A COERÊNCIA TEXTUAL E OS TEXTOS NARRATIVOS - RETOMADAS LEXICAIS
Cláudia de Faria Barbeta – UTFPR Londrina
1. A lingüística textual e os estudos da coerência
Até os anos 60, muitas pesquisas que buscavam descrever o funcionamento
da linguagem humana e a estrutura da língua restringiam-se ao estudo da palavra ou da frase.
O limite, portanto, era a frase. Essas mesmas pesquisas geralmente focalizavam a língua no
campo da fonologia, da morfologia ou da sintaxe.
Entretanto, tais descrições não davam conta das características semânticas
ou contextuais que surgiam nas diferentes situações de comunicação. Havia lacunas no estudo
da gramática de frases, já que se começou a perceber que um texto não era apenas uma
seqüência de frases isoladas. Nesse contexto, nasceu no final da década de 60, a Lingüística
Textual, que, segundo Fávero e Koch (1994), buscou tomar como unidade básica, ou seja,
como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou a frase, mas sim o texto, por ser
o texto a forma específica de manifestação da linguagem. A preocupação seria, então,
descrever os fenômenos lingüísticos que ocorriam além da frase. Assim, extrapolam-se os
limites da frase e assume-se o texto como objeto de estudo.
Segundo Koch (1999), no início, a Lingüística Textual preocupou-se em
descrever fenômenos sintático-semânticos que ocorriam entre enunciados ou seqüências de
enunciados, alguns deles, inclusive, semelhantes aos que já haviam sido estudados no nível da
frase.
Surge o interesse por questões como a correferência, o emprego do artigo, a
correlação entre os tempos verbais, fenômenos que atualmente são considerados elementos de
coesão textual. Embora neste primeiro momento se tenha dado um importante passo para se
superar os limites da frase, ainda não se pode dizer que já tenha chegado a um tratamento
autônomo do texto.
Na década de 70, sob a influência da gramática gerativa, procurou-se
apreender uma gramática de texto. O texto não é visto apenas como uma seqüência de
enunciados, mas um objeto que possui significação em seu todo. Baseado no conceito
chomskyano de que todo falante possui uma competência textual que lhe faculta reconhecer a
produzir textos coerentes, buscou-se construir uma gramática de texto. Costa Val (2000)
explica que essa gramática procura definir o que faz com que um texto seja um texto, e não
uma mera seqüência, mesmo coerente, de enunciados, e descrever os fatores de coerência ou
de textualidade, bem como estabelecer critérios de tipologia textual.
A tarefa da gramática seria descrever e explicar a competência textual,
estabelecendo os princípios constitutivos do texto, explicando os critérios de
sua delimitação e completude, determinando uma tipologia de textos. (Costa
Val, 2000, p.35)
1.1. Charolles e a Coerência Textual
Na época antes citada, enquanto diversas teorias e pesquisas procuram
explicitar os fenômenos lingüísticos mais abrangentes que a frase por meio de uma gramática
de textos, o lingüista francês Charolles (1997) publica o artigo Introduction aux problèmes de
la coherence des textes. A importância desse trabalho, segundo Costa Val (2000), justifica-se
na tentativa do autor em explicitar o sistema implícito de regras de coerência com o qual
operamos na produção.
Preocupado com as estratégias de intervenção que os professores franceses
desenvolviam frente a certos textos escritos julgados como incoerentes, Charolles (1997)
conforme já mencionado, foi buscar contribuições para o estabelecimento de critérios na
avaliação da coerência textual da produção discente.
O autor percebeu que, geralmente, o professor, ao avaliar o texto de seus
alunos, não conseguia ultrapassar o nível de apercepção imediata, denunciando ingenuamente
as malformações textuais que encontra (“mal escrito”, “incompreensível”, “refazer”),
conduzindo, assim, a intervenções freqüentemente pouco eficazes.
Assim, seu trabalho procurou desenvolver um modelo para análise de
textos, enfocando justamente um aspecto a respeito do qual dificilmente o professor pode ser
preciso ao avaliar uma redação – a coerência textual, visto que, em geral, o professor percebia
“falhas” relativas ao encadeamento lógico das idéias do texto, mas não as podia identificar
com objetividade.
O lingüista afirma, então, que uma condição necessária para que um texto
seja coerente é que se possa associar uma seqüência de micro e macroestruturas coerentes. A
coerência microestrutural refere-se ao nível local do texto, em que as relações de coerência se
estabelecem, ou não, entre as frases da seqüência textual. A coerência macroestrutural refere-
se ao nível global, em que as relações se estabelecem entre as seqüências construtivas.
Contrariamente a Koch e Travaglia (1999) e outros autores, Charolles
(1997) questiona a possibilidade de se operar uma partição rigorosa entre as regras de
abrangência textual e as de abrangência discursiva. Indo além, ele se refere à "inutilidade
presente" de uma distinção entre coesão e coerência. Desse modo, o autor em questão não
considera importante separar, na avaliação de um texto, aquilo que é "superfície" e o que é
"lógico-semântico". O resultado disso tudo compõe simplesmente o conceito de coerência,
que subsume o conceito de coesão.
Antes de passarmos à apresentação e ao estudo dos quatro princípios de
coerência textual propostos por Charolles (1997) e que é o ponto de partida desse estudo,
torna-se necessário, pois, esclarecer a problemática criada pela dicotomia coerência/coesão
que se encontra diretamente relacionada à dicotomia coerência macro-estrutural/coerência
micro-estrutural.
Para Koch e Travaglia (1999), por exemplo, a coerência está diretamente
ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, enquanto que a coesão é a
expressão formal, lingüística e lexical da coerência, sua "manifestação superficial". No
entanto, para esses autores, o elemento imprescindível ao estabelecimento da textualidade é a
coerência no plano das idéias. A coesão será um facilitador no cálculo da coerência.
