1
JAIRO CRUZ MOREIRA
A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
PROCESSO CIVIL SOB A LUZ DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
Rio de Janeiro
Universidade Gama Filho
2007
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JAIRO CRUZ MOREIRA
A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
PROCESSO CIVIL SOB A LUZ DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Gama Filho, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito, Estado e Cidadania. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Greco
Rio de Janeiro
Universidade Gama Filho
2007
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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
UNIVERSIDADE GAMA FILHO
Dissertação intitulada A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO
PROCESSO CIVIL SOB A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, de autoria
de JAIRO CRUZ MOREIRA, analisada pela banca examinadora constituída pelos
seguintes professores:
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Greco – Orientador
___________________________________________________________________
Prof. Dra. Zoraide Amaral de Souza
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Gregório Assagra de Almeida
Rio de Janeiro, 30 de maio de 2007.
4
Dedico este trabalho aos meus pais, Lília Rocha Cruz
Moreira e Joel Gomes Moreira, fonte dos mais profundos
valores humanos de minha vida, pelo exemplo em tudo.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, por mais esta bênção em minha vida.
Ao Professor Leonardo Greco, pelo exemplo a ser seguido na busca do conhecimento, sempre
revelado humildemente, mas de forma inconteste de sua devoção vocacionada para o
magistério, e pela disponibilidade e atenção dispensadas na efetiva orientação deste trabalho.
À minha esposa Âmalin e ao meu irmão Joel. A ela, porque comigo compartilhou, carinhosa e
corajosamente, todos os momentos deste estudo. A ele, em razão do exemplo de brio e
galhardia para a conquista deste sonho. Não por acaso, aceitamos, juntos, o desafio de
concluir esta missão, cônscios das responsabilidades advindas.
6
Acredito que cada um de nossos atos tem uma dimensão
universal. Por causa disso, a disciplina ética, a conduta
íntegra e um discernimento cuidadoso são elementos
decisivos para uma vida feliz e significativa.
[...] Não há dúvida que será difícil produzir paz e
harmonia genuínas, mas percebe-se nitidamente que isso
pode ser feito. O potencial está aí. E seu fundamento é a
noção da responsabilidade de cada indivíduo por todos os
outros. (Dalai-Lama – Uma ética para o novo milênio:
sabedoria milenar para o mundo de hoje, p. 122 e 129.)
7
RESUMO
A linha de pesquisa deste trabalho objetiva o estudo e reflexão sobre a intervenção do Ministério Público no processo civil, que consiste em tema interessante na medida em que deve ser pautada em limites fixados pela Constituição Federal de 1988, sob pena de perda do foco da sua própria atuação. Com o advento da Constituição Federal, à Instituição ministerial foi reservado um tratamento conceitual, orgânico, administrativo e funcional inédito para a história constitucional do País. O perfil traçado revelou uma nova dimensão do papel do Ministério Público, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. As implicações dessa formatação conferida à Instituição induziram a uma farta legislação editada posteriormente à promulgação da CF/88, disciplinando-se a atividade do Parquet, em especial, quanto às matérias ligadas aos direitos difusos e coletivos, como, entre outros, a proteção do meio ambiente, consumidor, infância e juventude, probidade administrativa, saúde. De igual forma, também se tornou necessária a adequação institucional relativamente às clássicas funções criminal e cível. Em todas as searas de atuação, observa-se que a Constituição Federal inspirou e pensou o ideal de Ministério Público-agente, voltado para a promoção e concreção de medidas pertinentes aos objetos tutelados pela Instituição. No campo do processo civil, com inspiração na sistemática processual do direito italiano, o Ministério Público, além de poder exercer o direito de ação, tem legitimidade e o dever de intervir nas hipóteses mencionadas no art. 82 do Código de Processo Civil. Conformando o texto processual com a novel definição institucional efetivada pela Constituição Federal, verifica-se a necessidade da presença do requisito da indisponibilidade do interesse da pretensão deduzida em juízo para que seja devida a intervenção do Ministério Público. Tratando-se de ações que versem sobre direito ou interesse disponível não é cabível a atividade interventiva do Parquet. O mesmo raciocínio é estendido a todas as hipóteses legais em que se preveja o funcionamento do Ministério Público na qualidade de órgão interveniente, a exemplo dos procedimentos de jurisdição voluntária e do mandado de segurança. O esperado ajuste aos parâmetros constitucionais, o crescimento administrativo, as limitações orçamentárias, entre outros fatores, ensejaram a realização de estudos sobre a função interventiva no processo civil no próprio seio da Instituição, resultando em orientações concretas dos órgãos superiores, respeitada a independência funcional dos membros, no sentido da respectiva racionalização e, sobretudo, maior eficiência no desempenho das funções. Palavras-chave: Ministério Público. Novo perfil constitucional. Processo civil. Intervenção.
Racionalização.
8
ABSTRACT
This study examines Public Prosecution Service intervention in civil procedure, which is an interesting theme, since it must be guided by the limits imposed by the 1988 Federal Constitution, or else the entity would lose the focus of its own work. The 1988 Federal Constitution elevated the institution of the Public Prosecution Service to a conceptual, organic administrative and functional level never before seen in Brazilian constitutional history. The Public Prosecution Service then began to play a new role, as it was given responsibility to defend the legal system, the democratic government, social and individual inalienable interests. The implications of this new format attributed to the institution led to the passing of a great deal of legislation after the 1988 Constitution was promulgated. This legislation governed the activities of the Public Prosecution Service, especially concerning matters related to common and collective rights, such as environmental, consumer, and child and adolescent protection, administrative probity, and health. Likewise, it became necessary to adapt the institution with respect to the classic criminal and civil functions. In all the areas where the institution is active, it is evident that the Federal Constitution was inspired by and considered the ideal of the Public Prosecution Service in its role as an agent, focused on promoting and ensuring the effectiveness of measures pertinent to the issues protected by the institution. In the field of civil procedure, inspired by the Italian procedural system, the Public Prosecution Service, in addition to exercising the right to file suits, has legitimacy and the duty to intervene in the hypotheses listed in Article 82 of the Civil Procedure Code. Adapting the Procedure Code with the novelty introduced by the Federal Constitution, we can confirm the requirement that the interest at stake in the lawsuit must be inalienable for the Public Prosecution Service to intervene. The Public Prosecution Service does not intervene when the right or interest in question is alienable. The same logic applies to all legal hypotheses in which Public Prosecution Service intervention is established, such as voluntary jurisdiction procedures and injunctions. The expected adjustment to constitutional parameters, administrative growth, budgetary limitations, and other factors led to studies of the intervention function in civil procedure by the Public Prosecution Service itself. These studies led to concrete guidelines by the upper level organs, respecting functional independence of the members, for rationalization, and above all, increased efficiency in performance of functions. Keywords: Public prosecution service. New constitutional profile. Civil procedure.
Intervention. Rationalization.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 2 NOÇÕES HISTÓRICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO..........................................2.1 Origem e evolução do Ministério Público no cenário mundial.............................. 2.2 Origem e evolução do Ministério Público no sistema jurídico brasileiro ............ 3 O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO.............................................................. 3.1 Antes da Constituição Federal de 1988.................................................................... 3.1.1 Atuação na área processual criminal ..................................................................... 3.1.2 Atuação na área processual coletiva....................................................................... 3.1.3 Atuação na área processual civil............................................................................. 3.2 Novo perfil constitucional..........................................................................................3.2.1 Natureza institucional.............................................................................................. 3.2.2 Ministério Público como instituição permanente................................................... 3.2.3 Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado. 3.2.4 Ministério Público como defensor da ordem jurídica............................................ 3.2.5 Ministério Público como defensor do regime democrático ................................... 3.2.6 Ministério Público como defensor dos interesses sociais....................................... 3.2.7 Ministério Público como defensor dos interesses individuais indisponíveis......... 3.3 Os dois modelos do Ministério Público.................................................................... 3.4 Ministério Público na legislação posterior à Constituição Federal de 1998......... 4 A RECEPÇÃO DA ATIVIDADE INTERVENTIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988................................................................................................................................
4.1 Noções processuais sobre jurisdição, ação, processo e sua relação com o Ministério Público......................................................................................................
4.2 O Ministério Público como órgão agente................................................................ 4.3 O Ministério Público como órgão interveniente..................................................... 4.3.1 Órgão interveniente assistencial ............................................................................. 4.3.2 Órgão interveniente especial (puro fiscal da lei).................................................... 4.3.3 Órgão interveniente com base no interesse público evidenciado pela natureza
da lide ou qualidade da parte.................................................................................. 4.3.3.1 Generalidades do conceito de interesse público.................................................... 4.3.3.2 Interesse público evidenciado pela natureza da lide ............................................ 4.3.3.3 Interesse público evidenciado pela qualidade da parte.........................................4.3.4 Releitura do art. 1.105 do Código de Processo Civil............................................... 4.3.5 Ministério Público e o mandado de segurança ...................................................... 4.3.6 Ministério Público e outras hipóteses interventivas............................................... 5 ESTUDOS INSTITUCIONAIS PELA ADEQUAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO AO NOVO MODELO CONSTITUCIONAL................................................................................
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5.1 Estudos institucionais de âmbito nacional .............................................................. 5.1.1 Estudo do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados
e da União................................................................................................................ 5.1.2 Estudo do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público. 5.2 Estudos institucionais de âmbito estadual .............................................................. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... REFERÊNCIAS .............................................................................................................. ANEXOS........................................................................................................................... ANEXO I – Carta de Ipojuca.......................................................................................... ANEXO II – Minas Gerais.............................................................................................. ANEXO III – São Paulo................................................................................................... ANEXO IV – Santa Catarina.......................................................................................... ANEXO V – Bahia........................................................................................................... ANEXO VI – Pará............................................................................................................ ANEXO VII – Goiás........................................................................................................ ANEXO VIII – Rio Grande do Sul.................................................................................
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10
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação destina-se ao exame da atividade interventiva do Ministério Público
no processo civil, de acordo com as disposições constitucionais referentes ao novo perfil da
instituição, sem, contudo, pretender esgotar o tema, em face da multiplicidade de questões e
minúcias pertinentes.
Mesmo diante de certa primazia constitucional à figura do Ministério Público como
autor ou agente, é forçoso reconhecer que a adequada atuação ministerial interveniente
também merece realce e reflexão.
O núcleo e a estruturação do Estado Democrático brasileiro levado a efeito pela
Constituição Federal de 1988 revelaram o Ministério Público como verdadeiro defensor e
promotor dos primordiais interesses indisponíveis da sociedade, sendo-lhe conferida a
explícita autonomia e independência em relação aos poderes e órgãos estatais, além das
respectivas atribuições e instrumentos necessários ao escorreito cumprimento de seus
misteres.
A ampliação e a sistematização das funções do Ministério Público, por meio do
Código de Processo Civil de 1973, deram azo à consagração das duas atribuições básicas do
Parquet, de órgão agente e de interveniente, conforme sua fonte de inspiração, qual seja, o
Código de Processo Civil italiano. Na época, o maior de todos os avanços quanto à atividade
de intervenção no cível se deu com o advento do inciso III do art. 82 (CPC/73), prevendo-se a
figura abstrata do interesse público a ser tutelável pela instituição.
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 trouxe nova perspectiva orgânica e
funcional ao Ministério Público, estabelecendo-o como instituição constitucional fundamental
ao Estado Democrático de Direito.
Sobreleva notar que diversos questionamentos exsurgem sobre a atuação interventiva
do Parquet no processo civil. Deve a instituição estar estritamente vinculada à lei ou admite-
se a flexibilização de sua atuação? De que forma será operada a intervenção racional no
processo civil, conforme os ditames da Constituição Federal? A instituição tem autonomia
para expedir orientação aos seus membros para priorizar alguma área de atuação em
detrimento de outra? Há necessidade de nova lei para adequar o Código de Processo Civil no
tocante à intervenção do Ministério Público ou o próprio texto da Constituição Federal já é o
11
bastante para fundamentar uma mudança de postura da instituição? Quais são os interesses e
direitos que devem ensejar obrigatoriamente a tutela do Ministério Público?
A solução desses problemas passa pela mudança de paradigma sobre o estudo do
próprio Direito. Gradativamente, o positivismo jurídico vem sendo superado pelo denominado
pós-positivismo, sede em que prevalece o pensamento fundamentado no plano constitucional,
com a valorização de seus princípios e objetivando a concreta e efetiva transformação social.
No âmbito do pós-positivismo têm-se as concepções modernas do neoconstitucionalismo,
sendo o direito considerado não como reprodutor da realidade, mas com a capacidade de
alterar a sociedade e conformar os anseios dos seus cidadãos. O convencional legalismo passa
a ser substituído pela idéia de sistema constitucional baseado nos valores de justiça e de
legitimidade.1 Nesse sentido, a nova roupagem constitucional do Ministério Público induz a
uma releitura de sua função interventiva no processo civil.
Este trabalho foi dividido em seis capítulos, além das referências e anexos. Para a
compreensão do tema proposto teve-se como ponto de partida, no capítulo segundo, a
evolução histórica da instituição sob duplo enfoque, isto é, a origem do Ministério Público no
cenário mundial, bem como o seu surgimento e as contínuas modificações no sistema
normativo nacional.
No terceiro capítulo, fez-se uma abordagem sobre o Ministério Público brasileiro,
notadamente a partir de dois momentos – antes e depois da promulgação da Constituição
Federal de 1988. No primeiro momento, foram traçadas as linhas mestras da atividade
institucional nas searas criminal, coletiva e civil, sendo possível identificar que as funções
desempenhadas pelo Parquet decorriam, sobretudo, da legislação infraconstitucional.
Quadro diverso se apresenta, conforme foi possível verificar, com o advento da
Constituição Cidadã vigente. Provavelmente fruto do momento político e social vivenciado
durante o regime militar, houve sucessivas modificações legislativas e profundas discussões
pela própria instituição durante o processo de democratização do País, fazendo surgir um
Ministério Público fortalecido e projetado de forma exponencial pelo legislador constituinte.
Conceituado no caput do art. 127 da Constituição Federal como “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, o
Ministério Público ganhou relevo com a nova ordem constitucional.
1 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Codificação do direito processual coletivo brasileiro, p. 35-40.
12
A análise dos elementos da referida conceituação foi pormenorizada ainda no capítulo
terceiro, de forma a possibilitar a contextualização necessária ao entendimento da mudança de
paradigma institucional. O modelo resolutivo e o demandista do Ministério Público, bem
como o exame da legislação posterior à Constituição Federal, encerram esse capítulo,
denotando os pilares da nova conformação ministerial.
O quarto capítulo adentrou na temática da intervenção propriamente dita do Ministério
Público no processo civil, para, em consonância com a contextualização realizada nos tópicos
anteriores, indicar o norte da apropriada atuação.
Para isso, além de discorrer previamente sobre o funcionamento do Ministério Público
como órgão agente, efetivou-se um estudo sobre as três perspectivas da atividade interventiva,
ou seja, da instituição como interveniente assistencial, como interveniente especial (ou puro
fiscal da lei) e como interveniente com fundamento no interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou qualidade da parte.
É certo que os novos parâmetros constitucionais induzem, inexoravelmente, uma
releitura do art. 82 do Código de Processo Civil, que prescreve sobre as causas em que deve
intervir o Ministério Público. De igual maneira, foram esposadas, no capítulo em comento, as
diretrizes da intervenção ministerial nos procedimentos de jurisdição voluntária, no mandado
de segurança, bem assim, exemplificativamente, foram elencadas outras hipóteses
interventivas.
Não se poderia descurar de trazer a lume, neste trabalho, os pertinentes estudos
realizados no seio da instituição. A propósito, no quinto capítulo discorreu-se sobre as
discussões desencadeadas pelos órgãos dirigentes do Parquet, que resultaram em atos ou
provimentos concretos de reorientação no sentido de racionalizar e otimizar a intervenção do
Ministério Público no processo civil.
Por fim, premissas conclusivas foram apresentadas no sexto tópico. A utilidade deste
trabalho está, principalmente, em reafirmar a necessidade de constante reflexão sobre o
processo civil brasileiro, em especial no que concerne à indispensável atuação eficaz do
Ministério Público, instituição que, agindo ou intervindo, pode contribuir para o efetivo
alargamento do acesso à justiça e para a consecução dos fundamentos e objetivos do Estado
Democrático brasileiro, com ênfase na priorização da tutela jurídica preventiva, na
transformação da realidade social, na tutela jurídica ampla e irrestrita dos direitos individuais
13
e coletivos. Limitou-se, portanto, à análise da intervenção ministerial no processo civil
consoante o perfil constitucional de 1988, extraindo-se deste os respectivos fundamentos.
14
2 NOÇÕES HISTÓRICAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
É possível observar a evolução histórica do Ministério Público sob duas perspectivas:
primeiro, partindo de uma visão global e segundo, pelo surgimento da instituição no
arcabouço normativo nacional.
Inicialmente, serão aduzidos os antecedentes remotos da instituição, incluindo sua
primeira citação legislativa na França, bem como as principais ocorrências pertinentes que
marcaram a influência da metrópole portuguesa quanto ao surgimento do Ministério Público
na colônia brasileira.
A seguir, a origem do Ministério Público no sistema jurídico do Brasil será revelada
considerando o conjunto de modificações sucessivas das quais surgiu até a confirmação de
sua vocação democrática e independente no Texto Constitucional de 1988.
2.1 Origem e evolução do Ministério Público no cenário mundial
Para a devida compreensão do tema proposto, não seria possível a análise do
Ministério Público contemporâneo, com ênfase na sua atividade interventiva no processo
civil, sem que fossem traçadas, mesmo que brevemente, as principais ocorrências histórico-
evolutivas da instituição. A ampliação e sistematização das funções do Ministério Público no
processo civil remetem-nos de forma inexorável às suas origens.
Todavia, merece registro o fato de que não há uma concepção única e segura,
uniformemente difundida, sobre qual seja a função sociojurídica do Ministério Público. Como
ressalta Antônio Cláudio da Costa Machado, o resultado da investigação sobre a origem da
instituição varia conforme a visão que se tenha das funções por ela exercidas, de acordo as
variações dos ordenamentos jurídicos que a prevejam.2
2 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p. 9.
15
Embora possa variar a visão que se tem do Ministério Público no mundo,3 a regra é de
que na maioria dos países ocidentais a instituição constitui-se em guardiã e defensora dos
interesses sociais mais importantes perante o Poder Judiciário. É a partir desse paradigma que
se fará esta análise.
O termo “ministério” deriva do latim ministerium, minister, que revela o significado
de ofício do servo, função de servir, mister ou trabalho.
Hugo Nigro Mazzilli e Luiz Pinto Ferreira entenderam importante anotar que,
etimologicamente, a palavra ministério se prende ao vocábulo latino manus e aos derivados
ministrar, ministro, administrar, surgindo daí a ligação inicial aos agentes do rei (le gens du
roi), uma vez que, como se verá, os agentes ministeriais seriam, nos primórdios, a mão do rei.
Atualmente seria o mesmo que dizer “a mão da lei”.4
Sobre a origem da palavra “ministério”, fazendo a comparação entre magister, palavra
derivada do comparativo de superioridade latino magis quam (maior que), e minister,
proveniente de minus quam (menor que), Gabriel de Rezende Filho explica:
Encontra-se em ambos vocábulos o terminativo ter, que significa comparação ou graduação. Magister e minister, portanto, são têrmos comparativos, isto é, magister é o maior, o chefe, o guia, e, daí, os sentidos derivados – magistrado e magistério; ao passo que minister é o menor, o que serve, o servidor. De fato, o Ministério Público é o servidor da lei. É o representante da lei, diz CHIOVENDA, é a personificação do interêsse coletivo ante os órgãos jurisdicionais. O Ministério Público representa a ação do Poder Social do Estado junto ao Poder Judiciário.5
Já o adjetivo “público” indica a idéia de instituição estatal (aspecto subjetivo) ou de
interesse geral ou social (aspecto objetivo).
3 VELLANI, Mario. Il Pubblico Ministero nel processo, p. 16. Autor de obras sobre o Ministério Público na
Itália, exemplifica a dicotômica visão da instituição na União Soviética, constituindo-se no órgão controlador geral sobre a execução das leis por parte dos ministérios, funcionários públicos e cidadãos.
4 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 9; FERREIRA, Luiz Pinto. Comentários à Constituição brasileira, v. 5, p. 95-96.
5 REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 90.
16
Segundo Diaulas Costa Ribeiro,
a expressão publico ministerium surgiu entre os romanos em oposição a ministério sagrado (ministério do altar: sacerdócio; ministério do púlpito: o exercício da pregação; ministério da palavra de Deus: múnus de anunciar o Evangelho), diferenciando o conjunto de atividades da res publica exercidas pelos ministros públicos, daquelas exercidas pelos ministros da Igreja.6
No estudo da origem do Ministério Público não há uma definição categoricamente
delineada, embora seja possível a identificação de precedentes remotos sobre o surgimento da
instituição.
Na Antigüidade, havia no Egito o funcionário real ou procurador do rei, denominado
migiaí, com as funções de cuidar dos interesses do soberano e defender os cidadãos pacíficos,
além de imputar responsabilidade e produzir provas contra os eventuais infratores.
Mário Vellani sustenta que seria no Egito a origem do Ministério Público, há mais de
4 mil anos, sede em que os procuradores do rei exerceriam funções assemelhadas ao que hoje
se atribui à instituição.7
A propósito, valendo-se de Berto Valori, Gabriel de Rezende Filho menciona sobre a
descoberta de documentos, em escavações egípcias, relativos aos deveres dos funcionários
reais, muitos deles relativos ao Ministério Público:
Rezam êstes textos que o funcionário real: a) é a língua e os olhos do rei; b) castiga os rebeldes, reprime os violentos, protege os cidadãos pacíficos; c) acolhe os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos; d) é marido da viúva e o pai do órfão; e) faz ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições legais em cada caso; f) toma parte nas instruções para descobrir a verdade.8
Na Grécia, embora poucos a considerem o nascedouro do Ministério Público, atribui-
se certa similitude ao funcionário conhecido por thesmotetis ou desmodetas, que era
incumbido de zelar pela regular aplicação das leis. A acusação em relação aos crimes era
formulada pelas próprias vítimas dos ilícitos ou seus familiares.9
6 RIBEIRO, Diaulas Costa. Ministério Público: dimensão constitucional e repercussão no processo penal, p. 19. 7 VELLANI, Mário. Il Pubblico Ministero nel proceso, v. 1, p. 15. 8 REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil, v. 1, p. 91. 9 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 8.
17
Na antiga Roma cita-se a existência dos procuratores caeseris, com a atribuição de
defender em juízo o patrimônio e os interesses dos imperadores, e dos advocatus fisci, que
postulavam a defesa fiscal do Estado romano.
De acordo com Antônio Cláudio da Costa Machado,10 alguns autores, não nominados
por ele, desprezam a origem egípcia do Ministério Público para conferir autenticidade
somente às instituições romanas. Contudo, somente os denominados procuratores caeseris
parecem ter similitude ao conhecido papel desempenhado pela instituição, mesmo assim
considerada apenas a última fase de seu desenvolvimento.
Outros símbolos de Roma, a exemplo dos praefectus urbis, substitutos do rei que
podiam julgar, legislar e administrar em sua ausência, e dos praesides, funcionários do
império com funções administrativas e judicantes nas províncias romanas, não se apresentam
como vestígio embrionário do Ministério Público.
Outrossim, na Idade Média, os chamados saions, do direito visigodo – comunidade
bárbara de origem germânica que saqueou Roma no Século V –, além de fiscais, exerciam a
defesa dos órfãos e a acusação pública, em especial dos tutores relapsos e criminosos.11
João Bonumá acresce que os saions, além de advogar na defesa do erário, foram
criados pelo Imperador Carlos Magno com a missão de intervir na justiça para a execução das
decisões e representar os interesses dos incapazes.12 Mencionado personagem é também
sugerido como, hipoteticamente, precursor do Ministério Público.
Como se verá adiante, nenhuma das figuras elencadas acima, apesar de certa
similitude comparativa, consegue se identificar plenamente com o Ministério Público que
hoje se conhece, razão por que se tem como controvertida a exata origem da instituição.
Emerson Garcia bem resume que as diversas origens atribuídas em geral ao Ministério
Público justificam-se tendo em vista a inexistência de “um paradigma uniforme” capaz de
erigir-se como ponto embrionário, incontroverso, da instituição.13 Não se pode deixar de
consignar o registro de Marcelo Pedroso Goulart, que informa sobre o posicionamento de
doutrinadores de que não houve na Antigüidade qualquer instituição ou função pública que
fosse precursora do Ministério Público.14
10 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
11-12. 11 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 8. 12 BONUMÁ, João. Direito processual civil, v. 1, p. 415. 13 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 9. 14 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 71.
18
O que se tem por certo, porém, é que o surgimento do Estado e sua correspondente e
contínua complexidade organizacional induziram à criação de um sujeito, ou melhor, uma
função estatal encarregada de distribuir a justiça em nome dos soberanos, conhecida,
posteriormente, na tríplice divisão de Montesquieu, como Poder Judiciário.
Paralelamente, em face da progressiva autonomia dos tribunais, por vezes decidindo
contrariamente ao próprio poder do qual se originaram, os reis soberanos foram levados a
instituir funcionários, denominados “procuradores do rei”, que tinham como atribuição a
defesa dos interesses do soberano e, excepcionalmente, a defesa dos interesses sociais.
Como ensina Emerson Garcia “a origem da instituição está associada à
individualização da função judiciária, outrora exercida de forma concentrada pelo soberano, e
que passou a ser desempenhada por agentes especializados, os magistrados”.15
Para Hugo Nigro Mazzilli, esta é a origem do Ministério Público moderno:
Embora possam ser buscadas raízes históricas do Ministério Público em alguns funcionários e magistrados antigos, como na Roma clássica ou no antigo Egito, na verdade o Ministério Público moderno originou-se dos procuradores do rei, e o Ministério Público brasileiro, por sua vez, desenvolveu-se efetivamente a partir dos procuradores do rei do Direito lusitano.16
Nessa linha de raciocínio, evidencia-se a Ordenação francesa de 25 de março de 1302
(ou 1303), da autoria de Felipe, o Belo, como a primeira norma que fez referência aos
procuradores do rei – les gens du roi – como legitimados, em princípio, às funções
ministeriais. Nas palavras de Antônio Cláudio da Costa Machado, seria o referido instrumento
legislativo a “Certidão de Nascimento” do Ministério Público.17
Conforme expõe Hélio Tornaghi, a partir desse momento, passou-se designar o
Ministério Público de Parquet:
A fim de conceder prestígio e força a seus procuradores, os reis deixaram sempre clara a independência desses em relação aos juízes. O Ministério Público constitui-se em verdadeira magistratura diversa da dos julgadores. Até os sinais exteriores dessa proeminência foram resguardados; membros do Ministério Público não se dirigiam aos juízes do chão, mas de cima do mesmo estrado (‘parquet’) em que eram colocadas as cadeiras desses
15 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 9. 16 MAZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, p. 35. 17 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
13.
19
últimos e não se descobriam para lhes endereçar a palavra, embora tivessem de falar de pé (sendo por isso chamados ‘Magistrature debout’, Magistratura de pé).18
Por essas razões, a tese mais aceita é a de que o Ministério Público é uma instituição
originária do direito francês, que inclusive foi contemplada no texto da Constituição francesa
de 1791. Como assinala Emerson Garcia, “a primeira Constituição a contemplar o Ministério
Público foi a de 1791, arts. 25, 26 e 27, insertos no capítulo do Poder Judiciário, denominando
seus membros de comissários do Rei, com a função de fiscalizar a aplicação da lei e velar pela
execução dos julgamentos, sendo necessariamente ouvidos sobre todas as acusações”.19
A consolidação da instituição ocorreu, em definitivo, após a Revolução Francesa,
precisamente em 1790 e 1792, com a conquista das garantias da inamovibilidade e da
independência em relação ao Executivo, mesmo que precárias, bem assim com a edição do
Código de Instrução Criminal francês de 1808, que incumbiu o Parquet da tradicional função
de acusador público.
Um novo paradigma da instituição começava a se configurar. A seguir, foram editados
diplomas legislativos preocupados em delinear os contornos, funções essenciais e,
principalmente, suas diferenças com relação aos órgãos do Judiciário, do Legislativo e do
Executivo. A representação de interesses da coroa não mais tinha cabimento: o viés norteador
de sua finalidade institucional tornou-se a representação dos interesses superiores e
indisponíveis da sociedade.
Por exemplo, no âmbito do processo civil, o Ministério Público atuava nas ações de
anulação de casamento, no suprimento das omissões referentes ao estado civil das pessoas,
entre outras.20
Outrossim, importante anotar neste tópico o paralelo histórico de surgimento do
Ministério Público em Portugal, até mesmo pela evidente influência em nosso direito. A
propósito, também os lusos passaram por processo semelhante ao francês de luta da realeza
pelo monopólio da jurisdição, intervindo nos tribunais senhoriais e fortalecendo o poder real
com a prerrogativa deste em decidir uma causa, conforme a Lei de 19/3/1317, editada pelo
18 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao código de processo civil, v. 1, p. 277-8. 19 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 12. 20 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
14.
20
Rei D. Dinis.21 Como visto no caso da França, a centralização do exercício da jurisdição
consubstanciou-se em pressuposto formal primeiro do surgimento do Ministério Público.
As Ordenações Afonsinas, 1446, as Ordenações Manuelinas, 1521, e as Ordenações
Filipinas, 1603, operaram a unificação e a centralização do exercício da jurisdição no modelo
português.
Durante a égide das Ordenações Afonsinas, primeiro compêndio a influenciar a
história jurídica brasileira, percebe-se tímida noção evolutiva tocante ao Ministério Público.
Somente o alvará de 28 de março de 1514 menciona a figura do “Procurador do Rei”,
podendo-se perceber nele alguns traços da instituição que perdurariam, ou melhor,
possibilitariam influenciar seu perfil:
A necessidade de estabelecimento de uma estrutura que apoiasse os que reclamavam justiça e defendesse o interesse geral, como viúvas, órfãos e pessoas miseráveis, somente se foi reconhecendo à medida que se criaram tribunais regulares e foram publicadas leis gerais que substituíam o direito dos forais privativos de cada terra. Essas características serão encontradas na figura do procurador da justiça existente no tempo de Dom João I, cujo regimento consta do título VIII do livro I das ‘Ordenações Afonsinas’, publicadas em 1446 ou 1447 nestes termos: ‘E veja, e procure bem todos os feitos da justiça, e das viúvas, e dos órfãos, e miseráveis pessoas, que à nossa Corte vierem’.22
Por sua vez, conforme ressalta Antônio Cláudio da Costa Machado, as Ordenações
Manuelinas fizeram a primeira referência explícita ao Promotor de Justiça, cometendo-lhe a
função de fiscalizar o cumprimento da lei e sua execução. Sem dúvida, revelou-se nesse
momento a primeira formatação legal sobre a função do Ministério Público direcionando
nosso direito.23
Posteriormente, foram editadas as Ordenações Filipinas, codificação portuguesa que
por mais de dois séculos vigorou também nas instituições jurídicas da colônia brasileira. No
referido instrumento legal, além do “Promotor da Justiça da Casa de Suplicação”, foram
previstos o “Procurador dos Feitos da Coroa”, o “Procurador dos Feitos da Fazenda” e o
21 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 75. 22 RIBEIRO, Diaulas Costa Ribeiro. Ministério Público: dimensão constitucional e repercussão no processo
penal, p. 16. 23 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
15.
21
“Solicitador da Justiça da Casa de Suplicação”. A todos esses agentes atribuíram-se funções
que, a posteriori, seriam exercidas pelo Ministério Público:
Ao Promotor da Justiça da Casa de Suplicação atribuía-se ‘requerer tôdas as cousas, que tocam à Justiça, com cuidado e diligência, em tal maneira que por sua culpa e negligência, não pereça. E a seu ofício pertence formar libelos contra os seguros, ou presos, que por parte da Justiça hão de ser acusados na Casa de Suplicação por acôrdo da Relação’. Ao Solicitador da Justiça da Casa de Suplicação cabia visitar cadeias juntamente com o promotor de justiça, devendo ser ‘diligente em maneira, que por sua míngua e negligência não se dilatem os feitos da Justiça e dos presos’.24
De outro lado, sobreleva notar que o estudo sobre o Ministério Público demonstra
tratar-se a instituição de um fenômeno jurídico-social de conteúdo complexo, considerando-se
a ausência de um padrão mundial.
Cada país é levado a construir o seu próprio modelo institucional, estabelecendo em
sua estrutura as funções a serem exercidas pelo Ministério Público nas relações
intraprocessual e extraprocessual. As experiências e necessidades únicas de cada contexto
social induzem a instituição ao perfil e influências nacionalistas, de acordo com os problemas
e elementos da sua própria história, desconsiderando-se, não raras vezes, as experiências
externas.25
Nas palavras de Hélio Tornaghi: “o Ministério Público não surgiu de repente, num só
lugar, por força de algum ato legislativo. Formou-se lenta e progressivamente, em resposta às
exigências históricas”. 26
O mesmo não se repete em relação aos poderes, ou órgãos de poder. Cada um dos
poderes concorre para a realização dos fins do Estado, participando do exercício das várias, e
já definidas, funções da soberania. Ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário compete o
exercício de atividades típicas do Estado, cabendo-lhes, sem qualquer subordinação
hierárquica ou funcional, o controle mútuo e recíproco, sem embargo da execução de suas
24 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
15-16. 25 RIBEIRO, Diaulas Costa. Ministério Público: dimensão constitucional e repercussão no processo penal, p. 35-
6. 26 TORNAGHI, Hélio. Comentários ao código de processo civil, v. 1, p. 297.
22
finalidades institucionais, há muito, perfeita e uniformemente corporificadas, de modo geral,
independentemente da nação a que se referem.
No tocante ao Ministério Público, cumpre acrescentar, diante da rígida tripartição
retromencionada, que os doutrinadores não se afinam em classificá-lo, de modo definitivo, no
âmbito de algum dos poderes. Neste particular, será citado o exemplo brasileiro no próximo
tópico.
2.2 Origem e evolução do Ministério Público no sistema jurídico brasileiro
Por razões óbvias, as instituições jurídicas e políticas do Brasil Colônia e do Brasil
Império desenvolveram-se sob a égide do direito português,27 o que se aplica, por via de
conseqüência, ao Ministério Público.
Após a proclamação da independência do Brasil, foi promulgada a Constituição de
1824, “expressão máxima do liberalismo reinante”,28 exteriorizando nítida preocupação em
promover uma reforma penal e processual, e prevendo, até mesmo, em regime de urgência, a
elaboração de um Código Criminal (art. 179, XVIII). Como corolário do aludido comando
constitucional, editou-se, em 1832, o Código de Processo Criminal, que dedicou, no âmbito
nacional, o primeiro tratamento sistemático e abrangente ao Ministério Público.
Os arts. 36, 37 e 38 do Código de Processo Criminal previam, respectivamente, quem
poderia ser promotor, suas atribuições na esfera penal e a forma de substituição no caso de
impedimento ou falta.
A seguir, pelo Regulamento n. 120, de 31/1/1842, bem assim pelo Decreto n. 4.824, de
22/11/1871, e Avisos de 20/10/1836 e 31/10/1859, formataram-se, mormente na esfera
criminal, a carreira e atribuições funcionais do Parquet.
Na seara processual civil, haja vista as esparsas e ultrapassadas normas reguladoras,
foi editada a Lei n. 2.033 de 1871, minudenciada pelo Decreto n. 4.878 do mesmo ano,
determinando a reunião da legislação de processo civil em documento único, o que foi
realizado pelo Conselheiro Antônio Joaquim Ribas. Então, em 28/12/1876, foi produzida a
27 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 76. 28 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
16.
23
Consolidação das Leis do Processo Civil, instrumento que foi além da mera compilação de
disposições para reinterpretar e reelaborar textos legais.
No entanto, se verificada a inovação e o avanço no campo do processo civil, nenhuma
novidade nesse mister houve no tocante ao Ministério Público naquela época, restringindo-se
sua regência ao precitado Código de Processo Criminal e legislação esparsa.
Importantes novidades seguiram-se com a proclamação da República, em 15/11/1889.
A maior delas a abarcar o Ministério Público, sem dúvida, foi o Decreto n. 848, de
11/10/1890, da autoria e iniciativa do Ministro da Justiça Campos Sales, garantindo
independência à instituição, conforme atribuições próprias. De grande valor também a edição
do Decreto n. 1030, de 14/11/1890, que consagrou a autonomia da instituição, cometendo-lhe
nas palavras de Marcelo Pedroso Goulart, “a defesa e a fiscalização da execução das leis e dos
interesses gerais, assistência dos sentenciados, alienados, asilados e mendigos e a promoção
da ação pública contra todas as violações de direito”.29
Contudo, a Constituição de 1891 foi silente quanto ao Ministério Público, prevendo
tão-somente, na seção destinada ao Poder Judiciário, a figura do Procurador-Geral da
República, a ser designado pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo
Tribunal Federal, cujas funções deveriam ser definidas em lei.
A Constituição de 1934 conferiu destaque ao Ministério Público, distinguindo-o em
capítulo autônomo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, isto é, a instituição foi
prevista ao lado do Tribunal de Contas e dos Conselheiros Técnicos no Capítulo VI: Dos
Órgãos de Cooperação nas Actividades Governamentaes. Nesse momento, o legislador
constituinte elevou o princípio da independência da instituição ao status constitucional, até
então restrito à legislação infraconstitucional, conforme os decretos acima referidos, bem
como regulamentou o ingresso na carreira mediante concurso público e conferiu estabilidade
aos membros, uma vez que limitou as hipóteses de perda do cargo à exigência de sentença
judicial ou processo administrativo, assegurada a ampla defesa.
Para Roberto Lyra, a independência e a autonomia do Ministério Público são
corolários de seu posicionamento topográfico em capítulo distinto aos poderes do Estado,
sendo a consagração de tais caracteres em princípios constitucionais uma limitação imposta
também aos Estados-Membros no que se referir à respectiva atividade legislativa em relação
29 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 78.
24
às garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público, de acordo com o art. 7º, inciso I,
letra “e”, da Constituição de 1934.30
De outro lado, a leitura dos dispositivos que aludem ao Ministério Público (arts. 95 a
98, CR 34) revela ainda certas contenções à respectiva autonomia, por exemplo, quanto à
nomeação do Procurador-Geral da República e sua demissão ad nutum pelo Presidente da
República.
Todavia, cenário diverso se apresenta na outorgada Constituição de 1937. Verifica-se
um patente retrocesso da instituição, em especial com a perda de sua independência. O
Ministério Público Federal é apenas referido no art. 99 do texto constitucional, no bojo do
capítulo destinado ao Poder Judiciário, e mesmo assim para mera indicação de seu chefe, o
Procurador-Geral da República, figura subordinada ao Presidente da República, a quem cabia
sua livre nomeação e demissão.
Válido frisar que, no contexto da Carta Política de 1937, foi instalado o Estado Novo
pelo Presidente Getúlio Vargas, e não seria de interesse da ideologia fascista da época o
fortalecimento de uma instituição cuja verdadeira eficácia somente se poderia verificar em um
regime democrático.
Após a queda da ditadura Vargas, instalou-se uma Assembléia Nacional Constituinte,
composta de senadores e deputados eleitos, sendo promulgada a Constituição de 1946,
resultado do processo de democratização do País. Desta feita, ao Ministério Público foi
destinado pelo legislador constituinte um título especial.
Na Constituição de 1946, retomou-se o modelo de 1934, apresentando-se a instituição,
em princípio, como autônoma e independente dos poderes do Estado, explicitando sua
atuação perante o Poder Judiciário (art. 125), embora o chefe do Ministério Público Federal
continuasse demissível pelo Presidente da República ad nutum.
Outra mitigação da independência institucional era a possibilidade de exercício da
chefia do Ministério Público Federal por pessoa estranha à carreira, uma vez que bastava
tratar-se de cidadão maior de 35, com notável saber jurídico e reputação ilibada, que poderia
ser nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal
(art. 126). O parágrafo único do artigo previu mais um fator de comprometimento do
princípio da independência institucional, tendo em vista que conferia ao Ministério Público
30 LYRA, Roberto. Teoria e prática da promotoria pública, p. 25-31.
25
Federal a representação da União em juízo, podendo tal encargo ser cometido, através de lei,
ao Ministério Público Estadual nas comarcas do interior.
Marcelo Pedroso Goulart adverte que se trata de “um hibridismo inaceitável entre um
Ministério Público-Defensor do Povo e um Ministério Público-Procurador do Rei” e acresce
dizendo que nos Estados-Membros tal contradição foi sendo aos poucos superada com a
criação das Procuradorias do Estado, “liberando os respectivos Ministérios Públicos para as
funções típicas e exclusivas de defesa dos interesses da sociedade”.31
Lado outro, alguns princípios foram elevados ao status constitucional, como: ingresso
na carreira mediante concurso público; estabilidade do membro após dois anos de exercício
no cargo, somente podendo ser demitido por sentença judicial ou processo administrativo,
assegurada a ampla defesa; inamovibilidade, exceto por representação do chefe da instituição
com fundamento na conveniência do serviço; sistema de promoção na carreira de entrância a
entrância, observando-se tudo isso também quanto à organização do Ministério Público
Estadual (arts. 127 e 128).
Por sua vez, o regime militar, mediante subserviente Congresso, promulgou nova
Constituição em 1967, durante a presidência do Marechal Humberto de Alencar Castelo
Branco, sob o mesmo enfoque autoritário e antidemocrático da Carta Política de 1937. Mais
uma vez, o viés de um Ministério Público independente foi rompido, sendo a instituição
topograficamente tratada em uma seção inserida no capítulo destinado ao Poder Judiciário
(arts. 137 a 139).
Na oportunidade, manteve-se o regime de nomeação e demissão do Procurador-Geral
da República e a atribuição de defender os interesses da União em juízo, com o que, dada a
evidente sujeição ao Poder Executivo, demonstrou-se mais uma vez inadequada a posição
topográfica. No entanto, foram preservadas e ampliadas algumas conquistas do anterior texto
constitucional, a saber: o ingresso na carreira por concurso público, explicitando-se aqui a
forma por provas e títulos; a estabilidade no cargo após dois anos de exercício; a
inamovibilidade; além de aos membros do Ministério Público se estenderem as mesmas
regras de aposentadoria e vencimentos dos magistrados (art. 139, parágrafo único).
Noutro giro, em agosto de 1969, foi acentuado o autoritarismo que perpassava a
Constituição de 1967. O governo brasileiro foi assumido por uma Junta Militar, composta de
representantes da Marinha, Exército e Aeronáutica. Na ocasião, editou-se o Ato Institucional
31 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 82-83.
26
n. 12, conferindo-se àquela junta as funções executiva e legislativa. E mais, no dia 17 de
outubro de 1969, foi outorgada a Emenda Constitucional n. 1, que alterou e tonificou o
formato antidemocrático então vigente, resultando em nova Carta Constitucional, conhecida
como a “Constituição de 1969”.
Certo é que, no tocante ao Ministério Público, duas importantes modificações se
concretizaram, quais sejam, a introdução da instituição topograficamente no capítulo de
estruturação do Poder Executivo e a supressão das garantias de aposentadoria e vencimentos
atribuídas aos juízes pela exclusão do aludido parágrafo único do art. 139.
Restou clara, portanto, a subordinação do Ministério Público ao Poder Executivo, com
evidente prejuízo ao devido cumprimento de suas funções e garantias até então reconhecidas.
Na seqüência desta análise, cumpre abordar a Constituição Federal de 1988, marco
inédito e decisivo na conformação do Ministério Público atual. É necessária, porém, uma
breve digressão histórica sobre a evolução infraconstitucional da referida instituição, o que,
como se verá adiante, corresponde aos antecedentes lógicos daquela.
É importante anotar neste tópico, após esta breve análise constitucional histórica, que
a legislação infraconstitucional teve o condão gradual de firmar o Ministério Público em
definitivo como instituição defensora dos interesses indisponíveis da sociedade.
A par da tradicional atuação criminal, cuja consolidação do Ministério Público se
houve por intermédio do Código de Processo Penal de 1941, na seara civil a instituição
ampliou sua atuação, seja como órgão agente, seja como interveniente. Neste último caso, até
mesmo por consistir tal análise em objeto deste estudo, sobretudo com a unificação do
processo civil, culminada com a edição do Código de Processo Civil de 1939 e,
posteriormente, com o Código de Processo Civil de 1973, ainda em vigor, nota-se que é
prevista a intervenção do Ministério Público nos processos em que exista o interesse público,
conforme as hipóteses elencadas no art. 82.
Como observa Marcelo Pedroso Goulart,32 o Código de Processo Civil de 1973 foi
inspirado no pensamento jurídico individualista, tendo, de um lado, modernizado o processo
no que toca aos procedimentos relacionados aos conflitos de interesses intersubjetivos e, de
outro, inibido, consoante a norma do art. 6º, as ações que versam conflitos de interesses
coletivos, muito comum na sociedade contemporânea, somente autorizando-as ao Ministério
Público nos casos expressamente previstos em lei (art. 81, CPC/73).
32 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 85.
