Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
1
A origem da coca pelo vício do Inca
Alexandre C. Varella1
Resumo
A coca surge, na crônica-carta de Guaman Poma de Ayala ao rei da Espanha, a
partir de peculiares eventos da história do Peru. Na visão do escritor indígena e cristão
(entre os sécs. XVI e XVII), a planta psicoativa aparece num passado não muito
distante, por meio dos índios da montaña (as serras orientais cobertas pela selva que
vem da planície amazônica), numa história de idolatria do arbusto. Mas o vício de
mastigar a folha da coca é inventado pelos incas na conquista dessa região (o
Antisuyo). A história de Guaman Poma pode entreter, mas também demonstra a
seriedade do cronista em apontar para a relação entre os vícios mundanos com um
grande pecado, a idolatria de alguns índios – mas são exceções para o fato, segundo o
cronista, da verdadeira cristandade desde muito tempo na serra (nas altitudes mais
temperadas), que recebe de fora o “vício de comer coca”. É interessante notar que
essas histórias de Guaman Poma também indicam códigos indígenas de compreensão
e manipulação dos eventos, como será discutido abaixo, com apoio, ainda, da análise
da crônica de outro indígena do Peru, e contemporâneo, Santa Cruz Pachacuti.
Comunicação
Este texto recupera assuntos trabalhados em capítulo de minha autoria na
coletânea “Drogas e cultura: novas perspectivas”, recentemente publicada.2 O tema
do “vício de comer coca”, na expressão de Guaman Poma, foi aprofundado em
virtude da redação do quarto capítulo de minha dissertação de mestrado, também
recentemente defendida no programa de História Social da USP, com o título
“Substâncias da idolatria; as medicinas que embriagam os índios do México e Peru
1 Doutorando no Programa de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH/USP. Email: [email protected] 2 VARELLA, Alexandre C. “Os vícios de ‘comer coca’ e da ‘borracheira’ no mundo andino do cronista indígena Guaman Poma” In: LABATE et al. (orgs.), Drogas e cultura: novas perspectivas, 2008, p. 345-368.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
2
em histórias dos séculos XVI e XVII”.3 Antes de refletir sobre a história do cronista
indígena, vejamos, com temerária brevidade, algumas peculiaridades do polêmico
autor e sua obra.4
Guaman Poma nasceu após a conquista do Peru e produz a Nueva corónica y
buen gobierno provavelmente entre 1580 e 1615. O cronista só pode ser conhecido ou
caracterizado praticamente através da análise de um único mas extenso documento,
seu próprio manuscrito ilustrado, que tem quase mil e duzentos fólios, dos quais
quatrocentos com gravuras, obra que só foi descoberta no início do século XX nos
recônditos da Biblioteca Real da Dinamarca.5
A obra de Guaman Poma está dividida em duas partes. A Nueva corónica
relata a história humana a partir do evento da Criação de Adão e Eva, reforça que
pós-diluvianos povoaram o Peru, e caracteriza as eras ancestrais andinas até os
tempos do governo dos incas antes da vinda dos espanhóis. Ainda na Nueva corónica,
temos o capítulo da “conquista”, na recepção a Pizarro até a conclusão da chamada
“guerra civil” entre os espanhóis conquistadores, com a vitória final das tropas fiéis
ao império dos Habsburgos com sede na Espanha. A segunda parte do tratado, o Buen
gobierno, que descreve um deprimente e violento cotidiano do vice-reino do Peru,
traz informes sócio-econômicos e dá conselhos de Estado, faz denúncias e
provocações contra indivíduos, “castas” e “nações”, etc, terminando com uma
peregrinação do próprio autor Guaman Poma rumo a Lima, para despachar sua obra
ao rei da Espanha.6
Pelos dados que oferece, Guaman Poma deve ter nascido no conturbado
contexto após a conquista de Pizarro e Almagro, e ainda jovem foi educado na língua
3 VARELLA, Alexandre C. Substâncias da idolatria; as medicinas que embriagam os índios do México e Peru em histórias dos séculos XVI e XVII. Dissertação de Mestrado – FFLCH/USP, 2008. 4 Fizemos o estudo pela seguinte edição: GUAMAN POMA de AYALA, Felipe. Nueva corónica y buen gobierno, 1993. Contudo, optamos por seguir as transcrições e traduções do manuscrito original de acordo com a versão digitalizada pela seguinte edição: GUAMAN POMA de AYALA, Felipe. Nueva crónica y buen gobierno, 1987 [versão eletrônica, 2004]. Para as próximas citações utilizamos a abreviatura GP (numeração dos fólios do manuscrito pelo que o autor indicara e pela contagem nas edições atuais). Ex.: GP 950[964]. 5 Aqui não nos detemos na análise das gravuras de Guaman Poma, mas sem dúvida, o estudo iconográfico de sua obra é o que mais consome os investigadores dentro das polêmicas sobre o caráter da produção do cronista indígena e sua maneira de pensar o mundo andino. Por outro lado, o escrito alfabético do mesmo pode indicar semelhante riqueza de conteúdos e de problemas para a investigação histórica. 6 ADORNO, Rolena. Guaman Poma; writing and resistance in colonial Peru, 1986, p. 09.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
3
espanhola e na doutrina cristã. Deve ter tido alguma autoridade e poder como
“cacique” ou “curaca”, embora queira se arvorar como “príncipe” indígena, além de
mostrar-se como grande devoto cristão. Transitou nas esferas eclesiásticas e civis do
vice-reino do Peru, convivendo com importantes religiosos espanhóis e com a
literatura que estes acessavam. O tratado de Guaman Poma pode ser a expressão
máxima da crônica indígena e cristã que floresce nos Andes Centrais na virada do
século XVI para o XVII, e conta com outras obras importantes, como a de de Santa
Cruz Pachacuti com sua Relación de antigüedades de este reino del Perú.7 É difícil,
entretanto, classificar a natureza do manuscrito ilustrado de Guaman Poma, porque se
tem a pretensão de um tratado formal, apresenta-se também, como adverte Adorno,
enquanto mera relação de um cidadão comum.8 O texto é extremamente híbrido.
Como destaca López-Baraut, mostra-se como “carta ao rei, memorial de petições e
remédios, tratado de direito, crônica de Índias ilustrada, manual para predicadores e
livro de conselho de príncipes, aparentado com a emblemática política européia”.9
Denominar Guaman Poma como “ladino”, isto é, como indígena que fala e
conhece vernáculos do quéchua, mas também, cristão que sabe falar espanhol (e que
sabe escrever em espanhol e quéchua), é tratar de uma combinação bastante
complexa. No discurso do cronista confluem esperança e desespero de um convicto
cristão e defensor da sociedade aborígine, mas ambos rótulos, de “cristão” e de
“índio”, devem ser balizados com extrema cautela, tanto em termos políticos quanto
culturais.
