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A Noite Antes da FlorestaTexto de Bernard-Marie Kolts - traduo Otvio Martins
Voc estava virando a esquina quando eu te vi, e no bom tomar essa
chuva e ficar com a roupa e o cabelo molhado, mas assim mesmo eu tomei
coragem e agora que estou aqui, no quero nem me olhar no espelho, eu
ia ter que me secar, e pra isso tinha que voltar l embaixo - pelo
menos secar o cabelo pra no ficar doente, eu acabei de descer pra
tentar me arrumar, mas tem aqueles merdas l embaixo, parados: toda vez
que voc quer secar o cabelo eles ficam o tempo todo atrs de voc te
olhando, ento eu dei uma mijada - subi com a roupa molhada mesmo: e
vou ficar assim at eu achar um lugar, e assim que estiver no quarto,
eu vou poder tirar essa roupa toda, e por isso que eu estou
procurando um quarto, porque na minha casa no d, eu no posso voltar
pra l- pelo menos no at o fim da noite - por isso voc, quando te
vi, virando a esquina, l atrs, eu corri, e pensei: nada mais fcil
que encontrar um quarto por uma noite, se isso que voc quer, nada
mais fcil se voc tiver coragem pra pedir um com essas roupa molhada,
e esse cabelo, e isso apesar dessa chuva que no me deixa nem me olhar
no espelho- mesmo que voc no queira se olhar difcil no se olhar,
com todos esses espelhos que existem nos bares e nos hotis, eles
deviam estar atrs da gente, como agora que eles esto olhando pra voc
, eu sempre deixo eles de costas para mim, mesmo na minha
casa, mas tem espelho demais em todos os lugares, nos hotis
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ento tem milhares deles te olhando, voc tem que se defender
- at porque eu morei em hotel quase que a vida inteira: eu
digo minha casa por hbito, mas estou falando de hotel, hotel
mesmo - menos esta noite porque no tem jeito, mas l que
eu ia estar em casa, e quando eu entro num hotel, que um
hbito muito antigo, num instante eu transformo aquilo na
minha casa, com poucas coisas, eu fao como se sempre tivesse
morado ali, como se tivesse sempre sido meu, com todos os
meus hbitos, com todos os espelhos virados, a ponto que, se
de repente algum quisesse me fazer viver num quarto de
verdade ou numa casa de verdade, ou num desses apartamentos
onde moram as famlias de verdade, assim que entrasse eu ia
transformar em quarto de hotel, s de viver l, s por hbito
- e se me dessem uma dessas cabanas, de histrias infantis
que ficam no fundo de uma floresta, com vigas enormes, e uma
grande lareira, com esse mveis enormes que voc nunca viu, e
que tm mais de cem anos de idade, assim que entrasse, eu ia
transformar num quarto de hotel, onde eu me sentisse em casa
de verdade, eu tapava a lareira com esses mveis, mudava tudo
de lugar, escondia as vigas e todas estas coisas que voc s
v nessas histrias, os cheiros especiais, cheiro das
famlias, e aquelas pedras, e madeiras escuras, e esses
milhares anos de idade que tiram sarro de tudo, e te fazem
sentir ainda mais entrangeiro, que te fazem nunca se sentir
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em casa,eu sumo com tudo isso e com a velhice junto, eu sou
assim, eu odeio essas coisas que te lembram o tempo todo que
voc no daqui, mas eu sou um pouco estrangeiro, est na
cara, bvio que no sou completamente daqui- fica to na
cara, que at aqueles merdas l embaixo perceberam e grudaram
nas minhas costas depois que eu mijei e fui lavar meu pau,-
te faz pensar que so todos uns escrotos, a ponto de no
conseguirem imaginar, s porque eles nunca viram uma pessoa
limpar o pau, o que pra mim sempre foi um hbito que meu pai
ensinou, que sempre se fez l na minha casa, e que eu sempre
fao depois de mijar, mas eu estava l embaixo me limpando
como sempre fao quando percebi aqueles imbecis se amontoando
e me observando, atrs de mim, e eu fingi que no entendia o
que eles diziam, como um estrangeiro que no entende uma
porra da lngua deles, e eu escutava: -o que que este cara
est fazendo?- Dando de beber pro prprio pau?- Como que
pode um pau sentir sede?- e eu, como se no estivesse entendo
nada do que eles diziam, continuava, calmamente, a dar de
beber pro meu prprio pau, s pra ver aqueles idiotas se
perguntando, grudados atrs de mim nesses banheiros: - ah ,
ento como que se d de beber pro prprio pinto?, como
que um pau pode ter sede? quando acabei atravessei aqueles
caras, como quem no entendia nada, o que fcil, j que eu
no sou completamente daqui, e isso meio bvio, e nisso
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nem mesmo aqueles idiotas sem imaginao podiam se enganar,e
apesar disto, eu sa correndo atrs de voc assim que te vi
virar a esquina, apesar de todos esses merdas que esto pelas
ruas, nos bares, aqui, em todo lugar, apesar da chuva e das
minhas roupas molhadas, eu corri at voc, no somente por um
quarto, no s para aquela parte da noite que eu preciso de
um quarto , mas eu corri, corri, corri para que quando eu
virasse a esquina, eu no me visse na rua sem voc, pra que
dessa vez no me encontrasse somente com a chuva, a chuva, a
chuva, para que nesse momento eu encontrasse voc, na
esquina, para que dessa vez eu te visse assim que virasse a
esquina, pra ter coragem de berrar: amigo!, coragem de te
pegar pelo brao: amigo!, coragem de te abordar: tem fogo,
amigo, no ia te custar nada cara, foda-se essa chuva de
merda, foda-se esse vento de merda, foda-se essa esquina,
voc sabe bem que essa no uma boa noite pra dar uma volta,
nem pra mim nem pra voc, e nem foi pra fumar que eu disse:
tem fogo, amigo?, eu nem tenho cigarro, mas o que eu queria
dizer era: foda-se essa esquina, cara, foda-se isso de ficar
andando por aqui ( um jeito de merda de se aproximar de
algum, eu sei!), e voc tambm, andando por a com essa
roupa molhada, correndo o risco de pegar sabe l que doena,
eu nem estou mais pedindo um cigarro porque, eu nem fumo,
(ento no vai te custar nada!) nem o fogo, nem um cigarro,
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nem dinheiro, eu at tenho um pouco de grana pra essa noite,
o bastante para pagar um caf pra gente, e eu prefiro te
pagar um caf que ficar andando por a com essa luz estranha,
ento veja que essa minha maneira de me aproximar das pessoas
no vai te custar nada- eu tenho esse jeito de chegar nas
pessoas, mas no fim no custa nada pra ningum (e eu no
estou falando de quartos pra passar uma noite, igual esses
caras certinhos que ficam mudos pra voc ir embora logo
depois de, ento no vamos mais falar de quarto), mas de
um plano meu que quero te contar vamos, se a gente ficar
nessa chuva vai acabar doente sem dinheiro, sem trabalho,
isto no ajuda nada a situao (no que eu esteja procurando
por trabalho e dinheiro, no bem isto o que procuro),
que eu tenho esse plano e preciso te contar, voc, eu,
andando por a nesta bosta de cidade, sem dinheiro no bolso (
