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unespciêncianovembro de 2017 ∞ ano 9 ∞ número 91

Tuberculose Novos fármacos para o tratameNto

ArTes VisuAis 100 aNos da foNte de marcel duchamp

Energia RenovávelFotovoltaicasituação atual e perspectivas

Novembro 2017 | uNespciêNcia 3

Editorial

energias renováveis

S ustentabilidade e energias renováveis são temas fun-damentais na sociedade contemporânea. Iniciativas

desenvolvidas na Faculdade de Engenharia da Unesp de Ilha Solteira são destaques desta edição, que traz ainda um relato sobre modelos de produção sustentáveis na agri-cultura estudados por doutorando da Unesp na França.

A edição traz ainda artigos sobre os 100 anos da céle-bre obra Fonte, de Marcel Duchamp, um marco da arte contemporânea; sobre novos fármacos para o tratamento da tuberculose; sobre a 3.ª Marcha pela Ciência, realizada em 8 de outubro, sobre projeto que envolve Poesia, Pin-tura e Quadrinhos de docente da Unesp de São José do Rio Preto; e sobre avaliações externas das Universidades.

No material exclusivo online (www.unespciencia.com.br), temos: textos que enfocam a Década Internacional Afrodescendente (2015-2024); a telenovela A força do querer e a Operação Onerat, contra o crime organizado no Rio de Janeiro; a geografia do conhecimento e o en-sino superior no Brasil; o Prêmio Nobel de Literatura 2017, Kazuo Ishiguro; os caminhos do saber científico; livro sobre os sabores e aromas do Oriente; e apresenta-ção do PIAP – Grupo de Percussão do Instituto de Artes da Unesp em homenagem ao Dia do Instituto Confúcio.

Saudações unespianas e boa leitura!

Governador Geraldo Alckmin

Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e InovaçãoMárcio França

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAReitorSandro Roberto ValentiniVice-reitorSergio Roberto NobrePró-reitor de Planejamento Estratégico e GestãoLeonardo Theodoro BüllPró-reitora de GraduaçãoGladis Massini-CagliariPró-reitor de Pós-GraduaçãoJoão Lima Sant’Anna NetoPró-reitora de Extensão UniversitáriaCleopatra da Silva PlanetaPró-reitor de PesquisaCarlos Frederico de Oliveira GraeffSecretário-geralArnaldo CortinaChefe de GabineteCarlos Eduardo VerganiAssessor-chefe da Assessoria de Comunicação e ImprensaOscar D’Ambrosio

Presidente do Conselho CuradorMário Sérgio VasconcelosDiretor-presidenteJézio Hernani Bomfim Gutierre Superintendente administrativo e financeiroWilliam de Souza Agostinho

Diretor de redação Oscar D’AmbrosioArte Hankô Design (Ricardo Miura)Assistente de arte Andréa CardosoColaboradores Alvaro Martim Guedes, Carlos Alberto Canesin, Carlos F. O. Graeff, Guilherme Felipe Fernandes, Luiz Alberto de Genaro, Paula Carolina de Souza, Raphael Fernando Diniz, Sérgio Vicente Motta, Vanderlan da Silva Bolzani (texto) Revisão Maria Luiza SimõesProjeto gráfico Hankô Design (Ricardo Miura) Produção Mara Regina MarcatoApoio de internet Marcelo Carneiro da SilvaApoio administrativo Thiago Henrique Lúcio Endereço Rua Quirino de Andrade, 215, 4o andar, CEP 01049-010, São Paulo, SP. Tel. (11) 5627-0327. www.unespciencia.com.br [email protected]

Impressão 46 Indústria e Logística de ImpressosTiragem 3 500 exemplaresÉ autorizada a reprodução total ou parcial de textos e imagens desde que citada a fonte. Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da Universidade.

opiniÃoavaliações externas de universidades: o que nos revelam?ALVARO MARTIM GUEDES

Sumário

energiAenergia renovável fotovoltaica no brasil hoje e as expectativas para o futuro próximoCARLOS ALBERTO CANESIN

ArTes VisuAisa obliquidade também pode ser a(s)cendenteLUIz ALBERTO DE GENARO

ciênciA3ª marcha pela ciêNcia

mais um passo no aprendizadoVANDERLAN DA SILVA BOLzANI

preocupação, engajamento e compromissoCARLOS F. O. GRAEFF

geogrAfiAmodelos de

produção sustentáveis

RAPHAEL FERNANDO DINIz

QuADrinHosQuadrinhos de poesia: “afinidades eletivas”SÉRGIO VICENTE MOTTA

ciênciAs fArmAcêuTicAsNovos fármacos para o tratamento da tuberculosePAULA CAROLINA DE SOUzA E GUILHERME FELIPE FERNANDES

Sumário

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EnergiaEnergia

O aproveitamento da energia solar fotovol-taica no Brasil é ainda incipiente, con-

siderando-se seu enorme potencial disponível. Entretanto, nos últimos cinco anos, proporcio-nalmente, foi o recurso energético para produção de energia elétrica que mais se expandiu no país, incluindo-se as gerações centralizadas/usinas fotovoltaicas (3,2 GWp contratados até 2016) e as gerações distribuídas (GD, 114,7 MWac instalados até 05/2017), principalmente nos segmentos residenciais e comerciais.

Neste contexto, o LEP – Laboratório de Ele-trônica de Potência (www.lep.dee.feis.unesp.br/), coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Canesin, integrante do DEE – Departamento de Engenharia Elétrica, da FE/IS – Faculda-de de Engenharia de Ilha Solteira/Unesp, tem produzido pesquisas e inovações para diversas

passivas RLC, entre outros.O LEP é atualmente um laboratório desig-

nado pelo INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, para en-saios para fins de certificação e etiquetagem de inversores aplicados à geração fotovoltaica conectados à rede de distribuição em corrente alternada. Neste quesito de aplicações tec-nológicas e de metrologia, o LEP é ainda o único laboratório no país com capacidade de desenvolvimento, experimentação e ensaios para fins de certificação de inversores mono-fásicos e trifásicos para GD fotovoltaica até 30 kW, conforme visão parcial do Laboratório Fotovoltaico da Figura 3.

O LEP mantém contratos e parcerias com diversas empresas dos segmentos industriais eletroeletrônicos, assim como com concessio-

LABORATóRIO DE ELETRôNICA DE POTêNCIA DA UNESP DE ILHA SOLTEIRA TEM PRODUzIDO PESQUISAS E INOVAçõES PARA DIVERSAS APLICAçõES INDUSTRIAIS Há MAIS DE 30 ANOS

energia renovável fotovoltaica no brasil hoje e as expectativas para o futuro próximo

Figura 1geração Fotovoltaica, módulos planos e módulos com concentração.

carlos Alberto canesin.

aplicações industriais, há mais de 30 anos, incluindo o desenvolvimento de inversores para a energia renovável fotovoltaica.

Ocupando uma área física de 675 m² (280 m²: Laboratórios de Eletrônica de Potên-cia e Condicionamento da Energia Elétrica, Análise de Interferências Eletromagnéticas, Confecção de Circuitos Impressos; 200 m²: Laboratório de Veículos Elétricos; 45 m²: La-boratório Computacional; 150 m²: Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos), conforme layout da Figura 2, o LEP é equipado com os mais modernos equipamentos e dispositivos para análises de sinais, fontes programáveis e fon-tes bidirecionais em quatro quadrantes, fontes para emulação de Array solar, ferramentas e equipamentos para prototipagem, analisado-res de energia, cargas eletrônicas e cargas

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CARLOS ALBERTO CANESIN

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EnergiaEnergia

nárias de distribuição de energia (programa de P&D ANEEL), para o desenvolvimento de projetos de pesquisas, desenvolvimento e inovação (P&D&I).

Dentre os desenvolvimentos industriais re-alizados recentemente no contexto dos inver-sores fotovoltaicos, podemos destacar a imple-mentação completa de Firmware e Hardware para a WEG Equipamentos Elétricos S.A. e de Firmware para a PHB Eletrônica Ltda. (PHB, indústria nacional com praticamente ¼ dos inversores de GD instalados no Brasil), conforme exemplos da Figura 4.