Note-se que o cronista fará voz intransigente contra a “idolatria”, inclusive,
comenta ter acompanhado o juiz eclesiástico Cristobal de Albornoz em visitações na
região de Lucanas por volta de 1580, onde se encontra Huamanga, a atual Ayacucho.
Guaman Poma deve ter vivido a maior parte de sua vida nessa região, que foi o foco
de um obscuro movimento que talvez tivera caráter messiânico e extático, denunciado
pelos clérigos Albornoz e Molina – trata-se do taki onqoy ou “dança da enfermidade”,
sublevação anticristã, propugnando a volta do culto às “huacas”, as entidades da 7 SANTA CRUZ PACHACUTI, Juan. Relación de antigüedades de este reino del Perú, 1995. 8 ADORNO, op. cit., 1986, p. 09. 9 LÓPEZ-BARALT, Mercedes. Icono y conquista: Guamán Poma de Ayala, 1988, p. 271. Advirto que as citações no corpo do texto da bibliografia crítica em língua estrangeira são traduções minhas, mantendo, entretanto, outras citações nas notas de rodapé e as citações de textos de época na forma das edições consultadas.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
4
chamada idolatria andina.10 Enfim, se Guaman Poma combate crenças, costumes e
ritos indígenas, por outro lado, será implacável contra o inaugurador da fase da
“extirpação da idolatria” no início do século XVII, o doutor Francisco de Avila, que
Guaman Poma expõe, é prócere de uma campanha de espoliação indecente e punição
gratuita das comunidades indígenas.
Pease destaca o caráter “heterodoxo” do cronista, entre outros aspectos, no
importante tema da “conquista”. Apesar de condenar o vice-rei Toledo pela execução
do último inca em resistência e refúgio nas florestas de Vilcabamba, abraçando em
termos gerais a perspectiva de Las Casas sobre a ilegalidade e violência desmedida da
conquista, ao mesmo tempo argumenta pela ilegitimidade da dinastia incaica, uma
escolha que vai de acordo com os interesses imperiais através do vice-rei Toledo.
Lembro que Guaman Poma defende certos aspectos do governo deste importante
vice-rei, mas ataca outros, e enfim, desautoriza a conquista espanhola que teria
justificativa para cumprir a Missão cristã, ao contemplar a história da vinda de um
apóstolo de Jesus nos Andes. Enfim, o cronista considera que os mais antigos índios
eram praticamente cristãos, pelas suas obras e por terem alguma luz de conhecimento
de Deus.11
Como abordar a mentalidade do indígena Guaman Poma? Para Cabos
Fontana, deve ser questionada a visão de que a estrutura mental dele seja “selvagem”,
isto é, essencialmente indígena, no ponto mesmo da sintaxe que governa suas
compreensões do mundo, perspectiva que vem com força desde Wachtel.12 A autora
procura demonstrar a forte influência européia nas profundezas da mente de Guaman
Poma.13 Mercedes López-Baralt procura acomodar o problema das influências e
formas de pensar do índio, dentro da idéia de uma “policulturalidade”.14
Talvez possamos nos aproximar do lugar de Guaman Poma ao observar sua
apreensão do cristianismo. “Cacique prencipal”, no desejo do cronista, “que sea muy
10 Cf. MILLONES, Luis. Historia y poder en los Andes centrales (desde los orígenes al siglo XVII), 1987. 11 PEASE, Franklin. Las crónicas y los Andes, 1995, p. 278-82. 12 Cf. WACHTEL, Nathan. La vision des vaincus; les indiens du Peróu devant la conquête espagnole 1530-70, 1970. 13 CABOS FONTANA, Marie-Claude. Mémoire et acculturation dans les Andes; Guaman Poma de Ayala et les influences européennes, 2000, p. 11. 14 LÓPEZ-BARALT, op. cit., 1988.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
5
buen cristiano que sepa latín, leer, escriuir, contar y sepa hazer peticiones ellos como
su muger y hijos y hijas”. Aí, o cristianismo é praticamente sinônimo de cultura
letrada, e enfim, instrumento para a afirmação indígena. Por outro lado, ser cristão
significa evitar ser tal qual o ordinário cristão espanhol, que tem maus costumes e
atitudes, e nem mesmo é convicto na fé em Deus. Isto não significa, contudo, que o
cacique deva evitar ser como um espanhol, em aparência e maneiras que indiquem um
status superior – vemos um sentido de aculturação, mas também, de apropriação da
cultura alheia: que o cacique, afirma o cronista, “se trate como español en el comer y
en el dormir y baxillas y haziendas” – quando essa atitude tem importância nas
relações de poder, pois que seja o cacique como espanhol “y que no le estoruen los
corregidores ni padres ni comenderos”.15 Os índios comuns, por sua vez, não
deveriam se vestir como espanhóis, e nem vice-versa. Afinal, nenhuma “casta” ou
“nação” deveria se vestir como índio, mantendo-se o ideal da segregação da parcela
indígena da sociedade vice-real.16
O código civilizacional do cristianismo parece ser manipulado para atingir a
solução nativista para o vice-reino, embora isto seja bem relativo, pois Guaman Poma
apresenta a perspectiva geral dos missionários da Igreja, que procuram, de uma forma
ou de outra, integrar as hierarquias locais ao do império espanhol. Guaman Poma é
venenoso para com os “curas e padres de doutrina”, os párocos nos povoados, mas
defende a ação das ordens franciscana, jesuíta, e de outros missionários que considera
como “santos”.17 Enquanto Adorno assevera que o cronista é “sempre inequívoco: a
favor da ordem indígena e oposto ao colonialismo”, e que foi “anti-Inca e pró-andino,
anticlerical mas pró-católico”,18 outro autor, Jorge Zapata, conclui que Guaman Poma,
ainda que manipulando as formas do discurso e visão de mundo ocidental para um ato
de resistência aos exploradores, apresenta uma obra onde “se encontram as premissas
15 GP 742 [756]. 16 “Los dichos españoles, mestisos y señoras mestisas o negras, mulato, mulatas, que no se ponga áuito de yndio ni los yndios ni yndias no se ponga áuito de español. Por con color de ello hace muy gran ofensa a Dios y no ciruen a su Magestad y no tiene obedencia ni ley. Sea grauemente castigado por las justicias” GP 539[553]. 17 GP 950[964]. 18 ADORNO, op. cit., 1986, p. 05.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
6
de uma estética dependentista” que assola a cultura latino-americana desde os tempos
do encontro entre os dois mundos.19
Existe a plataforma de autonomia política para os “índios principais”
governarem o vice-reino quase sem intermediários – ou melhor, essa plataforma é
para aqueles líderes que Guaman Poma considera legítimos, pois muitos curacas são
citados como embusteiros, que se apropriam dos tributos gerados pelos índios comuns
para alimentar muitos e maus costumes, como o de usar a coca na boca.