A coerência, tida por esses autores como princípio de interpretabilidade e
compreensão do texto, é resultado das relações subjacentes à superfície textual, tornando-se
responsável pelo sentido do texto. Envolve os aspectos lógicos, semânticos e cognitivos do
texto. Além dos fatores internos do texto, é exigida uma compatibilidade de conhecimento de
mundo entre o produtor e o recebedor. Para os autores, a coerência é algo que se estabelece na
interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre dois usuários, algo que se
relaciona com a "boa formação” do texto, ao mesmo tempo semântico e pragmático.
Ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo ser
vista, pois, como um princípio de interpretabilidade do texto. Assim ela pode
ser vista também como ligada à inteligibilidade do texto numa situação de
comunicação e à capacidade que o receptor do texto (que o interpreta para
compreendê-lo) tem para calcular o seu sentido. A coerência seria a
possibilidade de estabelecer, no texto, alguma forma de unidade ou relação.
Essa unidade é sempre apresentada como uma unidade de sentido no texto, o
que caracteriza a coerência como global, isto é, referente ao texto como um
todo. (Koch e Travaglia, 1999, p. 11)
Costa Val (1999) afirma que a coerência envolve não só os aspectos lógicos
e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do partilhar de
conhecimentos entre os interlocutores. Segundo a autora, a coerência e a coesão promovem
conjuntamente a "inter-relação semântica entre os elementos do discurso”.
A coerência é, pois, caracterizada como um vínculo subjacente que cada
frase mantém com a anterior ou anteriores para não perdermos o fio do pensamento. De outra
forma, tem-se uma seqüência de frases sem sentido, sucedendo-se umas às outras sem muita
lógica, sem nenhuma coerência. O importante é cada enunciado estabelecer relações estreitas
com os outros, a fim de tornar sólida a estrutura do texto.
Ainda Koch e Travaglia (1999) apontam que coesão contribui para
estabelecer a coerência, mas não garante a sua obtenção:
Paralelamente ao conceito de coerência, formando com ele uma espécie de
par opositivo/distintivo, encontramos nos estudos textuais o conceito de
coesão. Ao contrário da coerência, a coesão é explicitamente revelada
através de marcas lingüísticas, índices formais na estrutura da seqüência
lingüística e superficial do texto. Sendo, portanto, de caráter linear, já que se
manifesta na organização seqüencial do texto. É nitidamente sintática e
gramatical, mas é também semântica, pois, como afirmam Halliday e Hasan,
a coesão é a relação semântica entre um elemento do texto e um outro
elemento que é crucial para sua interpretação. A coesão é, então, a ligação
entre os elementos superficiais do texto, o modo como eles se relacionam, o
modo como frases ou partes delas se combinam para assegurar um
desenvolvimento proposicional. (Koch e Travaglia, 1999, p.13/14)
Fávero (2000) também procura deixar claro que, para ela, coesão e
coerência devem ser analisadas em níveis diferentes:
A coesão, manifestada ao nível microtextual, refere-se aos modos como os
componentes do universo textual, isto é, as palavras que ouvimos ou vemos,
estão ligados entre si dentro de uma seqüência. A coerência, por sua vez,
manifestada em grande parte macrotextualmente, refere-se aos modos como
os componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as relações
subjacentes ao texto de superfície, se unem numa configuração, de maneira
reciprocamente acessível. Assim a coerência é o resultado de processos
cognitivos operantes entre os usuários e não mero traço dos textos. (Fávero,
2000, p.10)
Charolles (1997), por outro lado, não está preocupado, nas suas pesquisas,
em distinguir esses dois fatores – a coesão e a coerência. Seu estudo, realizado nos anos 70,
na verdade, vai ao encontro das pesquisas da Lingüística Textual, a partir dos anos 80, quando
surge a preocupação em construir teorias de texto, em que, conforme Fávero e Koch (1994),
assumem relevância primordial o tratamento dos textos no seu contexto pragmático, ou seja,
as preocupações com os fatores de produção, de recepção e de interpretação de textos.
Segundo as autoras, o desenvolvimento das teorias de texto muito deve, por
um lado, à teoria dos atos de fala e à lógica das ações, e, por outro lado, à pragmática
lingüística, que se propõe estudar a linguagem do ponto de vista de seu uso e de seus usuários.
Fundamenta-se a lingüística textual na concepção da linguagem como atuação
sociocomunicativa, inserida numa situação específica de comunicação.
O que ganha relevo é a compreensão de que a significação de um texto não
se encerra nem se resolve nele mesmo, mas se reproduz na relação desse
texto com o contexto em que ele ocorre, nas ações que, por ele, com ele ou
nele, os falantes realizam. (Costa Val, 2000, p. 36)
Nesse sentido, de acordo com Charolles (1997), cabe à coerência o papel de
manifestação de conceitos subjacentes do texto, trabalhados no nível macroestrutural. Ela é
estabelecida na interlocução, numa situação comunicativa específica. Assim, a situação de
interlocução é fator relevante para a avaliação do texto, ao levar-se em conta que sua
ocorrência está no nível da coerência. Mesmo porque, como afirmam Koch e Travaglia
(1999), a coerência estaria no processo que coloca texto e usuários em relação, em uma dada
situação.