As instalações do LEP incluem ainda im-portantes plataformas de Geração Fotovoltaica com Concentração (colaboração com o IEE/USP) e Microrrede de Geração Fotovoltaica com acumulação, com capacidade de opera-ção ilhada ou conectada, conforme Figuras 1 e 5, constituindo importante infraestrutura do Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos, para o desenvolvimento de pesquisas industriais e acadêmicas.

O LEP tem desenvolvido importantes pes-quisas junto às concessionárias de energia elétrica, destacando-se a instalação e o moni-toramento remoto de plantas de GD fotovol-taicas e eólicas para a Elektro Eletricidade e Serviços S.A. e o desenvolvimento de aplicativo de gerenciamento e monitoramento remoto de redes de distribuição com geração distribuída para a Eletrobras Distribuição Alagoas.

O LEP-FE/IS-UNESP é atualmente um dos mais bem equipados laboratórios em infra-estruturas de pesquisas, desenvolvimentos e inovações na área de Eletrônica de Potência e Aplicações do mundo, tendo destaque ímpar e singular no contexto nacional, considerando-se grandes investimentos e apoio de agências de fomento nacionais (Fapesp, CNPq e Capes), programas de P&D da ANEEL, recursos oriun-dos diretamente da indústria eletroeletrônica e programas de incentivos industriais, permi-tindo, além do desenvolvimento e inovação tecnológica, apoio fundamental às pesquisas acadêmicas de mestrado e doutorado dentro do programa de pós-graduação em Engenharia

Elétrica do DEE-FE/IS-UNESP, conforme se observa na Figura 6.

Deve-se destacar a importância estratégica de recursos laboratoriais para apoiar toda a cadeia de desenvolvimento da geração foto-voltaica (FV) no país, considerando-se dentre outras projeções a da BNEF, a qual estima que a energia FV representará 32% da matriz elétrica em 2040, atingindo entre 110 e 126 GWac, podendo superar a fonte hidroelétrica, conforme Figura 7. Além disso, desta capa-cidade, aproximadamente 75% será geração distribuída (GD).

O LEP possui uma estrutura organizacio-nal profissional, com recursos para custear todos os seus desenvolvimentos laboratoriais acadêmicos, possuindo ainda infraestrutura de suporte para o desenvolvimento analítico (laboratório computacional) e experimental (laboratórios de prototipagem e interferências eletromagnéticas (EMI/EMC), ferramentaria), conforme Figura 8.

O LEP possui ainda um Laboratório de Desenvolvimento de Veículos Elétricos Pu-ros, tendo sido iniciado com recursos oriun-dos de P&D-ANEEL desenvolvido junto à AES Eletropaulo, conforme Figura 9, onde se desenvolveu sistema especial de alimen-tação em corrente alternada e/ou corrente contínua para um trólebus. Neste projeto se previa a continuidade da pesquisa para que o mesmo tivesse acumulação a bordo e com capacidade de operar conectado às redes (CC-convencionais ou CA) ou desconectado (utili-zando acumulação a bordo, supercapacitores e baterias de lítio), com a implementação de postos de abastecimento elétrico ultrarrápi-do nos pontos de embarque/desembarque de passageiros. Infelizmente, a segunda par-te da pesquisa foi desenvolvida somente em pequena escala, academicamente, uma vez que a AES Eletropaulo deixou a concessão das redes do sistema trólebus no estado de São Paulo, praticamente ao final da primeira parte da pesquisa.

Finalmente, destacamos que o LEP tem como missão a assimilação, a geração e a trans-

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Figura 2 a Layout

organizacional dos Laboratórios do LEP.b Laboratório de

Eletrônica de Potência e Condicionamento da Energia, Sala 2.

Figura 3Laboratório de Ensaios para aplicações em geração Fotovoltaica, visão parcial.

Figura 4 Desenvolvimento e inovação em inversores Fotovoltaicos.

Figura 5Sistema Fotovoltaico. Microrrede com gD Fotovoltaica e acumulação em Baterias.

Figura 6 a Laboratório

de Pesquisas e Desenvolvimentos em nível de Doutoradob Laboratório

de Pesquisas e Desenvolvimentos em nível de Mestrado

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EnergiaEnergia

missão de conhecimentos científicos e tecno-lógicos na área de Eletrônica de Potência e Aplicações, através do ensino, pesquisa, ino-vação e prestação de serviços, com o intuito de melhorar a qualidade do processamento da energia elétrica, proporcionando uma melhor utilização dos recursos energéticos nacionais (uso eficiente da energia, racionalização e qua-lidade), com vistas à melhoria da qualidade de vida humana.

O LEP dispõe de equipamentos de última geração e elevada exatidão para a execução dos ensaios solicitados para certificação de inver-sores conectados à rede, conforme Figura 3.

A Figura 3 apresenta parcela dos recursos para os ensaios dos inversores monofásicos e trifásicos, em conformidade com as normas ABNT NBR IEC 62116:2012, IEC 62109-2:2011, ABNT NBR 16149:2013 e ABNT NBR 16150:2013. Em destaque, as Figuras 10 e 11 apresentam os esquemas de ligações para os ensaios em inversores monofásicos e trifási-cos, respectivamente.

maiores

iNformações<http://www.lep.dee.feis.unesp.br/>ou pelo email:<[email protected]>

Figura 7gráfico de Projeção BNEF para a Matriz Elétrica no Brasil em 2040.

Figura 8Laboratórios de suporte às pesquisas acadêmicas e tecnológicas:a Laboratório de

Confecção de Circuitos impressos;b Laboratório de

análises de EMi/EMC.

Figura 9Laboratório de Veículos Elétricos (Visão lateral e frontal).

Solar

Hídrica

Eólica

Capacidade Flexível

Biomassa

Gás Natural

Carvão

Nuclear

Óleo

Figura 10Esquema para ensaios para fins de certificação e etiquetagem iNMETrO,inversores FV Monofásicos on-grid.

Figura 11Esquema para ensaios para fins de certificação e etiquetagem iNMETrO, inversores FV Trifásicos on-grid.

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matriz elétrica brasileira – projeção para 2040 (400.0 GWac)

29%

117 gWac

32%

126 gWac11%

44 gWac

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36 gWac

5%20 gWac

1%4 gWac

1%4 gWac

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CARLOS ALBERTO CANESIN

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Artes VisuaisArtes Visuais

H á 100 anos, inaugurava-se em Nova York a Exposição dos Independentes,

que constituiria o marco da primeira mostra de arte vanguardista em território americano (1). Fato, por si só, merecedor de recordação comemorativa, principalmente pela grandeza do evento – 1.200 artistas e 2.125 obras de arte em mais de 3.000 m2 –, não necessa-riamente pela pujança combativa e pioneira da maioria das obras expostas(2). Ao contrá-rio, apesar da lembrança, poderia muito bem cair no esquecimento, não fosse uma singular ocorrência, tão subtrativa quanto digna de efeméride. A subtração fica por conta do que a mostra reprovou expor: a obra “acessório fi-xo de banheiro”(3), assim referida por alguns membros do conselho diretivo para não ferir o decoro. Ora, o referido “Acessório Fixo de Banheiro” (AF.B) tratava-se de um vaso de urinar (V.U)(4) – mictório, urinol –, autoria de Richard Mutt, pseudônimo utilizado por Marcel Duchamp, que fazia parte do próprio conselho. Já, a efeméride, fica por conta da obra inscrita, e recusada, Fonte, de Marcel Duchamp, sob o pseudônimo R. Mutt, datada de 1917. Eu poderia propor que a Exposição

dos Independentes reduzir-se-ia ao efêmero de uma circunstância histórica a mais, não fosse a polêmica subtração da não menos controversa obra de Duchamp. Portanto, exorto: um brinde à efeméride centenária “Urinol – Fonte”!(5)

Esclareço inicialmente que não pretenderei analisar detidamente a obra “Urinol – Fonte”. A matéria é por demais vasta para conter-se num artigo. Por outro lado, o requadro da ma-téria é deveras original para não merecer, de minha parte, questionamentos mais profun-dos na futura tese, quando, então, a ousadia do Mestre terá sido paga, com simetria, pelo atrevimento deste novato discípulo no revirar o seu próprio projeto, sim!, mas não sem antes revoltar os estudos duchampianos, mesmo.

