesa interativa, utilizado no 9º ano do ensino fundamental, aborda a variação

linguística de forma superficial, estanque e pontual, usando apenas exemplos de gírias e

de alguns falares tipicamente regionais.

A maioria dos livros didáticos utilizados nas salas de aula de língua portuguesa

costuma passar a equivocada ideia de que a variação linguística tem relação com os

falares regionais, especialmente os de comunidades rurais, o que na verdade evidencia

que as variedades urbanas, embora também sejam fortemente marcadas pela variação

linguística, gozam de maior prestígio no processo de valoração social, fazendo com que

os alunos compreendam erroneamente a variação como sinônimo de “erro” e

promovendo, consequentemente, o preconceito linguístico.

Por causa dos preconceitos que vigoram na nossa sociedade, algumas

variedades linguísticas sofrem mais discriminação que as outras: as rurais

frente às urbanas, as nordestinas frente às não-nordestinas (quando o falante

vive fora do Nordeste), as dos homens frente à das mulheres, a das classes

sociais privilegiadas frente às das classes desfavorecidas e por aí vai.

(BAGNO, 2007c, p. 129)

Apesar de afirmar que temos contato com variedades linguísticas de regiões

diferentes através da literatura, a exemplo dos romances de Jorge Amado, o livro Viva

português evidencia que na escola também é possível encontrar outras variedades,

propondo, inclusive, que os alunos se reúnam em equipes e escolham um grupo social

que tenha um uso específico da língua, a fim de que possam trazer exemplos reais e

apresentar, posteriormente, as descobertas feitas pelas equipes. O livro Língua

portuguesa interativa, por outro lado, sequer faz menção à existência de processos de

variação em variedades urbanas prestigiadas, colocando tais variedades, por meio de um

escala de “correção”, num extremo oposto ao das variedades rurais estigmatizadas,

deixando transparecer que a variação linguística seria restrita ao ambiente rural ou

quando muito à periferia das zonas urbanas, além de ser considerada um “erro”, a ponto

de propor atividades de “transformação” para aplicar a correção às frases que se

distanciam da norma-padrão.

É possível afirmar que o livro Viva português leva em consideração, em alguns

momentos, a situação comunicativa e seus interlocutores, já que, em uma atividade de

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produção textual, os alunos são instruídos a usar a variedade padrão, mas com a ressalva

de que o ideal é que a linguagem se adapte à realidade de quem lê, já que se trata de

uma carta. Contudo, em outro momento, o mesmo livro propõe a realização de um

seminário e explica como deve ser apresentada a atividade proposta, mostrando que, por

se tratar de um contexto de maior monitoramento, os alunos devem utilizar apenas a

variedade padrão. As autoras dão quase que uma “receita” da linguagem que deveria ou

não deveria ser usada a partir da noção de “certo” e “errado”, evidenciando, nesse caso,

uma confusão muito comum nos contextos escolares entre norma-padrão e norma culta.

No livro Língua portuguesa interativa, a abordagem da variação linguística mostra-se

tão reduzida que não há qualquer menção a uma possível diferença entre a norma culta e

a norma-padrão, o que permite deduzir que muito provavelmente os autores tomem uma

pela outra indistintamente.

Essa confusão entre a língua realmente empregada pelos falantes urbanos

escolarizados e o padrão de “língua certa” estabelecido nas gramáticas

normativas está presente em praticamente todos os livros didáticos. Nessas

obras, impera a ideia de que “o português são dois” quando, na verdade, o

português brasileiro são três: uma norma-padrão, que não é a língua de

ninguém; um conjunto de variedades estigmatizadas e um conjunto de

variedades prestigiadas, cada um deles caracterizando grupos sociais

específicos. (BAGNO, 2007c, p. 131)

O livro Viva português aborda, ainda, a respeito da adequação ou inadequação

de determinados registros em diferentes situações da língua, principalmente quando

trata da concordância verbal, já que apresenta inicialmente as regras e, posteriormente,

sugere uma atividade que exige atenção para as diferentes modalidades da língua,

demonstrando como a concordância aparece na modalidade escrita e depois pedindo que

os alunos analisem se ocorre da mesma forma na modalidade oral. O livro Língua

portuguesa interativa, por sua vez, apresenta alguns exemplos que até dão conta da

diferença existente entre oralidade e escrita, mas, assim como ocorre com os níveis de

variação, esses exemplos não são usados com a finalidade de explicitar tal diferença,

fazendo do ensino de língua portuguesa um mero curso de etiqueta gramatical, que não

possibilita ao aluno o desenvolvendo da competência linguística necessária às mais

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variadas situações sociocomunicativas e o igualmente necessário respeito à diversidade

linguística e cultural que enriquece a nação da qual ele faz parte.