espera, eu vou te pagar um caf, cara, mesmo, eu tenho grana
para isto), eu vou voltar pro que eu dizia, na verdade, no
o dinheiro que mantm a gente de p! mas eu, eu tenho esta
idia para gente como eu e voc que no tm nem dinheiro nem
trabalho, no que eu esteja procurando, que ns aqui fora
sem trabalho e sem um puto no bolso, a gente no pesa nada e
qualquer golpe de vento faz a gente sair voando, eles no
deviam obrigar a gente a ficar em cima de andaimes se a gente
no quisesse: um ventinho mais forte e a gente cai de to
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leve e quanto a me fazer trabalhar numa fbrica, isso
nunca! vai ser duro te explicar, para mim mesmo j difcil
de compreender bem sem ficar confuso, mas a minha idia,
como no uma religio, no uma bobagem que se possa
contar de qualquer jeito sem mudar nada, no a poltica e,
acima de tudo, no um partido ou nada parecido, ou como os
sindicatos que sabem tudo, que viram tudo, e que no perdem
nada, nada disso tem a ver com a minha idia,esteja certo de
uma coisa: o meu plano para a nossa prpria defesa, apenas
pra nossa defesa, porque disso que a gente precisa, de
defesa, no ?eu sei o que voc pode estar pensansando, fale
s por voc, mas deixa eu te dizer: ok, talvez tenha sido eu
quem se aproximou, talvez seja eu que precise de um quarto
pra essa noite (no, eu no disse que preciso de um), e
talvez eu tenha dito: Tem fogo, amigo, mas nem sempre quem
faz o primeiro movimento o mais fraco, e eu percebi de cara
que voc no parecia ser forte, l de longe, andando por a
completamente molhado, no muito firme, agora eu, apesar de
tudo, tenho minhas foras, tenho isso de enxergar os fracos
no ato, principalmente pelo jeito de andar, tenso assim como
voc, esse jeito nervoso de mexer os ombros, alguma coisa que
no me engana, sua cara de traos pequenos, ainda no
estragada, mas nervosa! como voc: como esses caras
empinadinhos na rua, que ainda esto na barra da saia da me,
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e que tentam se exibir estufando o peito, como se no se
abalassem com a chuva, mas eu consigo enxergar o nervoso,
eles no conseguem esconder de mim, no me enganam - esse
medo vem da me, direto da me, e esses caras faam o que
fizerem eles no conseguem esconder - enquanto eu sou mais o
sangue, o musculo, a pele e os ossos, tudo vem do meu pai,
meus nervos no me incomodam nunca porque meu pai era o
oposto disso, era forte, no do tipo que ficasse nervoso de
tanto pensar, nada afetava o velho, um homem todo osso
msculo e sangue, podia ser chamado de o executor - e eu
tambm, poderiam me chamar de: o executor, e por isso que a
poltica, os partidos, os sindicatos como so hoje em dia, a
polcia, o exrcito, tudo que poltico, no nada disso
que eu quero, tudo isto fica muito embaralhado na cabea, e
eles querem mais enfiar a gente numa fbrica, e fbrica
comigo, nunca!,mas eles sempre querem colocar todo mundo nas
fbricas, enquanto que a idia que te falo a seguinte: um
sindicato, de escala internacional muito importante,
escala internacional -(eu vou explicar, difcil de
entender),- mas nada de poltica, somente pra defesa, eu fui
feito para a defesa, eu ia me dedicar totalmente pra isso, eu
ia ser o executor no meu sindicato internacional, defendendo
os filhotes que no so muito fortes, aqueles cujas mes
deixam andando por a e se viram sozinhos, se arriscando em
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eu-sei-l que tipo de doenas, a que, eu, vejo a
inutilidade das mes, veja bem, a inutilidade da me - veja
como a sua me intil: ela te d um sistema nervoso e logo
depois te larga na rua, nessa chuva imunda, fraco e ingnuo,
eu estou vendo muito bem que voc no desconfia de nada,
pequeno e nervoso como voc , voc no desconfia, mas no
pense que os canalhas no esto por aqui, e que no esto te
vendo, porque, eu, sei muito bem que eles esto aqui, nossa
volta, e agora h pouco eu quase me ferrei com eles, porque
no estava desconfiando, como voc, mas agora eu vejo que
eles esto em todo lugar, eles esto aqui perto, os piores
canalhas que voc pode imaginar, que fazem com que nossa vida
seja isso: pra mim eles eram invisveis, escondidos l em
cima, acima dos patres, acima do governo, l por cima, tudo
com caras de assassino estupradore e golpista, no com cara
de gente de verdade como a minha e a sua, mas completamente
annimos: tudo vigarista disfarado, impunes, frios,
tcnicos, um bando de canalhas tcnicos que te obrigam: para
a fbrica! e calem a boca! eu, numa fbrica? nunca! para a
fbrica e calem a boca! - imagine se eu abrisse a boca - pra
fbrica, cala a boca ns que damos a ltima palavra - e
eles realmente tm a ltima palavra, esse pequeno grupo de
filhos da puta que decide tudo por ns, l de cima,
organizados e calculando entre eles mesmos, tcnicos em
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escala internacional escala internacional! meu plano um
sindicato em escala internacional: e eu vou te contar tudo,
mas olha agora como a gente se ferrou! tem que escolher entre
a fbrica ou ficar mais leve do que pena, gente como voc, ou
como eu, que qualquer ventinho carrega, o que mais a gente
pode fazer, voc e eu, quando eles controlam o governo, a
polcia, o exrcito, as chefias, as ruas, as vizinhanas, os
transportes, se quando eles querem, eles varrem a gente l de
cima? o que que a gente podia fazer contra isto tudo? - s
o meu plano de um sindicato, e voc, voc muito confiante,
assim como meu era h um tempo atrs, mas eles esto por a
procurando a gente, eles desceram e se misturaram entre a
gente, eu quase me dei mal, porque alguns dos piores cretinos
que voc possa imaginar assumem as identidades mais estranhas
, se a gente pudesse pelo menos ver a cara deles, se pudesse
ver com quem tem que brigar, mas eles agem de um jeito que
faz a gente cair sem desconfiar dos filhos da puta, com
aquela voz, aquele olhar irresistvel que faz a gente perder
a cabea, e de repente voc chutado por essas vagabundas -
mas como eu podia adivinhar? Se eu pudesse imaginar, eu,
tinha inventado do mesmo jeito que ela estava quando eu vi:
pequena, delicada, com os cabelos cacheados e loiros, s que
no to cacheados nem to loiros, o suficiente pra voc
acreditar, suficiente pra no poder fugir dela, ento eu
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cheguei nela e disse: com licena, voc no tem fogo, tem?, e
ela me olhava com aqueles olhos que s v em sonho, brilhando
como se eu mesmo tivesse inventado, pairando, numa noite
deserta que no acontece nada, mas existem as outras noites,
apesar da chuva, apesar desta luz imunda que deturpa tudo e
da prpria noite que invade os caminhos, noites onde se
arrastam as putas - no uma ou outra, mas vrias delas, uma
atrs da outra, cada vez mais belas, de enlouquecer, mulheres
inacreditveis, e voc no sabe onde aquilo tudo vai parar, e