Desse modo, Costa Val (2000) ressalta que a proposta de Charolles (1997),
mesmo levada a efeito no final da década de 70, é relevante, pois traz uma tentativa do
lingüista de explicar o sistema implícito de regras de coerência com o qual operamos na
produção, interpretação e avaliação de textos. Para a autora:
As regras, ou ‘metarregras’, como as chama o autor, não são pensadas como
tendo caráter normativo: não se trata, de maneira nenhuma, de prescrições
sobre como deve ser um texto coerente. Pelo contrário, são concebidas como
regras constitutivas da coerência. (Costa Val, 2000, p. 42)
A autora também afirma que a aplicabilidade das propostas de Charolles
(1997) para a compreensão da natureza e do funcionamento dos textos e para o ensino parece
considerável até hoje, porque o conceito de coerência permanecia vago, inatingível, e torna-se
um pouco operacionalizável, a partir da postulação das quatro metarregras do autor.
Ela ainda ressalta que o trabalho do estudioso francês em foco é importante
porque propõe a coerência e o sentido do texto como dependentes da situação: o texto não é
nem deixa de ser coerente em si mesmo, mas é coerente ou não para alguém em determinada
situação.
Minha insistência nessa questão de que a coerência e o sentido não estão no
texto, mas são processados na situação de interlocução, se justifica porque
considero essa idéia fundamental para o ensino, sobretudo para o ensino de
leitura e redação (entendido esse termo como processo de redigir). (Costa
Val, 2000, p.42)
Dessa forma, a autora explica que Charolles (1997), ao desenvolver um
modelo de análise de textos, preocupando-se com o aspecto da coerência textual, procurou
articular elementos da constituição semântica de interlocução.
Em decorrência disso, Costa Val (2000) postula que as metarregras se
mostram úteis em sala de aula, porque explicam como se constitui a coerência, possibilitando
ao professor orientações e avaliações mais objetivas. Ela também enfatiza que o trabalho de
Charolles (1997) não perde de vista que a coerência não é uma questão que se resolva no
âmbito do texto enquanto produto, mas, antes, é um processo que se desenvolve na relação de
interlocução.
1.2. As Metarregras de Coerência
Para avaliar a coerência em textos produzidos por alunos, Charolles (1997)
formulou quatro metarregras de coerência:
a) a metarregra da relação: a coerência textual é atestada pela trama dos
elementos representados no texto. É necessário que eles sejam ligados entre
si.
Para que uma seqüência ou um texto sejam coerentes, é preciso que os fatos
que se denotam no mundo representado estejam relacionados. (Charolles,
1997, p.74)
Para o autor, essa regra tem natureza fundamentalmente pragmática, pois
afirma que, para que uma seqüência seja coerente, é necessário que as ações, os estados ou
eventos que ela denota sejam percebidos como fatos congruentes, ou seja, mantenham relação
entre si.
b) a metarregra da não-contradição: a coerência é garantida se nenhum
elemento semântico que contradiga um conteúdo expresso for
introduzido no texto:
Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente
coerente, é preciso que no seu desenvolvimento não se introduza nenhum
elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por
uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência. (Charolles, 1997,
p.61)
O texto não pode apresentar contradições nem no âmbito interno nem em
relação ao mundo a que se refere. Quer dizer, se o texto afirmar x não pode, em seguida,
afirmar o contrário de x. A coerência interna exige que não sejam introduzidos elementos que
se contradigam. As idéias contidas em um texto precisam ser conciliáveis com as ocorrências
anteriores, inclusive no que trazem de pressuposto e no que permitem inferir.
Além disso, para haver coerência, as idéias do texto não podem contradizer
o mundo ao qual se referem. Se um texto diz respeito ao mundo real, deve observar certas
leis, maneiras de pensar e pressuposições básicas que trazem implícitas a comunicação
textual. Por exemplo, um texto referencial não pode ignorar que dois corpos não ocupam o
mesmo lugar no espaço, ao mesmo tempo.
a) a metarregra da progressão: a coerência é estabelecida quando no
desenvolvimento do texto são introduzidas novas idéias, novos fatos,
novas informações, que garantam a progressão:
Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente
coerente, é preciso que haja no seu desenvolvimento uma contribuição
semântica constantemente renovada. (Charolles, 1997, p.57)
Segundo o estudioso francês, o texto precisa manifestar uma progressão
semântica, precisa comunicar alguma coisa, desenvolver-se linearmente, e não se perder em
uma circularidade redundante. Para ser coerente, não pode repetir indefinidamente seu próprio
assunto, “produzindo uma lenga-lenga”, como diz o lingüista. Nesse sentido, há a
necessidade de um equilíbrio entre as exigências de retomada textual e de progressão
semântica. A contribuição semântica para a progressão do texto não pode, também, ser
inserida em qualquer lugar. Charolles (1997) lembra que um texto que desenvolve várias
séries temáticas deve fazer com que estas séries constituam, na superfície, conjuntos
seqüenciais homogêneos.
b) a metarregra de repetição: para que o texto seja coerente é preciso que,
no seu desenvolvimento linear, contenha elementos de recorrência
estrita.
Dessa forma, Charoles propõe que, para assegurar esse equilíbrio, a língua
possui recursos variados que amarram as frases, certificando a seqüência dos enunciados, para
que o texto não fique sem sentido, incoerente. Entre esses mecanismos, o autor cita:
a) As pronominalizações - a utilização de um pronome torna possível a
repetição, à distância, de um sintagma ou de uma frase inteira. O caso
mais freqüente é a anáfora, ou seja, a retomada se efetua de frente para
trás.
Ex: Uma senhora foi assassinada ontem. Ela foi encontrada estrangulada no
seu quarto.
Nesse exemplo, o pronome ela retoma anaforicamente o elemento uma
senhora apresentado na oração anterior.
Em casos mais raros, segundo o autor, ocorre a catáfora, isto é, o pronome
antecipa o seu referente.
Ex: Deixe-me confessá-lo: este crime me perturbou.