Adotarei a seguinte estratégia: da reflexão sobre os vértices principais da entrevista que Duchamp concedeu a James Johnson Sweeney, em 1946, “Pintura... a serviço da mente”(6), caminharei ao redor de um centro imaginá-rio, a centenária “Fonte”. E, de acordo com a estrutura de uma circunferência, confrontarei o centro aos vértices, e, vice-versa, os vértices com o centro. Destaco, a seguir, os dez vértices:1 “A base do meu trabalho durante os anos

ARTIGO APONTA A NECESSIDADE DE CAMINHOS RENOVADOS PARA INTELIGIR A OBRA DE DUCHAMP

a obliquidade também pode ser a(s)cendente

luiz Alberto de genaro.

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LUIz ALBERTO DE GENARO

Novembro 2017 | uNespciêNcia

a Fonte é um urinol de porcelana branco, considerado uma das obras mais representativas do dadaísmo na França, criada em 1917, sendo uma das mais notórias obras do artista Marcel Duchamp.

Artes VisuaisArtes Visuais

da mente. E minha pintura era, naturalmente, considerada ‘intelectual’, ‘literária’. Era verdade que eu tentava ficar o mais distante possível das pinturas ‘agradáveis’ e ‘atraentes’. Esse ex-tremo era considerado literário. O meu ‘Rei e Rainha’ era um rei e rainha de xadrez.”(11)6 “Na verdade, até os últimos cem anos, to-

da a pintura era literária ou religiosa; toda ela estivera a serviço da mente. Essa caracterís-tica foi se perdendo pouco a pouco no século passado. Quanto mais sensual a atração ofe-recida por um quadro – quanto mais animal se tornava –, mais era valorizado.”(12)7 “O dadá foi um protesto extremado contra o lado físico da pintura. Foi uma atitude me-tafísica. Estava estreita e conscientemente ligado à ‘literatura’. Era uma espécie de nii-lismo com o qual ainda simpatizo muito. Era uma maneira de sair de um estado de espí-rito – evitar ser influenciado pelo ambiente imediato ou pelo passado – de afastar-se dos lugares-comuns – de libertar-se.”(13)8 “O dadá foi muito útil como purgante. E

creio que na época eu tinha perfeita cons-ciência disso e de um desejo de purgar-me. Lembro-me de certas conversas com Picabia sobre o assunto. Ele era mais inteligente do que a maior parte dos nossos contemporâneos. Os outros eram a favor ou contra Cézanne. Não pensavam em coisa alguma além do aspecto físico da pintura. Não se ensinava nenhuma noção de liberdade. Não se introduziu nenhu-ma perspectiva filosófica.”(14)9 “Os cubistas, decerto, estavam inventando

muita coisa por esse tempo. Tinham muita coisa nas mãos para se preocuparem com uma pers-pectiva filosófica; e o cubismo deu-me muitas ideias para a decomposição das formas. Mas eu pensava na arte em escala maior. Houve, na época, discussões sobre a quarta dimensão e a geometria não-euclidiana. A maioria das opiniões, porém, eram amadoras.”(15)10 “[Raymond] Roussel foi, fundamentalmen-te, o responsável pelo meu quadro A Noiva Despida Pelos Seus Celibatários, Mesmo (...) Senti que, como pintor, era muito melhor ser influenciado por um escritor do que por um

imediatamente anteriores à minha vinda para a América, em 1915, foi o desejo de decompor as formas – ‘decompô-las’ mais ou menos nas mesmas linhas dos cubistas. Mas eu queria ir mais longe – muito mais –, na verdade, numa direção totalmente outra.”(7)2 “Não, não me parece que havia alguma

ligação entre o ‘Nu Descendo a Escada’ e o futurismo. [...] Naquele tempo, a cronofoto-grafia estava na moda. Os estudos de cava-los em movimento e de cavalos saltadores de obstáculos em diferentes posições, como nos álbuns de Muybridge, eram bem conhecidos por mim.”(8)

3 “Meu interesse, porém, na pintura do Nu..., estava mais próximo do interesse dos cubistas na decomposição da forma que do interesse dos futuristas em sugerir movimento ou mesmo das sugestões de movimento do simultaneísta Delaunay. Meu objetivo era uma representa-ção estática do movimento – uma composição estática de indicação das várias posições to-madas por uma forma em movimento – sem qualquer intuito de obter efeitos cinemato-gráficos por meio da pintura.”(9)4 “O futurismo foi um impressionismo do

mundo mecânico. Foi rigorosamente uma continuação do movimento impressionista. Eu não estava interessado nisso. Queria afastar-me do aspecto físico da pintura. Estava muito mais interessado em recriar ideias pela pintura. Para mim o título era muito importante. Es-tava interessado em fazer com que a pintura servisse aos meus objetivos e em afastar-me de sua fisicalidade.”(10)5 “Para mim, Courbet havia introduzido a ên-

fase física no séc. XIX. Eu estava interessado em ideias, e não simplesmente em produtos visuais. Queria recolocar a pintura a serviço

outro pintor. E Roussel mostrou-me o cami-nho. (...) Essa é a direção na qual a arte se devia voltar: para uma expressão intelectual, e não uma expressão animal. Estou enjoado da expressão ‘bête comme un peintre’ – burro como um pintor.”(16)

Direto, conciso e muito lúcido é o depoi-mento de Marcel Duchamp, não é? E se eu reunir todos os temas destacados, a clareza do discurso ficará ainda mais reluzente. Para ser breve, vejamos os 10 vértices reagrupados em 7 argumentos principais:

Grupo i) vértices 1-2-3-4: Duchamp sublinha seu interesse pela decomposição das formas, como os cubistas, porém, para além deles, ainda que a estes se posicione mais próximo que aos futuristas, dos quais distancia--se. Também salienta o seu conhe-cimento da cronofotografia, no entanto, afir-ma que a sugestão de movimento é preterida pelo interesse na decomposição das formas, na composição estática e não-cinematográfica.Grupo ii) vértices 4-5-6: aqui, o discurso

O Rei e a Rainha Rodeados por Nus Rápidos (1912), Marcel Duchamp

Há 100 ANOS, INAUGURAVA-SE EM NOVA YORk A ExPOSIçãO DOS INDEPENDENTES, MARCO DA PRIMEIRA MOSTRA DE ARTE VANGUARDISTA EM TERRITóRIO AMERICANO

de Duchamp evolui lateralmente, no sentido de posicionar-se distante da fisicalidade da pintura inaugurada por Gustave Courbet(17); ou seja, coloca-se favorável à recriação de ideias pictóricas, pela recolocação da pintura a ser-viço da mente, consequentemente, na defesa da pintura literária e, digamos assim, de uma ‘pintura enxadrística’(18).

Grupo iii) vértice 6: momento central da entrevista, Duchamp faz a defesa da pintura literária e religiosa como expressões a servi-ço da mente – subentendendo-se até o séc. XVIII –, sendo que, a partir do XIX, passou-se a valorizar a sensualidade e a animalidade.

Grupo iv) vértices 6-7: grupo alto do depoimento, completando o ciclo dos auto-posicionamentos anunciados nos grupos I (entre cubistas e futuristas, aproximava-se dos cubistas) e II (entre pintores literários e pin-tores físicos, aderia aos primeiros), Duchamp, na evolução do vértice 6 para o 7, distingue, sub-repticiamente: a) proximidade da atitude

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LUIz ALBERTO DE GENARO

uNespciêNcia | Novembro 2017 15Novembro 2017 | uNespciêNcia

Artes VisuaisArtes Visuais

metafísica do dadá em relação à arte anterior ao XIX; e b) distanciamento libertador do da-dá perante os lugares-comuns do presente e do passado.