vai aumentando e aumentando at que voc fica to chapado que
comea a alucinar, no pensa em mais nada, todas aquelas
mulheres desfilando na sua frente! e quando voc pensa que
tudo chegou no limite, e que voc no pode enlouquecer mais
aparece uma como esta que eu te falei, e voc larga tudo para
ir atrs, se esquece da chuva, que voc est sem grana, sem
poder fazer nada, e voc fica totalmente entregue, mas uma
mulher destas voc tem que sair atrs, com aquele cabelo que
no so to cacheados, aqueles olhos que penetram, aquele
jeito frgil de ser: voc, ei voc! - assim que elas te
pegam: voc!- e elas esto esperando que voc faa assim, e
assim que a gente se ferra, fica que nem imbecil, ah, se eu
pudesse saber que ela estava do outro lado, que ela era mais
uma vagabunda escrota - vem comigo, bonito, vem que esta
noite a gente vai caar rato , se ela tivesse ficado calada,
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eu nunca ia saber o monte de merda que uma boca escrota como
aquela capaz de soltar, antes,(quando eu trabalhava, eu
achava que todo mundo, at as mulheres que rastejam noite,
eu achava que todos ns somos parecidos, e que a gente podia
falar com qualquer um, era somente uma questo de saber
chegar, tirando aquela gangue de cretinos l em cima com cara
de assassinos, de escrotos, mas agora eu j sei que todo o
mundo passou para o outro lado, e por isso eu nunca mais vou
sair por a correndo atrs de uma puta a ponto de ficar
maluco), ela, ela no me reconheceu, acho que pela luz que
faz a gente ficar to parecido - ns vamos caar o rato,
bonito, voc vem pra casa comigo! - : ela me disse bem de
pertinho, naquela merda de bar que ela me levou (me segurando
pelas mos, e com sua mo na minha o tempo todo, se
insinuando, pronta pra ficar a noite toda comigo, pronta para
me levar para seu quarto, e ela me queria sem dvida, antes
de eu me irritar com as escrotices que ela falava e ela se
irritar com as coisas que eu disse, e a gente se gostando e
tudo mais) - mas vai entender? ela no sabia quem eu era a
onda do futuro somos ns, ela dizia, voc no tem como
escapar , eu, podia tranquilamente entrar na dela com aquele
olhar que te faz flutuar, mas a pior tipo de escrotido
tcnica e internacional adquiriu aquela forma dela, eles
fizeram todo mundo passar pro outro lado, at aquelas
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mulheres inacreditveis que te fazem pirar, se elas no
falassem, mas eu tive medo das coisas que ela falava, e da
forma como falava, e eu no conseguia deixar de ouvir, ela
no me reconheceu em momento algum naquela merda de bar vem
comigo, bonito eu ia ser o maior imbecil, se, no tivesse
sado da minha boca quem eu sou (mais alto que eu queria):
cala essa boca, eu sou estrangeiro, membro do sindicato
internacional, e se voc no calar essa boca agora eu vou te
esmurrar at se calar, - e eu teria esmurrado mesmo se os
amigos dela, no estivessem todos em volta, aqueles caadores
de estrangeiros de sexta-feira noite, um bando de canalhas
armados at os dentes, eu, sozinho, um estrangeiro contra
todos eles, aonde que eu me tinha enfiado, eu, o maior dos
idiotas?, mas e se antes que tudo aquilo sasse da minha
boca, mas se, bem na hora ela, ao invs de falar, ela tivesse
comeado a cantar? e se ao invs de cuspir aquilo tudo (ela
no desconfiava de mim) ela tivesse cantado pra mim? ela
poderia ter cantado qualquer coisa, eu j no podia fazer
mais nada, eu j estaria concordando com qualquer coisa, eu
ia esconder quem sou, ia ader tudo, foras novas,
fascistas, monarquistas, todos os filhos da puta organizados
em cartis internacionais, eu ia dizer tudo que ela quisesse,
eu ia sair caa de qualquer um se ela me pedisse, e tudo
porque ela incrivelmente linda como ningum nunca viu, por
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tudo o que ela me prometia, para ns, depois da caa, por
tudo o que ela me fez abandonar e sair correndo, e se ela
tivesse cantado, ela ia cantar de um jeito! o que que eu
podia ter feito? cortar a orelha fora, se ela tivesse chegado
com o lbio perto da minha orelha, o que eu podia fazer?
fugir? se ela tivesse passado a mo na minha coxa, o que eu
podia fazer? cortar a mo dela fora? - ou me cortar? porque
exatamente assim que eles te pegam, como o mais imbecil,
ento o que a gente precisa fazer se unir, se privar de
tudo para ter a certeza de no ser mais enganado!, Quem
estrangeiro tem que se privar de tudo e fincar o p firme
nisso: o principal dentro dessa minha idia de sindicato,
que voc no pode vacilar, de jeito nenhum nunca, pelo menos
enquanto tudo for dirigido por este bando secreto, que
controla os ministrios, os guardas, o exrcito, o trabalho,
e at vagabundas de cabelos loiros cacheados que parecem to
frgeis mas que, como todo mundo, passou para o lado de l,
no pode vacilar, no pode se divertir, se segurar a qualquer
custo, pois isso que eles querem e a que a gente se
ferra; se segurar com toda a nossa fora e de qualquer jeito
at vencer, at a minha idia de sindicato internacional
vencer, e ento tudo vai ser nosso, os bares, as ruas, as
vagabundas, estes filhos da puta armados, a terra toda e o
cu todo, a sim vai ser a vez dos estrangeiros se
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divertirem, e eu, o executor, eu que sou feito de osso, de
msculo e de sangue, eu que me segurei por tanto tempo,
obrigado a me controlar, a vai ser a minha hora de bater, e
eu no vou me proibir de nada, vou sair perseguindo por toda
parte, onde esto agora os filhos da puta que me cuspiram na
cara? E eu vou encontrar um por um, porque esta vai ser a
nossa hora: ningum vai segurar a gente, vamos arrancar a
pele deles enquanto ainda estiverem vivos, tapar os olhos
deles, se divertir com eles, tudo aquilo que durante tanto
tempo a gente segurou, torcer o pescoo e arrancar a lngua
de bacana desses assassinos filhos da puta, enfiar em todos
os buracos deles, desses que gozaram e se divertiram por
tanto tempo, eles que gozaram mais do que deviam,- mas eu vou
dizer tambm: se vocs encontrarem em algum lugar um cara
andando por a, com o peito empinado, um desses merdinhas
vindo diretamente do colo da me, jogado numa esquina, sem
defesa mas que continua andando como um filhinho de papai,
deixa o cara em paz, no toca nele, no bate, ainda uma
criana que tem que ser protegida - e esse meu plano, e eu
te garanto, que no vai demorar, mesmo que agora a gente
praticamente no tenha dinheiro, nem trabalho, mesmo que eu
no tenha um quarto para passar a noite, e voc tem que ficar
esperto, e se algum te perguntar: quem o estrangeiro que
est com voc?, voc responde: eu no sei, eu no sei, e se
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insistir voc diz: eu no conheo, um cara que me abordou
na rua quando eu ia virar a esquina, me pediu um quarto para