Observe-se que as reformas são concebidas em torno de um amplo programa
morigerante cristão. Tomando assento numa retórica que emerge dos topoi de “vícios
e virtudes”,20 Guaman Poma impõe-se como conselheiro do rei numa linguagem de
protesto social, procurando diagnosticar os males causados pelo “pachakuti” da
conquista espanhola: o vice-reino é fruto de um pachacuti ou “mundo ao revés”,21 e
deve ser recolocado na ordem.
A denúncia de inúmeros “vícios” é dirigida contra todas as “castas e nações”,
inclusive, em direção aos índios tributários mais humildes. A denúncia não é apenas
artifício retórico para atacar certos elementos da estrutura do poder colonial, e certas
condições sociais que resultam disso, ou para denegrir certos desafetos do cronista,
pois representa, a meu ver, muito mais, é um projeto de mudança de hábitos tidos por
errôneos segundo o militante cristão, e efusivamente, por Guaman Poma. E entre os
costumes considerados viciosos pelo cronista indígena, está o de consumir as folhas
da coca, que descreve freqüentemente como ato de “comer coca”.
Para Guaman Poma, a comunhão pode ser oferecida ao indígena apenas se
19 ZAPATA, Jorge. Guamán Poma, indigenismo y estética de la dependencia en la cultura peruana, 1989, p. 19. 20 Em Aristóteles “el topos es un lugar imaginario al cual se acude en busca de argumentos que ayuden a probar un punto o a persuadir a un público. En la filosofía moral antigua, el topos más frecuente fue el de la denuncia de vicios y la alabanza de virtudes”. As principais fontes literárias dessa retórica estão na Ética de Aristóteles (IV a.C.), em obras de Cícero, Sêneca, e ainda, na Psychomachia de Prudêncio (séc. IV), hispano-latino preferido como modelo para o esquema cristianizado de vícios e virtudes posteriormente inscrito em obras de protesto social no medievo e nos séculos XVI e XVII (LÓPEZ-BARALT, op. cit., 1988, p. 297-8). 21 “pachakuti”, uma subversão cósmica, literalmente, um “mundo ao revés”. O último desses sismos vem através dessa conquista dos espanhóis, e a reviravolta dos costumes, das atitudes, está em todos os âmbitos da vida cotidiana. Para López-Baralt, “es curioso cómo (...) se conjugan la concepción nativa milenarista de mundo cíclico con el topos europeo de mundo al revés: en ambos casos el cataclismo se anuncia con una proliferación de vicios” (Ibid., p. 302). Salomon aprimora o significado da tradução: “pacha kuti, ‘turn of space/time’” (“Testimonies: the making and reading of native South American historical sources”, 2000, p. 48).
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
7
pede “muy cristianamente o questé en la ora de la muerte arrepentido de sus
pecados”, e complementa: que não tenha provado na vida “chicha, uino”, e ainda, que
não tenha colocado “coca en la boca”.22 “Dios nos guarde”, que “no se le puede dar
sacramento al que vome (sic) coca”.23
O fato, para Guaman Poma, é que usando a erva e a poção embriagantes, será
o índio “ydulatra y peca mortalmente y se matan entre ellos”.24 Não é possível que
comungue o pão e o vinho, corpo e sangue de Cristo, se está comungando a folha de
coca e a chicha, substâncias que se relacionam a pecados em destaque entre as
interdições do Decálogo: a idolatria e o assassínio.
Os índios que escapam das comunidades a que pertencem por laços familiares
e étnicos, são bastante mal-vistos pelo cronista, pois o fato representa a debilitação da
“república” indígena no Peru vice-real. Os índios “guagamundo”25 vivem no caminho
do mal (como bandidos e jogadores), e nesse caminho, está a bebida e a coca. Eles
“andan como animales y saluages y andan ociosos y holgasanes, peresosos”; claro
impedimento para o bom governo, não conhecem Deus, não temem a justiça, não
respeitam os caciques, não pagam tributos nem trabalham nas minas ou noutros
serviços. Ao lado dessas faltas, “sólo dan a beuer y enborrachearse y comer coca”.26
Guaman Poma, na conversa por reformas, trata de caciques que não são
obedecidos ou respeitados nem por espanhóis, nem por índios tributários, porque “no
son señor uerdadero de linagi”. Também, “ni tiene buenas obras” – são os caciques
que tanto denigre. Uma lista de vícios (da tradição medieval cristã) é feita para
caracterizar estes personagens, como preguiça, soberbia, avareza, gula e inveja.27
Mais presente ainda o vício da embriaguez e do uso da coca: “son borrachos, que
todos los días están borrachos y comen coca”.28
“Borracho y coquero”. O binômio aparece em todo momento na escrita do
Buen gobierno, serve para maldizer muitos índios, principais ou comuns. Como
22 GP 839[853]. 23 Ibid., 278[280]. 24 Ibid., 839[853]. 25 “le llama guagamundo que ellos salieron de sus pueblos por ser ladrones y salteadores y jugadores, borrachos, peresosos, comedor de coca” (Ibid., 968[986]). 26 Ibid., 872[886]. 27 Ibid., 742[756] e ss. 28 Ibid., 768[782] e 769[783].
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
8
sobreleva Adorno, o Buen gobierno é um texto “cansativamente repetitivo”29 – e sem
dúvida, a expressão “borracho y coquero” é um dos principais elementos da viciosa
escrita do cronista.
O uso bucal da coca, que estigmatiza o índio como “coquero”, e o uso do
tabaco, principalmente pelo negro “tauaquero”, são “vícios” porque são consumidos
de forma gratuita: “aunque no lo a menester el cuerpo, lo toma”.30 Mas ao menos no
caso do tabaco, existe o elogio de suas qualidades medicinais.31 Mas a erva da coca
nunca será considerada como medicamento ou apresentando qualquer boa serventia.
Em Guaman Poma, a coca será notada, propriamente, como veneno. Será assim e de
forma exemplar, numa história contada por umas velhas, que o autor da crônica
comenta ter encontrado na sua peregrinação pelas serras andinas rumo à Ciudad de los
Reyes (Lima) para despachar seu tratado para Felipe III. O cronista coloca-se como
figura messiânica que observa as inúmeras injustiças contra os pobres índios. Nessa
caminhada de denúncias, as velhinhas que havia visto no trajeto lhe contam tenebrosa
cena, na qual “hechiceros” obrigam a adorar o “ dolo uaca” mediante um suplício.