27
A constatação da regra restritiva do art. 6º do Código de Processo Civil, limitativa da
legitimidade ativa para a causa, é verificada pela simples análise literal da norma, que diz:
“ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.”
Lado outro, interrompendo o espírito individualista do processo civil da época, em
1981 editou-se a Lei n. 6.938, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, atribuindo-se
ao Ministério Público, na norma do art. 14, a legitimidade para o ajuizamento de ações civis
públicas por responsabilidade ambiental. No final do mesmo ano, precisamente em 14 de
dezembro, entrou em vigor a Lei Complementar n. 40, conhecida como a Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (LONMP), que corporificou e sistematizou o novo perfil da
instituição, mais tarde reconhecidamente elevado ao patamar constitucional de 1988.
Para a edição das leis orgânicas estaduais e nacional do Ministério Público, foi
necessária prévia alteração da Constituição de 1969, que a partir da Emenda n. 7, de 1977,
autorizou a organização, por lei, dos ministérios públicos estaduais, observadas as normas
gerais da LONMP.
O Ministério Público foi definido no art. 1º da LONMP como instituição permanente e
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica e dos
interesses sociais indisponíveis. O art. 2º previu os princípios institucionais da unidade,
indivisibilidade e autonomia funcional. O art. 3º discriminou as funções típicas, como velar
pela observância e execução da Constituição e das leis e promover a ação penal e civil
públicas. Fixou-se, ainda, a autonomia administrativa e financeira da instituição, com a
previsão de dotação orçamentária própria (art. 4º).
Efetivou-se, também, o redimensionamento do cargo de Procurador-Geral, não mais
considerado como cargo de confiança. Além disso, no caso dos ministérios públicos estaduais,
não se incluiu nas atribuições a respectiva representação judicial do ente federativo, distinção
que permaneceu em relação ao Ministério Público da União até o advento da atual
Constituição, observadas as normas de transição.
Desse modo, inaugurou-se uma época de transformação do Parquet, reconhecendo-se
nele um canal aberto para a defesa e tutela dos interesses da sociedade, o que pôde ser
verificado em 1985, com a Lei n. 7.347 – Lei da Ação Civil Pública.
Esse instrumento ampliou o papel do Ministério Público na defesa dos interesses
difusos e coletivos, conferindo-lhe a legitimidade para ações de proteção e responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e
28
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem
econômica e da economia popular, à ordem urbanística, enfim, a qualquer outro interesse
difuso ou coletivo (arts. 1º e 5º). Além disso, foi prevista a obrigatória atuação interveniente
nos casos em que a instituição não integrasse o pólo ativo da ação.
Outro antecedente marcante e preparatório à Constituição de 1988 foi a aprovação, em
1986, no 1º Encontro Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de
Associações, de proposta concernente ao regulamento da instituição e de suas principais
aspirações, instrumento denominado “Carta de Curitiba”. Em linhas gerais, o Ministério
Público brasileiro apresentou naquele importante momento algumas sugestões que acabaram
recepcionadas pelo constituinte originário logo depois.
Feitos os principais apontamentos evolutivos infraconstitucionais, a Constituição
Federal de 1988 apresenta o Ministério Público topograficamente no Título IV, intitulado “Da
Organização dos Poderes”, inaugurando a primeira seção do Capítulo IV que, por sua vez,
prevê as funções essenciais à justiça.
A importância e a magnitude da atual Carta Política, com especial ênfase no novo
enquadramento institucional, são resumidas por Antônio Cláudio da Costa Machado como a
primeira Constituição que “outorga ao Ministério Público um tratamento digno da excelência
do seu papel social e o consagra definitivamente como grande instituição republicana, tal qual
sonhara Campos Sales”.33
De acordo com os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil,
estatuídos nos arts. 1º e 3º da Constituição de 1988, verifica-se que o constituinte reconheceu
no Ministério Público um dos instrumentos cruciais de busca da cidadania e, mais, um dos
canais de que a sociedade poderia dispor na defesa de seus interesses maiores.
É o que se revela da leitura do caput do art. 127 da Constituição Federal, em que o
novo perfil do Parquet é consolidado e definido como instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
As funções institucionais do Ministério Público foram elencadas no art. 129, incisos I
a IX. Para a intervenção no processo civil, a legitimação institucional encontra guarida no
inciso de encerramento do retromencionado artigo, cabendo ao Parquet exercer outras
33 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p. 20.
29
funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, vedando-se
expressamente a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Logicamente, extrai-se também o fundamento de tal intervenção do próprio caput do art. 127.
De toda forma, desenvolve-se neste trabalho a atuação do Ministério Público
relativamente à sua intervenção no processo civil, conforme as hipóteses do art. 82 do Codex,
sempre levando em consideração as interfaces efetivadas pelo novo papel democrático de
defesa da ordem jurídica e dos valores sociais e individuais indisponíveis.
O relevante, por ora, é a constatação de que a novel ordem constitucional garantiu a
independência à instituição diante de demais órgãos de poder do Estado. A já mencionada
posição topográfica indica o Ministério Público como instituição autônoma e independente.
Além dos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional de seus
membros, foi assegurada, de forma explícita, a autonomia funcional e administrativa,
observados os limites e proposta orçamentários, bem assim a iniciativa de lei para a respectiva
organização e funcionamento, como a criação e extinção de cargos, provendo-os por certame
público, a definição da política remuneratória e dos planos de carreira próprios (art. 127, §§ 1º
a 6º).
A forma de nomeação e destituição dos Procuradores-Gerais também foi alterada. Os
avanços se deram, principalmente, quanto ao exercício do cargo por integrante da carreira,
com mandatos determinados (dois anos, admitida uma recondução). No plano federal, o
Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente da República, após a aprovação de
seu nome por maioria absoluta do Senado Federal. Nos Estados e Distrito Federal a nomeação
do Procurador-Geral de Justiça é efetivada pelo correspondente Chefe do Executivo,
conforme lista tríplice elaborada pelos respectivos pares do Ministério Público. A destituição
tornou-se mais complexa, uma vez que precede de deliberação da maioria absoluta das casas
legislativas, federal e estaduais, não mais se admitindo seja ela ad nutum, conforme preceitua
a norma do art. 128, incisos I e II, §§ 1° a 4°, da Constituição Federal.
Outrossim, a Constituição de 1988 determinou a equiparação, no que couber, do
Ministério Público com a Magistratura no tocante à carreira, remuneração (subsídio),
aposentadoria, entre outros regramentos (art. 129, § 4º).
Discussão interessante diz respeito ao tratamento dispensado ao Parquet do ponto de
vista de sua inserção ou vinculação a algum dos poderes do Estado. Como visto, a
Constituição de 1937 sequer contemplou a instituição. A Carta de 1946 previu o Ministério
30
Público em título específico, desvinculado dos três poderes. A Constituição de 1967 incluiu a
instituição na estrutura do Poder Judiciário e a de 1969, em capítulo destinado ao Poder
Executivo.
Conforme Hugo Nigro Mazzilli,34 há quem sustente que o Ministério Público esteja
atrelado ao Poder Legislativo, porquanto este está incumbido de elaborar as leis e ao Parquet
se comete sua fiscalização e fiel cumprimento. Outros advogam que a atividade do Ministério
Público é jurisdicional, razão pela qual está a instituição vinculada ao Poder Judiciário. Por
fim, há quem argumente que, considerando a atuação de fiscalizar e promover a execução das
leis, a atividade do Ministério Público é eminentemente administrativa, por isso está inserido
no Poder Executivo.
A história brasileira do Ministério Público demonstra que a instituição esteve, de uma
forma ou de outra, sempre vinculada ao Poder Executivo, em especial pela instabilidade do
cargo exercido pela respectiva chefia.
De outro lado, é percebida claramente a alteração evolutiva desse quadro na
Constituição em vigor. Principalmente o tratamento em capítulo separado, a autonomia
administrativa e funcional, as garantias de independência para o exercício das funções e a
explícita atribuição de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, com incumbência de promoção
das medidas necessárias à sua garantia, induzem à conclusão da não-existência de nenhuma
subordinação do Ministério Público aos demais poderes do Estado.
Nessa esteira, Hely Lopes Meireles arrola o Ministério Público entre os órgãos
independentes:
[...] órgãos independentes são os originários da Constituição e representativos dos Poderes de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário – colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro. Por isso são também chamados órgãos primários do Estado. Esses órgãos detêm e exercem precipuamente as funções políticas, judiciais e quase judiciais outorgadas diretamente pela Constituição, para serem desempenhadas pessoalmente por seus membros (agentes políticos, distintos de seus servidores que são agentes administrativos), segundo normas especiais e regimentais. [...] é de se incluir, ainda, nesta classe, o Ministério Público federal e estadual, e os Tribunais de Contas da União, dos Estados-membros e
34 Sobre a polêmica, cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público, p.19-20.
31
Municípios, os quais, embora não sejam órgãos representativos dos Poderes a que pertencem, são funcionalmente independentes e seus membros integram a categoria dos agentes políticos, inconfundíveis com os funcionários das respectivas instituições. 35
Embora seja possível reconhecer a tendência, já consolidada em outros países,36 de
classificar o Ministério Público como órgão extrapoder, impõe-se o registro do alerta
efetivado por João Francisco Sawen Filho de não se perder de vista que, embora a
Constituição tenha o considerado de forma tão independente aos poderes tradicionais, o art. 2º
do texto constitucional de 1988 preconiza “de modo claro e objetivo, serem três e não quatro
os poderes do Estado Brasileiro”.37
Com efeito, é válido consignar o precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal,
em voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que, pesando reconhecer a autonomia do Ministério
Público, expressou sua integração na estrutura do Poder Executivo.38
Não obstante essa polêmica seja relevante, é preciso encerrá-la neste momento, não
sem antes averbarmos que o novo status constitucional do Parquet, sem dúvida, o induz à sua
histórica vocação democrática, consubstanciando-o como instituição de fundamental
importância para a transformação da realidade social e efetivação do Estado Democrático de
Direito, independentemente de ser ele considerado ou não um “quarto poder”.
Nesse passo, é que reproduzimos o reconhecidamente sério prognóstico do Ministro
Alfredo Valladão:
O Ministério Público se apresenta com a figura de um verdadeiro poder do Estado. Se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a Divisão dos Poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro órgão acrescentaria ele – o que defende a sociedade e a lei, perante a justiça, parta a ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do Estado.39
Ultrapassada a discussão acima referida, não se poderia deixar de mencionar que, para
conferir efetividade ao papel social outorgado pelo legislador constituinte e conforme a
35 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 69-70. 36 Diaulas Costa Ribeiro explica que na Guatemala o Ministério Público é órgão extrapoder, o mesmo acontece
com o Ministério Público da Argentina, depois da Reforma Constitucional de 1994. (Ministério Público: dimensão constitucional e repercussão no processo penal, p. 43.)
37 SAWEN FILHO, João Francisco. Ministério público brasileiro e o estado democrático de direito, p. 3. 38 Disponível na íntegra em: www.stf.gov.br/jurisprudencia, referente ao julgamento do Pleno, ADI n. 132/RO,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 30/4/2003, DJU de 30/5/2003, p. 23. Acesso em: 13 jan. 2007. 39 Apud LYRA, Roberto. Teoria e prática da promotoria pública, p. 23, grifos do autor.
32
própria determinação constitucional (art. 128, § 5°) de editar leis complementares da União e
dos Estados para o estabelecimento da organização, atribuições e o estatuto de cada
Ministério Público, foi publicada a Lei Complementar Federal n. 75, de 20 de maio de 1993, e
no final do mesmo ano, no dia 12 de dezembro, a Lei n. 8.625, estabelecendo as normas
gerais e diretrizes relativas ao funcionamento da instituição.40
A respeito, foram observadas as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídio, bem como as vedações quanto ao recebimento de honorários,
percentagens e custas processuais, ou auxílios e contribuições de pessoas físicas, entidades
públicas ou privadas, ao exercício de advocacia, atividade político-partidária e de outra
função pública com a exceção de um magistério, e à participação em sociedade comercial na
forma da lei, tudo de acordo com requisitos e ressalvas constitucionalmente estipulados.
É digna de registro a novidade que a Emenda Constitucional n. 45, de 31 de dezembro
de 2004, trouxe em relação ao Parquet. Além de diversas modificações no Judiciário
brasileiro, criou-se o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)41, que se revela como
mecanismo de fiscalização externa da instituição com amplos poderes administrativos e
disciplinares.
Compete ao CNMP o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério
Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe:
a) zelar pela autonomia funcional e administrativa, expedindo atos regulamentares ou
recomendando providências;
b) zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal, apreciando, de ofício ou
mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou
órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, e até desconstituí-los, revê-los ou fixar
prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;
c) receber e conhecer as reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público
da União ou dos Estados, até mesmo contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares
em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa;
40 Para regulamentar a organização do Ministério Público da União foi editada a Lei Complementar n. 75/93. A
Lei n. 8.625/93 regulamenta a organização do Ministério Público dos Estados. 41 Art. 130-A da Constituição Federal.
33
d) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;
e) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a
situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a
mensagem prevista no art. 84, XI, da Constituição Federal.
Para o objetivo deste trabalho não se requer sejam tecidas minúcias ao mencionado
Conselho, mas tão-somente noticiar sua criação e a pertinente modificação constitucional
ocorrida.
Apesar da gama de atribuições cometidas ao Ministério Público, o foco deste trabalho
é o exame da atividade interventiva dessa instituição no processo civil, o que não seria
possível sem antes apresentar o estudo sobre a evolução histórica dessa importante instituição,
notadamente no Estado Democrático de Direito.
34
3 O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO
Neste segundo capítulo será realizada uma análise do Ministério Público brasileiro,
basicamente, a partir de duplo enfoque, qual seja, verificando-se o perfil da instituição antes
da Constituição Federal de 1988 e posteriormente a ela.
Ato contínuo, serão feitas as considerações quanto aos dois modelos de Ministério
Público que se apresentam para a consecução de suas finalidades institucionais, o demandista
e o resolutivo.
E finalizando o capítulo, as principais manifestações legislativas, posteriores à
Constituição vigente, que cometeram atribuições ao Parquet nacional, serão anotadas.
O objetivo é apresentar o suporte teórico imprescindível à devida contextualização
institucional do Ministério Público.
3.1 Antes da Constituição Federal de 1988
Conforme verificado no histórico constitucional brasileiro, com enfoque especial na
evolução do Ministério Público, é possível perceber, sem maiores dificuldades, que antes da
Constituição Federal de 1988 a maioria das prerrogativas funcionais dos membros da
instituição decorria da legislação infraconstitucional.
Os textos constitucionais anteriores à Constituição Cidadã, desde a Constituição de
1891, quando se referiam ao Ministério Público, o faziam, basicamente, para disciplinar a
forma de ingresso, a estabilidade e promoção na carreira, bem como o processo de nomeação
e demissão do chefe da instituição.
Para os fins deste capítulo e com o escopo de conferir maior clareza ao estudo
proposto, desta feita será importante anotar como se deu a evolução funcional do Ministério
Público no tocante à legislação infraconstitucional anterior à Constituição Federal em vigor.
Nesse passo, sobreleva frisar que não será abordada, em minudência, toda a legislação
brasileira referente às atribuições do Parquet, mas, sim, e para melhor compreensão da
matéria, em especial possibilitar uma visão geral da instituição, os principais textos legais
35
reguladores do agir institucional, mormente em relação às searas processuais criminal,
coletiva e civil, tudo isso para possibilitar uma análise conjuntural da instituição, antes de
especificamente discorrer sobre a atividade processual civil interventiva sob a luz da
Constituição Federal.
3.1.1 Atuação na área processual criminal
Não é raro seja o Ministério Público identificado no modelo estatal anterior à
Constituição Federal de 1988 apenas como o órgão encarregado de promover a ação penal
pública, mesmo que a respectiva exclusividade da titularidade só tenha sido fixada com a
Constituição Federal de 1988. No entanto, é nessa atuação que se percebe o Parquet como
genuinamente diferenciado dos outros órgãos públicos, ainda mais se considerado o senso
comum. Invariavelmente, a figura do membro da instituição é associada aos julgamentos dos
tribunais do júri, sendo que tal notoriedade, muitas vezes, contribui para o solipsismo dos
campos de atuação cível e coletivo.
Como observa Ronaldo Porto Macedo Júnior,42 é na liça penal que se verificam os
elementos básicos de fidelidade entre os ministérios públicos dos países ocidentais.
Com efeito, para discorrer sobre a atuação do Ministério Público na esfera criminal,
antes da Constituição Federal de 1988, e porque não mesmo depois dela, é preciso fixar os
instrumentos legais em que se baseiam esta análise, isto é, o Decreto-Lei n. 2.848 de
7/12/1940 (Código Penal), o Decreto-Lei n. 3.689 de 3/10/1941 (Código de Processo Penal) e
a Lei n. 7.210 de 11/7/1984 (Lei de Execução Penal).
A título de esclarecimento, é inegável que mesmo após a Constituição Federal de 1988
a atuação do Ministério Público na área criminal não sofreu variação em sua essência, mas, de
forma geral, considerando até mesmo a necessária adequação legislativa à realidade e aos
reclamos sociais, foram editados instrumentos legais atinentes ao aprimoramento da
persecução penal.
42 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ,
Antônio Augusto Mello de Camargo (Coord.). Ministério Público: instituição e processo, p. 46.
36
O Código Penal brasileiro, de acordo com a redação dada pela reforma ocorrida em
1984 (Lei n. 7.208), de forma clara e concisa, no caput do art. 100 e em seu § 1°, estabelece
que, em geral, a ação penal é pública, devendo ser promovida pelo Ministério Público, exceto
quando expressamente a lei declarar privativa do ofendido.
Explica José Frederico Marques que “a instituição do Ministério Público é uma
exigência do processo acusatório”,43 uma vez que inserida no sistema persecutivo adotado no
Brasil, no qual se apresentam as figuras do acusador, do defensor e do juiz. Como corolário
do direito de punir de que é titular o Estado, geralmente, ao Ministério Público é cometida a
atribuição de deflagrar a tutela criminal sempre que violado algum bem jurídico penalmente
protegido (vida, liberdade, patrimônio, etc.). Assim, como dito, o Parquet é o legítimo titular
da ação penal pública, mesmo antes de consagrada tal função na Constituição Federal de 1988
(art. 129, I).
Como consignado no segundo capítulo, a legislação infraconstitucional teve o condão
gradual de consolidar o Ministério Público, o que, no campo criminal, ocorreu por intermédio
do Código de Processo Penal de 1941. Importante ratificar que a carreira e atribuições
funcionais do Parquet, nesse particular, se deram, sobretudo, por meio do Código de Processo
Criminal de 1832, do Regulamento 120/1842, do Decreto n. 4.824/1871 e dos Avisos de
20/10/1836 e 31/10/1859.
Diz o art. 257 do Código de Processo Penal que o Ministério Público “promoverá e
fiscalizará a execução da lei”. A respeito do mencionado artigo do diploma processual penal,
leciona Hélio Tornaghi que o Ministério Público ora funciona como parte, ora como fiscal da
aplicação da lei.44
No primeiro caso, incumbe-lhe exercer a função de acusar, tendo em vista estar o
processo organizado em forma contraditória; carrear todas as provas de culpabilidade do
suposto autor do fato delituoso; chamar a atenção do julgador para todas as circunstâncias que
podem agravar a pena ou qualificar o crime; e, se pertinente à espécie, convencendo-se da
inocência do acusado, pedir a sua absolvição.
De outro lado, no exercício da função fiscalizadora, o Ministério Público deve agir de
maneira imparcial na vigilância e no zelo da lei, atento ao seu cumprimento no tempo, na
43 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, v. 2, p. 47. 44 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal, p. 485-486. TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo
penal, p. 136-137. No mesmo sentido: MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, v. 2, p. 47-61; CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural, atribuição e conflito, p. 7-14.
37
forma e no lugar que ela prescrever, mormente no que puder ser favorável ao acusado, como o
fato de impetrar habeas corpus em benefício de quem esteja sofrendo constrangimento ilegal.
Outrossim, a Lei de Execução Penal, nos arts. 67 e 68, comete ao Ministério Público a
incumbência de fiscalizar a execução da pena e da medida de segurança, devendo oficiar no
processo executivo e nos incidentes da execução. Acrescentam-se as funções de
requerimentos de providências respectivas, como conversão das penas, progressão e regressão
de regime, o dever de interposição de recursos e a visitação mensal aos estabelecimentos
penais. O norte da atuação será sempre efetivar as disposições da decisão criminal e
proporcionar as condições para a harmônica integração social do condenado ou internado.
Os limites dessa abordagem não permitem o aprofundamento da análise da função
criminal da instituição, que também envolve discussões interessantes, como a possibilidade de
investigação pelo Ministério Público. Repita-se que a finalidade desse tópico é tão-somente
contextualizar as facetas do Parquet antes da Constituição Cidadã, cumprindo esclarecer, em
poucas palavras, no que consiste a respectiva atuação na seara penal.
3.1.2 Atuação na área processual coletiva
Sem embargo de sua função no campo da tutela processual penal, mencionada no
tópico anterior, e a atividade processual civil, que será delineada no próximo item, incumbe
trazer à baila breve noção sobre a atuação do Ministério Público na seara processual coletiva.
Cabe destacar, de início, que o direito processual coletivo é considerado um novo
ramo do direito brasileiro, como esclarece Gregório Assagra de Almeida:
Não há como negar, portanto, que existe atualmente, quanto à potencialidade do conflito, um direito processual de tutela de conflitos interindividuais e um direito processual de tutela de conflitos coletivos. Não se quer negar, com essa assertiva, a existência de uma teoria geral do processo e, por assim dizer, a unidade do direito processual, até porque a teoria geral do processo tem fundamento no direito constitucional processual. O direito processual coletivo está enquadrado no direito processual constitucional, e poderá tutelar matéria penal ou não-penal.45
45 ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual, p.
17, grifos do autor.
38
Entretanto, o objetivo aqui é apenas noticiar a função ministerial neste particular,
como órgão encarregado de postular a tutela jurisdicional dos interesses públicos. Ressalve-se
no título que se deu ao tópico sub exame não haver intenção de guardar estrita relevância
terminológica, devendo-se compreender como sinônimas as expressões interesses difusos,
interesses metaindividuais e interesses coletivos, até porque, no período em que analisados,
isto é, anteriormente à Constituição Federal de 1988, surgiram inúmeras discussões a respeito,
sem que houvesse precisão designativa delas.
Nos idos de 1984, assim advertia José Domingos da Silva Marinho sobre a polêmica
do assunto:
Os esquemas clássicos do processo civil, nitidamente voltados para a tutela dos conflitos de interesses intersubjetivos, de cunho essencialmente individualísticos, não se prestam à tutela dos emergentes interesses denominados difusos, meta-individuais ou coletivos, conforme tem sido reiteradamente ressaltado pelos estudiosos do tema, evidenciando-se a imperatividade e a importância de sua tutela jurisdicional no mundo contemporâneo.46
Para a compreensão dessa recente arena de atuação, é necessária uma breve digressão
histórica, e nesse sentido chama-se atenção para a Emenda n. 7 de 1977, que alterou o art. 96
da Constituição de 1969. Na ocasião foi autorizado aos ministérios públicos que se
organizassem em carreira por leis estaduais, o que abriu a oportunidade legislativa de
inovações ulteriores.
Antes disso, de relevância, somente cita-se a Lei da Ação Popular (n. 4.717, de
29/6/1965), que confiou ao Ministério Público a proteção do patrimônio público, prevendo
sua intervenção e legitimidade ativa ad causam originária (art. 6°, § 4°; art. 7°, I, “a”, e § 1°),
legitimação ativa ad causam superveniente (arts. 9° e 16) e legitimidade recursal (art. 19, §
2°).
Posteriormente, foi promulgada a Lei Complementar n. 40, de 14/12/1981, traçando
um novo perfil do Parquet até então, definindo-o como “instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, e responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem
jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e
das Leis”.
46 MARINHO, José Domingos da Silva. O Ministério Público e tutela jurisdicional dos interesses difusos.
Revista de Processo, p. 114.
39
Merece consideração o fato de que a década de 1980 efetivamente marcou a evolução
institucional do Ministério Público, sendo certo que as novidades legais a partir dessa época
não foram fruto do acaso. As transformações sociais, econômicas e políticas enfrentadas pelo
País fizeram surgir em escala massificada diversos grupos de interesses próprios.
Registra Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz que
esse processo de transformação e massificação repercutiu nos conflitos sociais, fazendo emergir pretensões antagônicas mais abrangentes, envolvendo interesses de grandes grupos ou de toda a coletividade, como nos seguintes exemplos: desenvolvimento econômico e preservação ambiental, produtividade econômica e segurança do trabalhador, arrecadação fiscal e direito dos contribuintes, liberalismo econômico e direitos do consumidor, capital e trabalho (dissídio coletivo) etc.47
Naquele mesmo ano de 1981, a Lei n. 6.938 prescreveu a legitimidade do Ministério
Público para o ajuizamento de ação de responsabilidade civil, objetivando a indenização ou a
reparação de danos causados ao meio ambiente.
Posteriormente, foi editada a Lei da Ação Civil Pública (n. 7.347, de 24/7/1985) que,
ampliando o leque de bens coletivos e difusos passíveis de defesa pela instituição, atribuiu-lhe
a legítima titularidade para o resguardo de interesses relacionados à proteção do meio
ambiente, do consumidor, do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,
bem como qualquer outro interesse de igual natureza.
Aludido diploma legal conferiu ao Parquet importantes instrumentos para a nova fase
e a nova dimensão institucional que se inauguravam, como o inquérito civil e o termo de
ajustamento de conduta. Dois aspectos devem ser, ainda, observados: se não como parte, está
prevista a atuação, obrigatoriamente, como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas e,
ainda, os efeitos da sentença de procedência fazem coisa julgada erga omnes, com o que são
potencializadas as funções ministeriais.
Em arremate, verifica-se que, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o
Ministério Público, inicialmente no terreno do processo penal e a posteriori perpassando no
campo de sua atuação processual civil, como se verá adiante, também obteve novo horizonte
na seara da defesa dos interesses difusos e coletivos. Tal responsabilidade, sem dúvida,
consolidou-o como verdadeiro defensor societatis, como órgão de atribuições e tutela dos
47 FERRAZ, Antonio Augusto de Mello Camargo; GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. A necessária
elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional. In: FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo (Coord.). Ministério Público, instituição e processo, p. 26-27.
40
supremos valores sociais, seja na posição de órgão agente, seja na qualidade de órgão
interveniente.
É precisamente com base nesse atributo de órgão interveniente que, nunca
menosprezando os demais campos de sua atividade, mas sempre atento aos limites desta
dissertação, se pretende discorrer sobre importantes questões envolvendo o Ministério Público
e sua atuação processual civil clássica.
3.1.3 Atuação na área processual civil
A análise que se propõe neste tópico, nunca é demais frisar, corresponde à atuação do
Ministério Público sem o enfoque inovador que lhe foi outorgado pela Constituição Federal
de 1988. Em outras palavras, a investigação, neste particular, se restringirá à evolução
institucional da atuação do Parquet no processo civil, bem como ao exame, desprovido do
conteúdo constitucional democrático, dessa atividade. Esta, sim, será objeto de detida e
detalhada análise no próximo capítulo.
Inspiração introdutória à temática é transmitida por Moacyr Amaral Santos,
esclarecendo que, além de defender outros direitos sociais, também diferentes daqueles
consubstanciados no propósito do processo penal, o Ministério Público oficia nos processos
civis para a “fiscalização da boa execução das leis, na proteção da família e dos interesses de
incapazes e outros, aos quais ao Estado cumpre proporcionar especial tutela”.48
A história demonstra crescente consolidação das funções do Ministério Público no
Brasil, sobretudo após a República, período que revelou o processo de codificação do direito
brasileiro.
De início, importa anotar que, antes do Código de Processo Civil de 1939, vigoravam
no sistema processual civil brasileiro os códigos estaduais, que não conferiam atenção
especial ao Ministério Público. No plano federal, iniciou-se o cometimento de atribuições ao
Parquet com o Código Civil de 1916, que outorgou, por exemplo, a legitimidade para a ação
48 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 130-131.
41
de anulação de casamento (art. 208, parágrafo único, II), para a defesa dos interesses de
menores (art. 394, caput) e propositura da ação de interdição (art. 447, III).49
Posteriormente, com a publicação do Código de Processo Civil de 1939, malgrado não
conferido tratamento orgânico ao Parquet, foi estabelecida a obrigatoriedade da intervenção
do Ministério Público em certas hipóteses, enfatizando-se a condição de custos legis, de
maneira que a expressão de seu ofício teria de vir depois da manifestação das partes.
Naquela época, no contexto de predominância econômica rural e agrária, a intervenção
do Ministério Público visava proteger basicamente os valores e interesses sociais então
considerados indisponíveis ou mais importantes, como as instituições relacionadas ao direito
de família, à defesa dos incapazes e até mesmo à defesa da propriedade privada.
Regras gerais de intervenção do Parquet eram prescritas no art. 80 (previsão de
nulidade em caso de preterição de formalidades legais), no § 1° (representação judicial de
incapazes e ausentes) e no § 2° (defesa dos interesses de incapazes); no art. 455, § 3°
(intervenção no usucapião), e no art. 478 (intervenção no inventário). Todavia, não se
vislumbrava no Código de 1939 nenhuma menção ou referência ao interesse público, mesmo
por meio de outro termo ou expressão mais abrangente.
Com efeito, sem que nas Constituições do País (1934, 1937, 1946, 1967 e 1969)
houvesse nenhuma menção ao perfil de atuação do Ministério Público que atualmente se
conhece, o Código de Processo Civil de 11/1/1973 outorgou tratamento sistemático à
instituição nos arts. 81 a 85, em título próprio (III) do Livro relativo ao Processo de
Conhecimento. Observe-se que, assim como no campo criminal, suas funções foram sendo
ampliadas, verificando-se na seara processual civil um papel variado e importante da
instituição.
Em linhas gerais, o código processual civil atual prevê a atuação do Ministério Público
nas duas funções clássicas, como parte e interveniente. O art. 81 estabelece que a instituição
exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos
poderes e ônus das partes. Já o art. 82 enumera as hipóteses em que deva haver respectiva
intervenção: a) nas causas em que há interesse de incapazes; b) na causas concernentes ao
estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declarações de ausência
49 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ,
Antônio Augusto Mello de Camargo (Coord.). Ministério Público: instituição e processo, p. 42-43.
42
e disposições de última vontade; c) em todas as demais causas em que há interesse público,
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.50
Importa observar, conforme anota Milton Sanseverino, que o paradigma do legislador
de 1973 foi a lei processual italiana. O diploma brasileiro acolheu, de forma substancial, o
tratamento dispensado ao Ministério Público peninsular, isto é, também na Itália a atuação do
Ministério Público no processo civil se opera segundo duplo enfoque: como órgão agente (art.
69) e órgão interveniente (art. 70).51 Tratamento específico quanto ao peculiar exame do
fundamento do interesse público será verificado no quarto capítulo deste estudo.
Por ora, consoante o direito comparado, basta citar, ainda, que o direito francês,
embora com nítida primazia da função ministerial no processo penal, na esfera civil,
igualmente na defesa do interesse público, legitima a atuação do Parquet por via de ação (par
voie d’action) ou intervenção (par voie de réquisiton). Verificando as demais legislações,
como a portuguesa, germânica e espanhola, percebe-se que muito pouco é estatuído a respeito
das funções do Ministério Público no processo civil, o que é de estranhar, haja vista o
cientificismo aprimorado, por exemplo, da legislação e da doutrina alemãs.52
Voltando ao sistema brasileiro, sem maiores dificuldades, infere-se que o art. 81 trata
somente dos casos em que o Ministério Público exercerá o direito de ação. Tais hipóteses são
numerosas e explicitamente previstas na lei civil, processual civil e legislações esparsas.
Como modelos, a par daqueles casos concernentes à atuação na seara coletiva (tópico
anterior), têm-se a ação rescisória prevista no art. 487, III, e a ação de interdição aludida no
art. 1.177, III, ambos do Código de Processo Civil.
José Frederico Marques leciona a respeito do referido dispositivo:
A fim de fazer atuante a ordem jurídica e não a deixar estática e inerte, em face de situações que substancialmente a atingem, o Ministério Público assume a posição de parte, como autor. [...]. O Ministério Público aparece, aí, como órgão da própria ordem jurídica, atuando para impor suas normas em determinadas situações particulares.
50 Quanto a este inciso III, a Lei n. 9.415 de 1996 conferiu nova redação ao dispositivo fazendo incluir na
primeira parte “nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas [...]”, o que não foi citado neste momento por tratar-se de análise anterior à Constituição Federal de 1988.
51 SANSEVERINO, Milton. O Ministério Público e o interesse público no processo civil. Revista de Processo, p. 89-90.
52 SANSEVERINO, Milton. O Ministério Público e o interesse público no processo civil. Revista de Processo, p. 90-91.
43
Segundo Enrico Redenti, o Ministério Público se torna intérprete do interesse geral, como órgão pro propulo.53
Todavia, considerando que a atuação do Ministério Público como agente também será
objeto de análise em item posterior, nesta ocasião torna-se relevante somente explicitar as
hipóteses gerais de intervenção no processo civil, averiguando-se as linhas mestras das
ocorrências prescritas no art. 82 do Código de Processo Civil, ausente ainda o augúrio da
Constituição Federal de 1988, bem assim os demais preceitos em que a instituição é indicada
a intervir no Codex.54
Conforme dito, o art. 82 enumera as causas em que o Ministério Público deve intervir.
Importante observar que tal relação não é exaustiva, havendo no próprio Código outras
hipóteses em que deve a instituição intervir no processo civil. Citam-se dispositivos esparsos,
como no caso da exceção de incompetência (art. 116, parágrafo único, e art. 121) e da ação de
usucapião de terras particulares (art. 944).
Diz o primeiro inciso do art. 82 que cabe ao Ministério Público intervir nas causas em
que houver interesse de incapazes. A função do Parquet, nessa hipótese, é de precaução e zelo
para suprir eventual defeito na defesa daqueles, bem como verificar se estão devidamente
representados ou assistidos, devendo, em todo caso, prevenir e corrigir supostas artimanhas
praticadas no processo capaz de lesá-los.
Celso Agrícola Barbi assim resume o fundamento dessa atuação:
A disposição legal tem em vista a situação de inferioridade que pode surgir em qualquer demanda para os incapazes. Como estes não podem agir sozinhos em juízo, dependendo sua presença de representação ou assistência de outrem – pais, tutores, curadores –, é possível que a falta de interesse direto e pessoal dessas últimas pessoas no objeto do litígio diminua a eficiência de sua atividade.55
53 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 395-396. 54 Por exemplo: arts. 478, parágrafo único (uniformização de jurisprudência), 480 (declaração de
inconstitucionalidade), 944 (usucapião de terras particulares), 999 (inventário em que há incapaz ou ausente), 1.105 (procedimentos de jurisdição voluntária), 1.122, § 1° (separação consensual), 1.126 (testamento cerrado), 1.131, III (testamento particular), 1.141 (escusa de testamenteiro), 1.144, I (herança jacente), 1.145, § 2° (arrecadação de herança jacente), 1.151 (oposição à arrecadação da herança), 1.169 (sucessão provisória) e 1.172 (coisas vagas).
55 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil, v. 1, p. 281.
44
A tradução processual da hipossuficiência do incapaz é manifestada na possibilidade
de desequilíbrio e comprometimento do contraditório, bem como de violação do princípio da
igualdade das partes, tendo em vista a exigência de tratamento desigual para os desiguais.56
No inciso II do art. 82 são estipulados outros motivos de intervenção ministerial, quais
sejam, nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição,
casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade. Trata-se de atividade
interventiva fundamentada no tipo de direito deduzido em juízo, isto é, em todas as situações
previstas vislumbra-se desde logo e de maneira clarividente a presença do elemento
indisponibilidade, uma vez que, no caso, as leis de ordem pública regulam relações de direito
privado. Percebe-se a nítida preocupação do legislador com as questões ligadas à família,
considerada o primeiro sustentáculo da sociedade organizada.
Observe-se que a expressão “estado da pessoa” envolve, ainda, as ações referentes ao
pátrio poder e à filiação, impondo-se a intervenção ministerial nas ações de investigação de
paternidade, negatória de filiação e similares.
Crítica existe no tocante à previsão da “tutela” no inciso II, uma vez que, por se dar no
tocante ao incapaz por menoridade, está contida no primeiro inciso. Apesar disso, para evitar
possíveis dúvidas, foi explicitada na regra em comento.
A hipótese compreende também as ações com referência à capacidade das pessoas,
como a curatela e a interdição, e aquelas envolvendo a nulidade ou a anulação de casamento,
separação judicial e divórcio.
Outrossim, são abrangidas as discussões relativas à declaração de ausência, já que esta
gera a incapacidade da pessoa assim julgada (art. 5°, IV, do Código Civil de 1916 – atual art.
3°, III, c/c art. 22 do novo Código Civil).
Afinal, a intervenção ministerial é garantida para que não se descumpra a vontade
manifestada em testamento, porquanto, não podendo mais o falecido velar para que seu
interesse seja respeitado, incumbiu-se ao Ministério Público a função de zelar para o
cumprimento das disposições testamentárias.
A propósito do inciso II do art. 82 do Código de Processo Civil, José Frederico
Marques aduz:
56 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
217.
45
[...] Nesse passo, a existência de direitos indisponíveis, ou de interesses de ordem pública, é que levou a lei processual a impor a participação do fiscal da lei, para que, com atuação impessoal, mas dinâmica, ponha em destaque aquilo que realmente vai ao encontro do interesse público, ativando o processo, suprindo a inércia das partes, ou impedindo os efeitos de avenças ocultas em fraude à lei.57
Noutro giro, para completar a relação de causas gerais legitimadoras da intervenção
ministerial do processo civil, impõe-se anotar o inciso III do art. 82 do Código de Processo
Civil. Sem dúvida, como reconhecido pela doutrina, o citado dispositivo trata de tema da mais
alta complexidade sobre a atuação cível do Ministério Público, conforme se verá adiante.
Reza a parte final do inciso em exame que compete à instituição intervir nas “demais
causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.
Sobressai curial o registro de que a origem do texto legal, como constou do Código de
1973, foi gerada a partir de dois momentos: o primeiro, para suprimir a expressa e específica
necessidade de autorização legal para a intervenção do Ministério Público, porque constava
no Projeto de Lei inaugural, enviado pelo Poder Executivo ao Congresso, a fórmula “em
todos demais processos em que há o interesse público, na forma determinada por lei”; e, o
segundo, para incluir o evidenciamento do interesse público pela “natureza da lide ou
qualidade da parte”, o que nesse caso, fruto de emenda do deputado paulista Amaral de
Souza, foi motivado para garantir a intervenção ministerial em todos processos em que
figurassem pessoas jurídicas de direito público, de acordo com a tese apresentada pelo
promotor gaúcho Sérgio da Costa Franco, de que o interesse público é latente pela simples
presença das entidades públicas em um dos pólos da ação.58
Cumpre esclarecer que questões, entre outras, como Qual o interesse público está a
exigir a intervenção do Ministério Público?; Qual a extensão do art. 82, III, do CPC?; A
intervenção do Ministério Público é obrigatória ou facultativa?; A quem incumbe a análise
do interesse público? serão objeto de análise e discussão em tópico próprio no curso deste
estudo. Para o momento, é válido o registro de que grandes dificuldades vêm sendo
encontradas na interpretação da norma comentada, tendo em vista ser a regra deveras abstrata
e o conceito de interesse público profundamente impreciso.
57 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 399. 58 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
220-222.
46
Diversamente das hipóteses dos incisos I e II do art. 82, que tratam de ocorrências bem
caracterizadas da intervenção ministerial, a imprecisão interpretativa do inciso III apresenta
certo gravame, uma vez que, se considerada obrigatória a atuação do Ministério Público em
determinado feito pela presença do interesse público e não for ele intimado, o processo poderá
ser anulado.
Os critérios indicadores do interesse público (natureza da lide e qualidade da parte)
serão elucidados com mais detalhes no desenvolvimento desta pesquisa, especificamente no
capítulo quarto. Não obstante, válida por ora a transcrição de adrede esclarecedora lição de
Alcides de Mendonça Lima:
Exatamente por ser ‘obrigatória’ a intervenção do MP, a ponto de a falta gerar nulidade, o nosso CPC procurou indicar critério mais ou menos objetivo: ‘natureza da lide’ e ‘qualidade da parte’. O primeiro, em último término, traz em seu âmago o próprio ‘interesse público’, pois, ao contrário, não teria justificativa a presença do M.P.; o segundo, sim, é mais facilmente caracterizável.59
A respeito, José Frederico Marques também ressalta:
[...] Evidencia-se o interesse público pela natureza da lide em causas em que a aplicação do direito objetivo não pode ficar circunscrita às questões levantadas pelos litigantes, mas, ao contrário, deve alcançar valores mais relevantes que tenham primado na resolução processual do litígio. É o que sucede no mandado de segurança, na falência, na ação popular, nas lides que, na esfera extraterritorial, põem em foco a própria soberania nacional, ou ainda quando se discute, nas instâncias superiores, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. A qualidade da parte, como índice de interesse público emergente da lide, deve ser aferida tendo-se em vista o órgão ou pessoa que participe do processo como parte. Numa ação relativa a pretensão patrimonial, em que figure a União, o Estado, o Município, ou outra pessoa jurídica de direito público, a qualidade do litigante não é de molde a justificar a intervenção do custos legis. O mesmo não se dá, porém, em litígio em que seja parte, por exemplo, o Presidente da República, como tal, um Estado estrangeiro, ou as Mesas das Câmaras do Congresso Nacional (cf. o art. 1° da Lei n.° 2.664, de 3 de dezembro de 1995, que dispões sobre as ações judiciais decorrentes de atos das Mesas das Câmaras do Congresso Nacional e da Presidência dos Tribunais Federais), e assim por diante, quando então incidirá a norma do art. 82, III, do Código de Processo Civil.60
59 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 74. 60 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 399-400.
47
Lado outro, continuando no exame da intervenção do Ministério Público antes da
Constituição Federal de 1988 e para finalizar esta parte contextual, é importante anotar,
também, que os arts. 83 a 85 completam o título do Código de Processo Civil sobre a
instituição.
Neles é estipulada a oportunidade da intervenção (depois das partes, devendo ser
intimado de todos os atos do processo); seus poderes (juntar documentos e certidões, produzir
prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da
verdade); a ocorrência de nulidade do processo quando, não intimado, a lei considerar
obrigatória a intervenção (art. 84 c/c art. 246, CPC); a responsabilidade civil do órgão
ministerial se, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude. Acrescenta-se a
isso a legitimidade conferida ao Ministério Público para recorrer, sendo parte ou custos legis
(art. 499 e seu § 2°, CPC).
É certo que este trabalho limita-se somente ao enfoque da atuação do Ministério
Público no processo civil, em especial quanto à sua atividade interventiva à luz da
Constituição Federal de 1988, abstraindo-se o exame da instituição como autora, assim como
os aspectos procedimentais consubstanciados nos prazos, intimações, nulidades, etc. Sem
descurar de se referir às implicações e principais questionamentos da intervenção ministerial
no processo civil, os demais problemas relacionados ao Parquet e a seara processual civilista
não interessam a este estudo, por exemplo no que toca ao Ministério Público enquanto agente.
Como visto, até o advento da Constituição Federal de 1988 foi estabelecido, no plano
constitucional, apenas um mínimo de regras básicas referentes ao Ministério Público, cabendo
à legislação infraconstitucional a fixação dos parâmetros e a organização minuciosa da
instituição.
Outrossim, com o advento da Constituição Cidadã, tornou-se necessária a mudança de
enfoque do Ministério Público, tendo em vista que houve patente constitucionalização de seu
regramento administrativo e institucional, com conseqüências práticas para o exercício de sua
função, especialmente no campo da sua atividade interventiva no processo civil, sendo este o
viés deste estudo doravante.
A seguir, é apresentado um estudo minucioso do texto constitucional, mormente do
inaugural art. 127, e, a posteriori, no capítulo quarto, serão avaliadas as implicações daí
decorrentes na intervenção processual civil.
48
3.2 Novo perfil constitucional
A República brasileira, conforme a promulgada Constituição Federal de 5 de outubro
de 1988, foi definida como um Estado Democrático de Direito, fundamentado nos seguintes
princípios: soberania popular exercida por meio de representantes eleitos ou diretamente;
cidadania; dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
pluralismo político (art. 1°, incisos I a V).
Consoante assinalado no art. 3° do texto constitucional, esta República tem como
objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento
nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
É certo que, além das normas de organização do Estado, foram elevados ao patamar
constitucional os direitos relativos à cidadania civil e política, bem como – e aí reside
interessante inovação da Carta Política de 1988 – os direitos que consubstanciam a cidadania
social (educação, saúde, trabalho, proteção à infância, assistência aos desamparados, meio
ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, etc.).
Desse modo, a atual Constituição concebeu uma democracia econômica e social:
estabeleceu garantias e direitos individuais, coletivos, sociais e políticos, definindo uma nova
forma de organização política do Estado e, ainda, forneceu instrumentos para a consecução
dos direitos nela declarados.