Um ensino eficaz de língua materna incorpora a bagagem cultural do aluno,

promovendo uma ampla prática de leitura e produção de textos nas mais

variadas situações de comunicação, desenvolvendo também sua capacidade

de reconhecer os sentidos e valores ideológicos que a língua veicula em cada

situação. Nesse ensino, é imprescindível promover a consciência acerca da

diversidade linguística como reflexo inexorável da diversidade cultural. E

esta formação cidadã para o respeito à diferença não entra em contradição

com o ensino da norma culta, que deve permanecer. (LUCCHESI, 2011, p.

184)

Por tudo isso, pode-se dizer que, apesar de alguns equívocos, o livro Viva

português trata da variação linguística de forma adequada, não limitando a abordagem

do assunto a um capítulo desconectado dos demais, mas permitindo sempre que se

encontre algum tipo de referência à variação linguística ao longo de todo o livro. Ao

contrário, porém, pode-se dizer que as poucas páginas do livro Língua portuguesa

interativa dedicadas ao assunto, além de limitarem a abordagem da variação linguística

a um capítulo desconectado dos demais, dão apenas uma visão geral e pouco

aprofundada acerca da diversidade linguística brasileira, apesar de surpreendentemente

tratar, mesmo que en passant, do preconceito linguístico, expondo o estigma sofrido por

pessoas que não dominam a variedade socialmente privilegiada.

4. CONCLUSÃO

Levar a variação linguística brasileira para a sala de aula de língua portuguesa

é, antes de tudo, uma atitude reveladora de respeito ao próprio usuário da língua,

desenvolvendo-lhe a competência linguística necessária para o reconhecimento de que

cada variedade linguística tem o seu lugar e o seu papel no âmbito do processo

comunicativo para o qual a língua se presta.

É preciso, porém, que essa inclusão da variação linguística nas aulas de língua

portuguesa esteja acompanhada de um melhor preparo do docente, sendo essencial que

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ele tenha acesso a um sólido arcabouço teórico a respeito do assunto, para que esse tipo

de trabalho não seja, como muitas vezes ocorre, interpretado como uma tentativa de

abolir o ensino da gramática normativa ou como a instituição do temido “tudo pode”.

No caso das professoras entrevistadas, ficou patente a diferença entre a desenvoltura

teórica da professora do ensino médio e a da professora do ensino fundamental, embora

ambas tenham demonstrado uma prática docente que não valoriza apenas o que é

imposto pela gramática normativa, mas também procura valorizar e ampliar o

conhecimento do aluno em sala de aula. Essa busca pelo aperfeiçoamento cada vez mais

necessário ao papel de educador que o professor exerce, precisa fazer com que ele, a

exemplo das docentes em questão, saia da inércia intelectual e procure amparo na

extensa literatura que tem se produzido acerca desse assunto tão debatido no meio

acadêmico.

Não menos importante para uma adequada inclusão da variação linguística nas

aulas de língua portuguesa, o livro didático utilizado precisa abordar o assunto de

maneira séria e comprometida com o processo de ensino/aprendizagem, fazendo com

que os alunos possam compreender e reconhecer como legítimas quaisquer variedades

linguísticas, inclusive as mais afastadas da norma-padrão preconizada pela gramática

normativa, contribuindo, assim, para desfazer ou, ao menos, amenizar o latente

preconceito linguístico que permeia nossa sociedade. No caso dos livros aqui

analisados, percebeu-se que o livro Viva português, embora ainda incorra em alguns

equívocos, apresenta um tratamento razoavelmente adequado da variação linguística,

atendendo de forma satisfatória ao que se espera de um bom livro didático. Por outro

lado, o livro Língua portuguesa interativa apresentou um tratamento superficial,

inadequado e, por vezes, preconceituoso acerca da variação linguística, não

correspondendo às expectativas de qualidade que se enseja para um bom livro didático.

É importante lembrar que, sem esse amparo de um material elaborado em consonância

com os estudos sociolinguísticos mais recentes e com as recomendações dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, professores e alunos correm o risco de ter compreensões

errôneas a respeito da variação linguística e de sua relevância para as aulas de língua

portuguesa.

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Recebido Para Publicação em 30 de outubro de 2013.

Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.