Chicoteiam as costas do índio velho que está sentado sobre uma lhama branca, até que
seu sangue escorra pelo animal. Nesse momento, a vítima se nega a participar do
“tormento enjusto”, e para tanto, comete o suicídio. Morre pela ingestão de coca:
“tomó coca molido hecho polbo y lo tomó y se ahogó y morió con ella”.32
Este não é o único conto que mostra o teor de veneno mortal da coca. Num
momento da narrativa, Guaman Poma procura encontrar as causas da diminuição da
população indígena. O principal motivo foi a política de “reducción”, o traslado da
população nativa para novas povoações, por ordem do vice-rei Toledo, que teria
desconsiderado, segundo Guaman Poma, a previdência dos incas e de seus “sauios y
dotores, lesenciados, filósofos”, que haviam escolhido os bons sítios para multiplicar
as gentes. Agora, os deslocamentos trouxeram o contato com maus ares e más
influências astrais, causando as enfermidades mortais. Mas outra causa da
depopulação é “la borrachera, el mosto y uino, la chicha y la coca, el azogue
[mercúrio]”. Além da bebida, a coca e o mercúrio, em associação, matam os índios.
29 ADORNO, op. cit., 1986, p. 141. 30 GP 154[156]. 31 Ibid., 901[915] e 826[840]. 32 GP 1111[1121].
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
9
Devendo se referir ao trabalho nas minas, Guaman Poma adverte que “teniendo en la
boca todo el día [a coca], traga el polbo con la coca. Y ací en el corasó[n] se detiene
este polbo y la coca y ancí muere azogado”.33 Ou seja, a morte é causada pela
presença, no órgão vital, tanto da substância do mercúrio como da coca.
Quando o índio está “borracho y gran comelón de coca”, aparecem diversos
problemas no corpo: sempre “hecho cuero”; ou com “buena barriga”; “cría gran
cuerpo y gran cabesa”; ou “barriga chupada, hecha como tabla”.34 O cronista vê
disparatados resultados, porém, a causa dos males é bem exata: a chicha (ou vinho) e
a coca.
Em resumo, o uso da erva, delimitado como hábito desviante, porque não é
para o proveito medicinal ou alimentar, também é tido por costume obsedante, e além
do mais, manifesta a intrusão de substância venenosa, que traz enfermidade ou má
disposição. Além disso tudo, o vício da coca, bem como o da bebida, reportam à
animalidade, a um estado inferior do “racional” humano. O costume de mascar coca é
vexado como ato de ruminação: “comer coca, yerua como cauallo”.35
O vício da bebida ou a “borrachera”, e de “comer coca”, são rapidamente
associados à idolatria. Ao “emborracharse y comer coca” os caciques “mochan
[reverenciam] guacas dolos, y con los demonios, estando borracho, se buelbe en su
antigua ley”.36 Guaman Poma está se referindo aos “dichos” caciques, ou seja,
àqueles que fingiriam ser autoridades locais.
Guaman Poma aponta que os antigos “hechiceros” dos tempos dos incas
adoravam as grutas onde dormem de passo, deixando coca e milho mascados
emplastados nas paredes. Guaman Poma expõe, inclusive, a expressão que utilizam
nesse hábito idolátrico.37 Como teria o cronista aprendido a fala que anuncia no texto?
33 Ibid., 951[965]. 34 Ibid., 797[811]. 35 Ibid., 774[788]. Importante ressaltar que “comer coca”, expressão corrente no relato do cronista, não é apropriada para definir o ato de mascar as folhas do arbusto, pois a pasta que se forma das folhas em contato com um preparado alcalino conhecido como lejía ou llipta, é acumulado entre a gengiva e a parede bucal e cuspida eventualmente, embora libere o suco psicoativo que é ingerido, e absorvido pela mucosa bucal. 36 Ibid., 774[788]. 37 “Machay mama, ama micuuanquicho allilla punochiuay” é a expressão que Guaman Poma traduz como “Cueua, no me comáys. Hasme dormir bien y guárdame esta noche”. Os editores traduzem a expressão de forma mais completa: “Madre cueva, no me comas; hazme dormir bien” (Ibid., 276[278]).
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
10
Enquanto indica que o costume é particular dos “pontífices” do inca, também
contempla uma maior abrangência do hábito: “hasta este tienpo lo uzan los yndios”.38
Além da declarada participação de Guaman Poma na campanha do
“extirpador” Albornoz, que lhe dá justificativa para o conhecimento de alguns rituais,
parece haver convivência conflituosa com os costumes locais, ou conflito com gente
que pratica tais costumes, pois o cronista se queixa que é perseguido por praticantes
de certas cerimônias.39 Também, o cronista índio deve ter absorvido a tradição oral
nativa, como aponta Adorno.40
Num dos relatos de Guaman Poma, a coca serve como ingrediente numa
receita dos “pontífises hichezeros” dos incas. Junto com outras substâncias, como
massa de milho com sangue (sanco), penas, prata e ouro, queimavam a coca dentro de
uma panela. Daí “hablan” os “demonios del ynfierno”, para o “hechicero” saber das
coisas que se passam no mundo.41 Se Guaman Poma demoniza o ritual do oráculo, o
costume de adivinhar pela fumaça gerada num preparado com coca, era algo
recorrente, como destaca MacCormack, aparecendo em outros informes, como dos
religiosos agostinhos de meados do século XVI, quando “a fumaça da coca se eleva
em direção ao Criador Ataguju”.42
Guaman Poma interpreta qualquer rito ou hábito com coca como feitiçaria. O
uso da coca não é percebido pelo cronista como antigo hábito nos Andes, mas sim,
como excrescência de um período recente na história andina, quando surge a idolatria.
Os maus usos de ervas e poções têm uma história, têm origem num passado de
degeneração da humanidade – e da parcela andina dessa humanidade.
Concentremos o foco de análise na primeira parte do manuscrito de Guaman
Poma, a Nueva corónica. Na visão do tempo expressa nesse texto, a humanidade
passa por várias “idades”, o que recompõe uma tradição teleológica já inscrita na
profecia hebréia do Livro de Daniel, perspectiva comum nos séculos XVI e XVII.
Mas também, na ótica do cronista índio, como ainda sugere Salomon, as idades, elas
se sucedem a partir de cataclismas, os “pachacutis”, como já comentado, e que podem 38 Ibid., 276[278]. 39 Ibid. 40 ADORNO, op. cit., 1986, p. 16 e 47. 41 Ibid., 278[280]. 42 MacCORMACK, Sabine. Religion in the Andes; vision and imagination in early colonial Peru, 1991, p. 303.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
11
representar visões locais, tradições das elites nativas por conceber a história andina.43
Embora na crônica de Guaman Poma apareçam sentidos de degeneração moral ou
social na sucessão das quatro eras andinas, o traçado geral aponta para uma saudosa
época de bonança e retitude.44
Na visão de Guaman Poma, no passado longínquo havia uma cristandade
informal, mas verdadeira dos antigos, que superaria o estágio formal, mas vazio de
sentido, da cristandade atual no vice-reino: “cómo los yndios antigos fueron mucho
más cristianos. Aunque eran ynfieles, guardaron los mandamientos de Dios y las
buenas obras de misericordia”.45 Guaman Poma ainda empurra a detestada idolatria
como evento excepcional, ela surge na dinastia dos incas. Guaman Poma produz uma
relativa disputa contra os incas usurpadores do governo da legítima e ancestral
dinastia que teria governado o Peru, a linhagem “Yarovilca”, da qual se diz herdeiro.