A nova sistemática implementada pelo constituinte originário induziu, como não
poderia ser diferente, à alteração de todas as instituições para que pudessem funcionar
consoante o novo modelo político adotado, em especial considerando o evidente objetivo de
democratização do País.
De acordo com as lições de Arthur Pinto Filho,61 o Poder Judiciário, embora
experimentasse modificações, como a criação do Superior Tribunal de Justiça, deixou de ser
alterado profundamente, sendo mantido o funcionamento de seu sistema de modo geral. O
Poder Legislativo reassumiu a sua clássica função organizada para funcionar em Estados
61 PINTO FILHO, Arthur. Constituição, classes sociais e Ministério Público. In: FERRAZ, Antônio Augusto
Mello de Camargo (Coord.). Ministério Público, instituição e processo, p. 67-68.
49
democráticos, sendo inovado no tocante, por exemplo, ao exercício de investigações próprias
das autoridades judiciárias. Já o Poder Executivo, como corolário óbvio do fim do regime
autoritário, foi refreado, extinguindo-se, por exemplo, os decretos-lei e o modo indireto de
escolha do Presidente da República.
Foi o Ministério Público, no entanto, a instituição que sofreu a mais aguda alteração
em sua essência, atribuindo-se-lhe relevante status constitucional. A mudança topográfica e o
perfil traçado ligaram a missão do Parquet diretamente à defesa da sociedade, mesmo que o
interesse desta colida com o do Estado.
Nas palavras de Emerson Garcia, o Ministério Público é visto como “instituição
social, voltada, primordialmente, para a salvaguarda dos ideais democráticos e da sociedade
como um todo, muitas vezes protegendo-a dos próprios poderes constituídos”.62
A compreensão do papel reservado ao Ministério Público na Constituição Federal de
1988 passa pelo exame da sua legitimidade.
Arthur Pinto Filho discute a questão da legitimidade do Poder Constituinte e da
Constituição, observando que para haver legitimidade e eficácia do texto constitucional este
deve expressar a “medida e os limites em que a dominação de classe e suas correlações é
considerada estável e suportável pelas demais classes”.63
Ocorre que, segundo Habermas, a legitimidade “é uma exigência de validade
contestável” e, como tal, é perfeitamente questionável a todo o momento, tornando-se um
“problema permanente”.64
Voltando à lição de Arthur Pinto Filho, verifica-se que uma das causas da perda de
legitimidade (deslegitimação) ocorre quando não são praticados os direitos e garantias
inseridos na Constituição, em especial na parte que toca às classes dominadas. Outrossim,
explica que a estabilidade do próprio sistema democrático depende da manutenção da
legitimidade e da eficácia das leis, sendo necessário que uma instituição pudesse contribuir
decisivamente para tal desiderato.
62 PINTO FILHO, Arthur. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 7. 63 Constituição, classes sociais e Ministério Público. In: FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo
(Coord.). Ministério Público, instituição e processo, p. 78. 64 HABERMAS, Jurgen. Para a reconstrução do materialismo histórico, p. 220.
50
Nessa esteira, válido transcrever:
A questão, então, para o Constituinte residia em definir uma instituição que teria a missão fundamental de, ao defender a ordem democrática, fazer valer a Constituição em sua inteireza. É certo que o Constituinte escolheu o Ministério Público para exercer a relevantíssima missão, pois era uma instituição enraizada em todas as Comarcas, com aparelhamento técnico bastante bom, com conhecimentos específicos, que, com base no novo modelo, não poderia ter qualquer vinculação com os poderes públicos.65
Com essas premissas e considerando a trajetória historicamente traçada pelo
Ministério Público, não se torna difícil compreender que tenha nele o constituinte reconhecido
um dos acessos de que a sociedade poderia dispor para o alcance do objetivo de construção de
uma democracia econômica e social.
Pela primeira vez na história constitucional do Brasil houve tamanho disciplinamento
orgânico do Parquet, sendo explicitadas as principais regras referentes à sua autonomia,
funções, garantias, vedações e conceituação.
A autonomia e a independência da instituição em face dos órgãos de exercício do
poder do Estado foram garantidas pela nova ordem constitucional, sendo certo que o
Ministério Público brasileiro, constitucionalmente, abrange os Ministérios Públicos dos
Estados e o Ministério Público da União, este último composto pelos Ministérios Públicos
Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios.
Aduzindo sobre o Ministério Público brasileiro e a nova ótica constitucional, Nagib
Slaibi Filho informa ter a instituição se desenvolvido com base numa associação entre os
modelos norte-americano e europeu:
O Ministério Público brasileiro, com a moldura e a consistência que lhe foi dada pela Constituição de 1988, bem representa a contradição decorrente de tais influências, pois: (a) dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder Judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo de determinadas atividades ligadas ao Poder Executivo, o resquício de poder participar da política partidária, ainda que em hipóteses restritas previstas em lei, a postura independente que aqui somente se subordina à consciência jurídica de seu membro, como aliás, está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa (art. 127); (b) da Europa continental, herdou a simetria da carreira com a magistratura, inclusive as prerrogativas
65 PINTO FILHO, Arthur. Constituição, classes sociais e Ministério Público. In: FERRAZ, Antônio Augusto
Mello de Camargo (Coord.). Ministério Público, instituição e processo, p. 84.
51
similares, o direito de assento ao lado dos juízes, as vestes próprias e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado fosse, embora devesse ter o ardor do advogado no patrocínio da causa.66
Algumas das funções desempenhadas, como a legitimação privativa para a ação penal
pública, que encontravam respaldo em normas infraconstitucionais, foram alçadas ao patamar
da Lei Maior. Outras foram ampliadas, como no caso da tutela genérica para a defesa dos
interesses difusos e coletivos. Inovações também existiram, a exemplo do papel de zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados na Constituição, bem assim quanto à defesa dos interesses dos povos indígenas e
ao controle externo da atividade policial.
A nova gama de atribuições constitucionais veio acompanhada da indicação dos meios
e instrumentos necessários para dar efetividade ao desempenho das funções.
O Ministério Público foi conceituado como instituição permanente, essencial à
prestação jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, dos interesses
sociais e individuais indisponíveis e do próprio regime democrático.
A propósito, urge anotar o seguinte texto da lavra de Antônio Alberto Machado:
Com efeito, o atual desenho constitucional da instituição, encarregada pelo legislador constituinte de 1988 de defender a ‘ordem jurídica’, o ‘regime democrático’ e os ‘interesses sociais e individuais indisponíveis’ (art. 127 da CF de 1988), não deixa nenhuma margem a dúvida quanto ao deslocamento operado pelo Ministério Público, dentro da organização política do Estado brasileiro, no sentido de desvincular-se do aparato repressivo oficial para caminhar na direção da sociedade civil, colocando-se no seio desta última como seu defensor e representante.67
Destarte, doravante, sobre cada elemento dessa conceituação é que se concentrará o
enfoque, com o escopo de revelar qual deva ser o direcionamento da atuação do Ministério
Público para dar azo aos postulados do art. 127, caput, da Carta Política de 1988.
66 SLAIBI FILHO, Nagib. Ação declaratória de constitucionalidade, p. 152. 67 MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público, democracia e ensino jurídico, p. 144.
52
3.2.1 Natureza institucional
Fazendo alusão ao sistema das práticas sociais e não apenas encampando uma noção
estritamente jurídica, John Rawls assim define o que é instituição:
Por instituição entendo um sistema público de regras que define cargos e posições com seus direitos e deveres, poderes e imunidades etc. Essas regras especificam certas formas de ação como permissíveis, outras como proibidas; criam também certas penalidades e defesas, e assim por diante, quando ocorrem violações. Como exemplo de instituições, ou falando de forma mais geral, de práticas sociais, posso pensar em jogos e rituais, julgamentos e parlamentos, mercados e sistemas de propriedade.68
Possível extrair daí que, embora se reconheça tratar-se de controverso tema, o conceito
de instituição liga-se a todos os modos de organização de determinada coletividade, ainda que
objetiva e formalmente não imposta uma regulação por um poder constituído (moral;
costumes, etc.).
Por sua vez, Antônio Cláudio da Costa Machado, discorrendo sobre a complexidade
de entendimento do fenômeno instituição nas mais diversas áreas das ciências humanas,
conclui:
Em suma, de acordo com o pensamento que tem prevalecido na doutrina hodierna, entende-se que instituição seja toda a organização nascida espontaneamente no seio da sociedade que, independentemente de regulamentação positiva, é reconhecida como ente jurídico ante a força intrínseca de sua destinação e pela sua permanência no espaço e tempo.69
Referida fórmula, sem dúvida, aplica-se ao Ministério Público, que se constitui em
típica organização pública, com história e desenvolvimento próprios, conforme cada sistema a
que pertença, e admitida como defensora dos valores sociais mais importantes.
O autor acima, manifestando-se a respeito, aduz que o “Parquet é, portanto, este ser
jurídico permanente, uma vez que extrapola o indivíduo no tempo e no espaço, e que possui
68 RAWLS, John. Uma teoria da justiça, p. 58. 69 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
23-24.
53
vida e disciplina próprias, forças e qualidades particulares e uma vocação especial de bem
servir a própria sociedade que o criou”.70
Finalizando este tópico, mister se faz o registro de que, consoante Emerson Garcia, a
natureza jurídica da instituição ministerial “ocupa posição intermédia entre as teorias do órgão
e da pessoa jurídica”, uma vez que não seria mero plexo de atribuições e a ela não se atribui
personalidade jurídica, sendo mais correto atribuir-se-lhe a natureza de “órgão sui generis
como de instituição constitucional”.71
Tal conclusão, é bom frisar, partiu da premissa de que o Ministério Público, apesar dos
caracteres intrínsecos a um poder, não é considerado como tal segundo a doutrina tradicional
e mesmo segundo precedente do Supremo Tribunal Federal, apesar das argumentações
teóricas mencionadas no segundo capítulo desta dissertação.
3.2.2 Ministério Público como instituição permanente
Fixado o Ministério Público, ontologicamente, como instituição, cumpre a análise do
segundo elemento de sua conceituação, qual seja, da previsão constitucional de sua
estabilidade ou continuidade na sistemática jurídica adotada.
Conforme observa Hugo Nigro Mazzilli, tal adjetivação institucional já constava do
art. 1° da Lei Complementar n. 40, de 1981, sendo reveladora, a uma, da premissa de ser a
instituição um dos órgãos pelos quais o Estado exprime sua soberania e, a duas, da intenção
do constituinte originário em impedir pudesse a Constituição ser suprimida ou deformada no
que diz respeito à instituição ministerial.72
O caráter permanente afirmado pelo texto constitucional induz à limitação de reforma
constitucional tendente a abolir a existência do Ministério Público, tendo em vista que o
inciso IV do § 4° do art. 60 da Constituição Federal impede a deliberação de proposta de
emenda sobre a matéria concernente aos direitos e garantias individuais, eis que a preservação
e defesa destes estão associados à própria conservação da atividade finalística do Parquet.
70 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
25. 71 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 44-47. 72 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Juridico do Ministério Público, p. 142.
54
Esse, aliás, o posicionamento de Emerson Garcia:
[...] o fato de o Constituinte originário ter considerado o Ministério Público uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado traz reflexos outros, limitando, igualmente, o próprio poder de reforma da Constituição. Com efeito, partindo-se da própria natureza da atividade desenvolvida pelo Ministério Público, toda ela voltada ao bem-estar da coletividade, protegendo-a, em especial, contra os próprios poderes constituídos, a sua existência pode ser considerada com ínsita no rol dos direitos e garantias individuais, sendo vedada a apresentação de qualquer proposta de emenda tendente a aboli-la (art. 60, § 4°, IV, CR/1988).73
Reforçando esse sentido, é tão importante essa característica que a Constituição
Federal considera crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos
atentatórios ao livre exercício do Ministério Público (art. 85, II).
Visando à defesa do Estado Democrático de Direito, bem como o pleno e
independente exercício de suas funções, foram conferidas pelo legislador constituinte as
garantias e prerrogativas dos membros do Ministério Público. Nesse aspecto é que se pode
falar da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (art. 128, § 5°, CF).
A própria instituição também foi contemplada com interessantes garantias
relacionadas à sua independência e preservação, quais sejam, a autonomia funcional e a
autonomia administrativa e financeira (art. 127, §§ 1° e 2°).
A primeira significa que os membros do Ministério Público submetem-se apenas aos
limites determinados pela Constituição, pelas leis e pela sua própria consciência no
cumprimento dos seus deveres funcionais, não se subordinando a nenhum outro poder.
A segunda permite a prática de atos de autogestão, como proposta ao legislativo de
criação e extinção de seus cargos, provendo-os mediante concurso público, da política
remuneratória, de sua organização, funcionamento, elaboração da proposta orçamentária e
aplicação dos recursos destinados conforme as respectivas atividades institucionais.74
Sem embargo de a característica conceitual da permanência da instituição constituir
garantia de sua própria existência e continuidade no sistema constitucional adotado, entende-
se também que, por outro lado, incumbe-lhe a contínua e ininterrupta responsabilidade de
defesa impessoal da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, principalmente perante o Poder Judiciário.
73 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 47. 74 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 525-256.
55
3.2.3 Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado
O terceiro elemento da conceituação do Ministério Público segundo a Carta Política de
1988 diz respeito à essencialidade da instituição à função jurisdicional do Estado.
Como asseverado nos tópicos anteriores, tal característica não induz à conclusão de
que o Parquet deva estar inserido no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. Trata-se de
instituições distintas, cada qual com a incumbência de bem desempenhar o seu papel,
conforme características que lhes são próprias.
Aliás, é pacífico na doutrina atual que a atuação ministerial tem natureza jurídica
administrativa. A incumbência de promoção das funções institucionais estatuídas nos arts. 127
e 129 da Constituição Federal, como ajuizar uma ação civil pública ou intervir como custos
legis, evidentemente não são atividades legislativas e muito menos jurisdicionais. Em outras
palavras, fiscalizar a observância das leis não significa a típica atividade de elaborá-las, e
oficiar perante o Judiciário não se confunde com prestar jurisdição.
Sobre o assunto, assim se pronunciou Celso Ribeiro Bastos:
Constata-se, pois, que o Ministério Público cumpre função administrativa até mesmo pelo caráter residual, o que significa dizer que as suas funções não são, seguramente, nem legislativas nem jurisdicionais, embora possa ser tido como instituição que cumpre função essencial à justiça, como diz a epígrafe do Capítulo IV.75
O caráter da essencialidade da jurisdição é verificado para os fins de privativo
desempenho das atividades outorgadas pelo constituinte originário e legislador
infraconstitucional sempre para a salvaguarda dos interesses sociais e a consecução do ideal
de justiça, o “que exige seja dispensada ao preceito uma interpretação em harmonia com o
lógico e o razoável, pois, em inúmeros casos, a atuação do Ministério Público será
dispensável ao exercício da função jurisdicional”.76
Examinando de forma percuciente o art. 127 da Constituição Federal, Hugo Nigro
Mazzilli critica-o e apresenta dupla contradição quanto a fato de ser o Ministério Público
“essencial à função jurisdicional do Estado”. Segundo citado autor o dispositivo “diz menos
75 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, v. 4, p. 5. 76 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 48.
56
que deveria”, porquanto há inúmeras outras funções desempenhadas pelo Parquet
independentemente do aparato judiciário, e ao mesmo tempo “diz mais que deveria”, uma vez
que o Ministério Público não labora em todos os feitos sujeitos à prestação jurisdicional.77
Sobre o primeiro enfoque do aludido paradoxo, é certo que foram cometidas várias
atividades extrajudiciais ao Ministério Público, como a direção do inquérito civil público, a
resolução de um conflito de interesses mediante o termo de ajustamento de conduta, a
fiscalização de prisões, fundações e de procedimentos de habilitação de casamento, a
incumbência de atendimento ao público, entre outras.
Quanto ao segundo aspecto, também é inegável que, de acordo com a nova sistemática
constitucional, a instituição, em geral, deve atuar ou intervir em juízo somente quando o
interesse em foco for indisponível ou de caráter social, transindividual, relativamente à
qualidade da parte ou à natureza da lide.
Outrossim, não se poderia conceber, sob pena de violação ao princípio constitucional
do livre acesso à justiça, que o exercício da função jurisdicional do Estado fosse condicionada
à provocação ou participação do Ministério Público.
A verdade é que a Constituição Federal abriu um grande leque de possibilidades à
instituição ministerial. Como o Judiciário é um poder inerte (art. 2° do CPC), dependendo não
apenas de si para atuar, a questão relativa à sua provocação ostenta grande importância.
No momento, não é cabível, neste tópico, a discussão aprofundada de qual seria a ratio
essendi da intervenção do Ministério Público no processo judicial, em especial no âmbito
civil, o que será destrinchado no quarto capítulo deste trabalho.
Por ora, basta mencionar que, apesar de, em sentido lato, poder ser identificado o
interesse público em todas as causas propostas em juízo, uma vez que o Ministério Público é
essencial à função jurisdicional do Estado e sempre haverá interesse público em se ter uma
decisão justa, com respeito aos princípios norteadores do processo, como contraditório,
igualdade, legalidade, devido processo legal, ampla defesa entre outros, é certo que, no caso
do processo civil, a intervenção dos agentes ministeriais não se deve dar em todas as causas
de forma absoluta.
Válido transcrever o seguinte esclarecimento de Antônio Cláudio Machado da Costa:
Ora, tudo isto mostra que realmente a função do Ministério Público, apesar de instrumental, é essencial ao exercício da jurisdição, já que representa o
77 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 142.
57
meio de que vale a lei processual para aprimorar e legitimar a atuação dos direitos indisponíveis. O Judiciário, com sua atividade, tem por escopo atuar o direito; o parquet legitimar esta atuação na hipótese de direitos indisponíveis. [...] toda vez que a lide ou litígio (fenômeno que se verifica no mundo material e, por isso, extraprocessual) se formar em torno de tais interesses, o Ministério Público se legitimará a agir ou intervir em processo formado inter alios, mas sempre na dependência de previsão legal expressa. Ausente a qualidade jurídica de indisponibilidade a envolver o interesse, a jurisdição só funcionará por provocação do interessado e, provocada, só alcançará seu escopo contando com a força da sua própria atividade, sem a participação do parquet (examine-se o disposto no inc. IX do art. 129 da Constituição Federal).78
A única exceção ocorre apenas com a atuação do Procurador-Geral da República em
todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal, por força do art. 103, § 1°,
da Constituição Federal.
Contudo, dúvida não pode pairar sobre o fato de que o preceito em comento não deve
levar a uma supervalorização da atividade do Parquet em relação ao Poder Judiciário e a tão
importante função que este desempenha.
3.2.4 Ministério Público como defensor da ordem jurídica
A defesa da ordem jurídica é mencionada na Constituição Federal de 1988 como um
dos objetivos que devem ser perseguidos pela atuação ministerial. Entretanto, isso não quer
dizer que se incumbe à instituição verificar o cumprimento de todas as normas vigentes no
País, mas, sim, zelar pelo cumprimento daquelas inseridas no âmbito de suas finalidades
gerais.
Veja-se o que diz Hugo Nigro Mazzilli:
Há muito consagrado como instituição fiscal da lei, a destinação constitucional do Ministério Público deve ser compreendida à luz dos demais dispositivos da Lei Maior que disciplinam sua atividade, e, em
78 COSTA, Antônio Cláudio Machado da. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
75-76.
58
especial, à luz de sua finalidade de zelar pelos interesses sociais, pelos interesses individuais indisponíveis e pelo bem geral.79
Conforme o mandamento do caput do art. 127 da Carta Política em vigor, a nova
definição do Ministério Público o revela como instrumento de preservação de uma legalidade
qualificada como eminentemente democrática. O Parquet, assim, deixa de ser o fiscal de toda
e qualquer lei para converter-se em guardião do ordenamento jurídico. Não se trata de
fiscalizar a lei pela lei ou de mero e inútil exercício de legalismo.
Importante, assim, perquerir, criticamente, sobre o conteúdo da norma jurídica,
verificando os valores intrínsecos que a compõe. A estrita formalidade da regra legal é muitas
vezes dissociada dos ideais e conceitos de valor que, em verdade, informam sua escorreita
aplicação.
Nesse passo, na defesa dos interesses primaciais da sociedade, o Ministério Público
avoca, doravante, o papel de guardião da sociedade (custos societatis) e, de maneira essencial,
do próprio direito (custos juris), arredando-se da simples missão de guardião da lei (custos
legis).
Com propriedade, válido colacionar a seguinte lição de Antônio Alberto Machado:
Toda essa nova instrumentalização do Ministério Público, que o aparelhou para atuar, predominantemente, nos conflitos que depassam a esfera interindividual, parece tê-lo constituído mesmo naquilo que Cláudio Souto chamou de custos juris ou custos societatis, em substituição ao antigo custos legis. Com efeito, o professor da Universidade Federal de Pernambuco, percebendo o avanço institucional do Parquet para além das fronteiras do mero fiscalizador da lei, afirma que atualmente ‘a perspectiva sobre o Ministério Público se amplia em direção ao social’, concluindo que essa instituição deve ser vista, fundamentalmente, não apenas como guardiã da lei, mas, isto sim, como guardiã do direito, qual verdadeiro custos juris.80
O dever de defender a ordem jurídica implica também a aferição dos atos praticados
pelos órgãos do Estado, admitindo-se, nesse caso, a adoção das medidas necessárias para
coibir os abusos e as ilegalidades, sempre norteando a respectiva atividade na manutenção dos
objetivos e limites da Constituição e do Direito. Este último, por óbvio, trazendo uma noção
bem mais ampla do que da lei.
79 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Juridico do Ministério Público, p. 147-148. 80 MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público, democracia e ensino jurídico, p. 147.
59
Ressalte-se que o inciso IX do art. 129 da Constituição Federal vedou ao Ministério
Público a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas, admitindo
outras funções conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade. Para a defesa dos
interesses do Estado foi criada a Advocacia-Geral da União e órgãos correlatos nas demais
unidades da Federação (art. 131 e ss. da Constituição Federal), o que afasta qualquer
interpretação para associar o Parquet à satisfação dos entes públicos.
A análise da noção de ordem jurídica deve levar em conta sempre quais sejam os
interesses a serem tutelados, o que, no caso no Ministério Público, limita-se aos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
Emerson Garcia ensina:
[...] Fosse assim, a enunciação de qualquer outra atribuição seria claramente redundante, pois o designativo ordem jurídica abarcaria a todas. Ante a natureza dos demais interesses tutelados pelas referidas normas (regime democrático e interesses sociais e individuais indisponíveis), e tendo em vista a própria ratio da atividade finalística desenvolvida pelo Ministério Público (art. 129, da CR/1988), toda ela voltada à satisfação do interesse da sociedade, entendemos que à instituição não cumpre a defesa, ampla e irrestrita, da ordem jurídica, mas, sim, da parcela que aglutine os interesses tutelados pelas denominadas normas de ordem pública, que abarcam, além dos interesses sociais, os individuais, ainda que disponíveis, que gerem reflexos relevantes e imediatos na própria coletividade (v. g.: as hipóteses contempladas no art. 82, I e II, do CPC).81
Fixado o parâmetro de que à instituição não incumbe atuar em qualquer causa a
pretexto de estar defendendo a ordem jurídica, é necessário o exame dos demais componentes
de seu conceito constitucional para que dúvida não paire a esse respeito.
3.2.5 Ministério Público como defensor do regime democrático
O regime político brasileiro fundamenta-se no princípio democrático, conforme o
preâmbulo e o art. 1° da Constituição Federal claramente enunciam. O regime democrático
81 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 51.
60
contrapõe-se ao autocrático e organiza-se de acordo com a soberania do povo, guardando
estreita relação e respeito aos direitos fundamentais, de maneira a fomentar sua realização.
O constitucionalista José Afonso da Silva explica:
[...] Assim, em verdade, o conceito de regime político configura a estrutura global da realidade política com todo o seu complexo institucional e ideológico, como quer Jorge Xifras: conceito amplo que se baseia numa semelhança de ideologia e de instituições, envolvendo sistemas de governo (presidencialismo, parlamentarismo etc.) e até forma de Estado (unitário e federal) e de governo (república, monarquia), mostrando a síntese integradora das instituições, das forças e das idéias que operam numa sociedade. Segundo Xifras, a atual situação dos regimes políticos resume-se na dicotomia autocracia-democracia: diante dos regimes autocráticos, estruturados de cima para baixo (soberania do governante; princípio do chefe), existem os regimes democráticos, organizados de baixo para cima (soberania do povo). E aí já se percebe a relação entre regime político e direitos humanos fundamentais. Regimes há que lhes são garantias – os democráticos – instrumentos de sua realização no plano prático; outros – os autocráticos – ao contrário, lhes recusam guarida, tolhem-lhes a realização.82
A democracia (demos = povo e kratos = poder, força) é fulcrada em dois princípios
básicos, quais sejam, o da soberania popular, expressa pela regra de que “todo poder emana
do povo”, e o da participação do povo no poder, por meio de mandatários escolhidos de forma
direta ou indireta (parágrafo único do art. 1°, CF). Nesse regime, a maioria constitui-se em
técnica para a tomada de decisões do governo no interesse geral. A liberdade e a igualdade
são valores democráticos, não princípios, “no sentido de que a democracia constitui
instrumento de sua realização no plano prático”.83
Vale destacar que, no caso, a igualdade é material, e não formal. Destarte, “se a
igualdade é a essência da democracia, deve ser uma igualdade substancial, realizada, não só
formalmente no campo jurídico, porém estendendo a sua amplitude às demais dimensões da
vida sócio-cultural, inclusive na zona vital da economia”.84
É importante firmar a noção de que “a democracia é um processo de convivência
social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo
e em proveito do povo” ou, em outras palavras, “é governo do povo, pelo povo e para o
povo”,85 embora se reconheçam as diversas acepções empregadas em seu significado,
82 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 128-129. 83 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 135-136. 84 FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno, v. 2, p. 181. 85 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 130.
61
O tratamento democrático levado a efeito pelo Estado Liberal e o Estado Social no que
tange à igualdade e à liberdade é distinto. No primeiro, a igualdade é mitigada em prol da
liberdade, enquanto no segundo a protetiva intervenção pública na ordem social e econômica
avança no sentido da igualdade.
Tal constatação é curial no exame do regime democrático brasileiro, uma vez que se
trata de um Estado Social, sede em que as normas constitucionais relativas aos direitos
fundamentais de primeira (individuais), de segunda (sociais) e de terceira geração (meio
ambiente, desenvolvimento sustentável, etc.), pilares da almejada transformação da realidade
socioeconômica, devem ser efetivadas no intuito de garantir a própria ordem constitucional.
O Estado Democrático brasileiro, com fundamento nos incisos do art. 1° da
Constituição Federal, destina-se a garantir o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos da coletividade.
Marcelo Pedroso Goulart ensina:
[...] O regime democrático que funda constitucionalmente a República brasileira não se limita aos aspectos políticos, à técnica de escolha de governantes, à definição das formas de expressão da soberania popular. Mais do que isso, a democracia brasileira apresenta-se como um projeto que, a partir do desenvolvimento econômico, visa erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, para transformar a República brasileira numa sociedade livre, justa e solidária, promotora do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3°, incisos I a IV).86
Dessa composição, exsurge o Ministério Público como órgão estatal incumbido da
concreção das normas e direitos fundamentais relativos aos objetivos constitucionais,
mormente no que diz respeito à busca da justiça social e sempre na promoção do elo entre a
sociedade e o Estado. Para tal desiderato foram-lhe conferidos os devidos instrumentos,
desvinculando-o dos tradicionais poderes para atuar com independência e autonomia.
Em estudo realizado a respeito, Glauber S. Tatagiba do Carmo explica o seguinte
sobre a expressão defesa do regime democrático mencionado no art. 127 da Constituição
Federal:
86 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 101.
62
[...] é na verdade, o regime democrático constitucional, ou seja, aquele regime em que o governo, exercido pela maioria provisória (Legislativo e Executivo), está limitado e vinculado pela vontade da Constituição. O legislador constituinte originário moldou o Ministério Público e muniu-o de instrumentos que o auxiliam na manutenção da vontade do constituinte, impedindo que a vontade de eventuais maiorias governantes (provisórias) preponderem sobre a vontade constitucional.87
Corroborando, Werner Maihofer formula a democracia constitucional como un
gobierno mayoritario limitado, pero también vinculado por princípios constitucionales de
garantia de los Derechos fundamentales, protección de las minorias, división de poderes y
vinculación jurídica de todo poder estatal.88
Prudente reconhecer que o Ministério Público não é uma instituição existente somente
em uma democracia. Uma leitura desavisada do art. 127 da Carta Magna poderia levar à
conclusão de que há uma relação indispensável entre o Parquet e o mencionado regime
político. Noutro giro, é perfeitamente compatível a figura ministerial conviver em um governo
totalitário, por óbvio, de maneira resignada aos desígnios dos governantes e utilizada sempre
como instrumento de opressão. A recente história brasileira traz exemplo disso, conforme
verificado no capítulo segundo deste estudo, sendo a instituição, nesse caso, uma ferramenta a
serviço da exceção, não da coletividade.
Todavia, é no meio democrático que o Ministério Público verdadeiramente atinge sua
finalidade última de defensor da sociedade. Isso porque a garantia do respeito à liberdade e
aos reais valores coletivos somente pode ser alcançada no contexto em que o papel da
instituição não se curva ou se submete a nenhum interesse escuso e arbitrário, às vezes ligado
apenas aos desejos dos governantes ou do governo. Ademais, não interessa ao poder
autoritário a existência de um órgão livre que possa adotar medidas até mesmo em desfavor
de seus dirigentes.
De outro lado, a democracia a ser perseguida não implica na defesa de toda a
legalidade. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli para a “verdadeira democracia, deve-se
considerar que nem toda legalidade deve ser tutelada, e sim só a legalidade democrática, ou
87 CARMO, Glauber S. Tatagiba do. Legitimidade da atuação preventiva do Ministério Público na fiscalização
da aplicação de recursos financeiros nas áreas da educação e saúde. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, p. 516.
88 MAIHOFER, Werner et al. Manual de derecho constitucional, p. 238.
63
seja, deve-se lutar contra a lei formalmente correta, mas que exprima qualquer forma de
despotismo, ainda que se trate de despotismo da maioria contra a minoria”.89
Mesmo se considerada meramente programática a norma constitucional que atribui ao
Ministério Público a defesa do regime democrático, não é desprovida de eficácia. Vejam-se os
efeitos de tais normas, conforme Jorge Miranda:
[...] a) fazem cessar de imediato a vigência de normas anteriores que disponham de forma diferente; b) proíbem de imediato a emissão de normas legais contrárias; c) proíbem a prática de atos contrários a seus preceitos; d) fixam diretrizes para o legislador, provocando inconstitucionalidades por omissão ou por ação, em caso de afastar-se desses critérios; e) são eficazes dentro do sistema, integrando a força interpretativa do ordenamento.90
O Parquet, é portanto, uma instituição a serviço da defesa do regime democrático. Isso
não quer dizer que poderá o membro do Ministério Público, ao seu talante e em abstrato,
escolher quais leis pretende fazer cumprir ou que considera melhor para o exercício da
democracia. Incumbe-lhe avaliar, caso a caso, se ocorre violação a alguma norma
constitucional, mediante a ação penal e civil pública, inquérito civil, sempre guiado nos
interesses sociais, difusos e individuais indisponíveis.
Por exemplo, deve fiscalizar todo processo eleitoral; promover, sob a forma difusa e
concentrada, a ação de inconstitucionalidade que viole princípio constitucional; adotar as
medidas necessárias a garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados na Constituição; realizar o controle externo da atividade
policial à luz dos valores democráticos.
Antônio Alberto Machado aduz:
De modo que, aquela afirmada transição do Ministério Público em direção à sociedade civil, e o seu relacionamento com esses novos movimentos, emprestam a essa instituição uma configuração constitucional politicamente avançada e permite já pelo menos quatro ordens de consideração: a) a instituição deixa de integrar exclusivamente o aparelho burocrático-repressivo do Estado para atuar como órgão da sociedade civil; b) esse deslocamento reclama uma articulação orgânica com as demais entidades e movimentos sociais que compõem a sociedade civil; c) tal articulação exige uma atuação ministerial com conteúdo claramente político e implica, por
89 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Juridico do Ministério Público, p. 151. 90 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, v. 2, p. 220, apud MAZZILLI, Hugo Nigro. Ministério
Público e a defesa do regime democrático. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes; MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ministério Público II: democracia, p. 94.
64
assim dizer, numa repolitização da instituição; d) o Ministério Público, na execução de suas funções institucionais, deve atuar na perspectiva dos interesses populares para defender e aprofundar a democracia.91
Como visto, a atuação do Ministério Público tem como paradigma o projeto
democrático prescrito pela Constituição Federal, devendo orientar-se nos princípios e nos
escopos fundamentais da República brasileira, com o explícito enfrentamento das
desigualdades sociais e fiscalização do cumprimento das liberdades públicas, o que irá
evidenciar os interesses a que estiver adstrito, a seguir mencionados.
3.2.6 Ministério Público como defensor dos interesses sociais
Conforme explicado nos itens anteriores, constitui incumbência constitucional do
Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis. Para o entendimento da parte final do dispositivo é imprescindível
breve digressão sobre o Estado Social e o Estado Democrático de Direito.
A neutralidade e o individualismo marcantes do Estado Liberal produziram profundas
desigualdades sociais. Tal constatação deu azo à criação do Estado Social, com o ideário de,
alheando-se do formalismo abstencionista, alcançar o estágio de um Estado material de
direito, consciente da necessidade de realização da justiça social, com instrumentos de
atuação concreta. O objetivo é garantir, como direito do cidadão, e não benevolência, o
mínimo de renda, alimentação, saúde, educação e moradia.
A afirmação dos chamados direitos sociais e a realização do bem-estar social geral que
garanta o desenvolvimento da pessoa humana consubstanciaram o denominado Welfare State.
No entanto, conforme José Afonso da Silva, o Estado Social de Direito pode não ser
caracterizado como um Estado Democrático e, mais, não foi ele capaz de garantir a pretensa
justiça social nem a autêntica participação democrática do povo no processo político.92
Exemplo disso ocorreu com a Alemanha nazista e com a Itália fascista.
De toda sorte, é importante não descurar que o Estado Social foi o responsável pela
dimensão constitucionalizada dos direitos sociais. Também é certo que o Estado Democrático
de Direito revelou-se como uma evolução e, ao mesmo tempo, um rompimento com aquele,
91 MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público, democracia e ensino jurídico, p. 146-147. 92 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 119-122.
65
uma vez que fundamentado nos valores sociais democráticos de alcance da justiça social
legítima e material.
A respeito, Gregório Assagra de Almeida escreve:
Observa-se que foi no Estado Social ou do bem-estar que verdadeiramente eclodiu a conflituosidade social decorrente das novas exigências da sociedade de massas, o que tornou premente a regulação e a proteção dos interesses transindividuais (difusos e coletivos). Com efeito, o Estado, que passara a ter um vasto campo de atuação, teve que se preocupar também com o meio ambiente, com o consumidor, com as crianças e os adolescentes, com o idoso, e, inclusive, com os problemas de ordem econômica, até mais complexos, dada a mundialização da economia.93
Os direitos sociais são todos aqueles que intentam igualar as condições sociais
desiguais, de maneira a possibilitar a melhoria da qualidade de vida. O art. 6° da Constituição
Federal prescreve como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma da Constituição. Além disso, tem-se o direito social relativo à cultura, à família, à
criança, ao adolescente, ao idoso, bem assim ao meio ambiente (arts. 193 e seguintes da CF).
José Afonso da Silva assim conceitua os direitos sociais:
Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilita com melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam as condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.94
Voltando ao Ministério Público e aos objetivos aludidos no caput do art. 127 da
Constituição Federal, que segundo Hugo Nigro Mazzilli podem ser resumidos no desvelo pelo
interesse público,95 a pretensão nesse momento é fixar a legitimidade conferida à instituição
no sentido mais amplo possível, deixando para o próximo capítulo o enfoque processual civil
e o respectivo aspecto limitador da intervenção do Parquet.
93 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual,
p. 53. 94 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 289-290. 95 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 143.
66
Com efeito, tratando-se os interesses sociais de gênero, não se poderia deixar de
consignar neste tópico sua diferenciação com os interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos.
Eventual dúvida quanto à compreensão das distinções entre direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos restou sanada a partir do momento em que tais figuras jurídicas da
tutela coletiva foram definidas pelo legislador, mormente com a edição da Lei n. 8.078/90,
mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor.
O parágrafo único do art. 81 da referida lei prescreveu, nos três incisos que o
compõem, o significado dos interesses ou direitos difusos, dos interesses ou direitos coletivos;
e dos interesses ou direitos individuais homogêneos.
Cumpre ressalvar que interesses e direitos são tratados como sinônimos, uma vez que
os direitos são os interesses resguardados pelo ordenamento jurídico.
Consoante Kazuo Watanabe:
[...] a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles. [...] Com o tempo, a distinção doutrinária entre ‘interesses simples’ e ‘interesses legítimos’ permitiu um pequeno avanço, com a outorga de tutela jurídica a estes últimos. Hoje, com a concepção mais larga do direito subjetivo, abrangente também do que outrora se tinha como mero ‘interesse’ na ótica individualista então predominante, ampliou-se o espetro de tutela jurídica e jurisdicional. Agora, é a própria Constituição Federal que, seguindo a evolução da doutrina e da jurisprudência, uso dos termos ‘interesses’ (art. 5°, LXX, b), ‘direitos e interesses coletivos’ (art. 129, n. III), como categorias amparadas pelo direito. Essa evolução é reforçada, no plano doutrinário, pela tendência hoje bastante acentuada de se interpretar as disposições constitucionais, na medida do possível, como atributivas de direitos, e não como meras metas programáticas ou enunciações de princípios. 96
Os interesses ou direitos difusos são aqueles transindividuais, de natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Trata-se,
no aspecto subjetivo, de indeterminação dos titulares e da inexistência de relação jurídica-base
entre eles, e, no aspecto objetivo, da indivisibilidade do bem jurídico, uma vez que uma única
96 WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
623.
67
lesão é suficiente para afetar a todos. Exemplo clássico ocorre com a provocação de um dano
ambiental por determinada empresa degradadora, situação que afeta toda a sociedade,
independentemente de qualquer vinculação base entre os indivíduos, sendo impossível
calcular em que medida cada um teve o meio ambiente desequilibrado.
Vittorio Scialoja, em análise da doutrina processual romana, já se referiu ao termo
difuso no século passado como “direitos públicos, que chamávamos difusos, que não se
concentram no povo considerado como entidade, mas que têm por seu próprio titular
realmente cada um dos participantes da comunidade”.97
Noutro giro, os interesses ou direitos coletivos são conceituados como transindividuais
de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si
ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base, sendo esta preexistente a lesão ou
ameaça de lesão. A diferença com os interesses ou direitos difusos está na determinabilidade
dos titulares, manifestada ora por meio da relação jurídica base, ora do vínculo jurídico que os
liga à parte contrária. Modelo de interesse coletivo é o dos alunos e pais em relação a grupo
mantenedor de uma escola que efetue reajuste ilegal de mensalidades em desrespeito às
normas editadas pelo Poder Público. Outro exemplo ocorre na hipótese de, com base na sua
relação base com os contribuintes, o fisco instituir tributo inconstitucional, como no caso da
taxa de iluminação pública, sendo perfeitamente possível detectar as pessoas atingidas pela
medida abusiva.
Já os interesses ou direitos individuais homogêneos são aqueles entendidos como
decorrentes de origem comum. Tal se verifica, por exemplo, quando vários consumidores
adquirem certo produto nocivo à saúde em repetidos dias ou quando são vítimas de veiculada
publicidade enganosa durante certo lapso de tempo.
A legitimidade do Ministério Público para promover ações que visem reparar lesões
ao interesse social, na modalidade dos interesses e direitos difusos e coletivos, é induvidosa,
mesmo porque o art. 129, III, da Constituição Federal corrobora esse entendimento quando
diz que, entre as funções institucionais, está a de promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
No tocante aos direitos individuais homogêneos, embora não seja esta a temática deste
trabalho, válido acrescentar que a doutrina, a exemplo de Hugo Nigro Mazzilli, entende
97 SCIALOJA, Vittorio. Procedura civile romana, p. 345.
68
possível a tutela coletiva do Parquet nesses casos quando “houver extraordinária abrangência
ou dispersão dos lesados, ou quando seja necessária para assegurar o funcionamento de todo
um sistema econômico, social ou jurídico”.98 O mesmo entendimento é esposado por Emerson
Garcia,99 Gregório Assagra de Almeida,100 Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery.101
O posicionamento contrário sobre a legitimidade do Ministério Público para a defesa
dos direitos ou interesses individuais homogêneos foi bem sintetizado por Rodolfo de
Camargo Mancuso:
a) que a CF, na parte reservada ao MP, fala em interesses difusos e coletivos, não se referindo, ao menos nomeadamente, a ‘indivíduos homogêneos’; b) que o texto constitucional, quando legitima o MP à defesa de interesses individuais, acrescenta o quantitativo ‘indisponíveis’; c) que a isolada circusntância do número porventura expressivo de sujeitos abrangidos num dado interesse ‘individual homogêneo’ não seria motivo suficiente para imprimir a nota de ‘relevância social’, de onde pudesse exsurgir a legitimação do parquet.102
De toda sorte, a abrangência e a relevância social de largo alcance legitimam a atuação
do Ministério Público na espécie, de acordo com uma interpretação harmônica do sistema
constitucional. Isso porque, em princípio, somente os interesses individuais indisponíveis
estariam sob sua proteção, mas há evidente interesse social em evitar a proliferação de
demandas individuais, dispersão das vítimas e insegurança jurídica pela possibilidade de
decisões judiciais conflitantes sobre idêntica matéria. Além disso, o próprio inciso de
encerramento do art. 129 da Constituição Federal assegura ao Parquet a possibilidade de
exercer outras funções compatíveis com a sua finalidade, conforme o caput do art. 127 da Lei
Maior.
Forçoso concluir, portanto, que os interesses sociais consagrados como objeto da
defesa ministerial devem ser interpretados em consonância com os demais elementos do art.
98 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 153. 99 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 52-53. 100 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual, p. 491-495. 101 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
processual civil extravagante em vigor, p. 1.436. 102 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A legitimação do Ministério Público em matéria de interesses individuais
homogêneos. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscência e reflexões após dez anos de aplicação, p. 444.
69
127 e, sobretudo, com os diversos dispositivos pertinentes ao plano geral da Carta Política de
1988, sem se descurar, por óbvio, de sua aplicação para a legislação infraconstitucional, como
se verá no caso do processo civil.
Encerrada a análise do Ministério Público como defensor dos interesses sociais, passa-
se ao exame da defesa dos interesses individuais indisponíveis.
3.2.7 Ministério Público como defensor dos interesses individuais indisponíveis
Para finalizar o estudo dos elementos do art. 127 da Constituição Federal, mister se faz
o exame dos interesses individuais indisponíveis tutelados pelo Ministério Público.
Como assinalado no item anterior, os direitos são os interesses revestidos de
juridicidade. O Estado, por intermédio do Poder Legislativo, é que seleciona os interesses
coletivos e individuais prevalescentes em determinada coletividade. Antônio Cláudio da Costa
Machado escreve que o conjunto de valores essenciais do Estado consubstanciam a
denominada “essencialidade social”.103
Isso quer dizer que alguns interesses, pela relevância e necessidade de primazia, tem
incutido o caráter da indisponibilidade, da inalienabilidade a quem quer que seja e a qualquer
pretexto. Ao Ministério Público impõe-se o dever de zelar exatamente por esses interesses
maiores da sociedade.
Chiovenda104 e Liebman105 expressaram, no século passado, que o fundamento nuclear
da atuação do Parquet está justamente na necessidade de serem observadas as leis de ordem
pública.
Tanto se tratando de direito privado como de direito público, é percebida a
indisponibilidade dos interesses tutelados. Com efeito, a inserção de princípios de ordem
pública no direito privado constitui exceção. Já no campo do direito público, a regra é a
influência dos mencionados princípios.
103 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
44. 104 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, v. 2, p. 123-124. 105 LIEBMAN, Eurico Tullio. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 135.
70
No âmbito do direito privado, alguns interesses são objeto de maior deferência pelo
Estado, tendo em vista sua utilidade para a própria conservação da sociedade. Nesses casos, é
conferido o atributo da indisponibilidade ou da obrigatoriedade de sua observância.
As normas jurídicas ligadas diretamente ao interesse geral e sobre as quais não é
admitida a disposição do interesse tutelado são denominadas cogentes, isto é, de ordem
pública. De outro lado, já a norma jurídica dispositiva é aquela em que se admite a livre
disposição do interesse por seu titular.