passar a noite, e nem mesmo para a noite toda, s para uma
parte da noite, mas eu nunca tinha visto o cara antes, porque
voc sabe, que eu percebi l de longe, que voc s uma criana, do
tipo de filhinho de papai que abandonado na esquina, do tipo que
qualquer ventinho leva e qualquer um assalta, e quando eu correr atrs
de voc, uma, duas, ou trs vezes, no ia ter nada a no ser a rua
vazia e a chuva, mas dessa vez, eu no ia te perder por nada, eu no ia
deixar nada para o acaso resolver, eu tinha me preparado: eu no ia
deixar nenhum filho da puta no meu caminho, eu ia entrar num acordo com
eles, eu ia fazer de conta que estava escutando aquelas bobagens e
concordando com tudo- com todas aquelas baboseiras que eles dizem l
toda noite, apesar desta merda de chuva e desta luz triste, e todas
aquelas merdas que no existem em lugar nenhum s na cabea deles, e,
se voc quiser concordar com eles todos, voc tem que dar sua opinio
com detalhes, que o que eu ia fazer, eu, ia inventar e disfarar que,
eu no sou estrangeiro dando minha opinio sobre tudo, sobre os temas
gerais, os problemas particulares, a moda, a poltica, e eu me ia
controlar muito bem, eu ia ficar a favor do vento, no ser nunca do
contra pra no ser pego de surpresa, e na hora que chegasse em
voc, eu, ia pensar comigo: nada mais fcil do que sentir a
direo do vento, tirar todos eles do caminho- nada ia me
trair, meu pau de estrangeiro, ia ficar escondido, e bem
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guardado, minha mo no zper, e eu ia segurar a vontade de
mijar, pra no destruir meu disfarce, porque assim eles iam
me reconhecer com certeza, um estrangeiro entre eles, mas at
ali eu ia segurar as pontas numa boa, naquela luz estranha
que no deixa ver nada, que faz todo mundo ficar com a mesma
cara nos bares, que no deixa perceber quem no dali, e
igual a eles eu ia ficar a favor do vento, mas ia enxergar
atravs deles, enquanto isso eu ia sorrir e concordar com
tudo, j meio bbado com tanta coisa inventada, eu ia pensar:
eu no estou aqui e eu tenho que disfarar, e, quando eu te
vi, eu corri, corri, corri, e nada impediu meu caminho, eu
estava preparado, fiquei do lado deles, ouvindo o que eles
diziam, fingi que no era diferente, quando de repente eu
fugi e todo mundo foi pego de surpresa, eu j estava virando
a esquina quando eles perceberam que eu sou um estrangeiro, e
comearam a me seguir, para me pegar de surpresa em algum
lugar como agora h pouco, mas eu j estava perto de voc
dizendo:me desculpe, mas eu te vi virando a esquina, desculpe
se estou um pouco bbado, e um pouco fora de mim, mas eu
fiquei sem meu quarto, eu preciso de um quarto somente para
esta noite, para uma parte da noite, porque em cinco minutos
eu no vou mais estar bbado, e tudo que eu peo so cinco
minutos,- e eu dizia que estava alto e pedindo por mais cinco
minutos, com a metade do meu raciocnio confuso e cheio de
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bobagens, e a outra metade toda concentrada em voc, que eu
no tinha mais coragem de olhar, de to confuso que estava,
moda, poltica, salrio - quando eu trabalhava, meu salrio
era como um passarinho que entrava no meu quarto voando e que
eu queria prender, mas assim que eu abria um pouco a porta
ele saa voando de uma vez e no voltava mais, e a eu no
tinha mais o que fazer a no ser ficar lamentando, ento
agora eu no trabalho mais, - mas eu ainda no conseguia
olhar direito pro cara que eu estava segurando pelo brao: eu
s peo cinco minutos pra bebedeira passar, e ento a gente
vai se sentar, eu vou pagar um caf, vou ficar sentado de
frente pra esse cara e o espelho nas minhas costas, e vou
esquecer de tudo, essa merda de chuva, a luz, aqueles idiotas
e esse colorido triste que eles enfiaram na minha cabea, eu
ia ficar olhando pra ele, nem a pro meu cabelo molhado e
essa roupa que no seca nunca, ia ter esperana de ficar bem
de novo,- eu preciso de um quarto para uma parte desta noite,
porque eu no consigo mais achar o meu: eu queria te
perguntar desde a hora que te vi na esquina, eu nunca ia
pedir isso praqueles idiotas com quem eu estava falando, at
porque eu nem pareo com eles (o que est na cara) , mas eu
estava andando por a com eles por milhares de motivos,
sempre escondendo a metade de mim que precisa de um quarto
que no tenha nada a ver com esses filhos da puta, tendo que
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esconder que sou estrangeiro, forado a falar de moda, de
poltica, de salrio, de comida , todos aqueles idiotas com a
mesma cara e os mesmos problemas, falando de comida at
debaixo de chuva, sempre a favor do vento e sempre falando de
comida, e eu concordava, s para ficar livre pra qualquer
momento correr, correr, correr, eu que no como, eu que no
como nada, que estou cada dia mais leve, que me recuso a
ficar mais pesado para poder, procurar escondido o que eu
estou procurando, longe daquelas rodinhas de de gente gulosa
dentro e fora dos bares e eu concordava, me embebedando com
aquele papo de comida, sentindo que o vento nas minhas costas
comeava a me balanar, e ia me levar se eu no me agarrasse
naquela gente gorda e naquele monte de merda que eles
falavam, o vento tinha me levado de to leve que estou, como
o vento que te faz sumir nas esquinas, assim que te vi, uma
vez, duas, trs vezes, vendo de longe que voc ainda era uma
criana, eu larguei tudo, o vento me ergueu e eu corri, quase
nem sentia o cho, to rpido quanto voc, nada me impedia,
at que eu te alcancei:no fica achando que eu sou viado, s
porque eu corri e estou te pegando pelo brao e te parei e
estou falando com voc sem te conhecer, mas eu te conheo o
suficiente para falar contigo, - uma mulher numa ponte- que
no pode ser minha, - voc acha que uma bicha ia ter coragem
de te abordar sem estar todo arrumadinho, com o cabelos e a
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roupa desse jeito? agora voc est me vendo assim, a cabea
ainda meio fora do lugar (mas isto vai passar) e logo de
cara, eu percebi que voc era do tipo de cara decente com
quem d pra falar : no sei o nome dela, o que ela me disse
no era o nome de verdade, ento eu tambm no vou dizer
como ela era, ningum vai saber nunca quem dormiu com quem,
uma noite inteira em cima de uma ponte, bem no meio da
cidade, as marcas ainda esto l, l no cho: voc sai uma
noite para andar, sem saber para onde, e por acaso voc v
uma garota debruada na ponte, bem em cima da gua, voc
chega perto como quem no quer nada, ela vira para voc e
fala: meu nome mame, e no me diz o seu, voc no diz o
seu nome, voc diz: para onde a gente vai? E ela diz: para
onde voc quer ir? vamos ficar aqui?, e ento voc fica l,
at de manhzinha quando ela vai embora, e a noite toda eu
perguntei: quem voc? onde voc mora? o que voc faz? Onde