Santa Cruz Pachacuti, também cronista indígena e contemporâneo de Guaman Poma,
como herdeiro dos senhores “collaga” (cultura aimará), mantém-se mais vacilante
ainda na relação dos incas com o pecado da idolatria – alguns incas seriam contrários
e outros mais acomodados com a idolatria.46 Se ambos cronistas pertenceram a etnias
ou linhagens que foram subjugadas pelos incas de Cuzco, eles também mantêm visões
de admiração da lei incaica.47 Lembremos que muitas idéias de Guaman Poma por um
“bom governo” se espelham em sua visão do domínio inca, inclusive no que diz
respeito ao controle da embriaguez, que seria bem administrada pela ação punitiva
dos incas. Mas esta é outra peculiar história...
Enfim, ao lado da admiração do governo incaico, Guaman Poma colocou o
nascimento da “idolatria”, que é o poder do diabo, justamente como conspiração dos 43 SALOMON, op. cit., 2000, p. 48. 44 MacCORMACK, op. cit., 1991, p. 317. 45 GP 858[872]. 46 O manuscrito de Santa Cruz Pachacuti foi encontrado junto aos papéis do “extirpador” Dr. Francisco de Avila, o mesmo que coletou a crônica de Huarochirí no início da década de 1610. A data aproximada do texto de Santa Cruz Pachacuti é de 1613 (MILLONES, Luis. Los dioses de Santa Cruz, s.d., p. 03). Como aponta Millones: “Los elementos de su propuesta están perfectamente balanceados en el relato, así por ejemplo, a cada desliz de los Incas en su culto al Supremo Hacedor, corresponde el auge de las guacas (siempre equiparadas al demonio), a lo que sigue inmediatamente, una catástrofe personal o política del soberano pecador. En otras palabras, por encima de sus limitaciones, la crónica fue planeada como una argumentación en favor de las virtudes del cristianismo, cuya antesala sería el descubrimiento del Creador, límite al que, por razonamiento natural, podía alcanzar el pueblo de los Andes” (p. 06). 47 A respeito das semelhanças e diferenças entre as visões de Santa Cruz Pachacuti e Guaman Poma quanto à história dos incas e sua religião, cf. MacCORMACK, op. cit., 1991, p. 320 e ss.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
12
incas de Cuzco, uma dinastia desviada dos antigos senhores de mesma dignitária
nomenclatura. Mas os últimos doze incas, vistos como usurpadores, são ramos de um
enxerto incestuoso que manchara a originária dinastia que foi sucessora natural dos
diluvianos e das quatro eras de gente andina, que tinha entendimento de Deus e obra
de cristão. Enfim, o despencar veio com Mama Uaco, que na visão de Guaman Poma,
teria sido a mãe e a própria esposa do primeiro inca idólatra, Manco Cápac.48 A nova
dinastia inca criara a idolatria por meio de uma “hechicera” que consumara grave
pecado antinatural (o incesto), escurecendo toda a descendência.49
Para Adorno, a história de Mama Uaco e Manco Cápac incorpora o mito do
pecado original.50 Cabos Fontana destaca como a intervenção do demônio se
manifesta, numa gravura, pela “forma de uma serpente e por meio de uma mulher, tal
como na Bíblia”.51 Além do mais, note-se que Mama Uaco encaixa-se no estereótipo
da feminina bruxaria, que condensa a grande conspiração diabólica desde fins da
época medieval.
Será justamente no meio da história dessa linhagem torta dos incas que surge o
vício de mascar a coca. O costume, desde o pioneiro relato do soldado Cieza de León,
poderia ter justificativa trivial: “preguntando a algunos indios por qué causa traen
siempre ocupada la boca con aquesta hierba [da coca] (la cual no comen ni hacen
más de traerla en los dientes), dicen que sienten poco la hambre que se hallan en
gran vigor y fuerza”.52 Las Casas, na Apologética historia, insistira pelo mesmo
princípio de simples hábito por um proveito “natural”, ainda que o costume fosse
“bárbaro”, mas apenas no sentido de que era estranho para o europeu.53 Outro autor
paradigmático, o jesuíta Acosta, embora notasse destinações idolátricas, e bastante
superstição em torno da planta, também aponta para o excepcional mas natural poder
48 GP 80[80]. 49 Note-se que Santa Cruz Pachacuti, embora confirme uma história de incesto, assevera que se trata de um casamento entre irmãos. Mas o ato teria uma boa justificativa, apesar de ser tabu para a cultura cristã. O resultado não foi a desgraça da linhagem, foi para seu bem e do “buen gobierno” nos Andes: “Este casamiento lo hizo por no haber hallado su igual, lo uno [Manco cápac]. Y por no perder la casta. A los demás no les consintieron por ningún modo, que antes lo prohibieron. Y comenzó a poner leyes morales para el buen gobierno de su gente, conquistando a los desobedientes” (SANTA CRUZ PACHACUTI, op. cit., 1995, p. 19). 50 ADORNO, op. cit., 1986, p. 75. 51 CABOS FONTANA, op. cit., 2000, p. 35. 52 CIEZA de LEÓN, Pedro de. La crónica del Perú, 1962, p. 249. 53 LAS CASAS, Bartolomé de. Apologetica historia sumaria, 1992.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
13
estimulante da coca.54 Guaman Poma, embora fortemente influenciado pelo
pensamento do dominicano e do jesuíta em muitos aspectos, nunca teve qualquer
tolerância com relação ao costume de colocar a folha da coca na boca, desmerecendo
qualquer serventia ao hábito: “no lo dexan el uicio y mal custumbre cin prouecho,
porque quien lo toma lo tiene sólo en la boca ni traga ni lo come”.55 Vimos que a
substância será puro veneno para Guaman Poma, e o costume de mascá-la terá apenas
sentido pejorativo, como asqueroso vício de embriaguez. Também será substância da
idolatria: “todos los que comen coca son hicheseros que hablan con los demonios,
estando borracho o no lo estando y se tornan locos lo que comen coca”.56
Guaman Poma terá ainda ocasião de contemplar perfeita união entre usos
idolátricos e o costume de mascar a erva, quando descreve os “ídolo[s] i uacas de los
Andi Suyos”. Nesse relato, o autor reflete sobre o culto ao “otorongo” [onça], no qual
se dedicavam os povos da “montaña”, isto é, aqueles que vivem nos contrafortes
orientais das serras andinas que submergem na densa floresta amazônica. Lá, segundo
o cronista, sacrificavam gordura de cobra queimada, milho, coca e penachos de
pássaros silvestres aos “otorongos”. Além do mais, também adoravam o arbusto da
coca.57 Chamam a folha de “coca mama y lo bezen”. Da adoração ao consumo: “luego
lo mete en la boca”.58
Estas manifestações de uso da coca, vinculadas ao “culto do jaguar”, se acaso
aparentam ser autóctones da “montaña”, contraditoriamente, refletiriam costumes fora
de lugar. Vejamos: foi o “filho” ou “capitão”59 do sexto inca (inca Roca), quem
conquistou “Ande Suyo, Chuncho, toda la montaña”. Para tal proeza de guerreiros, os
incas se tornam onças. Guaman Poma ainda comenta que devido a este artifício –
“dizen” – o “Ynga” impõe o culto ao animal para os índios da selvática região do
Antisuyo.60 Ou seja, o culto ao jaguar não seria nativo da “montaña”, mas importado
54 ACOSTA, Joseph de. Historia natural y moral de las Indias, 1962. 55 GP 154[56]. 56 Ibid., 278[280]. 57 “Acimismo adoran los árboles de la coca que comen ellos y ací les llaman coca mama” (Ibid., 269[71]. 58 Ibid. 59 Pease propõe que as histórias dos “capitães”, às vezes chamados de “filhos” dos incas, podem representar biografias dos “incas urin”, pois na estrutura de poder teria havido uma diarquia hanan/hurin dos grandes senhores andinos (op. cit., 1995, p. 279). 60 GP 269[71].