Observe-se em (02) que o pronome pessoas lo prenuncia as informações que
serão apresentadas posteriormente.
b) As definitivações e as referenciações dêiticas contextuais - são
mecanismos que permitem, como as pronominalizações, a retomada
explícita ou virtual de um substantivo de uma frase para outra.
(03) Ex: O meu tio tem dois gatos. Todos os dias caminhamos no jardim. Os
gatos vão sempre conosco.
Esse tipo de construção, em que a repetição é introduzida por um artigo
definido ou por demonstrativos, é muito praticado pelos alunos, que
parecem perceber que a repetição nesses termos é referencial e não,
como querem os professores, empobrecedora do texto. Especialmente
quando os dêiticos são utilizados, a proximidade contextual é requerida
como condição de inteligibilidade. Além da proximidade, também é
requerido que o artigo definido seja usado depois de uma primeira
aparição do indefinido, e não o contrário, ou apenas o uso de artigos
definidos;
2. As retomadas por palavra lexical
Entre os mecanismos de retomada pela metarregra da repetição, Charolles
(1997) cita, além daqueles mencionados anteriormente, as substituições lexicais.
Charolles (1997) afirma que o uso dos definitivos e dos dêiticos contextuais
é acompanhado freqüentemente de substituições lexicais. Dessa forma, esse procedimento
permite evitar as retomadas lexemáticas ao mesmo tempo em que se garante uma retomada
estrita.
Koch (2000) afirma que é grande a importância da seleção lexical na
construção do sentido do texto. Segundo a autora, o uso de fórmulas de endereçamento, de
dada variante da língua, de gírias ou jargões profissionais, de determinado tipo de adjetivação,
de termos diminutivos ou pejorativos fornece aos leitores pistas fundamentais para a
interpretação do texto e a conquista dos propósitos com que é produzido.
Esse tipo de retomada pode dar-se por diversos recursos a serem explicados a seguir.
2.1 Repetição Lexical
A repetição lexical dá-se com a repetição de um mesmo item lexical.
Embora os professores atribuam à repetição de palavras um defeito grave, pode-se, neste caso,
mostrar aos alunos que a repetição de um lexema pode criar efeitos estilísticos, tornando o
produto final – o texto – muito especial:
O bandido disparou um tiro. Esse tiro acertou uma mulher que passava pela
calçada.
Para Guimarães (1997), esse tipo de repetição, que poderia ser considerado um
indicativo de pobreza vocabular, pode tornar-se, também, um recurso enfático na articulação
dos elementos significativos dos textos, tendo-se, portanto, um processo de repetição lexical
planejado.
2.2. Sinônimos
De acordo com Fávero (2000), a questão sobre sinonímia é complexa, pois não existe
sinonímia verdadeira. Nessa perspectiva, Martins (1989) pronuncia-se:
Afirma-se comumente que não existem sinônimos perfeitos palavras
intercambiáveis em todos os contextos. Na verdade, de pouca utilidade
seriam duas ou mais palavras que executassem exatamente o mesmo papel,
que exprimissem exatamente o mesmo sentido, a mesma nota expressiva. Se
isso, eventualmente, chega a acontecer,uma delas acaba sendo abandonada.
Dentre uma constelação de palavras que têm um mesmo valor referencial,
temos a possibilidade de escolher a que, por uma peculiaridade determinada,
mais se ajusta ao pensamento, ao contexto em que deve inserir. (Martins,
1989, p. 104-105)
Nesse sentido, a escolha de um sinônimo vai ser determinada pelos valores
culturais do produtor do texto, pelo contexto em que eles (texto e produtor) estão inseridos. O
autor do texto pode julgar, em determinado momento, um termo mais profissional que outro,
um termo mais literário que outro, um termo é mais bonito e mais coloquial ou vulgar que
outro, um termo é mais local ou dialetal que outro.
A determinação da diferença de um sinônimo para outro é extremamente
difícil e delicada, e os dicionários de que dispomos, mesmo os intitulados de
sinônimos, são muitos deficientes. De um modo geral, sentimos os matizes
diferenciais entre grande número de sinônimos, mas não conseguimos
precisar a distinção. Os estilistas, com o seu sentimento e conhecimento da
língua, conseguem desentranhar da abundância lexical os termos que melhor
convêm a cada caso. Admiramos o ajuste vocabular de um texto, mas não
temos idéia da luta que o autor travou com as palavras para chegar ao bom
resultado. (Martins, 1989, p. 107)
2.3.Hiperônimos e Hipônimos
Dá-se a hiperonímia quando a primeira expressão mantém com a segundo
uma relação todo/parte. Assim, a palavra flor constitui-se uma hiperonímia em relação a rosa
e cravo.
A hiponímia, ao contrário, é a relação de inclusão de um termo especifico
num termo geral, ou de parte/todo. Assim, o sentido de pato, por exemplo, está incluído no de
ave. Segundo Ilari e Geraldi (1999), a relação de hiponímia estrutura o vocabulário da língua
em grandes quadros classificatórios, mais ou menos harmoniosos. Além disso, segundo os
autores, esse tipo de construção afeta o discurso de várias maneiras. Num discurso longo, por
exemplo, as diferentes referências a um mesmo indivíduo tendem ser feitas por meio de
expressões cada vez mais abrangentes.
Novo Boeing 777 da Varig. Graças à sua preferência, estamos trazendo um
dos aviões mais admirados do mundo para o Brasil.
Nesse exemplo, o autor usou um hiperônimo – aviões – para retomar o
elemento Boeing 777.