voc trabalha? Quando a gente vai se ver de novo? e ela
respondeu, debruada na ponte: eu nunca deixo o rio, fico
indo de uma margem pra outra, de uma ponte pra outra ponte,
vou pro canal e volto pro rio, fico olhando os barcos, as
guas, tento ver o fundo do rio, sento na beira da gua ou me
debruo na ponte, eu s consigo falar quando eu estou numa
ponte ou na margem, e s nestes lugares que eu consigo
fazer amor, em qualquer outro lugar estou como que morta,
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tdio o dia inteiro triste e toda noite eu volto para perto
da gua, eu e a gua, a gente fica junto at o dia nascer-,e
ento ela sumiu e eu deixei ela fugir sumir sem me mexer (de
manh tem muita gente e muitos guardas nas pontes), e eu
fiquei l naquela ponte at o meio-dia, ela no me disse o
nome verdadeiro e eu no disse o meu, ningum nunca vai saber
quem amou quem, numa noite numa beirada de ponte (ao meio-dia
tem muito barulho e muitos guardas, a gente no pode ficar
sem se mexer no meio de uma ponte), ento durante o dia eu
escrevia nas paredes: mame, eu te amo, eu te amo, em todas
as paredes, para que ela no pudesse no ler, vou estar na
ponte mame a noite toda, na mesma ponte, o dia inteiro eu
corri feito louco, feito louco eu escrevia: volta mame
volta, mame, mame, mame, e de noite eu esperei no meio da
ponte e quando amanheceu eu comecei de novo nas paredes, para
que ela no pudesse no ler: volta para a ponte, s mais uma
vez, s uma, volta por mais um minuto para que eu possa te
ver mame, mame, mame, mas merda!, eu fiquei l esperando
como uma besta uma, duas, trs noites, e ento procurei por
todas as pontes, fui de uma em uma muitas vezes, todas as
noites, trinta e uma pontes, sem contar os canais, e durante
o dia eu escrevia, as paredes estavam todas cheias, ela no
podia no ter lido, mas que merda, ela no veio, ela no ia
mais voltar, mas eu continuei escrevendo nas paredes,
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continuei a revirar as pontes, todas as trinta e uma sem
contar os canais, e eu nunca mais encontrei, debruada na
ponte, e agora, eu, essas histrias, isso me joga pra baixo,
tudo fica sem sentido quando as coisas vo longe demais, eu
conheci uma mulher que morreu disso, que foi longe demais, eu
fico mal quando penso na quantidade de gente que ia morrer se
fosse mais fcil, esse nmero ia aumentar se a gente soubesse
o jeito, se no tivesse medo do jeito, porque a gente nunca
sabe quando vai ser, pode demorar muito, e o dia que a gente
tiver inventado um jeito de morrer doce e sagrado, e isso for
pra todo mundo, vai ser o massacre destas histrias que vo
longe demais, vai ser um massacre sagrado, certeiro, como
aquela mulher que morreu por ter engolido terra, ela foi no
cemitrio, cavou do lado das tumbas, pegou um pouco de terra
com as mos, da terra mais funda, e engoliu - estas
histrias, quando voc escuta e se deixa levar, elas te
deixam louco , porque a terra era de cemitrio, a terra que
toca nos caixes: voc que esfria os mortos, voc que tem o
hbito sagrado de deixar tudo bem frio, at o fim e sem
volta, me esfria de uma vez por todas, esfria esta louca que
eu me tranformei!-, quem disse pra ela que isto ia funcionar?
Algum disse isso pra esta puta louca comedora de terra, at
ela morrer no meio do cemitrio, que eu vi algum deve ter
dito uma coisa dessas para ela, e isto me deixa chateado, com
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certeza uma outra puta velha deu este tipo de conselho - um
massacre sagrado feito com doura!- mas no qualquer um que
engole terra, e se tivessem inventado um jeito (se no lugar
de terra, fosse um pozinho leve, que a gente nem sente quando
engole, de graa para todo o mundo, e que no vai te fazer
mal quando as coisas forem longe demais) e todo o mundo ia se
esfriar por nada, porque se voc se deixa levar por estas
coisas que vo longe demais e que te queimam completamente,
ento esta mulher de quem estou falando, era uma puta, eu vi
numa noite na rua delas, numa janela no quarto andar e segui
at o cemitrio, quem diria uma coisa destas de uma puta, at
elas ficam loucas, depois eu te mostro a janela, agora eu
cair fora: est bom pra voc? timo! - Dar o fora antes que
ela comece a falar, e uma trepada tudo que voc precisa
para saber aquilo que quer saber, para conhecer tudo o que
tem para conhecer, eu podia viver cem mil anos com uma garota
sem saber nada dela e depois de trezentos mil anos eu no ia
saber nada diferente do que eu j sabia depois dprimeira
trepada, por isto que eu sou assim: voc quer, ento
vamos!-, sair logo que acaba, sabendo tudo que se tem pra
saber, pensando no que tem para se pensar, com uma opinio,
porque, cara, o que que voc acha? Como ter alguma opinio sobre
algum sem ter nem trepado com ela? Cem mil anos com ela, mas sem ter
dado uma trepada e voc no vai saber nada, fora as grandes frases que
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te deixam louco, o que que voc quer saber dela com esta falao se
voc no sabe como ela , como ela se mexe, como ela respira, e se ela
fala e as caras que ela faz, ou se ela realmente te quer e no fala
nada, se ela guarda tudo em segredo apenas para voc e para ela, o que
que a gente conhece de algum se no sabe como ela respira depois de
uma trepada, se ela deixa os olhos abertos ou fechados, se a gente no
escuta o som e o ritmo da respirao dela, aonde ela deita o rosto e
como ele est, quanto mais tempo voc fica escutando em silncio a
respirao dela sem se mexer, s respirando, mais voc vai saber tudo
dela , mas quando ela abre o olho e volta ao normal, apia o queixo na
mo e te olha e volta a respirar como qualquer um, a boca abre e l vem
aquela falao que se prepara para sair, a que dou o fora: ok? ok!
- ,mas naquela noite, eu estava sozinho na rua das putas, uma sexta
noite quando eu ainda trabalhava e tinha folga no dia seguinte, ento
eu levantei os olhos e eu vi na janela de um apartamento no quarto
andar a cara dessa puta completamente transtornada, - se voc quiser
podemos ir l ver, a janela que eu estou falando, mas eu no vou l
sozinho, essas putas me deixam mal, ainda mais numa noite
como essa, no que eu tenha mais medo das noites de sexta-
feira mais que qualquer outra noite, pelo contrrio, agora
que no trabalho mais, eu sinto falta da sexta-feira noite
e da noite seguinte, quando no tinha que trabalhar tambm,
quando o cansao est na cara de todo mundo mas ningum se
entrega, todo mundo se excita, e se deixa levar, contando
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vantagem e gritando que vai quebrar a cara de algum, estes
caras falam muito mas ficam um tempo para comearem a trocar
uns socos,- de onde eu venho a gente j quebra logo a cara
sem ficar discutindo, no somos do tipo tmido, enquanto que
aqui eles fazem milhares de perguntas antes: o que voc quer?