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
14
desde a conquista pelos bravos incas “onças”.
“El sesto capitán, otorongo achachi apo camac inga / Ande Suyo /” (gravura digitalizada a partir da edição:
GUAMAN POMA de AYALA, Nueva crónica y buen gobierno, 1987, fl. 155 [155])
O costume de “comer coca” também aparece como responsabilidade dos incas
durante o evento da conquista da “montaña”: a coca, “lo comieron y ací se enseñaron
los demás yndios en este reyno”.61 O costume de mastigar a coca aparece
repentinamente. A conquista do inca impõe o culto ao jaguar entre os índios da selva e
também inaugura o costume de mastigar a coca entre os serranos. Numa passagem da
narrativa, Guaman Poma parece até se esquecer dessa história e imputa a invenção do
costume de “comer coca” ao último inca antes da vinda dos espanhóis, Huayna
Cápac, tornando mais recente ainda o surgimento do vício.62 Mas o uso pan-andino da
61 Ibid., 154[56]. Cf. fólio 103[103]. 62 Advirta-se que Guaman Poma, numa passagem de seus repetitivos mas às vezes contraditórios pareceres, transfere para Huayna Cápac o surgir do costume: “cómo el Ynga enuentó y les enseñó a comer coca. Juntamente le enseñó con la ydúlatra y dizen que le sustenta, no creo” (GP 332[334]).
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
15
coca perde-se na dimensão do tempo arqueológico, independente da questão do
cultivo da coca ter guarida, e muito provavelmente, sua origem na região andina
oriental de selva tropical, tal como Guaman Poma ambienta sua história.63
Na versão desse cronista, o costume de mascar coca surge, portanto, através
dos líderes guerreiros que apresentam também a marca de hechiceros, não só porque
se transformam em jaguares.64 O “filho” do inca Roca ainda “hablaua con trueno”.65
Estes relatos podem ser sinais daquilo que atualmente se interpreta como práticas
xamânicas em uso de plantas psicoativas.
O cronista índio contemporâneo de Guaman Poma, Santa Cruz Pachacuti,
também relata uma origem recente de costume com a coca. Os dois escritores, na
opinião de Salomon, além de apresentarem “aspirações andinas reconcebidas no
disfarce da história teleológica renascentista” oferecem a ocasião “de escrever imensa
quantidade do que aparenta ser memória transmitida oralmente”.66 Assim, talvez
estejamos diante de tradições orais sobre origens de uso da coca – ou melhor, diante
de relatos reformulados por estes índios ladinos, devido a suas intenções, numa
retórica bem cristã e de denúncia da idolatria.
A coca, em Santa Cruz Pachacuti, surge num relato em torno das apachitas,
63 Se a relação entre a conquista do Antisuyo e o surgimento do costume de mascar a coca entre os incas apresenta certa coerência ou plausibilidade, se notamos que os relatos apresentam a coca como iguaria restrita aos líderes governantes pré-hispânicos, por outro lado, através de achados arqueológicos como cerâmicas com formas que aludem a bolas de coca entre as gengivas e a membrana bucal, de utensílios relacionados com o uso da planta, tal como as chuspas, que são bolsas para carregar folhas de coca (e utilizadas até hoje), percebe-se quão remoto no tempo é o costume de mascá-la, e em várias partes dos Andes Centrais (HENMAN, Anthony. Mama Coca; un estudio completo de la coca, 2005, p. 89-90). De outro lado, o mais provável é que a coca tenha se originado de fato nas selvas que margeiam o lado oriental dos altiplanos andinos, como Guaman Poma faz bem considerar – ainda que haja polêmica a respeito da história da domesticação e das adaptações ecológicas que propiciaram o surgimento de variedades genéticas desde a região do litoral norte peruano até o oeste da bacia amazônica (ibid., p. 93-95). 64 Instigante associação que faz Guaman Poma entre a coca e o líder que se transforma em jaguar. Há vários trabalhos históricos e etnográficos que debatem o assunto do consumo de alucinógenos por “xamãs” que se transformam em onça, situação que poderia ser interpretada como metáfora da alteração da consciência, um “êxtase” dos guerreiros (Cf. REICHEL-DOLMATOFF, G. El chamán y el jaguar; estudio de Ias drogas narcóticas entre los Indios de Colombia, 1978). 65 GP 103[103]. Lembremos da relação entre os incas e Illapa, a entidade relacionada ao trovão e outras manifestações climáticas. Através de avaliação de alguns pesquisadores, MacCormack realça que “the lightning (...) articulated (...) Inca’s central position in the cosmic order (...) as expressed in nature and as replicated in politics and ritual. (...) Inca Roca’s mummy, the illapa on the ground (...) called forth the illapa in the sky. Lightning and the accompanying atmospheric phenomena, rain, hail, storms, whirlwinds, and the rainbow, represented cosmic forces of meteorological imbalance and war” (MacCORMACK, op. cit., 1991, p. 292). 66 SALOMON, op. cit., 2000, p. 48.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
16
montes de pedra construídos nos caminhos, encruzilhadas, cimas de montanhas. Os
índios tratam de deixar a massa de coca mascada como oferenda nesses amontoados
de pedra. Teria sido no governo do segundo inca, Sinchi Roca, a inauguração do
“rito” de deixar pedras e coca em peculiares paragens. Segundo Santa Cruz Pachacuti,
como o governante Sinchi Roca não era afeito às coisas da guerra, mandava os
capitães e sua gente para as frentes de batalha, quando, certa vez, aparece um “indio
encantador” entre os guerreiros de Sinchi Roca, os quais deixavam “en cada
quebrada (...) piedras para hacer fortalezas”. Este “encantador” sugere que chamem
de “apachitas” aos montões de pedra,
y les puso un rito (...) le había dicho el encantador al capitán del inca que todos los soldados echasen cocahachos (cocas mascadas) al cerro por donde pasaren (...) Y muchas veces aconteció que los apachitas o cerros (y dentro de ellas) les respondían: ‘¡En hora buena!’. Con esto fueron creídos por aquella pobre gente de los tiempos pasados.67
Pode-se notar alguns paralelos importantes entre essas histórias de Guaman
Poma e de Santa Cruz Pachacuti. Claramente, a planta da coca aparece em meio a
eventos considerados idolátricos: o “culto ao jaguar” e a “oferenda” nas apachitas.