Grupo v) vértices 7-8: Duchamp rei-tera o dadá, mas, principalmente, emparelha os lados antagônicos da metafísica(19) e do niilismo(20), ressalta o caráter purgativo e de protesto contra o aspecto físico da pintura, e reprova, tanto o dualismo simplista ao redor da obra de Cézanne, quanto a carência de perspectiva filosófica na pintura.

Grupo vi) vértices 8-9: prosseguindo o raciocínio, desfere o lance que põe em xe-que a inventividade cubista, pois, com tanto perspectivismo formalista em mãos, faltava-lhe autêntica perspectiva filosófica para nortear o

amadorismo opinativo sobre a geometria não euclidiana e a quarta dimensão.

Grupo vii) vértice 10: a entrevista cul-mina com os créditos concedidos a Raymond Roussel como responsável intelectual por uma de suas mais representativas obras, todavia, gostaria de salientar que, aqui, a entrevista transcende, pois, para Duchamp, a superio-ridade da influência literária é a verdadeira causa da expressão intelectual artística.

De maneira que, para escapar em definitivo à “burrice do pintor”, os 7 argumentos são: I) defesa da decomposição estática do movimento; II) combate à fisicalidade pictórica; III) defe-sa da pintura literária e da pintura religiosa como expressões mentais; IV) afastamentos: do futurismo, da fisicalidade e dos lugares-

-comuns do presente e do passado; V) dadá é atitude metafísica e niilista; VI) necessidade de perspectiva filosófica na pintura; e VII) literatura como fonte(21) da expressão inte-lectual. Chega a ser quase inacreditável que, se passarmos a limpo esses argumentos com espírito rejuvenescido, poderemos vislumbrar um Marcel Duchamp mais surpreendente e escandaloso que a materialidade do urinol foi em 1917 ao ser vetada para a Exposição dos Independentes!

Quero dizer que precisamos de caminhos renovados para inteligir a obra de Duchamp, e – perdoem-me a só aparente tautologia – o começo é seu Princípio: a “Fonte”. Penso que nada melhor para a ocasião da centenária efe-méride, senão o considerar de uma dimensão inteira, sistematicamente ignorada, em meio a seus cultores e detratores, mas que tam-bém é característica da lógica das operações do artista-antiartista. Para isso, é preciso ali-nhavar os tópicos com espírito jovem, como eu disse acima, ou seja, com espírito relati-vamente distanciado, para dizer o mínimo – todavia, crítico, e... crítico da crítica –, dos habituais, repisados e, pior, já previsíveis e institucionalizados lugares-comuns aos quais a obra – como um todo – de Duchamp tem sido interpretada.

Portanto, para melhor integrar a síntese dos argumentos agrupados, proponho a seguinte leitura do campo de interesse mais intenso(22) de Duchamp:• I: a decomposição estática fortalece a imo-bilidade, típica da pintura tradicional;• II: o combate à fisicalidade fortalece a ima-terialidade espiritual da representação;• I x II corroboram o conclusivo III: tanto o literário quanto o religioso são mentais;• segue IV: liberta-se do passado, mas não sem antes libertar-se da poeira do presente;• ora, [(I x II) + (III x IV)] resulta [V/VI]

VII, isto é, o quociente da atitude metafísico-niilista cindida pela necessidade de perspectiva fi-losófica na pintura, elevado à potência pela literatura como verdadeira Fonte do intelecto artístico(23).

acima, diagrama com duas propostas básicas de estruturação geométrica referentes à articulação dos 10 tópicos e dos 7 argumentos.

referêNcias

(1) Cfr. TOMkINS, Calvin. Duchamp: uma biografia. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2013. p. 204 e 210.(2) Id., ibid. p. 204. Tomkins diz: “A maior parte das obras expostas estava longe de ser de vanguarda”.(3) Id., ibid. p. 207.(4) Formulemos, então, inicialmente: VxU = AFxB ou, V.U = AF.B, ou seja, o produto do vaso com a urina é igual ao produto do acessório fixo de banheiro. (5) Tim-tim!(6) In: CHIPP, Herschel B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988. p. 396-401. Cfr. também TOMkINS, Calvin, op. cit., Cap. A Noiva Despida, n. 10, p. 524: “Marcel Duchamp, apud James Johnson Sweeney, “Eleven Europeans in America”, Museum of Modern Art Art Bulletin, 13, no 4-5, 1946, pp. 19-21”.(7) CHIPP, Herschel B., op. cit. p. 396 e 398. (8) (9) Id., ibid. p. 398. (10) (11) (12) (13) (14) Id., ibid. p. 399.(15) Id., ibid. p. 400.(16) Id., ibid. p. 401.(17) Essa pintura física, sensualista e animalesca seria seguida, conforme Duchamp sugere, pelos impressionistas, e, posteriormente, por seus autômatos continuadores, os futuristas: “O futurismo foi um impressionismo do mundo mecânico”, no seu sagaz aforismo.(18) A essência da frase: “O meu ‘Rei e Rainha’ era um rei e rainha de xadrez”, eu proponho que seja compreendida na chave de que Duchamp pleiteava uma “pintura-teorema”, no melhor estilo geométrico quatrocentista dos tratados de perspectiva.(19) Dada a polissemia do termo ‘metafísica’, seja como ela se apresenta ao longo da sua história – como teologia, como ontologia e como gnosiologia – e seja na sua abordagem contemporânea – as correntes que atacam a metafísica e nela vêem a ficção de um mundo “verdadeiro’, ou como discurso sem sentido, ou como esquecimento do ser, diferenciando-se das correntes que a reabilitam, das correntes que retomam a metafísica clássica, das correntes que propõem um pensamento pós-metafísico e das correntes que de-fendem o “agnosticismo” metafísico – pois bem, dada a complexidade polissêmica, valorizo o interesse de Marcel Duchamp pela metafísica tomando como suposto o seu sentido original, ou seja, como “ciência primeira, por ter como objeto, o objeto de todas as outras ciências, e, como princípio, um princípio que condiciona a validade de todos os outros”. Cfr. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 766-776.(20) Como era de seu costume, o fleumático Duchamp aproxima dois conceitos antagônicos com a maior naturalidade, e quase nos persuade que ambos poderiam coexistir amistosamente sem que, no entanto, um fosse a radical contestação do outro. É, portanto, de se ponderar com muita profundidade o sentido dessas inesperadas e consecutivas frases: “Foi uma atitude metafísica. [...] Era uma espécie de niilismo...”. Atente-se que nestas duas passagens, Duchamp aponta para dois lugares diametralmente distintos.(21) Pergunto: fonte ou... mais apropriadamente “F o n t e”?(22) De fato, contrariamente ao habitual destaque concedido ao desinteresse como à suposta indiferença de Duchamp, já é hora de desnudarmos, enfim, outra perspectiva: a do interesse “intensista” do Mestre.(23) Em pouquíssimas palavras, voltemos a formular:

[(I x II) + (III x IV)] = [V/VI

]VII.

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LUIz ALBERTO DE GENARO

Novembro 2017 | uNespciêNcia

Ciências FarmacêuticasCiências Farmacêuticas

Além disso, o aumento da disseminação de cepas com multirresistência aos fármacos (MDR), extensiva resistência (XDR) e total-mente resistentes (TDR), representa um gran-de desafio a ser superado em todo o mundo na luta contra a tuberculose.

Motivada pelos dados alarmantes relacio-nados à doença e o aumento do número de casos de cepas resistentes, foi instituída uma linha de pesquisa chefiada pelo Professor Dr. Jean Leandro dos Santos no Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Fármacos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp Araraquara com o objetivo de desen-volver novos fármacos para o tratamento da tuberculose utilizando as ferramentas da Quí-mica Medicinal.