est falando comigo? que que voc est me olhando com esta
cara? por que que voc est rindo? no encosta em mim! -
demoram uma tempo com perguntas se voc bate neles, ficam te
aporrinhando por mais um tempo antes de dar uma porrada de
volta, e eu j saio batendo logo de cara, sem nenhuma
cerimnia, pode acreditar, mas ento eu vejo a janela do
quarto andar, a puta com seu jeito de louca abrindo a janela,
olhando de lado, ela abre a janela bem devagar, desaparece l
para o fundo depois volta, com a cara completamente pirada e
uma pilha de roupas debaixo do brao, a gente vai l daqui
pouco pra voc ver aonde foi se voc no tiver medo, porque
comigo no tem essa, se algum mexe comigo eu deso a mo,
todo mundo na rua das putas v ento uma cala caindo como um
saco no meio da calada, um palet vermelho flutuando como um
pra-quedas, uma camisa e uma cueca bem levinhas se
enganchando no poste, uma gravata balanando, todo mundo v a
cara de doida da puta que est l na janela, olhando as
roupas caindo e balanando - agora ele est pelado! ele est
pelado!, o cara que caiu nas mos de uma louca, todo mundo
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comentava olhando as roupas na calada e no poste, d para
acreditar nisto, at as putas ficam doidas? as pessoas
comearam a duvidar at mesmo da rua das putas, para onde ir?
para onde ir? eles se perguntavam, levantando as golas e
desviando, para onde ir agora, para onde ir, eles se
perguntavam como se algum l de cima tivesse desenhado um
mapa de lugares onde eles pudessem ficar durante a semana at
a sexta-feira, quando as portas abrem para a rua das putas -
e se no, para onde ir, no tem outra soluo, desde que
parei de trabalhar, eu passei a reparar nos lugares que
aqueles desgraados mandaram a gente ficar, eles prendem a
gente nestes mapas, prendem a gente com o trao da caneta
deles: essas zonas so de trabalho para a semana inteira,
estas as zonas pras motos e pra trepar, estas zonas pras
mulheres, as zonas pros homens e as zonas pras bichas, as
zonas de tristeza, as zonas pra conversar, as pras dores, e
as zonas de sexta-feira noite, que eu perdi depois que eu
mandei tudo merda, e que eu quero ter de novo de to bom
que era, mas desde ento eu no trabalho mais e aqueles
desgraados acabaram com tudo, a cada noite eu tentei achar
onde estavam a sexta-feira noite que eu gostava quando no
tinha que trabalhar no dia seguinte, quando eu trepei numa
ponte, eu costumava vagar pelos bairros mais distantes, to
sozinho que no d para descrever, vem comigo, e a gente vai
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achar, voc no tem do que ter medo, porque eu no tenho
problema de ter que brigar e sentar a mo logo de cara, e na
sexta-feira noite com esse bando de garganta e as caras de
cansao, estes caras excitados pra alguma coisa acontecer tm
mais medo do que a gente, eles se batem de medo, as gargantas
fecham com mais medo da gente que a gente do soco deles, da
perna deles, da boca deles, medo que a gente olhe, que no
olhe, medo que a gente tire sarro deles ou que no ache nada
deles, medo de gente igualzinha a eles ou pior, medo de quem
no se parece nada com eles, vem comigo, e eu vou te mostrar
a janela de onde a puta olhava a roupas caindo, voc vai ver
o cara furioso, o cabelo desarrumado, andando rpido, e atrs
dele a voz daquela puta: ele est pelado, ele est pelado
embaixo do casaco! - e o cara agarrado no palet e na cala,
olhando furioso pra camisa e a cueca e a gravata balanando
no poste que nem bandeira, e todo mundo levantando as golas e
se perguntando: pra onde ir? pra onde ir?voc vai ver a puta
correr atrs do cara que nem louca, ela tambm quase pelada,
vai ver o cara entrar no carro, ligar o motor e a puta se
agarrar na porta e subir no cap: no deixa ele ir embora,
no deixa ele ir embora! - e o cara, furioso, ligar o carro
assim mesmo e todo mundo em volta se afastar, olhando de lado
e pensando, para onde ir meu Deus, se at mesmo as putas
como possvel acreditar que uma puta, ento ela se joga na
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frente do carro, e se estica na frente das rodas, e o cara,
furioso, tem que parar e comea a buzinar como um doido, mas
a puta continua ali, deitada na frente do carro, todo mundo
se afasta levantando a gola: socorro, socorro, no deixa ele
ir embora!-todo mundo foi embora menos algumas putas velhas,
e foi sem dvida uma delas quem deu a dica: vai pro
cemitrio, a terra acalma doido, homem e mulher, quem disse
pra ela que isso ia funcionar?, e hoje eu fico mal de ir
praquela rua sozinho, l eu fico sempre perguntando: voc
conhecia a puta que morreu porque comeu terra?, e eles me
tratam como louco, voc conhecia a puta do quarto andar? a
eles j chamam uns caras para me tirar dali, mas eu, eu vi a
puta morta no cemitrio, s de pensar nisto cara eu j passo
mal, me d vontade de beber (se no tivesse problema de
dinheiro), de dar o fora daqui (se a gente soubesse pra onde
ir),de ficar em um quarto, cara, onde eu pudesse falar, aqui
eu no consigo te dizer o que tenho pra dizer, teria que
estar em outro lugar sem ningum em volta, sem lembrar de
dinheiro, sem lembrar desta maldita chuva, num lugar
confortvel, como se tivesse sentado na grama, sem ter que
sair dali, com muito tempo pela frente, com a sombra das
rvores, ento eu ia dizer: estou em casa e me sinto bem, me
deito e tchau, mas nem isso, hoje mais possvel, cara, voc
conhece algum lugar aonde as pessoas te deixem em paz, te
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deixem deitar e tchau?, elas nunca esquecem de voc, amigo,
esto sempre de olho em voc, sempre no seu p, sempre te
aporrinhando, nunca vo te deixar em paz, elas precisam te
tirar do lugar, precisam dizer: - v pra l, e pra l voc
vai, agora pra l! ento voc vai l, tira essa bunda da e
voc comea a arrumar as malas, quando eu trabalhava, eu
passava muito tempo arrumando mala: o trabalho era sempre em
outro lugar, voc sempre precisa ir atrs dele, sempre em
algum outro lugar no tem tempo de explicar pra voc mesmo,
tempo pra sonhar, tempo para deitar na grama e dizer: tchau,
porque eles chegam e tiram a gente dali com um p na bunda, o
trabalho l, l longe, no, ainda mais longe, e eles vo te
empurrando at voc chegar na Nicargua, o que fcil porque
as pessoas destes lugares tambm so chutadas pra c pelos de
cima de l, e eles chegam aqui, no pode falar, no pode
dormir, no pode planejar , se voc quer trabalhar, sempre
em outro lugar, e voc nunca pode dizer: ok, eu estou em casa
agora (que o que acontece para mim, quando eu deixo um
lugar eu sinto que estou deixando este lugar que mais minha
casa que qualquer outro lugar, e quando eles te foram a
mudar mais uma vez, e mais uma vez voc tem que sair, para
onde quer que voc v voc sempre vai ser estrangeiro, cada
vez mais estrangeiro, cada vez menos se sente em casa, eles
te empurram pra mais longe at voc no saber mais pra onde