Também, por serem idolátricos, tais costumes vêm (naturalmente) pela iniciativa de
hechiceros. Podem entrar no estereótipo de “hechiceros” tanto os incas guerreiros da
história de Guaman Poma que se tornam onças, como o encantador que atravessa o
caminho dos guerreiros do inca, na história de Santa Cruz Pachacuti.
Em ambas crônicas, por fim, os costumes com a coca têm origem dentro da
história da linhagem dos incas. Se os personagens dinásticos são diferentes, têm
bastante similitude quanto a um aspecto fulcral: tais lideranças, o inca Roca e seu
capitão (sextos na linhagem dos incas, para Guaman Poma), e Sinchi Roca (segundo
inca na linhagem, para Santa Cruz Pachacuti), apresentam alguns desvios morais que
denigrem fatalmente suas notáveis figuras. O inca Roca de Guaman Poma é “gran
xugador [jogador] y putaniero, amigo de quitar hazienda de los pobres”,68 além, é
claro, de iniciar o vício de “coquero”. O Sinchi Roca de Santa Cruz Pachacuti, por sua
67 SANTA CRUZ PACHACUTI, op. cit., 1995, p. 23. Comentários entre parênteses são acréscimos do editor. 68 GP 103[103].
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
17
vez, é um dos incas mal-vistos pelo cronista, um daqueles que comete pecados e é
conivente com a idolatria. Pois “este desventurado sinchi Roca dicen que siempre
entendió en regalarse (...) en las fornicaciones”. O filho dele (Lloque Yupanqui), por
outro lado, “muy ayunador (...) había prohibido las fornicaciones y las
borracheras”,69 enquanto que o pai (Manco Cápac, o primeiro inca), elegera bons
homens para conhecer “el hacedor del cielo y tierra” – esta expressão acomoda
alguma idéia de paralelo entre a entidade Pachacámac com o deus dos cristãos. O
primeiro inca montou um grupo de sábios “porque había visto y hallado la poca
devoción de su hijo sinchi Roca”.70 Este Sinchi Roca não entendia que as relações
com as huacas “eran cosas del Enemigo antiguo”, ou seja, do demônio, e foi, afinal,
no reinado deste inca que “habían comenzado a sacrificar con sangre humana y con
corderos blancos y conejos, cocas y mollos y con sebo y sanco”.71 Nesta última
citação (pelo signo do sacrifício), há o surgimento da idolatria dentro do período da
dinastia dos incas, um paralelo com Guaman Poma, como se estes dois escritores
pertencessem a uma política comum de cristãos ladinos, retirando a chamada idolatria
do seio da cultura indígena e colocando-a como invento de alguns poucos pecadores.
Se para Santa Cruz Pachacuti certos incas são contrários à idolatria, e retos,
para Guaman Poma, toda a linhagem incaica, a partir de Manco Cápac, é idólatra e
receptora dos vícios. Este último cronista, na descrição das figuras dinásticas, associa
alguns pecados ao ato de usar a coca. O inca Huáscar é pintado por Guaman Poma
sempre como um ser fraco e detestável. Ademais, “de puro auariento comía media
noche y por la mañana manecía con la coca en la boca”.72 O cronista relaciona
69 SANTA CRUZ PACHACUTI, op. cit., 1995, p. 29-31. 70 Ibid., p. 27. 71 Ibid., p. 29. 72 GP 143[143]. Forte indício de aproximação entre os cronistas índios Guaman Poma e Santa Cruz Pachacuti, em termos de tradição oral compartilhada, está no relato sobre a humilhação que sofrera este inca Huáscar antes de ser executado pelo inca Atahualpa, em relato sobre o uso da coca. Expliquemos, antes de tudo, que Huáscar foi vencido por Atahualpa na guerra pela sucessão dinástica do senhorio dos incas, enquanto Pizarro com seus quase duzentos homens, invadia o Peru em 1532. Os espanhóis logo seqüestram Atahualpa no primeiro encontro em Cajamarca. Mesmo assim, Atahualpa mandou matar seu meio irmão Huáscar, que havia sido preso por seus homens em Cuzco, pois temia que Huáscar assumisse o poder enquanto estava nas mãos dos espanhóis – mas logo em seguida, Atahualpa também seria executado pelos conquistadores. Enfim, durante o episódio da execução de Huáscar pelo “ermano uastardo Atagualpa Ynga”, segundo Guaman Poma, ocorrem muitas humilhações, tais como: “por chicha le dieron de ueuer meados de carnero y de personas. Y por coca le presentaron petaquillas de hoja de chillca [um mato] y por llipta [cinza para mascar a coca] le dieron suciedad de persona majado” (116[116]). Na versão de Santa Cruz Pachacuti, a tortura se dá de maneira bem parecida: “Al
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
18
diretamente o consumo da coca à gula da coya [senhora, mulher] do oitavo inca:
“comía muchos manjares y más comía coca por uicio; dormiendo tenía en la boca”.73
A coca está imersa na saca de idolatrias e maus costumes. Quanto às eras
anteriores à sinistra saga idolátrica dos incas, não há sinal de uso das folhas ou do pó
de coca. E se nos tempos do vice-reino do Peru, muitos índios, de principais a
tributários, são caracterizados como “coqueros”, é porque adotaram o vício pelo
exemplo dos incas, os quais, como pondera Henman, se optaram por segregar e
controlar o uso da substância para a elite e para eventos e ritos especiais, isto não
apaga uma antiqüíssima cultura do uso da coca na enorme extensão das serras
andinas, e enfim, o relativo domínio dos incas durante um curto período da história
pré-hispânica não pôde ter impedido o uso da coca por diversas etnias andinas.74
Entrementes, é interessante notar que para Guaman Poma a coca não deveria
ser eliminada das plantações. O cronista faz uma pergunta para si mesmo, no pretenso
diálogo com o rei da Espanha, como se, ainda que de tão longe, estivesse D. Felipe III
realmente pedindo os conselhos e ouvindo atentamente D. Felipe Guaman Poma de
Ayala:
Dime, autor, ¿cómo se hará rrico los yndios? A de sauer vuestra Magestad que an de tener hazienda de comunidad que ellos les llama sapci, de sementeras de ma s y trigo, papas, agí, magno [verdura seca], algodón, uiña, obrage [oficina], teñiría, coca, frutales...75
Surpreende que justamente a coca, planta sempre maldita no discurso do
escritor, agora, em franco conselho ao rei, deva ter “aumentación” na comunidade dos
índios.76 Se a retórica de Guaman Poma fecha o caminho do consumo da coca em
forte tom de extirpação do vício, o juízo final livraria a substância da eterna danação.