Atuando em colaboração íntima com o La-boratório de Micobactérias da mesma facul-dade, chefiado pelo Professor Dr. Fernando Rogerio Pavan, o qual desenvolve pesquisas relacionadas à busca de novos fármacos para

A tuberculose (TB) é uma doença infec-ciosa causada por micobactérias do com-

plexo Mycobacterium, no entanto, a espécie responsável pelo maior número de casos de morbidade e mortalidade em humanos é o Mycobacterium tuberculosis (MTB).

Ocupando o ranking mundial como a doen-ça infecciosa responsável pelo maior número de mortes, nos últimos anos a tuberculose ultrapassou em número de casos e mortes a infecção causada pelo vírus da imunodeficiên-cia humana (HIV). O último levantamento realizado em 2015 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou 9,6 milhões de no-vos casos no mundo e 2 milhões de mortes causadas pela doença. Ainda de acordo com a OMS, estimativas apontam que um terço da população mundial esteja infectada com a forma latente/dormente da doença, na qual o tratamento é frequentemente ineficaz devido à falta de fármacos com capacidade para atuar no estado adormecido das bactérias.

o tratamento da doença com foco em estudos microbiológicos, acaba de gerar uma publica-ção de alto impacto em uma das revistas de maior prestígio na área de Química Medicinal, The Journal of Medicinal Chemistry, que faz parte do rol das revistas da American Che-mical Society, com fator de impacto de 6,259.

O trabalho, financiado com recursos da Fapesp (2013/14957-5; 2014/02240-1; 2014/24811-0; 2014/11586-9; 2014/03920-6; 2015/19531-1; 2016/09502-7; 2016/02860-5), foi desenvol-vido principalmente por dois alunos de pós-graduação – Dra. Paula Carolina de Souza (doutorado) e Ms. Guilherme Felipe Fernan-des (então no mestrado, agora no doutorado), alunos orientados pelos professores Fernando e Jean, respectivamente. Além disso, a pesqui-sa contou com o importante apoio financeiro de um projeto Jovem Pesquisador, também financiado pela Fapesp, de responsabilidade do professor Fernando Pavan. O estudo, que se iniciou em 2013, contou com a colaboração de diversos pesquisadores do Brasil e de di-versas universidades e institutos de pesquisa do exterior, como Estados Unidos (University of Illinois at Chicago), Inglaterra (The Fran-cis Crick Institute), Espanha (Universidad de Navarra) e Itália (Università degli Studi di Torino).

A Pesquisa e o Desenvolvimento de novos fármacos é um processo altamente complexo e que demanda muito tempo para obter resul-tados promissores. As etapas iniciais envolvem o planejamento das novas moléculas e em se-guida a síntese desses novos compostos. As etapas seguintes constituem a caracterização da atividade biológica da biblioteca de compos-tos. Estudos in vitro utilizando a micobactéria são realizados a fim de verificar se algum dos compostos apresenta potencial atividade. Após essa triagem inicial, as melhores moléculas são avaliadas quanto a sua toxicidade em diferen-tes linhagens celulares. Nesta etapa, poucos compostos são selecionados para os estudos posteriores para caracterizar outros paramen-tos importantes que um novo fármaco deve apresentar. Por fim, a última etapa envolve o

estudo dos compostos mais promissores em modelos animais.

O trabalho objetivou um novo candida-to a fármaco para o tratamento da doença. Dentre os mais de 70 compostos sintetiza-dos e avaliados, um composto se apresentou incrivelmente promissor nas etapas iniciais. Estudos in vitro demonstraram o potencial que esse novo composto apresentava contra as bactérias sensíveis, monorresistentes e em estado de latência (estado este que dificulta o tratamento), além do perfil bactericida (não somente inviabiliza a proliferação bacteriana como elimina as bactérias). Posteriormente, foram realizados estudos in vivo para verificar a eficácia e a segurança dessa nova molécula em modelos animais. Surpreendentemente, o composto exterminou a micobactéria no pulmão

dos camundongos infectados, confirmando o efeito bactericida. Vale ressaltar que nenhum fármaco utilizado na terapia atual contra a tuberculose apresenta um efeito esterilizante como esse, reforçando assim o potencial que o novo composto apresenta.

Um dos pilares da universidade pública é o retorno do conhecimento à sociedade, não só pelo pilar do ensino como também pelo pi-lar da pesquisa. Neste sentido, os envolvidos acreditam estar diante de um composto extre-mamente promissor para terapia da doença. Essas moléculas já foram patenteadas pela instituição de pesquisa; e agora publicadas.

Os autores enfatizam que este excelente resultado só foi possível pela intensa dedica-ção de todos os envolvidos. E este resultado enaltece o quanto o nosso país tem de poten-cial quando respaldado pelo apoio financeiro à pesquisa, comprovando a importância da polí-tica de financiamento, visto que é o nome do Brasil tendo visibilidade no mundo inteiro.

PESQUISA DA UNESP UTILIzA AS FERRAMENTAS DA QUíMICA MEDICINAL

Novos fármacos para o tratamento da tuberculose

DENTRE OS MAIS DE 70 COMPOSTOS SINTETIzADOSE AVALIADOS, UM COMPOSTO SE APRESENTOUINCRIVELMENTE PROMISSOR NAS ETAPAS INICIAIS

paula carolina de souza.

guilherme felipe fernandes.

Ambos são alunos de doutorado da faculdade de ciências farmacêuticas da unesp de Araraquara.

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PAULA CAROLINA DE SOUzA E GUILHERME FELIPE FERNANDES

uNespciêNcia | Novembro 2017 19Novembro 2017 | uNespciêNcia

coNtatos dos

pesQuisadores

JEAN SANTOSFaculdade de Ciências FarmacêuticasUnesp – AraraquaraEmail: <[email protected]>

FERNANDO ROGÉRIO PAVANFaculdade de Ciências FarmacêuticasEmail: <[email protected]>.

CiênciaCiência

tica de forma mais pragmática. Espaço que, com frequência, procuramos ignorar. Nesse processo de aprendizado, muitos estão sendo levados a refletir sobre temas básicos do esta-do brasileiro. Inclusive sobre a incapacidade do país de preservar seu patrimônio cultural e científico, pela inexistência de um arcabouço legal e de regras estabelecidas para dotação de recursos destinados a ciência e tecnologia.

O aprendizado pode também levar a uma certa crise de identidade. Se a sociedade va-loriza o desenvolvimento científico e tecno-lógico, e seus benefícios, como mostram as pesquisas, por que é necessário ir à avenida Paulista chamar a atenção das pessoas para sua importância? Não é fácil entender essa realidade, mas é o primeiro passo para agir sobre ela e tentar revertê-la antes do desman-telamento do que foi construído. Um dos fatos que obscurece sua compreensão é a rapidez das mudanças ocorridas nas últimas três dé-cadas, tornando difícil sua assimilação. Parte dos pesquisadores e docentes da geração pós

MAIS UM PASSO NO APRENDIzADOVANDERLAN DA SILVA BOLzANI

A Marcha pela Ciência realizada no dia 8 de outubro, um domingo, na avenida

Paulista, foi um avanço do movimento que busca sensibilizar a população, e governan-tes, sobre o que está acontecendo com a área de ciência, tecnologia e inovação. É a terceira vez que a comunidade acadêmica vai às ruas, mobilizando agora cerca de mil pessoas, co-mo registraram os veículos de comunicação. Sob o clima positivo que a avenida inspira, o encontro representou um estímulo especial para os que estão empenhados em impedir o retrocesso provocado pelos cortes no orça-mento da área de CT&I.

A falta de investimentos sem precedentes tem sido um aprendizado que foge aos padrões convencionais das salas de aula e dos labora-tórios das universidades, e nos obriga a olhar para as relações de poder na esfera da polí-

1980, por exemplo, não conta com referências da linha do tempo das décadas anteriores para fazer comparações. E a parte que detém essa experiência talvez não tenha se empenhado o suficiente para que ela não fosse esquecida.