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est indo, e quando voc se vira, est semprer, sempre um
deserto), mas se a gente acabar com isso de uma vez por todas
dizendo: vo se foder todos vocs, eu no vou mais me mexer e
vocs vo me ouvir, se a gente deitar tranquilo na grama com
tempo pra se explicar, e se voc contar a sua histria e
aqueles que foram chutados l da Nicargua ou de onde quer
que seja, e eles contarem as histrias deles, e dizer que
todo mundo mais ou menos estrangeiro, mas foda-se, agora a
gente se escuta e fala o que tem pra falar, ento voc v as
coisas do jeito que eu vejo, eu sei que eles no ligam a
mnima pra gente, uma vez eu parei e ouvi, eu disse a mim
mesmo que: enquanto eles no se importarem com a gente eu no
volto a trabalhar, o que tem de bom se os Nicarguas tem que
vir para c ou se eu tenho que ir pra l, a mesma coisa em
toda parte, e quando eu ainda estava trabalhando eu falava da
minha idia de sindicato internacional para todas essas
pessoas que foram chutadas para c sei l de onde pra
trabalhar, e eles me escutaram, e eu escutei os Nicarguas
que me falavam da casa deles, l tem um general que fica dia
e noite na entrada da floresta, e levam comida para ele no
ter que sair, ele atira em qualquer coisa que se mexe, trazem
munio quando acaba - eles contaram que esse general e as
tropas rondam a floresta e fazem tiro ao alvo com tudo que
passa voando entre as folhas, com tudo que atravessa o limite
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da floresta, tudo o que eles vem que no tem cor de rvores
ou que no se mexe do mesmo jeito, e eles me ouviram, e eu
ouvi os Nicarguas, ento eu disse pra mim mesmo: sempre a
mesma coisa em qualquer lugar, quanto mais eu deixo eles me
chutarem pra outro lugar, mais estrangeiro eu sou,eles acabam
aqui e eu vou acabar l - l onde tudo o que se mexe fica
escondido nas montanhas, nos lagos, na floresta, enquanto o
general e os soldados ficam rondando as montanhas,
patrulhando os lagos, escutando cada floresta e praticando
tiro ao alvo em tudo que voa, tudo que se mexe, tudo o que
no tem a mesma cor ou o mesmo jeito de se mexer que as
pedras, a gua e as rvores, eu ouvi isto tudo e ento agora
eu parei, no vou mais me mexer, e eu te digo: aqui minha
casa, se no tem trabalho, ento eu no vou trabalhar, porque
se o trabalho me deixa louco e eles me do chute na bunda,
ento eu no trabalho mais, eu quero ficar deitado, me
explicar de uma vez por todas, eu quero mato, sombra de
rvore, quero gritar e quero poder gritar, mesmo que eles
tenham que atirar em mim, porque isso o que eles acabam
fazendo: se voc no est de acordo, se voc abre a boca,
voc acaba tendo que se esconder no fundo da floresta, e eles
vo atirar com as metralhadoras na hora que voc se mexer,
mas que se foda, quem aqui se importa, pelo menos eu vou
dizer o que eu tinha pra dizer, mas no pode ser aqui, outro
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lugar, num quarto onde a gente possa passar a noite, uma
parte da noite, porque eu vou embora antes de amanhecer,
antes de voc se encher eu vou embora, antes que voc se
mande, por que se for pra se encher e dar o fora e me deixar
sozinho bem no meio da noite, eu no sou um tipo de cara
sensvel que se importa com estas coisas (voc pode fazer o
que bem entender), eu conheo alguns desses caras fortes, e
se voc pega o mais duro e valente deles que no seja um
idiota, desses que bate e no tem medo de sangue, que so
insensveis pra tudo (tipo de cara que voc prefere que nem
olhe pra voc, principalmente quando est agitado, est
excitado), com esses caras, se voc ficar bem calmo e sem
chamar a ateno pegar uma agulha e dar um furinho no brao
dele, quando ele v uma gotinha de sangue ( do prprio sangue
dele, e na maior calma, sem estar excitado, sem nenhuma
razo), o mais valento deles fica branco e cai ali mesmo, de
cara pro cho, o olho virando, e isso por nada, agora eu, eu
j no sou do tipo sensvel, voc pode se mandar, e no s
isso, se voc me achar um ningum, eu no posso te culpar,
porque hoje nada est dando certo, hoje eu no estou
contente, no sou como as pessoas daqui, que esto sempre com
cara de contentes, sempre prontas pra se divertir, eu tenho
no fundo da minha conscincia, e que vem de repente tona,
estas histrias de floresta onde ningum tem coragem de se
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mexer por causa das metralhadoras, ou histrias de putas
velhas e loucas que so enterradas sem que se tenha notcia,
estes caras no tem nada na cabea, esto sempre contentes,
prontos para se divertir o mximo que puderem, a qualquer
hora e em qualquer lugar, sem pensar em mais nada a no ser
nas suas rapidinhas, todos estes idiotas prontos para dar uma
na esquina sem se preocupar, sem nada na cabea fazem isso em
toda parte e gozam em qualquer lugar, gozam na nossa cara,
enquanto que eu, eu tenho todas estas histrias na minha
cabea, isso no significa que eu nunca fique bem, como se
eu fosse um cara que no consegue gozar completamente por
causa destas histrias, s vezes eu me sinto muito bem, como
agora isso se voc no for embora, mas na minha cabea estou
sempre triste, de um jeito que eu nem sei como dizer, e com
esta histria eu acho que voc vai dar o fora (porque hoje eu
no sou ningum, mas um dia voc vai ver), e voc podia dar o
fora antes, mas eu no sou do tipo de cara sensvel (voc
pode fazer o que quiser), sabe l o que eu podia pensar, eu
preferia ser qualquer coisa que no fosse rvore, escondido
em uma floresta da Nicargua, ou um passarinho que sai voando
por cima das arvores, com todos aqueles soldados e suas
metralhadoras, vigiando e mirando em tudo e todos o tempo
todo, o que eu quero dizer que aqui no o melhor lugar
para a gente falar, a gente precisa achar um gramado onde
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possa deitar com o cu inteiro em cima da cabea, com a
sombra das rvores, ou ento um quarto que a gente possa
passar um tempo, mas se voc acha que um quarto que eu
estou procurando, no , no estou com sono, e no tem nada
mais fcil de encontrar do que um quarto para passar a noite,
as ruas esto cheias de gente procurando quarto e gente com
quarto para alugar, e se voc acha que s pra falar voc
est errado, eu no tenho necessidade, como todos estes
idiotas por a, eu no sou como eles: mais do que ficar
falando, eu prefiro perseguir uma garota s para olhar pra
ela, s olhar, para que fazer qualquer outra coisa alm de
olhar uma garota bonita? uma ocupao para mim, a vida
inteira eu sempre quis s andar por a, correr de vez em
quando, parar e sentar em um banco, andar devagarinho, ou
mais rpido, sem dizer nada, mas com voc no assim, e
desde que te vi, agora eu vou ter que te explicar tudo, antes
que voc parta e me deixe s aqui feito um idiota, mesmo com
esta cara acabada, com meu cabelo e minha roupa que no seca,
eu no quero olhar pros espelhos, e quanto a voc, a chuva
nem mesmo te molhou, a chuva passou se desviando de voc, as