Caio Mário da Silva Pereira, aduzindo sobre os princípios de ordem pública e sua
aplicação no direito privado, explica:
[...] São, pois, princípios de direito privado que atuam na tutela do bem coletivo. Seu campo de ação é o direito privado, porque instituem a normação das relações entre pessoas singulares; mas sua repercussão na vida coletiva e a imperatividade do comando estatal que os acompanha imprime-lhes profunda analogia com o direito público. Por isso, se denominam leis ou princípios de ordem pública, inderrogáveis pela vontade das partes, e cujos efeitos são insuscetíveis de renúncia.106
Portanto, as leis de ordem pública, cogentes, obrigatórias e indisponíveis contrapõem-
se às leis permissivas ou supletivas que, diversamente, são chamadas dispositivas e reservadas
à autonomia da vontade dos indivíduos.
Evidentemente, os interesses privados relacionados aos princípios de ordem pública
são indisponíveis, seja porque ligados aos direitos materiais inalienáveis (vida, causas de
estado, etc.), seja porque relativos à vedação legal da parte em deles dispor, o que, no caso de
serem evidenciados, ensejam a atuação do Ministério Público.
No que toca ao direito público, também é necessária a presença da indisponibilidade
do interesse para fins de legitimar a atividade ministerial. Seria verdadeiro contra senso
aceitar-se somente a primeira premissa como verdadeira.
Antônio Cláudio da Costa Machado, a respeito da indisponibilidade como ratio
essendi da atuação ministerial, salienta:
Refletindo seriamente acerca da indisponibilidade como único fundamento da atuação do Ministério Público e não perdendo de vista a variada gama de atribuições conferidas à instituição, temos nos convencido ser absolutamente ilógica a vinculação do fenômeno indisponibilidade apenas aos direitos
106 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 1, p. 29.
71
privados. O ser indisponível ou inalienável é qualidade que a ordem pública atribui a certos direitos independentemente da sua natureza, isto é, independentemente da natureza da relação jurídica em cujo ventre tais direitos são gerados. A indisponibilidade não discrimina. Tanto é indisponível o direito privado como o direito público regido por lei de ordem pública. O que importa é a essencialidade social do direito, o que não é exclusividade de nenhum ramo jurídico. Logo, qualquer direito indisponível merece a tutela processual do Ministério Público.107
O mesmo autor escreve ainda sobre a existência de direitos públicos disponíveis, como
o crédito tributário, que não enseja, somente pela participação do Estado na relação jurídica, a
atuação do Parquet:
[...] Corolário disto é a conclusão que já vimos sustentando, a contratio sensu, de que também no direito público existem interesses disponíveis. Logo, a natureza pública do direito (porque nascido de relação em que o Estado é um dos titulares) não justifica, por si só, a atuação do Ministério Público; é necessário um plus, que é a indisponibilidade dada pela exacerbada relevância social do interesse, ou seja, dada por norma de ordem pública. Exemplos típicos de direitos públicos disponíveis são: o crédito da pessoa jurídica em ação indenizatória, o direito à posse na desapropriação indireta e o crédito tributário, que é sujeito à transação.108
Nesse contexto, é facilmente detectável, pelas funções institucionais elencadas no art.
129 da Constituição Federal, a gama dos interesses indisponíveis de natureza pública
defendidos pelo Ministério Público. Entre esses interesses citam-se: promoção de ação de
inconstitucionalidade, proteção do patrimônio público e zelo pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição.
Outrossim, claramente se percebe também a indisponibilidade em normas de outros campos
do direito, pelo exacerbado interesse social, como no direito penal, no direito eleitoral e no
direito do trabalho.
Por arremate, registre-se também a distinção feita por Hugo Nigro Mazzilli sobre a
indisponibilidade objetiva e subjetiva, que diretamente repercute na intervenção do Ministério
Público no processo civil. No primeiro caso, a indisponibilidade independe de quem seja o
titular do direito e ocorre, por exemplo, nas ações de estado da pessoa, em que o interesse
público se liga à natureza da relação jurídica. Tal caráter gera a participação da instituição no
107 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
52. 108 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
55.
72
processo de forma imparcial. No segundo, há estreita ligação do interesse em relação à pessoa
do seu titular, como no caso da incapacidade, sendo a atuação ministerial, nessa hipótese,
caracterizada pela assistência.109
Com efeito, tais aspectos e outras tantas peculiaridades serão elucidadas no quarto
capítulo deste estudo, sendo certo que, por ora, são estas as considerações pertinentes à
indisponibilidade dos interesses que devem ser objeto de defesa do Ministério Público.
3.3 Os dois modelos do Ministério Público
A constatação de que ao Ministério Público incumbiu-se a defesa dos interesses
fundamentais da sociedade brasileira exsurge, naturalmente, da análise dos elementos do
caput do art. 127 da Lei Maior, como verificado.
Marcelo Pedroso Goulart evidencia que o enquadramento do Parquet no novo perfil
consagrado na Constituição Federal de 1988, mormente em face dos instrumentos funcionais
à disposição de seus agentes, revelou a existência de dois modelos de Ministério Público,
quais sejam, o demandista e o resolutivo.110
O modelo demandista apresenta a atuação do Ministério Público como simples agente
processual, enfatizando-se a resolução das questões sociais no Poder Judiciário. Nesse caso, a
instituição transfere aos órgãos jurisdicionais a pacificação da demanda, abdicando do
esgotamento da instância ministerial administrativa e política.
Outrossim, tal prática contribui para aumentar, ainda mais, o volume de feitos em
curso nas varas e tribunais, pecando, ainda, pela falta de efetividade social, mormente no que
toca às demandas que envolvem interesses da coletividade.
O referido autor salienta:
O membro do Ministério Público deve ter claro que sua atuação não se limita ao processo, sob pena de total ineficácia social de seu trabalho. Os conflitos decorrentes da tutela desses interesses superam, evidentemente, os aspectos jurídico-processuais e a arena de luta não se restringe ao espaço físico dos tribunais. Os aspectos jurídicos, o andamento dos processos que
109 MAZZILI, Hugo Nigro. Manual do promotor de justiça, p. 48. 110 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 119.
73
têm por objeto tais questões e as decisões judiciais vão a reboque da batalha extra-autos que se trava no âmbito da sociedade civil e estão condicionados pelas relações sociais que articulam os interesses em jogo dos agentes coletivos. A correlação das forças sociais antagônicas é fator determinante do sucesso da empreitada jurídica. Esse sucesso depende, muitas vezes, de todo um trabalho, de um conjunto de medias que não somente antecedem a instauração do processo judicial, mas vão além dele, uma vez instaurado. 111
O papel resolutivo do Ministério Público, ao revés, fomenta a consciência das funções
e instrumentos institucionais, de modo a dar vazão e efetividade às questões relativas à sua
vocação constitucional, já detalhada. A propósito, prestigia-se a atividade extrajudicial,
sobretudo com claro escopo preventivo. Os principais meios de concreção dos mais caros
interesses da sociedade são viabilizados, por exemplo, mediante termos de ajustamentos de
conduta, recomendações, audiências públicas, atuação integrada com agentes locais,
regionais, estatais, comunitários, etc.
A respeito, Gregório Assagra de Almeida escreve:
O Ministério Público resolutivo, portanto, é um canal fundamental para o acesso a uma ordem jurídica realmente legítima e justa. Os membros dessa instituição democrática devem encarar suas atribuições como verdadeiros trabalhadores sociais, cuja missão principal é o resgate da cidadania e a efetivação dos valores democráticos.112
Com efeito, embora se reconheça não ser esse o debate principal desta dissertação, é
interessante notar que o Ministério Público deve se aproximar dos valores da sociedade civil,
identificando-se com eles. Na mesma medida, deve distanciar-se daquilo que esteja em
sentido oposto às finalidades constitucionalmente estatuídas.
Nas palavras de Antônio Alberto Machado,
a instituição de que ora se trata encontra-se num permanente processo de construção e reconstrução dos seus fins e do seu papel, dispensando, até mesmo por força de uma inerente vocação democrática, qualquer tipo de clausura institucional em esquemas rígidos de tipologização burocrática do poder.113
111 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia: teoria e práxis, p. 104-5. 112 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual, p. 512, grifos do autor. 113 MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público, democracia e ensino jurídico, p. 142.
74
Demonstra-se, com isso, que no processo civil, em especial quanto à sua atividade
interventiva, o Parquet também deve ter a sua atuação voltada para os ditames
constitucionais, sendo necessária e reclamada uma diferente postura institucional para que
seja implementado um novo paradigma no exercício de suas atribuições no processo,
otimizando o proveito e a utilidade social da instituição com o aprimoramento do modelo
demandista.
3.4 O Ministério Público na legislação posterior à Constituição Federal de 1988
Para finalizar este capítulo e atentando para a nova dimensão constitucional, não se
pode descurar que a legislação infraconstitucional, de acordo com as diretrizes da Lei Maior,
passou a cometer diversas funções e o correspondente instrumental jurídico-processual ao
Ministério Público.
Neste trabalho, o objetivo não é elencar todas as leis que se referiram à instituição,
mas apenas trazer a lume este importante aspecto revelador do firmamento do Parquet diante
das demais estruturas do Estado brasileiro.
Destacam-se, nesse aspecto, alguns diplomas legais promulgados no início da década
passada, como a Lei Protetiva da Pessoa Portadora de Deficiência (Lei n. 7.853, de
24/10/1989); a Lei Protetiva dos Investidores do Mercado de Valores Mobiliários (Lei n.
7.913, de 7/12/1989); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13/7/1990); o
Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11/9/1990); a Lei de Improbidade
Administrativa (Lei n. 8.429 de 2/6/1992); a Lei da Política Nacional do Idoso (Lei n. 8.842,
de 1/1/1994); a Lei de Prevenção e Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica (Lei n.
8.884, de 11/6/1994). Válido citar ainda a Lei n. 9.415, de 23/12/1996, que alterou o art. 82,
III, do Código de Processo Civil, explicitando sobre a legitimidade para o Ministério Público
intervir em ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural.
Todas as legislações citadas possibilitaram a efetivação das tarefas do Ministério
Público, conferindo-lhe atribuições e legitimando-o expressamente para o exercício de seu
mister constitucionalmente reservado.
75
Do conceito e das funções confiadas à instituição, conforme o caput do art. 127 e os
incisos do art. 129 da Constituição Federal, sobretudo com base nos instrumentos próprios
(inquérito civil, ação civil pública, etc.) e na direção das respectivas apurações, com especial
enfoque quanto ao zelo e promoção das medidas necessárias ao respeito dos poderes públicos
e dos serviços de relevância pública, proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente, das populações indígenas e de outros interesses difusos e coletivos, tornou-se
necessária a edição de textos legais pertinentes para a consecução do importante papel de
transformação da realidade social e efetivação do Estado Democrático de Direito,114 até
mesmo porque a legislação infraconstitucional é expressamente invocada pelo Constituinte.
A outorga da legitimidade ativa ou, quando menos, da intervenção obrigatória do
Ministério Público para a tutela dos mais relevantes valores coletivos está em perfeita sintonia
com a Constituição e com o perfil vocacionado de defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Denota-se, com isso, o alargamento do acesso à justiça, do préstimo aos valores
básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, de justiça social, de respeito e fomento ao
bem-estar de todos, de maior atividade concreta e jurídica em prol da igualdade substancial,
pretendendo-se, em última análise, a afirmação dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito brasileiro, quais sejam, da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana,
dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político.
Ao serem ampliados os limites e a extensão da gama de interesses sociais sob os
auspícios da curadoria ministerial, procura-se estabelecer o justo equilíbrio social, por vezes
mediante a especial proteção de grupos considerados mais fracos ou hipossuficientes (por
exemplo, deficientes físicos, acidentados, incapazes, idosos, crianças e adolescentes,
consumidores, índios e envolvidos em conflitos agrários), por vezes na maior ênfase
repressiva de combate à corrupção, ao crime organizado, às degradações ambientais, à
violação do patrimônio público, etc.
Pertinente anotar o que escreveu Maurício Augusto Gomes sobre o processo evolutivo
do Parquet até a Constituição Federal de 1988:
114 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito
processual, p. 509.
76
Por conseguinte, o Ministério Público dos nossos dias deixou de ser apenas o órgão incumbido da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado contra criminosos, ou, no juízo cível, incumbido da defesa de certas instituições (como a família, as fundações) ou de certas pessoas (como os ausentes, os incapazes, os acidentados do trabalho), passando a ser, principalmente, fiscalizador e defensor da correta aplicação das leis e da Constituição, personalizando-se, pois, como órgão de defesa dos interesses sociais em juízo, até mesmo contra o Estado.115
Com estas considerações, passa-se ao exame da atuação interventiva do Ministério
Público, uma vez que os aludidos pilares da nova conformação institucional,
indubitavelmente, estarão a nortear e a delimitar a sua respectiva atuação no processo civil.
115 GOMES, Maurício Augusto. Ministério Público na Constituição de 1988: breves anotações. Revista dos
Tribunais, p. 84-85.
77
4 A RECEPÇÃO DA ATIVIDADE INTERVENTIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NO PROCESSO CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A atuação do Ministério Público como órgão interveniente é assunto importante,
sobretudo no que toca à pauta de discussões internas da instituição, constituindo-se em objeto
de diversas manifestações, inclusive de âmbito nacional, conforme será verificado no próximo
capítulo. O debate em torno dessa temática é atual e revela interessantes e divergentes
posicionamentos doutrinários.
Trata-se, sem dúvida, de relevante tema no cenário do processo civil, acima de tudo
para firmar o posicionamento da instituição, que, por vezes, é levada a atuar em desarmonia
com os reais interesses definidos nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal de 1988. O
trabalho de mero parecerista não mais condiz com as finalidades institucionais, bastando
verificar as inúmeras atribuições cometidas nas legislações posteriores a essa Constituição.
A Carta Política atual trouxe ao Ministério Público a condição de órgão independente,
gozando de autonomia funcional, administrativa e financeira. Inserido no capítulo destinado
às funções essenciais à justiça e de acordo com os instrumentos que lhe foram outorgados, o
Parquet tem a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses
sociais e os individuais indisponíveis.
Com efeito, o inciso de encerramento do art. 129 da Carta Magna atribuiu à instituição
o exercício de outras funções, desde que previstas em lei e compatíveis com a sua finalidade,
sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria de entidades públicas. A princípio,
mencionada vedação parece ser dispensável, haja vista a patente incompatibilidade com o
exercício de defesa da sociedade nas hipóteses de ações do Poder Público contrárias aos reais
interesses sociais. Entretanto, no caso do Ministério Público Federal, a explícita vedação
tornou-se importante uma vez que o texto constitucional anterior impunha-lhe a defesa da
União.
Contudo, o art. 129, ao discriminar as funções institucionais, não prescreveu, de forma
expressa, a atividade intervencionista do Ministério Público. A ausência verificada, todavia,
não suprimiu a respectiva atuação no processo civil, estando esta inserida no referido
comando geral do art. 129 da Constituição Federal, que diz respeito ao exercício de outras
funções atribuídas que sejam compatíveis com a finalidade da instituição.
78
Outrossim, a observância e a defesa dos interesses inscritos no art. 127 da Carta
Política de 1988 é que irão informar na espécie a compatibilidade das outras funções a serem
exercidas, como na hipótese da intervenção no processo civil. Em outras palavras, o novo
perfil constitucional trouxe significativa alteração no objetivo da intervenção.
A razão de intervir no processo civil que exige a participação do Ministério Público
pode pressupor ou não a existência de norma nesse sentido, sendo certo que, necessariamente,
tal motivação deve estar em devida simetria com as finalidades constitucionais da instituição.
Advirta-se, desde logo, que nem todo processo estará a merecer a intervenção do Ministério
Público, embora se reconheça que a atividade jurisdicional envolva sempre o interesse geral
de que seja proferida uma justa decisão.
A propósito, válido transcrever o que diz Cândido Rangel Dinamarco:
O Ministério Público é por definição a instituição estatal predestinada ao zelo do interesse público no processo. O interesse público que o Ministério Público resguarda não é o puro e simples interesse da sociedade no correto exercício da jurisdição como tal – que também é uma função pública – porque dessa atenção estão encarregados os juízes, também agentes estatais eles próprios. O Ministério Público tem o encargo de cuidar para que, mediante o processo e o exercício da jurisdição, recebam o tratamento adequado certos conflitos e certos valores a ele inerentes. Aceitando a premissa de que a Constituição e a lei são autênticos depositários desses valores, proclama aquela que ao MP incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art 127). São indisponíveis, antes de todos, os direitos e interesses transindividuais qualificados como difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cuja transgressão é capaz de trazer abalos mais ou menos sensíveis ao convívio social, ou impactos de massa (Barbosa Moreira). 116
Nesse passo, atuando o Ministério Público como órgão agente ou interveniente, é
necessário ter sempre em consideração os postulados proeminentes do caput do art. 127 da
Constituição Federal, cujos elementos conceituais foram relatados no capítulo anterior.
Ora, as mencionadas duas modalidades de participação do Ministério Público no
processo civil são valorosas e serão delineadas com mais detalhes a seguir, por óbvio, com
maior destaque à segunda. Sobreleva notar que o desvelo pelo interesse público, citado por
Hugo Nigro Mazzilli como o resultado último dos propósitos citados no art. 127 da atual
Carta Política, irá nortear a atuação ministerial.117
116 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 709, grifos do autor. 117 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 143.
79
Toda a legislação infraconstitucional, e não poderia isso ser alheio ao processo civil,
deve se direcionar para os comandos da Constituição, o que, no caso do Ministério Público,
implicará adequada mudança de postura quanto à atuação interventiva.
Tanto isso é verdadeiro que a própria jurisprudência também atentou para a mudança
de paradigma do Ministério Público, sendo expoente disso, por exemplo, a edição da Súmula
n. 189 do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza a desnecessidade de intervenção
ministerial nos denominados executivos fiscais.
É notório que diversas são as hipóteses que merecem reflexão no tocante à atividade
interventiva do Parquet no processo civil. Algumas delas serão expressamente abordadas nos
próximos itens desta dissertação, sempre perquirindo sobre a necessidade e a pertinência
constitucional da intervenção.
Ajustar-se aos fins gravados na Constituição Federal será o viés desta análise
doravante. Nos próximos itens, após efetivarmos as distinções dos campos de atividade do
Ministério Público como órgão agente e órgão interveniente, seguiremos enfatizando este
último enfoque, para que sejam firmados os pilares processuais da intervenção no processo
civil sob três dimensões: primeiro, do Ministério Público como órgão interveniente
assistencial; segundo, do Ministério Público como interveniente especial (puro fiscal da lei);
e, terceiro, do Ministério Público como interveniente com fundamento no interesse público
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
A respeito do tema, à luz dos primados constitucionais já estatuídos, será realizada a
leitura dos incisos do art. 82 do Código de Processo Civil, que consubstanciam as normas
gerais da atuação interventiva do Parquet.
Além disso, será feito, também, o estudo, com o mesmo enfoque, referente aos
procedimentos de jurisdição voluntária e ao mandado de segurança, tudo com o objetivo de
trazer a lume a novel postura que se apresenta à instituição depois da vigência da Constituição
Federal. Outrossim, serão elencadas outras hipóteses de intervenção no processo civil.
Trata-se, evidentemente, de uma análise do ofício do Ministério Público no processo
civil brasileiro que, respeitando entendimentos divergentes, retoma o debate sobre a matéria,
para, como órgão interveniente, tornar efetiva a missão constitucionalmente cometida à
instituição.
80
4.1 Noções processuais sobre jurisdição, ação, processo e sua relação com o Ministério
Público
Para a percepção da atividade interventiva do Ministério Público no processo civil,
torna-se premente o exame de algumas noções sobre a teoria geral do processo, mesmo que de
forma abreviada. Nesse aspecto, cumpre trazer a lume alguns apontamentos doutrinários sobre
a função jurisdicional do Estado, o exercício da jurisdição, bem assim no tocante ao
entendimento dos institutos da ação e do processo.
Foi dito que a função jurisdicional é exercida pelo Estado e sua finalidade é atuar no
caso concreto de acordo com a legislação preexistente, acertando a situação em conflito. A
jurisdição é, assim, exercida pelo Poder Judiciário e constitui uma entre as funções do Estado,
ao lado da administrativa e da legislativa.
O Ministério Público, como guardião do Direito e da sociedade, é essencial à função
jurisdicional, oficiando nos processos como parte ou como interveniente. Importante ressaltar
que a jurisdição, ou seja, a prerrogativa de dizer o Direito diante do caso concreto, é
exclusiva do Poder Judiciário, que a exerce por intermédio dos juízes, sendo a instituição
ministerial peça importante na formação e no desenvolvimento de determinados processos,
conforme será exposto neste capítulo.
Essas observações fazem-se importantes para que se tenha clara a distinção entre
jurisdição e função jurisdicional. O ato de dizer a Lei diante do caso concreto é monopólio do
Poder Judiciário, pois no Brasil vigora o princípio da unidade da jurisdição, conforme
disposto do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Assim, somente os magistrados,
órgãos da justiça brasileira, têm jurisdição e a exercem nos limites territoriais a eles
atribuídos. Nesse sentido é o art. 1º do Código de Processo Civil.118
A função jurisdicional é conceito mais amplo, que engloba o aparato existente para
que a jurisdição se concretize. No dizer de Cândido Rangel Dinamarco, função equivale ao
“conjunto de serviços a serem prestados mediante atividades preordenadas a certos objetivos e
que costumam ser agrupadas e distinguir-se das demais precisamente em razão dos objetivos
perseguidos”.119
118 “Art. 1° A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional,
conforme as disposições que este Código estabelece.” 119 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 162.
81
Para Antônio Cláudio da Costa Machado, a função jurisdicional é “o serviço que o
Estado presta às pessoas com vista à atuação da vontade do direito substancial (escopo
jurídico), à pacificação com justiça (escopo social) e à afirmação do próprio poder estatal
(escopo político)”.120
Nesse sentido, o Ministério Público é uma peça essencial à função jurisdicional, tal
como registrado no art. 127 da Carta Magna, ou seja, compõe uma das engrenagens para que a
jurisdição se opere. Como órgão independente cuja função é a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sua atuação, até
mesmo perante a função jurisdicional, terá por norte as disposições constitucionais. Infere-se
daí que a atuação institucional perante o Judiciário será restrita aos casos onde houver lesão
ou ameaça aos bens jurídicos e interesses relacionados ao seu perfil constitucional.
A atuação do Ministério Público perante a função jurisdicional, no dizer de Antônio
Cláudio da Costa Machado, é instrumental, mediata. O autor quer exprimir que o Ministério
Público atua de modo a propiciar e a contribuir para a boa administração da justiça,
aprimorando e legitimando a atuação dos direitos indisponíveis.
[...] Isto significa que a atuação do parquet não é um fim em si mesma, como também não o é a do Judiciário, só que este imediatamente se presta à extinção de conflitos, aquele apenas mediatamente. O Ministério Público tem sua existência vinculada ao serviço prestado pelo Judiciário e, por essa razão, atua com vista ao aprimoramento da prestação jurisdicional que é entregue pelo Estado aos seus jurisdicionados. 121
Apesar de o magistrado ser munido de mecanismo para formar seu convencimento,
nos processos em que houver interesse social e individual indisponível, dada a relevância de
tais interesses e da proteção que o Estado lhes confere, de forma adicional, e como fruto da
mencionada proteção, impõe-se a atuação do Ministério Público para assegurar a efetiva e
legítima atuação e observância dos reais fins da lei substantiva. O Parquet atua, portanto,
assegurando que a verdade exsurgirá dos autos e que os interesses velados serão resguardados
ao final do processo.
120 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
68. 121 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
74.
82
O exame da jurisdição é oportuno até mesmo para que se deixem registradas suas três
características ou atributos que a diferenciam das demais formas de expressão do poder
estatal, relacionando-as com o Ministério Público, quais sejam, a substituição da vontade das
partes, a definitividade e a inércia.
A jurisdição é substitutiva, uma vez que ao dizer o Direito o juiz substitui a vontade
das partes, acertando o caso concreto à lei. Essa característica, como se vê, pouco se ajusta à
atividade do Ministério Público no processo. José Fernando da Silva Lopes afirma, entretanto,
que o Parquet, quanto à substitutividade, faz o que juiz pode, mas não deve fazer, bem como
o que a parte deveria, mas não fez.122
Ressalve-se que o mesmo enfoque, porém enfatizando a necessidade de ativa
participação do Ministério Público nos casos em que exista alta significação do direito em
jogo, revelada pelas relações indisponíveis, é manifestado por Piero Calamandrei.123
Outro atributo da jurisdição é a definitividade, que se atrela ao instituto da coisa
julgada, conferindo força e permanência à decisão judicial. Nesse aspecto, ao Ministério
Público cumpre zelar eficazmente pelos objetivos a que se propõe defender durante o
processo, de modo a resguardar uma instrução e final decisão na qual sejam efetivamente
assegurados e prevalentes os interesses indisponíveis, mesmo após o término do processado.
Nesse caso, apesar da omissão do Código de Processo Civil, registre-se a
obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público nas ações rescisórias, tendo em vista o
fundamento público constitucional de garantir-se a coisa julgada (art. 5°, XXXVI, CF),
interessando à ordem jurídica a estabilidade das relações jurídicas.124
Já a inércia é o caráter mais interessante. Há extremada distinção nesse aspecto entre
os órgãos jurisdicionais, que só agem quando acionados, e o Ministério Público. É que a
defesa da ordem jurídica e dos direitos indisponíveis por parte do Parquet é tão importante
que lhe foi atribuída, por diversos mecanismos legais, a possibilidade de provocar diretamente
a jurisdição, na qualidade de órgão agente.
Assim, nos casos previstos em lei, competirá ao Ministério Público propor ações
judiciais, de modo a proteger os bens que tutela. Por outro lado, como se verá adiante, se a
122 LOPES, José Fernando da Silva. O Ministério Público e o processo civil, p. 47. 123 CALAMANDREI, Piero. Instituciones de derecho procesal civil, v. 2, p. 439-440. 124 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
374; GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 375.
83
lide já foi instaurada por terceiros e há interesse indisponível em discussão, a instituição
atuará como interveniente.
Ambas as facetas da atividade ministerial serão desenvolvidas com mais detalhes nos
próximos pontos deste capítulo, com ênfase à segunda. Para o momento, necessário seguir no
estudo dos institutos preambulares da teoria geral do processo.
Como cediço, o exercício da jurisdição é provocado pela ação. A ação é um direito
subjetivo público, autônomo, abstrato, conexo a uma relação material controvertida e que tem
por conteúdo o exercício da jurisdição, sendo, em nosso país, assegurado aos cidadãos
conforme o art. 5º, XXXV da Constituição Federal.125
Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover “ação é o direito (ou poder) de ativar os
órgãos jurisdicionais, visando a satisfação de uma pretensão. A jurisdição é inerte e, para sua
movimentação, exige a provocação do interessado. É a isto que se denomina princípio da
ação: nemo iudex sine actore”.126
É, portanto, um direito-meio, já que por intermédio dele obriga-se ao Estado
pronunciar-se sobre a pretensão deduzida pelo autor em face do réu. Esta pretensão ou direito
material que se quer fazer por meio do direito de ação é chamada de direito-fim.127
A ação somente pode ser instaurada mediante o preenchimento de certas condições,
que fazem a ligação, o contato, entre o direito-meio (ou direito de ação) e o direito-fim
(situação de direito material levada à discussão perante o Judiciário). Existe, portanto, uma
relação instrumento-fim entre o direito de ação e a relação controvertida de direito material
objeto de litígio.128 Mencionada relação instrumento-fim se exterioriza com o preenchimento
das condições da ação, isto é, a legitimidade para a causa, o interesse de agir e a possibilidade
jurídica do pedido.
A legitimidade para a causa ou legitimatio ad causam consiste, nas palavras de
Vicente Greco Filho, na autorização para a instauração da demanda por aquele que pede.129 A
legitimidade pode ser ordinária ou extraordinária. Será ordinária quando o autor da ação é o
125 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
80. 126 GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo, p. 58, grifos da autora. 127 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
81. 128 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
82. 129 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 41.
84
próprio titular ou sujeito da relação jurídica discutida no processo e sofreu a lesão de direito.
Essa é a regra.
Já a legitimidade extraordinária consiste nas situações em que alguém que não seja o
titular da relação jurídica discutida no processo demande, em nome próprio, a defesa dessa
relação jurídica e do direito objeto de lesão ou ameaça de lesão. A legitimidade extraordinária
(ou substituição processual) é exceção e deve ser expressamente prevista em lei.
O interesse de agir tem duplo aspecto: consiste tanto na efetiva existência de motivo
para a instauração do processo (lesão ou ameaça de lesão) quanto no uso adequado da forma
prescrita em lei para a demanda. Equivale, portanto, à “necessidade de recorrer ao Judiciário,
utilizando a adequada forma legal”.130
A possibilidade jurídica do pedido consiste, por sua vez, na formulação de pedido, em
tese, possível, isto é, que não seja vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Ausente alguma dessas três condições, impossível estabelecer o acertamento entre a
ação e a situação material deduzida em juízo, tornando prejudicada meritoriamente, por
conseqüência, o exercício da jurisdição.
Como se pode ver, o direito de ação não é incondicional e genérico, dependendo, para
o seu exercício, do preenchimento das três condições acima transcritas. Uma vez preenchidas
essas condições e exercido o direito de ação, o juiz tem o dever de proferir a decisão judicial
de mérito, finda a instrução. Quer dizer, as partes têm o direito de provocar o Estado e exigir
dele a manifestação decisória sobre a lide.
No direito processual vigora, por regra, o princípio do dispositivo, isto é, o particular
decide, por sua vontade, se vai, ou não, demandar a defesa de seus direitos em juízo. É
também chamado de princípio da disponibilidade processual. Esse princípio, segundo Ada
Pellegrini Grinover,131 é quase absoluto no direito processual civil, sofrendo limitações,
entretanto, quando se tratar de interesses indisponíveis. Neste último caso se faz obrigatória a
atuação do Ministério Público.
É que, conforme já visto, cabe ao Parquet a defesa dos direitos sociais e individuais
indisponíveis. Assim, a exemplo do que ocorre no direito penal, no qual vigora o princípio da
indisponibilidade (que obriga o Ministério Público à propositura da ação penal nos casos
130 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 41. 131 GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo, p. 61.
85
prescritos), no direito processual civil incumbe-se à instituição o ajuizamento da ação civil
pública sempre que houver lesão ou ameaça de lesão ao interesse público indisponível.
A propósito, ressalta Antônio Cláudio Machado da Costa:
Todas as pessoas possuem em seu patrimônio jurídico direitos que, por interessarem diretamente ao Estado, assumem, por vontade desse mesmo Estado, a qualidade de indisponíveis. Contudo, e apesar disso, nem sempre o seu titular privado encontra-se disposto a buscar a sua defesa por meio da ação quando ocorram os fatos que lhe autorizem, ficando, assim, ao desamparo o interesse eleito como prevalente pela ordem jurídica. Na verdade, duas situações incompatíveis se colocam em confronto. De um lado, o interesse público na realização do interesse ou direito indisponível, e exatamente por isso, ele é indisponível. Por outro, via de regra, a só possibilidade de defesa desse interesse ou direito por meio de ação e a liberdade total conferida a seu titular para exercê-la ou não. Fica o impasse. Daí que, ou se assume que a liberdade de ação impede absolutamente, em certas hipóteses, a proteção e a realização do direito indisponível, ou se cria um mecanismo jurídico alternativo para essa tutela pela outorga de legitimação processual a outra pessoa ou órgão que não o único titular do direito em jogo. Tendo em conta essa dupla realidade inconciliável é que a ordem jurídica, não podendo ver frustrada a proteção dos direitos indisponíveis, opta conscientemente pela outorga ao Ministério Público de legitimidade ativa ad causam para o desempenho de tão relevante encargo, mediante a ação civil pública. 132
O exercício da ação pelo Ministério Público é resumido por Guilherme Estellita como
“a forma de atuação mais rara, mas em compensação é a de maior importância, pois é através
dela que o Estado exercita a defesa mais ativa daqueles interesses por ele considerados de
tanta relevância que a si mesmo se impõe o dever de por eles ir pugnar”.133
Para encerrar esta breve digressão e com vista à melhor assimilação do objeto desta
dissertação, faz-se necessário abordar o processo.
O processo, nas palavras de Rosemiro Pereira Leal “é uma instituição instrumentadora
e legitimadora da Jurisdição”. Esse autor escreve sobre uma teoria neo-institucionalista do
processo e defende, em apertada síntese, que o processo assegura o exercício da cidadania.
Suas raízes estão na Constituição Federal, dela emergem e, uma vez que essa norma é a
“única fonte de poder legítimo jurídico-institucional”, assegura a “liberdade e a igualdade de
132 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
85-86. 133 ESTELLITA, Guilherme. O Ministério Público e o processo civil, p. 32.
86
condições entre o Estado e o Homem na criação e reconstrução permanente das instituições
jurídicas”.134
É intencional a citação do autor após a descrição clássica de jurisdição e de ação.
Como se sabe, o processo materializa tanto a jurisdição quanto a ação. E, em vez de
dedicarmo-nos à descrição clássica de que o processo se desenvolve em teoria triangular, em
cuja base estão autor e réu, e no topo, o juiz, representante do Estado, que se incumbirá de dar
solução ao litígio (teoria do processo como relação jurídica pública, Bülow, 1868), revela-se
mais interessante demonstrar que, em tempos modernos, o processo e o exercício da
jurisdição são muito mais que isso.
A teoria desenvolvida pelo professor Rosemiro Pereira Leal funda-se na concepção de
que o Estado e o cidadão estão em posição de igualdade. A própria sociedade civil, mediante
variadas formas de comunicação, vem demonstrando tal mudança de paradigma.135
Nas palavras de Rosemiro Pereira Leal,
[...] o Estado, na pós-modernidade, não é o todo do ordenamento jurídico, mas está no ordenamento jurídico em situação homotópica (isonômica) com outras instituições e com estas se articula de modo interdependente e num regime jurídico de subsidiariedade recíproca. O Processo, como instituição jurídica deste mesmo ordenamento, define-se como bloco de condicionamentos do exercício da JURISDIÇÃO na solução dos conflitos e da tutela judicacional, que, não mais sendo um ato ou meio ritualístico, sentencial e solitário do Estado-Juiz, é o provimento construído pelos referentes normativos da estrutura institucional constitucionalizada do PROCESSO. Não basta dizer, como quer Fazzalari, que o Processo é um procedimento técnico-estrutural em contraditório entre as partes, porque o simples dizer que o processo é um procedimento em contraditório não emprestaria necessária e juridicamente ao procedimento, por garantia fundamental, o predicado principiológico, balizador e definidor do contraditório. Em Direito, pelo adiantado grau de conhecimento jurídico-científico, é necessário que a norma fundamental crie princípios, institutos e instituições como limites delineadores e referência existenciais das estruturas procedimentais e orgânicas da atividade jurídica. 136
134 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 50-51. 135 Como exemplo, é possível citar a carta ao leitor da revista Veja de 14/3/2007, p. 9, onde a redação informa
que, a partir daquela data deixaria de grafar Estado em maiúscula e passaria a fazê-lo em minúscula, pois não cabe em tempos modernos esta desigualdade de tratamento. Observação interessante é feita ali, pois registra a revista que, se palavras como cidadão ou contribuinte, além de outras são grafadas com minúsculas, não há razão para se conceber a distinção na grafia de Estado (Uma questão de estado. Carta ao leitor. Veja, p. 9.)
136 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos, p. 101-102.
87
Entende-se, portanto, que o processo tem suas bases na Constituição Federal,
podendo-se verificar em seu texto diversas garantias. Como exemplos de garantias
constitucionais, que visam dar efetividade e segurança ao processo, têm-se: a proibição de
existência de tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII), a imutabilidade da coisa julgada (art. 5º,
XXXVI), o princípio do juiz natural (art. 5º, LIII), o devido processo legal (art. 5º, LIV), a
proibição de uso no processo de provas ilícitas (art. 5º, LVI), a publicidade dos atos
processuais (art. 5º, LX), a assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), as garantias
conferidas aos magistrados (art. 95) e o dever de fundamentação das decisões dos magistrados
(art. 93, IX).
Outrossim, especialmente quanto a efetividade do processo, o legislador
constitucional, por intermédio da Emenda Constitucional n. 45, de 31/12/2004, inseriu novo
inciso no art. 5° da Constituição Federal, assegurando-se, no âmbito judicial e administrativo,
a razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
São também garantias constitucionais do processo os instrumentos de tutela
jurisdicional existentes na Constituição Federal, tais como os remédios constitucionais da
ação popular (art 5º, LXXIII), o mandado de segurança (art 5º, LXIX), o mandado de injunção
(art. 5º, LXXI), o habeas corpus (art 5º, LXVIII) e o habeas data (art 5º, LXXII). Ao
Ministério Público a Lex Mater reservou instrumentos de tutela, tais como o inquérito civil e a
ação civil pública (art. 129, III).
Podemos citar ainda como garantia constitucional do processo o direito de igualdade,
materializado no art. 5º, caput, da Constituição Federal. É o exercício do princípio informador
do referido direito que permite, por exemplo, a atuação do Ministério Público como assistente
de menores e de incapazes.137
Já os procedimentos consistem nas formas pelas quais o processo se desenvolve e se
divide em processo de conhecimento, de execução ou cautelar. Há também procedimentos
especiais, que proliferam cada vez mais, revelando uma tendência de especialização, no dizer
de Ovídio Araújo Baptista da Silva, de reconhecimento de que “a todo direito corresponde (ou
deve corresponder) uma ação (adequada) que efetivamente o assegure”.138
137 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, p. 63. 138 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil, v. 1, p. 117.
88
Antônio Cláudio da Costa Machado acrescenta que o procedimento pode ser
identificado sobre duplo aspecto. Diz respeito tanto ao instituto processual relativo a forma
dos atos (chamado rito), como à formalidade de cada ato processual`.139
Feitas essas conceituações e de acordo com as funções do Ministério Público
exercidas no processo, passa-se ao detido estudo das formas pelas quais a instituição
manifesta seus misteres no processo civil.
4.2 O Ministério Público como órgão agente
Como órgão agente, caberá ao Ministério Público o impulso necessário para a defesa
dos interesses que tutela, ou seja, a defesa dos interesses públicos, traduzidos pela Lei Maior
como “direitos sociais e individuais indisponíveis”.
Nesse aspecto, o legislador constituinte traçou nítido perfil ao Ministério Público,
consubstanciando-o no papel de promotor de providências. Tanto assim que nos quatro
primeiros incisos do art. 129 da Constituição Federal, que trata das funções institucionais do
Parquet, foi empregado o verbo promover.
Fala-se da Constituição Federal de 1988 porque, como comentado, é a Carta Magna
quem confere definitividade e prevalência à atuação da instituição como agente, uma vez que,
antes, somente a legislação esparsa estabelecia tal possibilidade e mesmo assim em hipóteses
específicas. Tanto é verdade que o Código de Processo Civil, no artigo inaugural do Título III
(art. 81), deixava claro que ao Parquet cabe o exercício do direito de ação somente nos casos
previstos em lei.140 Tal regra, aliás, coaduna-se com a norma do art. 6° do Codex, segundo a
qual ninguém poderá pleitear direito alheio, em nome próprio, salvo se autorizado por lei.
Voltando à Carta Magna, cumpre lembrar que nos incisos I a IX do art. 129, onde
estão delineadas as funções institucionais do Ministério Público, percebe-se que estas, em
geral, resumem-se de forma destacada ao exercício do direito de ação, à atuação investigativa
e às atividades de controle.
139 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
98. 140 “Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no
processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.”
89
Na qualidade de órgão agente, o Ministério Público tem legitimidade ativa privativa
ou concorrente, dependendo da ação a ser proposta. Por exemplo, no que tange à ação penal
pública sua competência é privativa, pois, tal como definido no art. 129, I, da Constituição
Federal, apenas o Parquet pode promovê-la. Já quanto às ações de tutela coletiva, sua
atribuição é concorrente, uma vez que tanto a instituição como outros interessados (entes
federativos, o próprio cidadão, etc.) podem propô-las, conforme preceitua, por exemplo, a Lei
n. 7.347/85. Recentemente, citada lei foi alterada, de acordo com a nova redação conferida
pela Lei n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007, possibilitando o respectivo ajuizamento também
pela Defensoria Pública.
Interessante, neste tópico, dissertar especificamente sobre a atuação do Parquet no
pólo ativo de determinadas demandas cíveis. Com efeito, a instituição tem assegurado o
direito de ação, isto é, a faculdade de provocar a jurisdição na defesa dos interesses que tutela.
Primeiramente cumpre registrar que, apesar de o direito de ação constituir-se em
faculdade daquele que o detém, ao Ministério Público ele se revela mais como um dever, um
ônus. É que, como guardião de interesses públicos indisponíveis e como defensor da ordem
jurídico-democrática, incumbe à instituição atuar de modo vigilante, constante, promovendo,
sempre que houver lesão ou ameaça de lesão, a defesa dos interesses e direitos ameaçados ou
lesados.
Nota-se, pois, que o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor as
demandas a ele atribuídas legalmente, assegurando a efetiva defesa dos interesses maiores
cuja guarda também lhe foi conferida. Na vetusta concepção triangular do processo, integraria
o Ministério Público, em igualdade de condições com o réu, a base da figura geométrica.
Assim, como agente, seria parte no sentido formal, mas não no sentido substancial, material,
porque não haveria contenda, oposição de interesses entre o membro do Parquet e o réu, mas
apenas e tão-somente a atuação de um órgão estatal encarregado da defesa dos interesses
indisponíveis.
O conceito de parte proposto por Liebman,141 já há muito consolidado na doutrina, diz
que a parte é o sujeito do direito ao contraditório no processo instaurado perante o Estado-
Juiz. Tal conceituação é aplicável ao Ministério Público mesmo quando atuar como puro
fiscal da lei, uma vez que o Parquet objetiva ao final do processo um provimento definitivo
141 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil, v. 2, p. 89.
90
conforme a real vontade do direito material, denotado pela necessária presença do interesse
público nas causas em que oficia, sujeitando-se sempre ao contraditório.142
Válido citar a assertiva feita por José Roberto dos Santos Bedaque, que defende que a
instituição sempre é parte na relação processual, independentemente de revelar-se, a princípio,
como autora ou interveniente:
[...] O Promotor de Justiça é sempre parte no processo. A questão é bastante controvertida. Costuma-se distinguir o Ministério Público parte do fiscal da lei. Essa distinção, todavia, nada tem de científica, visto que, mesmo atuando como fiscal da lei, o Curador não perde a qualidade de parte. Como bem pondera Dinamarco, a ‘qualidade de parte reside na titularidade dos deveres, ônus, poderes, faculdade, que caracterizam a relação processual; partes são os sujeitos do contraditório instituído perante o Juiz, que é imparcial e desinteressado do resultado final da causa’. Na verdade, sempre que o Ministério Público intervém em uma relação processual civil, assume ele todas as posições inerentes a tal relação jurídica. O fato de estar ou não vinculado a um dos interesses em conflito não lhe retira a qualidade de ser sempre titular de ônus e deveres na relação processual.143
A idéia que pretende firmar é a de que o Ministério Público é sempre parte na relação
processual. Tal entendimento visa, sobretudo, traçar o perfil de atribuições do Parquet no
processo (notadamente como interveniente), definindo o que ele pode e o que não pode fazer
durante a instrução, quais os seus deveres e seus direitos. O pensamento de Bedaque é o de
que o Ministério Público é parte em sentido formal. Desse entendimento se destaca, ainda, a
inexistência de interesse pessoal do Parquet nas ações que patrocina ou intervém, como
Promotor de Justiça e no exercício de suas atribuições.
Noutro giro, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro critica a qualificação do Ministério
Público como parte formal, sui generis, esclarecendo que parte significa tão-somente o fato de
figurar no pólo ativo ou passivo da relação jurídica processual, com direitos, poderes e ônus,
142 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
102-103. 143 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. O Ministério Público no processo civil: algumas questões polêmicas.
Revista de Processo, p. 37-38.
91
não se devendo confundir isso com a possibilidade de a instituição poder opinar ou recorrer,
no curso do processo, em favor da parte contrária.144
A análise da questão do Ministério Público como órgão agente também envolve
considerações sobre sua legitimidade. Com efeito, o entendimento sobre a legitimidade ad
causam merece realce neste ponto, para que dúvida não paire a respeito da atividade
ministerial no processo civil, na condição de agente ou interveniente.
Nesse passo, distinção interessante sobre a legitimação para a causa é feita por José
Carlos Barbosa Moreira. O autor difere a legitimidade ordinária da legitimidade
extraordinária. A primeira, detêm aqueles que são partícipes da relação disciplinada e estão
legitimados para discutir tal relação em juízo. A segunda pertine àqueles que não são
partícipes da relação disciplinada, mas que, por atribuição legal detêm a legitimidade de
postulação e defesa de mencionada relação.145
Ensina ainda que a legitimação (ou legitimidade) extraordinária pode ser autônoma,
subordinada ou condicionada.
A legitimação extraordinária autônoma se verifica quando inexiste relação de
dependência entre o titular da relação jurídica e aquele que detém a legitimidade para a
propositura da ação. O legitimado extraordinário autônomo detém todos os poderes e deveres
para com o processo na condição que ocupar, seja de autor, seja de réu. Essa legitimação,
quando exclusiva, por força de lei, identifica-se com a substituição processual. Pode ainda ser
chamada concorrente, caso não exclua o próprio titular ou outro legitimado extraordinário
(exemplo: ação proposta por condômino, omitindo-se o síndico, para cobrar de outro a multa
prevista na convenção).