Para indicar a relação que incorre entre “sargento da guarda rodoviária” e
“policial”, lançamos mão da noção de hiponímia. A relação hiponímia é
aquela que intercorre entre expressões com sentido mais específico e
expressões genéricas, por exemplo, entre geladeira, liquidificador, batedeira
de bolos, ferro elétrico etc. e eletrodoméstico; é a relação que intercorre
entre pardal e passarinho, e que verbalizamos dizendo que “todo pardal é
um passarinho, mas nem todo passarinho é um pardal.” (Ilari e Geraldi,
1999, p. 52)
2.4. Nomes Genéricos
Koch (1996) define os nomes genéricos como palavras “coringas”, que em
geral funcionam como globalizadores, como coisa, idéia, gente, objeto, lugar, assunto,
pessoa, negócio etc. Tais palavras, segundo a autora, aliam uma intenção mínima com uma
extensão máxima, operando, desse modo, uma referenciação pouco precisa. Por exemplo:
Não entendo nada desse negócio.
Você pode me explicar como se deu essa coisa?
Segundo Galembeck (1990), os nomes genéricos representam uma classe limítrofe
entre os itens lexicais e os gramaticais, estabelecendo uma referência genérica com relação a
cada uma das principais classes de nomes: pessoa, gente, homem, mulher, criança, criatura,
ser vivo, coisa, objeto negócio, assunto, entre outros.
2.5. Expressões Nominais Definidas
De acordo com Koch (2000), uma outra maneira de retomada textual são
expressões nominais definidas, ou seja, as descrições definidas do referente. A autora explica
que o uso de uma expressão definida implica sempre uma escolha dentre as propriedades ou
qualidades que caracterizam o referente; escolha esta que será feita de acordo com aquelas
propriedades ou qualidades que, em dadas situações de interação, em função dos propósitos a
serem atingidos, o produtor do texto tem interesse em ressaltar, ou mesmo de tornar
conhecidas de seus(s) interlocutor(es). Veja-se, por exemplo, a diferença entre os dois
exemplos abaixo:
Collor preocupa-se em manter a forma. O presidente exercita-se todos os
dias.
Collor preocupa-se em manter a forma. O nosso Indiana Jones exercita- se
todos os dias.
A escolha das descrições definidas pode trazer ao interlocutor informações
importantes sobre as opiniões, crenças e atitudes do produtor do texto,
auxiliando-o na construção do sentido. Por outro lado, o locutor pode
também, através do uso de uma descrição definida, dar a conhecer ao seu
interlocutor dados que acredita desconhecidos deste, relativamente ao
referente textual, com os mais variados propósitos; ou ainda categorizar,
classificar, resumir a informação, previamente apresentada de uma certa
maneira: a hipótese, a cena, a tragédia, etc. (Koch, 2000 p.34)
Além disso, a autora complementa ao dizer que tais expressões efetuam, a
partir do contexto, uma “ativação parcial” das instruções de referência contidas no conjunto
das instruções dadas pelo elemento de referência que se precede no texto.
2.6. Nominalização
Koch (1999) explica que a nominalização ocorre quando se emprega um
substantivo que retoma uma expressão verbal enunciada anteriormente. Em outras palavras,
Guimarães (1997) complementa elucidando que a nominalização ocorre quando uma mesma
noção é expressa primeiro por uma unidade verbal, e retomada mais tarde por um substantivo.
Neste caso tem-se a nominalização estrita. Por outro lado, essa autora aponta a existência de
um outro de tipo de nominalização – a anáfora conceptual, que consiste na retomada da idéia
global subjacente a um enunciado ou mesmo a um grupo de enunciados.
No caso, pois, da anáfora conceptual, não se retoma um termo do enunciado
precedente; antes, este é substituído por um enunciado que interpreta o que
se disse antes. Assim o avanço do discurso se opera por força de uma
recapitulação interpretativa – procedimento de ‘economia’ ou de
condensação que alivia a carga lingüística dos elementos de retomada, ao
mesmo tempo em que preserva a unidade de conteúdo do texto. (Guimarães,
1997, p. 33)
Amaral (1985) denomina a nominalização de substituto verbal que se refere
a um verbo, tanto do co-texto como do contexto. Primeiro tem-se o verbo; depois, sua forma
nominalizada com diversos tipos de determinantes.
Acontece, às vezes, que a unidade nominalizadora embora apareça diferente
de todos os verbos do enunciado, repete o mesmo “objeto de pensamento”
que uma outra proposição do texto. Isso é, uma mesma “noção” é expressa
primeiramente por uma unidade verbal e repetida mais adiante, no discurso,
por um substituto verbal, formalmente diferente do verbo. (Amaral, 1985,
p.35)
3. As retomadas lexicais nas narrativas escolares
O corpus que será apresentado provém do projeto de extensão “Linguagem,
texto e cidadania”, promovido pelo Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da
Universidade Estadual de Londrina. Este projeto, dirigido especialmente a crianças e
adolescentes que estudam na Guarda Mirim da cidade de Londrina, busca propiciar a essa
clientela complementação escolar. Esses meninos são provenientes de famílias de baixa
renda, que participam do projeto em salas mistas, ou seja, sem diferenciação de série escolar
ou idade, nos horários matutino ou vespertino, sempre alternativos ao horário da escola
regular.
As salas eram compostas por alunos de 5ª a 8ª séries e de ensino médio, do
sexo masculino e com uma faixa etária variando de quatorze a dezesseis anos. Duas aulas
semanais eram ministradas por alunos-estagiários do curso de Letras da UEL, envolvidos no
projeto em questão, orientados por professores de Metodologia e Prática de Ensino de Língua
Portuguesa.Faz-se necessário mencionar que a Guarda Mirim realiza cursos de datilografia,
informática, prática de escritório, entre outros, proporcionando aos alunos participantes maior
capacitação profissional para o mercado de trabalho, uma vez que são oriundos de camadas
menos privilegiadas da sociedade londrinense e, a partir desse respaldo possam buscar mais
possibilidades de crescimento em sua futura vida profissional.