Quando se analisam os avanços do trabalho de pesquisa científica pela ótica da sociedade em geral, esses resultados parecem ser pouco visíveis, ou, quando notados, vistos como algo “natural” e não fruto de esforços que levaram décadas para sua concretização. Profissionais do campo de CT&I, quase sempre da universi-dade, compromissados com docência, pesquisa e extensão, ainda têm uma presença discreta ou pouca visibilidade no painel que compõe o imaginário da sociedade.

Não se pode, ao mesmo tempo, perder a pers-pectiva do que significam algumas das “rápidas mudanças” imprimidas pelos novos governantes com seus cortes seletivos, em busca da auste-ridade fiscal, em outros setores. Camadas da população para quem algumas dezenas de reais podem significar a diferença entre alimentação

e subnutrição, estão sendo vítimas dos cortes de orçamento de políticas públicas.

A marcha do dia 8, entretanto, pode ser um bom sinal de que o aprendizado já começou e nos motiva a continuar a jornada com dispo-sição em busca desses objetivos.

PREOCUPAçãO, ENGAJAMENTO E COMPROMISSOCARLOS F. O. GRAEFF

O correu, domingo, dia 8 de outubro, a partir das 15 h, em frente ao Museu

de Arte de São Paulo – MASP (Av. Paulista, 1578), a 3.ª Marcha pela Ciência, movimento que, a partir do presente ano, vem reunindo

cientistas e pesquisadores do estado de São Paulo para reivindicar mais visibilidade e cre-dibilidade para a ciência.

Esses eventos têm por objetivo protestar con-tra a atual situação de desmonte da estrutura pública de Ciência e Tecnologia, que envolve universidades e institutos de pesquisa, como se pode verificar pelos cortes orçamentários na área de Ciência e Tecnologia previstos pelo governo federal para 2018 e pelos já realizados pelo governo do estado de São Paulo em 2017.

Em um momento em que o país busca mais qualidade e visibilidade internacional para a pesquisa e a inovação nele produzida, é im-prescindível que se mantenha uma estrutura adequada de investimentos públicos para evi-tar uma perda irrecuperável a pequeno, médio e longo prazo. Desse modo, é fundamental a participação efetiva da comunidade científica nessa Marcha, como forma de demonstrar nos-sa preocupação, engajamento e compromisso com a qualidade da Ciência e da Tecnologia no Estado de São Paulo e no Brasil.

OBJETIVO É REIVINDICAR MAIS VISIBILIDADE E CREDIBILIDADE PARA A CIêNCIA

3ª marcha pela ciênciaÉ IMPRESCINDíVEL QUE SE MANTENHA UMA ESTRUTURA ADEQUADA DE INVESTIMENTOS PúBLICOS PARA EVITAR UMA PERDA IRRECUPERáVEL

Vanderlan da silva bolzani é professora titular do iQAr unesp, vice-presidente da fundunesp e da sbpc.

publicado originalmente no Jornal da ciência<goo.gl/nwdhZz>.

carlos f. o. graeff, pró--reitor de pesquisa da unesp, é professor da faculdade de ciências da unesp de bauru.

maiores informações podem ser obtidas na página da marcha pela ciência no facebook.

repercussão em o estado de s. paulo<goo.gl/96w41n>.

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GeografiaGeografia

como objetivo analisar os limites, contradições e potencialidades das iniciativas de transi-ção para modelos de produção mais ecológi-cos implementadas na agricultura francesa, tais como a “agriculture durable” (agricultura sustentável, tradução livre), a “agriculture de conservation” (agriculture de conservação) e a agriculture biologique (agriculture orgâni-ca). Nossos estudos se concentraram nas es-tratégias de aprendizagem implementadas a partir da troca de conhecimentos, técnicas e experiências entre agricultores que pertencem a redes densas e diversificadas implicadas na

E m outubro de 2016 iniciei um estágio sanduíche na Unité Mixte de Recherche

« Espaces et Sociétés » (UMR ESO 6590), localizada na Le Mans Université, cidade de Le Mans, França, sob a supervisão do Prof. Dr. François Laurent. Durante o estágio, que teve duração de 10 meses (1 de outubro – 31 de julho), desenvolvi a pesquisa intitulada: “Des processus de transition vers des agri-cultures plus écologiques en France: progrès technique et défis socio-environnementaux dans le contexte du développement durable” (Processo FAPESP 2016/11130-0), que teve

busca pela sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, tais como a “Association pour la promotion d’une Agriculture Durable” (APAD), a “Association Biodiversité Agricultu-re Sol et Environnement” (BASE) e a “Réseau Agriculture Durable” (RAD).

Considerando que os processos de moder-nização agrícola na França apresentam im-pactos socioeconômicos e socioambientais semelhantes aos observados no Brasil, o estudo das iniciativas de transição para modelos de produção agrícola mais ecológicos desenvol-vidos naquele país pode trazer contribuições importantes para as iniciativas que são desen-volvidas atualmente em diferentes regiões do território brasileiro.

A pesquisa foi desenvolvida a partir da par-ticipação e imersão no meio acadêmico e cien-tífico da Le Mans Université e da UMR ESO, coleta e análise de dados e informações de fontes secundárias, participação em assem-bleias, conferências e encontros destinados a troca de experiências, conhecimentos e téc-nicas de produção agrícola (journées techni-ques e tours de plaine) realizados pelas redes APAD, BASE e RAD, assim como por meio de entrevistas realizadas com os produtores rurais pertencentes a essas redes. Foram en-trevistados 13 produtores, dos quais cinco exercem a atividade de pecuária leiteira e oito são cerealicultores (especializados no plantio de trigo, milho, colza, cevada etc.), localizados nos departamentos de Eure-et-Loir, Loir-et-Cher e Sarthe (região noroeste do país).

A partir dessas atividades (vide mapa), pu-demos constatar que a organização dos pro-dutores em redes como APAD, BASE e RAD constitui uma importante estratégia para a execução segura, flexível e eficiente de um processo de transição para modelos de pro-dução mais ecológicos, possibilitando-lhes mitigar ou mesmo eliminar as múltiplas difi-culdades que encontraram ao executá-lo indi-vidualmente e os vários riscos relacionados às mudanças nas técnicas e manejos produtivos. As dinâmicas coletivas engendradas por estas redes são um fator chave para a aquisição de

novos conhecimentos e práticas agrícolas e sociais inovadoras, o que favorece a constru-ção de sistemas de produção mais resilientes, autônomos e econômicos em termos de uso de insumos externos. Ademais, consideran-do que os produtores se encontram em geral isolados geograficamente durante os proces-sos de transição, fazer parte de uma rede que conta com membros provenientes de outras regiões, que são mais experientes e possuem os mesmos objetivos e expectativas, favorece o fortalecimento e o aprimoramento de sua capacidade de intervenção durante o percurso de mudanças técnicas.

Nestas redes, os produtores não se encontram mais na condição de profissionais individualistas, passivos e submetidos às prescrições técnicas das organizações profissionais agrícolas, o que Darré (1985) denomina por “simples receptores de informação”, como eram considerados no modelo de difusão de inovações utilizado du-rante a modernização da agricultura francesa na segunda metade do século XX. Em organi-zações coletivas, estes produtores se tornam protagonistas chave de processos de diálogo e de compartilhamento de experiências e de saber-fazer, se assistem e se influenciam mu-

tuamente, trocam informações e argumentos a favor ou contra determinadas mudanças nos sistemas produtivos, procuram estabelecer no-vas regras técnicas e discutem os fatores de êxito e de fracasso experimentados em suas unidades de produção agrícola. Organizados em rede estes atores estabelecem interações sociais de co-construção de conhecimentos das coisas e da realidade, de produção de mo-dos de descrever e avaliar as informações e as técnicas que são por eles compartilhadas e de elaboração de novos sistemas de normas para o bom andamento da transição para modelos

DOUTORANDO DA UNESP RELATA ESTáGIO REALIzADO NA FRANçA

modelos de produção sustentáveisPESQUISA FOI DESENVOLVIDA A PARTIR DA PARTICIPAçãO E IMERSãO NO MEIO ACADêMICO E CIENTíFICO DA LE MANS UNIVERSITÉ E DA UMR ESO

22 uNespciêNcia | Novembro 2017 23

RAPHAEL FERNANDO DINIz

Novembro 2017 | uNespciêNcia

Na foto, “Journée technique” entre agricultores da rede aPaD. Danzé, França. Junho de 2017.