A legitimação extraordinária subordinada ocorre na hipótese de existir relação de
dependência com o legitimado originário, de modo que o legitimado extraordinário
subordinado somente atua, ativa ou passivamente, em companhia daquele. Essa legitimação
identifica-se com a assistência.
Já a legitimação extraordinária condicionada ocorre quando há dependência de um
ato (provocação) do autor ou do réu no processo para que possa o legitimado extraordinário
144 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural,
atribuição e conflito, p. 8-9. 145 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária.
Revista dos Tribunais, p. 9-14.
92
subordinado integrar a relação processual. Essa legitimação identifica-se com a denunciação
da lide.
Tanto a legitimação extraordinária autônoma como a legitimação extraordinária
subordinada concedem exemplos da atuação do Ministério Público. Esta última, quando
funciona como assistente de incapazes. A legitimação extraordinária autônoma quando atua
como substituto processual na ação de alimentos (art. 201, III, ECA), nas ações ajuizadas em
favor de idoso que esteja em situação de risco (art. 74, II e III, do Estatuto do Idoso) e nas
ações de investigação de parternidade (art. 2°, § 4°, da Lei n. 8.560/92).
Antônio Cláudio Machado da Costa enjeita a classificação proposta por Barbosa
Moreira aduzindo sistematização diversa.146 Em verdade, permanece a divisão da legitimatio
ad causam ordinária e extraordinária, podendo esta última ser divida em exclusiva e
concorrente, exatamente nos moldes do doutrinador criticado. Entretanto, inovação surge com
a previsão de três outras categorias de legitimação ao lado daquele gênero (ad causam):
legitimação interventiva assistencial (no caso dos incapazes); legitimação mista (aplicável de
forma particular ao instituto da denunciação da lide); e legitimações especiais ou sui generis
(no caso dos incisos II e III do art. 82 do CPC).
Dessas classificações é possível identificar e relacionar a atuação do Parquet como
órgão agente, que se identifica com a legitimação ordinária e também com a primeira das
legitimações extraordinárias (autônoma). Outrossim, a atuação do Ministério Público como
órgão interveniente também exsurge da referida sistematização, a qual será comentada em
tempo oportuno.
Portanto, como agente, incumbe ao Ministério Público o ajuizamento, entre outras, de
ações de declaração de ausência (art. 22, CC), ações de extinção de fundação cuja finalidade
se tornou ilícita, impossível ou inútil (art. 69, CC), ações para exigir a execução de doação de
interesse geral (art. 553, CC), ações de anulação de casamento (art. 1.549, CC) e ações diretas
de inconstitucionalidade (art. 129, IV, CF).
Ainda relativamente ao assunto, Antônio Cláudio da Costa Machado defende que, na
ação civil pública, o Parquet detém legitimação ordinária (e não extraordinária = substituto da
sociedade), pois, como integrante do Estado, tem interesse e legitimidade para promover a
defesa dos interesses públicos indisponíveis. Em suma, o Estado não promove a ação civil, e
146 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
104-114.
93
mesmo a penal pública, para defender direito alheio, mas, sim, para fazer valer o seu próprio
direito em relação aos interesses particulares.
Idêntico o posicionamento quanto à legitimação ordinária para a ação civil pública é
esposado por Ephraim de Campos Júnior:
Agindo por este interesse, o qual geralmente só tem esta forma de presentação, o Ministério Público não substitui ninguém, mas simplesmente exerce a função para a qual foi criado. No exercício da sua função, de presentação do interesse coletivo, o Ministério Público não substitui a sociedade, mas apenas exprime o seu interesse. Ordinariamente, só o Ministério Público pode atuar juridicamente pelo interesse coletivo da sociedade.147
Qual o âmbito de atuação do Ministério Público agente? O art. 129 da Lex Mater
traçou as diretrizes gerais para a resposta a esse questionamento. A complementação do artigo
vem nas diversas legislações esparsas existentes e em vigor, verificando-se vasto campo de
atuação do Parquet.
A propósito, torna-se importante a exemplificação. Na órbita do Ministério Público da
União, notadamente no texto dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de
1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público Fede-
ral, são plasmadas, respectivamente, as funções institucionais e os instrumentos de atuação
que materializam a posição ativa do Parquet-Autor.
É certo que ao cometer-lhe funções postuláveis na qualidade de órgão agente, os
mesmos ônus, deveres e poderes característicos de qualquer relação processual são imputados
ao Parquet, embora, na espécie, o interesse em litígio seja o da sociedade, e não do membro
da instituição.
Outrossim, os correspondentes deveres e proibições são aplicáveis ao Ministério
Público, conforme prescrevem os arts. 14 e 15 do Código de Processo Civil. Aliás, ainda que
interveniente na relação processual, tais disposições têm aplicabilidade ao Parquet.
Entretanto, o Ministério Público detém tratamento privilegiado pelo Código de
Processo Civil em determinadas hipóteses. Seu prazo para contestar é contado em quádruplo e
para recorrer em dobro, sempre que for parte.148 No que tange às intimações, o Ministério
147 CAMPOS JÚNIOR, Ephraim. Substituição processual, p. 52. 148 “Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a
Fazenda Pública ou o Ministério Público.”
94
Público, igualmente, tem prerrogativas conferidas pelo Código, uma vez que deverá, sempre,
ser intimado pessoalmente.149
O Ministério Público, como autor, não presta depoimento pessoal, não paga custas,
não pode dispor dos direitos que defende e, por conseguinte, não pode confessar. Igualmente
o membro do Parquet não é beneficiado nem condenado em honorários de sucumbência.
Estes, se existirem, são carreados ao Estado.150
É permitida ao Parquet a desistência e a renúncia de recurso, desde que de forma
fundamentada (art. 129, VIII, CF 88). Atitude séria, entretanto, que exige percuciente análise
prévia, para que não se lesem os direitos objeto de tutela pela instituição.151
O Ministério Público dispõe de meios para agir antes da propositura da ação. Assim,
se um termo de ajustamento de conduta não atingiu o fim desejado, ou se um inquérito civil
entende pela culpabilidade do investigado, como deve o Parquet agir? A resposta é simples: o
direito de ação é mais que direito subjetivo para o membro do Ministério Público. Dessa
forma, esgotadas as vias administrativas, o membro da instituição tem o dever de buscar a via
judicial adequada para a tutela dos direitos que guarda.
Igualmente, se no curso da instrução perceber o Parquet que não há elementos
necessários para julgar procedente o pedido da ação por ele proposta, pode o promotor
requerer a extinção do processo sem resolução do mérito ou a improcedência do pleito,
dependendo da situação. É que sua função transcende o pedido contido na inicial, atingindo,
sobretudo, a ordem, a justiça e o equilíbrio social.152
Tal contorno encetado para a instituição influenciou, não por acaso, a legislação mais
recente, uma vez que ao Ministério Público, invariavelmente, é conferida legitimidade para
agir, conforme visto no item 3.4 deste estudo.
Se fizermos uma contextualização entre a Constituição Federal de 1988 e a realidade
histórica vivida pelo País fica mais fácil compreender o porquê de sua atuação como órgão
agente. A carência social por um órgão neutro, independente, com a função de equilibrar a
sociedade, uni-la e promover a harmonia entre os interesses do Estado e de seus cidadãos foi
delineada com a Constituição Federal de 1988, funcionando o Ministério Público como a
alavanca necessária para a proteção dos bens e dos valores de interesse da sociedade.
149 “Art. 236. [...] § 2º. A intimação do Ministério Público, em qualquer caso, será feita pessoalmente.” 150 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 728. 151 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 732. 152 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 731.
95
Como é patente, o olhar na atuação do Parquet como órgão agente faz-se fundamental
para que se tenha uma idéia da importância de seu papel na defesa do Estado de Direito
perante a ordem jurídica em vigor, e para que daí se (re)defina a sua participação como órgão
interveniente.
Observe-se que, para a delimitação deste estudo, não serão tecidas considerações sobre
a função desempenhada pelo Ministério Público com base no art. 9° do Código de Processo
Civil, denominada por alguns, como Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e Nelson Nery Júnior, de
função atípica da instituição,153 até porque referida atividade é entendida como não
recepcionada pela Constituição Federal no tocante ao Parquet, seja por ser incompatível com
a sua finalidade, seja por se tratar de função institucional da defensoria pública.154
4.3 O Ministério Público como órgão interveniente
Examina-se aqui a atuação do Parquet como órgão interveniente, a natureza da
intervenção, sua obrigatoriedade e critérios definidores. Cuida-se, basicamente, do art. 82 do
Código de Processo Civil em vigor, analisando, ainda, suas ramificações.
Para melhor compreensão, o art. 82 do Código de Processo Civil pode ser dividido em
três dimensões, a saber: o Ministério Público como órgão interveniente assistencial, como
puro fiscal da lei (custos legis) e como interveniente com base no interesse público
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. Parte-se, neste estudo, dessa
sistematização, por ser a que melhor se afina didaticamente ao Código de Processo Civil.
Não se pode descurar que outras classificações são ditadas pela doutrina,
principalmente conforme a fixação da natureza da intervenção do Ministério Público no
processo civil, discussão iniciada no tópico anterior, quando se tratou da instituição como
órgão agente.
153 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural,
atribuição e conflito, p. 14-15. NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 352.
154 Em sentido contrário, Antônio Cláudio da Costa Machado, sob o fundamento de que o direito de defesa é individual indisponível, além de consistir em garantia constitucional do cidadão, e por isso não poder se falar em desvio da vocação institucional do Ministério Público. (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p. 137.)
96
Vicente Greco Filho155 critica a classificação da atuação Ministerial como parte,
auxiliar da parte e fiscal da lei, propondo outra. O autor afirma que o traço caracterizador da
natureza da intervenção do Ministério Público é a existência de um interesse público na causa.
Esse interesse poderá ser determinado ou indeterminado. Quando determinado, o interesse
social estará delimitado ou evidenciado na Lei (incisos I e II do art. 82 do CPC), ao passo que,
se indeterminado, caberá ao Ministério Público a interpretação desse interesse para, então,
decidir sobre a intervenção (inciso III do art. 82 do CPC).
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro156 aduz que a intervenção, sempre ditada pela Lei, pode
ser agrupada, segundo a predominância dos interesses em jogo, em duas espécies: intervenção
como fiscal de direitos ou interesses indisponíveis do grupo social (coletividade) e
intervenção como fiscal de interesses preponderantemente de certas pessoas ou classe de
pessoas, destinatárias específicas da norma. Aponta como exemplo da primeira o casamento, a
usucapião e as demais causas de interesse público evidenciado pela natureza da lide. Modelo
da segunda espécie diz respeito à defesa de incapazes e do acidentário do trabalho.
Pinheiro Carneiro, igualmente à critica feita contra a adjetivação do Ministério
Público-Agente, sustenta que, em qualquer das hipóteses de intervenção, a instituição será
custos legis (e somente isto), podendo opinar livremente, até mesmo na fase recursal. O autor
observa, porém, que neste último caso, não poderá o Parquet recorrer se a sentença for
inteiramente favorável ao destinatário da norma interventiva, porque só haverá interesse no
recurso se contrariado o respectivo direito material, exceto na hipótese de decisão ilegal
(error in procedendo), não se podendo dar azo à continuidade de processo em favor daquele
cuja qualidade não reclama sua intervenção.
Já Marcelo Zenkner, embasando-se em José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel
Dinamarco e José Roberto dos Santos Bedaque, entende certo reconhecer que, mesmo
atuando como órgão interveniente, o Ministério Público deve ser tido como parte no processo,
distinguindo esta de parte na demanda, uma vez que é também um participante do
procedimento em contraditório, podendo peticionar, fazer prova, enfim, assumir ônus,
faculdades, poderes e deveres conferidos aos que estão em contraditório perante o Estado-
Juiz.157
155 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, v. 1, p 156. 156 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural,
atribuição e conflito, p. 12-14. 157 ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade no processo civil, p. 115-116.
97
É o posicionamento defendido neste estudo e também o esposado por Antônio Cláudio
Machado da Costa, que firmou seu entendimento de acordo com o pré-falado conceito de
parte instituído por Liebman.158
O certo, porém, como exposto, é que o próprio designativo custos legis vem sendo
substituído, atualmente, por custos juris ou custos societatis, o que demonstra que as
eventuais classificações e a própria natureza discutidas, somadas aos fundamentos da
intervenção e as formas pelas quais ela será efetivada, revelarão as causas objeto da atividade
interventiva consoante a missão constitucional, bem como os seus limites, de acordo com as
regras processuais.
Ainda antes de adentrar no estudo da divisão proposta, há algumas ponderações a
fazer. A primeira questão refere-se à obrigatoriedade da intervenção em todas as hipóteses
previstas pelo Codex. Alcides de Mendonça Lima159 entende que o art. 82 do Código de
Processo Civil comporta hipóteses não exaustivas de intervenção obrigatória do Parquet.
Defende que a sua intervenção constitui poder-dever cuja omissão é punível com a nulidade
do processo,160 nos termos dos arts. 84161 e 246162 do mesmo Código. Afirma ainda, que a
terminologia mais adequada seria a substituição do verbo competir pelo verbo dever.
Pontes de Miranda,163 nos idos de 1973, afirmou que a função do Ministério Público
era de promoção, isto é, “atividade positiva ou negativa (de defesa)”, atividade cada dia mais
próxima das necessidades sociais, que por isso deveria ser obrigatória. Esse entendimento
delineia o perfil de uma época, de uma história marcada pela luta do Ministério Público em
firmar-se como instituição autônoma e cuja intervenção, para assegurar a efetividade de
proteção a interesses públicos, fosse obrigatória.
Atualmente, com a vivência da democracia e do maior respeito a esses ideais, não
mais se faz obrigatória a intervenção do Ministério Público em todas as causas que o Código
158 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
102. 159 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 63-
81. 160 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 72. 161 “Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a
intimação sob pena de nulidade do processo.” 162 “Art. 246. É nulo o processo quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva
intervir. Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.”
163 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao código de processo civil, p. 221.
98
indica, sendo lícita e possível uma margem de liberdade de interpretação dos casos nos quais
efetivamente deva o Parquet intervir, especialmente à luz da Constituição Federal.
A compreensão atual do papel do Ministério Público como órgão interveniente passa
pelo estudo do que hoje se denomina de pós-positivismo. Nesse contexto, o mero legalismo
cede lugar ao constitucionalismo democrático, sobressaindo os valores constitucionais, a
ponderação (em vez da simples subsunção) e a onipresença da Constituição sobre a legislação
ordinária.164
As concepções mais atuais em torno do neoconstitucionalismo estão inseridas no
gênero pós-positivismo. Lenio Luiz Streck critica o positivismo e assim demonstra sua
incompatibilidade com aquele:
Daí a possibilidade de afirmar a existência de uma série de oposições/incompatibilidades entre o neoconstitucionalismo (ou, se assim se quiser, o constitucionalismo social e democrático que exsurge a partir do segundo pós-guerra) e o positivismo jurídico. Assim: a) o neoconstitucionalismo é incompatível com o positivismo ideológico, porque este sustenta que o direito positivo, pelo simples fato de ser positivo, é justo e deve ser obedecido, em virtude de um dever moral. Como contraponto, o neoconstitucionalismo seria uma ‘ideologia política’ menos complacente com o poder; b) o neoconstitucionalismo não se coaduna com o positivismo enquanto teoria, estando a incompatibilidade, neste caso, na posição soberana que possui a lei ordinária na concepção positivista. No Estado constitucional, pelo contrário, a função e a hierarquia da lei têm um papel subordinado à Constituição, que não é apenas formal, e, sim, material; c) também há uma incompatibilidade entre neoconstitucionalismo com o positivismo visto como metodologia, porque esta separou o direito e a moral, expulsando esta do horizonte jurídico [...]. [...] Em síntese, o fenômeno do neoconstitucionalismo proporciona o surgimento de ordenamentos jurídicos constitucionalizados, a partir de uma característica especial: a existência de uma Constituição ‘extremamente embebedoura’ (persuasiva), invasora, capaz de condicionar tanto a legislação como a jurisprudência e o estilo doutrinário, a ação dos agentes públicos e ainda influenciar diretamente nas relações sociais. 165
. Não se quer com isso dizer que a intervenção ministerial no processo civil deva
desconsiderar os ditames processuais legais, mas, sim, que a interpretação dessa atividade se
dê em consonância com o texto constitucional, por razões óbvias.
164 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, p. 160-161. 165 STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo e (Org.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica, p.
155 e 160.
99
Luís Roberto Barroso elucida a questão dizendo que “o pós-positivismo não surge
com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional.
Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele
reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade.”166
Emerson Garcia faz observação interessante. A seu ver, a delimitação do campo de
atuação do Parquet deve ser orientada por uma interpretação teleológico-sistemática das
normas constitucionais que contemplem as atribuições da instituição.167 Assim, deve-se fixar
na existência de lesão ou de ameaça de lesão a direito indisponível, seja individual
indisponível, seja individual homogêneo, seja social (ou ainda, neste último gênero, coletivo).
Outrossim, a ausência de intimação do Ministério Público acarreta a nulidade do
processo (art. 84, CPC). Se, devidamente intimado a se pronunciar, o órgão ministerial
entender pela inexistência de interesse público a legitimar a sua intervenção, por analogia ao
art. 28 do Código de Processo Penal,168 deve o juiz remeter os autos ao Procurador-Geral de
Justiça, sob pena de nulidade. Se o Procurador-Geral mantiver o ponto de vista inicialmente
manifestado pelo órgão de execução, inexistirá eventual nulidade a ser decretada. Esse é o
pensamento de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, esclarecendo que, vislumbrando-se a razão de
intervir, por mais leve que seja, deve ser sempre intimado o Ministério Público a se
pronunciar.169
Antônio Cláudio da Costa Machado acrescenta que a participação obrigatória do
Ministério Público como interveniente significa, em verdade, “convocação obrigatória”,
“cientificação necessária”, o que é suficiente para impedir a ocorrência da declaração de
nulidade.170
Igualmente se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção,
pode o Ministério propor a ação rescisória, tal como preceitua o art. 487, II, do Código de
166 BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas, p. 28. 167 GARCIA, Emerson. Ministério público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 315. 168 “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do
inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”
169 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério Público no processo civil e penal: promotor natural, atribuição e conflito, p. 30-31.
170 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p. 398.
100
Processo Civil.171 Nesse aspecto, ajuizando a rescisória, o Parquet sai da condição primeva de
interveniente e se torna autor da demanda.
Os benefícios do art. 188 do Código de Processo Civil não alcançam o Ministério
Púbico se sua atuação é como órgão interveniente, pois o artigo é claro ao determinar que tais
prerrogativas devem atingi-lo quando for parte.
Feitas essas considerações, passa-se à análise das hipóteses de intervenções conforme
as três dimensões indicadas. Como se verá nos próximos pontos, a identificação dos
fundamentos ensejadores da intervenção é que se torna a matéria mais interessante, uma vez
que será a partir dela que a instituição revelará sua verdadeira identidade constitucional.
4.3.1 Órgão interveniente assistencial
Como interveniente assistencial, reserva-se o inciso I do art. 82 do Código de Processo
Civil. Diz-se da defesa de interesses de incapazes pelo Ministério Público. Essa incapacidade
pode ser tanto absoluta172 quanto relativa.173 Comentando o inciso em questão, Alcides de Mendonça Lima174 defende que a
aferição da necessidade da intervenção é exclusiva do Parquet. Dessa forma, a
obrigatoriedade da intervenção far-se-á à medida que houver interesse de incapaz a exigir a
presença do Ministério Público na causa.
A capacidade de direito é a aptidão para alguém ser titular de direitos e deveres, ser
sujeito de relações jurídicas. Todas as pessoas físicas a têm. Já a capacidade de fato é
dinâmica, consistindo na possibilidade da prática de atos da vida civil com efeito jurídico,
adquirindo-se, modificando-se ou extinguindo-se relações jurídicas. Esta última comporta
171 “Art. 487. Tem legitimidade para propor a ação: [...] III – O Ministério Público.” 172 Código Civil, Art. 3º – São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiveram o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
173 Código Civil, Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
174 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 72.
101
diversidade de graus e, sendo limitada, absoluta ou relativamente, ocasiona a necessária
intervenção do Ministério Público no âmbito processual civil.
Sua atuação seria, tal como o próprio subtítulo traduz, de interveniente assistencial, ou
seja, caberá ao membro do Ministério Público verificar se há interesse a legitimar sua atuação
e se o interesse do incapaz em litígio está sendo efetivamente defendido, haja vista a sua
condição de incompleta formação psíquica.
No dizer de Celso Agrícola Barbi,175 a função ministerial é de vigilância (pois deve
suprir eventual falha praticada na defesa dos interesses dos incapazes), bem assim repressiva e
preventiva de uso de meios fraudulentos ou maliciosos (praticados contra os incapazes). A
postura desse autor baseia-se no fato de que, como interveniente assistencial, o Ministério
Público deve atuar no processo pura e simplesmente para a defesa dos interesses dos
incapazes.
Há autores, entretanto, que entendem que, ingressando no processo para a defesa de
interesses de incapazes, o membro da Instituição, por ser, sobretudo, o guardião do Estado de
Direito, pode manifestar-se pela inexistência de direito do incapaz ou pela razão ao opositor
do incapaz, já que o seu dever é, sobretudo, de defesa da ordem jurídica.
Para esses autores vigora o raciocínio de que o Parquet tem o dever de defender o
interesse público, que se evidencia pela correta aplicação da lei. Atuaria de forma livre e
meramente fiscalizadora. Assim, o interesse do incapaz não detém primazia, podendo o
Ministério Público posicionar-se favorável à parte capaz, se entender que essa lei tem razão.
José R. S. Bedaque176 sustenta que José Fernando da Silva Lopes, Antônio Raphael
Silva Salvador, Nelson Nery Júnior e Alcides de Mendonça Lima são partidários desse
pensamento. Mas Bedaque o acha simplista, pois, a seu ver, isso obrigaria a intervenção
indiscriminada do Parquet em todas as relações processuais civis, já que a correta atuação da
lei é meta geral e indiscriminada do Estado e da sociedade.
Para Bedaque, é o interesse público indisponível, e não apenas a correta atuação da lei,
que determina a intervenção do Ministério Público.
Os interesses, nessas hipóteses, extravasam os limites da relação jurídica, atingindo pessoas que dela não fazem parte, mas que, de maneira indireta, são afetadas pelo resultado do processo. Daí a sua indisponibilidade e, em
175 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil, v. 1, p. 281. 176 BEDAQUE, José R. S. O Ministério Público no processo civil: algumas questões polêmicas. Revista de
Processo, p. 38.
102
conseqüência, a necessidade de atuação do Ministério Público, seja propondo demandas, seja intervindo nos processos que os tenham por objeto. Outra não é a razão pela qual o legislador processual exige a presença do curador sempre que no processo houver incapazes (CPC, art. 82, I).177
Entende ainda que, como curador de incapazes, o interesse público materializa-se em
um dos pólos da relação processual (do incapaz), constituindo a razão de ser da intervenção
do Ministério Público. Dessa forma, considera que não pode a instituição manifestar-se
favoravelmente à parte capaz e contrariamente àquele que legitimou sua intervenção no
processo, por contrariar a própria essência da intervenção.
Mencionado autor tem o cuidado de esclarecer que não é favorável à defesa
intransigente do incapaz, ferindo-se a própria consciência do membro do Ministério Público.
Assim, propõe que, se o Promotor não visualizar na legislação amparo à pretensão do incapaz,
deve limitar-se à tentativa da prova de amparo à situação fática favorável ao incapaz. Ao final,
esclarece que o que entende inconcebível é o desenvolvimento de argumentos ou de
raciocínio jurídico favorável à parte capaz pelo Parquet, se este ingressou nos autos
exatamente para assistir ao incapaz.
Também partilha esse entendimento Ernane Fidélis dos Santos178 quando afirma que,
se o Parquet não julgar justo coadjuvar seus representantes ou assistentes na defesa dos seus
interesses, não pode também a eles se opor.
Três casos práticos interessantes, passíveis de vivência pelo Parquet como
interveniente assistencial, são propostos por Bedaque: a) se, após a instrução, o Curador não
estiver certo quanto aos fatos alegados pelo incapaz; b) no caso acima, se o Magistrado, ao
valorar a prova, concluir pela vantagem alegada pelo incapaz; c) se os fatos foram
satisfatoriamente demonstrados, mas a subsunção destes à norma comporta mais de um
entendimento.179
177 BEDAQUE, José R. S. O Ministério Público no processo civil: algumas questões polêmicas. Revista de
Processo, p. 39. 178 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil, v. 1, p. 108. 179 BEDAQUE, José R. S. O Ministério Público no processo civil: algumas questões polêmicas. Revista de
Processo, p. 40-41.
103
A resposta, em poucas linhas, às três questões é esta: “todas as vezes em que seja
possível mais de uma interpretação, quer dos fatos, quer da norma, o Curador deve sempre
optar por aquela mais favorável ao incapaz”.180
Bedaque ainda esclarece que, em causas em que houver interesses de incapazes em
ambos os pólos, basta a atuação Ministerial única, devendo o Parquet manifestar-se
favoravelmente àquele que tem o amparo da lei material.
Firme-se, pois, a idéia de que é a presença do incapaz e de seus direitos que legitima a
intervenção ministerial, bem assim que essa intervenção tem por finalidade zelar pela
efetividade do contraditório, como também assegurar que o incapaz, como hipossuficiente na
relação jurídica, exercerá efetivamente seus direitos processais.
Antônio Cláudio da Costa Machado bem resume que a ratio da intervenção ministerial
nas causas envolvendo incapazes diz respeito ao interesse social pertinente ao resguardo
daquele que se encontrar em situação frágil.
A propósito, escreve:
[...] O que torna indisponível tal direito é a circunstância da incapacidade do seu titular, ou seja, a falta, real ou presumida, de desenvolvimento mental suficiente que lhe permita a autodeterminação no mundo do direito. A indisponibilidade do direito do incapaz não resulta, portanto, da relevância social do interesse de que é titular, mas da relevância social do interesse genérico de que se dê proteção adequada àquele que se encontra em situação de extrema fragilidade.181
Para o autor, a intervenção ministerial na espécie é sempre vinculada à assistência dos
interesses dos incapazes (hipossuficiente na relação processual), consubstanciando-se em
função institucional privativa para a garantia de reequilíbrio do contraditório. Por isso,
denomina-se o Parquet pelos incapazes como assistente diferenciado.
Também é esse o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco182 e de Hugo Nigro
Mazzilli.183 Este, além de afirmar a natureza assistencial e dizer do caráter protetivo para
suprir eventuais deficiências na defesa da parte assistida, reitera a vinculação da atividade
ministerial ao interesse público configurado em vista da qualidade da parte – não só do
180 BEDAQUE, José R. S. O Ministério Público no processo civil: algumas questões polêmicas. Revista de
Processo, p. 41. 181 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
216. 182 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, p. 332. 183 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime juridico do Ministério Público, p. 734-735.
104
incapaz –, mas também em relação ao acidentado do trabalho, à pessoa portadora de
deficiência, aos indígenas e às fundações.
Aliás, afirma-se que a figura do Ministério Público assistente não é esdrúxula para o
Código de Processo Civil, tendo o art. 1.144, I, expressamente previsto que a instituição fará a
assistência ao curador da herança jacente.
Sem embargo dos fundamentos processuais, reveladores, por si sós, do interesse social
e individual indisponível, referentes à razão de intervir do Ministério Público na hipótese do
inciso I do art. 82 do Código de Processo Civil, a questão merece também enfoque direto à luz
da Constituição Federal de 1988.
Sob o viés constitucional, o fundamento da intervenção do Parquet no direito
processual civil atrela-se também, intimamente, à pessoa humana, que tem o direito a
desenvolver-se cercada dos cuidados necessários à sua boa formação (art. 1°, III, CF).
É sabido que a Constituição Federal reserva proteção especial à pessoa humana,
sobretudo à criança e ao adolescente, obrigando o Estado, a família e a sociedade a se unirem
na proteção e no amparo ao menor absoluta ou relativamente incapaz. Prova disso são os arts.
203, 205, 226, §7º, e 227, todos da Constituição Federal.
Mencionados artigos deixam claro que o Estado, a sociedade e a família são
responsáveis pelo desenvolvimento do homem e pela efetiva disponibilização dos
mecanismos necessários à realização desse intento.
A explicação da proteção especial conferida pelo Código de Processo Civil ao incapaz
relaciona-se aos fundamentos constitucionais do Estado Democrático brasileiro. Apesar de o
texto preexistir à Constituição Federal de 1988, verifica-se que da essência da citada norma é
possível traduzir valores afetos à dignidade da pessoa humana, princípio íntimo do papel
legitimador da intervenção Ministerial.
Mencionado princípio, no dizer de Nelson Rosenvald, forte nas lições de Kant, “não é
um valor oriundo de uma entidade externa e superior, mas nasce do interior do homem como
sujeito ético, capaz de conceber a liberdade e o justo”.184
Ora, como fundamento da República brasileira, que se constitui em um Estado
Democrático de Direito, competindo ao Ministério Público exatamente a defesa desse regime,
a dignidade da pessoa humana é colocada no centro, no vértice normativo e axiológico de
184 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil, p. 3.
105
todo o sistema, abrangendo várias categorias de interesses e direitos, como aqueles
relacionados ao instituto da (in)capacidade.
A dignidade humana é, pois, fator interno, de ordem moral, que tem sua fonte na
autonomia da vontade de cada indivíduo. É essa autonomia que leva os homens à vida em
grupo, à criação do Estado, ao contrato social. Foi, pois, da condição essencial de liberdade do
indivíduo que nasceu o Estado. E por ser guardião da sociedade e do interesse público
(primário), o Parquet é, sobretudo, protetor deste princípio.
A releitura do art. 82, I, do Código de Processo Civil visa direcionar a atuação do
Ministério Público à proteção dos direitos decorrentes da dignidade da pessoa humana e de
todas as garantias a ela inerentes. O objetivo é conduzir a uma atuação efetiva e necessária,
voltada para os interesses sociais e individuais indisponíveis, evitando que o membro do
Parquet atue como mero facilitador dos atos judiciais, pois, como é sabido, esse não é o seu
papel.
O princípio da dignidade da pessoa humana, o caráter indisponível de direitos que dele
decorrem e a respectiva proteção pelo Ministério Público são apreciados pela jurisprudência:
A Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3°, 4°, 5° e 7°; 227, § 6°). 2. A Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições prescritas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, artigos 127 e 129). 3. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27). (STF, RE 248869/SP – São Paulo, Rel. Min. Maurício Corrêa. Órgão Julgador: 2ª Turma, julgamento em 7/8/2003.) 185
Os trabalhos de racionalização da atuação do Parquet, destrinchados no capítulo
seguinte, entendem obrigatória a intervenção havendo interesses de incapazes nos feitos. Há,
entretanto, formas de racionalizar a intervenção também nesses casos. Um exemplo, como
185 Disponível na íntegra em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp. Acesso em: 15 maio 2007.
106
dito, é a intervenção de apenas um membro da instituição nas causas onde houver interesses
de incapazes em ambos os pólos da relação processual.
Voltando à questão da intervenção, é importante comentar outros aspectos.
Primeiramente, não há necessidade de que o incapaz seja parte no processo, bastando
que esteja presente interesse seu na causa para que esteja legitimada a intervenção ministerial.
Claro exemplo é o inventário, no qual a parte é o espólio, mas o incapaz é herdeiro. Nesse
caso, deve haver intervenção do Ministério Público.
Cumpre ainda lembrar que se houver fundamentos de que, em determinada causa, a
parte ou o interessado seja incapaz, a intervenção do Parquet torna-se obrigatória.186
Ao cessar a incapacidade, cessa o motivo para a intervenção do Parquet. É o que
ensina Nelson Nery Júnior:
Cessação da incapacidade. A partir do momento em que cessar a incapacidade, termina a legitimidade para o MP intervir no processo. Se houve nulidade pela não participação do MP no processo, quando o interessado ainda era incapaz, a superveniência de sua capacidade não convalida aqueles atos, impondo-se a anulação do feito a partir do vício, nada obstante não exista razão atual para a intervenção do MP.187
A jurisprudência pátria é pacífica quanto à obrigatoriedade da intervenção do Parquet
em casos onde haja interesses de incapazes:
Ministério público. Intervenção. Sem dúvida que lhe compete intervir ‘nas causas em que há interesse de incapazes’ (Cód. de Pr. Civil, art. 82, I). Mas se houve a repetição dos atos com a sua presença, não é de se decretar a nulidade. Também não se decreta nulidade se ela não aproveita a quem a argúi. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp. 56176, 3ª Turma, Rel. Ministro Nilson Naves. DJ 31/8/1998.) 188
Processual Civil. Ministério Público. Intervenção. Ação anulatória de clausula de separação judicial e de alienação feitas pelo marido, com procuração da mulher, para terceiros. Preservação da legitima. Filhos menores. Interesse de incapazes. Recurso Provido. I – O casamento, embora constitua vinculo contratual entre particulares, goza de especial proteção do estado, nas relações estabelecidas entre aqueles.
186 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante, p. 461. 187 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação
extravagante, p. 461. 188 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=
199400326939&data=31/8/1998. Acesso em: 15 maio 2007.
107
II – A mãe, ao sustentar a nulidade da venda realizada pelo pai, de imóveis de propriedade do casal, pretendendo que o patrimônio se reincorporasse ao acervo da família, buscou preservar, mesmo que por via difusa, as legitimas dos filhos menores que estariam prejudicadas com as alienações. Dai o interesse de incapazes a provocar a intervenção do Ministério Público. (STJ, REsp. 32439 / SP, 4ª Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 25/3/1996.) 189 Transação. Homologação em juizo. Art. 55 da Lei n. 7.244/84. Intervenção do Ministerio Publico. 1. Sob a egide do art. 55 da lei n. 7.244/84 não se exige a intervenção do Ministerio Público para a homologação de transação, salvo naqueles casos em que a intervenção e obrigatoria, como, por exemplo, havendo interesse de menores. 2. Recurso Especial não conhecido. (STJ, REsp. 108130/MG, 3ª Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 9/3/1998.) 190
Para encerrar esse tópico, é interessante anotar que Antônio Cláudio da Costa
Machado191 inclui o dever do Ministério Público de intervir nos feitos relacionados às
fundações com a natureza também de assistência diferenciada, em razão da obrigação legal de
zelo pelo interesse social de cumprimento dos objetivos estabelecidos, na forma da lei civil,
desde a sua constituição, administração e até eventual extinção, tendo em vista tratar-se de um
patrimônio indisponível a serviço de um escopo definido.
Contudo, a atividade interventiva assistencial tratada nesse ponto refere-se apenas ao
estudo da hipótese do inciso I do art. 82 do Código de Processo Civil, até mesmo porque o
desvelo pelas fundações e dos acidentários do trabalho, dos indígenas, dos idosos encontra
respaldo processual na norma do inciso III do aludido dispositivo, uma vez que se evidencia o
interesse público nesses casos pela qualidade da parte.
189 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=
199300049070&data=25/3/1996. Acesso em: 15 maio 2007. 190 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=
199600587973&data=9/3/1998. Acesso em 18 maio 2007. 191 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
268-278.
108
4.3.2 Órgão interveniente especial (puro fiscal da lei)
A doutrina classifica a hipótese de intervenção do Ministério Público como puro fiscal
da lei no inciso II do art. 82 do Código de Processo Civil. Diz-se da intervenção nas “causas
concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento,
declaração de ausência e disposições de última vontade.”
O Código previu de forma expressa a intervenção do Parquet em causas relativas ao
direito de família. O dispositivo demonstra a preocupação do ordenamento jurídico na
preservação da família, oriunda do direito parental ou do matrimonial. É que a família
remonta às bases da vida em grupo e à origem da sociedade. Daí sua proteção especial.
O inciso II abarca, ainda, a tutela, a curatela, a ausência, a interdição, além de outros
institutos que, para alguns, poderiam constituir redundância, por se enquadrarem nos casos do
inciso I do mesmo art. 82.192
Antônio Cláudio da Costa Machado193 discorda dos autores que pensam assim, por
entender que as situações previstas no inciso II
são específicas, identificadas pela natureza (no inc. I a natureza não importa), nas quais apenas pode figurar incapaz (no inc. I a relação é quase sempre integrada por incapaz) e, além disso, servem para desencadear o desempenho da função de fiscal da lei (no inciso I a função desencadeada é assistencial).
Enfim, há, no inciso II do art. 82 do Código de Processo Civil, relações de direito
privado reguladas por leis de ordem pública. E assim o é porque tais relações têm em sua
essência o elemento indisponibilidade a caracterizá-las. Trata-se, pois, de direitos
indisponíveis, não vinculados a interesses personalizados, mas essenciais da sociedade, cuja
fiscalização livre e imparcial é atribuição institucional privativa do Ministério Público no
processo.
192 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 72;
SILVA, Otacílio Paula. Ministério Público, p. 47. 193 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p
288-289.
109
O fenômeno da indisponibilidade nos casos do inciso II é evidente, uma vez que um
órgão do Estado, o Ministério Público, atua processualmente para tornar a aplicação da lei,
material e processual, a mais adequada possível, independentemente da vontade privada.
Em outras palavras, os interesses tutelados são tão socialmente relevantes que a ordem
jurídica prevê a intervenção de uma instituição, diversa do magistrado, para auxiliar no
sentido de uma decisão justa, fiscalizando as partes e o próprio Estado-Juiz com vista à
correta aplicação da lei.
José Fernando da Silva Lopes ensina:
O Ministério Público assim intervém no processo para velar pela correta aplicação da lei de ordem pública e para realizar uma carga de atividades que as partes deveriam desenvolver mas, eventualmente, não desenvolvem, para impedir que o juiz, podendo suprir a inércia ou desinteresse da parte, não o faça, assegurando, efetivamente, sua neutralidade e eqüidistância. Faz o Ministério Público, em suma, aquilo que a parte deveria fazer, mas não o fez, e, aquilo que o juiz poderia fazer, mas não deve, aparecendo no processo como verdadeiro órgão de controle do interesse público, preocupado com a atuação da lei e com a relevante necessidade de garantir a mais estrita neutralidade do organismo jurisdicional. Este, o duplo fundamento da intervenção.194
Nas causas concernentes ao estado da pessoa e ao casamento, a proteção do Código é
aos direitos de personalidade e de capacidade. Protege-se a posição da pessoa na sociedade e
nas suas relações políticas com o Estado e com os outros indivíduos no âmbito familiar. São
abrangidas pelo inciso II, portanto, as ações de estado, que abarcam ações atinentes a relações
familiares, (in)existência de casamento, nulidade ou anulabilidade de casamento, divórcio,
separação, etc.
Mencionado inciso abrange, ainda, os litígios relacionados ao direito parental, que
posiciona o indivíduo na família. Nesse aspecto, a intervenção comporta casos como os de
investigação de paternidade ou de maternidade, as ações de prova de filiação legítima, ações
de contestação de paternidade ou de maternidade, adoção, além de outras.
Antônio Cláudio da Costa Machado195 defende que o inciso em estudo abrange ainda
questões atinentes ao estado político, conceito abarcado pela expressão estado da pessoa.
194 LOPES, José Fernando da Silva. O Ministério Público e o processo civil, p. 47. 195 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
293.
110
Desta feita, as ações que discutem o estado de nacional ou estrangeiro, bem assim as
concernentes ao estado de cidadão, comportam a intervenção ministerial pelo art. 82, II.
No que tange ao pátrio poder, a participação do Parquet no processo se legitima pela
relação jurídica entre pais e filhos, o que interessa à ordem pública. Daí a sua separação do
inciso I, no qual se destaca o interesse do incapaz. Das causas pertinentes ao pátrio poder
decorrem as intervenções realizadas em ações de busca e apreensão de menor, aquelas nas
quais se discutem a administração do patrimônio dos filhos, as ações de suspensão de pátrio
poder, regulação ou modificação de guarda, além de outras. Justifica-se, enfim, a intervenção,
quando se quer fazer valer as prerrogativas de pais, bem assim quando se discutem tais
prerrogativas.
A intervenção nas causas concernentes à tutela e à curatela igualmente tem sua
essência na relação jurídica da tutela e não na presença de interesse de incapaz. Assim,
prepondera nessas causas a discussão em torno da própria tutela ou curatela, tal como se passa
em ações declaratórias de nulidade de nomeação de tutor ou naquelas nas quais se discute a
administração dos bens do menor e eventual ressarcimento pelo tutor, por exemplo.
Relativamente à interdição, advinda da nomeação pelo juiz de curador, que cuidará da
representação e do patrimônio do interdito, tem-se a ratio da intervenção no interesse do
Estado de que se interdite o incapaz apenas e tão-somente nas hipóteses autorizadas, e não na
defesa do incapaz propriamente dita.196 Antônio Cláudio da Costa Machado, lembrando o
texto do art. 1.182, § 1º, do Código de Processo Civil esclarece que a função do Parquet nas
causas de interdição se orienta tanto pelo critério fiscalizador (art. 82, II), quanto pelo critério
protetivo, caracterizado pelo próprio art. 1.182, § 1º, mencionado.197
Pouco a se falar quanto à intervenção na declaração de ausência. Dado o efeito de
perda de direitos decorrente da sentença de procedência do pedido de declaração de ausência,
a legislação exige a participação do Parquet em todas as fases do processo judicial (curadoria
do ausente, sucessão provisória, sucessão definitiva), que zelará pela correta aplicação da lei.
Nas causas concernentes à disposições de última vontade cumpre ao Parquet zelar
para que efetivamente se cumpra a vontade manifestada pelo de cujus em testamento. Aí o
196 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
298. 197 “Art. 1.182 [...] §1º. Representará o interditando nos autos do procedimento o órgão do Ministério Público ou,
quando for este o requerente, o curador à lide.”
111
interesse público legitimador da intervenção, ou seja, respeitar a manifestação do testador,
que, falecido, não pode defender a sua vontade.
Outrossim, válido cogitar que a ratio da intervenção do Parquet nas hipóteses acima
está também embasada no princípio da dignidade da pessoa humana, que tem sede
constitucional, tal como comentado no tópico anterior (interveniente assistencial). A proteção
à família e à entidade familiar tem destacada importância no texto constitucional, tal como se
verifica nos arts. 226 e seguintes do Título VIII, Capítulo VII da Carta Política vigente.
Como se percebe, nos casos abrangidos por este inciso há muito que refletir quanto à
racionalização da intervenção. Nas situações em que inexiste interesse de menor ou de
incapaz, a necessária participação do membro do Ministério Público é passível de
questionamento ou, no mínimo, de uma releitura, em razão de estar fora do alcance do
conceito institucional esculpido no art. 127 da Constituição Federal, já que os pólos da relação
processual estão equilibrados, os interesses discutidos são privados e, desde que respeitados
os requisitos legais, poderiam as partes deles dispor.
E mesmo o argumento do interesse público ou social de que cumpre à instituição zelar
pela observância das normas de ordem pública (requisitos legais) não está imune a
indagações, porque, se assim se considerar, poder-se-ia afirmar que cumpre-lhe intervir em
toda e qualquer ação, tendo em vista a incumbência genérica de defesa da ordem jurídica.
Nos estudos do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e do Conselho
Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público, tratados no capítulo seguinte, há
sugestões de não-intervenção do Parquet em casos como da ação declaratória de união estável
e partilha, ação ordinária de partilha de bens, ação de alimentos, revisional de alimentos e
executiva de alimentos entre partes capazes, alguns procedimentos de jurisdição voluntária,
ações previdenciárias e ações relativas à disposição de última vontade. Frise-se que, para a
desnecessidade da intervenção, é fundamental que inexistam interesses de incapazes nesses
feitos.
Esse posicionamento vem encontrando guarida na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, a saber:
Recurso especial. Agravo de instrumento. Alimentos. Maioridade do alimentando. Ministério Público. Ilegitimidade para recorrer.
112
O Ministério Público não detém legitimidade para recorrer contra decisão em que se discute alimentos quando o alimentando houver alcançado a maioridade. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp. 712175/DF, 4ª Turma, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 8/5/2006.)198
Como se verá, as propostas racionalizadoras apresentam como principais fundamentos
as limitações orçamentárias da instituição e, de outro lado, a necessidade de dar cumprimento
à missão constitucional com efetividade, priorizando a atuação em prol dos realmente mais
importantes valores sociais.
4.3.3 Órgão interveniente com base no interesse público evidenciado pela natureza da lide
ou qualidade da parte
Antes de se passar à analise dos critérios indicadores do interesse público a legitimar a
intervenção do Ministério Público no processo civil (natureza da lide ou qualidade da parte), é
interessante anotar algumas generalidades sobre o conceito de interesse público.
4.3.3.1 Generalidades do conceito de interesse público
O entendimento sobre a delimitação do interesse público é curial para a análise da
intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, mormente porque há sua
explícita citação no art. 82, III, do Código de Processo Civil. Observe-se que o estudo do
interesse público e dos direitos indisponíveis deve ser feito de forma interligada.