A intenção do projeto Linguagem, Texto e Cidadania na Guarda-mirim é
utilizar a interação como veículo para a aprendizagem. Nesse contexto, buscaram-se os
princípios que orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que, segundo Zaccur
(2000), são norteados pelos trabalhos de Bakhtin, ou seja:
1) a compreensão ativa dos textos e não a decodificação do texto e o silenciamento;
2) a interlocução efetiva e não a produção de textos para serem objeto de correção;
3) a reflexão voltada para a compreensão e utilização da linguagem oral e escrita de
maneira adequada às situações e intenções.
Dessa forma, as aulas não foram consideradas semelhantes às da escola
regular, buscando oferecer atividades de interação ao trabalhar com linguagem.
Nesse processo ensino-aprendizagem, o texto foi priorizado como suporte
das atividades propostas. Assim, os trabalhos (envolvendo leitura e produção textual)
procuravam estabelecer um espaço dialógico em sala de aula, por meio do qual as diversas
práticas discursivas eram confrontadas. Nessa perspectiva, os alunos aprenderam a estrutura
básica do texto narrativo (apresentação, clímax e desfecho) e seus elementos (tempo, espaço,
personagem, enredo). O trabalho ainda envolveu atividades com correspondências familiares
e comerciais, textos jornalísticos e textos informativos. Os discentes tiveram contato com
músicas, filmes e poemas, escreveram o final de uma história, ou o meio, ou o início,
analisaram piadas, identificaram e diferenciaram os discursos direto e indireto, discutiram
temas antes de escrever. Para a análise de suas produções textuais, era realizado um trabalho
de reconstrução textual, ou de refacção coletiva (não do pior texto, mas daquele que poderia
representar as inadequações mais comuns dos alunos). Essas atividades propostas não
ocorreram, portanto, como reforço do currículo escolar, mas enquanto complementação
escolar.
É neste contexto que se encontra o projeto de pesquisa AVALTEXT
(Avaliação da competência lingüístico-textual de alunos em textos narrativos), cuja proposta é
fazer a descrição de dois momentos do processo de ensino-aprendizagem levado a efeito
através do Linguagem, Texto e Cidadania, centrando-se na análise de dados referentes à
produção textual de alunos envolvidos no projeto de extensão.
Assim, o projeto AVALTEXT busca:
c) promover a avaliação dos trabalhos de extensão relativos ao projeto
Linguagem, Texto e Cidadania;
d) detectar, nas produções textuais dos sujeitos, índices comprobatórios da
eficácia ou não de metodologias e recursos didáticos que propiciem
reflexão e a continuidade da intervenção ou possibilidade de superação;
e) levantar um perfil da escrita de textos narrativos dos alunos do Ensino
Fundamental provenientes da escola pública;
Então, após uma intervenção pedagógica em que se visou a um trabalho
interativo com o texto, já descrito anteriormente, foi pedido que os alunos escrevessem um
segundo texto, com o mesmo padrão estabelecido inicialmente. Essas produções textuais, que
nesse momento contaram o número de setenta e duas, constituem os dados que envolvem a
segunda etapa desse trabalho.
A coleta das produções textuais que compõem o corpus deste trabalho foi realizada em dois
momentos: nos meses de março e novembro do ano de 1999. Escolheu-se a produção de
narrativas, por se ter a crença de que esse gênero é bastante adequado à faixa etária e ao nível
de escolaridade apresentados pelos sujeitos. Além disso, Perfeito (1999), ao definir a narrativa
como o ato discursivo que se compromete, em essência, com o acontecimento, com a
expressão da realidade em movimento, ressalta a convergência entre lingüistas,
psicolingüistas e psicólogos na atribuição da grande importância ao gênero narrativo na
psicologia popular e cognitiva, assim como no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem oral e escrita.
No primeiro momento, no início do ano letivo de 1999, foram coletadas cem
produções textuais pelos diversos alunos-professores participantes do projeto de extensão
Linguagem, Texto e Cidadania. No primeiro dia do projeto, os estagiários solicitaram aos
meninos que escrevessem um texto narrativo a partir de um tema pré-estabelecido:
Escreva uma história sobre dois grandes amigos que na juventude têm que se
separar em virtude de um motivo. Depois de algum tempo, um deles
arquiteta um plano para que possam se reencontrar.
A intenção era, segundo os coordenadores do projeto, fazer uma avaliação
diagnóstica do nível lingüístico-textual em que esses alunos se encontravam e, ao mesmo
tempo, coletar material para uma comparação posterior, no final do ano letivo, a fim de
mostrar (se houvesse) avanços na produção de textos. Assim, os sujeitos escreveram sem
terem tido uma preparação prévia, nem refacção textual.
Além disso, a produção dos alunos obedecendo ao padrão previamente
fixado, ou seja, contendo o mesmo tema, o mesmo encaminhamento pedagógico, garantiu
isolar, ao máximo, possíveis elementos de variação.
Tabela 2 – Retomada por palavra lexical
Nº de ocorrências % relativos às
ocorrências
Repetição lexical 802 89%
Nominalização 34 4%
Sinônimos 33 4%
Nomes genéricos 22 2%
Hiperônimos e hipônimos 7 1%
Expressões nominais definidas 1 0%
TOTAL 898
O alto índice de repetições lexicais – 89% das ocorrências - leva à
constatação de que os alunos vindos das escolas públicas de Londrina ainda não são capazes
de articular no texto os variados mecanismos de retomada de que dispõe a língua portuguesa.