horas passam por voc e por isso que eu pude perceber logo de
cara que voc no mais do que uma criana, tudo passa por
voc mas nada te afeta, nada acontece, e voc no parece
acabado, j eu tenho que evitar os espelhos e no pro de te
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olhar, voc, o que no muda, e se no fosse o problema de no
ter dinheiro, eu ia te pagar uma cerveja - invs de um caf -
e ento a gente ia ficar muito bem, ia beber algumas cervejas
como eu queria desde o comeo, eu j bebi uma, e mais outra
e trs ou quatro ou mais, no sei mais quantas, a gente podia
torrar todo o dinheiro agora se eu no tivesse sido roubado,
eu tinha o suficiente pra gente tomar quantas cervejas
quisesse, a noite inteira, at a gente comear a se sentir
bem, mas me roubaram no metr, golpe baixo, no sobrou nada a
no ser o troco que eu tinha no meu bolso da frente,d para
dois cafs, e eu sa correndo atrs deles, voc pode pensar
que eu estava pedindo por isso, os caras me roubaram e ainda
por cima me quebraram a cara, l no corredor da estao de
metr,dois caras com aquela cara que voc no se engana,
procurando o que fazer, querendo aprontar, bandidos que fazem
de tudo para manter aquela aparncia; eu sa atrs deles
pensando: porra, a gente pode tomar uma cerveja juntos,- eles
eram rpidos, eu tive vontade de correr atrs e dizer: me d
as sua roupa, o seu sapato, o seu cabelo, o jeito de andar, a
sua cara, assim mesmo, sem mudar nada (e se eles tivessem
feito isso, eu no ia nem olhar pra trs pra ver como eu
tinha ficado), mas eles nem me deram bola, eu no podia tirar
o olho deles e entrei no primeiro trem, bem atrs deles,
dizendo pra mim mesmo: eu vou convidar esses caras para uma
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cerveja, a gente passa a noite junto e ningum se enche-
quando eu pensei isso eu senti que um dos dois estava
enfiando a mo no bolso da minha cala e levando a carteira;
primeiro eu no me mexi, como se eu estivesse mantendo as
aparncias, e ento pensei: cara, sem briga, eu vou falar com
eles e no tem como dar errado, eu me virei e disse: - larga
de ser idiota, eu convido vocs pra tomar uma cerveja, e
depois a gente v o que faz, assim ningum fica mal-, o cara
atrs de mim olhou pro amigo, e no trocaram uma palavra,
como se no estivessem me vendo, no seja idiota, devolve o
meu dinheiro e a gente sai para tomar umas, pra conversar e
andar por a - ento eles continuaram a se olhar como se no
estivessem entendendo nada, e pouco a pouco, de se olharem eu
percebi que eles entraram num acordo e comearam a falar, a
falar cada vez mais alto, para todo mundo escutar, sem nunca
olhar para mim: o que que este cara a t querendo? est
querendo provocar a gente? quem que este cara a? Que
que ele t querendo?- eles me empurraram contra a porta:
vamos fazer esta bicha descer na prxima estao e quebrar a
cara dela, ento eu disse: est tudo bem, s vocs me darem
o meu dinheiro e fica tudo bem, mas eles diziam: que que
esse viado est querendo, vamos quebrar a cara dele, e
ningum reagiu, ningum acreditou na histria do meu
dinheiro, mas todo mundo acreditou que eu era uma bicha, fui
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jogado pra fora na estao seguinte e quando eles terminaram
de me bater, e quebrar a minha cara como se eu fosse a ltima
das bichas, a eles foram embora com a minha grana (e eu
fiquei l gritando, mas ningum acreditou), ento agora eu
no me mexo mais: eu agora no perco mais a calma, eu sento e
no me mexo, eu fico ali - eu olhei em volta, e tudo parecia
estar bem: uma msica, de longe, atrs de mim algum que
devia estar mendigando, l no fim do corredor na outra
plataforma uma velhinha que parecia congelada toda vestida de
amarelo sorrindo e gesticulando (eu olho, eu escuto, vai
ficar tudo bem), l longe, na plataforma, uma senhora pra de
repente para tomar flego, bem do meu lado um rabe sentado
comea a cantar umas coisas em rabe (e eu penso: mantenha a
calma), e bem na minha frente, eu vejo: uma garota vestida s
de camisola branca, o cabelo escorrido nas costas, ela passa
na minha frente com o punho fechado e a camisola branca, e
quando ela est bem na minha frente, o rosto se contorce, e
ela comea a chorar, e continua a chorar at o fim da
plataforma, com o cabelo desarrumado e punho fechado, de
camisola - a eu j estava de saco cheio, no estava mais
aguentando, me enchi de todo mundo, de cada um com sua
histria e seu mundinho, me enchi das suas caras, estava de
saco cheio de todo mundo e com vontade de sair batendo,socar
aquela mulher na plataforma, o rabe cantando seus problemas,
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eu quero muito quebrar aqueles dentes; fico com vontade de
dar uma surra no cara que est atrs no fim do corredor, e a
velhinha l na minha frente, parada, fico querendo bater nela
tambm, e com raiva de todo aquele circo, daquela garota de
camisola do outro lado da estao chorando, vou sair
quebrando tudo, estou com vontade de bater em algum, nas
velhas, nos rabes, nos mendigos, nas paredes, nos vages,
nos condutores, nos guardas, quebrar mquina de dinheiro, os
cartazes, as luzes, esse cheiro nojento, esse barulho de
merda, penso nos litros de cerveja que eu j tinha bebido e
nos que eu ainda podia beber at o estmago no aguentar
mais, eu estou ali sentado com vontade de bater em tudo,
quando de repente tudo pra, pra de verdade: o metr no
passou mais, o rabe calou a boca, a mulher l em cima parou
de respirar, a garota de camisola parou de chorar, tudo parou
de uma vez, a no ser a msica, e a velha congelada que agora
abre a boca e comea a cantar com uma voz assustadora,
enquanto l longe o mendigo toca alguma coisa, no d pra
ver, est longe, e ela responde cantando, respondem um pro
outro como se tivessem ensaiado (uma msica horrvel, uma
pera ou coisa parecida), mas to alto e to junto que tudo
pra de verdade, e a voz da velha enche todo o espao, e eu
digo: tudo bem, eu levanto e saio correndo pelo corredor,
pulo a escada, saio daquele buraco e comeo a correr, ainda
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7/27/2019 A Noite Antes Da Floresta - Koltes
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pensando na cerveja e correr, cerveja, e eu corro e penso:
mas que porra essa pera e essas mulheres, a terra do tmulo,
a garota da camisola, a puta no cemitrio, e eu continuo
correndo, e no me sinto mais, as pombas voam sobre a
floresta e os soldados atiram, os mendigos pedindo esmola, os
bandidos caam os estrangeiros, eu corro, corro, corro,
sonhando com o canto secreto dos rabes,e no meio disso tudo
eu te encontro, e te pego pelo brao, quero tanto um quarto e
estou ensopado, mame, mame, mame, no fala nada, no se
mexe, e eu te olho e eu te amo cara, eu, eu estou procurando
algum que seja um anjo no meio deste circo, e a est voc,
eu te amo e ento, cerveja e mais cerveja, e eu ainda no sei
como eu como te dizer, que zona cara, e ainda por cima,
sempre a chuva, a chuva, a chuva
Fim