Vários podem ser os referenciais interpretativos para desvendar a problemática trazida
com a parte final da aludida norma. A legislação brasileira antecedente, a origem do
dispositivo e o direito comparado são alguns deles, sendo certo que os dois primeiros já foram
mencionados no subitem 3.1.3 deste estudo.
198 Disponível na íntegra em: https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200401806811&dt_
publicacao =8/5/2006. Acesso em 15 maio 2007.
113
No plano do direito comparado, é inexorável atrelar-se a redação do dispositivo com o
disposto no art. 70 do Código de Processo Civil italiano, que previu a possibilidade de
intervenção do Ministério Público nas causas em que se vislumbre un pubblico interesse, após
elencar hipóteses de atuação obrigatória. Nesse aspecto, a doutrina peninsular não é unânime,
mas majoritariamente entende ser poder discricionário da instituição avaliar a presença do
interesse público nos feitos.199
Mesmo reconhecendo a dificuldade de sua conceituação, praticamente a unanimidade
dos doutrinadores de renome que escrevem sobre a noção de interesse público e seu aspecto
limitador da intervenção do Parquet na seara processual civilista baseiam-se na lição e
parâmetros deduzidos pelo italiano Renato Alessi, qual seja, da diferenciação dos
denominados interesses primários e secundários do Estado.
Para Renato Alessi,200 o que se chama interesse público subdivide-se no interesse
público primário, interesse do bem geral, e no interesse público secundário, interesse da
administração ou forma pela qual é visto o interesse público pelos órgãos da Administração.
Em outras palavras, o interesse público primário pode ser evidenciado pelo interesse da
sociedade ou da coletividade, como a saúde, a educação e o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, enquanto a menção clara de interesse da Administração pode ser o aumento da
arrecadação.
Não havendo coincidência do interesse público primário e do secundário, o Ministério
Público deve zelar sempre pelo primeiro, o que é facilmente detectável pelas funções
institucionais elencadas no art. 129 da Constituição Federal.
Hugo Nigro Mazzilli, reconhecidamente um dos pioneiros a conferir relevo à tal
separação, escreveu:
Essa distinção evidencia que nem sempre está a coincidir, respectivamente, o interesse primário com o secundário. E é pelo primeiro deles que deve zelar o Ministério Público. Nesse sentido, o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e mesmo com os mais autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente).201
199 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
317-321. 200 ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano, p. 197-198. 201 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 143-146.
114
Cândido Rangel Dinamarco assim leciona:
O Ministério Público tem o encargo de patrocinar os interesses públicos primários, que remontam à sociedade como tal e a seus valores – e não os secundários, cujo titular é o Estado pro domo sua, ou seja, como pessoa jurídica. Ao Ministério Público é categoricamente vedado o patrocínio de entidades estatais (art. 129, inc. IX). Constitui aberração a intervenção do Ministério Público em causas nas quais é parte uma entidade estatal, só pela presença destas no processo (infra, n. 616).202
Na concepção moderna, o Estado, como pessoa jurídica, existe e convive com os
demais sujeitos de direito. Por isso pode ter (e efetivamente tem) interesses próprios (do
Estado enquanto pessoa). Tais interesses seriam os interesses secundários do Estado.
Os primários são os interesses de toda a sociedade ou “de todos os indivíduos
enquanto partícipes da sociedade”, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello,203 e são, por
isso, superiores e distintos dos interesses do Estado.
Melhor explicando, o verdadeiro interesse público é, pois, distinto do interesse do
Estado. O interesse público é o interesse primário, da sociedade. O secundário é o interesse do
Estado, como pessoa jurídica. Como a sociedade está entificada no Estado, tem ele o dever de
primar pela proteção e resguardo do interesse público primário.
Pelo que foi dito, o interesse público primário é o interesse social, pois está legitimado
na sociedade. A expressão interesse social é, assim, de maior abrangência e denota de forma
mais legítima a essência do interesse tutelado. Daí o uso do termo na Constituição Federal, a
despeito do art. 82, III, do Código de Processo Civil, no qual ainda se verifica a terminologia
interesse público.
Destarte, o móvel da atuação ministerial é o interesse público primário, ou interesse
social, que, no caso concreto, se fará presente em situações jurídicas de relevância para a
sociedade, decorrente ou da condição pessoal dos litigantes, ou do direito material discutido
em juízo. Afinal, o interesse público, para os fins do art. 82 do Código de Processo Civil, deve
ter as suas raízes fincadas na Carta Política de 1998, especialmente em conformação com o
multicitado caput do art. 127.
202 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 710. 203 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, p. 57.
115
A propósito, Antônio Cláudio da Costa Machado204 observa que certos interesses
indisponíveis previstos na Constituição Federal, por sua natureza intensamente programática,
dificilmente teriam alguma repercussão processual. Entre eles tem-se a origem popular do
poder, os símbolos nacionais, a integridade nacional, o regime democrático, a justiça social, a
liberdade de iniciativa, a valorização do trabalho. Sem embargo, o citado autor informa a
existência de outros interesses públicos constitucionais que, por sua vez, têm maior
concretude e, por isso, legitimam a atuação do Parquet como interveniente em processos que
os envolvam.
A Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público a tutela dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. A abrangência desses interesses ou direitos é muito ampla.
Os direitos individuais ou “liberdades públicas” ou ainda “direitos do homem e do
cidadão são prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado constitucional ou do Estado
de Direito”.205 Os direitos individuais são, portanto, freio à soberania do Estado, que tem o
dever de respeitar e resguardar a esfera jurídica indisponível do cidadão. Como traço
marcante dos direitos individuais, Celso Ribeiro Bastos destaca que eles “prescindem de
qualquer fato aquisitivo e ainda que pela simples razão de existir o Homem já absorve esses
direitos constitucionais que lhe garantem o exercício de uma autonomia e, além disso,
impõem limitações à conduta do Estado”.206
Antes, ou os direitos eram individuais, ou eram públicos. Atualmente, no dizer de
Celso Bastos,207 há também uma tutela intermediária, sede em que estão inseridos os já
mencionados direitos coletivos e os direitos difusos, não raramente tratados na doutrina como
se fossem um só direito.208
Conforme referido, os primeiros (direitos coletivos) dizem respeito a interesses de um
grupo de pessoas, em fenômeno metaindividual. Já os segundos (direitos difusos) são aqueles
passíveis de ser fruídos por um grupo mais ou menos impreciso, ou, se preferirmos, não
determinável de pessoas. Os direitos difusos são indivisíveis, isto é, seus beneficiados, fruem
mencionados direitos em sua integralidade, não impedindo que outros igualmente o façam.
204 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
353. 205 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 257. 206 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 258-260. 207 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 273. 208 MARINHO, José Domingos da Silva. O Ministério Público e tutela jurisdicional dos interesses difusos.
Revista de Processo, p. 114 et seq.; SOUZA, Antônio Fernando Barros e Silva de. O Ministério Público e a tutela jurisdicional dos interesses coletivos. Revista de Processo, p. 274 et seq.
116
Antônio Cláudio da Costa Machado209 compreende equivocada a expressão interesse
coletivo como sinônima de interesse público, pois aqueles designam o interesse de certos
grupos, particulares. Entende, dessa forma, que somente quando forem considerados
tuteláveis processualmente por lei explícita, os interesses coletivos podem ser tidos como
sinônimos de interesses públicos para os fins do art. 82 do Código de Processo Civil. Como
exemplo, cita o Código de Defesa do Consumidor (arts. 81, parágrafo único, II; 82, I; e 92) e
o Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 208 e 210).
De toda forma, feitos esses registros, tem-se que a guarda dos interesses sociais e
individuais indisponíveis eleva o Ministério Público à categoria de guardião da ordem política
vigente. É que a base de tais direitos remonta ao próprio Contrato Social de Rousseau, origem
da sociedade e do Estado, que foi assim definido pelo seu autor:
Cada um enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá, e como em todo o sócio adquiro o mesmo direito, que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho. Se afastamos pois do pacto social o que não é da sua essência, achá-lo-emos reduzido aos termos seguintes: Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo.210
Tal como demonstrado ao longo deste trabalho, a Carta Magna ampliou a esfera de
atuação do Parquet e definiu sua missão, distinta daquela exercida pelos demais órgãos
componentes do Estado, conferindo-lhe o papel de guardião dos componentes do Estado
Democrático.
Poder-se-ia indagar se o art. 82, III, do Código de Processo Civil já não conferia esse
papel ao Parquet, muito antes da Lex Mater de 1988. A resposta é negativa no que tange ao
seu papel de órgão interveniente e também de agente.
Antônio Cláudio da Costa Machado211 ensina que o art. 82, III, não se refere a
interesse público em sentido lato. O autor lembra que existe um enfoque instrumental e outro
material para configurar o interesse público legitimador da intervenção. Para ele, a
209 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
339-340. 210 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social, p. 32, grifos do autor. 211 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
333 et seq.
117
intervenção se justifica pela existência de um direito material indisponível, bem assim de um
direito processual indisponível.
O traço marcante e indissociável da intervenção, ainda no dizer do autor, será o
“interesse ou direito tornado indisponível”. O seu pensamento conjuga posicionamentos
doutrinários distintos: de que a intervenção se fundamenta na defesa e materialização das
garantias processuais constitucionais e também na proteção do direito material envolvido.
Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado, o art. 82, III, dispensa previsão legal
específica de intervenção do Ministério Público. Assim, havendo evidência de fundamento
para a sua atuação, deve o Parquet intervir, consoante os valores mencionados. Diz Machado
que “fica instituída uma modalidade de intervenção que não depende de uma previsão legal
específica, bastando que no caso concreto aflore o interesse público ante certa natureza
jurídica da lide que é deduzida em juízo ou pela qualidade da parte que figura no processo”.212
Firme nos ensinamentos de Luiz Sérgio de Souza Rizzi e Milton Sanseverino, assevera
o autor que a intenção do Código não é fechar em hipóteses de expressa previsão legal a
intervenção por interesse público, sendo, pois, proposital o texto aberto, a ser interpretado de
molde a que todos possam provocar a participação do Ministério Público. Não obstante isso, a
efetiva intervenção consiste em prerrogativa exclusiva da instituição ministerial.
A previsão do art. 82, III, do Codex evidencia que cabe aos envolvidos no processo
(partes, juiz e outros), suspeitando da existência de interesse público, promover ou requerer a
intimação do Ministério Público.
A obrigatoriedade da intervenção ministerial fundamentada na presença do interesse
público divide a doutrina. Antônio Cláudio da Costa Machado213 ensina que há autores como
Antônio Celso de Camargo Ferraz, Celso Agrícola Barbi Carlos e Octávio da Veiga Lima que
entendem ser facultativa a intervenção por este inciso. Outros, como o próprio Machado,
Pontes de Miranda, J. J. Calmon de Passos e Mario Vellani, defendem a obrigatoriedade
interventiva.
O caput do art. 82, além de não usar o termo pode ou deve, e sim o termo compete, por
si só, já deixa clara a obrigatoriedade da intervenção. E assim o afirma especialmente porque,
212 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
327. 213 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
379-388.
118
se para os dois primeiros incisos a intervenção é obrigatória, por que não o seria para o
terceiro se inexiste ressalva no caput do art. 82?
Argumentos como o de que pelo art. 84 a regra é da não-obrigatoriedade, devendo a
lei dizer os casos de obrigatoriedade da intervenção, bem assim de que a expressão interesse
público é vaga e imprecisa, não têm o condão da afastar a obrigatoriedade da intervenção do
Parquet em tais causas. A obrigatoriedade da intervenção atende à exigência processual de
reequilibrar o contraditório ou de fiscalizar a aplicação da lei.
A releitura do art. 82, III, do Código de Processo Civil envolve a prerrogativa do
Parquet sobre a existência ou não de interesse público a autorizar a sua atuação. A
interpretação do inciso deve ser sistêmica e conforme a Constituição Federal.
Ora, o Ministério Público deve intervir se evidenciado o interesse público (social e
individual indisponível) em determinada causa. A contrario senso, naquelas em que os
interesse deduzidos em juízo forem individuais e disponíveis, não importará em atividade do
Parquet, ainda que haja expressa previsão legal. Tanto é assim que no próximo capítulo serão
conhecidas inúmeras causas em que a própria instituição reconhece a falta de fundamento
para intervir.
Com efeito, após prever de modo expresso os casos de intervenção do Parquet no art.
82, o Código de Processo Civil abriu espaço para outras hipóteses, as quais têm por norte o
interesse público, que se evidenciará pela natureza da lide ou pela qualidade da parte, sempre
em consonância com a conceituação e finalidades constitucionais do Parquet.
4.3.3.2 Interesse público evidenciado pela natureza da lide
De início, sob o aspecto do interesse público evidenciado pela natureza da lide, poder-
se-ia afirmar que em toda causa deduzida em juízo há o interesse público da devida prestação
jurisdicional, levando-se à equivocada ilação de que ao Ministério Público, então, cumpriria
intervir em todos os processos cíveis.
Ocorre que a participação do Parquet nesse caso deve se dar de acordo com a noção
de interesse público, aduzida anteriormente e de acordo com a natureza da relação material ou
119
do direito subjetivo dela emergente. Portanto, o traço característico do interesse é a
indisponibilidade.
Tal caráter indisponível é oriundo da natureza da relação jurídica em torno da qual
tenha surgido o processo ou da qualificação do direito dela emergente por uma norma de
ordem pública, devendo-se encontrar suas bases na Constituição Federal e na legislação
esparsa.
Antônio Cláudio da Costa Machado apresenta três regras para a identificação do
interesse público na prática do processo em relação ao elemento natureza da lide.214
A primeira estabelece que é imprescindível a existência de um pedido concretamente
deduzido para que se avalie a existência de interesse público indisponível, sendo a avaliação
feita em abstrato, pois, como a intervenção ocorre no curso da lide, somente a sentença ou
decisão irrecorrível pode confirmar (ou negar) a existência de mencionado interesse ou
direito.
A segunda e a terceira regras ensinam que a lide (e o pedido) deve ater-se diretamente
ao próprio interesse ou direito indisponível, que, por sua vez, deve apresentar-se segundo a
ordem jurídica material. É que, como o próprio direito material indisponível está em
discussão, não há como buscar as bases legitimadoras da intervenção em outro motivo que
não a própria relação substantiva levada a apreciação judicial. Cita-se o exemplo de ser
questionada a constitucionalidade em uma ação em que se quer ver reconhecido um direito
meramente disponível. Ora, a declaração de inconstitucionalidade por si revela evidente
interesse público, mas não deverá haver intervenção porque o pedido principal se refere a um
direito disponível.
Sobreleva apontar, entretanto, que outra regra prática e muito útil deve ser levada em
conta para fins de identificação do interesse público com base na natureza da lide, qual seja,
se determinado interesse social é passível de proteção, como dever, pelo Ministério Público na
condição de agente, também ensejará a atuação institucional como órgão interveniente.
No campo do direito constitucional, é vasta a fonte de indisponibilidade dos interesses,
assim como também em outros ramos, a exemplo do direito penal, do direito civil, do direito
financeiro, do direito eleitoral, do direito econômico, do direito administrativo e do direito
previdenciário. A respeito do tema, considerando as inúmeras causas em que se discute a
214 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
346-374.
120
razão do intervir ministerial, curial breve análise sobre as desapropriações e ações de
alimentos.
No âmbito do direito administrativo, chama-se atenção para o instituto da
desapropriação. Alcides de Mendonça Lima215 defende obrigatória a intervenção ministerial
nas ações expropriatórias, tendo em vista a possível discussão dos requisitos constitucionais e
legais do ato, em especial do fundamento da necessidade e utilidade pública, ou interesse
social. Antônio Cláudio da Costa Machado,216 invocando J. J. Calmon de Passos, filia-se ao
entendimento contrário, uma vez que nessas ações a única discussão cabível diz respeito ao
preço, e, como a aferição do interesse público deve levar em conta a minuciosa avaliação do
pedido e do direito material que o respalda, não há razão de intervir do Parquet na espécie,
por se tratar de interesse meramente patrimonial, disponível.
Cumpre colacionar jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito:
Processual civil e administrativo – Desapropriação – Intervenção do Ministério Público – Desnecessidade – Precedentes. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não ser necessária a intervenção do Ministério Público na ação expropriatória, salvo se houver interesses de incapazes. Recurso conhecido e provido. (STJ, REsp. n. 189017/SP, 2ª Turma, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ 13/5/2002.)217
No direito civil, é válido anotar que a intervenção do Ministério Público nas ações de
alimentos (Lei n. 5.478/68) se dá em razão da natureza da lide, e não com base no inciso II do
art. 82 do Código de Processo Civil, haja vista não se tratar de ação de estado, mas, sim, de
um direito indisponível, caracterizado por ser irrenunciável, inalienável, imprescritível e
impenhorável. Todavia, tratando-se de partes capazes, o entendimento pela intervenção
obrigatória do Ministério Público é mitigado, uma vez que nesse caso o direito é passível de
não-exercício, dispensa e até renúncia, o que demonstra sua disponibilidade.
Pertinente aos recursos, sustenta-se que a instituição pode interpô-los, uma vez que
entenda tratar-se de sentença ilegal ou injusta. A defesa do interesse público pela natureza da
lide é inarredável. Destarte, mesmo a mudança de opinião do Parquet durante o processo não
215 LIMA, Alcides de Mendonça. Atividade do Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 74. 216 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
353-357. 217 Disponível na íntegra em: https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=199800692274&dt_
publicacao=13/5/2002. Acesso em: 15 maio 2007.
121
lhe retira o interesse no eventual recurso. Outrossim, aceita-se a renúncia ao direito de
recorrer e a desistência de recurso já interposto, conforme arts. 501 e 502 do Código de
Processo Civil, com a ressalva de que devem ser atos excepcionais e fundamentados, uma vez
que cerceam a própria atividade ministerial, na medida em que outro órgão de execução (ou
mesmo a reconsideração do primeiro) estará limitado, em razão da preclusão lógica.218
Por arremate, encontram-se inseridas nessa hipótese de intervenção as ações de
mandado de segurança, ações populares e ações envolvendo os registros públicos.
4.3.3.3 Interesse público evidenciado pela qualidade da parte
No início deste capítulo fez-se vasta explanação sobre o conceito e a extensão do que
vem a ser o interesse público. Agora, será ele abordado consoante o elemento da qualidade da
parte.
Trata-se da intervenção como fiscal de interesses preponderantemente de certas
pessoas ou classe de pessoas, conforme escrito por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro.
Para Antônio Cláudio da Costa Machado, evidencia-se o interesse legitimador da
atividade interventiva por uma circunstância formal de “hipossuficiência ou fraqueza da parte
no processo”. E conclui:
[...] chamamos a atenção para uma qualidade da ‘parte’ (sujeito do processo) e não para uma qualidade da pessoa (como titular de um direito substancial qualquer). A circunstância a que fazemos menção é de muita importância, posto revelar que contrariamente à ‘natureza da lide’, cujo conteúdo é nitidamente material, o elemento ‘qualidade da parte’ tem configuração instrumental.219
O enfoque constitucional é simples e objetivo: como a constituição assegura a
qualquer litigante o contraditório e a ampla defesa (art. 5°, LV, CF), o Ministério Público
deve intervir em determinadas causas para garantir o equilíbrio da relação jurídico-processual.
218 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 732. Em sentido contrário: ZENKNER,
Marcelo. Ministério Público e efetividade no processo civil, p. 122. 219 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
375.
122
Diz-se, portanto, que nesses casos a intervenção do Parquet tem natureza
complementar, devendo sempre se ater aos interesses do sujeito tutelado. Contudo, o membro
do Ministério Público não deve prestar auxílio incondicional ou irrestrito, perquerindo sempre
se a sua participação está concorde às suas finalidades constitucionais.
De relevo, quanto à condição pessoal dos litigantes, importante ressaltar que a
intervenção do Parquet como custos legis nas causas em que estão presentes pessoas públicas
de direito interno é vista com reserva. O Ministério Público, pela Carta Magna, é o defensor
da sociedade, e não pura e simplesmente dos interesses do Estado, que detém seus meios de
defesa exercido por intermédio de seus procuradores constituídos na forma legal.
A doutrina moderna tem se firmado num ponto, entretanto: pela qualidade da parte, e
quando esta for pessoa jurídica de direito público interno, em princípio, inexiste interesse a
legitimar a intervenção do Parquet.
Segundo Emerson Garcia,
a jurisprudência hoje sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é fruto de uma interpretação prospectiva do texto constitucional, o que resultou em um redimensionamento das funções institucionais do Ministério Público, com a conseqüente adequação dos novos influxos sociais trazidos pela Carta de 1988. [...]. Ainda que o Ministério Público, em passado recente, tenha exercido a representatividade judicial da Fazenda Pública ou mesmo atuado, como órgão interveniente, em toda e qualquer demanda na qual esta se fizesse presente em um dos pólos da relação processual, isto não mais se adequa (ajusta) ao atual perfil da Instituição. Com efeito, além de lhe ser vedada a consultoria e a representação judicial das pessoas jurídicas de direito público (artigo 129, IX, da CR/1988), sua atuação haverá de ser direcionada à preservação dos valores contemplados no art. 127, caput, da Constituição da República. O interesse público primário, como se sabe, não guarda similitude com o interesse público secundário, sendo este inerente às pessoas jurídicas de direito público, ainda que, não raras as vezes, dissonante dos interesses da maior parte do grupamento.220
Também a jurisprudência pátria é firme neste posicionamento:
Processual civil. Administrativo. Recurso especial. Contrato de concessão de serviço público de transporte aéreo. Ação indenizatória. Congelamento de tarifas. Intervenção do Ministério Público. Interpretação do art. 82, III,
220 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 321.
123
do CPC. Facultatividade. Inexistência de direitos indisponíveis. Nulidade não-configurada. Precedentes do STF e STJ. Recurso especial provido. 1. A simples presença de pessoa jurídica de direito público não determina, por si só, a intervenção obrigatória do Ministério Público. O interesse público também não pode ser confundido com o interesse patrimonial do Estado, tampouco em razão do elevado valor da eventual indenização a ser paga pela Fazenda Pública. 2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp. 465.580/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 8.5.2006, p. 178; REsp. 490.726/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.3.2005, p. 219; AgRg no REsp. 609.216/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 31.5.2004, p. 370; REsp. 327.288/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 17.11.2003, p. 330; AgRg no REsp. 278.770/TO, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5.5.2003, p. 239; REsp. 137.186/GO, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10.9.2001, p. 274; REsp. 154.631/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 3.11.1998, p. 189; REsp. 64.073/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Costa Leite, DJ de 12.5.1997, p. 18.796; RE 96.899/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 5.9.1986, p. 15.834; RE 91.643/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 2.5.1980, p. 963. 3. ‘A ação indenizatória intentada contra o Estado, buscando reparação fundada no rompimento do equilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão de transportes aéreos, não requer, obrigatoriamente, a intervenção do Ministério Público, não se justificando a nulidade do processo em razão desta ausência.’ (Excerto da ementa do REsp. 628.608/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 21/2/2005, p. 113.) 4. Provimento do recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o julgamento do mérito do recurso de apelação. (STJ, REsp. 801028/DF, 1ª Turma, Rel. Ministra Denise Arruda, DJ 8/3/2007.)221
É o que se evidencia também na Súmula n. 189 do Superior Tribunal de Justiça, que
determina ser desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais.
A proteção e a fiscalização do patrimônio público poderão ser realizadas mediante o
inquérito civil ou a ação civil pública. Para arremate da questão, é importante a seguinte
citação de Hugo Nigro Mazzili:
[...] A mens legis do dispositivo constitucional que veda o Ministério Público a representação judicial das entidades públicas consiste em que, uma vez criada a advocacia pública, o Ministério Público perdeu a sua atribuição histórica de representação da Fazenda. Assim, a Fazenda passou a ter seus procuradores, que devem encarregar-se da cobrança de sua dívida ativa em juízo, de sua defesa judicial, do zelo de todos os seus direitos perante o Poder Judiciário. Entretanto, muitas vezes a legitimação ordinária não funciona, ou seja, não raro o administrador em exercício causa o dano e,
221 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=801028&&b=ACOR
&p=true&t=&l=10&i=1. Acesso em 15 maio 2007.
124
valendo-se dos controles hierárquicos sobre a administração, impede que a máquina estatal se volte contra ele ou seus apaniguados. Nesse caso, agora por legitimação extraordinária, tanto pode o cidadão defender o patrimônio público, como também o Ministério Público, com fulcro na própria ordem constitucional (CR, arts. 5°, LXXIII, e 129, III).222
Outrossim, a expressão qualidade da parte, que evidencia a condição pessoal dos
litigantes, engloba, entre outros, o idoso em situação de risco (arts. 74, II, in fine, e 75 da Lei
n. 10.741/2003), os portadores de deficiência (art. 5° da Lei n. 7.853/89), os índios (art. 129,
V, CF), a fundação (art. 1.199 e segs. do CPC) e a vítima de acidente do trabalho (Lei n.
6.376/76).
4.3.4 Releitura do art. 1.105 do Código de Processo Civil
O art. 1.105 do Código de Processo Civil determina que nos procedimentos de
jurisdição voluntária, “serão citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como o
Ministério Público”.
Leonardo Greco qualifica a respectiva atividade do Estado como assistencial,
destacando o papel protetivo do Poder Judiciário sobre a qualidade de vida dos cidadãos e do
respeito ao seu patrimônio jurídico, em observância ao primado constitucional da dignidade
humana, de acordo com o interesse que cada procedimento visa proteger (controle da
legalidade; interesses indisponíveis; interesses disponíveis; proteção do mais fraco, etc.).
Ensinando sobre a relevância de certas relações jurídicas privadas serem submetidas ao crivo
judicial, aduz:
Não há mais campo para justificar a intervenção estatal em relações jurídicas privadas sob o pretexto de um suposto e impreciso interesse público ou por razões de ordem pública. A intervenção tem sempre de encontrar fundamento em algum motivo concreto e suficientemente justificado. Na jurisdição voluntária, é sempre um interesse privado socialmente relevante que justifica a intervenção judicial, porque, quando a lei escolhe o juiz para exercer essa intervenção, o faz pelas características de independência, isenção e impessoalidade de que se reveste a sua atuação.223
222 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 162. 223 GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna, p. 153.
125
Ora, se há de ser feita uma reflexão sobre a atividade desenvolvida pelo Poder
Judiciário quanto à jurisdição voluntária, também é forçoso perquerir sobre a correspondente
atuação interventiva do Ministério Público em face do comando do art. 1.105 do Código de
Processo Civil e, sobretudo, da vocação constitucionalmente traçada para a instituição.
Segundo a doutrina dominante, os procedimentos de jurisdição voluntária identificam
o “exercício da administração pública de interesses privados”. Neles inexiste lide, de modo
que o juiz atua homologando a vontade das partes. Com efeito, no dizer de José Roberto dos
Santos Bedaque, sempre que nos procedimentos de jurisdição voluntária houver restrição à
autonomia da vontade das partes e interesse público, deverá o Parquet intervir.224
Lembra também a existência de procedimentos que, apesar de classificados como de
jurisdição voluntária pelo Código e de, em tese, ser obrigatória a atuação do Ministério
Público, na verdade não apresentam interesse público legitimador da intervenção ministerial.
Cita como modelos os procedimentos de alienação, administração e locação de coisa comum,
alienação de quinhão em coisa comum, até mesmo tratando-se de coisa comum indivisível e
extinção de condomínio.
As hipóteses citadas acima revelam a existência de interesses disponíveis, embora seja
a indisponibilidade do direito a regra na jurisdição voluntária, como nos casos de
emancipação, alienação de bem pertencente a incapaz, nomeação e remoção de tutor e
curador, de extinção de usufruto e fideicomisso atinentes à disposição de última vontade,
interdição e abertura de testamento.
Concluindo por enganos do legislador, “que disse mais do que pretendeu”, o autor
recomenda que se veja com reservas a classificação dos procedimentos de jurisdição
voluntária, bem como a atividade interventiva do Ministério Público.
Do ponto de vista estritamente literal, formalista e restritivo, segundo dispõe o art.
1.105 do Código de Processo Civil, o Parquet deveria intervir em todos os procedimentos de
jurisdição voluntária, havendo interesse público de lege lata, posição defendida por Nelson
Nery Júnior.225
224 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. O Ministério Público no processo civil. Revista de Processo, p. 47. 225 NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de processo civil comentado e
legislação processual civil extravagante em vigor, p. 1.217. No mesmo sentido: MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, p. 253; GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, v. 3, p. 273; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, p. 566-567; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, p. 395.
126
Ao revés, prevalece o entendimento de que o dispositivo exige uma interpretação
teleológica e sistemática, devendo ser harmonizado com os arts. 127 e 129 da Constituição
Federal, que vedam o exercício de funções incompatíveis com a finalidade institucional, bem
assim com o art. 82 do Código de Processo Civil, até mesmo porque, em todos os
procedimentos de jurisdição voluntária que o Codex pretendeu a intervenção do Ministério
Público, consignou-se norma específica nesse sentido (arts. 1.126; 1.131, III; 1.141; 1.144, I;
1.163, § 2°; 1.172; 1.189; 1.200).226
Cândido Rangel Dinamarco conclui que se o Ministério Público tivesse de intervir na
integralidade dos procedimentos de jurisdição voluntária, além de redundância, implicaria
“imperdoável erro de técnica legislativa”.227
Antônio Cláudio da Costa Machado explica que “nenhuma regra sobre atuação
ministerial se pode desprender do escopo único desta instituição, que é a defesa dos interesses
indisponíveis”.228 Hugo Nigro Mazzilli acompanha, aduzindo que a intervenção do Parquet
na jurisdição voluntária somente pode se dar “quando estejam em jogo interesses
indisponíveis ou interesses de larga expressão ou abrangência social”.229
Ademais, a escorreita leitura do art. 1.105, em vez de obrigatoriedade de citação,
traduz a necessidade de notificação do Ministério Público para verificar com o devido zelo,
em cada caso, a natureza dos interesses em jogo. A adequada interpretação conferida à norma
supracitada é no sentido de ser verificada a presença de interesse público e indisponível a
justificar a intervenção, situação que deve ser aferida à luz do perfil constitucional traçado
pelo legislador constituinte no art. 127 da Constituição Federal de 1988.
Aliás, nos trabalhos institucionais realizados, registrados no próximo capítulo,
prevalece o entendimento em igual direção, devendo somente intervir nos procedimentos de
jurisdição voluntária em que houver interesse público indisponível.
Idêntico o posicionamento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
Alvará. Contrato a ser celebrado pelo espólio com a companhia energetica do Estado de São Paulo-CESP. Mero incidente no inventario. Inexistência de direito indisponível. Desnecessidade de intervenção do Ministério Público.
226 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, p. 280-281. 227 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, p. 323-324. 228 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
508. 229 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, p. 729.
127
Tratando-se de mero incidente ocorrido no inventario, envolvendo interesse de particulares, desnecessária a audiência do representante do Ministério Público no feito. Ainda que de procedimento de jurisdição voluntária se tratasse, a intervenção do Ministério Público era prescindível, pois, segundo a jurisprudência do STJ, a sua presença somente seria de rigor nas causas em que a lei explicitamente a reclama. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp. 21585-PR, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 10/3/1997. )230 Processo civil – Procedimentos especiais de jurisdição voluntári. Extinção de condomínio pela venda de coisas comuns. Não-obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público. Art. 1.105, CPC. Interpretação lógico-sistemática com o art. 82, CPC. Precedente da turma. Recurso provido. I – Interpretação lógico-sistemática recomenda que se dê ao art. 1.105, CPC, inteligência que o compatibilize com as normas que regem a atuação do Ministério Público, especialmente as contempladas no art. 82 do diploma codificado. II – A presença da Instituição nos procedimentos de jurisdição voluntária somente se dá nas hipóteses explicitadas no respectivo titulo e no mencionado art. 82. (STJ, REsp. 46770-RJ, 4ªTurma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ 17/3/1997.) 231
Observe-se ainda que, no início do ano em curso foi editada a Lei n. 11.441, de 4 de
janeiro de 2007,232 alterando o Código de Processo Civil em diversos dispositivos, até mesmo
para fins de racionalizar e agilizar os processos de separação consensual e divórcio
consensual, prevendo a solução pela via administrativa, mediante escritura pública, no caso de
não haver a presença de interesses de incapazes.
A alteração dos dispositivos referentes ao processamento judicial das referidas causas,
que previam a expressa atividade interventiva do Ministério Público, revela a releitura
constitucional que também vem se operando na própria instância legislativa. O que já era
objeto de reinterpretação pela doutrina e jurisprudência acabou por ser acolhido diretamente
230 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=
199200098517 &data=10/3/1997. Acesso em 18 maio 2007. 231 Disponível na íntegra em: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=
199400107498&data=17/3/1997. Acesso em: 18 maio 2007. 232 Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código
de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. O Presidente da República – Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: [...] Art. 3° A Lei n. 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A: “Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. [...]. Brasília, 4 de janeiro de 2007; 186° da Independência e 119° da República. Luiz Inácio Lula da Silva, Márcio Thomaz Bastos.
128
pela própria legislação, que foi além: não só tornou desnecessária a intervenção ministerial
nas causas em que ausente interesse social e individual indisponível, como possibilitou
resolver as demandas independentemente de um provimento jurisdicional ou mesmo de
homologação judicial, nos termos da Resolução n. 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho
Nacional de Justiça, que regulamentou a aplicação da referida novidade legislativa pelos
serviços notariais e de registro.
Outrossim, a mencionada a Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, também quanto às
ações de inventário e partilha, sem interessados incapazes, assumiu as vozes da doutrina, da
jurisprudência e dos estudos institucionais, admitindo sejam realizados diretamente na via
cartorária administrativa, por meio de escritura pública.233
4.3.5 Ministério Público e o mandado de segurança
A intervenção do Ministério Público no processo da ação de mandado de segurança
tem como fundamento legal o art. 10 da Lei n. 1.533/51. Diz referido artigo que, após
notificada a autoridade apontada coatora e tendo esta prestado ou não suas informações, será
ouvido o Ministério Público no prazo de cinco dias e, em seguida, proferida a decisão.
Como cediço, o mandado de segurança tem previsão constitucional no art. 5°, LXIX,
apresentando como requisitos de seu cabimento a existência de um direito líquido e certo a
proteger, não tutelável por habeas corpus ou habeas data, e um ato (ou omissão) marcado
pela ilegalidade ou abuso de poder, de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público.234 Esta análise se limita aos aspectos do mandamus
233 Art. 1° “Os arts. 982 e 983 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passam a
vigorar com a seguinte redação: Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.” (NR) [...]; Art. 2° O art. 1.031 da Lei n. 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.031. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos do art. 2.015 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, com observância dos arts. 1.032 a 1.035 desta Lei...” (NR).
234 “Art. 5°, LXIX, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;” [...].
129
relacionados à atividade interventiva do Ministério Público, e não às reconhecidas inúmeras
polêmicas que lhe são peculiares, tal como a determinação da certeza e liquidez do direito.
Nesse sentido, questão interessante é trazida por Antônio Cláudio Machado da
Costa235 quanto à natureza da intervenção do Ministério Público nas ações de mandado de
segurança. O contexto em que foi editada a Lei n. 1.531/51 ensejou a interpretação de que a
instituição deveria oficiar em favor de eventual pessoa jurídica de direito público interessada
no writ, tendo em vista o art. 126 da Constituição de 1946, que deu azo à Lei n. 1.341/51 (Lei
do Ministério Público da União), disciplinadora expressa e sustentáculo do encargo
ministerial de representação judicial da União. Esse é o posicionamento de Celso Agrícola
Barbi236 e Themístocles Cavalcanti.237
Entretanto, atualmente, não resta dúvida de que a função interventiva do Ministério
Público no mandado de segurança é de natureza fiscalizatória, imparcial, sobretudo porque o
art. 129, IX, da Constituição Federal veda ao Parquet o exercício de funções incompatíveis
com sua finalidade, proibindo expressamente a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas. O próprio estabelecimento da Advocacia-Geral da União e das
procuradorias estaduais também não deixa dúvida quanto ao assunto, conforme arts. 131 e
132 da Constituição Federal.
Outros argumentos silenciam tal discussão. Primeiro, o art. 10 da Lei n. 1.531/51 é
aplicável indiscriminadamente aos processos de mandado de segurança na órbita federal e
estadual, e, como somente a representação judicial da União era prevista explicitamente, não
seria razoável admitir interpretação diversa para uma e outra hipótese. Segundo, utilizou-se a
expressão “ouvido o Ministério Público”, o que tem o sentido inequívoco de oportunizar a
manifestação institucional independente, livre, e não de defesa de quem quer que seja.
Vicente Greco Filho238 comunga o mesmo entendimento de que nas ações de mandado
de segurança o Ministério Público não se vincula a qualquer interesse das partes, devendo
intervir pela escorreita aplicação da lei e regularidade processual.
Fixada a natureza isenta da intervenção do Parquet no processo do mandamus, cumpre
analisar como se justifica e se há limitação a essa atividade fiscalizatória.
235 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
470-474. 236 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de segurança, p. 229-232. 237 CAVALCANTI, Themístocles B. Mandado de segurança, p. 16. 238 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, v. 3, p. 298.
130
Para Antônio Cláudio Machado da Costa, a ratio da necessária intervenção ministerial
no mandado de segurança consiste na nitidez da predominância do interesse público na
espécie, uma vez que o remédio jurídico em exame é, por excelência, instrumento da
fiscalização e resguardo da ordem constituída, tendo em vista pautar-se na defesa direta de um
direito líquido e certo. A indisponibilidade do interesse, ou melhor, o interesse público a
determinar a intervenção do Ministério Público no writ em comento se dá também por razões
de caráter processual. Em resumo, a “especialidade do seu procedimento, somada à feição do
litígio deduzido” informam a indisponibilidade embasadora do intervir da instituição.239
São estas as palavras do referido autor:
[...] cremos que, embora disponíveis em sua essência, os interesses envolvidos no mandado de segurança assumem, por causa da excepcionalidade e rigor do seu procedimento, a condição de relevantíssimos socialmente e, de uma certa forma, de indisponíveis. Daí que para se assegurar a perfeita definição jurisdicional de tais interesses, para se acrescentar subsídios para a formação da convicção do magistrado, impõe a lei a participação do Ministério Público como custos legis, colaborador do juízo na apreciação dos fatos e dos interesses imiscuídos no choque de poderes.240
Acrescenta, ainda, que a excepcionalidade do mandado de segurança, admitindo a
possibilidade, até mesmo liminar, de declaração de ilegalidade de um ato do Poder Executivo
ou Legislativo pelo Judiciário, mediante exclusiva prova documental, por si já evidenciaria a
relevância dos interesses em jogo e a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público.
Também esse é o ponto de vista de Hely Lopes Meirelles, que assim se manifestou a
respeito do tema:
O Ministério Público é oficiante necessário no mandado de segurança, não como representante da autoridade coatora ou da entidade estatal a que pertence, mas como parte pública autônoma incumbida de velar pela correta aplicação da lei e pela regularidade do processo. Daí porque, ao oficiar nos autos, não está no dever de secundar as informações e sustentar o ato impugnado quando verifique a sua ilegalidade. O dever funcional do Ministério Público é o de manifestar-se sobre a impetração, podendo opinar pelo seu cabimento ou descabimento, pela sua carência e, no mérito, pela concessão ou denegação da segurança, bem como
239 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
474-476. 240 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, p.
477.
131
sobre a regularidade ou não do processo, segundo sua convicção pessoal, sem estar adstrito aos interesses da Administração Pública na manutenção de seu ato. Quanto aos fatos, o Ministério Público não os pode negar ou confessar, porque isto é matéria das informações, privativa do impetrado, mas, quanto ao direito, tem ampla liberdade de manifestação, dada a autonomia de suas funções em relação a qualquer das partes. Da mesma liberdade desfruta o Ministério Público para interpor os recursos cabíveis, com prazos duplicados, nos expressos termos do art. 188 do CPC.241
Lado outro, atualmente vem sendo refletida a participação de mérito do Ministério
Público nos processos de mandado de segurança. Em interpretação consentânea com a
Constituição Federal, tem-se entendido que o Parquet somente deverá oficiar naqueles casos
em que se verificarem os valores e os interesses mencionados no art. 127 e conforme as
funções institucionais previstas no art. 129.242 Os argumentos para essa nova diretriz
interpretativa não são poucos.
Uma compreensão sistemática e teleológica dos dispositivos constitucionais e
infracontitucionais que disciplinam a atuação da instituição induzem à conclusão de que
apenas quando presente na demanda um interesse público primário, social ou individual
indisponível, será exigível a efetiva participação do Ministério Público, concentrando e
priorizando a atuação, pois, para a defesa dos interesses realmente relevantes para a
sociedade.
Marcelo Zenkner assim pondera sobre o tema:
Além disso, como já observado alhures, somente será legítima a intervenção ministerial preconizada pela legislação ordinária, em juízo ou fora dele, quando houver compatibilidade material e vertical entre uma determinada norma infraconstitucional que estabeleça a necessidade da atuação processual do Ministério Público e o sobredito dispositivo constitucional, no qual encontram-se estabelecidas as funções institucionais conferidas ao Ministério Público.243
A mera classificação pela parte de tratar um ato como ilegal ou abusivo não deve
desencadear a manifestação ministerial. É preciso, no caso concreto, estar-se diante de um
interesse social a embasar a devida intervenção do Ministério Público.
241 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,
habeas data, p. 45-46. 242 BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança, p. 205. 243 ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade no processo civil, p. 173-174.
132
O art. 10 da Lei n. 1.531/51 não infere necessariamente que o Ministério Público
adentre no mérito da postulação mandamental, mas sim, na qualidade de custos legis, seja
ouvido para que examine a presença do interesse legitimador de seu intervir, o que, no caso
positivo, impõe a pertinente atuação meritória.
Ora, o contexto da época em que editada a Lei n. 1.531/51 não mais permanece. É
certo que, em razão do munus de representar judicialmente a União e sendo esta, não raras
vezes, demandada via remédio constitucional em comento, justificava-se a intervenção
obrigatória do Ministério Público independentemente do objeto versado.
E mais, o argumento de que seria uma ação excepcional, de relevada importância
como instrumento utilizado em face de arbitrariedades e contra atos eivados de abuso de
poder perpetrados por autoridades públicas, não pode prosperar, porquanto seria forçoso
admitir também a intervenção obrigatória do Parquet em todo e qualquer feito judicial,
mesmo nas hipóteses de interesses disponíveis, haja vista o interesse público geral de serem
proferidas decisões justas, e mesmo porque em diversas outras causas se poderia estar
discutindo idênticas ilegalidades ou abusos. Entender o contrário implica inviabilizar a
atuação do Ministério Público.
Destarte, somente é imposto o ofício de mérito pela instituição quanto houver a
presença de interesse jurídico passível de sua tutela, insculpido nos arts. 127 e 129 do atual
texto constitucional. Tratando-se de causa versando apenas sobre direitos disponíveis, sendo
os interessados capazes e estando devidamente representados, impertinente a intervenção
ministerial, sejam as partes pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito
privado. Esse é o entendimento recepcionado pela Constituição Federal.
A obrigatoriedade incondicionada de o Ministério Público ser ouvido quanto ao mérito
dos mandados de segurança cria uma situação às vezes até mesmo contraditória e não
razoável. Explica-se: a instituição estaria, obrigatoriamente, compelida a intervir em uma
causa meramente patrimonial e disponível ajuizada mediante o mandamus contra a
Administração Pública, mas tal não ocorreria se a parte intentasse um remédio jurídico por
meio de ordinário processo de conhecimento, mesmo que flagrantemente possível a
impetração do mandado de segurança.
Considere-se, também, que o aludido writ muitas vezes é utilizado com o fim recursal,
o que, dependendo da matéria discutida, leva à hipotética situação interventiva desnaturada. O
133
contra-senso é patente, uma vez que a atuação do Parquet não pode ficar à mercê do
instrumento escolhido pela parte, mas, sim, respeitar o que reza a Lex Mater.
Impõe-se consignar a esclarecedora lição de Hugo Nigro Mazzilli:
Suponham que uma autoridade cometa um ato ilegal, passível de correção por mandado de segurança e, dentro dos 120 dias de prazo de decadência, o lesado entre com a ação mandamental: lá irá o promotor dar o seu parecer. Mas suponhamos que o lesado ajuíze a ação em 121 dias ou mais: em vez de usar o mandado de segurança, terá de propor ação ordinária, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, e o Ministério Público não irá nela necessariamente intervir. Assim, nesse caso, não será, no mais das vezes, a relação jurídica que trará o Ministério Público ao processo; terá sido apenas o rito processual escolhido [...]. O que acaba trazendo o Ministério Público ao processo será o fato de o indivíduo ter ajuizado um mandado de segurança e não uma ação ordinária; não será necessariamente o direito que ele está discutindo que tornará necessária a presença da instituição no processo, até porque aquele mesmo direito, se for discutido fora do prazo de decadência do mandado de segurança, já não importará a presença do Ministério Público na ação ordinária. Então não é o direito discutido que traz o Ministério Público ao processo, mas é só o rito, o que é inadequado. Nem se diga que o mandado de segurança é uma garantia constitucional, pois o próprio direito de ação também é, e nem por isso o Ministério Público oficia em todas as ações.244
Repita-se que constitui prerrogativa do órgão do Ministério Público o juízo
fundamentado de que o objeto do litígio albergue ou não a necessidade de intervenção,
conforme a independência funcional de seus membros. Noutro giro, nem sempre, como dito,
será o caso de adentrar no mérito indistintamente.