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GeografiaGeografia

comunicação (revistas e jornais agrícolas) e redes sociais online. Ou seja, trata-se também de um processo de hibridação entre o saber- -fazer dos produtores rurais e os conhecimen-tos científicos produzidos nas universidades e centros de pesquisa, os quais não se en-contram mais em uma relação hierarquizada como ocorria até bem recentemente, mas em uma relação marcada por uma abordagem mais dialógica, simétrica e horizontal, cons-truindo novas vias e meios para se atingir um equilíbrio mais sustentável entre a atividade agrícola e a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade.

A partir de uma perspectiva de análise ge-ográfica, tais redes contribuem para a reapro-priação do espaço e para o fortalecimento de seu dinamismo social, econômico e político, o que se observa pela reorganização espacial dos sistemas de produção, pela implementação de novos circuitos de produção e comercialização

de produção mais ecológicos. Desse modo, estes produtores são parte integrante do que Darré denomina por “redes pensantes”: meio de se desenvolver o diálogo, a comunicação de informações, experiências e influências recíprocas, pelas quais a atividade social do pensamento é reproduzida.

Ademais, convém ressaltar que estas redes são espaços de compartilhamento e discussão tanto dos saberes empíricos de seus membros quanto de conhecimentos científicos, seja por meio da participação de pesquisadores nos eventos por elas organizados ou pela divulga-ção e debate de seus estudos nos canais de

e pelas novas relações entre cidade e campo, o que resulta em mutações significativas no con-junto de territórios onde estas redes operam.

No que diz respeito aos sistemas de pro-dução em “Agriculture Durable”, as principais mudanças realizadas ao longo do período de transição foram: conversão das terras cultivadas com cereais (especialmente o milho) em áreas de pastagem com gramíneas, leguminosas e proteaginosas (algumas explorações agrícolas tinham 80% de sua área cultivada com mi-lho e 20% com pastagens, após a conversão houve uma inversão desses valores: 80% em pastagem e 20% em milho), substituição do confinamento dos animais pelo pastoreio ex-tensivo e redução do consumo de suplementos alimentares.

Em relação aos sistemas em “Agriculture Biologique”, os produtores realizaram a substi-tuição total de insumos sintéticos (fertilizantes e pesticidas) por produtos naturais e pela luta

biológica integrada, selecionaram variedades mais resistentes às doenças e às variações cli-máticas, aumentaram e diversificaram a ro-tação de culturas, substituíram o tratamento com antibióticos por sessões de acupuntura e uso de óleos essenciais etc.

E no que diz respeito aos sistemas em “Agri-culture de Conservation”, os produtores pas-saram a adotar medidas visando respeitar e desenvolver o funcionamento natural do solo e a gestão integrada de sua estrutura física, fertilidade química e vida biológica. Para isso, adotaram, de modo simultâneo e integrado, três medidas principais: redução progressiva da aração do solo (labour), cobertura perma-nente do solo por culturas intermediárias e por resíduos de culturas, associação e rotação diversificadas de culturas. O objetivo principal dessas mudanças é obter um solo com mais atividade biológica (minhocas, insetos, bac-térias, fungos etc.), com alto teor de matéria

PRODUTORES PASSARAM A ADOTAR MEDIDAS VISANDO RESPEITAR E DESENVOLVER O FUNCIONAMENTO NATURAL DO SOLO E A GESTãO INTEGRADA DE SUA ESTRUTURA

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RAPHAEL FERNANDO DINIz

Novembro 2017 | uNespciêNcia

Plantação de milho no sistema de agricultura de Conservação: feita a partir do plantio direto na palha com a manutenção de resíduos vegetais em superfície. Thoigné, França. Junho de 2017.

No mapa são identificadas as cidades onde ocorreram os eventos promovidos pelas redes estudadas e onde realizamos as entrevistas com os produtores rurais franceses.

GeografiaGeografia

orgânica e de nutrientes, o que permite às cul-turas agrícolas resistirem melhor às doenças e pragas, assim como reduz sensivelmente os processos erosivos, a transferência de fertili-zantes sintéticos e pesticidas para os recursos hídricos e aumenta o sequestro de carbono no solo (contribuindo para a redução da emissão de gases do efeito estufa pela agricultura).

Os progressos obtidos a partir das inicia-tivas de transição para estes modelos de pro-dução são significativos: os produtores en-trevistados conseguiram reduzir entre 10% e 100% o consumo de fertilizantes sintéticos e 50% e 100% de pesticidas, tais como fungici-das e inseticidas. Em termos de consumo de combustíveis fósseis (que contribuem para o aquecimento global) durante a realização das atividades agrícolas, a redução foi de 20% a 60%. Consequentemente, estes produtores obtiveram reduções expressivas nos custos de produção e no tempo de trabalho dedi-cado às atividades agrícolas, enquanto que o

tempo dedicado à observação das lavouras e às formações técnicas aumentou em virtude de uma maior participação nas dinâmicas coletivas engendradas pelas redes às quais se vinculam.

Em relação aos rendimentos agrícolas, nos primeiros anos de transição houve uma que-da entre 5% e 10% em todos os sistemas de produção, mas, à medida que os produtores foram adquirindo novos conhecimentos, ex-periências e técnicas, estes rendimentos fo-ram retornando ao patamar anterior, ou até mesmo maior, das primeiras mudanças por eles implementadas.

Apesar dos avanços alcançados, estes pro-dutores ainda encontram diversos desafios de ordem técnica e em termos de novos conhe-cimentos para uma melhor implementação

sobre o autorRAPHAEL FERNANDO DINIz, estudante do quarto ano do curso de Doutorado em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Presidente Prudente-SP, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Nivaldo Hespanhol. Bolsista Fapesp, processo 2013/25725-8.

Desde 2014 desenvolve uma pesquisa sobre o serviço extensionista realizado em comunidades de agricultores familiares, quilombolas e indígenas do Vale do Jequitinhonha mineiro (nordeste do estado de Minas Gerais) pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER-MG). A pesquisa é intitulada: “Diálogo de Saberes ou Monólogo do Conhecimento? A assistência técnica e extensão rural e as políticas de desenvolvimento dos territórios rurais no Vale do Jequitinhonha mineiro”, e tem por objetivo analisar as mudanças que vêm ocorrendo no serviço extensionista a partir da criação da Política Nacional de Assistência e Extensão Rural (PNATER) pelo governo federal em 2003/2004, em especial no que diz respeito à implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural, à execução de ações voltadas para a transição agroecológica nos sistemas produtivos e à adoção de metodologias de ação mais dialógicas e participativas.

biblioGrafiaDARRE, J.-P. Les dialogues entre agriculteurs : étude comparative dans deux villages français, (Bretagne et Lauragais). Langage et société, n. 33, 1985. p. 43-64.

APESAR DOS AVANçOS ALCANçADOS, PRODUTORESAINDA ENCONTRAM DIVERSOS DESAFIOS DE ORDEM TÉCNICA E EM TERMOS DE NOVOS CONHECIMENTOS

das mudanças estruturais em seus sistemas de produção, o que reforça a importância da continuidade das ações desenvolvidas nas redes às quais se vinculam.

Conclui-se, por fim, que na busca pela construção de sistemas de produção mais autônomos, econômicos e resilientes, combi-nando desempenhos produtivos e ambientais satisfatórios, é preciso levar em consideração que não existem soluções gerais e receitas padronizadas que se configuram como pa-naceias para todos os espaços de produção, mas sim uma extrema diversidade de opções técnicas, econômicas, sociais, políticas, mé-todos e conhecimentos que se abrem frente às incertezas das mudanças e aos diversos e variáveis contextos socioespaciais, socioeco-nômicos e ambientais.