Os alunos, não tendo domínio pluralizado das alternativas que a língua
oferece, desconhecem certos elementos que fazem parte, que caracterizam
mesmo a modalidade escrita da língua. Devido à falta de familiaridade com
essa modalidade, sua manipulação é precária. (Bastos, 1994, p.99).
Eis alguns exemplos:
Narrativa 02
No dia seguinte Bill quase pronto para ir embora então Bill foi arrumar sua
mala ele foi tomar banho então Bill estava pronto para ir embora, ele foi
despedir do Tiago para ir a rodoviária então Bill se despedia do Tiago e foi
pra a rodoviária.
Narrativa 09
E o tempo passou e o marcos e paulo ele computou 19 na e os dois tem
namorada. O marcos foi mora com a mulher no Estado Unido e passar 15 e
o paulo ligou para o marcos o marcos tava de feiras e foi a Estado Unido.
Narrativa 39
Paulo e Bruno eram grande amigos e a família de Bruno não tinham sua
casa próprio e pagavam aluguel. A família de Bruno mudou pra outra
cidade muito distante e passou uns cinco anos e Paulo com sua família
estavam organisando uma viagem para a praia. E Bruno também estava
organisando a viagem para a praia. Quando Paulo e Bruno se encontraram
um começou falar do que mudou na cidade onde Bruno morou e Paulo
mora.
Narrativa 83
Luiz e Marcos tinham 13 anos. Luiz mudou de cidade e Marcos continuo a
morar na mesma cidade. O tempo passou e Luiz e Marcos cresceram.
Narrativa 100
E os dois saíram do centro, e Tiago estava levando Pedro para sua cãs e
posou do lado do apartamento que morava Pedro e Pedro viu e disse Tiago
moro aqui (...) Pedro lembrou do vizinho de Tiago e ele ligou para Pedro.
Pedro atendeu (...)
Além disso, o grande número de repetições lexicais encontrado no corpus
analisado parece demonstrar que o aluno está ainda, ao escrever um texto, envolvido com a
produção oral.
Pelo fato de ter suas raízes associadas à natureza formulaica da língua oral e
devido às funções que costumam desempenhar em situações de interação
face-a face, a repetição tem sido considerada uma estratégia central da
oralidade. (Silva, 1998, p. 842)
Contudo, não se pode ignorar que repetição lexical também se manifesta na língua
escrita. Retomando o que disse Guimarães (1997), citada no capítulo anterior, a repetição
lexical pode ser, em vários casos, considerada como desnecessária redundância ou revelar a
pobreza vocabular do locutor. Por outro lado, a autora afirma que se for bem planejado, esse
recurso de retomada pode se tornar um aliado na construção textual.
Então, seria pertinente ver, ou rever, até que ponto essas repetições são ou
não excessivas no texto. Talvez seja esta uma das oportunidades para o professor, ao perceber
um texto pleonástico, sugerir atividades textuais que possam levar seu aluno a se
conscientizar de que há outras alternativas para substituir um termo – como sinônimos,
hiperônimos, hipônimos, ou até mesmo a elipse, se for o caso.
Pode-se, ainda, observar, no levantamento feito, que houve um baixo índice
de ocorrência de sinônimos, nominalizações (ambos com 4%), nomes genéricos (2%) e
hipônimos e hiperônimos (1%). Isso leva à hipótese de, como foi dito anteriormente, os
alunos atrelarem seus textos escritos ao discurso oral, utilizando, conseqüentemente, mais a
repetição lexical.
Narrativa 08
Num belo dia de sol meus pais resolveram viajar para praia como eu não
podia ir eu chamei uns amigos meus para formar um grupo na minha casa.
(...) Mas no meio da festa meus pais voltaram de viagem e eu tive que me
virar pra não me queimar com meus colegas.
Nesse trecho, o lexema amigos foi retomado lexicalmente pelo sinônimo
colegas.
Narrativa 65
Ficou vários meses guardando no banco seu salário, fazendo
empréstimos, reservou passagem, ia de ônibus, hotel e outras coisas.
Na narrativa 65, pode-se ver o uso do genérico coisas, retomando,
exoforicamente, todas as atividades que se julgam ser necessárias para uma viagem.
Narrativa 03
E serto um dia nos iriamos no cinema assitir o filme do rei leão
No período acima, retirado da narrativa 03, há uma relação de hiperonímia
entre cinema e filme.
As nominalizações quase não aparecem nos textos construídos pelos alunos.
Seu emprego é muito difícil, já que requer do usuário da língua a capacidade de condensar
uma determinada idéia numa única palavra, principalmente quando, na frase matriz, o verbo a
ser nominalizado não se faz presente, mas fica subentendido pelo contexto. A maior parte das
nominalizações ocorreram com referência à situação "sermos amigos" que mais tarde era
retomada como "nossa amizade".
Narrativa 53
Um certo dia eu e meu amigo estávamos andando pela rua e ele me contou
qu iria se mudar e eu fiquei triste por que ele era o meu melhor amigo. (...)
e nos vivemos nossa amizade para o resto de nossa vida
Talvez seja oportuno levantar algumas considerações sobre o índice
percentual encontrado para as ocorrências de nomes genéricos – 2%. É interessante observar
que, o que se percebe na fala dos adolescentes, é o grande uso de palavras genéricas tais
como coisa, negócio, pessoa, etc. Então, por que tais termos pouco aparecem no texto escrito,
se. até o presente momento, postulou-se nessas análises que muitos mecanismos foram pouco
ou nem usados devido à interferência da linguagem oral?