Sobre o mandado de segurança, Carlos Alberto Menezes Direito assevera:
O Ministério Público, a meu sentir não pode deixar de ser intimado, sob pena de nulidade. Mas, obrigar o órgão do Ministério Público a oficiar nos autos, a emitir obrigatoriamente um parecer, não me parece, com todo respeito, a melhor solução. Primeiro, porque não se pode obrigar o órgão a emitir um parecer; segundo, porque deixa-se o destino do mandado de segurança nas mãos do Ministério Público, prejudicando o impetrante, que não tem responsabilidade sobre a intervenção do Ministério Público; terceiro, porque fica letra morta o prazo legal.245
244 MAZZILLI, Hugo Nigro. A intervenção do Ministério Público no processo civil: críticas e perspectivas. In:
SALLES, Carlos Alberto (Org.). Processo civil e interesse público, p. 168-169. 245 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual do mandado de segurança, p. 101.
134
Antes da Constituição Federal de 1988, a jurisprudência sempre direcionava para a
obrigatória intervenção do Ministério Público no mandado de segurança, sob pena de
nulidade. Atualmente, tal cenário apresenta-se modificado.
Válido o registro da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, relatada pelo
Ministro Luiz Fux, quando decidiu o Recurso Especial n. 541.199, com a seguinte ementa:
Recurso Especial n. 541.199 – MG (2003/0053786-2). Processual civil. Mandado de segurança. Indicação errônea do impetrado. Informações. Prestadas pela autoridade coatora. Suprimento da ilegitimidade. Manifestação do Ministério Público. Obrigatoriedade. Parecer do Parquet dispensando a necessidade de pronunciamento. Impossibilidade de coagir o órgão a manifestar-se. Ausência de nulidade. 1. Em sede de mandado de segurança, deve haver o efetivo pronunciamento do Ministério Público não sendo suficiente a sua intimação, sob pena de nulidade. (EREsp. 26715/AM; Rel. Min. Paulo Costa Leite, Corte Especial, DJ 12/2/2001; EREsp. 24234/AM; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, DJ de 11/3/1996; ERESP 9271/AM, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Corte Especial, DJ de 5/2/1996). 2. Considera-se efetivo o pronunciamento se o Ministério Público, abordando a questão de fundo, entende que, por força da substância do mesmo, não deve atuar como custos legis. 3. In casu, o douto representante do Parquet devidamente intimado da sentença afirmou ser desnecessária a sua manifestação. Consectariamente, ausente a nulidade processual haja vista que o Ministério Público teve a oportunidade de se manifestar e não o fez, à luz da exegese do art. 10, da Lei n. 1.533/51. 4. A imposição de atuação do membro do Parquet, quanto a matéria versada nos autos, infringiria os Princípios da Independência e Autonomia do órgão ministerial. 5. Deveras, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que ‘não há nulidade sem prejuízo’ (pas des nullitè sans grief). 6. A indicação errônea da autoridade coatora resta suprida em tendo esta, espontaneamente, prestado as informações confirmando a sua legitimidade passiva. 7. Recurso especial desprovido.246
Outros dois recentes indicativos desse entendimento são extraídos de uma decisão
datada de 29/7/2003, proferida na Procuradoria-Geral da República, bem como de precedente
do Conselho Nacional do Ministério Público.
No Processo n. 6599/2003-91 da Procuradoria-Geral da República, o então
Procurador-Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles, ratificou a necessidade de prévia
246 Disponível na íntegra em: http://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200300537862&
dt_publicacao=28/6/2004. Acesso em: 13 maio 2007, sublinhado nosso.
135
oitiva do Ministério Público no mandado de segurança, mas não da obrigação de
inexoravelmente intervir, o que deverá depender da presença do interesse social e
indisponível.247
Já o Conselho Nacional do Ministério Público, julgando o Processo CNMP n.
0.00.000.000022/2005-92, de acordo com o voto do Relator Osmar Machado Fernandes, não
conheceu a representação apresentada por advogado do Rio de Janeiro, onde se requereu
providências em face da atuação de Promotores de Justiça daquele Estado para que o
Ministério Público oferecesse parecer efetivo nas causas em que funcionar como fiscal da lei,
destacando a necessidade de se conferir nova interpretação ao art. 10 da Lei n. 1.533/51,
conformando-o à Constituição Federal de 1988. Eis um pequeno trecho do voto proferido:
Essa matéria é extremamente controvertida, pois tanto a doutrina como a jurisprudência atual, admitem a necessidade de que se realize uma nova interpretação do artigo 10 da Lei n. 1.533/51, que prevê, indiscriminadamente, a participação do Ministério Público em todos os processos de Mandado de Segurança, adequando-a a Constituição Federal de 1988 que, nos seus artigos 127 e 129, condicionou a atribuição ministerial, tanto no âmbito judicial como extrajudicial, à existência de interesses sociais ou individuais indisponíveis. 248
Conclui-se, portanto, que o Ministério Público somente deverá intervir no tocante ao
mérito, analisado caso a caso, se o mandado de segurança envolver a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, que
justifiquem o agir institucional consoante sua função constitucionalmente prevista.
247 Conforme nota de Marcelo Zenkner (Ministério Público e efetividade no processo civil, p. 179), verbis:
EMENTA: O Ministério Público na ação mandamental não tem o dever de, sempre, enfrentar o mérito da controvérsia – Considerações. Deve, sim, manifestar-se sempre, e motivadamente, em juízo necessariamente prévio, sobre se a demanda posta significa controvérsia sobre interesse social, ou individual, indisponível ou não. Negada a presença do interesse indisponível, o feito segue sem a sua intervenção, restringindo-se a res in iudicium deducta a litígio estrito entre os que postulam.
248 Disponível na íntegra em: http://cf-internet.pgr.mpf.gov.br/cnmp_pesquisa/temp/72873145483196/ CNMP%5F22%2D2005%2D92.doc. Acesso em: 13 maio 2007.
136
4.3.6 Ministério Público e outras hipóteses interventivas
Os tópicos anteriores demonstraram que ao Ministério Público se deve atribuir o
encargo da defesa dos valores mais caros e relevantes que encerram sua conceituação e as
peculiares funções constitucionalmente previstas, cabendo, portanto, que as diretrizes, já
alinhavadas, sejam irradiadas para as demais hipóteses que comportem a intervenção
ministerial na seara cível.
Refoge aos limites deste trabalho a citação e a pormenorização de todas as causas que
comportem a intervenção do Ministério Público. Entretanto, até mesmo para aquilatar a
dimensão dos debates que envolvem esta temática, é importante, de forma exemplificativa,
trazer a lume algumas das hipóteses interventivas do Parquet, sempre tendo em vista o
fundamento constitucional de sua atividade.
Desse modo, constatada a marcante intervenção do Ministério Público no processo
civil, é válido mencionar, ciente de que não se trata de uma lista exaustiva, os casos a seguir.
No Código de Processo Civil tem-se o art. 116 (conflito de competência), art. 478
(uniformização de jurisprudência), art. 480 (declaração de inconstitucionalidade), art. 944
(ação de usucapião), art. 999 (inventários em que haja interesse de incapaz), art. 1.036, § 1°
(arrolamento) e arts. 1.144 e 1.145, § 2° (herança jacente).
Na legislação extravagante, pode-se indicar, entre outros, a Lei n. 11.101/05 (Lei de
Falências); o art. 6°, § 4°, da Lei n. 4.717/1965 (ação popular); o art. 9° da Lei n. 5.478/68
(ação de alimentos); a Lei n. 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos); o art. 5° da Lei
7.347/1985 (ação civil pública).
Funciona também o Ministério Público na ação de acidente do trabalho, nos feitos
envolvendo os idosos, as fundações, as questões previdenciárias, as pessoas portadoras de
deficiência, os indígenas, nas ações rescisórias e nos processos eleitorais.
Como visto, no âmbito das questões civis, há um vasto campo de repercussão social
em que se torna necessária a intervenção do Ministério Público. Entretanto, o mero ofício
formal de intervir não mais se coaduna com o relevante papel constitucional da instituição.
Concluindo a respeito do tema, Marcelo Zenkner elucida com propriedade:
[...] buscar uma harmonia com a tendência histórico-evolutiva – aparentemente irreversível –, pela qual deverá passar o ordenamento jurídico
137
positivo brasileiro com relação ao Ministério Público, mediante a edição de instrumentos normativos capazes de desvencilhá-lo do dever meramente formal de intervir em causas que não espelhem os fins ontológico-institucionais, munindo-o, em contrapartida, de instrumentos jurídicos, judiciais e extrajudiciais que permitam a racionalização de esforços com escopo de permitir o desempenho eficiente das urgentes e relevantes atribuições institucionais.249
O que se tem por certo é que, a partir da eleição de prioridades e de um olhar prático
da atuação processual do Parquet, deve a instituição, mais do que fiscalizar o cumprimento da
lei, cumprir a missão conferida pela Constituição Federal de forma eficiente e de acordo com
os anseios sociais.
Tal constatação já vem sendo objeto de estudo pelo próprio Ministério Público, com a
edição de posicionamentos institucionais, conforme esposado no próximo capítulo.
249 ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade no processo civil, p. 199.
138
5 ESTUDOS INSTITUCIONAIS PELA ADEQUAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO AO NOVO
MODELO CONSTITUCIONAL
É indubitável a constatação de que o Ministério Público brasileiro atravessa um
momento de transformação e reflexão quanto ao desempenho de sua atividade. O papel de
defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis já não se coaduna com a visão privatística de outros tempos.
Com efeito, a utilidade e a efetividade da atuação ministerial de natureza interventiva
no processo civil constituem objeto de constante estudo e debate, sobretudo no seio
institucional, haja vista a evolução do Ministério Público e a imperiosa necessidade de
adequação ao perfil traçado pela Constituição Federal, que nitidamente prioriza a defesa dos
mais relevantes interesses coletivos na qualidade de órgão agente.
Também deve ser considerada a justa expectativa da sociedade quanto à defesa
eficiente de seus interesses pelo Ministério Público, notadamente daqueles relacionados ao
resguardo da probidade administrativa, do patrimônio público e social, da qualidade dos
serviços públicos e de relevância pública, da infância e juventude, das pessoas portadoras de
necessidades especiais, dos idosos, dos consumidores, do meio ambiente, etc.
Discorrendo sobre a legitimação social do Ministério Público, Marcelo Pedroso
Goulart preconiza:
[...] Há de se ver que a legitimação social do Ministério Público não passa somente pela democratização da forma de escolha dos Procuradores-Gerais. Outras práticas legitimadoras podem ser imediatamente adotadas, sem que haja necessidade de reformas legislativas. O Ministério Público é detentor de inúmeras atribuições legais. O bom desempenho dessas atribuições pressupõe a definição de metas prioritárias e a elaboração de planos e programas de atuação com o objetivo de viabilizar a consecução dessas metas. A legitimação social do Ministério Público pode ocorrer no processo de definição das metas prioritárias e na elaboração dos planos e programas de atuação.250
250 GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério público e democracia: teoria e práxis, p. 116.
139
A exigência de se aprofundar na análise das hipóteses de intervenção do Ministério
Público no processo civil é premente, uma vez que, nos termos nos quais prevista a instituição
pelo Poder Constituinte Originário e de acordo com a independência funcional de seus
membros, ela tem o papel fundamental na defesa da ordem jurídica e do regime democrático,
devendo, pois, harmonizar sua atuação nas diversas áreas de modo a garantir uma eficiente
proteção da sociedade na busca dos objetivos do Estado Democrático brasileiro.
Não é imprescindível uma inovação infraconstitucional para adequar o Código de
Processo Civil em relação à intervenção do Ministério Público, uma vez que o próprio texto
da Constituição Federal já é o bastante para fundamentar a atuação do Parquet de forma
voltada à sua real vocação. A interpretação das normas processuais civis que disciplinam o
Ministério Público como órgão interveniente deve se ajustar ao modelo constitucional atual.
Sobre a interpretação conforme a Constituição, observe-se o que escreveu Luis
Roberto Barroso:
A interpretação conforme a Constituição compreende sutilezas que se escondem por trás da designação truística do princípio. Cuida-se, por certo, da escolha de uma linha de interpretação de uma norma legal, em meio a outras que o Texto comportaria. Mas, se fosse somente isso, ela não distinguiria da mera presunção de constitucionalidade dos atos legislativos, que também impõe o aproveitamento da norma sempre que possível. O conceito sugere mais: a necessidade de buscar uma interpretação que não seja a que decorre da leitura mais óbvia do dispositivo. É, ainda, da sua natureza excluir a interpretação ou as interpretações que contravenham a Constituição.251
Nessa esteira, a necessidade de racionalizar e otimizar a intervenção do Parquet no
processo civil é conseqüência de refletida discussão levada a efeito pelos próprios órgãos
dirigentes da instituição. A respeito disso, tanto o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais
de Justiça como o Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público passaram
a reorientar a atuação dos órgãos de execução.
Cumpre observar também que o próprio Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de
Justiça já havia participado de outro importante momento da instituição, em especial quanto
às raízes da reforma constitucional de 1988. A já mencionada Carta de Curitiba foi um
importante instrumento não só para fortalecer a instituição perante a Assembléia Nacional
251 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora, p. 188-189.
140
Constituinte, como também para demonstrar a significativa capacidade de união e
uniformização do aperfeiçoamento funcional do Ministério Público.252
Desta feita, novamente tem-se os organismos da cúpula institucional com a nítida
preocupação em debater a adequação da atividade interveniente do Parquet no processo civil
sob os auspícios da Constituição Federal.
Fundamentados nos dispositivos da Lei Maior, da Lei Complementar n. 75/93, bem
como da Lei Federal n. 8.625/93, que de forma explícita admitiu as recomendações no âmbito
interno da instituição, sem caráter normativo, para o desempenho das funções afetas aos
órgãos de execução, as Procuradorias-Gerais de Justiça e as Corregedorias-Gerais expediram
pertinentes orientações quanto à intervenção do Ministério Público no processo civil.
Nos próximos itens serão mencionados os estudos institucionais realizados sobre a
atuação do Parquet como órgão interveniente no processo civil, relativamente ao plano
nacional e aos estaduais. Não se poderia descurar neste trabalho do que a própria instituição
tem feito para se amoldar ao perfil da Constituição de 1988.
Conforme será verificado, a mudança de paradigma revelará uma nova sistemática da
atividade interventiva, sendo certo que os resultados dos aludidos estudos, materializados em
atos normativos internos, propõem uma atuação institucional racionalizada e otimizada.
5.1 Estudos institucionais de âmbito nacional
Destacam-se nacionalmente os estudos institucionais sobre a adequação da
intervenção do Ministério Público realizados pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais
de Justiça e pelo Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério Público.
252 MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do promotor de justiça, p. 34.
141
5.1.1 Estudo do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e da
União
O Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da
União (CNPG) é uma associação de âmbito nacional, sem fins lucrativos, em atividade desde
o dia 9/10/1981, sendo integrada pelos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público
dos Estados e da União.
O CNPG253 foi criado com o objetivo de defender os princípios, as prerrogativas e as
funções institucionais do Ministério Público. Incumbe-lhe integrar e reunir o Ministério
Público em todo o território nacional, promover o intercâmbio de experiências funcionais e
administrativas, além de trabalhar pelo aperfeiçoamento da instituição, traçando as políticas e
planos de atuação uniformes ou integrados, respeitadas as peculiaridades locais.
Nesse sentido, sob o prisma do novo panorama constitucional e limitados à feição
atual do Ministério Público como defensor dos mais relevantes interesses sociais, o CNPG, à
luz dos objetivos estatutários, instituiu uma Comissão Especial destinada a estudar e oferecer
sugestões para a racionalização da intervenção no processo civil.
Citada Comissão realizou reuniões durante o ano de 2001, nos meses de julho,
setembro e novembro, apresentando, ao final dos trabalhos, minuta de provimento interno que
restou aprovada.
O estudo pautou-se, inicialmente, na constatação de que a Constituição Republicana
inspirou e concretizou o Ministério Público ideal na figura de um órgão agente, voltado para a
defesa, proteção, resguardo e restabelecimento dos direitos e interesses por ela consagrados.
Além da Constituição Federal, a recente legislação especial também trouxe novas
perspectivas de atuação na qualidade de autor. Porém, ao mesmo tempo, normas mais antigas,
como o próprio Código de Processo Civil, consagravam a instituição como interveniente. Sem
dúvida, o estabelecimento dessa dicotomia mereceu o devido enfrentamento.
Outro fator importante que foi considerado diz respeito à nova realidade
administrativa da instituição, que teve obviamente de ser reformulada para que sejam
alcançadas as diretrizes traçadas no plano constitucional. Órgão auxiliares, como os Centros
de Apoio Operacional, foram criados para melhor organização e apoio às atividades
253 Disponível em: www.cnpg.org.br. Acesso em: 17 fev. 2007.
142
funcionais do Parquet. A mais adequada estruturação da atividade-meio também foi essencial
para conferir melhor suporte à atividade-fim do Ministério Público.
Portanto, a necessária reformulação administrativa e a crescente demanda pela
reestruturação da carreira trouxeram também preocupações quanto às limitações
orçamentárias da instituição, sobretudo no que concerne às exigências da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que não permite o desenfreado aumento do número de cargos.
Destarte, a reflexão institucional sobre a motivação, essência e destinação da
intervenção no processo civil, tendo em vista que em tais demandas o Ministério Público não
se apresentava como autor, consubstanciou-se em tema da mais elevada importância, cuja
análise não se poderia mais postergar.
Em resumo, perquerindo-se sobre o real destinatário da atuação ministerial (o
particular, o Estado, o interesse do ente público ou a função jurisdicional?) e no escopo de
reafirmar os fundamentos ínsitos nas normas constitucionais relativas ao Ministério Público, o
CNPG fixou posicionamento norteando a atividade interventiva no processo civil,
respeitando-se a garantia da independência funcional e a exclusividade do membro na
identificação do interesse que justifique, ou não, sua intervenção na causa.
Orientou-se ainda no sentido de que, verificando no caso concreto não se tratar de
causa que justifique a intervenção, o órgão ministerial poderá limitar-se a consignar
concisamente sua conclusão, apresentando os respectivos fundamentos. E mais, tratando-se de
recurso interposto pelas partes nas situações em que a intervenção do Ministério Público é
obrigatória, resguardou-se ao agente ministerial de primeiro grau a faculdade de não mais
oferecer parecer de mérito, limitando-se a manifestação sobre a admissibilidade recursal.
Outrossim, considerou-se desnecessária a atuação de mais de um órgão do Ministério Público
em ações individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da instituição.
Foram delineadas, no aprovado relatório final, as causas em que seria facultativa a
intervenção do Ministério Público, quais sejam:
a) separação judicial consensual quando não houver interesse de incapazes;
b) ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens;
c) ação ordinária de partilha de bens, envolvendo casal sem filhos menores ou
incapazes;
d) ação de alimentos e revisional de alimentos, bem como ação executiva de alimentos
fundada no art. 732 do Código de Processo Civil, entre partes capazes;
143
e) ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes,
excetuada a aprovação, cumprimento e registro de testamento, ou que envolver re-
conhecimento de paternidade ou legado de alimentos;
f) procedimento de jurisdição voluntária em que inexistir interesse de incapazes ou
envolver matéria alusiva a registro público;
g) ações previdenciárias em que inexistir interesse de incapaz;
h) ação de indenização decorrentes de acidente do trabalho;
i) ação de usucapião de imóvel regularmente registrado, ou de coisa móvel;
j) requerimento de falência, na fase pré-falimentar;
k) ação de qualquer natureza em que seja parte sociedade de economia mista;
l) ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial;
m) ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia
ou Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial, a exemplo da execução fiscal e
respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de
indébito, consignação em pagamento, desapropriação direta e indireta, possessória, ordinária
de cobrança, indenizatória, embargos de terceiro, despejo, ações cautelares, conflito de
competência e impugnação ao valor da causa;
o) ação que verse sobre direito individual não-homogêneo de consumidor, sem a
presença de incapazes;
p) ação que envolva fundação de entidade de previdência privada;
q) ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção.
Com efeito, a minuta de provimento, aprovada pelo CNPGJ em Florianópolis no dia
29/11/2001, foi submetida ao Conselho Nacional de Corregedores-Gerais do Ministério
Público (CNCGMP) e deu origem ao instrumento denominado Carta de Ipojuca, a ser
mencionado no próximo subitem desta dissertação.
144
5.1.2 Estudo do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público
O Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público (CNCGMP) foi
instituído no dia 25/3/1994, em Corumbá, Mato Grosso do Sul. É uma sociedade civil
nacional, sem fins lucrativos, composta pelos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos
Estados e da União.
O CNCGMP254 tem a finalidade de contribuir para a defesa dos princípios,
prerrogativas e funções institucionais do Ministério Público, incentivando a integração das
Corregedorias-Gerais dos Ministérios Público dos Estados e da União, de modo a promover o
intercâmbio de experiências funcionais e administrativas, dos métodos de correições,
inspeções e levantamentos estatísticos das atividades das Promotorias e Procuradorias de
Justiça e de estudos relacionados à natureza e ao conteúdo das infrações de caráter disciplinar,
observadas as legislações estaduais e federal.
Respeitadas as peculiaridades locais, incumbe-lhe traçar as políticas e planos de
atuação uniforme e integrada, mediante a análise de dados estatísticos e sociais levantados nos
diversos pontos do País, elegendo e estabelecendo as metas e as diretrizes relacionadas ao
aperfeiçoamento funcional dos integrantes da instituição. Para isso, constitui sua função editar
súmulas sobre questões relevantes à atuação ministerial, contribuindo para a expedição de
sugestões e recomendações, sem caráter vinculativo, aos órgãos do Ministério Público.
Com o mesmo viés e de igual maneira que o Conselho Nacional dos Procuradores-
Gerais de Justiça dos Estados e da União, os Corregedores-Gerais do Ministério Público de
todo o País reuniram-se para traçar uma linha uniforme de orientação sobre tão importante
assunto, também cônscios da realidade institucional e da necessidade de readequação da
tradicional atuação interveniente aos novos parâmetros constitucionais.
Produto da reunião dos Órgãos da Administração Superior do Ministério Público,
encarregados da orientação, fiscalização das atividades funcionais e da conduta dos membros
da instituição, foi aprovada, em 12 de maio de 2003, a Carta de Ipojuca, com o voto contrário
apenas de Minas Gerais (cf. Anexo I).
254 Disponível em http://200.189.113.44/cgmp/cncgmp.html (site em construção). Disponível também em
www.mp.rj.gov.br. Acesso em: 18 fev. 2007.
145
A leitura comparativa entre a Carta de Ipojuca e a proposição do CNPG somente
diverge em dois pontos, que foram explicitados no instrumento assinado pelos Corregedores,
isto é, a expressa ressalva nas ações de usucapião (especial de imóvel urbano) das hipóteses
da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade;255 e a cláusula de
reserva nas ações de desapropriação que envolvam terras rurais objeto de litígios possessórios
ou que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, § 2º, da Lei Complementar n. 76/93).256
Todavia, ambas as situações foram previstas no estudo dos Procuradores-Gerais de Justiça
embora não constasse de forma direta da proposição aprovada.
Sem sombra de dúvida, os fundamentos da iniciativa levada a efeito pelos órgãos
correicionais coadunam-se com a perspectiva constitucional do Ministério Público, sendo
certo que a intervenção no processo civil pela instituição ministerial vem merecendo realce e
efetiva atenção pelos profissionais encarregados de executar os misteres do Parquet.
Os aludidos estudos nacionais influenciaram os Ministérios Públicos dos Estados,
conforme se verificará a seguir.
5.2 Estudos institucionais de âmbito estadual
Também no âmbito dos Estados a intervenção no processo civil é permanentemente
questionada, seja nos encontros realizados com o objetivo de debater o atuar da instituição,
seja nas manifestações processuais encetadas pelo Ministério Público, seja ainda pela
expedição de orientações concretas pelos órgãos de direção do Parquet.
Os estudos nacionais mencionados vêm merecendo efetivo acolhimento pelos
ministérios públicos estaduais, confirmando-se ainda mais a nova perspectiva da atuação
ministerial. Observe-se que as orientações nacionais aduzidas acima, por si sós, já se
apresentam suficientes para a desejada mudança de postura dos membros da instituição. No
entanto, a respectiva ratificação na esfera estadual demonstra a importância do debate em
torno da intervenção no processo civil.
255 A Lei n. 10.257/2001 regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo as diretrizes
gerais da política urbana e outras providências. 256 A Lei Complementar n. 76/93 dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o
processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
146
Com vista a consolidar o novo enfoque trazido com a Constituição Federal de 1988,
urge citar como exemplos os Ministérios Públicos de Minas Gerais, de São Paulo, de Santa
Catarina, da Bahia, do Pará, de Goiás que, entre outros, adotaram uma postura explícita e de
vanguarda quanto ao tema.
Em Minas Gerais, foi editada a Recomendação n. 1, do Conselho Superior do
Ministério Público, de 3/9/2001, fixando orientações funcionais sobre a intervenção do
Ministério Público no processo civil, sem caráter normativo, de acordo com a Carta de
Ipojuca, embora esta seja mais ampla. Posteriormente, referido ato foi ratificado pela
Corregedoria-Geral daquele Estado, conforme o Aviso n. 5, de 9/8/2004 (cf. Anexo II).
Em São Paulo foram expedidos três atos normativos. O primeiro, n. 295, de
12/11/2002, subscrito pelo Procurador-Geral de Justiça, pelo Corregedor-Geral do Ministério
Público e pelo Colégio de Procuradores (cf. Anexo III), facultou a intervenção ministerial nas
ações individuais de usucapião de imóveis urbanos e rurais, de acordo com a mesma
inteligência dos estudos nacionais apontados. O segundo, n. 313, de 24/6/2003, subscrito pelo
Procurador-Geral de Justiça e pelo Corregedor-Geral do Ministério Público (cf. Anexo III),
elencou genericamente as hipóteses de dispensabilidade da intervenção no processo civil
conforme a Carta de Ipojuca, acrescentando quanto a esta a hipótese da separação judicial e
do divórcio em que não haja interesse de incapazes, independentemente de haver ou não
consenso entre as partes. O terceiro, n. 387, de 22/12/2004, apenas acrescentou inciso ao
anterior ato normativo concernente à faculdade da intervenção em ações acidentárias
fundamentadas em direito comum (cf. Anexo III).
No Estado de Santa Catarina foi publicado pelo Procurador-Geral de Justiça o Ato n.
103, de 5/10/2004, republicado em 10/5/2005, que passou a guiar a intervenção no processo
civil. De igual modo, basicamente seguiram-se as mesmas proposições otimizadoras. A
propósito, inovou-se acrescentando as seguintes hipóteses de intervenção meramente formal
do Órgão do Ministério Público: os procedimentos de habilitação de casamento e os
mandados de segurança cujo objeto se restrinja à transferência ou licenciamento de veículo
sem prévio pagamento das multas de trânsito (cf. Anexo IV).
O Ministério Público da Bahia, por intermédio da Procuradoria-Geral de Justiça,
editou dois atos administrativos para estabelecer os parâmetros de atuação na seara cível. A
Resolução n. 10, publicado em 15/11/2003 afirmou a obrigatoriedade de os membros se
manifestarem nas ações de mandado de segurança, sob pena de incidência em falta funcional
147
disciplinar, a ser apurada pela Corregedoria-Geral. Já o Ato Normativo n. 15, de 19/12/2006,
respeitando a independência funcional dos agentes ministeriais, apresentou, nos moldes dos
estudos nacionais apontados, as diretrizes quanto à atuação uniforme da instituição como
órgão interveniente (cf. Anexo V).
Outro exemplo ocorreu com o Ministério Público do Estado do Pará, que editou, pela
Procuradoria-Geral de Justiça, o Provimento n. 1, de 9/7/2002. O referido ato, ressalvando as
hipóteses de ocorrência dos incisos I e II do art. 82 do Código de Processo Civil, recomendou
diversos casos em que os órgãos de execução devem se abster de intervir no processo civil. As
linhas mestras foram as ações de cunho patrimonial envolvendo as pessoas jurídicas de direito
público, excetuando-se os casos em que exista a discussão de matéria constitucional (cf.
Anexo VI).
Registre-se ainda o Ministério Público de Goiás que, por intermédio da
Recomendação Técnico-Jurídica n. 1, de 24/4/2006, ato conjunto da Procuradoria-Geral de
Justiça e da Corregedoria-Geral, facultou a intervenção ministerial de igual forma aos
aludidos estudos nacionais, respeitado o princípio da independência funcional (cf. Anexo
VII).
Não se poderia deixar de registrar que os Ministérios Públicos de outros Estados da
Federação, como o do Rio de Janeiro, o do Rio Grande do Sul, o do Amapá e o do Rio Grande
do Norte, embora estejam inteirados da discussão no âmbito nacional, não possuem
orientação geral a respeito da matéria sob a forma de recomendação, provimento ou resolução
expedida pela Administração Superior.
No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, o órgão especial do Colégio de
Procuradores de Justiça vem editando súmulas específicas sobre cada uma das hipóteses
multicitadas, sendo certo que, invariavelmente, as orientações expedidas não são unânimes
(cf. Anexo VIII).
Outrossim, praticamente em todos os modelos referidos acima houve a discussão
polemizada, acolhendo-se ou não as conclusões extraídas do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e da União e do Conselho Nacional de
Corregedores-Gerais do Ministério Público.
Cumpre anotar que as razões e o raciocínio desenvolvidos vêm sempre amparados
pela iterativa jurisprudência dos tribunais superiores, o que, como não poderia ser diferente,
148
ensejou a expressa mudança prática da rotina interventiva no processo civil pelo Parquet, com
a instituição se posicionando a respeito do assunto.
A importância do tema deverá ensejar ainda futuras manifestações advindas do próprio
Ministério Público. De toda forma, o registro das principais ocorrências nesse âmbito não
poderia ser omitido, uma vez que se torna fundamental até mesmo para a compreensão prática
das necessárias e contínuas transformações institucionais.
149
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Ministério Público é uma instituição conhecida na atualidade como defensora e
guardiã dos interesses sociais mais relevantes. Seus principais objetivos são resguardar a
sociedade e defender a ordem jurídica justa
Para compreender a evolução institucional é preciso conhecer a história do Ministério
Público. A mais difundida tese é a de que tenha surgido inicialmente na França. A Ordenação
francesa de 25 de março de 1302 foi o primeiro instrumento legal a se referir aos procuradores
do rei, com a incumbência de fiscalizar a aplicação das leis. Contudo, sua origem é
efetivamente vinculada à concentração da função judiciária em um órgão ou função estatal
criada para a solução dos conflitos sociais intersubjetivos: o Poder Judiciário. Com a
progressiva autonomia dos tribunais, os soberanos instituíram funcionários para a defesa de
seus interesses em juízo, chamados procuradores do rei, que somente por exceção deveriam
cuidar dos interesses da coletividade.
Para o direito pátrio, é interessante anotar que as instituições jurídicas e políticas
foram influenciadas pelo direito português. O mesmo fenômeno da unificação da função
jurisdicional ocorreu em Portugal, ensejando, posteriormente, o florescimento do Ministério
Público brasileiro. As Ordenações Manuelinas, que vigoraram no Brasil-Colônia, fizeram a
primeira referência explícita ao Promotor de Justiça.
Desde a independência brasileira até a promulgação da vigente Constituição Federal, o
Ministério Público experimentou profundas transformações. A Constituição de 1891 foi
silente. As Cartas Políticas de 1937, 1967 e 1969 conferiram-lhe tímida sistematização. As
Constituições de 1934 e 1946 explicitaram sua relevância, independência e autonomia diante
dos Poderes do Estado, mas foi a Constituição Cidadã de 1988 que efetivamente consolidou a
importância e o papel da instituição ministerial em nosso Estado Democrático de Direito.
O caput do art. 127 da Constituição Federal define o Ministério Público como
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
As funções institucionais são elencadas no art. 129, I a IX.
Para a intervenção no processo civil, a legitimação institucional encontra guarida tanto
no caput do art. 127 como no inciso de encerramento do art. 129, cabendo-lhe exercer outras
150
funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, vedando-se
expressamente a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Antes da Constituição Cidadã, vislumbrava-se o fundamento do agir processual do
Ministério Público somente a partir da legislação infraconstitucional. As funções do Parquet
nas searas processuais criminal, coletiva e civil até então careciam de um conteúdo
constitucional democrático e social.
O Ministério Público foi a instituição que experimentou a mais profunda alteração
pelo legislador constituinte. O posicionamento topográfico, inaugurando o capítulo das
funções essenciais à justiça, e o perfil traçado vincularam o Parquet na defesa da sociedade e
do próprio núcleo da Constituição, conforme se dessume dos elementos de sua conceituação.
Estabelecida como instituição, com história, desenvolvimento, disciplina e vocação
peculiares que transcendem no tempo e no espaço, o Parquet tem o caráter de permanência
afirmado pelo texto constitucional, constituindo-se em cláusula pétrea. A limitação de reforma
da Constituição quanto aos direitos e garantias individuais impede o cerceamento ou proposta
tendente a abolir a existência do Ministério Público, tendo em vista ser a defesa de tais
interesses e do regime democrático o próprio objeto da atuação ministerial.
A essencialidade à função jurisdicional do Estado é concebida não para fins de
condicionar o exercício da referida função à atividade do Ministério Público, mas apenas, de
forma lógica e razoável, quando for necessária a salvaguarda dos interesses que lhe incumbe
tutelar. Se assim não fosse, ter-se-ia o absurdo de condicionar a jurisdição à provocação ou
participação do Ministério Público, configurando flagrante violação ao princípio
constitucional do livre acesso à justiça, previsto no art. 5°, XXXV, da Constituição Federal.
A defesa da ordem jurídica não significa fiscalizar o cumprimento de todas as leis do
País. Em verdade, corresponde ao dever de zelar pelas normas inseridas no âmbito de suas
finalidades institucionais, levando-se em conta sempre os interesses a tutelar e não o mero e
inútil exercício de legalismo, que muitas vezes se apresenta dissociado dos reais valores que
devem ser perseguidos. A nova definição do Ministério Público o revela como instrumento de
preservação de uma legalidade qualificada como eminentemente democrática.
Em suma, na defesa dos interesses primaciais da sociedade, o Ministério Público
avoca o papel de guardião desta (custos societatis) e, de maneira especial, do próprio direito
(custos juris), arredando-se da simples missão de guardião da lei (custos legis).
151
Para a defesa do regime democrático, a instituição deve atentar para os fundamentos
do Estado Democrático de Direito brasileiro, isto é, a soberania, cidadania, a dignidade da
pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político,
incumbindo-se, ainda, da concreção das normas e direitos fundamentais relativos aos
objetivos constitucionais, mormente no que diz respeito à busca da justiça social, com o
enfrentamento das desigualdades e fiscalização do cumprimento das liberdades públicas. Por
isso é que lhe foram cometidos os devidos instrumentos, desvinculando-o dos tradicionais
poderes para atuar com independência e autonomia.
A atuação ministerial, seja ela em qual área for, deve evidenciar os interesses sociais e
individuais indisponíveis, o que revela ao desvelo pelo interesse público. O objeto da tutela
ministerial são os interesses que, pela relevância e necessidade de primazia, têm incutido o
caráter da indisponibilidade, da inalienabilidade a quem quer que seja e a qualquer pretexto.
No direito privado, há normas relacionadas aos princípios de ordem pública que são
indisponíveis, ligados a direitos materiais inalienáveis ou assim considerados por vedação
legal de deles dispor, o que em todo caso enseja a atuação do Ministério Púbico. Também
quanto ao direito público é necessária a presença da indisponibilidade do interesse para
legitimar o agir ou intervir ministerial. Típicos interesses indisponíveis de natureza pública
encontram-se elencados nos incisos II a IV do art. 129 da Carta Magna.
Consoante o novo perfil consagrado na Constituição Federal de 1988, surgiram dois
modelos de Ministério Público: o demandista e o resolutivo. Este revela a instituição como
agente que invoca para si a responsabilidade e a solução extrajudicial dos impasses sociais, de
preferência preventivamente e com esgotamento da instância administrativa, conforme a sua
conformação constitucional e os instrumentos à sua disposição. Aquele, o demandista,
relaciona-se à atividade do Parquet perante o Poder Judiciário.
Pelo que restou esposado neste trabalho, o Ministério Público demandista merece ser
repensado e aprimorado, de forma a otimizar o proveito e a utilidade social da instituição,
reclamando uma mudança de postura institucional como a que se propõe relativamente à
intervenção no processo civil.
As inúmeras leis posteriores à atual Constituição Federal que se referiram ao
Ministério Público, já em sintonia com os ditames constitucionais, reafirmam a presença
ministerial nas causas em que se discutem os interesses sociais e indisponíveis, alargando-se o
canal de acesso à justiça e valorizando-se a igualdade democrática.
152
No que pertine à intervenção do Ministério Público no processo civil, deve prevalecer
a perspectiva de órgão defensor da sociedade, garantindo o acesso à justiça e a efetivação dos
direitos constantes da lei. O desenho institucional do Parquet nessa seara é traçado com base
no binômio órgão agente e órgão interveniente.
A leitura dos dispositivos do Código de Processo Civil que tratam da intervenção
ministerial deve ser alinhada ao comando do art. 127 da Constituição Federal. As
mencionadas hipóteses do art. 82 do referido Código merecem uma releitura constitucional.
A partir da Constituição de 1988, a instituição ministerial deixou de ser simples
parecerista, mero fiscalizador das partes ou de estar à mercê de comandos processuais que
indiquem sua intervenção, uma vez que tal passividade não mais se coaduna com sua atuação
contemporânea.
Os agentes ministeriais, para fins de intervenção no processo civil, devem verificar,
caso a caso, a presença do interesse público mencionado pela legislação infraconstitucional
(CPC), amoldando-o ao caráter constitucional da indisponibilidade a justificar sua
manifestação nos feitos.
O interesse público que constitui objeto de defesa do Ministério Público é o conhecido
interesse público primário, e não o secundário.
Nos procedimentos de jurisdição voluntária, a instituição somente deve intervir se
conjugar a hipótese legal com as premissas gerais do art. 82 do Código de Processo Civil,
somadas ainda as diretrizes constitucionais, que revelam uma nova tábua axiológica de
valores jurídicos.
A intervenção nas ações de mandado de segurança, que exige expressamente a
participação do Ministério Público, vem sendo mitigada pela doutrina, pela jurisprudência e
pelos próprios órgãos da instituição.
Em todo caso, as inúmeras hipóteses interventivas cíveis do Parquet demandam, em
maior ou menor grau, de acordo com a situação concreta, um exercício interpretativo
sistêmico e racional da instituição, cabendo somente a esta a última palavra em sede de sua
participação.
Tal temática prescinde de uma reforma processual. O viés instrumentalista do
processo civil contemporâneo rompeu com velhas posturas. A sensibilidade, a eficiência e o
espírito crítico devem nortear o Ministério Público para o cumprimento de sua verdadeira
missão. A interpretação voltada para os ditames constitucionais traz em si a evolução da
153
legalidade estrita para indução de valores e processos legitimatórios que prestigiam a
cidadania e a ordem jurídica justa.
A intervenção do Ministério Público no processo civil tem gerado estudos e reflexões
no próprio seio da instituição sobre a necessidade de sua adequação ao perfil constitucional. O
desafio é harmonizar as diversas áreas de atuação de modo a garantir uma eficiente proteção
dos interesses sociais e indisponíveis.
Os órgãos de direção do Ministério Público, por meio de entidades colegiadas
nacionais, isto é, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e o Conselho
Nacional de Corregedores do Ministério Público manifestaram-se expressamente quanto ao
agir ministerial no âmbito do processo civil, propondo explícita racionalização e otimização.
Partiram da premissa de que a Constituição Republicana inspirou e concretizou o
Ministério Público ideal na figura de um órgão agente, o que foi verberado pelas novas
perspectivas de atuação na qualidade de autor na recente legislação especial. Outrossim, é
patente que a nova realidade administrativa demanda a correspondente reestruturação da
atividade-meio para o alcance das finalidades institucionais, bem assim que os limites da Lei
de Responsabilidade Fiscal impedem o provimento e o crescimento ilimitado da carreira.
A partir da edição da Carta de Ipojuca, instrumento que materializou o pensamento
dos Órgãos de Administração Superior do Ministério Público de todo o Brasil, os Ministérios
Públicos Estaduais vêm expedindo recomendações e orientações aos seus agentes com o
molde de reorientar a intervenção no processo civil.
Os posicionamentos fixados respeitam a garantia da independência funcional e a
exclusividade do membro na identificação do interesse que justifique, ou não, a sua
intervenção na causa.
Em outras palavras, as premissas constitucionais exigiram que o Ministério Público se
amoldasse ao novo perfil, sendo imperiosa, no caso concreto, a necessidade da presença do
interesse público revelado pelo fenômeno da indisponibilidade.
A interpretação dos dispositivos referentes à intervenção ministerial no processo civil
deve ser, de forma sistêmica, conjugada com os elementos conceituais do Ministério Público
(caput do art. 127 da Constituição Federal) e também com as suas funções institucionais (art.
129 da Lei Maior), de modo a revelar a indispensável índole constitucional da razão de
intervir.
154
A nova moldura alinhavada a partir da Constituição Federal reclamou a pertinente e
consentânea interpretação da legislação processual civil no tocante à intervenção do
Ministério Público.
Conforme aduzido, este trabalho tem o escopo de trazer tal temática para o campo
científico das discussões, fomentando os debates e propondo o ajuste da correspondente
legislação infraconstitucional aos novos rumos da real essência da Constituição Cidadã sem,
de forma alguma, pretender esgotar a matéria.
155
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166
ANEXOS∗
ANEXO I – Carta de Ipojuca1
O CONSELHO NACIONAL DOS CORREGEDORES-GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DA UNIÃO, por seu presidente, Subprocurador-Geral de Justiça Péricles Aurélio Lima de Queiroz, reunido nos dias 11 a 13 de maio do ano de dois mil e três, em Ipojuca, Estado de Pernambuco, e com a presença dos Senhores Corregedores-Gerais dos Estados de Alagoas, Procurador de Justiça Lean Antônio Ferreira de Araújo; do Amapá, Procurador de Justiça Márcio Augusto Alves, do Amazonas, Procuradora de Justiça Rita Augusta de Vasconcellos Dias; da Bahia, Procurador de Justiça José Marinho das Neves Neto; do Ceará, Procurador de Justiça Nicéforo Fernandes de Oliveira; do Espírito Santo, Procurador de Justiça José Adalberto Dazzi; de Goiás, Procurador de Justiça Edison Miguel da Silva JR, do Maranhão, Procurador de Justiça João Raymundo Leitão, do Mato Grosso, Corregedor-Geral Adjunto Leonir Colombo (representante), do Mato Grosso do Sul, Procurador de Justiça Olavo Monteiro Mascarenhas; de Minas Gerais, Procurador de Justiça Manoel Divino de Siqueira; do Pará, Procurador-Geral de Justiça Geraldo de Mendonça Rocha, representando o Corregedor-Geral Luiz Ismaelino Valente; da Paraíba, Procuradora de Justiça Amarília Sales de Farias; do Paraná, Promotor-Corregedor Clayton Maranhão (representante); de Pernambuco, Procurador de Justiça Antonio Carlos de Oliveira Cavalcanti; do Piauí, Procuradora de Justiça Martha Celina de Oliveira Nunes; do Rio de Janeiro, Procuradora de Justiça Denise Freitas Fabião Guasque; do Rio Grande do Norte, Procuradora de Justiça Valdira Câmara Tôrres Pinheiro Costa; do Rio Grande do Sul, Procuradora de Justiça Jacqueline Fagundes Rosenfeld; de Rondônia, Procurador de Justiça Cláudio José de Barros Silveira; de Roraima, Procurador de Justiça Alessandro Tramujas Assad; de Santa Catarina, Procurador de Justiça Odil José Cota; de São Paulo, Procurador de Justiça Carlos Henrique Mund; de Sergipe, Procurador de Justiça Darcilo Melo Costa; de Tocantins, Procuradora de Justiça Leila da Costa Vilela Magalhães; e do Ministério Público do Trabalho, Subprocuradora-Geral do Trabalho Heloisa Maria Moraes Rego Pires, deliberou:
A – Considerando a necessidade de otimizar a intervenção do Ministério Público no Processo Civil, notadamente em função da utilidade e efetividade da referida intervenção em benefício dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis; Considerando a imperiosidade de reorientar a atuação ministerial em respeito à evolução institucional do Ministério Público e ao perfil traçado pela Constituição da República (artigos 127 e 129), que nitidamente priorizam a defesa de tais interesses na qualidade de órgão agente; Considerando a justa expectativa da sociedade de uma eficiente, espontânea e integral defesa dos mesmos interesses, notadamente os relacionados com a probidade administrativa, a proteção do patrimônio público e social, a qualidade dos serviços públicos e de relevância pública, a infância e juventude, as pessoas portadoras de necessidades especiais, os idosos, os consumidores e o meio ambiente; Considerando a iterativa jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive sumuladas, em especial dos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça; Considerando a exclusividade do Ministério Público na identificação do interesse que justifique a intervenção da Instituição na causa, e respeitada a autonomia funcional dos membros do Ministério Público e sem caráter normativo e vinculativo:
∗ Anexos contendo a Carta de Ipojuca, bem como os atos administrativos dos Ministérios Públicos de Minas
Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Bahia, Pará, Goiás e Rio Grande do Sul sobre a intervenção no processo civil.