Lembremos que a coca já propiciava, desde meados do século XVI, grandes
lucros aos que controlavam as plantações e o transporte para abastecer os índios
fin, con la lanza le atraviesan los gaznates y le dan de beber orines. Y en lugar de coca un poco de chilca (o sus hojas)” (SANTA CRUZ PACHACUTI, op. cit., 1995, p. 125). 73 GP 135[135]. 74 Cf. HENMAN, op. cit., 2005. 75 GP 963[977]. Segundo Adorno, o esquema de perguntas e respostas que se inscreve na parte final da obra, quando Guaman Poma se posiciona abertamente como conselheiro do rei, “mimics the formula of the relación typified in the Relaciones geográficas de Indias (1586)” (op. cit., 1986, p. 07). 76 Ibid., 892[906].
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
19
mineiros, pois era excelente estimulante e também servia para anestesiar as agruras do
labor inumano. Por isso que a condenação moral da coca como instrumento da
idolatria indígena, já pronunciada com tanta energia desde o Primeiro Conselho
Eclesiástico de Lima, em 1551, não coibira a proliferação dos cultivos e nem frearia a
intensificação do consumo. Independente do juízo sobre a coca, o que parece ter sido
regra geral é a demanda movendo, sem cessar, a história de consumo da substância.
Guaman Poma, rendendo-se a este caminho irresistível, procura ao menos reverter o
sentido da exploração da erva, em projeto de “bom governo” indígena.
Mas as chácaras de cultivo da erva serviriam para promover o “vício” de
“comer coca”? Interroguemos Guaman Poma: a idéia é que os índios vendessem a
coca para a “mala casta”?77 A coca é para os perversos negros?
Sem deixar para Guaman Poma a resposta que já não pode nos oferecer,
especulemos que a coca deveria ser consumida, principalmente, pelos espanhóis,
pelos detestáveis encomenderos, corregidores, e muitos curas que desgraçariam a
comunidade indígena no vice-reino do Peru.
77 Guaman Poma denomina de “mala casta” aos mestiços no vice-reino do Peru.
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
20
“Ortelano, Pachacacvna [hortelanos] / ‘Cayllata acullicuy, pana’. [‘Hermana, masca esta coca.’] / ‘Apomoy, tura’ [‘Tráela, hermano.’] / coquero /”
(Versão de W. R. Pitta Jr. da gravura digitalizada na edição: Guaman Poma, Nueva crónica y buen gobierno, 1987, fl. 862 [876])
Referências bibliográficas
ACOSTA, Joseph de. Historia natural y moral de las Indias. Edición de Edmundo
O’Gorman. México: Fondo de Cultura Económica, 1962.
ADORNO, Rolena. Guaman Poma; writing and resistance in colonial Peru. Austin:
University of Texas Press, 1986.
CABOS FONTANA, Marie-Claude. Mémoire et acculturation dans les Andes;
Guaman Poma de Ayala et les influences européennes. Paris: L’Harmattan, 2000.
CIEZA de LEÓN, Pedro de. La crónica del Perú. Madri: Espasa/Calpe, 1962.
GUAMAN POMA de AYALA, Felipe. Nueva corónica y buen gobierno. Edición de
Franklin Pease G. Y. / Vocabulario y traducciones de Jan Szemi ski (tomos I, II e
III). México: Fondo de Cultura Económica, 1993.
__________. Nueva crónica y buen gobierno. Edición de John Murra, Rolena Adorno
e Jorge Urioste. Madri: História-16, 1987 – versão digitalizada www.kb.dk [2004].
HENMAN, Anthony. Mama Coca; un estudio completo de la coca. Lima: Juan
Gutemberg, 2005.
LAS CASAS, Fray Bartolomé de. Apologetica historia sumaria. Edición de Vidal
Abril Castelló, Jesús A. Barreda, Berta Ares Queija y Miguel J. Abril Stoffels
(tomos I, II e III). Madrid: Alianza Editorial, 1992.
LÓPEZ-BARALT, Mercedes. Icono y conquista: Guamán Poma de Ayala. Madrid:
Hiperión, 1988.
MacCORMACK, Sabine. Religion in the Andes; vision and imagination in early
colonial Peru. Princeton: Princeton University Press, 1991.
MILLONES, Luis. Historia y poder en los Andes centrales (desde los orígenes al
siglo XVII). Madrid: Alianza Editorial, 1987.
__________. Los dioses de Santa Cruz; comentarios a la crónica de Juan de Santa
Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
21
Cruz Pachacuti Yamqui. Lima: Pontifícia Universidad Catolica del Perú, s.d.
PEASE G. Y., Franklin. Las crónicas y los Andes. Lima: Pontifícia Universidad
Catolica del Perú; Fondo de Cultura Económica, 1995.
REICHEL-DOLMATOFF, G. El chamán y el jaguar; estudio de Ias drogas narcóticas
entre los Indios de Colombia. México: Siglo XXI, 1978.
SALOMON, Frank. “Testimonies: the making and reading of native South American
historical sources” In: SALOMON, Frank & SCHWARTZ, Stuart B. (ed.) The
Cambridge History of the native peoples of the Americas. Volume III: South
America (part 1). Cambridge: Cambridge University Press, 2000, pp. 19-95.
SANTA CRUZ PACHACUTI, Juan. Relación de antigüedades de este reino del
Perú. Edición de Carlos Araníbar. Lima: Fondo de Cultura Económica, 1995.
VARELLA, Alexandre C. “Os vícios de comer coca e da borracheira no mundo
andino do cronista indígena Guaman Poma” In: LABATE et al. (orgs.). Drogas e
cultura: novas perspectivas. Salvador: Edufba, 2008, p. 345-368.
__________. Substâncias da idolatria; as medicinas que embriagam os índios do
México e Peru em histórias dos séculos XVI e XVII. Dissertação de Mestrado –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2008.
WACHTEL, Nathan. La vision des vaincus; les indiens du Peróu devant la conquête
espagnole 1530-70. Paris: Gallimard, 1970.
ZAPATA, Jorge. Guamán Poma, indigenismo y estética de la dependencia en la
cultura peruana. Minneapolis: Institute for the Study of Ideologies and Literatures,
1989.