Uma das respostas seria que a escola teria legitimado para o aluno algumas
diferenças, formais e discursivas, entre a fala e a escrita. Nesse sentido, talvez esteja
internalizado nesse aluno que palavras genéricas, como as citadas anteriormente, não façam
parte do “mundo escrito”, e este é associado a um plano de regras ditas formais. Fávero et alli
(1994, p.273-274) discutem que conceitos como esse nascem por relacionar, impropriamente,
a fala como sinônimo de informalidades. “Na verdade, tanto fala como a escrita abarcam um
continuum que vai do nível mais informal aos mais formais, passando por graus
intermediários”.
Tabela 4 – Retomada por palavra lexical – estudo comparativo
Processos de retomada
Nº de
ocorrências
do 1º
momento
Nº de
ocorrências
do 2º
momento
% relativas
às
ocorrências
do 1º
momento
% relativos
às
ocorrências
do 2º
momento
Repetição lexical 802 790 89% 98%
Sinônimos 33 08 4% 1%
Nominalização 34 7 4% 1%
Nomes genéricos 22 3 2% 0%
Hiperônimos e hipônimos 7 1 1% 0%
Expressões nominais definidas 1 0 0% 0%
TOTAL 899 809
É surpreendente o índice de repetições lexicais apurado nesse momento – 98%.
Narrativa 13
Um lindo dia havia Dois Amigo que se viviam juntos e parecião até irmãos,
o nome deles eram João e Joaqui. O João morava lá no morro e o Joaqui
morava lá em baixo do morro mais os doi vivião se encontrando.Mais um
belo dia a mãe do João recebeu um aumento, se que para isto tinha que
morar lonje Joaquim e João ficaram muito triste mais o Joaquim teve uma
bela ideia de quando o João chegase, na suanova casa mandava uma carta
com o seu numero de telefone.
Narrativa 25
Maurício se formou primeiro que Sandro. Maurício se formo e começou a
trabalhar. Certo tempo Sandro também se formou. Na cidade que ele
morava não tinha serviço e teve que separar do Maurício.
Narrativa 34
No dia 03 de fevereiro Rafael estava brincando na rua com seu amigo
Rodrigo.Rodrigo era um rapaz de confiança e gente fina, mas um dia
Rodrigo se mudou para o Ceará.Ele se mudou para bem longe de Rafael, e
o Rodrigo ficou muito triste porque o Rafael era quase um irmão.
Narrativa 40
Passou-se muito tempo, mas Carlos estava morrendo de saudades de Pedro
mas Pedro morava muito longe então Carlos resolveu vender todas as suas
coisas para chegar até seu amigo.
Narrativa 46
Era uma vez dois meninos que precisavam de um emprego, mas como não
tinha serviço eles começaram a cuidar de carro, nas festas comunitárias do
conjunto. E esses meninos começaram a se conhecer melhor durante muito
tempo, e um dia um dos meninos que cuidava de carro sofreu um acidente
muito grave e não poderia ir as festas comunitarias para cuidar de carro,
mas sempre o outro amigo ia sempre visitar, e levava alguma frutas para ele
comer mas nem sempre dava para o menino ir a casa de seu amigo porque
no conjunto em que eles morava sempre tinha alguma festa.
Narrativa 48
Faltando uma semana para chegar o caminhão de mudança, dona Judite
contou para Rodrigo, e disse a ele que já estava resolvido, e lhe mandou ir
arrumar as malas. Rodrigo ainda não tinha contado para Carlos, mas uma
hora ele ia ter de contar, e resolveu ir no dia seguinte. Rodrigo chegou na
casa de Carlos e foi direto ao assunto, Carlos ficou muito triste mas
Rodrigo prometeu que arrumaria um emprego e arranjaria dinheiro para
voltar a São Paulo.
Bastos (1994) afirma que a presença maciça de repetições, no lugar do uso
de anafóricos e outros recursos, concorre fortemente para a coesão de um texto oral. E em
análises do texto escrito de alunos é também freqüente encontrar esse fenômeno, que,
ignorando outros recursos, lançam mão da simples repetição.
Então, o que se constata com os dados levantados é o grande uso de repetições
empregado no lugar de outros recursos de retomada, tornando, dessa forma, a leitura
cansativa, sem a utilização de outros recursos expressivos.
A autora citada também diz que o discurso oral pode ser marcado pela repetição de
idéias que, muitas vezes, faz com que o texto avance mais lentamente, o que não lhe traz
problemas, sendo, inclusive, um procedimento necessário para estabelecer a coerência textual.
As pessoas, no discurso oral, repetem a todo instante o que acabaram de dizer. No texto
escrito, porém, esse recurso é inadequado, pois as repetições de idéias e palavras a todo o
momento podem comprometer o desenvolvimento proposicional dos trechos em que ocorrem.
Houve, nesta fase, baixíssimas ocorrências de nominalização e sinônimos, e, apenas
em um texto apareceu uma hiponímia. Nenhuma expressão nominal definida foi registrada. A
tendência foi simplesmente repetir o item em questão.
Nessa amostragem, foram levantados apenas três casos de retomadas por nomes
genéricos. Entre eles, pode-se citar:
Narrativa 74
Assustados com as coisas que João e Marcos contaram, os compradores
resolveram não compra mais a casa.
Narrativa 96
Foi até que um dia os dois já não agüentava mais as pessoas que chingavam
eles, maltratavam eles, eles se decidiram separar um do outro.
Charolles (1997) afirma que, para assegurar essas repetições necessárias, a
língua possui vários recursos, tais como pronominalizações, definitivações, referências
contextuais, substituições lexicais, recuperações de pressupostos, retomadas de inferências.
No entanto, como se pode notar pelos trechos transcritos, os produtores dos textos que
analisamos parecem ignorar grande parte desses recursos (com exceção das definitivações e
pronominalizações). Assim, lançam mão da simples repetição de palavras e idéias, que chega,
muitas vezes, a exceder o necessário para possibilitar a progressão temática.