1 Disponível em: www.mp.mg.gov.br, link da Corregedoria-Geral. Acesso em: 22 fev. 2007.
167
1) Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro da Instituição, ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar concisamente a sua conclusão, apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos.
2) Em se tratando de recurso interposto pelas partes nas situações em que a intervenção do Ministério Público é obrigatória, resguarda-se ao agente ministerial de primeiro grau a manifestação sobre a admissibilidade recursal.
3) É desnecessária a atuação de mais de um órgão do Ministério Público em ações individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da Instituição; 4) Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, é desnecessária a intervenção ministerial nas seguintes demandas e hipóteses:
I – Separação judicial consensual onde não houver interesse de incapazes; II – Ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens; III – Ação ordinária de partilha de bens, envolvendo casal sem filhos menores ou incapazes; IV – Ação de alimentos e revisional de alimentos, bem como ação executiva de alimentos
fundada no artigo 732 do CPC, entre partes capazes; V – Ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada a
aprovação, cumprimento e registro de testamento, ou que envolver reconhecimento de paternidade ou legado de alimentos;
VI – Procedimento de jurisdição voluntária em que inexistir interesse de incapazes ou não envolver matéria alusiva a registro público;
VII – Ação previdenciária em que inexistir interesse de incapazes; VIII – Ação de indenização decorrente de acidente do trabalho; IX – Ação de usucapião de
imóvel regularmente registrado, ou de coisa móvel, ressalvadas as hipóteses da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001;
X – Requerimento de falência, na fase pré-falimentar; XI – Ação de qualquer natureza em que seja parte sociedade de economia mista; XII – Ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial; XIII – Ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia ou
Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial e sem implicações de ordem constitucional, a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, embargos de terceiro, despejo, ações cautelares, conflito de competência e impugnação ao valor da causa;
XIV – Ação de desapropriação, direta ou indireta, entre partes capazes, desde que não envolvam terras rurais objeto de litígios possessórios ou que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, § 2º, da LC 76/93);
XV – Ação que verse sobre direito individual não-homogêneo de consumidor, sem a presença de incapazes;
XVI – Ação de envolva fundação de entidade de previdência privada; e XVII – Ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção. B – O limite orçamentário de 2%, imposto ao Ministério Público, pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, está ressuscitando a tese inconstitucional da nomeação de Promotor ad hoc, pois tem impossibilitado a presença de Promotor de Justiça em todas as Comarcas, com prejuízo ao Estado Democrático de Direito.
Ipojuca – PE, 13 de maio de 2003.
168
ANEXO II – Minas Gerais2
• RECOMENDAÇÃO CSMP Nº 1, DE 3 DE SETEMBRO DE 2001 (Republicação) Fixa orientações funcionais, sem caráter normativo, sobre a intervenção do Ministério Público
no Processo Civil. O Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, com fundamento no art. 10, XII,
c/c. art. 15, X, da Lei 8.625, de 12.02.93 e art. 18, XXIV, c/c. art. 33, IX, da Lei Complementar 34, de 12.09.94;
Considerando a decisão do Conselho Superior do Ministério Público, na reunião realizada em 25.06.01, aprovando, por maioria (9 votos favoráveis e 1 voto contrário), proposta da Comissão de racionalização da atuação do Ministério Público no processo civil, no sentido da não-intervenção nos seguintes processos: em que for parte a Fazenda Pública e suas entidades; versando sobre direito individual de consumidor, sem interesse de incapazes; ações anulatórias de ato jurídico, entre partes capazes; procedimentos de jurisdição voluntária, em que não estão presentes as hipóteses previstas no art. 82 do CPC; ações de indenização de direito comum decorrentes de acidente de trabalho; usucapião de bem móvel; ações em que, no curso da demanda, cessar a causa de intervenção; ações envolvendo Fundação de Entidade de Previdência Privada; bem como dispensando o Promotor de Justiça da elaboração de parecer recursal; Considerando que referida decisão tem por base inúmeros precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, todos citados no Relatório da Comissão; Considerando que o resultado da pesquisa de opinião realizada no âmbito do Ministério Público Mineiro apontou para a necessidade de racionalizar a intervenção no processo civil, dispensando a atuação nos referidos feitos; Considerando que a reorientação de algumas atividades pode contribuir para maior utilidade da atuação ministerial no papel de defensor da sociedade, assumindo efetivamente seu novo perfil constitucional; recomenda, sem caráter normativo:
a) aos Membros do Ministério Público que oficiam no âmbito cível para não mais intervir nos seguintes feitos:
I – ações em que for parte a Fazenda Pública e suas entidades (CPC, art. 82, III), a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal e declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, desapropriação (direta ou indireta), possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, anulatória de ato administrativo, embargos de terceiro, outras execuções, despejo, ações cautelares, exceção de incompetência e impugnação ao valor da causa, ficando ressalvada, no entanto, a intervenção na execução fiscal na hipótese de transação no curso de demanda judicial (art. 218 da Lei 6.763, de 26.12.75, com a nova redação dada pelo art. 7º da Lei 13.741, de 29.11.00), bem como a intervenção nos feitos em que a lei expressamente exija a presença do órgão ministerial;
II – ações que versem sobre direito individual de consumidor, sem a presença de incapazes; III – ação anulatória de ato jurídico entre partes capazes; IV – procedimentos de jurisdição voluntária, em que não estão presentes as hipóteses previstas
no art. 82 do CPC; V – nas ações de indenização de direito comum decorrentes de acidente de trabalho; VI – usucapião de bem móvel; VII – ações em que, no curso da demanda, cessar a causa de intervenção; VIII – ações que envolvam Fundação de Entidade de Previdência Privada.
2 Disponível em: www.mp.mg.gov.br, link da Corregedoria-Geral. Acesso em: 22 fev. 2007.
169
b) aos Promotores de Justiça, nos processos cíveis, em que oficiam como "custos legis", para não mais oferecer parecer recursal, no que tange às apelações interpostas pelas partes.
(*) Republicada face incorreção. Belo Horizonte, 10 de setembro de 2001. NEDENS ULISSES FREIRE VIEIRA Procurador-Geral de Justiça, Presidente do Conselho Superior do Ministério Público. • AVISO CGMP Nº 5, DE 09 DE AGOSTO DE 2004 Ratifica os termos da Recomendação n. 1/2001 sobre a intervenção do Ministério Público no
processo civil. O Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com fundamento no
art. 17, IV, da Lei n. 8.625, de 12.02.1993 e art. 39, VII, da Lei Complementar n. 34, de 12.09.1994; Considerando a vigência, desde 12.09.2001, no âmbito do Ministério Público de Minas Gerais
da Recomendação n. 01/2001, publicada pelo Procurador-Geral de Justiça acolhendo sugestão do Conselho Superior, orientando, sem caráter normativo, sobre a intervenção do Ministério Público no Processo Civil; Considerando que o referido ato, racionalizando essa intervenção, encontrou ressonância junto aos Conselhos Nacionais dos Procuradores-Gerais de Justiça e dos Corregedores-Gerais do Ministério Público nas reuniões realizadas pelos citados órgãos em 2003;
Considerando que a reorientação de algumas atividades ministeriais tem contribuído para maior utilidade da atuação do Ministério Público no papel de defensor da sociedade, assumindo efetivamente seu novo perfil constitucional;
Considerando a existência de atos editados por este Órgão Correcional que não mais se compatibilizam com esse novo modelo de atuação;
Avisa aos Órgãos de Execução que o Corregedor-Geral do Ministério Público ratifica os termos da citada Recomendação n. 01/2001 da PGJ/CSMP, tornando sem efeito os seguintes atos expedidos por esta Corregedoria: Aviso n. 01/2001, de 14.09.2001; Ofício Circular de 29.07.1992; pareceres institucionais nos Expedientes nºs 174/97 e 155/98, de 10.02.1998 e de 09.09.1998; item 2 do Comunicado publicado em 21.10.2003.
Belo Horizonte, 9 de agosto de 2004. ANTÔNIO DE PADOVA MARCHI JÚNIOR Corregedor-Geral do Ministério Público
170
ANEXO III – São Paulo3
• ATO NORMATIVO N. 295-PGJ/CGMP/CPJ, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2002 (PT. N. 37.534/02)
Estabelece normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério
Público, como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de imóveis urbanos ou rurais.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, o CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO e o COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, por meio de seu ÓRGÃO ESPECIAL, no exercício das atribuições que lhes são conferidas pelos arts. 19, XII, "c", 42, XI, e 22, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, e CONSIDERANDO que compete ao Procurador-Geral de Justiça expedir atos e instruções para a boa execução das leis no âmbito do Ministério Público (art. 19, XII, "c", da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993); CONSIDERANDO que ao Corregedor-Geral do Ministério Público cabe expedir atos visando à regularidade e ao aperfeiçoamento dos serviços institucionais, nos limites de suas atribuições (art. 42, XI, leg. cit.); CONSIDERANDO que o Colégio de Procuradores de Justiça, por meio de seu Órgão Especial, instado pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 22, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993, manifestou-se favoravelmente, em reunião ordinária realizada em 6 de novembro de 2002, sobre a edição de ato normativo que estabeleça normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei, nas ações de usucapião; CONSIDERANDO que a progressiva evolução institucional do Ministério Público ampliou suas atribuições na área cível, acarretando considerável sobrecarga de trabalho nas Promotorias de Justiça; CONSIDERANDO que o perfil institucional traçado pela Constituição da República (arts. 127 e 129) priorizou a atuação do Ministério Público, como órgão agente, na área de interesses difusos e coletivos, gerando com isso uma justa expectativa social de eficiente e integral defesa desses interesses; CONSIDERANDO que, para bem cumprir todas suas funções institucionais, é necessário que o Ministério Público fixe prioridades que racionalizem os meios de que dispõe, tornando sua atuação mais eficaz; CONSIDERANDO que a expressão "interesse público", constante do art. 82, III, do Código de Processo Civil, merece interpretação que melhor se ajuste ao perfil constitucional da Instituição; CONSIDERANDO que, em suas manifestações processuais, cabe ao Ministério Público, exclusivamente, examinar e identificar, em cada caso, a existência de um interesse público imediato e concreto que justifique sua intervenção; CONSIDERANDO que, em razão desse modelo institucional, nem todos os textos legais que prevêem a intervenção obrigatório do Ministério Público foram integralmente recepcionados pela Carta de 1988; CONSIDERANDO que, nas ações individuais de usucapião, o interesse patrimonial da Fazenda Pública, por si só, não acarreta o interesse público de que trata o art. 82, III, do Código de Processo Civil; CONSIDERANDO que somente a falta de intimação do membro do Ministério Público, e não a ausência de sua efetiva manifestação nos autos, acarreta nulidade processual; 3 Ato normativo n. 295, 12/11/2002. Disponível em:
www.mp.sp.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/DIARIO_OFICIAL/PUBLICACAO_DIARIO_ OFICIAL/2002/DOE1311.HTM. Acesso em: 20/2/2007. Ato normativo n. 313, 24/6/2003. Disponível em: www.mp.sp.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/DIARIO_OFICIAL/PUBLICACAO_DIARIO_ OFICIAL/2003/DOE2506.HTM. Acesso em: 20/2/2007. Ato normativo n. 387, 22/12/2004. Disponível em: www.mp.sp.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/DIARIO_OFICIAL/PUBLICACAO_DIARIO_ OFICIAL/2004/DOE2312.HTM. Acesso em: 20/2/2007.
171
RESOLVEM EXPEDIR O SEGUINTE ATO NORMATIVO: Art. 1º Atuando como fiscal da lei (custos legis), o Promotor de Justiça poderá deixar de se
manifestar nas ações individuais de usucapião de imóvel. § 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica às hipóteses de ações que envolvam
parcelamento ilegal do solo para fins urbanos ou rurais, bem como àquelas em que haja interesse de incapazes (art. 82, I, do Código de Processo Civil) ou em que se vislumbre risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 2º Ao examinar os autos e entender que deva proceder conforme o disposto no caput deste artigo, o Promotor de Justiça consignará que deixa de intervir por não vislumbrar, até então, qualquer hipótese que justifique a atuação fiscalizatória protetiva do órgão do Ministério Público.
§ 3º O exame mencionado no § 2º deste artigo deverá ser renovado em toda vista dos autos, podendo ser realizado a qualquer momento.
Art. 2º Este ato normativo entrará em vigor na data de sua publicação. • ATO NORMATIVO Nº 313/03 – PGJ-CGMP, DE 24 DE JUNHO DE 2003 (PT. N.
55.615/03) Dispõe sobre a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA e o CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei Complementar Estadual n.º 734, de 26 de novembro de 1993, considerando: 1. a necessidade de racionalizar a intervenção do Ministério Público no Processo Civil, notadamente em função da utilidade e efetividade da referida intervenção em benefício dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis; 2. como decorrência, a imperiosidade de reorientar a atuação ministerial em respeito à evolução institucional do ministério Público e ao perfil traçado pela Constituição da República (artigos 127 e 129), que nitidamente priorizam a defesa de tais interesses na qualidade de órgão agente; 3. a justa expectativa da sociedade de uma eficiente, espontânea e integral defesa dos mesmos interesses, notadamente os relacionados com a probidade administrativa, a proteção do patrimônio público e social, a qualidade dos serviços públicos e de relevância pública, a infância e juventude, as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os consumidores e o meio ambiente; 4. a iterativa jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive sumuladas, em especial dos Egrégios Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça; e 5. a exclusividade do Ministério Público na identificação do interesse que justifique a intervenção da Instituição na causa; Resolvem editar, na forma dos artigos 10, XII, da Lei Federal n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, e artigos 19, inciso I, letra "d" e 42, inciso XI, da Lei Estadual Complementar n. 734 de 26 de novembro de 1993, respeitada a independência funcional dos membros da Instituição e, portanto, sem caráter vinculativo, o seguinte Ato:
Art. 1º – Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro da Instituição, ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar concisamente a sua conclusão, apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos.
Art. 2º – Em se tratando de recurso interposto pelas partes nas situações em que a intervenção do Ministério Público é obrigatória, o órgão ministerial de primeiro grau deve se manifestar sobre os pressupostos de admissibilidade recursal.
Art. 3º – Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, fica facultada a intervenção ministerial nas seguintes hipóteses:
I – Separação judicial e divórcio, onde não houver interesse de incapazes; II – Ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens; III – Ação ordinária de partilha de bens, envolvendo casal sem filhos menores ou incapazes; IV – Ação de alimentos e revisional de alimentos, bem como ação executiva de alimentos
fundada no artigo 732 do CPC, entre partes capazes; V – Ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada a
aprovação, cumprimento e registro de testamento ou que envolver reconhecimento de paternidade ou legado de alimentos;
172
VI – Procedimento de jurisdição voluntária em que inexistir interesse de incapazes ou não envolver matéria alusiva aos registros públicos;
VII – Ação de indenização pelo direito comum, decorrente de acidente do trabalho; VIII – Requerimento de falência, na fase pré-falimentar; IX – Ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial; X – Ação de desapropriação, direta ou indireta, entre partes capazes, desde que não envolvam
terras rurais objeto de litígios possessórios ou que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, §2°, da L.C. 76/93);
XI – Ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção. Art. 4º – O exame mencionado no artigo 1o deverá ser renovado em toda vista dos autos,
podendo também ser realizado a qualquer momento. Art. 5° – O presente Ato entrará em vigor da data da sua publicação, revogadas as disposições
em contrário. • ATO NORMATIVO Nº 387-PGJ-CGMP-CPJ, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2004 (Pt. n.
68.245/04) Acrescenta inciso ao art. 3º do Ato Normativo n. 313-PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003,
facultando a intervenção do Ministério Público em ações acidentárias. O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, o CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO e o COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA, por meio de seu ÓRGÃO ESPECIAL, no uso de suas atribuições legais, e CONSIDERANDO a deliberação tomada na reunião ordinária desse colegiado realizada em 1º de dezembro de 2004, proferida nos autos do protocolado n. 68.245/04, RESOLVEM:
Art. 1º. O art. 3º do Ato Normativo n. 313-PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XII:
"XII – a ação acidentária ou a ação revisional do valor do benefício e respectivas execuções, propostas por advogado regularmente constituído ou nomeado, salvo nos casos em que o beneficiário seja incapaz ou idoso em condições de risco." (AC)
Art. 2º. Este ato normativo entrará em vigor na data de sua publicação. Art. 3º. Fica revogado o Ato Normativo n. 354-PGJ-CGMP, de 4 de maio de 2004. São Paulo, 22 de dezembro de 2004. RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO Procurador-Geral de Justiça e Presidente do Colégio de Procuradores de Justiça
173
ANEXO IV – Santa Catarina4
ATO Nº 103/2004/PGJ (republicado em 10.05.2005) Orienta acerca da racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil. O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no exercício das atribuições que lhes são
conferidas pelo art. 18, inciso IX, da Lei Complementar Estadual n. 197, de 13 de julho de 2000, e considerando: a) a teleologia dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 127 e 129 da Constituição da República, que emolduram o Ministério Público como órgão predominantemente agente; b) a obrigatoriedade de interpretarem-se as normas jurídicas, entre as quais o Código de Processo Civil, em conformidade com os princípios e preceitos constitucionais; c) a legitimidade do Ministério Público para, com vista dos autos, proceder com exclusividade à análise da existência ou não de interesse por ele tutelável; d) a legítima expectativa da sociedade de ver o Ministério Público atuando com eficiência e eficácia na plenitude e exata dimensão da sua moldura constitucional; e) a necessidade de otimizar, no contexto dos valores e necessidades sociais, o resultado prático da outorga funcional conferida ao Ministério Público; f) o atraso na entrega da prestação jurisdicional, que está relacionado, também, com a falta de racionalidade da intervenção do Ministério Público no processo civil; g) as limitações de ordem financeira, inclusive aquelas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal; h) o resultado da pesquisa acerca da intervenção do Ministério Público no processo civil, promovida pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional; i) a Carta de Florianópolis expedida pelo Conselho Nacional de Corregedores do Ministério Público, em face das conclusões do seu XLI Encontro, realizado no dia 19 de agosto do corrente, reconhecendo a necessidade da racionalização das atribuições legais da Instituição; e j) por fim, a deliberação, por expressiva maioria, do Colégio de Procuradores de Justiça, na sessão realizada no dia 29 de setembro do corrente, favorável à racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil,
RESOLVE, respeitado o princípio da independência funcional, editar, sem caráter vinculativo, o seguinte Ato:
Art. 1° Intimado a pronunciar-se na condição de fiscal da lei, o órgão do Ministério Público, não vislumbrando interesse relevante a reclamar sua tutela, poderá dar à intervenção caráter meramente formal, declinando de maneira sucinta as razões do seu posicionamento.
§ 1° Considera-se meramente formal a intervenção que, muito embora decorra de interpretação de dispositivo legal, não importe, necessariamente, no exercício de defesa de interesse tutelável pelo Ministério Público.
§ 2° A análise da presença de interesse tutelável no processo poderá ser feita subseqüentemente a cada intimação, ou a qualquer momento, a juízo do órgão do Ministério Público.
§ 3° É desaconselhável, para efeito de intervenção meramente formal, invocar-se, simplesmente, a inexistência de interesse público no feito.
Art. 2° Quando houver intervenção em defesa de interesse tutelável, recorrendo as partes, poderá o órgão do Ministério Público de primeiro grau manifestar-se apenas sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Art. 3° A intervenção do Ministério Público no processo civil, na forma prevista no art. 1° e seus parágrafos do presente Ato, poderá ser considerada nas seguintes hipóteses:
I – habilitação de casamento; II – separação judicial consensual sem a presença de interesse de incapazes; III – ação de divórcio sem a presença de interesse de incapazes; IV – ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens sem a presença de
interesse de incapazes;
4 Disponível em: www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_lista.asp?campo=1931. Acesso em: 20 fev. 2007.
174
V – ação ordinária de partilha de bens entre pessoas capazes; VI – ação de alimentos e revisional de alimentos entre pessoas capazes; VII – ação executiva de alimentos (CPC, art. 732) entre pessoas capazes; VIII – ação relativa ao implemento de disposições de última vontade sem a presença de
interesse de incapazes, salvo se envolver reconhecimento de paternidade ou legado de alimentos; IX – procedimento de jurisdição voluntária sem a presença de interesse de incapazes; X – ação para obtenção e revisão de benefício previdenciário sem a presença de interesse de
incapazes; XI – ação indenizatória de direito comum decorrente de acidente do trabalho; XII – ação de usucapião de coisa móvel; XIII – ação de usucapião de imóvel regularmente registrado, ressalvadas as hipóteses da Lei n.
10.257, de 10 de julho de 2001; XIV – requerimento de falência, na fase pré-falimentar; XV – ação de cunho patrimonial sem a presença de interesse de incapazes, em que seja parte
sociedade de economia mista; XVI – ação individual de cunho patrimonial, sem a presença de interesse de incapazes, em que
seja parte sociedade em liquidação extrajudicial; XVII – ação de execução fiscal e respectivos embargos; XIII – ações que envolvam discussão de direitos estatutários promovidas por servidores
públicos para fim de obtenção de vantagem patrimonial; XIX – ação de repetição de indébito ou consignatória, quando forem partes o Estado ou o
Município, as respectivas Fazendas Públicas, ou empresas públicas a eles vinculadas; XX – ação de desapropriação indireta, sem a presença de incapazes, exceto as que envolvam
terras rurais objeto de litígio possessório coletivo ou que se destinem para fins de reforma agrária; XXI – ação ordinária de cobrança, indenizatória, possessória ou de despejo, quando forem
partes o Estado ou o Município, as respectivas Fazendas Públicas, ou empresas públicas a eles vinculadas;
XXII – ação anulatória de ato administrativo, embargos de terceiro, cautelares, conflito de competência ou impugnação ao valor da causa, quando forem partes o Estado ou o Município, as respectivas Fazendas Públicas, ou empresas públicas a eles vinculadas;
XXIII – mandado de segurança cujo objeto se restrinja à transferência ou licenciamento de veículo sem prévio pagamento das multas de trânsito;
XXIV – ação que tenha por objeto a tutela de direito individual de consumidor, de caráter não homogêneo, sem a presença de interesse de incapazes;
XXV – ação que tenha por objeto a tutela de interesse particular de entidade de previdência privada.
§ 1º A prerrogativa de optar pela intervenção meramente formal, nos termos deste Ato, não implica renúncia ao direito de receber os autos com vista nas hipóteses em que a lei prevê a participação do Ministério Público no feito.
§ 2º Além das hipóteses a que alude este artigo, poderá o membro do Ministério Público optar pela não intervenção ou pela intervenção meramente formal nos processos compreendidos no contexto de Enunciados emanados da Procuradoria de Justiça Cível. (parágrafo acrescido pelo Ato PGJ n. 089 /MP, de 2 de maio de 2005)
Art. 4° O presente Ato vigorará como parâmetro de orientação a partir da data de sua publicação.
Florianópolis, 5 de outubro de 2004. PEDRO SÉRGIO STEIL Procurador-Geral de Justiça
175
ANEXO V – Bahia5
• ATO NORMATIVO Nº 015/2006 Estabelece parâmetros para a racionalização das atribuições do Ministério Público do Estado
da Bahia, na área cível. O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, no uso das atribuições
que lhe confere o art.136 da Constituição Estadual, combinado com o art.15, XIII e XXXI, da Lei Complementar n. 11/96, depois de ouvido o Colégio de Procuradores de Justiça, nos termos do art. 18, I, da mesma Lei Complementar, CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu art. 127, incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; CONSIDERANDO que a Carta Magna atribuiu ao Ministério Público a função de guardião da coletividade, determinando-lhe uma postura mais ativa, como órgão predominantemente agente; CONSIDERANDO que se torna relevante uma releitura hermenêutica das leis infraconstitucionais, para que a intervenção, como custos iuris, em feitos cíveis iniciados por terceiros, ocorra somente quando, de fato, presente o interesse público, caracterizado pela proteção de direitos indisponíveis; CONSIDERANDO que a demanda pela efetivação de direitos coletivos, difusos e individuais indisponíveis exige um Ministério Público resolutivo, cujos membros atuem principalmente como agentes promotores de medidas judiciais e extrajudiciais; CONSIDERANDO que, nos termos do art. 26, VIII, da Lei 8.625/93, ao Ministério Público compete avaliar a presença do interesse público ensejador de sua intervenção; CONSIDERANDO que se faz importante estabelecer parâmetros em busca de uma atuação uniforme dos membros do Ministério Público, quanto à intervenção no processo civil, com especial atenção às causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do Código de Processo Civil), ainda que isto se faça por meio de orientações a serem seguidas facultativamente, em respeito ao princípio da independência funcional; CONSIDERANDO que a intervenção ministerial nas causas cíveis deve atender aos princípios da efetividade e celeridade processuais, e que, portanto, deve ser racionalizada, a fim de se priorizar a atuação do Ministério Público como autor de ações coletivas, presidente do inquérito civil e articulador social; CONSIDERANDO que o art. 84 do Código de Processo Civil exige apenas a intimação do Ministério Público nos casos legais, não ensejando, pois, nulidade a ausência de manifestação quanto ao mérito, se inexistente o interesse público no caso concreto; CONSIDERANDO a legítima expectativa da sociedade em ver o Ministério Público atuando com eficiência e eficácia na plenitude e exata dimensão da sua moldura constitucional; CONSIDERANDO a necessidade de se otimizar, no contexto dos valores e necessidades sociais, o resultado prático da outorga funcional conferida ao Ministério Público; CONSIDERANDO o resultado do trabalho realizado pela Comissão que analisou a intervenção do Ministério Público no processo civil,
RESOLVE EXPEDIR AS SEGUINTES RECOMENDAÇÕES: Art. 1º – A intervenção do Ministério Público, quando atuar como custos iuris e inexistindo
interesse de incapaz, poderá ser considerada dispensável nas seguintes hipóteses: I – em processos atinentes a Direito de Família e Sucessões, quanto a questões econômicas e
demais direitos disponíveis, sendo que a participação ministerial em audiências não é obrigatória, ressalvado, contudo, ao Promotor de Justiça o exame prévio dos autos, devendo, ainda, ser emitido parecer de mérito no momento processual adequado;
II – nos procedimentos de jurisdição voluntária que não envolvam matéria alusiva a Registros Públicos e a outros direitos indisponíveis;
III – nas ações de usucapião de coisa móvel;
5 Disponível em www.mp.ba.gov.br/corregedoria/normatividade.asp. Acesso em: 26 fev. 2007.
176
IV – nas ações de usucapião de imóvel regularmente registrado, ressalvadas as hipóteses da Lei n. 10.257/2001;
V – nas ações de execução fiscal e respectivos embargos; VI – nas ações de cunho patrimonial em que sejam partes a Fazenda Pública, as sociedades de
economia mista, autarquias e empresas públicas; VII – nas ações que tenham por objeto a tutela individual de consumidor de caráter não
homogêneo; VIII – nas ações para obtenção e revisão de benefício previdenciário; IX – nas ações relativas a interesse de idoso, quando ausente a situação de risco; X – ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção. Art. 2º. Atuando na qualidade de custos iuris, quando cientificado para se manifestar sobre as
razões e contra-razões nos recursos eventualmente interpostos, o membro do Ministério Público de primeira instância limitar-se-á a examinar os seus pressupostos de admissibilidade.
Art. 3º. O Promotor de Justiça pronunciar-se-á em habilitação de casamento, quando esta envolver incapaz ou quando houver oposição de impedimento ou argüição de causa suspensiva (arts. 1521 a 1524 do Código Civil e art. 67, § 5º, Lei n. 6.015/73), justificação de fato necessário à habilitação (art. 68, § 1º., da Lei n. 6.015/73) ou pedido de dispensa de proclamas (art. 69, § 2º., da Lei n. 6.015/73).
Art. 4º – Em cumprimento ao art. 83, I, do Código de Processo Civil, o membro do Ministério Público, quando atuar como custos iuris, deve pronunciar-se apenas nos momentos próprios, sempre após as partes, podendo considerar sua manifestação em pedido liminar ou tutela antecipada.
Art. 5º – Deve-se buscar, sempre que possível, concentrar os requerimentos de diligências, em homenagem aos princípios da celeridade, efetividade e economia processuais.
Art. 6º – Nas causas relacionadas a alimentos, notadamente naquelas que versarem sobre revisão, exoneração e execução, faz-se relevante propugnar pela observância do rito especial que lhes é peculiar, em atenção à celeridade processual.
Art. 7º – Quando, nos autos, forem encontradas irregularidades que possam desencadear ações de outros órgãos (no âmbito criminal, improbidade administrativa, consumidor, infância e adolescência, meio ambiente etc.), deve-se proceder à devida comunicação, explicitando as razões da remessa e instruindo-a com os documentos que dispuser.
Art. 8º – A racionalização não implica renúncia ao direito de receber os autos com vista, nas hipóteses em que a lei prevê a participação do Ministério Público, devendo o representante ministerial, no caso concreto, avaliar a presença, ou não, do interesse público justificador da intervenção, fundamentando, consoante o art. 43, III, da Lei n. 8.625/93, o seu entendimento.
Art. 9º – Em relação ao Mandado de Segurança, respeitar-se-á a Resolução n. 10, de 14 de dezembro de 2003, do Colégio de Procuradores de Justiça, publicada no Diário Oficial do Estado em 15 e 16 de dezembro de 2003, até que outro ato decorrente de lei venha a modificá-la.
Art. 10 – Este Ato entra em vigor na data de sua publicação. GABINETE DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, 19 de dezembro de 2006. LIDIVALDO REAICHE RAIMUNDO BRITTO Procurador-Geral de Justiça • RESOLUÇÃO Nº. 010/2003 DOE, 15 e 16/11/2003. Reafirma a obrigatoriedade dos membros do Ministério Público se manifestarem efetivamente
nas ações de mandado de segurança e dá outras providências. O EGRÉGIO COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA,
em sessão extraordinária realizada no dia 14 de novembro de 2003, deliberou: Considerando que a ação de mandado de segurança constitui uma das Garantias Fundamentais postos à disposição do cidadão para a proteção do seu direito liquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º. inciso
177
LXIX, da Constituição Federal); Considerando que constitui função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição da República, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (art. 129, inciso II, da Constituição Federal); Considerando que a independência funcional não faculta ao membro do Ministério Público a definição de suas atribuições, já que se atém à formação pessoal de sua livre convicção em face dos elementos fáticos e jurídicos postos à sua análise; Considerando a disposição expressa contida no art. 10, da Lei nº. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, que prevê a oitiva do representante do Ministério Público nos processos de mandado de segurança, indistintamente; Considerando, finalmente, que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, no seu art. 43, inciso XIV, estabelece como dever funcional dos membros do Ministério Público “acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público”, dentre os quais se inclui o Colégio de Procuradores;
RESOLVE: Art. 1º. Os membros do Ministério Público, que atuam perante os dois graus de jurisdição,
devem continuar oficiando, indistintamente, em todos os processos de Mandado de Segurança que lhes forem encaminhados com vista, indicando os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais e meritórios, conforme determinarem a sua consciência e a lei.
Art. 2º. Em face do disposto no art. 145, inciso XVII, da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia a omissão do representante do Parquet no cumprimento do disposto no art. 10, da Lei nº. 1.533/51, poderá implicar em infração disciplinar, nos termos de seu art. 148, inciso VI, devendo a sua notícia ser encaminhada à Corregedoria-Geral do Ministério Público.
GABINETE DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, novembro, 14, 2003. ACHILES DE JESUS SIQUARA FILHO Procurador-Geral de Justiça
178
ANEXO VI – Pará6
PROVIMENTO N° 001/2002-MP/PGJ, DE 09 DE JULHO DE 2002 O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais;
CONSIDERANDO que, ressalvadas expressas disposições de lei, a intervenção do Ministério Público no processo civil somente se faz necessária "nas causas em que há interesse de incapazes" (CPC, art. 82, I), "nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade" (art. 82, II), bem como "nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte" (art. 82, III); CONSIDERANDO que "A aferição da existência do interesse público que imponha a intervenção do MP pode ser objeto de controle pelo Judiciário" (RSTJ, 57/195); que "A intervenção do Ministério Público, na hipótese prevista no art. 82, III, não é obrigatória", e que compete "ao juiz, porém, julgar da existência do interesse que a justifica" (RT, 482/270); CONSIDERANDO que o Ministério Público, em razão do princípio constitucional da independência funcional (Constituição Federal, art. 127, § 1°), não pode, entretanto, ser obrigado a intervir no processo civil quando convencido da inexistência do interesse público autorizador de sua presença na lide; CONSIDERANDO que "O que enseja a nulidade, nas ações em que há a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, é a falta de intimação do seu representante, não a ausência de efetiva manifestação deste" (STF-PRIMEIRA TURMA – AgRegAI n. 139.671-8-DF, j. em 20.06.95 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU, de 29.03.96; STJ-QUARTA TURMA – REsp. n. 174.755-DF, j. em 23.02.99 – Rel. Min. Barros Monteiro – DJU, de 28.06.99; STJ-TERCEIRA TURMA – REsp. n. 137.093-RS, j. em 19.02.98 – Rel. Min. Waldemar Zveiter – DJU, de 27.04.98; STJ-QUARTA TURMA – REsp. n. 5.469-MS, j. em 20.10.92 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJU, de 23.11.92); CONSIDERANDO que ao Ministério Público "é vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidade públicas" (Constituição Federal, art. 129, IX, "in fine"); CONSIDERANDO que "O interesse público justificador da intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82, III, do CPC, não se confunde com interesse patrimonial da Fazenda Pública"; que "A simples presença de pessoa jurídica de Direito Público na lide, por si só, não autoriza a participação do Parquet" (STJ-QUINTA TURMA – REsp. n. 154.631-MG, j. em 01.10.98 – Rel. Min. Felix Fischer – DJU, de 03.11.98; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 140.450-RS, j. em 09.12.97 – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU, de 09.03.98), e que "Não se pode confundir interesse da Fazenda Pública com interesse público. Interesse público é o interesse geral da sociedade, concernente a todos e não só ao Estado" (STF-SEGUNDA TURMA – RE n. 90.286-4-PR, j. em 28.09.79 – Rel. Min. Djaci Falcão – DJU, de 30.11.79; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 167.894, j. em 04.06.98 – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU, de 24.08.98); CONSIDERANDO que, "Na sistemática processual vigente, o interesse público justificador da presença do Parquet há de ser imediato e não remoto, inexistindo entre este e o interesse da Fazenda Pública, que dispõe de Procuradores para defendê-la em juízo e se beneficia do reexame compulsório das decisões que lhe são desfavoráveis" (STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 80.581-SP, j. em 26.03.96 – Rel. Min. Demócrito Reinaldo – DJU, de 06.05.96; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 47.006-PR, j. em 18.03.96 – Rel. Min. Demócrito Reinaldo – DJU, de 06.05.96; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 72.676, j. em 17.06.96 – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – DJU, de 23.09.96); CONSIDERANDO que as Varas da Fazenda Pública vêm remetendo, reiteradamente, ao Ministério Público de primeira instância, os autos de ações civis em que figuram na relação processual órgãos da Administração direta ou indireta do Estado ou do Município, inclusive os que já foram privatizados; CONSIDERANDO que, declinando o Promotor de Justiça de oficiar no feito, por não vislumbrar na hipótese o interesse público justificador de sua intervenção, os Juízes de Direito têm devolvido os autos do processo diretamente ao Procurador-Geral de Justiça, para 6 Publicado na edição n. 29.736 do Diário Oficial do Estado do Pará em 11/7/2002.
179
que este se manifeste em lugar do representante do Parquet no primeiro grau, congestionando ainda mais o expediente da Chefia do Parquet e atrasando o andamento dos feitos, com prejuízos incalculáveis para as partes; CONSIDERANDO que incumbe aos Promotores de Justiça de Ações Constitucionais e Fazenda Pública oficiar nas ações cíveis, inclusive cautelares, intentadas pela Fazenda Pública, ou contra esta intentadas, "quando obrigatória a intervenção do Ministério Público" (art. 10 da Resolução n. 003/2000, MP/CPJ, de 26.09.2000 – DOE de 20.10.2000); CONSIDERANDO, finalmente, que ao Procurador-Geral de Justiça compete "expedir recomendações, sem caráter normativo aos órgãos do Ministério Público, para o desempenho de suas funções" (art. 10, XII, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993),
RESOLVE: Art. 1° – RECOMENDAR aos Promotores de Justiça do Estado do Pará que, ressalvadas as
hipóteses previstas no art. 82, I e II, do Código de Processo Civil, abstenham-se de intervir no processo civil, por não configurar o interesse público que justifique a intervenção obrigatória do Ministério Público "pela natureza da lide ou qualidade da parte" (CPC,. art. 82, III), dentre outros:
a) nos processos de execução fiscal (STJ – Súmula n. 189 e STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 198.514-ES, j. em 19.10.99 – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – DJU, de 29.11.99) inclusive nos embargos à execução, exceções de pré-executividade e repetição de indébito fiscais, salvo quando suscitada, como matéria de defesa, inconstitucionalidade de lei ou ato administrativo estadual ou municipal, caso em que o Promotor de Justiça limitará sua manifestação à questão constitucional;
b) nas ações ajuizadas pela Fazenda Pública, para constituição de servidão (JTA 39/310); c) nas ações de indenização ou de reparação de danos em que figure como parte o Estado, o
Município ou suas entidades da administração indireta (STF-SEGUNDA TURMA – RE n. 90.286-4-PR, j. em 28.09.79 – Rel. Min. Djaci Falcão – DJU, de 30.11.79; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 51-SE, j. em 05.03.90 – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro – DJU, de 14.05.90);
d) nos processos de execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública (STF-PRIMEIRA TURMA – RE n. 91.180-4-MG, j. em 25.03.80 – Rel. Min. Rafael Mayer – DJU, de 18.04.80);
e) nas ações de desapropriação, inclusive indiretas (STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 91.854-MG, j. em 25.06.96 – Rel. Min . Humberto Gomes de Barros – DJU, de 02.09.96; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 255.219-SP, j. em 29.06.2000 – Rel. Min. José Delgado – DJU, de 21.08.2000; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 197.586-SP, j. em 23.02.99 – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU, de 05.04.99; STJ-PRIMEIRA TURMA – REsp. n. 167.894-SP, j. em 04.06.98 – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU, de 24.08.98) ou de imóvel rural para fins de reforma agrária (cabendo, neste caso, a intervenção do Ministério Público Federal – LC n. 76, de 06.07.93, art. 18, § 2°), salvo se o valor do bem comprometer a execução da Lei Orçamentária estadual ou municipal, caso em que estará configurado o interesse público pela natureza da lide;
f) nas ações anulatórias de ato jurídico, em que o cancelamento de registro imobiliário seja mera conseqüência (STJ-QUARTA TURMA – REsp. 12.661-SP, j. em 20.05.97 – Rel. Min. César Rocha – DJU, de 04.08.97);
g) nos processos em que figura como parte instituição financeira sujeita a regime de liquidação extrajudicial (Bol. AASP 1524/168);
h) nas causas em que o usucapião é argüido como defesa (RP 27/293); i) nas ações de cobrança e/ou execução de vencimentos, proventos, pensões, vantagens e
direitos de servidor público, quando a questão de direito material já tiver sido objeto de decisão ou sentença judicial em mandado de segurança ou qualquer outra ação anterior;
j) nas ações de cobrança e/ou execução contra o Estado, o Município ou suas entidades de administração indireta, salvo quando houver discussão de matéria constitucional e a questão de direito material não tiver sido objeto de decisão ou sentença judicial em mandado de segurança ou qualquer outra ação anterior;
k) nas ações ajuizadas por entidades da administração indireta que tenham sido privatizadas, ou nas ações contra estas intentadas.
180
Art. 2° – RECOMENDAR aos Promotores de Justiça que, nos casos acima elencados, ou semelhantes, restituam de pronto os autos ao juízo de origem, com sucinta cota indicando o motivo da não intervenção do Parquet na lide.
Art. 3° – Se, em razão do disposto no artigo anterior, os autos forem devolvidos à Procuradoria-Geral de Justiça, esta se limitará a referendar a manifestação do Promotor de Justiça, restituindo os autos, de imediato, ao juízo de origem.
PUBLIQUE-SE. GABINETE DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em Belém, em 09 de julho de
2002. GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Procurador-Geral de Justiça
181
ANEXO VII – Goiás7
RECOMENDAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA N. 001/2006-PGJ/CGMP Estabelece critérios de racionalização, sem caráter normativo ou vinculativo, sobre a
intervenção do Ministério Público no processo civil. O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, nos termos do artigo 15, inciso XIV, da Lei
Complementar Estadual n. 25/98, e a CORREGEDORA-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, nos termos do artigo 28, inciso X, letras ‘t’ e ‘u’, do mesmo diploma legal, e CONSIDERANDO: a necessidade de reinterpretar o conceito de interesse público em conformidade com o atual perfil institucional expresso nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal; a justa expectativa da sociedade por uma eficiente defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atribuições constitucionais que sobrelevam a atuação do Ministério Público como órgão agente; a exclusividade do Ministério Público na identificação do interesse público a justificar a sua intervenção na causa; o relatório final da Comissão de Racionalização, constante dos autos n. 21601/2003, que, no seu termo, traz o elenco de hipóteses de intervenção facultativa do Ministério Público no processo civil; o inevitável e improrrogável trato da questão da racionalização, que está a exigir parâmetros para nortear uma atuação otimizada e uniforme dos órgãos de execução, reclamo sempre recorrente nos eventos promovidos pela Procuradoria-Geral de Justiça, como visto no I Fórum Institucional e nos encontros regionais; o avanço do tema nos demais Estados da Federação, bem como a iterativa jurisprudência aclamada nos tribunais brasileiros, inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça; competir ao Procurador-Geral de Justiça expedir recomendações, sem caráter normativo, aos órgãos do Ministério Público para o desempenho de suas funções, nos casos em que se mostrar conveniente a atuação uniforme; a atribuição do Corregedor-Geral do Ministério Público de, primeiro, fazer recomendações de caráter geral, sem caráter vinculativo, a órgãos de execução, promovendo o aprimoramento, a integração e a uniformização funcional destes; segundo, expedir normas administrativas visando á racionalização, a regularidade e o aperfeiçoamento das atividades funcionais dos membros do Ministério Público; RESOLVEM, conjuntamente, expedir a presente RECOMENDAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA, sem caráter normativo ou vinculativo, respeitada a independência funcional dos órgãos de execução, fazendo-o nos seguintes termos:
1º Ponto. Em matéria cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro da Instituição, ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar resumidamente a sua conclusão, apresentando, neste caso, os respectivos fundamentos.
2º Ponto. É desnecessária a apresentação de parecer em recurso formulado pelas partes, observado o que dispõe o inciso XIX do artigo 91 da Lei Complementar Estadual n. 25/98.
3º Ponto. Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, fica facultada a intervenção ministerial nas seguintes demandas e hipóteses:
I – nos procedimentos de jurisdição voluntária em que não estão presentes as hipóteses previstas no artigo 82 do Código de Processo Civil;
II – na ação anulatória de ato jurídico entre partes capazes, quando o objeto da demanda estiver circunscrito ao interesse individual;
III – nas ações de usucapião de bem móvel; IV – em ação ordinária de partilha de bens, envolvendo partes capazes após separação judicial,
divórcio e dissolução de união estável;
7 Disponível em www.go.gov.br, link da Corregedoria-Geral. Acesso em: 8 mar. 2007.
182
V – em ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada a aprovação, cumprimento e registro de testamento, ou que envolver reconhecimento de paternidade ou legado de alimentos;
VI – nas ações que envolvam fundação de entidade de previdência privada; VII – nas ações em que, no curso da demanda, cessar a causa de intervenção; VIII – nas ações de alimentos e revisão de alimentos entre partes capazes; IX – na ação executiva de alimentos entre partes capazes; X – nas ações que versem sobre direito individual não homogêneo do consumidor, sem a
presença de incapazes; XI – em requerimento de falência, na fase pré-falimentar; XII – em ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial. 4º Ponto. É desnecessária a atuação de mais de um órgão do Ministério Público em ações
individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da instituição. A presente Recomendação valerá a partir da data de sua publicação. Goiânia, 24 de abril de 2006. SAULO DE CASTRO BEZERRA – Procurador-Geral de Justiça ELIANE FERREIRA FÁVARO – Corregedora-Geral
183
ANEXO VIII – Rio Grande do Sul8
8 Decisões do Órgão Especial do Colégio de Procuradores, conforme Ofício n. 34/2007-CGMP em atenção a esta
pesquisa, subscrito pelo Corregedor-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Dr. Mário Cavalheiro Lisboa.