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RAPHAEL FERNANDO DINIz

uNespciêNcia | Novembro 2017 27Novembro 2017 | uNespciêNcia

Debate entre agricultores da rede aPaD durante sua assembleia anual. rouillon, França. Fevereiro de 2017.

QuadrinhosQuadrinhos

E sta e as próximas páginas apresentam projeto de um livro, envolvendo três lin-

guagens: Poesia, Pintura e Quadrinhos. Os originais, em técnica mista (aquarela, ecoline e lápis de cor), de 15 x 21 cm, foram ampliados e impressos em telas de 50 x 70 cm. A sequên- cia de 27 telas esboça uma narrativa sob o co-mando da linguagem dos Quadrinhos, cujos personagens (um menino, uma menina e um pássaro) leem poemas (a maioria de Drum-mond) e interagem com obras do pintor sur-realista René Magritte, abrindo vários cami-nhos e possibilidades de leitura. A exposição, por meio do diálogo entre esses três sistemas artísticos, é um convite para uma aventura de leitura original, desafiadora e inventiva.

CONHEçA PROJETO DE SÉRGIO VICENTE MOTTA, PROFESSOR DA UNESP DE SãO JOSÉ DO RIO PRETO

Quadrinhos de poesia: “afinidades eletivas”

referências: Carlos Drummond de andrade: “O Lutador” (José, 1942).rené Magritte: La Clairvoyance/autoportrait (Perspicácia/autorretrato 1936); óleo sobre tela: 54,5 x 65,5 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Procura da Poesia” (A Rosa do Povo, 1945).rené Magritte: Le Tombeau des Lutteurs (A Sepultura dos Lutadores, 1961); óleo sobre tela: 89 x 117 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “O Lutador” (José, 1942).rené Magritte: La chambre d’ écoute (O Quarto de Escuta, 1958); óleo sobre tela: 38 x 45,8 cm.sérgio Vicente motta.

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SÉRGIO VICENTE MOTTA

uNespciêNcia | NoveNbro 2017 29Novembro 2017 | uNespciêNcia

SÉRGIO VICENTE MOTA

QuadrinhosQuadrinhos

referências: Carlos Drummond de andrade: “Poesia” (Alguma Poesia, 1930).rené Magritte: La Page Blanche (A Página em Branco, 1967); óleo sobre tela: 54 x 65 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “indagação” (Boitempo II - Menino antigo, 1973).rené Magritte: La philosophie dans le boudoir (A Filosofia da Alcova, 1966); guache: 74 x 65 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Livraria” (As Impurezas do Branco, 1973).rené Magritte: La Grande Famille (A Grande Família, 1963); óleo sobre tela: 130 x 160 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Beijo-flor” (Boitempo II - Menino antigo, 1973).rené Magritte: Les Amants (Os Amantes, 1928); óleo sobre tela: 54,2 x 73 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Castidade” (Brejo das Almas, 1934).rené Magritte: La Condition Humaine (A Condição Humana, 1935); óleo sobre tela: 100 x 81 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “O Lutador” (José, 1942).rené Magritte: Les Fleurs du Mal (As Flores do Mal, 1946); óleo sobre tela: 80 x 60 cm.

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QuadrinhosQuadrinhos

referências: Carlos Drummond de andrade: “Consideração do Poema” (A Rosa do Povo, 1945).rené Magritte: Le Modèle Rouge (O Modelo Vermelho, 1937); óleo sobre tela: 183 x 136 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Memória” (Claro Enigma, 1951).rené Magritte: Les Vacances de Hegel (As Férias de Hegel, 1958); óleo sobre tela: 61 x 50 cm.

referências: Oswald de andrade: “3 de Maio” (Pau-Brasil, 1925; Manifesto da Poesia Pau-Brasil, 1923).rené Magritte: Le Beau Monde (Belo Mundo, 1962); óleo sobre tela: 100 x 81 cm.

referências: Carlos Drummond de andrade: “Legado” (Claro Enigma, 1951).rené Magritte: La Clef des Champs (A Chave dos Campos, 1933); óleo sobre tela: 80 x 60 cm.

referências: Fernando Pessoa: “Palavras de Pórtico” (Obra Poética, 1965).rené Magritte: Le Séducteur (O Sedutor, 1953); óleo sobre tela: 38,2 x 46,3 cm.

sobre o autorSÉRGIO VICENTE MOTTA é professor aposentado do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp de São José do Rio Preto. Como professor de Literatura e de Cultura Brasileiras do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, suas principais linhas de pesquisa são Perspectivas Teóricas no Estudo da Literatura e Imagem, Música e Texto Literário, com ênfase em Literatura Brasileira, gênero narrativo e suas formas, linguagem poética e suas relações com outros sistemas semióticos. Publicou o livro O Engenho da Narrativa e sua árvore genealógica: das origens a Graciliano Ramos e Guimarães Rosa (Editora Unesp) e organizou outros livros do selo Cultura Acadêmica da mesma Editora.

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Opinião

Enade. Como a USP não participa dele, sua pontuação foi menor neste ano.

Independentemente de se é correto ou não atribuir ao Enade a responsabilidade pela me-nor pontuação dessa renomada universidade pública, o que esse episódio nos revela é a im-portância do controle social sobre uma insti-tuição pública. A repercussão de matérias de jornal, artigos e editoriais sobre essa menor pontuação demonstra o quanto são socialmente úteis indicadores facilmente compreensíveis.

Universidades públicas são aquelas que, além das normas de direito específicas que as conduzem, têm a necessidade de se orienta-rem em função de uma sociedade e dos seus anseios e necessidades. Ao se fecharem em suas métricas próprias deixam de perceber o mundo em que se inserem. Correm, assim, o risco de que não mais consigam conviver com mudanças e inovações de toda a ordem.

Atribuir como causa da baixa pontuação a falta de recursos, o que não é verificável, visto os elevados valores que historicamente são repassados às universidades públicas, em particular às do Estado de São Paulo, além de falsear o problema, demonstra incapacidade analítica. O fato é que, ao não revelar para a sociedade qual é o desempenho de seus es-tudantes em comparação com os de outras universidades, evita-se que mensurações e discussões ocorram.

Isso ensina a todos nós que é o momento de valer-se do que nos é mais precioso: a ci-ência. Diagnosticar nossa crise universitária de maneira reduzida ou simplista, é fazer o jogo do faz de conta. Libera humores, mas não muda nada.

P rocessos de avaliação externa têm por ob-jetivo oferecer aos interessados em geral

informações sobre determinadas organizações. No caso de entidades públicas, a finalidade é a de demonstrar o que está sendo realiza-do com o dinheiro arrecadado. Os recursos obtidos por meio da cobrança de impostos, taxas e contribuições de melhoria, obrigação de pagamento do cidadão honesto, serão utili-zados para que esses mesmos cidadãos sejam beneficiados com serviços e bens públicos na quantidade e qualidade necessárias.

Uma dessas avaliações externas, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, Enade, apesar de suas limitações, possibilita, dentre outras intenções, formar juízo, a respeito das faculdades e dos cursos que oferecem. O futuro estudante, por exemplo, poderá fazer escolhas dentre cursos com maior critério. Nesse caso, do ponto de vista social, ao oferecer opções claras para o futuro de um jovem, nada mais justo do que demonstrar com clareza o que pode ser o melhor.

Apesar dessa virtuosa intenção, algumas Universidades e estudantes deixam de se sub-meter a esse Exame. Perdem com isso mui-tos. A falta de informação causa equivalente falta de alternativa. Informação é conjunto de oportunidades. Ignorância ou desconheci-mento não revelam caminhos possíveis. Quem desconhece não age, porque não vê por onde seguir adiante.

Há no momento uma polêmica, por decor-rência da divulgação de queda de pontuação da Universidade de São Paulo, USP, promovi-da pelo ranking do jornal Folha de S. Paulo. A causa dessa queda está sendo atribuída ao

avaliações externas de universidades: o que nos revelam?

Alvaro martim guedes, especialista em administração pública da unesp, em Araraquara.

ALVARO MARTIM GUEDES

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